Você está na página 1de 15

VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

Funcionalismo homuncular e o problema dos qualia

André Rosolem Sant’Anna1

Resumo: O funcionalismo em filosofia da mente é a doutrina que considera os estados mentais


como funções das relações causais existentes entre os inputs que um organismo recebe do
ambiente em que está inserido e outputs que são repostas para estes estímulos. A determinação
do papel funcional exercido por estes estados em um organismo são tomados como descrições
da natureza do mental. Esta concepção ampla do funcionalismo apresenta dificuldades relativas
aos aspectos qualitativos de nossos estados mentais, isto é, àquilo ao que os filósofos
denominam por qualia. Em outras palavras, o funcionalismo não seria sensível ao como é (what
it is like) sentir uma dor ou ouvir um som. Estas dificuldades aparecem explicitamente em duas
experiências de pensamento famosas: os Qualia Invertidos e os Qualia Ausentes. De acordo
com estas objeções, definições funcionais dos estados mentais deixariam de lado os qualia
destes estados mentais. Neste artigo argumentarei que o funcionalismo concebido em uma
forma mais restrita, o que será denominado por funcionalismo homuncular, oferece respostas
para as dificuldades impostas pelos qualia à concepção ampla de funcionalismo. Para motivar
esta discussão, farei uma crítica do conceito tradicional de qualia, o que nos levará a uma
postura eliminativista em relação a estes últimos. Por fim, dentro deste quadro teórico,
argumentarei que as duas experiências de pensamento já mencionadas, o argumento dos Qualia
Invertidos e o argumento dos Qualia Ausentes, não apresentam dificuldades para o
funcionalismo homuncular.

Palavras-chave: Funcionalismo. Eliminativismo. Qualia. Qualia invertidos. Qualia ausentes.

Abstract: Functionalism in philosophy of mind considers mental states to be characterized by


the functions ascribed to the causal relationships between inputs an organism receives from the
environment it is inserted and outputs that are a response to these stimuli. The nature of the
mental is taken to be defined by means of the determination of the functional role these states
play in an organism. There are some difficulties regarding this broad conception of
functionalism which are closely related to what philosophers call qualia, that is, the qualitative
aspects of our mental states. In other words, functionalism would not be sensible to what it is
like to feel a pain or to hear a sound. These difficulties are made explicit by two famous thought
experiments: the Inverted Qualia and the Absent Qualia. According to these objections,
functional definitions of mental states would leave aside their qualia. In this article I will argue
that functionalism conceived in a restricted sense, what will be called homuncular
functionalism, can deal with the difficulties imposed by qualia to functionalism broadly
conceived. To motivate this discussion, I shall provide a critique of the traditional concept of
qualia, which will lead us to an eliminativist approach to these properties. Finally, I will argue
that the two thought experiment mentioned above, the Inverted Qualia and the Absent Qualia,
do not pose difficulties to homuncular functionalism conceived as such.

Keywords: Functionalism. Eliminativism. Qualia. Inverted qualia. Absent qualia.

***

Introdução

1
Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Orientadora: Profa. Dra.
Patrícia Coradim Sita. Email: rosolemandre@gmail.com
Vol.  5,  2012.  
www.marilia.unesp.br/filogenese     1
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

Os aspectos qualitativos dos nossos estados mentais, denominados por qualia,


constituem um grande empecilho para uma abordagem materialista da mente. A
abordagem do funcionalismo, a qual defenderei aqui, embora não materialista per se,
não escapa a estas objeções, sendo, portanto, necessário abordá-las. Neste artigo
argumentarei que é preciso que consideremos uma versão restrita de funcionalismo
(funcionalismo homuncular) para abordarmos os qualia adequadamente. Assim, dentro
do contexto desta proposta, tentarei demonstrar que o conceito tradicional de qualia
deve ser eliminado em favor de uma melhor compreensão dos aspectos qualitativos de
nossos estados mentais fornecida pelo funcionalismo homuncular.

1. Funcionalismo amplamente concebido

O funcionalismo em filosofia da mente é a doutrina que considera os estados


mentais como funções das relações causais existentes entre os inputs que um organismo
recebe do ambiente em que está inserido e outputs que são repostas para estes estímulos.
A determinação do papel funcional exercido por estes estados em um organismo são
tomados como descrições da natureza do mental, assunção teórica que traz como
consequência a asserção que torna o funcionalismo forte em relação às doutrinas que o
precedem: isto é, estados mentais são neutros em relação ao seu substrato, ou seja, eles
não são definidos de acordo com o substrato físico em que são realizados, mas antes,
eles são definidos de acordo com o papel funcional que exercem na economia de um
organismo. A despeito de seu sucesso relativo em responder às objeções feitas ao
behaviorismo e à teoria da identidade, especialmente por causa da sua neutralidade de
substrato e por causa do holismo em relação ao papel causal de um estado mental, o
funcionalismo é considerado por alguns filósofos como uma teoria que apresenta sérios
problemas para explicar as características da mente de forma efetiva2.
Existem duas grandes objeções feitas ao funcionalismo, objeções que são
tomadas por seus oponentes como indicadoras de suas fraquezas como teoria para se
explicar a mente em sua completude. A primeira objeção feita diz respeito à aparente
impossibilidade de estados mentais definidos de acordo com o seu papel funcional
explicarem o fenômeno da intencionalidade, isto é, a capacidade que a mente dos seres
2
Para uma definição mais detalhada sobre o funcionalismo cf. Kim (1996) e Churchland (1984).
Vol.  5,  2012.  
www.marilia.unesp.br/filogenese     2
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

