Você está na página 1de 23

Poder Judiciário

Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


Segunda Câmara Cível
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0215738-95.2007.8.19.0001
APELANTE 1: LINDINALVA MIGUEL DO NASCIMENTO
APELANTE 2: COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DA BAHIA
APELANTE 3: ERIG TRANSPORTES LTDA
APELADOS:: OS MESMOS
RELATOR: DESEMBARGADOR ALEXANDRE FREITAS CÂMARA

Direito Civil. Direito Processual Civil. Acidente envolvendo veículo


automotor. Responsabilidade objetiva do prestador de serviço
público. Aplicação do art. 37, § 6º, da CR também ao terceiro não
usuário. Jurisprudência do STF. Incidência do CDC. Ocorrência do
acidente que restou demonstrada nos autos. Legitimidade da
prova indiciária. Culpa exclusiva da vítima que não foi
comprovada. Responsabilidade do réu. Danos materiais cujo
ressarcimento se justifica. Notas fiscais que foram devidamente
acostadas. Impossibilidade de condenação do réu ao pagamento
de pensão alimentícia à autora, sobretudo pelo fato de que esta
sequer alegou, na inicial, ser dependente do filho ou dele receber
qualquer tipo de auxílio material. Dever de compensar os danos
morais que decorre do simples fato de ter a autora perdido seu
filho em virtude de acidente no qual se envolveu com veículo de
propriedade da ré. Valor de R$ 100.000,00, proporcional e
razoável, à luz da jurisprudência deste Tribunal e do STJ.
Intervenção do terceiro que se deu na forma de chamamento ao
processo e não de denunciação da lide. Nulidade do capítulo que
julgou a “demanda regressiva”, que, a rigor, não existia. Incidência
do art. 101, II, do CDC. Condenação solidária do réu e da
seguradora chamada. Existência de pagamento pelo Seguro
Obrigatório. Valor que deve ser abatido do montante
compensatório. Recurso da autora desprovido. Recurso dos réus
parcialmente provido apenas para se determinar o abatimento da
quantia já paga, a título de seguro DPVAT, na forma do enunciado
nº 246 do STJ.

Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível


nº 0215738-95.2007.8.19.0001, que tem como Apelantes LINDINALVA
MIGUEL DO NASCIMENTO, COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DA
BAHIA e ERIG TRANSPORTES LTDA..

Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001

Assinado por ALEXANDRE ANTONIO FRANCO FREITAS CAMARA:000030745


Data: 02/08/2012 16:21:47. Local: GAB. DES ALEXANDRE ANTONIO FRANCO FREITAS CAMARA
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
A C O R D A M os Desembargadores que integram a
Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por
unanimidade de votos, em anular de ofício um capítulo da sentença, negar
provimento ao primeiro recurso, dar parcial provimento aos demais e declarar a
condenação solidária das rés na forma do art. 80 do CPC, tudo nos termos do
voto do Desembargador Relator.

Des. ALEXANDRE FREITAS CÂMARA


Relator

Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001


Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
Trata-se de demanda condenatória proposta por

LINDINALVA MIGUEL DO NASCIMENTO em face de ERIG TRANSPORTES

LTDA, cujo processo seguiu o procedimento sumário. Aduz a autora que seu

filho foi atropelado por ônibus de propriedade da ré e faleceu no mesmo dia em

decorrência dos ferimentos. Sustenta que a vítima era empregada e que

recebia a quantia fixa de R$ R$ 550,00 (quinhentos e cinquenta reais) por mês.

Postula a condenação da ré ao pagamento das despesas de luto e funeral, de

alimentos e de compensação por danos morais.

Na contestação de fls. 79/100 a ré, inicialmente, postulou a

inclusão da seguradora no feito, seja por chamamento ao processo, seja por

denunciação da lide. No mérito, refutou a dinâmica dos fatos narrada pela

autora, afirmando que há provas no sentido de que a demandada não teria

dado causa ao acidente que vitimou o filho da demandante. Sustenta, ainda,

que a responsabilidade civil da concessionária de serviços públicos é objetiva

apenas para o contratante, não se estendendo a terceiros. Assim, caberia à

autora a comprovação da culpa da ré. Ademais, em razão das condições nas

quais a vítima trafegava, defendeu a culpa exclusiva desta para o evento.

