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Revista da ESMP - ano 2, p. 13-23, janeirojunho-2009 AS DIMENSOES DA CIDADANIA. Gianpaolo Poggio Smanio* Sumério: 1. O cidadao como nacional do Estado: a primeira dimensio histérica; 2 O cidadiio como individuo sujeito de direitos: a segunda dimensdo hist6rica; 3. A participa- ‘%o politica; a terceira dimensto histérica; 4. A forca das revolucdes: a formagio da cida- dania liberal; 5. A crise do conceito liberal de cidadania; 6, As novas dimensdes do conceito de cidadania: a inclusdo social ¢ a multiculturatidade; 7. Cidadania e solidariedade; 8. A cidadania com 0 fundamento do Estado Demoeritico de Direito. 1. 0 cidadao como nacional do Estado: a primeira dimensao historica © momento histérico do surgimento do uso linguistico da expresso “cidadania” no sentido que evoca o que utilizamos atualmente encontra-se em Jean Bodin, em 1576, na Les Six Livres de la Republique onde ocorre 0 inicio da fundamentago juridica do Estado Modemo, como poder absoluto, perpétuo ¢ incondicionado do soberano sobre os stiditos. A formulagao da idéia de soberania traz a conceituagdo da cidadania como instituto. © vinculo de cidadania se manifesta na referida obra, exclusivamente na relagao entre siidito ¢ soberano ¢ ninguém poderia interpor-se entre eles. A cidadania era uma obri- gagao geral de obediéncia ao soberano. O cidado, para Jean Bodin era um siidito livre que dependia da soberania de outro‘. A relagdo entre 0 cidadtio siidito ¢ o soberano era pensada de forma vertical, entre 0 sujeito dotade de poder e os sujeitos obrigados a obedecer. No entanto, estes cidadaos sujeitos a autoridade possuiriam uma série de direitos que limitariam 0 exercicio do poder. Além do mais, o soberano devia ao cidadao protegao e justica. A cidadania era um instrumento para a unificagio do Estado Absoluto do século XVI. O individuo passava a pertencer a uma determinada esfera juridica enquanto cidadio do Estado, detentor de um stazus juridico que possibilitava o exercicio de relagbes e direi- tos em relagio ao soberano. Os escravos ¢ os estrangeios nao eram considerados cidadiios porque nao gozavam dos direitos e privilégios dos cidadios. As mulheres e as criangas também nao cram consideradas cidadas porque estavam sujeitas ao poder do chefe de fami lia, Somente 0 individuo livre ¢ nacional do Estado era considerado cidadio. A caracterizacdo do cidadao natural ocorria através do ius sanguinis, ou seja, 0 critério era a nacionalidade, pois era cidadao o filho de cidadio, siidito livre nascido no Estado. “+ Procuindar de Justiga de Sto Paulo, meste e doutor em Direto das Relsgbes Socias pela Pontificia Universidade Ciuélica de Sto Paulo (PUC-SP), professor da Escola Superior do Ministerio Pblico de Sto Paulo © dos Cursos de Mesirado © Doucorado em Diteito Politico © Econdmico da Universidade Presbiterans Mackenzie "RODIN, Jean, Les Six Livres de ln Republique Pai Librairie Gnérale Frangaise, 1993p. 139, ,p. 13-23, janeirosjunho-2009 _ Revista da ESMP ~ ano 2, 2, 0 cidadéo como individuo sujeito de direitos: segunda dimensio historica ‘A concep¢ao de cidadania na obra de Jean Bodin Pot Jimitar-se na relagdo entre sidito & soberano, nto realiza uma construgio teérica geraly Yaltando uma maior preciso conceitual ‘Cogbe a Thomas Hobbes, em Do Cidadao, efetives & ‘abstragdo conceitual da cidadanis. F.o far concebenco 0 cidadio como um individuo igual aos demais cidadiios que compdiem © conjunto sob autoridade do soberano. Hobbes valoriza a dimensdo individual, afirmando que 0 seaiviuo, buscando uma fuga da guerra perpeya ‘notalada no estado da natureza & conduzido ancmtariamente