Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Orientadora:
Rio de Janeiro
Outubro / 2014
ii
iii
CDD 299.673
iv
Agradecimentos
À Venina dos Santos e meus filhos Laura Isabel, Bruna Luisa e Pedro Vinicius, pelo
incentivo e paciência,
A meus pais, Graça e Raimundo, e meus sobrinhos Rhuann Renis e Yanna Nadini, pela
força e apoio,
À professora Nara Maria, que com muita paciência conseguiu conduzir a orientação de
forma eficaz e eficiente,
Às senhoras do Ilê Axé Orainian, que com muito amor e carinho foram as verdadeiras
protagonistas para que o trabalho fosse concluído. Benção!
RESUMO
Orientadora:
Prof.ª Nara Maria Carlos de Santana, D. Sc.
Palavras-chave:
Candomblé; Gênero; Socialização.
Rio de Janeiro
Outubro / 2014
viii
ABSTRACT
Adivisor:
Prof.ª Nara Maria Carlos de Santana, D. Sc.
The role of women in Brazilian society has constituted a complex and somewhat
interesting thematic way, considering that historically it was she who fought to ensure
the rights in a patriarchal and sexist society and that is currently occupying important
position in social media, politic, cultural and religious. Amid the context, some women
were key icons in the history of Brazilian society, among which are those with strong
linkages religious expression, especially Candomblé, afrobrazilian religiosity, as African
matrix, born in Brazil in the nineteenth century. Known as ―women of axé‖, ―ladies of
ilê‖, ―heiress of axé‖ and ―women of saint‖, they have a history of struggle and
resistance in face of colonial society, which contributed heavily to rise of cults of the
gods of the patheon African. They are being object to the proposed research
dissertation of master’s degree in Education ethical and racial issues Relations of
CEFET-RJ, have several assignments in the social environment, in the family and in the
religiosity, what makes them depend on the situation in which they are inserted, invisible
or visible. For this reason, they proposed objectives are oriented studies of socialization
gender and religiosity in attention to the issue of research using qualitative method and
application of representation theory to understand the behavior of this group of religious
women.
Keywords:
Candomblé; Gender; Socialization.
Rio de Janeiro
October / 2014
ix
Sumário
Introdução 1
transformações e permanência 7
o senhor da caça 43
sócio-históricos 61
e problemas sociais 67
de amor e agradecimento 68
de matriz africana 70
Considerações Finais 74
Referências Bibliográficas 77
ANEXO I 84
APÊNDICE I 85
APÊNDICE II 86
APÊNDICE III 87
APÊNDICE IV 88
APÊNDICE V 89
APÊNDICE VI 90
APÊNDICE VII 91
APÊNDICE VIII 92
APÊNDICE IX 93
xi
APÊNDICE X 94
APÊNDICE XI 95
APÊNDICE XII 96
APÊNDICE XIII 97
APÊNDICE XIV 98
xii
Apresentação
Introdução
Discutir a questão da mulher constitui um desafio dentro da pesquisa, porém, é
incentivador quando existe a possibilidade de relacionar temas como gênero e religiosidade de
matriz africana para entender o comportamento feminino no seu cotidiano social e religioso.
Por essa razão, entender o Candomblé desde sua gênese até a contemporaneidade compõe
um valoroso estudo quando se trata da visibilidade religiosa feminina nos espaços sagrados,
paralelo a essa questão identificar e também discutir as lutas das mulheres de santo por
projetos que contemplem seus interesses sociopolíticos dentro de suas comunidades.
Neste sentido, o objetivo geral deste trabalho foi realizar uma pesquisa sobre as
mulheres do axé, constituindo um estudo da socialização, gênero e religiosidade. Possibilitando
um entendimento dessa concepção macro, consideramos importante pontuar mais
especificamente outros objetivos: diagnosticar o nível socioeconômico das mulheres de axé em
sua comunidade e definir os cargos e atribuições das mulheres na organização, preparação e
execução dos cultos no Candomblé.
Mulheres do Axé, mulheres do santo, senhoras do ilê ou herdeiras do axé constitui
nosso objeto de estudo; consideramos, portanto, sua vida agitada de trabalho, sendo donas de
casa, sustentadoras da economia do lar, lidadora de problemas familiares dos filhos e dos
maridos ou profissionais que, em decorrência disso, ainda sofrem as desigualdades sociais e,
principalmente de gênero, por serem mulheres inseridas em meio a uma sociedade com fortes
elementos patriarcais e machistas. Além disso, pontuamos sua importância e poder na
condição de mulher religiosa dentro das religiosidades afro-brasileiras.
A questão que se coloca é: por que ainda existe uma desigualdade tão marcante e
como podemos contribuir para ser enfrentada? Uma resposta possível é que no processo
histórico de construção das sociedades ocidentais o homem representa o líder e a força da
família, tornando difícil compreender a mulher multifacetária, ou seja, aquela que se encontra
no papel de tantas outras e outros, além dela mesma1. A problemática do projeto está na
análise do modo em que a mulher de axé convive no seu cotidiano social e familiar através de
suas ações, comportamentos e simbolismos traçando um paralelo à sua prática religiosa de
matriz africana, traduzindo essa realidade na sua visibilidade e invisibilidade. Neste aspecto,
existem algumas questões a serem analisadas no que diz respeito à pesquisa e no interior dos
objetivos específicos, entre elas: que atitudes são tomadas pela mulher de axé nessa
dualidade social e religiosa que interfere no seu comportamento? Que diferenças existem com
relação à sua vida familiar e social no momento em que essas mulheres entram nas casas
religiosas para cultuarem seus Orixás?
[1]
Para fundamentar essa ideia, ROSA (2008) utiliza uma citação de PINTO (1992) que explica que os mitos que se referem ao
patriarcalismo ―(...) esforçaram-se arduamente para reduzir o prestígio feminino que sempre esteve associado à natureza e à
fecundidade. A submissão do poder feminino a serviço do patriarcado foi estabelecida justamente a partir da redução do poder
simbólico feminino. Neste sentido, é muito importante discutir sobre a localização, a manutenção e o rompimento com as relações
de poder. Estas têm como dispositivo as relações de gênero, enquanto práticas que, muitas vezes, reproduzem as desigualdades
entre homens e mulheres‖ (PINTO, 1992, p. 132).
2
Por outro lado, a ideia de trabalhar com hipóteses, definidas por SILVA (2001) como
“(...) suposições colocadas como respostas plausíveis e provisórias para o problema da
pesquisa” (SILVA, 2001, p. 82), possibilitam alguns caminhos para o direcionamento do projeto
através de algumas afirmações que poderão ser confirmadas ou refutadas com o
desenvolvimento da pesquisa. Ao que se propõe esta pesquisa, pode-se dizer que:
- A representatividade das mulheres de Axé na prática dos preceitos da religiosidade de
matriz africana as torna visíveis perante seu grupo social;
- A socialização das mulheres de Axé é diferenciada dentro e fora dos terreiros;
- As relações de gênero nos contextos religioso e social influenciam no posicionamento
político da mulher de axé.
É importante elucidar que a pesquisa dialoga com autores que são citados mais à frente
neste trabalho e que possuem um importante histórico nos debates teóricos sobre a temática
das relações de gênero e a religiosidade afro-brasileira, buscando entender a questão da
valorização da mulher de Axé enquanto trabalhadora, mãe, provedora do lar em seu meio
social, proporcionando assim uma maior compreensão sobre as razões que levaram essas
mulheres a lutarem pela equidade de forma coletiva. Diante disso, é uma pesquisa que está
organizada de uma forma que contribua em dar maior visibilidade à mulher enquanto provedora
e conservadora pela perpetuação da religiosidade afro-brasileira, considerando o terreiro, roça
ou ilê como seu espaço de poder e visibilidade na vivência e prática dos fundamentos
religiosos, assim como na organização de seu espaço político e social em atenção às suas
reivindicações.
Sendo assim, quando discutimos os conceitos sobre as origens do Candomblé,
estamos tratando dos estudos, pesquisas e teorias da história, cultura, antropologia, sociologia
e política e seus diálogos com os cultos africanos trazidos e aqui adaptados para a realidade
brasileira. Essa adaptação permitiu algumas mudanças no processo de organização dos
rituais, um entendimento dos deuses africanos de acordo com as necessidades do negro em
um novo lugar e uma concepção hierárquica que, ao longo dos anos, foi passando por estágios
que garantiam uma modificação, dando assim à mulher um papel importante na religiosidade.
Para discutir os conceitos da temática religiosidade afro-brasileira numa perspectiva social,
antropológica e cultural estaremos dialogando com M’BOKOLO (2009), Roger BASTIDE
(1971), Edison CARNEIRO (2008), Raul LODY (2008) e Teresinha BERNARDO (2003).
As proposições teóricas sobre a história do Candomblé quanto às suas origens
associando-as especialmente à liderança das mulheres nas cerimônias e rituais constitui um
cenário de debates à luz das ciências sociais e humanas, ainda que seja inegável a relevância
do papel delas dentro da religião, dando visibilidade às suas atribuições e conhecimentos,
tornando-as poderosas dentro do ilê ou roça. Isso explica a necessidade de incluir na pesquisa
3
uma análise do tema sobre gênero, justificada na presença de um grupo de mulheres iniciadas
no Candomblé, organizadas em torno de um objetivo comum, a reverência aos Orixás.
A discussão teórica em gênero fundamenta-se na investigação que tem como temática
a questão da invisibilidade social e visibilidade religiosa das mulheres do Axé, buscando
entender o comportamento desse grupo no convívio com situações distintas na sociedade e na
religiosidade. Por essa razão, escolhemos os conceitos que consideramos os mais apropriados
para esta análise.
ARRUDA (2002) comenta que o gênero constitui uma categoria relacional, proposto
dentro das teorias relacionais
“(...) em que não se pode conhecer sem estabelecer relação entre o
tema/objeto e o seu contexto. Gênero é uma categoria relacional, na qual, ao
se levar em conta os gêneros em presença, também se consideram as
relações de poder, a importância da experiência, da subjetividade, do saber
concreto” (ARRUDA, 2002, p. 133).
Outros autores que dialogam sobre gênero feminino, entre eles WERNECK (2005),
CARNEIRO (2005), SOARES DA SILVA (2010), AGUIAR (2007) e FISCHER e MARQUES
(2001) foram importantes na construção da fundamentação teórica do texto.
Por outro lado, o diálogo com vários autores permitem confrontar dados dessa realidade
sociopolítica e cultural-religiosa, avaliando as informações que traduzem o comportamento
social no que diz respeito a esse grupo de mulheres em particular, inspirado em princípios
filosóficos, ideologias, doutrinas que se originaram no processo de classificação e
hierarquização do homem e da mulher, com base nos fortes vínculos relacionados à questão
racial, de gênero, sexista2, identidade3 e etnia.
E quando discutimos os estudos das relações raciais, o conceito de identidade cultural4,
estamos tentando compreender o espaço ocupado pelas mulheres na sociedade brasileira,
especificamente a mulher de Candomblé no que diz respeito à sua posição social e política, as
relações estabelecidas entre ela e os homens, sua luta em assegurar a identidade e a
religiosidade, estamos propondo um debate entre autores como BASTIDE (1971), HOEBEL e
FROST (1976) e HALL (2003).
[2]
Com relação à discussão conceitual do sexismo, VON SMIGAY (2002) explica ―(...) que é uma posição, ou uma postura
misógina, de desprezo frente ao sexo oposto – expressão desconsiderada na edição de 1975 do Novo Dicionário Aurélio, ausente
também no Novo Michaelis dos anos oitenta, na sua edição inglesa, mas presente no Petit Robert, publicado em França nos anos
noventa. Sexismo é atitude de discriminação em relação às mulheres. Mas é importante lembrar que se trata de uma posição, que
pode ser perpetrada tanto por homens quanto por mulheres; portanto, o sexismo está presente intragêneros tanto quanto entre
gêneros. Inscrita numa cultura falocrática, impregna o imaginário social e o prepara a um vasto conjunto de representações
socialmente partilhadas, de opiniões e de tendência a práticas que desprezam, desqualificam, desautorizam e violentam as
mulheres, tomadas como seres menores de prestígio social‖ (VON SMIGAY, 2002, p. 34).
[3]
SANTOS (2011) compartilha em seu embasamento teórico do trabalho ―Identidade e imaginário social: Mulheres Negras em
Cuba após 50 anos de revolução‖ da (...) linha discursiva de Stuart HALL (2005) no debate sobre as identidades sociais, conjunto
de características pelas quais o indivíduo é associado a um grupo, enquanto uma categoria móvel, fluida e híbrida. A construção da
identidade está associada a particularidades específicas de gênero, classe, raça, etnia, espaço geográfico e cultura. (SANTOS,
2011, p. 2).
[4]
A identidade cultural pode ser reivindicada por grupos minoritários ou excluídos que compartilhem algo em torno do qual cerrar
fileiras: feminismo, homoerotismo, sentimento da pertença a uma etnia afrodescendente ou indígena. (FIGUEREIDO, 2005, pp. 20-
21)
4
[5]
Título de senioridade dada à pessoa iniciada após cumprir todas as obrigações impostas pelo candomblé, ou seja, um ano, três
anos e sete anos. (Nota do autor).
5
Por essa razão, deve ser usada com cuidado e sabedoria, pois para o negro-africano a
palavra é de origem divina.
Já o homem, por sua vez, é constituído de ―corpo, o princípio vital de animalidade e
espiritualidade e o princípio vital que estabelece a imortalidade do ser humano‖ (LEITE, 1996,
p. 5). O corpo é o físico, o visível e o sólido, o princípio vital de animalidade e espiritualidade é
o sopro ou fluido vital, o que traduz uma relação humano-divino-humano. A imortalidade
representa o além da morte e o retorno ao clã através da ancestralidade.
A socialização é um princípio importante de interação entre os seres humanos, ela é
como uma iniciação, o ser humano possui etapas a cumprir, sendo o processo social uma
delas, pois contribui para a formação da individualidade.
O término da existência do ser humano é um desafio de superação para os integrantes
de uma sociedade, por essa razão, a morte passa a constituir-se de cerimônias e rituais, pelos
quais os que ficam na terra estabelecem o equilíbrio de todos e incluir o final da existência
humana na vida e no cotidiano social.
Com relação aos ancestrais e à ancestralidade, LEITE (1996) afirma que:
“Nessa complexa proposição da existência, que coloca a morte dentro da vida,
os ancestrais negro-africanos constituem, juntamente com a sociedade a sem
dela separar-se, um princípio histórico material e concreto capaz de contribuir
para a objetivação de identidade profunda de um dado complexo étnico e das
suas formas de ações sociais. De fato, as principais instâncias das práticas
8
Na musicalidade,
“Famosa no mundo inteiro pela sua qualidade inconteste, a música brasileira
tem os dois pés bem fincados no Continente Negro. Quem resiste aos
encantos de uma batucada? A musicalidade, a dimensão do corpo que dança e
vibra em resposta aos sons só reafirma a consciência de que o corpo humano
8
também é melódico e potencializa a musicalidade como um valor” .
O princípio do Axé, ou energia vital, é tudo que é vivo e que existe, por isso tem axé,
tem energia vital: planta, água, pedra, gente, bicho, ar, tempo, tudo é sagrado e está em
interação. Podemos sentir o Axé também no espaço escolar: ―[i]maginem se nosso olhar sobre
[6]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
[7]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
[8]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
[9]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
[10]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
[11]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
10
nossas crianças de Educação Infantil forem carregados da certeza de que elas são sagradas,
divinas, cheias de vida‖ (TRINDADE, 2005, p. 33).
Já a ludicidade:
“possui variadas utilidades, os jogos sempre viabilizaram o aprendizado.
Também serviram para transmitir as conquistas da sociedade em diversos
campos do conhecimento. Quando os membros mais velhos de um grupo
revelam aos jovens como funciona um determinado jogo de tabuleiro, por
exemplo, eles transmitem uma série de conhecimentos que fazem parte do
12
patrimônio cultural daquele grupo” .
[12]
Disponível em < http://www.acordacultura.org.br/oprojeto > Acesso em:
[13]
O uso da categoria mulher esteve ligado aos primeiros questionamentos dos estudos feministas, ou seja, pensada em
contraposição à palavra homem, as mulheres colocavam em debate a universalidade de nossa sociedade, o homem, reivindicando
uma identidade mulher, pois não se sentiam incluídas quando eram nomeadas pelo masculino. Contudo, principalmente no
contexto norte-americano, mulheres negras, índias, mestiças, pobres, trabalhadoras, muitas delas feministas, reivindicavam uma
diferença dentro da diferença, fomentaram-se debates que culminou no uso do termo mulheres, respeitando-se então o
pressuposto das múltiplas diferenças que se observam dentro da diferença (PEDRO, 2005, pp. 80-82 apud BALTHAZAR, 2011, p.
32).
[14]
Ao tratar das mulheres africanas e seu papel na sociedade egípcia, BALTHAZAR (2011) comenta ―(...) que antes de tudo,
entender que não se pode falar de uma mulher egípcia, mas de mulheres socialmente inseridas em uma estrutura altamente
hierarquizada‖ (BALTHAZAR, 2011, p. 32).
11
Ainda que BALTHAZAR (2011) defenda que os poderes das rainhas egípcias se
limitassem a pequenas decisões que não interferissem na política, FABRÍCIO (2010)) comenta
no resumo das obras de The Oxford history of the ancient Egypt e The Amarna Period and the
Later New Kingdom, realizadas para um projeto de investigação científica em Introdução à
História e Arqueologia do Antigo Egito, que as mulheres reais no início da 18ª dinastia tiveram
destaque em decisões políticas:
“Ahmose-Nefertari, por exemplo, é descrita em um monumento do ano 18 do
reinado de Ahmose como sendo a “filha do rei, irmã do rei, grande esposa do
rei, esposa do deus Amun”, e, assim como Ahhotep, “aquela que ama o Alto e
Baixo Egito”. A rainha sobreviveu ao seu marido e seu filho Amenhotep I e
ainda assim conservou seus títulos e posição como esposa do deus Amun no
reino de Thutmés I. Existem evidências que afirmam que rainhas podiam
gerenciar seus próprios planos de construção, independentemente da figura do
rei, possuindo centros de cultos próprios e templos dedicados a sua imagem.
Ainda existem monumentos que representavam a presença feminina da família
real em diversas regiões estrangeiras, talvez, como forma de ligar as rainhas e
princesas a Hathor, deusa das terras estrangeiras, cujo papel de filha do deus-
sol era proteger seu pai” (FABRICIO, 2010, pp. 4-5).
