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Crítica e poética no LAOCOONTE

de Lessing
Manuel Antônio de Castro*

Abstract

In this essay we will study Gotthold Efraín Lessing’s LAOCOONTE. We will transit from text to its
context and from text to today’s context. Our observations do not have a dogmatical meaning, but reflexive.
In this sense, they are subject to be updated by new studies.

Localização histórica

Lessing (1729-1781) é contemporâneo dos enciclopedistas franceses.


Frederico II (1712-1786), o grande, rei da Prússia, déspota esclarecido.
Voltaire (1694-1778), enciclopedista. Influenciou Frederico IL
Leibniz (1646-1716), filósofo do Iluminismo alemão.
Gottsched (1700-1766), propagador do modelo literário clássico
francês. Foi combatido por Lessing.
Shakespeare (1564-1616), grande autor inglês. Influenciou Lessing.

Lessing fez o seu percurso intelectual numa das fases mais movimentadas
da Modernidade: o Iluminismo, que dominou o pensamento alemão na primeira
metade do século XIII. A ultrapassagem do código simbólico da Idade Média
tem em seu tempo a fase aguda de transição e consolidação. E é pela
consolidação de um novo código simbólico que Lessing luta. Neste sentido
será, em muitos sentidos, um pioneiro na Alemanha. Faremos uma leitura livre
de sua obra Laocoonte, transitando do texto para o seu contexto e do texto
para o contexto atual. As observações não têm um sentido dogmático, mas

* UFRJ
Manuel Antônio de Castro

reflexivo e de pesquisa. Neste sentido, estão sujeitas a correções e atualizações


através de novas leituras.
O Iluminismo tornou-se o eixo central do código simbólico da
Modernidade:

O homem de formação iluminista, considera-se exclusivamente


um ser racional. Julga-se capaz de reconhecer a verdade
através da razão e de determinar o seu destino independentemente
da orientação das autoridades ou dos dogmas tradicionais.
O Iluminismo caracteriza-se, portanto, por uma atitude crítica e
até mesmo pela rejeição categórica de tudo o que não seja
compatível com a razão o que atinge sobretudo as igrejas, com
seu dogmatismo intransigente, e o despotismo do Estado e da
sociedade. O passado não interessa mais, já que a confiança
absoluta na razão resulta num otimismo que só vê progresso no
presente e no futuro. A razão, entretanto, não permite ao homem
apenas reconhecer a verdade no mundo exterior, mas também a
verdade interior, de modo particular a consciência moral, o bem
e o mal. Desta forma, o homem vê sua dignidade e seu destino
na independência do pensamento que procura a verdade sem
compromissos e num procedimento que se rege exclusivamente
pela moral absoluta ditada pela razão e não sujeita a nenhum
dogma. (Hilzinger, 1972, p. 23)

E Kant (1724-1804), contemporâneo de Lessing, assim se refere ao


Iluminismo: “Ilustração é a libertação do homem de sua situação de
dependência espiritual, da qual ele próprio é culpado. Dependência espiritual
é a incapacidade de fazer uso da razão sem recorrer à orientação de outros”.
(Kant, 1972, p. 52)
Ao condenar a “dependência espiritual”, não se trata, como poderia
ser entendido hoje, do aspecto religioso do homem. Por espiritual entendia-
se o homem em todas as suas facetas, pois o Iluminismo foi um movimento
que fez eclodir um novo homem: o homem moderno. Por isso, a arte, e mais
especificamente a literatura, receberá no Iluminismo um novo lugar. Entendemos
por lugar uma nova apropriação da arte no seu poder de mediação. Quando
nos voltamos para a Idade Média e reconhecemos as diferentes obras artísticas,
constatamos que elas ocupavam um lugar diferente daquele que vai receber
no Iluminismo. Dizemos naquele caso arte religiosa, onde o adjetivo religiosa
parece apreender a essência dessa arte. Tal não acontece, senão só poderia
ser entendida no contexto religioso medieval. O mais importante é serem
obras de arte não obras de arte religiosas. Como obras de arte, elas medeiam
o lugar religioso, mas não se esgotam em serem religiosas. É claro que o lugar
vai ser uma faceta importante da obra, mas não o determinante daquilo que

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faz uma obra ser arte. O mesmo se pode dizer das obras de arte que têm
como lugar a aristocracia. O Iluminismo faz eclodir um novo lugar. E a arte vai
mediar este novo lugar . Tomará, portanto, as facetas desse novo lugar.
Preferiríamos até dizer que configurará esse novo lugar. Nesse poder de
configuração é que as obras de arte são evocadas. Por isso a arte comparecerá
como um amplo e fundamental fazer que possibilitará a eclosão e afirmação
do lugar moderno. Em nosso entender, a arte, paradoxalmente, aliás, como
tudo que é moderno, aparecerá com duas funções. Uma de “Bildung” e outra
“Estética”. A até há pouco largamente discutida literatura engajada é a
apropriação da arte como “Bildung” predominantemente política. Com a
derrocada dos Estados ditatoriais utópicos socialistas, parece ter terminado
essa apropriação da arte pela política partidária. Ao contrário, a apropriação
estética continua cada vez mais difundida. E a de “Bildung” propriamente
dita? Esta é mais complexa e pode dar margem a múltiplos encaminhamentos,
porque a arte, conjunturalmente, sempre faz parte de uma “Bildung”, de uma
“Paideia”, mas na medida em que é mediação não se limita ao mediado.
Lessing, justamente, exerce todo o seu poder criativo e crítico ao
perscrutar o novo lugar da arte na eclosão do código simbólico moderno.
Sinal significativo é a obra: Educação do gênero humano. E seu exercício
crítico será orientado pela dupla tendência. “Como pensador iluminista, Lessíng
nunca cai num racionalismo vazio. Nunca teve a ambição de desenvolver um
sistema filosófico, mas concentrou-se na procura de uma ética para a vida”.
(Hilzinger, 1972, p. 25) A “Bildung” trabalha fundamentalmente uma ética.
Porém esta nova ética, esta nova “Bildung” exige, como diz Kant, um “sujeito”
que decida independentemente dos outros, o que deve aceitar ou não de
fora: “O homem é culpado dessa dependência, quando ela não é causada
pela incapacidade de raciocínio, mas pela incapacidade de decisão e pela
falta de coragem em fazer uso da razão sem recorrer à orientação de outros.
Sapere aude!” “Tenha coragem de usar sua própria razão!” Este é, portanto, o
lema da Ilustração”. (Kant, 1972: 52) Por outro lado, este sapere aude traz
para a cena, em relação à arte, o espectador, que sente (estética) a arte e a
julga (valor ético). O espectador moderno privilegiado, seja no gosto, seja no
poder de convencer, tornou-se o crítico. O crítico é um espectador como
outro espectador qualquer. O que o distingue são essas qualidades básicas
exigidas do novo homem moderno. O lugar da arte na Modernidade
terá sempre como companhia indispensável o gosto do eu/outro. Eu como
sujeito do gosto, outro em relação à arte como “sujeito”. Nesta dupla
articulação, a arte passa a ser vista como “objeto”. A objetividade que cerca a
apreciação da arte na Modernidade não pode ser separada desta tensão com
o gosto do eu/espectador, fundada, evidentemente, na razão. Ou seja, foi o
que se denominou desde então Estética. A leitura de Laocoonte nos dá o
prazer de vermos a entrada, em cena, da representação desse novo lugar
da arte, desse novo homem, o homem moderno.