a submeter-se a0 soberan, No momento em que ocorre esta submissie, 0 individuo se reconh ece como um cidade. ‘O jndividuo limita a sua propria vontade & vont cia ao soberano, Em troca recebe proteyao ¢ Sesuang” Tals, para as quais todos os cidadsios so iguats, ‘Cada cidadio passa ts «que so iguais para todos”. oa tiobbes, o Estado é um prodato da vontade 4 rio desta submissio vountéria, o cidadio passs & St sujeito de direitos em vio, possuindo, por exemple, odireito de defender ‘do proprio sobera- ‘répria vida on oatra lesdo, Hobbes reconlhecs © direito natural @ vida w eidadiios direitos individuais subjetivos ‘tos subjetivos consolida 0 Estado Absolu- de do Fstado, passando a dever obedién- Tata submissio se realiza através de uubmeter-se as leis civis, 0 cidaddo em submeter-se 20 poder soberano, Em nu relagiio ao proprio Esta ro em caso de ameaga & que transcende o poder estatal,reconhece ac © cidadao como individuo detentor de dire to do século XVIL 3.A partieipagao politica: a terceira dimensio historica que resgatou os ideais classicos, combé- individuo face a0 poder do soberano. Fundamentada na constituigo da come ia cidadania deixa de set 1s cidad’os esto ligados (0 século XVI trouxe 0 movimento iluminisia tendo o Estado absoluto e defendendo a liberdade 401 ‘Os ifuministas resgataram a cidadania classica, nidade politica ena partieipagao politica dentro dela A perspectiva dt atid em relagdo ao Estado e passa a set horizontal, ume. Yt que 0 rere ai na formagao do Contrato Social que dé origem Estado. i rmudanga essencial ocorre em Telagdo a visto sobre 8 atureza deste Contrato Social, queem Hobbes era um ato Tivre de submissio 28 Estado e, para os iuministas passou a set visio aus Mima convencao ene associados, um consenso ete individuos livres € iguais sobre & evessidade de insttuir a vida em sociedade, ‘organizada na forma de Estado. ‘Conforme Rousseau, idéia do Contrato Social socom © problema fundamental de wenconivar uma forma de associago que defendae prota Per ‘cos bens de cada associagio “de qualquer forea comum, pela qual, cada nm. Tmnindo-se a todos, nfo obedeea, portanto, endo srt mesmo, ficando assim tio livre como dantes”™ a reidadania 2dquite assim caracterizagao politica, _ damentando a formagao do Estado do séeulo XVI Ta cao, So Pau: Marins Fstes 2002 horizontal, abstrata ¢ universal’, fun- 2 HOBBES, Thos HOBBES, Thomas Op Cit-p. 164. ROUSSEAU, Jeanacques. © Con JUNIOR, Aro Dal Rt Rio Grande do Sul Fat tray Socil. Rio de Janeiro: Four, 1992. P35 He uae pole sis Gt cdi Ws Ces € nacional ora Uni, 2008, p. 62, (heist a ESM ano 2p. 13-23, janie 2009 4. A forca das revolugées: a formagio da cidadania liberal A Revolugao Inglesa no século XVII, considerada a primeira revolugdo burguesa da his- ‘dria, efetivou a transiedo ao capitalismo industrial e a formagao da Monarquia Constitueional Ela completa o periodo de transieao do capitalismo comercial para o capitalismo industrial, determinando o novo regime econdmico eapitalista que prevalecerd dai em diante, Politicamente, com a revolugo Inglesa, que se inicia em 1640 e termina quase meio século depois, em 1688, fica caracterizado o prevalecimento do Estado monarquico absolutista, se burguesa que toma para si o poder estatal A nova ordem social é baseada no “modelo individualista hobbesiano” e na obtengo do lucro, com novos sujeitos sociais, além da idéia da formagao do Estado através de um pacto consensual entre os individuos. Pacto que permitiria a construgao da conceituagio juridica de institutos que protegerdo o individuo da propria ago do Estado. Inicia-se, entdo, o liberalismo com a protegao dos direitos