Sobre a pensão, aduziu que a autora possui renda própria, afastando-se a

presunção de que era dependente financeira do falecido. Em caso de

concessão, deve ser considerada a exclusão de 1/3 sobre a base de cálculo,

nos termos de iterativa jurisprudência dos tribunais superiores. Acerca dos

danos morais, assevera que, se reconhecidos, a respectiva compensação deve


Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
considerar as provas de que o vínculo entre vítima e autora não era tão estrito,

sobretudo pelo fato de que elas sequer residiam no mesmo endereço.

Contestação da seguradora aduzindo que há um limite

indenizável estabelecido por contrato. Acrescenta que a garantia depende do

trânsito em julgado da sentença condenatória, sempre mediante reembolso do

que foi efetivamente despendido pelo primeiro contratante, não sendo possível

a realização de pagamento diretamente ao terceiro prejudicado. Afirma que os

ônus de sucumbência não podem ser impostos à seguradora, que comparece

ao feito unicamente para responder pelo capital segurado. No mérito, reitera as

razões apresentadas pela primeira ré.

Às fls. 526 foi colhido o depoimento do condutor do veículo

de propriedade do réu, na qualidade de informante. O depoente afirmou que

não ouviu qualquer barulho decorrente de colisão, aduzindo, ainda, que uma

senhora havia asseverado que a vítima tinha sido atropelada por outro veículo.

Realizada audiência de instrução e julgamento, foram

colhidos dois depoimentos. No primeiro, afirmou-se que o acidente envolveu,

de fato, o ônibus de propriedade da ré. No segundo, afirmou-se que o ônibus

não estava fazendo nenhuma manobra no momento em que os transeuntes

alertaram para o acidente, valendo notar que o segundo depoente foi ouvido

apenas na qualidade de informante, dado o vínculo empregatício existente com

a primeira ré.

A sentença de fls. 693/701 observou que as rés alegaram


Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
como tese defensiva a ausência de prova dos fatos narrados na inicial, bem

como da culpa, inexistindo, portanto, os pressupostos necessários à

configuração da responsabilidade civil. Entretanto, o juízo observou que há nos

autos prova testemunhal confirmando a existência do acidente e o fato da ré,

acrescentando ser objetiva a responsabilidade do primeiro demandado em

razão do art. 37, §6º, da CR. Apenas observou que a autora não comprovou

ser dependente econômica do falecido, razão pela qual não poderia prosperar

pedido de pagamento da pensão alimentícia. No mais, julgou procedentes os

pedidos para condenar o primeiro réu: a) a indenizar a parte autora no valor de

R$ 1.094,68 (mil e noventa e quatro reais e sessenta e oito centavos),

referentes às despesas com o funeral do de cuius, acrescidos de correção

monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês desde a data do reembolso; b)

ao pagamento de compensação por danos morais no valor de R$ 100.000,00

(cem mil reais), com correção monetária desde a publicação da sentença, além

de juros de 1%, a contar do evento danoso. Além disso, julgou procedente o

pedido de denunciação da lide para condenar a denunciada a arcar com o

pagamento dos valores impostos na condenação ao denunciante, até o limite

estabelecido no contrato, incluindo os danos morais. Por fim, condenou cada

um dos réus sucumbentes ao pagamento de 10% (dez por cento) sobre o valor

da condenação.

Apela a autora, postulando a majoração da compensação

por danos morais, pretendendo, ainda, a condenação da ré ao pagamento de


Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
pensão alimentícia.

