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Sebenta de Eduardo coboy

Introdução ao Direito I (Universidade de Coimbra)

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Baixado por Catarina Fernandes (scatarinabarbosa12@gmail.com)
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INTRODUÇÃO AO DIREITO I

Capítulo I – o sentido geral do “Projecto humano” do direito

Introdução

Perspectivas associadas à abordagem do direito

 Perspectivas objectivistas (vêm o direito da forma externa)


o Perspectiva sociológica – o direito é um fenómeno social
o Perspectiva filosófica – questiona os fundamentos com que o direito se nos
dirige, dá direitos e imputa responsabilidades.
o Perspectiva epistemológica
 Perspectiva interna (nós, juristas vamos estudar o direito de uma perspectiva
interna, comprometidos com ele)
o Perspectiva normativa – pretende compreender o direito como dimensão
normativa da nossa prática, uma vez que o direito é fundamento da validade ou
invalidade de muitos dos nossos comportamentos. O direito é norma do dever
ser, e por isso, padrão constitutivo da nossa acção e relação que estabelecemos
com os outros.

Distinção quid iuris e quid ius

Quid iuris: problemas de direito. Tem a ver com questões juridicamente relevantes.
Pergunta-se o que de direito nos há a dizer sobre determinada questão. O direito aparece
assim como critério de solução, através dele possuímos a resolução concreta do caso.

Quid ius: problemas do direito. Visa o próprio direito como problema. Não procura
uma solução no direito, antes procuramos ser esclarecidos acerca dele. Pergunta-se o
que é o direito?

Anteriormente tinha-se uma perspectiva de que os juristas estudariam exclusivamente o


quid iuris, ficando o quid ius para o s filósofos-juristas. No entanto, isto é, um erro, pois
o quid iuris e o quid ius não podem ser estudados separadamente. Um jurista deve
associar sempre um ao outro, considerando-os interligados.

Sentido geral do direito

O direito funciona como um sistema regulador que define a nossa qualidade de sujeitos
socialmente autónomos, estruturando a nossa posição relativamente coisas.

O direito é um sistema, quer ao nível material quer ao nível formal:

- Ao nível material, o direito assimila uma série de padrões e critérios normativos.

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- Ao nível formal, o direito articula-se numa unidade estrutural. Neste sentido


compreendemos o direito como um todo ordenado, como uma ordem, a ordem jurídica.

Controvérsia jurídica

É o problema jurídico e tem os seguintes pressupostos:

 Situação histórico-concreta: partilhada por dois ou mais sujeitos.

 Contexto-ordem: sistema regulador que integra fundamentos e critérios susceptíveis


de aplicar à situação.

 Sujeitos: invocando a mesma legislação, isto é, assumindo o mesmo horizonte de


fundamentos e critérios, têm perspectivas diferentes dos seus direitos e deveres.

Litigio e diferendo

Litigio: uma controvérsia prática que pressupõe referendos comuns com intenções
diferentes por parte dos sujeitos.

Diferendo: os sujeitos intervenientes estão em oposição pelo facto de mobilizarem


controvérsias diferentes ( não estão no mesmo horizonte jurídico).

Linhas da ordem jurídica

1ª Linha (linha base)

Representa relações entre os particulares. Nesta linha a sociedade surge apenas como
fundo e cada um age com a sua autonomia em nome dos seus interesses. É caracterizada
por uma intersubjectividade paritária (a cada direito corresponde um dever).

Esta paridade nem sempre existe. No entanto, quando este existe uma relação de supra-
ordenação entre sujeitos; a parte mais forte age sempre em nome dos interesses da parte
mais fraca.

Valores: liberdade e igualdade.

Tipos de justiça

 Justiça comutativa perante relações particulares voluntárias (os interesses de um


cruzam-se com os interesses do outro, criando-se um equilíbrio paritário)

 Justiça correctiva perante relações particulares involuntárias (há um equilíbrio que é


perturbado e tem de ser restaurado).

Nesta linha, lança-se mão do direito Civil e direito comercial.

2ª Linha (linha ascendente)

Representa relações entre cada um e o todo.

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Valores: Salvaguarda da autonomia pessoal

Tipos de justiça

 Justiça geral: trata daquilo que podemos exigir de cada um em nome de todos.

 Justiça protectiva: trata daquilo que cada um pode exigir ao todo.

Nesta linha, aplica-se o direito constitucional, direito civil e direito fiscal.

Todos eles visam regulamentar as exigências que a sociedade nos dirige assim como
institucionalizar, legitimar e limitar o poder.

3ª Linha (linha descendente)

Representa relações em que a sociedade se dirige aos indivíduos mediante um programa


estratégico para atingirmos valores a que se propõe.

Valores: liberdade pessoal e solidariedade

Tipos de justiça

Justiça distributiva: impõe uma actuação de recolha e distribuição de meios.

Justiça correctiva: há uma intervenção do estado com uma institucionalização especial.

Funções da ordem jurídica

Função primária: prescreve critérios que são modelos de acção. Dirige-se a nós
dizendo como nos devemos comportar. Atribui-nos direitos e impõe-nos deveres.
Valorara os nossos comportamentos como lícitos/ilícitos, justos/injustos,
válidos/inválidos.

Função secundária: cria condições para a actuação da função primária. Possui uma
função de organização ou institucionalização, enquanto articula os seus elementos, num
todo estruturado.

FUNÇÃO PRIMÁRIA OU PRESCRITIVA

Na função primária vemos o direito como princípio de acção e critério de sanção:

 Princípio de acção: porque é fundamento, norma ou critério da nossa conduta.


Propõe-nos modelos de comportamento que determinam a nossa acção social,
avaliando-a como licita/ilícita, legal/ilegal, justo/injusto.

 Critério de sanção: porque mostra quais as consequências dos nossos actos, como
critérios de sanção, o direito é efectivamente prático, assegura a realização dos
efeitos práticos da sua intenção normativa.

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Ora, sabendo que o direito prescreve um modelo de acção, surge uma questão
pertinente, uma vez que também a moral e a ética nos propõem modelos de acção.

Distinção direito da moral e ética

 Intersubjectividade (bilateralidade atributiva);

 Comparabilidade (tercialidade).

Intersubjectividade (bilateralidade atributiva)

Há uma relação de reciprocidade de direitos e deveres, ou seja, a cada direito


corresponde necessariamente um dever. Direito e dever não podem ser tratados
autonomamente.

Contrariamente a isto, na mora fala-se de deveres puros. Kant defendia que a moral
exige que nós cumpramos os nossos deveres em função da nossa consciência, enquanto
que no direito o que nos leva a cumprir os deveres são os motivos como o receio das
consequências (possibilidade de sanção).

A relação recíproca existente no direito caracteriza-se pela exigibilidade do


cumprimento que ao titular do direito subjectivo e garantido; e pela executabilidade da
acção por parte do titular do dever.

Em oposição, na moralidade, fica-se pelo apelo, sem qualquer dimensão de


exigibilidade.

Comparabilidade (tercialidade)

Em termos jurídicos a justiça faz-se por comparação. Kant via a moral num plano de
singularidade, incomparabilidade, ou seja, o sujeito aparece em absoluto.
Contrariamente, no direito o sujeito assume uma posição de relatividade perante o outro.

Exemplo: A parábola dos trabalhadores da vinha.

O patrão vai contratando ao longo do dia trabalhadores para a sua vinha. Passado 12h
ele pago o mesmo a todos, uma vez que em termos éticos entende que o deve fazer.

Este procedimento revela características da moral, uma vez que ele efectua o pagamento
segundo o princípio da não incomparabilidade (o sujeito é visto como um ser absoluto,
insusceptível de comparação)

No domínio do direito, ele devia ter comparado o número de horas de trabalho para
haver justiça em termos jurídicos. O direito vai relativizar os sujeitos, ou seja, efectuaria
o pagamento em função do número de horas que cada um trabalhou.