civis através de uma Carta de Direitos - Bill of Rights — garantindo aos individuos uma série de direitos, © que conforme Bobbio inicia para a humanidade a Era dos Direitos*, ARevoluggo Americana no sSculo XVII, efetivada na Declaragao de Independéncia de 1776 ¢, posteriormente, na Constituigdo de 1787, prossegue o eaminho das revolugdes burguesas, pois significou garantir a defesa da esfera privada e econdmica do individuo contra a tirania extema, ‘Também caracterizada pela limitagao do poder politico interno, em favor dos individuos, estabelece ‘o principio democritico representativo, estabelecendo as bases da cidadania liberal. A tereeira revoluedo burguesa, a Revolugdo Francesa, assim como a americana, no século XVIII, € fundamentada na idéia dos direitos naturais do homem, a partir de seu nascimento. A Wberdade, a jgualdade ea fratemidade s40 os direitos dos cidadaos a partir deste momento histsrico. A Declarago dos Direitos do Homem e do Cidadao de 26 de agosto de 1789 dé a dimensdo juridico-politica da cidadania liberal ao afirmar que os homens nasceme permanecem livres iguais em diteitos, que consistem na liberdade, no direito de propriedade, na seguranga e na resisténcia a opressdo, Podemos caracterizar a afirmagao da cidadania liberal apés este periodo revolucionario, baseada nos seguintes prineipios juridicos fundamentais: nacionalidade, direitos naturais indivi- duais, participacdo politica e igualdade perante a lei 5.A crise do conceito liberal de cidadania = - O Estado liberal, conquanto tenha representado uma emancipagiio do individuo através do reconhecimento de seus direitos fundamentais, negava o pleno exercicio da cidadania aos pobres, as mulheres ¢ aos analfabetos, instituindo voto censitario, estabelecendo uma diferenci- ago de classes econdmicas ¢ inclusive havendo convivido com a escravidao por longo periodo. A cidadania era restrita também no espago territorial do Estado, Mesmo com a concep¢ao “ BOBBIO, Norbento, A era ds diets, Rio de loneto: Campus, 199, 16 Revista da ESMP - ano 2, p. 13-23, janeim/junlo-2009 —__ 4a fundamentagao contratual da cidadania, na visio republicana, dela de cidadania continua- vva presa ao territ6rio estatal ‘Devorrente desta limitagio fisica do exercicio da cidaday dora de cidadania a definia como um “status” concedido pelo seus beneficiarios iguais em direitos e obrigagdes. ve status” potitico confria os direitos politicos de partcipar das decisbes politicas do Estado através dos direitos eleitorais de votar e ser votado, mas Pouce acrescentava em relaga0 as garantias sociais. Tart Marx mostrou ano século XIX, em Para a questo judaica as contradigies inter- nas da eoncepgd liberal de cidadania, a0 considerar oindividualisme corn forma de atribuigo de direitos a0 homem, com repartigao desigual de bens, enquanto & cidadania pressupde relagbes jguais de titularidade na comunidade politica, Propunha superagao desta fratura em relagao 80 emmem ea cidadao, para conceber os direitos humanos como direitos politicos de forma que o fomem fosse considerado nao isoladamente, mas como parte de uma ‘comunidade politica de voneidaddos, ox sea, propunha a fusio entre o homem ¢ o cidadio No séeulo XX, a partir da obra de Marshall, Cidadania, classe social e status, howve ‘uma superagao definitiva das amarras conceituais politico-juridicas da cidadanis liberal, ope tando_se um alargamento do conceito de cidadania, passando-se entendé-la como um conjunto te direitos civis, polticas e socias. Para Marshall, o desenvolvimest® da cidadania ocorreu primeiramente na Inglaterra a partir do século XVIII, com aquisigdo dos direitos civis, que ras direitos