[15]
Sobre essa questã o, ver : BALTHAZAR, Gregory da Silva. O Feminismo e a Igualdade de Gênero no Antigo Egito: Uma Utopia
da Emancipação Feminista. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH, no prelo‖. (Sim vamos colocar em nota de
rodapé)
12
[16]
M’BOKOLO (2009) defende a ideia de que em ―(...) todos os Estados conhecidos, as dinastias reinantes baseiam-se em
filiações que transcendem os limites étnicos e linguísticos, e são completados por um sistema de alianças locais com as
sociedades periféricas estrangeiras, clientes e fornecedores.‖ Ao que parece, a autora sugere que as relações sociais, econômicas
e culturais eram bem híbridas (M’BOKOLO, 2009, p. 123).
13
Ainda que vários autores abordem a temática do ponto de vista econômico e que seja
importante considerá-lo no debate, nos interessamos em pontuar os aspectos culturais e
sociais do fato histórico, porque assim trazemos à discussão o ser humano como protagonista
15
Entretanto, dos levantes que ocorreram, algumas negras tiveram participação, sendo
detidas e punidas, conforme SCHUMAHER e BRAZIL (2007):
“Não era raro acontecer levantes no interior dos navios. O subcomandante da
Companhia Geral das Índias, William Bosman, consta que, em 1702, cativos
embarcados num navio holandês ancorado em Ajudá apoderaram-se de várias
armas e lançaram-se sobre a tripulação. Depois de meia hora, dois mortos e
outros tantos feridos, os rebelados foram controlados. No dia seguinte,
enforcaram muitos deles na ponta do mastro, onde permaneceram
pendurados. Segundo Bosman, as mulheres pareciam “mais audaciosas e
perigosas” e assim como os demais revoltosos, também foram postas a ferro.
Durante a travessia muitas se atiraram ao mar, temendo o mal maior que as
esperava” (SCHUMAHER e BRAZIL, 2007, p. 21).
Quando se trata da procedência do negro, RODRIGUES (2008) comenta que não existe
uma data precisa, uma vez que o comércio de africanos no continente europeu já existia antes
mesmo da descoberta do Brasil e afirma que a escravidão brasileira nos seus primeiros tempos
possuiu um caráter secundário, restringindo o negro ao serviço doméstico. Para o autor, o
tráfico se intensifica a partir do momento em que surge uma escassez de mão-de-obra para a
lavoura e o trabalho nas minas.
Além disso, OLIVEIRA (1999) apud PRANDI (2000) diz que:
“A origem dos africanos trazidos para o Brasil dependia também, e
especialmente, de acordos e tratados realizados entre Portugal, Brasil e
potências européias, sobretudo a Inglaterra. A África, também como celeiro de
mão-de-obra, era evidentemente loteada entre os países coloniais- escravistas,
e a origem do tráfico mudou muito, em três séculos, em função dos cambiantes
[17]
Ao considerar os aspectos sociais e culturais do ser humano, estamos falando de sua totalidade, não o objeto comercial, mas
sim o africano com seus valores culturais em um processo dolorido de transplantação para ―um lugar desconhecido‖. (Nota do
autor).
16
[18]
JUNIOR (2009) em sua obra comenta que Zumbi sempre foi muito respeitado em Palmares, ―..alto, muito mais do que seus
generais e muitíssimo mais forte. A pele, de um negro retinto e brilhante, estica-se sobre o peito largo e musculoso. As marcas
faciais, que demonstram suas origens étnicas e tribais, são idênticas às que sua mãe, por tantas vezes, desenhou no chão da
senzala, ensinando-lhe suas origem, indicando-lhe um local que desconhecia, mas que ela dizia ser do outro lado do oceano e que
se chamava ―Golfo do Guiné‖. E com mais detalhe diz: ―Em volta do seu tornozelo esquerdo usa uma grossa pulseira de ouro
bruto. Uma pele de onça lhe cobre os quadris, passando uma estreita tira pelo ombro direito. Um colar de dentes de onça, que se
entrechocam, passa-lhe duas vezes em torno do pescoço. A boca de lábios grossos, o nariz afinado e o queixo quadrado dão-lhe
um aspecto feroz e amedrontador. Mas, o que mais chama atenção em toda sua figura, são os olhos, dois olhos negros, enormes e
um pouco oblíquos, dotados de um brilho agudo que fascina. Cobre a cabeça com uma espécie de coroa, que circunda sua cabeça
deixando livre seu topo, que é coberto apenas por um fino couro, pelas laterais pendem duas pequenas lâminas, que escondem as
orelhas e à frente sobe um pequeno régulo em forma de grossa espiral‖ (JUNIOR, 2009, p. 192-193).
17
Além disso, o projeto ―Somos todas Rainhas‖ desenvolvido pela ASSOCIAÇÃO FRIDA
KAHLO E ARTICULAÇÃO POLÍTICA DE JUVENTUDES NEGRAS (2011) contém dados de
mulheres negras que cumpriram importante missão no período colonial no que diz respeito à
construção e resistência dos quilombos e chama atenção para importantes lideranças
femininas, entre elas Aqualtune, uma princesa filha do rei do Congo, e Acotirene. Além delas, a
rainha Teresa liderou um quilombo de nome Quaritê; duas irmãs chamadas de Francisca e
Medicha criaram e foram líderes no quilombo de Conceição das Crioulas, em Pernambuco, no
início do século XIX. Por outro lado, Zacinda Gambá liderou um quilombo na Capitânia do
Espírito Santo, e Zeferina foi uma liderança no Quilombo do Urubu, na Bahia, no início do
século XIX. A senhora Felipa Maria Aranha liderou um grande quilombo entre Grão Pará e
Tocantins, e Mãe Domingas esteve à frente do Quilombo Tapagem no Pará.
Sobre essas lideranças femininas negras, a ASSOCIAÇÃO FRIDA KAHLO E A
ARTICULAÇÃO POLÍTICA DE JUVENTUDES NEGRAS (2011) diz que:
“Essas mulheres exerceram papéis significativos de liderança em suas
comunidades, buscaram reconstruir nos quilombos a identidade que o sistema
escravista tentou apagar. Mas, infelizmente existem poucos registros históricos
sobre suas trajetórias, e além desses quilombos comandados por mulheres,
podem ter existido vários outros” (ASSOCIAÇÃO, 2011, p. 17)..
Como se observa, o tão chamado matriarcado no Candomblé pode ter sua raiz a partir
dessa autonomia que a mulher africana na diáspora21 trouxe para o Brasil, além disso, muitas
[19]
BASTOS (2009) comenta que a produção do sagrado esteve sempre no domínio dos homens, historicamente falando, enquanto
as mulheres ficaram marginalizadas e ausentes do espaço de fé, crença e religiosidade.
[20]
PRANDI (1996) explica que ―O candomblé encontrou condições sociais, econômicas e culturais muito favoráveis para o seu
renascimento num novo território, em que a presença de instituições de origem negra até então pouco contavam. Nos novos
terreiros de orixás que se foram criando então, entretanto, podiam ser encontrados pobres de todas as origens étnicas e raciais.
Eles se interessaram pelo candomblé. E os terreiros cresceram às centenas‖ (PRANDI, 1996, p. 16).
20
delas nesse processo histórico foram separadas de suas famílias, tornado-as um ícone de
resistência cultural e de gênero por manter parte de sua tradição ancestral e por lutar
trabalhando pela sua liberdade, pagando por sua alforria através dos seus negócios lucrativos.
A respeito dessa mulher africana autônoma e independente, WERNECK (2005) utiliza o
exemplo das Ialodês na diáspora.
“Según algunas tradiciones africanas transplantadas para Brasil, ialodê es uno
de los títulos dados a Oxun, divinidad que tiene origen en Nigeria en Ijexa e
Ijebu. Ialodê se refiere también a la representante de las mujeres y a algunos
tipos de mujeres emblemáticas, líderes políticas femeninas de acción
fundamentalmente urbana. Es, como decimos, la representante de las mujeres,
aquella que habla por todas y participa en las instancias de poder” (WERNECK,
2005, p. 32).
Para VERGER (1992) essa forte influencia feminina reside no fato de que a compra da
liberdade deu chance da mulher dispor de dinheiro e tempo para cultuar seus deuses muito
mais que os homens. Por outro lado, LANDES (1967) traz como argumento as origens dessas
mulheres na África, considerando seu envolvimento na divisão do trabalho comunitário, nas
relações comerciais estabelecidas pelas trocas em mercados e feiras, bem como seu processo
de autonomia em resolver situações enquanto o marido estava trabalhando fora. Por conta
disso, elas dominaram as técnicas de produção e colheita, além de possuir forte influência na
religiosidade como sacerdotisas e médiuns.
Sobre esse tema, LODY (2006) comenta que:
“Algumas vendedoras, como tias, tias da Costa – mulheres negras, filhas e
netas de africanos para a primeira categoria; e, para a segunda, eram mulheres
africanas, muito respeitadas, e em sua maioria se vinculavam ao candomblé.
Vendiam produtos africanos, alguns em lojas – quitandas – estabelecidas em
áreas da cidade de Salvador como o Pelourinho, por exemplo, ou em outros
tipos de venda, onde se encontravam panos de Alacá – panos da Costa –
palha, obi, oborô, contas, sabão, todos da Costa, da costa africana,
provenientes dos grandes e famosos mercados da Nigéria, do Benin” (LODY,
2006, p. 48).
Essa autonomia do gênero feminino nos rituais de Candomblé no Brasil, durante todo o
processo de organização e preparação do culto aos Orixás22, possui uma dinâmica interativa
entre essas mulheres, as quais fazem uso de alguns códigos, símbolos e uma linguagem
própria da religiosidade. Elas constituem-se de uma força incomparável para garantir a
continuação dos conhecimentos passados oralmente sobre a ancestralidade e a luta pelo
respeito à sua religiosidade e dignidade.
[21]
―O conceito de diáspora se apoia sobre uma concepção binária de diferença: por um lado está fundado em uma ideia que
depende da construção de outro, e de uma oposição rígida entre o dentro e o fora. Por outro lado, sabendo que o significado é
crucial à cultura, temos a noção moderna pós-saussuriana que insiste que o significado não pode ser fixado definitivamente, pois
está sempre em movimento. Hall afirma que a distinção de nossa cultura é manifestamente o resultado do maior entrelaçamento e
fusão, na fornalha da sociedade colonial, de diferentes elementos culturais africanos, asiáticos e europeus‖ (HALL, 2003, p. 31).
[22]
VERGER (2002) após algumas análises dos conceitos definidos por outros autores, diz que ―Orisà‖ (...) seria, em princípio, um
ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas forças da natureza, como o
trovão, o vento, as águas doces ou salgadas, ou, então, assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a
caça, o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilização.
21
Essa força é o próprio axé (força, energia pura) que se faz presente no sexo feminino
através do poder da fecundação, fato que desperta curiosidade em muitos estudiosos da
temática, gerando uma grande especulação para entender a feminilidade nos cultos
candomblecistas, em especial, de onde se origina esse número grande de adeptas à
expressão religiosa23.
VERGER (2002) quando aborda a história dos primeiros terreiros de candomblé no
Brasil, diz que com a instituição do batuque, os escravos libertos ou não e reagrupados podiam
exercer a prática de seus cultos, sendo a realização destes rituais fora das igrejas. Isso
contribuiu para que surgissem as roças e terreiros para a prática religiosa dos deuses
africanos. O mais interessante é que Verger, ao tecer seus comentários sobre as origens
dessas ―roças‖, assinala que mulheres fortes e enérgicas deram os passos iniciais para
organização de um lugar para a prática religiosa.
Essa mesma temática foi utilizada por BERNARDO (2003) quando orientou sua
pesquisa na tentativa de descobrir de onde vinha a autonomia da mulher negra de candomblé,
ou seja, se essas características para liderar foram adquiridas depois que se tornou mãe de
santo ou nas raízes culturais africanas.
“É na procura, então, das mulheres negras que o texto se movimenta. Fui para
a África, encontrei as africanas ocupando o espaço público: estavam nas feiras,
trocavam bens. Mas não eram só objetos materiais que elas trocavam, as
trocas dirigiam-se também para os bens simbólicos: eram músicas, orações,
danças, receitas para curar o corpo, receita para aconchegar os corações.
Percebi também que entre os ioruba, as mulheres chegavam a ocupar cargos
públicos de destaque. Na família poligínica, a africana vivia num cotidiano
repleto de conflitos, mas não se pode dizer que a mulher africana não possuía
certa autonomia” (BERNARDO, 2003, p. 16).
Ainda que grande parte das pesquisas sobre a origem dos primeiros terreiros24 de
Candomblé no Brasil remonte a essas mulheres, em especial, a Iyalussô Danadana e Iyanassô
Akalá ou Iyanassô Oká, sendo auxiliadas por Babá Assiká, Edison CARNEIRO (1992) reforça a
ideia dizendo que:
“Fundaram o atual Engenho Velho três negras da Costa, de quem se conhece
apenas pelo nome africano – Adetá (talvez Iá Detá), Iá Kalá e Iá Nassô. Há
quem diga que a primeira destas foi quem lhe plantou o axé, mas esta
precedência não parece provável, pois ainda hoje o Engenho Velho se chama
Ilê Iá Nassô, ou seja, em português, Casa da Mãe Nassô” (CARNEIRO, 1992,
p. 54).
[23]
LIMA (2006: 81) comenta que existem explicações diversas, questionando a opinião de Herskovits que lança a hipótese com
base na questão econômica, vendo pelo ponto de vista da história, já que o processo de iniciação no candomblé considera uma
série de requisitos, entre eles o período longo de reclusão, o que impossibilitaria os homens que sustentam a família de
participarem dos rituais de iniciação, oportunizando assim as mulheres de o fazerem. O questionamento feito por LIMA (2006)
quanto à tese defendida por Herskovits está pautado na divisão de trabalho escravo imposto a negros e negras, sendo
funcionalmente idênticos, além disso, nas sociedades africanas, a exemplo das culturas Ioruba e Fon, o sistema religioso está
fortemente interligado à organização social, levando homens e mulheres a atenderem os apelos das divindades. À parte disso,
comenta o autor, é comum a religião está inteiramente relacionada com a linhagem e o sistema de parentesco.
[24]
BARRETO (2009:53) define como: ―... todo espaço dedicado ao culto das divindades de origem africana. É a casa de santo, o
candomblé, a roça, canzuá ou até aldeia, no dizer caboclo. Os termos ―roça‖ e ―terreiro‖ nos levam ao tempo em que grandes
candomblés foram plantados fora dos limites urbanos de então, verdadeiras roças, restos de mata atlântica.‖.
22
[25]
Mulheres que através do fenômeno da possessão entram em transe recebendo os Orixás (BARRETO, 2009).
[26]
Divindade africana, santo que rege a cabeça (BARRETO, 2009, p. 45).
[27]
Mãe de santo, sacerdotisa do Orixá.
[28]
Alguns deuses não puderam ser transplantados, como o são os Inquices, cultuados pelos Bantu. BASTIDE (1971) afirma que os
povos bantu ―acreditavam em espíritos, porém esses espíritos estão ligados às florestas, aos rios ou às montanhas de seus países;
estão presos aos acidentes geográficos, aos pântanos, às grutas e não podem migrar com os homens, são deuses locais. O banto,
passando para a América, deixou atrás de si, além de seu território, os espíritos que o povoavam (BASTIDE, 1971, p. 250).
23
A respeito das famílias poligínicas e sua função na tribo, HOEBEL e FROST (1976)
afirmam que:
“Existem numerosos motivos sociais que apóiam a poliginia como instituição.
Se um homem tem meios de sustentar diversas mulheres, é capaz de
apresentar ao mundo um lar mais rico e mais bem equipado. Mais mulheres
podem preparar melhores roupas e melhor comida. Se as habilidades manuais
das mulheres produzem artigos negociáveis ou bons para troca, a riqueza do
seu lar poderá ser aumentada. [...] A poliginia pode também servir como
mecanismo para o status competitivo no campo sexual, quando ter e manter
diversas mulheres contra todos os aventureiros é uma tarefa perigosa, como
entre os esquimós” (HOEBEL; FROST, 1976, p. 210).
[29]
Sobre o tema, PREVITALLI (2008) assinala o Candomblé, como exemplo, afirmando que este ―(...) se organizou em torno de
―nações‖ que se originaram principalmente dos grupos de negros bantos e dos sudaneses que chegaram ao Brasil, através da
diáspora africana‖ (PREVITALLI, 2008, p. 16). Edison CARNEIRO (2008) escreve que os escravos que vieram para o Brasil
provinham de muitas tribos e que cada uma delas tinha sua religião em particular.
[30]
A respeito dessa temática, ROSÁRIO (2008)) comenta que no contexto africano, a religião dos orixás está ligada
fundamentalmente à noção de família, havendo, pois uma extrema diversidade e variação de coexistência entre os orixás, o que de
acordo com VERGER (1886) suscitaria certa descrença diante de concepções demasiado estruturadas. O tráfico de escravos
africanos para o Novo Mundo – compreendendo as Américas e as Antilhas – fez com que os Orixás atravessassem o Atlântico e
passassem a ser cultuados de formas diferentes devido as circunstâncias. Através dos últimos séculos, o que na África se
constituía como culto familiar ou tribal transformou-se em formas cultuais mais ou menos estruturadas, identificáveis por categorias
como ―Candomblé‖, no Brasil, por exemplo, ou ―Regla de Ocha‖, em Cuba.
[31]
Fundada provavelmente depois das cidades ioruba da zona florestal, entre os anos de 1380 e 1430, Oyó era a cidade ioruba
mais setentrional e, até meados do século XVI, mais preocupada com as suas fraquezas nas relações com os seus vizinhos
imediatos, situados para lá da confluência do Níger e do Benué, Nupe e Borgu, do que com as suas relações com os seus
parentes do sul (M’KOBOLO, 2009, p. 436).
[32]
―Xangô era o quarto rei dos ioruba e foi desafiado pelos seus amigos e depois da sua morte. Xangô exerceu o seu poder sobre
todos os ioruba, incluindo o Benim, o Popo e o Daomé; porque o seu culto continuou em todos estes países até hoje‖ (M’KOBOLO,
2009, p. 438). Segundo PRANDI (2009) ‖é o orixá do Trovão, do governo e da justiça‖ (PRANDI, 2009, p. 53).
24
Ainda que as formas de cultuar os Orixás tomassem rumos distintos, ROSÁRIO (2008)
comenta que a mitologia continuou ―(...) presente nas explicações da Criação, na composição
dos atributos dos orixás, na justificativa religiosa dos tabus, nas danças rituais, ainda que sem
organização sistemática‖ (ROSÁRIO, 2008, p. 14). À frente desse processo, as mulheres
negras33 conseguiram cumprir um papel predominante, se organizando e articulando
estratégias para manter o culto aos deuses, mesmo com a eminência de serem perseguidas.