Surge assim um terceiro imparcial para solucionar a controvérsia. Este terceiro não pode
ajuizada ou decidir olhando para os sujeitos em termos absolutos, tem antes que
perceber quais são os direitos e deveres de cada um.
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Sanção

É todo o meio que a ordem jurídica mobiliza para que o direito se torne eficaz na
prática:

* Sanções Positivas (promocionais) - reacção à observação das prescrições normativas.


Exemplo: subsídios, isenção de propinas etc.

* Sanções negativas (repressivas) - reacção à não observação das prescrições


normativas. Dito de outra forma, são uma resposta à violação. Exemplos: penas, multas,
declaração de nulidade de um contrato.

Estrutura da norma

Estrutura hipotético-condicional

* Hipótese ou previsão ("se...")- descreve um problema possível de identificar em


termos abstractos. Trata-se de antecipar uma série de circunstâncias típicas que podem
ocorrer na realidade.

* Estatuição ("então...")- descreve a resposta geral e abstracta que o direito vai dar ao
problema. Esta resposta cria uma realidade nova que torna o direito efectivo.

Tipos de sanções

1. Sanções reconstitutivas: restabelecem a situação existente antes da norma ter sido


violada.

* Reconstituição em espécie - repõe a situação sem o recurso a algum bem inexistente


nesse momento. Ex. art. 566º/1 CC

* Execução específica realização da prestação imposta pela norma ofendida.

* Indemnização específica - repõe a situação com um bem que, não sendo aquele que
foi danificado, permite desempenhar a mesma função.

2. Sanções compensatórias: estabelecem uma situação que, embora diferente, se


considera valorativamente equivalente à situação que existia antes da violação.

3. Sanções punitivas: aplicam um mal ao infractor como castigo de uma violação de


uma norma jurídica.

* Criminais (as mais graves) campo privilegiado - direito penal;

* Civis - estabelecidas pelo direito civil em relação a condutas indignas;

* Disciplinares - aplicam-se à infracção de deveres de determinadas categorias


profissionais.

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4. Sanções preventivas - visam evitar a futura violação de determinada norma jurídica,


cujo receio é justificado pela prática de um acto ilícito (ex. violação - inibido de
paternidade)

5. ?????????????

6. Ineficácia jurídica: o seu carácter de sanção não é pacificamente reconhecido. impede


que os actos jurídicos desconformes com a lei produzam todos ou alguns efeitos
jurídicos.

* Ineficácia em sentido amplo:

- Inexistência jurídica: aquele acto é como se nunca tivesse existido, não produz efeitos.

- Invalidade: quando um acto sofre de um vicio que justifica a não produção de efeitos
jurídicos. Pode ser nulidade (ofende um interesse público) ou anulabilidade (ofende um
interesse particular)

- Ineficácia em sentido estrito: produz efeitos entre as partes e não para terceiros.

7. Ónus jurídico: é a necessidade adoptar determinada conduta para obter uma vantagem
própria ou evitar uma desvantagem. Ex. se eu não fizer nada perante uma acusação que
me é feita, estou a admitir a culpa.

FUNÇÃO SECUNDÁRIA OU ORGANIZATÓRIA

A função secundária cria as condições necessárias à actuação da função primária.

Desta função fazem parte critérios que não afectam directamente a ordem jurídica são
critérios legais, jurisprudências e doutrinas que permitem institucionalização do direito.

4 Momentos da função secundária:

* Momento da procura e unidade sistemática;

* Momento da assunção da dinâmica histórica (desenvolvimento constitutivo);

* Momento da realização orgânica;

* Momento da determinação - realização procedimental

1. Momento da procura e unidade sistemática

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Tem uma função unificadora. Disponibiliza critérios para resolver os conflitos que
surgem face à pluralidade de critérios primários. Só conseguimos encontrar a unidade
quando solucionamos o problema articulando os seus elementos.

Tipos de conflito:

a) Convergência sincrónica: quando duas normas pretendem regular a mesma situação


propondo soluções distintas.

-Critério da hierarquia: a lei superior derroga a lei inferior.

-Critério da especialidade: a lei especial derroga a lei geral.

b) Convergência diacrónica: relaciona-se com a sucessão de normas no tempo, numa


controvérsia duradoura que se prolonga.

-Critérios da prioridade temporal - a lei nova derroga a lei antiga.

Há situações em que este critério não se aplica, nomeadamente quando no domínio do


direito privado há a necessidade de proteger as expectativas das partes, aplicando-se
assim a lei antiga; ou no domínio do direito penal aplica-se a lei mais favorável ao réu.

c) concorrência das normas no espaço: conflitos em que emergem situações jurídicas


pluralizadas, ou seja, que contactam com mais que uma ordem jurídica. Ex. casamento
entre pessoas de nacionalidades diferentes. O domínio do direito vai tratar este
problema é o direito internacional privado.

2. Momento de desenvolvimento constitutivo ou de assunção da dinâmica histórica

Disponibiliza critérios com vista à resolução de novos problemas e à criação de novos


critérios com vista à resolução de novos problemas.

Ordem jurídica tem de ser dinâmica.

Por outro lado, apesar desta necessidade de evolução, a ordem jurídica tem de garantir
uma certa estabilidade por razões de segurança e previsibilidade.

Critérios secundários associados a este momento:

- Prescrição que se propõe a enfrentar o problema das fontes de direito (art. 1º a 4º CC)

-Critérios ou cânones da doutrina que tematizam os problemas das fontes de direito.

- Normas legais que enfrentam o problema do começo e da cessão da vigência das leis
(arts. 5º a 7º CC)
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-Conceitos associados ao problema da vigência formal da lei:

* vocatio legis: tempo que decorre entre os momentos da publicação e da entrada em


vigor da norma legal;

* Caducidade: a própria norma prevê o prazo da sua vigência;

* Revogação: pode ser expressa (a nova lei em termos expressos revoga a lei anterior)
ou tácita (a norma anterior cessa pelo surgimento de outra)

Por outro lado, pode ser global (o regime da nova lei afasta totalmente o regime da
anterior) ou específica (há uma alteração da matéria relativamente a pontos específicos).
Finalmente, pode ser total (afasta por completo o regime da lei anterior) ou parcial
(Afasta uma parte).

Existem ainda:

* Normas caducas: já não estão em conformidade com os princípios e assim perdera sua
vigência (por perderem a validade).

* Normas obsoletas: estão desadequadas à realidade. No entanto, mantém-se em vigor


até ao legislador revogar.

3. Momento da realização orgânica

São os critérios que criam formalmente órgãos e estabelecem se necessário uma


hierarquia entre eles. ex. toda a III parte da CRP referente ao poder politico

4. Momento da determinação - realização procedimental

Este momento é indissociável do anterior. São os critérios que definem o modo de


proceder dos órgãos criados no momento da realização orgânica. Estabelecem o modus
operandi.

Finalmente surge o momento institucional - processual como condição do juízo


decisório.

Para responder juridicamente a uma controvérsia, o juiz confronta-se com:

* Direito civil: reune as condições normativas substantivas da decisão. são os critérios


primários que permitem resolver o fundo da questão. existem ainda, os canônes
metódicos/regras do juiz que são figuras juridicas a que o juiz recorre e apenas ele as
podes emitir. (o legislador não pode). é uma regra de juizo ou de julgamento (art. 9º
CC).
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* Direito processual civil - reúne as condições normativas adjectivas da decisão. O juiz


não está apenas vinculado a critérios primários mas também a secundários. O direito
processual serve de instrumento ao direito civil, é o complexo de normas que regulam o
processo (não está em causa o mérito da questão).

Análise da função secundária segundo Hart

Hart analisa a função secundária segundo degraus:

 Regra de reconhecimento;

 Regras de alteração ou transformação;

 Regras de decisão – julgamento.

