império e anonimato
Império e Anonimato
CIDADÃOS,VOLTEMPRACASA!
Versão preliminar:
esta edição não passou por revisões gramatical e ortográIica.
6HXVH[HPSODUHVIRUDPGLVWULEXtGRV durante a segunda edição do
Cidadãos, voltem pra casa! - Subjetividade e Visibilidade, realizado
nos dias 23 e 24 de novembro de 2018 no Centro de
Pesquisa e Formacão do Sesc São Paulo.
tiqqun
comitê invisível
anônimo
notas 143
introdução
citoyens, go home!
glac, 2016
glac 08 introdução
recionais e axiomatizações neoliberais sofridas pelos movi-
mentos e coletividades políticos espalhados pelo mundo nos
últimos anos - análises, por meio de contextualizações bra-
sileiras e portuguesas, de algum texto escolhido, editado ou
a ser publicado, dos não-autores. Disso fez-se proposições
de diálogos críticos e reflexivos das asseverações surgidas
no escopo de produção dos grupos em consonância com as
influências negativas e positivas dos mesmos na localidade
em que o encontro se ergueu.
As falas e o debate entre os convidados e os públicos
presentes gerou a organização deste livro, em que não so-
mente textos dos editores se apresentam como também out-
ros, tanto dos não-autores como de convidados, assim como
alguns publicados em jornais e ofertados em palestras.
*
Em 2013, a Edições Baratas editou A insurreição que vem
do Comitê Invisível, possível primeira tradução e publicação
brasileira do conjunto de textos que se configura hoje como
pensamento e ação sobre “invisibilidade política” para al-
guns e “anarquismo contemporâneo e insurrecionário” para
outros. Desde então a Glac vem mapeando a produção dos
não-autores e percebendo o surgimento de suas edições e
traduções brasileiras.
Em 4 de junho de 2016, a editora N-1 de Peter Pal Pel-
bart e Ricardo Muniz Fernandes, lançou Aos nossos ami-
gos , publicado originalmente em 2014 pelo Comitê Invisível
através da editora parisiense La Fabrique, de Éric Hazan. A
Edições Baratas publicou no início do mesmo ano o mesmo
texto, porém com uma proposta de reformulação em seu
título: Aos nossos amigos e amigas . Do mesmo modo, o
glac 10 introdução
há anos, sem obter sucesso, diga-se de passagem, a edição do
texto anônimo Appel, surgido em 2003 em Paris - traduzido
para língua portuguesa pela Edições Antipáticas e adaptado
por nós como Chamada. Até o presente momento, com ex-
ceção desta publicação, a micro-editora apenas conseguiu
lograr o feito de publicar, no final do ano de 2016, uma
reunião de textos da coletiva de arte francesa Claire Fon-
taine, formada pela italiana Fulvia Carnevale, ex-integrante
da primeira formação de redação de Tiqqun, e pelo inglês
James Thornhill. Seu título é Claire Fontaine: em vista de
uma prática ready-made.
*
Esta publicação, intitulada Império e Anonimato - Cidadãos,
voltem para casa, foi concebida em 2016 após o encontro da
primeira edição do programa que citamos. Partindo do que
nele se considerou latente, ela divide-se em três partes que se
dirigem a cada um dos não-autores, mas que se correlacion-
am de maneira simbiótica. Seu interesse, à maneira de sua
organização, é oferecer certa multiplicidade sobre os termos
que a nomeiam. Império e anonimato são largamente prob-
lematizados a partir da contextualização política e literária
de Tiqqun, Comitê Invisível e outros anônimos, por meio da
diversidade de opiniões e análises que participantes e convi-
dados geriram no seio do debate à luz do contexto político-
econômico brasileiro, e parcialmente português.
Ela se divide em cinco momentos: esta longa apresen-
tação, que introduz a ignição de seus conteúdos; as três
partes citadas, que concatenam textos dos não-autores até
então não traduzidos à língua portuguesa ou com traduções
realizadas anteriormente mas adaptadas a esta edição, outros
glac 12 introdução
profunda análise política da correlação entre os levantes e
organizações autônomas europeus dos últimos anos com o
processo de deslegitimação dos levantes e das organizações
institucionais brasileiros no mesmo período. O texto de
Roberto Winter, Sobre uma organização memética da políti-
ca, atravessando a noção de Império expressa em Isto não é
um programa de Tiqqun, aponta e desvela como a relação
de trabalho se torna ressignificada perante o uso contínuo
da redes sociais na internet e como, a partir disso, o meme
se torna um modus operandi do próprio fazer político, tanto
representativo quanto “independente”.
