Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
de Lessing
Manuel Antônio de Castro*
Abstract
In this essay we will study Gotthold Efraín Lessing’s LAOCOONTE. We will transit from text to its
context and from text to today’s context. Our observations do not have a dogmatical meaning, but reflexive.
In this sense, they are subject to be updated by new studies.
Localização histórica
Lessing fez o seu percurso intelectual numa das fases mais movimentadas
da Modernidade: o Iluminismo, que dominou o pensamento alemão na primeira
metade do século XIII. A ultrapassagem do código simbólico da Idade Média
tem em seu tempo a fase aguda de transição e consolidação. E é pela
consolidação de um novo código simbólico que Lessing luta. Neste sentido
será, em muitos sentidos, um pioneiro na Alemanha. Faremos uma leitura livre
de sua obra Laocoonte, transitando do texto para o seu contexto e do texto
para o contexto atual. As observações não têm um sentido dogmático, mas
* UFRJ
Manuel Antônio de Castro
faz uma obra ser arte. O mesmo se pode dizer das obras de arte que têm
como lugar a aristocracia. O Iluminismo faz eclodir um novo lugar. E a arte vai
mediar este novo lugar . Tomará, portanto, as facetas desse novo lugar.
Preferiríamos até dizer que configurará esse novo lugar. Nesse poder de
configuração é que as obras de arte são evocadas. Por isso a arte comparecerá
como um amplo e fundamental fazer que possibilitará a eclosão e afirmação
do lugar moderno. Em nosso entender, a arte, paradoxalmente, aliás, como
tudo que é moderno, aparecerá com duas funções. Uma de “Bildung” e outra
“Estética”. A até há pouco largamente discutida literatura engajada é a
apropriação da arte como “Bildung” predominantemente política. Com a
derrocada dos Estados ditatoriais utópicos socialistas, parece ter terminado
essa apropriação da arte pela política partidária. Ao contrário, a apropriação
estética continua cada vez mais difundida. E a de “Bildung” propriamente
dita? Esta é mais complexa e pode dar margem a múltiplos encaminhamentos,
porque a arte, conjunturalmente, sempre faz parte de uma “Bildung”, de uma
“Paideia”, mas na medida em que é mediação não se limita ao mediado.
Lessing, justamente, exerce todo o seu poder criativo e crítico ao
perscrutar o novo lugar da arte na eclosão do código simbólico moderno.
Sinal significativo é a obra: Educação do gênero humano. E seu exercício
crítico será orientado pela dupla tendência. “Como pensador iluminista, Lessíng
nunca cai num racionalismo vazio. Nunca teve a ambição de desenvolver um
sistema filosófico, mas concentrou-se na procura de uma ética para a vida”.
(Hilzinger, 1972, p. 25) A “Bildung” trabalha fundamentalmente uma ética.
Porém esta nova ética, esta nova “Bildung” exige, como diz Kant, um “sujeito”
que decida independentemente dos outros, o que deve aceitar ou não de
fora: “O homem é culpado dessa dependência, quando ela não é causada
pela incapacidade de raciocínio, mas pela incapacidade de decisão e pela
falta de coragem em fazer uso da razão sem recorrer à orientação de outros.
Sapere aude!” “Tenha coragem de usar sua própria razão!” Este é, portanto, o
lema da Ilustração”. (Kant, 1972: 52) Por outro lado, este sapere aude traz
para a cena, em relação à arte, o espectador, que sente (estética) a arte e a
julga (valor ético). O espectador moderno privilegiado, seja no gosto, seja no
poder de convencer, tornou-se o crítico. O crítico é um espectador como
outro espectador qualquer. O que o distingue são essas qualidades básicas
exigidas do novo homem moderno. O lugar da arte na Modernidade
terá sempre como companhia indispensável o gosto do eu/outro. Eu como
sujeito do gosto, outro em relação à arte como “sujeito”. Nesta dupla
articulação, a arte passa a ser vista como “objeto”. A objetividade que cerca a
apreciação da arte na Modernidade não pode ser separada desta tensão com
o gosto do eu/espectador, fundada, evidentemente, na razão. Ou seja, foi o
que se denominou desde então Estética. A leitura de Laocoonte nos dá o
prazer de vermos a entrada, em cena, da representação desse novo lugar
da arte, desse novo homem, o homem moderno.
