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Ivy Judensnaider é economista pela Fundação Armando Álvares Penteado e mestra pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, no Programa de Estudos Pós‑Graduados em História da Ciência e da Tecnologia. Atualmente é
professora da Universidade Paulista – UNIP, onde coordena o curso de Ciências Econômicas no Campus Marquês (SP).
Também atua no setor de publicações, sendo autora de inúmeros textos de divulgação científica publicados na web.
Nos últimos dez anos, tem trabalhado na elaboração de textos e de livros voltados a educação a distância.
Viviane Paes Macedo‑Yanikian fez mestrado em Economia pelo Programa de Estudos Pós‑Graduados em Economia
Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em relações internacionais pela Universidade
Católica de Brasília, atualmente é professora da Universidade Paulista – UNIP.
CDU 301
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Marcilia Brito
Marina Bueno
Sumário
Sociologia Interdisciplinar
Apresentação.......................................................................................................................................................7
Introdução............................................................................................................................................................8
Unidade I
1 A profissão docente....................................................................................................................................9
2 Competência e qualidade na docência....................................................................................... 14
2.1 Dimensões da competência.............................................................................................................. 22
3 Pedagogia da Diversidade.................................................................................................................... 37
3.1 Reconsiderando o erro........................................................................................................................ 46
4 Projeto pedagógico e a construção coletiva....................................................................... 60
Unidade II
5 Conscientização da Capacidade Criadora............................................................................... 78
5.1 Inteligência e criatividade................................................................................................................. 78
5.1.1 Herança da antiguidade........................................................................................................................ 80
5.1.2 A distinção da psicologia...................................................................................................................... 80
5.1.3 Piaget............................................................................................................................................................ 82
5.1.4 A abordagem de processamento de informações...................................................................... 86
5.1.5 A abordagem dos sistemas simbólicos............................................................................................ 87
5.1.6 Afinal, o que é uma inteligência?..................................................................................................... 90
5.2 Ciências humanas e educação......................................................................................................... 92
6 Incorporando a Criatividade............................................................................................................ 98
6.1 Pedagogia da transgressão................................................................................................................ 99
6.1.1 Transgressão do espaço.......................................................................................................................102
6.1.2 Transgressão da ordem institucional.............................................................................................106
6.1.3 Transgressão da avaliação formal................................................................................................... 112
7 Organização da Criatividade..........................................................................................................118
7.1 Interdisciplinaridade: definição, projeto e pesquisa.............................................................118
8 A arte incorporada à criatividade..............................................................................................121
8.1 Crítica e sociologia.............................................................................................................................121
8.2 A literatura e a vida social...............................................................................................................125
8.3 Problemas da sociologia da arte...................................................................................................129
8.4 Sociologia da fotografia e da imagem.......................................................................................133
8.5 Sociologia da arte na escola: experiências em sala de aula..............................................141
Apresentação
Caro aluno,
Para que essas propostas sejam atingidas, partiremos, portanto, da identificação dos problemas
que afetam a formação dos professores na atualidade e da análise das experiências bem sucedidas de
professores como parâmetros para a reconstrução de uma prática didática reflexiva e cooperativa.
Considerando como as mudanças de paradigmas na vida em sociedade nas últimas décadas exigiram
novos modelos educativos, assim como colocaram novos desafios para os agentes envolvidos com o
processo de educação. Esses novos caminhos se distanciam do projeto educativo positivista e tecnicista,
numa tentativa de compor uma matriz educacional muito mais aberta e complexa. Em suma, uma nova
maneira de produzir conhecimento e compartilhá‑lo. A educação, portanto, não se baseia mais em uma
verdade única ou uma maneira exclusiva correta de ensinar e aprender, mas em várias e, dessa forma,
começa a se desenhar a necessidade do cruzamento de saberes, de disciplinas – a interdisciplinaridade.
Num primeiro momento, estabeleceremos alguns pressupostos essenciais para uma prática
interdisciplinar, retomaremos a ideia de inteligências múltiplas, fundamental para orientar práticas
escolares diferenciadas, um ponto de partida que pode transformar a interação professor‑aluno, a
formulação do currículo, os métodos de ensino‑aprendizagem e principalmente a avaliação. Depois
passaremos a uma breve retomada, complementar à unidade anterior, do caminho das ciências
humanas pensadas para o ensino, quando a superação dos paradigmas positivistas abre o caminho para
interdisciplinaridade. E por fim, já como forma de ampliar nosso repertório sobre práticas interdisciplinares,
acompanharemos as experiências em sala de aula de um docente junto a um cruzamento de reflexões
entre os temas sociológicos, pedagógicos e artísticos.
Bom trabalho!
Introdução
A disciplina Sociologia Interdisciplinar tem como objetivo estimular a análise e a reflexão sobre a
interdisciplinaridade e as práticas escolares. Dessa forma, a disciplina tem como proposta o estudo da
interdisciplinaridade a partir dos pontos de vista históricos e teóricos, por meio dos quais realizará a
revisão dos temas transversais em educação e nas pesquisas sobre interdisciplinaridade e ensino de
sociologia.
Dentre as propostas da disciplina, salientamos, como fundamentais, os esforços para levar o aluno
à aquisição da capacidade de articular ensino e pesquisa na produção do conhecimento e na prática
pedagógica, ao compromisso com uma ética de atuação profissional e com a organização da vida em
sociedade, ao trabalho dentro da escola numa proposta de pedagogia diferenciada e ao processo de
formação contínua como pressuposto necessário para o trabalho na sociedade contemporânea.
Temos certeza de que o conteúdo desta disciplina será de extrema valia para a sua formação e
prática docente.
8
Sociologia Interdisciplinar
Unidade I
1 A profissão docente
A profissão docente, da mesma forma como ocorreu com outras profissões, foi afetada nas últimas
duas décadas pelas mudanças de paradigmas que envolveram a vida na sociedade e que transformaram
de maneira radical a forma como vivemos, como aprendemos e como convivemos em grupo.
Nesse novo mundo, novos modelos do ato educativo fizeram‑se necessários, e novos desafios foram
propostos aos agentes envolvidos com o processo de educação. Logo, se o ato de educar se transformou,
a Escola e os docentes também tiveram que se modificar, adquirindo ou desenvolvendo um novo perfil de
competências. Afinal, se nesses novos tempos estamos cada vez mais distantes de um projeto educativo
positivista, ou tecnicista, e se a cada vez exige‑se mais do docente a capacidade para trabalhar com uma
matriz educacional aberta e complexa, deve‑se supor que esse docente esteja preparado para lidar com
os novos desafios e com as novas demandas do fazer pedagógico.
Em suma, estamos falando de uma nova identidade docente, que agrega um conjunto de
conhecimentos, crenças e convicções partilhadas pela comunidade científica, e que se associam
ao projeto educacional esperado por essa mesma comunidade (SÁ‑CHAVES, 2008). Em outras
palavras, uma nova realidade pressupõe outros modelos epistemológicos e explicativos do
significado de ser professor.
Figura 1 – Uma nova realidade pressupõe outros modelos epistemológicos relativos ao que significa ser professor
• A formação dos professores de Sociologia está associada à percepção da realidade que abriga o
entorno educacional, estando a ela sujeito e derivando dela suas principais concepções.
• Ao mesmo tempo em que deriva do contexto educacional e da realidade social, a formação dos
professores de Sociologia deve considerar as possibilidades de transformação da realidade e do
meio social em que atuam, sob o risco de perderem o contato com o mundo em que o aluno vive
e no qual foi erigida a escola.
Segundo Santos e Haerter (2005, p. 8), “o fazer docente não é neutro nem descomprometido
e, percebê‑lo inserido em intencionalidades específicas, significa o início do rompimento com uma
abordagem tradicional de educação que castra inúmeras experiências e vivências”, tanto ao ser
considerado o plano individual quanto em termos da sociedade como um todo.
A partir desse contexto, e para que possamos traçar essa nova matriz identitária do profissional
docente, faremos uso de contribuições das mais diversas áreas do conhecimento, entre elas a Sociologia.