Em Comitê Invisível, a segunda parte desta publicação,
apresenta-se, também após a demonstração da cronologia de
textos do grupo, a tradução da carta Diante de um poder
constantemente absurdo, nós não diremos mais nada, que
os 9 de Tarnac escreveram e publicaram em 2009, após
terem sido presos, acusados por sabotarem uma linha fér-
rea da França e por publicar A insurreição que vem . Neste
curto texto, os 9 de Tarnac expressam o descontentamento
ao “estado de exceção” empregado pelo governo francês no
caso em que estão envolvidos, demonstrando infelicidade
em relação às denúncias realizadas pelos comitês de solidar-
iedade que os apoiavam e, por fim, propõem a “bartlebyz-
ação” de seus atos - ficariam quietos, sem denunciar, a partir
dali com a figura de Julien Coupat 3 encarcerada.
Em seguida, com o interesse em contextualizar a in-
fluência de Comitê Invisível e seus antecedentes, apresenta-
se Entre os 'banlieues' a universidade de Duarte Ferrín,
encontrado pela pesquisa desta edição, que elabora a radi-
calidade intelectual de Tiqqun em contraponto à radicali-
dade propositiva de Comitê Invisível, traçando os contextos
glac 14 introdução
e o aparecimento de Comitê Invisível em 2007 - insígnia esta
retomada dos textos de Tiqqun, que data da segunda revista
em que este seria o órgão consciente do Partido Imaginário.
Desse modo, nos determinamos a apresentar três textos
que foram produzidos por três dos editores participantes
do primeiro encontro do programa em que esta publicação
toma forma. O primeiro, Por que me chama?, de Leonardo
Araujo Beserra, intenta compreender de modo genealógico e
conceitual a constituição da prática e da proposta do anoni-
mato e de sua inerente produção de controle a partir de
Chamada (Appel) , texto distribuído em manifestações par-
isienses no inverno de 2003. Em segundo, Abigail Campos
Leal, se aportando na crítica transfeminista, traz o texto
anônimo Rumo à mais queer das inssurreições , sob a insíg-
nia Mary Nardini Gang, em cruzamento com Introdução à
guerra civil de Tiqqun, gerando assim certo caráter insurre-
cional às próprias problemáticas que envolvem as discussões
entre gênero e comunidade na contemporaneidade. Tercei-
ro, Denise Algures retoma, através de outro texto anônimo
surgido em 2009 em Nova Iorque - mesmo ano da publi-
cação e tradução para o inglês de A insurreição que vem -,
ao contexto reflexões críticas nas perspectiva do feminismo
pragmático. Por que ela está pouco se fudendo para a sua in-
ssurreição é atravessado pela autora com seu texto Como ser
anônima?.
Após as três partes que substancializam o corpo des-
ta organização, por meio de um convite feito a posteriori,
Nathalia Colli, representante do público presente em Im-
pério e Anonimato , encerra o livro. Com Isso não é o fim:
anotações sobre terrorismo e anonimato, a autora recorre ao
esfacelamento da esquerda, sua consequente falta de organi-
glac 16 introdução
de axiomatizar tudo o que ocorre no mundo, toda
e qualquer subjetividade, retirando assim qualquer
desejo próprio dos sujeitos, então o que se produz é
um humano-já-não-humano, totalmente dessubjeti-
vado de si e do meio? Se partirmos daí, seremos um
ser que pode agora ser o que quiser, o que imaginar
ser?
Essa imaginação é suficiente para se erguer a co-
munhão de organizações em luta para a revolução
ou é apenas um dispositivo de subjetivação que nos
libertaria para o retorno de imaginar a revolução?
Por si só, esse imaginar nos emergiria num progra-
ma necessário, diga-se de passagem, ou nos mante-
ria num processo de livramento de nós mesmos, já
que nem isso mais somos?
referências bibliográficas
CHAMAYOU, Grégoire. Théorie du drone. Paris: La fab-
rique, 2014.
INVISÍVEL, Comitê. A nos amis. Paris: La fabrique, 2014.