Regra de reconhecimento

Combate a incerteza que pode resultar das regras primárias. Identifica quais são os
critérios de acção que devem validamente reconhecidos como jurídicos e como tal
dotados de autoridade – potestas.

Tem o papel da hierarquizar e unificar os critérios de acção. Há aqui uma ligação como
momento da procura da unidade sistemática.

Regras de alteração ou transformação

Esta regra combate o estatismo do regime das regras primárias, conferindo poder para
introduzir novas regras primárias e eliminar regras antigas. O art. 7º do CC é uma regra
de transformação, está aberta à mudança.

Este combate ao estatismo remete-nos para o momento da assunção da dinâmica


histórica em que há um necessário equilíbrio em termos de estabilidade e mutação.

Segundo Hart as regras secundárias especificam quais são as pessoas que devem legislar
(remete-nos para o momento da realização orgânica).

Estas regras permitem ainda entender o exercício da autonomia privada. Para Hart: os
actos de um contrato por indivíduos de “poderes legislativos limitados”.

Regras de decisão-julgamento

São regras que combatem a ineficácia das regras primárias dando poder a certos
indivíduos para julgar se aquela regra foi ou não violada numa circunstância concreta
específica. Estas regras identificam os indivíduos que devem julgar, na mesma medida
que determinam o processo a seguir. Remete-nos para o momento da realização
orgânica e para o momento da determinação – realização procedimental.

Hart finaliza dizendo que há uma vantagem social das regras secundárias:

 Certeza e confiabilidade (1º degrau)


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 Flexibilidade (2º grau)

 Eficácia (3º grau)

Conclui-se que sem estas regras, os critérios primários seriam incertos, estáticos e
ineficazes.

Hart considera que basta uma articulação bem sucedida entre critérios primários e
critérios secundários para estarmos perante uma ordem de direito.

Capítulo III – Dificuldades e perguntas… ou uma grande questão condutora. Porque é


que (ou até que ponto é que) a analítica até agora ensaiada (e que poderíamos
prosseguir!) se mostra insuficiente (nos planos objectivos e normativos) se quisermos
compreender o projecto procura que prático - culturalmente distingue o direito?

Bastará a articulação entre critérios primários e secundários para estarmos


perante uma ordem de direito?

 A ordem jurídica dotada de coerência, unidade, estabilidade, dinamismo


controlado, hierarquias e funções integradas, caracteriza-se como:

o Um todo de ordenação social;

o Carácter de autoridade (os cidadãos devem-lhe obediência);

o Confere uma nacionalização à vida histórica -social;

o Confere segurança à vida jurídico -social, permitindo prever os efeitos jurídicos


de acção;

o Constitui um factor de paz (afasta a violência e constitui factor essencial para


uma existência social pacífica).

 No entanto, outras ordens no âmbito da sua organização e eficácia se oferecem com


a mesma estrutura funcional e se caracterizam da mesma forma que a ordem
jurídica, nomeadamente organizações que o estudo considera ilícitas ou que têm
perante ele uma existência oculta. Ordens da máfia e gangs, sociedades secretas e
organizações clandestinas, organizações terroristas, ordem estadual totalitária, etc.

Também relativamente a outras ordens se questiona se serão institucionalizações


normativas de direito: ordem das favelas – espaço territorial cuja autonomia decorre
da ilegalidade colectiva; práticas das minorias radicais, étnicas, sexuais, religiosas
ou culturais; práticas consuetudinárias das pequenas comunidades; novos
movimentos sociais (ecologistas, feministas, etc).

Concluímos assim, que a ordem jurídica como a estudamos na perspectiva de Hart


não é suficiente para a caracterizarmos como sendo uma ordem de direito, uma vez
que existem outras ordens com a mesma estrutura funcional.

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Todas as ordens referidas é-lhes negada a qualificação de ordens de direito com


fundamento na sua natureza ilícita e oculta relativamente ao estado.

Sendo assim, considerou-se a nota da estadualidade para autonomizar o direito. No


entanto, logo se percebeu que a nota da estadualidade não era suficiente para
autonomizar o direito, podemos assim apontar uma insuficiência objectiva na ordem
jurídica.

Insuficiência objectiva

(nega a nota da estadualidade como critérios para autonomizar o direito)

 O estado e o direito não se identificam – o direito é uma ordem normativa assim


com o direito se pode apoiar no estado, logo são entidades distintas. Ainda de referir
que surgiram em épocas diferentes.

 Nem todo o direito é direito estadual, basta pensar no direito privado, no direito
consuetudinário, parte do direito internacional e outros não reconhecidos pelo
ordenamento jurídico do estado.

 A coação estadual não define o direito.

 O estado não fundamenta o direito.

Ao lado dos sistemas legislativos (em que a lei provem do poder estadual) existem
sistemas de common law em que as controvérsias jurídicas são resolvidas com base em
casos concretos.

Insuficiência normativa

Nega também a nota de estadualidade como critério para autonomizar o direito.

Para podermos considerar um ordenamento de direito é necessário associar-lhe uma


específica dimensão normativa que o critério formal da ordem estadual não revela. Só o
contudo normativo da ordem jurídica pode fazer dela um critério prático da acção
social.

Se não considerássemos esta dimensão normativa da ordem jurídica, toda a organização


estruturalmente ordenada merecia a qualificação de ordenamento de direito. Estaríamos
assim perante um pluralismo de ordenamento jurídico.

Expressão “Estado-de-direito” integra:

 Estadualidade;

 Juricidade;

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Ora, se estas duas dimensões se relacionam e se só se estabelece relação entre duas


realidades diferentes, direito e estado são distinguíveis.

Sendo assim, só estaremos perante um Estado-de-direito quando a juridicidade for


autónoma do poder politico, pelo que uma ordem jurídica não será de direito apenas
por lhe acrescentarmos a nota de estadualidade.

Para se falar em direitos, tem de haver uma dimensão normativa, com valores
próprios de direito.

Ao direito é essencial esta dimensão normativa que não nos permite ficar pela mera
discrição analítica de uma estrutura sistemática e funcional da ordem jurídica. Esta
discrição da estrutura da ordem jurídica situa-nos num plano meramente formal,
enquanto que só a dimensão normativa permite torná-la efectivamente prática.

O direito é um projecto cultural autónomo que se traduz na procura de um homo


humanus dotado de autonomia e responsabilidade.

Esta preocupação traduz-nos num exercício permanentemente renovado, de


experimentação de um específico homo humanus estabelecendo diferenças entre
humano e inumano.

Este processo de autonomização foi assumido pela civitas romana que inventou o
“nome” humanitas e assim o primeiro do humanismos conhecidos, humanismo este
que se inscreveu na nossa herança civilizacional.

Surge uma forma de resolução de controvérsias sustentada numa auctoritas


(legitimidade prática que prescreve sempre fazendo referência aos valores que
fundamentam a validade normativa) e já não uma autoridade-potestas (em que a
resolução do caso se sustenta na mobilização efectiva do poder).

O verdadeiro sentido da ordem jurídica está na sua intenção normativa.

Ainda de referir que o direito não está acabado, encontrando-se uma constante
remodelação.

Vamos assim estudar este processo de evolução do direito no caminho da sua


autonomização.

O POSITIVISMO NORMATIVISTA DO SÉC XIX OU OS DESAFIOS DE


UMA REPRESENTAÇÃO PÓS-POSITIVISTA

Arco pré-moderno (época pré-positivista)

 Época clássica

o Época grega (no contexto da polis grega) – a civilização grega motivou uma
reflexão filosófica sobre a ideia de justiça.

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o Época romana – pensamento centrado na comparação de casos análogos (para


que todos fossem solucionados de modo igual modo) e por isso, o direito romano
constitui um exemplo de direito jurisprudencial (no contexto da civitas romana).
Uma vez que a resolução dos casos se baseava num sistema análogo ao common
law, em que existem decisões concretas mobilizadas para resolver casos
análogos, as fontes legais eram então poucas. Os juristas romanos não
constituíam o direito, apenas o revelavam.

o Época medieval (idade média) – O direito era uma ordem de criação divina. No
contexto da respublica christiana medieval existia uma ordem natural (eram
valores universais, externos e atemporais).