Para Sá‑Chaves (2008, p. 64):
10
Sociologia Interdisciplinar
Esse contexto, por sua vez, nos reporta ao terreno da Epistemologia, já que o ser professor traz
implicitamente uma compreensão epistemológica do significado do saber em ação. Educar, portanto,
implica uma
Essa perspectiva nos leva à compreensão do exercício docente como representado por uma ação que
tem origem em um saber específico. Esse saber específico orienta e elucida as condições do saber ser,
que envolve, por sua vez, não apenas o aspecto profissional, mas também o compromisso e a meta de
possibilitar o desenvolvimento de outro.
Figura 2 – Ser professor traz implicitamente uma compreensão epistemológica do significado do saber em ação
11
Unidade I
Em outros termos, nossa discussão passa a envolver as relações entre a teoria e a prática, entre o
saber e o saber fazer, entre o saber fazer e o fazer. Afinal, ser professor “é muito mais que meramente
“estar” professor, é responsabilizar‑se com a formação de outros sujeitos e com a sua própria formação,
calcada nas mais diferentes e significativas experiências na sala de aula e fora dos muros dela” (SANTOS;
HAERTER, 2005, p. 1). Isso torna oportuno, portanto, o debate acerca das experiências que buscam a
articulação entre a teoria e a prática docente.
Nesse sentido, trazemos os resultados do trabalho de Almeida (2012), que investigou essa articulação
no caso da disciplina de Sociologia em escolas do ensino médio da rede pública do estado do Ceará. Esta
pesquisa entrevistou professores recém‑ingressos no ofício docente via concurso público para apreender
o sentido por eles atribuído ao trabalho docente, partindo da premissa da existência de outra concepção
entre teoria e prática que não a tradicionalmente aceita. Assim, se a tradição tratou de firmar o saber
como unicamente associado à teoria, enquanto a prática foi desprovida de qualquer saber ou modelo
teórico, Almeida (2012) buscou compreender teoria e prática (o saber e o fazer) como indissociáveis.
Dessa forma, o saber fazer passa a abarcar competências e habilidades que possibilitam ao professor
tornarem‑se sujeitos ativos do conhecimento.
estão relacionados com a teoria, mas que não dependem desta (PERRENOUD,
2001 apud ALMEIDA, 2012, p. 156).
Figura 3 – A formação do professor de Sociologia ocorre por meio de duas vias: a aquisição de
conteúdos específicos da Sociologia e o aprendizado das disciplinas pedagógicas
Deve‑se atentar, porém, ao fato de que a tradição que manteve teoria e prática em planos distintos
também alimentou a segregação nas universidades: assim, o professor de ensino básico, fundamental
e médio encontrava‑se em patamar bem diferente do professor‑pesquisador do Ensino Superior, sendo
este último, mais preparado e melhor remunerado, portanto. Tal distinção fez por ignorar o que qualquer
professor de ensino básico, fundamental e médio sabe: não há prática sem aperfeiçoamento teórico
constante, da mesma forma como não há aperfeiçoamento teórico que possa prescindir dos dados
obtidos por meio da prática docente.
Assim, no caso dos docentes de Sociologia, não apenas há que se associar a teoria com a prática,
como também se deve unir a prática educacional à realidade que a engendra. Em outras palavras, é
necessário atentar para o fato de o objeto de ensino ser a própria realidade social e cultural dos alunos
que, por sua vez, gera e abriga as relações sociais.
13
Unidade I
Figura 4 – O objeto de ensino da Sociologia é a própria realidade social e cultural dos alunos que,
por sua vez, gera e abriga as relações sociais
Considerando esse contexto, passaremos a investigar quais são os atributos associados à competência
docente na atualidade.
A importância que o tema ganhou é evidenciada pela quantidade de artigos e pesquisas sobre
competência docente. Assim, segundo Puentes et al (2009, p. 169),
14
Sociologia Interdisciplinar
O conceito de competência, como tantos outros na área da educação ou outras áreas, assume
múltiplos sentidos e interpretação, tanto em termos temporais, quanto em termos das circunstâncias
em que foi utilizado. Segundo Esteves (2009, p. 38),
Para que possamos entender a questão da competência na atuação docente, temos que, inicialmente,
compreendê‑la em dois contextos distintos. A competência, no contexto da singularidade, remete‑nos
à questão da qualidade da ação profissional do indivíduo. É o caso em que avaliamos que o professor A
é um professor extremamente competente, e que o B não atua de forma competente. No contexto da
pluralidade, a noção de competência remete‑nos a traços ou atributos profissionais sobre os quais não
necessariamente estamos fazendo algum julgamento de valor. Novamente, para exemplificar: podemos
falar sobre a competência de um determinado professor, quer dizer, se ele é um bom ou mau professor,
se ele atua de forma competente ou não. E também podemos falar das competências necessárias sobre
o fazer docente: preparar aulas, questionar alunos, utilizar recursos pedagógicos, ser capaz de criar uma
atmosfera de confiança em sala de aula etc. Essas são competências, quer dizer, são os atributos que, a
princípio, são necessários para a atuação docente, mas que, em relação a um determinado e específico
professor, não estamos fazendo qualquer julgamento de valor.
E, se é possível listar competências necessárias para a atuação docente, nada mais válido do que
esperar que essas competências sejam forjadas e estimuladas nos cursos de formação docente.
Os programas de formação docente com base em competências tiveram, portanto, que responder,
inicialmente, a algumas perguntas de fundamental importância: quais as competências deveriam ser
estimuladas e aperfeiçoadas? Essas competências seriam inatas ou passíveis de serem ensinadas e
treinadas? E ainda, essas competências seriam semelhantes ao ofício de outras profissões ou específicas
para a situação de docência?
Figura 5 – Partindo do pressuposto de que essas competências podem ser ensinadas, os programas de formação docente passaram
a trabalhar com estudos e pesquisas experimentais que, anteriormente, haviam conseguido identificar atributos da atuação docente
positivamente associados e correlacionados à aprendizagem dos alunos
Segundo Esteves (2009, p. 41), um estudo com cerca de 2000 gestores de diferentes áreas revelou as
competências vistas como mais importantes:
16
Sociologia Interdisciplinar
• Proatividade.
• Autoconfiança.
• Objetividade perceptiva.
• Autocontrole.
• Energia e adaptabilidade.
Segundo Perrenoud (2000 apud ESTEVES, 2009, p. 41), por sua vez, as principais competências da
atuação docente identificadas foram:
• Trabalhar em equipe.
17
Unidade I
Figura 6 – No campo da pesquisa pedagógica, uma das grandes preocupações dos que se ocupam em investigar a profissão docente
tem relação com o tipo de especialização que os professores devem receber, o que inclui os conhecimentos, habilidades e atitudes a
serem desenvolvidas pelos que desejam atuar no campo da educação
Para Gauthier são seis os saberes que devem ser mobilizados pelos professores para o exercício da
docência.
18
Sociologia Interdisciplinar
Para Raymond (2000 apud Puentes et al, 2009 p. 177), a tipologia das competências docentes pode
ser reunida em cinco grandes grupos:
Como é possível imaginar, a formação dessas competências não compreende um conteúdo específico
per si. Em outras palavras, não há como ensinar trabalho em equipe utilizando apenas conteúdo teórico.
Não há como estimular a administração de sua própria formação contínua por meio da discussão de
conceitos ou teorias. Não há aula que possa ser dada a respeito do enfrentamento ético com os dilemas
da profissão. O trabalho em equipe, a administração da própria formação contínua e a atitude ética
podem ser forjados no contexto da discussão de outros conteúdos, não necessariamente relacionados às
competências que se deseja formar. Colocando de outra forma: existe uma maneira melhor de ensinar o
trabalho em equipe do que realizando trabalhos em equipe? O que pode ser mais eficaz para a formação
da competência de trabalhar em grupo: ensinar que o trabalho em grupo é importante e que o bom
trabalho em equipe envolve determinadas atitudes? Ou, durante o trabalho em equipe, discutir sua
importância, suas dificuldades e seus obstáculos na obtenção de um bom resultado?
como a seleção das que devem ser desenvolvidas num dado cenário de
formação, subordinam a definição dos objetivos de aprendizagem, a seleção
e organização dos conteúdos e, especialmente, as metodologias a utilizar. Os
conhecimentos que os currículos proporcionam não valem por si mesmos,
mas pela possibilidade de ajudarem a desenvolver as competências de cada
sujeito e de serem, por este, investidos na ação (ESTEVES, 2009, p. 42).
