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MULHERES DO AXÉ: DA INVISIBILIDADE SOCIAL À VISIBILIDADE RELIGIOSA

Nadson Nei da Silva de Souza

Dissertação de Mestrado apresentada ao programa


de Pós-graduação Stricto Sensu de Relações
Etnicorraciais como parte dos requisitos necessários
à obtenção do título de Mestre em Relações
Etnicorraciais.

Orientadora:

Nara Maria Carlos de Santana, D. Sc.

Rio de Janeiro
Outubro / 2014
ii
iii

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do CEFET/RJ

S729 Souza, Nadson Nei da Silva de


Mulheres do axé : da invisibilidade social à visibilidade religiosa
/ Nadson Nei da Silva de Souza.—2014.
xiii, 83f. + apêndices e anexo ; enc.

Dissertação (Mestrado) Centro Federal de Educação


Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, 2014.
Bibliografia : f. 77-83
Orientadora : Nara Maria Carlos de Santana

1. Candomblé. 2. Mulheres no Candomblé. 3. Fusão cultural. 4.


Sincretismo (Religião). 5. Socialização. I. Santana, Nara Maria
Carlos de (Orient.). II. Título.

CDD 299.673
iv

Para toda minha família,


inspiradora de minha confiança,
persistência e garra no alcance dos
meus objetivos.
v

Agradecimentos

À Venina dos Santos e meus filhos Laura Isabel, Bruna Luisa e Pedro Vinicius, pelo
incentivo e paciência,

A meus pais, Graça e Raimundo, e meus sobrinhos Rhuann Renis e Yanna Nadini, pela
força e apoio,

À professora Nara Maria, que com muita paciência conseguiu conduzir a orientação de
forma eficaz e eficiente,

Aos professores avaliadores da banca, Álvaro Senra, amigo e colega de trabalho e


Volney Berkenbrock, que com muita atenção e solicitude se dispôs a contribuir no processo,

À professora Renilda Barreto, que não mediu esforços em contribuir na co-orientação


da dissertação,

Aos meus colegas do mestrado que sempre apoiaram, estimularam e acreditaram na


minha capacidade,

Às senhoras do Ilê Axé Orainian, que com muito amor e carinho foram as verdadeiras
protagonistas para que o trabalho fosse concluído. Benção!

Meu carinhoso muito obrigado!


vi

“Aqui é uma casa sagrada e Exu tá no portão oiando e cuidando de


tudo. No meu tempo a gente obidicia a mãe de santo, existia mais
respeito nas pessoa. Aqui o orixá manda e eu aceito isso como é.
Cuido de Iroko, é meu pai, meu amigo, meu irmão é tudo na mia
vida. Sempre bato cabeça para ele, sinal de respeito e reverência.”
(Mãe Titilayo, 2012)
vii

RESUMO

MULHERES DO AXÉ: DA INVISIBILIDADE SOCIAL À VISIBILIDADE RELIGIOSA

Nadson Nei da Silva de Souza

Orientadora:
Prof.ª Nara Maria Carlos de Santana, D. Sc.

Resumo da dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Relações Étnico-raciais do Centro Federal de Educação Tecnológica
Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do titulo de mestre em relações étnico-raciais.

O papel da mulher na sociedade brasileira tem constituído uma temática


complexa e de certa forma interessante, haja vista que historicamente foi ela que lutou
para garantir seus direitos perante uma sociedade patriarcal e machista e que
atualmente vem ocupando posições importantes nos meios sociais, político, cultural e
religioso. Em meio ao contexto, algumas mulheres constituíram ícones fundamentais
na história da sociedade brasileira, entre elas, aquelas com fortes vínculos às
expressões religiosas, em especial o Candomblé, religiosidade afro-brasileira, com uma
matriz africana, nascida no Brasil do século XIX. Conhecidas como ―mulheres do axé‖,
―senhoras do ilê‖, ―herdeiras do axé‖ e ―mulheres de santo‖, elas possuem uma história
de luta e resistência diante de uma sociedade colonial, que contribuiu intensamente
para o surgimento dos cultos aos deuses do panteão africano. Sendo elas objeto da
pesquisa proposta como dissertação do mestrado em Educação para as Relações
Etnicorraciais do CEFET/RJ, possuem diversas atribuições no meio social, na família e
na religiosidade, o que as torna dependendo da situação em que se encontram
inseridas, invisíveis ou visíveis. Por essa razão, os objetivos propostos estão voltados
para os estudos da socialização, gênero e religiosidade em atenção à problemática da
pesquisa, utilizando o método qualitativo e a aplicação da teoria das representações
para entender o comportamento desse grupo de mulheres religiosas.

Palavras-chave:
Candomblé; Gênero; Socialização.

Rio de Janeiro
Outubro / 2014
viii

ABSTRACT

WOMEN’S OF AXÉ: SOCIAL INVISIBILITY TO THE RELIGIOUS VISIBILITY

Nadson Nei da Silva de Souza

Adivisor:
Prof.ª Nara Maria Carlos de Santana, D. Sc.

Abstract of monograph submitted to Programa de Pós-Graduação em Relações


Étnico-raciais do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca,
CEFET/RJ, as partial fulfillment of the requirements for the degree of racial ethnic
relations máster.

The role of women in Brazilian society has constituted a complex and somewhat
interesting thematic way, considering that historically it was she who fought to ensure
the rights in a patriarchal and sexist society and that is currently occupying important
position in social media, politic, cultural and religious. Amid the context, some women
were key icons in the history of Brazilian society, among which are those with strong
linkages religious expression, especially Candomblé, afrobrazilian religiosity, as African
matrix, born in Brazil in the nineteenth century. Known as ―women of axé‖, ―ladies of
ilê‖, ―heiress of axé‖ and ―women of saint‖, they have a history of struggle and
resistance in face of colonial society, which contributed heavily to rise of cults of the
gods of the patheon African. They are being object to the proposed research
dissertation of master’s degree in Education ethical and racial issues Relations of
CEFET-RJ, have several assignments in the social environment, in the family and in the
religiosity, what makes them depend on the situation in which they are inserted, invisible
or visible. For this reason, they proposed objectives are oriented studies of socialization
gender and religiosity in attention to the issue of research using qualitative method and
application of representation theory to understand the behavior of this group of religious
women.

Keywords:
Candomblé; Gender; Socialization.

Rio de Janeiro
October / 2014
ix

Sumário

Introdução 1

I Breve antecedente histórico sobre o papel da mulher

na África: em busca de explicações 7

I.1 - Valores afro-civilizatórios no processo diaspórico:

transformações e permanência 7

I.1.1 - Valores civilizatórios das sociedades negro-africanas 7

I.1.2 - Valores Civilizatórios afro-brasileiros 8

I.2 - Mulher africana: antecedentes de luta e influência junto à sociedade 10

I.3 - A mulher negra na escravidão e abolição do século XIX 13

II Gênero feminino no Candomblé 19

III Hibridismo cultural ou sincretismo religioso: o comportamento

das Mulheres do Axé 29

III.1 - Sincretismo Religioso 29

III.2 - Hibridismo étnico-cultural 31

IV Ni Aíyé Òní: a fala das Mulheres Guerreiras 37

IV.1 - A história oral e a observação participante no Ilê:

entendendo o empoderamento feminino 37

IV.2 - O Ile Asè Orainian: lócus do poder dos deuses e humanos 41

IV.3 - Mulheres do Axé: entre orins, àdurà, ofos e oríkìs 43

IV.3.1 - Mãe Ayana: o encontro da mãe dos ventos e

o senhor da caça 43

IV.3.2 - Bunmi: Odô Yá Yéyé Omo Ejá, Senhora dos Egba 46

IV.3.3 - Etuhole: O poder da Olú waiye 48

IV.3.4 - Dara: Oloya , um cargo de muita responsabilidade 50

IV.3.5 - Titilayo: filha da árvore sagrada 52


x

IV.4 - Conversa das mulheres: dialogando com autores 54

V Mulheres empoderadas: igualdade religiosa e contrastes

sócio-históricos 61

V.1 - Índias, negras e brancas: traçando paralelos nas diferenças

sociais e históricas da mulher brasileira 61

V.2 - Empoderamento da mulher de santo do Ilê Asé Orainian 66

V.2.1 - A fé nos Orixás como enfrentamento da dificuldade

e problemas sociais 67

V.2.2 - A fidelidade aos deuses africanos é uma prova

de amor e agradecimento 68

V.2.3 - Orixás, ancestralidade, raízes e processos identitários 68

V.2.4 - Trabalho, autoridade e atitude: uma resposta aos deuses 70

V.3 - Visibilidade ou invisibilidade das mulheres de religiões

de matriz africana 70

Considerações Finais 74

Referências Bibliográficas 77

ANEXO I 84

APÊNDICE I 85

APÊNDICE II 86

APÊNDICE III 87

APÊNDICE IV 88

APÊNDICE V 89

APÊNDICE VI 90

APÊNDICE VII 91

APÊNDICE VIII 92

APÊNDICE IX 93
xi

APÊNDICE X 94

APÊNDICE XI 95

APÊNDICE XII 96

APÊNDICE XIII 97

APÊNDICE XIV 98
xii

Apresentação

A partir da busca por inovar as aulas de Cultura Hispano-americana e Interculturalismo


da Licenciatura em Letras - Espanhol e Literatura Hispânica do Instituto Federal de Roraima,
sugerimos incluir nos programas conteúdos com temáticas orientadas para as discussões
sobre os estudos africanos e indígenas. Seria inovador no ano de 2009 para as primeiras
turmas do curso de graduação uma proposta de estudar além da história e cultura afro-
brasileira e indígena, incluir a religiosidade afro-brasileira e indígena nos debates, práticas e
atividades de campo. Já haviam passado seis anos da aprovação da lei 10639/03, que
implementa a História da África e Cultura Africana e Afro-brasileira no currículo da educação
básica e não havia nada de concreto no que tange à aplicabilidade da lei na instituição de
ensino.
O grande avanço em termos de implementação da referida lei foi estendê-la aos cursos
superiores da instituição, além do ensino médio e profissionalizante, entre eles, o curso
superior de Letras Espanhol, onde começou as primeiras experiências didático-pedagógicas
com pesquisas incluindo a temática religiosidade afro-brasileira e indígena. A princípio nada
mais fácil que com o tempo oportunizaria docentes e alunos envolvidos na proposta com
pesquisas em comunidades tradicionais religiosas de matriz africana com publicações,
participações em eventos e os passos para a criação do Núcleo de Educação para as
Relações Etnicorraciais e Ações Afirmativas, dividido em quatro eixos principais: Estudos Afro-
brasileiros, Estudos Indígenas, Estudos das Populações Tradicionais (Ribeirinhos, Coletores de
Castanha e Seringueiros) e Estudos de Gênero e Diversidade.
Entre as principais pesquisas desenvolvidas estavam os estudos de gênero,
especificamente das mulheres inseridas no universo das religiões de matriz africana, sendo o
que mais chamava atenção dos pesquisadores estava relacionado à importância dada ao
gênero feminino nas festas organizadas para as entidades reverenciadas no Candomblé e
Umbanda, além dos procedimentos litúrgicos restritos à comunidade religiosa. Através dessa
trajetória acadêmica e do universo da pesquisa é que foram se delineando outras
oportunidades de pesquisas contemplando outros cursos de graduação, entre eles, a
Licenciatura Plena em Educação Física, Curso Superior de Tecnologia em Gestão Hospitalar,
Curso Superior de Tecnologia de Gestão em Turismo e Superior em Saneamento Ambiental.
Em cada um dos cursos, ao menos uma pesquisa estava direcionada aos estudos das
mulheres de santo, obviamente associando-as às propostas específicas encontradas nos
planos de cursos. Após o Fórum de Discussão da Lei 10.639/03 realizado em âmbito estadual
no ano de 2010 com a participação de alunos e docentes das diversas modalidades de ensino
da Instituição, muitas mulheres de santo propuseram uma maior aproximação com o universo
escolar para discutirem seus papéis na religiosidade afro-brasileira relacionados a temas que
fazem parte do seu cotidiano, tais como saúde, violência, emprego, renda e alimentação
proporcionando um universo maior de assuntos para novas pesquisas.
xiii

A partir desse momento fomos pensando na relação entre a mulher de religiosidade


afro-brasileira e seu cotidiano social, buscando entender essa dinâmica de vida sócio-religiosa
como estratégia para garantir seu lugar em territórios considerados universo do mundo
masculino. Por uma questão da amplitude do estudo, resolvemos fazer um recorte na temática,
especificando os estudos de gênero no Candomblé, o que em seguida se tornaria um projeto
para discutir a visibilidade e invisibilidade dessas mulheres, requisito fundamental para entrada
no Programa de Mestrado em Educação para as Relações Etnicorraciais do CEFET/RJ.
Por essa razão, pautamos na pesquisa o estudo das ―Mulheres do Axé: Da invisibilidade
social à visibilidade religiosa‖, destacando os estudos de gênero e religiosidade, especialmente
o Candomblé, entretanto, ao falar sobre as origens da religião foi importante abordar o
sincretismo e o hibridismo religioso. Foi através dos relatos das mulheres do terreiro de
Candomblé, chamado de Ile Asé Orainian, que conseguimos analisar o discurso, observando
se de fato existe uma visibilidade religiosa e uma invisibilidade social.
1

Introdução
Discutir a questão da mulher constitui um desafio dentro da pesquisa, porém, é
incentivador quando existe a possibilidade de relacionar temas como gênero e religiosidade de
matriz africana para entender o comportamento feminino no seu cotidiano social e religioso.
Por essa razão, entender o Candomblé desde sua gênese até a contemporaneidade compõe
um valoroso estudo quando se trata da visibilidade religiosa feminina nos espaços sagrados,
paralelo a essa questão identificar e também discutir as lutas das mulheres de santo por
projetos que contemplem seus interesses sociopolíticos dentro de suas comunidades.
Neste sentido, o objetivo geral deste trabalho foi realizar uma pesquisa sobre as
mulheres do axé, constituindo um estudo da socialização, gênero e religiosidade. Possibilitando
um entendimento dessa concepção macro, consideramos importante pontuar mais
especificamente outros objetivos: diagnosticar o nível socioeconômico das mulheres de axé em
sua comunidade e definir os cargos e atribuições das mulheres na organização, preparação e
execução dos cultos no Candomblé.
Mulheres do Axé, mulheres do santo, senhoras do ilê ou herdeiras do axé constitui
nosso objeto de estudo; consideramos, portanto, sua vida agitada de trabalho, sendo donas de
casa, sustentadoras da economia do lar, lidadora de problemas familiares dos filhos e dos
maridos ou profissionais que, em decorrência disso, ainda sofrem as desigualdades sociais e,
principalmente de gênero, por serem mulheres inseridas em meio a uma sociedade com fortes
elementos patriarcais e machistas. Além disso, pontuamos sua importância e poder na
condição de mulher religiosa dentro das religiosidades afro-brasileiras.
A questão que se coloca é: por que ainda existe uma desigualdade tão marcante e
como podemos contribuir para ser enfrentada? Uma resposta possível é que no processo
histórico de construção das sociedades ocidentais o homem representa o líder e a força da
família, tornando difícil compreender a mulher multifacetária, ou seja, aquela que se encontra
no papel de tantas outras e outros, além dela mesma1. A problemática do projeto está na
análise do modo em que a mulher de axé convive no seu cotidiano social e familiar através de
suas ações, comportamentos e simbolismos traçando um paralelo à sua prática religiosa de
matriz africana, traduzindo essa realidade na sua visibilidade e invisibilidade. Neste aspecto,
existem algumas questões a serem analisadas no que diz respeito à pesquisa e no interior dos
objetivos específicos, entre elas: que atitudes são tomadas pela mulher de axé nessa
dualidade social e religiosa que interfere no seu comportamento? Que diferenças existem com
relação à sua vida familiar e social no momento em que essas mulheres entram nas casas
religiosas para cultuarem seus Orixás?

[1]
Para fundamentar essa ideia, ROSA (2008) utiliza uma citação de PINTO (1992) que explica que os mitos que se referem ao
patriarcalismo ―(...) esforçaram-se arduamente para reduzir o prestígio feminino que sempre esteve associado à natureza e à
fecundidade. A submissão do poder feminino a serviço do patriarcado foi estabelecida justamente a partir da redução do poder
simbólico feminino. Neste sentido, é muito importante discutir sobre a localização, a manutenção e o rompimento com as relações
de poder. Estas têm como dispositivo as relações de gênero, enquanto práticas que, muitas vezes, reproduzem as desigualdades
entre homens e mulheres‖ (PINTO, 1992, p. 132).
2

Por outro lado, a ideia de trabalhar com hipóteses, definidas por SILVA (2001) como
“(...) suposições colocadas como respostas plausíveis e provisórias para o problema da
pesquisa” (SILVA, 2001, p. 82), possibilitam alguns caminhos para o direcionamento do projeto
através de algumas afirmações que poderão ser confirmadas ou refutadas com o
desenvolvimento da pesquisa. Ao que se propõe esta pesquisa, pode-se dizer que:
- A representatividade das mulheres de Axé na prática dos preceitos da religiosidade de
matriz africana as torna visíveis perante seu grupo social;
- A socialização das mulheres de Axé é diferenciada dentro e fora dos terreiros;
- As relações de gênero nos contextos religioso e social influenciam no posicionamento
político da mulher de axé.
É importante elucidar que a pesquisa dialoga com autores que são citados mais à frente
neste trabalho e que possuem um importante histórico nos debates teóricos sobre a temática
das relações de gênero e a religiosidade afro-brasileira, buscando entender a questão da
valorização da mulher de Axé enquanto trabalhadora, mãe, provedora do lar em seu meio
social, proporcionando assim uma maior compreensão sobre as razões que levaram essas
mulheres a lutarem pela equidade de forma coletiva. Diante disso, é uma pesquisa que está
organizada de uma forma que contribua em dar maior visibilidade à mulher enquanto provedora
e conservadora pela perpetuação da religiosidade afro-brasileira, considerando o terreiro, roça
ou ilê como seu espaço de poder e visibilidade na vivência e prática dos fundamentos
religiosos, assim como na organização de seu espaço político e social em atenção às suas
reivindicações.
Sendo assim, quando discutimos os conceitos sobre as origens do Candomblé,
estamos tratando dos estudos, pesquisas e teorias da história, cultura, antropologia, sociologia
e política e seus diálogos com os cultos africanos trazidos e aqui adaptados para a realidade
brasileira. Essa adaptação permitiu algumas mudanças no processo de organização dos
rituais, um entendimento dos deuses africanos de acordo com as necessidades do negro em
um novo lugar e uma concepção hierárquica que, ao longo dos anos, foi passando por estágios
que garantiam uma modificação, dando assim à mulher um papel importante na religiosidade.
Para discutir os conceitos da temática religiosidade afro-brasileira numa perspectiva social,
antropológica e cultural estaremos dialogando com M’BOKOLO (2009), Roger BASTIDE
(1971), Edison CARNEIRO (2008), Raul LODY (2008) e Teresinha BERNARDO (2003).
As proposições teóricas sobre a história do Candomblé quanto às suas origens
associando-as especialmente à liderança das mulheres nas cerimônias e rituais constitui um
cenário de debates à luz das ciências sociais e humanas, ainda que seja inegável a relevância
do papel delas dentro da religião, dando visibilidade às suas atribuições e conhecimentos,
tornando-as poderosas dentro do ilê ou roça. Isso explica a necessidade de incluir na pesquisa
3

uma análise do tema sobre gênero, justificada na presença de um grupo de mulheres iniciadas
no Candomblé, organizadas em torno de um objetivo comum, a reverência aos Orixás.
A discussão teórica em gênero fundamenta-se na investigação que tem como temática
a questão da invisibilidade social e visibilidade religiosa das mulheres do Axé, buscando
entender o comportamento desse grupo no convívio com situações distintas na sociedade e na
religiosidade. Por essa razão, escolhemos os conceitos que consideramos os mais apropriados
para esta análise.
ARRUDA (2002) comenta que o gênero constitui uma categoria relacional, proposto
dentro das teorias relacionais
“(...) em que não se pode conhecer sem estabelecer relação entre o
tema/objeto e o seu contexto. Gênero é uma categoria relacional, na qual, ao
se levar em conta os gêneros em presença, também se consideram as
relações de poder, a importância da experiência, da subjetividade, do saber
concreto” (ARRUDA, 2002, p. 133).

Outros autores que dialogam sobre gênero feminino, entre eles WERNECK (2005),
CARNEIRO (2005), SOARES DA SILVA (2010), AGUIAR (2007) e FISCHER e MARQUES
(2001) foram importantes na construção da fundamentação teórica do texto.
Por outro lado, o diálogo com vários autores permitem confrontar dados dessa realidade
sociopolítica e cultural-religiosa, avaliando as informações que traduzem o comportamento
social no que diz respeito a esse grupo de mulheres em particular, inspirado em princípios
filosóficos, ideologias, doutrinas que se originaram no processo de classificação e
hierarquização do homem e da mulher, com base nos fortes vínculos relacionados à questão
racial, de gênero, sexista2, identidade3 e etnia.
E quando discutimos os estudos das relações raciais, o conceito de identidade cultural4,
estamos tentando compreender o espaço ocupado pelas mulheres na sociedade brasileira,
especificamente a mulher de Candomblé no que diz respeito à sua posição social e política, as
relações estabelecidas entre ela e os homens, sua luta em assegurar a identidade e a
religiosidade, estamos propondo um debate entre autores como BASTIDE (1971), HOEBEL e
FROST (1976) e HALL (2003).

[2]
Com relação à discussão conceitual do sexismo, VON SMIGAY (2002) explica ―(...) que é uma posição, ou uma postura
misógina, de desprezo frente ao sexo oposto – expressão desconsiderada na edição de 1975 do Novo Dicionário Aurélio, ausente
também no Novo Michaelis dos anos oitenta, na sua edição inglesa, mas presente no Petit Robert, publicado em França nos anos
noventa. Sexismo é atitude de discriminação em relação às mulheres. Mas é importante lembrar que se trata de uma posição, que
pode ser perpetrada tanto por homens quanto por mulheres; portanto, o sexismo está presente intragêneros tanto quanto entre
gêneros. Inscrita numa cultura falocrática, impregna o imaginário social e o prepara a um vasto conjunto de representações
socialmente partilhadas, de opiniões e de tendência a práticas que desprezam, desqualificam, desautorizam e violentam as
mulheres, tomadas como seres menores de prestígio social‖ (VON SMIGAY, 2002, p. 34).
[3]
SANTOS (2011) compartilha em seu embasamento teórico do trabalho ―Identidade e imaginário social: Mulheres Negras em
Cuba após 50 anos de revolução‖ da (...) linha discursiva de Stuart HALL (2005) no debate sobre as identidades sociais, conjunto
de características pelas quais o indivíduo é associado a um grupo, enquanto uma categoria móvel, fluida e híbrida. A construção da
identidade está associada a particularidades específicas de gênero, classe, raça, etnia, espaço geográfico e cultura. (SANTOS,
2011, p. 2).
[4]
A identidade cultural pode ser reivindicada por grupos minoritários ou excluídos que compartilhem algo em torno do qual cerrar
fileiras: feminismo, homoerotismo, sentimento da pertença a uma etnia afrodescendente ou indígena. (FIGUEREIDO, 2005, pp. 20-
21)
4

Em atenção aos objetivos propostos para o desenvolvimento da pesquisa serão


abordados os conceitos de gênero feminino a partir da história de luta das mulheres por um
espaço equitativo dentro de uma sociedade patriarcalista, da religiosidade afro-brasileira
construída a partir da diáspora africana em terras brasileiras, da socialização da comunidade
religiosa, bem como as definições de identidades múltiplas a partir da compreensão da mulher
de candomblé na construção de uma identidade religiosa afro-brasileira.
Como critérios metodológicos, o estudo sobre as mulheres de axé: da invisibilidade
social à visibilidade religiosa do templo de Candomblé conhecido como Ile Asé Orainian, de
nação Ketu, localizado em Maricá, deverá partir, primeiramente, de uma pesquisa bibliográfica,
como forma de entendimento de como práticas e crenças entre essas mulheres respondem ao
seu cotidiano social e religioso, uma base teórica possibilitará analisar como essa mulher
muitas vezes invisível no lar, no trabalho e na sociedade torna-se poderosa e com tão forte
visibilidade no momento em que se dedica à sua religiosidade.
Posteriormente, ao analisar essa representatividade feminina e seu poder dado pelo
axé, buscar-se-á entender o uso efetivo de suas práticas nas expectativas de vida social,
considerando a situação econômico-financeira, afetivo-emocional e sociocultural. As mulheres
constituirão ―os atores sociais‖ da pesquisa, considerando que a ideia é entendê-las nos seus
vários papéis, individual e coletivamente. Considerando a dificuldade de participação das
mulheres do terreiro com relação à pesquisa, conseguimos identificar o interesse e
voluntariado de cinco mulheres que de fato se dispuseram a dar seus depoimentos com
relação ao tema e, ainda assim, podemos ver nos relatos que as depoentes se limitam a
informar aquilo que elas acreditam ser um risco para elas e para o Candomblé como sua
religião.
Neste sentido, os relatos das cinco mulheres explicitam nossa proposta de investigação,
uma vez que a pesquisa bibliográfica foi muito importante no desenvolvimento da dissertação,
possibilitando um diálogo com vários autores acerca dos estudos de gênero e religiosidade
afro-brasileira, especificamente o Candomblé.
Para coleta de informações será necessário o uso da técnica de observação
participante nesse processo, considerando a importância de estabelecer uma relação
pesquisador-objeto de estudo menos formal na hora de obter dados entre as mulheres do Axé.
A aplicabilidade dessa metodologia possibilitará conhecer e problematizar os diferentes
papéis das mulheres participantes da pesquisa, através da oralidade de pessoas mais antigas
conhecidas como ebâmis5 e jovens, ou seja, as iaôs. A partir da identificação desse grupo e de
sua localização, buscou-se elaborar um referencial teórico dentro das concepções de gênero,
principalmente no que se refere à mulher do axé. Serão seguidas as seguintes fases para o
desenvolvimento desta pesquisa: planejamento, execução e o diário de campo.

[5]
Título de senioridade dada à pessoa iniciada após cumprir todas as obrigações impostas pelo candomblé, ou seja, um ano, três
anos e sete anos. (Nota do autor).
5

Várias etapas e ações micro serão desenvolvidas no caminho investigativo que se


utilizará. A elaboração da dissertação é uma habilidade pontual na formação de qualquer
profissional que empreende pesquisas e constrói conhecimentos no decorrer de sua formação
acadêmica; além isso, o domínio das técnicas e dos procedimentos de elaboração e
apresentação dos estudos e pesquisas garante a qualidade formal do material em questão,
facilitando os critérios de avaliação dos mesmos.
Na estruturação do texto, o capítulo I traz uma revisão bibliográfica que possibilita um
diálogo com LEITE (1996) acerca dos valores civilizatórios no processo diásporico dentro das
sociedades negro-africanas, a importância de pontuar dentro de um breve histórico a atuação
da mulher africana explicados em FABRICIO (2010), M’BOKOLO (2009) e FONSECA (2010)
como antecedentes para compreender o empoderamento do gênero feminino no Candomblé,
considerando os diálogos acerca da religiosidade afro-brasileira, bem como a luta, resistência e
manutenção da tradição religiosa pelo coletivo de mulheres negras.
Como o objeto de pesquisa são as mulheres, o capítulo II promove uma discussão que
envolve os temas gênero e religiosidade a partir dos diálogos sobre o posicionamento de
destaque dado ao gênero feminino nas religiões de matriz africana em comparação com outras
religiões (BASTOS, 2009), logo a influência histórica da mulher africana independente e
autônoma no lar e no comércio africano, discutidos por WERNECK (2005), ROSA (2008),
BERNARDO (2005), VERGER (1992) e LODY (2006) na concepção e origens do Candomblé
como religião afro-brasileira, conforme propõe CARNEIRO (1992; 2008) e PRANDI (2005),
assim como as adaptações feitas para cultuar os deuses africanos, presentes nos debates de
ROSÁRIO (2008), SOARES DA SILVA (2010), CARNEIRO (2005), SANTOS (2012),
BARBOSA (2012), ADESINA (2010) e PRANDI (1996).
Na sequência, o capítulo III se estrutura trazendo uma análise bibliográfica dos
conceitos de sincretismo aportados por PRANDI (2003) e FERRETTI (1995); o hibridismo com
base nos estudos de CANCLINI (1997), GILROY (2001), HALL (2006) e BHABHA (1997); na
socialização da comunidade religiosa explicado por LUZ (2000); a percepção do
comportamento das mulheres de santo, considerando o coletivo feminino em prol da
organização dos cultos no Brasil, com base no conceito de representação social proposto por
ARAUJO (2008); e da importância do sagrado em GUERRIERO (2012) para as adeptas do
Candomblé.
Através da utilização da observação participante e da história oral, o capítulo IV traz o
relato de cinco mulheres de candomblé contendo suas histórias de vida e concepções sobre a
religião das quais são adeptas e a continuação do diálogo com os autores que abordam os
conceitos de pesquisa de campo como GONSALVES (2001), da história oral sob a ótica de
CHIZOTTI (1991), e HAGUETTE (1987) como metodologia utilizada na investigação. Ainda
neste capítulo discutimos as definições da terminologia yorubá utilizada na religião e que são
6

comentadas pelas candomblecistas, a exemplo do ipadê, conforme explica MACHADO (2010),


assim como a alimentação sagrada (ajeum) abordada por MASCARIN (2013).
O capítulo IV - “Mulheres empoderadas: igualdade religiosa e contrastes sócio-
históricos” traz em sua primeira parte uma descrição histórica sobre as diferenças sociais
encontradas na mulher brasileira, abordadas por KAUSS (2012), RIBEIRO (2006), OLIVEIRA
(2012), MORAES (2010) e GARDE (2007). A segunda parte inclui uma análise dos relatos das
cinco mulheres, divididos em quatro partes: 1) A fé nos orixás como enfrentamento das
dificuldades e problemas sociais, 2) A fidelidade aos deuses africanos é uma prova de amor e
agradecimento, 3) Orixás, ancestralidade, raízes e processos identitários e 4) Trabalho,
autoridade e atitude: uma resposta aos deuses. Como base utilizou-se THIAGO SILVA (2011),
BAPTISTA (2007), NUNES (2007) e CAPUTO e PASSOS (2007). Finalmente, um comentário
provocativo sobre a visibilidade ou invisibilidade das mulheres de religiões de matriz africana,
dialogando com MIRANDA (2012), WERNECK (2005) e MENEZES (2011).
7

Capítulo I – Breve antecedente sobre o papel da mulher na África, na diáspora e


no Brasil: em busca de explicação
I.1 - Valores afro-civilizatórios no processo diásporico: transformações e permanência
I.1.1 - Valores civilizatórios das sociedades negro-africanas
As sociedades negro-africanas possuem realidades singulares a respeito de sua
existência e a relação com o divino. Essas sociedades estão articuladas com suas
manifestações do sagrado inseridas no contexto da diversidade cultural dos negros africanos,
como propostas de organização do mundo considerando o entorno natural e o meio ambiente
em que se encontram localizadas, tornando-se protagonistas de valores que lhes são próprios.
LEITE (1996) assinala que:
“os valores civilizatórios das sociedades negro-africanas, entre eles: a força
vital, a palavra, o homem, a socialização, a morte, os ancestrais e
ancestralidade, família, produção e poder. A força vital representa a energia
(...) aos seres que faz configurar o ser-força ou força-ser, não havendo
separação possível entre as duas instâncias, que, dessa forma, constituem
uma única realidade” (LEITE, 1996, p. 1).

Por outro lado, a palavra é um valor de extrema importância na transmissão do


conhecimento, das experiências vividas pelos mais velhos, porém,
“(...) deve ser cuidadosamente orientada, pois que uma vez emitida algumas de
suas porções desprendem-se do homem e reintegram-se na natureza. Nesse
sentido deve ser lembrando que a palavra é elemento desencadeador de ações
ou energias vitais. De fato, ao ser dirigida para atingir determinados fins,
interfere na existência, pois que, uma vez absorvida, pode provocar reações,
controláveis ou não” (LEITE, 1996, p. 3).