A seguradora também apela, reiterando os argumentos de

mérito trazidos na contestação, e acrescentando: a) o descabimento da

condenação relativa às despesas de funeral, ante a ausência de prova dos

gastos; b) a necessidade de dedução da franquia contratada para os danos

causados, bem como dos valores devidos pelo seguro DPVAT; c) a imperativa

exclusão dos honorários advocatícios na demanda secundária; d) a

impossibilidade de correção monetária desde a data do evento danoso ou da

citação.

A primeira ré recorre aduzindo que há prova nos autos

demonstrando que, na verdade, a ré sequer se envolveu no acidente. Afirma,

ainda, que, no depoimento que serviu de fundamento para a procedência do

pedido, a depoente esclareceu que não viu o atropelamento em si, pois estava

no banco de trás da Kombi. No mais, além das questões relativas aos juros e à

correção monetária, também ressaltou a impossibilidade de se converter o

chamamento ao processo em denunciação da lide, bem como de se deduzirem

os valores relativos a outros eventos em favor da seguradora.

É o relatório. Passa-se ao voto.

Trata-se de processo no qual se postula a condenação do

réu ao pagamento de reparação por acidente automobilístico supostamente


Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
causado por veículo de propriedade deste último.

Deste modo, é preciso identificar, inicialmente, quais

elementos compõem esta responsabilidade, sobretudo quando os integrantes

do polo passivo sustentam ser absolutamente indispensável a demonstração

da culpa na causação do evento danoso.

O ponto controvertido versa sobre a correta interpretação do

art. 37, § 6º, da CR. De fato, antiga jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

sustentou, durante anos, que a dispensa dos elementos subjetivos da

responsabilidade constituía garantia apenas do usuário do serviço, não

podendo aproveitar àqueles que, sem qualquer relação contratual, sofressem

danos oriundos do exercício da atividade delegada.

Ocorre que, já não tão recentemente, o STF superou o

entendimento anterior, passando a adotar a posição segundo a qual o art. 37, §

6º, da CR se aplica tanto a usuários quanto a não usuários.

Confira-se:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE DO


ESTADO. ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO. PESSOAS
JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE
SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU
PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE
COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA EM RELAÇÃO A
TERCEIROS NÃO-USUÁRIOS DO SERVIÇO. RECURSO
DESPROVIDO.
Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
I - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito
privado prestadoras de serviço público é objetiva
relativamente a terceiros usuários e não-usuários do serviço,
segundo decorre do art. 37, § 6º, da Constituição Federal.
II - A inequívoca presença do nexo de causalidade entre o ato
administrativo e o dano causado ao terceiro não-usuário do
serviço público, é condição suficiente para estabelecer a
responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado.
III - Recurso extraordinário desprovido.
(RE 591874, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI,
Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2009, REPERCUSSÃO GERAL
- MÉRITO DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009
EMENT VOL-02387-10 PP-01820)

Portanto, a aferição do dever de reparar os danos causados

deve observar exclusivamente os elementos objetivos da responsabilidade,

quais sejam o fato, o dano e nexo de causalidade.

Esclarecida esta questão, o primeiro ponto a ser dirimido diz

respeito à existência ou não do acidente envolvendo a ré, já que esta última

sustenta que o filho da autora foi atingido por veículo diverso, não identificado.

Esta, aliás, foi a linha do depoimento do condutor do veículo, tanto no Registro

de Ocorrência, quanto na audiência cujo termo está às fls. 526.

Também a trocadora do ônibus afirmou que não viu o

acidente, mas que “soube dos fatos porque o motorista ficou comentando que o

rapaz caiu, mas que quem atropelou já tinha ido embora e que não foi o

ônibus” (fls. 557).


Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
Importa notar que, em ambos os casos, os referidos

depoentes foram ouvidos na condição de informantes, dada a relação

empregatícia havida com o réu.

Desta forma, as conclusões devem ser extraídas do

depoimento de fls. 555, cuja testemunha afirma ter presenciado o acidente.

