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Capítulo TERCEIRO

AS MINORIAS PSICOLÓGICAS

Tendo situado Kurt Lewin na evolução da psicologia social,


compreenderemos agora melhor a importância de seus diversos trabalhos e de suas
descobertas. Ao expor suas hipóteses e suas teorias, respeitaremos a ordem
cronológica de sua elaboração e de sua formulação. Assim veremos pouco a pouco
precisar-se sua concepção pessoal da gênese e da dinâmica dos grupos.
O primeiro problema social ao qual Lewin dedica sua atenção, após emigrar
para os Estados Unidos, é a psicologia de seu próprio grupo étnico. As
discriminações, as injustiças, os vexames, o ostracismo aos quais ele e os seus
foram submetidos pelos nazistas nos últimos meses vividos na Alemanha
traumatizaram-no sob muitos aspectos. Lewin procura compreender e encontrar
uma interpretação científica para o que sofreu: seres humanos que, pelo simples
fato de pertencerem a um determinado grupo étnico, vivem em uma insegurança
permanente e dependem das variações do clima político das comunidades humanas
nas quais procuram se integrar.
Depois de tentar elucidar a psicologia das minorias judias, Kurt Lewin se
esforça por elaborar uma psicologia dos grupos minoritários. A partir do que
descobre como fundamental para a psicologia das minorias, é levado a repensar e a
redefinir o que se torna depois o objeto quase exclusivo de sua reflexão e de suas
pesquisas: que problemas constituem o centro da exploração e da experimentação
da psicologia social? A dinâmica dos grupos, tal qual a conceberá finalmente, será o
resultado desta série cada vez mais convergente de recolocação de questões e de
proposições sistemáticas.

DEMOGRAFIA E PSICOLOGIA

Desde o início de seus trabalhos sobre a psicologia das minorias, Kurt Lewin
procura clarear e dissipar o que o termo minoria comporta de ambiguidades e de
equívocos no plano da semântica.
A demografia utiliza os termos minoria e maioria em sentidos diferentes da
psicologia. Em demografia um grupo constitui uma maioria desde que a
porcentagem de seus membros ultrapasse de um a metade da população em que
está inserido. Por outro lado todo grupo constituído de menos de 50% da população
dada é considerado como uma minoria.
Em Psicologia minoria e maioria adquirem sentidos mais diversificados. Um
grupo é considerado fundamentalmente como maioria psicológica quando dispõe de
estruturas, de um estatuto e de direitos que lhe permitam autodeterminar-se no
plano do seu destino coletivo, independentemente do número ou da porcentagem
de seus membros. Assim, minorias demográficas podem constituir maiorias
psicológicas. É considerado como maior pelo psicólogo social todo grupo humano
que se percebe na posse de plenos direitos que dele fazem um grupo autônomo.
Por outro lado, um grupo deve ser classificado como uma minoria psicológica desde
que seu destino coletivo dependa da boa vontade de um outro grupo. Este grupo,
mais ou menos conscientemente, percebe-se como menor, isto é, como não
possuindo direitos totais ou um estatuto completo que lhe permitam optar ou
orientar-se nos sentidos mais favoráveis a seu futuro. Desde que se trate da sorte
de seu grupo, os membros que pertencem a uma minoria psicológica se sentem, se
percebem e se conhecem em estado de tutela. E isto independentemente da
porcentagem de seus membros em relação à população total onde vivem. Assim
maiorias demográficas podem ter, por estas razões, uma psicologia de minorias.
Mas não param aqui as distinções da psicologia social. Como numerosos
sociólogos e psicólogos sociais, antes e depois dele, Kurt Lewin utiliza ainda os
termos: minoria discriminada e minoria privilegiada. Vejamos em que sentido. Toda
minoria psicológica, tal qual foi definida acima, é sempre considerada como uma
minoria discriminada ou susceptível de sê-lo pelo fato de sua sorte e seu destino
estarem na dependência do grupo majoritário. Por outro lado, toda maioria
psicológica tende a tornar-se, mais ou menos rapidamente, um grupo privilegiado.
Frequentemente as maiorias psicológicas, com o tempo, estratificam-se. No interior
destes grupos uma minoria de membros pode constituir-se em oligarquia e
atribuir-se ou reservar-se privilégios exclusivos. A minoria privilegiada é portanto
uma minoria demográfica no seio de uma maioria psicológica que ela controla e
manipula a seu favor.

