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BARTHES, Roland. Lição. Trad: Ana Mafalda Leite. Edições 70.

Lisboa, 2007.

"[...] o poder (a libido dominandi) lá está, penetrando em qualquer discurso que se faça,
mesmo quando ele provém de um lugar exterior ao poder." p. 11

"Mas a língua como performance de toda linguagem não é nem reacionária nem
progressista; ela é pura e simplesmente: fascista; porque o fascismo não consiste em
impedir de dizer, mas em obrigar a dizer." p. 14

"Por outro lado, os signos de que a língua é composta apenas existem na medida em que
são reconhecidos, quer isto dizer que apenas existem na medida em que se repetem; o
signo é imitador, gregário; em cada signo dorme um monstro: um estereótipo: não posso
nunca falar senão juntando aquilo que se arrasta na língua." p. 15

"Esta trapaça salutar, esta esquivança, este logro magnífico que permite ouvir a língua
no exterior do poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, é aquilo
a que chamo literatura." p. 15/16

"Entendo por literatura não um corpo ou uma série de obras, nem mesmo um setor de
comércio ou de ensino, mas o grafar complexo dos traços de uma prática: a prática de
escrever. Eu viso com ela essencialmente o texto, quer dizer, o tecido de significantes
que constitui a obra, porque o texto é a própria nivelação da língua e é no interior da
língua que a língua deve ser combatida, transviada: não pela mensagem de que ela é o
instrumento, mas pelo jogo das palavras de que ela é palco." p. 16

"Entre as forças da literatura quero indicar três, que ordenarei sobre a forma de três
conceitos gregos: Mathesis, Mimesis, Semiosis." p. 16
→ 1) Mathesis – A literatura é capaz de agregar os conhecimentos de outras
disciplinas;
→ 2) Mimesis – A capacidade da literatura de representação do real – Função
utópica;
→ 3) Semiosis – A capacidade de (re)criar sentidos.
1) "Se por um qualquer excesso de socialismo ou de barbárie todas as nossas disciplinas
fossem retiradas do ensino, exceptuando uma, a literatura deveria ser a disciplina
salvaguardada, porque todas as ciências se encontram disseminadas no monumento
literário." p. 17

"A ciência é grosseira, a vida é subtil, e a literatura interessa-nos na medida em que


tende a corrigir essa distância, essa diferença. Por outro lado, o saber que a literatura
mobiliza nunca é nem completo nem tão pouco conclusivo; a literatura não diz que sabe
alguma coisa, mas que sabe de alguma coisa; ou melhor: que conhece alguma coisa
acerca desse saber, que sabe muito sobre os homens. O que ela conhece acerca dos
homens é aquilo a que poderíamos chamar o grande emaranhado de linguagem, que
eles manipulam e que os manipula, quer ela reproduza a diversidade dos sociolectos,
quer, a partir dessa diversidade que experimenta como um despedaçamento, imagine e
procure elaborar uma linguagem-limite, que fosse seu grau zero. [...] através da escrita o
saber reflecte continuamente sobre o saber, segundo um discurso que já não é
epistemológico mas dramático." p. 17/18

"O paradigma que aqui proponho não obedece uma divisão de funções; não visa colocar
de um lado os sábios e os investigadores, e de outro os escritores e os ensaístas;
considera, pelo contrário, que a escrita acontece sempre que as palavras tenham sabor
(saber e sabor têm a mesma etimologia em latim). [...] Na domínio do saber, para que
as coisas se tornem no que são, no que foram, é necessário um ingrediente, o sal das
palavras." p. 19

2) "A segunda força da literatura é sua força de representação. Desde a Antiguidade até
às tentativas da vanguarda, a literatura preocupa-se em representar alguma coisa. O quê?
Direi brutalmente: o real. O real não é representável, e é por os homens querem
constantemente representá-lo com palavras que existe uma história da literatura." p. 20

"Dizia eu há pouco, a propósito do saber, que a literatura é categoricamente realista, por


não desejar senão o real; e direi agora, sem me contradizer, uma vez que emprego aqui a
palavra na sua acepção familiar, que é também obstinadamente irrealista; julga sensato
o desejo do impossível. [...] Esta função, talvez perversa, mas no entanto feliz, tem um
nome: é a função utópica." p. 21