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Manuel Antônio de Castro

Comentários de Laocoonte

O livro de Lessing ainda tem corno pano de fundo o que se


convencionou denominar Poética Clássica. Esta se move em dois sentidos: a)
são feitas sucessivas traduções da Poética de Aristóteles e da Ars poetica de
Horácio com amplos comentários interpretativos, desde o Renascimento (da
cultura clássica).; b) tomando corno referência tais traduções e comentários,
são elaboradas as denominadas poéticas clássicas. O que as caracteriza, de
uma maneira geral, é o estabelecimento de regras baseadas na interpretação
dos dois autores citados. No entanto, tais regras preceptivas refletem muito
mais as idéias da época, a estrutura sócio-política dominante do que, em
realidade, o pensamento dos autores comentados. A distinção que Lessing
faz no início do prefácio, mostra exatamente isso. Distingue: o diletante, que
se baseia no seu “depurado gosto” (Lessing, 1946, p. 25), o filósofo, que
estabelece as regras gerais, o crítico, que as aplica e exemplifica. Laocoonte,
embora tenha latente os pressupostos da poética clássica, não lhe segue os
moldes: Primeiro, porque tematiza explicitamente as Artes Plásticas e a Poesia.
Segundo: Ele critica o falso gosto e os juízos mal fundados, em Laocoonte.
Tais considerações “nasceram acidentalmente e foram elaboradas mais em
conseqüência de minhas leituras do que pelo desenvolvimento metódico dos
princípios gerais. Há nisso, melhor que um livro, o material confuso de um
livro”. (Lessing, 1946, p. 27) Ele se move em torno das idéias da poética
clássica, mas não tem a forma nem as intenções que aquela tinha.
O grande modelo para Lessing ainda é a antigüidade, sobretudo, a
Grécia: “O privilégio dos antigos consiste em nunca fazer nada nem com
excesso nem demasiado pouco”. (Lessing, 1946, p. 26) Toma, por isso, como
centro de seus comentários e considerações o conjunto escultórico Laocoonte,
a passagem de Virgílio na Eneida, que narra a morte do sacerdote Laocoonte e
a tragédia de Sófocles Filoctetes. Começa por descrever a escultura, destacando
a contenção das emoções. É o ideal do belo harmônico e racional, tão caro à
poética clássica. Embora comente a passagem de Virgílio, o grande modelo, no
que diz respeito à poesia, é Homero.
O livro começa com longos comentários sobre a escultura Laocoonte,
daí ter escolhido esse nome para o título do livro, mas depois se centraliza na
questão da diferença entre pintura e poesia. O livro está dividido em vinte e
nove tópicos, sem títulos, apenas indicados por algarismos romanos e que
são redigidos à maneira de pequenos ensaios. Nosso ensaio procurará destacar
e, eventualmente, comentar as idéias que acharmos mais importantes na
seqüência dos tópicos.

I
A comparação entre a escultura de Laocoonte, a passagem de Virgílio
e Filoctetes de Sófocles tem como ponto de referência comum, perante uma

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dor profunda, o controle das reações e dos sentimentos. Elege como modelo
os artistas gregos. Assim é que diz dos heróis homéricos: “Por suas ações são
criaturas de um nível mais elevado; por suas sensações são verdadeiros homens”.
(Lessing, 1946, p. 31) A evocação dos modelos gregos tem por finalidade os
seus contemporâneos, com quem os compara. Há, pois, a busca de um modelo
de comportamento, baseado no controle racional. É uma estética racional,
embora, não sem uma presença harmônica e equilibrada dos sentimentos.

II
Há dois aspectos básicos na pintura e escultura gregas: a busca da
beleza e da perfeição. E, mais de acordo com a problemática do seu tempo,
não as comenta como algo em si, mas na relação que elas têm com o
espectador. Este espectador será, no fundo, o centro de interesse da poética
clássica, na medida em que o homem moderno vive a problemática não do
em-si, mas o para-si, da subjetividade. Da relação da arte com a subjetividade,
surge a problemática da finalidade da arte. A beleza e a perfeição tinham por
finalidade o espectador: “em sua arte, nada lhe era mais querido, nada lhe
parecia mais nobre do que a finalidade da arte”. (Lessing, 1946, p. 34) Apoiado
nesta perspectiva, compara a ciência com a arte. Aquela não pode estar regida
por leis, pois o objeto das ciências é a verdade. “O fim da arte, pelo contrário,
é o prazer, e o prazer é supérfluo” (Lessing, 1946, p.36) Este pode ser
regulamentado pelo legislador, pois influencia a “formação” dos cidadãos. Em
virtude disso surge a primeira lei: “ ... entre os antigos, a beleza era a primeira
lei das artes plásticas”. (Lessing, 1946, p. 37) Toda a expressão dos sentimentos
e dos sofrimentos deve estar submetida a essa lei. Cita diversos exemplos da
arte grega. A escolha de Laocoonte se dá por esse motivo: mostrar como a
expressão de uma profunda dor é contida na medida em que é regida pela lei
da beleza: “O mestre queria representar o grau mais elevado da beleza com o
dado acidental da dor física”. (Lessing, 1946, p. 40)

III
Lessing constata que outro é o pensamento de seu tempo sobre a arte.
A imitação
abarca, se diz, toda a natureza visível, cuja beleza não é mais que uma
pequena parte; a verdade e a expressão constituem sua primeira lei, e
como a própria natureza sacrifica a cada instante a beleza a pontos de
vista mais elevados, assim também o artista deve subordiná-la a seu
plano mais geral, sem a rebuscar mais do que permitem a verdade e a
expressão. Basta que, pela verdade e pela expressão, o feio da natureza
se transforme no belo da arte. (Lessing, 1946, p. 42)

A posição moderna destaca, em vez de um ideal preestabelecido, a


posição de liberdade do imitador e o objeto de imitação, que é toda a natureza.

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A mútua relação é regida pela verdade e pela expressão. Cabe à arte, desde
que obedeça à verdade e à expressão, transformar o feio da natureza no
belo da arte. A arte pode interferir na natureza, desde que se submeta à lei
da verdade e da expressão. Esta está na natureza ou no artista? Esta pergunta
latente de Lessing o conduz a expressar uma questão prática. Quais os
critérios que levam o artista a escolher o instante a ser representado? Não
pode só se voltar para a natureza, mas deverá levar em conta o espectador e
seu imaginário.