AS MINORIAS JUDIAS

Kurt Lewin publicou quatro estudos sobre a psicologia dos judeus. O primeiro
aparece em 1935 e tem por título: “Psychosociological problem of a minority group”.
O segundo é publicado em 1939 e traz o título: “When facing danger”. O terceiro e o
quarto aparecem sucessivamente em 1940 e 1941. Os títulos que Lewin lhes dá são
os seguintes: “Bringing up the jewish child” e “Self-hatred among jews”.
Estes quatro estudos são de caráter fenotípico ou sintomático. Kurt Lewin
aplica-se neste estágio em nos apresentar uma caracterologia étnica de seu povo e
um psicodiagnóstico. À margem de sua reflexão, ele se permite generalizar e
destacar constantes que retomará mais tarde, ao elaborar sua psicologia das
minorias.
Não nos ocuparemos aqui senão da análise apresentada nos três últimos
estudos mencionados acima, sendo que o primeiro estudo nada mais é que um
esboço das teorias que os três outros retomarão de modo mais explícito e mais
articulado.

1. O estudo intitulado “When facing danger” trata do fututo ou das


possibilidades de sobrevivência das minorias judias no Ocidente.
Lewin inicia com considerações sobre a perseguição em massa aos judeus
nos países que sofriam então a dominação nazista. Como, de fato, pergunta Lewin,
uma minoria pode sobreviver em um contexto de perseguição como aquele ?
Estudos sociológicos demonstraram que em todas as guerras européias dos últimos
séculos os judeus tiveram que lutar e morrer por seu país de adoção, fossem eles
alemães, franceses, espanhóis ou ingleses. No momento dos combates não foram
poupados. Ao contrário, em certos países, foram selecionados para sofrer uma série
de maus tratos tanto da parte de seus amigos como de seus inimigos. Na maior
parte das vezes, acrescenta Lewin, estava-se disposto a lutar até o último judeu. É o
caso, especialmente, dos judeus alemães que tiveram, repetidas vezes, de um
século para cá, a ocasião de morrer por sua pátria. A partir da tomada do poder
pelos nazistas, os jornais editados pelo regime passaram a sugerir com frequência a
formação de batalhões judeus que seriam mobilizados para serem enviados aos
pontos mais perigosos do front. Foi aliás o que de fato ocorreu na Itália, na Hungria,
na Polônia e em todos os países conquistados pelos nazistas e aterrorizados pela
Gestapo.
Outro traço comum às doutrinas nazista e fascista foi a tentativa de justificar
a reconstituição dos guetos para os judeus. E Lewin nota.que os judeus não foram
realmente reconhecidos como seres humanos na Europa Ocidental, senão a partir
do momento em que as idéias das revoluções francesa e americana fizeram deles
seres humanos iguais em direitos e em privilégios. Conclui-daí que os direitos
judeus. são inseparáveis de uma filosofia de igualdade dos homens. Os regimes
políticos que perseguiram os judeus nestes últimos tempos tentaram sempre fazer
prevalecer a teoria da inferioridade de certas raças e a superioridade da sua.
Lewin está consciente de não inovar ao retomar por sua conta e ao
considerar como válidas estas observações já formuladas por sociólogos
contemporâneos. As reflexões de Lewin adquirem um caráter pessoal ao se
perguntar em que medida o problema judeu é um problema individual ou um
problema social. Para decidir sobre o assunto lhe basta lembrar que no momento da
anexação da Áustria, os judeus foram metralhados pelo simples fato de serem
judeus, sem nenhuma consideração por sua conduta passada ou seu status social.
Para Lewin o problema judeu é um problema essencialmente social, um caso típico
de minoria não privilegiada ou discriminada. O que caracteriza as classes ou os
grupos não-privilegiados é que em todos os casos eles têm em comum o seguinte:
não existem senão porque são tolerados. Sua sobrevivência coletiva depende da
boa vontade-das classes privilegiadas. Para ilustrar seu pensamento Lewin evoca o
passado do grupo judeu. Segundo ele, a emancipação dos judeus dos guetos não
foi conseguida por eles, mas em consequência da modificação dos sentimentos e
das necessidades da maioria. Ainda hoje. pode-se demonstrar que as pressões e as
discriminações contra os judeus aumentam ou diminuem, conforme as dificuldades
econômicas da minoria crescem ou decrescem. Lewin acrescenta ironicamente: é
uma das razões pelas quais os judeus de toda parte estão necessariamente
interessados em contribuir para o bem-estar econômico das maiorias no meio das
quais vivem.
O problema judeu é um problema social. Mais explicitamente, o
anti-semitismo tem por fundamento, cada vez que se manifesta, a necessidade para
a maioria de um bode expiatório. É necessário precisar ainda, segundo Lewin, que
seria mais exato falar de uma minoria privilegiada que consegue mobilizar e
manipular para seus fins uma massa ou uma multidão cuja agressão canaliza contra
uma minoria rejeitada. Lewin pretende também que muitos judeus se enganam ao
acreditar que, se todos os judeus se conduzissem decentemente, não haveria
anti-semitismo. Geralmente é o contrário que acontece. É a capacidade de trabalho
dos judeus, seus sucessos profissionais como médicos ou advogados, seus talentos
para o comércio que, na maior parte dos casos, provocam periodicamente ondas de
anti-semitismo. Ma medida em que os judeus se sobressaem arriscam-se a ser
perseguidos. Como último argumento de que não há relação entre a incidência do
anti-semitismo e a conduta delinquente de certos judeus, Lewin salienta que as
razões invocadas pelas minorias privilegiadas para justificar junto às massas. Seu
anti-semitismo têm mudado de século para século. Há quatrocentos anos os judeus
eram perseguidos por motivos religiosos. Em nossos dias as racionalizações
promulgadas como bem-fundadas teorias racistas às quais adere oficialmente o
partido nazista, são retiradas de argumentos supostamente baseados na
antropologia e na biologia.

