Você está na página 1de 56

ECONOMIA APRESENTA

AFETIVA

TRAMA AFETIVA 2019


CONTEÚDO COLABORATIVO
ORGANIZADO POR
JACKSON ARAUJO
LUCA PREDABON
Jackson Araujo e Luca Predabon

ECONOMIA
AFETIVA

POR UMA
NOVA
TECITURA
SOCIAL
1a Edição
São Paulo
Jackson Araujo
2019
Precisamos Tecnologia
acender a luz a serviço da
dessa sala criatividade
escura

Por Amélia Malheiros Por Eduardo Valentin


Gestora da Fundação Hering Gerente de Marketing da Epson do Brasil

Ouvi de um querido amigo um conto sobre O Epson Responsabilidade Social é um programa por meio
discípulos de um sábio monge que se reuniam do qual buscamos promover a ações de bem-estar social e
sempre em uma sala escura para orar e meditar. ambiental. Desta forma, desenvolvemos atividades internas
Todos se sentiam confortáveis naquele espaço. e externas, e apoiamos projetos como a Trama Afetiva,
Até que um belo dia o monge resolveu iluminar que visa estimular a aprendizagem, a criatividade, o
a sala. Quando os discípulos chegaram para reaproveitamento de materiais e o empreendedorismo no
meditar, se depararam com um espaço caótico. mercado da moda. É uma enorme satisfação estar ao lado
Todos se surpreenderam e perguntaram ao da Fundação Hering neste projeto.
monge o que significava aquilo. Como de uma A Trama Afetiva dá visibilidade à criatividade e ao
hora para outra o espaço sagrado de meditação potencial empreendedor de jovens artistas, estilistas e
havia se transformado em um lugar que eles designers brasileiros. Este ano, o evento focou também no
próprios não reconheciam? O sábio respondeu: apoio à comunidade LGBTQIA+ mostrando que o mercado
“o caos sempre esteve aqui, agora iluminamos a nacional só tem a ganhar com o incentivo à diversidade.
sala e todos podemos ver. Como vamos ressigni- Os projetos apresentados nos impressionaram pela sua
ficar esse ambiente para nos acolher em nosso imensa criatividade e a capacidade de renovar e praticar
momento de meditação, cabe a nós. Ou fecha- a economia circular. Por isso ficamos muito orgulhosos de
mos os olhos e deixamos a sala como era, ou poder apoiar e fazer parte dessa Trama.
trazemos nosso melhor que já habita em nosso Estamos sempre em busca de inovações, trazendo
mundo interno, e transformamos a sala em um para o mercado novas tecnologias que tornam nossos
lindo e acolhedor espaço de meditação”. produtos mais sustentáveis, acessíveis e versáteis, capazes
Esse conto me fez refletir sobre o momento de atender desde o pequeno empreendedor até grandes
que vivemos. Temos fechado os olhos e buscado indústrias. Um dos nossos grandes focos de negócio,
conforto na crença de que tudo foi sempre por exemplo, é estamparia digital, que esteve presente
assim e até agora vem dando certo… Então, na Oficina Retraços, uma das ações da Trama Afetiva,
mudar pra quê? A escolha de iluminar ou não a que convidou três designers renomados para workshops
sala também é nossa. Estão ai para nos desafiar criativos, que viraram estampas em camisetas da Hering,
as mudanças climáticas. O comportamento do fortalecendo a importância da nossa impressão digital têx-
consumidor, as novas tecnologias. Sinais dados til, que concilia três fatores primordiais para as indústrias:
de que o futuro já chegou. economia de custos, redução de tempo e aumento de qua-
A Trama Afetiva em sua terceira edição vem lidade. Além desses aspectos, oferece vasta possibilidade
nos desafiando a acender a luz (nem que seja a de design, impressão em diferentes tipos de materiais e
chama de uma pequena vela) e tirar da sombra ainda proporciona diminuição significativa no consumo de
tantas questões como uma alavanca poderosa água (até 90%) e eletricidade (até 30%) em comparação
que faça nascer novas crenças menos limitantes aos procedimentos convencionais de estamparia.
e com potência para transformar. Assim nossa Ao longo dos anos, as tecnologias de estamparia digital
sala, que é o planeta, será sempre esse lugar deram vida às criações de estilistas do mundo todo, que
onde todos queremos e sonhamos viver por puderam reproduzir de forma rápida e fácil diversos tipos
muito tempo ainda. de estampa. Na arte, assim como na moda, não há limites
A Fundação Hering acredita na construção para a imaginação. E se depender da Epson, tecnologia
da moda para esse novo mundo, onde economia nunca será uma barreira para a criatividade e para a repro-
e afeto sejam palavras que façam parte da dução de imagens vibrantes em alta qualidade.
mesma frase.

4
A moda para Do
o novo mundo conflito

Por Elisângela Chitero Por Rogério Zé


Comunicação Institucional, Cultura e Produtor cultural
Sustentabilidade da Cia. Hering

Profundo, irreverente e impactante. Não sabemos se vivemos o apogeu


Assim defino a edição 2019 da Trama Afe- da era da comunicação nem se, no
tiva. Um resgate do humano a partir da moda. futuro, cientistas sociais darão a
Um resgate da própria moda como potência este período que vivemos esse nome
transformadora. Uma moda que gera impacto (nem tal importância). O fato é que as
positivo, que vai muito além do produto. tecnologias presentes – manipuláveis
A moda exercitada na Trama Afetiva deste ano ou não – parecem ter-nos permitido
traz a transformação como premissa, desde o colocar todas as ideias em campo de
insumo utilizado ate o posicionamento de marca. batalha. Já contamos corpos nesse
O feltro utilizado como insumo para os caminho transformador e trágico.
nossos trameiros trouxe um novo significado Não são apenas ideias velhas ou
para a roupa que já havia sido usada. Os debates novas que estão em choque. No cen-
promovidos trouxeram um novo significado para tro da guerra estão visões de futuro.
o nosso papel no mundo. Papel como indivíduos Os impactos do hoje serão sentidos
e papel como membros de organizações capazes logo ali, ao dobrar a esquina.
de trazer velocidade para essa transformação. Preferimos, no meio da pan-
E tivemos a pauta da inclusão, que foi traba- cadaria, abraçar a oportunidade
lhada como elemento fundamental de toda essa de tramar novos relacionamentos,
transformação e como base de construção de construir lindas pontes, aspirar o
futuro. Um futuro realmente capaz de gerar mais que há de melhor para inspirar quem
inovação, mais interação e mais humanidade. tiver afinidades, influenciar olhares e
Um futuro de uma moda que soma e que processos, fazer não somente o novo
compartilha. A moda para o novo mundo! ou o melhor, mas o mais belo que
nasce do mais justo.
Escolhemos esse caminho para
produzir a Trama 2019.

5
Um escossistema
de inquietudes

Por Rafaela Carl


Especialista em Sustentabilidade da Cia. Hering

Hoje é Roupa. E depois? Em um contexto de mundo que


pulsa por mudanças, a moda é um organismo vivo e mutante,
que empodera transformações e vem se redescobrindo
enquanto espaço político, cultural, econômico e social.
Mais do que repensar o “jeito de fazer” moda, o que
está em pauta é o jeito de fazer economia, com muitas
perguntas e poucas respostas prontas. O desafio de se
manter democrática, porém não mais excessivamente
linear, gera desconfortos, inquieta padrões. E o que é o
desconforto e a inquietude nesse ecossistema, senão a
melhor oportunidade de descobertas, empreendedorismo,
inovação e o mais potente combustível para educação?
Novos formatos de economia e produção, que tradu-
zem um modelo mais circular, são necessários e possíveis
quando entendemos a sua relação direta com o resgate do
humano nessa trama. Uma roupa nasce, soma as histórias
de quem a fez, vira segunda pele de alguém, se torna parte
de uma identidade. E depois?
Com a Trama Afetiva 2019, despertamos o afeto ao
que já existe e escrevemos as linhas do “depois” para
peças usadas e com defeitos, que foram transformadas
em feltro. Ressignificar roupas, que eram resíduos, em
matéria-prima (o feltro) para um processo de colabora-
ção e criação, concretiza mais um passo na jornada de
descobertas dessa nova economia, que valoriza o resul-
tado pelo processo. Mais do que produtos feitos de feltro,
geramos aprendizados, descobertas e novas histórias
com alma colaborativa.
A Trama Afetiva é um convite ao novo. Um manifesto
pela mudança.

6
O entrelaçar A metodologia
dos assuntos 5R
afetivos

Por Salomão Ritilhos Por Luciano Amado


Trainee de Inovação da Cia. Hering Sócio e CEO da Feltros Santa Fé

A edição da Trama Afetiva de 2019 teve como Desde 2008, nós da Santa Fé Feltros trabalha-
provocação “A morte da roupa”. A frase convida mos preocupados com o meio ambiente.
a uma reflexão muito mais profunda do que a Criamos uma tecnologia própria e utilizamos
primeira interpretação consegue arranhar. atualmente 41 milhões de garrafas pet por mês
Desde sempre, dar vida com arte é uma na fabricação dos nossos feltros.
qualidade homenageada pela humanidade. Contamos atualmente na nossa linha com
Transcender a matéria e adicionar significado ao mais de 800 opções de espessuras, cores e
simplório é algo comum tanto a quem pincela estampas. Em rede, conectamos 15.2 milhões
tinta óleo em tela quanto àquele que perpassa de artesãs no Brasil, toda América do Sul, EUA e
tecido com linha. A “morte” falada diferencia-se Portugal, onde temos uma loja que faz a distri-
do sacrifício voluntário de “nossas” roupas, mas buição para a Comunidade Europeia.
evidencia a inevitável derrocada da forma arcaica Atuamos sobre cinco pilares, o que cha-
de conceber o que nos veste. A Trama Afetiva nos mamos de metodologia 5R: reduzir, recuperar,
prova que nos vestimos de muito mais. reutilizar, reaproveitar e realocar.
A morte da roupa é uma constatação Por essa sinergia, recebemos com grande
objetiva de que, no nosso mundo, não existe satisfação o convite para criar um feltro ino-
mais espaço para discussão de uma moda que se vador para a Oficina Trama Afetiva a partir da
limita à estética. Da mesma forma, exposições desfibração das roupas paradas em estoque da
sem expressão política são tão rasas que o hoje Cia. Hering.
as desconsidera. O resultado batizamos de “feltro afetivo”,
“A indústria que precisamos ainda não reciclado e duplamente reciclável. Por suas
existe, precisamos criá-la”, disse Amélia características e qualidades, ele pode subs-
Malheiros em sua frase de abertura. Em busca tituir o xaxim em jardins verticais e hortas,
de explorar o que essa nova indústria precisa proporcionando equilíbrio e realocação de
ser, a Trama Afetiva articula exposições e plásticos e tecidos de forma mais benéfica para
debates que costuram corpos com sociedade. o nosso planeta.
A leveza que temas como etnia, gênero e
desigualdade social adquirem só é possível
pela falta de rigidez de pautas que a proposta
carrega. A sensação é que as abordagens não
eram uma encenação de assuntos concate-
nados, mas uma profusão de espontaneidade
emocionada na fala de cada convidado.
O privilégio de presenciar as discussões,
assim como todo privilégio, se transforma em
responsabilidade. A responsabilidade do rever-
berar insistente que carregamos para nossos
trabalhos rotineiros. Continuemos.

7
A morte da roupa
Por Jackson Há quatro anos estamos desen-
Araujo volvendo a Trama Afetiva e nessa
Comunicólogo e evolução vários aprendizados foram
diretor criativo transformando o que era inicialmente
da Trama Afetiva uma experiência colaborativa em
upcycling no formato em que aqui
se apresenta hoje, o de um coletivo
multicultural sem perder sua essência
primordial de se colocar como uma
ponte de trocas de conhecimento
para incentivar a pesquisa e busca de
soluções inovadoras para os resíduos
da indústria têxtil por meio do design.
Mas não só isso.
Inicialmente, lá em 2016, enten-
demos ao final do processo realizado
que todes chegávamos no projeto
nos sentindo ilhas e saíamos de
lá nos percebendo partes de um
arquipélago, formado por quem
compartilhava das mesmas dores,
questionamentos e inquietações so-
bre métodos de produção e consumo.

Trama tecida
Inicialmente tudo era sobre como dar
novos valores àquilo que se apresen-
tava como resíduo têxtil.

no coletivo
Depois de um ano, passamos a nos
entender não mais como um projeto,
mas como um movimento de pessoas
que conectam pessoas e fazem da
moda ferramenta de transformação
Por Luca Predabon socioambiental. Mais adiante isso foi
Comunicologx e diretxr de se mostrando pouco frente a todos
conteúdo da Trama Afetiva os questionamentos que se apresen-
tavam e, em 2018, trouxemos para a
Trama Afetiva o desafio de fortalecer
cada vez mais o compartilhamento
Trama, na tecelagem, refere-se ao espaçamento entre os de conteúdos e aprendizados, con-
fios que constituem o tecido. Uma trama menor significa vidando novos atores para participar
fios menos espaçados entre si; uma trama maior, natural- dessa rede de troca. Ali percebemos
mente se constitui por fios mais espaçados. E é sobre este que somente falar sobre resíduo
tecido maior, aberto, permeável, costurado a muitas mãos têxtil era insuficiente para construir
que convidamos todxs a participar. a indústria que queremos e que
Ao abrir o nosso conteúdo – antes exclusivamente ainda não existe: diversa e inclusiva e
voltado para os trameirxs – para um público maior, nosso sustentável e transparente e lucrativa
objetivo é potencializar nosso impacto positivo na socie- e limpa… Resolvemos então construir
dade. Aplicarmos a nós mesmos o sentido lato de coletivo. um ambiente de virulência positiva
Trazendo pessoas que são referência em suas áreas, para que por meio do lugar de fala e
respeitando os lugares de fala, não nos colocando como do poder de escuta pudéssemos am-
senhorxs da verdade, estamos desenhando uma plata- plificar essa rede de questionamentos
forma mais fluida, diversa, aberta ao debate, à outras
opiniões, questionamentos e construções.
Com absoluta transparência, nos colocamos em
constante estado de aprendizagem e transversalidade, de
troca e colaboração, simplesmente por entendermos que
é, sim, pela aglutinação de ideias e ideais, tanto quanto
pelo profundo respeito ao que nos é diverso e até mesmo
contraditório, que atravessamos e somos atravessados
por novas pontes, capazes de transformar, efetivamente, o
espaço em que a gente vive.

10
e respostas, colocando quem quer confecções em condições sub-hu- e reconquistada se colocarmos as
fazer com quem já está fazendo a manas de trabalho. Ali me pareceu pessoas no centro dos processos de
mudança. cada vez mais claro que a moda não regeneração.
Foi assim que surgiu a ideia de poderia mais ser sobre roupas, mas Entre outros assuntos, estamos
abrir nosso conteúdo para além do sim sobre pessoas. versando sobre a construção de: um
grupo multidisciplinar selecionado, Por isso mesmo essa publicação novo tecido social, que visa elaborar
ao qual chamamos de trameires, tem como fio condutor a propagação novas habilidades para um futuro
organizando uma agenda diária de da ideia de Economia Afetiva como livre de crime e romper com o ciclo
masterclasses e painéis que pudesse viés ativista por uma nova tecitura da pobreza; de corpos fluidos, que
tangibilizar o que chamamos de social, compilando conhecimentos e questionam discursos tradicionais
Economia Afetiva, ou seja, projetos, aprendizados sobre como lidar com sobre identidade de gênero a partir
marcas e agências que se fortalecem o tema da sustentabilidade para além do entendimento do não-binarismo;
a partir do fluxo do coletivo, reali- dos resíduos sólidos, amplificando sobre o som da liberdade, que olha a
zando cada vez mais seus negócios nossa linha de pesquisa sobre Eco- música como estratégia de resistência
sociais pautados pela ideia de se fazer nomia Afetiva para um ambiente mais e integração da diversidade cultural,
com os outros e para os outros. humano, trazendo para a roda, os por meio da inclusão e da equidade;
Quando comecei a refletir sobre discursos e as corporeidades políticas sobre a tecnologia humanizada, que
o conteúdo que apresentaríamos no que sempre foram desprezados pela utiliza a inteligência emocional para
palco do Centro Cultural São Paulo, moda. E é no intuito de transformar criar conexões verdadeiras por meio
durante quatro dias do mês de agosto os nossos privilégios em responsabi- de aplicativos, convidando você leitor
de 2019, percebi que intuitivamente lidades que estamos aqui, buscando a acionar seu modo ativista e usar a
eu estava recorrendo ao pensamento perceber o quanto, como sociedade moda como terreno para implementar
que pautou uma performance que civil organizada, podemos atuar na mudanças sociais, comportamentais
realizei ainda na década de 1990. micropolítica para a transformação e políticas.
Quando em 1997, fui convidado a dos muitos mundos que nos cer- Por fim, essa publicação se
apresentar uma performance de cam – nossas linhas de pensamento, constitui um convite em que nossos
moda no evento “Babel” no espaço empresas, marcas… – em lugares mais esforços sejam ações estruturantes
onde seria construído o que é hoje o inclusivos e justos. cada vez mais potentes para afetar a
Sesc Pinheiros, em São Paulo, cocriei Para potencializar e disseminar sociedade civil organizada a agir por
com jovens designers emergentes da essa ideia, organizamos um conteúdo mudanças que assumam a moda como
cena underground da noite paulistana programático para esta publicação uma micropolítica de transformação,
uma ação que batizei de “A Morte que abarca temáticas como o po- entendendo micropolítica dentro dos
da Roupa”. Já ali naquele tempo me der da lógica circular, moda como seguintes aspectos:
incomodava o fato de que a roupa ativismo, empreendedorismo cívico,
começava a migrar para um segundo aprendizados para a liberdade e o ǾǾ Redescobrimento dos pequenos
plano, abrindo espaço para o pro- eterno questionamento sobre lixo coletivos, das associações, do menor;
tagonismo de uma nova geração de ou desperdício?. Tudo escrito pelo ǾǾ Entendimento do diverso que é
criativos que, cada um a seu modo, mesmo time de palestrantes e colabo- nossa sociedade;
buscava traduzir em construções radores que estiveram conosco nos ǾǾ Melhor alternativa para a constitui-
estéticas valores culturais baseados quatro dias de Trama Afetiva e que ção de um conjunto de multiplicida-
em comportamento, entretenimento, praticam a Economia Afetiva em seus des singulares;
gênero e matéria-prima. Tudo ainda projetos pessoais e coletivos. Essas ǾǾ Possibilidade de articular a dife-
muito superficial se tomarmos como páginas trazem ainda relatos pessoais rença sem intermediação;
parâmetro a moda contemporânea do time de trameires que participa- ǾǾ Admissão de que o verdadeiro
que aqui nos interessa e motiva. ram da Oficina Trama Afetiva, sendo político é o sujeito que cuida de si e
Refletindo sobre a atualização da- orientades por quatro designers- por isso pode cuidar dos outros.
quela ideia de “A Morte da Roupa”, me -tutores com experiências diversas
passou na memória como um filme de para exatamente fazer valer nossa
terror aquelas cenas que marcaram proposta de multidisciplinaridade.
a queda do edifício Rana Plaza, em A ideia aqui é propor uma reflexão
Bangladesh, 2013, onde foi descorti- mais ampla sobre como a Economia
nado o hediondo espetáculo da moda Afetiva é uma prática atrelada à
revelando a morte de mais de mil sustentabilidade já que a biodiver-
trabalhadores de um aglomerado de sidade só poderá ser preservada