Por essa razão, deve ser usada com cuidado e sabedoria, pois para o negro-africano a
palavra é de origem divina.
Já o homem, por sua vez, é constituído de ―corpo, o princípio vital de animalidade e
espiritualidade e o princípio vital que estabelece a imortalidade do ser humano‖ (LEITE, 1996,
p. 5). O corpo é o físico, o visível e o sólido, o princípio vital de animalidade e espiritualidade é
o sopro ou fluido vital, o que traduz uma relação humano-divino-humano. A imortalidade
representa o além da morte e o retorno ao clã através da ancestralidade.
A socialização é um princípio importante de interação entre os seres humanos, ela é
como uma iniciação, o ser humano possui etapas a cumprir, sendo o processo social uma
delas, pois contribui para a formação da individualidade.
O término da existência do ser humano é um desafio de superação para os integrantes
de uma sociedade, por essa razão, a morte passa a constituir-se de cerimônias e rituais, pelos
quais os que ficam na terra estabelecem o equilíbrio de todos e incluir o final da existência
humana na vida e no cotidiano social.
Com relação aos ancestrais e à ancestralidade, LEITE (1996) afirma que:
“Nessa complexa proposição da existência, que coloca a morte dentro da vida,
os ancestrais negro-africanos constituem, juntamente com a sociedade a sem
dela separar-se, um princípio histórico material e concreto capaz de contribuir
para a objetivação de identidade profunda de um dado complexo étnico e das
suas formas de ações sociais. De fato, as principais instâncias das práticas
8

históricas são dotadas de alguma ancestralidade, tais como: preexistente e


suas interferências na sociedade, divindade e criação do mundo; natureza,
homem e sociedade; espaço e tempo; conhecimento; configuração da família e
da comunidade envolvendo relações com a produção e o trabalho; socialização
e educação, natureza e legitimação do poder estendendo-se inclusive à
concepção da figura a que se denomina Estado, quando essa figura aparece”
(LEITE, 1996, p. 8).

A família negro-africana típica em sociedades agrárias, conhecida pela denominação


de família extensa, é constituída por um grande número de pessoas ligadas pelo parentesco.
Nas sociedades de organização matrilinear
“(...) o parentesco formula-se pelos laços uterinos de sangue, razão pela qual a
mulher é a única fonte de legitimação das descendências. Estas constituem,
assim, o núcleo fundamental que define a família, sendo que em suas bases
encontram-se as ancestrais-mulheres que lhes deram origem. É devido a essa
configuração do parentesco que os direitos e deveres são institucionalmente
transmitidos de mãe a filha, de tia a sobrinha, de avó para neta” (LEITE, 1996,
p. 9)

No que diz respeito à produção nestas sociedades, ela está direcionada às


necessidades vitais da comunidade. E a produção só existe porque nos grupos agrícolas a
terra possui uma importância sem tamanho, a ponto de ser sacralizada. É uma deusa! É dela
que saem todos os produtos que irão saciar a fome da sociedade. Além disso, a terra possui
uma característica ancestral, em especial porque existe uma transmissão oral de geração para
geração.
O poder tem características distintas dependendo do tipo de sociedade,
“Nas sociedades sem Estado o exercício do poder é fortemente concentrado
em relação às unidades de produção – as famílias pactuadas com a terra,
dotadas de autossuficiência e que fazem configurar a família – aldeia -, mas
difuso quando colocado em relação com a sociedade global, formada pelos
grupos integrantes de um determinado complexo cultural. Já nas sociedades
dotadas de Estado aparece como figura relacionada com cada grupo integrante
de um determinado complexo cultural. Em ambos os casos, entretanto, existem
mecanismos moderadores do poder, como os conselhos de família e de
comunidade, as chefias de família, os encargos ancestrais atribuídos a certos
notáveis e ainda as gerações de iniciados que exercem funções políticas”
(LEITE, 1996, p. 12).

I.1.2 - Valores civilizatórios afro-brasileiros


Nas sociedades negro-africanas encontramos os valores civilizatórios, os quais foram
vivenciados no cotidiano dos grupos étnicos, que no processo da diáspora negra trouxeram na
memória elementos que iriam dar origem aos valores civilizatórios afro-brasileiros, os quais
imprimiram marcas no nosso modo de ser, na literatura, dança, música, religião, alimentação,
ciência, assim como na pele, no cabelo e até no canto.
Entre os valores civilizatórios afro-brasileiros destaca-se a circularidade, que possui
uma representação simbólica muito forte, pois o cíclico está presente na vida. A ideia do círculo
perpassa por uma busca do continente africano, da volta às raízes culturais e da busca pelo
passado, pela ancestralidade africana. Encontramos o círculo nas danças, a exemplo do jongo,
9

assim como na roda de candomblé e na gira de umbanda, na capoeira e na contação de


histórias pelo griôt6.
A religiosidade traz o valor da oralidade, o respeito ao mais velho, a reverência aos
deuses e o exercício de se doar ao próximo. Das experiências nos templos dos deuses e
entidades surge a maturidade religiosa, a sabedoria e a prática das virtudes humanas7.
Quanto à corporeidade, Trindade (2005) comenta que:
“o corpo é muito importante, na medida em que com ele vivemos, existimos,
somos no mundo. Um povo que foi arrancado da África e trazido para o Brasil
só com seu corpo, aprendeu a valorizá-lo como um patrimônio muito
importante. Neste sentido, como educadores e educadoras de Educação
Infantil, precisamos valorizar nossos corpos e os corpos dos nossos alunos,
não como algo narcísico, mas como possibilidade de trocas, encontros.
Valorizar os nossos corpos e os de nossas crianças como possibilidades de
construções, produções de saberes e conhecimentos coletivizados,
compartilhados” (TRINDADE, 2005, p. 34).

Na musicalidade,
“Famosa no mundo inteiro pela sua qualidade inconteste, a música brasileira
tem os dois pés bem fincados no Continente Negro. Quem resiste aos
encantos de uma batucada? A musicalidade, a dimensão do corpo que dança e
vibra em resposta aos sons só reafirma a consciência de que o corpo humano
8
também é melódico e potencializa a musicalidade como um valor” .

A memória traz a consciência de luta e da preservação das raízes africanas em solo


brasileiro, assim como a luta por uma sociedade sem racismo, que é necessário enfrentá-lo. A
ancestralidade é ―(...) uma imediata ponte com a história e a memória. Convém não esquecer
o passado. Não há fórmulas complexas para vivenciar o que é, de fato, a ancestralidade. Quer
provar? Então saia em busca do relato dos mais velhos, que trazem o rico imaginário afro-
brasileiro‖9.
A coletividade, as ações comunitárias, a diversidade, o grupo ou a equipe representam
o cooperativismo. Os negros se organizam de forma coletiva para garantir seus elementos
culturais, ainda que adaptados, assim surgiram os terreiros das religiões de matriz africana
como reduto de identidade afro-brasileira, os quilombos como forma de luta e resistência10.
A oralidade é uma
“(...) herança direta da cultura africana, a expressão oral é uma força
comunicativa a ser potencializada. Jamais como negação da escrita, mas como
afirmação de independência. A oralidade está associada ao corpo porque é
através da voz, da memória e da música, por exemplo, que nos comunicamos
11
e nos identificamos com o próximo” .

O princípio do Axé, ou energia vital, é tudo que é vivo e que existe, por isso tem axé,
tem energia vital: planta, água, pedra, gente, bicho, ar, tempo, tudo é sagrado e está em
interação. Podemos sentir o Axé também no espaço escolar: ―[i]maginem se nosso olhar sobre
[6]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
[7]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
[8]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
[9]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
[10]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
[11]
Disponível em <http://www.acordacultura.org.br/oprojeto>. Acesso em: 14 jul. 2014.
10

nossas crianças de Educação Infantil forem carregados da certeza de que elas são sagradas,
divinas, cheias de vida‖ (TRINDADE, 2005, p. 33).
Já a ludicidade:
“possui variadas utilidades, os jogos sempre viabilizaram o aprendizado.
Também serviram para transmitir as conquistas da sociedade em diversos
campos do conhecimento. Quando os membros mais velhos de um grupo
revelam aos jovens como funciona um determinado jogo de tabuleiro, por
exemplo, eles transmitem uma série de conhecimentos que fazem parte do
12
patrimônio cultural daquele grupo” .

É através do exercício do contar e recontar suas histórias que os seus praticantes


reconstroem os sentidos de pertença identitária, de interlocução com sua ancestralidade e
reforçam o exercitar de tantas narrativas que movimentam essa prática cultural, referendando a
articulação dos chamados valores civilizatórios afro-brasileiros (KATRIB, 2013).

I.2 - Mulher Africana: antecedentes de luta e influência junto à sociedade


Iniciamos com a proposta de introduzir antecedentes históricos das mulheres13 africanas
desde tempos antigos até a Abolição da Escravatura, de forma que para mais à frente situá-las
na gênese do Candomblé, remontando assim ao período dinástico das civilizações que
desabrocharam às margens do rio Nilo e que surpreendem até os dias atuais pela grandeza de
seus povos, habitantes das vastas regiões ao longo dos 4.000 anos a.C., a exemplo do Egito e
da Núbia, sociedades que constituíam uma estrutura política, econômica, religiosa, social e
armamentista, formando assim estados poderosos14.
BALTHAZAR (2011), em seu artigo ―O corpo ideal: um estudo sobre o feminino na Arte
régia do reino novo (cc. 1550-1070 a.C.)‖, explica através da iconografia egípcia a
representação do corpo feminino e, consequentemente, o ideal de comportamento dos
gêneros, ou seja, o faraó e sua rainha:
“Dentro dessa noção de complementariedade dos gêneros, algumas
estudiosas defendem que esse princípio feminino é uma forma de legitimar a
monarquia egípcia. Barbara Watterson (1988, p. 23-24), por exemplo, defende
que “(...) um rei herdava o trono através do casamento com uma herdeira da
realeza, a filha mais velha da rainha; por causa disso alguns deles casavam
com todas as herdeiras, independentemente da consangüinidade. A tradição
da matrilinearidade também explica o porquê, apesar dos reis egípcios
aceitarem princesas estrangeiras como esposas, princesas egípcias não serem
usadas para realizar alianças políticas pelo casamento – isso servia para

[12]
Disponível em < http://www.acordacultura.org.br/oprojeto > Acesso em:
[13]
O uso da categoria mulher esteve ligado aos primeiros questionamentos dos estudos feministas, ou seja, pensada em
contraposição à palavra homem, as mulheres colocavam em debate a universalidade de nossa sociedade, o homem, reivindicando
uma identidade mulher, pois não se sentiam incluídas quando eram nomeadas pelo masculino. Contudo, principalmente no
contexto norte-americano, mulheres negras, índias, mestiças, pobres, trabalhadoras, muitas delas feministas, reivindicavam uma
diferença dentro da diferença, fomentaram-se debates que culminou no uso do termo mulheres, respeitando-se então o
pressuposto das múltiplas diferenças que se observam dentro da diferença (PEDRO, 2005, pp. 80-82 apud BALTHAZAR, 2011, p.
32).
[14]
Ao tratar das mulheres africanas e seu papel na sociedade egípcia, BALTHAZAR (2011) comenta ―(...) que antes de tudo,
entender que não se pode falar de uma mulher egípcia, mas de mulheres socialmente inseridas em uma estrutura altamente
hierarquizada‖ (BALTHAZAR, 2011, p. 32).
11

impedir que governantes estrangeiros reclamassem o trono egípcio. Contudo,


15
algumas egiptólogas refutam tal ideia". (BALTHAZAR, 2011, p.33)

Ainda que BALTHAZAR (2011) defenda que os poderes das rainhas egípcias se
limitassem a pequenas decisões que não interferissem na política, FABRÍCIO (2010)) comenta
no resumo das obras de The Oxford history of the ancient Egypt e The Amarna Period and the
Later New Kingdom, realizadas para um projeto de investigação científica em Introdução à
História e Arqueologia do Antigo Egito, que as mulheres reais no início da 18ª dinastia tiveram
destaque em decisões políticas:
“Ahmose-Nefertari, por exemplo, é descrita em um monumento do ano 18 do
reinado de Ahmose como sendo a “filha do rei, irmã do rei, grande esposa do
rei, esposa do deus Amun”, e, assim como Ahhotep, “aquela que ama o Alto e
Baixo Egito”. A rainha sobreviveu ao seu marido e seu filho Amenhotep I e
ainda assim conservou seus títulos e posição como esposa do deus Amun no
reino de Thutmés I. Existem evidências que afirmam que rainhas podiam
gerenciar seus próprios planos de construção, independentemente da figura do
rei, possuindo centros de cultos próprios e templos dedicados a sua imagem.
Ainda existem monumentos que representavam a presença feminina da família
real em diversas regiões estrangeiras, talvez, como forma de ligar as rainhas e
princesas a Hathor, deusa das terras estrangeiras, cujo papel de filha do deus-
sol era proteger seu pai” (FABRICIO, 2010, pp. 4-5).

Na sequência, o autor da pesquisa (FABRÍCIO, 2010) assinala a importância de


Hatsheput na administração da 18ª dinastia:
“A lista de empreendimentos levados adiante por Hatshepsut, iniciados ou
terminados por ela, bem como por seu sucessor, Thutmés III, é imensa. Como
principais obras destacam-se templos e estatuárias em grande parte na Núbia
(destaque para o templo de Buhen, contendo cenas de Hatshepsut e sua
coroação, além da veneração de seu pai), restauração de monumentos
danificados em Mênfis na guerra contras os hicsos e expansão do templo de
Karnak. Hatshepsut teria aproveitado o período de paz de seu reinado para,
com recursos extraídos da Núbia, bem como com materiais exóticos trazidos
do Levante e do reino de Punt, expandir o templo de Karnak, construindo uma
série de salas onde ela poderia celebrar o nascimento de Amun, ganhar
bênçãos das deidades para seu governo e expandir a crença divina na própria
instituição do reinado” (FABRICIO, 2010, p. 8).

Entretanto, o continente africano não se reduziria somente às civilizações que integram


os povos destacados anteriormente, pois no reino de Meroé, antiga Núbia, existiam as
mulheres que se destacavam como grandes líderes matriarcais, chamadas pelos gregos de
―Candácias‖, pois a elas cabia a
“(...)educação dos príncipes, às vezes até uma idade relativamente avançada;
participação ativa na escolha do rei e na cerimônia do coroamento;
conselheiras avisadas, e ouvidas pelo marido ou pelo filho. O seu papel na
gestão dos negócios de Estado tornava-se em seguida mais direto com a
instituição de uma espécie de regência em proveito da rainha mãe. Semelhante
sistema podia levar a uma tomada do poder pura e simples pelas mulheres, o
que aconteceu efetivamente entre os séculos II a.C e o século primeiro da
nossa era com rainhas como Shanakdakhete (-170/-160) Amanichakêtê

[15]
Sobre essa questã o, ver : BALTHAZAR, Gregory da Silva. O Feminismo e a Igualdade de Gênero no Antigo Egito: Uma Utopia
da Emancipação Feminista. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH, no prelo‖. (Sim vamos colocar em nota de
rodapé)
12

(segunda metade do primeiro século a. C) e Amanitêrê (ou Amantarit, esposa


do rei Natakamani -20/+15)” (M‟BOKOLO, 2009, p. 84).

Além da educação no lar, ao longo dos séculos VII e XV já existiam registros de


mulheres envolvidas nas práticas comerciais de sociedades que constituíam estados16 e
possuíam uma economia de subsistência e com estabelecimento de trocas, como o foram os
sudaneses. O mais interessante é que M’BOKOLO (2009) faz uso das fontes primárias, ou
seja, documentos árabes, em especial a leitura dos relatos de viagens de Ibn Battuta ao Bilad
es-Sudan no período de 1352-1353, tendo como finalidade extrair fatos históricos para
entender como se dava o processo de negociação comercial, pontuando o papel
preponderante dessas mulheres nas comercializações:
“Quando se chega a um burgo, as mulheres do Sudão trazem milho painço,
leite coalhado, farinha de lótus, arroz, funi – que se parece com os grãos de
mostarda e com o qual se fazem o cuscuz e a asida – e enfim farinha de dólico:
pode comprar-se-lhe de tudo quanto se quiser” (M‟BOKOLO, 2009, p. 127).

E durante os tráficos negreiros e as diásporas africanas, ainda que na condição de


escravas, muitas africanas embora islamizadas, eram respeitadas na sociedade marroquina
durante o século XVI, conforme nos explica M’BOKOLO (2009):
“Eram negras, antigas escravas, como as casamenteiras, que adaptavam ao
Islã, tanto quanto podiam, fragmentos de ritos animistas de que conservavam a
recordação. Tratavam os males provocados pelos gênios e prediziam o futuro.
Mantinham de resto relações comerciais [...] com os gnawa, cuja intervenção
recomendavam nos casos mais graves, e também com certos comerciantes,
cujas mercadorias eram infalíveis, diziam elas, para conjurar este ou aquele
mal. Muitas famílias nelas depositavam uma confiança absoluta. A sua
influência, somada à das casamenteiras e dos escravos domésticos, levou a
que em determinados momentos quase todas as mulheres de Fez utilizassem
na sua língua expressões das línguas africanas” (R. Le Tourneau, op.cit., p.
547, n.3 apud M‟BOKOLO, 2009, p.364).

É possível observar que durante os tráficos, independente da região, fosse dentro ou


fora do continente africano, os africanos conseguiam manter suas tradições religiosas, que
M’BOKOLO (2009) em sua pesquisa conseguiu coletar algumas informações interessantes:
“Na realidade, a atividade dos gnawa era mal conhecida pelos observadores de
passagem. Sabia-se deles que organizavam reuniões abertas ao público, no
curso das quais, em troca de algum dinheiro, era possível vê-los cantar e
dançar. Em Fez, a meio do Chaban, entregavam-se durante um mês inteiro, dia
e noite, a cerimônias destinadas a purificar a cidade e a consentir-lhe a
benevolência dos gênios. As suas outras atividades, consideradas secretas,
eram receadas pela maior parte das pessoas. O seu aparato, assim como uma
grande parte dos seus rituais, provinham mais ou menos diretamente da África
Negra: colares de cauris e um vestuário bordado com esses mesmos cauris; os
tambores e outros instrumentos de música; a língua sagrada dos seus cantos e
orações era incompreensível para os árabes por incluir numerosas palavras e
fórmulas provindas das línguas africanas; o recurso frequente aos gênios e aos
sacrifícios purificadores. Eram reputados como adivinhos, exorcistas e
curandeiros” (M‟BOKOLO 2009, p.365).

[16]
M’BOKOLO (2009) defende a ideia de que em ―(...) todos os Estados conhecidos, as dinastias reinantes baseiam-se em
filiações que transcendem os limites étnicos e linguísticos, e são completados por um sistema de alianças locais com as
sociedades periféricas estrangeiras, clientes e fornecedores.‖ Ao que parece, a autora sugere que as relações sociais, econômicas
e culturais eram bem híbridas (M’BOKOLO, 2009, p. 123).
13

E um dado importante levantado pela referida autora é que:


“(...) os negros e forros, tinham-se organizado em numerosas “confrarias” e em
“casas”. Algumas carregavam o nome de santos muçulmanos ou de
autoridades locais, como a Confraria de Sidi Mehrez, santo patrono da cidade
de Tunis ou a Casa de Beylik. Outras estavam ligadas a santos negros, como
Sidi Saâd, ou Sidi Frej. Ainda outras recuperavam etnonimos ou topônimos da
África Negra, como a Casa Bornu ou a Casa Bambara da Confraria de Sedi
Blal ou as Casas Kufa e Cherkendo. Outras enfim recorriam, parece, a nomes
inventados, a não ser que se trate de deformações a partir de consonâncias da
África Negra; Nufi, Jungur, Kekzek, Kezres. Acontecia o mesmo com os
deuses: se Alá era constantemente evocado, não se esqueciam dos deuses
das terras negras, como o misterioso Duduf (...)” (M‟BOKOLO 2009, p.367).

Posterior a esses acontecimentos históricos, no século XVII, FONSECA (2010), em


“Rainha Nzinga Mbandi, imbangalas e portugueses: as guerras nos kilombos de Angola no
século XVII”, ressalta a importância dessa importante liderança no combate aos portugueses:
“Com o cargo de Tembanza, Nzinga assegurou sua liderança sobre um
expressivo bando guerreiro, “o que restava dos Imbangalas do Kulaxingo, após
sua dispersão cerca de 1619”, e também lhe garantiu influência sobre outros
bandos de Jagas. A aliança com os Imbangalas servia a um objetivo
estratégico pois lhe fornecia um refúgio seguro próximo dos Imbangalas
localizados ao sul do rio Kwanza. Sempre que a pressão portuguesa
aumentava, Nzinga e seus bandos se escondiam na ilha de Kindonga, onde
haviam construído fortificações e usavam os braços do rio Kwanza para se
proteger e movimentar” (FONSECA, 2010, p. 407).

I.3 - A mulher negra na escravidão e abolição do século XIX


Foram duros séculos de comércio e escravidão do africano, caracterizando o período
que abrange o século XVI até o século XIX de uma caçada brutal, violenta, atroz e infame.
PRANDI (2000) comenta que nesse processo de negócio dos homens e mulheres negros
vieram uma multiplicidade de etnias e nações, com suas especificidades culturais e étnicas.
Aproveitando as guerras intertribais existentes entre os povos africanos, o português
tirou proveito estimulando os conflitos e arrancando pessoas de diferentes nações, e que
independente da posição social de cada uma delas, encontravam-se princesas e príncipes, reis
e rainhas, entre outros. O terrível comércio dos povos africanos dependia das próprias
condições das regiões onde viviam os grupos nativos, cheias de rivalidades e conquistas
imperiais, o que de certa forma facilitava a captura e o embarque de escravos (JOHNSON,
1921).
Condições estas que, na opinião de PRANDI (2000), já eram marcadas pelo cativeiro na
África, anterior à descoberta do continente americano, onde o tráfico atlântico representou um
grande negócio aos próprios africanos que obtinham através do escambo algumas
mercadorias, tal como foi o tabaco, oriundas das Américas.
Ao pesquisar o tema trabalho escravo no Brasil, COSTA (2012) analisa o trabalho
escravo em seu artigo ―Capitalismo e formação social escravista no Brasil‖ a partir do ponto de
vista de importantes historiadores, entre eles Caio Prado Jr. e Fernando Novais. Explica que:
14

“Caio Prado, com base no capítulo “A acumulação primitiva do capital”, da obra


„O capital‟, do pensador alemão Karl Marx, desenvolveu a ideia de um
capitalismo colonial. Essa tese pode ser analisada em seu livro „Formação do
Brasil Contemporâneo‟, especificamente no primeiro capítulo, no qual o autor
coloca que se elaborou no Brasil um capitalismo baseado na empresa
mercantil. Nesse sistema em que se inserem as relações travadas entre
metrópoles europeias e suas colônias ao longo dos séculos 16, 17 e 18, o
Brasil assumiu a forma de colônia de exploração montada com grande volume
de capital europeu, com trabalho compulsório (escravo) e produzindo produtos
que não havia na Europa, sendo que a Europa também não os produzia. Na
verdade, essa forma de empresa mercantil elaborada, isto é, com um
capitalismo montado de fora, assentado sobre a grande propriedade rural e
com trabalho escravo, visava ao fornecimento desses produtos e de matéria-
prima para o exterior” (COSTA, 2012, p. 1).

De forma bem interessante, COSTA (2012) pontua o posicionamento de Caio Prado,


com seu olhar da história a partir do marxismo, que o mercantilismo como política econômica
de interesse das metrópoles, foi o grande propulsor da exploração do Brasil como colônia e
consequentemente da formação da sociedade colonial, incluindo um elemento primordial para
o duro e árduo trabalho, o africano escravizado. Esse tipo de estrutura justifica aquilo que o
autor de Formação do Brasil Contemporâneo chamou de capitalismo montado de fora.
Além disso, COSTA (2012) reforça a tese de Caio Prado, fazendo uso do pensamento
de Fernando Novais, que a partir de uma linha marxista, defende a ideia de que o Antigo
Sistema Colonial teve como base para sustentar-se a acumulação primitiva de capitais voltado
para o continente europeu, o monocultivo, o trabalho compulsório do escravo e um forte pacto
colonial como uma forma de controle e monopólio econômico da metrópole portuguesa.
Quanto ao tráfico negreiro, COSTA (2012: p. 01) explica que Novais
“(...) assume a posição de que era o tráfico negreiro que justificava a
escravidão (e não o contrário), pois era um dos negócios de maior renda tanto
para uma elite quanto para o establishment europeus. Nesse sentido, forja-se a
tese de que o tráfico permitiu a Revolução Industrial na Inglaterra pela
acumulação primitiva de capital por ele propiciada, de modo que o trabalho
indígena e dos imigrantes eram inviáveis. Todavia, esse tráfico é que explicaria
a introdução do trabalho escravo nas colônias. Vejamos que a escravidão tinha
sido abolida na Europa nos séculos 5/6, ou seja, 10 séculos antes do início
desse Sistema Colonial. Essa mesma Europa e esse mesmo capital mercantil
que criaram a imagem e a figura do trabalhador proletário (século 19) é que
vão recriar a escravidão no Novo Mundo. Não se tratava de colonizar para
apenas ocupar a terra, mas sim colonizar para o capital. A tese de Novais é
mais elaborada, mais sofisticada que a de Caio Prado, bem como as de
Florestan Fernandes, de Fernando Henrique Cardoso e Octavio Ianni
desenvolvidas a partir das décadas de 50 e 60 do século 20, baseadas em
Caio Prado, ou na mesma linha de abordagem teórica” (COSTA, 2012, p. 1).

Ainda que vários autores abordem a temática do ponto de vista econômico e que seja
importante considerá-lo no debate, nos interessamos em pontuar os aspectos culturais e
sociais do fato histórico, porque assim trazemos à discussão o ser humano como protagonista
15

de tão violenta ação na condição de colonizador e traficante, assim como na condição de


escravizado17 nos porões dos navios, inclusive mulheres negras que
“Mal alimentadas e cansadas de percorrer a pé muitas milhas, as africanas
aprisionadas chegavam aos pontos de partida em péssimas condições. Nas
embarcações eram submetidas a toda sorte de maus tratos. O bacharel baiano
Luis Antonio de Oliveria descreveu em suas Memórias em 1793, como a
sujeira, os ratos, os piolhos, a cegueira e a sarna iam corroendo os seus
corpos. A morte vinha pelo escorbuto, sarampo, bexiga e diarréias que
dizimavam boa parte dos embarcados, a começar pelas crianças. Às mulheres,
por vezes, era dispensado um tratamento diferenciado. A elas permitia-se
permanecer no convés, onde o ar puro e a retirada dos ferros do tornozelo
aliviam as duras condições da viagem. Porém, a permanência no convés
também as deixava à mercê dos marinheiros que se “serviam” sexualmente
delas a qualquer hora do dia” (SCHUMAHER e BRAZIL, 2007, p. 21).

Entretanto, dos levantes que ocorreram, algumas negras tiveram participação, sendo
detidas e punidas, conforme SCHUMAHER e BRAZIL (2007):
“Não era raro acontecer levantes no interior dos navios. O subcomandante da
Companhia Geral das Índias, William Bosman, consta que, em 1702, cativos
embarcados num navio holandês ancorado em Ajudá apoderaram-se de várias
armas e lançaram-se sobre a tripulação. Depois de meia hora, dois mortos e
outros tantos feridos, os rebelados foram controlados. No dia seguinte,
enforcaram muitos deles na ponta do mastro, onde permaneceram
pendurados. Segundo Bosman, as mulheres pareciam “mais audaciosas e
perigosas” e assim como os demais revoltosos, também foram postas a ferro.
Durante a travessia muitas se atiraram ao mar, temendo o mal maior que as
esperava” (SCHUMAHER e BRAZIL, 2007, p. 21).

FIGUEIREDO et al (2013) reforça a ideia de que as mulheres negras, de fato, resistiam


à violência e ao comércio escravocrata:
“Esta resistência das mulheres negras ao cativeiro tinha início já nos navios
negreiros. Reconstituições mais recorrentes do interior dos “tumbeiros”, nome
pelo qual ficaram conhecidas as embarcações devido à insalubridade,
condições desumanas e o alto índice de mortes (comprovadas pela descoberta
do Cemitério dos Pretos Novos, aqueles que morreram sem terem sido
comprados por um senhor), mostram homens, mulheres e crianças juntas”
(FIGUEIREDO et al, 2013, p. 11).

Quando se trata da procedência do negro, RODRIGUES (2008) comenta que não existe
uma data precisa, uma vez que o comércio de africanos no continente europeu já existia antes
mesmo da descoberta do Brasil e afirma que a escravidão brasileira nos seus primeiros tempos
possuiu um caráter secundário, restringindo o negro ao serviço doméstico. Para o autor, o
tráfico se intensifica a partir do momento em que surge uma escassez de mão-de-obra para a
lavoura e o trabalho nas minas.
Além disso, OLIVEIRA (1999) apud PRANDI (2000) diz que:
“A origem dos africanos trazidos para o Brasil dependia também, e
especialmente, de acordos e tratados realizados entre Portugal, Brasil e
potências européias, sobretudo a Inglaterra. A África, também como celeiro de
mão-de-obra, era evidentemente loteada entre os países coloniais- escravistas,
e a origem do tráfico mudou muito, em três séculos, em função dos cambiantes

[17]
Ao considerar os aspectos sociais e culturais do ser humano, estamos falando de sua totalidade, não o objeto comercial, mas
sim o africano com seus valores culturais em um processo dolorido de transplantação para ―um lugar desconhecido‖. (Nota do
autor).
16

interesses das potências envolvidas, suas disputas, guerras e tratados”


(PRANDI, 2000, p. 53).

Como o então Brasil, colônia pertencente aos domínios portugueses, necessitava de


mão de obra escrava, pois a empreitada com indígenas não havia dado certo, o alvo se tornou
os povos pertencentes ao continente africano. Chegando ao Brasil, eram vendidos aos
senhores de engenho, tomando em conta sua estrutura física, pois a ideia era o trabalho na
lavoura. Embora tanto sofrimento, os negros nunca se esqueceram da Mãe África, continuando
com seus costumes, em especial a religiosa, ainda que fosse imposta a cultura europeia.
Religiosa, porque foi um dos elementos culturais dos povos africanos mais combatidos e esse
combate não aconteceu por acaso, pois a religião é a síntese cultural de um povo.
Sem dúvida nenhuma, de acordo com os conceitos atuais, a escravidão foi uma das
maiores violações da existência humana, e o negro foi o protagonista de um cenário de
exploração, humilhação e sofrimento nos canaviais e nas regiões de minérios, em especial os
homens. As mulheres negras ―(...) sofreram bastante com a escravidão, embora seus senhores
utilizassem os seus serviços, principalmente, para trabalhos domésticos: cozinheiras,
arrumadeiras e até mesmo amas de leite e damas de companhia‖ (ANDRADE; COSTA, 2008,
p. 03)
June E. HAHNER, em A Mulher no Brasil (1978), assim se expressa com relação à
temática:
“(...) a escrava de cor criou para a mulher branca das casas grandes e das
menores, condições de vida amena, fácil e da maior parte das vezes ociosa.
Cozinhava, lavava, passava a ferro, esfregava de joelhos o chão das salas e
dos quartos, cuidava dos filhos da senhora e satisfazia as exigências do
senhor. Tinha seus próprios filhos, o dever e a fatal solidariedade de amparar
seu companheiro, de sofrer com os outros escravos da senzala e do eito e de
submeter-se aos castigos corporais que lhe eram, pessoalmente, destinados.
(...) O amor para a escrava (...) tinha aspectos de verdadeiro pesadelo. As
incursões desaforadas e aviltantes do senhor, filhos e parentes pelas senzalas,
a desfaçatez dos padres a quem as Ordenações Filipinas, com seus castigos
pecuniários e degredo para a África, não intimidavam nem os fazia desistir dos
concubinatos e mancebias com as escravas” (HAHNER, 1978, pp. 120-121).

