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Mbembe, 62, é conhecido por ter cunhado em 2003 o termo "necropolítica". Ele investiga,
em sua obra, a maneira como governos decidem quem viverá e quem morrerá —e de que
maneira viverão e morrerão.
A necropolítica aparece, também, no fato de que o vírus não afeta todas as pessoas de
uma maneira igual.
Quais são as suas primeiras impressões desta pandemia? Por enquanto, estou
soterrado pela magnitude desta calamidade. O coronavírus é realmente uma calamidade
e nos traz uma série de questões incômodas. Esse é um vírus que afeta nossa capacidade
de respirar…
O isolamento social nos dá, de alguma maneira, um poder sobre a morte? Sim, um
poder relativo. Podemos escapar da morte ou adiá-la. A contenção da morte é o cerne
dessas políticas de confinamento. Isso é um poder. Mas não é um poder absoluto porque
depende das outras pessoas.
Depende de outras pessoas também se isolarem? Sim. Outra coisa é que muitas pessoas
que morreram até agora não tiveram tempo de se despedir. Diversas delas foram
incineradas ou enterradas imediatamente, sem demora.
Como se fossem um lixo de que precisamos nos livrar o mais rapidamente possível. Essa
lógica de descarte ocorre justamente em um momento em que precisamos, ao menos em
tese, da nossa comunidade. E não existe comunidade sem podermos dizer adeus àqueles
que partiram, organizar funerais. A questão é: como criar comunidades em um momento
de calamidade?
Nosso corpo também é uma ameaça a outros, se não ficarmos em casa. Sim. Agora
todos temos o poder de matar. O poder de matar foi totalmente democratizado. O
isolamento é precisamente uma forma de regular esse poder.
Outro debate que evoca a necropolítica é a questão sobre qual deveria ser a
prioridade política neste momento, salvar a economia ou salvar a população. O
governo brasileiro tem acenado pela priorização do resgate da economia. Essa é a
lógica do sacrifício que sempre esteve no coração do neoliberalismo, que deveríamos
chamar de necroliberalismo. Esse sistema sempre operou com um aparato de cálculo. A
ideia de que alguém vale mais do que os outros. Quem não tem valor pode ser descartado.
A questão é o que fazer com aqueles que decidimos não ter valor. Essa pergunta, é claro,
sempre afeta as mesmas raças, as mesmas classes sociais e os mesmos gêneros.
Não há garantia de que vamos estar aqui para sempre. O fato de que é plausível que a
vida continue sem a gente é a questão-chave deste século.
ACHILLE MBEMBE, 62