humanos e de alguns animais possuem de direcionar seus estados mentais para o


mundo3. Como aponta John Searle (1980), a reprodução sintática da relação lógica dos
neurônios no cérebro não é uma condição suficiente para se afirmar, por exemplo, que
um computador executando um programa que responde a sentenças bem formuladas em
chinês como inputs realmente entenda chinês, embora o computador emita sentenças
igualmente bem formuladas na mesma língua4. Isto parece indicar, argumenta Searle,
que o funcionalismo não é capaz de explicar como o processo de compreensão acontece
no cérebro, e, portanto, o funcionalismo não seria uma boa teoria para se explicar todos
os processos mentais.
A segunda objeção que os defensores do funcionalismo devem enfrentar está
relacionada aos aspectos qualitativos dos estados mentais. O funcionalismo, diz o
objetor, não pode explicar efetivamente como o cérebro é capaz de produzir estados
mentais com aspectos qualitativos, isto é, o funcionalismo não é sensível ao aspecto
fenomenal dos estados mentais. Em outras palavras, a caracterização funcional dos
estados mentais parece não ser capaz de explicar como é (what it is like) ouvir um som,
sentir o sabor de uma comida ou ver uma cor5. O aspecto subjetivo das nossas
experiências conscientes é denominado pelos filósofos como qualia, que são, por sua
vez, propriedades intrínsecas da mente, essencialmente homogêneas e inefáveis6. A
grande dificuldade apontada contra o funcionalismo como uma abordagem que possa
explicar os qualia pode ser descrita em duas experiências de pensamento famosas: os
Qualia Invertidos e os Qualia Ausentes7.

3
Cf. Searle (1984, 1992 e 2004).
4
Em Minds, Brains and Programs (1980), Searle apresenta uma experiência de pensamento conhecida
por Quarto Chinês, no qual um homem é situado dentro de um quarto com um livro de regras que irão
guiar a sua operação de inputs (sentenças em chinês) de tal modo que ele poderá formular sentenças
coerentes em chinês como outputs somente operando com as regras contidas no livro e com os símbolos
em chinês. O objetivo do argumento de Searle é demonstrar que um observador externo afirmaria que o
quarto entende chinês ainda que seus processos internos, isto é, o homem operando com símbolos e regras
mecânicas, não entenda chinês.
5
Esta expressão é defendida notoriamente por Thomas Nagel em seu artigo What Is It Like to Be a Bat?
(1974). De forma resumida, Nagel argumenta que uma ciência objetiva não pode, em princípio, explicar
experiências subjetivas tais como as experiências conscientes. Assim, ainda que tenhamos uma
neurociência amplamente desenvolvida, uma explicação da consciência nestes termos ainda deixará algo
de fora, isto é, o aspecto qualitativo das experiências conscientes, o que é sentir (what it is like) algo.
Jackson (1982 e 1986) defende um posicionamento similar no que diz respeito à possibilidade de uma
neurociência desenvolvida explicar os aspectos qualitativos dos estados mentais. Estas objeções não serão
tratadas diretamente neste artigo, mas ver Churchland (1985 e 1989) e Dennett (1991) para respostas a
estes argumentos.
6
Ver Dennett (1988).
7
Ver Shoemaker (1982) sobre os Qualia Invertidos e Block (1980) sobre os Qualia Ausentes.
Vol.  5,  2012.  
www.marilia.unesp.br/filogenese     3
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

A primeira experiência de pensamento nos pede para imaginarmos uma situação


na qual duas pessoas são colocadas frente a uma maçã vermelha e são perguntadas sobre
a cor da maçã que estão vendo. Ambas as pessoas, em condições normais, irão
responder algo como a seguinte sentença: “Eu vejo uma maçã vermelha”. Ainda que
ambas as pessoas se refiram à maçã como um objeto vermelho, nada nos garante que o
termo intersubjetivo que elas usam para se referir ao quale de sua experiência se refere
ao mesmo quale que elas estão experimentando subjetivamente. A primeira pessoa, isto
é, a pessoa A, pode ter seu espectro de cores invertido de tal modo que o que ela
experimenta e se refere como vermelho pode ser o que a pessoa B experimenta e se
refere como verde. Nenhum relato verbal poderia explicitar a diferença nos qualia de A
e B uma vez que seus espectros estão invertidos de tal modo que eles podem se referir
ao mesmo objeto com um mesmo termo referente ainda que a experiência subjetiva de
ambos seja essencialmente distinta. Nesse sentido, tendo em vista estas considerações,
parece ser possível concluir que o funcionalismo não é sensível aos aspectos
qualitativos dos estados mentais, e, por conseguinte, não pode ser uma boa teoria da
mente.
A experiência dos Qualia Ausentes, por sua vez, baseia-se em pressuposições
similares às quais a experiência de pensamento do Quarto Chinês está fundamentada.
Ned Block (1980) argumenta que nós podemos reproduzir todas as relações funcionais
da mente humana em um sistema organizado e ainda assim não teríamos um sistema
consciente. Assim, diz Block, nós podemos imaginar uma situação em que a população
da China esteja organizada de tal modo que cada pessoa da população seja responsável
pela operação de certas relações causais dentro do sistema. Este sistema seria, portanto,
uma cópia da organização funcional do cérebro humano. Neste contexto, o sistema
poderia se comportar de forma semelhante a um ser humano, mas ainda assim ele não
seria consciente no sentido fenomenal. Block conclui, portanto, que a consciência em
seu sentido fenomenal não pode ser originada pela simples reprodução das relações
funcionais do cérebro humano. Nesse sentido, embora uma certa organização funcional
seja satisfeita, a consciência ou os qualia ainda estariam ausentes.
É importante notar que o argumento dos Qualia Ausentes de Block está
fundamentado em algumas assunções teóricas feitas em seu artigo On a confusion about
the function of consciousness (1980). Block aduz a uma distinção entre dois sentidos
pelos quais podemos entender a afirmação de que um fenômeno é um estado consciente.