Muito embora a depoente tenha afirmado que “não viu o atropelamento em si”,

foi capaz de transcrever a dinâmica dos fatos, fazendo-o da seguinte forma:

“(...) que o rapaz estava bem no cantinho junto ao meio fio; que a
Kombi e um ônibus estavam indo em um sentido Madureira; que o
ônibus ia sair para a esquerda e jogou a parte direita da traseira
para o meio-fio; que neste momento encontrou na bicicleta e o
rapaz desequilibrou e caiu; que o ônibus continuou dando
seguimento e não deu mais altura para que a depoente visse os
fatos; que tinha um bar próximo e as pessoas começaram a gritar,
pois o rapaz havia caído; (...) que quando o rapaz estava
ultrapassando o ônibus é que se deram os fatos”.

Aqui, necessária se faz a distinção entre as provas diretas e

indiretas (ou indiciárias). Na primeira espécie, o elemento de convencimento diz

respeito exatamente ao fato que se pretende comprovar. Na segunda

modalidade, a prova concerne a outros fatos, os indícios, dos quais, por

raciocínio dedutivo, o juiz presume a existência do fato probando.

Veja-se que a depoente, ao afirmar que “não viu o

Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001


Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
atropelamento em si”, apenas pode servir de fonte de prova indireta, narrando

circunstâncias a partir das quais se possa reconstituir a dinâmica do evento.

Nessa linha, verifica-se que todos os fatos descritos pela

testemunha conduzem à conclusão de que a vítima foi efetivamente atingida

pelo veículo de propriedade da ré. É isto que se extrai da afirmativa de que o

ônibus manobrou, as pessoas gritaram e, logo em seguida, viu-se o homem

estendido no chão. Ademais, a testemunha é categórica ao asseverar que

“ouviu a pancada do ônibus na bicicleta”. (fls. 555)

Note-se que no depoimento não foi incluída a existência de

qualquer outro veículo que pudesse ter provocado o acidente, mencionando-se

apenas a Kombi e o ônibus. Além disso, consta expressamente do depoimento

a impossibilidade de que outro automóvel pudesse influir no evento, sobretudo

porque, segundo se narrou, “não tinha como passar outro carro” (fls. 555).

Deste modo, e considerando a legitimidade da utilização da

prova indiciária para a formação do livre convencimento motivado do juízo,

reputa-se correta a conclusão de que o evento narrado envolveu, efetivamente,

o filho da autora e o ônibus da ré.

Quanto ao dano e ao nexo de causalidade, a certidão de

óbito informa como data do falecimento exatamente aquela na qual ocorreu o

acidente, declarando-se como causa mortis “traumatismo fechado de abdome

com laceração do fígado e rotura do baço”, tudo oriundo de “ação

contundente”. Ademais, embora o motorista do ônibus tenha afirmado que não


Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
sentiu qualquer impacto com o veículo que conduzia, este não teve dúvidas em

asseverar que “viu a vítima agonizando” (fls. 526).

Assim, do conjunto probatório dos autos pode-se extrair que,

de fato, o ônibus de propriedade da ré colidiu com o filho da autora, que faleceu

em virtude deste mesmo evento.

Impende, ainda, ressaltar que a tese defensiva de culpa

exclusiva da vítima não merece prosperar. Isto porque também constou no

depoimento da testemunha que “o rapaz estava bem no cantinho junto ao

meio-fio” (fls. 555), em consonância com o que dispõe o art. 58 do Código de

Trânsito Brasileiro.

Confira-se:

Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação
de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia,
ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização
destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de
circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os
veículos automotores.

Enfrentadas todas estas questões, forçosa a conclusão de

que há responsabilidade da primeira ré pelos danos causados no acidente de

trânsito descrito na petição inicial.

Nesse sentido, correta a condenação da primeira ré ao

pagamento das despesas de luto e funeral, vez que os respectivos gastos


Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
foram comprovados às fls. 29/33, totalizando, efetivamente, a quantia de R$

1.094, 38 (mil e noventa e quatro reais e trinta e oito centavos). Aqui, correta a

decisão impugnada também quanto à fixação do termo inicial dos juros e da

correção monetária, ambos devidos a partir do efetivo desembolso.