Um aspecto relevante em todos os fatos ocorridos é o poder da mulher, sempre ela,
zeladora dos preceitos mais secretos, supervisora dos afazeres, a rodante dedicada, a
companheira de dança e cuidados com os deuses no xirê34. Tudo por amor aos Orixás, donos
e donas das forças da natureza35.
Chama a atenção nessas mulheres o cumprimento das cobranças da religião, exigindo
como requisito um envolvimento e dedicação intensos para atender ao Orixá, ou seja, limpar,
lavar e cozinhar os bichos, costurar as roupas dos Orixás, engomar as roupas das rodantes,
organizar e ornamentar o barracão de acordo com as características de cada deus são
atividades feitas com compromisso e responsabilidade. Apesar de tanto trabalho, a fé no Orixá
lhe dá um poder, que varia de acordo ao cargo que ocupa. Trabalhar para os deuses é
diferente do trabalho para a família e sociedade.
Enfrentar a realidade social, os problemas familiares, a pressão no trabalho, as
dificuldades econômicas também fazem parte do rol de atribuições dessas mulheres, porém
condicionadas a padrões estabelecidos por uma sociedade que ainda não dá o valor merecido
a elas, caindo muitas vezes na obscuridade, no esquecimento e, ou, talvez, na invisibilidade,
como veremos nas entrevistas mais adiante.
Isso tem suas origens na própria história da humanidade, onde homens e mulheres
tiveram que conviver juntos, cumprir papéis e lutar pela sobrevivência de sua prole, porém,
essas relações foram sempre excludentes36, cabendo à mulher cumprir atribuições designadas
pelos homens muito restritas ao ambiente doméstico e à agricultura, o que consequentemente
tornou-se parte cultural das sociedades.
[33]
Sobre essa temática a pesquisadora Maria de Lourdes Siqueira em seu trabalho – ―Yámi, Iyá Agbas: Dinâmica da
Espiritualidade Feminina em Templos Afro-Baianos‖ comenta que: ―as religiões africanas representam uma afirmação de que não
há uma verdade única, tal como nos é proposto pelo Ocidente. Há outras culturas com suas especificidades distintas que precisam
ser reconhecidas e respeitadas. As lições transmitidas à humanidade pela civilização africana aqui no Brasil nos são transmitidas
pelas mulheres ancestrais dos terreiros‖ (SIQUEIRA, 1995, s/p).
[34]
Segundo BARRETO (2009) é a roda dos Orixás, onde as mulheres dançam, antes do transe.
[35]
Exemplificando, SOUZA (2008) quando fala da mulher, em sua pesquisa ―A Estética do Candomblé, fazendo axó e tecendo
axé‖, comenta que ―(...) No complexo código da estética do candomblé a importância do vestuário é tão grande que o cuidado dele
é atribuição de mulheres que não entram em transe, mas que são confirmadas num cargo de alto prestígio. São as equedes, que
vestem os orixás e depois dançam com eles no barracão. Seu trabalho é recompensado com sua inclusão na alta hierarquia do
terreiro‖ (SOUZA, 2008, p. 1).
[36]
FISCHER e MARQUES (2001) chamam a atenção quando se trata da exclusão que atinge a mulher ―(...) porque se dá, às
vezes, simultaneamente, pelas vias do trabalho, da classe, da cultura, da etnia, da idade, da raça, e, assim sendo, torna-se difícil
atribuí-la a um aspecto específico desse fenômeno, em vista de ela combinar vários dos elementos da exclusão social. Desse
modo, mais que qualquer outro assunto ligado ao feminino que se deseja analisar, dificilmente se poderá compreender a exclusão
particular da mulher sem antes conhecer o fenômeno da exclusão e suas formas de manifestação‖ (FISCHER; MARQUES, 2001,
p. 1).
25
SOARES DA SILVA (2010) explica o conceito de gênero a partir do diálogo que faz com
os estudos de gênero e análise histórica de Joan SCOTT (1990) como sendo:
“(...) o conjunto de atributos positivos e negativos que se aplicam
diferencialmente a homens e mulheres, desde o momento do nascimento
determinando as funções, papéis, ocupações e relações que ambos
desempenham na sociedade e entre eles mesmos. Esses papéis e as relações
não são determinados pela biologia, mas pelo contexto cultural, social,
econômico e religioso de cada organização humana e deste modo são
passados de geração a geração” (SCOTT, 1990, p. 36).
Ainda que existam casos raros em que as mulheres foram estratégicas e conseguiram
parte do poder administrativo, familiar e religioso, em especial aquelas pertencentes às
sociedades africanas, sua grande maioria não foram contempladas com a equidade sexual.
Para complementar essa ideia, CARNEIRO (2005) comenta que:
“En general, la unidad en la lucha de las mujeres en nuestras sociedades no
solo depende de nuestra capacidad de superar las desigualdades generadas
por la histórica hegemonía masculina sino que también exige la superación de
ideologías complementarias de este sistema de opresión como es el caso del
racismo” (CARNEIRO, 2005, p. 22).
26
[37]
Casa (Nota do autor).
[38]
Com relação ao espaço sagrado, JESUS (2011) expõe: ―Joaquim (2001) acrescenta que dentro do terreiro – espaço sagrado do
Candomblé – a experiência religiosa se constrói dentro de um tempo simbólico, que reatualiza cotidianamente uma vivência mítica.
Nesta, o ponto de união entre ser humano e o divino é o Orixá e o encontro resultante desta elaboração simbólica requer o
seguimento de regras, normas, valores, comportamento e linguagens que compõem os rituais e são transmitidos aos membros ao
longo da existência, não apenas por meio de informações, mas através da própria vivência‖ (JESUS, 2011, p. 5).
[39]
Ainda que à frente de determinada casa (axé) esteja um homem, nada o impede de contar com a presença feminina através de
uma espécie de poder compartilhado com o babalorixá, que em determinados momentos dialogará com as senhoras,
especialmente as mais antigas, para tomada de decisões que tratam sobre a organização dos rituais. (Nota do autor)
[40]
Para PRANDI (2009) ―[h]á muitas variantes rituais do candomblé, dependendo da origem étnica é chamada de nação de
candomblé. As principais nações de candomblé são originárias dos povos Iorubá, também chamados de nagôs, são as nações
queto, alaqueto, ijexá e efã. Das tradições religiosas dos povos fons surgiu a nação jeje. De povos bantos se originaram as nações
angola e congo, além da nação do candomblé de caboclo‖ (PRANDI, 2009, p, 51).
27
Esse conjunto de práticas e ações vividas por essas mulheres fortalecem seu
empoderamento nos terreiros, fazendo com que elas atuem em diversos papéis, além de
guardiãs das tradições ancestrais, mas também de juíza, educadora e conselheira nas
situações e problemas que aparecem na família de santo.
Além disso, compreender a espiritualidade da mulher do Candomblé é considerar os
aspectos mais relevantes de sua atuação seja como iyalorixá, rodante ou ekede42,
independente das etapas em que se encontram no processo hierárquico, entre eles a
sensibilidade, atitude, expressividade e liderança. Muitas delas foram e são vanguardistas na
condução de vários ilês tradicionais e históricos.
Os espaços sagrados foram lugares reinventados, segundo as características
específicas das nações ou pela resistência frente à imposição cultural europeia do colonizador
e da Igreja Católica. Coube à mulher a idealização e estratégia de cultuar e reverenciar os
Orixás e seus ancestrais, impedindo que a colônia desafricanizasse o negro.
Por essa razão, o Candomblé constitui uma religião em que a mescla acontece a partir
do momento em que deusas e deuses africanos de origem no Daomé43, como Nanã, Omulu,
Oxumaré e Yewá são cultuados juntos com divindades de outras regiões, tais como Yansã,
Obá, Oxum, Yemanjá, Ossãe, Xangô, Oxalá, Exu, Logunedé, Oxossi, os gêmeos Ibejis e
Iroco44, todos eles cultuados em muitas casas de candomblé na árvore conhecida como
gameleira. Do processo de readaptação em terras brasileiras, dos primeiros cultos africanos
realizados na cidade de Salvador, derivaram outras expressões religiosas afro-brasileiras. A
respeito do tema, PRANDI (1996) afirma que:
“... até os anos 1930 poderiam ser incluídas na categoria das religiões étnicas,
religiões de preservação de patrimônios culturais dos antigos escravos
africanos e seus descendentes. Estas religiões formaram-se em diferentes
áreas do Brasil com diferentes ritos e nomes locais derivados de tradições
africanas diversas: candomblé na Bahia, xangô em Pernambuco e Alagoas,
[41]
Com relação ao tema, DE’ CALL (2007)comenta que: ―Raymond Smith desenvolve um conceito de matrifocalidade que difere do
modelo tradicional aplicado somente às famílias com pais ausentes. A família matrifocal é, para ele, aquela na qual o domínio do
campo doméstico é exercido pela mãe - esposa. Isso ocorre quando o homem (se presente) fica em posição secundária no campo
doméstico, pois no seu papel de marido – pai, não consegue ser mais importante que a mulher em termos de status social e em
força econômica que possa levar o grupo doméstico a algum tipo de estágio de desenvolvimento. (DE’ CALL, 2007, p. 44, grifo do
autor)
[42]
Mulher que cuida dos orixás no vestir, nas danças e no ritual. (Nota do autor).
[43]
Região localizada na Nigéria. (Nota do autor)
[44]
Nanã (Orixá feminino da lama, a mais antiga divindade do Candomblé, mãe de Omulu e Oxumaré); Omulu (Orixá masculino da
varíola, protetor contra as pestes); Oxumaré (Orixá do arco-íris); Yewá (Orixá feminino das fontes, guardiã dos segredos); Yansã
(Orixá feminino dos ventos, do raio, da tempestade, uma das esposas de Xangô); Obá (Orixá feminino dos serviços domésticos,
uma das esposas de Xangô); Oxum (Orixá feminino das águas doces, da fertilidade e da beleza, uma das esposas de Xangô);
Yemanjá (Orixá mãe de todos os Orixás e da humanidade); Ossãe (Orixá das folhas, herborista que cura com as ervas); Xangô
(Orixá masculino do trovão e da justiça); Oxalá (Orixá masculino da criação, o que criou a humanidade); Exú (Orixá masculino
mensageiro, dono das encruzilhadas e guardião da porta de entrada das casas); Logunedé (Orixá da caça e da pesca, filho de
Erinlé e Oxum); Oxossi (Orixá masculino da caça e da fartura); Ibejis (Orixás gêmeos, protetores da infância); e Iroco (Orixá
masculino da gameleira branca).
28
SOARES (2002) em sua pesquisa sobre sincretismo afro-católico dialoga com Roger
Bastide, concluindo que
“...o assim chamado sincretismo resulta de três modalidades de relação:
estrutural, cultural e sociológica. O africano lerá o panteão católico,
transbordante de santos e virgens-marias, a partir da relação entre os orixás
intercessores e Olorum, deixando de lado, no entanto, a ideologia católica do
"sofre aqui para gozar no além" (SOARES, 2002, p. 45).
FERRETTI (2008) comenta que a prática sincrética se faz presente desde o momento
em que os povos distintos, com seus interesses políticos, comerciais e culturais em particular
se encontraram com as populações indígenas brasileiras:
“O sincretismo parece-nos evidente, no Brasil, pela própria história do país.
Nossos colonizadores portugueses sempre contaram, em seu território, com a
presença de povos de procedências diversas, desde os romanos, na
Antigüidade e através de toda a Idade Média, com os chamados povos
bárbaros, e, depois, com os árabes e judeus, até a época dos descobrimentos.
Fomos formados, depois, com a contribuição das mais diversas culturas,
procedentes do continente africano, que se somaram às numerosas nações
indígenas encontradas em nosso vasto território. Assim o contato entre
múltiplas culturas sempre foi característico de nossa sociedade, embora na
maior parte do tempo, com predomínio da cultura branca dominante”
(FERRETTI, 2008, p. 4).
Além disso, o sincretismo possui uma forte ligação com o processo diaspórico,
considerando no tráfico não somente os diferentes grupos étnicos africanos, mas também os
contatos com os europeus, responsáveis por tão cruel comércio. Por essa razão que GILROY
31
(2001) considera o Atlântico como um espaço de relações estabelecidas dos que foram
protagonistas deste contexto.
BERNARDO (2007), à respeito da diáspora, cita:
“Carnevacci diz: a diáspora de etnias tão diferentes realizou de forma
imprevisível o sentido da palavra de origem grega: “uma inseminação aqui e
acolá, uma fecundação dispersiva, uma disseminação desordenada”. Ainda é o
mesmo autor que complementa: ”a diáspora é a mãe do sincretismo. Desta
forma, esvaziam-se os conceitos de transplantes, aculturação. É outro o
movimento onde permanece um sentido de desordem, de confusão. É um
movimento desejoso e inquieto” (BERNARDO, 2007, p. 5).
[45]
―O Reino Ketu, em sua origem, faz parte do território iorubá, sendo uma das mais antigas descendências de Ile-Ife, sendo o seu
histórico evidenciado nos últimos séculos e está amplamente relacionado com os enfrentamentos com o Daomé‖ (ROCHA LIMA,
2010, p. 29).
[46]
LUZ (2000) explica que ―Os terreiros Nagô tem por norma o fortalecimento de seus membros, para que cada um,
individualmente, e a comunidade, como um todo, cumpram a plenitude de seus destinos. Desde a abiã até a iyalorixá, enfim todos
os membros do egbè sociedade, são considerados irmãos, irmãos de Axé‖ (LUZ, 2000, p. 423). Ele reforça seu argumento através
do pensamento de Vivaldo da Costa LIMA (1977): ―Todos os filhos de uma casa de santo se dizem irmãos de santo e mais
precisamente irmãos de axé. Isto é, filhos do mesmo axé, da mesma casa. Quando as casas são antigas e já conheceram vários
chefes, a distinção se torna mais clara. Irmão de santo é o feito pela mesma mãe de santo. Irmão de axé é o feito no mesmo axé,
por mãos diferentes‖ (LIMA, 1977, p. 71).
32
tem um desenho arquitetônico que atende a complexidade de atuações realizadas pelos filhos
da casa47, incluindo as limitações impostas na realização dos awo48.
A socialização ocorre também a partir dos vínculos institucionais estabelecidos na
comunidade-terreiro através da lavagem de contas que, conforme LUZ (2000), torna o
indivíduo um abiã, isto é, ocupa o primeiro grau na hierarquia comunitária. Na sequência, é
feito um bori, ou seja, adorar a cabeça, uma vez que a vontade do Orixá passa pela anuência
do Ori (cabeça). Finalmente, a iniciação do iyawô49 e o ―Panan, ritual que estabelece a
reintegração da iyawô num novo contexto de sua vida, marcando um novo relacionamento
social com sua nova família‖ (LUZ, 2000, p.424)
Embora iniciado, a nova condição de iyawô além de estabelecer um compromisso com
o Orixá, reforça o respeito à hierarquia, em que para falar com os mais velhos é necessário
baixar, pedir a benção na ordem do mais velho ao mais novo, perguntar antes de tomar
qualquer iniciativa, ter cuidado com os espaços sagrados que não podem ser transitados por
ele, se manter em silêncio em alguns momentos e não interferir em diálogos e conversas
estabelecidas entre seus mais velhos. Tudo isso constitui parte das relações sociais e de poder
postas dentro do axé.
As comunicações interpessoal e em grupo constituem importantes princípios no
processo de transmissão dos conhecimentos, das regras sociais familiares, o que caracteriza
também as relações saber-poder, que funcionam numa dinâmica de ―(...) redistribuição,
circulação e restituição de axé, e, neste sentido, o sacerdote e a sacerdotisa se caracterizam
como um altar vivo, onde está presentificado o assento de seu Orixá‖ (LUZ, 2000, p. 435).
Como vemos, essas mulheres conseguiram estruturar com muito dinamismo uma
religião com elementos africanos, porém, hibridizada por conta dos elementos católicos e
pajelanças indígenas. Isso é um dos elementos da religião que caracterizam como sendo
brasileira. Para manter a reverência aos deuses africanos foi necessário fazer uso de
estratégias que pudesse ludibriar o colonizador, sendo, portanto, uma forma de manter as
tradições ancestrais africanas.
Podemos observar que o hibridismo se encontra presente desde o processo de
transplantação durante a diáspora desses deuses para o território brasileiro, ou seja, uma nova
localização, um novo processo para adaptá-lo e a criação de outras formas para garantir seu
culto, não mais africano e sim afro-brasileiro, constituindo a partir daí parte da cultura brasileira
através da interferência da natureza, da criação de novos símbolos e códigos como forma de
identificação dos grupos religiosos e de suas atuações e resistência, especialmente contra o
preconceito racial e práticas racistas.
[47]
Nem todos os integrantes da família de santo, incluindo os abiãs, têm acesso a todos os lugares sagrados, assim como dos
conhecimentos utilizados em algumas atuações referentes às questões litúrgicas e os valores da tradição, que possuem como
requisito o tempo de iniciado. (Nota do autor)
[48]
―Proibições e segredos referentes a determinadas qualidades do axé, funções e hierarquias‖ (LUZ, 2000, p. 424).
[49]
Esposa do Orixá (Nota do autor).
33
Ainda para o autor, a cosmogonia africana tem a dimensão universal e reforça essa
ideia através do conceito abordado por CAPONE (2004):
“Na verdade, mesmo nos terreiros mais tradicionais de Bahia encontramos
iniciados brancos ou até nisseis [sic]. Identidade „africana‟ está, portanto,
completamente dissociada de toda origem étnica real: é possível ser branco,
louro de olhos azuis e dizer-se „africano‟, por ter sido iniciado em um terreiro
tido como tradicional. O termo “afro-brasileiro” está evidentemente associado à
idéia de uma África legitimadora, berço ideal e único de uma religião que, nos
nossos de hoje, vem se tornando um símbolo de resistência. Mas seria o termo
adequado?” (CAPONE, 2004, p. 48).
E foi através desse processo que a religião conseguiu preservar fiel e dignamente a
história dos seus ancestrais e parte da cultura africana na prática dos rituais. Esses processos
híbridos permitiram abrigar componentes novos que, mesclados aos já existentes, deram
origem à religiosidade afro-brasileira, ou seja, a religião africana na diáspora.
BASTIDE (1960) dirá que:
“O candomblé é mais que uma seita mística, é um verdadeiro pedaço da África
transplantado. Em meio às bananeiras, às buganvílias, às árvores frutíferas, às
figueiras gigantes que trazem em seus ramos os véus esvoaçantes dos Orixás
ou a beira das praias de coqueiros, entre a areia dourada, com suas cabanas
de deuses, suas habitações, o lugar coberto onde à noite os atabaques com
seus toques chamam as divindades ancestrais, com sua confusão de
mulheres, de moças, de homens que trabalham, que cozinham, que oferecem
às mãos sábias dos velhos em suas cabeceiras encarapinhadas para cortar,
com galopadas de crianças seminuas sob o olhar atento das mães enfeitadas
com seus colares litúrgicos, o candomblé evoca bem essa África reproduzida
no solo brasileiro, de novo florescendo. Comportamento sexual, econômico e
religioso formam aqui uma única unidade harmoniosa” (BASTIDE, 1960, p.