Ao longo de todo o arco pré-moderno, o direito foi resolução do caso prático


concreto que se fundamentava num conjunto de valores. O direito era um
problema prático que, em contínuo processo de realização, se manifestava
aquando da própria resolução dos problemas concretos.

Integrava o domínio da filosofia prática e era compreendido com a reflexão sobre


o bem e o justo.

O direito reflectia naturalmente os valores culturais da comunidade


concretamente em causa.

Época moderna (época do positivismo jurídico)

Factores que levaram ao positivismo jurídico:

1. Factor Antropológico (nova concepção do homem; da comunidade à


sociedade);

2. Factor cultural (secularização e jusracionalismo);

3. Factor social (emancipação de interesses);

4. Factor político (recuperação do contratualismo).

1. Factor Antropológico

Nova concepção de Homem.

O Homem deixa de se compreender como um ser de extraponência, isto é, encontrar o


sentido da sua existência fora de si, para passar a assumir-se como ser de imanência
(autor de si próprio, único responsável pela sua existência).

O Homem moderno cortou-se com todos os referentes situados fora de si e cai no


individualismo, ou seja, pretende constituir uma ordem a partir de si mesmo.

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Em consequência desta passagem para um homem individual e desvinculado temos


também uma passagem da comunidade para sociedade (a partir de finais do século XVI/
inicio do século XVII).

Comunidade – o homo institucionalis do estado natureza (polis graga…)

Sociedade – homem individual e desvinculado.

2. Factor cultural

Factor caracterizado, no plano da religião, pelo secularismo moderno.

O secularismo representa um rompimento radical e definido com as amarras que


prendiam o Homem à transcendência (seja natural ou divina). O homem distinguia-se de
Deus.

 Este factor também é caracterizado por uma nova concepção da razão

o Surge uma razão auto-suficiente: a ideia de que a resposta para tudo se


encontrava na razão.

o A razão manifesta-se por uma construção especulativa, por dedução dos axiomas
racionais.

o O direito passou a ser um sistema abstracto de normas, criado antes de ser


aplicado aos casos concretos.

 Surge assim o jusracionalismo: o direito pensado exclusivamente a partir da razão.


Passamos a ter um direito natural racional, que encontra a sua justificação na própria
razão. Esta razão pretende constituir axiomas e a partir deles desenvolver raciocínios
lógico-dedutivos.

O jusracionalismo compreende dois ciclos:

 1ºciclo: ciclo do direito racionalmente natural – o direito natural (aquele que a


razão conhece) determina autênticas exigências de conteúdo ao direito positivo
(aquele que a vontade cria).

 2º ciclo: ciclo do direito racional/direito formalmente racional. Não temos


direito apenas porque construímos um sistema de normatividade jurídica mas
sim quando essa normatividade seja dimensão determinante da prática social. Só
assim a juridicidade se transforma em direito. Este direito real/histórico-social e
politico permite afirmar que a positividade é uma característica irrenunciável do
direito.

O direito não pode ser apenas intencionalmente prático, terá que ser efectivamente
prático.

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3. Factor social

Está associado à emancipação de interesses.

Existem três dimensões irredutivelmente constitutivas do homem do estado natureza:

 Dimensão dos interesses;

 Dimensão da vontade (liberdade-voluntas);

 Dimensão da razão (ratio).

Foi a partir da vontade e da razão que se construiu a sociedade.

Durante todo o contexto pré-moderno se desprezou a dimensão de interesses, não existia


pensamento económico.

Hobbes: Foi o único autor que entendeu que a sociedade devia ser construída com base
na dimensão dos interesses. Este autor acentua a ideia que o homem deve ser egoísta,
considerando o outro obstáculo na satisfação das suas necessidades.

No contexto moderno a emancipação dos interesses surge como o capitalismo e com a


emergência do homo oeconomicus.

Com a projecção do individualismo em que o Homem é o único responsável pela sua


existência, surge também a pretensão de realizar de forma a máxima e plena todos os
interesses económicos.

O Homem tem necessidades que estão associadas ao problema da escassez de recursos.


Uma vez que a ordem social parte do dado básico que o outro aparece como obstáculo,
compreendemos assim o Homem como ser egoísta.

4. Factor politico

Caracteriza-se pela passagem de um estado natureza para a sociedade e pela


recuperação de contratualismo.

Relativamente à passagem do estado natureza para a sociedade temos dois autores com
ideias divergentes:

-Kant, que considera esta passagem um dever racional;

-Rousseau, que pega num factor antropológico.

Kant

Todos os autores consideram a exigência de sair do estado natureza. No entanto, à


excepção de Kant, todos eles tiveram a preocupação de investigar o que realmente
caracteriza o homem desvinculado. Por ex. para Hobbes é o egoísmo, para Locke é o
socialismo, para Rousseau é a associabilidade.

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Kant vai partir da exigência de sair do estado natureza mais vai desinteressar-se em
caracterizar o Homem desvinculado, porque a necessidade de abandonar o estado
natureza não resulta das características do Homem desvinculado mas sim da razão. A
passagem do estado natureza para o estado civil é, segundo Kant, um dever racional
(dever ético).

Para Kant o estado natureza é um estado de liberdade externa desprovida de leis.

Para passar para um estado social é necessária a “união com a vontade de todos numa
legislação pública”.

Rousseau

O modo como Rousseau colocou o problema do contrato social, leva-nos a sair do


estado natureza encontrando uma forma de associação que possa proteger os bens de
cada associado que se converte em cidadão. Nesta associação cada um mantém a sua
liberdade pois os indivíduos não obedecem senão a si próprios.

No entanto, esta ideia implica uma ruptura com o poder vigente.

Mas que novo poder?

Não o de Levianthan de hobbes em que o Homem renuncia à sua vontade-liberdade,


entregando-a ao estado soberano.

Numa primeira fase o poder do despostismo esclarecido (monarquia absoluta).

Depois o poder do estado demo-liberal (contributos do liberalismo de Locke e da


democracia de Rousseau que acabaram por se sintetizar) – este novo poder exigia que a
convivência social fosse definida por leis, pois só estas poderiam concorrer para realizar
a liberdade e igualdade como valores formais.

A revolução francesa foi o facto politico que pretendeu transformar este pensamento em
realidade.

Relativamente à Recuperação do contratualismo este tem agora um sentido novo: é


visto como um acordo racional de vontades.

Coloca-se a questão de como é que o homem moderno nega qualquer ordem exterior a
si mesmo consegue construir um mundo de convivência social? Para resolver o
problema, o Homem recorre ao contrato social como acordo racional de vontades, por
afirmação das próprias liberdades de cada um e com o objectivo de gerir os interesses.

As regras do jogo da convivência social eram, portanto, definidas nesse contrato. Só é


direito aquilo que o contrato social determine.

O direito é o estatuto de coordenação das liberdades e as regras de convivência que o


definem são as leis.

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Condição jurídica

O estado demo liberal traz a exigência da vida social ser disciplinada por leis.

Distinção de vontades de Rousseau

 Vontade individual (singular) – exprime a liberdade de cada cidadão. É a


manifestação da vontade sem constrangimento, sem limites (associa-se ao arbítrio).
Localiza-se num plano de contingência.

 Vontade de todos – é a soma de todas as vontades individuais. Mantêm-se associada


a um plano de contingência.

 Vontade geral – é uma racionalização da vontade de todos (tem que se associar as


vontades à razão. Permite ultrapassar o plano de contingência.

Esta vontade geral vai exprimir-se através da lei; só ela garante a obediência a si
próprio; há a passagem de um plano de contingência para um plano de racionalidade.

