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Como vejo a Crise:

gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

Gilmar Luciano Santos


Como vejo a Crise:
gerenciamento de ocorrências policiais
de alta complexidade

Gilmar Luciano Santos


Capitão da Polícia Militar de Minas Gerais

Terceira Edição – agosto 2008

Para aquisição desta obra entre em contato com o autor pelo e-mail
gilmarnegociador@yahoo.com.br ou pelo telefone (31) 9134-0280.

Todos os direitos reservados

Texto
Gilmar Luciano Santos e Luis Carlos Lima

Revisão e Produção Editorial


Thaíssa Lacerda (Mtb MG 11200 JP)
Francis Bossaert
Gilmar Luciano Santos

Colaboração
Centro de Oratória Gilmar Luciano

Editoração Gráfica
Probabilis Assessoria Ltda. / Francis Bossaert
probabilis@probabilis.com.br

Distribuição e Venda
Diplomata Livros - luiz.livros@yahoo.com.br
(31) 3072-3135 / (31) 9675-4773

Impressão
Formato Artes Gráficas
FALANDO SOBRE O AUTOR

F iquei muito envaidecido quando recebi o convite de Gilmar


Luciano para escrever uma pequena nota preliminar ao livro que
ele acaba de escrever sobre negociação e gerenciamento de crises.
Preocupado com a qualidade dos meus alfarrábios, ponderei dizendo que
não estava à altura. Ele me retrucou dizendo que era uma coisa pessoal,
não sobre o livro, mas sobre o autor. Fiquei mais tranqüilo e não menos
orgulhoso por caber a mim esta tarefa. Vamos a ela.

O autor é o primogênito de quatro filhos, do motorista José Luciano e


da professora primária Edna Santos. Seguem-se os irmãos Marcelo,
Emerson e Everton. Nascido em Bom Despacho (MG), sede do glorioso
Machado de Prata, o 7º Batalhão da Polícia Militar de Minas Gerais,
unidade que combateu em duas revoluções, deve ter recebido em seu
sangue a tradição guerreira dessa brilhante unidade da Corporação do
Alferes Tiradentes, pois ainda jovem já realiza o sonho de todo ser
humano civilizado: ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro –
feito que espero realizar um dia, pois só falta o livro.

Mudou-se com os pais, ainda bebê, para Passos, no sul de Minas,


terra natal da mãe Edna. Lá, cursou todas as séries em escolas públicas,
e sob a batuta firme da genitora deslanchava desde pequeno nas tarefas
escolares. Ouvíamos, à distância ou nas raras visitas que fazíamos,
relatos sobre os feitos do pequeno Gilmar na Igreja, na escola e na
comunidade.

Passaram-se os anos e aquele menino magro e espigado tornou-se


rapaz feito, forte como um touro. Para orgulho de toda a família foi
aprovado no Curso de Formação de Oficiais da Polícia Militar de Minas
Gerais. Influência dos tios, primos, e da presença forte da Corporação no
Colégio Tiradentes de Passos.
Concluído o curso, o Aspirante Gilmar Luciano retornou a Passos
para servir na não menos tradicional unidade do Sudoeste de Minas, o
12º BPM. Oficial brilhante, destacou-se nas lides operacionais e
administrativas. O espírito inquieto e empreendedor não o deixou
acomodar-se. Retornou a Belo Horizonte, sendo pinçado rapidamente
para as unidades de missões especiais da PM, o Grupo de Ações Táticas
Especiais (GATE) e o Comando de Policiamento Especializado,
revelando-se brilhante negociador.

Em BH uniu-se a Viviane, sendo brindados com o tesouro, xodó do


papai, Ana Luísa. Diante da pequena filha, o bravo Capitão Gilmar
transforma-se num dócil e meloso pajem, desmanchando-se em “nhen-
nhens”.

Mantendo espírito inquieto, sedento de novos horizontes, cursou


Direito, tornando-se, rapidamente, brilhante professor de Direito Penal e
Processo Penal. Do aprendizado dos tempos de locutor de rádio, na
adolescência, especializou-se na arte da oratória, ministrando palestras e
cursos em todo o estado de Minas.

A miscigenação de culturas, de famílias distantes, mesclou o caráter


de Gilmar Luciano. Dos ascendentes maternos e da mãe professora
herdou o apego aos estudos, o hábito da leitura e a serenidade. Dos
ascendentes paternos herdou a retidão de caráter, a firmeza de princípios
e o espírito militar. Do pai herdou a “brabeza”, o não levar desaforo para
casa, a camaradagem e o amor ao próximo.

Parabéns Gilmar, tenho imenso orgulho de dizer que sou seu tio. Que
este livro seja o primeiro de muitos outros.

Unaí, 15 de julho de 2008.

Tenente Coronel Luciano


FALANDO SOBRE A OBRA

A vida nos irmana de diferentes formas e em diversas situações a


pessoas que admiramos por seu conhecimento, desenvoltura e espírito
solidário.

Acompanhei atuações do Capitão Gilmar em ocorrência de alta


complexidade pela imprensa e assistindo palestras suas, até que tive uma
oportunidade concreta de contar com seu apoio.

Em 2004, o Instituto Pauline Reichstul1 iniciou com os Maristas um


programa piloto para capacitação e formação dos agentes de segurança
socioeducativos que trabalham com adolescentes autores de atos
infracionais. A grade de matérias e os planos de curso contaram com a
experiência do Capitão Gilmar.

Instrutor desde a primeira turma, Capitão Gilmar embreou conosco na


tarefa de profissionalizar os agentes e a atuação nos centros de
internação, contribuindo de maneira ímpar para que a equipe do IPR
dedicada à formação de agentes se transformasse em referência no
Estado.

O texto elaborado pelo Capitão Gilmar revela o que faz dele um dos
instrutores melhor avaliado em todas as turmas que leciona. Despido do
rigor academicista, o autor alinhava aspectos teóricos à sua experiência
prática, abrindo para o leitor a possibilidade de se aprofundar em
determinado assunto ou discutir no ambiente de trabalho os comentários

1
Associação sem fins lucrativos cuja missão é contribuir para o desenvolvimento local
integrado e sustentável estimulando a participação de jovens em projetos e iniciativas que
visem melhorar sua qualidade de vida e de sua comunidade.
Para conhecer nosso trabalho acesse o site www.institutopauline.org.br.
e pontos de vista, alguns polêmicos, propostos a partir do título Como
vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta
complexidade.

Ao leitor, o Capitão Gilmar propõe enxergar a crise por meio do seu


conhecimento e experiência. E assim fazendo se desarma. Despe-se das
verdades e tipos ideais e abre-se ao debate: é assim, leitor, que você
(também) vê a crise?

Belo Horizonte, 27 de agosto de 2008.

Mírian Assumpção e Lima


Diretora Presidente do Instituto Pauline Reichstul
PALAVRA DE UM AMIGO

T enho a satisfação de ter sido convidado para proceder a


apresentação deste nobre amigo e valoroso companheiro. Desde
os tempos de formação na Academia de Polícia Militar do Estado de
Minas Gerais, ano de 1992, tenho a oportunidade de acompanhar a
brilhante carreira do nosso autor, o Capitão Gilmar Luciano Santos.

Após sua apresentação no Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE)


pude estreitar relações profissionais com o Capitão Gilmar, haja vista
nossas inúmeras intervenções em ocorrências de alta complexidade.
Sempre percebi sua preocupação em estar à frente de seu tempo,
instruindo-se e procurando emanar procedimentos policiais doutrinários
na condução das diversas crises solucionadas pela Polícia Militar.

Oficial dinâmico, respeitado por seus comandantes e comandados, é


referência dos professores militares facilitadores na transmissão de
conhecimento nas unidades de ensino da Polícia Militar. Há três anos
servindo no Gabinete Integrado de Segurança Pública (GISP) posso
atestar firmemente a presteza do Capitão Gilmar atuando como
coordenador estadual de proteção às autoridades. Inúmeras foram as
intervenções ponderadas e eficientes que resultaram na proteção da
integridade física e moral de autoridades em diversos níveis.

Quanto à pessoa, não será diferente meu comentário, pois passamos


a conviver amistosamente no seio familiar. Sempre que percebo nosso
nobre autor referindo-se à sua família, observo que a admiração e o
respeito pelos seus e pelos valores familiares é incontestável. Tenho o
prazer de conhecer e conviver com seus pais, irmãos, esposa e sua
adorável filha, Ana Luísa. Digo, com certeza, que toda essa prestimosa
família orgulha-se de ter em seu convívio este seu filho Gilmar.
No que diz respeito ao seu dom natural, a oratória, o Capitão Gilmar
sempre está preocupado em falar com entusiasmo, mostrando seu
refinado conhecimento da linguagem.

Certamente este novo empreendimento, no caminho da literatura, que


de maneira ímpar possibilita a facilitação do conhecimento visando firmar
doutrina quanto ao gerenciamento de crise, será, como tudo em sua vida,
um sucesso.

Belo Horizonte, 26 de agosto de 2008.

Capitão Gláucio Porto Alves


AGRADECIMENTO

A gradeço a Deus pelas oportunidades que tem me proporcionado


e, em especial, à minha esposa Viviane e à minha filha Ana
Luísa, que são as minhas fontes inspiradoras.

Não poderia me furtar de agradecer aos meus alunos da Academia


de Polícia Militar, em todos os níveis, do Curso Técnico de Formação de
Soldado (CTSP) ao Curso Superior de Tecnologia em Segurança Pública,
bem como aos amigos do Instituto Pauline Reichstul pelo apoio e
incentivo à publicação desta obra.