Tais considerações nos remetem, novamente, à discussão sobre a formação do docente em termos
teóricos e práticos, e à associação entre esses dois campos.
Figura 7 – A competência não está limitada à posse de recursos cognitivos, estando associada ao campo da ação
Essa perspectiva de ser e fazer docente torna inseparáveis os campos de atividade e atuação.
Trata‑se, portanto, de saber e ensinar, e no caso específico do desenvolvimento de competências nos
alunos (que é outro requisito paradigmático das diretrizes que vigoram atualmente no campo da
educação), ter aprendido a desenvolver e a ensinar como desenvolver. Ou, em outras palavras:
Figura 8 – Percebe‑se que, independentemente do agrupamento, das classificações e das tipologias utilizadas pelos diversos autores,
a profissão docente pressupõe três ingredientes fundamentais: o saber, o saber fazer e o saber ser
Exemplo de aplicação
Paulo Freire (1927 – 1991), um dos mais importantes educadores do século XX, em seu livro Pedagogia
da Autonomia (publicado em 1996), discutiu a questão da competência do docente. Ao citá‑lo, Puentes
et al (2009, p. 175), afirma que:
O estudo de Freire (1996) tem, como temática central, o aspecto da formação docente
ao lado da reflexão sobre a prática educativo‑progressiva em favor da autonomia dos
educadores. Segundo o pensador, os saberes indispensáveis à prática docente de educadores
críticos, progressistas, devem ser conteúdos obrigatórios à organização programática
da formação docente e podem ser enumerados de um a dez: 1) ensinar não é transferir
21
Unidade I
conhecimento, mas criar as possibilidades para sua produção ou a sua construção, uma
vez que inexiste validade no ensino do qual não resulta um aprendizado; 2) ensinar exige
rigorosidade metódica, na medida em que é preciso reforçar no aluno sua capacidade
crítica, sua curiosidade, sua insubmissão e o rigor metódico com que deve aproximar‑se dos
objetos cognoscíveis; 3) ensinar exige pesquisa, no sentido da busca contínua, da indagação,
da reprocura, da constatação e da intervenção; 4) ensinar exige respeito aos saberes dos
educandos, toda vez que é necessário respeitar os conhecimentos socialmente construídos
pelos alunos na prática comunitária e discutir com eles a razão de ser de alguns desses saberes
em relação ao ensino dos conteúdos; 5) ensinar exige criticidade, vista como curiosidade,
inquietação e rigor na aproximação ao objeto cognoscível; 6) ensinar exige estética e ética,
no sentido que o rigor da crítica não pode ir à contramão de uma rigorosa formação ética e
estética, pois quando se respeita a natureza do ser humano, o ensino do conteúdo não pode
ficar alheio à formação moral do educando; 7) ensinar exige a corporificação das palavras
pelo exemplo, na medida que pensar certo é fazer certo; 8) ensinar exige risco, aceitação
do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação; 9) ensinar exige reflexão crítica
sobre a prática, pois na formação permanente dos professores, o momento fundamental é
o da reflexão crítica sobre a prática; 10) ensinar exige o reconhecimento e a assunção da
identidade cultural.
Em sua opinião, as ideias expostas por Freire há quase vinte anos ainda encontram aderência à
realidade que vivemos?
As ideias de Freire podem ser aplicadas, igualmente, em escolas de cidades com ampla densidade
populacional e escolas de cidades parcamente habitadas?
As ideias de Freire podem ser aplicadas, igualmente, em escolas públicas e escolas privadas?
Segundo Maura e Tirados (2008), a prática docente nos dias atuais requer que os professores tenham
uma sólida formação humanística. Essa formação é necessária para que o docente seja capaz de entender
o aluno como alguém envolvido em um processo de construção do conhecimento, processo esse que
tem em vista seu desenvolvimento social e o desempenho de papéis sociais na vida fora da escola. Não
se trata mais de associar o bom docente à posse de conhecimentos e de um sem número de informações;
de forma diversa, o bom docente é aquele capaz de apresentar uma competência profissional completa,
que envolve iniciativa, flexibilidade, autonomia e capacidade de se integrar e colaborar em ambientes
extremamente heterogêneos e diversos.
23
Unidade I
24
Sociologia Interdisciplinar
* dentre 27 competências.
* dentre 27 competências.
* dentre 27 competências.
25
Unidade I
* dentre 27 competências.
Exemplo de aplicação
Tomando como base as competências pesquisadas, convide docentes do seu convívio pessoal ou
profissional a participarem desse pequeno projeto. Você deverá solicitar que eles atribuam uma ordem
de importância (de 1 a 27) para cada uma das competências, e um grau de realização relativo a cada
uma das competências.
Tabule e compare os resultados com os obtidos juntos aos colegas cubanos e bolivianos. Há diferenças
significativas entre eles? Caso haja diferenças significativas, como elas podem ser explicadas?
Formulário de pesquisa
Nome do entrevistado:
Ocupação:
Tempo de profissão:
Competências O R Competências O R
Conhecimentos sobre a área de Criatividade
estudo e a profissão
Capacidade de aplicar os Capacidade para tomar decisões
conhecimentos na prática
Capacidade para identificar e resolver Capacidade para atuar em situações
problemas novas
Capacidade de abstração, análise e Habilidade para trabalhar de forma
síntese autônoma
Capacidade de investigação Capacidade crítica e de autocrítica
26
Sociologia Interdisciplinar
As definições atribuídas ao fator competências levam‑nos a uma importante conclusão, qual seja, a
de que o aprendizado e o desenvolvimento destas vão além do aprender passivo, no qual o aluno ouve,
entende e internaliza. A competência requer, nos termos das várias definições que já investigamos e
nos termos dos vários contextos nos quais ela se insere, a prática na qual o conteúdo aprendido será
apropriado pelo sujeito, e desenvolvido e complementado por meio da ação. Em outras palavras, é
necessário aprender a conhecer para, dessa forma, ser capaz de ensinar aos alunos como conhecer para
poder aprender.
27
Unidade I
Figura 10
28
Sociologia Interdisciplinar
É claro que essas competências são exigidas e desenvolvidas de acordo com o momento
histórico, dependendo do contexto em que se situa e do qual se ocupa o processo educacional.
Assim, o professor tido como competente na década de 1920 pode ser exatamente o oposto
do que se espera em termos de competência pedagógica atualmente. O professor autoritário,
temido e odiado é quase uma caricatura do passado. O professor que sabia tudo também é uma
figura caricata: em tempos de internet, quando os alunos, muitas vezes, estão com o celular
conectado à rede, qual a importância de saber tudo? Aliás, de qual tudo estamos falando se, no
correr do dia, um sem número de novas informações e novas tecnologias são disseminadas pelos
quatro cantos do planeta?
29
Unidade I
Exemplo de aplicação
Charge
Figura 11
Texto
De que maneira eles sugerem a necessidade de competências docentes diferentes das competências
que eram necessárias no passado?
30
Sociologia Interdisciplinar
Em outras palavras, deve‑se então assumir que, transformadas as responsabilidades dos professores,
naturalmente tiveram que passar por transformações também as competências e habilidades que os
docentes deveriam apresentar no e para o exercício da profissão. Afinal, não se trata mais de entender a
relação aluno‑professor em que o primeiro desenvolve um papel passivo, e o segundo, por meio do livro
didático, deve transmitir informações ao primeiro para que este, após processo de memorização, torne‑se
capaz de reproduzir o conteúdo transferido. E, se o processo de educação vai além da memorização,
e passa a se apoiar em pesquisa, conhecimento teórico, vivência, reflexão e ação, é evidente que não
estão relacionados a esse processo as competências e habilidades a serem desenvolvidas no aluno, e
que obrigatoriamente o professor também deve ter se apropriado ao longo do período de formação e
durante o de atividade profissional.
Figura 12 – O docente deve utilizar os recursos didáticos necessários para conduzir os alunos à pesquisa, à reflexão e à ação
Saiba mais
Caso você esteja interessado em conhecer softwares livres cujo uso não
implicam contrapartida financeira, sugerimos os seguintes endereços da web:
A definição anterior que, de certa forma, resume os conceitos já apresentados, acaba por nos conduzir
a um conjunto de competências e habilidades que, espera‑se, tenham sido desenvolvidas e apropriadas
pelo docente. Segundo Felix e Navarro (2009), esse conjunto deve conter
• A compreensão das tecnologias disponíveis e das relações integradoras geradas por elas.