Quanto à pensão alimentícia, o juízo de primeiro grau julgou

improcedente o pedido sob o fundamento de que a vítima não residia na

mesma moradia da autora, a qual, inclusive, exerce atividade laborativa

própria, sem qualquer prova de dependência econômica do filho falecido.

No recurso, a autora sustenta estar consolidado no STJ o

entendimento segundo o qual a contribuição econômica do filho é presumida

nas famílias de baixa renda, ainda que este não mais resida com sua genitora,

valendo neste sentido, transcrever o seguinte acórdão:

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PENSÃO MENSAL.


REVISÃO. INTERESSE RECURSAL. FAMÍLIAS DE BAIXA
RENDA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA ENTRE SEUS
INTEGRANTES. PRESUNÇÃO RELATIVA. DEPENDÊNCIA DOS
PAIS FRENTE AOS FILHOS. VITALICIEDADE. PRESUNÇÃO
RELATIVA. VALOR. REDUÇÃO APÓS FILHO COMPLETAR 25
ANOS DE IDADE OU CONSTITUIR FAMÍLIA.
1. O condenado ao pagamento de pensão mensal não tem
interesse na impugnação da sua forma de distribuição entre os
autores da ação na hipótese em que estes forem os únicos
titulares da verba, dada a ausência de vantagem financeira e/ou
jurídica, visto que eventual exclusão de qualquer beneficiário

Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001


Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
implicará o repasse do seu montante aos demais.
2. Nas famílias de baixa renda, há presunção relativa de
dependência econômica entre os seus integrantes. Precedentes.
3. Nas famílias de baixa renda há presunção relativa de
assistência vitalícia dos filhos frente aos seus genitores, mas
essa relação de dependência diminui depois que o filho
completa 25 anos de idade ou constitui sua própria família.
Precedentes.
4. Recurso especial não provido.
(REsp 1252961/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 06/12/2011, DJe 15/12/2011)

A questão ora sob exame diz respeito ao instituto da

presunção, intimamente ligado ao direito probatório. É que, havendo presunção

de veracidade da alegação sobre determinado fato, ou se impede a produção

de prova no sentido contrário, ou apenas se inverte a regra de distribuição do

ônus probatório.

Ocorre que, tanto num quanto noutro caso, é imperativa a

alegação do interessado acerca dos fatos que suportam seus pedidos. Isto

porque o que se comprova é a veracidade das alegações e não dos fatos.

Estes, aliás, não são verdadeiros ou falsos, mas sim existentes ou inexistentes.

Sendo assim, não poderia a autora se valer de uma

presunção de veracidade de alegações que não constaram na inicial, sendo

certo que a procedência de pedido com base em causa de pedir não veiculada

viola o princípio da inércia jurisdicional.

Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001


Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
Assim, considerando que a autora postulou a condenação da

ré ao pagamento de pensão alimentícia, sem, contudo, alegar na inicial a

existência de dependência financeira, o pedido deve mesmo ser julgado

improcedente.

Mas a improcedência também é imperativa sob outro

aspecto. É que, mesmo admitida a possibilidade de se presumir alegada a

dependência econômica – fazendo sobre ela incidir um juízo apriorístico de

veracidade –, haveria aqui um caso de rejeição de tal presunção em

decorrência do conjunto probatório dos autos.

Veja-se que o falecido, ao tempo da morte, não mais residia

com sua genitora. Tal circunstância, nos termos da jurisprudência do STJ, não

é capaz de, por si só, ilidir a inversão do ônus da prova, operada pela adoção

da técnica da presunção relativa. Ocorre que, além disto, mãe e filho residiam

em Estados distintos, ela em São Paulo e ele no Rio de Janeiro.