A distinção entre jurídico e o não jurídico vai estar associado pela primeira vez a um
texto.

Só estamos perante o direito quando estivermos perante um texto que assimile a


estrutura racional de uma norma:

* Articulação hipotético – condicional (“se…estão”)

*Universalidade racional das suas formulações:

-generalidade: é o produto de todo o povo e para todo o povo (dirige-se a todos os


cidadãos sem excepção, há uma exigência de igualdade);

-Abstracção: trata-se de uma matéria comum, atende a situações gerais, não podendo
prever um caso concreto.

-Formalidade em sentido estrito: a norma deve limitar-se a enquadrar as acções, sem


impor conteúdos, finalidades, fins aos sujeitos.

Distinção arbítrio/liberdade

Arbítrio: Exercício da vontade individual. Manifestação de uma vontade sem limites,


sem constrangimentos (situa-se num plano de contingência).

Liberdade: situa-se no plano racional, no plano da universalidade. Só posso pensar em


liberdade quando os arbítrios de cada um forem compossiveis segundo uma lei
universal.

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Papel do direito: Protecção dos cidadãos, garantindo-lhes segurança, ao delimitar


rigorosamente as esferas jurídicas de cada um. Os poderes atribuídos pela lei eram
concedidos livres de fins. O direito não dizia como utilizar as faculdades concedidas aos
cidadãos.

Duas condições epistemológicas

1ª – Historicismo à posteriori da escola clássica

Surge para combater o legalismo francês – ideia de que o direito seria todo criado pelo
legislador.

O direito era um produto da história cultural de cada povo, era portanto, produto da
história.

A aspiração a uma autêntica ciência do direito fez exacta escola degenerar no


conceitualismo: abstraiu-se da história e perdeu-se na tentação dos conceitos.

Passagem para uma escola a-histórica.

2ª – O cientismo positivista

Absolutização das ciências empírico – analíticas.

O direito passou a ser visto como um objecto que importava conhecer, estudar e aplicar

- Era um objecto pré-dado, imposto pelo legislador

- Era uma tarefa teórico-cognitiva do jurista

-O pensamento jurídico apenas tem de conhecer para aplicar de modo formal

Coordenadas caracterizadoras do positivismo

1. Coordenada politico institucional;

2. Coordenada estritamente jurídica;

3. Coordenada axiológico-dedutiva;

4. Coordenada funcional

5. Coordenada epistemológico-metodológica

1. Coordenada politico – institucional

O positivismo radicou numa certa compreensão do estado: o estado representativo


demo-liberal.
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Este estado visou dominar juridicamente o poder, dai a designação estado-de-direito de


legalidade formal.

Este estado é estruturado por três princípios:

a) Princípio da separação de poderes

b) Princípio da legalidade

c) Princípio da independência judicial

Princípio da separação de poderes

Está ligado aos nomes de Montesquieu e Locke.

Montesquieu pretendia com a separação de poderes alcançar um poder moderado e só


assim estaria garantida a defesa da liberdade na sociedade.

Para ele, os poderes compensar-se-iam reciprocamente e controlar-se-iam uns aos


outros, pondo-se assim termo à monarquia absoluta.

Montesquieu sustentava que cada poder representava em princípio, um estrato social,


assim:

- Poder legislativo: exercido pelo parlamento, representava a aristocracia e o povo;

- Poder executivo: representava o rei;

- Poder judicial: os seus membros eram recrutados de todos os estratos sociais,


distribuindo-se a competência jurisdicional em função da condição social do acusado.

No entanto, a perspectiva de Montesquieu foi abandonada e foi com a evolução marcada


por preocupações democráticas que o poder legislativo se tornou um “supreme power”.

Locke, ao lado do poder legislativo, considerava ainda o poder executivo, incumbido de


tarefas administrativas e judiciais; o poder federativo centrado na actividade diplomática
e o poder do rei.

- Poder legislativo: a quem em exclusivo se deve a criação do direito, prescrevia o modo


de actuar do poder executivo e judicial.

Para que os cidadãos não desobedeçam senão a si próprios, têm que prescrever normas
gerais, abstractas e formais.

- Poder executivo: terá de desenvolver as suas tarefas no quadro das possibilidades


definidas pelas normas gerais e abstractas.

-Poder judicial: Vai ter a tarefa de pronunciar em concreto essas leis, daí que seja um
poder nulo: o juiz como a “boca” que pronuncia as palavras da lei.
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Princípio da legalidade

Assenta na ideia de que o direito é identificado pela lei (como prescrição geral, abstracta
e formal) – legalidade = juridicidade

Anteriormente, e segundo Montesquieu, cada poder representava um estrato social, o


poder executivo e judicial encontravam na lei um mero quadro de actuação.

Na nova fase, a lei passa a autentico fundamento dos poderes executivo e judicial.
Trata-se de um processo de juridicização do poder.

Duas exigências associadas ao princípio da legalidade:

- Exigência da supremacia ou prevalência da lei (tem preferência sobre todos os actos


do estado);

- Exigência da reserva de lei (antes da lei não temos direito).

O positivismo vai conjugar como concordantes duas representações do direito: o


legalismo e o normativismo.

Legalismo: Significa ver na lei o modo exclusivo da constituição e objectivação do


jurídico.

Normativismo: Pensar no jurídico como um sistema de normas racionalmente


autónomas.

Durante todo o século XIX houve uma conjugação entre legalismo e normativismo, uma
vez que o legalismo era incondicionalmente normativista e o normativismo era
exclusivamente alimentado pelo legalismo.

Princípio da independência judicial

O juiz deve ser apenas a “boca” que pronuncia as palavras da lei, garantindo-se deste
modo a sua independência e neutralidade.

O juiz atribui a cada um o que é seu, de acordo com a lei que é a expressão da vontade
geral.

O paradigma da aplicação:

1. O direito tem que ser pré-determinado em abstracto – é indispensável encontrar


um sistema de normas absolutamente pronto, pois só assim é possível preservar
a universalidade (não pode haver qualquer interferência das especificidades do
caso concreto)

2. Os casos têm de ser encarados como um conjunto de factos empíricos,


desarticulados. Os factos só interessam ao julgador se ele reconhecer neles as
características que a hipótese da norma já prescreveu em abstracto.

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3. A aplicação deve ser um processo neutro, através do esquema lógico-dedutivo


do silogismo substantivo, que garante uma passagem neutra do geral para o
particular, sem quaisquer ponderações práticas, nem implicações normativas.

a. Premissa maior: proposição normativa conhecida na sua estrutura “se…


então”;

b. Premissa menor: subsunção propriamente dita: saber se naquele caso


concreto estão verificadas as características contidas na hipótese da
norma;

c. Conclusão para o problema concreto: impõem-se a solução tipificada na


estatuição da norma.

O juiz deve limitar-se a desenvolver operações lógicas.

2. Coordenada estritamente jurídica

O direito é pensado integralmente a partir da lei.

Duas dimensões imprescindíveis da lei:

- A lei enquanto imperativo, comando, prescrição normativa que se dirige aos


cidadãos vinculando-os.

-A lei enquanto norma racionalmente universal-geral, abstracta e formal, mas


também permanente ou estável (porque se liberta do plano individual e concreto, da
singularidade, da contingência histórica).

A convergência entre o legalismo e normativismo

A garantia da estabilidade da época tinha um significado muito importante. Numa época


marcada pela economia de mercado, onde as ideias de segurança, certeza, estabilidade e
protecção das expectativas dos sujeitos eram fundamentais. Por outro lado, esta
estabilidade aparece associada à exigência de integrar e organizar a legalidade de um
código – pretensão de uma unidade.

3. Coordenada axiológico – jurídica

As exigências axiológicas associadas às características da lei:

Generalidade: Funda-se na liberdade e na igualdade (a norma geral dirige-se a todos);

Abstracção: ligada ao valor da igualdade mas no plano dos problemas: pretende-se


procurar o que é comum aos casos;

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Formalidade: o direito que se exprime na norma tem como intenção a delimitação dos
arbítrios, não interferindo no modo como cada um dos sujeitos vai exercer as
possibilidades conferidas pela lei – função de garantia. Não impõe fins.