Gilmar Luciano Santos


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15
Origem histórica da polícia em Minas Gerais ............................................ 15
1. GESTÃO DE CRISE ....................................................................................... 19
1.1. Origem e conceito da palavra crise .................................................... 19
1.2. Características das ocorrências de alta complexidade ....................... 20
1.3. Política governamental básica ............................................................ 22
1.4. Ações iniciais (primeiras providências) ............................................... 25
2. OBJETIVOS DO ESTUDO DA GESTÃO DE CRISE ............................................... 29
2.1. Critérios para tomada de decisão ....................................................... 30
2.2. Exemplos de ocorrências de alta complexidade ................................. 30
2.3. Graus de ameaça e níveis de resposta .............................................. 31
3. CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DA COMPETÊNCIA PARA A GERÊNCIA DA
CRISE NO TEATRO DE OPERAÇÕES ................................................................ 33

3.1. Papel do comandante ......................................................................... 40


4. ALTERNATIVAS TÁTICAS ............................................................................... 43
4.1. Visão rápida de parlamentação e negociação .................................... 44
4.2. Organização da equipe de negociação .............................................. 45
4.3. Verbalização para policiais não formados em negociação ................. 46
4.4. Terceiros no processo de negociação ................................................ 47
4.5. Estudo do sono (uma tática inteligente).............................................. 48
4.6. Perímetros táticos ............................................................................... 49
5. ANÁLISE DO CAUSADOR DA CRISE ................................................................ 51
5.1. Mentalmente perturbado..................................................................... 51
5.1.1. Identificação ............................................................................. 51
5.1.2. Como se deve trabalhar com este causador da crise? ............ 52
5.2. Criminalmente motivado ..................................................................... 52
5.2.1. Identificação ............................................................................. 52
5.2.2. Como trabalhar no caso descrito? ........................................... 52
5.3. Politicamente provocado ................................................................... 52
5.3.1. Identificação ............................................................................ 52
5.3.2. Como se deve trabalhar neste caso? ..................................... 53
5.4. Ocasional/eventual ............................................................................ 53
5.4.1. Identificação ............................................................................ 53
5.4.2. Como trabalhar a situação do causador ocasional/eventual? . 53
6. ELEMENTOS ESSENCIAIS DE INFORMAÇÕES .................................................. 55
6.1. Informações essenciais sobre os causadores da crise...................... 55
6.2. Reféns ............................................................................................... 56
6.3. Prédio ................................................................................................ 56
7. COMO SE COMPORTAR ENQUANTO REFÉM ................................................... 57

8. RITUAL DA RENDIÇÃO ................................................................................. 61

9. COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL ................................................................ 63

10. PROCEDIMENTOS EM OCORRÊNCIAS COM ARTEFATOS EXPLOSIVOS ............... 65

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 69

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 71

ANEXOS ............................................................................................................ 73
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

INTRODUÇÃO
Origem histórica da polícia em Minas Gerais

Para podermos iniciar nosso estudo acerca do gerenciamento de


crise, no contexto atual vivenciado no Brasil e, em especial face aos
órgãos responsáveis por dar a solução aceitável, far-se-á necessário um
entendimento da origem das polícias militar e civil, para, a partir daí,
podermos entender os problemas hoje enfrentados e os paradigmas a
serem superados nesta seara da segurança pública.
A palavra polícia vem do grego politéia, do latim politia, que, em seu
sentido mais profundo significa o povo, a polis, a cidade, ou seja, para o
direito romano polícia era a atividade voltada para o povo e pelo povo em
salvaguarda da cidade romana.
No Egito antigo, 1000 anos a. C., já existia uma guarda que utilizava
um bastão, cuja extremidade possuía o nome gravado do Faraó, o que
significava que ali estava um representante do Estado para, em seu
nome, agir e garantir o cumprimento de suas ordens.
Os gregos consideravam a polícia como uma verdadeira magistratura.
Platão dizia que a polícia era um elemento constitutivo da república, na
qual não poderia subsistir por representar o interesse da polis. Entre o
povo romano a função de polícia era exercida pelos edis, cônsules e
censores. Os edis e censores gozavam de títulos honoríficos e exerciam
as funções policiais nas cidades cura urbis, entre elas, controle de preços
de trigo e medidas, jogos públicos, vícios, vendas de escravos etc. Por
sua vez, baixavam regulamentos policiais “edillicianos”. Os censores
exerciam, a um só tempo, as funções de polícia e magistratura,
competindo-lhes ainda a fiscalização da fortuna, dos costumes e do
estado civil dos cidadãos. Promulgavam regulamentos, entre eles “a
tábua dos censores”. Os licitores, auxiliares dos magistrados, cumpriam
seus mandados, citavam, apreendiam, amarravam e matavam em nome
do poder de polícia.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

Passando largamente o tempo, em 1530, Dom João III impõe o


regime de capitanias hereditárias no Brasil, outorgando a Martins Afonso
de Souza, por meio de uma carta régia, o poder de estabelecer na colônia
uma administração a fim de promover a justiça e organizar o serviço de
ordem pública. O regime jurídico daquela época era o das Ordenações
Manoelinas cuja base o primeiro Governador Geral do Brasil, Tomé de
Souza, que chegou na Bahia de Todos os Santos em 1549, recebeu a
alçada no crime e no civil, ficando-lhe o direito de determinar o processo e
sentenciar, como lhe parecesse de justiça, conforme o direito das
ordenanças, podendo impor até a morte natural, sem apelação nem
agravo. No Brasil colônia, as atribuições de polícia estiveram a cargo de
juízes. A polícia, especificamente a judiciária, os magistrados possuíam
como auxiliares os meirinhos, os oficiais de justiça dos dias de hoje.
Existiam também os homens jurados, que eram escolhidos para o serviço
e tinham que jurar perante o conselho sobre os poderes de polícia. Os
vinteneiros eram os inspetores dos bairros.

Na polícia administrativa os juízes dispunham dos quadrilheiros, que


cumpriam as ordens, executavam o policiamento interno, o policiamento
civil da vila em prol da ordem pública, de acordo com as Ordenações e
das instruções recebidas dos Oficiais do Senado e da Câmara.

Em 5 de abril de 1808, Dom João VI cria a Intendência Geral de


Polícia do Estado do Brasil, sendo a primeira iniciativa que se conhece no
sentido de se estruturar o organismo policial no Brasil.

Em 13 de maio de 1809, foi criada a Divisão Militar da Guarda Real


de Polícia, primeiro dispositivo legal a dar vida à Polícia Militar.
Posteriormente, em 25 de março de 1824, por meio do Ato Adicional à
Constituição, instituiu a Polícia Militar do Rio de Janeiro e as demais
milícias brasileiras.

Em 3 de dezembro de 1841, durante o governo de Dom Pedro II, foi


promulgada a Lei nº 261 que apresentou uma estrutura policial diferente

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

daquela de 1824. Cada Província teria um Chefe de Polícia, com seus


Delegados e Subdelegados, escolhidos dentre os cidadãos locais. Tal Lei
foi regulamentada pelo Regulamento N.126, de 31 de janeiro de 1842,
que dividiu a polícia em administrativa e judiciária e sua divisão em
cargos era a seguinte: Ministro da Justiça, Presidentes de Províncias, os
Chefes de Polícia de Municípios da Corte e das Capitais das Províncias.

Cada quadrante territorial possuía uma autoridade responsável,


sendo que para os Municípios atuavam os Delegados, nos Distritos os
Subdelegados e os inspetores nos quarteirões, não obstante haver as
atribuições concorrentes dos Juízes de Paz e Câmaras Municipais. Essas
foram as primeiras estruturas policiais no Brasil, sendo que em quase
nada foram alteradas durante a República.

Em 1871, a Lei nº 2033 retirou das autoridades policiais a


competência para julgar crimes policiais e para o processo e pronúncia
dos crimes comuns, deixando apenas a competência para instaurar
inquéritos policiais e preparar os processos policiais. Com a proclamação
da República, cada Estado passou a organizar sua própria polícia. Em
1897, São Paulo foi o primeiro Estado a reorganizar sua polícia, sendo
que houve um rompimento do vínculo de subordinação da polícia ao
Poder Judiciário, colocando-o como órgão do Poder Executivo. Nessa
evolução histórica, verifica-se a criação da Polícia de Carreira, integrada
por bacharéis em Direito, ocorrida no Estado de São Paulo no ano de
1905, sendo recepcionada, tal medida, pelo Regulamento de Polícia de
1908.

Na atual Constituição Federal, as Polícias Militares e Civis receberam


tratamento específico no ART. 144 (parágrafo quarto trata das polícias
civis e o parágrafo quinto trata das polícias militares) e, na Constituição
Estadual no ART. 142, como adiante veremos detalhadamente, quando
estudaremos a competência para o gerenciamento da crise.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

1 GESTÃO DE CRISE
1.1 Origem e conceito da palavra crise

Antes de transcorrermos sobre o tema, faz-se necessário abordar a


origem da palavra CRISE. Crise vem do latim crisis, através do grego
kpioig, cuja raiz é indo-européia sker, que significa "cortar" e origina a
palavra CRITÉRIO. Portanto, ao longo desta obra, devemos entender o
conceito de CRISE tendo em mente os "critérios" para a sua solução.

A partir do entendimento do significado da palavra crise, devemos


conceituar a ocorrência policial que se caracteriza em uma crise. No
nosso entendimento, crise é a espécie do gênero ocorrência de alta
complexidade, que pode ser definido como:

Todo fato de origem humana ou natural que, alterando a


“Ordem Pública”, supere a capacidade de resposta dos
esforços ordinários e/ou extraordinários de polícia/órgãos
de defesa social, exigindo a intervenção por meio de
estruturação de ações e/ou operações especiais de
polícia ou do bombeiro-militar, com o objetivo de proteger,
socorrer o cidadão, restabelecer a ordem e paz social
(SILVA NETO, 1998, p. 3).