Se na natureza, sempre cambiante, o artista não pode colher mais


que um instante único; se, além do mais, o pintor não pode colher
em este instante único, senão um ponto de vista,- se, por outra
parte, suas obras foram criadas não somente para serem
contempladas, senão contempladas largamente e várias vezes, é
indubitável. que este instante único nunca poderá ser escolhido
fecundo demais. Contudo, é somente fecundo aquele que deixa
um campo livre à imaginação. (Lessing, 1946, p. 43)

A natureza é problemática. Cabe ao artista (sujeito) a escolha e esta


escolha será sempre relativa e subjetiva. Além do mais, a obra de arte deve
pressupor o espectador, aliás, muitos espectadores. Além do sujeito ator/
espectador frente à natureza cambiante, surge uma dimensão nova e importante:
o imaginário. Através desse desdobramento justifica Lessing, racionalmente, a
exigência moderna da liberdade, tanto do autor como do espectador. Essa
liberdade vai se localizar no imaginário. Mas este, como já vimos, sofre as
interferências das normas da boa formação. Porém Lessing, embora com o
intuito de preservar o belo e o equilíbrio como fundamento da arte, continua
a aprofundar a problemática moderna da arte, em que, aparentemente, o exterior,
a natureza é o ponto de referência, quando, em realidade, é o sujeito.

Prossigamos. Posto que este instante único adquira para a arte


uma duração imutável, não é necessário que expresse o que
somente se concebe como transitório. Todos os fenômenos que,
em nosso espírito, julgamos que devem, por sua natureza,
produzir-se e desaparecer subitamente, que não podem ser o que
são senão um só momento, todos estes fenômenos, agradáveis ou
terríveis, tomam, em razão da duração que a arte lhes impõe, um
aspecto contra a natureza. (Lessing, 1946, p. 44)

Todo o raciocínio está em cima da escolha do instante. O que defende


é o equilíbrio, o não exagero, que pode levar ao não belo. Equilíbrio e beleza,
eis os postulados. Mas por detrás está a tensão entre sentimento e razão, feio
e belo e, sobretudo, o domínio das paixões.

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Crítica e poética no LAOCOONTE de Lessing

IV
A partir deste tópico começa a fazer a comparação da pintura (artes
plásticas) com a poesia. Cita então a passagem de Virgílio sobre Laocoonte,
na qual o sacerdote emite um lancinante grito. Explica que o poeta não tem
a finalidade de criar uma imagem bela mas “... uma rasgo magnífico para o
ouvido”. (Lessing, 1946, p. 46) Na poesia o que interessa não é o instante,
mas o todo que a sucessão de instantes produz. Nesse sentido, a poesia se
concentra sobre o caráter (duração) por oposição ao sofrimento (instante da
pintura), deduz Lessing dos exemplos de Virgílio e Laocoonte.
A comparação entre a pintura e a poesia levam Lessing, como autor
dramático, a se perguntar sobre a presença do sofrimento e do feio no drama,
pois o drama está destinado a “...ser, pela representação do ator, uma pintura
viva” (Lessing, 1946, p. 47) E evoca Filotectes de Sófocles: “Neste caso, não
cremos somente ver e ouvir um Filoctetes que grita, senão que o ouvimos e o
vemos gritar realmente” (Lessing, 1946, p. 47) Tomando como ponto de referência
o espectador, conclui que a encenação real de tal sofrimento não necessariamente
causa em nós um sentimento análogo (O autor estaria aqui pensando no conceito
aristotélico da catársis). Nesse sentido critica Sófocles. E, pelo contrário, louva os
autores dramáticos modernos, por terem evitado tais passagens. Mas logo a
seguir faz uma reflexão profunda sobre a verdade da crítica e a verdade poética.
Constata que o possível senão de Sófocles, ao colocar Filoctetes e Hércules
gemendo em cena, não lhe cabe, pois ele é um gênio: “A todas estas considerações
não faltam fundamento, e apesar de tudo, Filoctetes continua sendo uma das
obras-mestras do teatro” (Lessing, 1946, p. 48).
O drama encenado obriga necessariamente a refletir sobre o espectador.
Toda encenação, e, normalmente o drama é escrito para ser encenado,
pressupõe o espectador. Lessing, partindo de exemplos e exceções, conclui
que estabelecer uma regra geral para as reações dos espectadores é
problemático. O problema central está no modo de manifestação dos
sentimentos. A expressão de sentimentos dolorosos é aceita quando não interfere
no caráter do personagem. E exemplifica com Filoctetes. Esta preocupação
com o caráter mostra como é fundamental a questão moral na poética clássica.
E corroborando a opinião de que o modo de manifestar o sofrimento é que é
fundamental, fala da tragédia, na qual o momento do sofrimento extremo é
fundamental. “Seus heróis precisam mostrar sentimentos, manifestar dor e deixar
atuar neles a natureza desnudada” (Lessing, 1946, p. 56) Quando isso ocorre,
estamos diante de valores heróicos, onde as queixas são de um homem,
mas as ações são de um herói. E aproveita a peça de Sófocles para expor,
latentemente, a sua concepção da catársis:

Porém, como disse, Sófocles preveniu esta dificuldade. Interessou


na sorte de Filotectes aos que o rodeiam de tal maneira que a
impressão produzida neles por seus gritos não é a única coisa

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que ocupa sua atenção, e, portanto, o espectador se fixa menos


na desproporção de sua piedade com os gritos do que na
mudança que esta piedade origina, ou deve originar, em seus
sentimentos e projetos, por débil ou forte que possa ser [grifo nosso]
(Lessing, 1946, p. 56)

O conceito de catársis é um dos mais discutidos da Poética de


Aristóteles. As numerosas e diferentes traduções não levam, normalmente, em
conta o contexto do conceito catársis nem a sua ligação com outros conceitos,
sobretudo o de mimesis. E tanto um como outro precisam ser vistos no contexto
da sua obra, que é de caráter estritamente filosófico. Aristóteles, ainda não
trabalhava com a perspectiva do saber dividido em disciplinas. Sua elocubração
em torno do poético brota do seu sistema filosófico, das grandes questões
filosóficas. Lessing, em vez de se ater a urna afetação estética ou a uma mudança
moral, aponta para uma mudança ... em seus sentimentos e projetos. Não
especifica que tipo de mudança ocorre ou deve ocorrer.

V
Tendo feito uma primeira aproximação entre a pintura (escultura de
Laocoonte), o texto poético de Virgílio e a tragédia de Sófocles, Lessing retoma
a escultura de Laocoonte. Abre a discussão sobre a questão da nudez da
escultura de Laocoonte (um problema moral para a época) e conclui que a
vestimenta não tinha importância para os antigos. Ele argumenta com a nudez
como recurso expressivo. Critica os que viam urna incoerência entre o seu
“status” social (filho de rei) e a nudez. Vemos, portanto, aqui, já um avanço em
relação à percepção da arte segundo a estratificação social, o que era próprio
das poéticas preceptivas ou clássicas, daí a divisão em gêneros segundo as
estratificações sociais. Isto se deve, certamente, ao profundo conhecimento que
tinha dos antigos em seu contexto e à sua visão inovadora e crítica do lugar
dos aristocratas. Não teve o contato com os antigos através de traduções ou
comentários, mas numa volta às origens, processo comum na tradição protestante.
Enquanto expressão, a nudez está submetida à finalidade da arte, que é a beleza.