Note-se que, em regra, é muito difícil à mãe comprovar o

auxílio financeiro do filho quando se trata de família de baixa renda, justamente

em razão de a experiência comum demonstrar que, em regra, este auxílio se

dá em espécie, e sem qualquer comprovante O mesmo não se dá quando

ambos têm domicílio em locais absolutamente distintos. É que, em tais

hipóteses, eventual transferência de recursos dar-se-ia de maneira formalizada,

por exemplo, através de depósitos bancários, possibilitando ampla produção de

provas a este respeito.


Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
Ocorre que não foi juntado um comprovante sequer de que o

autor, embora morando no Estado do Rio de Janeiro, remetesse dinheiro para

sua mãe em São Paulo, razão pela qual, especificamente no caso concreto,

não poderia esta se valer da presunção firmada pela jurisprudência do STJ.

Portanto, também neste capítulo, não há qualquer razão de

reforma da sentença recorrida.

O mesmo pode ser dito em relação aos danos morais.

Veja-se que o simples fato de pais e filhos residirem em

Estados distintos não significa a existência de menos afeto do que aqueles

que, ao revés, dividem o mesmo espaço.

Muito ao contrário, no Brasil é muito comum a separação

compulsória de famílias afetivamente unidas, unicamente por força de

circunstâncias econômicas, consistentes na esperança de um futuro melhor em

outro local do país.

Ademais, a perda de um filho de apenas 22 (vinte e dois)

anos inverte a lógica natural de que estes sobrevivem aos pais, tornando este

evento um trauma na vida dos genitores, sobretudo quando decorrente de

evento trágico, como foi o caso relatado nestes autos.

Assim, independem de prova os profundos danos

suportados pela demandante, sendo absolutamente proporcional e razoável a

condenação da ré ao pagamento de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a título de

danos morais, não merecendo, contudo, majoração, conforme pretendido pela


Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
demandante.

Frise-se que, apesar da dificílima tarefa de fixação do

quantum compensatório, é possível encontrar decisões tanto neste Tribunal,

quanto no STJ, nas quais o montante estabelecido pelo órgão de primeiro grau

é reputado justo e adequado.

Confira-se:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO


REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MORTE POR
ATROPELAMENTO EM VIA PÚBLICA. LEGITIMIDADE PASSIVA
ESTATAL. VERBA INDENIZATÓRIA FIXADA EM VALOR
RAZOÁVEL. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ.
1. Hipótese de ação de indenização por danos morais ajuizada
pelos familiares (esposa e filho) do de cujos, que teria sofrido
atropelamento numa via em frente ao Fórum da cidade de Recife,
onde trabalhava como juiz de direito, em razão da omissão do
Estado de Pernambuco e da Empresa Metropolitana de
Transportes Urbanos (EMTU) na construção de uma passarela
para travessia de pedestre no local do acidente.
2. O Estado de Pernambuco possui legitimidade passiva para
figurar na presente demanda, tendo em vista que à época do
acidente, em razão de convênio firmado, amparado no artigo 25
do Código de Trânsito Brasileiro, era incumbido da gestão do
trânsito municipal, que executava por intermédio da EMTU,
residindo aí a sua responsabilidade pela obrigação de indenizar os
autores. Ademais, a interpretação das cláusulas contidas no

Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001


Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
aludido convênio encontra óbice no enunciados n. 5 da Súmula do
STJ.
3. Quanto ao valor indenizatório, o Tribunal de origem, ao
considerar as circunstâncias do caso concreto, as condições
econômicas das partes e a finalidade da reparação, fixou o valor
em 200.000,00 (duzentos mil reais), sendo 100.000,00 (cem mil
reais) para cada demandante, o que não escapa à razoabilidade,
nem se distancia do bom senso e dos critérios recomendados pela
doutrina e pela jurisprudência. Incidência da súmula 7 do STJ.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 1.678/PE, Rel. Ministro BENEDITO
GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe
02/03/2012)