312-313).
A mulher de Candomblé reforça o sagrado, ela detém o poder que vem da divindade,
que lhe atribuiu o maior e mais prazeroso poder: o de gerar uma vida. É o poder das Iá Mi
Oxorongá, as ―Mães Feiticeiras‖50. É o sagrado e o profano oscilando na vida dessas mulheres
e se fazendo presente no coletivo. É por essa razão que o poder da mulher dentro do axé
também se justifica no religioso, ele se remonta às suas origens, que são as mães ancestrais,
poderosas e temidas por concentrar um grande poder interno, sendo, portanto, cultuadas em
África.
―O sagrado é poder, pois o homem religioso pode mais‖, (GUERRIERO, 2012, p. 18),
talvez por essa razão que essas mulheres de santo seguem sendo os ícones de resistência da
religiosidade afro-brasileira. Seu papel de sacerdotisa, mãe, educadora e conselheira traduz
sua força para resolver as diversas situações e problemas que podem surgir dentro da religião.
Sua experiência e sabedoria traduzem seu comportamento amável em alguns momentos,
porém austero em outros, dependendo das circunstâncias que se apresente o problema.
Embutidos dos processos híbridos, os ilês axés espalhados pelo Brasil, tendo à frente
mulheres negras, brancas, pardas e indígenas, vão se adaptando conforme as realidades
vivenciadas por essas senhoras do segredo que continuam cumprindo com o compromisso de
lutar contra os preconceitos, a intolerância religiosa e a questão racial.
[50]
Com relação a esse argumento, SANTOS comenta que seu artigo ―Iá Mi Oxorongá: As Mães Ancestrais e o Poder Feminino na
religião africana‖ procurou ―(...) estabelecer entre a figura mítica das Iá Mi Oxorongá e o poder feminino na religião africana e no
Candomblé. Interessa afirmar que as formas como a religião africana e afro-brasileira resignificam o papel da mulher na sociedade
podem ser elementos de formação da consciência em um ambiente social machista. O conhecimento desses elementos
mitológicos ou religiosos somados às experiências cotidianas das mulheres nos dois continentes pode trazer a valorização do ser
feminino e sua ação, essencial para a proteção da vida e as relações comunitárias‖ (SANTOS, 2008, p. 10).
36
Numa primeira pesquisa de campo, realizada em março de 2012, foi feito o primeiro
contato com as autoridades religiosas da casa pertencente à nação keto. Era festa do orixá
Oxalá, deus africano da criação, senhor do ar e pai de todos os orixás na cosmologia yorubá.
As águas de Oxalá, segundo relato de dona Ayana, ebômi, pois com 45 anos de dedicação ao
Candomblé já possui o status de sênior na hierarquia religiosa, são assim explicadas por dona
Ayana:
“É uma festa muito representativa para nossa religião, pois significa a volta do
52
nosso pai Oxalá para casa depois da prisão. Existem vários itans de Oxalá, o
das águas é porque quando ele ia visitar seu filho Xangô, encontrou Exú, que
muito trapaçeiro, enganou Oxalá três vezes, sujando as roupas brancas do pai
de dendê, carvão e vinho de palma. Muito sujo e cansado, seguiu caminhando
até o reino de seu filho Xangô, mas quando chega perto, os soldados do rei do
trovão prendem o velhinho e ele fica preso por sete anos. Isso foi muito mal,
porque todo o reino ficou em miséria, seca e as mulheres não pariam, tudo isso
castigo. Por isso, Xangô consultou um babalaô que jogou e viu que tudo aquilo
acontecia porque Oxalá tava preso. Vendo que errou, o rei foi até a prisão e
carregou Oxalá nas costas, mandou escolherem a melhor roupa e outros
tinham que buscar água no lago quase seco pra lavar o pai dos Orixás,
fazendo uma festa para ele. Tudo mudou e voltou a saúde, prosperidade e
fertilidade para o povo”.(Contada por Mãe Ayana dado em março de 2012 às
08h).
Depois de assistir ao xirê53 e após o jantar oferecido aos convidados, o pai de santo de
nome de Amiri de Xangô deu atenção a todos, pedindo para os interessados procurá-lo após o
[51]
Ayana significa ―flor bonita‖ (Yoruba da Nigéria), Bunmi significa ―meu presente‖, Dara significa ―bonita‖ (bermudian), Etuhole
significa ―o Deus nos ama‖ (Oshiwambo da Gana) e Titilayo significa ―felicidade eterna‖ (yorubá da Nigéria). Disponível em <
http://dicionariosvarios.blogspot.com.br/2009/06/significado-dos-nomes-proprios.html > Acesso em: 16 jul. 2014
[52]
Em yorubá significa história. (Nota do autor)
[53]
―Representa um momento de liberdade, porque essa é uma reinvenção que, desde o seu primeiro instante, reorganiza as
relações sociais na qual a escravidão não está presente. Este é um processo de recomposição social que se materializa
espacialmente, no Candomblé, palavra de origem Banta que significa festa‖ (VIEIRA DA SILVA, 2010, p. 10).
38
ajeum54. Assim foi feito o contato inicial com a casa. Não foi fácil porque muitos terreiros de
Candomblé não querem permitir pesquisadores no espaço religioso, já que a curiosidade,
segundo o pai de santo, tem exposto de forma inadequada os rituais sagrados, pois violaram
alguns awós55, restritos somente para iniciados. Sob uma condição de respeitar os segredos,
não adentrar espaços de acesso restrito e algumas obrigações, foi concedida uma visita em
outro dia de função religiosa.
Retornei na segunda quinzena de abril de 2012 e por volta das 9h estava eu à frente do
axé, aguardando um dos filhos de santo da casa abrir o portão. Não demorou muito, uma
jovem negra de nome Etuhole, de vinte e dois anos, iniciada para o orixá Nanã, estava dando
as boas vindas e solicitando que aguardasse alguns minutos que o zelador viria conversar
comigo. Já se notava um movimento na casa, pois era sábado e à noite daquele dia ia
acontecer o xirê de Oxóssi, senhor africano da caça. Após 30 minutos, o senhor Amiri de
Xangô me recebeu e então houve uma breve apresentação, na sequência mostrou alguns
espaços do ilê, em especial os “quartos de santo”, lugar sagrado onde ficam os símbolos de
cada deus ou deusa do panteão yorubá. Depois do tour pela casa, pediu licença para seguir
com as obrigações, me deixando à vontade. Lembrando que o ―deixar à vontade‖ em um
terreiro de candomblé não significa que o visitante fique olhando o tempo passar enquanto os
filhos da casa trabalham, ao contrário, você deve se prontificar a colaborar com alguma tarefa,
pois trabalho é o que não falta.
Intimidado, procurei um filho de santo mais velho para orientar como proceder na casa,
então pediu para eu tomar um banho de ervas, pôr uma roupa de ração56 no quarto dos
homens e me encaminhar ao corredor onde ficam os balcões de limpeza de bichos, as pias
para lavar louças e o depósito onde são guardados os materiais e objetos de limpeza.
Praticamente fiquei todo o dia observando o movimento e a correria dos filhos de santo, porém
sem envolvimento nenhum com funções religiosas, apenas com tarefas de limpeza. Após a
realização das obrigações religiosas, novas tarefas foram designadas, entre elas: preparação
do ajeum para oferecer aos convidados, limpeza e ornamentação do barracão, organização da
cozinha, lavagem e higienização dos banheiros sociais, arrumação de toda a casa e asseio do
beco ou corredor das pias e depósito. Tudo deve ser feito com muito esmero, isso é um
requisito muito exigido pelo zelador de santo. Ainda que algumas tarefas sejam comuns ao
cotidiano das pessoas, sempre aparece um ―irmão mais velho‖ para ensinar como deve ser
feito de acordo aos preceitos religiosos praticados pela comunidade.
Por volta das 16h todos são convidados para a cerimônia do padê ou ipadê, cerimônia
interna dedicada ao orixá Exú. A explicação dada para a função religiosa por alguns irmãos de
[54]
Banquete em yorubá (Nota do autor).
[55]
Segredos (Nota de autor).
[56]
Roupa branca (camiseta e calça) simples (Nota de autor).
39
santo é por conta da necessidade de invocar o deus mensageiro na proteção da casa durante
a festa. Para MACHADO (2010):
“É o momento de encontro entre o passado, o presente e o devir, devotado a
Exu, elemento dinâmico, propiciador da comunicação entre os seres humanos
e as diferentes dimensões cósmicas. Padê ou ipadê remete às percepções
pessoais e coletivas numa lógica plural de sentidos regidos por memórias da
comunidade. É um ritual que dá significado às relações peculiares entre as
entidades de todos os mundos, e de Exu com a comunidade. É um ritual
interno, com a finalidade de reiterar o respeito e a consideração pelos
incontáveis serviços que Exu presta à comunidade e a cada um, em particular”
(MACHADO, 2010, p. 10).
[57]
―São protetores do candomblé, com a função especial, e exterior à religião, de lhe emprestar prestígio e lhe fornecer dinheiro
para as cerimônias sagradas‖ (CARNEIRO, 2008, p. 120).
[58]
―Estas não pertencem ainda, realmente, ao candomblé. Estão num estágio anterior à iniciação, tendo concorrido somente os
ritos parciais. São uma reserva de efetivos, do potencial humano para os candomblés de amanhã‖ (CARNEIRO, 2008, p.123-124).
[59]
―O enredo organiza-se de acordo com um modelo hierárquico, dominado pelo orixá principal, Olórí, este mesmo que se vai
manifestar na cabeça de seu filho, e dançar no meio do barracão‖ (AUGRAS, 1986, p. 194).
40
outro dia é o retorno de cada um para sua casa e por essa razão algumas tarefas são
adiantadas e é preciso deixar o ilê organizado e limpo, além disso, carnes e alimentos também
são divididos entre os irmãos.
É importante destacar que existem duas cozinhas no ilê, sendo a cozinha de branco,
onde são preparadas as refeições pelas mulheres para os filhos da casa durante os dias que
estiverem cumprindo as obrigações religiosas e a outra é a cozinha de axé, onde os alimentos
sagrados devem ser preparados com muito cuidado e para isso existe um cargo na hierarquia
da religião que corresponde a Iyabassé, ou seja aquela que é responsável pelo preparo dos
alimentos sagrados, não podendo haver falhas, pois serão oferecidos aos orixás
reverenciados. O acesso à cozinha de axé é restrito, em alguns casos, yaôs com menos de
sete anos e abians não têm acesso ao espaço.
Ainda na pesquisa de campo, foi muito importante utilizar a observação participante,
pois contribuiu bastante na compreensão parcial do que ocorre naquele ilê, em especial às
mulheres e sua atuação nas tarefas sociais e religiosas. Interessante salientar que o
conhecimento parcial aqui descrito é por conta de que a cada dia acontece alguma situação
diferente das outras vivenciadas anteriormente.
Sendo uma técnica utilizada na pesquisa qualitativa em que o pesquisador se insere no
meio do grupo observado, interagindo por determinados e longos períodos com o sujeito
pesquisado, sendo parte dele e sentindo o verdadeiro significado de estar junto da comunidade
ou do grupo social, analisando a realidade social, considerando as tensões e conflitos, assim
como as mudanças, a observação participante permitiu a interação com as pessoas e o
convívio durante um ano com as mulheres do axé possibilitou um aprendizado interessante do
Candomblé e entender seus anseios, suas perspectivas futuras, sua luta, constituindo assim
parte da história de vida delas.
Entretanto, para ter acesso à história de vida das mulheres, particularmente cinco delas,
se fez necessário manusear alguns dos conceitos da história oral, uma vez que as informações
das mulheres do Ilê Asé Orainian foram coletadas através da oralidade. Ao tratar dessa
temática, HAGUETTE (1987) comenta que a história oral pode ser sintetizada com alguns
pontos fundamentais:
“a) A História Oral é uma técnica de coleta de dados com base no relato oral,
gravado, obtido através da interação entre o especialista e o entrevistado, ator
social ou testemunha dos acontecimentos relevantes para a compreensão da
sociedade; b) a História Oral tem a finalidade de preencher os vazios existentes
nos documentos escritos e assim, prestar serviços à comunidade científica
através da socialização de seu produto; c) a História Oral é interdisciplinar,
interessando a História, a Sociologia, a Antropologia, a ciência política e
mesmo ao periodismo; d) ainda que caracterizada como uma técnica, ela não
despreza a teoria que informa o objeto a ser reconstituído; e) como instrumento
de captação de dados ela sofre de algumas limitações comuns aos outros
instrumentos de coleta” (HAGUETTE, 1987, p. 83).
41
A partir disto, é importante considerar que como relato de uma pessoa, integrante de
uma religião de matriz africana, ou seja, do Candomblé, a investigação também tem como base
a história de vida das mulheres, que para CHIZOTTI (1991) é um instrumento de pesquisa que
valoriza a obtenção das informações contidas na vida de uma ou de várias pessoas e pode ter
uma forma literária tradicional como memórias, crônicas ou relatos de homens ilustres que, por
si mesmos ou por encomenda própria ou de terceiros, relatam os fatos vividos pela pessoa.
As formas novas valorizam a oralidade, as vidas ocultas, o testemunho vivo das épocas
ou períodos históricos, que podem ter forma autobiográfica, onde o autor relata suas
percepções pessoais, os sentimentos íntimos que marcaram sua experiência, os
acontecimentos vividos no contexto de sua trajetória de vida. Pode ser um discurso livre de
percepções subjetivas ou recorrer às fontes documentais para fundamentar as afirmações e
relatos pessoais (CHIZOTTI, 1991).
Finalmente, a segunda parte da pesquisa de campo é a história de cinco mulheres do
axé, constituindo assim, parte principal da investigação, uma vez que elas representam as
protagonistas do processo pelo qual se busca entender se existe de fato uma visibilidade
religiosa e invisibilidade social.
Mais à frente fica o quarto dos orixás funfun, ou seja, orixás de branco, neste caso,
Oxalá, Oxaguiã, Odudua e Obatalá. Tudo é branco no espaço, além das cerâmicas, da pintura
da parede, também o são o peji, as louças, as cadeiras, o pilão, o apaxorô e assim por diante.
O espaço não muito grande abrange a cozinha de branco, onde é feita as alimentações diárias
dos filhos da casa e a cozinha de axé, destinada à feitura das comidas dos orixás, um espaço
com entrada restrita. Além disso, os quartos coletivos devidamente separados para homens e
mulheres com banheiro coletivo, necessários por conta dos dias de funções e cerimônias
religiosas, para o descanso dos filhos e filhas da casa.
Às senhoras mais antigas destina-se um pequeno quarto com seus armários e camas,
diferentemente aos quartos coletivos onde os filhos e filhas dormem em esteiras ou
colchonetes, assim como o pai de santo tem seu espaço privativo. A alguns metros do fundo da
casa, fica Iroko, o orixá muito bem cuidado e identificado com um laço branco em volto à árvore
que é sua morada. É um orixá da ancestralidade e por essa razão a árvore velha justifica o
tempo de sua existência, e isso é status também.
O terreiro ocupa várias finalidades, dependendo das atividades religiosas desenvolvidas
no espaço, e por essa razão, em alguns momentos serve de casa, outras situações a exemplo
das funções e cerimônias é um templo. Conforme a disponibilidade de cada filho de santo, a
dedicação oscila durante a semana, exceto quando as funções religiosas mais importantes da
casa exigem um tempo maior dos iniciados. É uma dinâmica de ocupação do espaço
interessante, especialmente por que é dividido com os deuses. É comum em dias de
cerimônias religiosas, as atividades transcorrerem de forma natural e em meio a essa situação
um filho receber determinado orixá que tenha a ver com o momento ritualístico, funcional ou
litúrgico. Então, temos deuses e humanos dividindo um lugar de poder.
Além disso, o terreiro é um espaço de socialização entre os filhos de santo, respeitando
o processo hierárquico, bem como as relações se intensificam com o pai de santo, que detendo
o poder da administração e das questões espirituais da casa, detém certa atenção por parte de
seus filhos iniciados e abiãns. Apesar de que nas relações de gênero as coisas possuem um
encaminhamento centrado, nem tudo é tranquilo, em alguns momentos algumas situações se
tornam tensas, precisando fazer uso da maturidade para uma tomada de decisão sábia diante
de qualquer conflito. As relações do pai de santo com as mulheres são de respeito, até porque
têm várias senhoras com muitos anos de iniciadas e com muita idade, é muito comum ele
requisitá-las para algumas decisões acerca das questões litúrgicas e ritualísticas.
A condição de abiãn permitiu com que na pesquisa pudesse observar tais relações, pois
viver o cotidiano de uma casa de candomblé é aceitar o desafio de saber falar e calar no
momento certo, agir com precisão em momentos de muitas tarefas, observar e repetir para
estar preparado quando for requisitado em qualquer situação, seja ela o fato de fazer coro nas
43
festas religiosas, acompanhando as rezas. Cada erro, incerteza, raiva ou equívoco constitui um
espaço para refletir sobre a sua inserção na religião. Tudo é um aprendizado contínuo!
[60]
Cânticos. (Tradução feita por Mãe Ayana)
[61]
Rezas. (Tradução feita por Mãe Ayana)
[62]
Encantamentos (Tradução feita por Mãe Ayana)
[63]
Louvações (Tradução feita por Mãe Ayana)
44
deixá-la sob os cuidados dos orixás. A partir daí, sua vida foi de dedicação aos filhos e aos
deuses:
“Filho, não decidi nada da minha vida, uma infância pobre e sem ter as
condição nem para a comida. Era nova e doente, minha mãe não queria me
levar ao terreiro, mais não teve jeito, ela teve que pedir para o pai de santo me
cuidar, estava muito mal. Fui uma abiã muito rebelde, demorei a obedecer as
normas, apanhei muito dos orixás, porque eu queria sair, queria dançar, ir para
o carnaval e tinha que ficar presa naquele terreiro. Eu passava mais tempo
virada no erê do que eu mesma. Conheci meu marido no candomblé, foi daí
que casei e tive dois filho, meu casamento não foi fácil, o homem era difícil e
aprontava muito, foi uma vida dura para uma mulher negra e de candomblé.