VI
Ao discutir o problema da mútua influência entre pintura e poesia,
problema largamente discutido na época, assim se expressa sobre a arte:

...o que encontramos belo na obra de arte não são nossos olhos
os que o encontram belo, senão nossa imaginação, por meio dos
olhos. A mesma imagem pode assim ser provocada em nossa
imaginação por signos arbitrários ou por signos naturais: logo, o
mesmo prazer pode nascer em um ou outro caso, ainda que talvez
não com a mesma vivacidade. (Lessing, 1946, p. 70)

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Embora ultrapasse com a introdução do conceito de imaginação o


lado estritamente racional, não deixa de ficar ainda no campo da subjetividade.

VII
Trata em seguida do problema da imitação, tendo subjacente o que
Platão diz sobre imitação, mas sem retomar o problema filosófico da mimesis,
ficando restrito ao problema da relação entre pintores e poetas.

VIII
Continua a tratar do problema da relação entre pintura e poesia. Acha
que das duas artes “...a poesia é a mais ampla, a que dispõe de belezas que a
pintura não poderia alcançar, a que muitas vezes pode ter motivos para preferir
belezas que não são picturais”. (Lessing, 1946, p. 86)

IX
Ainda dentro do problema da comparação da pintura com a poesia,
passa a examinar se tanto uma como outra se dão em absoluta liberdade.
E começa afirmando que, na antigüidade, a religião era, com freqüência,
um obstáculo à liberdade. “Sua obra, destinada ao culto e à adoração,
nem sempre podia ser tão perfeita como o poderia ter sido se, ao executá-la,
somente tivera em conta o prazer do espectador” [ grifo nosso]. Lessing aborda
aqui o problema da arte como lugar ou mediação. O interessante é que vê na
funcionalidade religiosa um empecilho à liberdade e não o vê na funcionalidade
estética. Creio que este seja um dos grandes problemas da arte. Pode a arte
ser determinada por sua funcionalidade? Na realidade, a arte está para além
da sua funcionalidade religiosa, pois, por ser obra destinada ao culto, nem
por isso deixa de ser arte, mais patente, quando esse culto desaparece, ou
seja, deixa de existir a funcionalidade religiosa. O mesmo raciocínio não
pode ser aplicado à funcionalidade estética? Assim como julga a religiosidade
dos gregos como superstição, não pode a beleza de uma determinada época
mudar de padrão? Aliás, foi o que aconteceu: o padrão de mulher bela de
hoje não é o mesmo da época clássica. A arte está para além das suas
funcionalidades epocais. O “para além”, contudo, é que é o problema.
A relação da obra com a religião tem sua influência sobre a forma da
obra. Há uma relação funcional pela qual a obra já fica presa a determinada
idéia (por ex. o deus representado), sendo obrigado a obedecer a determinadas
características. Há, no autor, a idéia, dominante na época, da representação
livre, ou seja, da gratuidade da representação. Isto mostra o problema da arte
visto como estética. Diz claramente que a arte gira em torno de duas categorias:
prazer e beleza.
Propõe que só se chamem obras de arte àquelas ‘que não foram feitas
para o culto, mas que tenham por finalidade somente a beleza. Este critério
não anularia a maior parte das obras de arte da Idade Média? É claro que tal

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conceito está hoje ultrapassado, mas a funcionalidade estética ainda predomina.


Em determinado momento admite exceções, mas porque a obra não realizou
o símbolo religioso e, sim, a beleza.

X
Continua debatendo as idéias de um autor inglês sobre a relação pintura
poesia: Spence. O tema foi, sem dúvida muito importante para a época, pois
mais de um autor se ocupou dele.

XI
A propósito do comentário do autor inglês, o Conde Caylus, comenta
uma passagem de Horácio, na qual este aconselhava, mas não prescrevia, que
se escolhesse um assunto já conhecido em vez de um assunto novo. E ressalta
as desvantagens do assunto novo. E aí se mostra a concepção da arte: 1º O
sentido deve ser evidente no primeiro olhar; 2 º Não deve provocar o esforço
de pensar; 3 º Deve nos seduzir; 4 º Deve nos provocar prazer; 5 º A expressão
não pode sacrificar a beleza. São esses os motivos pelos quais o artista não se
deve lançar tão afoitamente ao novo, pois devem andar juntas: a) a invenção
e a novidade; b) assunto já conhecido.
A querela dos antigos e dos modernos surgiu na França com grande
intensidade a partir das duas últimas décadas do século XVII (1680). Duas
idéias básicas orientam a reação moderna. A primeira está relacionada
estreitamente com a eclosão do Iluminismo: é a idéia de progresso. Em lugar
da autoridade dos antigos, Descartes e Pascal colocam a idéia de soberania
da razão, cujas conquistas sucessivas, nessa época, fizeram eclodir a crença
no progresso. Para Pascal, o homem é um só no decorrer dos tempos e aprende
continuamente. Os sábios, como eram denominados os cientistas, passaram a
estudar a física, a medicina, a astronomia na natureza e não mais em Aristóteles,
Hipócrates e Ptolomeu. Na Alemanha brilhou Leibniz (1646-1716), grande
filósofo e cientista, teórico do Iluminismo otimista, e na Inglaterra Newton
(1642-1727), grande cientista. Da idéia de progresso na ciência passou-se à
idéia de progresso nas artes. A outra idéia era defendida por alguns autores e
se baseava na condenação do uso da mitologia nas artes, que denominavam
o maravilhoso pagão. Esses autores condenavam esse uso e propunham em
seu lugar o maravilhoso cristão, o uso de passagens bíblicas.
As duas correntes partem de pontos de vista diferentes. Os modernos,
baseados na razão e na descoberta da história, tendo como provas os avanços
científicos, proclamam a superioridade dos modernos. Os antigos aceitam também
a razão, mas põem a questão em outros parâmetros: a permanência das obras
de arte, o que se opõe à idéia de progresso e a urna concepção da história
linear. O século XVIII se inicia na França neste clima da querela dos antigos e
modernos. A razão domina cada vez mais e será o século dos enciclopedistas,
inimigos da tradição no plano moral, religioso, político e social.

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Crítica e poética no LAOCOONTE de Lessing

É claro que Lessing não está se referindo a tal querela, pois a volta aos
antigos na Alemanha tem um sentido diferente e acontece exatamente quando
a França já entrava numa nova fase. Contudo, o problema estava no ar. Por ter
um sentido diferente na Alemanha é que irá combater Gottsched, defensor
do modelo francês na Alemanha.

XII
Tendo como tema constante a diferença entre a pintura e a poesia,
mostra como fica inverossímil pintar o maravilhoso (ações dos deuses) e
como isso fica perfeito na poesia (Homero). O que é natural e inteligível para
a poesia não o é para a pintura.

XIII
Mostra que em alguns temas o poeta se sai melhor, ao contrário, em
outros, o pintor. Faz isto para continuar criticando as idéias do Conde Caylus.

XIV
Continua criticando o Conde Caylus, tendo o mesmo assunto: temas
poéticos e temas pictóricos.