Por crise policial entende-se:

É um evento crucial/criminal que exige uma resposta


especial da polícia, a fim de assegurar uma solução
aceitável (FBI apud SOUZA, 1993, p.10).
Como podemos perceber, o conceito de crise apresentado pelo FBI,
dos Estados Unidos da América, encaixa-se perfeitamente na
complementação didática do conceito que apresentamos para “ocorrência
de alta complexidade”, sendo, portanto, espécie, pois toda crise policial

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

será uma ocorrência de alta complexidade, mas nem toda ocorrência de


alta complexidade será uma crise policial, como a tentativa de suicídio,
que é uma crise, mas não policial e sim típica de Bombeiro.

1.2 Características das ocorrências de alta complexidade

É de fundamental importância sabermos distinguir os caracteres que


diferenciam uma ocorrência policial rotineira de uma ocorrência de alta
complexidade. É fácil a distinção quando entendemos alguns conceitos:
ocorrência policial, ação policial e operação policial.

Ocorrência Policial Militar é todo fato que exige a intervenção da


Polícia Militar por meio da estruturação de ações e ou operações. Ação
policial é toda forma de intervenção da polícia sem que se exija um prévio
planejamento. Operação policial é toda forma de intervenção da polícia
que exija um prévio planejamento.

As ocorrências de alta complexidade possuem traços próprios,


inconfundíveis, fugindo ao procedimental convencional de atendimento
das demais, cujos caracteres o gestor da crise deve observar o seguinte:

 Imprevisibilidade: talvez seja o principal diferencial da ocorrência


de alta complexidade, pois ocorrências rotineiras são, por sua
própria natureza, normais de acontecerem durante um turno de
serviço, ao passo que ocorrências complexas não fazem parte do
nosso cotidiano. Para exemplificar, todos os dias um Batalhão da
Polícia Militar atende, no mínimo, uma ocorrência de furto, roubo
ou briga entre pessoas, já ocorrências envolvendo reféns é algo
não muito comum e, mesmo não sendo comum, pode haver uma
ocorrência no mês ou no ano ou, ainda, duas no mesmo dia e até
simultâneas.

 Gera ameaça direta à vida: o que se analisa neste tópico é a


periclitação objetiva à vida, ou seja, nas outras ocorrências
policiais pode ser que em alguma fase ocorra perigo de morte, já
na ocorrência de alta complexidade o riso é direto e real e não

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

uma mera possibilidade.

 Necessidade de uma postura organizacional não rotineira e uma


flexibilidade gerencial: outro fator importante a ser analisado, pois
as ocorrências rotineiras/ordinárias são atendidas sem muito
mistério, podendo até, conforme a situação, dizermos que se
enquadram em uma fórmula padrão de atendimento, como o
atendimento de uma ocorrência de briga de marido e mulher, é
quase um padrão o atendimento. Na ocorrência de alta
complexidade, o modus procedendi vai variar de acordo com a
estrutura física do local, do perfil psicológico do causador da crise
etc., faltando ou carecendo de uma "fórmula padrão", não
confundida aqui com as alternativas táticas, pois essas não são
fórmulas e sim formas e possibilidades de se resolver a crise.

 Desenvolve-se num clima de alta pressão psicológica:


diferentemente das ocorrências ordinárias que fazem parte do
dia-a-dia policial, a ocorrência complexa gera uma tensão maior
tanto no policial quanto na sociedade, pois a maioria delas é de
uma duração prolongada, desenvolvendo-se em um clima
estressante e colocando sempre a vida de alguém em jogo e a
instituição policial responsável por dar a resposta desejável em
evidência.

 Necessidade de uma articulação rápida com agilidade na


implementação da resposta por parte dos responsáveis pelo
gerenciamento: aqui não se trata de ser veloz em dar a resposta
e sim como dar a resposta adequada à demanda existente.
Desde o primeiro policial que se depara com a crise até a
chegada do comandante da mesma, várias decisões são
tomadas: isolamento, delimitação dos perímetros, montagem do
posto de comando, parlamentação etc. e, em todos os níveis
gerenciais, é necessário tomar decisões e, essas decisões,
sempre influenciam o resultado da operação.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

 É amplamente explorado pela mídia: a imprensa, cumprindo seu


papel constitucional, deseja vender matéria e levar ao público
todo acontecimento relevante. Uma briga de marido e mulher não
possui destaque, mas o marido que chega em casa e, ao brigar
com a mulher ainda a faz de refém, aí sim a mídia irá explorar,
pois tal fato é de relevância social e, é neste momento que a
instituição policial é colocada em evidência, positiva ou
negativamente conforme os resultados obtidos.

 Surgem conflitos de competência no tocante à competência para


o gerenciamento da crise: a ocorrência “pertence” ao Batalhão X
ou ao Batalhão Y, ou será que é o GATE o responsável pelo
gerenciamento da mesma? É de competência da Polícia Militar ou
da Polícia Civil, ou será que não é de competência de nenhuma
delas e sim da Polícia Federal? Não entraremos em maiores
detalhes, pois o capítulo 3 aborda especificamente este assunto,
por agora apenas gostaríamos de comentar que dentro e fora da
instituição enfrentamos vaidades pessoais que muitas vezes
geram novas crises no teatro de operações.

 Possui alto poder de desestabilizar a segurança subjetiva: ao


deflagrar uma crise a comunidade vê seu clima de tranqüilidade
quebrada e espera que a polícia restaure a paz social. Podemos
exemplificar quando ocorre uma rebelião em uma penitenciária,
ocasião em que vários familiares dos recuperandos se deslocam
às portas do estabelecimento penal para obterem notícias e a
comunidade vizinha fecha as portas do comércio com medo de
uma fuga em massa e que um mal maior ocorra.

1.3 Política governamental básica

Após fazermos a distinção entre uma ocorrência rotineira e uma


ocorrência complexa é de fundamental importância para o policial gerente

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

e ator do “teatro de operações” nortear os procedimentos por meio de


normas gerais pelas quais o Brasil e o Estado de Minas Gerais se
comprometeram desenvolver seus trabalhos em prol da comunidade. A
base de nossa argumentação são os tratados internacionais firmados
pelo Brasil, bem como a Constituição Federal de 1988 e a Constituição do
Estado de Minas Gerais. De forma ilustrativa podemos mencionar o
repúdio ao terrorismo, constitucionalmente combatido e os Tratados
Internacionais, principalmente emanados da Organização das Nações
Unidas (ONU), tecendo normas sobre crime de genocídio, trabalho
escravo etc.

Com base no parágrafo acima trazemos as seguintes regras básicas


a serem seguidas com o título de “política governamental básica”:

 Nenhuma concessão que comprometa a segurança dos policiais e


da população deve ser efetivada.

 A liberdade dos agentes não deverá ser objeto de qualquer tipo de


NEGOCIAÇÃO.

 É dado/negociado somente os direitos constitucionais.

 A gerência da crise é dada pelas normas gerais ditadas pela


Constituição Federal, bem como as leis especiais e legislação
vigentes.

Dentro deste tema, mas sem aprofundar em teorias jurídicas,


gostaríamos de mencionar uma situação hipotética, mas que poderá vir a
ser uma celeuma pragmática caso o gerente da crise não domine a área
do Direito: uma ocorrência com refém localizado, de madrugada, em uma
casa “x”. Poderá o órgão policial, mesmo contrário ao consentimento do
morador da casa “y”, vizinha da casa onde o crime está ocorrendo, usá-la
para posicionar um atirador de elite sem que tal fato configure um crime?
Resposta: poderá sim utilizar a casa vizinha, a qualquer hora do dia ou da
noite para posicionar o atirador de elite, mesmo sem o consentimento do
morador pelos seguintes motivos:

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

 A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, em


seu quinto artigo trouxe as chamadas cláusulas pétreas ou
direitos e garantias fundamentais que não podem ser reduzidas
nem retiradas do texto constitucional, na vigência da atual Carta
Magna, por força do artigo 60, parágrafo quarto.

 O caput do artigo quinto menciona que todos são iguais perante a


lei, garantindo-se a inviolabilidade ao direito à vida, dentre outros,
sendo que, tal preceito em um Estado Democrático de Direito,
torna-se o maior paradigma para dirimir qualquer pseudo-conflito
de normas infra ou até mesmo as constitucionais.

 Ocorre que o inciso XI, do mencionado artigo quinto, in verbis, diz:


a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de
flagrante delito ou desastre, ou prestar socorro, ou, durante o dia,
por determinação judicial. Através de uma leitura superficial
poderíamos concluir que não haveria então, por força de tal
preceito constitucional, possibilidades de posicionarmos o atirador
de elite, no exemplo dado, por ausência de justificativa legal em
face do mencionado inciso, contudo devemos, antes de encerrar o
raciocínio, analisar o inciso XXV do mesmo texto jurídico, a seguir.

 Diz o inciso XXV do artigo quinto da Magna Carta de 1988: no


caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá
usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário
indenização ulterior, se houver dano. Ao analisar esse dispositivo
constitucional, num primeiro momento, nos pareceria que
estaríamos diante de um conflito de normas de mesma hierarquia,
ficando então a dúvida se poderia ou não usar a propriedade
particular, no caso mencionado, sem o consentimento do
morador. No entanto, a partir do entendimento de que ao
compararmos as normas jurídicas de mesma hierarquia devemos

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

buscar entre os bens tutelados o de maior relevância para o ser


humano e para o direito, fica fácil esclarecer que a vida é o maior,
intangível e infungível bem. Logo, para salvar a vida do refém que
está na casa ao lado, poderá o gerente da crise utilizar a casa do
vizinho, mesmo contrário à vontade desse, a qualquer dia e hora,
garantindo ao mesmo indenização, caso a utilização tenha
causado danos ao imóvel. Em relação a quem seria a autoridade
competente mencionada no inciso em estudo, basta olhar a
competência de cada órgão responsável pela segurança pública
elencadas no artigo 144 da nossa Constituição Federal. A respeito
deste assunto, abordaremos no capítulo 3 o conflito de
competências entre os órgãos policiais para se gerenciar a crise.