Como você pode ver até hoje minha vida é de sacrifício. Ando muito cansada,
foi anos de dedicação e cuidado aos orixás, principalmente Oxossi e Yansã,
donos da minha cabeça. As vezes brigo com os orixás e pergunto sobre minha
vida cheia dificuldade, a vida dos meus filho que é cheia de problema. As vezes
penso que os deuses não tem nada a ver com isso, a gente vive nesse lugar
cheio de coisa ruim. Oxóssi coloca pessoas no meu caminho para me ajudar e
Yansã me dá trabalho, aparece costura e ganho um dinheirinho. Estou com
muito problema com meu irmão carnal, a gente divide o barraco, que era do
nosso pai, ele tomou uma parte e me deixou com a outra parte que está
caindo. Fazer o que né? É o que eu tenho. Tenho vontade de ir passar um
tempo em Santos, meu filho mora lá” (Depoimento de Mãe Ayana dado no dia
17/05/2012 às 08h).
No convívio com Mãe Ayana percebi sua dedicação às obrigações e funções religiosas,
o interesse por fazer as costuras com qualidade e respeitando os gostos dos deuses, pois
todas as festas são organizadas de acordo com o simbolismo particular de cada orixá, ou seja,
comidas, rezas, horários, cores e até seus quartos. É um envolvimento muito intenso e exige
um planejamento para cada festa organizada. Por essa razão, a senhora Ayana fica sempre
responsável pelas costuras, trabalhar de forma artesanal os tecidos combinando as cores
específicas de cada deus ou deusa. Ao falar um pouco de sua história de vida na religião
comentando que “... passava mais tempo virada no erê do que eu mesma”, quer dizer que
por conta de sua desobediência às normas de conduta do terreiro que frequentava, passava
mais tempo em transe do que sendo ela mesma, uma forma de controle sobre os filhos de
santo que resistem às condições estabelecidas dentro do Candomblé. A expressão virada no
erê, quer dizer, seu orixá criança manifestado através de um fenômeno chamado de
possessão64.
Ao perguntar sobre a fala em que ela se posiciona “As vezes brigo com os orixás e
pergunto sobre minha vida cheia dificuldades, a vida dos meus filhos que é cheia de
problemas. As vezes penso que os deuses não tem nada a ver com isso, a gente é
humano e vive nesse lugar cheio de coisa ruim”, me disse: “brigo principalmente com
[64]
O momento da possessão cristaliza todas essas vivências aparentemente antagônicas. Viagem longe de si e dentro de si, que
constitui o cerne da experiência mística. (AUGRAS, 1986) (...) ―a possessão pelo orixá' é vivenciada, em nível de comunidade
religiosa - e tudo só pode acontecer dentro, para e pela comunidade — como fenômeno essencialmente comunicativo, onde os
aspectos gestuais e não-verbais são, de longe, os mais importantes, acompanhando-se de intenso envolvimento emocional. Nesse
ponto, a manifestação da identidade mítica parece situar-se, antes de mais nada, no domínio da corporeidade. Poder-se-ia supor,
portanto, que muitas das interpretações patologizantes do transe, em termos de cisão da personalidade, não expressariam apenas
visão monolítica do "eu", como também estariam implicitamente apoiadas na velha e clássica oposição entre mente e corpo,
encontrada ao longo da tradição psicológica, mas até hoje muito pouco esclarecida‖ (FEIGL, 1977 apud AUGRAS, 1986, p. 19).
45
Oxóssi e cobro dele uma posição sobre minha vida de luta e sacrifício, pois me dediquei
tantos anos à ele” (Mãe Ayana: Maio/2012).
Como pesquisador e de certa forma entendendo um pouco da religião e sabendo
através das leituras e dos diálogos com os filhos de santo que a relação com o orixá deve ser
de devoção, respeito e temor, insisti na pergunta um pouco sobressaltado: ―Como a senhora
tem coragem de brigar com Oxóssi?‖ Prontamente respondeu: “coragem sempre tenho e ele
como dono da minha cabeça tinha que oferecer agora na minha velhice uma vida mais
calma, tô bem cansada” (Mãe Ayana: Maio/2012).
Com base no seu depoimento feito no dia 17/05/2012, comecei a questionar sobre a
vida de mulheres negras e da vida dura que elas levam no dia a dia, lembrando também que o
candomblé as coloca numa posição alta através de cargos importantes dentro da religião. Mãe
Ayana falou que:
“Escutei que muito tempo atrás minha familia sofreram muita perseguição das
autoridades, a polícia acabava com tudo nos terreiros, quebrava tudo, a festa
virava um inferno. As coisas do negro era tudo levada pela polícia. Eu não falo
pra ninguem que sou do santo, não saio de macumbeira por ai, não gosto
mesmo. Já fui xingada de feiticeira ou bruxa várias vezes, as pessoa não
entende quem é de santo. Tenho oito filho de santo, pois sou mãe pequena e
agora tem mais uma que vai se iniciar, já falei pra o pai de santo é a última, não
quero mais, porque cansa bastante ter filho pequeno de santo. Sei que sou
negra, pobre, macumbeira e sou uma mulher viúva e tenho dois filho, sofri
muito em casa porque o homem achava que eu devia só cuidar dele e dos filho
e eu naquele tempo queria fazer outras coisa, sei lá, eu costurava. Eu acho que
a mulher negra não tem muito valor não, é uma vida de luta, aqui mesmo onde
tenho meu barraco, muitas das mulher negra são sozinha e cria seus filho sem
pai, trabalham na casa de família, ganham pouco dinheiro. Somo guerreira
como as deusa, por isso minha mãe Yansã é minha vida” (Depoimento de Mãe
Ayana dado no dia 20/05/2012, às 13h).
Através do depoimento de Mãe Ayana, lembrei que nas festas de santo ela trabalhava
muito, além da costura, auxiliando seja na cozinha de axé ou na cozinha de branco, nos dias
de Osé, que é o dia de limpeza de todo o ilê, exigindo um número grande de filhos por conta da
quantidade de tarefas para fazer. Nesse dia, é possível que as pessoas tenham que sair várias
vezes do axé, porque sempre falta alguma coisa para limpeza ou terminar o almoço, então ir ao
mercado continuamente é comum. Quando chamavam Mãe Ayana para ir junto, ela não ia ou
então trocava as roupas brancas por coloridas e daí sim acompanhava os filhos de santo. De
fato, as pessoas que são de religiões de matriz africana sofrem muito com a intolerância
religiosa em todo o Brasil, e acredito ser esse o receio da mãe pequena de assumir a religião,
já que ela mesma relata que passou por situações constrangedoras. Ela concebe a mulher
negra como invisível e assinala vários fatores que contribuem para essa invisibilidade, seja o
racismo, o sexismo ou a condição social. Através do seu convívio social percebe no entorno a
realidade vivida pela mulher negra.
46
Sendo yakekerê65 de oito filhos de santo e mais uma abiãn que vai se iniciar, ela parece
resistir a não assumir mais essa responsabilidade, já que é um compromisso muito grande
cuidar de filhos de santo recolhidos em processo iniciático. Geralmente, dependendo da
determinação do orixá, o recolhimento no quarto de axé pode variar de dias a meses. Nesse
período, o yaô recolhido deve ser cuidado pelos irmãos já iniciados e pelo responsável, neste
caso, sua yakekerê. A alimentação sagrada, os banhos diários de ervas, as roupas de ração,
lençóis e toalhas que devem ser muito bem limpos e trocados, todas as tarefas ficam sob os
cuidados dos que estão fora do roncó66.
Observar Mãe Ayana é um grande aprendizado, muito franzina, esbelta, alerta sempre
que filhos de Oxóssi não podem engordar, até porque ele é um orixá magro, gasta muita
energia caçando, correndo atrás do alimento para casa. Como é uma mulher que dá santo com
Oxóssi e Yansã, carrega consigo arquétipos desses dois deuses, uma hora é perspicaz, atenta,
desconfiada para partir ao ataque, então aí temos Odé. Em outros momentos é zangada, briga
com seus deuses e explode, ou seja, estamos vendo Oyá, ainda que ela sempre insista em
dizer que o deus da caça é bem mais presente por ser o dono do seu Orí.
Com treze anos de iniciada, ela é equede, filha de Yemanjá e possui o cargo de
Iyarubá67, entrou no candomblé porque a mãe já era iniciada e frequentava com muita
regularidade e hoje toda a família pertence à religião. O esposo é ogã de Xangô, os filhos são
adoxú68, sendo o mais velho de 12 anos do orixá Oxumaré e o mais novo de 10 anos,
pertencente a Ossain. O cargo que possui faz com que seja uma mulher respeitada por todos
[65]
Palavra yorubá que significa mãe pequena. (Nota do autor).
[66]
Quarto de santo ou camarinha. (Nota do autor).
[67]
Aquela que carrega a esteira para o iniciando. E usa toalha de Orixá no ombro. Disponível em <
http://ocandomble.wordpress.com/ > Acesso em: 15 abr. 2014.
[68]
―O adoxu é posto no topo da cabeça, sendo ainda acrescido de uma pena de galinha d’angola. O adoxu sacraliza a cabeça,
anunciando que aquela cabeça é então intocável. O orixá já está morando nela‖ (LODY, 1987, p. 30).
47
os mais novos, assim como dos mais velhos também, ainda que tenha mulheres no ilê com
muitos anos de santo, mas é importante ressaltar que os cargos no candomblé são indicados
pelos deuses, que escolhem o filho de santo para atuar em determinada tarefa. Diz sentir-se
muito feliz e que jamais vai abandonar a religião, pois os orixás deram um norte para sua vida
desde pequena, nunca teve problemas que não pudessem ser resolvidos com calma e
tranquilidade.
Sobre o Candomblé, ela diz:
“Nossa!!!!(expressão de espanto) minha mãe era do santo, nasci
praticamente no santo e hoje me dedico com amor aos orixás. Minha fé neles
só aumenta, tenho rendido muitos agradecimentos à minha mãe Yemanjá (leva
à mão à cabeça) e todos os orixás, eles organizam a vida da gente de uma
forma que não nos damos conta. Muita gente desiste da religião por problemas
entre os irmãos de santo, e isso não deveria acontece!, Sabia? Estou aqui
pelos deuses e não pelos homens. O candomblé é uma religião linda e de uma
dimensão que não sei nem dizer o tamanho, o problema não é religião em si
mesma, mas os homens que estão nela. É muito triste quando sai um irmão da
casa, é muito tenso e chato, pois somos uma grande comunidade religiosa com
um único propósito. Sou uma mulher de Yemanjá e fico sempre preocupada
com desentendimentos e meu dever é conversar com os irmãos, sou calma e a
mãe das águas salgadas me dá o direcionamento para resolver as coisas no
axé. Isso é um pacto, pois Yemanjá tem me dado uma vida de felicidades, uma
família linda e uma grande família de santo” (Depoimento de Bunmi no dia
19/05/2012, às 23h).
Bunmi é uma mulher tranquila, tem mostrado uma forte tendência em pacificar os
momentos tensos que existem em uma comunidade religiosa de matriz africana como o
Candomblé. É muito comum os conflitos, uma vez que as pessoas têm que conviver de dois a
cinco dias e até mesmo em momentos que têm irmãos recolhidos, se faz necessário trabalhar
todos os dias para cuidar de quem estar em processo de iniciação. Para Bunmi, a vida parece
ser muito tranquila, conforme se observa no depoimento, tanto no aspecto social quanto no
religioso.
O Candomblé é uma religião que exige muito dos seus membros, os filhos de santo
devem ter frequência, compromisso, uma vez que somente ter fé não é o suficiente para
atender a demanda de funções e obrigações religiosas. Como dizem, “candomblé não é para
qualquer um” (Bunmi: Maio/2012), o calendário religioso é programado para todo o ano e para
cumprir com o compromisso direcionado ao orixá, sabe-se que é uma realidade totalmente
diferente. Bunmi, é feliz quando se dedica durante todo o ano à sua função, porém, auxilia nos
demais cargos como forma de agilizar todas as etapas do processo religioso até o momento
litúrgico.
Perguntando diretamente sobre a invisibilidade da mulher na sociedade e visibilidade
religiosa, ela falou que:
“Não me considero invisível, tanto dentro como fora do axé sou uma mulher
visível, não tenho problemas com isso. No meu trabalho tenho uma
representatividade forte, pois depois da nossa chefe de departamento, sou a
segunda a dar o direcionamento ao trabalho que deve ser feito, então sou
respeitada. Em casa, praticamente organizo nossas vidas. Cuidar da família é
48
bem característico de Yemanjá, que é um orixá maternal, pois ela cuida muito
dos filhos e adota aqueles largados pelas mães que por alguma razão
deixaram de criá-los. O axé é minha outra casa, a outra família que devo cuidar
com zelo e carinho” (Depoimento de Bunmi no dia 19/05/2012, às 23h).
Bunmi é uma irmã, que é muito mais mãe do que se pode imaginar. Quando ela fala de
pacificar os conflitos na casa, entendamos como sendo aquela mulher abraçando a todos,
cuidando, orientando, educando e dando muito carinho. Em muitas ocasiões que alguns irmãos
não poderiam se fazer presentes em alguma função ou cerimônia, ela pedia permissão ao pai
de santo para entrar em contato, saber as razões que levaram a pessoa não estar presente.
Além disso, possui duas características intensas: ser ciumenta e muito protetora. Isso a faz se
envolver muito nos problemas das pessoas e tentar resolvê-los para evitar sofrimento e dor.
Yemanjá é muito presente no seu andar, nas ancas, no corpo forte e seios fartos, além do fato
de ser ―mãezona‖.
“Converte-se Nanã
em benção ao chegar
converte-se Nanã em
uma benção
ao chegar ao mundo.”
(Reza do orixá Nanã)
Etuhole, com seus vinte e dois anos, é filha da senhora da terra, que em yorubá seria
Olú waiye, ou seja, seu orí69 pertence à Nanã Buruquê, orixá feminino do encontro da água e
do barro, dos pântanos, uma deusa calma, sábia, paciente, mas também temerosa. Ela é o
princípio, o meio e o fim..., ou seja, ...o nascimento, a vida e a morte70.
Apesar de estar na flor da juventude, é uma menina com um comportamento de uma
idosa, trabalha bastante, porém, de forma muito lenta, é excessivamente exigente com
cumprimento de horários, é metódica, pois dificilmente muda sua rotina. Senta no mesmo lugar
em qualquer ocasião, sua esteira é sempre estendida no cantinho do quarto das mulheres e
seu grupo de afinidades no ilê são as senhoras antigas na religião, pois se interessa pela
história das êbomis.
Resistiu muito para conversar sobre a pesquisa, em várias oportunidades adiou
alegando timidez ou falta de tempo. Ainda criança foi iniciada e a partir daí nunca deixou o axé.
Leva uma vida normal, fora do ilê cursa Direito, pois pretende ser advogada. Além disso, curte
[69]
Para os yorubá significa o ser individual.
[70]
Disponível em < http://ocandomble.wordpress.com/os-orixas/nana > Acesso em: 15 jul. 2014.
49
sair com as amigas, embora não goste de nenhuma bebida alcoólica e fique muito quieta nos
lugares.
Etuhole é uma jovem negra, seus pais não são de candomblé, porém frequentam a
casa em dias de festa, em especial, porque eles sabem o que de fato os fez levá-la à religião.
Todos possuem admiração pela jovem, pois é uma menina que contribui bastante com a força
de trabalho nas tarefas religiosas:
“Ah mano, num gosto de falar não! Sabia que as ebômis, aquelas mais antigas
não gostam disso. Elas dizem que não devia falar contigo, pois nossa religião
tem segredos. A família da palha não gosta de filmagens... Já vi Omulú
batendo na mão de um homem doido que estava fotografando na festa dele, a
máquina foi bater longe, eu acho é bom!” (Depoimento de Etuhole no dia
06/07/2012, às 11h).
Em seu comentário “A família da palha não gosta de filmagens”, quer dizer que os
orixás Nanã, Omulú, Ossaim, Euá e Oxumaré carregam a palha da costa em suas vestimentas,
instrumentos e emblemas. São orixás da nação Jeje, oriundos do Daomé, porém foram
absorvidos nas casas de Candomblé de nações diferentes, como o são Ketu e Angola. Além
disso, são deuses muito reservados e restritos.
Pelo fato dos pais terem uma vida estável em termos financeiros, Etuhole concluiu seus
estudos em escola particular, teve à disposição o transporte garantindo seu deslocamento
casa-escola-casa. Embora sempre fosse muito preocupada com a família, a religião e o
colégio, sempre teve uma vida estável porque a economia do lar é equilibrada, porém, sua vida
de tranquilidade em casa, não garantia uma calmaria em outros ambientes e isso a fez pensar
em cursar Direito em uma universidade pública:
“Sempre tive tudo, irmão, boas escolas, ótimos professores, viagens, sou filha
única. Sempre fui muito mimada por meus pais. No colégio X que fiz o ensino
médio, fui muito maltratada, pois muita gente rica, então, muitos colegas me
viam como uma menina que não deveria estar ali. Isso não era legal! Certa vez,
um grupo de colegas, não só da sala, mas do colégio, aqueles meninos me
xingaram porque tirei uma nota maior que a deles em trigonometria. A
professora fez um elogio, mas no intervalo, eles cantavam músicas quando eu
passava falando sobre cabelo ruim, beiçuda... eu só fazia chorar! Daí um dia
uma colega falou para professora, eles tiveram que pedir desculpas em uma
reunião. Meus pais reclamaram na sala da direção” (Depoimento de Etuhole no
dia 06/07/2012, às 11h).
Além disso, Etuhole contribui com um grupo de dança do projeto ―Dança e Raízes
Africanas‖, pois apoia bastante as propostas de ações voltadas para a questão afro-brasileira,
racial e cultural. Seu forte é o Candomblé, sua dedicação impressiona bastante, pois é raro que
jovens de sua idade tenham um envolvimento tão intenso no campo religioso, em especial, às
religiões de matriz africana, uma vez que possuem um grande número de requisitos e
exigências no culto aos deuses e entidades.
“Gosto dos projetos “de Dança e Raízes Africanas”, são interessantes e
possuem objetivos que trazem o resgate da cultura afro-brasileira, das nossas
raízes, da ancestralidade africana. Sempre venho ajudar trazendo lanches,
contribuindo com o figurino dos dançarinos e ornamentando os espaços. Me
sinto útil para a africanidade, para divulgar nossa cultura. É muito legal e você
50
Etuhole com sua lentidão, aparente calmaria, seu metodismo, suas chatices e
cobranças retratam bastante a presença do orixá feminino Nanã, ainda que seja uma jovem de
vinte e dois anos. A forma de cobrar, a pouca mutabilidade nos espaços ocupados por ela e a
intensa responsabilidade com o Candomblé traduzem o arquétipo de um dos orixás mais
antigos do panteão de deuses africanos. Virada no santo, o caminhar é lento, sua altivez cai
com os ombros arcados de uma idosa e o dançar é emocionante mesmo! É Nanã presente!