Permanência: enquanto condição de segurança. Segurança através do direito - garante


segurança em termos de expectativas nas relações entre sujeitos.

4. Coordenada funcional

Visa sublinha a separação entre direito e pensamento jurídico.

Direito: é o produto de um poder legislativo, expressão da vontade geral – o direito é


imputado a um político. O direito seria algo absolutamente acabado, susceptível de ser
tratado como se fosse um dado.

Pensamento jurídico: vai-se demitir de participar na constituição do direito – vai


pretender ser uma ciência do direito: a sua tarefa é apenas a de conhecer cientificamente
aquele objecto dado (direito). Os juristas não estão comprometidos com intenções
prático-normativas, não vão pronunciar-se sobre as soluções, apenas têm de as
conhecer.

O pensamento jurídico quer constituir-se como ciência dogmática (intencionalmente


teorética e só como tal juridicamente autónomo).

A tentativa do pensamento jurídico se fechar sobre si próprio vai distanciá-lo da prática.

Os juristas assumem-se cientistas:

-Não têm de fazer qualquer juízo a mérito;

-Há uma exigência de neutralidade;

-As ponderações normativas passam a ser da responsabilidade do legislador - passam a


estar concentradas no momento da constituição da lei.

5. Coordenada epistemológica – metodológica

Epistemológica: porque a ciência do direito visava uma pura construção conceitual, feita
a partir dos elementos que compunham o sistema jurídico.

Metodológica: Porque o direito era reduzido à mera legalidade pré-escrita, que se


aplicava formalmente, através de uma racionalidade lógico-dedutiva.

Necessária superação do positivismo legalista

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Inicio do séc. XX – os sinais da crise e da necessidade de superação do paradigma


positivista.

1. Critica metodológica

2. Exigência de superar o pensamento jurídico formalista

3. Recuperação da distinção direito/lei

4. Novas exigências do princípio da igualdade

5. Transformações político - institucionais

6. Transformações culturais

1. Critica metodológica

Na prática, o juiz não solucionava as controvérsias jurídicas através de um esquema


silogístico-subsuntivo.

Há a exigência de uma revisão metodológica, alimentada por outro tipo de


racionalidade. O método de aplicação lógico-dedutivo exigia que o juiz partisse de uma
norma (premissa maior), norma essa, já interpretada em abstracto e portanto ncom um
sentido unívoco. Cada norma tinha de ter um único sentido, alcançado em abstracto. Só
assim se garantia que o juiz não era mais do que a boca que pronunciava as palavras da
lei.

Se a lei admitisse vários sentidos, estaria a permitir várias conclusões (uma vez que
permitia mais silogismos), pondo assim em causa a objectividade e neutralidade do juiz.

Questiona-se então se é possível estabelecer um sentido único à norma, permitindo que


o juiz chegue a uma conclusão única. Se o juiz usasse a lógica formal, não chegaria a
conclusão alguma, porque há uma série de problemas, que ele tem de resolver em
função do caso concreto.

Como é que o juiz chega a determinada norma?

Poderá ser porque está a partir da experiencia do caso e, se é assim quando norma já
está comprometido com o caso.

Este era um problema prévio que o positivismo não podia colocar, por o ponto de
partida era outro: a norma geral e abstracta (premissa maior).

O método positivista culminava no momento da aplicação, era puramente pensado,


idealmente prescrito e portanto não era realizável.

Exige-se assim que a juridicidade deixe de se identificar com a legalidade e


racionalidade reconstruída em abstracto.

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2. Exigência de superar o positivismo jurídico formalista

Abrindo portas a um discurso teleológico.

A concepção do direito como mera ordem de compossibilidade entre os arbítrios vai ser
posta em causa. Começa a compreender-se que o direito tem de a ver com os fins,
valores e interesses.

O pensamento jurídico formalista (que queria ser ciência jurídica de normas – textos)
vai sofrer fortes críticas.

Assiste-se a uma viragem finalista: o pensamento jurídico aparece comprometido com


finalidades, com grandes objectivos prático – culturais.

Classificação de Rantorowicz:

Pensamento jurídico formalista: tem o seu ponto de partida numa norma e procura
ajustar toda a realidade à norma legal; é um pensamento que fecha o direito num
sistema formalmente autónomo.

Pensamento jurídico – finalista: o direito tem de estar ao serviço dos interesses. O


direito tem de ser modelado para a satisfação dos fins.

Caminhos que este telelogismo pode percorrer:

a) Atender exclusivamente a fina, encarando o direito como um instrumento (sem


autonomia).

b) Atender não só a fins mas também a valores – compromissos práticos que nos
vinvulam.

3. Recuperação da distinção Lei/Direito

Reconhecimento das insuficiências da lei.

O problema dos limites normativos da lei relativamente às exigências do caso em


concreto (reconhecimento de um autentico direito jurisprudencial, judicial e doutrinal)

A recuperação da distinção lei/direito (reconhecimento de que as leis estão limitadas no


plano de validade pelos direitos fundamentais e pelos princípios.

4. Novas exigências do princípio da igualdade

A nota de generalidade passou a garantir por si só a igualdade de todos os cidadãos


perante a lei. Para o positivismo bastava que todos fossem iguais perante a lei. No
entanto, a ideia de que a própria lei pelas suas características garantia a igualdade, é
uma ilusão. A lei é um insuficiente critério de igualdade, porque pode podem existir
casos abstractamente iguais mas que em concreto são manifestamente diferentes. O juiz
tem de atender o conteúdo material do caso concreto.

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Exemplo: Um contrato de fornecimento de farinha impunha que no dia x, hora y, local


z, fosse entregue determinada quantidade de farinha, no dia da entrega estava uma
tempestade, no entanto, o fornecedor deixa o saco de farinha no local combinado. Claro
esta, que com a chuva a farinha desapareceu. Ora, o contrato foi formalmente cumprido.
Contudo, atendendo as circunstancias especificas do caso concreto levantaram-se alguns
problemas. É a partir deste tipo de casos que se põe em causa o positivismo. A ideia de
que a pratica tem que ser afastada e se tem de pensar no direito em termos meramente
formais perdem a sua força. No positivismo não se atendia à especificidade do caso em
concreto, o caso era um conjunto de factos empíricos.

A lei não se afigura com um adequado critério de igualdade, porque só garante


igualdade para os casos que prevê.

Assim o legislador ao nível da criação da norma legal e da previsão dos casos


abstractamente abrangidos por ela, pode cometer dois erros relevantes:

- Pode incluir na norma legal casos que merecem tratamentos diferentes. Ex.
Possibilidade de acesso a uma biblioteca não igual a um letrado ou a um analfabeto.

- Pode deixar fora da previsão da norma, casos que sendo iguais não são considerados
pela lei como tal. Ex. É proibida a entrada de cães num comboio. Se um cidadão quiser
entrar com um leão, não é abrangido pela norma, parte do princípio que o pode fazer.

Dai que, ao contrário do que o positivismo entendeu, a generalidade e a abstracção não


são condições de garantia da igualdade.

Devemos entender a igualdade não apenas como uma referência à lei (igualdade formal)
mas sim como sendo uma igualdade material adequada às circunstâncias concretas.
Uma igualdade, não perante a lei, mas perante o direito.

O art. 13º/1 CRP não exige uma igualdade absoluta perante todas as situações. Há que
tratar o igual de firma igual, na medida da sua igualdade, e tratar o diferente de forma
diferente, na medida da sua diferença.

5. Transformações político – institucionais

A reivindicação do princípio da separação dos poderes. Outra evolução que vai


transformar o modo como entendemos a legislação.