Inseridos neste contexto, os negros lutavam contra a escravidão e faziam focos de


resistência conhecidos como quilombos, sendo o mais famoso o Quilombo dos Palmares, que
tinha importantes revolucionários, tais como Gangazuma, Zumbi18, entre outros. Era nos
quilombos que os negros conseguiam reviver seus costumes, seus rituais, sua alimentação e
sentir aquele lugar como seu território, seu espaço. Nesse processo a historiografia positivista

[18]
JUNIOR (2009) em sua obra comenta que Zumbi sempre foi muito respeitado em Palmares, ―..alto, muito mais do que seus
generais e muitíssimo mais forte. A pele, de um negro retinto e brilhante, estica-se sobre o peito largo e musculoso. As marcas
faciais, que demonstram suas origens étnicas e tribais, são idênticas às que sua mãe, por tantas vezes, desenhou no chão da
senzala, ensinando-lhe suas origem, indicando-lhe um local que desconhecia, mas que ela dizia ser do outro lado do oceano e que
se chamava ―Golfo do Guiné‖. E com mais detalhe diz: ―Em volta do seu tornozelo esquerdo usa uma grossa pulseira de ouro
bruto. Uma pele de onça lhe cobre os quadris, passando uma estreita tira pelo ombro direito. Um colar de dentes de onça, que se
entrechocam, passa-lhe duas vezes em torno do pescoço. A boca de lábios grossos, o nariz afinado e o queixo quadrado dão-lhe
um aspecto feroz e amedrontador. Mas, o que mais chama atenção em toda sua figura, são os olhos, dois olhos negros, enormes e
um pouco oblíquos, dotados de um brilho agudo que fascina. Cobre a cabeça com uma espécie de coroa, que circunda sua cabeça
deixando livre seu topo, que é coberto apenas por um fino couro, pelas laterais pendem duas pequenas lâminas, que escondem as
orelhas e à frente sobe um pequeno régulo em forma de grossa espiral‖ (JUNIOR, 2009, p. 192-193).
17

resumiu os quilombos apenas a lugares de negros fugitivos, como contextualiza NUNES


(2006):
“Do final do século XIX até quase o final do século XX, os quilombos foram
tratados na historiografia e na educação brasileiras como se restringindo a
“redutos de escravos fugitivos” e a experiências do período escravista. No
entanto, por todo o país, agrupamentos negros rurais, suburbanos e urbanos,
se constituíram não somente como fuga ou resistência direta ao sistema
vigente, mas como uma “busca espacial” (NUNES, 2006, p. 140).

As mulheres negras representaram um importante papel como negociadoras de


produtos agrícolas ou como lideranças nos quilombos. SCHUMAHER e BRAZIL (2007)
comentam que:
“Na primeira metade do século XIX, a inglesa Maria Graham menciona em um
de seus escritos quando esteve no Brasil que “uma mulher negra de nome Ana
intermediava a venda de frutas, ovos e outros utensílios produzidos por grupos
de fugitivos. A documentação histórica dos quatro primeiros séculos apresenta
pouca informação sobre a estrutura interna destes quilombos. A maior parte
dos registros são denúncias e relatos de expedições punitivas. Quase nada
existe de testemunho dos próprios quilombolas, mas, sim, daqueles que
tentaram destruí-los. Há um enorme silêncio sobre as mulheres mocambeiras
nestas fontes... Em alguns grandes quilombos aparecem indícios de lideranças
femininas, assim como das estratégias utilizadas pelos habitantes de manterem
suas famílias protegidas. Há indicações de que Acotirene e Aqualtune foram
mulheres que exerceram influência no célebre quilombo dos Palmares, em
Alagoas” (SCHUMAHER e BRAZIL, 2007, p. 81-82, grifo nosso).

Além disso, o projeto ―Somos todas Rainhas‖ desenvolvido pela ASSOCIAÇÃO FRIDA
KAHLO E ARTICULAÇÃO POLÍTICA DE JUVENTUDES NEGRAS (2011) contém dados de
mulheres negras que cumpriram importante missão no período colonial no que diz respeito à
construção e resistência dos quilombos e chama atenção para importantes lideranças
femininas, entre elas Aqualtune, uma princesa filha do rei do Congo, e Acotirene. Além delas, a
rainha Teresa liderou um quilombo de nome Quaritê; duas irmãs chamadas de Francisca e
Medicha criaram e foram líderes no quilombo de Conceição das Crioulas, em Pernambuco, no
início do século XIX. Por outro lado, Zacinda Gambá liderou um quilombo na Capitânia do
Espírito Santo, e Zeferina foi uma liderança no Quilombo do Urubu, na Bahia, no início do
século XIX. A senhora Felipa Maria Aranha liderou um grande quilombo entre Grão Pará e
Tocantins, e Mãe Domingas esteve à frente do Quilombo Tapagem no Pará.
Sobre essas lideranças femininas negras, a ASSOCIAÇÃO FRIDA KAHLO E A
ARTICULAÇÃO POLÍTICA DE JUVENTUDES NEGRAS (2011) diz que:
“Essas mulheres exerceram papéis significativos de liderança em suas
comunidades, buscaram reconstruir nos quilombos a identidade que o sistema
escravista tentou apagar. Mas, infelizmente existem poucos registros históricos
sobre suas trajetórias, e além desses quilombos comandados por mulheres,
podem ter existido vários outros” (ASSOCIAÇÃO, 2011, p. 17)..

Do período colonial até a abolição dos escravos, as mulheres negras foram


protagonistas da resistência, da luta e da manutenção das tradições africanas. Obviamente que
depois de libertados do sistema escravocrata, a situação do negro ficou mais grave, pois o que
18

fazer em um mundo de mentalidade escravocrata, ficar relegado à marginalidade, à exclusão


social, política, econômica e religiosa, ainda assim muitas mulheres trabalharam pagando sua
alforria e de vários negros.
19

Capítulo II – O Gênero Feminino no Candomblé

Estudar o gênero feminino permite demonstrar a relevância do papel das mulheres na


transformação da sociedade, dando sua contribuição nos processos sociais, históricos,
políticos e culturais dos quais elas estão inseridas como agentes de mudança e resistência.
No entanto, ao promover uma discussão que envolve a questão da feminilidade com a
religiosidade de matriz africana, o debate se torna mais complexo, principalmente quando se vê
que à frente de grande parte das religiões existentes no mundo e no Brasil se encontram
líderes religiosos do sexo masculino19.
BASTOS (2009) corrobora essa ideia afirmando que:
“Nas religiões afro-brasileiras, particularmente, o sexo feminino parece ocupar
uma posição maior de destaque em comparação às outras religiões. Podemos
perceber que na religião católica, não é permitido às mulheres dirigir a
cerimônia de maior destaque, que é a missa. Nos templos evangélicos e
pentecostais a situação se repete, pois a grande maioria de bispos é do sexo
masculino. Há pouco tempo, começaram a surgir timidamente, algumas
mulheres nessa posição” (BASTOS, 2009, p. 156).

Diante de uma sociedade machista, as mulheres representam uma porcentagem


pequena frente às religiões, porém, na religiosidade afro-brasileira, elas, em sua singularidade
feminina, possuem destaque porque cumprem com papéis importantes: líderes na
administração do terreiro, agentes de um processo de resistência, mantenedoras dos cuidados
ao espaço simbólico-religioso, organizadoras dos cultos religiosos, contadoras de mitos e
lendas dos deuses e cultivadoras dos preceitos, símbolos e representações. Sua participação é
efetiva nos processos, ainda que algumas práticas sejam de responsabilidade do homem.
Para ROSA (2008) esse poder religioso da mulher no Candomblé20 possui antecedentes
históricos, já que muitas delas possuíam autonomia econômica e social como ―ganhadeiras‖ à
época da escravidão. A autora sustenta seu argumento citando BERNARDO (2005):
“Para iluminar ainda melhor este fato – o da chefia feminina – torna-se
importante destacar alguns fatores que foram incisivos para que a mulher
viesse ocupar o ápice da hierarquia religiosa, além de outros fatores que foram
elencados no trajeto feminino da África para o Brasil. As mulheres africanas
pertencentes às etnias Fons e Iorubás exerceram em seus respectivos reinos
um poder político importante. É claro que no presente da escravidão esse
poder teve que ser ressignificado. Na realidade é totalmente contraditório com
a situação de escravo o exercício de qualquer poder no plano real. Assim, pode
ter ocorrido uma transformação: se não existiam condições de exercício do
poder real, exercia-se no plano imaginário através da religião” (BERNARDO,
2005, p. 16).

Como se observa, o tão chamado matriarcado no Candomblé pode ter sua raiz a partir
dessa autonomia que a mulher africana na diáspora21 trouxe para o Brasil, além disso, muitas

[19]
BASTOS (2009) comenta que a produção do sagrado esteve sempre no domínio dos homens, historicamente falando, enquanto
as mulheres ficaram marginalizadas e ausentes do espaço de fé, crença e religiosidade.
[20]
PRANDI (1996) explica que ―O candomblé encontrou condições sociais, econômicas e culturais muito favoráveis para o seu
renascimento num novo território, em que a presença de instituições de origem negra até então pouco contavam. Nos novos
terreiros de orixás que se foram criando então, entretanto, podiam ser encontrados pobres de todas as origens étnicas e raciais.
Eles se interessaram pelo candomblé. E os terreiros cresceram às centenas‖ (PRANDI, 1996, p. 16).
20

delas nesse processo histórico foram separadas de suas famílias, tornado-as um ícone de
resistência cultural e de gênero por manter parte de sua tradição ancestral e por lutar
trabalhando pela sua liberdade, pagando por sua alforria através dos seus negócios lucrativos.
A respeito dessa mulher africana autônoma e independente, WERNECK (2005) utiliza o
exemplo das Ialodês na diáspora.
“Según algunas tradiciones africanas transplantadas para Brasil, ialodê es uno
de los títulos dados a Oxun, divinidad que tiene origen en Nigeria en Ijexa e
Ijebu. Ialodê se refiere también a la representante de las mujeres y a algunos
tipos de mujeres emblemáticas, líderes políticas femeninas de acción
fundamentalmente urbana. Es, como decimos, la representante de las mujeres,
aquella que habla por todas y participa en las instancias de poder” (WERNECK,
2005, p. 32).

Para VERGER (1992) essa forte influencia feminina reside no fato de que a compra da
liberdade deu chance da mulher dispor de dinheiro e tempo para cultuar seus deuses muito
mais que os homens. Por outro lado, LANDES (1967) traz como argumento as origens dessas
mulheres na África, considerando seu envolvimento na divisão do trabalho comunitário, nas
relações comerciais estabelecidas pelas trocas em mercados e feiras, bem como seu processo
de autonomia em resolver situações enquanto o marido estava trabalhando fora. Por conta
disso, elas dominaram as técnicas de produção e colheita, além de possuir forte influência na
religiosidade como sacerdotisas e médiuns.
Sobre esse tema, LODY (2006) comenta que:
“Algumas vendedoras, como tias, tias da Costa – mulheres negras, filhas e
netas de africanos para a primeira categoria; e, para a segunda, eram mulheres
africanas, muito respeitadas, e em sua maioria se vinculavam ao candomblé.
Vendiam produtos africanos, alguns em lojas – quitandas – estabelecidas em
áreas da cidade de Salvador como o Pelourinho, por exemplo, ou em outros
tipos de venda, onde se encontravam panos de Alacá – panos da Costa –
palha, obi, oborô, contas, sabão, todos da Costa, da costa africana,
provenientes dos grandes e famosos mercados da Nigéria, do Benin” (LODY,
2006, p. 48).

Essa autonomia do gênero feminino nos rituais de Candomblé no Brasil, durante todo o
processo de organização e preparação do culto aos Orixás22, possui uma dinâmica interativa
entre essas mulheres, as quais fazem uso de alguns códigos, símbolos e uma linguagem
própria da religiosidade. Elas constituem-se de uma força incomparável para garantir a
continuação dos conhecimentos passados oralmente sobre a ancestralidade e a luta pelo
respeito à sua religiosidade e dignidade.

[21]
―O conceito de diáspora se apoia sobre uma concepção binária de diferença: por um lado está fundado em uma ideia que
depende da construção de outro, e de uma oposição rígida entre o dentro e o fora. Por outro lado, sabendo que o significado é
crucial à cultura, temos a noção moderna pós-saussuriana que insiste que o significado não pode ser fixado definitivamente, pois
está sempre em movimento. Hall afirma que a distinção de nossa cultura é manifestamente o resultado do maior entrelaçamento e
fusão, na fornalha da sociedade colonial, de diferentes elementos culturais africanos, asiáticos e europeus‖ (HALL, 2003, p. 31).
[22]
VERGER (2002) após algumas análises dos conceitos definidos por outros autores, diz que ―Orisà‖ (...) seria, em princípio, um
ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas forças da natureza, como o
trovão, o vento, as águas doces ou salgadas, ou, então, assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a
caça, o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilização.
21

Essa força é o próprio axé (força, energia pura) que se faz presente no sexo feminino
através do poder da fecundação, fato que desperta curiosidade em muitos estudiosos da
temática, gerando uma grande especulação para entender a feminilidade nos cultos
candomblecistas, em especial, de onde se origina esse número grande de adeptas à
expressão religiosa23.
VERGER (2002) quando aborda a história dos primeiros terreiros de candomblé no
Brasil, diz que com a instituição do batuque, os escravos libertos ou não e reagrupados podiam
exercer a prática de seus cultos, sendo a realização destes rituais fora das igrejas. Isso
contribuiu para que surgissem as roças e terreiros para a prática religiosa dos deuses
africanos. O mais interessante é que Verger, ao tecer seus comentários sobre as origens
dessas ―roças‖, assinala que mulheres fortes e enérgicas deram os passos iniciais para
organização de um lugar para a prática religiosa.
Essa mesma temática foi utilizada por BERNARDO (2003) quando orientou sua
pesquisa na tentativa de descobrir de onde vinha a autonomia da mulher negra de candomblé,
ou seja, se essas características para liderar foram adquiridas depois que se tornou mãe de
santo ou nas raízes culturais africanas.
“É na procura, então, das mulheres negras que o texto se movimenta. Fui para
a África, encontrei as africanas ocupando o espaço público: estavam nas feiras,
trocavam bens. Mas não eram só objetos materiais que elas trocavam, as
trocas dirigiam-se também para os bens simbólicos: eram músicas, orações,
danças, receitas para curar o corpo, receita para aconchegar os corações.
Percebi também que entre os ioruba, as mulheres chegavam a ocupar cargos
públicos de destaque. Na família poligínica, a africana vivia num cotidiano
repleto de conflitos, mas não se pode dizer que a mulher africana não possuía
certa autonomia” (BERNARDO, 2003, p. 16).

Ainda que grande parte das pesquisas sobre a origem dos primeiros terreiros24 de
Candomblé no Brasil remonte a essas mulheres, em especial, a Iyalussô Danadana e Iyanassô
Akalá ou Iyanassô Oká, sendo auxiliadas por Babá Assiká, Edison CARNEIRO (1992) reforça a
ideia dizendo que:
“Fundaram o atual Engenho Velho três negras da Costa, de quem se conhece
apenas pelo nome africano – Adetá (talvez Iá Detá), Iá Kalá e Iá Nassô. Há
quem diga que a primeira destas foi quem lhe plantou o axé, mas esta
precedência não parece provável, pois ainda hoje o Engenho Velho se chama
Ilê Iá Nassô, ou seja, em português, Casa da Mãe Nassô” (CARNEIRO, 1992,
p. 54).

[23]
LIMA (2006: 81) comenta que existem explicações diversas, questionando a opinião de Herskovits que lança a hipótese com
base na questão econômica, vendo pelo ponto de vista da história, já que o processo de iniciação no candomblé considera uma
série de requisitos, entre eles o período longo de reclusão, o que impossibilitaria os homens que sustentam a família de
participarem dos rituais de iniciação, oportunizando assim as mulheres de o fazerem. O questionamento feito por LIMA (2006)
quanto à tese defendida por Herskovits está pautado na divisão de trabalho escravo imposto a negros e negras, sendo
funcionalmente idênticos, além disso, nas sociedades africanas, a exemplo das culturas Ioruba e Fon, o sistema religioso está
fortemente interligado à organização social, levando homens e mulheres a atenderem os apelos das divindades. À parte disso,
comenta o autor, é comum a religião está inteiramente relacionada com a linhagem e o sistema de parentesco.
[24]
BARRETO (2009:53) define como: ―... todo espaço dedicado ao culto das divindades de origem africana. É a casa de santo, o
candomblé, a roça, canzuá ou até aldeia, no dizer caboclo. Os termos ―roça‖ e ―terreiro‖ nos levam ao tempo em que grandes
candomblés foram plantados fora dos limites urbanos de então, verdadeiras roças, restos de mata atlântica.‖.
22

Em todas as posições hierárquicas, ali está presente a mulher, sendo interessante


ressaltar que ainda hoje é comum encontrar entre rodantes25 de alguns terreiros, em particular
na hora do culto aos deuses africanos somente mulheres. Como explica PARES (2007) em sua
obra, ao tratar-se do fenômeno de ―possessão‖ ou ―incorporação‖, caberia mais às mulheres,
como se vê no Terreiro do Gantois, em Salvador, desde tempos imemoriais aos dias atuais,
embora o fenômeno se processe em homens também, porém fora do tradicional círculo, o que
Edison CARNEIRO (2008) reforçaria à época de sua pesquisa:
“Ainda agora, os nomes de mulheres são mais importantes do que os dos
homens, na chefia dos candomblés. A quase centenária Maria Bada merecia o
respeito universal dos negros da Bahia. Tia Massi, do queto, e Emiliana, do
Bogum, são os nomes conhecidos e acatados” (CARNEIRO, 2008, p. 111).

O gênero feminino no Candomblé é também uma busca por entender como


aconteceram os primeiros cultos aos Orixás26, sendo necessário considerar a vivência cotidiana
de um ilê, o relacionamento de seus membros, a sabedoria, experiência e os conhecimentos
das yalorixás27 e seus filhos e, se for permitido, entender alguns fundamentos da religião:
“Do final do século XIX, até o início do século XX, as mães de santo iniciaram a
organização de uma religião brasileira, de matriz africana, o candomblé.
Congregando um caráter sincrético fortíssimo, essas representantes religiosas
buscaram acima de tudo as alianças necessárias para o resgate, a
manutenção e o respeito às práticas religiosas de origem africana. As alianças
eram fundamentais, uma vez que a perseguição policial aos cultos africanos
era intensa. E, neste sentido, a criatividade mais uma vez prevaleceu na
criação de cargos ministeriais nos terreiros, atribuindo aos homens, muitas
vezes brancos, ocupantes de cargos de destaque na vida pública, a proteção e
o diálogo dos terreiros com as instituições constituídas. Os cargos religiosos
principais, tanto Bernardo quanto Amaral destacam bem: continuaram sob o
domínio das mulheres.” (REIS; FREITAS, 2010, p. 12).

Os Orixás foram trazidos pelos africanos28, principalmente pela ocasião em que se


encontravam frente ao processo de escravidão, que intensificava o comércio transatlântico
devido à necessidade de mão de obra escrava. Chegando às Américas, os cultos tomaram
dimensões diferenciadas, pois além das divindades africanas (de nações diferentes) serem
cultuadas no mesmo espaço (terreiro, roça, ilê etc.), existia as pressões para que o escravo
aceitasse de uma forma ―impositiva‖ a religião do colonizador, e a própria situação do africano
nas colônias ameríndias influenciava fortemente na personalidade da deidade, já que o negro
vivia outra realidade na África. O escravo estava proibido de cultuar seus deuses em terras
brasileiras.
Neste sentido, como consequência da diáspora, as etnias africanas inimigas puderam
juntar parte dos aspectos socioculturais e religiosos, contribuindo assim para surgir distintas

[25]
Mulheres que através do fenômeno da possessão entram em transe recebendo os Orixás (BARRETO, 2009).
[26]
Divindade africana, santo que rege a cabeça (BARRETO, 2009, p. 45).
[27]
Mãe de santo, sacerdotisa do Orixá.
[28]
Alguns deuses não puderam ser transplantados, como o são os Inquices, cultuados pelos Bantu. BASTIDE (1971) afirma que os
povos bantu ―acreditavam em espíritos, porém esses espíritos estão ligados às florestas, aos rios ou às montanhas de seus países;
estão presos aos acidentes geográficos, aos pântanos, às grutas e não podem migrar com os homens, são deuses locais. O banto,
passando para a América, deixou atrás de si, além de seu território, os espíritos que o povoavam (BASTIDE, 1971, p. 250).
23

formas de cultuar os Orixás, como o são o Candomblé, a Umbanda, dentre outros,


considerando ainda as características particulares29, devido à forte influência cultural do lugar
onde se desenvolveram30.
Historicamente, a prática de cultuar os Orixás em algumas regiões do continente
africano, principalmente as que correspondem às etnias tradicionais com características
poligínicas, possuía uma forma bem individualizada, pois cada cidade adorava uma divindade,
a exemplo de Oyó31, onde o orixá cultuado é Xangô32, neste caso, todos daquela cidade eram
seus filhos. Com a vinda dos escravos, um grupo de mulheres colocou os deuses para serem
adorados em um mesmo barracão, dando origem a religião chamada de Candomblé.
PRANDI (2000) opina dizendo que:
“Os iorubás tradicionais são poligínicos, com família extensa, e habitam
residências coletivas formadas de quartos e apartamentos contíguos, os
compounds. Cultuam Orixás particulares para cada família, cidade e região
(Fadipe, 1970). O chefe mora com a esposa principal e os filhos dela nos
aposentos principais; as demais esposas moram com seus filhos habitando
cada uma quartos separados. As áreas comuns são reservadas para cozinha,
lazer, trabalho artesanal e armazenamento. A família cultua o orixá do chefe
masculino, divindade ancestral que ele herda patrilinearmente, e que é o orixá
principal de todos os filhos. Cada esposa cultua também o orixá da família de
seu pai, que é o segundo orixá de seus filhos. Assim, os irmãos devem culto ao
orixá do pai, que é o mesmo para todos, e ao orixá da mãe, que pode ser
diferente de acordo com a herança materna. Como os iorubás crêem
descender de seus orixás, a origem de cada indivíduo não é necessariamente
a mesma. Um compound é assim uma reunião de diferentes cultos, cada um
com seus mitos, tabus e cerimônias. Há um deus geral e deuses particulares
louvados nas casas das diversas esposas” (PRANDI, 2005, p. 160).

A respeito das famílias poligínicas e sua função na tribo, HOEBEL e FROST (1976)
afirmam que:
“Existem numerosos motivos sociais que apóiam a poliginia como instituição.
Se um homem tem meios de sustentar diversas mulheres, é capaz de
apresentar ao mundo um lar mais rico e mais bem equipado. Mais mulheres
podem preparar melhores roupas e melhor comida. Se as habilidades manuais
das mulheres produzem artigos negociáveis ou bons para troca, a riqueza do
seu lar poderá ser aumentada. [...] A poliginia pode também servir como
mecanismo para o status competitivo no campo sexual, quando ter e manter
diversas mulheres contra todos os aventureiros é uma tarefa perigosa, como
entre os esquimós” (HOEBEL; FROST, 1976, p. 210).

[29]
Sobre o tema, PREVITALLI (2008) assinala o Candomblé, como exemplo, afirmando que este ―(...) se organizou em torno de
―nações‖ que se originaram principalmente dos grupos de negros bantos e dos sudaneses que chegaram ao Brasil, através da
diáspora africana‖ (PREVITALLI, 2008, p. 16). Edison CARNEIRO (2008) escreve que os escravos que vieram para o Brasil
provinham de muitas tribos e que cada uma delas tinha sua religião em particular.
[30]
A respeito dessa temática, ROSÁRIO (2008)) comenta que no contexto africano, a religião dos orixás está ligada
fundamentalmente à noção de família, havendo, pois uma extrema diversidade e variação de coexistência entre os orixás, o que de
acordo com VERGER (1886) suscitaria certa descrença diante de concepções demasiado estruturadas. O tráfico de escravos
africanos para o Novo Mundo – compreendendo as Américas e as Antilhas – fez com que os Orixás atravessassem o Atlântico e
passassem a ser cultuados de formas diferentes devido as circunstâncias. Através dos últimos séculos, o que na África se
constituía como culto familiar ou tribal transformou-se em formas cultuais mais ou menos estruturadas, identificáveis por categorias
como ―Candomblé‖, no Brasil, por exemplo, ou ―Regla de Ocha‖, em Cuba.
[31]
Fundada provavelmente depois das cidades ioruba da zona florestal, entre os anos de 1380 e 1430, Oyó era a cidade ioruba
mais setentrional e, até meados do século XVI, mais preocupada com as suas fraquezas nas relações com os seus vizinhos
imediatos, situados para lá da confluência do Níger e do Benué, Nupe e Borgu, do que com as suas relações com os seus
parentes do sul (M’KOBOLO, 2009, p. 436).
[32]
―Xangô era o quarto rei dos ioruba e foi desafiado pelos seus amigos e depois da sua morte. Xangô exerceu o seu poder sobre
todos os ioruba, incluindo o Benim, o Popo e o Daomé; porque o seu culto continuou em todos estes países até hoje‖ (M’KOBOLO,
2009, p. 438). Segundo PRANDI (2009) ‖é o orixá do Trovão, do governo e da justiça‖ (PRANDI, 2009, p. 53).
24

Ainda que as formas de cultuar os Orixás tomassem rumos distintos, ROSÁRIO (2008)
comenta que a mitologia continuou ―(...) presente nas explicações da Criação, na composição
dos atributos dos orixás, na justificativa religiosa dos tabus, nas danças rituais, ainda que sem
organização sistemática‖ (ROSÁRIO, 2008, p. 14). À frente desse processo, as mulheres
negras33 conseguiram cumprir um papel predominante, se organizando e articulando
estratégias para manter o culto aos deuses, mesmo com a eminência de serem perseguidas.
Um aspecto relevante em todos os fatos ocorridos é o poder da mulher, sempre ela,
zeladora dos preceitos mais secretos, supervisora dos afazeres, a rodante dedicada, a
companheira de dança e cuidados com os deuses no xirê34. Tudo por amor aos Orixás, donos
e donas das forças da natureza35.
Chama a atenção nessas mulheres o cumprimento das cobranças da religião, exigindo
como requisito um envolvimento e dedicação intensos para atender ao Orixá, ou seja, limpar,
lavar e cozinhar os bichos, costurar as roupas dos Orixás, engomar as roupas das rodantes,
organizar e ornamentar o barracão de acordo com as características de cada deus são
atividades feitas com compromisso e responsabilidade. Apesar de tanto trabalho, a fé no Orixá
lhe dá um poder, que varia de acordo ao cargo que ocupa. Trabalhar para os deuses é
diferente do trabalho para a família e sociedade.
Enfrentar a realidade social, os problemas familiares, a pressão no trabalho, as
dificuldades econômicas também fazem parte do rol de atribuições dessas mulheres, porém
condicionadas a padrões estabelecidos por uma sociedade que ainda não dá o valor merecido
a elas, caindo muitas vezes na obscuridade, no esquecimento e, ou, talvez, na invisibilidade,
como veremos nas entrevistas mais adiante.
Isso tem suas origens na própria história da humanidade, onde homens e mulheres
tiveram que conviver juntos, cumprir papéis e lutar pela sobrevivência de sua prole, porém,
essas relações foram sempre excludentes36, cabendo à mulher cumprir atribuições designadas
pelos homens muito restritas ao ambiente doméstico e à agricultura, o que consequentemente
tornou-se parte cultural das sociedades.

[33]
Sobre essa temática a pesquisadora Maria de Lourdes Siqueira em seu trabalho – ―Yámi, Iyá Agbas: Dinâmica da
Espiritualidade Feminina em Templos Afro-Baianos‖ comenta que: ―as religiões africanas representam uma afirmação de que não
há uma verdade única, tal como nos é proposto pelo Ocidente. Há outras culturas com suas especificidades distintas que precisam
ser reconhecidas e respeitadas. As lições transmitidas à humanidade pela civilização africana aqui no Brasil nos são transmitidas
pelas mulheres ancestrais dos terreiros‖ (SIQUEIRA, 1995, s/p).
[34]
Segundo BARRETO (2009) é a roda dos Orixás, onde as mulheres dançam, antes do transe.
[35]
Exemplificando, SOUZA (2008) quando fala da mulher, em sua pesquisa ―A Estética do Candomblé, fazendo axó e tecendo
axé‖, comenta que ―(...) No complexo código da estética do candomblé a importância do vestuário é tão grande que o cuidado dele
é atribuição de mulheres que não entram em transe, mas que são confirmadas num cargo de alto prestígio. São as equedes, que
vestem os orixás e depois dançam com eles no barracão. Seu trabalho é recompensado com sua inclusão na alta hierarquia do
terreiro‖ (SOUZA, 2008, p. 1).
[36]
FISCHER e MARQUES (2001) chamam a atenção quando se trata da exclusão que atinge a mulher ―(...) porque se dá, às
vezes, simultaneamente, pelas vias do trabalho, da classe, da cultura, da etnia, da idade, da raça, e, assim sendo, torna-se difícil
atribuí-la a um aspecto específico desse fenômeno, em vista de ela combinar vários dos elementos da exclusão social. Desse
modo, mais que qualquer outro assunto ligado ao feminino que se deseja analisar, dificilmente se poderá compreender a exclusão
particular da mulher sem antes conhecer o fenômeno da exclusão e suas formas de manifestação‖ (FISCHER; MARQUES, 2001,
p. 1).
25

SOARES DA SILVA (2010) explica essas diferenças partindo da construção das


identidades masculinas e femininas, utilizando a problemática abordada por Simone de
Beauvoir no que é ser mulher.
“A construção das identidades masculinas e femininas, historicamente, foi
traçada mediante a associação biológica desses papéis. Simone de Beauvoir
problematizou em seus estudos o que é ser mulher. Suas análises dialogaram
com os estudos que compreendiam o feminino ao longo da história, e quando
como tudo começou. Segundo ela, o discurso hegemônico definia um lugar
inferior para a mulher assim como para o negro, e em seu entendimento a
dualidade provocada pela divisão entre os sexos, como toda dualidade, tendia
a provocar conflitos. A mulher, assim como o negro, fazia parte desse outro
subalternizado, que possuía como representantes dessa ideologia os
legisladores, sacerdotes, filósofos, escritores e sábios que se empenharam em
demonstrar a condição de subordinada da mulher” (SOARES DA SILVA, 2010,
p.34).

Em ―A construção das hierarquias sociais: classe, raça, gênero e etnicidade‖, AGUIAR


(2007) reforça essa ideia de uma divisão estabelecida a partir da sexualidade ao explicar a
atuação dos estudos feministas e sua relação com a questão do gênero, principalmente
quando se destaca a lutas das mulheres por condições dignas de sobrevivência e convivência
em uma sociedade patriarcal e falocrática:
“Os estudos feministas passaram a utilizar o termo gênero para interpretar as
relações entre homens e mulheres. Gênero designaria os significados
simbólicos e sociais associados ao sexo. Com isso, era possível observar que
certas atividades associadas ao feminino, muito mais que uma atribuição
“natural” ligada ao sexo, era uma construção sociocultural que justificava a
subordinação das mulheres aos homens. As desigualdades entre homens e
mulheres eram, portanto, naturalizadas” (AGUIAR, 2007, p. 86).

SOARES DA SILVA (2010) explica o conceito de gênero a partir do diálogo que faz com
os estudos de gênero e análise histórica de Joan SCOTT (1990) como sendo:
“(...) o conjunto de atributos positivos e negativos que se aplicam
diferencialmente a homens e mulheres, desde o momento do nascimento
determinando as funções, papéis, ocupações e relações que ambos
desempenham na sociedade e entre eles mesmos. Esses papéis e as relações
não são determinados pela biologia, mas pelo contexto cultural, social,
econômico e religioso de cada organização humana e deste modo são
passados de geração a geração” (SCOTT, 1990, p. 36).