Comentários de Laocoonte
I
A comparação entre a escultura de Laocoonte, a passagem de Virgílio
e Filoctetes de Sófocles tem como ponto de referência comum, perante uma
dor profunda, o controle das reações e dos sentimentos. Elege como modelo
os artistas gregos. Assim é que diz dos heróis homéricos: “Por suas ações são
criaturas de um nível mais elevado; por suas sensações são verdadeiros homens”.
(Lessing, 1946, p. 31) A evocação dos modelos gregos tem por finalidade os
seus contemporâneos, com quem os compara. Há, pois, a busca de um modelo
de comportamento, baseado no controle racional. É uma estética racional,
embora, não sem uma presença harmônica e equilibrada dos sentimentos.
II
Há dois aspectos básicos na pintura e escultura gregas: a busca da
beleza e da perfeição. E, mais de acordo com a problemática do seu tempo,
não as comenta como algo em si, mas na relação que elas têm com o
espectador. Este espectador será, no fundo, o centro de interesse da poética
clássica, na medida em que o homem moderno vive a problemática não do
em-si, mas o para-si, da subjetividade. Da relação da arte com a subjetividade,
surge a problemática da finalidade da arte. A beleza e a perfeição tinham por
finalidade o espectador: “em sua arte, nada lhe era mais querido, nada lhe
parecia mais nobre do que a finalidade da arte”. (Lessing, 1946, p. 34) Apoiado
nesta perspectiva, compara a ciência com a arte. Aquela não pode estar regida
por leis, pois o objeto das ciências é a verdade. “O fim da arte, pelo contrário,
é o prazer, e o prazer é supérfluo” (Lessing, 1946, p.36) Este pode ser
regulamentado pelo legislador, pois influencia a “formação” dos cidadãos. Em
virtude disso surge a primeira lei: “ ... entre os antigos, a beleza era a primeira
lei das artes plásticas”. (Lessing, 1946, p. 37) Toda a expressão dos sentimentos
e dos sofrimentos deve estar submetida a essa lei. Cita diversos exemplos da
arte grega. A escolha de Laocoonte se dá por esse motivo: mostrar como a
expressão de uma profunda dor é contida na medida em que é regida pela lei
da beleza: “O mestre queria representar o grau mais elevado da beleza com o
dado acidental da dor física”. (Lessing, 1946, p. 40)
III
Lessing constata que outro é o pensamento de seu tempo sobre a arte.
A imitação
abarca, se diz, toda a natureza visível, cuja beleza não é mais que uma
pequena parte; a verdade e a expressão constituem sua primeira lei, e
como a própria natureza sacrifica a cada instante a beleza a pontos de
vista mais elevados, assim também o artista deve subordiná-la a seu
plano mais geral, sem a rebuscar mais do que permitem a verdade e a
expressão. Basta que, pela verdade e pela expressão, o feio da natureza
se transforme no belo da arte. (Lessing, 1946, p. 42)
A mútua relação é regida pela verdade e pela expressão. Cabe à arte, desde
que obedeça à verdade e à expressão, transformar o feio da natureza no
belo da arte. A arte pode interferir na natureza, desde que se submeta à lei
da verdade e da expressão. Esta está na natureza ou no artista? Esta pergunta
latente de Lessing o conduz a expressar uma questão prática. Quais os
critérios que levam o artista a escolher o instante a ser representado? Não
pode só se voltar para a natureza, mas deverá levar em conta o espectador e
seu imaginário.
IV
A partir deste tópico começa a fazer a comparação da pintura (artes
plásticas) com a poesia. Cita então a passagem de Virgílio sobre Laocoonte,
na qual o sacerdote emite um lancinante grito. Explica que o poeta não tem
a finalidade de criar uma imagem bela mas “... uma rasgo magnífico para o
ouvido”. (Lessing, 1946, p. 46) Na poesia o que interessa não é o instante,
mas o todo que a sucessão de instantes produz. Nesse sentido, a poesia se
concentra sobre o caráter (duração) por oposição ao sofrimento (instante da
pintura), deduz Lessing dos exemplos de Virgílio e Laocoonte.