2. O segundo estudo: “Bringing up the jewish child” trata da educação que


deveria receber o jovem judeu para evoluir normalmente.
Kurt Lewin compara a educação do jovem judeu à educação de uma criança
adotada. Eis as razões que o levam a esta conclusão. Lewin, pela primeira vez, nos
revela suas concepções, ainda embrionárias, sobre a psicologia dos grupos. O
grupo ao qual um indivíduo pertence pode comparar-se ao terreno sobre o qual ele
se mantém e que lhe dá ou nega, segundo o caso, seu status social. Na medida em
que o grupo lhe dá um status social, o indivíduo se sente em segurança; ao
contrário, se o grupo não lhe concede nenhum status social, torna-se fonte de
insegurança para o indivíduo. Esta segurança ou insegurança relaciona-se com a
solidez ou fluidez do terreno sobre o qual o indivíduo se mantém, uma vez que ele
pode ou não identificar-se com seu grupo.
Segundo Lewin, isto é verdadeiro sobretudo quando se trata do meio familiar.
Com efeito, parece-lhe amplamente provado pelas descobertas recentes da
psicologia da criança (as suas próprias não o tinham esclarecido sobre este
problema) que a estabilidade ou instabilidade do meio familiar determina a
estabilidade ou instabilidade emotiva da criança. A razão fundamental, Lewin é o
primeiro a afirmá-lo, é que o meio familiar no qual a criança cresce e evolui forma
um único campo de forças, “one dynamic field”, segundo uma expressão sua. É
necessário pois levar em conta que o meio familiar, ou qualquer grupo ao qual
pertence um indivíduo, não é para ele somente uma fonte de proteção ou
segurança. Todo grupo, inclusive o grupo familiar, desenvolve suas leis, seus tabus,
suas proibições coletivas. E segundo os tabus, as proibições, os mitos que
prevalecem em um grupo, a criança ou o indivíduo que pertence a este grupo,
disporá de um espaço de movimento livre mais ou menos extenso. Em conclusão,
conforme seja largo ou restrito o espaço de movimento livre, o indivíduo terá maior
ou menor facilidade de se adaptar à vida social, ou no caso da criança, de
socializar-se. Para Lewin o problema fundamental em qualquer grupo humano é o
seguinte: em que medida um indivíduo, pertencendo a seu grupo, pode satisfazer
suas próprias necessidades ou aspirações psíquicas sem comprometer
indevidamente a vida e os objetivos do grupo?
Lewin termina este estudo com considerações de ordem pedagógica,
deduzidas do que lhe parece fundamental na socialização do ser humano: não é o
fato de pertencer a vários grupos que constitui a origem dos conflitos mas a
incerteza sobre sua própria participação num grupo determinado. Donde os quatro
princípios pedagógicos nos quais deve inspirar-se a educação do jovem minoritário.
Lewin sugere, inicialmente, com muita insistência que, assim como a criança
adotada se beneficia ao conhecer o mais cedo possível sua condição, também a
criança que pertence a um grupo minoritário deve conhecer o mais cedo possível,
desde que possa assimilá-lo emotivamente, o fato de o grupo ser objeto de
vexames, discriminações, em uma situação não-privilegiada. Quanto mais os pais e
educadores tardarem em revelar-lhe o fato, mais arriscam comprometer sua
adaptação social. Este conselho vale sobretudo quando o meio educacional no no
qual a criança cresce não é confessional e mostra-se tolerante para com as crianças
judias.
Além disto, a educação do jovem judeu, como de todo minoritário, deve
procurar sensibilizá-lo muito cedo ao fato de que a questão judia é antes-de-tudo
uma questão social. Os pais judeus devem deixar de pressionar as crianças a
adotarem uma conduta exemplar em presença dos não-judeus. Devem igualmente
abster-se de constranger a criança a ambicionar os altos postos nas diferentes
esferas em que se orienta. Em uma palavra, é necessário libertar a criança judia do
mito de que será facilmente aceita-pelos não-judeus se sobressair. Assim, quando
as expressões de anti-semitismo o atingirem, ele estará imunizado contra o jogo dos
mecanismos de auto-acusação que, de outro modo, poderiam ser adotados por ele
em resposta à discriminação.
Os pais e os educadores no encargo de socializarem o jovem judeu devem
lhe transmitir que, o que liga os judeus entre si não são as semelhanças ou as
diferenças que existem entre judeus e não-judeus. O que constitui essencialmente
um grupo e dele faz um todo dinâmico é a interdependência da sorte de seus
membros.
Finalmente é fundamental ensinar muito cedo ao jovem Judeu que o
verdadeiro perigo para ele é de ser, durante toda à sua vida, um marginal na
sociedade em que tenta integrar-se e assim permanecer durante toda a sua
existência um eterno adolescente, incapaz como eles, de se identificar ao grupo ao
qual pertence ou aos grupos aos quais deseja pertencer.