11
Diversidade como
metodologia de
inovação e evolução

Por Eduardo Borém


Designer-tutor, músico e artista

Participar da Trama Afetiva foi uma experiência ǾǾ Construir com o outro, desenvolver multidisci-
transformadora, sendo um dos participantes se- plinaridade, para enfrentar a complexidade
lecionados em 2018. E foi uma honra tremenda ǾǾ Buscar soluções mais amplas e inclusivas,
participar novamente em 2019, desta vez como desenvolver resiliência, para enfrentar a
tutor do time de criação. volatilidade
É um privilégio estar com pessoas tão esti-
mulantes, criativas, competentes e desafiadoras, Ainda parece difícil acreditar, mas Daniel
num projeto que quer muito: pretende prototipar Christian Wahl diz no livro “Design de Culturas
soluções (de produtos), mas mais que isso, proto- Regenerativas”: “Como seres humanos, somos
tipar formas de interação para construção de so- em nossa própria natureza compassivos e cola-
luções (sociais), nas quais o afeto e colaboração borativos (…). Escassez é, principalmente, uma
podem ser explorados em seu máximo. E, desta mentalidade e falta de colaboração não é uma
maneira, propor novas formas de criar, produzir e realidade biofísica!”
consumir; e refletir, na prática, qual é a indústria Ou seja, a transformação é possível! E a
do futuro, talvez a única indústria possível para inovação mais profunda surge de processos co-
garantir a sobrevivência de nossa espécie. laborativos acolhedores, que aceitam diferenças,
Sobrevivência, esta, que é contempora- dificuldades e falhas, mas que mantém auto-
neamente desafiada por seus quatro aspectos nomia e autorresponsabilização dos indivíduos,
ontológicos: Volatilidade, Incerteza, Complexi- sob um forte comprometimento interpessoal e
dade e Ambiguidade (como, baseando-nos nas coletivo com o processo.
teorias de Warren Bennis e Burt Nanus, pode- Assim, neste contexto, é possível focar no
mos contextualizar o mundo pós-Guerra Fria). processo, mais que no resultado. Pois no respeito
Assim, saber colaborar e – necessariamente ao processo (e consequentemente respeito
– construir com o outro, talvez seja a única ao coletivo e a seus indivíduos) está embutido
chave possível para o futuro desejável. Onde a um enorme comprometimento com a solução.
diversidade, como metodologia de inovação e Independentemente de qual seja a solução, com
evolução, torna nossa realidade mais plural e certeza será a melhor solução possível de ser
nossas soluções mais profundas e mais comple- alcançada para a realidade apresentada, pois
tas, portanto mais holísticas. cada nó desta trama se fortalece mutuamente.
Acredito que para sobrevivermos aos quatro Neste caminho, qual a solução para a abun-
aspectos contemporâneos, precisamos de qua- dância que tanto necessitamos?
tro posturas principais. Precisamos desenvolver
individualmente capacidades comportamentais, “Fazer o mundo funcionar para 100% da hu-
que se reforçam mutuamente: manidade no menor tempo possível, através
da cooperação espontânea, sem ofensa
ǾǾ Entregar-se ao desconhecido, desenvolver ecológica ou a desvantagem de ninguém.”
coragem e confiança, para enfrentarmos a R. Buckminster Fuller
incerteza
ǾǾ Acolher as diferenças, desenvolver flexibili- Isto, na Trama Afetiva, provamos ser
dade, para enfrentar a ambiguidade possível!

12
Palavras cruzadas Por Jorge Feitosa
Costureiro, professor
e designer-tutor

1 Identidade inerente de quem é


2 Textura formada por entrelaçamento
3 Quem possui afeição
4 Mesmo que construirá
5 Que é superior
6 Depois de hoje

13
A revolução Por Patricia Centurion
Conectora de afetos e

do afeto
designer-tutora

Difícil expressar em palavras uma experiência tão rica e Aos poucos vemos marcas e instituições que estão
única, que durante o processo vai crescendo, expandindo, assumindo tais responsabilidades para si, como a Fun-
enchendo a gente de amor, força e esperança, ampliando dação Hering, que apresenta esse projeto. Pudemos
nossa visão e intenção de ação, pois vemos que existem entender também com a fala de Fióti, a trajetória da marca
outros tantos como nós, então o pote de energia se de roupas Laboratório Fantasma. Enfim, os jovens estão se
enche novamente. alinhando a pessoas motivadas com as quais se identificam,
Torço para que a experiência Trama Afetiva cresça movimentos culturais, canais online e marcas para uma
tanto que ocupe um Maracanã e muita gente possa viver agenda de conscientização.
o que vivemos, sentir o que sentimos e ser tocado pelo Tínhamos muito material potente junto. Um material
poder do coletivo. Rede de pessoas diversas automotiva- humano de qualidade e de mundos diferentes.
das a transformar realidades por meio do trabalho com Pelo grupo de trameirxs engajadxs em suas lutas
propósito, consciente com troca e com afeto. e causas, eu conseguia sentir a explosão que seria o
Cheguei à minha segunda Trama Afetiva, inspirada e resultado da oficina TRAMA AFETIVA e quão lindo seria o
motivada, eu diria quase adrenalizada para começar a ver processo conjunto.
nascerem as criações dxs trameirxs selecionadxs e a ver O novo momento que estamos vivendo, novos modelos
sair das máquinas de costura obras criativas. de negócios surgindo do propósito de cada um. As falas,
Na minha cabeça seria fácil, pois como já tinha viven- as rodas de conversa, as histórias que pudemos conhecer,
ciado a Trama Afetiva na sua primeira versão, já pressentia nos motivando mais ainda a agir.
que seria incrível a experiência e os resultados, surpre- Os resíduos têxteis da Cia. Hering transformados em
endentes. Mas senti que nem todos estavam tão seguros nova matéria-prima pela Santa Fé Feltros.
do resultado como eu. Tudo era novo para a maioria, e o A mão-de-obra experiente e comprometida das
tempo do projeto que antes durava um mês, agora surgiu quatro integrantes do grupo produtivo de costureiras
em uma proposta mais enxuta, pocket de quatro dias. Cardume de Mães.
O tempo realmente poderia ser uma questão, tínhamos Sede por consumir ainda pulsando nas pessoas que
quatro dias, divididos da seguinte forma: pelas manhãs, querem por meio da moda e do design mostrar sua própria
falas, rodas de conversa e discussões; às tardes, oficina identidade (afinal moda é sobre pessoas, QUE vestem rou-
para desenvolver as criações. pas), inclusão, diversidade de gêneros, cor, gosto, política.
Então se o desafio era o tempo, o foco seria no talento Estávamos prontos para comunicar com propósito e
dxs trameirxs e na abertura individual de cada participante significado, colocando nossas potencialidades, criativi-
para abraçar a experiência. Deveríamos usar isso como dade e talentos para fora por meio do nosso feltro, feito
motor e injeção de estímulo e trabalhar a criatividade, do nosso resíduo.
priorizar a ação, sem desperdiçar material. Eu estava tão feliz, pois a minha expectativa de ver um
As falas da Trama Afetiva nos convidou a olharmos no sonho que até pouco tempo atrás parecia distante se con-
espelho, chamando a responsabilidade para nós. cretizar, logo ali, prestes a se materializar na minha frente,
Me questionei, qual meu/nosso papel como tutores na de uma forma rápida, criativa e experimental, ativou de
Trama Afetiva? Na família? No condomínio, bairro, associa- forma espontânea esses sentimentos.
ções, cidades, países, mundo, planeta? Mas que sonho era esse? O sonho de ver o resíduo
E assim a fala de Jackson Araujo, “a moda não é mais têxtil se transformar em um feltro lindo e próprio para
sobre roupas e sim sobre pessoas”, para mim ressoou em o design e outros fins. Ver a sobra, o excesso de resíduo
um contexto universal, também sobre a economia, a polí- têxtil de uma marca de roupa se transformar em outros
tica, o consumo… Enfim, tudo é sobre pessoas, relações e produtos, em soluções que podem ser usadas pela própria
afeto. Quero acreditar, pois já sinto assim, que estamos em marca e fazer sentido para todos os envolvidos e para
outro momento histórico, onde já realizamos os benefícios toda a cadeia produtiva; ver uma solução real para toda
e malefícios da revolução industrial e guerras e é chegada uma indústria que não sabe o que fazer com seu resíduo,
a hora de aprender com os erros, olhar para os acertos nascendo ali na nossa frente… Enfim dentro de mim, era
e costurar, tramar um futuro onde o SER humano e as pura emoção, alegria e inspiração.
relações de respeito mútuo sejam o foco do processo e o A inspiração de fazer o feltro em São Paulo, na Santa Fé
objetivo final, seja ele como for, de qual gênero, cor, gosto Feltros, veio da empresa holandesa i-did.nl, onde trabalhei
musical, partido político. por dois anos com sua fundadora Mireille Geijsen, que

14
além de grande amiga inspiradora foi quem
me abriu as portas do mundo do redesign, do Um movimento
transbordante de
feltro e suas múltiplas aplicações. Ela trilhou um
árduo caminho de pesquisa, de erros e acertos,
deixando para nós um percurso bem mais fácil

ressignificação
de trilhar.
Então juntando as conexões pelo mundo, lá
de Portugal onde vivo agora, conheci o feltro da
Santa Fé e daí para realizar o nosso sonho, o ca-
minho foi tramado com muito cuidado, pesquisa
(mistura de tecidos desfibrados de roupas da
Cia. Hering com fibras feitas a partir de garrafas
pet) até chegar na espessura, cor, e potência do
material para se trabalhar criativamente.
Assim nasceu um feltro bonito, resistente, Por Itiana Pasetti
sustentável, com textura agradável, macia e que Designer-tutora,
resssignifica um material que sempre foi usado empreendedora social,
“escondido” ou sem muito valor. sócia-fundadora da
Conseguimos então, provocar e estimular Revoada
um grupo de talentosxs trameirxs, a se envol-
verem e darem o máximo dos seus saberes e
entrega, atribuindo valor à uma nova matéria- A Trama Afetiva nasceu “o” Trama Afetiva. A “mudança” de
-prima, transformando-a em objetos de desejo gênero nesta edição não se deu só pela mudança de letra,
e identidade. Tudo em quatro dias. Pirei, né?! mas tanto mais pelo consciente entendimento do ser
feminino, sinônimo de cuidado e acolhimento. Por nossas
mentes e corpos que explodiram em sensações que vão
muito além da moda e das roupas que vestimos.
Como disse Jackson Araujo, ainda em 1997: vivemos a
morte da roupa! A moda não é mais sobre roupas, e sim
sobre pessoas. Sobre corpos invisibilizados e matérias-pri-
mas chamadas de lixo.
Tenho a alegria de participar desde a primeira Trama,
deste movimento autêntico e vivo, transbordante de ressig-
nificação, que conecta distintas realidades e nos move na
direção da responsabilidade diante de nossos privilégios.
Ser tutora, agente e condutora dos processos de
criação é muito mais que desenvolver produtos com
diferentes resíduos, é estar e ser em coletivo! Nesta última
edição tivemos apenas três dias para desenvolver produtos
em feltro, obtido a partir do desfibramento de roupas da
Cia. Hering e, só com a força e potência do coletivo, foi
possível chegar a uma coleção diversa e de atitude, que
traz em cada nó de costura, um laço de afeto.