1.4 Ações iniciais (primeiras providências)

Na seção 1.2 percebemos que a imprevisibilidade é a principal


característica da crise, portanto não sabemos o momento em que ela
ocorrerá, o que nos impõe o dever de estarmos sempre “prontos e
preparados” para dar uma resposta aceitável.

Na maioria das vezes não são os organismos especializados que


primeiro se deparam com a crise, e sim o policial que está realizando o
policiamento comunitário a pé ou motorizado quem primeiro depara com a
ocorrência que poderá já estar caracterizada como crise ou rotineira (vide
detalhes nos graus de ameaça e níveis de resposta) e, por isso, esse
nosso policial, que está na labuta diária, também deve ser um conhecedor
da matéria, não de uma forma profunda, mas o suficiente para colaborar
na solução da mesma.

Sugerimos que o nosso policial militar, que está no policiamento


comunitário, a pé ou motorizado/montado, guarde os seguintes verbos
que irão ajudar em muito a execução do trabalho das equipes
especializadas:

25
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

CONTER + ISOLAR + ESTABILIZAR

Verbos essenciais

Parlamentar Acionar

Atuando em conjunto com os cinco verbos basilares, trazemos de


forma detalhada as ações iniciais no teatro de operações que são
primordiais para o sucesso da operação.

Pela equipe de policiais não especializados (policiamento comunitário


etc.):

 Conter a crise, através da centralização do foco da ocorrência.


Ex: direcionar a crise para um prédio apenas e não em um
quarteirão, ou então para um cômodo da casa e não na casa
toda.

 Isolamento da área para evitar a presença de curiosos ou


terceiros que passam para atrapalhar a montagem do teatro de
operações ou que possam se ferir durante a ação da polícia.

 Estabilizar o ambiente implica em acalmar os ânimos


presentes, não tomar nenhuma decisão repentina sem avaliar
as conseqüências e, principalmente, saber realizar uma leitura
de ambiente para identificar qual o melhor momento para se
iniciar o contato com o causador da crise.

 Levantar dados úteis, necessários e complementares sobre a


ocorrência, de forma a abastecer de informações o posto de
comando da gerência da crise.

26
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

 Sempre que possível deve-se estabilizar o ambiente, reduzindo


o estresse, e iniciar a VERBALIZAÇÃO (PARLAMENTAR), que
é a principal forma de se levantar informações. A verbalização
é o processo dinâmico de contato direto e imediato, por meio
do uso do vernáculo entre o organismo policial e o causador da
crise, visando minimizar os riscos à vítima, levantar dados e
ganhar tempo até a chegada da tropa especializada.

 Acionar significa, após identificada a natureza da crise (policial,


de bombeiros, biológica etc.), o devido chamamento ao teatro
de operações das pessoas que possuem o devido
conhecimento técnico para poder solucioná-la, dando uma
solução aceitável.

Pela equipe especializada da polícia:


 Checar o isolamento e iniciar a delimitação dos “perímetros
táticos” (vide seção 4.6).
 Colher dados essenciais sobre o causador da crise e eventuais
vítimas.
 Levantamento de plantas baixas (hidráulica/elétrica/estrutural
etc.).
 Instalação do posto de comando (móvel ou fixo).
 Análise do perfil do causador da crise (mentalmente
perturbado, criminalmente motivado, politicamente provocado,
eventual/ocasional).
 Análise do número e perfil das vítimas.
 Iniciar/continuar a parlamentação, dando início à técnica da
NEGOCIAÇÃO.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

2 OBJETIVOS DO ESTUDO DA GESTÃO DE


CRISE
Até agora tivemos a preocupação de conceituar a crise e passar
alguns conhecimentos teóricos gerais. A partir deste momento, o estudo
do nosso trabalho é direcionado aos gerentes e tomadores de decisões
em todos os níveis, pois cada decisão possui uma repercussão direta
para a solução da crise e, cada decisão (vide seção 2.1) deverá ser
pautada previamente no conhecimento dos objetivos da gestão de crises,
que são:

 Preservar a vida

 Prender o cidadão infrator (quando houver o cometimento de


crime, pois no caso de uma tentativa de suicídio, não há prisão ao
suicida e sim o seu encaminhamento médico).
 Garantir o Estado de Direito e leis vigentes.
 Proteger o patrimônio.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

2.1 Critérios para tomada de decisão

Qualquer tomada de decisão do comandante da operação ao policial


executor mais moderno, no teatro de operações, deverá ser pautada nos
seguintes critérios:

 Necessidade: a ação a ser tomada, realmente é necessária ou


há alternativas ou formas mais viáveis para se resolver a crise?

 Validade do risco: o comandante da operação deve estar bem


assessorado ao decidir encerrar uma alternativa tática e optar
por outra, analisando o custo benefício, ou seja, se o risco
assumido vale o resultado pretendido.

 Aceitabilidade: ética e moralmente deve ser pautada a decisão


tomada pelo comando da corporação responsável pelo
gerenciamento da crise, pois o resultado atingido pode não ser o
almejado pela sociedade e nem satisfatório para a imagem da
instituição, como determinar que se encerre a negociação
(quando a mesma está dando bons resultados) e determinar a
invasão e, dessa invasão decorre a morte de um refém.

2.2 Exemplos de ocorrências de alta complexidade

Para facilitar nosso estudo, listamos um rol meramente


exemplificativo de algumas ocorrências tipificadas como sendo de alta
complexidade:
 Ocorrências com reféns localizados.
 Acidentes em massa.
 Ameaça com agentes biológicos.
 Ameaça com agentes e artefatos nucleares.
 Atentados terroristas.
 Artefatos explosivos localizados.
 Rebeliões em estabelecimentos prisionais.
 Movimentos reivindicatórios.
 Movimentos agrários e reintegrações de posse.
 Outras.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

2.3 Graus de ameaça e níveis de resposta

É importante salientar que, muitas vezes, a ocorrência rotineira


progride até se transformar em uma ocorrência de alta complexidade,
como um assalto a uma casa lotérica, ocasião em que o policiamento
comunitário, ao passar pelo local, surpreende o assaltante na prática do
crime e esse, num ato de desespero, sem conseguir fugir, refugia-se no
estabelecimento comercial e faz o gerente de refém, ou seja, uma
ocorrência ordinária tornou-se complexa.

Com égide no exposto acima, é necessário explicar os graus de


ameaça:

 1º grau: ocorrências de alta complexidade em que se tenha


apenas uma vítima (refém), seja uma tentativa de suicídio ou que
as circunstâncias não possuam a capacidade de comprometer a
segurança de terceiros como transeuntes e vizinhos. Nesta
classificação adotamos a cor AMARELA para sua identificação.
 2º grau: ocorrências de alta complexidade envolvendo um
número superior de vítimas e/ou agentes. Nesta classificação
enquadram-se os assaltos a banco com reféns onde normalmente
têm-se vários agentes e vários reféns. Temos, também, as
ocorrências em estabelecimentos prisionais (penitenciárias) que,
pela própria estrutura, envolve muitos agentes e, na maioria das
vezes, as vítimas são os monitores ou guardas penitenciários. A
cor que adotamos para identificar tal nível é a VERMELHA.
 3º grau: exige interferência do comando da Corporação através
de ingerência política como o caso Sílvio Santos, em que o
Governador do Estado de São Paulo teve que se fazer presente
para facilitar a rendição do cidadão infrator ou aquelas
ocorrências envolvendo material biológico, radioativo, químico
etc., nas quais são necessárias as presenças de outros órgãos
para solucionar a crise. A cor indicada para tal ameaça é a
PRETA.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

3 CRITÉRIOS PARA A DEFINIÇÃO DA


COMPETÊNCIA PARA A GERÊNCIA DA
CRISE NO TEATRO DE OPERAÇÕES
No nosso entendimento, a competência para o gerenciamento da
crise é dado pela Constituição Federal de 1988, a Constituição de cada
Estado-membro da Federação, leis federais e leis específicas que por
ventura vierem a tratar diretamente do assunto.

Em minha monografia da graduação do curso de Direito, defendo a


necessidade de se criar um Gabinete Estadual de Gerenciamento de
Crises, por meio de um ato normativo do Poder Executivo centralizando
em si toda a competência legal para se gerenciar ocorrências com reféns
localizados, o que, em tese, acabaria com o problema acerca do
entendimento jurídico no tocante ao órgão responsável por gerenciar a
crise, bem como colocaria um ponto final no atual jogo de vaidades
institucionais no tocante a quem compete a titularidade do gerenciamento
da ocorrência: Polícia Militar X Polícia Civil?

Neste tópico, estudaremos a Constituição Federal de 1988, a


Constituição do Estado de Minas Gerais e o Código de Processo Penal.
Não interessa ao nosso estudo as crises de competência da Polícia
Federal, pois a Magna Carta de 1988 é clara no tocante ao assunto e não
há celeuma quanto ao seu entendimento:

ART. 144 – A segurança pública, dever do Estado, direito


e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
(...)
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
(...)

33
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia


de carreira, incumbem, ressalvada a competência da
União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a
preservação da ordem pública;
§ 6º Às polícias militares e corpos de bombeiros
militares, forças auxiliares e reserva do Exército,
subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos
Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios.
§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento
dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de
maneira a garantir a eficiência de suas atividades
(BRASIL, 1988).
Como podemos observar, a Magna Carta não especifica a quem
compete o gerenciamento de ocorrências com reféns localizados, pois, ao
ditar a competência da polícia civil, não definiu as funções de polícia
judiciária e, muito menos esclareceu o que venha a ser o trabalho de
preservação da ordem pública, por parte da polícia militar, cabendo a tais
órgãos ou aos doutrinadores a interpretação de tais normas. Seria por
acaso, apuração de infração penal ou manutenção da ordem pública, o
atendimento de ocorrência com refém localizado?