fundamentais 2 vids, a liberdade, & propriedade ¢ & igualdade perante a lei. Posteriormente, no século XIX, vieram os direitos politicos, que s¢ referem a participagdo do Fptado no govern, podendo votare ser votado, Por fim, no século XX, foram conquistados 08 trabalho, & educagio, & sade’. : direitos sociais, como o direito a0 Por sua ver, Hannah Arendt, em As origens do toralitarismo", conclu qe We ‘mundo do, século XX, perder a nacionalidade significava ser exputso da numanidade, pois os direitos hu- ramos de nada vatiam para os considerados apairidas, que sofriam & discriminagaio juridica € social onde quer que se encontrassem. ‘Ela mesma sentiu na pele a condigao de refugiada ¢ viveu no condigo de apétrida e demonstrou que a declarago de que todos nascem livres ¢ iguais #™ dignidade e direitos seme am dado da realidade, mas € unta construgao humana efewada strays a organiza- ao da comunidade politica, ‘Cinda com a referida autora, dizer que a igualdade, ou a liberdade sto algo inerente ‘2 condigio humana; ou seja, so um valor universal, mas reconhecer que esta condi¢io dlepende do Ambito da comunidade politica em que se vive e duet realidade pode anulé-las, -significa um paradoxo. ‘Como vimos, os postulades juridico-polit durante todo 0 século XIX ¢ XX, posto que a real xxos, insuficigncias ¢ limitagBes. fusiSSiasanissezsanenee=—y “ NHARX, Ka Para questo dice. So Paulo Expresso Popol: 2002 TAMER TH Chana classe social estas Rie de anc: Zaks 1967 CeO. aonah Ongns do oaitarsme, Sto Paul: Companhia das Lets 195° snia, a concepedo liberal conserva- Estado aos seus membros, sendo icos da cidadania liberal foram questionados Iidade demonstrou suas contradigdes, parado- Revista da ESMP - ano 2, p, 13-23, janeio‘junho-2009 "7 Ocorre, ainda, que, na atualidade do século XI, a situago mundial mudou consideravel- mente e novas varidveis tornam necesséria uma nova perspectiva para a cidadania, que possa responder aos graves desafios contemporaneos. A exclusio social, a imigrago, os novos movi- mentos sociais, a pluralidade religiosa e éinica, a globalizagao, tornam imperiosas novas dimen- sdes de cidadania, Verifica-se, claramente, um esgotamento do modelo fi 6.Asnovas dimensGes do conceito de cidadania: a inclusio social ea multiculturalidade Pérez Lutio, cm reflexdo sobre a titularidade dos direitos neste novo século, aponta a sua ampliagao, pois se os direitos civis tém como titulares os individuos e a titularidade dos direitos sociais é coletiva, a atualidade traz direitos cuja titularidade & difusa e universal”, Os mecanismos de informagio e comunicagao global também interferem nesta titularidade de pessoas interconectadas em rede. AONU reconhece amplamente a livre determinagao dos povos, que também caracte- riza por si um direito humano universal, além de condigdo politica para o exercicio dos demais direitos humanos. Entretanto, esta titularidade assim considerada faz necessirio um redimensionamento conceitual da cidadania, a fim de que todas as pessoas, em suas particularidades culturais e Einicas, possam exercer esses direitos. Dai a conclusdo de Perez Luflo de que necessitamos explorar a via da cidadania ‘multicultural, reconhecendo-se ao cidadio a possibilidade de exercitar varias cidadanias, loca regionais, nacionais, dentro das varias comunidades politicas a que pertence"’ Além disto, a multiculturalidade também trouxe a fragmentaco dos valores, interes- ses ¢ conhecimentos, fazendo necessério o reconhecimento das divergéncias, como inerente ao exereicio de direitos. Neste quadro social, a complexidade de interesses toma relevante a intermediacdo dos conilitos cada vez