15
O futuro é circular
(e o circular é feminino)

Por Carla Tennenbaum renovação. Ou seja, até onde a na- Valor em circulação
Designer, comunicadora e tureza sabe ser cíclica, a gente tenta Materiais renováveis do ciclo biológico
cofundadora da plataforma fazer ela linear. são desenhados para retornar de
Ideia Circular No curto prazo isso pode até dar forma segura e saudável pra bios-
“certo”. Certo, aqui = dar lucro para fera, e seguir alimentando os ciclos
quem segue esse sistema. Mas no naturais. Materiais finitos também são
longo prazo não tem como se susten- desenhados como nutrientes do ciclo
tar. Porque é um sistema burro. técnico, e têm seu valor recuperado
E pra economia ser circular a em sistemas inteligentes de reuso,
gente precisa de sistemas mais inte- reparo, remanufatura e reciclagem.
ligentes. Que mantenham o valor em Como nutrientes técnicos, eles
circulação – com intencionalidade. seguem alimentando a indústria, sem
Quer dizer, que os materiais, os pro- contaminar a biosfera. Essa distinção
dutos, os modelos de negócio sejam entre o ciclo técnico e o ciclo bioló-
Talvez você já tenha ouvido chamarem desenhados pra recuperar e renovar gico é a chave do pensamento “Cradle
a economia circular de “tendência”. esse valor. Sistemas desenhados pra to Cradle” – do berço ao berço, uma
Pra gente que trabalha por essa ideia, serem regenerativos. das correntes teóricas que mais
economia circular não é tendência - é Eu tenho pesquisado formas contribuiu pra isso que hoje a gente
futuro. de definir e apresentar a economia chama de economia circular, e que
O futuro é circular. circular há pelo menos cinco anos, é a abordagem que a gente segue no
Ele pode – e precisa – ser circular. desde que criei a Ideia Circular com nosso trabalho de educação com a
Num sentido mais restrito, a gente a Léa Gejer, e já antes disso, quando Ideia Circular.
tá falando de circular o valor dos a gente tentava traduzir o “Cradle to
recursos. Cradle” pro português – mas essa é Intencionalidade
Porque a nossa indústria se outra história... O foco é no design - no desenho dos
expandiu por um modelo ‘linear’. Ou Tem muitas definições diferentes produtos e sistemas. Não dá para
seja: a gente extrai recursos, processa pra economia circular. Porque não é realizar uma economia circular só com
materiais, fabrica produtos, vende, um conceito único, acadêmico, que gerenciamento de resíduos. A gente
usa (“consome”), e descarta: joga uma pessoa inventou. É uma ideia que precisa começar a olhar antes: em
o que sobra no “lixo”. E joga o lixo vem se condensando, a partir de ou- vez de achar o que fazer com o lixo,
“fora” – pra apodrecer num aterro, na tras, e um movimento que vem sendo entender por que aqueles materiais
melhor das hipóteses, ou pra con- construído nos últimos anos, em estão virando lixo, pra começo de
taminar a terra onde a gente planta vários lugares do mundo, e por vários conversa. Como redesenhar esses
nossa comida, a água que a gente agentes: organizações da sociedade materiais, produtos ou sistemas, para
bebe, o ar que a gente respira (e não civil, empresas grandes e pequenas, que a recuperação do valor seja mais
só a gente, mas os zilhares de orga- universidades, governos nacionais, fácil ou intuitiva?
nismos todos que dependem desses regionais, municipais…
sistemas). E uma ideia que, como tantas antes Regenerativa
E além desse acúmulo de resí- dela, vem sendo também apropriada e Porque a gente já passou do ponto em
duos, desse “lixo” - que em alguns esvaziada agora que caiu (um pouqui- que só reduzir os danos é suficiente,
casos é visível, e por ser visível inco- nho) na boca da mídia e do mercado. ou em que só prevenir é suficiente.
moda (pense numa tartaruga marinha Então é fácil pra alguém olhar como A gente já fez um estrago tão grande
entupida de plástico, num rio, rua ou uma tendência, ou como algo muito que precisa pensar como fazer pra
praia coberta de lixo)... Tem a outra superficial – usar resíduos em algum regenerar os nossos sistemas. Tanto
ponta da cadeia, que é bem menos novo ciclo, independente de qual seja. os sistemas naturais, quanto os siste-
visível, mas não menos preocupante: Ou um jeito mais chique de falar de mas sociais. Pros nossos filhos, filhas,
o esgotamento dos materiais. Porque reciclagem, ou de sustentabilidade. netas e netos herdarem um planeta
alguns recursos se renovam, outros As definições que eu mais gosto, onde valha a pena viver.
são finitos. E a gente usa os finitos que eu acho que podem ser mais
como se não houvesse amanhã, nesse transformadoras, incluem esses 3 METÁFORA
sistema linear – e também usa os elementos: manter o valor em circu-
renováveis sem devolver nutrientes lação, com intencionalidade, pra ser Também tem quem fale da economia
para os sistemas que fariam essa regenerativa. circular como uma estratégia, ou uma
ferramenta. Pra mim ela é uma visão produtiva é masculina. Ela parte de um pessoas ou lugares. Ou seja: babás,
de futuro, uma imagem-guia, algo que modo de pensar linear que, sob o risco professoras, enfermeiras, cuidadoras,
a gente está tentando construir junto. de parecer generalista, eu chamaria de faxineiras, empregadas domésticas,
E eu também acredito que essa ideia masculino. Vejam bem que não estou cozinheiras, arrumadeiras.
de uma economia circular vem se dizendo que é o modo de pensar dos
mostrando tão poderosa porque, além homens, nem de todos os homens – o E AGORA?
de ser a primeira vez em muito tempo que seria, realmente, generalizar. Mas é
que a gente ousa visualizar um futuro um modo de pensar masculino, que vem Como se transforma isso? Não é só
positivo, o circular é uma metáfora da porção masculina presente em todos promover mulheres a posições de
muito forte. nós, homens e mulheres. poder.
Quando eu estava pesquisando pra Como caracterizar esse pensa- Ainda que seja importante – muito
um artigo sobre as várias definições mento? Bem, digamos que é um modo importante – ter mulheres nesses
de economia circular, e por que é tão de pensar “direto e reto”. Quantitativo, espaços, falando em lugares como a
difícil chegar a um consenso, minha racional, especializado. Que busca o Trama Afetiva e que a sua contribuição
colega Regina Magalhães indicou o tra- sucesso, o alto impacto, o domínio. E seja valorizada tanto quanto a dos
balho da Deirdre McCloskey, uma eco- que tende a ser competitivo, combativo homens.
nomista norte-americana que em 1983 e, no limite, destrutivo. Esse é um grande desafio que nós
escreveu “A Retórica da Economia” Não é que esse pensamento esteja – minha sócia e eu – temos enfren-
(como Donald McCloskey). O texto traz errado, ou precise acabar. Pelo con- tado no Brasil. Mas não é só sobre
reflexões muito interessantes sobre o trário: ele é útil e ajudou a impulsionaras mulheres – é sobre o feminino.
papel das metáforas na teoria econô- diversas conquistas – sejam científicas, E todos nós, homens e mulheres,
mica. Em especial, pra mim, a ideia econômicas ou tecnológicas. Mas a sua carregamos traços masculinos e
de que “a tradução de uma metáfora prevalência absoluta contribuiu para o femininos – ainda que culturalmente
importante nunca termina”. Porque ela estado de destruição e crise ambien- os homens sejam ensinados a reprimir
nunca deixa de nos surpreender com tal, econômica e social em que nos o seu feminino.
implicações inéditas. encontramos. Então, metaforicamente, a saída
Então é importante que a gente Se estamos buscando alternativas não é só valorizar as mulheres ou
tente definir a economia circular, e nos lançando ao desafio de construir trazê-las a posições de poder dentro
mas essa é só a ponta do iceberg. A outras imagens de futuro – essa que es- de um mundo masculino, mas valori-
economia circular é um termo, uma tamos chamando de economia circular, zar o pensamento feminino em todos
imagem que estamos criando juntos por exemplo – , então é preciso antes nós: homens e mulheres. E o que eu
para uma transformação que é neces- de tudo questionar a lógica que criou chamo de pensamento feminino aqui
sária para a nossa sobrevivência. o problema, entender as suas sombras é essa sabedoria não-linear, intuitiva
E originalmente ela fala de como e os seus limites. E investigar outros e sistêmica. Também é esse impulso
os seres humanos lidam com os mate- modos de perceber e atuar no mundo. regenerativo de cuidado, que precisa
riais, com os recursos da Terra. Como ir além da esfera doméstica, para
circular valor, ao invés de desperdiçar O CIRCULAR É FEMININO nortear os homens e mulheres que
valor. Mas a gente também pode se tomam decisões políticas ou produti-
surpreender com outras implicações Metaforicamente, o circular é feminino. vas que afetam a nossa coletividade.
interessantes e poderosas se explorar Não só na simbologia, que é clara. Ora,
a metáfora circular em outros níveis. o símbolo do masculino é um falo ereto, CUIDANDO DA CASA
E eu acredito que uma parte im- reto. Já os símbolos do feminino são
portante, que ainda está faltando nos circulares, curvilíneos: seios, mamilos, Porque tanto a economia quanto
esforços de decodificar a metáfora da uma barriga gestante. a ecologia têm essa raiz ‘eco’, do
economia circular, envolve a circulari- Além disso, a maior parte das mu- grego oikos, que significa ‘casa’. Mas
dade como um princípio feminino. lheres tem uma conexão com processos depende de como você define a casa.
cíclicos que, por exemplo, transformam Afinal, este planeta é a nossa casa
O LINEAR É MASCULINO seu estado físico e emocional a cada comum. E todos nós precisamos
momento do mês. aprender a cuidar dela. Especial-
Podemos começar percebendo Mas para além dos símbolos e mente os muitos homens, e as poucas
que a economia linear é uma eco- significados mais óbvios, como o ciclo mulheres, em posições de poder.
nomia masculina – literalmente e menstrual… A maior parte das carac- Ou seja: precisamos cuidar da
metaforicamente. terizações da economia circular fala nossa casa, deixar a casa em ordem
Literalmente, porque ela foi criada de regeneração, de cuidado com o para nossas crianças.
por homens. Até pouco tempo atrás, lugar que habitamos. Mas o cuidado, na E, como um problema não se re-
eram só homens dirigindo governos nossa cultura, é uma função majorita- solve a partir do mesmo pensamento
e empresas. Nós trabalhávamos em riamente feminina. E, como a maioria que o criou, é recomendável sair da
casa, cuidando dela e das crianças. das funções femininas, ela é desvalori- lógica linear, extrativa, competitiva,
Só muito recentemente passamos a zada, cultural e financeiramente. que eu estou chamando de masculina,
atuar aqui também, tomando algu- Os homens dirigem o mundo, e que criou a economia linear e a crise
mas decisões do mundo produtivo. tomam as decisões, geram valor de recursos que estamos vivendo.
Então literalmente, historicamente, financeiro às custas de um modelo Precisamos buscar soluções a
a economia linear foi criada por destrutivo de extração. E nós ficamos partir dessa sabedoria sistêmica,
homens, através das ações e decisões em casa, cuidando. Ou ocupando as compassiva e regenerativa. Que é
de homens. profissões associadas ao cuidado, de feminina, e é circular.

17
Mas a economia linear também
é masculina porque nossa lógica
Circular
Afetos

Por Adriana Tubino


Empreendedora social, sócia-fundadora da Revoada

O que precisamos para atravessar juntos um mundo em dentro pra fora, senão corremos o risco de ver apenas
transição? As respostas parecem ser múltiplas, diversas e passar pela nossa timeline mais um conceito bonito, uma
vindas de todos os lugares, cores e formas. São muitas as moda que vem e que passa, gera resíduos e se despede até
pontes que podemos criar juntos. E quanto mais possi- a próxima temporada. Assim, faríamos mais do mesmo.
bilidades gerarmos, mais riquezas poderemos oferecer A Economia Circular nos convida a sermos mais
como alternativas. A Trama Afetiva de 2019 trouxe à tona eficazes do que eficientes, a irmos além da sustentabili-
as pessoas mais do que a moda, misturou palco e plateia dade. Queremos somente que algo se sustente? Queremos
por meio do compartilhamento de histórias de vida. Existe chegar somente ao zero% ou queremos crescer, prosperar,
separação entre vida e trabalho, entre o que sentimos e chegar ao 100%, transbordar vida? É vital sairmos da lógica
criamos? Cada trajetória contada ali era uma jornada, a da escassez para a abundância. Os recursos podem ser
jornada do ser humano no mundo e aos poucos ia consti- verdadeiros nutrientes para a terra e para os sistemas
tuindo uma trama afetiva capaz de revelar, entre risos e lá- produtivos, se forem pensados de forma inteligente e
grimas, quem somos e porque fazemos o que fazemos. Em positiva, de forma circular. A Economia circular nos con-
cada palavra e gesto estavam as chaves de nossa potência vida a cuidar, cuidar da forma como fazemos as coisas do
única no mundo, de nossa vulnerabilidade e coragem. O começo ao fim, ou melhor, do começo ao recomeço.
que nos une? O que nos separa? E o que isso tudo tem a Nesse contexto o papel do design passa a ser mais do
ver com Economia Circular? que criativo, mas sim de regenerador da vida. A circulari-
Para falar de Economia Circular e sobretudo praticá-la, dade nos convida a olharmos pra além do nosso umbigo
parece ser essencial compreendermos que tudo, abso- e perguntar: e depois? E assim nos lança diretamente pro
lutamente tudo é integrado. Eu, o outro, o ser humano, futuro através do presente, o tempo onde de fato pode-
a natureza, ação e reação. Tudo uma coisa só. O mundo mos fazer algo aqui e agora.
parece mesmo estar nos dizendo intensamente que não Foram muitas pessoas, histórias, aprendizados e
existe nenhuma separação. E para que possamos ser cada trocas. Uma riqueza sensível sem tamanho, exponencial,
vez mais conscientes e despertos é importante sentir isso como de fato a geração de cultura é. Juntos podemos SER
verdadeiramente. É essencial olhar para as nossas histórias no mundo e para o mundo. Juntos podemos voar livres,
de vida e sentir a dor e a delícia de ser quem somos e de ver pois o céu é imenso e o azul é pra todos nós. Uma vida
o que estamos plantando e colhendo ao longo dos tempos. longa e abundante à Trama Afetiva! Revoé!
A potência do sentir, do compartilhamento e da colabo-
ração são capazes de nos mover para a ação, para o ato
de transformar o que precisa ser transformado e assumir
nosso lugar no mundo. A construção de uma verdadeira
Economia Circular só parece possível se acontecer de
“Parte de nós”,
“a nossa parte”
e o problema de
estar “à parte”
Por Jonas Lessa
Gestor ambiental
e cofundador da Retalhar

Em algum momento perdemos o fio da de procedimentos para que com-


meada – e talvez não tenhamos tempo ponentes de resíduos pós-consumo
para discutir até chegar à conclusão sejam reaproveitados, é apenas uma
de como isso foi acontecer. A globa- das tantas ferramentas que temos
lização não nos ajudou o suficiente e, à nossa disposição para colocar em
por mais estranho e incoerente que prática os dois conceitos menciona-
pareça, neste processo a humanidade dos. Sua vantagem é que direciona
se desconectou. Perdemos a capa- o olhar para paradigmas ineficientes
cidade de perceber as relações de negligenciados ao longo de toda a
causa e efeito – e com isso não mais cadeia produtiva, gerando insumo
nos situamos em relação ao Todo. para a disseminação de consciência
Passamos a nos referir ao Mer- e despertar entre os vários atores
cado e à Economia assim mesmo: envolvidos no desenho e confecção
com letra maiúscula, como um nome de um produto e dos materiais que o
próprio, e pior: na terceira pessoa. compõem.
Esquecemo-nos do relevante papel A Retalhar, negócio de impacto
que realizamos querendo ou não. que, baseado nos princípios da
Quando compro uma balinha na economia circular, presta serviços de
esquina, estou “dizendo” ao dono da logística reversa de uniformes profis-
marca fabricante que ele pode seguir sionais, utiliza essa ferramenta para
com as mesmas práticas e processos, promover mudanças e reflexões nas
o mesmo preço, embalagem e canal grandes empresas, criando potentes
de distribuição de seu produto. Afinal, sinergias para o impacto socioam-
literalmente no que depender de biental positivo por meio da inovação.
mim este é o formato que o permitirá Acreditamos na capacidade de
alcançar seus objetivos. O mesmo contribuição de cada indivíduo e por
vale para a blusinha, a garrafinha isso atuamos diariamente de forma
de água, o copinho de café e tantas ativa na construção de uma nova eco-
outras falsas necessidades que já nem nomia alinhada aos valores que nos
questionamos. A verdade é que somos humanizam, integrando os diversos
verdadeiros acionistas de cada marca agentes deste sistema para que seja,
que consumimos ou simplesmente de fato, um instrumento de regulação
deixamos de questionar seus comos e das trocas entre sociedade e meio
porquês. ambiente.
Neste contexto, os negócios Com tantos problemas latentes
de impacto e a economia circular em nossa sociedade, convidamos a
são frutos – do questionamento, da todos para mergulhar profundamente
inquietude e principalmente da busca em ao menos um deles, desvendar
genuinamente humana por promover suas causas e idealizar, testar e
o bem. A logística reversa, conjunto aprimorar soluções.

19
Moda, Música O Laboratório Fantasma está completando 10
anos. A gente quer poder inspirar as pessoas

e Resistência
através da arte e isso inclui a frente de moda,
onde podemos tocar profundamente as pessoas
através de um desfile e das formas como a gente
constrói essa narrativa.
A moda é um segmento popular. Todo mundo
Evandro Fióti precisa ter o que vestir. A forma como você se
Músico, produtor e empresário sócio- veste e se apresenta, começou a fazer muita
fundador do Laboratório Fantasma diferença pra mim. A partir do momento que eu
senti essa diferença, que a gente conseguiu que-
brar alguns estereótipos, mesmo em lugares que
às vezes não queríamos estar, mas precisávamos
estar, estar bem vestido com uma roupa que já
de cara mostra quem você é, de onde você veio
e como você consegue causar impacto, já te
nutre internamente de uma força para que você
consiga imprimir melhor o que quer fazer. Seja
numa reunião, seja no seu dia-a-dia de trabalho.
Eu acredito que a moda tem esse poder,
pois ela é universal e plural. Por meio da moda,
podemos propor conexões muito profundas e
acessar um lugar muito íntimo das pessoas.
Em relação à essa construção plural,
acredito que não existe outra forma de fazer.
Quando você começa uma empresa sem recurso
financeiro, depende do apoio das pessoas
pra tornar isso possível. Tudo o que a gente
construiu, eu e o Emicida, é fruto do suporte
da coletividade: a somatória do segmento do
hip hop – onde muita gente falou mal, mas
muita gente abraçou, entendeu a mensagem, o
propósito e a importância daquilo – e da união
familiar que temos dentro de casa.
Os desfiles e tudo o que a gente construiu
até agora, nada seria possível se não contásse-
mos com a parceria dessas pessoas nos eventos,
como todos os artistas da cena do rap que
sempre aceitam participar das nossas produ-
ções, porque sabem do carinho, do afeto e da
importância do que a gente está construindo. A
gente não está só falando de movimentar re-
curso financeiro, a gente está falando de deixar
um legado.
A gente está aqui pra construir, devagar,
passo por passo, e facilitando o caminho pras
próximas gerações. No fundo é sobre isso.
Ile é um
PGP legal!
Por Pri Bertucci
Artista social, identifica-se como gênero queer, é fundador e
presidente do [SSEX BBOX], label de justiça social que amplifica e
prolifera o debate LGBTQIAP+ em várias partes do mundo

Não me sinto “representado” ou “representada” da inglesa, por exemplo, não é neutra nos seus
por esses pronomes existentes em nossa língua. substantivos: sentamos “na” cadeira, vemos “a”
lua, emprestamos “o” caderno. (Sabe que me
“É tolo uma sociedade apegar-se a velhas pego pensando que aqui é “o” mar e na França,
ideias em novos tempos, como é tolo um la mer: acho que gostaria de ter um mar femi-
homem tentar vestir suas roupas de quando nino. Mas essa já é uma outra história, para um
era criança.” Do filme “Ponto de mutação”, outro texto, com outras reflexões.)
de Fritjof Capra. Se a língua é uma convenção social, com
suas regras e acordos, e as pessoas que a falam
Que receba a primeira pedra quem nunca teve são vivas e pulsantes, temos uma questão a
trocado seu pronome de gênero preferido. ser resolvida: como incluir linguisticamente as
Silêncio. Pois é, quase ninguém teve. Mas eu pessoas que estão no espectro não-binário,
já. E muitas vezes. No erre gê sou Priscilla como eu? Tenho apontado alguns caminhos
Bertucci, um nome tipicamente considerado de que podem parecer estranhos à primeira vista,
mulher, feminino. Acontece que meu erre gê não mas, se estamos falando de romper paradigmas,
expressa, ou melhor, não contempla a minha precisamos obrigatoriamente quebrar regras
identidade de gênero, que é gênero queer. Nem antigas ou, por que não?, propor novas. Na
o meu pronome de gênero preferido – PGP para escrita, muitas vezes uso – usamos – a letra “x”
os iniciados –, que é neutro. em vez de “o” ou “a”. Assim: “cansadx”, em vez
Deu tilt? Calma lá que eu já explico. Iden- de “cansado” ou “cansada”. “Animadx”, no lugar
tidade de gênero é como cada um de nós se de “animado” ou “animada”. Nessa grafia, me
identifica, que independe do corpo ou genital sinto “incluídx”. Acontece que quem precisa de
com os quais nascemos. Existem muitas identi- tecnologias assistivas, como softwares de leitura
dades de gênero, e uma delas é o gênero queer de texto e tela, não se beneficia do “x”: esses
ou, cabe escrever aqui, gênero fluido. Isso quer programas não reconhecem o que está escrito.
dizer que eu transito entre os gêneros feminino E se estamos falando e propondo uma inclusão...
e masculino ou, até, estou além deles, em um Então, uma alternativa é o uso do “e”. Veja:
lugar onde o binarismo não faz sentido. “cansade”, “animade”, “incluíde”. E, lembrando
Pois bem. Voltando ao meu pronome: não lá do começo do meu texto, como fica meu pro-
acho que ele ou ela me representem. Não me nome de gênero preferido? Se não é nem “ele”
sinto “representado” ou “representada” por nem “ela”, é o quê? É “ile”. I-l-e. Isso mesmo.
esses pronomes existentes em nossa língua. Me Eu sou “ile”. E quando se fala “dile”, qualquer
sentiria “representadx” ou “representade” caso pessoa cujo PGP é “ile”, não se sabe quem é. Ile
houvesse uma transformação radical na língua é escritor ou escritora? Ile é professor ou pro-
portuguesa, que é uma língua “generificada”. Ou fessora? Não sei, não sabemos, só cabe a cada
seja: dependendo de quem fala, de quem é o su- ile dizer por si. E se seus olhos e seus ouvidos
jeito da ação, a concordância muda, acompanha estão estranhando os “iles” e “diles”, os “x” e
o gênero. Quer ver? “Sou astuta, disse Antônia.” “es”, isso já faz parte de uma mudança. Sair do
“Sou astuto, repetiu João.” Soma-se a isso o fato lugar conhecido, a famosa e famigerada zona de
de que a língua portuguesa, diferentemente conforto, exige um esforço, um empenho e uma
escuta de todes, todas e todos. Topa?

