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ESCOLA BÁSICA E SECUNDÁRIA QUINTA DAS FLORES

Matemática A – 12ºAno
Evolução do conceito de número

O conceito de número, que atualmente nos parece tão evidente, foi um trabalho de milénios, envolvendo uma
grande abstração de pensamento.
As necessidades da vida corrente exigem que, em cada momento, se façam medições e contagens.
Como resolveram os primeiros homens o problema da necessidade de contagem?
Criando os números
1, 2, 3, 4, …
Por quantos séculos se arrastou a criação destes números? É impossível dizê-lo, mas pode afirmar-se com
segurança que o homem primitivo de há 20 000 anos ou mais não tinha destes números o mesmo conhecimento
que temos hoje.
O homem civilizado de hoje começaria a sucessão não por um, mas por zero e escrevê-la-ia assim
0, 1, 2, 3, 4, …
A criação de um símbolo para representar o nada constitui “um dos atos mais audazes do pensamento, uma das
maiores aventuras da razão.” (J. Pelseneer)
Essa criação é relativamente recente (talvez pelos primeiros séculos da era cristã) e foi devida às exigências da
numeração escrita que ainda hoje usamos. Essa numeração constitui uma autêntica maravilha que permite, não só
escrever muito simplesmente os números, como efetuar as operações (adição, subtração, multiplicação,
potenciação e divisão e radiciação). Recorde-se, por exemplo, a dificuldade da escrita dos números utilizando a
numeração romana …
Mas, no conjunto dos números acima referidos, não é possível resolver equações como a seguinte
3𝑥 = 1.
Para resolver esta dificuldade, são criados outros números, os números fracionários, como, por exemplo,
1 1 3
, , , ….
3 8 5
Mas equações do tipo
𝑥+5=0
também não têm solução no conjunto acima referido. Para resolver esta e outras equações, surge a necessidade de
considerar novos números, os números negativos. Apenas nos finais do século XV, surgiram no Ocidente os números
negativos, que geraram algumas resistências. Uma das dificuldades era a falta de interpretação geométrica a dar-
lhes, atendendo a que na época, as resoluções das equações eram suportadas por uma interpretação geométrica.
Por exemplo, Descartes, quando resolvia uma equação e obtinha raízes negativas chamava-lhes raízes falsas.
Surge, então, o conjunto dos números inteiros relativos, que hoje designamos por conjunto ℤ. A reunião deste
conjunto com o conjunto dos números fracionários, deu origem ao conjunto dos números racionais, conjunto ℚ.
O Teorema de Pitágoras conduz-nos a equações do tipo
𝑥2 = 3

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que não têm solução em ℚ. E, assim, uma vez mais, o conjunto dos números é ampliado: surgem os números
irracionais. A reunião deste conjunto de números com o conjunto ℚ, dá origem ao conjunto ℝ, conjunto dos números
reais.
Persistia, no entanto, a impossibilidade de resolução de algumas equações, devido à inexistência de raízes
quadradas de números negativos. Aos algebristas antigos, gregos, hindus e árabes, não tinha passado despercebido
o caso embaraçoso de 𝑏 2 − 4𝑎𝑐 ser negativo e não encontrarem, nesses casos, solução para a equação do 2º
grau 𝑎𝑥 2 + 𝑏𝑥 + 𝑐 = 0. Mas sempre que isto acontecia, o problema concreto (da vida real) que tinha dado origem
à equação era tido com um problema sem solução. Assim, o algebrista interpretava o binómio discriminante negativo
como querendo dizer que o problema não tinha solução. Concluía, dizendo que a equação não tinha soluções, o que
estava de acordo com a realidade e as necessidades práticas.
Encontrada uma fórmula para resolver equações do 2º grau, procurou-se uma fórmula para a resolução das
equações do 3º grau, 𝑎𝑥 3 + 𝑏𝑥 2 + 𝑐𝑥 + 𝑑 = 0, mas muitos séculos iriam passar sem que tal acontecesse.
Em meados do século XVI, Girolano Cardano, após contactos com Tartaglia, apresentou uma fórmula, a chamada
“fórmula resolvente para equações do terceiro grau”, que permite obter uma solução real de equações do 3º grau
da forma 𝑥 3 + 𝑝𝑥 + 𝑞 = 0, (𝑝, 𝑞 ∈ ℝ).
Nota: A equação geral, 𝑦 3 + 𝑎𝑦 2 + 𝑏𝑦 + 𝑐 = 0, transforma-se numa equação do tipo 𝑥 3 + 𝑝𝑥 + 𝑞 = 0,
𝑎
fazendo 𝑦 = 𝑥 − .
3
𝑞2 𝑝2
A chamada fórmula de Cardano diz que, sendo 𝐷 = 4
+ 4
, quando 𝐷 ≥ 0, o número real

3 𝑞 3 𝑞
𝑥 = √− + √𝐷 − √ + √𝐷
2 2
é solução da equação 𝑥 3 + 𝑝𝑥 + 𝑞 = 0.