É aqui o grande ponto conflitante e claro doutrinário que leva as duas


instituições a se digladiarem no teatro de operações para verificar a quem
compete a gestão da ocorrência:

ART. 133 – A defesa social, dever do Estado e direito e


responsabilidade de todos, organiza-se de forma
sistêmica visando a:
I – garantir a segurança pública, mediante a manutenção
da ordem pública, com a finalidade de proteger o cidadão,
a sociedade e os bens públicos e privados, coibindo os
ilícitos penais e as infrações administrativas;
(...)

34
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

III – promover a integração social, com a finalidade de


prevenir a violência e a criminalidade.
(...)
§ 1º – Na definição da política a que se refere este
artigo, serão observadas as seguintes diretrizes:
(...)
V – preservação da ordem pública;
(...)
ART. 136 – A segurança pública, dever do Estado e
direito e responsabilidade de todos, é exercida para a
preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – Polícia Civil;
II – Polícia Militar;
III – Corpo de Bombeiros Militar.
ART.137 – A Polícia Civil, a Polícia Militar e o Corpo de
Bombeiros Militar se subordinam ao Governador do
Estado.
(...)
ART.139 – À Polícia Civil, órgão permanente do Poder
Público, dirigido por Delegado de Polícia de carreira e
organizado de acordo com os princípios da hierarquia e
disciplina, incumbem, ressalvada a competência da
União, as funções de polícia judiciária e a apuração, no
território do Estado, das infrações penais, exceto as
militares, e lhe são privativas as atividades pertinentes a:
I – Polícia técnico-científica;
II – processamento e arquivamento de identificação civil e
criminal;
III – registro e licenciamento de veículo automotor e
habilitação de condutor.
(...)

35
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

ART. 142 – A Polícia Militar e o Corpo de Bombeiro


Militar, forças públicas estaduais, são órgãos
permanentes, organizados com base na hierarquia e
disciplina militares e comandados, preferencialmente, por
oficial da ativa do último posto, competindo:
I – à Polícia Militar, a polícia ostensiva de prevenção
criminal, de segurança, de trânsito urbano e rodoviário,
de florestas e de mananciais e as atividades relacionadas
com a preservação e a restauração da ordem pública,
além da garantia do exercício do poder de polícia dos
órgãos e entidades públicos, especialmente das áreas
fazendária, sanitária, de proteção ambiental, de uso e
ocupação do solo e de patrimônio cultural (MINAS
GERAIS, 1989).

A Constituição Estadual não oferece muita clareza à celeuma


elencada em nosso trabalho, e, em determinadas passagens, é quase
uma cópia da Constituição Federal. Contudo, há uma luz no fim do túnel,
ao questionarmos o seguinte:

Quando se fala em polícia técnico científica, estaria a Constituição


apenas se referindo à função da perícia ou todas as atividades de polícia
judiciária? Caso seja apenas o serviço de perícia, a Polícia Civil, não terá
competência legal para agir, in locu, durante uma ocorrência com refém
localizado, ao passo que, entendo-se que o trabalho de polícia judiciária é
aquele relacionado à elucidação do crime, bem como o levantamento de
dados necessários à confecção do Inquérito Policial, estaremos
legitimando a presença e coordenação dos trabalhos por essa instituição
no teatro de operações.

Em relação á Polícia Militar, essa é a responsável pelo policiamento


ostensivo de preservação da ordem pública e, nesse aspecto, a
Constituição prevê que é ela o órgão responsável pela restauração da
ordem pública. Ora, caso o entendimento seja no sentido de que uma
ocorrência com refém localizado cause a quebra da ordem pública, será a
Polícia Militar a responsável por sua restauração, ficando, portanto, com a
legitimidade para coordenar e gerenciar tal ocorrência.

36
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

Por enquanto ficaremos com os presentes posicionamentos, pois o


estudo do Código de Processo Penal Brasileiro (Decreto – Lei 3689/41) é
de fundamental importância para clarear um pouco nossa visão e nosso
entendimento.

Após uma rápida passagem pela Constituição Federal e pela


Constituição Estadual é necessário, agora, a análise de uma lei infra-
constituição, mas de imensa importância que poderá, em tese, tirar nossa
dúvida e até ser a divisora de águas sendo uma alternativa viável para
pacificar a celeuma posta em pauta. Diz o ART. 301 do Código de
Processo Penal: “ART. 301 – Qualquer do povo poderá e as autoridades
policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado
em flagrante delito” (BRASIL, 2004).

Segundo entendimento do professor Júlio Fabbrini Mirabete (2000),

é dever da autoridade e seus agentes efetuar a prisão


(flagrante compulsório) daquele que se encontra em uma
das situações previstas no artigo 302, respondendo pela
omissão administrativa e criminalmente, eventualmente
até pelo resultado causado pelo agente se podiam evitar
a consumação do crime (ART. 13 §2º, a, do CP). Não há
restrição, evidentemente, ao fato de que os agentes
policiais estejam fora de sua circunscrição territorial,
mesmo porque qualquer pessoa pode efetuar a prisão em
flagrante. Conforme disponha a lei, pode inclusive ser um
dever da autoridade efetuar a prisão em flagrante ainda
fora de seu território (MIRABETE , 2000, p. 377).

Nossa legislação, como outras, prevê a faculdade de qualquer pessoa


capturar alguém em flagrante delito. Trata-se de um caso especial de
exercício de função pública transitória exercida por particular, em caráter
facultativo e, portanto, de exercício regular de direito.

37
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

O professor Mirabete esclarece, ainda, o que venha a ser flagrante:

A palavra flagrante é derivada do latim flagrare (queimar)


e flagrans, flagrantis (ardente, brilhante, resplandecente),
que no léxico, é acalorado, evidente, notório, visível,
manifesto. Em sentido jurídico, flagrante é uma qualidade
do delito, é o delito que está sendo cometido, praticado, é
o ilícito patente, irrecusável, insofismável, que permite a
prisão do seu autor, sem mandado, por ser considerado a
certeza visual do crime. Assim, a possibilidade de se
prender alguém em flagrante delito é um sistema de auto-
defesa da sociedade, derivada da necessidade social de
fazer cessar a prática criminosa e a perturbação da
ordem pública, tendo também o sentido de salutar
providência acautelatória da prova na materialidade do
fato e da respectiva autoria (MIRABETE, 2000, p.377).
O ART. 302 do Código de Processo Penal enumera os casos de
flagrante delito, sendo eles:
ART. 302 – Considera-se em flagrante delito quem:
I – está cometendo a infração penal;
II – acaba de comete-la;
III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo
ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que a faça
presumir ser autor da infração;
IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas,
objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da
infração (BRASIL, 2004).
Para o nosso estudo, interessa os casos do inciso I, ou seja, quem
estiver no cometimento da infração penal, assim, o assaltante que estiver
no interior do banco praticando o ato delituoso e é surpreendido por
policiais e, no afã de tentar fugir ou como meio de preservar a própria vida
faz o gerente ou qualquer pessoa ali presente de refém, estará em
flagrante delito.

Ora, estando em flagrante delito, qualquer um do povo pode e as


autoridades e seus agentes têm a obrigação de prender quem quer que
se encontre nessa situação de flagrância de crime.

Por esse preceito, caso seja a Polícia Militar a primeira a se deparar

38
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

com o agente, em estado de flagrância, terá esta instituição a obrigação


legal de efetuar a prisão do criminoso, contudo, tal prisão não será
simplesmente dando uma ordem ao mesmo, será preciso o
desenvolvimento de uma operação especial, por se tratar de uma
ocorrência de alta complexidade e, ao mesmo tempo uma crise policial
cuja solução deva ser aceitável. Por outro lado, caso seja a Polícia Civil a
primeira a chegar ao local (pode ser que policiais civis estivessem
utilizando o caixa eletrônico do Banco ou alguma viatura estivesse
passando pelo local no momento do fato), será esta instituição a
responsável por gerenciar a crise, tendo por obrigação dar a solução
aceitável que merece o caso. Normalmente é a Polícia Militar que sempre
chega primeiro às ocorrências policiais, por uma questão muito simples e
objetiva: possui um efetivo muito maior que a Polícia Civil e,
principalmente, é lançado policiamento motorizado às ruas da cidade
como forma de prevenir o crime, conforme é sua missão constitucional.

Fica claro, a partir da análise desse instituto jurídico que,


independente do órgão/entidade responsável por realizar a função de
segurança pública, aquele que se deparar com o cometimento do fato
delituoso ou que primeiro chegar ao local do fato será o responsável pelo
gerenciamento da crise. Particularmente, e de maneira bem resumida,
apresentei uma proposta de trabalho integrado, quando da elaboração da
monografia para graduação do Curso de Direito, pela PUC Minas, na qual
a Polícia Militar ficaria responsável pela parte ostensiva da operação
(restabelecer a ordem pública utilizando os negociadores, sniper e time
de invasão tática) e a Polícia Civil ficaria com a parte jurídica de lavratura
do APFD (Auto de Prisão em Flagrante Delito), tudo montado no posto de
comando, no perímetro tático mediato.

Tal celeuma operacional teve fim, em Minas Gerais, com a edição da


Resolução Conjunta nº 009/2005 de 24 de junho de 2005, na qual o
comando das duas instituições, Polícia Militar e Polícia Civil,
normatizaram, padronizaram e estipularam a forma de atendimento
conjunto nos casos de ocorrências de alto risco ocorridas no “Estado

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

Mineiro”, que, neste livro chamamos de alta complexidade. Não faremos


qualquer comentário ao conteúdo da mencionada norma por entendermos
que se trata de uma “ordem” do comando da Instituição e, como tal, deve
ser cumprida até que seja revogada por outra de mesma natureza ou de
hierarquia superior (vide ART. 59 da CF/1988 – Do Processo Legislativo).