Vol.  5,  2012.  


www.marilia.unesp.br/filogenese     4
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

No primeiro sentido, um fenômeno pode ser considerado um estado consciente na


medida em que a informação trazida por este estado é usada pelo organismo para guiar
seu comportamento em um determinado ambiente. Block chama este tipo de
consciência de consciência de acesso8 (access consciousness). O segundo caso no qual
podemos falar de um fenômeno mental como estado consciente é o que Block denomina
de consciência fenomenal (phenomenal consciousness), que está relacionada aos
aspectos fenomenais dos estados conscientes tais como descritos acima.
Tendo em mente as distinções feitas por Block, podemos entender então como
sua objeção ao funcionalismo é articulada: definições funcionais dos estados mentais
podem, na melhor das hipóteses, explicar os aspectos relativos à consciência de acesso.
O funcionalismo amplamente concebido, no entanto, não é uma boa teoria para explicar
a consciência fenomenal. Nesse sentido, os argumentos dos Qualia Invertidos e dos
Qualia Ausentes oferecem sérios problemas para o funcionalismo, e, para que possamos
defender uma postura funcionalista em filosofia da mente, nós devemos endereçar estas
objeções de modo adequado.

2. Funcionalismo homuncular

Colocado frente às objeções feitas acima, o funcionalismo parece à primeira


vista não ser uma boa teoria para abordar a consciência cientificamente. Estas intuições
contrárias ao funcionalismo, como vimos, fundamentam-se principalmente nas objeções
concernentes à intencionalidade e aos qualia. Assim, embora tenhamos mencionado o
problema relacionado à intencionalidade na primeira seção, este mesmo problema não

8
Como aponta Van Gulick (online): “Estados podem ser conscientes em um sentido de acesso bem
diferente, sentido que tem mais a ver com as relações entre estados mentais [intra-mental relations]. Em
relação a isso, ser um estado consciente é uma questão de estar disponível para interagir com outros
estados e do acesso que o sujeito tem ao conteúdo deste estado mental. Neste sentido mais funcional, o
qual corresponde ao que Ned Block (1995) chama de consciência de acesso [access consciousness], um
estado visual enquanto um estado consciente não diz muito respeito ao fato de este estado ter um
sentimento qualitativo de “como é ser algo” [what it's likeness], mas sim ao fato de este estado carregar
ou não informações visuais que geralmente estão disponíveis para o uso do organismo.” (VAN GULICK,
online, tradução nossa). Chalmers (1996) sustenta uma concepção semelhante embora ele fale de
“consciência psicológica” no lugar de “consciência de acesso”: “É natural supor que talvez haja uma
propriedade psicológica associada com a própria experiência, ou, com a consciência fenomenal. Na
verdade, eu acredito que há tal propriedade, nós a chamamos de “consciência” [awareness]. Esta é a
marca mais geral da consciência psicológica. Consciência [awareness] pode ser amplamente analisada
como um estado no qual nós temos acesso a alguma informação e podemos usar esta informação para
controlar nosso comportamento.” (CHALMERS, 1996, p. 28, tradução nossa)

Vol.  5,  2012.  


www.marilia.unesp.br/filogenese     5
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

será abordado nesta exposição apesar de sua importância no tema aqui tratado. Isto se
dá porque o escopo deste texto está restrito a uma análise de uma concepção mais
restrita do funcionalismo e a relação desta concepção com os aspectos qualitativos dos
estados mentais, isto é, os seus qualia9.
Tendo em vista o contexto até aqui apresentado, é possível notar que o
funcionalismo tal como descrito na primeira seção é uma concepção geral e ampla de
um conjunto de assunções teóricas feitas sobre a mente humana. Podemos dizer que o
que nos referimos por funcionalismo até agora pode ser considerado de certo modo
como uma definição geral desta posição10. Como vimos, as objeções referentes aos
qualia parecem apontar para graves problemas a esta definição. Estas dificuldades, no
entanto, não são efetivas uma vez que consideramos o funcionalismo em uma definição
mais restrita, isto é, o funcionalismo utilizando o conceito de teleologia. A este
funcionalismo teleológico pode-se denominar de funcionalismo homuncular.
Para entender o funcionalismo homuncular de modo mais preciso, considere o
emprego de análises funcionais defendido por Robert Cummins (1975). Cummins
argumenta que para explicar como um objeto ou órgão biológico realiza uma função Y,
nós precisamos nos engajar em uma análise funcional destes sistemas. A análise
funcional de um sistema visada por Cummins é conhecida na Inteligência Artificial
como “abordagem de cima para baixo” (top-down approaches) ou abordagens de
decomposição. Nestes casos, nós designamos uma função Y a um sistema complexo S e
então decompomos a tarefa complexa de realizar Y no trabalho realizado pelos diversos
sub-sistemas de S. A tarefa realizada por S é, nesse sentido, analisada a partir do
trabalho das partes (s1, s2, s3, …, sn), o que faz com que a tarefa ou função complexa de
realizar Y seja explicada pela operação de partes menores, partes que, por sua vez,
realizam tarefas menos complexas do que S:

A produção [Cummins se refere aqui às linhas de montagem] aqui é


quebrada em tarefas distintas. Cada ponto na linha é responsável por
uma determinada tarefa e é a função dos trabalhos ou das máquinas
que a tarefa seja realizada naquele ponto. Se a linha tem a capacidade
de produzir o produto, ela tem essa capacidade em virtude do fato de
que os trabalhadores ou as máquinas realizam as tarefas às quais eles

9
Dennett (1987) apresenta uma explicação de caráter conciliador entre funcionalismo e intencionalidade.
Ver especialmente Dennett (1987, capítulo 8). Ver também Dennett (1995, capítulos 13 e 14; 1980) e
Sant’anna (2012), para uma crítica do argumento de Searle apresentado aqui.
10
Para uma discussão sobre as variedades de posições funcionalistas, ver Kim (1996).
Vol.  5,  2012.  
www.marilia.unesp.br/filogenese     6
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

foram designados, e em virtude do fato de que quando estas tarefas


são realizadas organizadamente de um determinado modo – de acordo
com um certo programa – o produto final aparece como resultado.
Aqui nós podemos explicar a capacidade da linha de produzir o
produto – i.e, explicar como a linha produz tal produto – apelando
para certas capacidades dos trabalhadores ou das máquinas e à
organização destas capacidades em uma linha de produção.11
(CUMMINS, 1975, p. 760, tradução nossa)

O funcionalismo homuncular tal como o trataremos aqui se utiliza do tipo de


análise funcional proposta por Cummins. Nesta abordagem, estados mentais são
considerados como entidades extremamente complexas que apresentam dificuldades
para serem definidas por uma única definição funcional. Assim, tendo em mãos a
análise funcional de Cummins, podemos dividir a complexidade funcional de um estado
mental em muitos sub-sistemas que executam funções específicas e que são mais
simples do que a função atribuída a este estado mental considerado como um bloco
homogêneo.
Para compreendermos este ponto com mais clareza, considere o que William
Lycan (1995) chama de “instituições” no cérebro que representariam estas divisões
funcionais do fenômeno da dor. De acordo com Lycan, haveriam determinadas
instituições no cérebro às quais seriam atribuídas funções, isto é, elas teriam
determinado télos. Cada instituição representaria uma divisão no nível sub-pessoal, de
tal modo que, por exemplo, as disposições comportamentais associadas com a dor
poderiam ser analisadas por uma instituição X no cérebro. Dentro desta instituição
poderíamos fazer uma análise mais detalhada das disposições comportamentais
aduzindo a novas instituições, tal como X1 responsável pelo comportamento verbal, X2
responsável pelo movimento corporal, e assim sucessivamente até atingirmos um nível
no qual a nossa análise seja constituída apenas pela observação de operações
estritamente sintáticas.
Estas instituições são denominadas por Lycan como homúnculos, o que nos leva
à denominação proposta no início desta seção, a saber, o funcionalismo homuncular.

11
“Production [Cummins is referring here to assembly-line production] is broken down into a number of
distinct tasks. Each point on the line is responsible for a certain task, and it is the function of the
workers/machines at that point to complete that task. If the line has the capacity to produce the product, it
has it in virtue of the fact that the workers/machines have the capacities to perform their designated tasks,
and in virtue of the fact that when these tasks are performed in a certain organized way – according to a
certain program – the finished product results. Here we can explain the line's capacity to produce the
product – i.e., explain how it is able to produce the product – by appeal to certain capacities of the
workers/machines and their organization into an assembly line.” (CUMMINS, 1975, p. 760)
Vol.  5,  2012.  
www.marilia.unesp.br/filogenese     7
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

Este posicionamento denomina-se funcionalismo na medida em que a análise dos


estados mentais se dá através de atribuições teleológicas12, isto é, atribuições de função
aos homúnculos; e homuncular no sentido em que fenômenos altamente complexos
como a dor podem ser analisados em um nível estritamente mecânico e sintático, isto é,
no nível dos homúnculos que não possuem nenhuma inteligência além da requerida para
a operação de 0’s e 1’s13.