Ainda que existam casos raros em que as mulheres foram estratégicas e conseguiram
parte do poder administrativo, familiar e religioso, em especial aquelas pertencentes às
sociedades africanas, sua grande maioria não foram contempladas com a equidade sexual.
Para complementar essa ideia, CARNEIRO (2005) comenta que:
“En general, la unidad en la lucha de las mujeres en nuestras sociedades no
solo depende de nuestra capacidad de superar las desigualdades generadas
por la histórica hegemonía masculina sino que también exige la superación de
ideologías complementarias de este sistema de opresión como es el caso del
racismo” (CARNEIRO, 2005, p. 22).
26

A eficácia das mulheres do candomblé constitui valioso meio de tornar ágil o


desenvolvimento das funções nas tarefas do ilê37, já que a finalidade é atender os preceitos
religiosos relacionados ao culto aos Orixás. Além disso, a vivência, experiência e liderança
dessas mulheres as tornam “senhoras do Axé” em termos do poder político, cultural e religioso
no espaço sagrado38.
São mulheres que superam suas limitações em atenção à vontade dos Orixás, mas que
também buscam o bem-estar social, a ajuda mútua entre si, o contínuo aprendizado,
conduzindo a estrutura administrativa e os preceitos religiosos de acordo à função que ocupa
na hierarquia. Não é tão simples como se imagina e por essa razão é necessário assessoria e
auxílio entre elas. Para SANTOS (2012):
“(...) no candomblé há um universo de atividades que requer autonomia da
mulher. Há obrigações que exigem sua estadia na casa, há interdições sexuais,
por vezes, uma mulher tem necessidade de passar vários dias na comunidade
- terreiro, fazer viagens, ir às festividades, ela tem um vida pública com deveres
definidos e um peso hierárquico. O candomblé é estruturado a partir de uma
cosmovisão que afirma uma identidade específica para o gênero feminino.
Quando a mulher se integra a esse universo, sua identidade vai sendo moldada
através das representações contidas em um sistema mítico referenciado pelas
nações africanas; constitui-se uma nova consciência de si, do seu papel no
mundo e de sua conduta social; sua personalidade, suas vontades passam a
ser orientadas pelo Orixá” (SANTOS, 2012, p. 3).

Em determinadas ocasiões, a autoridade dessas mulheres ultrapassa os limites físico-


estruturais do terreiro, já que a religião possui como requisito o respeito à hierarquia
estabelecida e essa deve ser acatada pelos filhos da casa no convívio fora do axé. Isso lhes
atribui reconhecimento, centralidade, força, autonomia e poder feminino, muito característico
dos candomblés39.
BARBOSA (2012) explica em seu artigo que existem terreiros que a funcionalidade do
Candomblé de nação Ketu40 tem como base as atividades desenvolvidas pela família
matrifocal, ou seja, aquela em que as mulheres constituem o centro e, além disso, são
―detentoras de significativa parcela de um poder que expressa no exercício sacerdotal, na
preservação das heranças culturais e identidade afro-brasileira, assim como na manutenção da
autoridade cotidiana das pessoas envolvidas nas cerimônias próprias desse candomblé‖
(BARBOSA, 2012, p. 11).
Quanto à família matrifocal, ADESINA (2010) explica que:

[37]
Casa (Nota do autor).
[38]
Com relação ao espaço sagrado, JESUS (2011) expõe: ―Joaquim (2001) acrescenta que dentro do terreiro – espaço sagrado do
Candomblé – a experiência religiosa se constrói dentro de um tempo simbólico, que reatualiza cotidianamente uma vivência mítica.
Nesta, o ponto de união entre ser humano e o divino é o Orixá e o encontro resultante desta elaboração simbólica requer o
seguimento de regras, normas, valores, comportamento e linguagens que compõem os rituais e são transmitidos aos membros ao
longo da existência, não apenas por meio de informações, mas através da própria vivência‖ (JESUS, 2011, p. 5).
[39]
Ainda que à frente de determinada casa (axé) esteja um homem, nada o impede de contar com a presença feminina através de
uma espécie de poder compartilhado com o babalorixá, que em determinados momentos dialogará com as senhoras,
especialmente as mais antigas, para tomada de decisões que tratam sobre a organização dos rituais. (Nota do autor)
[40]
Para PRANDI (2009) ―[h]á muitas variantes rituais do candomblé, dependendo da origem étnica é chamada de nação de
candomblé. As principais nações de candomblé são originárias dos povos Iorubá, também chamados de nagôs, são as nações
queto, alaqueto, ijexá e efã. Das tradições religiosas dos povos fons surgiu a nação jeje. De povos bantos se originaram as nações
angola e congo, além da nação do candomblé de caboclo‖ (PRANDI, 2009, p, 51).
27

“Na linguagem popular, o termo „família matrifocal‟ é correntemente usado para


designar agregados familiares chefiados por mulheres, na maior parte dos
casos devido à ausência de pais ou esposos do sexo masculino. PARKIN
(1977:29) define a família matrifocal como aquela em que os „adultos do sexo
masculino se ausentam de casa por longos períodos de tempo, por motivos de
41
trabalho, ou outras razões‟” (ADESINA, 2010, p. 197).

Esse conjunto de práticas e ações vividas por essas mulheres fortalecem seu
empoderamento nos terreiros, fazendo com que elas atuem em diversos papéis, além de
guardiãs das tradições ancestrais, mas também de juíza, educadora e conselheira nas
situações e problemas que aparecem na família de santo.
Além disso, compreender a espiritualidade da mulher do Candomblé é considerar os
aspectos mais relevantes de sua atuação seja como iyalorixá, rodante ou ekede42,
independente das etapas em que se encontram no processo hierárquico, entre eles a
sensibilidade, atitude, expressividade e liderança. Muitas delas foram e são vanguardistas na
condução de vários ilês tradicionais e históricos.
Os espaços sagrados foram lugares reinventados, segundo as características
específicas das nações ou pela resistência frente à imposição cultural europeia do colonizador
e da Igreja Católica. Coube à mulher a idealização e estratégia de cultuar e reverenciar os
Orixás e seus ancestrais, impedindo que a colônia desafricanizasse o negro.
Por essa razão, o Candomblé constitui uma religião em que a mescla acontece a partir
do momento em que deusas e deuses africanos de origem no Daomé43, como Nanã, Omulu,
Oxumaré e Yewá são cultuados juntos com divindades de outras regiões, tais como Yansã,
Obá, Oxum, Yemanjá, Ossãe, Xangô, Oxalá, Exu, Logunedé, Oxossi, os gêmeos Ibejis e
Iroco44, todos eles cultuados em muitas casas de candomblé na árvore conhecida como
gameleira. Do processo de readaptação em terras brasileiras, dos primeiros cultos africanos
realizados na cidade de Salvador, derivaram outras expressões religiosas afro-brasileiras. A
respeito do tema, PRANDI (1996) afirma que:
“... até os anos 1930 poderiam ser incluídas na categoria das religiões étnicas,
religiões de preservação de patrimônios culturais dos antigos escravos
africanos e seus descendentes. Estas religiões formaram-se em diferentes
áreas do Brasil com diferentes ritos e nomes locais derivados de tradições
africanas diversas: candomblé na Bahia, xangô em Pernambuco e Alagoas,

[41]
Com relação ao tema, DE’ CALL (2007)comenta que: ―Raymond Smith desenvolve um conceito de matrifocalidade que difere do
modelo tradicional aplicado somente às famílias com pais ausentes. A família matrifocal é, para ele, aquela na qual o domínio do
campo doméstico é exercido pela mãe - esposa. Isso ocorre quando o homem (se presente) fica em posição secundária no campo
doméstico, pois no seu papel de marido – pai, não consegue ser mais importante que a mulher em termos de status social e em
força econômica que possa levar o grupo doméstico a algum tipo de estágio de desenvolvimento. (DE’ CALL, 2007, p. 44, grifo do
autor)
[42]
Mulher que cuida dos orixás no vestir, nas danças e no ritual. (Nota do autor).
[43]
Região localizada na Nigéria. (Nota do autor)
[44]
Nanã (Orixá feminino da lama, a mais antiga divindade do Candomblé, mãe de Omulu e Oxumaré); Omulu (Orixá masculino da
varíola, protetor contra as pestes); Oxumaré (Orixá do arco-íris); Yewá (Orixá feminino das fontes, guardiã dos segredos); Yansã
(Orixá feminino dos ventos, do raio, da tempestade, uma das esposas de Xangô); Obá (Orixá feminino dos serviços domésticos,
uma das esposas de Xangô); Oxum (Orixá feminino das águas doces, da fertilidade e da beleza, uma das esposas de Xangô);
Yemanjá (Orixá mãe de todos os Orixás e da humanidade); Ossãe (Orixá das folhas, herborista que cura com as ervas); Xangô
(Orixá masculino do trovão e da justiça); Oxalá (Orixá masculino da criação, o que criou a humanidade); Exú (Orixá masculino
mensageiro, dono das encruzilhadas e guardião da porta de entrada das casas); Logunedé (Orixá da caça e da pesca, filho de
Erinlé e Oxum); Oxossi (Orixá masculino da caça e da fartura); Ibejis (Orixás gêmeos, protetores da infância); e Iroco (Orixá
masculino da gameleira branca).
28

tambor de mina no Maranhão e Pará, batuque no Rio Grande do Sul e


macumba no Rio de Janeiro” (PRANDI, 1996, p. 11).
29

Capítulo III – Hibridismo cultural ou sincretismo religioso: o comportamento das


mulheres do Axé
III.1 - O sincretismo religioso
Já abordado anteriormente, desde quando aqui chegaram, os negros africanos tiveram
que se adaptar às imposições do colonizador, ainda que houvesse resistências, se utilizaram
de estratégias para continuar mantendo elementos culturais dos seus grupos étnicos de
origem.
Nas terras brasileiras, as mulheres negras adotaram, além da fé nos deuses, o culto à
Nossa Senhora da Boa Morte e interessante registrar que após a realização da missa em
dedicação à Virgem Maria, elas se dirigiam aos barracões localizados nos fundos das igrejas
para louvar, tocar e dançar com seus Orixás. PRANDI (2003) ressalta que: ―[d]esde o início as
religiões afro-brasileiras se fizeram sincréticas, estabelecendo paralelismos entre divindades
africanas e santos católicos, adotando o calendário de festas do catolicismo, valorizando a
frequência aos ritos e sacramentos da igreja‖ (PRANDI, 2003, p. 15).
Ribeiro (2012) explica que por força do processo colonizatório e seus males, o
sincretismo foi uma alternativa para os povos colonizados para pensar uma forma de manter
suas crenças africanas em um contexto brasileiro com imposições culturais e religiosas
europeias, foi fazer desta nova realidade a estratégia certa de continuidade da fé e da cultura
negra:
“O sincretismo valeu como uma poderosa arma que de início os negros
habilmente manejaram contra a pressão esmagadora da cultura superior dos
povos escravizadores.” (SANCHES, 2001, p. 69) Apesar dessas dificuldades,
houve espaço para manutenção dos costumes e crenças, ainda que
escondidos. Segundo J. O. Beozzo, para os escravos, "não houve na colônia
portuguesa, nada semelhante ao esforço dos jesuítas na catequese do índio",
por mais fraca que esta última se revele ao historiador moderno. Como já foi
dito, a Igreja terminou confiando ao senhor dos escravos a educação religiosa
destes. Isso levou a certa folga, pois os senhores de escravos não eram muito
exigentes: apenas os batizavam e davam-lhes nomes cristãos” (RIBEIRO,
2012, p. 19).

SOARES (2002) em sua pesquisa sobre sincretismo afro-católico dialoga com Roger
Bastide, concluindo que
“...o assim chamado sincretismo resulta de três modalidades de relação:
estrutural, cultural e sociológica. O africano lerá o panteão católico,
transbordante de santos e virgens-marias, a partir da relação entre os orixás
intercessores e Olorum, deixando de lado, no entanto, a ideologia católica do
"sofre aqui para gozar no além" (SOARES, 2002, p. 45).

Portanto, ao menos no início, será a religião africana a purificar o catolicismo quando


aceita o culto aos santos.
Para FERRETTI (1995), o sincretismo religioso é um fenômeno de contato entre
culturas, ainda que rejeite ou preserve as práticas de uma sociedade branca e dominante e
incorporando-as a costumes das camadas marginalizadas, possui um caráter estratégico,
30

função de resistência, acomodação, acordo, adaptação, além das características específicas


de cada casa de candomblé ou de outras religiões afro-brasileiras.
Existe por parte de yalorixás, de alguns filhos de santo ou movimentos essencialistas
ligado às religiões de matriz africana que debatem bastante sobre a questão do sincretismo
religioso dentro dos candomblés uma justificativa para isso, que seria a Umbanda, religião
brasileira sincrética que nasceu a princípio do século XX na cidade de Niterói, Estado do Rio de
Janeiro. Com relação a essa discussão tão delicada e complexa, Theodoro (2008) comenta
que: “Nunes Pereira (1979) já em 1947 negava o sincretismo religioso, procurando provar a
pureza do culto jeje na Casa das Minas‖ (THEODORO, 2008, p. 82).
Embora o fenômeno da ―iorubação‖, tenha se propagado muito mais que outras nações
dentro dos candomblés, é muito importante ressaltar que antes mesmo de chegar os africanos
vindos do Benin e da Nigéria, chegaram os ―bantu‖ que, segundo JUNIOR (2009), era um
grupo numeroso que se dividia em dois subgrupos: angola-congoleses e moçambiques,
oriundos ao que hoje representa Angola, Zaire e Moçambique, correspondestes ao centro-sul
do continente africano, e parte deles se estabeleceram no Recôncavo Baiano.
Sobre esse debate, Makota Valdina, pesquisadora baiana, escritora e praticante do
candomblé, em entrevista ao documentário ―Mojubá‖ organizado pelo projeto ―A Cor da
Cultura‖, enfatizou que os bantus chegaram na Bahia, foram deslocados para o Recôncavo e
tiveram que adaptar seu culto religioso de forma sincrética a partir da relação com elementos
característicos da cultura indígena da região, surgindo assim o chamado Candomblé de
Angola. Segundo PREVITALLI (2012):
“Assim, encontramos os inquices e os espíritos ancestrais (caboclo) no
candomblé angola como os intermediários entre Nzambi e os humanos. Mesmo
sincretizados com os orixás iorubanos, é possível localizar os inquices nas
etnografias da África Central, o que permite compreender seus arquétipos no
Brasil” (PREVITALLI, 2012, p. 11).

FERRETTI (2008) comenta que a prática sincrética se faz presente desde o momento
em que os povos distintos, com seus interesses políticos, comerciais e culturais em particular
se encontraram com as populações indígenas brasileiras:
“O sincretismo parece-nos evidente, no Brasil, pela própria história do país.
Nossos colonizadores portugueses sempre contaram, em seu território, com a
presença de povos de procedências diversas, desde os romanos, na
Antigüidade e através de toda a Idade Média, com os chamados povos
bárbaros, e, depois, com os árabes e judeus, até a época dos descobrimentos.
Fomos formados, depois, com a contribuição das mais diversas culturas,
procedentes do continente africano, que se somaram às numerosas nações
indígenas encontradas em nosso vasto território. Assim o contato entre
múltiplas culturas sempre foi característico de nossa sociedade, embora na
maior parte do tempo, com predomínio da cultura branca dominante”
(FERRETTI, 2008, p. 4).

Além disso, o sincretismo possui uma forte ligação com o processo diaspórico,
considerando no tráfico não somente os diferentes grupos étnicos africanos, mas também os
contatos com os europeus, responsáveis por tão cruel comércio. Por essa razão que GILROY
31

(2001) considera o Atlântico como um espaço de relações estabelecidas dos que foram
protagonistas deste contexto.
BERNARDO (2007), à respeito da diáspora, cita:
“Carnevacci diz: a diáspora de etnias tão diferentes realizou de forma
imprevisível o sentido da palavra de origem grega: “uma inseminação aqui e
acolá, uma fecundação dispersiva, uma disseminação desordenada”. Ainda é o
mesmo autor que complementa: ”a diáspora é a mãe do sincretismo. Desta
forma, esvaziam-se os conceitos de transplantes, aculturação. É outro o
movimento onde permanece um sentido de desordem, de confusão. É um
movimento desejoso e inquieto” (BERNARDO, 2007, p. 5).

E... árduo e doloroso, resultando no processo chamado hibridismo cultural!

III.2 - Hibridismo étnico-cultural


Os terreiros de Candomblé de nação Ketu45 em sua organização possuem uma
hierarquia que deve ser obedecida durante sua prática, estabelecendo critérios rigorosos no
processo de socialização entre a família de santo46. Nos primeiros candomblés na Bahia do
século XIX e XX, as mulheres se destacaram neste processo, de forma organizada buscou-se
adaptar os cultos de África no Brasil, o que conseguiram no coletivo. A partir desse momento
estabeleceram normas e padrões rígidos internos para o funcionamento da religião.
Por essa razão, que quanto mais tempo de iniciado, mais status se tem na religiosidade
e mais acesso terá às questões sagradas dos Orixás, caracterizando também seu poder junto
à comunidade religiosa. As relações sociais são estabelecidas a partir da hierarquia, garantindo
o respeito aos mais velhos, os quais deverão ser tratados como ―os que mais conhecimentos
possuem com relação à religião‖ (LUZ, 2000, p. 423).
LUZ (2000) explica como se dão os laços de aliança entre os iniciados através da
seguinte forma familiar: ―Nagô: Iyalorixá – mãe, Babalorixá – pai, Omo – filho, Ebomi – irmã
mais velha e Iyawo – neófita‖ (LUZ, 2000, p. 423).
Como uma grande família, os tratamentos se darão numa relação entre pais, mães e
filhos, intensificando a socialização e o poder dados pela posição ocupada no ilê axé, conforme
dito anteriormente pelo tempo de iniciado e também pela dedicação aos eventos religiosos
promovidos durante cada ano.
Um fator importante colocado por LUZ (2000) e que chama a atenção quando se trata
do processo de socialização na religiosidade é com relação ao espaço religioso, que a seu ver

[45]
―O Reino Ketu, em sua origem, faz parte do território iorubá, sendo uma das mais antigas descendências de Ile-Ife, sendo o seu
histórico evidenciado nos últimos séculos e está amplamente relacionado com os enfrentamentos com o Daomé‖ (ROCHA LIMA,
2010, p. 29).
[46]
LUZ (2000) explica que ―Os terreiros Nagô tem por norma o fortalecimento de seus membros, para que cada um,
individualmente, e a comunidade, como um todo, cumpram a plenitude de seus destinos. Desde a abiã até a iyalorixá, enfim todos
os membros do egbè sociedade, são considerados irmãos, irmãos de Axé‖ (LUZ, 2000, p. 423). Ele reforça seu argumento através
do pensamento de Vivaldo da Costa LIMA (1977): ―Todos os filhos de uma casa de santo se dizem irmãos de santo e mais
precisamente irmãos de axé. Isto é, filhos do mesmo axé, da mesma casa. Quando as casas são antigas e já conheceram vários
chefes, a distinção se torna mais clara. Irmão de santo é o feito pela mesma mãe de santo. Irmão de axé é o feito no mesmo axé,
por mãos diferentes‖ (LIMA, 1977, p. 71).
32

tem um desenho arquitetônico que atende a complexidade de atuações realizadas pelos filhos
da casa47, incluindo as limitações impostas na realização dos awo48.
A socialização ocorre também a partir dos vínculos institucionais estabelecidos na
comunidade-terreiro através da lavagem de contas que, conforme LUZ (2000), torna o
indivíduo um abiã, isto é, ocupa o primeiro grau na hierarquia comunitária. Na sequência, é
feito um bori, ou seja, adorar a cabeça, uma vez que a vontade do Orixá passa pela anuência
do Ori (cabeça). Finalmente, a iniciação do iyawô49 e o ―Panan, ritual que estabelece a
reintegração da iyawô num novo contexto de sua vida, marcando um novo relacionamento
social com sua nova família‖ (LUZ, 2000, p.424)
Embora iniciado, a nova condição de iyawô além de estabelecer um compromisso com
o Orixá, reforça o respeito à hierarquia, em que para falar com os mais velhos é necessário
baixar, pedir a benção na ordem do mais velho ao mais novo, perguntar antes de tomar
qualquer iniciativa, ter cuidado com os espaços sagrados que não podem ser transitados por
ele, se manter em silêncio em alguns momentos e não interferir em diálogos e conversas
estabelecidas entre seus mais velhos. Tudo isso constitui parte das relações sociais e de poder
postas dentro do axé.
As comunicações interpessoal e em grupo constituem importantes princípios no
processo de transmissão dos conhecimentos, das regras sociais familiares, o que caracteriza
também as relações saber-poder, que funcionam numa dinâmica de ―(...) redistribuição,
circulação e restituição de axé, e, neste sentido, o sacerdote e a sacerdotisa se caracterizam
como um altar vivo, onde está presentificado o assento de seu Orixá‖ (LUZ, 2000, p. 435).
Como vemos, essas mulheres conseguiram estruturar com muito dinamismo uma
religião com elementos africanos, porém, hibridizada por conta dos elementos católicos e
pajelanças indígenas. Isso é um dos elementos da religião que caracterizam como sendo
brasileira. Para manter a reverência aos deuses africanos foi necessário fazer uso de
estratégias que pudesse ludibriar o colonizador, sendo, portanto, uma forma de manter as
tradições ancestrais africanas.
Podemos observar que o hibridismo se encontra presente desde o processo de
transplantação durante a diáspora desses deuses para o território brasileiro, ou seja, uma nova
localização, um novo processo para adaptá-lo e a criação de outras formas para garantir seu
culto, não mais africano e sim afro-brasileiro, constituindo a partir daí parte da cultura brasileira
através da interferência da natureza, da criação de novos símbolos e códigos como forma de
identificação dos grupos religiosos e de suas atuações e resistência, especialmente contra o
preconceito racial e práticas racistas.

[47]
Nem todos os integrantes da família de santo, incluindo os abiãs, têm acesso a todos os lugares sagrados, assim como dos
conhecimentos utilizados em algumas atuações referentes às questões litúrgicas e os valores da tradição, que possuem como
requisito o tempo de iniciado. (Nota do autor)
[48]
―Proibições e segredos referentes a determinadas qualidades do axé, funções e hierarquias‖ (LUZ, 2000, p. 424).
[49]
Esposa do Orixá (Nota do autor).
33

Para entendermos melhor o hibridismo, Canclini (1997) teoriza explicando que


―caracteriza-se como o processo sócio cultural em que as estruturas ou práticas, que existiam
em formas separadas, combinam-se para gerar novas estruturas, objetos e práticas.‖
(CANCLINI, 1997, p. 19).
CANCLINI (1997) aponta que as novas configurações dadas às manifestações, as
novas formas de codificar, a resignificação dos elementos, constituem resultados deste
hibridismo e é neste aspecto que é possível relacionar os estudos do autor com a prática do
Candomblé.
Por outro lado, como nosso objeto de estudo são as mulheres do Candomblé, e por
essa razão, ao tratar da gênese da referida religiosidade, tivemos que falar da mulher africana
e nos remeter ao processo diaspórico africano e tentar visualizá-la em sua altivez, resistência,
dor, saudade e vivacidade a partir do ponto de vista de GILROY (2001), que pontua seus
estudos no oceano Atlântico como espaço geo-histórico, intercultural, de trocas de experiências
e de relações culturais híbridas entre as diversas etnias africanas.
“As culturas do Atlântico negro criaram veículos de consolação através da
mediação do sofrimento. Elas especificam formas estéticas e contra-estéticas e
uma distinta dramaturgia da recordação que caracteristicamente separam a
genealogia da geografia, e o ato de lidar com o de pertencer. Tais culturas da
consolação são significativas em si mesmas” (GILROY, 2001, p. 13).

Ao discutir o hibridismo aplicado à experiência caribenha, HALL (2006) cita o conceito


defendido por Homi BHABHA (1997):
“... momento ambíguo e ansioso de... transição, que acompanha nervosamente
qualquer modo de transformação social, sem a promessa de um fechamento
celebrativo ou transcendência das condições complexas e até conflituosas que
acompanham o processo... [Ele] insiste em exibir... as dissonâncias a serem
atravessadas apesar das relações de proximidade, as disjunções de poder ou
posição a ser contestadas; os valores éticos e estéticos a serem „traduzidos‟,
mas que não transcenderão incólumes os processos de transferência”
(BHABHA Apud HALL, 2003, 75).

Assim como na experiência caribenha, ao observamos os conceitos sobre hibridismo, é


possível identificá-lo na prática do Candomblé, que a construção de sua identidade religiosa
afro-brasileira teve como base as tradições de origem africana que tiveram que ser
construídas, reconstruídas, inventadas e reinventadas e em algumas situações, abandonadas
e recuperadas conforme as circunstâncias e necessidades do momento.
Ao comentar sobre a identidade africana no candomblé, DOMINGOS (2009) explica
que:
“Essa identidade, porém, só pode ser definida a partir de dentro, isso é, a partir
da pessoa que é adepta desta religião. Como já insistimos, a identidade
religiosa afro-brasileira é geralmente contextual, cultural, social, sobretudo,
histórica. Uma possibilidade de acesso a esta identidade é oferecida pela
história da visão do mundo do negro africano. Sem esta não se pode entender
a religiosidade Afro-brasileira” (DOMINGOS, 2009, p. 14).
34

Ainda para o autor, a cosmogonia africana tem a dimensão universal e reforça essa
ideia através do conceito abordado por CAPONE (2004):
“Na verdade, mesmo nos terreiros mais tradicionais de Bahia encontramos
iniciados brancos ou até nisseis [sic]. Identidade „africana‟ está, portanto,
completamente dissociada de toda origem étnica real: é possível ser branco,
louro de olhos azuis e dizer-se „africano‟, por ter sido iniciado em um terreiro
tido como tradicional. O termo “afro-brasileiro” está evidentemente associado à
idéia de uma África legitimadora, berço ideal e único de uma religião que, nos
nossos de hoje, vem se tornando um símbolo de resistência. Mas seria o termo
adequado?” (CAPONE, 2004, p. 48).

E foi através desse processo que a religião conseguiu preservar fiel e dignamente a
história dos seus ancestrais e parte da cultura africana na prática dos rituais. Esses processos
híbridos permitiram abrigar componentes novos que, mesclados aos já existentes, deram
origem à religiosidade afro-brasileira, ou seja, a religião africana na diáspora.
BASTIDE (1960) dirá que:
“O candomblé é mais que uma seita mística, é um verdadeiro pedaço da África
transplantado. Em meio às bananeiras, às buganvílias, às árvores frutíferas, às
figueiras gigantes que trazem em seus ramos os véus esvoaçantes dos Orixás
ou a beira das praias de coqueiros, entre a areia dourada, com suas cabanas
de deuses, suas habitações, o lugar coberto onde à noite os atabaques com
seus toques chamam as divindades ancestrais, com sua confusão de
mulheres, de moças, de homens que trabalham, que cozinham, que oferecem
às mãos sábias dos velhos em suas cabeceiras encarapinhadas para cortar,
com galopadas de crianças seminuas sob o olhar atento das mães enfeitadas
com seus colares litúrgicos, o candomblé evoca bem essa África reproduzida
no solo brasileiro, de novo florescendo. Comportamento sexual, econômico e
religioso formam aqui uma única unidade harmoniosa” (BASTIDE, 1960, p.
312-313).

As atenções se voltam para esse coletivo de mulheres que puderam se organizar e


hibridizar elementos do europeu e do indígena com um objetivo comum, cultuar deuses
africanos. Para compreensão do coletivo dessas mulheres, podemos aplicar a teoria das
representações sociais, desenvolvida por Serge MOSCOVICI, em 1961, representante da
escola psicossocial construtivista francesa e apresentada em ARAUJO (2008) que explica:
“As representações sociais têm um caráter dinâmico e relacional à trajetória do
grupo que a elaborou. Elas são frutos de um processo sempre atuante,
desencadeado pelas ações coletivas dos indivíduos, mas implicam em um
reflexo nas relações estabelecidas dentro e fora do grupo, no encontro com
outros indivíduos ou outros grupos sociais. Como resultante temos que a ação
dos indivíduos é caracterizada pelas representações sociais que seu grupo
elaborou” (ARAUJO, 2008, p. 100).

Vemos então que o imaginário dessas mulheres africanas, a forma de pensar o


individual para depois organizar o coletivo, as levou a novas elaborações dos seus elementos
culturais no novo mundo. Ora, durante o tráfico transatlântico vieram africanos de etnias
distintas e com conhecimentos, crenças e valores étnicos, sociais, culturais, linguagens
totalmente opostos. Por essa razão, o hibridismo se torna uma das alternativas para resistir e
manter as tradições religiosas e culturais africanas frente à imposição do colonizador europeu,
ainda que perdesse parte delas em solo brasileiro.
35

O comportamento das primeiras mulheres interessadas na organização do culto às


divindades africanas e de sua aplicabilidade em terras brasileiras pode ser entendido sob a
perspectiva da representação social.
Possivelmente, a princípio, essas mulheres não estariam preocupadas em criar uma
religião, mas sim garantir, em meio à repressão da sociedade colonizadora do século XIX, o
culto aos seus deuses. Percebemos que o motor dessa força em resistir e manter o sagrado foi
o aspecto social. Neste sentido, GUERRIERO (2012) aponta em sua pesquisa “A atualidade de
teoria da religião de Durkheim e sua aplicabilidade no estudo das novas espiritualidades”, em
que discute a questão da manutenção do sagrado, o autor ressalta a importância da
contribuição da sociologia francesa, nas figuras de Émile Durkheim e Marcel Mauss:
“... de forma decisiva para a constituição do conceito de sagrado e também
para a noção de religião que se fez preponderante durante o século XX. Seu
grande triunfo foi quebrar a visão positivista e evolucionista dominante no final
do século XIX, que atribuía o pensamento mítico e religioso, e por extensão, o
pensamento mágico, ao campo primitivo arcaico a ser substituído, então, pela
verdade cientifica. Ao considerar o sagrado e a religião como construções
sociais; empreendeu uma guinada de pensamento, pois a religião e a magia
não seriam mais vistas como produtos de uma mente primitiva, compreendida
pelo atraso biológico da raça, mas, sim, como elementos do processo de
classificação e de elaboração das representações sociais” (GUERRIERO,
2012, p. 13).