XV
O poeta pode trabalhar com objetos/representações que não são
visíveis, o que é mais difícil para a pintura, na opinião de Lessing. Saindo da
dificuldade de tratar de objetos visíveis versus invisíveis para examinar a pintura
e a poesia, opta pelos objetos visíveis e a sua expressão pela pintura e pela
poesia e vai distingui-los no tópico XVI.

XVI
Assim distingue a pintura da poesia: “Os objetos que existem ou cujas
partes existem umas junto a outras, chamam-se corpos. Por conseguinte, os
corpos, com suas qualidades visíveis, constituem os objetos próprios da pintura.
Os objetos que se seguem, ou cujas partes se seguem umas às outras,
chamam-se geralmente ações. Por conseguinte, as ações constituem o objeto
da poesia”. (Lessing, 1946, p. 121) Contudo, observa depois que os corpos
também existem no tempo e que, portanto, “...a pintura pode também imitar
ações, porém, somente por via de induções obtidas dos corpos”. (Lessing,
1946, p. 121) O mesmo raciocínio faz para a poesia: as ações são ações de
seres no espaço. Diante desse fato, diz que a pintura deve escolher o instante
mais representativo da ação, o que “...melhor faça compreender o instante
que precede e o que se segue”. (Lessing, 1946, p. 122) O mesmo acontece
com a poesia: “... por suas imitações sucessivas, não pode tomar mais que uma
só das qualidades dos corpos e deve escolher, por conseguinte, a que desperta
a imagem mais sensível do corpo sob o aspecto de que necessita” (Lessing,

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Manuel Antônio de Castro

1946, p. 122) O mais importante é o que conclui a seguir: “pouco confiaria


nesta árida série de raciocínios, se não fossem completamente confirmados
pela prática de Homero” (Lessing, 1946, p. 122) Este pensamento brota,
sem dúvida, do próprio fato de ele ser também um criador ao lado do
crítico. O pensamento crítico, para que não se torne “árido”, deve compartilhar
da própria aventura criativa, deve deixar falar mais alto do que a pura razão,
a verdade poética. A observação seguinte também é importante: as descrições
de Homero são partes das ações.
Este chamar a atenção para a ação é uma das características que
influenciará toda a arte moderna, todo o homem moderno. Parece que tudo
gira em tomo da ação. O lugar central da ação está ligado à essência da
subjetividade. A arte exige, na Modernidade, a presença de alguém que a
reconheça, seja do leitor, seja do espectador. Isto se toma mais evidente na
própria concepção de arte da Modernidade: o prazer estético. O estético
exige a presença e a participação do espectador. Não há estética sem a ação.
Toda ação pressupõe o homem. É o que pode ser confirmado em Goethe:

Está escrito: “Era no início o Verbo!”


Começo apenas, e já me exacerbo!
Como hei de ao verbo dar tão alto apreço?
De outra interpretação careço;
Se o espírito me deixa esclarecido,
Escrito está: No início era o Sentido!
Pesa a linha inicial com calma plena,
Não se apressure a tua pena!
É o sentido então, que tudo opera e cria?
Deverá opor! No início era a Energia!
Mas, já, enquanto assim o retifico,
Diz-me algo que tampouco nisso fico.
Do espírito me vale a direção,
E escrevo em paz Era no início a Ação! (Goethe, 1991, p. 66)

Fausto, mito da Modernidade, toma como problemática central a ação.


A evolução das Vanguardas também se fez nesse sentido. Nelas, se reserva muitas
vezes um lugar para a ação do espectador. Lessing se refere continuamente ao
lugar do espectador. Desde então seu lugar na arte é muito importante. Hoje em
dia, muitas obras “artísticas” não são mais objetos de “contemplação”, mas só
se atualizam quando há a interferência (ação) do espectador.
O lugar do espectador e sua importância cria uma outra conjuntura
diferente. Basta examinar a música num rito religioso e num salão onde ocorre
um concerto. Que mudanças ocorreram nessas diferentes conjunturas? O
que mudou historicamente, ao termos em vez do lugar igreja o lugar salão?
Por outro lado, ao perguntarmos pelo lugar da arte em relação ao lugar igreja

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Crítica e poética no LAOCOONTE de Lessing

e ao lugar salão, torna-se problemático, em relação à arte, o termo lugar.


Relacionando lugar e essência se torna mais claro o problema da arte: esta é
uma essência ou uma mediação? Tanto na igreja como no salão, a arte se faz
presente, mas não tem como essência a essência da igreja/religião/rito nem a
essência do salão/prazer/fruição estética. Por outro lado, não vai deixar de
estar presente num e noutro lugar. Poderíamos chamar mediação e não essência
às diferentes modalidades de se fazer presente? Por ser mediação e não essência
é que pode articular na presença uma identidade (presente tanto na igreja
como no salão), embora de uma maneira diferente. Nesta perspectiva foge-nos
uma percepção da arte como essência e por não ser exatamente uma essência
é que pode articular tensionalmente a identidade e as diferenças. Neste sentido,
a arte é, não-é e vem-a-ser. Ora, o que se segue disto é que quando a arte
medeia como ser, não-ser e aparência é que ela para poder ser ser, não-ser e
aparência, pressupõe que não seja tão-somente essas diferentes mediações,
ou seja, que a identidade das diferentes mediações faça-nos lançar na
perplexidade de um grande abismo. Simplesmente abismo, porque falar de
não-mediação ainda seria uma forma de mediação (negativa). O abismo
insondável também não é a falta de mediação, porque a falta é percebida a
partir da mediação. Também falar em plenitude de mediação ainda é apreendê-
la através da falta. Diante de tudo isto só resta o silêncio.
Lessing mostra que tanto na pintura como na poesia se faz presente a
ação. Uma conseqüência que tira é que, como ação, o que é aparece como uma
aparência, expressa como epíteto, ou seja, a qualidade de um determinado
momento, daí dizer: “Daqui se deduz a regra da unidade nos epítetos picturais e
a de uma severa reserva na pintura dos objetos corporais”. (Lessing, 1946, p.
122) [grifo nosso] Na eleição do epíteto (ainda que o mais significativo, conforme
explica), temos um forte indicativo da crise dos valores metafísicos essenciais, que
antes configuravam como algo essencial a realidade (de alguma maneira, estática).
A introdução da ação subverte toda essa estruturação. É claro que o pulo não é
completo, pois ainda argumenta que tem que ser “o mais fecundo” para a pintura
e “a que desperta a imagem a mais sensível” (Lessing, 1946, p. 122) para a
poesia. Ação e epíteto estão no centro. O epíteto e sua qualificação remetem para
os valores metafísicos essenciais. Mas já o epíteto e a ação remetem para a sua
negação. Em pouco tempo restará a ação.
Lessing usa um argumento de autoridade, Homero, que se torna, por
isso modelo e paradigma. Esta eleição do classicismo como modelo-paradigma
está em contradição com a própria decisão pela ação, esta, sem dúvida, o
elemento mutável da modernidade. Prossegue:

E verdade que diversas circunstâncias obrigam Homero a deter


nosso olhar sobre certos objetos corporais, porém, apesar disso,
não apresentará um quadro que o pintor possa seguir com seu
pincel; sabe, mercê de inumeráveis artifícios, mostrar-nos este objeto

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Manuel Antônio de Castro

em uma sucessão de instantes, em cada um dos quais parece outro,


e o último instante é o que há de esperar pintar para mostrar-nos
acabado o que, no poeta, vimos nascer”. (Lessing, 1946, p.123)

Ao submeter tanto uma atividade artística como outra à ação, deduz


agora um outro aspecto: o nascer. Ora, vemos aqui a fundamentação da questão
da criatividade, que será, logo depois do movimento da Ilustração, uma
categoria central. A própria ação destruirá os paradigmas estáticos e passados
para fazer emergir todo o poder da ação.