21
A inclusão Foi justamente a falta de roupas
com meu estilo para eu poder tocar
do que ser xingado na Internet ou
nas ruas, é uma questão de perda de

por meio
na noite de São Paulo que me motivou direitos e exclusão da sociedade.
a criar o Pop Plus, pois eu queria Mesmo no mercado plus size
roupas com brilhos, com decotes a gorda ainda é idealizada e segue

da moda
e transparências e não encontrava. um padrão. Nas campanhas desse
Então, o Pop Plus começou com essa segmento as modelos em sua maioria
proposta mais ligada à noite e a moda não têm barriga, tem cintura fina e
alternativa e depois foi se adaptando não têm papada, o que faz com que
às demandas que foram surgindo. a maioria das mulheres ainda não
Por Flávia Durante Antes, tudo era pensado para disfar- se identifique. Mas algumas marcas
Comunicadora, DJ e empresária çar o corpo gordo de alguma forma. pequenas que fazem um trabalho mais
Sentia falta de ousadia, criatividade autoral têm escutado melhor suas
e inovação neste mercado e com o clientes e variado mais os perfis de
Engordei depois de adulta, por volta Pop Plus estamos continuamente modelos das campanhas.
dos 25 anos, mas nunca fui uma buscando isso. Nunca pensei em ser um exemplo,
pessoa magra, sempre fui grande e O Pop Plus incentivou a criação de minha ideia era apenas resolver um
alta. Não houve um momento exato um mercado que pensa a moda plus problema. A partir do momento que
de empoderamento, mas eu nunca size de uma forma diferente, assu- clientes foram dizendo como o Pop
admiti ser maltratada em lugar mindo o corpo. Alguns encontrei atra- Plus havia mudado a vida delas para
nenhum por conta disso. Lógico que vés de uma pesquisa árdua e muitos melhor foi que passei a ter noção
na época, há 10, 15 anos, não se falava foram se criando a partir do Pop Plus, disso. E passei a ter cada vez mais
em gordofobia ou ativismo gordo, sendo que alguns empreendedores empatia por mulheres gordas com
então eu não tinha noção disso, mas eram clientes. Hoje em dia faço um diferentes necessidades das minhas,
nunca achei que estivesse errada no trabalho reverso de curadoria, muitas como as que vestem acima do 54,
mundo. Eu achava que a sociedade e o marcas chegam até nós e as seleciono que ainda são muito excluídas até do
mercado da moda é que tratavam mal de acordo com o que ainda não temos próprio segmento.
as pessoas de diferentes corpos e que em nosso evento e que ofereçam O mercado plus size cresceu
elas deveriam ser respeitadas. propostas realmente inovadoras. Não muito nos últimos anos muito por
Depois que eu comecei a fazer o queremos mais do mesmo. conta do esforço e criatividade do
Pop Plus, em 2012, dei início ao pro- Para mim foi mais fácil entender pequeno e médio empreendedor
cesso de levar isso como uma bandeira, que não era o meu corpo que estava que não necessariamente veio do
da inclusão na moda, por uma moda errado e que o problema estava no meio da moda. Há muitas marcas que
mais democrática, da acessibilidade na mercado da moda, porque eu acredito participam do Pop Plus cujos proprie-
saúde, da representatividade na mídia que se a gente vive em um mercado de tários criaram suas grifes por não se
e em outras questões que fazem parte consumo ele tem que estar disponível enxergarem no que já existia, além de
do cotidiano de uma mulher gorda. para todas as pessoas, independente vislumbrarem uma oportunidade. Mas
O Pop Plus é uma feira de moda e do tamanho, idade ou gênero. infelizmente o grande varejo ainda não
cultura plus size que acontece quatro Mas infelizmente não é isso acompanhou as necessidades desse
vezes por ano em São Paulo: março, que acontece. Alguns empresários público. Apenas 17% do mercado de
junho, setembro e dezembro. Sua preferem deixar de ganhar dinheiro varejo atende o público plus size,
primeira edição foi em dezembro do que ver pessoas gordas vestindo sendo que quase 60% do público
de 2012 com seis expositores. Sua suas marcas. Às vezes é uma questão brasileiro está acima do peso.
26a edição foi em setembro de 2019 de falta de conhecimento, de falta Ainda falta representatividade nos
com cerca de 100 expositores e um de vontade, mas muitas vezes é puro grandes eventos de moda, pois ainda
público de cerca de 13 mil visitantes. preconceito. Ele não quer ver a mulher tratam gordo como exótico, como
De acordo com dados da Associação gorda usando a mesma peça que a um objeto para chamar atenção da
Brasileira de Vestuário (Abravest), o cliente magra dele usa, e isso é muito mídia e não estão preocupados em
mercado curvewear cresce 6% anual- triste. Isso é um preconceito histórico oferecer produtos para essas pessoas
mente, movimentando cerca de R$ 5 na moda, de que magreza é sinônimo de uma forma permanente. Então a
bilhões. Na essência do Pop Plus estão de elegância e ser gordo, de desleixo. gente vê por aí desfiles que às vezes
a moda como identidade e dignidade, As mulheres não têm que aceitar isso, contratam modelos plus size e depois
diversidade, representatividade, elas têm que ocupar esse espaço não dão continuidade à proposta.
fortalecimento do empreendedorismo que é de direito delas. Assim como Uma inserção por muitas vezes
feminino, busca da autoestima e o também outros espaços, nos esportes, hipócrita e oportunista.
respeito ao próximo. na publicidade, na cultura pop, no Moda é muito mais do que estar
Sempre gostei de me vestir de uma mercado de trabalho... A gente não em dia com as tendências das passa-
forma diferente, mas o assunto moda tem que ficar restrita em guetos, relas. Moda é identidade, pertenci-
em si achava chato. Me senti excluída temos que estar em todos os lugares. mento e nos traz dignidade. A moda é
a partir do momento que comecei a Para completar, existe sim uma forma de expressão que fala so-
engordar e não encontrava mais nada diferença entre pressão estética e bre quem somos, o que pretendemos
no meu estilo e personalidade. A partir gordofobia. Pressão estética todas ser e como queremos ser percebidos.
do momento em que criei o Pop Plus as pessoas, principalmente as mu- A Trama Afetiva trouxe essa aborda-
entendi a moda como uma aliada e lheres, passam independente do seu gem da Moda como ativismo e isso diz
como um assunto importante, parte tamanho, gênero, etnia ou idade. Mas muito sobre nós, mulheres gordas,
de nossa cultura, consolidação da gordofobia é uma questão específica que temos todo o direito de tomarmos
autoestima e identidade. das pessoas gordas, que é muito mais esse assunto como nosso.
Para inspirar
outros negros
e negras Tear Por Carol Gavazzi
Matilda.My

Por Regina Ferreira Tramamos.


Criadora e diretora da Hutu Casting Construímos encontros.
Dividimos angustias.
Criamos soluções.
Resistimos arte.
Tramamos futuro.
Escutamos diversos.
Criei a Hutu Casting, uma agência com casting Agimos humanização.
exclusivamente negro(a), a partir de um inco- Pensamos pessoas.
modo ainda existente em ser uma das únicas Tramamos possibilidades.
ou a única negra nos jobs, castings, desfiles Vivemos afeto.
e campanhas. Nesses anos trabalhando com Apertamos abraços.
eventos e moda, fiz muitos contatos e decidi Amenizamos medos.
criar a Hutu para tentar inspirar outros negros Misturamos ideias.
e negras, fomentar o avanço social, profissional Tramamos Vida.
e fazer com que as empresas repensem sobre o Realizamos sonhos.
que é inclusão de verdade, já que somos mais de Tramamos amor.
54% da população e não vejo a inclusão de fato. Inovamos economia.
Acredito que com o painel Moda como Ati- Acreditamos mais.
vismo, do qual fiz parte, a Trama Afetiva além de Nos mantemos fortes!
convidar as empresas a repensarem as formas Tramamos.
de usar a moda, abriu espaço para que nosso
trabalho com a Hutu pudesse chegar a outras
pessoas, empresas e marcas também.

23
Onde estão Estivemos presentes na Trama Afetiva ocupando diversos
espaços: na sala Jardel Filho com uma fala dentro do

as travestis?
painel Moda Como Ativismo e no espaço Flavio de Carvalho
com uma exposição de looks e outra de fotos resultante
do ensaio feito pelo fotógrafo Danilo Sorrino no backstage
do desfile-performance “Onde Estão As Travestis?”, que
aconteceu na Casa de Criadores, em novembro de 2018.
Em todos esses espaços, buscamos retratar linguagens
e corpos que fazem parte do universo criativo do Ateliê
TransMORAS, ocupação que coordeno no campus da
Unicamp. Todas as roupas expostas foram costuradas
por pessoas TRANSvestigêneres, assim como as modelos
fotografadas.
Toda nossa linha de pesquisa é um diálogo sobre os
Por Vicente Perrotta corpos TRANSvestigêneres e a criação do seu próprio ima-
Estilista e coordenadora do Ateliê ginário, colocando como questão principal o mercado de
TransMORAS trabalho, visto que o corpo TRANSvestigênere não existe
nem no imaginário do mundo CISgênero.
O mesmo corpo que sempre é colocado à margem da
sociedade, em que não existe voz, nem vida, é um corpo
sempre escondido, negado e que somente é procurado
através da sexualidade do CIStema eurocêntrico.

ONDE ESTÃO AS TRAVESTIS NA SOCIEDADE?

Estamos tomando o poder da nossa vida, nos empo-


derando e construindo redes de apoio, afetividades e
empregabilidade. Somos travestis com agência e autono-
mia, tomando o que foi tirado de nós. Nossa visibilidade
está nos colocando na sociedade com nossa potência de
transformação, de destruição de um CIStema esquizofrê-
nico, branco-centrado e delirante.
NÓS falando sobre NÓS MESMAS.
Travestis no mercado de trabalho, na fila do pão, na
universidade, no poder, no legislativo, na medicina, onde
elas quiserem estar. O poder de nossas vidas nas nossas
mãos. Ser travesti é romper com todas essas demandas
criadas para manter uma sociedade patriarcal onde o
homem é o grande imaginário que se beneficia de toda
essa construção através de nossos corpos.
A construção CISnormativa está em decadência!
TRAVESTIS NO PODER! ESSE É O FUTURO!

Ana Giselle/TRANSÄLIEN
para Vicente Perrotta
em imagem da exposição
“Onde estão as travestis?”,
realizada no CCSP como
parte da programação

24
cultural da Trama Afetiva
2019. Foto Danilo Sorrino
A floresta escolheu
o céu para avisar
Por Karlla Girotto
Artista e doutoranda no Núcleo de
Estudos da Subjetividade PUCSP

“Não queremos fábricas, nem buracos na a invenção e o fortalecimento de novos mundos


terra, nem rios sujos. Queremos que a como ferramenta política, penso que não há
floresta permaneça silenciosa, que o céu nada mais urgente do que inventar desinven-
continue claro, que a escuridão da noite caia tando. Imaginar uma desinvenção.
realmente e que se possam ver as estrelas. Porque é preciso desinventar o mundo que
As terras dos brancos estão contaminadas, inventamos e a notação aqui é: foi tudo inven-
estão cobertas de uma fumaça-epidemia tado! Fomos nós que inventamos este modo de
xawara que se estendeu muito alto no peito vida, estes jeitos de se relacionar, os confortos,
do céu. Essa fumaça se dirige para nós mas os desejos forjados pelas tendências. Nós
ainda não chega lá, pois o espírito celeste inventamos a destruição e a aniquilação do que
Hutukarari a repele ainda sem descanso. nos parece diferente, domesticamos os nossos
Acima de nossa floresta o céu ainda é claro saberes ancestrais a ponto de taxar como do-
pois não faz tanto tempo que os brancos se ença a inquietação própria de uma subjetividade
aproximaram de nós. Mas, bem mais tarde, em produção de novas formas de vida.
quando eu estiver morto, talvez esta fumaça Nós inventamos o conceito de raça e gênero
aumente a ponto de estender a escuridão para que o capitalismo pudesse funcionar e
sobre a terra e de apagar o sol. Os brancos se consolidar. Inventamos formas de vida que
nunca pensam nestas coisas que os xamãs mimetizam perfeitamente o que seria a própria
conhecem, é por isso que eles não tem vida – parece paradoxal mas não é. Porque é
medo. Seus pensamentos estão cheios de pela reencenação mimética da potência de vida
esquecimento. Eles continuam a fixá-lo sem que o capital financeiro com apoio de seu par-
descanso em suas mercadorias, como se ceiro, o estado neoliberal, captura o desejo e o
fossem suas namoradas.” Davi Kopenawa transforma em submissão (controle infinitesimal
Yanomami, em “A outra margem do Oci- da vida) e sujeição (formatos pré-concebidos de
dente” (1999). sujeito e à disposição de quem possa comprá-
-los). Resistir e sobreviver a este formato requer
Escrevo este texto um dia após o céu ter escu- que o desejo se alie a uma problemática para
recido as 3h da tarde, abrindo a semana em que que, desta intersecção, alguma coisa de outra
aconteceria a Trama Afetiva. Não era um escuro ordem possa começar a acontecer – um pen-
de chuva, daquelas tempestades tropicais que samento, um sonho, uma outra vida diferente
a gente conhece e aprendeu a gostar e respei- daquela que reencena a si mesma.
tar. Não era preto nem cinza. Era uma mescla Porque fomos nós que inventamos o capi-
estranha de cores. Escuro. A floresta queimada talismo, inventamos que as florestas poderiam
em terras que parecem distantes da cidade em ser destruídas, povos inteiros aniquilados,
que estou (São Paulo) mandou o seu recado em inventamos a morte por causa de territórios
forma de cinzas, nuvens densas de cinzas de e para expropriação de riquezas e materiais,
árvores e animais queimados que chegaram em inventamos que para viver temos que comprar
São Paulo e apagaram o sol. e que, para comprar, temos que trabalhar mais
Davi Kopenawa Yanomami, o xamã que horas do que seria suportável. Inventamos um
escreveu as palavras com as quais abro este mundo insuportável e que trabalha para ele
texto está vivo e – bem vivo. Escreveu o livro mesmo (este mundo) continuar, não para que a
“A queda do céu” (2015) no qual alerta, ao final vida continue.
e em tom profético que, quando a Amazônia O nós aqui se refere ao homem branco
sucumbir à devastação desenfreada e o último ocidental e a sua cultura. O nós aqui também
xamã morrer, o céu cairá sobre todos e será o se refere à nós porque somos partícipes desta
fim do mundo. cultura. Não é mais possível separar em nós e
Não à toa, a floresta escolheu o céu para eles, simplista demais. É preciso que olhemos
avisar. O Brazil que se julga civilizado e que mata os espelhos que levantamos e que, também,
o Brasil para civilizar faz questão de ignorar os são levantados a nós, é preciso todos os dias
efeitos de seus atos. Mas a floresta veio avisar – inventar a nossa própria desinvenção.
e o céu vai cair sobre todos. Como desparafusar cada máquina, cada
Não é mais sobre imaginar novos mundos engrenagem inventada? Os carros, o que
possíveis. Eu, que sempre defendi a imaginação, faremos com eles? As fábricas, o que faremos
com elas? Continuaremos pensando em pro- classe – uma guerra contra a natureza e contra
dutos, mercadorias, crescimento, público a ser a população e que visa aprofundar e manter as
atingido? Como desinventar este mundo não assimetrias coloniais que atravessam a nossa
pela destruição generalizada (que é o que está sociedade.
no cerne deste próprio mundo) mas pela criação A pergunta que fica é: então, como colocar o
e fortalecimento de outros mundos? próprio corpo na guerra, na luta? Baixar o limiar
Embora o céu que presenciamos seja a do que se percebe, entrar em contato com
imagem do apocalipse criada pelos filmes modos de existência para além dos sistemas de
americanos em nosso imaginário, não sejamos representação que nos são oferecidos, duvidar
apocalípticos. Há um avesso, um fora, um da Verdade com V maiúsculo, universal, que só
irredutível, uma revolução molecular que reconhece a si mesma. Duvidar da Vida com
nenhum regime ou poder estabelecido poderá V maiúsculo, universal, que só reconhece a si
capturar. Há linhas de fuga que escapam por mesma.
toda parte e podem conjugar-se, movimentos “A verdade não é algo em direção à qual seria
tectônicos que não saem nos jornais, não preciso ir, mas uma relação sem rodeios com
passam na televisão, mas indicam que certas o que aí está. Ela só é um ‘problema’ para os
modificações iniciadas há décadas não tem volta. que já veem a vida como um problema. Ela não
Estas movimentações nos jogam diretamente ao é algo que se professa, mas um modo de estar
lugar das mulheres, das negras, das indígenas, no mundo. Quem sente a falsidade de um ser, o
das travestis, das LGBTQI, das sem teto e das caráter nefasto de uma representação ou das
sem cidadania, das migrantes e imigrantes, das forças que se movem sob o jogo das imagens,
que ocupam espaços ociosos no campo e nas afasta-as de toda a influencia sobre si. A ver-
cidades, das crianças. Poderia citar ainda muitxs dade é plena presença em relação a si mesmo e
outrxs. E porque será que a perseguição a elas ao mundo, contato vital com o real, percepção
se encontra mais feroz? Ouso dizer que talvez aguda dos dados da existência.”* Assim desmon-
seja porque foram estas vidas que começaram tam-se títeres e ventríloquos. “Em um mundo
desde há muito tempo um movimento intenso onde todos atuam, onde todos encenam, onde
de desinvenção do mundo – pelo simples fato quanto mais se comunica tanto menos se diz re-
de existirem e nunca terem participado das almente, a simples palavra ‘verdade’ atemoriza,
invenções programadas e vendidas. Porque o exaspera e suscita zombarias. Tudo o que esta
mundo inventado e programado lhes foi sempre época contém de sociável costuma se apoiar nas
recusado. Numa dobra impensável, estas vidas muletas da mentira a ponto de não mais poder
se recusaram a oferecer a própria subjetivi- deixá-las. Não há de modo algum a pretensão de
dade como mercadoria. Não sem luta, a luta é dizer ‘a verdade’, mas a percepção que temos
constante. do mundo, aquilo a que nos atemos, que nos
É uma guerra que está em curso – uma mantem em pé e vivos”.* Seria esta a desinvenção
guerra contra as subjetividades mas também possível? Que seja possível voltar a namorar a
e principalmente contra etnias, gêneros, vida e não mais uma mercadoria.