2.1 Eliminativismo e funcionalismo homuncular

Daniel Dennett, em Quining Qualia (1988), argumenta que o conceito


tradicional de qualia referidos como propriedades intrínsecas, homogêneas e inefáveis
não são compatíveis com os dados advindos da neurociência. Em face disto, Dennett
sugere a eliminação da bagagem teórica trazida pelo termo qualia como caracterizador
dos aspectos qualitativos de nossas experiências conscientes. Um dos motivos
apresentados por Dennett para sustentar sua tese de eliminação diz respeito à
falibilidade do conceito tradicional de qualia em explicar todos os aspectos envolvidos
no fenômeno ao qual denominamos por dor14. Isto fica claro no caso de Chase e
Sanborn, uma experiência de pensamento proposta por Dennett15. Como demonstra
Dennett, nós não podemos prover uma explicação do porquê duas pessoas, Chase e
Sanborn, cujos trabalhos são tomar café e avaliar o seu gosto, se sentem diferentes em
relação ao gosto do mesmo café que estão tomando apenas pela avaliação de seus
relatos introspectivos. A introspecção, portanto, não nos fornece os fundamentos para
12
Estas divisões na escala teleológica são o que William Lycan (1995) denomina de “Níveis da Natureza”
(Levels of Nature). Ver Lycan (1995, capítulo 4). Os Níveis da Natureza são os níveis encontrados na
escala teleológica das entidades físicas. Esta escala parte das entidades “mais físicas” e “menos
teleológicas” como as partículas elementares da física para as entidades mais abstratas (e, neste sentido,
mais funcionais) e “menos físicas” como os estados mentais.
13
Esta é uma afirmação importante para uma teoria da consciência uma vez que ela permite que a
inteligência requerida no nível pessoal seja “paga” na escala teleológica até atingir um ponto no qual as
operações são mecânicas e minimamente inteligentes.
14
Dennett (1978) faz uma análise minuciosa da análise funcional do caso da dor.
15
Esta experiência de pensamento é uma das “intuition pumps” apresentadas por Dennett (1988). Chase e
Sanborn trabalham para uma casa de café e eles foram contratados para assegurar que o gosto do café
mantenha-se constante, de modo que os donos poderiam estar seguros de que seu café mantinha a
qualidade. Tanto Chase quanto Sanborn, no entanto, não estão mais gostando de seu trabalho como
gostavam anteriormente, mas eles estão se sentindo deste modo por motivos diferentes. Por um lado,
Chase acredita que seu descontentamento ocorre em função de alguma mudança em seu julgamento, uma
vez que o gosto do café permanece o mesmo para ele. Por outro lado, Sanborn revela que seu aparelho
cognitivo deve ter mudado já que o café para ele não tem o mesmo gosto de antes. Olhando para este
caso, torna-se claro que nós não podemos dizer qual dos dois está certo apenas olhando para seus relatos
introspectivos, uma vez que cada um relata histórias diferentes.
Vol.  5,  2012.  
www.marilia.unesp.br/filogenese     8
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

determinarmos qual dos dois está correto uma vez que ambos estão relatando histórias
introspectivas diferentes sobre a mesma situação. Tendo isso em vista, onde deveríamos
então buscar a resposta para esta questão?
Para responder a esta questão, isto é, como podemos explicar um estado
qualitativo como o quale do café ou uma dor em toda a sua complexidade, podemos
recorrer a uma importante distinção que pode ser utilizada quando pretendemos estudar
a consciência cientificamente. Dennett, em Content and Consciousness (1969) apresenta
duas perspectivas pelas quais nós podemos abordar os fenômenos mentais: a perspectiva
do agente ou do indivíduo, ou seja, a análise no nível pessoal (personal level), e a
perspectiva dos níveis situados abaixo do nível do indivíduo, isto é, o nível sub-
pessoal16 (sub-personal level)17.
A concepção tradicional dos qualia enquanto propriedades homogêneas,
inefáveis e “brutas” é uma concepção característica da análise no nível pessoal. Assim,
a dor enquanto um fenômeno singular e que aparentemente não pode ser explicado por
divisões teóricas mais específicas resulta da análise no nível pessoal, análise esta que se
dá especialmente pela introspecção, o que indica sua inefabilidade e seu caráter
essencialmente subjetivo. Vimos, no entanto, que uma análise que se baseia na
introspecção não oferece os fundamentos necessários para que possamos estudar o
fenômeno da dor em toda a sua complexidade.
Tendo em vista estas dificuldades, podemos recorrer a uma análise no nível sub-
pessoal dos nossos estados mentais. Uma explicação no nível sub-pessoal não adota a
perspectiva do agente para analisar estados mentais como dores e cócegas, mas antes,
esta explicação propõe uma divisão das experiências aparentemente “brutas” percebidas
no nível pessoal, associando assim determinadas peculiaridades referentes ao fenômeno
da dor a funções mais específicas do processamento no cérebro – isto é, uma associação
aos níveis sub-pessoais –, de modo que uma atribuição funcional seja feita a cada
divisão, o que torna o grau de inteligência requerido para o funcionamento de cada parte
menor18. Em outras palavras, quanto mais divisões efetuarmos das propriedades

16
Esta distinção pode ser especialmente encontrada em Dennett (1969 e 1978). Elton (2003) apresenta
uma análise esclarecedora desta distinção.
17
É importante notar que as assunções teóricas de Dennett (1969) refletem o tipo de análise funcional
proposta por Cummins (1975).
18
Nesse sentido, a complexidade exigida de um sistema para se explicar o fenômeno da dor no nível
pessoal seria dividida em partes específicas, e, portanto, menos complexas, que explicariam determinadas
peculiaridades da dor. Em outras palavras, podemos distribuir a complexidade do fenômeno para vários
Vol.  5,  2012.  
www.marilia.unesp.br/filogenese     9
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

inicialmente brutas, atribuindo funções específicas para cada camada da divisão, menor
será a inteligência requerida para a realização desta função, de modo que a subsequente
divisão em camadas funcionalmente específicas fará com que atinjamos um ponto no
qual as interações funcionais possam ser descritas em termos da troca de 0’s e 1’s. A
soma destas divisões funcionais fornecerá diversos níveis de análise para o fenômeno da
dor, o que aumenta significativamente nossa capacidade explicativa sobre este
fenômeno.
É evidente que a proposta de Dennett endossa a abordagem do funcionalismo
homuncular. Dennett, no entanto, assume que este tipo de abordagem nos leva a uma
posição teórica conhecida por eliminativismo em relação aos qualia19. O eliminativismo
assume que a concepção tradicional de qualia como propriedades intrínsecas e brutas
não reflete de modo preciso o funcionamento do nosso cérebro, e, portanto, não é uma
concepção adequada para descrever os aspectos fenomenais de nossos estados mentais.
O funcionalismo homuncular nos moldes apresentados aqui assume de fato uma
postura eliminativista, já que a concepção de qualia enquanto propriedades brutas e não
divisíveis é questionada. Assim, o funcionalismo homuncular tal como descrito aqui
advoga em favor da eliminação do conceito tradicional de qualia visando uma melhor
compreensão dos aspectos fenomenais de nossos estados mentais.