Salubá Nanã!
Yansã ou Oyá é um orixá feminino do panteão yoruba que também é bastante cultuado
no Brasil. Deusa dos ventos e tempestades, esposa de Xangô, é uma ayabá muito agitada e
intensa. Ela é “a senhora dos espíritos e mortos, que encaminha para o outro mundo.
(PRANDI, 2001: p. 22).
Mãe Dara tem cinquenta e três anos, filha de nortistas, traços indígenas, pois os pais
são do interior do Pará, com ascendência dos Munducuru, tribo indígena que habita o sudoeste
paraense. Foi criada na comunidade até os dez anos de idade, depois migrou na década de
1970 com a família para Belém em busca de oportunidades de trabalho. Por conta da
dificuldade na cidade, após cinco anos, um tio que já havia deixado a comunidade indígena e
[71]
Cargo feminino, despacha os Ebós das grandes obrigações, na falta de Ològun. São filhas de Oya. Disponível em <
http://ocandomble.wordpress.com/os-orixas/nana > Acesso em: 02 set. 2014.
[72]
PEREIRA (2008: p. 83-84)
51
vivia na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, estendeu o convite para seu pai vir ajudá-lo a
trabalhar como pedreiro e pintor. Mãe Dara já tinha quinze anos quando chegaram na cidade
do Rio de Janeiro:
“Olha, Amazonas (assim me chamava), vê o que tu vai fazer com minhas
palavras, pois é, sou índia igual tu, seu índio velho. Vim pra cá quando tinha
quinze anos com meus velhos pais. Foi uma aventura filho, pois muitas
estradas eram de barro no Pará, foi difícil mas chegamos na casa do meu tio lá
na baixada. Ainda lembro das coisas do norte e gosto muito, meus parentes
trazem muitas coisas quando vem nos ver aqui. Tem muitos anos que não vou
lá e depois que entrei no candomblé foi mais difícil. Eu não imaginava
nunquinha que ia ser de santo, quando me iniciei por motivo de doença, minha
mãe contou que ainda pequena me entregou no meio da mata para o vento me
curar, eu era um neném cheio de perebas (feridas), olha que coisa não é?
73
Coisa dos nossos odús , meu filho. Cá tô eu nessa religião e hoje
74
organizando as coisas para o Olubajé do rei. E quem é a dona do meu orí? A
deusa das tempestades” (Retirado do depoimento de Mãe Dara no dia
16/08/2013, às 6h).
Divertida, Mãe Dara, com mais de vinte e cinco anos de santo, se dedica ao candomblé,
embora continue trabalhando como funcionária da limpeza na pequena empresa da Nextel, em
Nova Iguaçú. Com seu salário mínimo sustenta o candomblé que ela frequenta e a casa fica a
cargo do esposo que trabalha como eletricista na prefeitura de Duque de Caxias, e faltam
apenas dois anos para ele se aposentar. Recentemente, ela concluiu o ensino médio na EJA
(Educação de Jovens e Adultos). Além do trabalho, dar conta das coisas de casa e ainda dar
uma ajudinha quando pode para as duas filhas Miriam e Madalena, já formadas em Serviço
Social e Contabilidade, casadas e vivem em Madureira e Jacarepaguá, respectivamente, na
organização do apartamento e dos cuidados com os netos.
Na religião é um furacão para o trabalho, agitando todos os filhos de santo para o
cumprimento das obrigações que devem ser feitas em atenção aos orixás. Temerosa às
atitudes e decisões de Oyá, Mãe Dara cumpre seu papel com muita responsabilidade e
compromisso, é frequente nas funções do axé e zela muito pelo quarto de seu orixá. Possui um
cargo muito sério de Oloya e assume seu papel nas obrigações religiosas, em especial,
àquelas caracterizadas como ebós75. Exigência do cargo, além de dar conta de outras tarefas
na casa, ela se coloca sempre disponível aos orixás, especialmente Oyá:
“Amazonas, Amazonas, você quer saber demais, viu, garoto! Vou falar o
simples, mais que isso não adianta porque não vou falar, isso é coisa para
iniciados. Sou das antigas, awó é awó! E me obedeça, porque quando me
zango... Oloya é um cargo destinado a mulheres de Oyá (Yansã), quando
termina a obrigação do ebó, que não vou te contar, sou eu quem acompanho e
despacho o ebó na natureza ou outro lugar, dependendo do orixá. Nada mais
para falar” (Depoimento de Mãe Dara no dia 16/08/2013, às 6h).
[73]
―São o conjunto básico de princípios e verdades que explicam e fazem se exteriorizar as tendências essenciais do ser humano,
enquanto impulsos comportamentais básicos, enquanto modo próprio do ser, enquanto ser individual e nas suas interações com o
coletivo, enquanto suas destinações‖ (COUTINHO; ROSSI, 1983, p. 156). É muito comum escutarmos que é o destino (nota do
autor).
[74]
Banquete ritual oferecido à divindade Obaluaiê, senhor da varíola e da cura. (Nota do autor).
[75]
―Ebó, termo de origem iorubana, é uma comida africana que foi trazida para o Brasil pelos negros africanos escravizados. Faz-
se com farinha de milho branco, sal ou misturada com feijão- fradinho torrado. Leva-se ao fogo e, quando estiver fervendo, se junta
azeite de dendê. Aqui chegando, toma outras formas conceituais. Torna-se uma oferenda aos orixás‖ (TESSEROLLI, 2009, p. 1).
52
Costuma-se dizer que Mãe Dara é linha dura nas suas atitudes e no trato com quem
não leva a sério as tarefas do ilê, por ela, o abian ou yaô desobediente deve ser punido e os
mais velhos devem tomar as providências com eles. Geralmente ela diz:
“Comigo é assim, isso aqui é como uma tribo de índios e existe uma hierarquia.
76
Se desobedecer arrumo um olorogun com qualquer um. Não quer aceitar as
normas, sai da casa e procura outro lugar. Com muitos anos de santo ainda
não consegui ter paciência com quem não aprendeu a obedecer. Aqui as
determinações dos orixás, eles dizem o que devemos fazer, acredita quem
quiser e assim tem que ser” (Depoimento de Mãe Dara no dia 16/08/2013, às
6h).
Mãe Dara é uma mulher de fibra, é o vento violento ou o furacão que arrasta todos para
o trabalho, o compromisso com os deuses e a obediência aos princípios religiosos. Que mulher
brava! O alerta é quando ela se agita, caminhando de um lado para o outro, às vezes dá um
―pataço‖ em um, grita com outro, agita ali, corre acolá, o que demonstra sua filiação com Oyá,
justificado pelo amor que possui ao orixá Omulú, como ela mesma retrata quando diz estar se
dedicando ao Olubajé. Oyá foi quem curou as feridas de Omulú e dali nasceu uma relação de
amor. Como diz Mãe Ayana, é filha de Yansã e não tenhamos dúvidas disso!
Titilayo é uma senhora de oitenta anos, aos quinze entrou para o candomblé, mulher
negra que durante toda a vida se dedicou ao ilê em Salvador, onde foi iniciada para o orixá
Iroko. Teve nove filhos criados com a venda das guloseimas da culinária afro-brasileira ou a
comida de santo:
“As pessoa acha que a vida é só doce. Quando pari o fio mais novo, o marido
se foi. Preta que é preta num chora, ela tem que trabaiá para dar comida aos
fios. Tive que trabaiá muito, foi duro. Eu já era do santo e pedi para meu pai
Iroko me dá idea de trabaio, com a ajuda da Obá e da Oxum que me ajudaro,
daí com a autorização dos deuses fui vender comida de santo. Vendi muito,
mas era muito fio, faltava muito. Foi muito tempo e Iroko que é dono do tempo
sabe, (toca na cabeça e levanta as mãos para o alto) muito tempo
trabaiando até os fios crecer e vencer na vida. Não reclamo nada, sou alegre,
gosto de dançar, comer e beber a cervejinha (risos)” (Depoimento de Titilayo
no dia 25/10/2013 às 16h).
Muito contente, ela tem um importante papel de manter a ordem, aconselhar os mais
novos, evitar as divisões entre os irmãos de santo, educar os filhos da casa para o bem e para
a honestidade, evitando assim, qualquer tipo de energia negativa proveniente de
[76]
Marca a época de fechamento do terreiro antes do período da quaresma e ocorre um jogo de guerra entre os orixás Xangô e
Oxalá ou Ogum, em que a guerra é representada como um símbolo de luta (FERRETTI; SOGBOSSI, 2011, p. 18).
53
Seu orixá conhecido como Iroko habita a gameleira, uma enorme árvore cientificamente
conhecida como eFicus gomelleira ou Ficus doliaria, cultuada nos terreiros de candomblé e
portando um laço branco (ojá79) enorme, envolto no seu tronco. Em suas raízes encontram-se
as quartinhas, os alguidares utilizados nos rituais sagrados e nas oferendas.
Iroko era, originalmente, um orixá fitomorfo (semelhante à planta) na África. Morava
numa árvore sagrada, também chamada Iroko. Em Cuba, Iroko continua sendo árvore
sagrada: a sumaúma. Mas nas Antilhas não é frequente ser considerada um orixá... (ESPÌN,
1986) No Brasil: ―Todo pé de gameleira é considerado refúgio das almas. Tem uma época em
que a mulher não pode passar por perto de um pé de Irokô. Antigamente todas as obrigações
de Egum eram feitas no pé de Irokô, por isso é que a mulher não chegava perto em nenhuma
época‖ (CAMPOS, 1994, p. 12).
Titilayo é uma vovó, é uma liderança espiritual, gosta das coisas justas, porém é uma
mulher muito ciumenta, todos da casa são seus filhos, assim os considera. Muito generosa,
contribui com sua experiência religiosa para que a comunidade use a solidariedade, o
companheirismo e compartilhe as coisas do axé entre todos, desde as tarefas como os
alimentos. Seu maior defeito, como sempre diz, é ser turrona e teimosa.
Em sua juventude não pôde estudar, sempre teve que trabalhar para ajudar a mãe, uma
mulher viúva, pois Titilayo perdeu o pai muito cedo e assumiu a responsabilidade de mais seis
irmãos pequenos. O que aprendeu foi por conta do tempo, das experiências fossem elas
sofridas ou não, cresceu como uma adulta, como ela mesma relata:
“Minha mãe foi mia professora, naquele tempo era poca escola e a gente
aprendia na porrada. A vida batia em nóis. O que restava foi aprender com as
dor da vida. Meu pai foi para o orun muito cedo, era um preto trabaiadô, dava
duro, eu a mais véia de muitos fio. Quando ele partiu, minha mãe chorava
muito tadinha e eu tamém. Fomo lavar ropa para otra gente e a poca comida
era divida com tudo nóis. A tristeza levou todos nós para a macumba e de lá do
terreiro em Salvador o que sobrava das comida a gente levava para casa. Toda
[77]
Aquela que aconselha para manter a harmonia dos filhos de santo. (nota do autor)
[78]
Altar. (nota do autor)
[79]
Pano branco (nota do autor)
54
Titilayo é uma vovó muito ciumenta, glutona e de uma teimosia incomparável, isso de
certa forma nos mostra o quanto ela se filia ao orixá Iroko, entretanto, o que chama bastante
atenção é seu senso de justiça e sua espera pelo tempo como aquele que está encarregado de
resolver parte das nossas coisas espirituais e materiais. É a pacificadora da comunidade e
utiliza sempre de meios condutores para que a justiça de fato ocorra. Nota-se em seu relato
uma melancolia quando trata de seus pais, do esposo e evoca sempre Iroko, seu deus e seu
pai. Isso nos permite ressaltar a importância dada à sua ancestralidade e o quanto isso a faz
viver e seguir seu caminho firme e forte diante de momentos positivos ou negativos. Aí
encontramos Iroko.
De acordo com Carneiro, Ruth LANDES (2002) atribui esse poder feminino a conquista
das mulheres negras diaspóricas, as quais lutaram por conseguir dentro de um espaço social
segregador adaptar e realizar formas de reverenciar seus deuses, controlando assim várias
funções, centralizando atribuições e administrando através de suas capacidades e habilidades:
“Foi nas regiões latino-americanas que as mulheres negras encontraram maior
reconhecimento do seu próprio povo e dos senhores. Uma distinta sacerdotisa
55
não seja objeto deste estudo, é importante ressaltar que poderiam ser àqueles afetados no
gênero masculino, pois se aventuraram na possessão, fenômeno até então exclusivo das
mulheres e Bastos (2009) reforça essa ideia comentando:
“Em alguns terreiros, nos mais conservadores, a supervalorização das
mulheres como dirigentes de terreiro ainda é predominante. Neles, há
restrições para homens. A sacerdotisa entrevistada revela que na Casa
Branca, uma das mais tradicionais de Salvador, não há iniciação de homens,
prováveis pais de santo, há somente iniciação de ogãs.
Elas não iniciam homens, porque a casa é totalmente feminina, como na casa
da minha mãe de santo no Afonjá. A minha mãe de santo inicia homens, mas
jamais quando ela fechar os olhos, homem nenhum senta naquela cadeira,
senta-se mulher (...) a casa da minha mãe completa 100 anos em 2010, ela é a
5ª mulher que está no poder” (Entrevista realizada dia 04/04/2008).
deixaram de criá-los. O axé é minha outra casa, a outra família que devo cuidar
com zelo e carinho” (Depoimento de Bunmi no dia 19/05/2012, às 23h).
[80]
Para BOURDIEU (1998), o poder é representado de forma simbólica constituído pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de
confirmar ou de transformar a visão do mundo e deste modo à ação sobre o mundo. Segundo o autor, o poder simbólico não reside
no ―sistema simbólico‖ em forma de uma força oculta, mas se define numa relação determinada e é por meio desta que se exerce o
poder onde alguns dominam e outros estão sujeitos.
[81]
―Seu trabalho consiste no cuidado das vestimentas e dos adornos com que se apresentam nas festas, quando possuídos pelos
orixás, as filhas. É um voluntariado, uma árdua tarefa‖ (CARNEIRO, 2008, p. 123).
[82]
Senhoras iniciadas no Candomblé e reconhecidas nacionalmente, tendo um papel importante não somente nas discussões
acerca da religião em si, mas também nos debates sobre política, sociedade e literatura.
[83]
A lavagem das contas faz o indivíduo adquirir um aumento de força, isto é, de existência. Este aumento está assinalado pela
felicidade ou segurança obtida com o uso do colar devidamente preparado. Pois o que é o mal, senão a diminuição da existência?
A lavagem das contas, eliminando todas as influências negativas e fazendo o indivíduo participar da força divina, aumenta o grau
da existência. O indivíduo passa para um plano superior do Ser. Os abraços apaixonados que trocaram comigo filhos e filhas de
Xangô, depois da lavagem do meu colar, não significam apenas a alegria da minha entrada no terreiro, nem mesmo a
solidariedade espiritual entre devotos do mesmo deus, uma delas explicava-me admiravelmente a razão amistosa dessa alegria,
exclamando: ―Xangô é macho! É forte! Nada de mal vos poderá acontecer daqui por diante!‖ (LUZ, 2000, pp. 431-432).
[84]
―No âmbito do corpo sacerdotal, propriamente dito, é a iniciação de Iyawô que estabelece vínculos mais exigentes de
participação na comunidade religiosa. Esses vínculos caracterizam mesmo a passagem da pessoa para novas relações no espaço
e no mundo sagrado, o que significará mudança de status e mesmo de nome. Abiã significa pessoa que está por nascer, e Iyawo,
a esposa do Orixá. Num caso temos um grupamento de aspirantes ao sacerdócio, no outro, o início de uma vida devotada ao
Orixá‖ (LUZ, 2000, p. 432).
58
De fato, os estudos de BOURDIEU (2001) permitem uma reflexão sobre a relação entre
religiosidade e a sociedade, especialmente quando se trata da hierarquização do saber, do
sagrado e das relações sociais refletindo consequentemente em uma prática onde o poder se
faz presente em todos os momentos, assim se dá nas mais diversas expressões religiosas e
ocorre também nas religiões de matriz africana, ainda que nesse processo de interação social
exista também uma relação de pai, mãe, filhos e irmãos.
Por conta disso, existe um processo de respeito nas relações estabelecidas entre todos
os integrantes de um templo afro-brasileiro, é um constante exercício de vigiar sua conduta
dada à submissão, reverência ou dependência do orixá que rege ou que é dono da cabeça de
um filho e também ao respeito à yalorixá e às mulheres mais antigas no santo.
Embora na hierarquia religiosa essas mulheres são empoderadas através do status de
senioridade ou cargos indicados pelos orixás, observamos que nas falas a realidade social em
que estão inseridas representa uma luta constante pela sobrevivência, por conta das
dificuldades de trabalho, no casamento, com os filhos e com a sociedade, pois ser mulher de
Candomblé não é para qualquer um, pois se consegue parcialmente desempenhar um papel
primordial na sociedade capitalista, justificado pelo patriarcalismo e pelo machismo.
Inquieta-nos algumas palavras relatadas, como a da Mãe Ayana, filha de Oxóssi com
Yansã, que empoderada na religião, insiste em dizer que sua vida “foi dura para uma mulher
negra e de candomblé” ou que briga com os deuses questionando “sobre minha vida cheia
de dificuldade, a vida dos meus filhos que é cheia de problemas”.
Titilayo, ebômi da casa, filha do orixá Iroco, também teve condições socioeconômicas
muito limitadas, perdeu o marido muito cedo, teve que trabalhar para o sustento dos nove filhos
vendendo alimentos da culinária do Candomblé. Segundo Titilayo, “preta que é preta num
chora, ela tem que trabaiá para dá comida aos fios. Tive que trabaiá muito, foi duro”.
59
Neste sentido, podemos ousar dizendo que mulheres como Mãe Ayana e Titilayo são
essas protagonistas que alternam entre os diferentes ―eus‖, pois a dinâmica construída,
adaptada e assimilada durante as experiências vividas ao longo da trajetória existencial de
cada uma permitiu fazer uso das ―máscaras‖, trocando-as de acordo ao contexto social,
político, econômico e religioso, considerando os conflitos positivos ou negativos a serem
encarados e desafiados.
Nos depoimentos fica muito claro o entendimento de que a religião exerce uma maior
influência na vida dessas mulheres, pois a forma de compreender e assimilar o universo
religioso do Candomblé permite um novo significado para seu cotidiano, tornando a elaborar
novas formas de pensamento a respeito das relações familiares, comunitárias etc.
GEERTZ (1978) explica essa situação a partir da religião, quando os adeptos
organizam seu modo de fazer parte deste mundo, compreendendo sua experiência de estar no
mundo, construindo conhecimentos e adquirindo aprendizados, como também se posicionando
frente à realidade, se fortalecendo com os laços espirituais. A visão de ―mundo‖ no Candomblé
é cosmogônica, é de interiorização de arquétipos, é espiritual e possui uma força vital, energia
divina que possibilita aos seres humanos seguirem suas existências fortalecidos para as
experiências do porvir.