A mulher de Candomblé reforça o sagrado, ela detém o poder que vem da divindade,
que lhe atribuiu o maior e mais prazeroso poder: o de gerar uma vida. É o poder das Iá Mi
Oxorongá, as ―Mães Feiticeiras‖50. É o sagrado e o profano oscilando na vida dessas mulheres
e se fazendo presente no coletivo. É por essa razão que o poder da mulher dentro do axé
também se justifica no religioso, ele se remonta às suas origens, que são as mães ancestrais,
poderosas e temidas por concentrar um grande poder interno, sendo, portanto, cultuadas em
África.
―O sagrado é poder, pois o homem religioso pode mais‖, (GUERRIERO, 2012, p. 18),
talvez por essa razão que essas mulheres de santo seguem sendo os ícones de resistência da
religiosidade afro-brasileira. Seu papel de sacerdotisa, mãe, educadora e conselheira traduz
sua força para resolver as diversas situações e problemas que podem surgir dentro da religião.
Sua experiência e sabedoria traduzem seu comportamento amável em alguns momentos,
porém austero em outros, dependendo das circunstâncias que se apresente o problema.
Embutidos dos processos híbridos, os ilês axés espalhados pelo Brasil, tendo à frente
mulheres negras, brancas, pardas e indígenas, vão se adaptando conforme as realidades
vivenciadas por essas senhoras do segredo que continuam cumprindo com o compromisso de
lutar contra os preconceitos, a intolerância religiosa e a questão racial.
[50]
Com relação a esse argumento, SANTOS comenta que seu artigo ―Iá Mi Oxorongá: As Mães Ancestrais e o Poder Feminino na
religião africana‖ procurou ―(...) estabelecer entre a figura mítica das Iá Mi Oxorongá e o poder feminino na religião africana e no
Candomblé. Interessa afirmar que as formas como a religião africana e afro-brasileira resignificam o papel da mulher na sociedade
podem ser elementos de formação da consciência em um ambiente social machista. O conhecimento desses elementos
mitológicos ou religiosos somados às experiências cotidianas das mulheres nos dois continentes pode trazer a valorização do ser
feminino e sua ação, essencial para a proteção da vida e as relações comunitárias‖ (SANTOS, 2008, p. 10).
36

A necessidade de construir, adaptar, retomar, representa a sua força em oposição aos


que pretendem eliminar sua religiosidade, tendo como poderoso instrumento a oralidade e a
experiência que vai sendo repassada através de sua história de vida para as novas gerações.
A força dessas mulheres vem se estendendo além dos barracões onde acontecem os
rituais e cultos aos deuses, pois seu poder político possibilitou articulações importantes para as
comunidades localizadas no entorno dos ilês, como criação de escolas dentro dos espaços
sagrados com modelos pedagógicos afrocentrados, visibilidade às comunidades religiosas de
matriz africana em termos legislativos garantindo o respeito à liberdade de cultos, aos
símbolos, representações e signos da cultura afro-brasileira, assim como recursos para
manutenção dos ilês como patrimônio cultural em alguns estados brasileiros.
Paralelo ao poder político, elas garantem o poder social dando direcionamento a
programas contra a violência da mulher, implementando programas de promoção à saúde da
comunidade religiosa e à educação de terreiros. Seu poder cultural reside no campo de
atuação delas em si mesmo quando administram as casas de axé, orientando os filhos de
santo sobre a importância de manutenção das tradições africanas através da oralidade, na
preparação dos rituais iniciatórios e cultos aos deuses e no exercício educativo de respeitar os
mais velhos no processo hierárquico religioso.
37

Capítulo IV – NI AÍYÉ ÒNÍ: A fala das mulheres guerreiras


IV.1 - A história oral e a observação participante no Ilê: entendendo o empoderamento
feminino
A investigação teve como base uma metodologia que busca por meio de um
levantamento bibliográfico, da pesquisa de campo, assim como a utilização da história oral e da
técnica conhecida como observação participante, sistematizar os relatos de cinco mulheres, as
quais foram identificadas pelo pseudônimo de Ayana, Bunmi, Dara, Etuhole e Titilayo51 para
logo serem analisados, buscando assim, atender os objetivos da pesquisa.
Assim sendo, o levantamento bibliográfico foi fundamental para o estudo, perpassando
por toda a elaboração deste trabalho, com o propósito de compreender e explicar a realidade
estudada. A pesquisa de campo foi realizada no Ile Asé Orainian, localizado no município de
Maricá, Estado do Rio de Janeiro. Segundo GONSALVES (2001):
“A pesquisa de campo é o tipo de pesquisa que pretende buscar a informação
diretamente com a população pesquisada. Ela exige do pesquisador um
encontro mais direto. Nesse caso, o pesquisador precisa ir ao espaço onde o
fenômeno ocorre, ou ocorreu e reunir um conjunto de informações a serem
documentadas [...]”(GONSALVES, 2001, p. 67).

Numa primeira pesquisa de campo, realizada em março de 2012, foi feito o primeiro
contato com as autoridades religiosas da casa pertencente à nação keto. Era festa do orixá
Oxalá, deus africano da criação, senhor do ar e pai de todos os orixás na cosmologia yorubá.
As águas de Oxalá, segundo relato de dona Ayana, ebômi, pois com 45 anos de dedicação ao
Candomblé já possui o status de sênior na hierarquia religiosa, são assim explicadas por dona
Ayana:
“É uma festa muito representativa para nossa religião, pois significa a volta do
52
nosso pai Oxalá para casa depois da prisão. Existem vários itans de Oxalá, o
das águas é porque quando ele ia visitar seu filho Xangô, encontrou Exú, que
muito trapaçeiro, enganou Oxalá três vezes, sujando as roupas brancas do pai
de dendê, carvão e vinho de palma. Muito sujo e cansado, seguiu caminhando
até o reino de seu filho Xangô, mas quando chega perto, os soldados do rei do
trovão prendem o velhinho e ele fica preso por sete anos. Isso foi muito mal,
porque todo o reino ficou em miséria, seca e as mulheres não pariam, tudo isso
castigo. Por isso, Xangô consultou um babalaô que jogou e viu que tudo aquilo
acontecia porque Oxalá tava preso. Vendo que errou, o rei foi até a prisão e
carregou Oxalá nas costas, mandou escolherem a melhor roupa e outros
tinham que buscar água no lago quase seco pra lavar o pai dos Orixás,
fazendo uma festa para ele. Tudo mudou e voltou a saúde, prosperidade e
fertilidade para o povo”.(Contada por Mãe Ayana dado em março de 2012 às
08h).

Depois de assistir ao xirê53 e após o jantar oferecido aos convidados, o pai de santo de
nome de Amiri de Xangô deu atenção a todos, pedindo para os interessados procurá-lo após o

[51]
Ayana significa ―flor bonita‖ (Yoruba da Nigéria), Bunmi significa ―meu presente‖, Dara significa ―bonita‖ (bermudian), Etuhole
significa ―o Deus nos ama‖ (Oshiwambo da Gana) e Titilayo significa ―felicidade eterna‖ (yorubá da Nigéria). Disponível em <
http://dicionariosvarios.blogspot.com.br/2009/06/significado-dos-nomes-proprios.html > Acesso em: 16 jul. 2014
[52]
Em yorubá significa história. (Nota do autor)
[53]
―Representa um momento de liberdade, porque essa é uma reinvenção que, desde o seu primeiro instante, reorganiza as
relações sociais na qual a escravidão não está presente. Este é um processo de recomposição social que se materializa
espacialmente, no Candomblé, palavra de origem Banta que significa festa‖ (VIEIRA DA SILVA, 2010, p. 10).
38

ajeum54. Assim foi feito o contato inicial com a casa. Não foi fácil porque muitos terreiros de
Candomblé não querem permitir pesquisadores no espaço religioso, já que a curiosidade,
segundo o pai de santo, tem exposto de forma inadequada os rituais sagrados, pois violaram
alguns awós55, restritos somente para iniciados. Sob uma condição de respeitar os segredos,
não adentrar espaços de acesso restrito e algumas obrigações, foi concedida uma visita em
outro dia de função religiosa.
Retornei na segunda quinzena de abril de 2012 e por volta das 9h estava eu à frente do
axé, aguardando um dos filhos de santo da casa abrir o portão. Não demorou muito, uma
jovem negra de nome Etuhole, de vinte e dois anos, iniciada para o orixá Nanã, estava dando
as boas vindas e solicitando que aguardasse alguns minutos que o zelador viria conversar
comigo. Já se notava um movimento na casa, pois era sábado e à noite daquele dia ia
acontecer o xirê de Oxóssi, senhor africano da caça. Após 30 minutos, o senhor Amiri de
Xangô me recebeu e então houve uma breve apresentação, na sequência mostrou alguns
espaços do ilê, em especial os “quartos de santo”, lugar sagrado onde ficam os símbolos de
cada deus ou deusa do panteão yorubá. Depois do tour pela casa, pediu licença para seguir
com as obrigações, me deixando à vontade. Lembrando que o ―deixar à vontade‖ em um
terreiro de candomblé não significa que o visitante fique olhando o tempo passar enquanto os
filhos da casa trabalham, ao contrário, você deve se prontificar a colaborar com alguma tarefa,
pois trabalho é o que não falta.
Intimidado, procurei um filho de santo mais velho para orientar como proceder na casa,
então pediu para eu tomar um banho de ervas, pôr uma roupa de ração56 no quarto dos
homens e me encaminhar ao corredor onde ficam os balcões de limpeza de bichos, as pias
para lavar louças e o depósito onde são guardados os materiais e objetos de limpeza.
Praticamente fiquei todo o dia observando o movimento e a correria dos filhos de santo, porém
sem envolvimento nenhum com funções religiosas, apenas com tarefas de limpeza. Após a
realização das obrigações religiosas, novas tarefas foram designadas, entre elas: preparação
do ajeum para oferecer aos convidados, limpeza e ornamentação do barracão, organização da
cozinha, lavagem e higienização dos banheiros sociais, arrumação de toda a casa e asseio do
beco ou corredor das pias e depósito. Tudo deve ser feito com muito esmero, isso é um
requisito muito exigido pelo zelador de santo. Ainda que algumas tarefas sejam comuns ao
cotidiano das pessoas, sempre aparece um ―irmão mais velho‖ para ensinar como deve ser
feito de acordo aos preceitos religiosos praticados pela comunidade.
Por volta das 16h todos são convidados para a cerimônia do padê ou ipadê, cerimônia
interna dedicada ao orixá Exú. A explicação dada para a função religiosa por alguns irmãos de

[54]
Banquete em yorubá (Nota do autor).
[55]
Segredos (Nota de autor).
[56]
Roupa branca (camiseta e calça) simples (Nota de autor).
39

santo é por conta da necessidade de invocar o deus mensageiro na proteção da casa durante
a festa. Para MACHADO (2010):
“É o momento de encontro entre o passado, o presente e o devir, devotado a
Exu, elemento dinâmico, propiciador da comunicação entre os seres humanos
e as diferentes dimensões cósmicas. Padê ou ipadê remete às percepções
pessoais e coletivas numa lógica plural de sentidos regidos por memórias da
comunidade. É um ritual que dá significado às relações peculiares entre as
entidades de todos os mundos, e de Exu com a comunidade. É um ritual
interno, com a finalidade de reiterar o respeito e a consideração pelos
incontáveis serviços que Exu presta à comunidade e a cada um, em particular”
(MACHADO, 2010, p. 10).

Às 19h, a assistência estava cheia de visitantes sentados à espera do xirê, que


começou às 20h com os ogãs57 tocando os atabaques e cantando as rezas. A roda é feita com
o mais velho à frente e fecha com os mais novos chamados de abians58. O soar dos
instrumentos musicais tocam de Ogum à Oxalá, todos os orixás são reverenciados com rezas
específicas para cada um deles. Logo em seguida, todos se afastam e ficam nos cantos do
barracão para dar espaço ao orixá que vai vir para a comemoração organizada pelos homens.
O toque dos atabaques, as cantigas e palmas e os gritos de ―Okê Arô‖ (autoridade, o rei que
fala mais alto), então o rei de Ketu chega para dançar. Muita alegria toma conta do barracão e
outros orixás vão chegando para participar da festa, principalmente aqueles que possuem um
enredo59 com o orixá que está sendo reverenciado, a exemplo de Oxum (esposa), e Exú e
Ogum (irmãos) de Oxóssi.
Terminada a festa, toda a assistência é convidada para o ajeum, ou seja, o banquete,
onde são oferecidas as comidas elaboradas de acordo com a natureza da divindade, assim nos
explica MASCARIN (2013): ―A busca pela preparação do alimento sagrado da forma como o
orixá aprecia, é a busca da proximidade com esses deuses. Ademais, se não for alimento que
o orixá aprova, será considerado alimento profano para aquele ritual‖ (MASCARIN, 2013, p. 2).
Por outro lado, LODY (1992: p. 54) faz o seguinte comentário:
“Entender da comida, decodificar cada ingrediente, oferecer, provar, nutrir, são
alguns dos caminhos que o candomblé segue na aliança permanente com a
ação de alimentar, fortalecer e manter vivos deuses e homens. Essa
preocupação está nos planos do sagrado e do humano. O candomblé é um
bom lugar onde se comer. Santo também come, e muito – uma variedade de
pratos, incluindo cardápios elaborados, diferentes, sofisticados. O importante
não é apenas saber preparar os alimentos, mas organizá-lo em utensílios de
barro, louça e madeira. Cada comida diz a intenção dos deuses, mostrando
preferências e proibições” (LODY, 1992, p. 54).

Depois deste momento de compartilhar o alimento do orixá principal da festa, termina o


social do Candomblé, porém para os filhos de santo ainda não, pois antes de todos se
recolherem aos quartos para dormir, é importante adiantar o serviço de limpeza, já que no

[57]
―São protetores do candomblé, com a função especial, e exterior à religião, de lhe emprestar prestígio e lhe fornecer dinheiro
para as cerimônias sagradas‖ (CARNEIRO, 2008, p. 120).
[58]
―Estas não pertencem ainda, realmente, ao candomblé. Estão num estágio anterior à iniciação, tendo concorrido somente os
ritos parciais. São uma reserva de efetivos, do potencial humano para os candomblés de amanhã‖ (CARNEIRO, 2008, p.123-124).
[59]
―O enredo organiza-se de acordo com um modelo hierárquico, dominado pelo orixá principal, Olórí, este mesmo que se vai
manifestar na cabeça de seu filho, e dançar no meio do barracão‖ (AUGRAS, 1986, p. 194).
40

outro dia é o retorno de cada um para sua casa e por essa razão algumas tarefas são
adiantadas e é preciso deixar o ilê organizado e limpo, além disso, carnes e alimentos também
são divididos entre os irmãos.
É importante destacar que existem duas cozinhas no ilê, sendo a cozinha de branco,
onde são preparadas as refeições pelas mulheres para os filhos da casa durante os dias que
estiverem cumprindo as obrigações religiosas e a outra é a cozinha de axé, onde os alimentos
sagrados devem ser preparados com muito cuidado e para isso existe um cargo na hierarquia
da religião que corresponde a Iyabassé, ou seja aquela que é responsável pelo preparo dos
alimentos sagrados, não podendo haver falhas, pois serão oferecidos aos orixás
reverenciados. O acesso à cozinha de axé é restrito, em alguns casos, yaôs com menos de
sete anos e abians não têm acesso ao espaço.
Ainda na pesquisa de campo, foi muito importante utilizar a observação participante,
pois contribuiu bastante na compreensão parcial do que ocorre naquele ilê, em especial às
mulheres e sua atuação nas tarefas sociais e religiosas. Interessante salientar que o
conhecimento parcial aqui descrito é por conta de que a cada dia acontece alguma situação
diferente das outras vivenciadas anteriormente.
Sendo uma técnica utilizada na pesquisa qualitativa em que o pesquisador se insere no
meio do grupo observado, interagindo por determinados e longos períodos com o sujeito
pesquisado, sendo parte dele e sentindo o verdadeiro significado de estar junto da comunidade
ou do grupo social, analisando a realidade social, considerando as tensões e conflitos, assim
como as mudanças, a observação participante permitiu a interação com as pessoas e o
convívio durante um ano com as mulheres do axé possibilitou um aprendizado interessante do
Candomblé e entender seus anseios, suas perspectivas futuras, sua luta, constituindo assim
parte da história de vida delas.
Entretanto, para ter acesso à história de vida das mulheres, particularmente cinco delas,
se fez necessário manusear alguns dos conceitos da história oral, uma vez que as informações
das mulheres do Ilê Asé Orainian foram coletadas através da oralidade. Ao tratar dessa
temática, HAGUETTE (1987) comenta que a história oral pode ser sintetizada com alguns
pontos fundamentais:
“a) A História Oral é uma técnica de coleta de dados com base no relato oral,
gravado, obtido através da interação entre o especialista e o entrevistado, ator
social ou testemunha dos acontecimentos relevantes para a compreensão da
sociedade; b) a História Oral tem a finalidade de preencher os vazios existentes
nos documentos escritos e assim, prestar serviços à comunidade científica
através da socialização de seu produto; c) a História Oral é interdisciplinar,
interessando a História, a Sociologia, a Antropologia, a ciência política e
mesmo ao periodismo; d) ainda que caracterizada como uma técnica, ela não
despreza a teoria que informa o objeto a ser reconstituído; e) como instrumento
de captação de dados ela sofre de algumas limitações comuns aos outros
instrumentos de coleta” (HAGUETTE, 1987, p. 83).
41

A partir disto, é importante considerar que como relato de uma pessoa, integrante de
uma religião de matriz africana, ou seja, do Candomblé, a investigação também tem como base
a história de vida das mulheres, que para CHIZOTTI (1991) é um instrumento de pesquisa que
valoriza a obtenção das informações contidas na vida de uma ou de várias pessoas e pode ter
uma forma literária tradicional como memórias, crônicas ou relatos de homens ilustres que, por
si mesmos ou por encomenda própria ou de terceiros, relatam os fatos vividos pela pessoa.
As formas novas valorizam a oralidade, as vidas ocultas, o testemunho vivo das épocas
ou períodos históricos, que podem ter forma autobiográfica, onde o autor relata suas
percepções pessoais, os sentimentos íntimos que marcaram sua experiência, os
acontecimentos vividos no contexto de sua trajetória de vida. Pode ser um discurso livre de
percepções subjetivas ou recorrer às fontes documentais para fundamentar as afirmações e
relatos pessoais (CHIZOTTI, 1991).
Finalmente, a segunda parte da pesquisa de campo é a história de cinco mulheres do
axé, constituindo assim, parte principal da investigação, uma vez que elas representam as
protagonistas do processo pelo qual se busca entender se existe de fato uma visibilidade
religiosa e invisibilidade social.

IV.2 - O Ile Asè Orainian: lócus do poder dos deuses e humanos


Tratando da fisionomia da casa de Candomblé onde as mulheres foram pesquisadas,
destacamos uma casa de alvenaria, onde fica erguido um barracão com piso de cerâmica
destinado à realização das cerimônias; no centro do espaço uma haste com a cumeeira da
casa onde ficam os elementos simbólicos do orixá Oxóssi. A partir da entrada que dá acesso
ao barracão, ao lado direito fica o ibô, ou o lugar onde se cultua os ancestrais e baba eguns,
um espaço restrito aos antigos na religião. Na sequência ao lado do portão, estão Exú e Ogum
de fora, porque os dois também possuem seus próprios quartos. À volta, pelo lado direito,
temos os quartos dos deuses da nação Jejê, a destacar: Nanã, Omulú, Ossain e Oxumaré,
entretanto, encontramos um assentamento do orixá Omulú fora do quarto.
Ainda considerando a entrada como referência, vemos ao lado esquerdo o quarto de
Oxóssi. Adentrando o espaço, temos os quartos das Yabás (Yansã, Yemanjá, Oxum, Yewá)
muito bem decorado caracterizando através das roupas e cores de forma individualizada cada
orixá feminino, entretanto, o grande deus do trovão, Xangô vive com elas e divide o mesmo
espaço. Dentro do quarto de santo descrito, tem uma porta arquitetonicamente discreta que dá
acesso ao quarto de axé, camarinha ou roncó, destinado às funções de recolhimento, iniciação
e algumas vezes para desfazer o santo dos filhos rodantes. Ali é como se fosse a região
uterina de uma mulher, porque a partir das funções religiosas feitas no espaço a pessoa entra
de um jeito e nasce para a religião de outro.
42

Mais à frente fica o quarto dos orixás funfun, ou seja, orixás de branco, neste caso,
Oxalá, Oxaguiã, Odudua e Obatalá. Tudo é branco no espaço, além das cerâmicas, da pintura
da parede, também o são o peji, as louças, as cadeiras, o pilão, o apaxorô e assim por diante.
O espaço não muito grande abrange a cozinha de branco, onde é feita as alimentações diárias
dos filhos da casa e a cozinha de axé, destinada à feitura das comidas dos orixás, um espaço
com entrada restrita. Além disso, os quartos coletivos devidamente separados para homens e
mulheres com banheiro coletivo, necessários por conta dos dias de funções e cerimônias
religiosas, para o descanso dos filhos e filhas da casa.
Às senhoras mais antigas destina-se um pequeno quarto com seus armários e camas,
diferentemente aos quartos coletivos onde os filhos e filhas dormem em esteiras ou
colchonetes, assim como o pai de santo tem seu espaço privativo. A alguns metros do fundo da
casa, fica Iroko, o orixá muito bem cuidado e identificado com um laço branco em volto à árvore
que é sua morada. É um orixá da ancestralidade e por essa razão a árvore velha justifica o
tempo de sua existência, e isso é status também.
O terreiro ocupa várias finalidades, dependendo das atividades religiosas desenvolvidas
no espaço, e por essa razão, em alguns momentos serve de casa, outras situações a exemplo
das funções e cerimônias é um templo. Conforme a disponibilidade de cada filho de santo, a
dedicação oscila durante a semana, exceto quando as funções religiosas mais importantes da
casa exigem um tempo maior dos iniciados. É uma dinâmica de ocupação do espaço
interessante, especialmente por que é dividido com os deuses. É comum em dias de
cerimônias religiosas, as atividades transcorrerem de forma natural e em meio a essa situação
um filho receber determinado orixá que tenha a ver com o momento ritualístico, funcional ou
litúrgico. Então, temos deuses e humanos dividindo um lugar de poder.
Além disso, o terreiro é um espaço de socialização entre os filhos de santo, respeitando
o processo hierárquico, bem como as relações se intensificam com o pai de santo, que detendo
o poder da administração e das questões espirituais da casa, detém certa atenção por parte de
seus filhos iniciados e abiãns. Apesar de que nas relações de gênero as coisas possuem um
encaminhamento centrado, nem tudo é tranquilo, em alguns momentos algumas situações se
tornam tensas, precisando fazer uso da maturidade para uma tomada de decisão sábia diante
de qualquer conflito. As relações do pai de santo com as mulheres são de respeito, até porque
têm várias senhoras com muitos anos de iniciadas e com muita idade, é muito comum ele
requisitá-las para algumas decisões acerca das questões litúrgicas e ritualísticas.
A condição de abiãn permitiu com que na pesquisa pudesse observar tais relações, pois
viver o cotidiano de uma casa de candomblé é aceitar o desafio de saber falar e calar no
momento certo, agir com precisão em momentos de muitas tarefas, observar e repetir para
estar preparado quando for requisitado em qualquer situação, seja ela o fato de fazer coro nas
43

festas religiosas, acompanhando as rezas. Cada erro, incerteza, raiva ou equívoco constitui um
espaço para refletir sobre a sua inserção na religião. Tudo é um aprendizado contínuo!

IV.3 - Mulheres do Axé: Entre Orins60, àdurà61, ofos62 e oríkìs63


“E kú àbò
Arákùnrin mi
Ki gbogbo òrìsa fún e I‟áyò
Ire ó”
(Yorubá)

“Seja bem vindo


meu irmão
que todos os orixás tragam
boa sorte”

A sequência da pesquisa de campo ou segunda parte, após oito meses de adaptação e


convívio com a comunidade religiosa, você tem a possibilidade de observar o comportamento,
tendências e preferências das pessoas. Embora a condição de pesquisador exija que
tenhamos um comportamento de neutralidade, você se aproxima daquelas pessoas que possui
afinidade, ainda que tenha que interagir com todos os ―irmãos‖ que integram a comunidade do
terreiro. As cinco mulheres das quais adotamos nomes yorubás como forma de resguardar
suas identidades, fazem parte desse grupo do qual estive sempre ao lado, observando,
interrogando e aprendendo sobre o candomblé, Ayana, Bunmi, Dara, Etuhole e Titilayo foram
as mulheres que pude compartilhar momentos de grande aprendizado. Virtudes como
dedicação, esforço, sabedoria, paciência e amor aos deuses e ao próximo faziam parte dos
finais de semana em que nos encontrávamos para cumprir com as funções religiosas da casa e
aproveitar um pouco do tempo restante para escutar as histórias de cada uma dessas
mulheres magníficas.

IV.3.1 - Mãe Ayana: o encontro da mãe dos ventos e o senhor da caça


Mãe Ayana, uma senhora ―ebômi‖, pois possui quase meio século de dedicação aos
orixás, é viúva, vive sozinha, mas tem dois filhos e três netos, mora no subúrbio do Rio de
Janeiro, é costureira e geralmente suas ―encomendas‖ de costura são para fazer roupas dos
orixás, ou seja, atende uma demanda própria da religião. Aos setenta e cinco anos de idade,
possui uma aposentadoria de um salário mínimo que, segundo ela, ajuda um pouco nas
despesas econômicas da casa. Não teve oportunidade de estudar, pois casou cedo e por conta
de ser muito doente quando jovem, sua mãe teve que levá-la a um terreiro de candomblé e

[60]
Cânticos. (Tradução feita por Mãe Ayana)
[61]
Rezas. (Tradução feita por Mãe Ayana)
[62]
Encantamentos (Tradução feita por Mãe Ayana)
[63]
Louvações (Tradução feita por Mãe Ayana)
44

deixá-la sob os cuidados dos orixás. A partir daí, sua vida foi de dedicação aos filhos e aos
deuses:
“Filho, não decidi nada da minha vida, uma infância pobre e sem ter as
condição nem para a comida. Era nova e doente, minha mãe não queria me
levar ao terreiro, mais não teve jeito, ela teve que pedir para o pai de santo me
cuidar, estava muito mal. Fui uma abiã muito rebelde, demorei a obedecer as
normas, apanhei muito dos orixás, porque eu queria sair, queria dançar, ir para
o carnaval e tinha que ficar presa naquele terreiro. Eu passava mais tempo
virada no erê do que eu mesma. Conheci meu marido no candomblé, foi daí
que casei e tive dois filho, meu casamento não foi fácil, o homem era difícil e
aprontava muito, foi uma vida dura para uma mulher negra e de candomblé.
Como você pode ver até hoje minha vida é de sacrifício. Ando muito cansada,
foi anos de dedicação e cuidado aos orixás, principalmente Oxossi e Yansã,
donos da minha cabeça. As vezes brigo com os orixás e pergunto sobre minha
vida cheia dificuldade, a vida dos meus filho que é cheia de problema. As vezes
penso que os deuses não tem nada a ver com isso, a gente vive nesse lugar
cheio de coisa ruim. Oxóssi coloca pessoas no meu caminho para me ajudar e
Yansã me dá trabalho, aparece costura e ganho um dinheirinho. Estou com
muito problema com meu irmão carnal, a gente divide o barraco, que era do
nosso pai, ele tomou uma parte e me deixou com a outra parte que está
caindo. Fazer o que né? É o que eu tenho. Tenho vontade de ir passar um
tempo em Santos, meu filho mora lá” (Depoimento de Mãe Ayana dado no dia
17/05/2012 às 08h).

No convívio com Mãe Ayana percebi sua dedicação às obrigações e funções religiosas,
o interesse por fazer as costuras com qualidade e respeitando os gostos dos deuses, pois
todas as festas são organizadas de acordo com o simbolismo particular de cada orixá, ou seja,
comidas, rezas, horários, cores e até seus quartos. É um envolvimento muito intenso e exige
um planejamento para cada festa organizada. Por essa razão, a senhora Ayana fica sempre
responsável pelas costuras, trabalhar de forma artesanal os tecidos combinando as cores
específicas de cada deus ou deusa. Ao falar um pouco de sua história de vida na religião
comentando que “... passava mais tempo virada no erê do que eu mesma”, quer dizer que
por conta de sua desobediência às normas de conduta do terreiro que frequentava, passava
mais tempo em transe do que sendo ela mesma, uma forma de controle sobre os filhos de
santo que resistem às condições estabelecidas dentro do Candomblé. A expressão virada no
erê, quer dizer, seu orixá criança manifestado através de um fenômeno chamado de
possessão64.
Ao perguntar sobre a fala em que ela se posiciona “As vezes brigo com os orixás e
pergunto sobre minha vida cheia dificuldades, a vida dos meus filhos que é cheia de
problemas. As vezes penso que os deuses não tem nada a ver com isso, a gente é
humano e vive nesse lugar cheio de coisa ruim”, me disse: “brigo principalmente com

[64]
O momento da possessão cristaliza todas essas vivências aparentemente antagônicas. Viagem longe de si e dentro de si, que
constitui o cerne da experiência mística. (AUGRAS, 1986) (...) ―a possessão pelo orixá' é vivenciada, em nível de comunidade
religiosa - e tudo só pode acontecer dentro, para e pela comunidade — como fenômeno essencialmente comunicativo, onde os
aspectos gestuais e não-verbais são, de longe, os mais importantes, acompanhando-se de intenso envolvimento emocional. Nesse
ponto, a manifestação da identidade mítica parece situar-se, antes de mais nada, no domínio da corporeidade. Poder-se-ia supor,
portanto, que muitas das interpretações patologizantes do transe, em termos de cisão da personalidade, não expressariam apenas
visão monolítica do "eu", como também estariam implicitamente apoiadas na velha e clássica oposição entre mente e corpo,
encontrada ao longo da tradição psicológica, mas até hoje muito pouco esclarecida‖ (FEIGL, 1977 apud AUGRAS, 1986, p. 19).
45

Oxóssi e cobro dele uma posição sobre minha vida de luta e sacrifício, pois me dediquei
tantos anos à ele” (Mãe Ayana: Maio/2012).
Como pesquisador e de certa forma entendendo um pouco da religião e sabendo
através das leituras e dos diálogos com os filhos de santo que a relação com o orixá deve ser
de devoção, respeito e temor, insisti na pergunta um pouco sobressaltado: ―Como a senhora
tem coragem de brigar com Oxóssi?‖ Prontamente respondeu: “coragem sempre tenho e ele
como dono da minha cabeça tinha que oferecer agora na minha velhice uma vida mais
calma, tô bem cansada” (Mãe Ayana: Maio/2012).
Com base no seu depoimento feito no dia 17/05/2012, comecei a questionar sobre a
vida de mulheres negras e da vida dura que elas levam no dia a dia, lembrando também que o
candomblé as coloca numa posição alta através de cargos importantes dentro da religião. Mãe
Ayana falou que:
“Escutei que muito tempo atrás minha familia sofreram muita perseguição das
autoridades, a polícia acabava com tudo nos terreiros, quebrava tudo, a festa
virava um inferno. As coisas do negro era tudo levada pela polícia. Eu não falo
pra ninguem que sou do santo, não saio de macumbeira por ai, não gosto
mesmo. Já fui xingada de feiticeira ou bruxa várias vezes, as pessoa não
entende quem é de santo. Tenho oito filho de santo, pois sou mãe pequena e
agora tem mais uma que vai se iniciar, já falei pra o pai de santo é a última, não
quero mais, porque cansa bastante ter filho pequeno de santo. Sei que sou
negra, pobre, macumbeira e sou uma mulher viúva e tenho dois filho, sofri
muito em casa porque o homem achava que eu devia só cuidar dele e dos filho
e eu naquele tempo queria fazer outras coisa, sei lá, eu costurava. Eu acho que
a mulher negra não tem muito valor não, é uma vida de luta, aqui mesmo onde
tenho meu barraco, muitas das mulher negra são sozinha e cria seus filho sem
pai, trabalham na casa de família, ganham pouco dinheiro. Somo guerreira
como as deusa, por isso minha mãe Yansã é minha vida” (Depoimento de Mãe
Ayana dado no dia 20/05/2012, às 13h).