3. Qualia invertidos e qualia ausentes revisitados

Como é possível notar a partir do desenvolvimento apresentado até aqui, o


funcionalismo homuncular pressupõe uma abordagem na qual estados mentais com
aspectos qualitativos como a dor e as cócegas são divididos dentro de uma escala
teleológica, de modo que a explicação do aspecto qualitativo dos estados mentais tem
que ser dada em termos estritamente mecânicos e sintáticos. Esta concepção, todavia,
parece estar suscetível à acomodação na distinção de Block apresentada na primeira
seção, de modo que as operações mecânicas e sintáticas dos homúnculos poderiam
explicar, na melhor das hipóteses, apenas os fenômenos relativos à consciência de
acesso. Nesse sentido, o funcionalismo homuncular não escaparia das críticas

locais no cérebro, de modo que cada local seja responsável por realizar determinada função, o que
exigiria um menor grau de inteligência relativo ao funcionamento destas partes caso fossemos explicar a
dor como um fenômeno “bruto” e homogêneo.
19
Ver também Churchland (1985, 1996) e Churchland & Churchland (1990).
Vol.  5,  2012.  
www.marilia.unesp.br/filogenese     10
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

sustentadas contra o funcionalismo concebido de modo amplo, o que, a princípio,


imporia sérias dificuldades a esta primeira abordagem.
Estas dificuldades, no entanto, não parecem ser dificuldades reais quando
realizamos uma análise mais detalhada da relação entre consciência fenomenal e
consciência de acesso. Como apontam Daniel Dennett e Michael Cohen em
Consciousness cannot be separated from function (2011), o aspecto qualitativo de
nossas experiências conscientes não é algo distinto (over and above) das capacidades
cognitivas do cérebro humano, o que demonstraria, em princípio, que não existe um
“abismo” entre consciência fenomenal e consciência de acesso tal como pressupõe
Block. Em outras palavras, a primeira não poderia ser separada da última.
Para demonstrar seu argumento, Dennett e Cohen introduzem uma experiência
de pensamento a qual eles denominam por “a experiência de pensamento perfeita” (the
perfect thought experiment) (DENNETT and COHEN, 2011, p. 361). Neste
experimento, Dennett e Cohen nos pedem para imaginar uma situação que, embora
ideal, é em princípio possível, na qual temos um mapeamento minucioso das funções
cognitivas do cérebro. Poderíamos identificar, neste caso, as áreas do sistema visual
responsáveis por identificar cores e então isolarmos esta área de todas as outras áreas
cognitivas. É importante notar que apesar de a área responsável pelo processamento de
informação referente às cores tenha sido isolada de todas as outras funções cognitivas,
ela ainda continua funcionando normalmente, o que, no caso de Block, significaria dizer
que ainda haveria consciência fenomenal. Assim, se colocarmos o indivíduo no qual a
experiência é realizada frente a uma maçã vermelha, ele seria capaz de reconhecer o
objeto, sua forma, sua textura, sua luminosidade, etc., no entanto, se nós perguntarmos
em seguida qual é a cor deste objeto, o sujeito da experiência responderia algo nos
seguintes moldes: “Eu vejo uma maçã, mas não posso dizer de que cor ela é”:

Quando colocado frente a uma maçã vermelha, o que dirão nossos


participantes hipotéticos? Eles certamente não dirão que veem alguma
cor porque as áreas responsáveis pelo processamento das cores foram
isoladas das áreas superiores [higher-level áreas], incluindo a área
responsável pela produção de linguagem. Eles serão capazes de
identificar o objeto como uma maçã, já que as áreas visuais
responsáveis pelos outros aspectos da cognição da visão [visual
cognition] estão intactas e conectadas às regiões superiores. Assim,
eles estarão simplesmente cegos de cores. Nós podemos imaginar eles
dizendo, “Eu sei que vocês dizem que as áreas responsáveis pelo
processamento das cores estão ativadas em um modo singular e eu sei

Vol.  5,  2012.  


www.marilia.unesp.br/filogenese     11
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

que vocês acreditam que isso significa que eu estou experimentando


conscientemente alguma cor, mas eu estou olhando para a maçã, eu
estou focado nela, entretanto, eu simplesmente não estou tendo
nenhuma experiência de cores.”20 (DENNETT; COHEN, 2011, p. 361,
tradução nossa)  