3. O terceiro estudo é incontestavelmente o mais importante dos três. Tem


por título: “Self-hatred among Jews” e trata dos mecanismos de auto-depreciação
que Kurt Lewin observara repetidas vezes em seus próprio grupo.
No início deste estudo Kurt Lewin refere-se a dois livros datando da mesma
época (1930). O primeiro livro é do professor Lessing que tenta, do ponto de vista
da psicopatologia, descrever o que ele chama “O ódio de si entre os Judeus”. O
segundo é um romance americano do autor Ludwig Levisohn “Island within”. Este
romance tem como cenário a cosmopolita cidade de Nova York no interior da qual
os judeus constituem uma ilha cultural, isolada e cercada de zonas de silêncio no
seio da coletividade americana em constante interação.
Para Kurt Lewin o fenômeno do ódio de si entre-os judeus pode ser encarado
ao mesmo tempo como um fenômeno individual, como um fenômeno de grupo e
sobretudo como um fenômeno social, conforme os aspectos estudados.
Como fenômeno de grupo, o ódio de si afeta as relações intragrupais no
interior da grande família judia, ou melhor, as relações entre os diversos grupos ou
sub-grupos judeus que existem no mundo. E aqui Lewin evoca recordações
pessoais que datam do tempo em que vivia na Alemanha, onde por várias vezes foi
testemunha de expressões de fortes ressentimentos da parte dos judeus alemães
em relação aos judeus dos países eslavos. Os judeus alemães acusavam os judeus
eslavos de serem responsáveis pela perseguição nazista de que eram vítimas.
Lewin afirma ter observado o mesmo fato nos Estados Unidos: todos os judeus
emigrados culpam os judeus alemães considerando-os responsáveis por todas as
desgraças que caem sobre os judeus no mundo desde 1933.
Segundo Lewin, o ódio de si pode, também, em certos casos, apresentar-se
como um fenômeno individual. Neste caso há uma variedade quase infinita de
formas que o ódio de si toma entre os judeus considerados como indivíduos. Certos
judeus, por exemplo, culpam o grupo judeu como tal ou se identificam
negativamente a uma fração particular de judeus, ou difamam sistematicamente sua
própria família. Outros rejeitam a si próprios, recusam aceitar-se como judeus e
cedem periodicamente a mecanismos de auto-acusação e de auto-punição. Por
outro lado, alguns judeus dirigirão o ódio de si exclusivamente contra as instituições,
os costumes, a língua judia ou ainda o sistema de valores próprios da raça ou da
cultura judia. Na maior parte-das-vezes, nota Lewin, este tipo de ódio de si não se
manifesta abertamente, mas é camuflado por racionalizações de toda espécie.
O ódio de si é sobretudo um fenômeno social, segundo Lewin. Neste nível
sua análise e sua interpretação tornam-se, bastante penetrantes. Para ele, Lessing
e Levisohn, que se inspiraram em Freud, quiseram explicar o ódio de si pelos
instintos primários que seriam inerentes à natureza humana. Em seu apoio recorrem
à tese que Freud elaborou para explicar as neuroses de fracasso, postulando a
existência em todo ser humano de um instinto de morte que teria primazia sobre o
instinto de vida. O que, sempre segundo Freud, explicaria a tendência que aparece
com a idade, em todo ser humano, de uma degenerescência progressiva que se
conclui pelo retorno ao inorgânico. Kurt Lewin recusa-se a explicar assim o ódio de
si entre os judeus. Se assim fosse, argumenta, estaríamos em presença de um
dado da natureza e não seria então estranho não se encontrar no mesmo grau o
ódio de si entre os ingleses, os italianos, os alemães e os franceses em relação a