XVII
Propõe-se a responder a duas objeções, mas se justifica colocando
como centrais dois aspectos:
1º O raciocínio;
2º Homero como paradigma.
Chega a dizer que Homero influi, mesmo que não possa justificá-lo
com nenhum raciocínio. Estes dois pontos são, pois, fundamentais para a
poética de Lessing. Neste tópico vai aprofundar a questão da representação e,
pari passu, a questão da ação. Supõe que alguém lhe objeta que

... posto que os signos da linguagem são arbitrários, é bem possível


que, através deles, se consiga representar as partes de um corpo,
umas atrás das outras, do mesmo modo que, na natureza, se
encontram dispostas umas ao lado de outras. Esta é uma propriedade
da linguagem e dos signos em geral, contudo, não é que sejam mais
convenientes para os fins da poesia, precisamente por esta qualidade.
O poeta não quer ser compreensível somente, não basta que suas
imagens sejam claras e precisas; o prosador se contenta com isso,
contudo, o poeta quer fazer tão vivas as idéias que desperta em nós,
que, em nosso transporte, acreditamos experimentar as expressões
sensíveis dos próprios objetos, e que, neste momento de ilusão,
deixemos ter consciência do instrumento, das palavras que emprega
para chegar a esse resultado. (Lessing, 1946, p. 128)

Temos aí tratado o problema da representação ou mimesis. À arbi-


trariedade dos signos corresponde urna representação arbitrária e com isso
pode-se eliminar a presença da ação. Argumenta que o poeta não quer só
ser compreensível e que as imagens sejam claras e precisas. Neste caso, não
teríamos uma representação tendo como centro a ação, seria uma
representação abstrata, dando a “ilusão” de que é uma ação. Não, o poeta
quer fazer tão vivas as idéias que experimentemos realmente as impressões
sensíveis dos próprios objetos. E mais: nesse momento, a poesia, por ser viva,
deve ultrapassar a sua camada significativa, a sua representação abstrata e

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Crítica e poética no LAOCOONTE de Lessing

arbitrária. Baseado nesta reflexão, condena as meras descrições usadas pelo


escritor em prosa e pelos poetas didáticos. E observa: “Pois onde são didáticos
não são poetas”. (Lessing, 1946, p. 132)

XVIII, XIX
Tendo condenado as descrições, concluindo que não são poesia, diz,
em resumo: “Fica, pois, estabelecido que o tempo constitui o domínio do
poeta, assim como o espaço é o do pintor”. (Lessing, 1946, p. 135) Mas
admite que uma e outra arte invadem mutuamente os seus campos. Examinando
a tradução de Homero, louva a excelência da língua grega e a dificuldade
que é traduzi-la seja para o francês seja para o alemão. Por isso, muitas vezes,
a tradução expressa o pensamento, mas destrói a imagem. Conclui: “e o
pensamento sem a imagem, de um poeta brilhante faz um fastidioso charlatão”.
(Lessing, 1946, p. 137)
Comenta a “descrição” do escudo de Aquiles. Diz que não é uma
descrição estática, mas dinâmica. Mostra o próprio ato de fazer o escudo.
Destaca: Pintura: partes coexistentes; poesia: partes consecutivas. Por esse
recurso “... soube mudar uma fastidiosa pintura de um corpo em um quadro
de ação” (Lessing, 1946:139) E com a ação, um nascer: “Agora já está acabada
e admiramos a obra, porém com a admiração confiada de um testemunho
ocular que a viu nascer”. (Lessing, 1946, p. 139)

XX
Discute a beleza nos objetos materiais e conclui que a poesia é imprópria
para expressar essa beleza, “Dolce deduz deste sentimento a conclusão de que
os bons poetas são também bons pintores; e eu, deste efeito, deduzo que o que
o pintor pode expressar perfeitamente, valendo-se das linhas e das cores, se
expressa pessimamente por meio das palavras”, (Lessing, 1946, p. 151) Neste
trecho chama Homero mestre dos mestres e critica Virgílio, pois o primeiro usa
a descrição como se fosse um pintor, que estivesse fazendo o seu quadro.
Exemplifica com a descrição do escudo de Aquiles, que é apresentado à medida
que é feito.

XXI
Se no tópico anterior condenou a descrição poética da beleza física,
neste vai mostrar como a poesia pode mostrar essa mesma beleza: a) através
dos efeitos, como, o prazer, a atração, o arrebatamento, o amor. Reações estas
que a beleza faz nascer; b) transformar a beleza corporal em encanto. “Encanto
é a beleza em movimento”. (Lessing, 1946, p. 156)

XXII
Comenta com novos exemplos a definição anterior. Acrescenta que
uma certa desproporção não invalida necessariamente a beleza, pois a

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Manuel Antônio de Castro

desproporção pode estar de acordo com a personalidade. E cita Homero,


quando este compara Menelau a Ulisses.

XXIII
Uma parte discordante não altera necessariamente a harmonia que
conduz à beleza (não usa a palavra harmonia). Já o feio é resultado de diversas
partes discordantes. E começa a tratar do problema da feiúra.
O autor trabalha com a idéia do todo para provocar beleza ou feiúra.
É a questão do sublime e do grotesco. O problema da feiúra é fundamental
para a poética da época e para a estética, porque uma e outra trabalham com
as categorias de belo, harmonioso e agradável como sendo a essência da arte.
É este o problema que agora Lessing enfrenta.
Para começar a examinar o problema, tomou Homero como
referência. “Assim, pois, por sua natureza, tampouco a feiúra deveria ser
assunto para a poesia e, no entanto, Homero descreveu em Tersite a fealdade
extrema, e a descreveu justapondo as suas partes”. (Lessing 1946, p. 165)
Temos aí dois pontos. Primeiro, a feiúra, por sua natureza, não deveria ser
assunto da poesia, pois, isto atinge a própria essência da arte, conforme a
concepção vigente. Segundo, refere-se à expressão da feiúra usada por
Homero. Quando discutiu a beleza, expressa pela pintura e pela poesia,
constatou que a pintura justapõe (instante) e a poesia enuncia uma parte
após a outra (construção consecutiva ou duração). Isso quanto à beleza.
Mas agora Homero, ao tematizar a fealdade, em poesia, usa o recurso
expressivo que não usou para a expressão da beleza: a justaposição (na
passagem sobre Tersite). O que ocorreu? É com essa mudança que Lessing
justifica o paradigma (Homero).