Neste sentido, as mulheres do candomblé são os atores sociais que vivenciam o
universo do candomblé, no esforço de preservar suas tradições religiosas, de manter parte da
cultura africana trazida por seus ancestrais, resistindo, adaptando elementos, dinamizando
60
símbolos, ritos e dogmas em um constante processo criativo de fortalecer sua fé frente a uma
sociedade patriarcal, machista e racista.
61
É importante ressaltar que nas comunidades indígenas era dado outro tratamento para
a mulher indígena, conforme explica OLIVEIRA (2012):
“Os mesmos índios que a sociedade complexa considera “selvagens” e
desvaloriza sua cultura, deram-nos na história da educação feminina, um belo
exemplo de valorização da mulher, na simplicidade natural de sua forma de ver
o mundo, entretanto numa visão isenta de preconceitos não estabelecendo
diferenças ou tratamentos desiguais numa relação essencial entre o “eu“ e o
62
”outro”, fato que fica pouco evidenciado na relação entre os homens cultos e
brancos que instituíram padrões de modelos de comportamento para a época”
(OLIVEIRA, 2012, p. 10).
A mulher indígena sempre teve um papel importante para o grupo étnico a que
pertencia, tendo suas atribuições não somente aos cuidados com a família e à colheita, mas
também estendidas às decisões junto aos homens:
“No entanto, no universo indígena, a mulher ocupava um espaço definido e
muito valioso nas decisões familiares. As vozes indígenas feminina e masculina
decidiam juntas, inexistia a representação do domínio e do poder do gênero
masculino, cada qual tinha seu espaço de atuação e não se questionavam
esses lugares colocados pela tradição” (OLIVEIRA, 2012, p. 39).
RIBEIRO (2006) assinala que para as mulheres, o período colonial brasileiro em geral
foi marcado de extrema desigualdade com relação ao homem, gerando um impacto muito
grande nas relações de gênero, já que a história das mulheres:
“Inicia-se na convivência e convergência de senhoras reclusas com meninas
órfãs pálidas portuguesas e indígenas libertas, bronzeadas pelo sol tropical.
Ainda no mesmo período, quase no seu início, acrescenta-se a esse
entrelaçamento, uma terceira mulher: a negra e sua condição de escrava dos
donos do poder vigente. Todas são subservientes, em graus menores ou
maiores. Apenas a indígena poderá, quando longe das missões religiosas,
manter seu grau de independência. O preço da sua liberdade, porém, da sua
não submissão à força masculina portuguesa, resultaria, muitas vezes, em sua
morte, em sua extinção. Dessa tríade cultural feminina surgiria o molde
genetivo da mulher brasileira, que perduraria por mais de trezentos anos.
Somente com a vinda de D.João VI, a partir de 1808, seria possível incorporar
a essa fôrma inicial, às diversas influências das mulheres imigrantes européias,
asiáticas, entre outras” (AZEVEDO, 1996, p.40) .
Com a mulher negra o processo foi com uma violência e agressividade características
do colonizador, pois sua função estava muito clara para uma sociedade escravocrata, ou seja,
servir a seus donos nas funções da casa e também tornar-se objeto sexual dele. Através de um
processo histórico doloroso, a mulher negra teve que resistir e lutar muito contra a forma em
que as relações de gênero e raça configuravam-se na colônia.
Na verdade, no período colonial existiam várias mulheres em condições de
subalternidade, marginalização e sofrimento, constituindo assim, um grupo inferior na
sociedade da colônia, servindo de instrumento sexual para o colonizador:
“Essas mulheres de condição inferior, brancas empobrecidas, índias e negras,
carregaram sobre si a promiscuidade da colônia, pois, se a maioria das
mulheres brancas de elite era casta, isso só foi possível devido à prostituição
das outras mulheres, que, submissas e de condição social inferior,
submeteram-se aos desejos sexuais dos senhores. A função das outras
mulheres, portanto, negras, indígenas e brancas empobrecidas, não poderia
ser outra, do que instrumentos sexuais dos colonizadores.
No que se refere à negra escrava, sua função era a de reprodução do domínio
patriarcal. Esse desempenho sexual muitas vezes fez com que a negra escrava
minasse o sistema. Não só por ocupar um lugar importante na vida do senhor
em detrimento da mulher branca de elite, como também porque houve
situações em que os senhores proprietários venderam escravos vigorosos por
medo desses competirem na conquista de sua escrava preferida” (RIBEIRO,
2012, p. 17).
No Brasil Império, a condição das mulheres não mudou muito comparando com a vida
que levava na colônia, pois as relações de gênero estavam bem definidas: o homem com seus
privilégios e direitos, frutos de uma sociedade patriarcal. A mulher sequer tinha o direito de
votar ou até mesmo ser uma cidadã. Com uma vida restrita ao lar, estava subordinada às
imposições do pai ou do marido, além disso, ela deveria se submeter a regras de boa conduta.
Enquanto a mulher branca se responsabilizava pela educação dos filhos e dedicação ao
marido; já as mulheres negras tomavam a frente da luta abolicionista e buscavam resgatar as
raízes culturais africanas através da religiosidade, em especial o Candomblé, garantindo assim
uma identidade afro-brasileira.
Além disso, esse período ficou marcado com o projeto de criar uma identidade nacional,
o Estado interviu de forma mais intensa na educação, direcionada especialmente às camadas
inferiores da sociedade. As mulheres foram conduzidas à instrução, porém era uma educação
64
preparatória direcionada a casa e cuidados da família, pois o planejamento das aulas para as
meninas era distinto dos meninos. Segundo MORAES (2010):
“... convém ressaltar, como previsto no artigo 12 e 13 da Lei de 15 de outubro
de 1827, que embora as professoras recebessem os mesmos ordenados dos
professores que desempenhavam as mesmas atividades, existia uma pequena
diferença nas disciplinas ensinadas para meninas: a exclusão de noções de
geometria e limitando-se a instrução de aritmética só às suas quatro
operações, bem como o ensino de prendas que servem à economia doméstica.
Este detalhe revela um tratamento desigual que indica uma diferenciação entre
a educação dirigida a mulheres e homens. Por mais que, ao longo do século
XIX, o acesso à instrução para meninas adquirisse uma atribuição positiva, ela
se dá enquanto associada à promoção das funções da casa: mãe e esposa”
(MORAES, 2010, p. 2-3).
Anterior a isso, a conjuntura mundial a partir da Revolução Industrial inglesa que tem
como base a mão de obra assalariada, expansão do capitalismo e a garantia de uma demanda
para consumir os produtos pressionava as sociedades escravocratas, que não tinham espaço
no mundo industrializado, a libertarem os escravos e assim foi assinada a Lei Áurea e
garantida a abolição da escravatura no Brasil. Homens e mulheres negras estavam ―livres‖
para uma ―nova vida‖, ainda que não houvesse nenhuma garantia de mudança social,
econômica e política dos recém-saídos da escravidão, em especial às mulheres negras.
Autores como Moura defendem a ideia de que teve sim uma pequena mudança ocorrida
no pós-abolição para as mulheres negras:
“(...) uma vez forras, e entre estes são maioria, procuram trabalho ligado à
cozinha ou à venda nas ruas de pratos e doces de origem africana, alguns do
ritual religioso, a comida de santo, e recriações profanas propiciadas pela
ecologia brasileira. Algumas trabalham ligadas às casas aristocráticas, onde
recebem sua cidadania de segunda classe; outras preferem se manter
trabalhando em grupo, geralmente como pequenas empresárias
independentes, cooperativadas, produzindo e vendendo sua criações”
(MOURA, 1995c, p. 45).
Para OLIVEIRA (2012) o período pós-abolição vai ter uma grande representatividade no
que diz respeito à condição da mulher branca, considerando as relações de gênero feminino e
masculino, embora para as condições sociais e econômicas dos negros não tenha tido
nenhuma mudança considerável.
“A abolição da escravatura, obra masculina, provoca uma mudança no sistema
de estratificação da sociedade em castas; porém nenhuma mudança ocorre na
divisão da sociedade baseada no sexo. Conseqüentemente, esse fato tem
significados diferentes para as mulheres brancas da camada senhorial e para
as negras escravas. A mulher negra ganha a liberdade formal que não possuía,
ascendendo na esfera social juntamente com o ex-escravo, permanecendo,
porém, numa posição inferior a este. Enquanto o escravo passa a ser
65
Quanto à mulher negra na República, localizada nos redutos das populações negras
reunidas em torno do Candomblé, enfrentavam a vida unidas pelo ideal da raiz africana. Na
capital, no Rio de Janeiro, estavam concentradas nos aglomerados chamados de Gamboa,
Saúde e Santo Cristo, conhecidos como pedaço baiano. Após a reforma Pereira Passos no
início do século XX e as mudanças na área do Porto, a população negra mudou-se para a
Cidade Nova:
“Por meio do trabalho doméstico, da culinária e dos mais variados biscates, as
mulheres conseguiam garantir, mesmo que em bases precárias, o sustento dos
seus. Era comum que as crianças tivessem apenas mãe. A figura do pai,
quando não era desconhecida, tinha pouca expressividade.
Nesse contexto, cabiam sempre à mulher as maiores responsabilidades e
encargos. Geralmente, era ela que assegurava a teia de relações do casal,
66
cheia de obstáculos desde a juventude, porém diz “Não reclamo nada, sou alegre, gosto de
dançar, comer e beber a cervejinha”. E é assim que ela ameniza as situações de tensão e
conflitos dentro do candomblé. É uma senhora de oitenta anos que é muito feliz e diante das
adversidades da vida busca resolvê-las com sabedoria, embora seja muito teimosa.
As duas senhoras negras e idosas, possuidoras de limitações econômicas sempre
atuaram com responsabilidade e compromisso nas obrigações da casa, Mãe Ayana cumpre
seu papel de rodante com menor frequência pelo tempo de santo e sua idade, ou seja, seus
orixás se manifestam pouco e é yakekerê da casa, a segunda pessoa mais importante depois
da yalorixá, enquanto que Mãe Titilayo possui um cargo importante de Iyaegbé, ou seja, ela é a
intermediária da paz em toda a comunidade religiosa. São cargos de poder, relevância e
influência no candomblé, pois tornam essas duas mulheres muito respeitadas na rígida
hierarquia religiosa.
Aos vinte e cinco anos, Etuhole é envolvida em projetos sociais, muito estudiosa, é uma
jovem comprometida com a religião e possui uma vida muito equilibrada, ainda que seja
dependente dos pais, como ela mesma relata: “sempre tive tudo, irmão, boas escolas, ótimos
professores, viagens, sou filha única. Sempre fui muito mimada pelos meus pais.”
Sendo uma jovem negra, é impressionante a forma em que se envolve nas funções da
casa, em especial quando se trata das obrigações religiosas relacionadas ao seu orixá
feminino chamado de Nanã. Seu relato é de firmeza, afirmação e compromisso em primeiro
lugar com o candomblé e consequentemente aos valores culturais africanos: “Me sinto útil para
a africanidade, para divulgar nossa cultura. É muito legal e você sabe disso. Apesar de gostar
da cultura, minha prioridade é o candomblé, minhas raízes, minha religiosidade, meus amados
Orixás, minha mãe Nanã.”
Analisando a fala de Etuhole, observamos que o fato de ser de Candomblé, buscar as
raízes e valores africanos, estar ligada a projetos relacionados à cultura afro-brasileira
constituem referenciais importantes para as construções identitárias que dão movimento à sua
personalidade enquanto mulher negra e de Candomblé. CAPUTO e PASSOS (2007)
comentam que:
“No que diz respeito às construções identitárias é interessante ainda constatar
aquilo que Hall (2003,p.29) sinaliza, ou seja, na situação da diáspora, as
identidades se tornam múltiplas. Isso significa dizer que não existe, no que diz
respeito à produção cultural, uma pureza original, mas sim uma rede de
empréstimos de referências, de modelos e inclusive de identificações”
(CAPUTO; PASSOS, 2007, p. 103).
[85]
Lorogun, lórogún ou olorogum é uma cerimônia ritual que paralisa a maiorias das atividades nos terreiros de candomblé,
estimulando seus crentes e adeptos ao descanso coletivo, marcando o final do ano litúrgico. O lorogun acontece propositadamente
no período da quaresma católica, logo depois do carnaval, terminando justamente no sábado de aleluia (primeiro sábado da lua
cheia), quando começa o início do ano litúrgico (Ano Novo) para o povo do santo. Neste ritual não acontece sacrifício animal,
embora seja oferecida comida ritual não só aos Deuses, mas a todos os participantes, servido diretamente por todos os orixás do
terreiro, extraordinariamente vestidos com roupas estampadas, menos os orixás funfuns que sempre estão com as suas vestes
brancas. Disponível em < http://toluaye.wordpress.com/ > Acesso em: 23 ago. 2014.
71
“Sim. Acho que sim. Toda relação de poder para além do próprio grupo é
ocupada pelos homens. Posso estar equivocada, mas se você verificar, no
princípio havia homens e mulheres como liderança religiosa, era natural. Tenho
a impressão de que, na medida em que o candomblé vai saindo das
comunidades, vai acontecendo essa negociação. Isso não é só na religião, mas
tudo que passou para o coletivo negro significou maior espaço para os
homens. Por exemplo, o samba, que foi tema do meu trabalho de doutorado.
Sempre foi lugar de homens e de mulheres, mas elas nunca foram iguais, mas
tinham papéis de igual valor. Porém, quando ganha maior visibilidade... O
samba, antes, ele não era como o de agora; antes de ser esse samba do
público geral, era um lugar de dança onde homens e mulheres participavam
com igual valor.
Você vê que o samba surge na casa de Mãe Ciata, mas ela é quase paisagem.
É Donga, é Sinhô quem aparecem. Ela é uma mantenedora, e mesmo Mãe
Ciata sendo a dona do lugar, ela aparece como pano de fundo para que Donga
e Sinhô e depois Pixinguinha (que nem era sambista, mas era da comunidade)
sejam os donos, se projetem. Na religião, me parece estar acontecendo a
mesma coisa. Enquanto era algo privado, coisa de negros, a mulher tinha o seu
papel. Na medida em que se projeta para fora dos muros das casas,
negociando com a comunidade em geral, na vida de todos e de todas, o
sexismo aparece e é moeda de troca, essa violência, essa apropriação e
desvalorização da mulher. É preciso debater sobre isso, essa troca que
inferioriza a mulher. Todo esforço que elas fizeram para trazer até aqui está
sendo expropriado sem respeito, pelos homens brancos e negros também”
(MENEZES, 2011, p. 175-176).
Como observamos, WERNECK (2011) mostra que com todo esforço, luta e persistência
de Tia Ciata no seu famoso Candomblé, assim como o samba na Pequena África, ela é muito
pouco lembrada, sendo projetados neste processo apenas os homens. Provavelmente para
esta situação, temos, como diz Werneck, que considerar nesta análise o sexismo.
Com relação ao que investigamos e com base na análise dos relatos das cinco
mulheres do Ile Asé Orainian, observamos que três delas possuem cargos na religião,
influência nas atividades da casa, educam os filhos de santo para servirem os orixás e se
dedicam em manter a tradição religiosa como forma de fortalecimento da comunidade religiosa,
caracterizando assim sua representatividade no contexto do Candomblé.
Entretanto, se considerarmos o aspecto social na análise das histórias de vida, vemos
que algumas dessas mulheres tiveram pouca representatividade em sua comunidade, em seu
bairro, ainda que parte da educação religiosa influencie no seu comportamento social. Até
mesmo o fato de cuidar dos afazeres domésticos no cotidiano de sua família, em alguns casos,
não é reconhecido, enquanto que a responsabilidade de cozinhar para os deuses, até mesmo
para a comunidade religiosa é atribuição de um cargo importante na religião.
Obviamente que os relatos constituem dados muito pequenos perante o universo das
mulheres no Candomblé para a academia, porém quando lemos, estudamos ou analisamos a
trajetória das primeiras mães de santo e seu papel social, político, cultural e religioso nos
primeiros cultos afro-brasileiros, nos questionamos enquanto pesquisadores sobre as
publicações que tiveram como desafio mostrar a importância dessas protagonistas para o
mundo acadêmico-científico.
E fica o questionamento: por que deste esquecimento?
73
Considerações Finais
[86]
Todavia, o engrandecimento e a apreciação pela menor atividade que se faça é reconhecida pelos deuses, que em dias de
festas, fazem uso do abraço em forma de agradecimento.
75
não somente a visibilidade religiosa, mas também a social de duas entrevistadas, tentamos
perceber como estas mantêm o equilíbrio espiritual e estabilidade nas condições
socioeconômicas. Preocupamo-nos com as duas senhoras que são muito respeitadas na
religião, porém suas vidas ainda constituem um campo de batalha por melhores condições
financeiras e sociais. Isto constitui um dado importante para seguirmos discutindo visibilidade e
invisibilidade do gênero feminino.
Foi um ano e meio de participação dentro de um axé e acreditamos que a experiência
da pesquisa nos mostrou que o Candomblé constitui um ―lócus‖ onde as mulheres minimizam
seus conflitos pessoais, agenciam suas expectativas, ajustam suas relações individuais e
coletivas, permutam experiências riquíssimas e negociam muitas angústias impostas por uma
sociedade competitiva, calcada no modelo liberal.
Viver a comunidade do Candomblé é aprender a conviver com as diferenças, é vencer
seus ―demônios interiores‖, é abraçar a causa nobre da religião que é muito discriminada,
assim como aprender que pequenos gestos se transformam em atos nobres. Assim, pudemos
ver o comportamento das mulheres de axé durante vários finais de semana de funções e
obrigações religiosas.
As observações feitas neste período nos dão a certeza de que o projeto elaborado de
forma muito criativa pelas três negras africanas da Costa, as pioneiras Adetá, Iá Kalá e Iá
Nassô quando tiveram a ideia de fundar o Engenho Velho em Salvador foi êxitoso e teve
sucesso, embora com muitas adaptações, mas elas conseguiram, ainda que fosse pelo simples
gesto de cultuar seus deuses ou uma forma intensa de reinventar um espaço sagrado onde
pudesse reviver uma pequena parcela de sua região na África, ou seja, o culto aos deuses.
Por esse motivo, é tão importante considerar a autonomia da mulher africana no
processo de consolidação do Candomblé enquanto religião afro-brasileira, uma vez que nas
sociedades africanas, a essa mulher é dado um grau de importância conforme sua dinâmica de
vida na tribo ou vila, sua influência política nas sucessões e governos, sua criatividade na arte
de comercializar, seu poder de intermediar o espiritual com o humano, além de ser fértil e
garantir muitos filhos ao seu esposo. É a característica matrilinear como prática dos povos
tradicionais africanos.