• O desenvolvimento da criatividade.
É também uma definição que se coloca de acordo com o estabelecido pelo Ministério da Educação
e Cultura (MEC) em termos das competências tidas como relevantes:
Observação
33
Unidade I
Observação
34
Sociologia Interdisciplinar
Figura 14 – O estudo das grandes figuras históricas e o culto às datas cívicas marcaram o ambiente
escolar durante o regime militar nas décadas de 1960 e 1970
Exemplo de aplicação
Grande parte dos professores que hoje atuam em escolas foram ensinados por docentes preparados
dentro do contexto da pedagogia tecnicista. Em outras palavras, os profissionais que hoje devem
trabalhar a partir dos pressupostos da pedagogia centrada no desenvolvimento de competências e
habilidades, foram educados por docentes treinados no ambiente tecnicista.
35
Unidade I
Como, na sua opinião, é possível ultrapassar os limites da sua própria formação e ser capaz de
atender às necessidades de outros tempos e de outras pedagogias?
Parece evidente que essas duas diferentes abordagens pedagógicas (a tecnicista e a centrada em
habilidades e competências) não têm como estabelecer diálogo: seus objetivos são distintos e os
contextos que as engendraram são díspares. Enquanto a primeira pretende obediência e conformismo
à ordem vigente, a segunda prima pelo desenvolvimento da autonomia. Claro que não podemos ser
ingênuos e ignorar que essa pedagogia da competência, por sua vez, também emanou de um contexto
neoliberal que enterrou o fordismo e a especialização no trabalho: a partir da globalização, passou a
ser requerido que os profissionais não fossem mais treinados em tarefas específicas, mas que tivessem
competência e habilidade para aprender, de forma autônoma, novas funções e novas tarefas exigidas
pelo quadro de rápidas mudanças no ambiente competitivo dos negócios.
Figura 15 – Exposição Sonhando com Paulo Freire, a educação que queremos, Brasília, 2014
36
Sociologia Interdisciplinar
A liberdade, nos termos de Freire, implica a capacidade de mudar, de fazer opções, de ter consciência
do que condiciona a nossa existência.
3 Pedagogia da Diversidade
Uma das competências mais importantes que foi incluída entre aquelas a serem desenvolvidas no
processo escolar, está a capacidade de conviver com os outros, com o outro que é diferente e que pode
ou não estar excluído socialmente.
Do ponto de vista da reforma curricular brasileira das últimas duas décadas (em especial, a produzida
pelos PCNs), o outro parece estar associado às necessidades educativas especiais. Segundo Skliar (2003,
p. 42), essa situação é similar à produzida pela reforma espanhola dos anos 1990, na qual a diversidade
foi pensada e reproduzida como:
37
Unidade I
Esse contexto nos leva a três possibilidades distintas em termos de modelos pedagógicos voltados
para a diversidade: um que entende o outro como alguém que deve ser anulado; outro que entende o
outro como hóspede a ser bem recebido; e por fim o que entende o outro como algo que deve reverberar
permanentemente. Segundo Skliar (2003, p. 46):
A pedagogia do outro que deve ser anulado é aquela que diz ao outro: “está
mal ser o que és”, e que considera esta mensagem como o seu único ponto
de partida. Está mal ser índio, ser surdo, ser mulher, ser negro, menino da
rua, jovem etc. É, também, a pedagogia que adota como ponto de chegada
uma outra mensagem para o outro: “está bem ser alguma coisa que nunca
poderás ser” — está bem ser branco, ouvinte, homem, adulto etc. [...] A
pedagogia do outro que reverbera permanentemente é aquela que contraria
as duas mensagens da pedagogia de outro que deve ser anulado, e que
38
Sociologia Interdisciplinar
diz, com uma voz suave porém intensa: “não está mal ser o que és”, mas
também: “não está mal ser outras coisas além do que já és”.
Lembrete
Figura 17 – Ao longo de quase vinte anos, a Escola Zé Peão (João Pessoa, Paraíba) alfabetizou mais de 10 mil trabalhadores
39
Unidade I
Ainda, e talvez mais importante: a questão da pedagogia da diversidade está associada aos resultados
promovidos pelo processo escolar, o que está vinculado não ao acesso democrático à escola, mas aos
resultados percebidos na saída do ambiente escolar: em outras palavras, a democratização não significa
apenas acolher todos, mas permitir e possibilitar que esses “todos” tenham as mesmas oportunidades
de desenvolvimento (SOUSA, 2000).
Saiba mais
A essa altura, parece evidente que ser capaz de trabalhar a partir do modelo que contemple a
diversidade pressupõe o reconhecimento de que a sociedade brasileira é multicultural. Mais do que isso,
ela é portadora de imensas desigualdades sociais, e que transparecem quando analisados os dados de
acesso a bens econômicos e culturais a partir de variáveis de raça e gênero.
Saiba mais
Figura 18
41
Unidade I
Recentes estudos da FE/USP mostram que um número significativo de docentes não tem condições
de desenvolver projetos inclusivos e que contemplem a diversidade em função da ausência de recursos
pedagógicos. Assim, é razoável pensarmos que, junto às lutas por melhores salários e por uma política
de valorização da profissão docente, deve‑se lutar também para que os professores tenham condições
de acessar práticas pedagógicas que permitam a inclusão dos grupos marginalizados.
Também se torna evidente que a reverberação das questões de diversidade multicultural e inclusão
passam pela maior ou menor conscientização dos grupos minoritários em relação ao espaço que
ocupam (e que deveriam ocupar) na sociedade. Assim ocorreu com o movimento negro, que passou a
demandar o debate das questões do preconceito no ambiente escolar como exigência do próprio avanço
da conscientização dos negros em relação às necessidades de políticas públicas em defesa da igualdade
racial. Em outras palavras, as políticas públicas de inclusão social não surgem como “concessões”
atribuídas pelos grupos majoritários àqueles que são excluídos, mas como exigências desses mesmos
grupos, cada vez mais organizados em prol de seus interesses.
Figura 19
42
Sociologia Interdisciplinar
A inclusão social de grupos minoritários passa pela discussão da situação socioeconômica dos
negros, dos indígenas e das mulheres. Esses são os segmentos sociais que, historicamente, foram
vítimas do processo de exclusão social e que, atualmente, de forma organizada, vêm demandando
atenção dos órgãos públicos sob a forma de políticas públicas em defesa da igualdade racial,
social e de gênero.
Saiba mais
<http://www.seppir.gov.br/>.
Essa Marcha e o documento dela derivado foram marcos em termos da demanda por políticas
de promoção da igualdade, ainda mais porque conseguiu ultrapassar o obstáculo representado
pela relutância de certas parcelas do Movimento Negro em relação ao entendimento de que a
inclusão racial poderia estar separada de uma mudança social mais radical. Aliás, esse também
havia sido um obstáculo superado pelo movimento feminista: nos primórdios do movimento
feminista, vertentes militantes entendiam que a questão da mulher de forma alguma poderia ser
prioritária em relação ao conflito entre capital e trabalho, esse sim gerador de desigualdades e
exclusão social.
Claro está que o Movimento Negro ainda tinha muito a avançar: uma coisa era obter do setor
público o reconhecimento da desigualdade social existente em função de características étnicas;
outra bem diferente era obter o compromisso do governo com políticas públicas que enfrentassem
o problema de forma pragmática. Segundo Silva Jr. (2003, p. 16):
Ainda no ano de 1995, o jornal Folha de São Paulo fez publicar a primeira
pesquisa de opinião, de âmbito nacional, com o objetivo de capturar a reação
popular em face das propostas de políticas de promoção da igualdade racial.
Diante da pergunta acerca de reserva de vagas para negros nas universidades
e no trabalho, as respostas foram basicamente as seguintes: entre os negros,
40% a favor e 35% contra; entre os pardos, 35% a favor e 39% contra; entre
os brancos, 36% a favor e 35% contra.