Bombelli, em 1572, considerou a equação 𝑥 3 − 15𝑥 − 4 = 0 , que sabia ter três soluções reais, 4, −2 + √3
e −2 − √3, mas ao aplicar a fórmula obteve
3 3
𝑥 = √2 + √−121 − √−2 − √−121.
E agora? Como esta raiz não existe, significaria que a equação era impossível. Só que a equação não é impossível,
como sabemos.
Perante esta situação paradoxal, Bombelli resolveu considerar os radicais do tipo √−𝐴, (com 𝐴 > 0) como
representativos de números de uma nova espécie, a que chamou quantidades silvestres, e combinou-os com
números reais obtendo, assim, os números atualmente denominados complexos.
Só no séc. XVIII, o conhecimento acerca dos números imaginários começa a ganhar estrutura e a ser aceite pela
comunidade matemática. Euler, na obra Elementos de Álgebra, introduz √−1 como algo que não se compara com
os números então conhecidos, observando que “somos conduzidos à ideia de números que são impossíveis pela sua
própria natureza e que, portanto, são habitualmente designados por quantidades imaginárias, porque existem
somente na nossa imaginação, [ … ], mas nada nos impede de os usar nos cálculos.”
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Esta atitude nova levou Euler a investigar os números complexos e, em 1777, usa pela primeira vez a letra i para
substituir √−1 , afirmando que 𝑖 2 = −1 .
Repare-se que, aceitando a existência deste número 𝑖 e considerando ainda válidas as regras de cálculo usadas
em ℝ, a extracção de raízes de índice par de números negativos passa a ser possível. Por exemplo:

√−9 = √−1 × √9 = 𝑖 × 3 = 3𝑖

Estava, assim, aberto o caminho para uma extensão do conjunto ℝ (e das respetivas operações de adição e
multiplicação por forma a gozarem das propriedades usuais), atualmente designada por conjunto dos números
complexos e que se representa por ℂ . Este conjunto ℂ contém um elemento i, unidade imaginária, tal que 𝑖 2 = −1
e os seus elementos escrevem-se na forma 𝑥 + 𝑖𝑦, com 𝑥, 𝑦 ∈ ℝ.

Estruturas

Falemos agora de um conceito importante que é o conceito de “Estrutura”.


Uma estrutura é constituída por um conjunto onde está definida uma lei de composição interna.
Diz-se que,
𝜃 é 𝑢𝑚𝑎 𝑙𝑒𝑖 𝑑𝑒 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑜𝑠𝑖çã𝑜 𝑖𝑛𝑡𝑒𝑟𝑛𝑎 𝑛𝑢𝑚 𝑐𝑜𝑛𝑗𝑢𝑛𝑡𝑜 𝐸 se e só se a uma operação entre quaisquer dois
elementos de 𝐸 corresponda um elemento de 𝐸:
𝜃 ∶𝐸×𝐸 → 𝐸
(𝑎, 𝑏) → 𝑐 = (𝑎𝜃𝑏)
ou,
∀𝑎, 𝑏 ∈ 𝐸, ∃1 𝑐 ∈ 𝐸: 𝑎𝜃𝑏 = 𝑐

Grupoide
Diz-se que,
(𝐸, 𝜃) é 𝒈𝒓𝒖𝒑𝒐𝒊𝒅𝒆 𝑠𝑒 𝑒 𝑠ó 𝑠𝑒 𝜃 é 𝑢𝑚𝑎 𝑙𝑒𝑖 𝑑𝑒 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑜𝑠𝑖çã𝑜 𝑖𝑛𝑡𝑒𝑟𝑛𝑎 𝑒𝑚 𝐸.

Exemplos:
1) (ℕ, +) é grupoide.
2) (ℕ, −) não é grupoide porque 1 − 2 = −1 e −1 ∉ℕ

Semigrupo
Diz-se que,
(𝐸, 𝜃) é semigrupo se e só se a operação 𝜃 for associativa. Também se diz que um semigrupo é um grupoide

associativo.

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Grupo
Diz-se que,
(𝐸, 𝜃) é grupo se e só se
• (𝐸, 𝜃) é semigrupo,
• 𝜃 tem elemento neutro: 𝑎𝜃𝑢 = 𝑢𝜃𝑎 = 𝑎, ∀𝑎 ∈ 𝐸
• Todos os elementos têm oposto: 𝑎𝜃𝑎, = 𝑎, 𝜃𝑎 = 𝑢

Anel
Esta estrutura é constituída por um conjunto e duas leis de composição interna.

Diz-se que,
(𝐸, 𝜃, 𝜑) é anel se e só se:
• (𝐸, 𝜃) é grupo;
• a operação 𝜃 é comutativa;
• (𝐸, 𝜑) é semigrupo;
• 𝜑 é distributiva relativamente a 𝜃

O anel diz-se comutativo se a operação φ for comutativa.

Exemplo: (ℤ, +,×)

Corpo
Diz-se que,
(𝐸, 𝜃, 𝜑) é corpo se e só se:
• (𝐸, 𝜃, 𝜑) é anel comutativo;
• 𝜑 tem elemento neutro;
• Todos os elementos diferentes do zero têm inverso.

Exemplo:
1) (ℤ, +,×) é anel mas não é corpo porque só o 1 e o −1 têm inverso
2) (ℚ, +,×) é corpo porque apenas o zero não tem inverso

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