* Comitê Invisível. Motim e destituição agora.

27
Um coletivo de Por Katia Ferreira
Empreendedora social

mulheres que
enxerga longe

Um galo sozinho não tece uma manhã:


ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,


se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Tecendo a manhã
João Cabral de Melo Neto

Mario Quintana já dizia que “um bom poema é aquele que


nos dá a impressão de que está lendo a gente... e não
a gente a ele! ”. O poema de João Cabral de Melo Neto
parece que lê estes tempos e reforça o sentido da coo-
peração. O galo é o raiar do dia, que desperta e tece uma
nova manhã. O principal ensinamento nesse poema é a
realidade de que, na vida, não se faz nada sozinho. Depen-
demos uns dos outros para que o mundo se torne um lugar
mais iluminado.
Entre os movimentos da arquitetura e os monumentos
criaturas, bordadeiras de mãos habilidosas se juntaram
como um grupo de bailarinas. Seus movimentos combi-
naram linhas de várias cores, bordando um lindo tecido
social. Como Dom Bosco sonhou com a criação de Brasília,
em 2001 sonhamos em fazer um coletivo de mulheres.
Bordamos vestidos, saias e bordamos, sobretudo, oportu-
nidade de uma vida melhor. Assim nasceu o negócio social
Apoena, um nome xavante, que quer dizer aquela que
enxerga longe.
No projeto elas aprendem que dificuldade na vida
não é sentença: é força para mudar. E é neste sentido de
mudar e transformar vidas que tudo ganha cor.
Mas as peças bordadas pediram mais. Pediram oportu-
nidades para crianças e jovens. O Instituto Proeza, criado
em 2003, veio complementar o trabalho social da Apoena,
proporcionando aos filhos e filhas das bordadeiras aulas de
balé, inglês, matemática, ciências e um pré-vestibular que
aprova 46% dos seus alunos em universidades federais.
Como no poema, o bordado é para entreter e enten-
der. A junção destas palavras reforça a ideia de trama:
trama afetiva. Aqui tramamos um futuro melhor, cheio de

28
esperança e de novas possibilidades.
O resgate da Uma revolução
comunidade manual silenciosa
Por Celina Hissa Por Gustavo Silvestre
Diretora criativa e fundadora Designer, artista e artesão
do projeto de custos abertos
#umaconversasincera da Catarina
Mina. É cearense e desenvolve
trabalhos com artesãs e acredita que
é preciso repensar os laços entre
designers, artesãos e consumidores Nasci em Recife, sou estilista e educador e me lembro de
reinventando modos de trabalho e observar as mulheres da minha família reunindo-se para
diálogo crochetar. Um costume que eu observava de longe, já que
sempre escutei que crochê era coisa de mulher. Algo que,
décadas mais tarde, mostrei não ser verdade. Me tornei
crocheteiro e criei o Ponto Firme, projeto no qual ensino
crochê em um dos ambientes mais machistas da sociedade,
CO - EXISTIR a cadeia.
CO - LABOR - AÇÃO O Brasil possui a terceira maior população carcerária
COM - UM do mundo, com mais de 700 mil presos. Uma maioria de
COM - UNIDADE pessoas negras, pobres (61% dos presidiários possuem esse
COM - PARTILHAR perfil, enquanto apenas 53,63% da população brasileira
CON - FIAR têm essa característica), e não-escolarizadas (75% desses
CON - VIVER presos não possuem ensino fundamental completo).
É com essa realidade que me deparo semanalmente,
O projeto #umaconversasincera surge a partir da com- desde que comecei o projeto Ponto Firme. Desde 2015,
preensão de que a sustentabilidade está no resgate de ofereço, voluntariamente, capacitação técnica em crochê
conceitos que envolvem a idéia de comum, comunidade, para detentos da Penitenciária Adriano Marrey, em
(co)nversa. Guarulhos - SP.
A proposta de transparência (abrir-se para o outro) De lá pra cá, eu que já havia encontrado no crochê
é essencial para que a conversa aconteça e a partir dela uma forma de ressignificar meu trabalho com a moda,
possamos perceber e partilhar dilemas que até então não descobri que a técnica poderia ser também uma fer-
faziam parte do “nosso mundo”. ramenta de educação, tendo como referencial teórico
CON–SENTIR a existência de outros mundos não é autores como os filósofos Gilles Deleuze, Michel Foucault,
sobre permitir, mas, sentir. Um emocionar que leva ao o iluminista Cesare Beccaria e o educador Paulo Freire.
compartilhamento de questões e soluções. Nesse projeto socioeducacional, olho para essa ferida
É exatamente a partir do alargamento daquilo que social que é o encarceramento, revelando a humanidade
consideramos nosso mundo e na inclusão de outros que resiste dentro de um sistema criado para vigiar e punir.
mundos que chegaremos ao entendimento de que somos Em quatro anos de projeto, a iniciativa que se destaca por
um só mundo. seu valor estético, foi tema de diversas matérias jornalís-
E isso não significa a procura pelo “um” é exatamente o ticas, e já virou exposição de arte, desfiles na Semana de
contrário, é sobre respeito à pluralidade. O respeito a to- Moda de São Paulo (SPFW) e até mobiliário de uma loja em
das as camadas, partes da cadeia, ecossistemas e natureza Nova York.
é essencial para que sigamos (co)existindo/(co)vivendo. O meu convite é que a sociedade olhe para esse
problema que é a cadeia, onde depositamos o que não
“O lugar de nascimento do mal, da fonte de infelicidade, queremos resolver como sociedade. Como diz Drauzio
é o um”. Pierre Clastres Varella, a penitenciária só serve para punir, ninguém sai
melhor dali. Precisamos olhar para isso. Sei que o Ponto
Firme conquistou um espaço importantíssimo, que está
quebrando um padrão ao levar design, estética e afeto
para dentro da cadeia, algo que nunca havia acontecido.
Muita gente acha que é só “crochê” mas é uma revolução
manual silenciosa. É design transformando vidas. Além
disso o projeto dá voz a eles. Eu sei que tem muita gente
ali com quem a vida foi dura demais e talvez essas pessoas
nunca consigam mudar, mas os alunos do projeto, esses
estão comprometidos, e querem de alguma maneira fazer
diferente, só não sabem como. É a partir dessa brecha
que eu tento contribuir. O que eu sei é que quanto menos
educação, mais criminalidade. É uma equação sem erro.

29
O que você que vão parar em aterros sanitários e
lixões. Se tem abundância não existe

desperdiça?
a falta. Porém, é nesta incongruente
relação que as práticas e técnicas
equivocadas no campo, o sistema de
padronização de alimentos, produ-
ção, distribuição e comércio com
políticas agressivas e concentradas no
Por Daniela Alvares Leite descarte de alimentos fora de padrão,
no uso exagerado e inadequado de
agrotóxicos, em uma concentração
enorme de produtos ultraprocessados
fortalecem a fome, a desnutrição,
a obesidade, doenças vasculares,
Daniela já estudou e estuda muito (de Você já ouviu falar sobre produção cardíacas, câncer e Alzheimer além
física a direito, de braile à meditação), em excesso? E, por outro lado, você de uma competividade exacerbada e
MBA em Gestão Empresarial pela FIA/ já sentiu fome? Conhecemos a fome, sem necessidade. Pior, realiza a falta
FEA, mestre em Direito das Relações sentimos duas, três vezes por dia, e reduz o alimento a mera mercadoria,
Sociais pela PUCSP, especialista em muitos de nós ficamos mal humorados tornando o alimento um produto
Processo Civil e Arbitragem pela nessa situação. Não há nada mais social.
Università Degli Studi de Milano, ba- presente em nossas vidas do que sen- O desperdício de alimentos é um
charel em Direito pela PUCSP, cursou tir fome, mas para a maioria de nós, dos principais problemas do mundo.
física na USP com iniciação científica privilegiados que somos, não há nada A FAO/ONU realizou em 2013 uma
em astrofísica (não concluído), se mais distante do que a fome verda- pesquisa e concluiu que no mundo
aperfeiçoou em alguns temas, traba- deira. Há muita fome real no mundo, são desperdiçados, anualmente, 1.3
lhou em grandes empresas nas áreas nenhuma doença ou guerra já matou bilhão de toneladas de alimentos bons
jurídica: Pinheiro Neto Advogados, tanta gente quanto a fome. Esse é um e próprios para consumo.
Campos Advocacia Empresarial, Terra dos principais problemas do mundo e Hoje, estima-se que o desperdício
Networks Brasil S.A. e Syngenta – e ao mesmo tempo é um problema que de alimentos já corresponda a 1,6
editorial: Terra Networks Brasil S.A., pode ser evitado*. bilhão de toneladas anuais, montante
foi publisher da Revista Yoga Journal Soa um contrassenso ver tantos avaliado em US$ 1,2 trilhão (Boston
Brasil, deu aula em pós graduação países e estruturas sociais com carên- Consulting Group - BCG, 2018). Como
COGEAE/PUC, atualmente é coor- cia de alimentos, elevados índices de não tínhamos ideia do que era 1.6 bi-
denadora do Núcleo de Direito à desnutrição e falta de acesso ao ali- lhão de toneladas, resolvemos encher
Alimentação da Comissão de Direitos mento e, ao mesmo tempo, perceber aviões Boeing 747-8F para entender o
humanos da OABSP e, sendo mãe, que o mundo, especialmente o Brasil, volume desse desperdício. Daria para
aprende diariamente com o seu filho a tem uma enorme capacidade de pro- encher 11.428.571 aviões que, se co-
querer um mundo melhor e mais hu- dução a ponto de jogar comida fora e locados um ao lado do outro, dariam
mano, onde todos possam manifestar incinerar parte de suas safras, de sua 20,9 voltas em volta da Terra. Absurdo
sua plenitude. Idealizadora do Comida produção, pilhas e pilhas de alimentos não? O pior é saber que metade disso
Invisível, vê no projeto uma forma de mataria a fome real do mundo.
olhar para dentro de si e investigar Jogamos por ano o equivalente
como podemos sair das classificações * Nesse sentido ver: Caparrós, Martin, ao PIB de países como Austrália e Tai-
padrão da sociedade, dos binômios 1957 – A fome, tradução de Luis Carlos lândia – um dos 20 países mais ricos
certo, errado, bonito, feio, próprio Cabral – 1a. ed – Rio de Janeiro: do mundo – no lixo. E esse alimento
impróprio. Bertrand Brasil, 2016. quando incorretamente descartado,
vai para os lixões ou aterros e se transportar, cozinhar. Não pensamos Sabemos que esses ganhos
decompõe gerando gás metano na em nada disso na hora que o alimento vieram a um custo bastante alto se
atmosfera, que é vinte vezes mais está no nosso prato. Ansiosos que considerarmos a degradação do
poluente que o CO2. Acredita? Pois estamos na rotina frenética da vida, solo, as queimadas nas florestas, o
é, desperdício de alimentos polui não paramos sequer um segundo para impacto dos defensivos agrícolas no
mais que carro. Se o desperdício de agradecer. Comemos muitas vezes ambiente e na saúde. Percebemos
alimentos fosse um país ele seria o sem perceber ou sorver de verdade que esse modelo não é mais ade-
terceiro mais poluente no mundo. o alimento. E quanto já estamos quado para atender as necessidades
E como é a situação do Brasil? satisfeitos, descartamos. Tudo vai de longo prazo.
Nosso país figura entre os países que para o lixo, esse espaço invisível que Somente será possível avançar-
mais desperdiça alimentos no mundo. some do nosso olhar. Não nos damos mos em soluções para a redução do
Cada brasileiro desperdiça em média conta desse caminho e de toneladas desperdício de alimentos e conse-
41,6Kg de alimentos por ano. e mais toneladas de alimentos bons e quentemente numa produção mais
O que é mais estranho e uma próprios descartadas nos aterros. eficiente e um modelo que pressupõe
grande contradição é pensar nos altos Muitas vezes comemos qualquer uma melhor distribuição e acesso a
índices de desperdício de alimentos coisa. O alimento deixou de nutrir. E alimentos de qualidade se atuarmos
e na grande quantidade de pessoas hoje estamos desnutridos e obesos. com ações coordenadas na cadeia
que não têm o que comer. Você está De modo geral, para cada dólar gasto sistêmica, aproximando produtores,
satisfeito? No Brasil, 15.3 milhões de em alimentos, a sociedade paga varejistas, marcas de alimentos, res-
pessoas não estão, elas vivem em dois dólares com custos de saúde, taurantes, governo e a população em
situação de pobreza extrema - mi- ambientais e econômicos. Metade geral. Desperdício é hábito, e hábito
séria e fome – segundo o Instituto desses custos – um total de USD 5,7 só conseguimos mudar com educação
Brasileiro de Geografia e Estatística trilhões por ano globalmente – se e recorrência.
(IBGE - 2018). deve à maneira como os alimentos são De especial importância analisar-
produzidos**. mos, compreendermos e buscarmos
MAS AFINAL, ESSE SISTEMA NO A natureza extrativista, desperdi- políticas públicas adequadas e
QUAL NOS INSERIMOS ESTÁ NOS çadora e poluente da produção atual eficientes que permitam o aproveita-
AJUDANDO? de alimentos custa à sociedade tanto mento integral dos alimentos e benefi-
quanto todos os custos relaciona- ciem ações de doação e distribuição
Se pensarmos com clareza, vamos dos ao consumo de alimentos (por mais eficazes. Além disso, apoiar a
perceber que o alimento se configura exemplo, da obesidade e da desnu- inovação e mecanismos capazes de
a maior rede social do mundo, todos, trição) juntos. Esses USD 5,7 trilhões educar a população em geral para o
absolutamente todos os seres do em custos são resultados diretos não desperdício.
planeta precisam se alimentar e o da natureza “linear” da produção Transitar para uma economia
fazem (ou deveriam fazer) pelo menos moderna de alimentos, que extrai circular dos alimentos significa honrar
uma vez ao dia. Precisamos dele para recursos finitos, causa desperdício e o ciclo de produção e respeitar o
sobreviver. poluição e prejudica sistemas naturais. trabalho e o esforço utilizados na
Alimento expressa memória, Atualmente, o setor agroalimentar é produção, além de benefícios eco-
ancestralidade, o saber e a cultura responsável por quase um quarto das nômicos, ambientais e de saúde em
de um povo. Nesse sentido, sementes emissões de gases de efeito estufa toda a cadeia de valor dos alimentos
crioulas eram passadas de geração a globalmente, degrada os recursos e na sociedade de forma mais ampla.
geração. Os guardiões das sementes naturais dos quais depende e polui Entendemos que combater o des-
as armazenavam e trocavam entre o ar, a água e o solo. O equivalente a perdício significa, em última análise,
si, compartilhando espécies como seis caminhões de lixo de alimentos caminharmos para uma sociedade
faziam os seus ancestrais. Essas adequados ao consumo é perdido ou mais justa, humana e igualitária.
sementes carregavam em si um poder desperdiçado a cada segundo***. Um primeiro passo nessa mu-
sagrado, muito respeitado pelos dança é passarmos a compreender
povos do mundo todo, elas são as mais o que estamos descartando,
portadoras do verdadeiro milagre da **/*** Ellen MacArthur Foundation, observar o nosso lixo. Entender o lixo
vida. Cidades e Economia Circular dos é compreender o homem. O que des-
Porém fomos paulatinamente nos Alimentos (2019) cartamos revela quem somos. O que
distanciando desse espaço sagrado você desperdiça? Alimento? Dinheiro?
em que reside a produção de um Tempo? Espaço? Relações? Amores?
alimento. Imagine quanto esforço
da natureza e do homem foi usado
para que uma fruta, um legume e
uma verdura pudesse brotar, vingar,
florescer e estar pleno para consumo.
Imagine quantas pessoas precisa-
ram lavrar a terra, semear, colher,