Se a fealdade pode ser empregada pelo poeta, é precisamente


porque a descrição do poeta reduz a fealdade a um aspecto menos
desagradável das imperfeições corporais, e porque, em razão do
efeito que produz, de certo modo, deixa de ser fealdade” (Lessing,
1946, p. 165)

A relação da arte com a realidade, no caso da fealdade, não está em


tornar a realidade viva (como na beleza), para além da expressão, mas nos
efeitos que a expressão provoca. Há, pois, no caso da fealdade um
deslocamento do centro de atenção da relação da obra com a realidade para
a relação da obra com o espectador. Vista nesta relação, o distanciamento de
expressão em relação à realidade é que será realização artística, tomando-se
como ponto de referência o efeito nos espectadores. Vemos, portanto, que,
para esta poética, a essência da arte oscila entre dois pólos: a vida e o
espectador. E não há dúvida que o eixo comum é a ação racional (papel do
crítico, o espectador privilegiado).

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Crítica e poética no LAOCOONTE de Lessing

Postos em tais termos os fundamentos da nova poética, compreende-se


bem porque a arte precedente, a barroca, onde a tensão dos extremos, o
sublime e o grotesco, era o eixo central, tenha sido condenada como não arte
e que só as propostas vanguardistas de novos paradigmas, defendidas no
início do século XX, tenham possibilitado a revisão da arte barroca, palavra
que, segundo as etimologias mais prováveis, indica irregularidade e desarmonia,
justamente a não arte para a poética clássica, embora a questão do grotesco
vinha sendo objeto de discussão desde o Romantismo, o movimento que
rompe com a poética clássica.
Estabelecendo a apreensão da arte pela relação expressão/efeito nos
espectadores, passa Lessing a examinar os tipos de efeito. São dois: “O que
aquele [o poeta] não pode utilizar por si mesmo, o utiliza como ingrediente
para produzir e intensificar certos sentimentos complexos com que se vê
obrigado a entreter-nos, na falta de emoções puramente agradáveis”. (Lessing,
1946, p. 165)
A razão, por ser racional, admite que na vida nem tudo é racional e
transparente. Há também “sentimentos complexos” e que, não necessariamente,
são “emoções puramente agradáveis”. Certamente está aqui o calcanhar de
Aquiles da poética clássica. Vejamos como Lessing conduz o problema.
Continua: “Estes sentimentos complexos são o ridículo e o terrível”. (Lessing,
1946, p. 165)
Citando Moisés Mendelssohn, diz que o ridículo nasce não da fealdade,
mas do contraste entre perfeições e imperfeições. E acrescenta Lessing: “ ... esse
contraste não deve ser excessivo nem demasiado brusco, pois as oposições,
servindo-me da linguagem do pintor, podem ser tais que podem-se confundir
uma com a outra”. (Lessing, 1946, p. 166) Vemos como é o gosto que decide e
que este gosto precisa ser o gosto do belo. Essa é a essência da estética. A seguir
considera uma outra possibilidade: a predominância do corpo sobre a alma.
Quando isto ocorre, surge um novo sentimento, que não é o riso, mas a piedade.
Em seguida distingue dois tipos de fealdade: a inocente, que pode ser
ridícula, e a daninha, que pode ser terrível. Na primeira, se faz presente, de
alguma maneira, a razão; na segunda, não.

XXIV / XXV
Dá início às considerações sobre a pintura e a feiúra. “Assim como o
poeta utiliza a fealdade das formas, que uso pode fazer legitimamente delas o
pintor?” (Lessing, 1946, p. 168) Como se pode observar, o autor reitera, em
poesia a fealdade como pertencente só ao âmbito das formas e não da vida.
O início da resposta à pergunta sobre o feio e a pintura mostra claramente
um aspecto que até então ficara latente: a dicotomia entre forma e vida e, por
dedução lógica, entre arte e vida. Esta dicotomia, em princípio, em outras
passagens, quando vida e beleza estão juntas, não se faz notar. Porém, agora
que precisava abordar o difícil problema estético da feiúra, tomou-se patente.

Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 9 a 29 25


Manuel Antônio de Castro

O problema da arte, que sempre fora pensado junto com os entes


naturais e com os entes culturais, isto desde Platão e Aristóteles, sofre, na
Modernidade, uma cisão com a interpretação estética. Daí surgiu o nome
Belas-Artes. A arte, como estética, se referia somente ao belo e não mais a
toda criação ou realização cultural que ultrapassasse o meramente funcional
e utilitário. A arte, nesta nova perspectiva, a das Belas-Artes, era concebida
como vida pensada (bela) e não como vida vivida. Daí as dicotomias latentes
se terem tornando patentes, com o decorrer do tempo. Tornando-se esse fato
mais problemático nos dias de hoje, sobretudo com os aparelhos técnicos
superando a “arte de representação” a tekne, ou seja, a técnica artesanal ou
de expressão, ou de imitação. Mostrando, com isso, que a arte não é,
fundamentalmente um problema de técnica imitativa, nem do ponto de vista
da expressão, nem do ponto de vista da matéria a ser imitada. A computação
e suas moderníssimas máquinas impressoras estão evidenciando,
dolorosamente, todos os equívocos das belas-artes.
Eis a afirmação de Lessing: “A pintura corno meio de imitação, pode
produzir a fealdade; a pintura, como arte, não a produzirá. Segundo o primeiro
ponto de vista, todos os objetos visíveis lhe pertencem; tomando como base
o segundo, limita-se aos objetos visíveis que despertem sensações agradáveis”
(Lessing, 1946, p. 168) Note-se que não distingue a imitação imperfeita ou
não perfeita tecnicamente, mas o a priori do “conteúdo” da arte, melhor dizendo,
das belas-artes. Essa dupla dicotomia irá no decorrer dos anos mostrar seus
paradoxos e equívocos.
Ao penetrar no problema da relação da arte com a fealdade, Lessing
faz a seguinte pergunta: “Contudo, as sensações desagradáveis não se tomam
agradáveis quando são reproduzidas pela arte? Não todas” (Lessing, 1946,
p. 168) A justificativa se divide em dois momentos. No primeiro, cita crítico
engenhoso - pelos dados do livro lido não é possível identificá-lo. Este crítico
examina o problema do ponto de vista da subjetividade. O desagradável das
imagens não está nelas, mas no modo como as julgamos. Tal julgamento tem
sua base não na realidade, mas nas “leis da imaginação”. (Lessing, 1946:169),
que leva a impressão à alma. E conclui o crítico: “O sentimento, isto é, a impressão
subjetiva [ não a realidade] de desagrado é sempre natural, nunca artificial”
(Lessing, 1946, p. 169) Estabelecido o ponto de vista subjetivo de construção
da realidade, pelo crítico, Lessing vai examinar as suas conseqüências nas formas:
“Isto é certo também quanto à fealdade das formas. Esta fealdade nos ofende a
vista, contraria nosso gosto da ordem e da harmonia e faz nascer a aversão,
independentemente de toda consideração relativa à existência, real ou não, do
objeto em que a percebemos” (Lessing, 1946, p. 169)
A realidade verdadeira não é mais aquela externa a nós, mas a que
construímos subjetivamente. É por isso que na estética o espectador ocupa
sempre o lugar central. Por outro lado, construída a realidade a partir da
subjetividade-racional, esta pode determinar como única realidade artística