3.1 Papel do comandante

Após definir legalmente a quem pertence a gerência da crise, é de


fundamental importância definir a competência e a responsabilidade do
comandante da operação. Trazemos quatro papéis básicos do
comandante da operação lembrando que, qualquer tomada de decisão e
o resultado geral da ação da polícia são de EXCLUSIVA responsabilidade
do comandante da operação, atingindo os subordinados à medida que a
legislação vigente tipificar. Portanto, senhores comandantes, em todos os
níveis, é imprescindível a presença de um STF (assessoria) técnico na
tomada das decisões!

Como fora dito no parágrafo acima, os quatro papéis do comandante


no teatro de operações são:

 Planejar: todo o planejamento da operação, desde a instalação


do posto do comando até a montagem da sala de imprensa
deve ser planejado pelo comando da operação.

 Coordenar: a visão “holística” do comando da operação é, sem


dúvida, a peça primordial para o sucesso da operação.

 Organizar: muitas ocorrências que assistimos pela TV ou lemos


nos jornais transparecem uma nítida falta de preparo do
organismo responsável pela gerência, pois percebemos
“bolos”, “amontoados”, grupos de policiais que não sabem o
que fazer, atrapalhando os organismos especializados e
permitindo a presença de terceiros no teatro de operações.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

 Gerenciar: como gerente responsável pela crise, o comandante


não deve executar (ser o sniper/ser o negociador/ser o chefe
do time tático etc.), sob pena de perder a gerência da crise.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

4 ALTERNATIVAS TÁTICAS
Alternativa tática significa a forma, a maneira, o modo e as opções
que o comandante da operação possui para dar uma solução aceitável à
mesa. Na égide desse pensamento apresentamos quatro alternativas
táticas que estão à disposição do comando da crise para resolvê-la:

 Negociação: processo técnico e científico que se utiliza da


verbalização técnica e tática para levar ao causador da crise a
proposta do comando a fim de que se resolva o fato de maneira
pacífica sem utilizar a força tática. Deve-se empregar policiais
formados e capacitados em NEGOCIAÇÃO POLICIAL para o
emprego desta alternativa tática.

 Agentes não letais: consiste no emprego de materiais e


equipamentos que, diretamente, não causem a morte de uma
pessoa, mas que possibilitem uma ação por parte da polícia que
viabilize a solução da crise com o uso mínimo da força. Já
ouvimos palestrantes dizerem que se trata de agentes “menos
letais”, mas data vênia, não podemos concordar, uma vez que, o
agente empregado não foi elaborado, desenvolvido, projetado
para matar e sim para reduzir o potencial ofensivo do criminoso.
Contudo, é lógico que se o material não letal for usado de
maneira não recomendada para o fim destinado, poderá se tornar
letal, o que em nada o desclassifica como não letal. Para ilustrar,
basta pensarmos em uma cadeira, ela foi feita para se sentar,
mas, por ocasião de uma briga, um dos envolvidos pode pegá-la
e quebrá-la na cabeça de outrem causando traumatismo craniano
e, como conseqüência, a morte. Ora, a cadeira não é instrumento
de execução, muito menos de defesa, mas no caso fora usada de
maneira diferente para a qual fora idealizada e nem por isso é
chamada ou classificada como letal.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

 Sniper (atirador de elite): esta alternativa está ligada com o tiro de


precisão que poderá ser um tiro tático para retirar a arma da mão
de um suicida, um tiro tático para neutralizar equipamentos e
outros utilizados por seqüestradores para que a equipe de
invasão adentre ao local ou pode ser um tiro letal de
comprometimento para libertar o refém ou até para possibilitar a
invasão tática.
 Invasão tática: esta alternativa é a mais drástica e perigosa,
somente sendo utilizada quando não mais houver possibilidades
de encerramento da crise sem que comprometa a vida dos
reféns. Deve ser realizada após análise de todo órgão de
assessoria do comando da operação, observados os critérios de
tomada de decisão, pois nesta alternativa há uma grande
exposição física. A equipe de invasão tática deve estar muito bem
treinada técnica e psicologicamente, além de estar equipada com
os apetrechos e acessórios próprios para tal fim, não se
admitindo que policiais não pertencentes à equipe de invasão
façam parte desta alternativa sob pena de colocar em xeque o
resultado almejado.

Gostaríamos de deixar bem claro que as alternativas táticas podem


ser utilizadas em conjunto, apenas uma, ou até mesmo nenhuma, ou
seja, o comando pode decidir, como em uma rebelião, não negociar e
nem ceder a nenhuma reivindicação dos rebelados cortando a energia
elétrica, água e suprimentos alimentares aguardando a rendição após
explorar o cansaço, a fome e a sede dos amotinados.

4.1 Visão rápida de parlamentação e negociação

A negociação é a primeira alternativa tática a ser adotada, podendo


ser aplicada com fim em si mesma ou trabalhada taticamente com as
demais alternativas táticas. Alguns autores trazem o conceito de
negociação que, para fins didáticos, apenas os apresentaremos sem
tecer comentários.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

Para Matos (2000), em Negociação gerencial, "negociação importa


em acordo e, assim, pressupõe a existência de afinidades, uma base
comum de interesses que aproxime e leve as pessoas a conversarem".

Para Fisher (1989), em Getting together: building relationships as we


negotiate, "negociação é um processo de comunicação bilateral, com o
objetivo de se chegar a uma decisão conjunta".

Para Acuff (1993) em How to negotiate anything with anyone


anywhere around the world, negociação "é o processo de comunicação
com o propósito de atingir um acordo agradável sobre diferentes idéias e
necessidades".

4.2 Organização da equipe de negociação

A equipe de negociação não é formada apenas por negociadores, as


subequipes técnicas são de fundamental importância para a estruturação
do posto de comando e para subsidiar o negociador de informações e
meios para trabalhar. Nessa égide, sugerimos o seguinte modelo para a
equipe:
a. Chefe de equipe: policial responsável pela coordenação dos
trabalhos e por ser o elo entre a equipe e o comando de operação.
b. Negociador principal: policial responsável pela parlamentação
imediata.
c. Negociador secundário: policial responsável pelo suporte imediato
junto ao negociador principal, inclusive, deve estar preparado para
assumir a negociação caso seja necessário substituir o principal.
d. Psicólogo: policial com formação técnica em gerenciamento de
crise para apoiar o comando da operação e os negociadores na
tomada de decisões.
e. Subequipe de levantamento de dados: é a subequipe responsável
pela coleta, análise e produção de informações necessárias às
tomadas de decisões pelo comando da operação e pelos
negociadores.
f. Subequipe técnica em equipamentos eletrônicos: responsável pela

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

montagem de câmeras filmadoras, telefones e do próprio posto de


comando.

Foto extraída do jornal Estado de Minas datado de 31 de janeiro de 2003. Capitão


Gilmar levando uma refém libertada para ser atendida no posto médico.

4.3 Verbalização para policiais não formados em


negociação

O que passaremos a seguir são algumas dicas que serão úteis para
os policiais não especializados em negociação, aqui por nós chamados
policiais não possuidores de Curso de Formação de Negociadores:
a. Escolha o melhor momento para fazer o contato.
b. Estabilize o ambiente reduzindo o estresse.
c. Colha o máximo de informações sobre o fato gerador da crise.
d. Procure ganhar tempo, estimulando a Síndrome de Estocolmo e
possibilitando atenuar os efeitos do uso de drogas.
e. Deixe o indivíduo falar. É mais importante ser um bom ouvinte do
que um bom falante.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

f. Afaste idéias de dor, morte, sofrimento e angústia.


g. Não use a palavra “não” no sentido de negação.
h. Não ofereça nada ao indivíduo, deixe que ele peça para poder
realizar trocas/barganhas.
i. Evite falsas promessas, truques e blefes.
j. Busque abrandar as exigências.
k. Invente estórias para justificar barulho e ruídos.
l. Reduza o estresse com aproximação de idéias dos negociadores
aos causadores de crise.
m. Identifique-se como policial e interlocutor pacífico.
n. Arranjar tarefas para ocupar os seqüestradores, evitando
crueldade com os reféns.
o. Evite dar muita atenção aos reféns e não utilize a palavra “refém”.
Sempre que possível, trate as vítimas pelo nome, bem como o
causador da crise.
p. Nunca barganhar fuga, fornecer armas, drogas, munição, coletes a
prova de balas etc.
q. Não permita troca de reféns.
r. Entre o negociador/verbalizador e a coisa negociada deve haver
uma barreira física.
s. Não envolver pessoas NÃO POLICIAIS no processo de
negociação.
t. Estar atento para o desenvolvimento dos planos de ação
preparados pelo comando da operação.
u. Não ministrar drogas em alimentos e nem correr riscos
desnecessários.

4.4 Terceiros no processo de negociação

Particularmente, não entendemos ser viável e até condenamos a


negociação feita por pessoas não policiais, contudo, se a presença de
determinadas pessoas, como pais, filhos, amigos etc., trouxer benefício
ao trabalho (após análise do comando de operação), entendemos que
possam se fazer presentes, mas nunca serem os negociadores.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

Com esse pensamento, deixo apenas como reflexão para os


senhores comandantes e negociadores, quanto à presença das seguintes
pessoas, junto ao posto de comando e aos negociadores:
a. Padres: colocariam os causadores da crise em uma posição que
favorecesse o tiro de elite?
b. Deputados, políticos, representantes de Direitos Humanos:
adotariam uma postura tática para favorecer uma invasão
dinâmica?
c. Parentes, pais, irmãos?
d. Imprensa?
e. Juízes e promotores?
Gostaríamos que a reflexão fosse levada em face de todo o aspecto
da administração da crise, desde os reflexos no público interno, bem
como no reflexo causado à imagem da corporação, caso um terceiro não
policial saia ferido em virtude de estar participando de alguma forma na
negociação.