Como Dennett e Cohen (2011, p. 362) notam, a organização funcional do


cérebro exclui qualquer possibilidade do sujeito ter a experiência da cor, visto que ele
não pode reportar este fato. Nesse sentido, quais são os fundamentos para afirmarmos
que o sujeito está consciente da cor da maçã como afirmaríamos caso nos baseássemos
na distinção de Block?21. Isto é, por que devemos dizer que o sujeito está consciente da
cor em algum sentido se ele claramente relata que não consegue identificar a cor do
objeto?
Tendo sido nossa análise baseada na argumentação da experiência de
pensamento perfeita, podemos agora compreender de modo mais preciso por que o
funcionalismo homuncular consegue evitar objeções como os Qualia Invertidos e os
Qualia Ausentes. O experimento de pensamento proposto por Dennett e Cohen sugere
que não há consciência fenomenal separada ou distinta da consciência de acesso uma
vez que podemos isolar a operação dos homúnculos relacionados ao processamento da
informação relativo às cores dos outros processos cognitivos. Em outras palavras, não
pode haver nenhuma diferença em nossa experiência consciente sem diferenças
funcionais.
Tendo isso em mente, torna-se claro por que os Qualia Invertidos e os Qualia
Ausentes não apresentam impasses para o funcionalismo homuncular. Primeiramente,
no caso dos Qualia Invertidos, simplesmente não podemos afirmar que uma inversão
intrapessoal dos qualia realmente ocorreu se não olharmos para as caracterizações
funcionais do cérebro. Como Dennett (1988) demonstra, no caso da inversão dos qualia,

20
“When shown a colored apple what will our hypothetical participants say? They will surely not say that
they see any colors because the areas responsible for processing color have been isolated from higher-
level areas, including language production. They will be able to identify the object as an apple because
visual areas responsible for all other aspects of visual cognition are intact and connected to these higher-
level regions. Thus, they are simply colorblind. We can imagine them saying, ‘I know you say my color
areas are activated in a unique way, and I know you believe this means I am consciously experiencing
color but I’m looking at the apple, I’m focused on it, and I’m just not having any experience of color
whatsoever’.” (DENNETT and COHEN, 2011, p. 361)
21
“O indivíduo manifesta todos os critérios funcionais para não estar consciente de cores, então, o que
sustentaria a asserção de que este indivíduo, apesar destas considerações, tenha um tipo especial de
consciência: consciência fenomenal sem consciência de acesso?” (DENNET; COHEN, 2011, p. 362,
tradução nossa)
Vol.  5,  2012.  
www.marilia.unesp.br/filogenese     12
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

não podemos dizer somente pela introspecção se o processamento de informação foi


alterado no nosso sistema visual ou se foram as vias que ligam nossos relatos verbais a
nossa memória que foram desconfiguradas. Nesse sentido, teríamos que inevitavelmente
olhar para o cérebro para afirmarmos se os nossos qualia realmente mudaram ou se
foram as vias que ligam os relatos verbais à memória que sofreram alguma forma de
desconfiguração.
A objeção dos Qualia Ausentes, por outro lado, também não oferece dificuldades
ao funcionalismo homuncular. Como vimos, a experiência de pensamento perfeita
sugere que não há consciência fenomenal distinta (over and above) da consciência de
acesso, de modo que, se pudéssemos reproduzir todas as caracterizações funcionais do
cérebro com a população da China em uma estrutura bem organizada, não haveria
motivos para negarmos, no que diz respeito à constituição funcional deste sistema, a
presença de consciência no sentido fenomenal22. Além disso, como Lycan (1995)
demonstra, as intuições de Block em sua versão do argumento dos Qualia Ausentes
parecem se sustentar em uma espécie de “chauvinismo de dimensões” 23. Considere o
caso em que, em uma certa noite, nós caíssemos no sono como usualmente e então
alguns cientistas malignos se aproximassem de nós e lançassem algum tipo de líquido
que reduz nosso tamanho, movendo-nos então para o interior do cérebro de alguma
pessoa. Quando nós acordássemos, estaríamos frente a bilhões de neurônios interagindo
entre si, de modo que um dos cientistas malignos se aproxima de nós e diz que estamos
dentro do cérebro de uma pessoa e que esta pessoa está experimentando o quale de
vermelho naquele exato momento. Isto pareceria tão contraintuitivo quanto a versão de
Block dos Qualia Ausentes, uma vez que pareceria óbvio que todas as interações
elétricas ocorrendo entre os neurônios não poderiam dar origem a algo como o quale de
vermelho. Ainda, como nota Lycan (1995) novamente, o que estaríamos dispostos a
dizer se os cientistas malignos destruíssem os neurônios antigos e os substituíssem por

22
Aqui, é importante enfatizar que a argumentação apresentada até aqui não nos permite dizer se tal
sistema será de fato consciente em um sentido fenomenal, já que, por exemplo, outros fatores deveriam
ser considerados, como a velocidade de processamento da informação (ver nota 21). O ponto, por outro
lado, é tentar explicitar que não há dificuldades no que se refere a uma compreensão funcionalista dos
qualia.
23
Dennett (1987) apresenta um questionamento similar no que diz respeito ao tempo de processamento de
informação, isto é, estaríamos dispostos a atribuir consciência a seres que tenham a mesma ou maior
estrutura cognitiva comparada com a nossa, mas que processassem a informação que nós processamos em
uma escala de tempo muito maior?
Vol.  5,  2012.  
www.marilia.unesp.br/filogenese     13
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

neurônios idênticos organizados de forma funcional idêntica? Estaríamos dispostos a