seus próprios compatriotas? Além disto, se o ódio de si sentido pelos judeus
dependesse de algum instinto de base, seria a personalidade de cada indivíduo que
nos revelaria sua intensidade. Parece, ao contrário, conclui Lewin, que este ódio de
si — não obstante os diversos graus em que se manifesta — depende muito mais
das atitudes que cada indivíduo adota em relação ao problema judeu do que das
estruturas mentais ou emotivas de sua personalidade.
Aliás, nota Lewin, o ódio de si manifestado pelos judeus é um fenômeno
observado em, todas as minorias discriminadas. Nos Estados Unidos, por exemplo,
os negros são muito sensíveis às diferentes tonalidades de cor da epiderme
humana. Aqueles cuja epiderme é de cor “chocolate com leite” ou “café-creme”
menosprezam aqueles que são “café-preto”. Quanto mais a cor da epiderme de um
negro se aproxima do branco, mais tendência tem ele a dirigir aos outros negros um
olhar de superioridade e, em consequência, a identificar-se negativamente com seu
grupo étnico. O mesmo fenômeno foi observado e abundantemente descrito pelos
sociólogos americanos, ao tratarem dos conflitos existentes entre, a primeira e a
segunda geração de imigrantes nos Estados Unidos. A segunda geração
menospreza seus pais que não lhe parecem suficientemente americanizados e
permanecem ainda por demais ligados à sua cultura de origem, dificultando assim
uma identificação incondicional com seu país de adoção.
Vejamos agora, segundo Lewin, como o ódio de si aparece, tipicamente, em
muitos judeus. Um indivíduo judeu tem ambições, alimenta e constrói projetos para
logo descobrir que sua participação no grupo judeu constituirá sempre uma barreira
intransponível à realização de seus projetos. Começa então a perceber e a
considerar seu grupo como fonte de frustrações e passa a odiá-lo. Logo chegará à
conclusão de que sua ascensão social como indivíduo está ameaçada e que sua
segurança sócio-econômica e seu próprio destino pessoal correm o perigo de ficar
comprometidos por causa de sua participação no grupo judeu. Surge então em
muitos judeus o sentimento agudo de rejeição da interdependência de seu próprio
destino e do destino de uma minoria discriminada.
Kurt Lewin termina este estudo concluindo que o ódio de si entre os judeus
não poderia, na maior parte, dos casos, ser diagnosticado como do domínio da
psicopatologia. Como muitos outros fenômenos psíquicos com componentes
neuróticos, o ódio de si não é geralmente senão a expressão de um conflito criado
pela situação social na qual um indivíduo é forçado a viver. Este fenômeno
apresenta-se sob traços neuróticos, mas na realidade não se trata de nevrose.
Tanto assim que o ódio de si entre os judeus é encontrado tanto entre os nevróticos
como entre as pessoas normais. De fato, trata-se de um fenômeno
sócio-psicológico. A tal ponto que, cada vez que os judeus, dentro de uma
coletividade, são aceitos em clima de igualdade de direitos e de privilégios,
desaparecem então os traços nevróticos que certos autores afirmam como típico do
grupo judeu. Por outro lado, quando os judeus tornam-se o objeto sistemático de
discriminação, seu único meio de não ceder ao ódio de si é intensificar entre eles as
tendências de atração e de coesão pela causa judia. Daí a importância vital que os
educadores e pais judeus devem dar à criação de climas de crescimento propícios a
que os jovens judeus, desde seus primeiros anos de formação, possam
identificar-se positivamente com seu grupo étnico.