mais constantes ¢ intensos. Os prineipios juridicos fundamentais referentes & cidadania devem pressupor mecanismos juridicos para realizar esta intermediagio. Esta intermediagao juridica faz-se importantissima para garantir um consenso minimo a respeito de valores e comportamentos, a fim de permitir uma convivéncia social pacifica dentro ‘da mesma comunidade politica Este tema esta intrinsecamente ligado 4 necessidade de inelusdo social dos grupos e mino- rias dentro da sociedade. A cidadania também precisa ter uma dimensio de inclusio social, ou seja, deve-se abrir espaco para uma cidadania inelusiva. A cidadania fio século XX1 esté intimamente relacionada aos mecanismos juridico- politicos de integrago na sociedade e inclusdo social, conforme Habermas anota em seu Facticidad y Valide:”. Os procedimentos juridico-politicos devem ser acessiveisa todos os cidadas como forma de reconhecimento de seus valores ¢ interesses dentro da comunidade politica ° PEREZ LUNO, Antonio-Henrigue. La excerageneracién de derechos humanos, Neve Thomson, 2006, p. 282, PEREZ LUNO, Antonio-Henraue. Op. Cit p. 239/240, “HABERMAS, Jaen Fact vader Madd: Eitrial Tota, ed, 2005, 3, janeirofjuntbo-2009 _ Revista da ESMP - ano 2, p. 13-23, serreconhecidos a todos indistintamente, tornando- ‘Os beneficios sociais também devem: vm eficazmente as desigualdades sécio-econdmicos «se imperiosas politicas piblicas que enfrentes que inviabilizam a cidadania. FE preciso considerar 0 cidadio dentro de um cenirio internacional cosmopolita, a tnicn forma de enffentar os abusos dos fundamentalistas do mercado mundial, impondo tlobalizagdo ecandmica a sociedades que ainds no resolveram problemas basicos dos direitos da cidadania, “Alem desta visto cosmopolita, é também preciso reconhece «© papel de cada cidadio no interior de seu proprio Estado. Pe jimensto da cidadania que deve ser desenvolvida éadimensio horizontal, uma condi- do objetiva de avessoa direitos, mas também de ‘comprometimento com os interesses da comu- dade, como, por exemplo, a defesa ambiental, & responsabilidade social, a transparéncia dos negocios piblicos, a distribuiglo de renda ea inclusso social ve eadadania deve serconeebida como um dirito, como vimos, 0h direito fundamental, sas que tamibém implique a intersubjetividade emt 08 cidadios, de forma que exista dever de otidariedade entre os cidadlos. A cidadania, além de participstiva, deve ser ativa, na busea da Sonstrugio de uma sociedade mais livre e igualitaria, através da solidariedade. pois esta ‘o valor da dignidade humana 7. Cidadania ¢ solidariedade A questdo politica tem sido costumeirarnente debatida como We tensiio entre aliberdade cea igualdade. Ocorre que, como lembra Fabio Comparato,“enquant® liberdade ea igualdade poem as pessoas umas diante das outras, a solidariedade a refine, todas, no seio de uma mesma aoerunidede, Na perspectiva da igualdade e da liberdade, cada qual reivindica o que Ihe é pro + prio. No plano da sotidariedade, todos so convocados ‘a defender o que Thes é comum.”"* ‘Dexia forma, as novas dituensbes do conceito de cidadania nfo podem prescindir da idéia de solidariedate, para resgaar o seu sentido de paticipagto politica, bem como Para ® garantia da efetivagaio dos direitos fundamentais. "A concepeao republicana do Estado de Habermas aponta para 9 necessidade da garantia, de um processo inclusivo de formagdo de opinido e vontade, ‘onde sujeitos iguais ¢ livres se ender arespeite de qusis cbjetivose norma sto de interesse commun de todos. Afirma que a0 Sidadto republicano & exigido mais do que acrientagdo por seu prOpHo NONE TS M ‘Bouventura de Sousa Santos também anota a transformagdes do conceit de cidadania, sno send de eliminar os novos mecanismmos de exclusio da cidadanis, de combinar formas cnuieiduais com formas coletivas de cidadaniae,finalment, no sentido de ‘ampliar esse conccito ‘para akém do prinepio da eciprocidade e simetri entre direios deveres™.