31
Lixo não existe

Por Valdirene Bispo


Catadora do Kombosa Seletiva

Foi em busca da sobrevivência digna


através do trabalho que a Kombosa
Seletiva foi idealizada, buscando
constantemente conhecer o caminho
dos resíduos sólidos recicláveis,
descartados pela sociedade na qual
vivemos.
Neste percurso de trabalho e co-
nhecimento, se deparamos com vários
desafios que nos faz entender que
devemos ter um consumo consciente
para que as novas gerações possam
ter um planeta com menos lixo.
Para a Kombosa Seletiva, lixo não
existe. O que existe é um descarte
incorreto que afeta o nosso meio am-
biente. Aos poucos vamos conscienti-
zando a sociedade da valorização do
trabalho que a Kombosa Seletiva vem
desenvolvendo, com a coleta seletiva

Papo Reto
realizada pelos catadores e catadoras
Por Henrique Ruiz de materiais recicláveis.
Coordenador do Cataki Nosso objetivo de trabalho com
a Kombosa Seletiva será a criação de
unidades de negócios com a econo-
mia circular, inovação. Tecnologia
dentro de um mercado mais justo
que os catadores e catadoras saiam
desta invisibilidade, e passam a serem
Gostei muito de ter participado da muito além das políticas públicas, que os protagonistas de seus próprios
edição de 2019 da Trama Afetiva. E o realmente tenham impacto positivo. negócios. E para esta transformação
principal motivo foi a “pegada” do Mudar hábitos é um enorme de trabalho se fortalecer de fato será
evento. Palestrantes, mediador, convi- desafio e nós precisamos ser muito necessário o fortalecimento do traba-
dados e plateia trocando informações mais claros e diretos na comunicação lho da coleta seletiva, da conscienti-
“sem máscaras” sobre a realidade da desses valores. A conversa na Trama zação ambiental, do comportamento
gestão de resíduos, da coleta seletiva, Afetiva foi um ótimo exemplo de como humano de entender que: o lixo não
em São Paulo e no Brasil. o tema deve ser abordado. existe, que o trabalho dos catadores e
Nada de empresa puxando a Foi discutido desde dicas “do- catadoras de materiais recicláveis, ao
sardinha para sua brasa, muito menos mésticas”, como o enxágue (e não longo de seu desenvolvimento são re-
de teorias acadêmicas absolutamente lavagem) de resíduos recicláveis, até a alizados sem nenhuma infraestrutura,
distantes da prática diária. “Papo cobrança por soluções mais agressi- com o objetivo de garantir sobrevi-
reto”, como diz Mundano, artivista vas e rápidas das empresas para em- vência, qualidade de vida e renda para
criador do projeto Pimp My Carroça e balagens, como a de salgadinhos, que sustento de seus familiares através
do aplicativo Cataki. são recicláveis, mas não recicladas. deste trabalho de coleta seletiva.
O Cataki reúne mais de 3.500 Foi uma conversa extremamente Nesta perspectiva vamos desen-
catadores de materiais recicláveis leve e direta, mesmo discutindo volvendo uma nova cultura consciente
e os conecta com mais de 100 mil pontos tão pesados e controversos. para as futuras gerações, com menos
pessoas que acreditam na importân- Espero, de verdade, que esta pegada lixo ao meio ambiente.
cia da coleta seletiva, em mais de 500 da Trama Afetiva sirva de modelo para
cidades brasileiras. outros espaços, para que a imprescin-
Papo reto é o que precisamos dível mudança de atitude chegue, de
para transformar a indústria da reci- fato, ao cidadão comum. Só com papo
clagem e conseguir implantar práticas, reto vamos conseguir isso.
O que é
descartado
é meu O aprendizado
ganha pão em espaços
Por Sergio Bispo
Catador e idealizador do
não escolares
Kombosa Seletiva
Por Maria Auxiliadora Miguel Jacob
Professora

Quando todos disseram que era lixo,


sujo e indigno, eu retirei dali meu
sustento. Quando me envolvi em
situações de destruição da autoes-
tima e da miséria da alma, foi daquilo,
que é rejeitado, que eu retirei minha
sobrevivência. Fui convidada pelo Sergio Bispo aprendem, fica em um espaço
Fui aprendendo as letras, sem da Kombosa Seletiva para ajudar a diferenciado, cheio de informações
ter tempo de me dedicar somente a escrever o capítulo do livro, que “o de várias áreas das ciências. Todos
elas. Fui conhecendo o jeito de falar pessoal da Trama Afetiva tá organi- conhecem sobre legislação ambien-
“da academia”, ou seja, professores zando”. Foi grande honra receber tal, legislação sobre segurança do
universitários e alunos, sem sentir o convite, e também grande foi a trabalho, legislação trabalhista. Todos
vergonha da minha falta de escola. responsabilidade, pois não poderia diferenciam e separam os materiais
Aos poucos a vida foi se ajeitando sobrepor as letras e as histórias de pela caracterização físico-química,
e o que um dia sonhei, hoje realizei! A superação dos meus amigos, Sergio e separam os tipos de resíduo, e
Kombosa Seletiva, é um sucesso. Sou Valdirene, em nome das normas cultas realizam manipulação e destinação
conhecido como “Bispo”, “Sergio”, da língua portuguesa. A originalidade adequadas. Todos entendem a neces-
“Sergio Bispo”. Sempre digo: “se liga dos relatos de experiências deles, foi sidade do gerenciamento de negócios,
galera, LIXO NÃO EXISTE!”. mantido sem alterações. prestação de serviços, precificação
Porque pra mim, tudo o que é Então, para complementar, vou do resíduo no mercado. Todos sabem
descartado, pelas empresas e nos tecer alguns comentários sob o muito bem o que é “tocar a vida em
resíduos domésticos tornaram meu ponto de vista de uma educadora, frente”.
ganha pão. que já ensinou e aprendeu, e sempre O mais emocionante é que quando
acreditou no valor da educação. Vida um catador consegue alcançar
de professora é assim, um verdadeiro sucesso, ele quer ensinar a receita aos
campo de semeadura, onde não demais companheiros de jornada. É
realizamos a colheita, mas recebemos um sentimento solidário de reconhe-
notícias dos frutos produzidos. cer a necessidade que o outro tem de
Quando conheci a Kombosa Sele- se superar e querer ajudar. Conviver
tiva, foi inevitável reconhecer como é com os catadores e catadoras requer
importante e real o aprendizado em muita atenção, a cada movimento
espaços não escolares. E você pode deles é possível aprender muito. A
estar se perguntado: o que a educa- principal característica da classe, que
ção tem a ver com a coleta seletiva? eu gostaria de exportar para meus
Já escutei por ai muitos dizerem alunos das escolas regulares é a proa-
que “catador não é gente, é pobre, tividade. No dicionário dos catadores
sem cultura e sem estudo”. Afinal é não existe a frase: “vou descansar,
assim que seriamos levados a pensar depois eu faço isso”. Todos ficam
também. realmente muito cansados, mas levam
Entretanto afirmo com a certeza a jornada do dia até o fim. Catadores
mais convicta de toda minha carreira e catadoras me ensinaram sobre
de professora, os catadores e ca- resiliência, autoestima, determinação
tadoras são profissionais altamente e conhecimento, com critérios ainda
qualificados. Necessariamente têm desconhecidos para mim. Hoje sou
que dominar muitos assuntos, para aprendiz do trabalho deles, e colabo-
exercer a profissão. A escola onde radora em seus projetos.
Tecitura adicionando novos corpos à tecitura,
criando um grupo cada vez mais

Metamorfa
heterogêneo em cultura e formação
para que sua preciosa mensagem não
se mantenha apenas naqueles que
já participam de um núcleo visado e
restrito do mercado.
É preciso acreditar em perfis
diferentes para que a oportunidade
de participar de algo tão grandioso
Por Guilherme Diniz seja igualitária e rica como a utopia
Designer, educador e mestre em que se desenha nos cruzamentos de
design têxtil e moda fios humanos dessa trama.
Afinal, criatividade é uma con-
É irônica a maneira com a qual o dição inerente à existência humana
mercado de moda tem se movimen- independente de procedência e
tado para criar novos suportes que competência. Todos são capazes de
cicatrizem as irresponsabilidades do contribuir com a Trama se estiverem
homem para com o planeta. dispostos a aprender, reciclar e
Aproveitar e transformar descarte transformar.
em algo novo reconstrói a velha Esse têxtil invisível só será resis-
narrativa da moda de justificar a sua tente se for plural.
sazonalidade por meio da novidade. O Obrigado Trama por me fazer mais
ciclo que se baseava em modernidade humano.
para renovar seus produtos, hoje
tenta interromper sua produção
compulsória de maneira cíclica,
reciclando.
A indústria que cresceu a qualquer
custo, embalada pela renovação,
percebeu que seus trabalhadores e
consumidores deveriam ser tratados
como sujeito e não objeto. Hoje,
tentamos tratar a indústria não mais

O poder
como sujeito criador, mas como
objeto que não foi aprovado na
prototipagem.

transformador
A tecnologia nos deu ferramen-
tas para que a transformação fosse
viabilizada, o virtual nos tornou

do afeto
reclusos e preguiçosos; mesmo com
tantas mudanças a roupa ainda é um
artefato analógico que sobrevive para
reconectar pessoas e lembrá-las que
a realidade – o toque – é mais impor- Por Mauricio Duarte
tante para evoluirmos, conservando Estudante de moda
nossas boas conquistas.
Foi reciclando insumos, repen-
sando produtividade e retomando Falar de afeto nesse momento é necessário.
as vivências reais que uma trama Acredito que só o ecoar dessa palavra já pode
formada por pessoas se formou para fazer grande efeito para as pessoas. Falar sobre
criar possibilidades estéticas e fun- afeto é fundamental!
cionais a partir de uma matéria-prima A Trama Afetiva teve um papel muito impor-
reciclada. Apesar desse grande tante. Vários mundos diferentes pensando em
objetivo, a jornada de quatro dias soluções para melhorar um pouco dessa produ-
se mostrou com uma missão muito ção desenfreada, pequenos gestos, formas para
maior: unir pessoas para pulverizar somar e colaborar com o próximo.
informação sustentável por meio de Projetos como esse precisam ganhar força,
muito afeto. ter mais frequência, precisam ser hábitos,
De toda a experiência, essa é a precisam contaminar mais pessoas para o bem,
característica mais genuína: perceber como me contaminou.
que nossa emergência em diminuir Eu acredito no poder transformador do
impactos e conflitos revela que sem afeto, do amor. Mãos que se unem por meio
união, sem o outro, não conseguire- do afeto prosperam, emanam energias que vão
mos vencer. além das fronteiras! Precisamos tecer novos

34
Assim, a Trama Afetiva deve se caminhos e a Trama Afetiva contribui para esse
fortalecer nesse caráter metamorfo, novo caminho.
(TR)AMAR /
TRANSbordar

Por Maira Gouveia


Artesã, designer, artista, professora

Tecer novos fios, conexões, Todos os dias as


redes. Novas tapeçarias, masterclasses e painéis
novos desenhos, novos me levaram às lágrimas.
mundos, novas realidades. Essa emoção do afeto, de
Juntar as cordas, linhas. ver que é possível agir
A(cordar). Compor novas nesse mundo, impactar
harmonias, frequências. por meio de um pacto de
Reconhecer os nós, ten- positividade. De cuidado,
sões, pausas, travas. de escuta.
Tramar, amando e Muita escuta. É neces-
tramando uma nova pos- sário muita escuta. Escutar
sibilidade de tecido social. o outro, aprender com a
Uma nova possibilidade de história do outro. Escutar o
recomeço para as roupas material. Escutar o espaço.
e para nós, para o mundo Escutar a falha. Na trama
através das roupas. aprendi a abraçar a falha.
Afetar e deixar-se Abraçar os nós. Pensar
afetar, modificar, recompor, numa nova indústria, num
reconfigurar a partir dos novo mercado, num novo
outros, a partir dos toques, modelo de consumo incluiu,

Uma
a partir dos sentidos. para mim, aprender a
Ouvir os outros. Olhar escutar o vazio. O vazio de
os outros, amar os outros. um processo produtivo que

abertura
Pensar novos caminhos de não tenha como culminação
encontro, observar outras sempre um produto. O vazio
realidades e aprender com que permita o processo

para o
as alteridades. como fim. Abraçar as falhas,
Por Vinicius Almeida Nos quatro dias da em nós. No outro... Por que
Designer de moda nossa Trama Afetiva em sempre tão difícil?

coletivo
2019 fomos convidades Abracei meus medos,
a tudo isso e um pouco defeitos, frustrações, travas
mais. Pensar uma nova e falhas e tramei com isso
possibilidade para o mundo um aprendizado. Abracei-
das vestimentas, a partir -os como velhos amigos
A Trama Afetiva foi pra mim, primeiramente, do ativismo, das comidas (que são) e sai renovada.
um baita incentivo para o meu trabalho como (“você tem fome de quê?”), Aceitando uma nova, antiga,
designer. Me senti muito privilegiado por estar da arte, da educação. bela e adormecida parte de
nesse movimento com outros profissionais tão Da trans: transforma- mim. E sai mais tecelã que
talentosos e próximos das filosofias de mundo ção, transdisciplinaridade, entrei. Abri meu coração,
que acredito. transposição de conceito, olhos, ouvidos e mãos, e
Um dos maiores desafios pra mim nesse pro- transporte de ideias. Trans- vi e senti coisas lindas,
cesso, foi adaptar e encaixar meu trabalho, que bordar. Transpor barreiras. intensas e dolorosas.
já tem uma linha de produção muito específica Transmutar o mundo para E “vamimbora” tecer
e “pronta”, no grupo e no projeto como um todo. que ele se pareça mais com novas redes, teias de afeto
Apesar de ter realizado uma criação assinada algo em que a gente acre- (aranhas que somos), que
por mim, recebi o apoio de todes que estavam dita. Transmutar a gente, a Trans(formação) que a
lá. Com certeza teve a “mão” de todo mundo no para que nos pareçamos gente quer pra Mãe-Terra tá
resultado final e o desafio maior foi concluir o mais com o mundo em que só começando.
projeto em tão pouco tempo. acreditamos.
A Trama é sobre essa abertura que damos
pra nós mesmos, para o outro e para o grupo.