dizer que a consciência tenha-se dissipado neste sistema?
A presente argumentação parece sustentar a tese de que a consciência em seu
sentido fenomenológico não pode ser distinta da organização funcional do cérebro. Esta
separação parece ser algum tipo de confusão filosófica, principalmente no que diz
respeito à concepção eliminativista dos qualia. Assim, o funcionalismo como
apresentado até aqui, isto é, o funcionalismo homuncular, parece apresentar caminhos
muito esclarecedores para o estudo científico da consciência24.
Por fim, em face das considerações feitas até aqui, alguns esclarecimentos sobre
a proposta aqui defendida são necessários. A proposta do funcionalismo homuncular
que explicitei aqui não nega necessariamente a realidade dos aspectos fenomenais de
nossas experiências conscientes. Em outras palavras, o eliminativismo em relação aos
qualia é um eliminativismo ontológico no sentido em que ele sugere apenas uma nova
ontologia para compreendermos nossa “vida fenomênica”. Assim, pelas considerações
feitas até aqui, é uma questão em aberto como o cérebro pode produzir estados mentais
com aspectos fenomenais. Na verdade, acredito ser essa uma das questões fundamentais
que uma teoria da consciência deve responder. Para concluir, portanto, gostaria de
enfatizar que a proposta de conciliação aqui defendida é apenas uma conciliação no que
diz respeito à ontologia das nossas experiências conscientes com a ontologia de uma
teoria funcionalista da mente.

Referências

BLOCK, N. Troubles with Functionalism. In: BLOCK, N. (Org.). Readings in the


Philosophy of Psychology, Volume 1. Cambridge: Harvard University Press, 1980.
BLOCK, N. On a confusion about the function of consciousness. In: Behavioral and
Brain Sciences, 18: 227-47, 1995.
CHALMERS, D. The Conscious Mind. New York: Oxford University Press, 1996
CHURCHLAND, P. M. Matter and Consciousness: A Contemporary Introduction
to the Philosophy of Mind. Cambridge: MIT Press, 1984.
______. Reduction, Qualia, and the Direct Introspection of Brain States. In: The
Journal of Philosophy, 82: 8-28, 1985.
______. (1989). Knowing Qualia: A Reply to Jackson. In: CHURCHLAND, P. M e
CHURCHLAND, P. S. On the Contrary. Cambridge: MIT Press, 1998.
______. (1996) The Rediscovery of Light. In: CHURCHLAND, P. M e
CHURCHLAND, P. S. On the Contrary. Cambridge: MIT Press, 1998.

24
Ver DENNETT (1978 e 1991) para mais sobre este tópico.
Vol.  5,  2012.  
www.marilia.unesp.br/filogenese     14
VII Encontro de Pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP

______.; CHURCHLAND, P.S. (1990). Intertheoretic Reduction: A Neuroscientist's


Field Guide. In: CHURCHLAND, P. M; CHURCHLAND, P. S. On the Contrary.
Cambridge: MIT Press, 1998.
CUMMINS, R. Functional Analysis. In: Journal of Philosophy 72: 741-765, 1975.
DENNETT, D. (1969). Content and Consciousness. New York: Routledge, 1996.
______.Brainstorms. Cambridge: MIT Press, 1978.
______.The Milk of Human Intentionality. In: Behavioral and Brain Sciences, 3: 428-
30, 1980
______.The Intentional Stance. Cambridge: MIT Press, 1987.
______. (1988) Quining Qualia. In: CHALMERS, D. (Org.). Philosophy of Mind
Classical and Contemporary Readings. New York: Oxford University Press, 2002.
______. (1991). Consciousness Explained. London: Penguin Books, 1993.
______.Darwin’s Dangerous Idea. New York: Simon & Schuster, 1995.
DENNETT, D.; COHEN, M. Conscioussness cannot be separated from function. In:
Trends in Cognitive Sciences,15, 8: 358-64, 2011.
ELTON, M. Daniel Dennett. Cambridge: Polity Press and Blackwell Publishing, 2003.
JACKSON, F. Epiphenomenal qualia. In: Philosophical Quarterly, 32: 127-136, 1982.
__________. What Mary didn't know. In: Journal of Philosophy, 83: 291-295, 1986.
KIM, J. Philosophy of Mind. Boulder: Westview Press, 1996.
LYCAN, W. Consciousness. Cambridge: MIT Press, 1995.
NAGEL, T. What is it like to be a bat? In: Philosophical Review, 83: 435-456, 1974.
SANT’ANNA, A. Evolução, funcionalismo e intencionalidade. In: Revista Inquietude,
3: 11-29, 2012.
SEARLE, J. (1980). Minds, Brains and Programs. In: HOFSTADTER, D.; DENNETT,
D. (Orgs.). The Mind’s I. New York: Basic Books, 2000.
______. (1984). Intencionalidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
______. (1992). A Redescoberta da Mente, São Paulo: Martins Fontes, 1997.
______.Mind: A Brief Introduction. New York: Oxford University Press, 2004.
SHOEMAKER, S. The Inverted Spectrum. In: Journal of Philosophy, 79, 357-381,
1982.
VAN GULICK, R. (online). Consciousness. In: ZALTA, E. (Org.). The Stanford
Encyclopedia of Philosophy (Summer 2011 Edition). Acesso em Disponível em:
http://plato.stanford.edu/archives/sum2011/entries/consciousness/. Acesso em
28/04/2012.

Agradecimentos

Agradeço a minha orientadora, Profa. Patrícia Coradim Sita, e ao Prof. Max Rogério
Vicentini pelas discussões que foram de muito proveito para a elaboração deste artigo.
Gostaria de agradecer também ao parecerista da Revista Filogênese que fez comentários
muito esclarecedores na versão final do texto.

Vol.  5,  2012.  


www.marilia.unesp.br/filogenese     15

Você também pode gostar