A partir de 1996, foi instituído o Programa Nacional de Direitos Humanos, a partir daquele
momento, o tema da discriminação positiva e da compensação por meio de políticas que
promovessem social e economicamente a população negra passaram a fazer parte do discurso
oficial do governo federal.
43
Unidade I
Exemplo de aplicação
Pobreza, distribuição
e desigualdade de
renda
Renda média da população, segundo
sexo e cor/raça. Brasil, 2009.
Legenda = R$ 10,00
= R$ 1,00
= R$ 100,00
Figura 20
A LDB de 1996 trouxe para o campo da educação as demandas sociais por políticas públicas
compensatórias e afirmativas. Isso incluiu disciplinas e abordagens que favorecessem a diversidade
cultural e o combate ao preconceito e o pluralismo de ideias. Aliás, esse contexto já havia sido delineado
quando da promulgação da Constituição Federal de 1988.
44
Sociologia Interdisciplinar
Exemplo de aplicação
Há, na nossa historiografia, várias interpretações em relação ao processo de libertação dos escravos
no Brasil. Há correntes que entendem a libertação como processo de conquista por parte dos negros,
ressaltando o papel dos quilombos e das revoltas como fundamentais para a conquista da abolição.
Outras correntes, mais conservadoras, entendem a abolição como uma concessão da minoria branca,
sem que a participação dos negros houvesse tido qualquer importância.
De que maneira você trabalharia, em sala de aula, o fato de o Dia da Consciência Negra ser
comemorado em data diferente da promulgação da Lei Áurea (13 de maio de 1888), que extinguiu a
escravidão no Brasil?
45
Unidade I
Figura 21 – O Dia da Consciência Negra é comemorado em 20 de novembro, data da morte de Zumbi, tido como último líder daquele
que foi considerado o maior quilombo de negros durante o período de escravidão no Brasil, o Quilombo dos Palmares
[...] ensinar não é uma atividade específica tão facilmente identificável como,
digamos, caminhar, correr ou andar de bicicleta. Antes de mais nada, há um
número imenso de atividades específicas que podem ser consideradas de
ensino. Pode‑se estar a descrever uma situação histórica e estar a ensinar.
Por outro lado, pode‑se estar a ensinar e não estar a dizer nada mas sim a
desenhar num quadro‑negro, ou a fazer uma experiência de química à frente
dos alunos. Estamos perante atividades de ensino em sentido específico e, no
entanto, nenhuma delas é imediatamente reconhecível como identificando
o termo ensino (HIRST, 2001, p. 67, grifo do autor).
Lembrete
Há ainda um conjunto de atividades, algumas delas, pensadas como moralmente indesejáveis, cuja
relação com o ensino não é, de modo algum, clara, tais como: doutrinar, pregar, anunciar e propagandear.
Ainda que os termos mencionados possam fazer parte da mesma lógica de “ensinar”, Hirst (2001)
defende que, antes, seria melhor classificar a natureza do ensino, a fim de compreender a natureza
desses processos e suas conexões. Observa‑se também que essa dificuldade em distinguir o ensino de
doutrina, por exemplo, é compreensível, pois toda ação pedagógica é também uma ação política.
Em terceiro lugar, a falta de pesquisa empírica acerca da efetividade dos diferentes métodos
pedagógicos está diretamente relacionada à dificuldade de conceituar o ato de ensinar.
sala de aula. A maioria dos métodos de ensino, quer novos quer velhos, são
defendidos a partir de pouco mais do que palpites ou preconceitos pessoais.
O que precisamos conhecer são alguns factos empíricos pertinentes. Mas
estes não se podem encontrar, se de alguma maneira, não soubermos
identificar os casos de ensino (HIRST, 2001, p. 65‑66).
Figura 22 – As atividades do professor não são facilmente identificáveis, quando o assunto é ensino
48
Sociologia Interdisciplinar
O professor se vê diante de uma tensa encruzilhada de definições que permeiam o conceito de ensinar.
“Professar um saber”, “fazer outros se apropriarem de um saber”, ou ainda “fazer aprender alguma coisa
a alguém” são alguns registros associados ao ato de ensinar. Como adverte Roldão (2007), a função
docente tende a assumir uma atitude transmissiva, que está relacionada aos conceitos disciplinares e
uma atitude pedagógica, que é alargada por um vasto campo de saberes.
Por conta desta postura transmissiva, o professor está sujeito à teoria da informação, que tem por
fundamentação a existência de erro sob o efeito de perturbações aleatórias ou de ruídos. Portanto,
não há conhecimento que não esteja, em algum grau, ameaçado pelo erro e pela ilusão. Em qualquer
transmissão de informação, em qualquer comunicação de mensagem, existe o risco de errar, como
define Morim (2000).
É também importante considerar que vivemos em uma sociedade de redes e de movimentos. Com
múltiplas oportunidades de aprendizagem, a denominada “sociedade aprendente” tem que aprender a
pensar autonomamente, saber comunicar‑se, saber pesquisar, saber fazer, ter raciocínio lógico, aprender a
trabalhar colaborativamente, fazer sínteses e elaborações teóricas, saber organizar o próprio trabalho, ter
disciplina, ser sujeito da construção do conhecimento, estar aberto a novas aprendizagens, conhecer as fontes
de informação, saber articular o conhecimento com a prática e com outros saberes (GADOTTI, 2007, p. 13).
Saiba mais
Por conta deste novo paradigma, o processo pedagógico desafia não apenas os sujeitos do processo
de ensinar e aprender (professor), como os do processo de aprender e ensinar (aluno). Ao deparar‑se
com a revolução digital, a prática pedagógica não se restringe ao professor e ao aluno (ENS, 2002).
Por meio da ruptura das práticas mecanicistas, o professor deixa de ser um transmissor de conhecimento,
para se tornar um mediador do processo de aprendizagem (GADOTTI, 2007). Com o novo paradigma, ao
contrário do que se possa imaginar, as figuras centrais do processo educativo continuam sendo o aluno e o
professor. A simples transmissão de conhecimento deixa de ser responsabilidade do professor, uma vez que
ela pode ser realizada por meios eletrônicos. Mas, inicia‑se um novo ciclo, como mediador do processo de
aprender, sempre incentivando a aprendizagem e o pensamento (ENS, 2002, p. 41).
Outro tema importante relacionado à mudança de paradigma diz respeito à diversidade, que tem
se inserido cada vez mais na realidade social. Em resposta às reinvindicações, há algumas décadas, pelo
reconhecimento e pela inserção social e política dos particularismos étnico‑raciais e culturais no país, as
propostas pela educação inclusiva no Brasil têm se ampliado (ABRAMOWICZ; RODRIGUES; CRUZ, 2011).
50
Sociologia Interdisciplinar
Portanto, o reconhecimento do erro, aqui intitulado, está relacionado à revisão das formas
tradicionais do professor lidar com o conhecimento. No meio da intersecção entre a educação mais
inclusiva e a busca de uma escola qualitativa, o professor não apenas tem que enfrentar as dificuldades
de conceptualização de seu ato de ensinar e as consequências de sua postura transmissiva, mas também
precisa referenciar‑se como mediador do processo de conhecimento.
Diante da diversidade cultural e das novas necessidades de inclusão, o professor tem assumido uma
nova postura para aprender como lidar com o conhecimento, a fim de que sua atuação se torne cada
vez mais transformadora. Afinal, a retenção do conhecimento depende não apenas do esforço e da
repetição do aluno, mas também de seu interesse (GADOTTI, 1992).
[...]
Lemos o mundo a partir do espaço, do lugar onde nos localizamos. Estamos sempre a caminho, em
movimento, portanto, não se trata de um lugar fixo. Nosso ponto de vista sempre determina nossa visão
de mundo. Por isso, tantas pessoas apresentam pontos de vista tão diversos e, até mesmo, antagônicos.
51
Unidade I
“Essa diversidade é a riqueza da humanidade. Sem ela não haveria mudança, o mundo seria estático,
eternamente imutável, sem sentido, sem perspectiva. O respeito à diversidade não é apenas uma
exigência ética. É uma condição da humanidade. É condição sine qua non para o avanço da própria
humanidade” (GADOTTI, 2007, p. 88).