35
O poder dia-a-dia dessas pessoas. Mas foi um
enorme aprendizado.
aproveitamento do feltro, matéria-
-prima desafiadora e de comporta-

está em
Desde fevereiro deste ano, mento desconhecido para mim, até
integrei a Botão de Flor à equipe do então.
Sustexmoda - NAP-USP e, por meio Inspirado pelo meu trabalho com

nossas
do POT PopRua, somos uma equipe pessoas em situação de rua, minha
composta por professxr, psicólogx, principal produção na Trama Afetiva
pedagogx e assistente social, uma foi desenvolvida em colaboração com

mãos
rede de apoio para a realização do Vinicius Teixeira e Rafael Silvério: uma
projeto. Temos uma turma de 15 roupa-abrigo ou casaco-cobertor.
mulheres transexuais e travestis em É uma peça que permite o armaze-
qualificação profissional de custo- namento de inúmeros objetos de
mização de roupas, enquanto estão diferentes dimensões e que possibilita
matriculadas no Ensino de Jovens acolher, guardar, transportar, vestir,
Adultos (EJA). Até agora realizamos cobrir, podendo até servir como um
dois desfiles, ambos extremamente lar. Uma produção afetuosa feita com
Por Stephan Maus emocionantes, em especial o primeiro carinho.
Mestre em Têxtil e Moda e Idealizador no Sesc Bom Retiro. Entre masterclasses, painéis de
da A Botão de Flor Entendi que para problemas com- debate, exposições e apresentações
plexos não há soluções simples. Uma fui descobrindo e me aprofundando
equipe multidisciplinar, o intercâmbio em projetos humanitários que se
Renan Cavichioli, um amigo que tenho de saberes e a imersão no tema são preocupam com o futuro, social e am-
enorme carinho, um dia me enviou um alguns elementos essenciais para biental. Sentimentos de identificação
formulário de inscrição e disse que possibilitar ações efetivas diante de e pertencimento se concretizavam em
era a minha cara, que eu tinha que problemas tão complexos. Elementos mim e nos colegas selecionadxs. Não
me inscrever. Aquariano avoado que que a Trama Afetiva possui: uma estávamos sozinhos, pelo contrá-
sou, ele precisou me cobrar: “migo, e equipe cheia de profissionais excelen- rio, estávamos nos encontrando e
aí?”. Quando vi realmente do que se tes, treze artistas selecionadxs com unindo forças em prol da diversidade,
tratava, começou a minha identifica- diferentes habilidades e quatro dias respeito, empatia, colaboração e
ção com a Trama Afetiva. Economia de imersão, com atividades teóricas cuidado humano.
circular, sustentabilidade, upcyling, e práticas. Um projeto afetivo e A trajetória imersiva se iniciou
diversidade, resíduos, afeto e hu- necessário. com um “balde de água fria” na fala
manidade são temas extremamente As atividades teóricas eram de abertura de Amélia Malheiros, nos
presentes no meu dia-a-dia. compostas por masterclasses, painéis apresentando um quarto escuro e
Há pouco mais de dois anos co- de debate e apresentações extrema- sujo, que pode ser uma representação
mecei a “sociabilizar” com o mundo, mente inspiradoras para os workshops do nosso planeta atual. Hoje, temos a
buscando alternativas de utilizar dos que vinham logo à seguir com xs capacidade de acender a luz e notar
meus privilégios como brancx e classe artistas selecionadxs, sob mentoria as consequências dessa bagunça
média para modificar o meu entorno. de Jackson Araujo e Luca Predabon, acumulada de séculos de indústria e
Em contato com a realidade de além dos designers-tutores Patrícia sociedade. A consciência individual
pessoas em situação de rua, conheci Centurion, Eduardo Borém, Itiana foi apontada como a principal oportu-
a Casa Florescer, albergue social que Pasetti e Jorge Feitosa, com o apoio nidade de arrumação dessa bagunça:
acolhe unicamente mulheres tran- do grupo produtivo Cardume de Mães cada ser humano tem a possibilidade
sexuais e travestis. Me deparei com no processo de costura. O desafio era de arrumar/mudar o seu entorno e
um público extremamente vulnerável trabalhar coletivamente na geração contribuir conscientemente para o
e, principalmente, conheci pessoas. de novos produtos criativos utilizando planeta. Aliás, conhecimento é poder,
Conheci pessoas com histórias, um feltro desenvolvido a partir de como foi apresentado por Fabio
sonhos, talentos, habilidades e muitas peças de roupa reaproveitadas de Tolosa, da Epson do Brasil. Cada um
dificuldades. estoque da Cia. Hering, submetidas a de nós possui o poder do consumo e,
Por meio de um edital idealizei um processo de desfibração e tece- juntos, temos a capacidade de fazer a
o projeto Botão de Flor, voltado à lagem industrial com a tecnologia da indústria produzir o que a gente pede.
qualificação profissional teórica e empresa Feltros Santa Fé. O ambiente Após o choque inicial, Jackson
prática de mulheres transexuais e tra- de trabalho no CCSP era acolhedor, Araujo e Luca Predabon falaram sobre
vestis em situação de vulnerabilidade dinâmico, estimulante, com todo o Economia Afetiva como micropolítica
social na área de design de moda, suporte e material necessário. Eu de transformação, apresentando
com ações que visam minimizar os nem sentia as horas do dia passando, projetos extremamente inspiradores
impactos da indústria têxtil no meio embora houvesse a preocupação como Projeto Ponto Firme, Carcel,
ambiente. Parece bonito, mas não foi constante de produzir uma exposição Chime for Change, Vicente Perrotta,
nada do que eu imaginava. Precisei em quatro dias. LAB e Patagonia, o que me fez pensar
reinventar o projeto várias vezes ao O resultado todo se deu em 30 que a “arrumação do planeta” está de
longo do tempo de execução e não produtos com design de significado. fato acontecendo, ainda que apenas
consegui atingir o resultado esperado, A experiência de criação colabora- começando.
por dificuldades em executar um tiva entre artistas com diferentes Carla Tennenbaum em sua master-
curso de médio prazo com pessoas habilidades com certeza contribuiu class sobre Economia Circular nos
em situações tão vulneráveis. Eu não para o processo criativo coletivo e apontou que não produzir danos não
conhecia realmente o público, eu resultou em variadas alternativas e é mais suficiente, é necessário bus-
não tinha ideia das dificuldades do possibilidades viáveis de utilização e carmos uma economia regenerativa.
Herdamos um sistema que destrói
o planeta, as consequências não (R)existir.
Reinventar.
eram sabidas, por isso, hoje, temos
que pensar em como fazer diferente.
Na natureza, não existe lixo, tudo

Transcender
é nutriente. Nosso “lixo” deve ser
reaproveitado como nutriente, em um
processo eficientemente regenerativo
e de melhoria contínua.
As demais apresentações,
masterclasses e painéis de debate Por Paloma GS Botelho
foram igualmente inspiradores e de Consultora de Estilo Pessoal, Moda Artivista e
conhecimentos valiosos a respeito da Idealizadora da plataforma @afro.ppf
diversidade, multiplicidade de corpos,
raças e gêneros, lixo e desperdício,
mas não vou me aprofundar em ou- Durante vinte e nove anos necessário a presença de profissio-
tros temas para não prolongar muito me preparei para compre- nais negrxs no mercado e 74,3% não
o texto e quero dedicar atenção para ender que um dos meus se sentem representadas pelo mesmo
o consumo, meu primeiro e mais forte propósitos na vida é a Moda mercado, sendo que 61% afirmam
impacto com a Trama Afetiva. Nem e desde então venho me que comprariam mais de marcas que
por isso os demais conteúdos foram apropriando dos meus luga- o representassem. Estamos falando
menos relevantes, aliás, o encerra- res neste mercado e um de- de uma população que no ano de
mento com shows de Jup do Bairro, les é o espaço dos saberes; 2017 movimentou 1,6 trilhões do PIB
Mia Badgyal, Kayque Theodoro e Jupat pesquisando, produzindo, do país, existem estimativas de que
foi uma empolgante celebração à absorvendo e compar- em 2020, oito em cada 10 brasileiros
diversidade. tilhando. A minha fala é serão negros*.
Para a “arrumação” do planeta é sobre uma moda preta, uma Por mais que sejam estatísticas
extremamente necessário nos cons- moda afrobrasileira desen- econômicas de visão mercadológica,
cientizarmos, principalmente, sobre volvida por artistas negrxs e pode-se compreender que abrir-se
as formas de consumir. É fundamental brasileirxs, que expandem para a diversidade étnico-racial
buscarmos a história do produto que suas criatividades através exerce uma influência positiva sobre
compramos, procurarmos saber de da valorização da nossa as relações afetivas entre indivíduos,
onde ele vem, para onde vai, quem história e da nossa cultura refletindo diretamente no bem-estar
estamos apoiando e o impacto afro-diaspórica. de qualquer ambiente que deseja ser
ambiental, social e econômico que Moda é arte! Moda mais criativo, produtivo e inovador.
nossas decisões de consumo causam. é espiritualidade! Moda Como diz a filósofa Ângela Davis: “Não
Não apenas o consumo de moda, mas é afeto! Moda é política! significa somente trazer pessoas
em toda e qualquer forma de serviço Moda é muita coisa! Por negras para a esfera do poder, mas
e/ou produto. Temos o poder nas último, Moda é roupa! garantir que essas pessoas vão romper
nossas mãos. A relação das pessoas com o que está posto e não simples-
Apoie as minas, as monas, as negras com a roupa e com mente se encaixar nesses espaços.”
manas, as trans e #govegan. o vestir é completamente Eu, Paloma GS Botelho, estou
diferente das pessoas não- presente para atender as estatísticas,
-negras. Vestir-se bem para mas umx ou outrx não basta! A
as pessoas de pele preta é (r)evolução precisa ser coletiva! Por
para além da vaidade, das isso venho me movimentando para
tendências da moda e do abrir caminhos para os profissionais
poder aquisitivo: é uma ar- negrxs da moda brasileira e também
madura de proteção contra para encontrar e experienciar espaços
as violências do racismo. verdadeiramente comprometidos em
Em contrapartida, vemos promover a autoestima cultural, esté-
pouquíssimos profissionais tica, intelectual e financeira do meu
negrxs ocupando lugares povo preto, como a Trama Afetiva.
de poder neste mercado. Nós avançamos, não tem retorno
Segundo pesquisas do pro- e tão menos recuo!
jeto Afro: Passado, Presente
e Futuro, @afro.ppf, 88% * Dados do Instituto Etnus, especiali-
das pessoas de pele preta, zado no estudo do comportamento
acreditam que para dar e hábitos de consumo da população
maior visibilidade à cultura negra.
de moda afrobrasileira é

37
Por um mundo Cutucão
menos tóxico
Por Vinicius Teixeira Por Renata McCartney
Designer, diretor criativo e diretor de arte Designer de objetos e interiores

Busquei levar para den- vulnerabilidade, sentimento, Participar da Trama Afetiva poderia
tro da Trama Afetiva as fraquezas e debilidades. ser comparado a ser repetida e
diretrizes que moldam a Um novo sujeito desape- infinitamente provocada por ideias,
minha linha de pensamento gado do encorajamento pensamentos e atitudes de pessoas
e construção em design nocivo e de preconceitos corajosas, instigantes, desafiadoras,
sobre a ressignificação sobre sexualidade e todos gentis e amorosas.
do papel do homem na os assuntos que perpetuam Na Trama, ninguém te julga. Somos
sociedade. na construção dos concei- muito diferentes para que haja com-
Em dado momento do tos da masculinidade. parações. Assim como não há espaço
nosso processo histórico Por isso, entre outros para preconceito ou cobranças.
o significado de homem, pontos, é transformador o Mas sim, elas podem acontecer,
excluiu – a partir do campo modo como é construída vindas de dentro da nossa própria
das ideias para o campo e desenvolvida a Trama consciência. Pelo menos, assim foi
constitutivo, a possibilidade Afetiva. Dentro de um comigo.
deste homem ser frágil. processo de quatro dias Começou com os diferentes
Por uma questão de saúde de palestras que traziam palestrantes e suas histórias inspira-
mental, é preciso assumir discussões sobre o futuro doras. Descobrir que já tem muitas
ou aceitar as FRAGILIDADES da moda e um workshop de pessoas realmente colocando em
que cercam a capacidade criação, entendo que todo prática o que parece ser apenas
do homem contemporâneo. o processo foi fundamental uma utopia, que eles estão lutando
Para tanto, no meu para destravar mais uma todos os dias incansavelmente para
trabalho em coletivo, chave e pode a partir daí, que tenhamos um futuro diferente, e
criamos editoriais de Arte influenciar novos formatos, estão conseguindo resultados, veio
Revitalista¹ que colocam novos métodos de como como um cutucão.
em questão a fragilidade podemos construir um E uma voz começou a ecoar
masculina no campo psi- mundo menos tóxico por dentro de mim: “E você?”
cológico, físico, material e meio de novas tramas. Nas tardes, os cutucões
mecânico, que tem surgido continuavam. Tínhamos a missão
a partir do dialogismo de trabalhar em grupos e atuar nos
interno em decorrência das A Arte Revitalista é um projetos como criativos ou colabo-
transmissões mutáveis da movimento contemporâneo radores. O grupo selecionado era
sociedade, muito presente que aponta ser através da totalmente plural, representando
nas constituições das vidas associação dos aspectos do diferentes áreas da moda e design,
na periferia e culturas de corpo e alma - partindo do etnias e orientações sexuais.
rua. pensamento do indivíduo O que parecia ser mais uma pro-
Buscamos dar vida a ser um único elemento, vocação daquela Trama, aconteceu de
movimentos e ideias que composto dessas duas uma forma totalmente harmônica e
questionem o homem em substâncias indissociáveis afetuosa. Foi pura magia.
sua posição detentora das – como o modo racional Ninguém queria que acabasse.
leis, regras e convenções e humanamente natural Eram abraços e sorrisos para todos os
que se inicie, a priori, entre afetivo de enfrentar as lados.
[nós] homens. Queremos condições não-naturais Mas e agora… “E você?”. Eu ainda
revitalizar hábitos que impostas pelo processos não tenho um plano.
resgatem o afeto – o afeto histórico e mecanicista. Tenho a certeza de que quero
excluído das características Este movimento traz uma mudanças. Meu pensamento é novo.
que formam o homem nova energia vital para algo Meus sentimentos são outros. Meu
dentro da sociedade que em sua essência está desconforto aguarda para transfor-
moderna e que tem estado vazio e confuso a quanto o mar-se na borboleta que carrega
ausente em nossa idade que somos, como somos e outro tipo de beleza.
contemporânea – para que do que somos compostos.
assim, como consequên-

38
cia, reconstitua um novo
sujeito capaz de aceitar sua
Uma célula
regenerativa

Por Rafael Silvério


Designer de moda

Era guerra fria entre mim e minhas paixões, foi expulsando pelos poros qualquer matéria
alguma coisa aqui dentro se esfarelou. Como eu estranha que ali habitasse. Ao terminar o dia, eu
cheguei? Dilacerado, mas decidi dizer apenas estava de joelhos diante da minha própria igno-
vulnerável. rância, culpado por de alguma forma contribuir
Entre os rostos amigáveis, mas estranhos, tive por tal carnificina, além do comportamento au-
que me despir e expor todas as chagas que tentei todestrutivo que fazia a minha própria interação
esconder entre os retalhos residuais da coleção completamente dispensável.
passada. Depois de muita luta para continuar, física e
Como pode um homem sorrir mesmo em psicológica, regressei ao terceiro dia decidido
chamas, seja pelo medo do que viria ou pela em recriar um Silvério que fosse digno, literal,
oportunidade de me regenerar pela mesma via visceral, vertebral e imediato.
que me maltratou? Era insanidade expor amor Ao cortar o feltro reciclado, mais me sentia
à mesma plataforma que já foi um algoz, mas a distante do velho designer formado pela facul-
Trama Afetiva se mostrou maternal, aos poucos dade de moda, conseguia reconhecer as velhas
me acalentou e ouviu, antes de falar que não vozes dentro de mim que tinha a pretensão in-
era. Precisamos mais da violência escandalosa gênua de ser uma célula regenerativa, bondosa
da beleza. e calorosa. Tudo era muito real, onipresente e
Era preciso desafiar um estágio de consci- fora de algoritmo. Lembro da resistência para
ência além da roupa, era necessário o ato de não cair aos prantos.
despir o peito e expor a alma. O mais difícil era No último dia, eu tinha realmente atraves-
admitir que cedo ou tarde você será um vetor. sado a célula e regenerado algumas partes?
Não era sobre participar da engrenagem, mas Não, mas era um processo de cura, do qual meu
sobre a possibilidade de converter o fluxo, para corpo sucumbiria, porque depois de tanto resis-
que ele opere diferente, com novos beneficiá- tir, eu apenas me entreguei. A Trama era maior
rios: as pessoas. que qualquer barreira frágil que eu poderia ter
No primeiro dia, eu apenas resisti, co- construído com esses anos de “experiência”.
locando desesperadamente empecilhos na Agora, misto de dor e saudades do processo
tentativa de uma barricada de futilidades, que duro e difícil, mas libertador que fora.
ela (a Trama Afetiva) teria facilidade em derrubar Foi a coisa mais corajosa que eu me submeti
posteriormente. Mas como qualquer mimado, nesses anos, dói, sempre vai doer e confesso
lutei para não me entregar. Me debati em estado culpa por ter que aprender pela dor de ter
de negação inicial, na obsessão de não tornar minhas mãos manchadas também.
qualquer privilégio conquistado e suado em uma Os gatilhos dispararam e consegui visualizar
responsabilidade. como posso ser parte disso com viés humanitá-
No segundo dia, ela me enxergou e se rio e social maior, além do ambiental. A Trama
impregnou de baixo das minhas unhas, foi Afetiva é, além de uma plataforma, uma célula
dissolvendo a superfície dura e escura que regenerativa da fé de que existem fórmulas
envolvia todo meu coração. Se infiltrando em de fazermos mais, bem mais do que estamos
frestas fechadas por concreto e gotejando no- fazendo. Todxs juntxs!
vos conceitos dentro de mim. E de gota em gota,

39
Quem A importância
tem de uma visão
medo mais ampla
de sobre moda
amor?
Por Renata Dias Nascimento Por Luccas Morais
Costureira Designer gráfico