MINORIAS E MINORITÁRIOS

Kurt Lewin publica, em seguida, um estudo onde, a partir de suas


interpretações e de suas considerações sobre a minoria judia, tenta formular uma
teoria suficientemente coerente para explicar a psicologia de todo grupo minoritário.
Será sua última pesquisa ligada aos macro-fenômenos de grupo. Ela o convencerá
definitivamente da certeza de sua opção ao escolher como centro da
experimentação em psicologia social o estudo dos micro-grupos. Estas teorias
tiveram uma influência determinante nos meios universitários, sobretudo no que se
refere à psicologia das relações inter-raciais e revelaram-se fundamentais à
compreensão das concepções definitivas sobre a gênese e a dinâmica dos grupos,
que Kurt Lewin defenderá nos anos seguintes. Parece-nos também importante
destacar aqui as teses essenciais.
O estudo de que trataremos inicialmente tem por título: “Cultural
Reconstruction” e foi publicado em 1943. Depois disto Lewin refere-se à psicologia
das minorias duas outras vezes, durante o ano que precede sua morte. Suas
preocupações serão então exclusivamente de ordem metodológica. Partindo das
suas próprias pesquisas sobre o problema, tentará destacar aquilo que elas lhe
ensinaram sobre as exigências da experimentação em psicologia social.
Retornaremos ao assunto em um capítulo próximo para constatar e salientar a que
ponto em três anos, de 1943 a 1946, os interesses, as concepções e as
aproximações de Lewin evoluíram. Estes três anos lhe provaram que a inteligência
científica dos macro-grupos não se tornará acessível senão após longas e
sistemáticas pesquisas sobre a psicologia dos grupos restritos. No momento não
nos deteremos senão no seu estudo “Cultural Reconstruction”. Nele encontramos
uma tese fundamental e três outras, dela deduzidas: sobre a origem das minorias,
sua natureza psicológica e seu futuro.
A tese fundamental é formulada de modo que transcende o caso judeu para
tornar inteligível o que Kurt Lewin considera como as constantes psicológicas de
todo grupo minoritário. Para Lewin toda minoria psicológica tem suas dimensões
antes de tudo sociais. Com isto não opõe social a psíquico, mas dissocia o social do
individual. As minorias psicológicas são sociais em sua origem, em suas estruturas
e em sua evolução. Sua dinâmica é essencialmente social. Do mesmo modo, a
sobrevivência dos grupos minoritários não pode ser assegurada senão a partir do
momento em que eles tomam consciência deste dado fundamental e o aceitam.

1- Origem das minorias.

Para Kurt Lewin a própria existência de toda minoria só é possível, em última


análise, graças à tolerância da maioria no meio da qual ela se insere. Não é em
consideração aos comportamentos aceitáveis ou em reação aos comportamentos
repreensíveis de alguns indivíduos (se bem que isto seja, de fato, alegado como
pretexto oficial), mas por motivos extrínsecos aos comportamentos dos membros
das minorias, que as maiorias edificam, fortificam, multiplicam ou deixam cair as
barreiras psicológicas com que cercam as minorias. Lewin, acrescenta que a
maioria tem sempre interesse em privar as minorias de todo direito e de todo
privilégio. Mas é sobretudo em período de tensão e de perigo coletivo que a maioria
tende a exercer represálias contra as minorias, cedendo à necessidade de
descarregar sobre um bode expiatório as ondas de agressividade, desencadeadas
pelas frustrações e privações que lhe são impostas durante estes períodos críticos.
Por mecanismos de deslocamento sua agressividade torna-se extrapunitiva com
relação às minorias sem defesa.

2 - Constituintes, constituídos e constitutivos das minorias.

Com esta terminologia tentaremos sistematizar o essencial do pensamento


de Lewin sobre a existência das minorias. Esta sistematização nos parece
necessária para evitar que o leitor tenha que seguir os caminhos tortuosos da
argumentação de Lewin. Faremos todos os esforços para não trair em nada seu
pensamento.

A - Os constituintes das minorias.