A comparação entre a pintura e a poesia levam Lessing, como autor
dramático, a se perguntar sobre a presença do sofrimento e do feio no drama,
pois o drama está destinado a “...ser, pela representação do ator, uma pintura
viva” (Lessing, 1946, p. 47) E evoca Filotectes de Sófocles: “Neste caso, não
cremos somente ver e ouvir um Filoctetes que grita, senão que o ouvimos e o
vemos gritar realmente” (Lessing, 1946, p. 47) Tomando como ponto de referência
o espectador, conclui que a encenação real de tal sofrimento não necessariamente
causa em nós um sentimento análogo (O autor estaria aqui pensando no conceito
aristotélico da catársis). Nesse sentido critica Sófocles. E, pelo contrário, louva os
autores dramáticos modernos, por terem evitado tais passagens. Mas logo a
seguir faz uma reflexão profunda sobre a verdade da crítica e a verdade poética.
Constata que o possível senão de Sófocles, ao colocar Filoctetes e Hércules
gemendo em cena, não lhe cabe, pois ele é um gênio: “A todas estas considerações
não faltam fundamento, e apesar de tudo, Filoctetes continua sendo uma das
obras-mestras do teatro” (Lessing, 1946, p. 48).
O drama encenado obriga necessariamente a refletir sobre o espectador.
Toda encenação, e, normalmente o drama é escrito para ser encenado,
pressupõe o espectador. Lessing, partindo de exemplos e exceções, conclui
que estabelecer uma regra geral para as reações dos espectadores é
problemático. O problema central está no modo de manifestação dos
sentimentos. A expressão de sentimentos dolorosos é aceita quando não interfere
no caráter do personagem. E exemplifica com Filoctetes. Esta preocupação
com o caráter mostra como é fundamental a questão moral na poética clássica.
E corroborando a opinião de que o modo de manifestar o sofrimento é que é
fundamental, fala da tragédia, na qual o momento do sofrimento extremo é
fundamental. “Seus heróis precisam mostrar sentimentos, manifestar dor e deixar
atuar neles a natureza desnudada” (Lessing, 1946, p. 56) Quando isso ocorre,
estamos diante de valores heróicos, onde as queixas são de um homem,
mas as ações são de um herói. E aproveita a peça de Sófocles para expor,
latentemente, a sua concepção da catársis:
V
Tendo feito uma primeira aproximação entre a pintura (escultura de
Laocoonte), o texto poético de Virgílio e a tragédia de Sófocles, Lessing retoma
a escultura de Laocoonte. Abre a discussão sobre a questão da nudez da
escultura de Laocoonte (um problema moral para a época) e conclui que a
vestimenta não tinha importância para os antigos. Ele argumenta com a nudez
como recurso expressivo. Critica os que viam urna incoerência entre o seu
“status” social (filho de rei) e a nudez. Vemos, portanto, aqui, já um avanço em
relação à percepção da arte segundo a estratificação social, o que era próprio
das poéticas preceptivas ou clássicas, daí a divisão em gêneros segundo as
estratificações sociais. Isto se deve, certamente, ao profundo conhecimento que
tinha dos antigos em seu contexto e à sua visão inovadora e crítica do lugar
dos aristocratas. Não teve o contato com os antigos através de traduções ou
comentários, mas numa volta às origens, processo comum na tradição protestante.
Enquanto expressão, a nudez está submetida à finalidade da arte, que é a beleza.
VI
Ao discutir o problema da mútua influência entre pintura e poesia,
problema largamente discutido na época, assim se expressa sobre a arte:
...o que encontramos belo na obra de arte não são nossos olhos
os que o encontram belo, senão nossa imaginação, por meio dos
olhos. A mesma imagem pode assim ser provocada em nossa
imaginação por signos arbitrários ou por signos naturais: logo, o
mesmo prazer pode nascer em um ou outro caso, ainda que talvez
não com a mesma vivacidade. (Lessing, 1946, p. 70)
VII
Trata em seguida do problema da imitação, tendo subjacente o que
Platão diz sobre imitação, mas sem retomar o problema filosófico da mimesis,
ficando restrito ao problema da relação entre pintores e poetas.