Para quem acredita que é possível tratar de diversidade e inclusão sem o ensino, Gadotti (1992)
contextualiza:
No Brasil, apesar de a década de 1980 ter registros de discussões sobre a importância da educação
inclusiva, a política educacional foi marcada por índices alarmantes de evasão e repetência escolar, em
decorrência da herança padronizada das escolas durante as décadas anteriores.
53
Unidade I
Saiba mais
De acordo com Lourenço (2010), as metas e ações delineadas em algumas leis e decretos, programas,
projetos e diretrizes educacionais em conjunto têm contribuído para uma radical reestruturação do
sistema escolar brasileiro. Além disso, têm incitado à transformação da nossa forma tradicional de
pensar a função social da escola, a formação de professores, as práticas pedagógicas e as relações que
se estabelecem no contexto escolar.
Perante as novas demandas submetidas à escola, é comum perceber que os professores se sentem perdidos
e desamparados. Por conta do histórico e da formação acadêmica, os professores costumam avaliar sua
trajetória e não se sentem preparados para encarar tantas mudanças, especialmente quando são submetidos
a muitas perguntas para as quais não existem respostas prontas. Apesar do mal estar que as vivências desse
tipo podem desencadear, é importante avaliar tais transformações como positivas. São elas que nos seduzem
a buscar novas formas de conhecimento que permitem uma reflexão mais profunda e mais crítica das nossas
velhas práticas, e nos levam a pensar em novas possibilidades de atuação (LOURENÇO, 2010).
O desafio é propor uma educação ao “outro” que nada mais é do que “alguém que é diferente de
mim, mas que possui os mesmos direitos que eu”.
54
Sociologia Interdisciplinar
Para lidar com a diversidade, Gadotti (1992) sugere a teoria da educação multicultural que visa
adequar‑se a transmissão de conhecimento para as camadas populares, considerando a diversidade
cultural e social dos alunos. A primeira regra da teoria diz respeito ao pluralismo e à cultura do aluno,
fundamentada pelo valor básico da democracia.
Gadotti (1992) nos convida a manter o equilíbrio entre a cultura local, regional, própria de um grupo
social ou minoria, e a cultura universal, patrimônio da humanidade. A escola inserida nessa perspectiva
de abrir os horizontes de seus alunos para a compreensão do “outro” constrói uma sociedade pluralista
e interdependente, que tende a respeitar outras culturas, outras linguagens e outros modos de pensar.
Com uma proposta de ruptura dos modelos preestabelecidos e práticas monoculturais, essa educação
multicultural preconiza a formação de professores mais críticos, que apresentem mudanças de atitudes
diante dos alunos mais marginalizados e que elaborem estratégias próprias para a educação das camadas
populares, procurando, antes de mais nada, compreendê‑las na totalidade de sua cultura e de sua visão
de mundo.
A educação multicultural procura equacionar os problemas criados pela diversidade cultural diante
da obrigação do Estado de oferecer uma educação igual para todos, e, ao mesmo tempo, procura apontar
estratégias de superação desses problemas (GADOTTI, 1992, p. 22).
Portanto, o reconhecimento do erro está relacionado ao modo de ensinar, de construir uma pessoa
(um aluno) capaz de identificar e compreender o que há ao seu redor. Uma pessoa capaz de sonhar e
de olhar para o futuro, sem que a escola pressuponha a ruptura com a capacidade de admirar, com seu
desejo de aprender, com seu anseio por alcançar algo (BLANCHARD; MUZÁS, 2008).
Temos nas mãos uma tarefa que podemos voltar a definir, estabelecendo
hipóteses de trabalho coletando dados de forma sistemática, analisando à
55
Unidade I
Tal reconhecimento com status de mudança pode assustar qualquer professor, pela sua velocidade de
transformação e pela sua dificuldade de assimilação, mas deve vir acompanhado do senso de urgência.
Para avançar em todos os sentidos, o professor precisa olhar para frente, porque “nosso trabalho não se
dirige a nós mesmos, mas aos adolescentes e jovens que temos diante de nós” (BLANCHARD; MUZÁS,
2008, p. 16‑17).
Blanchard e Muzás (2008) nos instigam a parar de educar para saber, e nos convidam a começar a
educar para viver. O professor passa, fundamentalmente, da informação ao conhecimento, ajudando
os alunos a coletar, discriminar, elaborar, expressar a informação. A partir dessa concepção, o professor
converte‑se em um educador que (BLANCHARD; MUZÁS, 2008):
56
Sociologia Interdisciplinar
Não basta que o planejamento para cada aula do ano letivo já esteja pronto, antes mesmo do início
das aulas. Não é mais possível repetir, a cada ano e para cada turma, o planejamento feito no ano
anterior. O aluno não pode mais ser pensado como aquele que vai à escola apenas para ouvir, copiar e
repetir (LOURENÇO, 2010). Em acordo com a constatação de que o professor não pode mais acreditar
que todos os alunos irão aprender as mesmas coisas da mesma forma e ao mesmo tempo, Chiovatto
(2000) explica porque o professor, em sua prática diária, tende aprender a conviver com suas salas de
aula, dando‑lhes notável “personalidade” como grupo.
Como professor, a preocupação com o dar aula fica em primeiro plano. Contudo, sem a promoção de
situações pelas quais o aluno possa se envolver e realizar seu processo de aprendizagem, o trabalho do
processo parece não ter tanto valor. Considerar “o que e como os alunos aprenderão hoje, o que passará
por suas cabeças, quais de suas preocupações e interesses favorecerão ou dificultarão o trabalho em sala
de aula”, permite que o objetivo da nossa preocupação e a nossa maneira de abordar o trabalho, enquanto
professores, possam ser mudados. Além disso, Blanchard e Muzás (2008, p. 9‑10) nos desafiam a aprender.
Pois, “aprende‑se mais na crise”. Quando não há crise, não há mudança, porque nada nos é questionado.
É sempre bom lembrar que a educação aparta as crianças e os adultos das rotinas confortáveis
levando‑os em direção aos desafios e aos prazeres de extrair as lições da experiência humana no
57
Unidade I
enfrentamento da realidade. O´Brien e O´Brien (1999, p. 61‑64) declaram que a educação também é a
maneira de tornarmo‑nos mais humanos.
Capaz de colocar o aluno como protagonista do seu processo de aprendizagem, o professor mediador
compreende que é preciso estimular, motivar e observar o aluno. Segundo Blanchard e Muzás (2008, p.
20‑21), o novo educador deve possuir elementos importantes como:
O ensino inclusivo pode ser positivo para alunos, professores e sociedade. Os alunos podem ser
beneficiados pelas atitudes positivas, pelos ganhos nas habilidades acadêmicas e sociais, pela preparação
para a vida em comunidade e pela exclusão social em si. O apoio cooperativo e melhoria nas habilidades
profissionais, além dos registros de mais participação e capacitação registram os benefícios dos
professores. A sociedade pode desfrutar do valor social da igualdade, da superação da experiência e
padrões passados e da defesa da igualdade (KARAGIANNIS; STAINBACK; STAINBACK, 1999, p. 21‑44).
A sugestão de Lourenço (2010) é pensar em pelo menos duas estratégias. A primeira delas diz
respeito à formação continuada que é uma excelente ferramenta para professores se informarem a
respeito das políticas públicas para a inclusão. A formação continuada pode servir como instrumento
para combater argumentos de que a educação inclusiva está fadada ao fracasso, porque os professores
não estão preparados ou capacitados para lidar com ela. No entanto, a formação continuada pode não
ser condição suficiente, por dois motivos:
A segunda estratégia está relacionada à postura do professor diante da diversidade dos alunos.
De acordo com Veiga Neto (2005 apud LOURENÇO, 2010), não basta acolher as diferenças da escola ou
da escola como uma escola para todos, se não conseguimos fazer o acolhimento adequado de nossos
alunos. Não basta “tolerar” a diversidade, é preciso fazer um acolhimento crítico, capaz de transformar
a escola em um “ambiente de tradução entre culturas, um ambiente de tradução entre experiências
culturais e formas de vida diferentes”. Se estivermos dispostos a entrar na lógica do outro, e ao mesmo
59
Unidade I
tempo convidá‑lo para nossa lógica, as chances de construir não apenas uma escola, mas também uma
sociedade inclusiva aumentam consideravelmente (LOURENÇO, 2010).