0002206-18.2006.8.19.0019 - APELACAO

DES. GILBERTO DUTRA MOREIRA - Julgamento: 06/04/2011 -


DECIMA CAMARA CIVEL

Embargos de Declaração. Apelação Cível. Sumário. Acidente de


trânsito. Evidente responsabilidade do apelante pelo acidente e
morte do filho do autor.Danos morais caracterizados. Recurso
parcialmente provido somente para reduzir o montante
indenizatório para R$ 102.000,00 (cento e dois mil reais)
correspondentes a 200 (duzentos) salários mínimos.Embargos de
Declaração com efeitos infringentes sob pretexto de prequestionar
a matéria. Matéria devidamente tratada no Acórdão.Inexistência
de omissão, contradição, obscuridade ou erro material. Julgador
que não está obrigado a mencionar todas as questões invocadas
pelas partes nem a apreciar os dispositivos legais invocados,
bastando que uma delas tenha sido suficiente para o julgamento

Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001


Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
do recurso. Súmula nº 52 deste Tribunal. Pretensão do
embargante ao reexame da matéria e da fundamentação da
decisão. Impossibilidade. Rejeição dos embargos.

Assim, não merecem prosperar as razões apresentadas

tanto pelos demandados, quanto pela demandante, relativamente à majoração

ou redução da verba compensatória.

Observe-se que, tratando-se de relação extracontratual, está

correto o capítulo da sentença que determinou a correção monetária a partir da

sentença e a incidência dos juros de mora a partir do evento danoso, nos

termos do Enunciado nº 54 da Súmula do STJ.

Contudo, a sentença merece pequeno reparo no que tange

ao julgamento da “denunciação da lide”. Nos termos do art. 101, II, do Código

de Defesa do Consumidor, o meio processual adequado para o fornecedor

trazer para a relação processual seu segurador é o chamamento ao processo.

Confira-se o teor do citado dispositivo legal:

Art. 101. Na ação de responsabilidade civil do fornecedor de


produtos e serviços, sem prejuízo do disposto nos Capítulos I e II
deste título, serão observadas as seguintes normas:
I – omissis
II - o réu que houver contratado seguro de responsabilidade
poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do
contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta
hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o
Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu
houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a
existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso
afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente
contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de
Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório
com este.

O caso era, portanto, de chamamento ao processo, e não de

denunciação da lide, na linha da própria decisão de fls. 76.

Registre-se ainda, e desde logo, que o fato de o processo

tramitar pelo procedimento sumário não impede a adoção do raciocínio aqui

expendido, uma vez que o chamamento ao processo, na hipótese, é fundado

em contrato de seguro, o que torna tal intervenção possível, por força do

disposto no art. 280 do Código de Processo Civil, assim redigido:

Art. 280. No procedimento sumário não são admissíveis a ação


declaratória incidental e a intervenção de terceiros, salvo a
assistência, o recurso de terceiro prejudicado e a intervenção
fundada em contrato de seguro.

É, pois, perfeitamente admissível o chamamento ao

processo em casos como o que ora se examina.

Além disso, vale esclarecer as vantagens do chamamento

ao processo sobre a denunciação da lide em casos como o presente. Como

Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001


Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
sabido, é da estrutura do processo em que há denunciação da lide o

reconhecimento da existência de duas demandas distintas, reunidas em um só

processo: (i) a demanda principal, ajuizada pelo autor em face do réu; (ii) a

demanda regressiva condicional (isto é, a própria denunciação da lide),

ajuizada pelo autor ou pelo réu em face de um terceiro, chamado denunciado.

Consequência disso é que, na sentença, deverá ser julgada a demanda

principal e, caso nela seja vencido o denunciante, se julgará em seguida a

demanda regressiva. Deste modo, a sentença que condene o réu-denunciante

em favor do autor irá, logo após, declarar a responsabilidade do denunciado

perante o denunciante, servindo como título executivo em favor deste.

Já no processo em que se faz um chamamento ao processo

a estrutura é completamente distinta. Ajuizada a demanda pelo autor em face

do réu, este chama um terceiro ao processo. Feito isso, o chamado torna-se

réu na demanda do autor.