Os constituintes das minorias podem ser definidos diferentemente, conforme


se faça referência às estruturas ou à dinâmica dos grupos minoritários.

a) Em relação às suas estruturas, as minorias aparecem constituídas de


várias camadas. No centro encontram-se as camadas mais solidificadas. Elas
compõem-se de membros que aderem com a maior boa vontade às instituições, aos
costumes, às tradições e aos sistemas de valores, que distinguem seu grupo dos
outros grupos. Estes membros identificam-se positivamente com tudo aquilo que é
tipicamente próprio ao seu grupo. Já as camadas periféricas, longe de serem
solidificadas como as primeiras, são móveis e fluidas. São compostas de membros
que experimentam uma ambivalência marcante em, relação a tudo que distingue e
por isto mesmo isola seu grupo da maioria. São os membros marginais das
minorias. Eles suportam de má vontade ter que viver em um espaço vital onde são
mantidos à força por uma maioria que constrói barreiras psicológicas intransponíveis
à sua migração para a maioria que invejam.
Lewin acrescenta que é sobretudo nas zonas periféricas que se situam os
minoritários de maior sucesso, aqueles que conseguiram sobressair-se em seu
trabalho ou profissão e em consequência sentem maior atração pela maioria. Sua
ilusão, segundo Lewin, consiste em esperar que seus sucessos pessoais facilitem
sua aceitação por parte da maioria que lhe perdoará assim sua origem e sua
identidade étnica.
Enfim, é nas camadas periféricas que as minorias têm tendência a recrutar
seus dirigentes ou a agrupar-se em torno de dirigentes que pertençam a estas
camadas. Estes indivíduos são geralmente designados para este posto em razão
de seus sucessos pessoais. Aceitam o posto com a esperança de poder, graças à
sua função de líder oficial, multiplicar seus contatos com a maioria e encontrar
assim algum substitutivo de prestígio do qual estão privados em virtude de sua
ligação com a minoria. Por outro lado, numerosos são os grupos minoritários que
esperam que este líder seja melhor aceito e pareça mais maleável à maioria e
consequentemente possa melhorar magicamente as relações entre minoria e
maioria.

b) Em relação à sua dinâmica de grupo, as minorias se revelam ao


observador como constituindo um equilíbrio mais ou menos estável entre dois
campos de força. De um lado, um campo de forças que exerce sobre os membros
uma influência integrante de coesão. Estas forças são constituídas pela atração que
exercem sobre as minorias os traços culturais próprios a este grupo e irredutíveis às
culturas vizinhas. Estas forças centrípetas desempenham o papel de núcleo
dinâmico no seio das minorias. Elas engendram entre os minoritários atitudes de
lealdade para com seu grupo ou aquilo que Lewin gosta de chamar de o
chauvinismo positivo. Fazem nascer neles, paralelamente, um desejo cada vez mais
intenso de se emancipar da maioria.
No extremo oposto situa-se um campo de forças centrífugas que exerce uma
influência dissolvente sobre os membros da minoria. Estas forças são constituídas
pela atração, algumas vezes irresistível, exercida pela maioria, com seus privilégios,
incluindo as promessas de prestígio e de satisfação dos instintos frustrados ou
limitados pelas discriminações impostas pela maioria às minorias. As atitudes
coletivas provocadas pelas forças centrífugas são (isto em oposição à lealdade do
grupo) de uma parte, o desamor em relação a seu próprio grupo ou o chauvinismo
negativo e, de outra parte, o desejo de assimilação à maioria.

B - A minoria como constituída.

Se concebemos a minoria como uma totalidade dinâmica, torna-se


necessário assinalar o fator de integração deste grupo que faz destes indivíduos
múltiplos um só grupo coerente. Este fator de unificação é o constitutivo do grupo.
Tentaremos destacá-lo mais adiante. Mas se tentamos, agora, definir as minorias
como constituídas. Kurt Lewin nos fornece os conceitos que explicam o grau maior
ou menor de integração que atingem nos diferentes momentos de-seu
desenvolvimento.
Deste ponto de vista, Lewin distingue dois tipos de minorias. Algumas
constituem unidades articuladas de modo orgânico. É o caso das minorias cujas
camadas centrais englobam a maioria dos membros em ligações muito estreitas e
em uma forte adesão à sua sorte e destino. Para a maioria dos membros, seu grupo
étnico é é percebido em termos de valência positiva.
Por outro lado, existem minorias mal ou não integradas que se revelam ao
observador não mais como uma unidade orgânica, mas como uma unidade
aparente, artificial, resultante de pressões e de coerções exteriores. Estas minorias
não constituem um grupo no sentido restrito. Trata-se, antes, de um agregado de
indivíduos, mais ou menos submetidos às mesmas restrições, às mesmas
privações, às mesmas frustrações. Neste tipo de minorias o núcleo dinâmico não
compreende senão alguns indivíduos que não perderam a fé no destino de seu
grupo, a quase totalidade dos membros não vive senão da esperança de poder um
dia pertencer à maioria. As ligações entre os membros são portanto muito frágeis. O
equilíbrio entre os diferentes estratos é muito instável e quase inteiramente
polarizado por valências negativas.