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Crítica e poética no LAOCOONTE de Lessing

somente o bem ordenado e harmonioso. Filosoficamente, fora Descartes


(1596-165O) (seguido depois por Pascal e Leibniz) que dera este importante
passo ao escrever em seu famoso livro Le discours de la méthode (1637):
“Dubito, ergo cogito; cogito, ergo sum”. O que Descartes fizera filosoficamente
já começara a frutificar, pois vemos toda essa nova representação filosófica
do real ser já assimilada pela poética clássica. Este livro de Lessing foi publicado
em 1766, Baumgarten (1714-1762) fundara a estética em 1750, quando
publicou “Aesthetica”. Dentro de poucos anos irá aparecer a obra que
desenvolverá toda esta problemática e lhe dará urna versão definitiva: a Crítica
da razão pura, de Kant (1724-1804), publicada em 1781. Nela, a razão substitui
todo conhecimento metafísico transcendente, seja de ordem teológica, seja
de ordem filosófica.
Voltando à sua separação entre a pintura e a poesia, baseada no instante
(estático) para a pintura e na ação (sucessividade) para a poesia, conclui que
em relação à fealdade há diferenças. Em poesia “... pela mudança que faz
sucessivas suas partes coexistentes, perde pouco a pouco e completamente
seu efeito repulsivo”. (Lessing, 1946, p. 171) Tal não acontece na pintura,
pois “... guarda reunidas todas as suas forças e não atua muito mais debilmente
que na própria natureza” (Lessing, 1946, p. 171)
O limite para a pintura decorre da apreensão do fenômeno artístico
a partir de dois pontos: a forma e a reação do espectador. Impossibilitado
de justificar nas Belas-Artes as formas feias, urna vez que o próprio nome já
remete para a definição de essência dessa arte poética: o belo, resta, no
entanto, o fato de que elas existem na vida real e não só na natureza. Mas
elas existem não como essência em si e, sim, como reações psicológicas.
O autor não usa ainda o termo “psicológico”. Refere-se mais a alma o que
dá no mesmo. É na Modernidade que a psicologia como ciência vai nascer.
A filosofia já estudara largamente a natureza da alma e suas reações. Depois
de citar muitos exemplo, chega à conclusão de que a feiúra e suas formas
podem desencadear em nós três reações fundamentais: o ridículo, o terrível
e o repugnante. São observações importantes. Os estreitos limites da
racionalidade e o a priori do belo tornavam esse tema extremamente
complexo e difícil para a estética. Ancorado somente nas reações, não era
possível descer ao núcleo do problema. Uma reação diz algo do fenômeno
artístico, sem dúvida, mas se se limitar a essa reação pode acabar por encobrir
o fundamental daquilo que se discute: a obra de arte. Uma coisa, no entanto,
marca um enorme avanço: a arte não pode mais ser vista em-si (posição
pré-moderna), sem o para-si (subjetividade) do espectador/leitor. A tendência
natural é centralizar a reflexão neste segundo ponto e tentar solucionar o
problema do feio, na arte, pela classificação das reações. Poderíamos
argumentar que o feio só é um problema estético para uma poética que tem
como essência o belo. Com isto pouco avançamos, porque não progredimos
no questionamento do problema da arte. Se ficarmos, então, apenas no feio,

Ipotesi: revista de Estudos Literários. Juiz de Fora, v 3 - n 1 - p. 9 a 29 27


Manuel Antônio de Castro

apenas mudamos de pólo. Se ficarmos com os dois, ampliamos o âmbito do


problema, o que não quer dizer que o aprofundemos.
À primeira vista, o belo parece oferecer bem menos problemas para ser
justificado na arte do que o feio. O belo nos agrada e atrai naturalmente, já o
feio nos choca e repugna.
Lessing observa que dependendo da situação, imagens de dignidade e
importância podem acentuar o ridículo. São geralmente as situações cômicas.
Cita, naturalmente, o clássico Aristófanes e em seguida um conto hotentote.
O hotentote é um povo negro, sul-africano. Retirou o conto de uma publicação
de humor inglesa. O conto se intitula “A beleza de Knoumquaiba”. Assim
comenta Lessing: “Já se sabe como são sujos os hotentotes e até que ponto
acham que é belo, encantador e respeitável tudo o que em nós desperta a
repugância e a aversão”. (Lessing, 1946, p. 175) O exemplo mostra a descrição
de uma mulher com seus adornos, mostrando o contraste profundo entre o
ideal da mulher bela para o Iluminismo e o ideal da mulher bela para outra
cultura, a hotentote. Esse contraste não o leva a refletir sobre o problema do
belo, mas à seguinte conclusão: “... escute-se tudo isso na nobre linguagem
da sinceridade e da admiração, e diga-se se é possível agüentar o riso”.
(Lessing, 1946, p. 175)
Esse riso mostra toda a radicalidade do etnocentrismo europeu e o
equívoco da apropriação da arte por uma razão manietada. As conseqüências
sócio-econômico-culturais serão terríveis durante aproximadamente dois
séculos. Teremos de esperar a eclosão do Cubismo no início do século XX,
para que o riso se converta em choque e revolução artística.
Como podemos ver, não é só o feio que oferece problemas para a
poética clássica. A estética se funda nos predicativos e, enquanto tal, escamoteia
a questão da arte. Isso não quer, em absoluto, negar a contribuição de todas
essas reflexões, pois a sua elaboração é que torna cada vez mais agudo o
problema da arte, naquilo que ela é. Assim como as máscaras africanas abriram,
externamente, novos caminhos para a arte, no que diz respeito aos sentimentos,
a psicologia fez enormes avanços, inclusive desdobrando-se no novo campo
de saber, a psicanálise. Esses saberes, ao se tornarem científicos, tornaram
mais problemática a especificidade da arte. A filosofia, como não podia deixar
de ser, também trabalha esse campo.
Se vemos em Lessing esses limites, não significam eles um desmérito, pois
sem as suas reflexões, talvez não tivéssemos chegado aonde chegamos hoje.
Do tópico XXVI ao XXIX, comenta a História da arte na antigüidade, de
Winckelmann.
Podemos nos perguntar por alguns motivos na obra de Lessing que
estão ligados a seu momento histórico. A resposta a estas questões poderá
elucidar muito da crise de paradigmas que hoje vivemos. O primeiro é a
respeito do tema central: Por que a necessidade de distinguir a pintura da
poesia? Por que a música não é mencionada em nenhum momento? Qual a

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Crítica e poética no LAOCOONTE de Lessing

relação do individualismo com a ação? Qual a relação da ação com a


subjetividade? Qual a relação da História com a ação? Qual a relação da
literatura (sobretudo teatro) com a educação (Bildung)? Qual a relação da
obra de Lessing com a burguesia (seus temas não são políticos)?

Referências Bibliográficas

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BÖSCH, Bruno. História da literatura alemã. São Paulo: Herder, 1967.
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