* ‘t solrdariedade significa 0 caminho da participarto dos cidadios nas instituigdes do Es- tado ¢ na ocupagio dos espagos das instituigbes da sociedade civil, formando uma rede de arti- __culagio entre Estado e sociedade. _ i as Lets, 2006, p57 Tet, 2005p. poiteo na pis modern +» Comporato, Fabio Kendet Etc, Sto Pesto: Companti *Fisboenan,Jigon,Pactedad valde, Madi: Bator "Soa Santos, Dotvontura de Pelario de Alice. O sci 0 le. So Paso: Comer, 20069276, To ane ae eS no 8) O paralelismo entre as instituigdes republicanas classicas, incluindo os diteitos civis, poli- ticos e sociais, ¢ as redes de coordenagao entre Estado e sociedade também ¢ apontado por José Mauricio Domingues. Para o referido autor, a combinago das instituigdes republicanas ‘com as redes de coordenagio, buscando a incorporagao da populagao a institucionalidade for- ‘mal deve contribuir para gerar o que chamou de solidariedade complexa’. 8. Acidadania com o fundamento do Estado Democratico de Direito O conceito juridico de cidadania possui um enorme sentido politico. © fundamento basico deste conceito a relacdo de pertencimento a uma comunidade, o que identifica politicamente os cidadaos.” Este conceito de cidadania ¢ material e formalmente constitucional Atualmente hi uma reavaliagzo na conceituaeao juridico-politica de cidadania, que passa a ser considerada um dos principios fundamentais do Estado Democratico de Direito, conforme faz a Constituigio da Repiblica Federativa do Brasil (art,|°, Ul). Cidadania, direitos humanos ¢ Estado Democratico de Direito sao realidades que estdo interligadas e se condicionam mutuamente. O Estado de Direito é a forma politica em que os poderes atuam auténoma ¢ independentemente e submetidos ao império de uma legalidade que garante os direitos fundamentais dos cidadaos. Os direitos fundamentais, or sua vez, legitimam o Estado de Direito ¢ 0 conteiido da cidadania. A cidadania é a base de participagao politica no Estado de Direito, através do exercicio dos direitos fundamentais."* Na atual concepgao de Estado de Democritica de Direito, também visto como Estado Constitucional, os direitos fundamentais constituem o conceito que engloba tanto os direitos hhumanos universais quanto 0s direitos dos eidadios nacionais."” A doutrina do contrato social deve ser entendida hoje como um contrato constitucional ¢ deve estender-se da sociedade particular da cada Estado para uma “sociedade mundial”, de forma que cada ser humano tenha um “status” mundial que Ihe garanta os dircitos fundamentais Todos os seres humanos devem ser vistos como contratantes de forma que sejam garantidos ‘mutuamente os direitos humanos de cada um. © Preambulo da Declaragio Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 declara: “Considerando que a liberdade, a justiga e a paz no mundo tem por base o reconhecimento da lignidade intrinseca e dos direitos iguais ¢ inalienaveis de todos os membros da familia humana”. Da mesma forma, 0 Prefimbulo da Convento Americana sobre Direitos Humanos de 1969 declara: “Reconhecendo que 0s direitos essenciais do homem nao nascem do fato de ser nacional de determinado Estado, mas sim, tem'como findamento os atributos da pessoa humana" 3s direitos humanos ¢ os direitos da cidadania sto desta forma duas manifestagdes dos direitos fandamentais que devem ser assegurados pelo Estado Constitucional, assim como pela ° Domingues. Jou’ Mauricio, Aproximades & América Latina ~ Desafios contemporineos. Rio de Janeiro: Ciilizagdo ili, 2007, n, 205, ‘Coxdin, Giovanni, Elen per una tia gluridica dalla cians. Profil di Disto Pelco Compareo, Padova: Can, 988, p10 "No send do texto: Perce Lui. Antonio-Hearque. Derechos humana ead de derecho y contin, Mi Teens, 8 a. 2003, p.212, "Haber, Peter. lesan constitutional Trad de eso Fixer, nos Aires Editorial Aste, 2007, . 