A separação de poderes de Montesquieu, Kant ou Rousseau era uma autêntica separação


orgânica. E no que respeita ao direito era uma verdadeira separação estanque, pois só o
poder legislativo tinha a função de criar o direito e posteriormente o poder judicial tinha
a tarefa de o aplicar lógico-dedutivamente.

Este equilíbrio de separação orgânica rígido foi sendo progressivamente superado.

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No pós 2ª guerra mundial, vamos encontrar um poder de separação de poderes diferente.

Já não é uma rígida separação. Continuamos a encontrar uma separação de tarefas mas
esta passa a estar sustentada por uma série de exigências de justiça.

O poder legislativo deixa de ser o monopólio da criação de direito, passando a existir


uma atribuição de competências legislativas cada vez mais significativa ao poder
executivo.

A lição de Rousseau sobre a lei ser a expressão da vontade geral foi superada. Cada vez
mais se reconhece que as leis, ao serem expressão da vontade do poder político, têm
vindo a assumir cada vez mais uma clara índole política. O poder legislativo acaba por
ter duas dimensões: jurídica e política.

Se se acentua cada vez mais a índole do direito, questiona-se onde é que se vai
encontrar uma instância em condições de assegurar a autonomia do direito:

-No contexto iluminista, o poder legislativo criava o direito e o poder judicial (função
complementar) aplicava-o.

-Ora, se o poder legislativo está cada vez mais comprometido com funções politico –
estratégicas, a função jurisdicional vai ter a tarefa de realizar o direito em concreto. O
direito não se esgota na legalidade.

A grande responsabilidade do poder judicial é precisamente a de falar em nome do


direito e de resolver as controvérsias práticas. Deixa de haver a complementaridade
lógica entre poder legislativo e jurisdicional. O estado-de-direito formal – estado de
direito material – estado de jurisdicional.

Função jurisdicional

Deixa de ser uma função meramente aplicadora para passar a ser uma função
constitutiva do próprio direito.

Esse desempenho não se cumpre apenas controlando a constitucionalidade das


prescrições legislativas.

É possível exigir que essa jurisdição que essa jurisdição esteja em condições de
convocar um horizonte de validade, que se concretiza em princípios.

O poder judicial é uma garantia de autonomia de direito. É evidente que ao dizermos


isto, não estamos a dizer que o poder judicial se comporte sempre assim – há uma
exigência de dever-ser – Agirá se assumir convenientemente a sua tarefa.

Outra solução, que vai transformar significativamente o modo como vemos a legislação:

Deixa de ver na lei a compossibilidade de arbítrios. Esta transformação está ligada à


própria transformação na concepção de sociedade e do próprio estado. No contexto
moderno – iluminista a sociedade passou a ser um artefacto, uma construção do homem
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em que tudo parece ser possível. No pós-2ª guerra mundial há uma nova concepção da
sociedade e do estado que a organiza – Estado providência.

O tipo de problemas associados à terceira linha da ordem jurídica tem haver com as
exigências da nova visão da sociedade organizada em estado.

Deve assumir finalidades, objectivos sociais. É um estado que pretende efectivamente


intervir na realidade social transformando-a.

Há um afastamento da ideia de compossibilidade entre os arbítrios do estado demo-


liberal em que o Direito devia ser alheio a fins, objectivos, programas de intervenção
social.

O Estado providência deve assumir finalidades sociais, pretende corrigir as


desigualdades, reduzir as carências, permitir que todos tenham acesso a iguais
oportunidades.

Há um projecto novo de sociedade que vai assumir finalidades que se propõe a alcançar
através de certos meios, cumprindo assim os seus programas.

Surge uma nova compreensão da legislação – a lei deve ser explicitação de um


programa de fins.

Trata-se de uma lógica diferente do estado demo-liberal que se traduzia na estabilização


do código; a legislação aparece no estado providência como o grande instrumento.
Surgem leis diferentes das normas gerais e abstractas e permanentes.

Leis-plano: especifica um plano final, intenção claramente transformada diferente da


intenção de compossibilitar os arbítrios.

Leis-medida: dirige-se a problemas específicos (provisórias), só fazem sentido em


determinado contexto histórico. Pode sacrificar a característica da generalidade ou da
abstracção (ou das duas). Afastamento da característica da permanência.

Estas leis podem dirigir-se a acontecimentos singulares, especificas, identificaram uma


situação concreta; podem dirigir-se a um grupo restrito de sujeitos. Estas leis são
designadas leis-medida/leis providencia.

6. Transformações culturais

Uma nova concepção da ciência: crise do cientismo e a sua superação. A racionalidade


científica deixa de ser a única (reconhecem-se outros tipos de racionalidade). A própria
comunidade

Uma nova concepção científica passa a assumir que a ciência é ela própria uma prática.

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Uma nova concepção do Homem: deixamos de estar perante um Homem individual; o


Homem em abstracto que se relacionava com os outros em termos puramente formais.
O surgimento da concepção do Homem – pessoa/concepção do Homo socialis.

A superação do positivismo reflectida no campo do direito privado gral – direito


civil

Houve sinais de superação do positivismo. Estes sinais manifestaram-se de forma


especial no quadro do direito privado.

Relativamente ao direito privado vamos privilegiar dois aspectos:

 Princípio da autonomia da vontade;

 O modo como se exercem os direitos subjectivos (o direito privado pertmite exigir


ao outro deveres).

Ora, com a superação do positivismo, o modo como entendemos o princípio da


autonomia da vontade e o exercício dos direitos subjectivos muda.

Exigências implicadas pelo princípio da autonomia da vontade

 Pólo de direitos subjectivos – autodeterminação (escolha).

 Pólo dos deveres – auto responsabilização.

Estamos na primeira linha da ordem jurídica, na qual existem relações paritárias entre
sujeitos privados. No direito privado as relações resultam do exercício da vontade dos
sujeitos. O direito privado associa-se à dupla componente de autonomia e
responsabilidade.

Ao longo da segunda metade do séc. XIX e inícios do séc. XX vamos assistir ao


surgimento de concepções que contrariam a ideia de que o direito é alheio a fins
(característica da formalidade) e o homem um ser abstracto que tem um arbítrio próprio
(característica do individualismo).

3 Frentes de superação:

 Estado de providência ensina que o direito tem a ver com fins, superando assim o
formalismo; e introduz o interesse comum, pondo em causa algumas notas do
individualismo.

 No entanto, assiste-se a um fenómeno contraditório, verificava-se um fenómeno


crescente de fragmentação da sociedade: grupos com finalidades conflituantes,
expectativas diferentes; grupos que oferecem resistência ao bem comum. Na
realidade encontramos uma divisão de grupos que torna cada um reinvidicante dos
seus interesses. Ora, esta isenção no grupo responsável por uma espécie de um novo
individualismo (diferente do séc. XIX).

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 Regresso da comunidade.

A autonomia da vontade tem uma das suas especificações mais importantes na


liberdade negocial que se traduz:

 Liberdade de contratar ou não contratar;

 Liberdade de modelar o conteúdo do contrato.

Um negócio jurídico é um acto da vontade que produz efeitos jurídicos. Está associado
a este acto uma declaração da vontade do seu núcleo tem que ser coincidente com
intenção que está na sua base. Se a declaração da vontade não corresponde à intenção
poderá existir um vício. A liberdade negocial tem a ver com esta declaração de vontade.
No entanto, não podemos confundir liberdade negocial com liberdade contratual, pois
nem todos os negócios jurídicos são contratos. Existem pois:

 Negócios jurídicos unilaterais (ex. testamento ou acto de constituição de uma


fundação)

 Negócio jurídicos bilaterais (contratos) – é aqui que se fala na liberdade contratual


(ex. contrato de compra e venda – temos declarações de vontade divergentes mas
que produzem uma realidade de comum e com significados diferentes para cada
um).