DANOWSKI, Déborah; VIVEIROS DE CASTRO, Ed-
uardo. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins.
Florianópolis: Desterro, 2014.
LAPOUJADE, David. Deleuze: política e informação. Cad-
ernos de Subjetividade: PUC-SP, 2010.
Regra n˚ 1
Até que surja uma nova ordem, todos os seus direitos se en-
contram suspensos. Naturalmente, é conveniente que vocês
conservem por algum tempo a ilusão de que ainda desfru-
tam de alguns deles. Assim, não os violaremos mais que um
a um, e caso a caso.
Regra n ˚2
Sejam gentis: não nos falem mais de leis, da Constituição e
nem de todas essas elucubrações de outra época. Faz algum
tempo, como vocês podem ter notado, que fizemos aprovar
leis que nos colocam acima das leis, assim como o resto da
chamada Constituição.
Regra n ˚3
Vocês estão fracos, isolados, atordoados, abusados. Nós
somos muitos, organizados, fortes e esclarecidos. Alguns
dizem que nós somos uma máfia. Isto é falso, nós somos
A máfia, a que venceu todas as outras. Apenas nós temos
condição de proteger vocês do caos do mundo. E é por isso
que gostamos tanto de introduzir em vocês o sentimento de
fraqueza, de “insegurança”. É nessa mesma medida que o
nosso assalto é rentável.
Regra n ˚ 4
referências bibliográficas
Baeden. Baeden: A Journal of Queer Nihilism. Seattle, 2012.
Bash Back! Queer Ultraviolence: Bash Back! Anthology. S/l:
Ardent Press, 2012.
Comitê Invisível. A Insurreição que Vem. Brasil: Edições
Barata, 2012.
_____ E a guerra acaba de começar. Brasil: Hurrah e Cole-
tivo Bonnot Edições, SD.
Edelman, L. No Future: Queer Theory and Death Drive.
Durhan: Duke University Press, 2004.
Halberstam, J. The Queer Art of Failure. Durhan: Duke
University Press, 2011.
Mary Nardini Gang. Towards the queerest insurrection.
Milwalkee, 2012.
Tiqqun: Introduction to Civil War. Los Angeles:
Semiotext(e), 2010.
“Espero não!
Esperamos!
O plural é que eu venero.”
Mário de Andrade. O carro da miséria.
Acerca do debate sobre terrorismo, lembro agora de um
pequeno texto de Leon Trotsky escrito em 1911, que dizia
o seguinte:
“Nossos inimigos de classe têm o costume de que-
ixar-se de nosso terrorismo. Eles gostariam de pôr
o rótulo de terrorismo a todas as ações do prole-
tariado dirigidas contra os interesses do inimigo de
classe. Para eles, o método principal de terrorismo
é a greve. A ameaça de uma greve, a organização de
piquetes de greve, o boicote econômico a um patrão
super explorador, o boicote moral a um traidor de
nossas próprias filas: tudo isso e muito mais é quali-
ficado de terrorismo. Se por terrorismo se entende
qualquer coisa que atemorize ou prejudique o in-
imigo, então a luta de classes não é outra coisa senão
terrorismo. E o único que resta considerar é se os
políticos burgueses têm o direito de proclamar sua
indignação moral acerca do terrorismo proletário,
06 N. da E.: Este texto foi apresentado e lido por seu autor durante o
primeiro encontro, Império e Anonimato, do programa Cidadãos,
voltem pra casa!. Ele foi adaptado do português de Portugal por
Leonardo Araujo Beserra ao brasileiro.
N. do A.: Uma digressão possível, mas que será evitada aqui, seria
considerar essa ideia de “forma” exclusivamente a partir do con-
texto da arte, ou seja, reconhecendo que esse provavelmente se trate
de um problema estético/artístico. E nos dois sentidos: uma certa
preferência do campo artístico por uma produção (dita) conceitual
(ou, nos termos deste texto, uma produção artística memética) tam-
bém poderia ser reavaliada. Caberia perguntar ainda: qual o papel
da produção artística na criação das bases e na manutenção da atual
condição memética? Uma pergunta não só retrospectiva – sobre
como a arte lhe proveu bases, por exemplo, por meio das estratégias
de apropriação –, mas também prospectiva, sobre como a arte se
submente na manutenção ou poderia contribuir para a superação
dessa condição.