VIII
Continua a tratar do problema da relação entre pintura e poesia. Acha
que das duas artes “...a poesia é a mais ampla, a que dispõe de belezas que a
pintura não poderia alcançar, a que muitas vezes pode ter motivos para preferir
belezas que não são picturais”. (Lessing, 1946, p. 86)
IX
Ainda dentro do problema da comparação da pintura com a poesia,
passa a examinar se tanto uma como outra se dão em absoluta liberdade.
E começa afirmando que, na antigüidade, a religião era, com freqüência,
um obstáculo à liberdade. “Sua obra, destinada ao culto e à adoração,
nem sempre podia ser tão perfeita como o poderia ter sido se, ao executá-la,
somente tivera em conta o prazer do espectador” [ grifo nosso]. Lessing aborda
aqui o problema da arte como lugar ou mediação. O interessante é que vê na
funcionalidade religiosa um empecilho à liberdade e não o vê na funcionalidade
estética. Creio que este seja um dos grandes problemas da arte. Pode a arte
ser determinada por sua funcionalidade? Na realidade, a arte está para além
da sua funcionalidade religiosa, pois, por ser obra destinada ao culto, nem
por isso deixa de ser arte, mais patente, quando esse culto desaparece, ou
seja, deixa de existir a funcionalidade religiosa. O mesmo raciocínio não
pode ser aplicado à funcionalidade estética? Assim como julga a religiosidade
dos gregos como superstição, não pode a beleza de uma determinada época
mudar de padrão? Aliás, foi o que aconteceu: o padrão de mulher bela de
hoje não é o mesmo da época clássica. A arte está para além das suas
funcionalidades epocais. O “para além”, contudo, é que é o problema.
A relação da obra com a religião tem sua influência sobre a forma da
obra. Há uma relação funcional pela qual a obra já fica presa a determinada
idéia (por ex. o deus representado), sendo obrigado a obedecer a determinadas
características. Há, no autor, a idéia, dominante na época, da representação
livre, ou seja, da gratuidade da representação. Isto mostra o problema da arte
visto como estética. Diz claramente que a arte gira em torno de duas categorias:
prazer e beleza.
Propõe que só se chamem obras de arte àquelas ‘que não foram feitas
para o culto, mas que tenham por finalidade somente a beleza. Este critério
não anularia a maior parte das obras de arte da Idade Média? É claro que tal
X
Continua debatendo as idéias de um autor inglês sobre a relação pintura
poesia: Spence. O tema foi, sem dúvida muito importante para a época, pois
mais de um autor se ocupou dele.
XI
A propósito do comentário do autor inglês, o Conde Caylus, comenta
uma passagem de Horácio, na qual este aconselhava, mas não prescrevia, que
se escolhesse um assunto já conhecido em vez de um assunto novo. E ressalta
as desvantagens do assunto novo. E aí se mostra a concepção da arte: 1º O
sentido deve ser evidente no primeiro olhar; 2 º Não deve provocar o esforço
de pensar; 3 º Deve nos seduzir; 4 º Deve nos provocar prazer; 5 º A expressão
não pode sacrificar a beleza. São esses os motivos pelos quais o artista não se
deve lançar tão afoitamente ao novo, pois devem andar juntas: a) a invenção
e a novidade; b) assunto já conhecido.
A querela dos antigos e dos modernos surgiu na França com grande
intensidade a partir das duas últimas décadas do século XVII (1680). Duas
idéias básicas orientam a reação moderna. A primeira está relacionada
estreitamente com a eclosão do Iluminismo: é a idéia de progresso. Em lugar
da autoridade dos antigos, Descartes e Pascal colocam a idéia de soberania
da razão, cujas conquistas sucessivas, nessa época, fizeram eclodir a crença
no progresso. Para Pascal, o homem é um só no decorrer dos tempos e aprende
continuamente. Os sábios, como eram denominados os cientistas, passaram a
estudar a física, a medicina, a astronomia na natureza e não mais em Aristóteles,
Hipócrates e Ptolomeu. Na Alemanha brilhou Leibniz (1646-1716), grande
filósofo e cientista, teórico do Iluminismo otimista, e na Inglaterra Newton
(1642-1727), grande cientista. Da idéia de progresso na ciência passou-se à
idéia de progresso nas artes. A outra idéia era defendida por alguns autores e
se baseava na condenação do uso da mitologia nas artes, que denominavam
o maravilhoso pagão. Esses autores condenavam esse uso e propunham em
seu lugar o maravilhoso cristão, o uso de passagens bíblicas.