Sou Renata, moradora do Através dos apoios, dos Participar da Trama Afetiva foi entender que
Jardim Bassoli, segundo projetos que participamos, por mais que sejamos totalmente diferentes e
maior empreendimento sentimos que somos fortes, singulares, em algum momento nossas emoções
do Minha Casa Minha Vida valentes, que podemos passam pelos mesmos lugares. E mais: o quanto
no município de Campinas. construir algo melhor em a conexão é presente e importante nesses
Lá vivem 2.380 famílias e nossa sociedade. Toda essa processos de criação e de diálogo.
mais de 8 mil moradores de fé em mim sumiu quando Ao meu ver, parece que cada pessoa ali
áreas de risco que foram fui selecionada para a escolhida para compor o time de trameirxs foi
realocados de ocupações Trama Afetiva. Pensei: Por meticulosamente selecionada. Me encontrei em
ou assentamentos. É muito que me escolheram?? Tive um ambiente incrivelmente acolhedor e com
bom mudar para sua casa incentivo na resposta dos todes compartilhando de seus anseios.
própria, e, no caso dessas amigos: “Te escolheram Durante a semana em meio a palestras e
tantas famílias, é também porque estão interessados trocas, fui percebendo o papel político da moda
um desafio enorme reco- na riqueza da troca. Que- para além desse lugar apenas de consumo.
meçar a vida muito longe rem você como é, querem Pensar em moda hoje é reposicionar a cabeça
de tudo o que nos é familiar. compartilhar da sua perante muitas coisas. Não se pode criar apenas
Em um bairro novo não há experiência.” pensando em algo tátil ou para um conforto
nada. Nem linha de ônibus Logo no primeiro dia da e sim entender as reais situações do planeta,
tinha. Por um tempo isso oficina vi que meus colegas analisar a forma como podemos conectar as
para mim foi o vazio. Depois tinham estudo, trabalhavam pessoas simplesmente pelo tecido escolhido,
percebi que o lugar novo com design e moda e eu por exemplo.
também está a espera do uma simples costureira. Fui No meio dessa rede que foi a Trama Afe-
fazer. Conheci minhas vizi- escolhida para estar no tiva, fiquei encantado com a fala de Dani Leite,
nhas, juntei minhas forças meio deles e senti medo. criadora da plataforma Comida Invisível, pois
e meus sonhos com elas Depois fui me adaptando, me aguçou a possibilidade de compreender que
e começamos a ver opor- driblando a timidez e uma das nossas prioridades, a comida, precisa
tunidades onde antes só me abrindo para ser ser entendida de outra forma, passando pela
enxergávamos problemas. surpreendida com a vida. educação sobre consumo e reaproveitamento.
Hoje Lindineide, Mada- Nossas mãos juntas criaram O que mais me encantou foi isso: estar em
lena e eu somos empreende- objetos inimagináveis a um lugar que ao que tudo indicava só seria sobre
doras do Projeto Reciclista partir de materiais que não moda e acabou trazendo pensamentos sobre
– uma marca de acessórios tinham mais valor. Vou levar outras vertentes, fortalecendo a importância de
para ciclistas urbanos. O que essa experiência comigo uma visão mais ampla sobre tudo, pois só dessa
faz o Reciclista especial é enquanto eu existir. forma conseguiremos projetar um lugar mais
que todos os produtos são Que eu possa continuar saudável e digno para vivermos.
feitos com matéria-prima abraçando, resgatando va- E dessa forma, fica claro o quanto a arte e
doada pelos Correios: uni- lores, amando mais. No fim a cultura são de extrema importância para as
formes e malotes usados ga- das contas a experiência na nossas vidas. Por meio dessas duas preciosi-
nham uma segunda vida. Eu, Trama Afetiva foi sobre isso. dades é que conseguimos expandir nosso olhar
que sonhava ser costureira E de amor eu não tenho e pensar de maneira mais abrangente sobre a
e tive que abandonar meu medo! cidade e o país.
sonho, também conquistei
uma segunda vida. Minha
força de realização somada

40
à de outras mulheres só faz
crescer.
Uma O que é a Trama Afetiva? Todo mundo me per-
guntava quando falei que tinha sido selecionada
Fiquei impressionada com os
temas e as palestras ali durante os

vibe
e a verdade é que não sabia responder exata- quatro dias, cada dia sobre algum
mente… Falava que era uma oficina de upcycling ramo e que no final tudo fazia parte
e que iam rolar umas palestras, basicamente. da mesma árvore, parecia que os

para
Cheguei no primeiro dia um pouco apres- assuntos não tinham a ver, mas no
sada/atrasada, sem saber o que esperar, mas na final tudo se juntava para um novo
real esperando aquelas palestras sobre “moda jeito de ver as coisas, lidar com as

mudar o
sustentável”. O que na verdade é um monte de coisas. Eram palestras para cons-
informação que você pode pegar no google ou cientização real de quem estava ali
aquele título de impacto que passa nos stories presente. Me sentia muito orgulhosa

mundo
de pessoas “engajadas”. Isso é o que geralmente de estar fazendo parte daquilo (pela
acontece comigo e por isso nunca tenho muita primeira vez!), de estar participando
vontade de participar de eventos assim. Na e aprendendo. A sensação de “moda
real depois de todas as palestras que já assisti sustentável” (leia-se com entonação
sobre o assunto, saio com a sensação de que pejorativa) já tinha passado longe, a
não aprendi nada demais ou que tudo me foi sensação agora era de esperança,
explicado de um jeito muito sensacionalista por alegria, sei lá, era de muita coisa da
uma pessoa que na real também não tinha que hora, a vibe era de humildade e de
estar ali falando aquelas coisas, porque clara- mudar o mundo ao mesmo tempo.
mente não era o que ela vivia… Quase vergonha O que dizer da Oficina Trama?… Ah
Por Juliana Yoshie alheia de estar ali. a oficina… Jackson e Luca não são só
Estilista Já nas primeiras palavras de Jackson Araujo bons curadores para as palestras, mas
pensei: “Ok, é sério o negócio aqui”. Fiquei juntaram uma turma, cada um com a
concordando com tudo, acenando a cabeça sua história e vivências, que em pou-
quase querendo bater palma antes da hora e cos dias se tornou uma família. Logo
falar É ISSO AÍ! Ele estava ali explicando de um depois das apresentações iniciais de
jeito fácil de entender e realista sobre como a todo mundo me senti muito segura,
moda não é mais sobre roupas. Posso parecer num ambiente em que as pessoas
meio pretensiosa, mas muitas coisas que ele entendiam do que você estava falando.
falou lá, eram coisas que eu pensava, no sentido E como aprendi com aquelas pessoas,
de que a moda não é sobre moda/consumo/ os selecionados e os mentores. Estar
bapho e sim como usar a moda como mídia rodeada por pessoas que pensam
para conscientização, já que é uma linguagem como você! Foi muito maravilhoso.
tão democrática, mas que eu não conseguia Para falar bem a verdade, me
expressar em palavras (teorizar) e passar para as deu um ânimo em relação a todas as
pessoas como meu ponto de vista. Geralmente, coisas que ando fazendo, pois é difícil
eu parecia mais uma pessoa antimoda e na real fazer o que você acredita apenas por
o que queria dizer é sobre como a moda poderia acreditar que é não só o certo, mas
“salvar o mundo”, se vista/feita de uma forma o único caminho. Mesmo não tendo
mais AFETIVA. alguma história de “sucesso” para
seguir, às vezes parece até loucura,
ninguém de fato acredita em você,
acha fofo essa história de “moda
sustentável”, o que para mim é uma
coisa MUITO SÉRIA e na Trama Afetiva
senti que fazia parte de algo muito
maior. Aquela turma, aquelas histó-
rias… Acho que não foi por um acaso
encontrar aquelas pessoas, sabe?
Para mim antes da Trama, bastava
eu ter um trabalho que fosse ecolo-
gicamente correto, que não gerasse
mais lixo e que tivesse um produto
incrível. Ainda por cima, queria achar
uma brecha no capitalismo e vencer
esse jogo junto com os conceitos de
uma moda mais correta, mas aprendi
na Trama que a moda não é mais so-
bre roupas, sobre um produto da hora
e que gere apenas mais um consumo.
É sobre como podemos – por meio
da moda – melhorar as nossas vidas.
Somos TODOS seres humanos vivendo
nessa terra, né? Então... É mesmo

41
sobre PESSOAS.
RESULTADO
CRIATIVO
Com o desafio de prototipar soluções
inovadoras para uma ecomatéria (o
feltro afetivo) – criado em parceria
com a Santa Fé Feltros –, fabricada
a partir da desfibração de peças de
roupas com pequenos defeitos dos
estoques da Cia. Hering, um grupo de
13 trameires vivenciou três tardes de
intensa construção colaborativa na
Oficina Trama, sob tutoria de Jackson
Araujo, Luca Predabon, Patricia Cen-
turion, Itiana Pasetti, Eduardo Borém
e Jorge Feitosa.
Nesse processo de ateliê comple-
mentar às masterclasses e painéis foi
criado um ambiente de virulência po-
sitiva, em que diferentes identidades,
experiências e corporeidades políti-
cas foram friccionadas para promover
mudanças nas estruturas dos sujeitos
de forma dinâmica, resultando na
construção de uma série de vestíveis,
objetos de decoração, bolsas e até
uma tríade de chinelos.
Em tudo, a preocupação dedicada
com o aconchego e a criação de um
ambiente de acolhimento e conforto.
Um verdadeiro convite para que nos
deixemos afetar pela reflexão sobre
regeneração, circularidade e poder
do coletivo.

Fotos Patricia Araujo | Aterro Filmes


Trameiros Guilherme Diniz, Juliana
Yoshie, Luccas Morais, Lucas Navarro,
Maira Gouveia, Mauricio Duarte,
Paloma GS Botelho, Rafael Silverio,
Renata Dias Nascimento, Renata
McCartney, Stephan Maus, Vinicius
Almeida e Vinicius Teixeira
43
1

44
3
4

45
5 6

7 8
9
47
10 11

12
13

49
14

50
15

51 16
17

52
19

18
53
Trameires 2019 Cenografia Resultado criativo | legendas
Guilherme Diniz, Juliana Estúdio Xingu
Yoshie, Luccas Morais, Lucas
CAPA CHAPÉU FRAGMENTOS CACHEPÔ DE PAREDE
Navarro, Maira Gouveia, Produção-executiva
Proposição Proposição
Mauricio Duarte, Paloma GS Mariana Piza, Rogério Zé Paloma GS Botelho Renata Dias Nascimento
Botelho, Rafael Silvério, Renata e Marcia Oliani Colaboração Colaboração
Dias Nascimento, Renata Herculânia Reis Eliane Marques
McCartney, Stephan Maus, Fotografia e vídeo Jorge Feitosa
Vinicius Almeida e Vinicius Aterro Filmes 12 POCHETE, TAPA-SEXO E
Teixeira Patricia Araujo 1 BOLSA RECICLISTA CROPPED PESTANAS
Proposição Proposição
Raphael Villar
Renata Dias Nascimento Lucas Navarro
Direção criativa e de conteúdo André Losanto
Colaboração Colaboração
Jackson Araujo e Eliane Marques Herculânia Reis
Luca Predabon Comunicação Digital
Livia Salomoni, Manú 2 MOCHILA IOGUE 13 CASACO FÓRMICA
Designers tutores Fernandes, Humberto Queiroz Proposição Proposição e execução
Patricia Centurion, Itiana e Ariella Aguiar Rafael Silvério Jorge Feitosa
Pasetti, Eduardo Borém e Colaboração
Jorge Feitosa 14 CACHEPÔS DE PAREDE
Jorge Feitosa Assessoria de imprensa
Proposição
Namídia
3 BOLSAS GRÁVIDAS Renata Dias Nascimento
Cardume de Mães Proposição Colaboração
Herculânia Reis, Eliane Design gráfico Renata Dias Nascimento Eliane Marques
Marques, Francisca Laura e Estúdio Permitido: Vitor Cesar Colaboração
Rosinha Matos e Julia Pinto (assistente) Eliane Marques 15 CACHEPÔ BICOLOR
Itiana Pasetti Proposição
Chefe de ateliê Impressão Renata Dias Nascimento
4 CARTEIRA DA RUA Colaboração
Leandro Castro RisoTROPICAL
Proposição Eliane Marques
Vinicius Teixeira
Colaboração 16 VITÓRIA-RÉGIA
Herculânia Reis Proposição
69132 Mauricio Duarte
5, 6, 7 e 8 VASOS VOADORES Colaboração
Araujo, Jackson e Predabon, Luca Proposição Herculânia Reis
Economia Afetiva: por uma nova tecitura social Renata McCartney Eduardo Borém
/ organização e coordenação editorial Jackson Colaboração
Herculânia Reis 17 BICHO HÍBRIDO
Araujo e Luca Predabon – 1a edição – São Paulo: Patricia Centurion Proposição
2019 Mauricio Duarte
9 CASACO COBERTOR Colaboração
ISBN: 978-85-69132-02-8 Proposição Herculânia Reis
Rafael Silvério Eduardo Borém
1. Moda. 2. Design. 3. Economia Afetiva I. Stephen Maus
Araujo, Jackson, Predabon, Luca (organizador, Vinicius Teixeira 18 PUFE [DES]CONTINENTE
Colaboração Proposição
coordenador). II - Fundação Hering;
Francisca Laura Maira Gouveia
Governo do Estado de São Paulo; ProaC Colaboração
(apresentação, realização) CHAPÉU ANCESTRAL Herculânia Reis
Proposição Patricia Centurion
Paloma GS Botelho
Colaboração 19 REDE ABRAÇO
Herculânia Reis Proposição
Patricia Centurion Vinicius Almeida
Colaboração
10 CASACO BURLE MARX Herculânia Reis
apresentação patrocínio
Proposição Eduardo Borém
Guilherme Diniz
Juliana Yoshie CONTRACAPA CHINELO
Colaboração MIL-FOLHAS
Francisca Laura Proposição
apoio Luccas Morais
11 CHAPÉU FRAGMENTOS Colaboração
Proposição Herculânia Reis
Paloma GS Botelho Itiana Pasetti
Colaboração
Herculânia Reis
Jorge Feitosa
realização
VESTIDO CACHEPÔ
Proposição
Rafael Silvério
Colaboração
Eliane Marques
JACKSON ARAUJO LUCA PREDABON

Comunicólogo e diretor criativo da Trama Comunicologx, redatxr e de inovação e tendências


Afetiva é pesquisador e estudioso da Economia analista de comportamento para clientes como WGSN,
Afetiva, termo que cunhou em 2014 sobre a nova de consumo e conteúdo Coca Cola e Leroy Merlin,
perspectiva de mercado pautada na valorização de inovação, atua como além de integrar o FLUX
e desenvolvimento do coletivo, para soluções diretxr de conteúdo da WGSN/Mindset, grupo
inovadoras. Faz palestras, workshops e dirige Trama Afetiva – festival dedicado a pensar o Brasil
projetos sobre o tema. Desde o início de 2018, multicultural que conecta numa perspectiva global
é do time de palestrantes da plataforma TEDx pessoas a um novo tecido sobre o viés do Design,
Blumenau. de transformação social, Retail, Comunicação, Web e
Como diretor criativo do festival cultural profissional e ambiental Comportamento.
Trama Afetiva, patrocinado pela Fundação por meio do design e dos No bureau de tendên-
Hering, orienta grupos multidisciplinares para saberes coletivos. cias Box1824, atuou na
a construção de soluções inovadoras com foco Também na consultoria gestão do núcleo de desk
em sustentabilidade para a indústria têxtil e de de conteúdo criativo e de research, na curadoria e
moda. inovação, cocriou com redação de conteúdo pro-
Em 2017, faz a curadoria da exposição Trama Jackson Araujo a plataforma prietário e Trends Design,
Afetiva, lançada no MADE – Mercado, Arte, De- de conteúdo “Retrato Bra- atendendo clientes como
sign, no Pavilhão da Bienal (SP), e posteriormente sília – Cartografia cultural Unilever Global, Itaú, Fiat,
mostrada no Youtube Space Rio e no festival e estética”, para o Jornal Pepsico e Nokia Trends.
MECAInhotim. Correio Braziliense e CCBB, Atualmente, colabora
Como designer de interlocução promove que durante um ano e meio na curadoria de conteúdo
o relacionamento criativo entre diferentes mapeou os movimentos, do Museu do Pão, premiado
profissionais da cadeia de moda e design, para criativos e empreendedores equipamento arquitetônico
a construção de valores sólidos na evolução da emergentes do DF. Em Santa e cultural localizado no in-
indústria. Compartilha seu aprendizado como Catarina, foram cinco anos terior do RS, onde também
jornalista, editor, critico, escritor, mentor e atuando no Santa Catarina desenvolve projetos de
curador de projetos no sentido de potencializar a Moda e Cultura (SCMC), mapeamento e resgate da
educação e diminuir a lacuna entre o ensino for- iniciativa que reúne indús- cultura local e preservação
mal de moda e design e a realidade do mercado. tria e academia na constru- do patrimônio histórico
Entre 2014/15, dirigiu o projeto “Retrato ção de uma identidade do material e imaterial.
Brasília – Cartografia cultural e estética”, criando design da moda local. Como redatxr, atuou
vínculos entre CCBB, Correio Braziliense e os Na Mindset, em SP, em núcleos criativos de
novos criativos da cidade. desenvolveu conteúdo agências de comunicação
Colaborou com o SCMC – Santa Catarina do RS e colaborou com a
Moda e Cultura (2010/14) na construção da iden- revista Vida Simples, da
tidade do design da moda local, depois de atuar Editora Abril.
como gestor do núcleo de análise de tendências
da agência Box 1824.
Recebeu o Prêmio Abit Fashion 2002 de me-
lhor jornalista de moda e logo depois escreveu
a biografia de Lino Villaventura para a coleção
Moda Brasileira (CosacNaify,2007).
CHINELO MIL-FOLHAS
Por Luccas Morais

ISBN 978-85-69132-02-8

Projeto realizado com o apoio do Governo do


Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura –
Programa de Ação Cultural 2019

Você também pode gostar