Neste caso, a sentença poderá condenar ambos os

demandados (o réu original e o chamado) em favor do autor e, vindo qualquer

um deles a cumprir a obrigação, a sentença servirá como título executivo em

favor deste que pagou para exigir do outro aquilo que eventualmente lhe seja

devido, tudo conforme o disposto no art. 80 do CPC.

Observa-se, assim, que o chamamento ao processo é, para

o consumidor, muito mais interessante do que a denunciação da lide, já que

permite a ele, uma vez proferida a sentença condenatória, demandar a


Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
execução diretamente em favor da seguradora, o que não seria possível na

outra modalidade de intervenção forçada de terceiro.

De tudo isso, o que se extrai é que a “denunciação da lide”

mencionada pelo juízo não é uma verdadeira denunciação da lide, mas sim um

chamamento ao processo. E assim deve ser considerada a intervenção de

terceiro ocorrida neste processo, sobretudo, repita-se, em razão da decisão de

fls. 76.

Deste modo, é de se considerar que a seguradora não é

litisdenunciada, mas chamada ao processo, e nessa condição deve ser tratada

doravante. Tendo sido chamada ao processo, tornou-se litisconsorte passiva

da ré original na demanda proposta pela autora. Nessa linha, a sentença,

quando condenou a ré, condenou, também, a seguradora, solidariamente, até

os limites da apólice.

Quanto à alegação da primeira ré, no sentido de que não

devem ser permitidas na sentença deduções relativas a indenizações pagas

em decorrência de outros eventos, é preciso observar que isto foi feito por

ocasião do julgamento de suposto pedido formulado na “denunciação da lide”.

Veja-se:

“d) julga-se procedente o pedido de denunciação da lide, para


condenar a seguradora denunciada a arcar com o pagamento dos
valores impostos nesta condenação ao denunciante, até o limite
estabelecido pelo contrato de fls. 108/114, inclusive danos morais,
Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
e devendo ser deduzidas quantias a título indenizatório que
eventualmente foram pagas em decorrência desse ou de outros
eventos”. (fls. 700/701)

Deste modo, inexistindo, no caso, denunciação da lide, não

pode subsistir o capítulo que a julgou, razão pela qual se tem como excluído o

item d) do dispositivo da sentença, considerando-se solidária a condenação

estabelecida nos itens a) e b), até o limite estabelecido na apólice, como já

ressaltado.

Acerca do pedido de dedução dos valores eventualmente

devidos pelo seguro DPVAT, convém frisar que o documento de fls. 839 dá

conta de que efetivamente a autora percebeu a quantia de R$ 13.500,00 (treze

mil e quinhentos reais), valor este a ser deduzido do montante da

compensação fixado neste processo, nos termos do Enunciado nº 246 da

Súmula do STJ, segundo o qual “o valor do seguro obrigatório deve ser

deduzido da indenização judicialmente fixada”.

Assim, vota-se por ANULAR DE OFÍCIO O CAPÍTULO DA

SENTENÇA QUE JULGOU A “DENUNCIAÇÃO DA LIDE” QUE NÃO FOI

FEITA, NEGAR PROVIMENTO ao recurso da autora, dar PARCIAL

PROVIMENTO aos recursos dos réus apenas para excluir da condenação a

quantia de R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), nos termos do

Enunciado nº. 246 da Súmula do STJ e DECLARAR A RESPONSABILIDADE

SOLIDÁRIA DAS DEMANDADAS ATÉ O LIMITE DA APÓLICE DO SEGURO,


Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001
Poder Judiciário
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Segunda Câmara Cível
APLICANDO-SE AO CASO O DISPOSTO NO ART. 80 DO CÓDIGO DE

PROCESSO CIVIL, mantida no mais a sentença de primeiro grau.

Rio de Janeiro, 01 de agosto de 2012.

________________________________
Des. ALEXANDRE FREITAS CÂMARA
Relator

Apelação Cível nº 0215738-95.2007.8.19.0001

Você também pode gostar