A respeito da matrilinearidade, CHAGAS (2011) comenta:
“No processo de organização social e política dos africanos, a matrilinearidade
delegava à mulher poder de comando e decisão. Em função desse modelo de
organização a mulher não se limitava à participação no poder ao lado do
homem, mas também era quem decidia sobre as questões políticas,
administrativas e econômicas. Desta feita, era responsável direta pelos
destinos e manutenção das comunidades tradicionais” (CHAGAS, 2011, p. 2).
Talvez por essa razão, Cheik Anta Diop contrapondo à tese do matriarcado africano
como um estágio organizacional inferior defendido por cientistas europeus, elaborou sua
hipótese com base na existência de berços distintos no mundo, distinguindo o norte do sul
76
através da análise do papel social e econômico da mulher na sua tribo. Neste contexto, as
sociedades do sul valorizaram muito o papel da mulher e seu poder de negociar parte da
produção agrícola (NASCIMENTO, 2008).
Por essa razão, falar do papel social e religioso da mulher de candomblé, na verdade, é
também considerar os antecedentes das mulheres africanas que possivelmente alguns
historiadores não tiveram interesse em pesquisar ou talvez fosse um tema sem importância,
especialmente ao tratar de mulher negra. A questão é que essa mulher negra, alvo do tráfico
transatlântico, teve a criatividade de utilizar a fé nos seus deuses para sobreviver, resistir e dar
origem a uma expressão religiosa brasileira com elementos africanos.
Por isso, ―Mulheres do Axé: da invisibilidade social à visibilidade religiosa‖ constituiu um
desafio para garantia de um pequeno aprendizado sobre o universo feminino dentro de uma
casa de Candomblé, que a princípio enxergamos como um meio investigativo de provar que
empoderamento religioso não minimiza as tensões nas relações de gênero, tampouco diminui
os problemas sociais e econômicos vividos por muitos filhos de santo, o que, de fato,
continuamos insistindo na mesma ideia, são mundos diferentes (aspecto religioso e
socioeconômico) que se interseccionam no eu do adepto.
Uma coisa é certa, é impressionante que nesta interseção, a religião predomine e leve o
candomblecista a encarar as adversidades da vida com muita força de vontade e de
superação, inclusive nos momentos mais graves, como são os casos de doenças com menor
possibilidade de cura. Isso mostra, tomando como exemplo as cinco mulheres da pesquisa,
uma situação interessante de ser destacada, independente da idade, cor da pele, condição
socioeconômica e até mesmo o status hierárquico, elas continuam se dedicando aos orixás.
77
Referências Bibliográficas
BOURDIER, P. Gênese e Estrutura do Campo Religioso. In: Bourdieu, Pierre. Sérgio Micelli (org.), 5 ed.
Ed. Perspectiva, São Paulo, 2004ª.
._____. Poder, derecho y clases sociales. 2 ed. Bilbao: Editorial Desclée de Brouwer, 2001.
_____. O Poder Simbólico. São Paulo: Difel, 1998.
CALEIRO, R. C. L. O Positivismo e o papel das Mulheres na Ordem Republicana. UNIMONTES
CIENTÍFICA. Montes Claros, v. 4, n. 2, julho-dezembro 2002.
CAMPOS, Z. D. P. O Terreiro Oba Ogunté: Parentesco, Sucessão e Poder. 1994. Dissertação
(Mestrado em Antropologia) Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, PE, Brasil, 1994.
CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas Híbridas. São Paulo: Edusp, 1997.
CAPONE, Stefania. A busca da África no candomblé: tradição e poder no Brasil. Rio de Janeiro:
Pallas, 2004.
CAPUTO, S. G; PASSOS, M. Cultura e conhecimento em Terreiros de Candomblé – lendo e
conversando com Mãe Beata de Yemonjá. Currículo sem Fronteiras, v. 7, n. 2, pp. 93-111,
julho-dezembro 2007.
CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. 9 ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. (Coleção
Raízes).
CARNEIRO, Suely. Ennegrecer al feminismo: La situación de la mujer negra en América Latina desde
una perspectiva de género. Nouvelles Questions Féministes, v. 24, n. 2, 2005.
CHAGAS, W. Ferreira. A condição da mulher na África Tradicional. Seminário Nacional – Gênero e
Práticas Culturais – Olhares diversos sobre a diferença, 3. João Pessoa-PB, 2011.
CHIZOTTI, Antônio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez, 1991.
COSER, S. Híbrido, Hibridismo e Hibridação. In: FIGUEIREDO, Eurídice (Org). Conceitos de literatura
e cultura. Juiz de Fora: Editora UFJF; Niterói: EdUFF, 2010.
COSTA, R. F. Capitalismo e Formação Social Escravista no Brasil. Modernidade e consequências.
Revista Sociologia Ciência & Vida. São Paulo: Editora Escala 2011. Disponível em:
<http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESSO/Edicoes/34/artigo213732-1.asp> Acesso em: 29
ago. 2014.
COUTINHO, D. M; ROSSI, R. Concepções e práticas alternativas em torno da doença mental em um
estado do Brasil: o candomblé da Bahia. Revista Baiana de Saúde Pública, n. 10, Quito,
Equador, 1983.
CUNHA, Manuela Carneiro da. Histórias dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras,
1993.
DE’ CALL, C. A Família escrava entre a esfera historiográfica e antropológica. Recife: Cadernos de
Estudos Sociais, v. 23, n. 1-2, 2007.
DOMINGOS, L. T. A influência da religiosidade africana na sociedade brasileira: o olhar de um africano.
Ciberteologia (São Paulo. Edição em Português), v. 3, pp. 52-69, 2009.
ESPÌN, S. J. O. Iroko e Ará-Kolé: comentário exegético a um mito Iorubá – Lucumí – contribuição ao
diálogo com as religiões afro-americanas. Revista Perspectiva Teológica, n. 18, pp. 29-
61,1986.
79
FERRETTI, S. F. Estudo sobre as Casas de Minas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo;
São Luís: FAPEMA, 1995.
_____. Multiculturalismo e Sincretismo. Congresso Internacional em Ciências da Religião, 1º, 2007,
Goiânia, PPGCR da Universidade Católica de Goiás. In: MOREIRA, A. S.; OLIVEIRA, I. D. O
futuro da religião na sociedade global. Uma perspectiva multicultural. São Paulo:
Paulinas/UCG, 2008, pp. 37-50.
FERRETTI, S. F; SOGBOSSI, H.P. Dossiê: Religiões Afro-americanas Atualidades das Religiões Afro-
americanas. Revista Pós Ciências Sociais, v. 8, pp. 09-20, 2011.
FIGUEREIDO, Eurídice. Conceitos de Literatura e Cultura. Ed. Revista das Letras, São Paulo, 2005.
FIGUEIREDO et al. Racismo Cordial Desconstruído: uma leitura pós-positivista do papel da
mulher negra no Brasil colonial. v. 6, n. 3, 2013.
FISCHER, Izaura Rufino; MARQUES, Fernanda. Gênero e Exclusão Social. Trabalhos para
discussão. n. 113, RN, 2001.
FONSECA JR., Eduardo. Zumbi dos Palmares. A história do Brasil que não foi contada. Rio de
Janeiro: Livraria Eldorado Distribuidora, 2002.
GARDE, P. A participação política feminina na história do Brasil. [s.l.; s.n.], 2007.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978.
GILROY, Paul. O Atlântico Negro: Modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Editora 34,
2001.
GOLDMAN, M. A. A construção ritual da pessoa: a possessão no Candomblé. Revista Religião e
Sociedade. Agosto, Rio de Janeiro, 1985.
GONÇALVES, C. M. F. Mensageiras entre o mundo da tradição e o da contemporaneidade – as
mulheres negras do candomblé. São Paulo: PUCSP, 2008.
GONSALES, L. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje. ANPOCS,
pp. 223-244, 1984.
GONSALVES, Elisa Pereira. Iniciação à Pesquisa Científica. Campinas, SP: Alínea, 2001.
GUERRIERO, Silas. A atualidade da teoria da religião de Durkheim e sua aplicabilidade no estudo das
novas espiritualidades. Estudos de Religião. v. 26, n. 42, Edição Especial, pp.11-26, 2012.
HAGUETTE, T. M. F. Metodologia Qualitativa na Sociologia. Petrópolis: Vozes, 1987.
HAHNER, June E. A mulher no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.
HALL, Stuart. Pensando a Diáspora (Reflexões Sobre a Terra no Exterior). In: _____. Da Diáspora:
Identidades e Mediações Culturais. Liv Sovik (Org.); Tradução Adelaine La Guardia Resende.
Belo Horizonte: Editora UFMG; Brasília: Representação da Unesco no Brasil, 2003.
_____. Da Diáspora: Identidades e Mediações Culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006.
HOEBEL, E. A; FROST, E. L. Antropologia Cultural e Social. Tradução Euclides Carneiro da Silva.
São Paulo: Cultrix, 1976.
JESUS, I. S. Participação e liderança feminina no Candomblé: desdobramentos sobre os processos
identitários da Mulher. XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais: Diversidade e
(Des) Igualdades. Salvador: UFBA, Agosto de 2011. (pp. 01 a 18)
JOAQUIM, Maria Salete. O papel da liderança religiosa feminina na construção da identidade
negra. Rio de Janeiro: Pallas; São Paulo: Educ, 2001.
80
JOHNSON, Samuel. The History of the Yorubas: from the Earliest Times to the Beginning of the British
Protectorate. Lagos, CSS Bookshops, 1921.
JUNIOR, A. G. Origem dos Escravos Africanos. Categorias: Brasil Colônia, Escravidão no Brasil,
2009. Disponível em: <http://www.historiabrasileira.com/brasil-colonia/origem-dos-escravos-
africanos/> Acesso em: 10 ago. 2014.
KATRIB, C. M. I. Diálogos entrecruzados: cidadania, cultura afro-brasileira e os 10 anos de
implementação da Lei n. 10.639/03. Revista Educação e Política em Debate. v. 2, n. 1, 2013.
KAUSS, V. L.; PERUZZO, A. A inserção da mulher indígena brasileira na sociedade contemporânea
através da literatura. Espaço Ameríndio. Porto Alegre, v. 6, n. 2, pp. 32-45, jul./dez. 2012.
LANDES, Ruth. A cidade das mulheres. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.
LEITE, F. Valores Civilizatórios em Sociedades Negro-Africanas. África: Revista do Centro de Estudos
Africanos, USP, S. Paulo, 1995/1996.
LIMA, Fábio Batista. Candomblé Tradição e Modernidade: Um estudo de caso. Salvador: Faculdade
de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, 2006.
LIMA, Vivaldo da Costa. A família de santo nos Candomblés Jeje-Nagôs da Bahia: um estudo de
relações intragrupais. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da UFBA, Salvador, BA, Brasil, 1977.
LODY, Raul. O povo de santo: religião, história e cultura dos Orixás, Inquices e Caboclos. 2 ed.
São Paulo: WMF Martins Fontes, 2006. (Coleção Raízes)
_____. Candomblé: religião e resistência cultural. Ática: São Paulo, 1987.
_____. Tem Dendê, tem Axé: Etnografia do dendezeiro. Rio de Janeiro: PALLAS, 1992.
LUZ, M. A. de O. Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira. 2 ed. Salvador: EDUFBA, 2000.
M’BOKOLO, Elikia. África Negra: história e civilizações. Salvador: EDUFBA; São Paulo: Casa das
Áfricas, 2009.
MACHADO, V. Exu: O Senhor dos Caminhos e das Alegrias. ENECULT – Encontro de Estudos
Multidisciplinares em Cultura, 6. Facom – UFBA, Salvador, Bahia, 2010.
MASCARIN, T. F. O Sabor Doce Presente na Arte de Cozinhar para os Orixás: enfoque no terreiro Ilê
Ast’oyá Onirá- Sarandi-Pr . Simpósio Nacional de História – Conhecimento histórico e
diálogo social, 17. Natal, 2013.
MENEZES, N. A religião é um lugar confortável. Mandrágora, v. 17, n. 17, pp. 175-181, 2011.
MIRANDA, A. C. S. A Invisibilidade da Ação Política das Ialorixás. africanias.com.uneb.br, nº 03 (2012).
MORAES, P. dos A. Conflitos e enfrentamentos: as primeiras mulheres na Faculdade de Medicina
no Império. [s.l], SBHC, 2010.
MOURA, Roberto. Tia Ciata e a Pequena África no Rio de Janeiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Secretaria
Municipal de Cultura, Dep. Geral de Doc. e Inf. Cultural, Divisão de Editoração, 1995.
MOSCOVICI, Serge. A representação social e psicanálise . Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
NASCIMENTO, E. Larkin (Org). A matriz africana no mundo. São Paulo: Selo Negro, 2008.
NERIS, Wheriston Silva. Bourdieu e a Religião: Aportes para (re)discussão do conceito de campo
religioso. PPGCS-UFMA: São Luís, 2012.
NOVAIS, Fernando. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo:
Hucitec, 1979, cap. II, pp. 57-116.
81
ROSA, Laila. No terreiro predomina mais a mulher, porque a mulher tem mais carisma: música, gênero,
raça, sexualidade e cotidiano no Culto da Jurema (Olinda/PE). Simpósio da Associação
Brasileira de História das Religiões (ABHR): Migrações e Imigrações das Religiões, 10.
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2008.
ROSARIO, Claudia Cerqueira. Religiões dos Orixás: Mito e Teologia na África e na Diáspora. Simpósio
Internacional do Centro de Estudos do Caribe no Brasil, V. Salvador, BA, 2008.
SAFFIOTI, H. I. B. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. São Paulo: Quatro Artes-INL,
1969.
SANTOS, Gisele Cristina dos Anjos. Identidade e Imaginário Social: Mulheres Negras em Cuba após 50
anos de revolução. Congresso Luso-Brasileiro de Ciências Sociais / Diversidade e
desigualdades, 11. UFBA, 2011.
SANTOS, I. M. F. dos. Iá Mi Oxorongá: As Mães Ancestrais e o Poder Feminino na religião africana.
Revista de História da África e Estudos da Diáspora Africana, SANKOFA 02, 2008.
SANTOS, V. O. dos. Mulher de casa e de candomblé. Revista África e Africanidades. Ano 4, n. 16/17,
2012.
SCHUMAHER, S. e BRAZIL, E. V. Mulheres Negras do Brasil. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2007.
496 pag.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de analise histórica. Educação e realidade, Porto Alegre,
16(2): 5-22, jul/dez.1990. pag:5-19.
SILVA, D. V. R. et al. A educação do gênero feminino no Brasil Colônia. Seminário Nacional Gênero e
Práticas Culturais – Olhares diversos sobre a diferença, 3. João Pessoa, PB, 2011.
SILVA, Edna Lúcia da; MENEZES, Estera Muszkat. Metodologia da Pesquisa e elaboração de
dissertação. 3 ed. Florianópolis: Laboratório de Ensino a Distancia da UFSC, 2001.
SILVEIRA, A. P. L. ―Batuque de Mulheres‖: Etnografando feituras de Tamboreiras de Nação no Batuque
gaúcho. Simpósio sobre Gênero, Arte e Memória, IAD/UFPel, 2008.
SIQUEIRA, M. de L. Iyámi, Iyá Agbás: Dinâmica da Espiritualidade Feminina em Templos Afro-baianos.
Revista Estudos Feministas, Ano 03, São Paulo: 1995.
SOARES, A. M. L. Sincretismo afro-católico no Brasil: lições de um povo em exílio. Revista de Estudos
da Religião, Ano 3, pp. 45-75, São Paulo, 2002.
SOARES DA SILVA, Vanessa. A Roda das Donas: a mulher negra no Candomblé. Rio de Janeiro:
Centro de Educação e Humanidades, Faculdade de Educação – UERJ, 2010.
SOUZA, Maria de Lourdes S. Yami Iyá Agbés. Dinâmica da Espiritualidade Feminina em Templos
Afro-Baianos. v. 3, n. 2/95, UFBA.
SOUZA, Patricia Ricardo. A estética do candomblé. Fazendo axós, tecendo axé. Simpósio da
Associação Brasileira de História das Religiões (ABHR): Migrações e Imigrações das
Religiões, 10. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, 2008.
TESSEROLLI, M. A. Breves reflexões sobre o Ebó, uma oferenda ritual. Simpósio da Associação
Brasileira de História das Religiões, 11, UFG: Goiânia, 2009.
THEODORO, H. Religiões Afro-brasileiras In: NASCIMENTO, E. N. (Org.). Guerreiras de Natureza:
mulher negra, religiosidade e ambiente. Selo Negro: São Paulo, 2008.
83
THIAGO SILVA, Francisco. Candomblé Iorubá: a relação do homem com seu orixá pessoal. La Salle -
Revista de Educação, Ciência e Cultura, v. 16, n. 2, jul./dez. 2011.
TRINDADE, A. L da. Valores Civilizatórios Afro-brasileiros na Educação Infantil. São Paulo: Futuro,
2005.
VELLOSO, M. P. As Tias Baianas tomam conta do pedaço: Espaço e identidade cultural no Rio de
Janeiro. Estudos Históricos. Rio de Janeiro. v. 3, n. 6, pp.107-228, 1990.
VERGER, Pierre. A contribuição especial das mulheres no Candomblé do Brasil. In: LIMA, Cláudia.
Artigos, Tomo 1. São Paulo: Corrupio, 1992.
VERGER, Pierre Fatumbi. Orixás: deuses iorubas na África e no Novo Mundo. 6 ed. Salvador:
Corrupio, 2002.
VIEIRA DA SILVA, M.A. Xirê - a festa do candomblé e a formação dos "entre-lugares" in: Revista
Habitus, vol.08, nº 01, 2010. pp 99-117.
VON SMIGAY, Karin Ellen. Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de violência: desafios
para a psicologia política. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 8, n. 11, pp. 32-46, jun.
2002.
WERNECK, Jurema. De Ialodês y Feministas: Reflexiones sobre la acción política de las mujeres negras
en América Latina y el Caribe. Nouvelles Questions Féministes, v. 24, n. 2, pp. 27-40, 2005.
WOORTMANN, Klaas. A Família das Mulheres. Rio de Janeiro: Tempo Universitário, 1987.
84
ANEXO I
85
APÊNDICE I
86
APÊNDICE II
87
APÊNDICE III
88
APÊNDICE IV
89
APÊNDICE V
90
APÊNDICE VI
91
APÊNDICE VII
92
APÊNDICE VIII
93
APÊNDICE IX
94
APÊNDICE X
95
APÊNDICE XI
96
APÊNDICE XII
97
APÊNDICE XIII
98
APÊNDICE XIV