As duas correntes partem de pontos de vista diferentes. Os modernos,
baseados na razão e na descoberta da história, tendo como provas os avanços
científicos, proclamam a superioridade dos modernos. Os antigos aceitam também
a razão, mas põem a questão em outros parâmetros: a permanência das obras
de arte, o que se opõe à idéia de progresso e a urna concepção da história
linear. O século XVIII se inicia na França neste clima da querela dos antigos e
modernos. A razão domina cada vez mais e será o século dos enciclopedistas,
inimigos da tradição no plano moral, religioso, político e social.
É claro que Lessing não está se referindo a tal querela, pois a volta aos
antigos na Alemanha tem um sentido diferente e acontece exatamente quando
a França já entrava numa nova fase. Contudo, o problema estava no ar. Por ter
um sentido diferente na Alemanha é que irá combater Gottsched, defensor
do modelo francês na Alemanha.
XII
Tendo como tema constante a diferença entre a pintura e a poesia,
mostra como fica inverossímil pintar o maravilhoso (ações dos deuses) e
como isso fica perfeito na poesia (Homero). O que é natural e inteligível para
a poesia não o é para a pintura.
XIII
Mostra que em alguns temas o poeta se sai melhor, ao contrário, em
outros, o pintor. Faz isto para continuar criticando as idéias do Conde Caylus.
XIV
Continua criticando o Conde Caylus, tendo o mesmo assunto: temas
poéticos e temas pictóricos.
XV
O poeta pode trabalhar com objetos/representações que não são
visíveis, o que é mais difícil para a pintura, na opinião de Lessing. Saindo da
dificuldade de tratar de objetos visíveis versus invisíveis para examinar a pintura
e a poesia, opta pelos objetos visíveis e a sua expressão pela pintura e pela
poesia e vai distingui-los no tópico XVI.
XVI
Assim distingue a pintura da poesia: “Os objetos que existem ou cujas
partes existem umas junto a outras, chamam-se corpos. Por conseguinte, os
corpos, com suas qualidades visíveis, constituem os objetos próprios da pintura.
Os objetos que se seguem, ou cujas partes se seguem umas às outras,
chamam-se geralmente ações. Por conseguinte, as ações constituem o objeto
da poesia”. (Lessing, 1946, p. 121) Contudo, observa depois que os corpos
também existem no tempo e que, portanto, “...a pintura pode também imitar
ações, porém, somente por via de induções obtidas dos corpos”. (Lessing,
1946, p. 121) O mesmo raciocínio faz para a poesia: as ações são ações de
seres no espaço. Diante desse fato, diz que a pintura deve escolher o instante
mais representativo da ação, o que “...melhor faça compreender o instante
que precede e o que se segue”. (Lessing, 1946, p. 122) O mesmo acontece
com a poesia: “... por suas imitações sucessivas, não pode tomar mais que uma
só das qualidades dos corpos e deve escolher, por conseguinte, a que desperta
a imagem mais sensível do corpo sob o aspecto de que necessita” (Lessing,
XVII
Propõe-se a responder a duas objeções, mas se justifica colocando
como centrais dois aspectos:
1º O raciocínio;
2º Homero como paradigma.
Chega a dizer que Homero influi, mesmo que não possa justificá-lo
com nenhum raciocínio. Estes dois pontos são, pois, fundamentais para a
poética de Lessing. Neste tópico vai aprofundar a questão da representação e,
pari passu, a questão da ação. Supõe que alguém lhe objeta que
XVIII, XIX
Tendo condenado as descrições, concluindo que não são poesia, diz,
em resumo: “Fica, pois, estabelecido que o tempo constitui o domínio do
poeta, assim como o espaço é o do pintor”. (Lessing, 1946, p. 135) Mas
admite que uma e outra arte invadem mutuamente os seus campos. Examinando
a tradução de Homero, louva a excelência da língua grega e a dificuldade
que é traduzi-la seja para o francês seja para o alemão. Por isso, muitas vezes,
a tradução expressa o pensamento, mas destrói a imagem. Conclui: “e o
pensamento sem a imagem, de um poeta brilhante faz um fastidioso charlatão”.