Se o direito tivesse a ver exclusivamente com a forma na articulação dos arbítrios, a


autonomia da vontade teria uma índole fundamentalmente individualista.

Especificamente, a liberdade contratual pressupõe um encontro de vontades para


satisfação de determinados interesses ou expectativas. Estamos perante um sujeito que
pressupõe e outro que aceita/assume.

Trata-se de uma nova compreensão deste principio, completamente diferente da


consagrada pelo individualismo do inicio do séc. XIX.

Voltando aos dois tipos de liberdade consagradas no principio da liberdade negocial,


temos a liberdade de celebração do contrato (1ª liberdade) e a liberdade de modelação
do conteúdo do contrato (2ª liberdade).

Ora, relativamente à primeira é de referir que no art. 405º CC, ela está implícita, no
entanto, ninguém pode ser obrigado a contratar. Relativamente, à segunda liberdade
podemos estabelecer uma distinção entre contratos típicos e atípicos, uma vez que há a
possibilidade de realizar contratos de acordo com as prescrições previstas no CC ou não.

No iluminismo do séc. XIX esta liberdade contratual exigia uma liberdade ilimitada, ao
longo do séc XX vamos assistir à introdução de restrições que trazem uma
preocupação com exigências comuns que põem limites à afirmação individualista de
auto-determinação.

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A liberdade contratual é também uma possibilidade de estabelecer contratos diferentes


daqueles que estão previstos no CC.

Limites á liberdade contratual – existem 2 critérios que restringem a liberdade de


contratar:

-Limites positivos: obrigação de contratar

-Limites negativos: Proibição de contratar

Desta forma já não se atende exclusivamente à vontade do sujeito individual, sem por
em causa, o principio da autonomia. O contrato passa a ser pensado com o vinculo
intersubjectivo, vai impor deveres específicos.

Além da simples obrigação ou proibição de contratar, o direito privado impõe algumas


restrições na modelação do contrato.

Concluímos que há certas realidades institucionais do nosso tempo impõe limites à


liberdade de contratar e à liberdade de modelação do contrato. Basta pensarmos nos
contratos normativos, construídos em termos gerais e abstractos (ex. contrato de
trabalho).

Contratos de adesão: uma das partes apresenta um conjunto de clausulas e a outra


parte ou aceita ou recusa.

A liberdade de contratar ou não contratar mantém-se. No entanto, muitas vezes, o facto


de não aceitar representa o não acesso a serviços fundamentais. Neles encontramos
cláusulas contratuais gerais – são cláusulas definidas em termos gerais e abstractos
utilizáveis em muitos contratos. Ex. Contratos de seguro.

Um contrato tem uma fase de negociação:

Toda esta fase era uma fase em restrições, seria uma fase em que o direito não
intervinha. É uma fase em que uma das partes através da sua capacidade de persuasão
pode impor determinadas condições.

Desta forma, dá-se uma evolução significativa na qual se coloca a importância desta
fase negocial. Esta fase, como toda a execução do contrato deve ser orientada por um
princípio de boa fé (ser leal, diligente). Este princípio de boa fé não é uma exigência
moral vaga, é antes uma exigência jurídica, um vínculo (está consagrado no art. 227º
CC o que denota a ideia de não ser um mero apelo. O próprio artigo diz-nos “sob pena
de responder pelos danos”. Anteriormente, se esta má fé estivesse antes da aceitação do
contrato não era significativa. No entanto, passa a ter importância, sendo penalizada
mesmo na fase inicial.

Pacta sunt servanda

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No contexto de que os contratos são para cumprir, surge um princípio fundamental


denominado pacta sunt servanda. A partir do momento, em que se constitui o contrato
(há uma aceitação) ele tem de se cumprir rigorosamente. Há a exigência de:

-Regra da pontualidade;

-Regra da irrevogabilidade (reciprocamente cumprido);

-Regra da intangibilidade (não é possível alterar o conteúdo do contrato).

Esta exigência de que os contratos são para cumprir deixa de aparecer isolada. Passou a
dar-se relevância também às circunstâncias em que o contrato é executado. Não
podemos ficar prisioneiros da irrevogabilidade e intangibilidade, pois podem surgir
circunstâncias que exijam uma revisão do contrato, ou mesmo que ele cesse.

Princípio da imprevisão: princípio de adequação às circunstâncias. Este princípio está


associado à cláusula robus sic standibus e está consagrado no art. 437º CC que nos diz
que se as circunstâncias sofrerem uma alteração anormal, tem a parte lesada o direito à
extinção do contrato ou modificação das circunstâncias.

Concluímos assim que, continuamos a falar da autonomia da vontade, esta passa a estar
associada a valores comunitários.

Critérios do abuso do direito

Pegando na característica da formalidade. No contexto iluminista do séx. XIX, o direito


deve ser exclusivamente um quadro que fornece possibilidades aos sujeitos que exercem
o seu livre arbítrio. No entanto, as coisas mudam. De referir que havia ainda a ideia que
o direito não deve intervir nos fins, e o arbítrio de cada um é que decide como é que ele
vai exercer o seu direito.

A teoria do abuso do direito que introduz um critério que vai revolucionar todo o
principio da autonomia da vontade, nomeadamente exigências de integração
comunitária.

Se agirmos com total indiferença à comunidade estamos a exceder os bons costumes se


exceder os limites das finalidades sociais estou a usar o direito de forma ilegítima.

Esta teoria que inicialmente constitui a um critérios doutrinal, veio a ser assimilada pelo
legislador que a consagrou no CC, no art 334º, passando assum a um critério legal.

Passa a haver outro entendimento do que é a autonomia da vontade do direito privado.


O próprio direito deve intervir no plano dos fins (no plano material), impondo limites
materiais no exercício de um direito subjectivo que ao nível formal parece licito mas ao
nível material põe em causa a boa fé, os bons costumes e fins sociais.

Põe-se em causa que o direito deve ser formal.

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Ainda de referir que a norma consagra no art. 334º é uma norma deliberadamente aberta
que possui uma hipótese e uma estatuição que consagra uma sanção que é identificada
de forma clara. Diz-nos que é “ilegítimo”.

Conclusão:

No contexto do iluminismo XIX, os indivíduos exercem o direito em termos meramente


formais que traziam danos, pois havia uma indiferença à comunidade. O direito era
alheio a fins. No entanto, a mera autonomia formal começou a ser entendida como
comportamento juridicamente censurável. Não basta a autonomia formal masn tem que
haver limites materiais a essa autodeterminação. Surge assim a teoria do abuso do
direito que passa a exigir que os direitos subjectivos sejam exercidos de boa fé, de
acordo com os bons costumes e fins sociais. O direito passa a intervir nos fins.

A partir do momento em que se introduzem estas mudanças ganha-se consciência de


que as formulações legislativas não têm sempre que ser precisos, não têm sempre que
procurar uma determinação. (havia preocupação de evitar formulações abertas pois
entendia-se que se abrissem portas ao arbítrio do legislador, pretendendo-se evitar esses
arbítrio.)

Exigia-se que o juiz fosse racional e objectivo e se a lei fosse imprecisa ele estaria em
condições de a interpretar de formas diferentes.

O legislador vai passar a convocar deliberadamente fórmulas abertas que correspondem


a uma intenção de materialização do discurso jurídico, acompanhadas de que a tarefa do
juiz não pode ser exercida a partir do paradigma da aplicação da 2ª metade do séc. XIX.

 As fórmulas são abertas deliberadamente para serem preenchidos em concreto


perante os casos;

 O juiz para além da lei pode considerar critérios normativos, doutrinais e


jurisprudenciais.

Tipos de fórmulas abertas

Conceitos indeterminados – identificam um número de possibilidades

Cláusulas gerais – fazem referência directa a um padrão valorativo. Ex. boa fé.

A lei assume que o juiz deve ter um papel de construir subjectivamente as suas
deliberações e não apenas aplicar a lei.

Não nos podemos bastar nas normas legais.

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