Através do depoimento de Mãe Ayana, lembrei que nas festas de santo ela trabalhava
muito, além da costura, auxiliando seja na cozinha de axé ou na cozinha de branco, nos dias
de Osé, que é o dia de limpeza de todo o ilê, exigindo um número grande de filhos por conta da
quantidade de tarefas para fazer. Nesse dia, é possível que as pessoas tenham que sair várias
vezes do axé, porque sempre falta alguma coisa para limpeza ou terminar o almoço, então ir ao
mercado continuamente é comum. Quando chamavam Mãe Ayana para ir junto, ela não ia ou
então trocava as roupas brancas por coloridas e daí sim acompanhava os filhos de santo. De
fato, as pessoas que são de religiões de matriz africana sofrem muito com a intolerância
religiosa em todo o Brasil, e acredito ser esse o receio da mãe pequena de assumir a religião,
já que ela mesma relata que passou por situações constrangedoras. Ela concebe a mulher
negra como invisível e assinala vários fatores que contribuem para essa invisibilidade, seja o
racismo, o sexismo ou a condição social. Através do seu convívio social percebe no entorno a
realidade vivida pela mulher negra.
46

Sendo yakekerê65 de oito filhos de santo e mais uma abiãn que vai se iniciar, ela parece
resistir a não assumir mais essa responsabilidade, já que é um compromisso muito grande
cuidar de filhos de santo recolhidos em processo iniciático. Geralmente, dependendo da
determinação do orixá, o recolhimento no quarto de axé pode variar de dias a meses. Nesse
período, o yaô recolhido deve ser cuidado pelos irmãos já iniciados e pelo responsável, neste
caso, sua yakekerê. A alimentação sagrada, os banhos diários de ervas, as roupas de ração,
lençóis e toalhas que devem ser muito bem limpos e trocados, todas as tarefas ficam sob os
cuidados dos que estão fora do roncó66.
Observar Mãe Ayana é um grande aprendizado, muito franzina, esbelta, alerta sempre
que filhos de Oxóssi não podem engordar, até porque ele é um orixá magro, gasta muita
energia caçando, correndo atrás do alimento para casa. Como é uma mulher que dá santo com
Oxóssi e Yansã, carrega consigo arquétipos desses dois deuses, uma hora é perspicaz, atenta,
desconfiada para partir ao ataque, então aí temos Odé. Em outros momentos é zangada, briga
com seus deuses e explode, ou seja, estamos vendo Oyá, ainda que ela sempre insista em
dizer que o deus da caça é bem mais presente por ser o dono do seu Orí.

IV.3.2 - Bunmi: Odô Yá Yéyé Omo Ejá, Senhora dos Egba


Bunmi tem trinta e cinco anos, é graduada em História, é casada e possui dois filhos,
seu esposo é um motorista de repartição pública, vivem em casa própria que está localizada na
Freguesia, zona oeste do Rio de Janeiro. Como funcionária pública do Estado, mulher branca
de olhos azuis e longos cabelos claros, possui um ótimo salário equivalente a cinco salários
mínimos, o que garante um ótimo padrão de vida, como ela mesma comenta:
“Levo uma vida tranquila, tenho uma família equilibrada. Sou apenas graduada
em História pela UNIRIO e me formei no ano de 2005. Depois disso, fui cuidar
dos filhos, mas tinha uma meta, estudar muito para um concurso público, pois
queria melhorar nossa vida. Apesar de meus pais deixarem alguns bens, isso
ajudou muito a organizar minha vida e dos meus irmãos. Mesmo assim em
2007 aprovei no concurso público de um órgão da justiça do estado do Rio de
Janeiro e passei a ter meu salário. Foi muito bom, irmão! Hoje temos uma vida
muito boa e temos dado aos nossos dois filhos educação, saúde, lazer e
alimentação. Como você mesmo pode ver, eles estão com uma saúde de ferro”
(Depoimento de Bunmi no dia 19/05/2012, às 23h).

Com treze anos de iniciada, ela é equede, filha de Yemanjá e possui o cargo de
Iyarubá67, entrou no candomblé porque a mãe já era iniciada e frequentava com muita
regularidade e hoje toda a família pertence à religião. O esposo é ogã de Xangô, os filhos são
adoxú68, sendo o mais velho de 12 anos do orixá Oxumaré e o mais novo de 10 anos,
pertencente a Ossain. O cargo que possui faz com que seja uma mulher respeitada por todos

[65]
Palavra yorubá que significa mãe pequena. (Nota do autor).
[66]
Quarto de santo ou camarinha. (Nota do autor).
[67]
Aquela que carrega a esteira para o iniciando. E usa toalha de Orixá no ombro. Disponível em <
http://ocandomble.wordpress.com/ > Acesso em: 15 abr. 2014.
[68]
―O adoxu é posto no topo da cabeça, sendo ainda acrescido de uma pena de galinha d’angola. O adoxu sacraliza a cabeça,
anunciando que aquela cabeça é então intocável. O orixá já está morando nela‖ (LODY, 1987, p. 30).
47

os mais novos, assim como dos mais velhos também, ainda que tenha mulheres no ilê com
muitos anos de santo, mas é importante ressaltar que os cargos no candomblé são indicados
pelos deuses, que escolhem o filho de santo para atuar em determinada tarefa. Diz sentir-se
muito feliz e que jamais vai abandonar a religião, pois os orixás deram um norte para sua vida
desde pequena, nunca teve problemas que não pudessem ser resolvidos com calma e
tranquilidade.
Sobre o Candomblé, ela diz:
“Nossa!!!!(expressão de espanto) minha mãe era do santo, nasci
praticamente no santo e hoje me dedico com amor aos orixás. Minha fé neles
só aumenta, tenho rendido muitos agradecimentos à minha mãe Yemanjá (leva
à mão à cabeça) e todos os orixás, eles organizam a vida da gente de uma
forma que não nos damos conta. Muita gente desiste da religião por problemas
entre os irmãos de santo, e isso não deveria acontece!, Sabia? Estou aqui
pelos deuses e não pelos homens. O candomblé é uma religião linda e de uma
dimensão que não sei nem dizer o tamanho, o problema não é religião em si
mesma, mas os homens que estão nela. É muito triste quando sai um irmão da
casa, é muito tenso e chato, pois somos uma grande comunidade religiosa com
um único propósito. Sou uma mulher de Yemanjá e fico sempre preocupada
com desentendimentos e meu dever é conversar com os irmãos, sou calma e a
mãe das águas salgadas me dá o direcionamento para resolver as coisas no
axé. Isso é um pacto, pois Yemanjá tem me dado uma vida de felicidades, uma
família linda e uma grande família de santo” (Depoimento de Bunmi no dia
19/05/2012, às 23h).

Bunmi é uma mulher tranquila, tem mostrado uma forte tendência em pacificar os
momentos tensos que existem em uma comunidade religiosa de matriz africana como o
Candomblé. É muito comum os conflitos, uma vez que as pessoas têm que conviver de dois a
cinco dias e até mesmo em momentos que têm irmãos recolhidos, se faz necessário trabalhar
todos os dias para cuidar de quem estar em processo de iniciação. Para Bunmi, a vida parece
ser muito tranquila, conforme se observa no depoimento, tanto no aspecto social quanto no
religioso.
O Candomblé é uma religião que exige muito dos seus membros, os filhos de santo
devem ter frequência, compromisso, uma vez que somente ter fé não é o suficiente para
atender a demanda de funções e obrigações religiosas. Como dizem, “candomblé não é para
qualquer um” (Bunmi: Maio/2012), o calendário religioso é programado para todo o ano e para
cumprir com o compromisso direcionado ao orixá, sabe-se que é uma realidade totalmente
diferente. Bunmi, é feliz quando se dedica durante todo o ano à sua função, porém, auxilia nos
demais cargos como forma de agilizar todas as etapas do processo religioso até o momento
litúrgico.
Perguntando diretamente sobre a invisibilidade da mulher na sociedade e visibilidade
religiosa, ela falou que:
“Não me considero invisível, tanto dentro como fora do axé sou uma mulher
visível, não tenho problemas com isso. No meu trabalho tenho uma
representatividade forte, pois depois da nossa chefe de departamento, sou a
segunda a dar o direcionamento ao trabalho que deve ser feito, então sou
respeitada. Em casa, praticamente organizo nossas vidas. Cuidar da família é
48

bem característico de Yemanjá, que é um orixá maternal, pois ela cuida muito
dos filhos e adota aqueles largados pelas mães que por alguma razão
deixaram de criá-los. O axé é minha outra casa, a outra família que devo cuidar
com zelo e carinho” (Depoimento de Bunmi no dia 19/05/2012, às 23h).

Bunmi é uma irmã, que é muito mais mãe do que se pode imaginar. Quando ela fala de
pacificar os conflitos na casa, entendamos como sendo aquela mulher abraçando a todos,
cuidando, orientando, educando e dando muito carinho. Em muitas ocasiões que alguns irmãos
não poderiam se fazer presentes em alguma função ou cerimônia, ela pedia permissão ao pai
de santo para entrar em contato, saber as razões que levaram a pessoa não estar presente.
Além disso, possui duas características intensas: ser ciumenta e muito protetora. Isso a faz se
envolver muito nos problemas das pessoas e tentar resolvê-los para evitar sofrimento e dor.
Yemanjá é muito presente no seu andar, nas ancas, no corpo forte e seios fartos, além do fato
de ser ―mãezona‖.

IV.3.3 - Etuhole: O poder da Olú waiye


“Di Nàná „re wá
Di Nàná „re wá
Di Nàná „re wá”

“Converte-se Nanã
em benção ao chegar
converte-se Nanã em
uma benção
ao chegar ao mundo.”
(Reza do orixá Nanã)

Etuhole, com seus vinte e dois anos, é filha da senhora da terra, que em yorubá seria
Olú waiye, ou seja, seu orí69 pertence à Nanã Buruquê, orixá feminino do encontro da água e
do barro, dos pântanos, uma deusa calma, sábia, paciente, mas também temerosa. Ela é o
princípio, o meio e o fim..., ou seja, ...o nascimento, a vida e a morte70.
Apesar de estar na flor da juventude, é uma menina com um comportamento de uma
idosa, trabalha bastante, porém, de forma muito lenta, é excessivamente exigente com
cumprimento de horários, é metódica, pois dificilmente muda sua rotina. Senta no mesmo lugar
em qualquer ocasião, sua esteira é sempre estendida no cantinho do quarto das mulheres e
seu grupo de afinidades no ilê são as senhoras antigas na religião, pois se interessa pela
história das êbomis.
Resistiu muito para conversar sobre a pesquisa, em várias oportunidades adiou
alegando timidez ou falta de tempo. Ainda criança foi iniciada e a partir daí nunca deixou o axé.
Leva uma vida normal, fora do ilê cursa Direito, pois pretende ser advogada. Além disso, curte

[69]
Para os yorubá significa o ser individual.
[70]
Disponível em < http://ocandomble.wordpress.com/os-orixas/nana > Acesso em: 15 jul. 2014.
49

sair com as amigas, embora não goste de nenhuma bebida alcoólica e fique muito quieta nos
lugares.
Etuhole é uma jovem negra, seus pais não são de candomblé, porém frequentam a
casa em dias de festa, em especial, porque eles sabem o que de fato os fez levá-la à religião.
Todos possuem admiração pela jovem, pois é uma menina que contribui bastante com a força
de trabalho nas tarefas religiosas:
“Ah mano, num gosto de falar não! Sabia que as ebômis, aquelas mais antigas
não gostam disso. Elas dizem que não devia falar contigo, pois nossa religião
tem segredos. A família da palha não gosta de filmagens... Já vi Omulú
batendo na mão de um homem doido que estava fotografando na festa dele, a
máquina foi bater longe, eu acho é bom!” (Depoimento de Etuhole no dia
06/07/2012, às 11h).

Em seu comentário “A família da palha não gosta de filmagens”, quer dizer que os
orixás Nanã, Omulú, Ossaim, Euá e Oxumaré carregam a palha da costa em suas vestimentas,
instrumentos e emblemas. São orixás da nação Jeje, oriundos do Daomé, porém foram
absorvidos nas casas de Candomblé de nações diferentes, como o são Ketu e Angola. Além
disso, são deuses muito reservados e restritos.
Pelo fato dos pais terem uma vida estável em termos financeiros, Etuhole concluiu seus
estudos em escola particular, teve à disposição o transporte garantindo seu deslocamento
casa-escola-casa. Embora sempre fosse muito preocupada com a família, a religião e o
colégio, sempre teve uma vida estável porque a economia do lar é equilibrada, porém, sua vida
de tranquilidade em casa, não garantia uma calmaria em outros ambientes e isso a fez pensar
em cursar Direito em uma universidade pública:
“Sempre tive tudo, irmão, boas escolas, ótimos professores, viagens, sou filha
única. Sempre fui muito mimada por meus pais. No colégio X que fiz o ensino
médio, fui muito maltratada, pois muita gente rica, então, muitos colegas me
viam como uma menina que não deveria estar ali. Isso não era legal! Certa vez,
um grupo de colegas, não só da sala, mas do colégio, aqueles meninos me
xingaram porque tirei uma nota maior que a deles em trigonometria. A
professora fez um elogio, mas no intervalo, eles cantavam músicas quando eu
passava falando sobre cabelo ruim, beiçuda... eu só fazia chorar! Daí um dia
uma colega falou para professora, eles tiveram que pedir desculpas em uma
reunião. Meus pais reclamaram na sala da direção” (Depoimento de Etuhole no
dia 06/07/2012, às 11h).

Além disso, Etuhole contribui com um grupo de dança do projeto ―Dança e Raízes
Africanas‖, pois apoia bastante as propostas de ações voltadas para a questão afro-brasileira,
racial e cultural. Seu forte é o Candomblé, sua dedicação impressiona bastante, pois é raro que
jovens de sua idade tenham um envolvimento tão intenso no campo religioso, em especial, às
religiões de matriz africana, uma vez que possuem um grande número de requisitos e
exigências no culto aos deuses e entidades.
“Gosto dos projetos “de Dança e Raízes Africanas”, são interessantes e
possuem objetivos que trazem o resgate da cultura afro-brasileira, das nossas
raízes, da ancestralidade africana. Sempre venho ajudar trazendo lanches,
contribuindo com o figurino dos dançarinos e ornamentando os espaços. Me
sinto útil para a africanidade, para divulgar nossa cultura. É muito legal e você
50

sabe disso. Apesar de gostar da cultura, minha prioridade é o candomblé,


minhas raízes, minha religiosidade, meus amados Orixás, minha mãe Nanã,
que muita gente acha que é uma deusa ranzinza e chata, para mim ela está
dentro do meu ser, nos confundimos! Me dedico no candomblé à ela, a
velhinha sábia, calma e forte, Nanã Buruque, a senhora do fundo dos rios”
(Depoimento de Etuhole no dia 06/07/2012, às 11h).

Etuhole com sua lentidão, aparente calmaria, seu metodismo, suas chatices e
cobranças retratam bastante a presença do orixá feminino Nanã, ainda que seja uma jovem de
vinte e dois anos. A forma de cobrar, a pouca mutabilidade nos espaços ocupados por ela e a
intensa responsabilidade com o Candomblé traduzem o arquétipo de um dos orixás mais
antigos do panteão de deuses africanos. Virada no santo, o caminhar é lento, sua altivez cai
com os ombros arcados de uma idosa e o dançar é emocionante mesmo! É Nanã presente!
Salubá Nanã!

IV.3.4 - Dara: Oloya71, um cargo de muita responsabilidade


“Egúngún lóde òrun
Oósà lòde aye...
[…]
Oyá, obìnrin ode, a to fi ogun juja toko re léyìn
Alagbara a siuaju ogun
Àki sopé kóya ó ya lonà,
Iyén ni ode òrun.
72
Orìsà mi ò jé so wipé ki ò yà lónà...” Orikí de Oyá (Yorubá)

“Egúngún Oyá, que está en el plano de los ancestros.


Orixá que está también en la vida de los hombres...
[…]
Oyá, mujer fuerte, cazadora, mujer guerrera,
Con fuerza suficiente para apoyar al marido en luchas en la guerra.
Fuerte mujer guerrera, líder en la guerra.
No se puede pedir a Oyá que salga del camino.
Aquellos que han dicho a Oyá que salga del camino
Sufrirán puniciones.
Orixá, jamás te pediré que salgas del camino...”
Traducción en español

Yansã ou Oyá é um orixá feminino do panteão yoruba que também é bastante cultuado
no Brasil. Deusa dos ventos e tempestades, esposa de Xangô, é uma ayabá muito agitada e
intensa. Ela é “a senhora dos espíritos e mortos, que encaminha para o outro mundo.
(PRANDI, 2001: p. 22).
Mãe Dara tem cinquenta e três anos, filha de nortistas, traços indígenas, pois os pais
são do interior do Pará, com ascendência dos Munducuru, tribo indígena que habita o sudoeste
paraense. Foi criada na comunidade até os dez anos de idade, depois migrou na década de
1970 com a família para Belém em busca de oportunidades de trabalho. Por conta da
dificuldade na cidade, após cinco anos, um tio que já havia deixado a comunidade indígena e

[71]
Cargo feminino, despacha os Ebós das grandes obrigações, na falta de Ològun. São filhas de Oya. Disponível em <
http://ocandomble.wordpress.com/os-orixas/nana > Acesso em: 02 set. 2014.
[72]
PEREIRA (2008: p. 83-84)
51

vivia na Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, estendeu o convite para seu pai vir ajudá-lo a
trabalhar como pedreiro e pintor. Mãe Dara já tinha quinze anos quando chegaram na cidade
do Rio de Janeiro:
“Olha, Amazonas (assim me chamava), vê o que tu vai fazer com minhas
palavras, pois é, sou índia igual tu, seu índio velho. Vim pra cá quando tinha
quinze anos com meus velhos pais. Foi uma aventura filho, pois muitas
estradas eram de barro no Pará, foi difícil mas chegamos na casa do meu tio lá
na baixada. Ainda lembro das coisas do norte e gosto muito, meus parentes
trazem muitas coisas quando vem nos ver aqui. Tem muitos anos que não vou
lá e depois que entrei no candomblé foi mais difícil. Eu não imaginava
nunquinha que ia ser de santo, quando me iniciei por motivo de doença, minha
mãe contou que ainda pequena me entregou no meio da mata para o vento me
curar, eu era um neném cheio de perebas (feridas), olha que coisa não é?
73
Coisa dos nossos odús , meu filho. Cá tô eu nessa religião e hoje
74
organizando as coisas para o Olubajé do rei. E quem é a dona do meu orí? A
deusa das tempestades” (Retirado do depoimento de Mãe Dara no dia
16/08/2013, às 6h).

Divertida, Mãe Dara, com mais de vinte e cinco anos de santo, se dedica ao candomblé,
embora continue trabalhando como funcionária da limpeza na pequena empresa da Nextel, em
Nova Iguaçú. Com seu salário mínimo sustenta o candomblé que ela frequenta e a casa fica a
cargo do esposo que trabalha como eletricista na prefeitura de Duque de Caxias, e faltam
apenas dois anos para ele se aposentar. Recentemente, ela concluiu o ensino médio na EJA
(Educação de Jovens e Adultos). Além do trabalho, dar conta das coisas de casa e ainda dar
uma ajudinha quando pode para as duas filhas Miriam e Madalena, já formadas em Serviço
Social e Contabilidade, casadas e vivem em Madureira e Jacarepaguá, respectivamente, na
organização do apartamento e dos cuidados com os netos.
Na religião é um furacão para o trabalho, agitando todos os filhos de santo para o
cumprimento das obrigações que devem ser feitas em atenção aos orixás. Temerosa às
atitudes e decisões de Oyá, Mãe Dara cumpre seu papel com muita responsabilidade e
compromisso, é frequente nas funções do axé e zela muito pelo quarto de seu orixá. Possui um
cargo muito sério de Oloya e assume seu papel nas obrigações religiosas, em especial,
àquelas caracterizadas como ebós75. Exigência do cargo, além de dar conta de outras tarefas
na casa, ela se coloca sempre disponível aos orixás, especialmente Oyá:
“Amazonas, Amazonas, você quer saber demais, viu, garoto! Vou falar o
simples, mais que isso não adianta porque não vou falar, isso é coisa para
iniciados. Sou das antigas, awó é awó! E me obedeça, porque quando me
zango... Oloya é um cargo destinado a mulheres de Oyá (Yansã), quando
termina a obrigação do ebó, que não vou te contar, sou eu quem acompanho e
despacho o ebó na natureza ou outro lugar, dependendo do orixá. Nada mais
para falar” (Depoimento de Mãe Dara no dia 16/08/2013, às 6h).

[73]
―São o conjunto básico de princípios e verdades que explicam e fazem se exteriorizar as tendências essenciais do ser humano,
enquanto impulsos comportamentais básicos, enquanto modo próprio do ser, enquanto ser individual e nas suas interações com o
coletivo, enquanto suas destinações‖ (COUTINHO; ROSSI, 1983, p. 156). É muito comum escutarmos que é o destino (nota do
autor).
[74]
Banquete ritual oferecido à divindade Obaluaiê, senhor da varíola e da cura. (Nota do autor).
[75]
―Ebó, termo de origem iorubana, é uma comida africana que foi trazida para o Brasil pelos negros africanos escravizados. Faz-
se com farinha de milho branco, sal ou misturada com feijão- fradinho torrado. Leva-se ao fogo e, quando estiver fervendo, se junta
azeite de dendê. Aqui chegando, toma outras formas conceituais. Torna-se uma oferenda aos orixás‖ (TESSEROLLI, 2009, p. 1).
52

Costuma-se dizer que Mãe Dara é linha dura nas suas atitudes e no trato com quem
não leva a sério as tarefas do ilê, por ela, o abian ou yaô desobediente deve ser punido e os
mais velhos devem tomar as providências com eles. Geralmente ela diz:
“Comigo é assim, isso aqui é como uma tribo de índios e existe uma hierarquia.
76
Se desobedecer arrumo um olorogun com qualquer um. Não quer aceitar as
normas, sai da casa e procura outro lugar. Com muitos anos de santo ainda
não consegui ter paciência com quem não aprendeu a obedecer. Aqui as
determinações dos orixás, eles dizem o que devemos fazer, acredita quem
quiser e assim tem que ser” (Depoimento de Mãe Dara no dia 16/08/2013, às
6h).

Mãe Dara é uma mulher de fibra, é o vento violento ou o furacão que arrasta todos para
o trabalho, o compromisso com os deuses e a obediência aos princípios religiosos. Que mulher
brava! O alerta é quando ela se agita, caminhando de um lado para o outro, às vezes dá um
―pataço‖ em um, grita com outro, agita ali, corre acolá, o que demonstra sua filiação com Oyá,
justificado pelo amor que possui ao orixá Omulú, como ela mesma retrata quando diz estar se
dedicando ao Olubajé. Oyá foi quem curou as feridas de Omulú e dali nasceu uma relação de
amor. Como diz Mãe Ayana, é filha de Yansã e não tenhamos dúvidas disso!

IV.3.5 - Titilayo: filha da árvore sagrada


Iroko nsó?
Erò, Iroko nsó, Erò.
(Saudação de Iroko)

O que brota no Iroko?


Calma é o que brota em Iroko, Calma.
(Tradução)

Titilayo é uma senhora de oitenta anos, aos quinze entrou para o candomblé, mulher
negra que durante toda a vida se dedicou ao ilê em Salvador, onde foi iniciada para o orixá
Iroko. Teve nove filhos criados com a venda das guloseimas da culinária afro-brasileira ou a
comida de santo:
“As pessoa acha que a vida é só doce. Quando pari o fio mais novo, o marido
se foi. Preta que é preta num chora, ela tem que trabaiá para dar comida aos
fios. Tive que trabaiá muito, foi duro. Eu já era do santo e pedi para meu pai
Iroko me dá idea de trabaio, com a ajuda da Obá e da Oxum que me ajudaro,
daí com a autorização dos deuses fui vender comida de santo. Vendi muito,
mas era muito fio, faltava muito. Foi muito tempo e Iroko que é dono do tempo
sabe, (toca na cabeça e levanta as mãos para o alto) muito tempo
trabaiando até os fios crecer e vencer na vida. Não reclamo nada, sou alegre,
gosto de dançar, comer e beber a cervejinha (risos)” (Depoimento de Titilayo
no dia 25/10/2013 às 16h).

Muito contente, ela tem um importante papel de manter a ordem, aconselhar os mais
novos, evitar as divisões entre os irmãos de santo, educar os filhos da casa para o bem e para
a honestidade, evitando assim, qualquer tipo de energia negativa proveniente de

[76]
Marca a época de fechamento do terreiro antes do período da quaresma e ocorre um jogo de guerra entre os orixás Xangô e
Oxalá ou Ogum, em que a guerra é representada como um símbolo de luta (FERRETTI; SOGBOSSI, 2011, p. 18).
53

desentendimentos, brigas, confusões e fofocas. Titilayo é Iyaegbé77, cargo importante em


aconselhamentos que ajudem na preservação da harmonia da casa e no respeito ao próximo.
Sendo a mais velha de santo, possui uma sabedoria e maturidade espiritual que a tem
ajudado no cargo. É uma mulher fiel a Iroko, cuidando da comida sagrada, costurando as
roupas do orixá, além de cuidar do pegi78 no quarto de santo:
“Na macumba uns vai outro vem, é assim mermo! Por Olorun e pelo senhor da
ancestralidade cuido essa casa. Mexer com energia de orixá é forte, por isso,
dedico meu tempo aqui como uma policia, evitar confusão. Aqui é uma casa
sagrada e Exu tá no portão oiando e cuidando de tudo. No meu tempo a gente
obidicia a mãe de santo, existia mais respeito nas pessoa. Aqui o orixá manda
e eu aceito isso como é. Cuido de Iroko, é meu pai, meu amigo, meu irmão é
tudo na mia vida. Sempre bato cabeça para ele, sinal de respeito e reverência”
(Depoimento de Titilayo no dia 25/10/2013, às 16h).

Seu orixá conhecido como Iroko habita a gameleira, uma enorme árvore cientificamente
conhecida como eFicus gomelleira ou Ficus doliaria, cultuada nos terreiros de candomblé e
portando um laço branco (ojá79) enorme, envolto no seu tronco. Em suas raízes encontram-se
as quartinhas, os alguidares utilizados nos rituais sagrados e nas oferendas.
Iroko era, originalmente, um orixá fitomorfo (semelhante à planta) na África. Morava
numa árvore sagrada, também chamada Iroko. Em Cuba, Iroko continua sendo árvore
sagrada: a sumaúma. Mas nas Antilhas não é frequente ser considerada um orixá... (ESPÌN,
1986) No Brasil: ―Todo pé de gameleira é considerado refúgio das almas. Tem uma época em
que a mulher não pode passar por perto de um pé de Irokô. Antigamente todas as obrigações
de Egum eram feitas no pé de Irokô, por isso é que a mulher não chegava perto em nenhuma
época‖ (CAMPOS, 1994, p. 12).
Titilayo é uma vovó, é uma liderança espiritual, gosta das coisas justas, porém é uma
mulher muito ciumenta, todos da casa são seus filhos, assim os considera. Muito generosa,
contribui com sua experiência religiosa para que a comunidade use a solidariedade, o
companheirismo e compartilhe as coisas do axé entre todos, desde as tarefas como os
alimentos. Seu maior defeito, como sempre diz, é ser turrona e teimosa.
Em sua juventude não pôde estudar, sempre teve que trabalhar para ajudar a mãe, uma
mulher viúva, pois Titilayo perdeu o pai muito cedo e assumiu a responsabilidade de mais seis
irmãos pequenos. O que aprendeu foi por conta do tempo, das experiências fossem elas
sofridas ou não, cresceu como uma adulta, como ela mesma relata:
“Minha mãe foi mia professora, naquele tempo era poca escola e a gente
aprendia na porrada. A vida batia em nóis. O que restava foi aprender com as
dor da vida. Meu pai foi para o orun muito cedo, era um preto trabaiadô, dava
duro, eu a mais véia de muitos fio. Quando ele partiu, minha mãe chorava
muito tadinha e eu tamém. Fomo lavar ropa para otra gente e a poca comida
era divida com tudo nóis. A tristeza levou todos nós para a macumba e de lá do
terreiro em Salvador o que sobrava das comida a gente levava para casa. Toda

[77]
Aquela que aconselha para manter a harmonia dos filhos de santo. (nota do autor)
[78]
Altar. (nota do autor)
[79]
Pano branco (nota do autor)
54

a famia raspo a cabeça, tudo é do santo” (Depoimento de Titilayo no dia


25/10/2013, às 16h).

Titilayo é uma vovó muito ciumenta, glutona e de uma teimosia incomparável, isso de
certa forma nos mostra o quanto ela se filia ao orixá Iroko, entretanto, o que chama bastante
atenção é seu senso de justiça e sua espera pelo tempo como aquele que está encarregado de
resolver parte das nossas coisas espirituais e materiais. É a pacificadora da comunidade e
utiliza sempre de meios condutores para que a justiça de fato ocorra. Nota-se em seu relato
uma melancolia quando trata de seus pais, do esposo e evoca sempre Iroko, seu deus e seu
pai. Isso nos permite ressaltar a importância dada à sua ancestralidade e o quanto isso a faz
viver e seguir seu caminho firme e forte diante de momentos positivos ou negativos. Aí
encontramos Iroko.

IV.4 - Conversa das mulheres: dialogando com autores


O estudo do Candomblé é fundamental para compreendermos a religiosidade brasileira,
pois representa a (re)construção da identidade cultural do povo, considerando que no Brasil o
fenômeno religioso é muito forte, fruto de uma tradição híbrida desde períodos coloniais.
Ao cruzar estudos da religião e do gênero, temos a oportunidade de ampliar os debates
sobre o papel e a visão do feminino nas religiões afro-brasileiras, considerando que o sexo
feminino parece ocupar uma posição hierárquica importante, começando pelo tempo de
iniciada no templo religioso. Tal posição ocupada não limita as mulheres ao religioso, como
podemos observar nos próprios relatos, pois elas possuem várias ocupações que variam de
acordo com seu grau de estudo, idade e influência.
Quando se trata do Candomblé, CARNEIRO (2008) comenta que na hierarquia
religiosa, as mulheres ocupam todas as funções permanentes, enquanto aos homens ficam
reservadas as funções honorárias e temporárias:
“Com efeito, a chefia espiritual e temporal da casa de culto está entregue a
uma mulher (mãe), que escolhe para sua assistente imediata, seu braço direito,
outra mulher (a mãe-pequena), para dirigir a massa de mulheres (as filhas) que
deve contribuir para o melhor entendimento entre os homens e os orixás. O
cuidado desses orixás está a cargo de mulheres (as filhas), que por sua vez
recrutam, para auxiliá-las, outras mulheres (as equedes). Nessas atividades se
cifra todo o objetivo do candomblé – o de homenagear os orixás, preparar os
cavalos para recebê-los, conseguir que desçam entre os humanos para lhes
tornarem a vida mais suave e mais rica em prazeres materiais e espirituais.
Outras mulheres, ainda, se encarregam de funções administrativas dentro da
comunidade” (CARNEIRO, 2008, p. 124).

De acordo com Carneiro, Ruth LANDES (2002) atribui esse poder feminino a conquista
das mulheres negras diaspóricas, as quais lutaram por conseguir dentro de um espaço social
segregador adaptar e realizar formas de reverenciar seus deuses, controlando assim várias
funções, centralizando atribuições e administrando através de suas capacidades e habilidades:
“Foi nas regiões latino-americanas que as mulheres negras encontraram maior
reconhecimento do seu próprio povo e dos senhores. Uma distinta sacerdotisa
55

da Bahia chamou a sua cidade a “Roma Negra”, devido à sua autoridade


cultural; foi aí que as mulheres negras atingiram o auge de eminência e poder,
tanto sob a escravidão como após a emancipação. Controlando os mercados
públicos e as sociedades religiosas, também controlaram as suas famílias e
manifestaram pouco interesse no casamento oficial, por causa da conseqüente
sujeição ao poder do marido. As mulheres conquistaram e mantém a
consideração dos seus adeptos masculinos e femininos pela sua simpatia e
equilíbrio, bem como pelas suas capacidades. Não somente não há noticia de
rejeição por parte dos homens das atividades das mulheres, como indícios
surpreendentes da sua estima pelas matriarcas surgem nos esforços de certos
homossexuais passivos em penetrar nos sacerdócios” (LANDES, 2002, p. 351).