304308, (Revista da ESMP- 902,22, jaeiro/junho-2009 20 ‘comunidade intemacional. areidadania pressupbe a liberdade para o exercicio dos ditetes fundamentals, cidada- ria é uma condigio da pessoa que vive em uma sociedade livee, Onde ha tirania nfo existem vidadaos, A cidadania pressupDe a igualdade entre todos os membros de sociedade, para que snexistam privilégios de classes ou grupos sociais no exercicio de direitos. ‘ara o exercicio das liberdades fundamentais da cidadania, entio, € preciso estabelecer ‘uma ordem politica democritica que a garanta. a erpncracia representativa liberal sofre atualmente jniimeraseritcas, principalmente por nio conseguir efetivar a garantia do exerciclo da cidadania ¢ dos direitos fundamentais a toda a populagdo. eritcas e alternativas a democracia representativa se desenvolvem mt duas frentes: alguns autores pretender ua maior paticipato dos cdadios ne deliberagdes do Estado, no Gue pode ser chamado de Democracia Participaliva (Patemah © Macpherson) oa Democracia Deliberativa (Habermas), enquanto outros pretendem um maior aprofundamento dos espagos aocriticos na sociedade,no que pode ser chamado de Demoeracia Soca} (Bobbio e Touraine). Tanto nas teorias de Democracia Participative ¢ de Democracia Deliberatva, quanto na Demoeracin Social, ntamos um aprofundamento democrético no Estado ¢ na sociedade € niio pent es entendimentos como antagonicos ou excludentes, podendo perfeltamente conviver Genito da Teoria do Estado Demoeritico de Direito, Entendemos, no entanto, como Bobbio, que embora 2 solugio para a chit democra- tica e 0 futuro da democtacia seja a efetiva participagao da cidadanio ne ‘Administragao Pablice e nas instituigdes da sociedade civil, a ocupagao e a conquista destes esPasos ainda esta distante ¢ incerta."° '} adesafio da atualidade democritica€ efetivar esta democracia integral, ue Posse 260 thera cidadania e seu pleno desenvolvimento. "Aspoliicas picasa srem deseavolvidas pelos goverantes devemn norte da cida- ania em todas as suas dimensdes, integrando os diversos aspectos socials, politicos ¢ econémi- ‘cos, bem como atendendo as necessidades de inelusdo social. Oy. valores fundamentais adotados pelo Estado Democratico de Direito ranstonmin’* cm prinefpios gerais de dieito e passam a ser a base racional-filosofica para qualquer exercicio dos poderes constituidos do Estado, A cidadania, considerada em todas as suas dimensdes, ¢ um idestes valores, refletida em principio geral de direito Bibliografia “ s [ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Cidadania: do dircito aos direitos humanos. Sao Paulo: Academica, 1993. [ANNONI, Danielle. (org.). Novos conceitos do novo direito internacional: cidadania, democraciae direitos humanos. Rio de janciro: América Juridica, 2002. Fee RENDT, Hannah Origens do totelitarismo. Sao Paulo: Companhia das Letras, 1989. ————_— ss pobbo, Nero, faut da democtci, 10 ed. Sto Pano: ¢ Tee p70 oe Revista da ESMP - ano 2, p. 13-23, jansirofjunko-2009 BARACHG, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania: a plenitude da cidada- nia e as garantias constitucionais e processuais. 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