"[...] a modernidade — a nossa modernidade, que então começa — pode definir-se por
este novo acontecimento: nela concebemos utopias de linguagem." p. 21
"A utopia, bem entendido, não está preservada do poder: a utopia da língua é recuperada
como língua da utopia — que é um género como outros. Pode-se dizer que nenhum dos
escritores que tenham travado um combate muito solitário contra o poder da língua pôde
ou pode evitar ser por ele recuperado, quer sob a forma póstuma de uma inscrição na
cultura oficial, quer sob a forma actual de uma moda que lhe impõe a sua imagem e
exige que seja conforme ao que dele se espera. Para este autor não há outra solução a
não ser deslocar-se — ou obstinar-se — ou fazer simultaneamente as duas coisas. [...]
Obstinar-se significa afirmar o Irredutível da literatura: aquilo que nela resiste e
sobrevive aos discursos tipificados que a cercam: as filosofias, as ciências, as
psicologias; agir como se ela fosse incomparável e imortal. [...] Deslocar-se quer então
dizer: conduzir-se até onde não se é esperado, ou ainda e mais radicalmente, abjurar o
que se escreveu (mas não forçosamente o que se pensou), quando o poder gregário o
utiliza e subjuga essa escrita." p. 22/23

"A obstinação e deslocação baseiam-se fundamentalmente num método de jogo. Por


isso não nos devemos admirar se, no horizonte impossível da anarquia da linguagem —
nesse lugar onde a língua tenta escapar ao seu próprio poder, à sua própria servidão —,
encontramos uma qualquer relação com o teatro." p. 24

3) "Pode dizer-se que a terceira força da literatura, sua força propriamente semiótica, é a
faculdade de jogar [com] os signos em vez de destruí-los, introduzindo-os numa
maquinaria de linguagem, em que as fechaduras e ferrolhos de segurança tenham ido
pelos ares, numa palavra, é instituir, no interior da língua servil, uma verdadeira
heteronímia das coisas." p. 24

"A semiologia seria, por consequência, o trabalho que recolhesse as impurezas da


língua, aquilo que fosse recusado pela linguística, a corrupção imediata da mensagem:
nada menos que os desejos, os medos, os trejeitos, as intimidações, as tentativas, as
ternuras, os protestos, as desculpas, as agressões, as melodias de que é feita a língua
activa." p. 27

"Se a semiologia de que falo voltou então ao Texto é porque nesse concerto de pequenas
dominações o Texto lhe pareceu o próprio indicador do 'despoder'. O Texto contém em
si a força que permite fugir infinitamente à palavra gregária (à palavra que se agrega),
mesmo quando ela procura reconstituir-se nele; impele sempre para mais longe — e é
esse movimento de miragem que tentei descrever e justificar há momentos quando
falava da literatura — impele para um outro lugar, para um lugar não classificado,
atópico, se é que se pode dizer, afastado dos topoi da cultura politizada, 'essa
contingência de formar conceitos, finalidades, leis... esse mundo de casos idênticos', de
que Nietzsche se refere; o Texto destapa ao de leve essa capa de generalidade, de
moralidade, de in-diferença (separemos bem o prefixo do radial), que cobre o nosso
discurso coletivo. A literatura e a semiologia chegam assim a conjugar-se para corrigir-
se uma à outra." p. 31

"A semiologia aqui proposta é por conseguinte negativa — ou melhor, embora o termo
seja estranho: apofática: não por aquilo que ela nega no signo, mas sim por negar que
seja possível atribuir-lhe caracteres positivos, inalteráveis, a-históricos, a-corporais,
numa palavra: científicos. Este apofatismo implica pelo menos duas consequências, que
dizem directamente respeito ao ensino da semiologia." p. 30
1) "A primeira é que a semiologia [...] não pode ser ela própria uma metalinguagem.
[...] ao falar dos signos com signos, é o próprio espetáculo dessa bizarra coincidência,
desse estranho estrabismo que me identifica aos artífices de sombras chinesas quando,
simultaneamente, mostram as suas mãos e o coelho, o pato, o lobo, de que simulam a
silhueta." p. 30/31
2) "A semiologia relaciona-se com a ciência, mas não é uma disciplina (isto é a
segunda consequência do se apofatismo). [...] Deste modo, a parte da semiologia que
melhor se desenvolveu, ou seja, a análise da narrativa, pode contribuir para o estudo da
História, da etnologia, da crítica dos textos, da exegese, da iconologia (toda imagem é,
de certa forma, uma narrativa). Ou seja, a semiologia não é uma grelha, não permite a
apreensão directa o real impondo-lhe uma transparência generalizada que o torne
inteligível; procura antes penetrá-lo aqui e ali, por momentos, e demonstra que esses
efeitos de penetração do real são possíveis sem a utilização de grelhas: é exactamente
quando a semiologia pretende ser uma grelha que ela não consegue captar o que quer
que seja." p. 31/32

* Na página 33 tem um tópico sobre a guerra e a morte do autor

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