A análise sobre a temática do gênero no candomblé, segundo BIRMAN (1991), parte de


dois pontos que se inter-relacionam, destacados pela autora como: as formulações básicas de
sua concepção do universo, particularmente sua concepção de pessoa, e a hierarquia religiosa,
expressa na divisão de papéis da família de santo.
A primeira se explica pelo fato da relação espiritual existente entre o Orum e o Ayê,
dado através do fenômeno chamado de possessão que ocorre nos filhos de santo, em que os
orixás descem para dançar, entretanto, é necessário passar pelo processo de iniciação, um
momento importante onde o orí (cabeça) será entregue para o seu dono, ou melhor, o orixá,
senhor da cabeça do iniciado. Para BIRMAN (1991), ―[a] entrada para o candomblé pode
significar, para os seus adeptos, uma mudança significativa no que diz respeito ao contato com
o sobrenatural e aos atributos pessoais advindos deste contato‖ (BIRMAN, 1991, p. 41).
A possessão constitui o ato de transformação, pois contribui para a construção de uma
concepção de pessoa a partir de traços advindos do orum e do ayê. Além dos atributos
inerentes ao ser humano, os deuses influenciam na personalidade do iniciado, levando-o a
estabelecer uma relação humana e divina dentro de si próprio, por essa razão, que é muito
comum escutar em uma roda de conversas no candomblé, “o orixá vive dentro de mim”,
expressão do senso comum dos filhos de santo.
Quanto ao segundo ponto, a discussão está nas relações de gênero, ou seja, mulheres,
homens e homossexuais definida pela hierarquia religiosa e até mesmo ao fenômeno da
possessão. Muitos autores destacaram nas primeiras pesquisas sobre o candomblé o poder
feminino na direção das casas religiosas, enfatizando o espírito de iniciativa africano que
muitas mulheres preservaram no processo diásporico, talvez por conta dessa trajetória se
explique ―a tradição das mães autoritárias, visíveis em alguns candomblés de origem nagô da
Bahia‖ (VERGER, 1992, p. 101), justificando ―sacerdócios nagôs quase exclusivamente
femininos, pois caberia às mulheres, por conta do sexo, cuidar dos deuses, tornando este
serviço inviável ao homem, isso é blasfemo e desvirilizante.‖ (LANDES, 1967, p. 285). Além
disso, ―nos dias de festa, dançam na roda somente as mulheres‖ (CARNEIRO, 2008, p. 37).
Sabendo do status ocupado por mulheres, aos homens cabe a função de ogã, que
BIRMAN (1991) diz ocupar um lugar equivalente ao de pater e desfrutar de um lugar de
respeito como padrinho das iaôs no interior da família. Mas, e os homossexuais? Ainda que
56

não seja objeto deste estudo, é importante ressaltar que poderiam ser àqueles afetados no
gênero masculino, pois se aventuraram na possessão, fenômeno até então exclusivo das
mulheres e Bastos (2009) reforça essa ideia comentando:
“Em alguns terreiros, nos mais conservadores, a supervalorização das
mulheres como dirigentes de terreiro ainda é predominante. Neles, há
restrições para homens. A sacerdotisa entrevistada revela que na Casa
Branca, uma das mais tradicionais de Salvador, não há iniciação de homens,
prováveis pais de santo, há somente iniciação de ogãs.
Elas não iniciam homens, porque a casa é totalmente feminina, como na casa
da minha mãe de santo no Afonjá. A minha mãe de santo inicia homens, mas
jamais quando ela fechar os olhos, homem nenhum senta naquela cadeira,
senta-se mulher (...) a casa da minha mãe completa 100 anos em 2010, ela é a
5ª mulher que está no poder” (Entrevista realizada dia 04/04/2008).

Na fase da observação participante, notamos que no convívio da comunidade, a casa


representa o lugar onde se desenvolve o sagrado e o cotidiano a partir da apropriação da
mulher neste processo, encontrada dentro de um sistema cultural dominante que de acordo
com Woortmann (1987), a ―casa‖ como um espaço de domínio feminino, definição essa da qual
se apropriam as próprias mulheres pobres. Para BARBOSA e HITA (2012), o sistema
dominante define a ―rua‖ como o domínio masculino e para que o homem seja senhor da
―casa‖, deve primeiro ser ―senhor‖ da ―rua‖. Assim, enquanto as mulheres possuem um domínio
próprio – a família – os homens não possuem nenhum. Num sentido mais geral, a pobreza
marginaliza a ambos, mas dentro do mundo da pobreza, as mulheres têm seu lugar próprio, a
casa (WOORTMANN, 1987).
A partir das discussões sobre gênero, vemos nos depoimentos das entrevistadas
Ayana, Bunmi, Etuhole, Dara e Titilayo a presença deste poder e autoridade concentrado em
sua grande maioria nas mulheres, desde ebômi mais velha até a filha de santo mais jovem,
principalmente pelo fato de que parte delas possuem cargos na casa, embora a condição
socioeconômica, a história de vida e o cotidiano seja totalmente diferente uma da outra.
Mãe Ayana possui um cargo importante de yakekerê com oito filhos de santo e mais um
abiãn; Bunmi além de ekede é Iyarubá, cargo importante nos processos iniciáticos e dia de
funções religiosas; Etuhole possui liderança e dedicação ao candomblé; Mãe Dara é Oloya e é
responsável por despachar os ebós das obrigações; Titilayo é uma anciã com um cargo de
Iyaegbé, ou seja, aquela que aconselha e intermedia algumas situações tensas na casa.
O fato de estas mulheres serem empoderadas na casa de santo, isso de certa forma as
torna visível perante a comunidade religiosa, o que reflete possivelmente no lar e no trabalho,
como podemos observar no relato de Bunmi ao falar que:
“Não me considero invisível, tanto dentro como fora do axé sou uma mulher
visível, não tenho problemas com isso. No meu trabalho tenho uma
representativide forte, pois depois da nossa chefe de departamento, sou a
segunda a dar o direcionamento ao trabalho que deve ser feito, então sou
respeitada. Em casa, praticamente organizo nossas vidas. Cuidar da família é
bem característico de Yemanjá, que é um orixá maternal, pois ela cuida muito
dos filhos e adota àqueles largados pelas mães que por alguma razão
57

deixaram de criá-los. O axé é minha outra casa, a outra família que devo cuidar
com zelo e carinho” (Depoimento de Bunmi no dia 19/05/2012, às 23h).

Ainda que, algumas delas possivelmente não percebam a dimensão do poder


simbólico80 que lhes é conferido pelos orixás, no cotidiano religioso exercem uma influência
cada vez mais intensa nos abians e noviços no que diz respeito à orientação, educação, ensino
e na persuasão com relação à dedicação ao candomblé, como percebemos quando Mãe Dara
relata de forma muito dura:
“Amazonas, Amazonas, você quer saber demais viu garoto! Vou falar o
simples, mais que isso não adianta porque não vou falar, isso é coisa para
iniciados. Sou das antigas, awó é awó! E me obedeça, porque quando me
zango... Oloya é um cargo destinado a mulheres de Oyá (Yansã), quando
termina a obrigação do ebó, que não vou te contar, sou eu quem acompanha e
despacho o ebó na natureza ou outro lugar dependendo do orixá. Nada mais
para falar” (Depoimento de Mãe Dara no dia 16/08/2013 às 06h).

Os espaços sagrados do candomblé existentes em distintas regiões do Brasil possuem


em sua liderança as mulheres conhecidas por yalorixás que cuidam das funções religiosas com
a ajuda das equedes81, tendo como finalidade dar um direcionamento ao sagrado sob
orientação dos orixás, além de administrar um templo com vários filhos. Esse cotidiano de
lideranças as tornam mulheres fortes e com muito poder dentro da religião e algumas possuem
uma intensa influência religiosa, cultural, política e literária fora do axé, como atualmente o
fazem Mãe Stella de Oxóssi, Macota Valdina e Mãe Beata de Yemanjá82. São mulheres
detentoras do conhecimento espiritual e também do controle sobre a vida de todos seus filhos,
ou seja, os adeptos da religião.
Essa relação de poder se dá através do pedir ou mandar por parte da mãe de santo ou
daquelas mulheres que possuem um status de senioridade, e da obediência de seus filhos com
relação ao sagrado-social e saber-poder. Desde a lavagem das contas83 até o processo
iniciático84 religioso a relação entre o iniciado com seu orixá, a yalorixá e a comunidade
religiosa se intensifica, ou seja, a cada etapa passada, elas se tornam mais estreitas e com

[80]
Para BOURDIEU (1998), o poder é representado de forma simbólica constituído pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de
confirmar ou de transformar a visão do mundo e deste modo à ação sobre o mundo. Segundo o autor, o poder simbólico não reside
no ―sistema simbólico‖ em forma de uma força oculta, mas se define numa relação determinada e é por meio desta que se exerce o
poder onde alguns dominam e outros estão sujeitos.
[81]
―Seu trabalho consiste no cuidado das vestimentas e dos adornos com que se apresentam nas festas, quando possuídos pelos
orixás, as filhas. É um voluntariado, uma árdua tarefa‖ (CARNEIRO, 2008, p. 123).
[82]
Senhoras iniciadas no Candomblé e reconhecidas nacionalmente, tendo um papel importante não somente nas discussões
acerca da religião em si, mas também nos debates sobre política, sociedade e literatura.
[83]
A lavagem das contas faz o indivíduo adquirir um aumento de força, isto é, de existência. Este aumento está assinalado pela
felicidade ou segurança obtida com o uso do colar devidamente preparado. Pois o que é o mal, senão a diminuição da existência?
A lavagem das contas, eliminando todas as influências negativas e fazendo o indivíduo participar da força divina, aumenta o grau
da existência. O indivíduo passa para um plano superior do Ser. Os abraços apaixonados que trocaram comigo filhos e filhas de
Xangô, depois da lavagem do meu colar, não significam apenas a alegria da minha entrada no terreiro, nem mesmo a
solidariedade espiritual entre devotos do mesmo deus, uma delas explicava-me admiravelmente a razão amistosa dessa alegria,
exclamando: ―Xangô é macho! É forte! Nada de mal vos poderá acontecer daqui por diante!‖ (LUZ, 2000, pp. 431-432).
[84]
―No âmbito do corpo sacerdotal, propriamente dito, é a iniciação de Iyawô que estabelece vínculos mais exigentes de
participação na comunidade religiosa. Esses vínculos caracterizam mesmo a passagem da pessoa para novas relações no espaço
e no mundo sagrado, o que significará mudança de status e mesmo de nome. Abiã significa pessoa que está por nascer, e Iyawo,
a esposa do Orixá. Num caso temos um grupamento de aspirantes ao sacerdócio, no outro, o início de uma vida devotada ao
Orixá‖ (LUZ, 2000, p. 432).
58

forte característica de poder espiritual e social. Na opinião de BOURDIER (2004) seriam os


campos religioso e de poder.
A respeito desse tema, Neris reforça:
“Outro ponto importante é o nexo “inevitável” entre o campo religioso e o
campo do poder. Como aponta Bourdieu, a religião, em sua função ideológica,
é entendida como “a prática e política de fazer absoluto o relativo e da
legitimação do arbitrário” contribuindo assim à “imposição dissimulada de
princípios de estruturação de percepção e de pensamento do mundo e, em
particular, do mundo social” (BOURDIEU, 2004a).
Assim sendo, boa parte do esforço do autor se concentra em vincular o aparato
religioso com a formação social, demonstrando que a “estrutura dos sistemas
de representações e práticas religiosas” tende a assumir a função de
instrumento de imposição e legitimação da dominação, contribuindo para
assegurar a dominação de uma classe sobre outra, para a “domesticação dos
dominados”. É por isso que Bourdieu enfatiza que “el campo de las tomas de
posición ideológicas reproduce bajo una forma transfigurada el campo de las
posiciones sociales” (BOURDIEU, 2001, p. 94).

De fato, os estudos de BOURDIEU (2001) permitem uma reflexão sobre a relação entre
religiosidade e a sociedade, especialmente quando se trata da hierarquização do saber, do
sagrado e das relações sociais refletindo consequentemente em uma prática onde o poder se
faz presente em todos os momentos, assim se dá nas mais diversas expressões religiosas e
ocorre também nas religiões de matriz africana, ainda que nesse processo de interação social
exista também uma relação de pai, mãe, filhos e irmãos.
Por conta disso, existe um processo de respeito nas relações estabelecidas entre todos
os integrantes de um templo afro-brasileiro, é um constante exercício de vigiar sua conduta
dada à submissão, reverência ou dependência do orixá que rege ou que é dono da cabeça de
um filho e também ao respeito à yalorixá e às mulheres mais antigas no santo.
Embora na hierarquia religiosa essas mulheres são empoderadas através do status de
senioridade ou cargos indicados pelos orixás, observamos que nas falas a realidade social em
que estão inseridas representa uma luta constante pela sobrevivência, por conta das
dificuldades de trabalho, no casamento, com os filhos e com a sociedade, pois ser mulher de
Candomblé não é para qualquer um, pois se consegue parcialmente desempenhar um papel
primordial na sociedade capitalista, justificado pelo patriarcalismo e pelo machismo.
Inquieta-nos algumas palavras relatadas, como a da Mãe Ayana, filha de Oxóssi com
Yansã, que empoderada na religião, insiste em dizer que sua vida “foi dura para uma mulher
negra e de candomblé” ou que briga com os deuses questionando “sobre minha vida cheia
de dificuldade, a vida dos meus filhos que é cheia de problemas”.
Titilayo, ebômi da casa, filha do orixá Iroco, também teve condições socioeconômicas
muito limitadas, perdeu o marido muito cedo, teve que trabalhar para o sustento dos nove filhos
vendendo alimentos da culinária do Candomblé. Segundo Titilayo, “preta que é preta num
chora, ela tem que trabaiá para dá comida aos fios. Tive que trabaiá muito, foi duro”.
59

As condições sociais constituem um fator determinante para o estudo da compreensão


da visibilidade ou invisibilidade da mulher de candomblé e como podemos ver o caso especifico
de Mãe Ayana e Mãe Titilayo, tais condições implicam inclusive na sua relação com o seu orixá
Oxóssi. Seus padrões de conduta se distinguem muitas vezes interno e externo à religião.
Internamente porque o processo de interação dentro do axé se dá através das normas
religiosas próprias do Candomblé que fortalecem uma rígida hierarquia e isso fortalece o poder
das mulheres e externamente, porque essa mesma mulher está submetida a uma realidade
muitas vezes inversa, considerando sua pouca representatividade, ainda que desenvolva
vários papéis, na relação enquanto ser humano com a sociedade. Existiria um conflito entre o
eu ideal (poder simbólico e visibilidade religiosa) com o eu real (condições socioeconômicas,
problemas familiares e falta de trabalho, baixa estima) nas mulheres aqui apresentadas?
A respeito desta temática, GONÇALVES (2008) afirma que:
“A dialética da vida mental do ser humano produz dilemas curiosos, pode
alguém ser ao mesmo tempo “um” e “outro”? Se sim, um dos dois prevalece
numa relação que se quer dialética, ou seja, de trocas, confrontos, mas
definitivamente de diálogo? Se não, a alternância entre “um” e “outro” é
despida de influências mútuas?
Cada “eu” interage com o outro (seus duplos), talvez numa espécie de trocas
de “máscaras” ou modelos para cada situação a ser enfrentada”
(GONÇALVES, 2008, p. 93).

Neste sentido, podemos ousar dizendo que mulheres como Mãe Ayana e Titilayo são
essas protagonistas que alternam entre os diferentes ―eus‖, pois a dinâmica construída,
adaptada e assimilada durante as experiências vividas ao longo da trajetória existencial de
cada uma permitiu fazer uso das ―máscaras‖, trocando-as de acordo ao contexto social,
político, econômico e religioso, considerando os conflitos positivos ou negativos a serem
encarados e desafiados.
Nos depoimentos fica muito claro o entendimento de que a religião exerce uma maior
influência na vida dessas mulheres, pois a forma de compreender e assimilar o universo
religioso do Candomblé permite um novo significado para seu cotidiano, tornando a elaborar
novas formas de pensamento a respeito das relações familiares, comunitárias etc.
GEERTZ (1978) explica essa situação a partir da religião, quando os adeptos
organizam seu modo de fazer parte deste mundo, compreendendo sua experiência de estar no
mundo, construindo conhecimentos e adquirindo aprendizados, como também se posicionando
frente à realidade, se fortalecendo com os laços espirituais. A visão de ―mundo‖ no Candomblé
é cosmogônica, é de interiorização de arquétipos, é espiritual e possui uma força vital, energia
divina que possibilita aos seres humanos seguirem suas existências fortalecidos para as
experiências do porvir.
Neste sentido, as mulheres do candomblé são os atores sociais que vivenciam o
universo do candomblé, no esforço de preservar suas tradições religiosas, de manter parte da
cultura africana trazida por seus ancestrais, resistindo, adaptando elementos, dinamizando
60

símbolos, ritos e dogmas em um constante processo criativo de fortalecer sua fé frente a uma
sociedade patriarcal, machista e racista.
61

Capítulo V – Mulheres empoderadas: igualdade religiosa e contrastes sócio-


históricos
V.I - Índias, negras e brancas: traçando paralelos nas diferenças sociais e históricas da
mulher brasileira
Embora o propósito seja o mesmo, cultuar os deuses, as mulheres do Ilê Axé Orainian
possuem diferenças notadas a partir de seus relatos. Pontuando os aspectos importantes da
história de vida delas, observa-se realidades contrastantes que mostram o distanciamento
social da mulher negra e da brancac, ocasionado por uma construção histórica do Brasil a
partir da cor da pele, da raça e da posição social considerando neste contexto negros e
indígenas em condições inferiores.
A colonização se assentou sob uma condição de masculinidade, pois o português veio
sozinho para as terras brasileiras, ficando sua família em Portugal sob os cuidados da esposa,
até porque o maior interesse estava direcionado para os lucros que o novo lugar poderia lhe
dar. Diferente do colono inglês em terras americanas, o português não tinha interesse em viver
na colônia, pois sua terra era Portugal (RIBEIRO, 2006).
Ao chegar aqui se deparou com grupos étnicos indígenas, assustando-se pelo fato de
que os índios tinham uma forma de viver muito distinta daquele vivida por ele em terras
portuguesas, chamando atenção especificamente a nudez, já que para os nativos o sexo fazia
parte de sua natureza, então andar nu era muito comum e não se entendia como uma forma de
provocar o sexo oposto.
KAUSS e PERUZZO (2012) analisam a questão a partir de Cunha:
“A nudez da mulher indígena causava admiração nos europeus, e eles as
comparavam com as das mulheres que haviam deixado na Europa:
consideravam que as índias eram muito mais bonitas do que as mulheres
europeias. Em sua famosa carta, Caminha descreve a genitália feminina
indígena dizendo que: “sua vergonha (é) tão graciosa, que a muitas mulheres
de nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua
como ela”, como nos diz Manuela Carneiro da Cunha” (CUNHA, 1993, p. 155
apud KAUSS; PERUZZO, 2012, p. 36).

RIBEIRO (2006) reforça este pensamento dizendo que:


“O homem vindo só, sem freios da família e encontrando indígenas nuas,
bonitas, bronzeadas e destituídas do falso pudor europeu quinhentista, iniciou,
quase que de imediato, uma fecundação desenfreada. As indígenas foram
“utilizadas” pelos portugueses tanto para a sua satisfação sexual como para a
expansão do “cunhadismo”. Ou seja, quando o português engravidava uma
indígena, ele tornava-se parente de outros indígenas da tribo. Com isso, tinha
sempre muitos braços para carregar o pau-brasil para suas naus, aumentando
rapidamente seu enriquecimento” (RIBEIRO, 1995, p. 04).

É importante ressaltar que nas comunidades indígenas era dado outro tratamento para
a mulher indígena, conforme explica OLIVEIRA (2012):
“Os mesmos índios que a sociedade complexa considera “selvagens” e
desvaloriza sua cultura, deram-nos na história da educação feminina, um belo
exemplo de valorização da mulher, na simplicidade natural de sua forma de ver
o mundo, entretanto numa visão isenta de preconceitos não estabelecendo
diferenças ou tratamentos desiguais numa relação essencial entre o “eu“ e o
62

”outro”, fato que fica pouco evidenciado na relação entre os homens cultos e
brancos que instituíram padrões de modelos de comportamento para a época”
(OLIVEIRA, 2012, p. 10).

A mulher indígena sempre teve um papel importante para o grupo étnico a que
pertencia, tendo suas atribuições não somente aos cuidados com a família e à colheita, mas
também estendidas às decisões junto aos homens:
“No entanto, no universo indígena, a mulher ocupava um espaço definido e
muito valioso nas decisões familiares. As vozes indígenas feminina e masculina
decidiam juntas, inexistia a representação do domínio e do poder do gênero
masculino, cada qual tinha seu espaço de atuação e não se questionavam
esses lugares colocados pela tradição” (OLIVEIRA, 2012, p. 39).

RIBEIRO (2006) assinala que para as mulheres, o período colonial brasileiro em geral
foi marcado de extrema desigualdade com relação ao homem, gerando um impacto muito
grande nas relações de gênero, já que a história das mulheres:
“Inicia-se na convivência e convergência de senhoras reclusas com meninas
órfãs pálidas portuguesas e indígenas libertas, bronzeadas pelo sol tropical.
Ainda no mesmo período, quase no seu início, acrescenta-se a esse
entrelaçamento, uma terceira mulher: a negra e sua condição de escrava dos
donos do poder vigente. Todas são subservientes, em graus menores ou
maiores. Apenas a indígena poderá, quando longe das missões religiosas,
manter seu grau de independência. O preço da sua liberdade, porém, da sua
não submissão à força masculina portuguesa, resultaria, muitas vezes, em sua
morte, em sua extinção. Dessa tríade cultural feminina surgiria o molde
genetivo da mulher brasileira, que perduraria por mais de trezentos anos.
Somente com a vinda de D.João VI, a partir de 1808, seria possível incorporar
a essa fôrma inicial, às diversas influências das mulheres imigrantes européias,
asiáticas, entre outras” (AZEVEDO, 1996, p.40) .

O desregramento sexual e o nascimento de crianças mestiças sem controle preocupou


os portugueses. Então, o padre jesuíta Manuel da Nóbrega solicitou ao Rei a vinda de
mulheres brancas para a colônia e elas serviriam de ―reprodutoras‖ de crianças portuguesas
nos trópicos, politicamente era necessário assegurar a colônia aos seus verdadeiros
mandatários, nem sequer interessava o tipo de mulher portuguesa (RIBEIRO, 2006).
E assim ocorreu, porém àquelas mulheres que não tinham interesse pelo casamento
ficavam marginalizadas. Ainda assim, a mulher branca teve mais privilégios que as demais
mulheres:
“A sociedade colonial desdenhava as mulheres brancas portuguesas que
quisessem permanecer solteiras. Essas não tinham espaço na vida social da
Colônia. Nessa época, foi criado o mito da “encalhada”, ou seja, mulheres
rejeitadas. O ideal de toda mulher casada com um colono era o casamento e a
fecundação de uma prole numerosa. Quanto às outras mulheres,
invariavelmente teriam uma representação social de inferioridade perante a
mulher branca. Impregnava-se o imaginário colonial através de contos, versos,
poemas. Assim, a literatura era um instrumento de reprodução a favor da
hegemonia dominante que veiculava o status de ser branca e sua condição
social privilegiada, ao mesmo tempo em que indicava a dificuldade das brancas
empobrecidas manterem esse status da camada dominante” (RIBEIRO, 2006,
p. 15).
63

A transferência da corte portuguesa ao Brasil em 1807 e as mudanças culturais


promovidas por Dom João VI contribuíram para que a mulher da elite tivesse acesso ao menos
à instrução, conforme pontua OLIVEIRA (2012):
“Aos poucos, a mulher sai da domesticidade e integra-se finalmente na
sociedade, a princípio como escritora ou professora. Em fins do século XIX, o
Brasil já possui mulheres que sabem ler e escrever, limitando-se, no entanto, à
esfera medíocre do romance francês. No entanto, apesar da opinião
predominante de que as mulheres brasileiras do século XIX viviam sob um
regime patriarcal e limitadas a uma vida doméstica (...)” (OLIVEIRA, 2012, p.
5).

Com a mulher negra o processo foi com uma violência e agressividade características
do colonizador, pois sua função estava muito clara para uma sociedade escravocrata, ou seja,
servir a seus donos nas funções da casa e também tornar-se objeto sexual dele. Através de um
processo histórico doloroso, a mulher negra teve que resistir e lutar muito contra a forma em
que as relações de gênero e raça configuravam-se na colônia.
Na verdade, no período colonial existiam várias mulheres em condições de
subalternidade, marginalização e sofrimento, constituindo assim, um grupo inferior na
sociedade da colônia, servindo de instrumento sexual para o colonizador:
“Essas mulheres de condição inferior, brancas empobrecidas, índias e negras,
carregaram sobre si a promiscuidade da colônia, pois, se a maioria das
mulheres brancas de elite era casta, isso só foi possível devido à prostituição
das outras mulheres, que, submissas e de condição social inferior,
submeteram-se aos desejos sexuais dos senhores. A função das outras
mulheres, portanto, negras, indígenas e brancas empobrecidas, não poderia
ser outra, do que instrumentos sexuais dos colonizadores.
No que se refere à negra escrava, sua função era a de reprodução do domínio
patriarcal. Esse desempenho sexual muitas vezes fez com que a negra escrava
minasse o sistema. Não só por ocupar um lugar importante na vida do senhor
em detrimento da mulher branca de elite, como também porque houve
situações em que os senhores proprietários venderam escravos vigorosos por
medo desses competirem na conquista de sua escrava preferida” (RIBEIRO,
2012, p. 17).

No Brasil Império, a condição das mulheres não mudou muito comparando com a vida
que levava na colônia, pois as relações de gênero estavam bem definidas: o homem com seus
privilégios e direitos, frutos de uma sociedade patriarcal. A mulher sequer tinha o direito de
votar ou até mesmo ser uma cidadã. Com uma vida restrita ao lar, estava subordinada às
imposições do pai ou do marido, além disso, ela deveria se submeter a regras de boa conduta.
Enquanto a mulher branca se responsabilizava pela educação dos filhos e dedicação ao
marido; já as mulheres negras tomavam a frente da luta abolicionista e buscavam resgatar as
raízes culturais africanas através da religiosidade, em especial o Candomblé, garantindo assim
uma identidade afro-brasileira.
Além disso, esse período ficou marcado com o projeto de criar uma identidade nacional,
o Estado interviu de forma mais intensa na educação, direcionada especialmente às camadas
inferiores da sociedade. As mulheres foram conduzidas à instrução, porém era uma educação
64

preparatória direcionada a casa e cuidados da família, pois o planejamento das aulas para as
meninas era distinto dos meninos. Segundo MORAES (2010):
“... convém ressaltar, como previsto no artigo 12 e 13 da Lei de 15 de outubro
de 1827, que embora as professoras recebessem os mesmos ordenados dos
professores que desempenhavam as mesmas atividades, existia uma pequena
diferença nas disciplinas ensinadas para meninas: a exclusão de noções de
geometria e limitando-se a instrução de aritmética só às suas quatro
operações, bem como o ensino de prendas que servem à economia doméstica.
Este detalhe revela um tratamento desigual que indica uma diferenciação entre
a educação dirigida a mulheres e homens. Por mais que, ao longo do século
XIX, o acesso à instrução para meninas adquirisse uma atribuição positiva, ela
se dá enquanto associada à promoção das funções da casa: mãe e esposa”
(MORAES, 2010, p. 2-3).

OLIVEIRA (2012) reforça o posicionamento anterior de MORAES (2010) dizendo que:


“Nesta perspectiva, percebe-se que a educação feminina no século XIX no
Brasil ainda encontrava-se fortemente vinculada à mentalidade recebida da
herança portuguesa, com os mesmos preconceitos e limites impostos pela
política reinol, na qual o acesso à instrução ainda era considerado necessário
apenas no sentido da preparação para o casamento, devendo constituir-se
este, a maior aspiração das mulheres” (OLIVEIRA, 2012, p. 13).

Anterior a isso, a conjuntura mundial a partir da Revolução Industrial inglesa que tem
como base a mão de obra assalariada, expansão do capitalismo e a garantia de uma demanda
para consumir os produtos pressionava as sociedades escravocratas, que não tinham espaço
no mundo industrializado, a libertarem os escravos e assim foi assinada a Lei Áurea e
garantida a abolição da escravatura no Brasil. Homens e mulheres negras estavam ―livres‖
para uma ―nova vida‖, ainda que não houvesse nenhuma garantia de mudança social,
econômica e política dos recém-saídos da escravidão, em especial às mulheres negras.
Autores como Moura defendem a ideia de que teve sim uma pequena mudança ocorrida
no pós-abolição para as mulheres negras:
“(...) uma vez forras, e entre estes são maioria, procuram trabalho ligado à
cozinha ou à venda nas ruas de pratos e doces de origem africana, alguns do
ritual religioso, a comida de santo, e recriações profanas propiciadas pela
ecologia brasileira. Algumas trabalham ligadas às casas aristocráticas, onde
recebem sua cidadania de segunda classe; outras preferem se manter
trabalhando em grupo, geralmente como pequenas empresárias
independentes, cooperativadas, produzindo e vendendo sua criações”
(MOURA, 1995c, p. 45).

Para OLIVEIRA (2012) o período pós-abolição vai ter uma grande representatividade no
que diz respeito à condição da mulher branca, considerando as relações de gênero feminino e
masculino, embora para as condições sociais e econômicas dos negros não tenha tido
nenhuma mudança considerável.
“A abolição da escravatura, obra masculina, provoca uma mudança no sistema
de estratificação da sociedade em castas; porém nenhuma mudança ocorre na
divisão da sociedade baseada no sexo. Conseqüentemente, esse fato tem
significados diferentes para as mulheres brancas da camada senhorial e para
as negras escravas. A mulher negra ganha a liberdade formal que não possuía,
ascendendo na esfera social juntamente com o ex-escravo, permanecendo,
porém, numa posição inferior a este. Enquanto o escravo passa a ser
65

considerado cidadão e, consequentemente, adquire o direito de votar, tanto a


mulher negra quanto a branca ficam à margem do processo. Portanto, a mulher
branca sofre uma descensão social com relação ao homem negro” (SAFFIOTI,
1979, p.186-187 apud OLIVEIRA, 2012, p.35).

Com o advento da República, GARDE (2007) comenta que:


“...veio o Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, que manteve o domínio
patriarcal, no entanto, de forma mais "suave" quando dispôs sobre o
casamento civil e retirou do marido o direito de impor castigo corpóreo à mulher
e aos filhos. Este decreto, de certa forma, incentiva as feministas às lutas pela
sua emancipação. Em meados do século XIX já é possível verificar a existência
de grupos isolados de mulheres lideradas por Josefina Alves de Azevedo e
Nísia Floresta Brasileira Augusta, que atuavam em função da emancipação da
mulher” (GARDE, 2007, p. 5).

Após a Proclamação da República, as mulheres se organizaram em grupos na luta pelo


voto e com as contribuições dadas pelo positivismo republicano que considerava a mulher não
inferior intelectualmente ao homem, houve um impulso feminino resultando em atividades
culturais e chás sociobeneficentes que marcou muito a elite brasileira. CALEIRO (2002) afirma
que:
“Os positivistas republicanos também disseminaram a idéia do altruísmo
feminino que se dividia em três modalidades. A primeira seria o amor para com
os seus iguais, o amor para com os que lhe fossem superiores e a veneração e
o amor para com todos que dependessem de sua bondade. Quanto ao instinto
sexual feminino, consideravam-no quase inexistente” (CALEIRO, 2002, p. 3).

O sufrágio universal, a luta feminista pelo espaço na sociedade e o trabalho industrial


feminino caracterizaram a participação da mulher no período republicano, ainda que a
sociedade patriarcal lutasse para reduzi-la às atividades domésticas, por essa razão a
justificativa encontrada na higienização para fortalecer a ideia da mulher e mãe ideal, em
contrapartida às mulheres que ganhavam a vida se prostituindo. Por essa razão, os sanitaristas
brasileiros diziam:
“(...) o ideal da mulher honesta, mãe dedicada e submissa se diferenciava do
contratipo repelente da meretriz. Afinal, a dona de casa agarrou-se ao modelo
da mulher casta tanto mais firmemente quanto ele se distinguia do modelo da
„mulher da vida‟, símbolo da perdição e da monstruosidade”. (RAGO, 1985, p.
89)

Quanto à mulher negra na República, localizada nos redutos das populações negras
reunidas em torno do Candomblé, enfrentavam a vida unidas pelo ideal da raiz africana. Na
capital, no Rio de Janeiro, estavam concentradas nos aglomerados chamados de Gamboa,
Saúde e Santo Cristo, conhecidos como pedaço baiano. Após a reforma Pereira Passos no
início do século XX e as mudanças na área do Porto, a população negra mudou-se para a
Cidade Nova:
“Por meio do trabalho doméstico, da culinária e dos mais variados biscates, as
mulheres conseguiam garantir, mesmo que em bases precárias, o sustento dos
seus. Era comum que as crianças tivessem apenas mãe. A figura do pai,
quando não era desconhecida, tinha pouca expressividade.
Nesse contexto, cabiam sempre à mulher as maiores responsabilidades e
encargos. Geralmente, era ela que assegurava a teia de relações do casal,
66

cujo rompimento põe em risco a própria sobrevivência do homem. Não é à toa


a música de João da Baiana, Quem paga a casa pra homem é mulher
Malandragens à parte, essa era uma realidade” (VELLOSO, 2011 , p. 211-212).