4.5 Estudo do sono (uma tática inteligente)


Uma das estratégias eficazes que o comando da operação pode
adotar é trabalhar o cansaço do causador da crise, pois é uma fonte de
fácil exploração com máxima obtenção de resultados.
É muito importante o estudo do sono e do cansaço, uma vez que, a
tropa empregada também se desgasta na operação, sendo de
fundamental importância para o planejamento de meios materiais e
recursos humanos à programação temporária da operação.

Trabalharemos com duas hipóteses:

a. Retirando o sono:
 Abaixo de 48 horas: sem eficiência, pois trabalha-se apenas
forças físicas.
 De 48 a 68 horas: deixam as forças combativas e o raciocínio
lentos.

48
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

 De 72 a 96 horas: sofre alucinação quando só.


 Caso retire os sonhos, a pessoa entra em confusão mental
(acordar de cinco em cinco minutos).
b. Dormindo:
 Três horas por noite: opera-se nove dias.
 Uma hora e meia por noite: opera-se cinco dias.
 Sem dormir: opera-se três dias.

4.6 Perímetros táticos

São zonas de delimitações ideológicas


C
através das quais determina-se a
competência para a gerência e atuação no B
teatro de operações.

Alguns doutrinadores ilustram apenas


A
dois perímetros táticos, o interno e o
externo. Para facilitar o trabalho das
equipes técnicas no teatro de operações,
sugerimos os seguintes perímetros táticos:

A. Perímetro tático imediato: também conhecido como zona


vermelha. É aqui que atuam as equipes especializadas:
negociador, time tático, explosivistas etc.

B. Perímetro tático mediato: também conhecido como zona


amarela ou de transição. É aqui que é montado o posto de
comando, o posicionamento do sniper e as equipes médicas.

C. Perímetro tático externo/apoio: também conhecido como zona


verde ou zona de segurança. É a parte mais segura do perímetro
tático, sendo nela a instalação de sala de imprensa, sala para
recepção dos familiares e autoridades, apoio logístico e outros.

49
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

Obs1: O público externo não participa de nenhum perímetro, pois só os


organismos responsáveis pela crise e eventuais pessoas que possam vir
a colaborar para a solução do fato, deverão se fazer presentes nos
perímetros táticos. Portanto, os curiosos ficam fora do isolamento geral.

Obs2: Não há que se falar na distância em metros ou quilômetros, cada


caso é um caso. Podemos ter os três perímetros em um prédio ou em
dois quarteirões. Pode ocorrer que, devido ao pouco espaço, somente
seqüestrador e refém se encontrem no perímetro imediato, ficando todas
as equipes táticas no perímetro mediato. Para ilustrar nossa fala podemos
apresentar a delimitação dos perímetros táticos no caso do assalto com
reféns no Banco Safra, em Belo Horizonte (MG), em 30/01/2003:

Foto extraída do jornal Hoje em Dia datado de 31 de janeiro de 2003.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

5 ANÁLISE DO CAUSADOR DA CRISE


Para o desenvolvimento dos trabalhos face à crise, é de fundamental
importância conhecer o perfil do causador da ocorrência de alta
complexidade. Para fins de estudo, separamos em quatro perfis básicos a
seguir:

 Mentalmente perturbado.
 Politicamente provocado ou ideologicamente motivado.
 Criminalmente motivado.
 Ocasional/eventual.

5.1 Mentalmente perturbado

Enquadra-se nesta classificação todas as pessoas que não


apresentam o seu estado normal de “psiquê”, ou seja, estão com uma
alteração comportamental motivada por uso de drogas, remédios
(ausência), problemas de relacionamento pessoal e/ou outros. Podemos
citar como exemplo: psicóticos, alcoólatras, drogados etc.

5.1.1 Identificação
a. Comportamento instável.
b. Não tolera demoras.
c. Sentimento de grandeza.
d. Ver e ouvir vozes/vultos.
e. Terror a barulhos súbitos.
f. Visão de curar os problemas do mundo.
g. Alto nível de angústia.
h. Ilusão a respeito de si e do ambiente.
i. Não consegue adaptar e superar a frustração.
j. Sensível, agressivo, nervoso, imaturo e arrogante.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

5.1.2 Como se deve trabalhar com este causador da crise?


a. Reduzir o estresse através da lógica.
b. Não demonstrar o poder da força policial.
c. Seja paciente.
d. Trabalhar os pontos positivos como pessoa.

5.2 Criminalmente motivado

É o criminoso que planejou e sabe quais são os resultados que


deseja ao executar o crime. Ex.: extorsão mediante seqüestro.

5.2.1 Identificação
a. Reações lógicas.
b. Não há prejuízo mental ou doença grave.
c. Não precipitam os atos.
d. Crime é premeditado e bem elaborado.
e. Há um prévio estudo sobre a vida e rotina das vítimas.
5.2.2 Como trabalhar no caso descrito?
a. Deve-se desmotivar qualquer tentativa de fuga.
b. Estimular a rendição como a única possibilidade viável.
c. Transferir o risco e as conseqüências legais para o
agressor.
d. Garantir apenas os direitos constitucionais.

5.3 Politicamente provocado

Nesta classificação enquadram-se todos os causadores de crise que


possuam uma causa ideológica, política, religiosa ou fanática. Ex.:
Terroristas palestinos, guerrilheiros na Colômbia, terroristas do ETA na
Espanha etc.

5.3.1 Identificação
a. Indivíduo com inteligência lógica.
b. Ideologia (pensamento próprio).
c. Doutrina cosmopolita (difundida e publicada no mundo
todo).

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

d. Não se acha criminoso, e sim mártir.


e. Altamente agressivos.
f. Disposição a morrer pela causa.
5.3.2 Como se deve trabalhar neste caso?
a. Negar o sistema de mídia.
b. Vetar qualquer possibilidade de troca de presos políticos.
c. Avaliar o grau de compromisso com a causa.
d. Negociação, preferencialmente com uso de telefones ou
similares, evitando o estilo face a face, pois no caso de um
suicídio com bombas não matará os negociadores junto
com o agente causador.

5.4 Ocasional/eventual

Enquadra-se nesta classificação os casos em que o indivíduo tinha a


intenção de cometer um crime menor e as circunstâncias o levaram a
concretizar uma ocorrência complexa. Ex.: Indivíduo é surpreendido na
prática de assalto a uma casa lotérica e, no desespero, ao ver os
policiais, faz o gerente como seu refém para tentar garantir a fuga.

5.4.1 Identificação
a. Ocasionalidade: não tinha a intenção de cometer o crime
mais grave.
b. Baixo grau de agressividade.
c. Pensamento lógico, porém atrapalhado pela situação
vigente.
d. Ausência de planejamento detalhado para realizar o crime
subsidiário (crise).
5.4.2 Como trabalhar a situação do causador ocasional/eventual?
a. Trabalhar a sensibilidade e os pontos sensíveis da pessoa:
família, filhos, pai, mãe etc.
b. Transferir toda a responsabilidade da ocorrência para o
causador da crise.
c. Desestimular a fuga.
d. Garantir somente os direitos constitucionais.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

6 ELEMENTOS ESSENCIAIS DE INFORMAÇÕES

Neste tópico do nosso trabalho, estamos traçando apenas um norte a


ser seguido. Os dados que apresentamos deverão ser complementados,
alterados e adaptados a cada realidade, contudo, a prática tem nos
mostrado serem satisfatórios para as equipes táticas e de negociadores.

6.1 Informações essenciais sobre os causadores da crise


a. Quantos são?
b. Qual(is) o(s) nome(s)?
c. Perfil: mentalmente perturbado/politicamente provocado/
criminalmente motivado/ocasional?
d. Está armado? Qual a arma? E o calibre?
e. Idade.
f. Está ferido?
g. Estado mental.
h. Possui habilidade especial?
i. Possui cursos na área policial?
j. É ex-agente de Forças Policiais/Armadas?
k. Possui comida, água e víveres?
l. Possui prontuário?
m. Possui família? Pai, mãe, esposa, filhos?
n. Qual o motivo que o levou a cometer o delito?
o. Faz/fez uso de algum remédio/droga?
p. Está de posse de munição, explosivo, material tóxico,
agente biológico etc.?
q. Possui marcas/cicatrizes?

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

6.2 Reféns
a. Quantos são?
b. Idade.
c. Algum está ferido?
d. Localização no prédio.
e. Possui alguma alergia, como aos gases CS e CN?
f. Faz uso de algum remédio? Há efeitos colaterais?
g. É autoridade ou possui relevância social?
h. Sexo.
i. Qual roupa está usando?
j. Possui cicatrizes/marcas etc.?
k. Estado emocional.
l. Há Síndrome de Estocolmo?

6.3 Prédio
a. Planta baixa.
b. Localização no bairro.
c. Vias de acesso.
d. Vias de escape alternativas/secretas.
e. Tipo de parede: alvenaria, tijolo, concreto...
f. Possuem sensores, alarmes...
g. Planta da rede hidráulica.
h. Planta da rede elétrica.
i. Estrutura das portas e janelas.
j. Planta da rede de esgoto.
k. Escada, elevadores, saídas de emergência.
l. Pontos para serem tomados.
m. Grau de refração da luz nos vidros das portas e janelas.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

7 COMO SE COMPORTAR ENQUANTO REFÉM

Foto extraída do jornal Estado de Minas, datado de 29 de setembro de 2002.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

Neste tópico, apenas mencionaremos alguns procedimentos úteis


para as pessoas que se encontrarem, por um motivo ou outro, na
condição de refém, além de ser um tema de extrema relevância para os
profissionais da área que também labutam como professores da matéria
ensinando e disseminando o gerenciamento de crises.