Lembrete
O reconhecimento do esforço não passa despercebido, como apontado por Blanchard e Muzás (2008):
A experiência vai nos dizendo que, graças a essa atitude do educador, muitas
coisas podem ir mudando no interior das pessoas que educamos, porque,
quando exigimos e respeitamos a resposta das pessoas e lhes devolvemos
nossas buscas e novas respostas educativas, sem ira, a partir do acolhimento
e da tolerância, elas tornam‑se mais capazes no presente ou no futuro, de
estabelecer um diálogo respeitoso com os outros. Porque foi precisamente
isso que aprenderam conosco, educadores. Nossas atitudes fazem parte
desse currículo oculto que tem mais capacidade para ensinar do que as
próprias palavras (BLANCHARD; MUZÁS, 2008, p. 29‑30).
[...] Resultante da visão que a escola pretende para si própria, visão que se
apoia na função da escola e é tanto mais comprometedora quanto maior for
o nível de construção coletiva nela implicada, a missão específica de cada
escola é definida, o seu projeto é delineado, os objetivos e as estratégias para
atingi‑lo são conceitualizadas. A fim de que as boas intenções ultrapassem o
mero ato de registro em papel, definem‑se os níveis de execução, atribuem‑se
responsabilidades aos agentes envolvidos, delineia‑se a monitorização que
deve nortear todo o processo, incluindo a avaliação dos resultados obtidos. E
parte‑se para a ação. Um projeto institucional específico implica margens de
liberdade concedidas a cada escola sem que se perca a dimensão educativa
mais abrangente, definida para a sua área geográfica, o seu país e o mundo
(ALARCÃO, 2001a, p. 21).
Com relação à terminologia utilizada, não existe consenso. É possível encontrar na literatura as duas
expressões: projeto pedagógico e projeto político‑pedagógico. Como busca um rumo, o projeto possui
uma ação intencional com um sentido explícito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso,
Veiga (2013, p. 13) explica que todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por
estar intimamente articulado ao compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade.
Há quem acredite que o uso do termo “político” seja redundante, uma vez que toda ação
pedagógica também é reconhecidamente uma ação política. Contudo, Gadotti (1997) esclarece o
uso do termo “político‑pedagógico” na construção coletiva, a fim de dar destaque ao âmbito político
dentro do pedagógico.
61
Unidade I
Frequentemente, o projeto é confundido com o plano. No entanto, o plano nada mais é do que um
conjunto de objetivos, procedimentos e metas. O plano faz parte do seu projeto, mas não é todo o seu
projeto. Em outras palavras, o plano fica no campo do instituído, defendendo todo o discurso oficial em
torno da qualidade do projeto. O projeto, por outro lado, precisa rever o plano que foi instituído, para
que, caso seja necessário outra coisa será instituída. Portanto, o projeto torna‑se instituinte. Um projeto
político‑pedagógico não nega o que foi instituído pela escola, que é a sua história, que é o conjunto dos
seus currículos, dos seus métodos, o conjunto dos seus atores internos e externos e o seu modo de vida.
Um projeto sempre confronta esse instituído com o instituinte (GADOTTI, 1997, p. 34).
Por falar em institucionalização, vale ressaltar que a gestão democrática com a participação dos
segmentos escolares na construção de projeto político‑pedagógico só foi legalmente constituída a
partir de 1996, com a criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), n° 9394. De
acordo com a LDBEN, os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema
de ensino, têm a incumbência de elaborar e executar sua proposta pedagógica (AZANHA, 2000, p. 35).
Ainda assim, como qualquer lei, a LDBEN apresenta falhas. No entanto, Marinho (2006, p. 5)
evidencia que a LDBEN bem que poderia ser considerada como a “Lei da emancipação da escola”,
pois sua promulgação estabelece que as escolas e seus representantes sejam capazes de tomar suas
próprias decisões. Não é à toa que a expressão projeto pedagógico aparece, pela primeira vez, na LDBEN
e finalmente a descentralização administrativa do sistema público pôde ser legalmente instituída
(AZANHA, 2000, p. 35).
[...] Não mais se definem coisas como currículo mínimo, uma histórica
camisa de força numa educação homogeneizadora que marcou, sob o
62
Sociologia Interdisciplinar
Embora antes da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, os projetos pedagógicos criados não
pudessem ser considerados apolíticos, visto que uma ação pedagógica também se resume em uma ação
política, a formação dos projetos ocorria sem a participação dos atores envolvidos no ato educativo e
carecia de legitimidade. Antes, criados de “cima para baixo”, os projetos não favoreciam o envolvimento
dos protagonistas sociais que acabavam desconhecendo o real sentido da ação educativa. Com a
obrigatoriedade de participação dos atores sociais no trabalho pedagógico, prevista na LDBEN, a gestão
democrática dentro do ambiente escolar foi intensificada (DIÓGENES; CARNEIRO, 2005, p. 138‑139).
Figura 25 – A LDBEN estabelece que escolas, professores e sociedade tenham mais autonomia para construir o projeto pedagógico
Saiba mais
Outro progresso da LDBEN, de 1996, está relacionado ao tema da autonomia escolar aliado à
coletividade participativa de docentes, que segundo a Lei, entre outras atividades, possuem o dever de:
63
Unidade I
De certo, os professores se diferenciam de outros atores que compõem a organização escolar. Como
costumam permanecer na instituição escolar, por muitos anos, os professores acompanham o seu
desenvolvimento. Pela responsabilidade que assumem, os docentes são protagonistas da ação que ocorre,
principalmente, na sala de aula. Nos últimos anos, além de os esforços terem se intensificado para que
as condições necessárias ao exercício da profissão sejam desenvolvidas. Os professores, também, têm se
conscientizado da sua própria profissionalidade e do seu poder e responsabilidade em termos individuais
e coletivos. Alarcão (2001a) explica ainda que, a profissionalidade do docente, envolve dimensões que
ultrapassam a mera dimensão pedagógica. Como ator social, o professor tem um papel a desenvolver
na política educativa. No seio da escola, sua função está relacionada ao cruzamento das interações
político‑administrativa‑curricular‑pedagógicas (ALARCÃO, 2001a).
Uma escola sem pessoas seria um edifício sem vida. Quem a torna viva são
as pessoas: os alunos, os professores, os funcionários e os pais que, não
estando lá permanentemente, com ela interagem. As pessoas são o sentido
da sua existência. Para elas existem os espaços, com elas se vive o tempo. As
pessoas socializam‑se no contexto que elas próprias criam e recriam. São o
recurso sem o qual todos os outros recursos seriam desperdício. Têm o poder
da palavra através da qual exprimem, confrontam os seus pontos de vista,
aprofundam os seus pensamentos, revelam os seus sentimentos, verbalizam
iniciativas, assumem responsabilidades e os organizam‑se. As relações das
pessoas entre si e de si próprias com o seu trabalho e com a sua escola são
a pedra de toque para a vivência de um clima de escola em busca de uma
educação melhor a cada dia (ALARCÃO, 2001a, p. 20).
Observação
Para Gadotti (1997, p. 34), a autonomia e a gestão democrática fazem parte da própria natureza
do ato pedagógico. A gestão democrática da escola é, portanto, uma exigência de seu projeto
político‑pedagógico. A mudança de mentalidade de todos os membros da comunidade escolar é uma
necessidade. É fundamental deixar de lado o preconceito de que escola pública é apenas um aparelho
burocrático do Estado. Por se tratar de uma conquista da comunidade, a gestão democrática requer que
a comunidade, os usuários da escola, sejam seus dirigentes e gestores e não apenas seus fiscalizadores,
ou, menos ainda, os meros receptores dos serviços educacionais (GADOTTI, 1997).