Como podemos observar, as condições sociais, políticas e econômicas das mulheres


desde o período colonial até a Primeira República foi de submissão, uma vez que inseridas em
uma sociedade rígida, machista e patriarcal, não possuíam direitos e suas vidas eram
reduzidas às tarefas domésticas. Mulher do lar, ama de leite, reprodutora, objeto sexual, mãe,
burguesa, operária... Assim estava marcada a história delas, independente de sua condição
social.
Entretanto, ao traçar paralelos, observamos que durante o processo histórico, as
realidades iam sendo vivenciadas de forma diferenciada, pois ainda que a mulher branca fosse
submissa ao marido ou pai, ela tinha uma família, enquanto a mulher negra e pobre dificilmente
se inseria neste modelo, até porque o processo de escravidão fragmentou a família africana ao
separá-los com fins de atender senhores distintos, como também constituir-se um ser
reprodutivo em decorrência dos prazeres carnais do homem branco:
“Ao incorporar a mulher negra ao ciclo reprodutivo da família branca,
inviabilizava-se para os escravos a constituição do seu próprio espaço
reprodutivo. Assim, as relações eram precárias e efêmeras, ocorrendo muitas
vezes à revelia dos próprios parceiros. Acabavam predominando os interesses
dos senhores, mais preocupados em assegurar a reprodução de sua mão de
obra.
Nas camadas populares não se sustentava o modelo burguês de família que
delega à mulher o espaço do lar, a criação dos filhos e a submissão, e ao
homem o trabalho, a subsistência da família e o poder de iniciativa. Algumas
vezes, o casamento funcionava como um conjunto de entendimentos e ajuda
mútua...” (VELLOSO, 1990, p. 211-212).

Era uma relação de subserviência e de exploração. A condição de negra escrava e de


índia selvagem foi reproduzida e mantida durante longos anos contribuindo para um
distanciamento social e econômico, presente até hoje na sociedade brasileira. Essas mulheres,
devido ao processo de escravidão ou de dizimação dos grupos indígenas no Brasil, tiveram
que trabalhar, criar seus filhos, resgatar suas histórias e buscar uma identidade como
instrumento de luta por um espaço dentro de uma sociedade desigual.

V.2 - Empoderamento da mulher de santo do Ilê Asé Orainian


Em atenção ao objetivo da dissertação que é “realizar uma pesquisa sobre as mulheres
de axé, constituindo um estudo de socialização, gênero e religiosidade” e considerando as
questões norteadoras da pesquisa, entre elas: a representatividade das mulheres de Axé na
prática dos preceitos da religiosidade de matriz africana as torna visíveis perante seu grupo
social; a socialização das mulheres de Axé é diferenciada dentro e fora dos terreiros e as
relações de gênero nos contextos religioso e social influenciam no posicionamento político da
mulher de axé, percebemos nos relatos das cinco mulheres do Ilê Asé Orainian
67

posicionamentos e opiniões diferentes sobre sua trajetória de vida social e religiosa,


interessantes de serem analisados a partir do discurso das candomblecistas.

V.2.1 - A fé nos Orixás como enfrentamento das dificuldades e problemas sociais


Estão agrupadas, nesta categoria, as mulheres com os relatos que expressam
sentimentos vivenciados pelas mulheres de santo perante as dificuldades da vida. A análise
das falas as remeteu à presença da religiosidade como enfrentamento aos problemas
socioeconômicos e à vida difícil. Os depoimentos de duas mulheres, Mãe Ayana e Mãe Titilayo
comprovam essa análise:
“Como você pode ver até hoje minha vida é de sacrifício. Ando muito cansada,
foi anos de dedicação e cuidado aos orixás, principalmente Oxossi e Yansã,
donos da minha cabeça. As vezes brigo com os orixás e pergunto sobre minha
vida cheia de dificuldade, a vida dos meus filho que é cheia de problema. As
vezes penso que os deuses não tem nada a ver com isso, a gente vive nesse
lugar cheio de coisa ruim. Oxóssi coloca pessoas no meu caminho para me
ajudar e Yansã me dá trabalho, aparece costura e ganho um dinheirinho”.
(Mãe Ayana, 17/05/2012)

Ao dizer “Oxóssi coloca pessoas no meu caminho para me ajudar e Yansã me dá


trabalho, aparece costura e ganho um dinheirinho”, Mãe Ayana deposita sua fé e esperança no
deus da caça e na deusa dos ventos e tempestades, ainda que os confronte nos momentos de
rebeldia. Isso nos mostra que a relação do fiel e seu orixá pessoal parece ser bastante
influenciada pelos seus deuses, pois ao comentar “brigo com os orixás e pergunto sobre minha
vida cheia de dificuldade”, Mãe Ayana está pedindo que os deuses equilibrem sua vida. Esse
tipo de comportamento é típico dos próprios orixás, cobrarem, ficarem zangados e punirem os
filhos que não cumprem com suas obrigações. É uma relação mútua, uma troca contínua e um
processo de construção da personalidade do filho de santo e da personalidade divina.
THIAGO SILVA (2011) em sua pesquisa sobre Candomblé Iorubá: a relação do
homem com seu orixá pessoal, com base nas publicações de Roger Bastide, Pierre Verger e
Reginaldo Prandi, conclui que:
“antes de tudo, como culto religioso, o candomblé oferece aos seus seguidores
a possibilidade de encontrar e moldar sua própria identidade por meio da
relação com seu orixá, assim a religião possibilitará a construção do caráter do
seguidor, principalmente no que tange ao seu relacionamento com seu pai
sobrenatural, pois, desse contato, a personalidade de ambas as partes irá se
construir mutuamente. Essa devoção está presente nas relações de todos os
tipos, mesmo as que não envolvem somente pessoas ligadas aos cultos afro-
brasileiros. As entidades ligadas aos seus seguidores podem determinar desde
a carreira até os relacionamentos pessoais que o fiel virá a ter” (THIAGO
SILVA, 2011, p. 72-73).

No discurso de Mãe Titilayo vemos um enfrentamento às dificuldades com apoio de


Iroko, seu pai sobrenatural, e das deusas Obá e Oxum, entretanto, diferentemente de Mãe
Ayana, ela é tranquila e aceita a realidade de forma mais alegre, tornando sua vida de
limitações socioeconômicas mais divertida. Isso fica claro quando relata sua trajetória de vida
68

cheia de obstáculos desde a juventude, porém diz “Não reclamo nada, sou alegre, gosto de
dançar, comer e beber a cervejinha”. E é assim que ela ameniza as situações de tensão e
conflitos dentro do candomblé. É uma senhora de oitenta anos que é muito feliz e diante das
adversidades da vida busca resolvê-las com sabedoria, embora seja muito teimosa.
As duas senhoras negras e idosas, possuidoras de limitações econômicas sempre
atuaram com responsabilidade e compromisso nas obrigações da casa, Mãe Ayana cumpre
seu papel de rodante com menor frequência pelo tempo de santo e sua idade, ou seja, seus
orixás se manifestam pouco e é yakekerê da casa, a segunda pessoa mais importante depois
da yalorixá, enquanto que Mãe Titilayo possui um cargo importante de Iyaegbé, ou seja, ela é a
intermediária da paz em toda a comunidade religiosa. São cargos de poder, relevância e
influência no candomblé, pois tornam essas duas mulheres muito respeitadas na rígida
hierarquia religiosa.

V.2.2 - A fidelidade aos deuses africanos é uma prova de amor e agradecimento


Em uma religião como o candomblé é muito raro encontrarmos adeptos que se dedicam
aos deuses que não tenham uma história de dor, sofrimento e doença que os tenha levado ao
processo de iniciação, criando fortes vínculos com o zelador de santo, os irmãos de santo, os
irmãos de esteira e toda a comunidade religiosa.
Entretanto, percebemos no relato de Bunmi, uma jovem mulher branca e bem
posicionada no serviço público do estado do Rio de Janeiro, um forte compromisso com
Yemanjá e uma admirável relação de fidelidade com o sagrado. Parte do que afirma como
verdade mostra essa dedicação à deusa do mar e aos demais orixás como forma de
agradecimento pela vida equilibrada que leva junto à família. Vejamos alguns cortes de seu
comentário: “Minha fé neles só aumenta, tenho rendido muitos agradecimentos à minha mãe
Yemanjá (leva à mão à cabeça) e todos os orixás, eles organizam a vida da gente de uma
forma que não nos damos conta.” No final do relato encerra: “Isso é um pacto, pois Yemanjá
tem me dado uma vida de felicidades, uma família linda e uma grande família de santo”.
Apresenta-se uma relação de troca bastante comum na religião entre a fiel filha de santo e
Yemanjá. Baptista (2007) sustenta essa opinião quando comenta sobre sua pesquisa “Os
Deuses vendem quando dão: os sentidos do dinheiro nas relações de troca no Candomblé”:
“Uma das idéias-força que permeiam este artigo é o reconhecimento de que,
na vida social, interesse e desinteresse, dons e mercadorias circulam
indistintamente pelas mesmas relações. Logo, o que os deuses vendem aos
homens e o que os homens trocam entre si não pertencem a universos
separados e distintos. Os objetos, as gentilezas, os presentes que transitam
por tais relações, pelo contrário, são sempre híbridos, caminham por domínios
que se intercomunicam permanentemente e que formam uma unidade”
(BAPTISTA, 2007, p. 08).

V.2.3 - Orixás, ancestralidade, raízes e processos identitários


69

Aos vinte e cinco anos, Etuhole é envolvida em projetos sociais, muito estudiosa, é uma
jovem comprometida com a religião e possui uma vida muito equilibrada, ainda que seja
dependente dos pais, como ela mesma relata: “sempre tive tudo, irmão, boas escolas, ótimos
professores, viagens, sou filha única. Sempre fui muito mimada pelos meus pais.”
Sendo uma jovem negra, é impressionante a forma em que se envolve nas funções da
casa, em especial quando se trata das obrigações religiosas relacionadas ao seu orixá
feminino chamado de Nanã. Seu relato é de firmeza, afirmação e compromisso em primeiro
lugar com o candomblé e consequentemente aos valores culturais africanos: “Me sinto útil para
a africanidade, para divulgar nossa cultura. É muito legal e você sabe disso. Apesar de gostar
da cultura, minha prioridade é o candomblé, minhas raízes, minha religiosidade, meus amados
Orixás, minha mãe Nanã.”
Analisando a fala de Etuhole, observamos que o fato de ser de Candomblé, buscar as
raízes e valores africanos, estar ligada a projetos relacionados à cultura afro-brasileira
constituem referenciais importantes para as construções identitárias que dão movimento à sua
personalidade enquanto mulher negra e de Candomblé. CAPUTO e PASSOS (2007)
comentam que:
“No que diz respeito às construções identitárias é interessante ainda constatar
aquilo que Hall (2003,p.29) sinaliza, ou seja, na situação da diáspora, as
identidades se tornam múltiplas. Isso significa dizer que não existe, no que diz
respeito à produção cultural, uma pureza original, mas sim uma rede de
empréstimos de referências, de modelos e inclusive de identificações”
(CAPUTO; PASSOS, 2007, p. 103).

E quando se trata de uma identidade religiosa de candomblé, tal como podemos


observar nas palavras de Etuhole, NUNES (2007) explica que:
“Um dos desafios aos quais se acham confrontados os trabalhos
antropológicos que tratam da noção da pessoa consiste em não projetar sobre
as outras culturas o modelo individualista ocidental de pessoa. É nesse
contexto que se deve compreender os objetivos de Goldman (1987) quando ele
propõe que a construção da pessoa no Candomblé deve ser encarada a partir
da idéia de que o eu possui um caráter múltiplo que se opõe à concepção de
unicidade do eu que caracterizaria o pensamento ocidental. Essa questão
remete às discussões mais gerais acerca da concepção de pessoa que
prevalece nas classes populares brasileiras. Apoiando-se no trabalho de Louis
Dumont, Duarte (1986, 1994) propõe que a noção de pessoa corresponde aqui
a um modelo holístico segundo o qual as pessoas se definiriam a partir de
relações hierárquicas e complementares nas quais elas se situariam” (NUNES,
2007, p. 2).

A ideia do eu individualizante, segundo GOLDMAN (1987) não existe no Candomblé, e


isso implica na multiplicidade deste eu, porém NUNES (2007) questiona esse posicionamento e
afirma que ―Nos anos oitenta, Corin já criticava uma visão excessivamente socializante e
homogeneizadora da pessoa na África, que dava demasiado importância ao grupo em
detrimento da posição ocupada pelo indivíduo‖ (NUNES, 2007, p. 94).
70

V.2.4 - Trabalho, autoridade e atitude: uma resposta aos deuses


Ao afirmar “Comigo é assim, isso aqui é como uma tribo de índios e existe uma
hierarquia. Se desobedecer arrumo um olorogun85 com qualquer um. Não quer aceitar as
normas, sai da casa e procura outro lugar”, Mãe Dara mostra que é a firmeza em pessoa,
chega a ser em alguns momentos uma mulher brigona, porque quando se trata de trabalhar
para os orixás, ela não admite de forma alguma erros, principalmente com relação às funções e
obrigações religiosas. De fato, ela tem razão, os deuses não admitem equívocos e falhas, e
podem punir a falta de responsabilidade e atenção.
“Com muitos anos de santo ainda não consegui ter paciência com quem não aprendeu
a obedecer. Aqui as determinações dos orixás, eles dizem o que devemos fazer, acredita quem
quiser e assim tem que ser.” À primeira vista, quem não conhece, acha que uma mulher como
Mãe Dara é grosseira, entretanto, o Candomblé não se resume somente na festa pública, pois
o ato em si pode ser o início de tudo para quem fica na assistência, mas para a comunidade
representa o final de tudo. Passaram-se dois ou três dias de funções, obrigações e tarefas
distribuídas ao longo do dia e sempre obedecendo aos desejos, gostos, preferências dos orixás
homenageados.
A resposta que os deuses exigem aos olhos de Mãe Dara se resume no trabalho e
sabemos que nos candomblés, como em todo lugar, quando se trata dessa questão, as
relações são abaladas pelos desentendimentos e cobranças, pois alguns acreditam que
trabalham mais que outros. É por essa razão que Mãe Dara faz uso da autoridade e da atitude
na tomada de decisões, inclusive para tentar distribuir de forma equitativa as tarefas da casa,
porém, é muito difícil conseguir controlar a situação.

V.3 - Visibilidade ou invisibilidade das mulheres de religiões de matriz africana


Discutir sobre a visibilidade e invisibilidade das mulheres adeptas a religiões de matriz
africana é muito complexo. Não podemos ser tão radicais de dizer que essas mulheres são
totalmente visíveis, considerando os exemplos de Stella de Oxóssi, que além de escrever livros
ocupa uma vaga na Academia Baiana de Letras, ou Mãe Beata de Yemanjá que além de fazer
conferências, também tem livros publicados, ou ainda Macota Valdina, que fez vários
documentários e recentemente publicou seu mais novo livro, assim como Mãe Carmem, filha
mais nova de Mãe Menininha do Gantois e outras. É importante ressaltar que no universo de
tantas mulheres de santo, temos um número muito pequeno de mulheres visíveis na sociedade
brasileira.

[85]
Lorogun, lórogún ou olorogum é uma cerimônia ritual que paralisa a maiorias das atividades nos terreiros de candomblé,
estimulando seus crentes e adeptos ao descanso coletivo, marcando o final do ano litúrgico. O lorogun acontece propositadamente
no período da quaresma católica, logo depois do carnaval, terminando justamente no sábado de aleluia (primeiro sábado da lua
cheia), quando começa o início do ano litúrgico (Ano Novo) para o povo do santo. Neste ritual não acontece sacrifício animal,
embora seja oferecida comida ritual não só aos Deuses, mas a todos os participantes, servido diretamente por todos os orixás do
terreiro, extraordinariamente vestidos com roupas estampadas, menos os orixás funfuns que sempre estão com as suas vestes
brancas. Disponível em < http://toluaye.wordpress.com/ > Acesso em: 23 ago. 2014.
71

Por conta da inquietação a respeito do tema, tivemos a preocupação de buscar no


processo histórico brasileiro a mulher negra protagonista que deu origem ao Candomblé,
mostrando sua luta, persistência e resistência para difundir sua tradição religiosa nos mais
distintos rincões do Brasil. Retomando a inquietação, as primeiras mulheres negras faziam
seus rituais para cultuar os deuses de forma oculta e ainda que organizassem a religião com
base nos valores civilizatórios das sociedades negro-africanas, das quais algumas delas
estavam diretamente ligadas, não podemos afirmar que possuíam visibilidade
aproximadamente um século e meio passado, especialmente pela condição de ser negra em
uma sociedade pós-abolicionista, porém com uma mentalidade escravocrata.
Por essa razão, o aspecto histórico é fundamental para a compreensão do tema,
evitando assim de cair no esquecimento toda a trajetória que essas mulheres construíram ao
longo dos anos, o que não foi nada fácil. O processo de adaptação e de resignificação de
elementos dos antigos cultos africanos garantiu a criatividade das mulheres na criação do
Candomblé, embora tenhamos que considerar as formas híbridas utilizadas por elas, já que por
conta da escravidão, incorporou parte dos elementos da terra, ou seja, da cultura indígena e
também do colonizador, entretanto, é necessário pontuar que este processo de hibridização é
bem complicado e até mesmo dolorido. O exercício da alteridade foi fundamental para que
essas mulheres construíssem uma identidade religiosa com base nas suas origens. E isso a
história oficial omitiu por diversas razões, a destacar: patriarcalismo, machismo, racismo, entre
outros. A respeito da questão, MIRANDA (2012) comenta:
“Segundo Kia Lilly Caldwell (2000), a resistência a pesquisar mulheres não
brancas, pode se tratar também de resistência ideológica, pois conta com a
cumplicidade de mulheres brancas com seu privilégio racial e também a
influência em reforçar a subalternização das mulheres negras. Essa autora
ainda nos mostra que a intersecção entre gênero e raça não foram prioridade
nas pesquisas aqui no Brasil. E quando acontece alguma pesquisa com este
recorte, a autoria é de pesquisadora negra ou ativista” (MIRANDA, 2012, p. 3).

Dependendo da tradição religiosa afro-brasileira, podemos ter mulheres visíveis ou


invisíveis, ainda que seja muito perigoso falarmos nessa temática, pois parece mexer com os
brios do ego e da prepotência de uma academia embranquecida. SILVEIRA (2008), em sua
pesquisa que tem como título “Batuque de Mulheres: Etnografando feituras de Tamboreiras de
Nação no Batuque gaúcho”, observou através da pesquisa etnográfica que as mulheres de dois
terreiros de tradição batuque se tornam invisíveis a partir do momento em que se considera
como prioridade e importância os toques através dos tambores sob a responsabilidade dos
homens. Temos, neste caso, o olhar da invisibilidade feminina a partir das relações de gênero
dentro dos templos afro-brasileiros.
Ao perguntar à Jurema Werneck sobre o crescente número de sacerdotes nos cargos
de direção das religiões de matriz afro-brasileiras, apesar de se ter a maioria feminina como
adeptas, MENEZES (2011) obteve a seguinte resposta:
72

“Sim. Acho que sim. Toda relação de poder para além do próprio grupo é
ocupada pelos homens. Posso estar equivocada, mas se você verificar, no
princípio havia homens e mulheres como liderança religiosa, era natural. Tenho
a impressão de que, na medida em que o candomblé vai saindo das
comunidades, vai acontecendo essa negociação. Isso não é só na religião, mas
tudo que passou para o coletivo negro significou maior espaço para os
homens. Por exemplo, o samba, que foi tema do meu trabalho de doutorado.
Sempre foi lugar de homens e de mulheres, mas elas nunca foram iguais, mas
tinham papéis de igual valor. Porém, quando ganha maior visibilidade... O
samba, antes, ele não era como o de agora; antes de ser esse samba do
público geral, era um lugar de dança onde homens e mulheres participavam
com igual valor.
Você vê que o samba surge na casa de Mãe Ciata, mas ela é quase paisagem.
É Donga, é Sinhô quem aparecem. Ela é uma mantenedora, e mesmo Mãe
Ciata sendo a dona do lugar, ela aparece como pano de fundo para que Donga
e Sinhô e depois Pixinguinha (que nem era sambista, mas era da comunidade)
sejam os donos, se projetem. Na religião, me parece estar acontecendo a
mesma coisa. Enquanto era algo privado, coisa de negros, a mulher tinha o seu
papel. Na medida em que se projeta para fora dos muros das casas,
negociando com a comunidade em geral, na vida de todos e de todas, o
sexismo aparece e é moeda de troca, essa violência, essa apropriação e
desvalorização da mulher. É preciso debater sobre isso, essa troca que
inferioriza a mulher. Todo esforço que elas fizeram para trazer até aqui está
sendo expropriado sem respeito, pelos homens brancos e negros também”
(MENEZES, 2011, p. 175-176).

Como observamos, WERNECK (2011) mostra que com todo esforço, luta e persistência
de Tia Ciata no seu famoso Candomblé, assim como o samba na Pequena África, ela é muito
pouco lembrada, sendo projetados neste processo apenas os homens. Provavelmente para
esta situação, temos, como diz Werneck, que considerar nesta análise o sexismo.
Com relação ao que investigamos e com base na análise dos relatos das cinco
mulheres do Ile Asé Orainian, observamos que três delas possuem cargos na religião,
influência nas atividades da casa, educam os filhos de santo para servirem os orixás e se
dedicam em manter a tradição religiosa como forma de fortalecimento da comunidade religiosa,
caracterizando assim sua representatividade no contexto do Candomblé.
Entretanto, se considerarmos o aspecto social na análise das histórias de vida, vemos
que algumas dessas mulheres tiveram pouca representatividade em sua comunidade, em seu
bairro, ainda que parte da educação religiosa influencie no seu comportamento social. Até
mesmo o fato de cuidar dos afazeres domésticos no cotidiano de sua família, em alguns casos,
não é reconhecido, enquanto que a responsabilidade de cozinhar para os deuses, até mesmo
para a comunidade religiosa é atribuição de um cargo importante na religião.
Obviamente que os relatos constituem dados muito pequenos perante o universo das
mulheres no Candomblé para a academia, porém quando lemos, estudamos ou analisamos a
trajetória das primeiras mães de santo e seu papel social, político, cultural e religioso nos
primeiros cultos afro-brasileiros, nos questionamos enquanto pesquisadores sobre as
publicações que tiveram como desafio mostrar a importância dessas protagonistas para o
mundo acadêmico-científico.
E fica o questionamento: por que deste esquecimento?
73

E acreditamos, assim como MIRANDA (2012) ao defender sua opinião sobre as


Ialorixás:
“são imaginadas, representadas, mas pouco se procura estudar seus feitos
políticos. A negação da participação dessas mulheres em ações políticas é
uma tentativa de invisibilizá-las para produzir uma demonstração de
inferioridade dentro dos estudos feministas. A justificativa de algumas
historiadoras pela dificuldade de falar destas protagonistas é extremamente
esvaziada. Muitas pesquisadoras alegam não conhecer os fatos, ou negam a
existência de fontes a serem consultadas” (MIRANDA, 2012, p. 7).
74

Considerações Finais

Os estudos de gênero constituem valioso instrumento de aprendizado com relação às


mulheres e seu universo de conhecimento e experiência na realização dos cultos afro-
brasileiros.
Buscando despertar o interesse do leitor com relação à dinâmica da espiritualidade
feminina em seus campos de ação, se elegeu desenvolver uma breve discussão com base na
bibliografia que tratasse do papel das mulheres do axé em seus ―lócus‖ sagrado promovendo
um processo de educação, resistência, luta e repasse das tradições religiosas e culturais para
os adeptos do Candomblé.
A construção de uma abordagem sobre a visibilidade ou invisibilidade da mulher de
Candomblé, considerando os debates acerca do gênero e religiosidade, é de uma
complexidade grande, pois exige um entendimento amplo sobre os papéis das mulheres de
santo no espaço religioso, entretanto, não se limita somente a esta questão, pois são várias
nações com formas distintas de cultuar os deuses africanos.
Acreditamos que nosso maior desafio enquanto pesquisadores ao abordar um tema tão
complexo como gênero feminino no candomblé é olhar para o passado, como uma forma de
compreender os valores culturais e civilizatórios que nos levam ao continente africano. Sem
essencialismos e romantismos, pensamos que é inquietante trazer um tema desta natureza
para a investigação, porque estamos falando a princípio de mulheres, mais que isto, mulheres
negras, indígenas, mestiças e brancas que são empoderadas dentro de uma religião que em
pleno século XXI ainda é alvo da intolerância religiosa, e que essa crença nasce a princípio
através da fé e resistência à exploração desumana proporcionada por um sistema econômico
mercantil.
Ainda que as mulheres empoderadas constituam uma porcentagem muito pequena no
universo das religiões de matriz africana, nos perguntamos onde estão as mulheres líderes de
outras crenças religiosas. A resposta é uma incógnita e também é provocante! Provavelmente
o mundo ocidental dê a resposta. Pequenos ações e gestos são valorizados no universo das
religiões afro-brasileiras e isso não quer dizer que não exista conflitos, tensões nas relações de
gênero e luta pelo poder e status86. Como sempre dizem: “são deuses que estão bem pertinho
da gente, embora sejam maiores que nós humanos”.
Ao longo do trabalho tentamos entender uma invisibilidade social das mulheres do axé
na sociedade. Consideramos a trajetórias delas a partir da gênese da religião até os dias
atuais, entretanto, com os relatos dados por cinco mulheres, observamos que a realidade do
candomblé vem passando por mudanças importantes, especialmente se compararmos com a
experiência vivida por mulheres alforriadas no princípio do século XIX. Ainda que constatamos

[86]
Todavia, o engrandecimento e a apreciação pela menor atividade que se faça é reconhecida pelos deuses, que em dias de
festas, fazem uso do abraço em forma de agradecimento.
75

não somente a visibilidade religiosa, mas também a social de duas entrevistadas, tentamos
perceber como estas mantêm o equilíbrio espiritual e estabilidade nas condições
socioeconômicas. Preocupamo-nos com as duas senhoras que são muito respeitadas na
religião, porém suas vidas ainda constituem um campo de batalha por melhores condições
financeiras e sociais. Isto constitui um dado importante para seguirmos discutindo visibilidade e
invisibilidade do gênero feminino.
Foi um ano e meio de participação dentro de um axé e acreditamos que a experiência
da pesquisa nos mostrou que o Candomblé constitui um ―lócus‖ onde as mulheres minimizam
seus conflitos pessoais, agenciam suas expectativas, ajustam suas relações individuais e
coletivas, permutam experiências riquíssimas e negociam muitas angústias impostas por uma
sociedade competitiva, calcada no modelo liberal.
Viver a comunidade do Candomblé é aprender a conviver com as diferenças, é vencer
seus ―demônios interiores‖, é abraçar a causa nobre da religião que é muito discriminada,
assim como aprender que pequenos gestos se transformam em atos nobres. Assim, pudemos
ver o comportamento das mulheres de axé durante vários finais de semana de funções e
obrigações religiosas.
As observações feitas neste período nos dão a certeza de que o projeto elaborado de
forma muito criativa pelas três negras africanas da Costa, as pioneiras Adetá, Iá Kalá e Iá
Nassô quando tiveram a ideia de fundar o Engenho Velho em Salvador foi êxitoso e teve
sucesso, embora com muitas adaptações, mas elas conseguiram, ainda que fosse pelo simples
gesto de cultuar seus deuses ou uma forma intensa de reinventar um espaço sagrado onde
pudesse reviver uma pequena parcela de sua região na África, ou seja, o culto aos deuses.
Por esse motivo, é tão importante considerar a autonomia da mulher africana no
processo de consolidação do Candomblé enquanto religião afro-brasileira, uma vez que nas
sociedades africanas, a essa mulher é dado um grau de importância conforme sua dinâmica de
vida na tribo ou vila, sua influência política nas sucessões e governos, sua criatividade na arte
de comercializar, seu poder de intermediar o espiritual com o humano, além de ser fértil e
garantir muitos filhos ao seu esposo. É a característica matrilinear como prática dos povos
tradicionais africanos.
A respeito da matrilinearidade, CHAGAS (2011) comenta:
“No processo de organização social e política dos africanos, a matrilinearidade
delegava à mulher poder de comando e decisão. Em função desse modelo de
organização a mulher não se limitava à participação no poder ao lado do
homem, mas também era quem decidia sobre as questões políticas,
administrativas e econômicas. Desta feita, era responsável direta pelos
destinos e manutenção das comunidades tradicionais” (CHAGAS, 2011, p. 2).

Talvez por essa razão, Cheik Anta Diop contrapondo à tese do matriarcado africano
como um estágio organizacional inferior defendido por cientistas europeus, elaborou sua
hipótese com base na existência de berços distintos no mundo, distinguindo o norte do sul
76

através da análise do papel social e econômico da mulher na sua tribo. Neste contexto, as
sociedades do sul valorizaram muito o papel da mulher e seu poder de negociar parte da
produção agrícola (NASCIMENTO, 2008).
Por essa razão, falar do papel social e religioso da mulher de candomblé, na verdade, é
também considerar os antecedentes das mulheres africanas que possivelmente alguns
historiadores não tiveram interesse em pesquisar ou talvez fosse um tema sem importância,
especialmente ao tratar de mulher negra. A questão é que essa mulher negra, alvo do tráfico
transatlântico, teve a criatividade de utilizar a fé nos seus deuses para sobreviver, resistir e dar
origem a uma expressão religiosa brasileira com elementos africanos.
Por isso, ―Mulheres do Axé: da invisibilidade social à visibilidade religiosa‖ constituiu um
desafio para garantia de um pequeno aprendizado sobre o universo feminino dentro de uma
casa de Candomblé, que a princípio enxergamos como um meio investigativo de provar que
empoderamento religioso não minimiza as tensões nas relações de gênero, tampouco diminui
os problemas sociais e econômicos vividos por muitos filhos de santo, o que, de fato,
continuamos insistindo na mesma ideia, são mundos diferentes (aspecto religioso e
socioeconômico) que se interseccionam no eu do adepto.
Uma coisa é certa, é impressionante que nesta interseção, a religião predomine e leve o
candomblecista a encarar as adversidades da vida com muita força de vontade e de
superação, inclusive nos momentos mais graves, como são os casos de doenças com menor
possibilidade de cura. Isso mostra, tomando como exemplo as cinco mulheres da pesquisa,
uma situação interessante de ser destacada, independente da idade, cor da pele, condição
socioeconômica e até mesmo o status hierárquico, elas continuam se dedicando aos orixás.
77

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WOORTMANN, Klaas. A Família das Mulheres. Rio de Janeiro: Tempo Universitário, 1987.
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ANEXO I
85

APÊNDICE I
86

APÊNDICE II
87

APÊNDICE III
88

APÊNDICE IV
89

APÊNDICE V
90

APÊNDICE VI
91

APÊNDICE VII
92

APÊNDICE VIII
93

APÊNDICE IX
94

APÊNDICE X
95

APÊNDICE XI
96

APÊNDICE XII
97

APÊNDICE XIII
98

APÊNDICE XIV

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