(Lessing, 1946, p. 137)
Comenta a “descrição” do escudo de Aquiles. Diz que não é uma
descrição estática, mas dinâmica. Mostra o próprio ato de fazer o escudo.
Destaca: Pintura: partes coexistentes; poesia: partes consecutivas. Por esse
recurso “... soube mudar uma fastidiosa pintura de um corpo em um quadro
de ação” (Lessing, 1946:139) E com a ação, um nascer: “Agora já está acabada
e admiramos a obra, porém com a admiração confiada de um testemunho
ocular que a viu nascer”. (Lessing, 1946, p. 139)
XX
Discute a beleza nos objetos materiais e conclui que a poesia é imprópria
para expressar essa beleza, “Dolce deduz deste sentimento a conclusão de que
os bons poetas são também bons pintores; e eu, deste efeito, deduzo que o que
o pintor pode expressar perfeitamente, valendo-se das linhas e das cores, se
expressa pessimamente por meio das palavras”, (Lessing, 1946, p. 151) Neste
trecho chama Homero mestre dos mestres e critica Virgílio, pois o primeiro usa
a descrição como se fosse um pintor, que estivesse fazendo o seu quadro.
Exemplifica com a descrição do escudo de Aquiles, que é apresentado à medida
que é feito.
XXI
Se no tópico anterior condenou a descrição poética da beleza física,
neste vai mostrar como a poesia pode mostrar essa mesma beleza: a) através
dos efeitos, como, o prazer, a atração, o arrebatamento, o amor. Reações estas
que a beleza faz nascer; b) transformar a beleza corporal em encanto. “Encanto
é a beleza em movimento”. (Lessing, 1946, p. 156)
XXII
Comenta com novos exemplos a definição anterior. Acrescenta que
uma certa desproporção não invalida necessariamente a beleza, pois a
XXIII
Uma parte discordante não altera necessariamente a harmonia que
conduz à beleza (não usa a palavra harmonia). Já o feio é resultado de diversas
partes discordantes. E começa a tratar do problema da feiúra.
O autor trabalha com a idéia do todo para provocar beleza ou feiúra.
É a questão do sublime e do grotesco. O problema da feiúra é fundamental
para a poética da época e para a estética, porque uma e outra trabalham com
as categorias de belo, harmonioso e agradável como sendo a essência da arte.
É este o problema que agora Lessing enfrenta.
Para começar a examinar o problema, tomou Homero como
referência. “Assim, pois, por sua natureza, tampouco a feiúra deveria ser
assunto para a poesia e, no entanto, Homero descreveu em Tersite a fealdade
extrema, e a descreveu justapondo as suas partes”. (Lessing 1946, p. 165)
Temos aí dois pontos. Primeiro, a feiúra, por sua natureza, não deveria ser
assunto da poesia, pois, isto atinge a própria essência da arte, conforme a
concepção vigente. Segundo, refere-se à expressão da feiúra usada por
Homero. Quando discutiu a beleza, expressa pela pintura e pela poesia,
constatou que a pintura justapõe (instante) e a poesia enuncia uma parte
após a outra (construção consecutiva ou duração). Isso quanto à beleza.
Mas agora Homero, ao tematizar a fealdade, em poesia, usa o recurso
expressivo que não usou para a expressão da beleza: a justaposição (na
passagem sobre Tersite). O que ocorreu? É com essa mudança que Lessing
justifica o paradigma (Homero).
XXIV / XXV
Dá início às considerações sobre a pintura e a feiúra. “Assim como o
poeta utiliza a fealdade das formas, que uso pode fazer legitimamente delas o
pintor?” (Lessing, 1946, p. 168) Como se pode observar, o autor reitera, em
poesia a fealdade como pertencente só ao âmbito das formas e não da vida.
O início da resposta à pergunta sobre o feio e a pintura mostra claramente
um aspecto que até então ficara latente: a dicotomia entre forma e vida e, por
dedução lógica, entre arte e vida. Esta dicotomia, em princípio, em outras
passagens, quando vida e beleza estão juntas, não se faz notar. Porém, agora
que precisava abordar o difícil problema estético da feiúra, tomou-se patente.
Referências Bibliográficas