Porém, para que seja realmente autônoma, é necessário que a escola seja um espaço democrático de
direito e, não apenas uma reprodutora e cumpridora de ordens e normas impostas por órgãos centrais da
educação (DIÓGENES; CARNEIRO, 2005). Como modelo baseado em princípios democráticos e igualitários
de inclusão, inserção e provisão de qualidade para todos os alunos, Schaffner e Buswell (1999) sugerem que:
Gadotti (1997) relaciona pelo menos duas razões que justificam a implantação de um processo de
gestão democrática na escola, a fim de que a construção do projeto político pedagógico se consolide
de forma efetivamente coletiva. Em primeiro lugar, a escola deve formar para a cidadania, por meio
de exemplos. Com a fundamentação da gestão democrática na escola, o aprendizado da democracia
torna‑se uma realidade, prestando um serviço também à comunidade que a mantém. A escola não tem
fim em si mesma (GADOTTI, 1997). De encontro às considerações de Gadotti (1997), Alarcão (2001a)
pondera que em uma escola participativa e democrática, a iniciativa é acolhida não importa de onde
ela vier, porque a abertura às ideias do outro, a descentralização do poder e o envolvimento de todos no
trabalho em conjunto são reconhecidos como um imperativo e uma riqueza (ALARCÃO, 2001a, p. 20).
A segunda razão pondera que a gestão democrática pode melhorar o que é específico da escola, isto
é, o seu ensino. Com um melhor funcionamento da escola e de todos os seus atores, o contato entre
65
Unidade I
Com a gestão democrática, a escola não tem mais que ser dirigida de cima para baixo e na ótica do
poder centralizador que dita as normas e exerce o controle técnico burocrático. “A luta da escola é para
a descentralização em busca de sua autonomia e qualidade” (VEIGA, 2013, p. 15).
Lembrete
A autonomia, aqui discutida, não se trata apenas de mais uma reivindicação de maior liberdade
regimental no ambiente escolar. Maior autonomia não se equipara a maior liberdade dos professores
com relação ao diretor ou da escola em relação a outras instâncias administrativas. A autonomia também
não pode ser confundida com a existência de um regimento próprio. A fim de evitar que a autonomia
escolar estimule ambientes autoritários e opressivos resguardados por regimentos próprios, Azanha
(2000) faz questão de relacionar autonomia com democracia. Em suas palavras:
Um dos riscos está relacionado à determinação de procedimentos e normas rígidas e mais importantes
do que a própria dinâmica do ambiente escolar, como alerta:
Para dar sentido à construção do projeto político‑pedagógico e para aprimorar a prática educativa,
Vasconcellos (2002) sugere que projeto político‑pedagógico tenha por finalidade:
• Dar referencial de conjunto para a caminhada; aglutinar pessoas em torno de uma causa comum;
gerar solidariedade, parceria.
• Ajudar a construir a unidade (e não a uniformidade); superar o caráter fragmentário das práticas
em educação, a mera justaposição. Possibilitar a continuidade da linha de trabalho na instituição.
• Propiciar a racionalização dos esforços e recursos (eficiência e eficácia), utilizados para atingir fins
essenciais do processo educacional.
• Ser um canal de participação efetiva; superar as práticas autoritárias e/ou individualistas. Ajudar
a superar as imposições ou disputas de vontades individuais, à medida que há um referencial
construído e assumido coletivamente.
Figura 26 – Ao invés de incitar a uniformidade, o projeto pedagógico deve ajudar a construir a unidade
No entanto, as finalidades do projeto pedagógico não podem ser vistas como uma espécie de
manual. Marcado pela diversidade, o ambiente escolar nada mais é do que resultado de um processo de
desenvolvimento de suas próprias contradições, como afirma Gadotti (1997, p. 35):
Por isso, não deve existir um padrão único que oriente a escolha do projeto
de nossas escolas. Não se entende, portanto, uma escola sem autonomia,
autonomia para estabelecer seu projeto e autonomia para executá‑lo e
avaliá‑lo (GADOTTI, 1997, p. 35).
A construção coletiva deve expressar a realidade, tanto no contexto da escola e de seu entorno,
quanto no aspecto da sociedade, seja econômica, política ou social (BETINI, 2005, p. 39). Alarcão (2001b)
reforça ainda que, como docentes, nem mesmo as novas tecnologias podem afastar a compreensão do
presente e a preparação do futuro.
69
Unidade I
Para enfrentar o mundo real, Veiga (2013, p. 16‑22) distingue alguns princípios norteadores do
projeto político‑pedagógico:
• Qualidade que não pode ser privilégio de minorias econômicas e sociais. O desafio que se coloca
ao projeto político‑pedagógico é o de propiciar uma qualidade para todos.
Padilha (2001, p. 76‑77) também apresenta princípios e estratégias concretas para o planejamento
da construção do projeto da escola.
70
Sociologia Interdisciplinar
A reorganização da escola deverá ser buscada de dentro para fora. O fulcro para realização dessa
tarefa será o empenho coletivo na construção de um projeto político‑pedagógico e isso implica fazer
rupturas com o existente para avançar. É preciso entender o projeto político‑pedagógico como uma
reflexão de seu cotidiano. Para tanto, ela precisa de um tempo razoável de reflexão e ação, para se ter
um mínimo necessário a consolidação de sua proposta. A construção do projeto político‑pedagógico
requer continuidade das ações, descentralização, democratização do processo de tomada de decisões e
instalação de um processo coletivo de avaliação de cunho emancipatório (VEIGA, 2013, p. 33).
Resumo
é de supor que esse docente esteja preparado para lidar com os novos
desafios e as novas demandas do fazer pedagógico.
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Unidade I
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Sociologia Interdisciplinar
Exercícios
Texto 1
Nesse novo mundo, novos modelos do ato educativo se fizeram necessários, e novos desafios
foram propostos aos agentes envolvidos com o processo de educação. E ainda se o ato de educar se
transformou, a escola e os docentes também tiveram que se modificar, adquirindo ou desenvolvendo
um novo perfil de competências.
Afinal, se nesses novos tempos estamos cada vez mais distantes de um projeto educativo positivista,
ou tecnicista, e se a cada vez exige‑se mais do docente a capacidade para trabalhar com uma matriz
educacional aberta e complexa, é de se supor que esse docente esteja preparado para lidar com os novos
desafios e as novas demandas do fazer pedagógico.
Em suma, estamos falando de uma nova identidade docente que agrega um conjunto de
conhecimentos, crenças e convicções partilhados pela comunidade científica, e que se associam ao
projeto educacional esperado por essa mesma comunidade (SÁ‑CHAVES, 2008). Em outras palavras,
uma nova realidade pressupõe outros modelos epistemológicos e explicativos do significado de ser
professor.
Texto 2
Figura 27
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Unidade I
III – Há complementariedade entre os textos: tanto o texto 1 quanto o texto 2 ironizam a proposta
de contínua formação do professor, já que ambos afirmam que essa ideia surge do fato de a
sociedade não ser capaz de definir o que pretende em relação à escola e do fato de os alunos
não serem capazes de desenvolver o que o mercado de trabalho exige em termos de capacitação
mínima dos egressos do processo escolar.
A) I.
B) I e III.
C) II.
D) III.
E) II e III.
I – Afirmativa incorreta.
Justificativa: em primeiro, não há oposição entre os textos, já que eles são complementares.
Em segundo, a charge não ironiza o fato de os alunos não serem responsabilizados pelo que os
professores não conseguem alcançar. Ainda, a charge afirma que não apenas os alunos devem
estudar, já que os professores também precisam, e de forma contínua, aperfeiçoar e ampliar seus
conhecimentos e competências.
II – Afirmativa correta.
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Sociologia Interdisciplinar
Justificativa: A sociedade é capaz de definir o que pretende em relação à escola, no entanto, essas
expectativas mudam com o tempo em função de novas exigências e novos contextos. Nenhum dos dois
textos menciona qualquer aspecto relacionado às exigências do mercado de trabalho.
A tradição que manteve teoria e prática em planos distintos também alimentou a segregação nas
universidades: assim, o professor de ensino básico, fundamental e médio encontrava‑se em patamar
bem diferente do professor‑pesquisador do Ensino Superior, sendo, este último, mais preparado e melhor
remunerado. Tal distinção fez por ignorar o que qualquer professor de ensino básico, fundamental e
médio sabe: não há prática sem aperfeiçoamento teórico constante, da mesma forma como não há
aperfeiçoamento teórico que possa prescindir dos dados obtidos por meio da prática docente.
Considerando o que o texto afirma e os seus conhecimentos sobre o assunto, analise as seguintes
afirmativas:
III – Os diferentes níveis de qualificação teórica e domínio prático em relação a atividade docente
exigem a segregação dos professores em função do nível de ensino a que se dedicam.
A) I e III.
B) III.
C) II.
D) I.
E) I e II.
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