C - O fator constitutivo das minorias.

Como explicar, pergunta Lewin, que em certos casos as minorias constituam


unidades orgânicas e, em outros, não tenham senão a aparência de integração?
O fator constitutivo de todo grupo, segundo Lewin, é a interdependência da
sorte de seus membros. No caso das minorias integradas, sua condição de
minoritários é aceita, o que permite aos membros se unirem na luta pela
emancipação. Por outro lado, no caso das minorias não integradas ou mal
integradas, sua condição de minoritários é suportada. Não existe interdependência
entre os membros. O único fator negativo que os une é sua disposição a consentir
em todos os compromissos, em todas as servidões ou em todas as baixezas que
lhes facilitem a assimilação à maioria.

3 - O futuro das minorias.

Segundo Lewin, o futuro das minorias, assim como sua origem e existência, é
antes de tudo social.
O futuro das minorias não se coloca nos mesmos termos de superação em
que se coloca o futuro de um grupo normal que não sofre nenhuma pressão, nem
encontra nenhum obstáculo no processo de seu desenvolvimento. O futuro das
minorias não pode se definir senão em termos de sobrevivência. A este respeito,
três opções são possíveis, segundo Lewin. Há, Inicialmente, o caso das minorias
que perdem a crença em sua sobrevivência e estão prontas a tudo que possa
apressar ou favorecer sua assimilação à maioria. Quanto às minorias que optam por
sua sobrevivência, duas atitudes são possíveis. Elas têm em comum o seguinte:
ambas concebem sua sobrevivência como uma emancipação do jugo arbitrário da
maioria. Eis o que as distingue: certas minorias querem assegurar sua
sobrevivência através da integração com a maioria, pela igualdade dos direitos e
dos privilégios. Para conseguir seu intento estes grupos minoritários têm tendência
de sublinhar e de destacar, em suas relações intergrupais com a maioria, muito
mais o que os aparenta ou os une à maioria do que aquilo que os distingue ou os
opõe a ela. Enfim, existem minorias que não acreditam poder assegurar sua
sobrevivência, senão separando-se ou emancipando-se totalmente da maioria. Elas
aspiram à independência total e definitiva em relação à maioria. Estão convencidas
de que só assim poderão conservar a integridade de sua cultura, prosseguir na
conquista de sua plena identidade e realização do seu destino coletivo. Lewin
conclui que só estas últimas minorias têm alguma possibilidade de assegurarem sua
sobrevivência. Enganam-se aquelas que acreditam poder integrar-se à maioria e
nela conservar sua identidade étnica. Cedo ou tarde elas serão assimiladas.
Kurt Lewin termina este ensaio teórico sobre a psicologia das minorias,
tentando caracterizar entre os minoritários as diferenças de atitudes coletivas que
implicam estas três opções a respeito do futuro de suas relações inter-raciais com a
maioria que as oprime e as discrimina.
Lewin afirma que.as minorias que renunciam à sua sobrevivência e aquelas
que optam pela integração em um contexto de relações cordiais e um pouco servis
em relação à maioria têm tendência, ambas, a adotarem as mesmas atitudes
coletivas. Ele considera, com efeito, que no plano inter-racial as atitudes coletivas
destas minorias são tipicamente adolescentes. Suas estratégias têm em comum o
seguinte: elas se baseiam na hipótese de que a situação presente de discriminação
desaparecerá quando sua participação na minoria for desconhecida, ignorada ou
anulada. Assim como o adolescente espera ser aceito pelo mundo dos adultos
quando conseguir convencer os adultos de que não é mais uma criança. Também
como os adolescentes, o comportamento social destes dois tipos de minorias
caracteriza-se pela intra-agressão, pela auto-acusação, pelo exagero em suas
ambições, pelas recusas, pelos protestos e pelo mimetismo. Sua identificação com
a maioria é equivalente e nos dois casos apoia-se no temor. Há ambivalência a
respeito de seu próprio grupo tanto quanto a respeito do grupo majoritário.
Quanto às minorias que tentam assegurar sua sobrevivência pela
independência em relação à maioria, suas atitudes coletivas são de um nível mais
adulto. Elas ganharão em maturidade se para a identificação positiva com o grupo
na qual inspiram-se seus comportamentos, vierem acrescentar-se, ao mesmo
tempo, a capacidade de proceder periodicamente a autocríticas e a vontade de
conseguir eventualmente sua independência pela interdependência com os outros
grupos étnicos.

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