Dentre as literaturas pesquisadas a que melhor se encaixa no nosso


estudo é o livro do Tenente Coronel da Polícia Militar de São Paulo
Wanderley Mascarenhas de Souza, cujo título é: Como se comportar
enquanto refém... Por se tratar de uma obra completa acerca do assunto,
não aprofundaremos no tema, realizando apenas uma citação dos
principais tópicos elencados nas páginas 55 a 58 da mencionada obra.
a) “Não seja um herói”:
- assimile a situação e esteja preparado para esperar;
- qualquer ação significativa de sua parte pode causar
no raptor uma reação violenta;
- permaneça calmo, estude a situação;
- tenha auto-preparo para um resgate (física e
mentalmente);
- o tempo está do seu lado;
- não negocie com raptores. Deixe profissionais
tratarem do assunto.
a) “Os primeiros trinta minutos são os mais perigosos”:
- quanto mais longa a situação, maiores as suas
chances de sobrevivência;
- a sua atitude durante a fase inicial da crise com refém
pode significar a razão pela qual estará vivo ou morto
ao final do incidente;
- o raptor está decidindo entre ficar e lutar ou evadir-se;
- não ameace o raptor;
- após algum tempo, o seqüestrador ficará mais
consciente de suas emoções e de sua situação
(Síndrome de Estocolmo).
a) “Não fale, a menos que falem com você”:
- considere a escolha de palavras antes de falar (você
pode irritar o raptor);

58
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

- não converse com outros reféns. Se conversar, não


pare se o seqüestrador olhar para você, ele poderá
pensar que você está conspirando contra a situação;
- se falarem com você, não seja excessivamente
amistoso, pode soar hipócrita, falso, mentiroso. Fale
devagar e concisamente. Não discuta. Raciocine
antes de falar.
d) “Evite perder a condição de pessoa”:
- o raptor pode tentar evitar a transferência emocional
positiva, referindo-se a você com uma expressão
descaracterizante. Perceba que ele está tentando
“desumanizá-lo”;
- sempre que possível, reitere a sua condição de ser
humano. Conte-lhe sobre sua família;
- na medida do possível, fale sobre um assunto não
violento.
e) “Descanse”:
- não vire as costas ao seqüestrador;
- descanse o máximo que puder, tão logo a
confrontação inicial já tenha se acalmado;
- descanse enquanto o raptor estiver acordado. Você
vai estar descansado quando ele estiver cansado
(oportunidade de fuga);
- relaxe, você pode ter que correr para um abrigo ou
escapar.
f) “Não faça sugestões”:
- o seqüestrador pode interpretar como comando. Pode
gerar hostilidade e causar violência;
- se sua sugestão for usada e alguma coisa der errado,
o raptor pode pensar que você o fez de propósito e o
verá como inimigo (dificultará a Síndrome de
Estocolmo).
g) “Necessidades médicas-medicação”:
- conte ao seqüestrador sobre os seus cuidados
especiais. Não o irrite, apenas lhe comunique;
- você provavelmente receberá tratamento, ele não
quer que você morra;
- não simule uma doença ou contusão, isto destrói
qualquer elo de confiança.

59
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

h) “Entenda que você é um refém”:


- você não está no controle de absolutamente nada;
- seja submisso, humilde.
i) “Fuga”:
- somente quando tiver 100% de certeza de que será
bem sucedida;
- ainda assim, reconsidere a tentativa;
- a sua fuga pode ocasionar violência contra os reféns
que ficarem;
- pode ser atingido pela polícia.
j) “Investida de resgate (salvamento)”:
- jogue-se no chão e não se mova;
- leve as mãos à cabeça;
- prepare-se para ser revistado e possivelmente
algemado;
- não faça nenhum gesto abrupto;
- mantenha as suas mãos à plena vista;
- siga as instruções perfeita e imediatamente (SOUZA,
1996, p. 55-58).

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

8 RITUAL DA RENDIÇÃO
Não poderíamos deixar de enfocar este tema, pois é pouco
mencionado e noticiado nas doutrinas existentes. Após vivenciarmos
vários problemas relacionados ao processo de rendição, podemos
elencar alguns aspectos importantes que devem ser observados:
a) A rendição é o momento mais esperado nos trabalhos de
gerenciamento da crise e, portanto, o mais tenso, pois as
pessoas estão ansiosas e podem cometer atos impulsivos, como
sair correndo de encontro à vítima que está sendo liberada ou até
mesmo querer agredir fisicamente o causador.
b) Nós, policiais militares, temos a cultura de voltar todo nosso
enfoque ao causador da crise e acabamos nos esquecendo de
que o nosso maior cliente é a vítima, portanto, é preciso que haja
uma equipe ou uma pessoa previamente preparada para receber
as vítimas e encaminhá-las ao atendimento pós-ocorrência
satisfatório (médico, psicológico etc.).
c) No teatro de operações é comum ocorrer a Síndrome de
Hollywood, que é aquele momento em que os oportunistas ou os
apaixonados em divulgar a auto-imagem podem vir a
comprometer a ocorrência. Essa síndrome baseia-se no fato de
estar presente, no local da crise, a imprensa, e algumas pessoas
despreparadas, querem APARECER, ter um minuto de fama e
podem comprometer a solução do fato delituoso. Podemos
perceber tal síndrome quando verificamos que policiais
responsáveis pelo isolamento estão próximos da zona vermelha
no afã de aparecerem nas fotos dos jornais ou quando o policial
que não está responsável pela comunicação organizacional dá
entrevistas durante a ocorrência passando detalhes técnicos que,
se levados ao vivo pela imprensa, podem servir de arma pelos
causadores da crise caso os mesmos tenham acesso ao canal de
informação.

61
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

d) Quem vai registrar a ocorrência e levar o causador preso é outro


problema. Já assistimos brigas entre policiais para verificar em
qual viatura seria conduzido o seqüestrador, pois, nesse caso,
também há grande divulgação pela imprensa. Por essa razão,
sugerimos ao comandante da crise, já no começo dos trabalhos,
deixar determinado quem irá registrar o boletim e conduzir o
agente causador da crise para a delegacia de Polícia Civil.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

9 COMUNICAÇÃO ORGANIZACIONAL
Parece um assunto simples e sem problemas, mas temos verificado
que, no local da crise, TODOS desejam e se intitulam capazes, dão
entrevistas ou passam informações à imprensa e não importa que haja
memorandos ou cartilhas proibindo tal ato, pois acontece e é inevitável.
Para resolver o impasse entendemos que, no teatro de operações, deve
ser montado um local especial para receber a imprensa que está cobrindo
ao vivo a ocorrência, sendo que, um policial com formação específica
fique a cargo de receber os profissionais dessa área, repassando-lhes as
informações oficiais do comando da operação e, após encerrada a
ocorrência, montar em um local adequado, uma coletiva com o
comandante da operação e demais autoridades.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

10 PROCEDIMENTOS EM OCORRÊNCIAS
COM ARTEFATOS EXPLOSIVOS
Neste último tópico abordaremos apenas procedimentos preliminares,
caso o profissional de segurança pública (policial, guarda municipal,
bombeiro etc.) se depare com uma ameaça de bomba ou de artefato
explosivo localizado.

Gostaríamos de explicitar que os termos aqui mencionados não são


os específicos e técnicos utilizados pelos esquadrões de bomba das
forças regulares. As orientações aqui contidas se destinam às pessoas
que primeiro se depararem com tais ocorrências, visando a preservação
de suas próprias vidas e também de terceiros, evitando procedimentos
proibidos (leitos que possam comprometer a atuação de equipes
tecnicamente especializadas), e ainda, para evitarem procedimentos que
atrapalharão o trabalho das equipes técnicas. Não entraremos, também,
no sistema de funcionamento de um artefato explosivo (pêndulo, atrito,
pressão etc.), pois não se trata de um curso de formação de profissionais
anti-bomba e nem nos interessa os procedimentos de neutralização ou
desmontagem de uma bomba, pois tais atitudes técnicas são exclusivas
dos profissionais da área.

Precisamos diferenciar duas espécies básicas de ocorrências


envolvendo artefatos: a ameaça (via fone, carta etc.) e o material físico
deixado ou encaminhado a algum local ou a alguém:

a) Ameaça: a ameaça faz parte de um pensamento que se destina a


atingir um objetivo específico, ou se quer disseminar o pânico (atos
terroristas/ideologia), ou se quer fazer evacuar um ambiente (esvaziar um
prédio para furtar algum material existente lá), ou se quer adiar um evento
(encontro dos gestores da ALCA/MERCOSUL) ou quer promover uma
evacuação forçada para atingir um alvo específico (uma autoridade em
fuga pode ser atingida por um atirador de elite após uma ameaça de
explosão de um prédio). Não obstante o perfil do causador da crise (veja

65
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

o preconizado no capítulo 5) ser desconhecido de quem receba a


ameaça, o protocolo de procedimento é o mesmo, alterando-o a partir do
momento em que mais dados específicos são levantados acerca do
evento.

É muito comum aparecerem ameaças de bomba em escolas, mas aí


nos perguntamos: O que levaria alguém a querer detonar uma bomba em
uma escola? Seria conotação política, ideológica ou apenas um aluno que
não estudou e quer adiar a prova marcada? Independente da resposta, o
que assistimos são diretores apavorados e despreparados tocarem a
sirene ou passarem de sala em sala avisando que houve uma ligação
anônima e, sem qualquer técnica ou preparo, liberar os alunos como se
fosse um “estouro de boiada” (turba em pânico). Quando se espalha uma
informação nesses termos, sem preparo para evacuação, pode-se gerar
um pânico nas pessoas que são pegas de surpresa com o fato. Na
tentativa de evacuar pode ocorrer tumulto com conseqüente pisoteamento
daqueles que porventura caiam nos corredores do estabelecimento de
ensino. Ainda, abordando a questão da evacuação desordenada, pode
ocorrer que realmente tenha sido colocado um artefato em uma lixeira,
confeccionado com o sistema de pêndulo, logo, com tal evacuação
alguém pode esbarrar no artefato (montado na lixeira localizada no
corredor da escola), durante o corre-corre e, aí sim vir a ocorrer a
explosão, satisfazendo o interesse do autor do delito.

No caso de ameaça de bomba, via fone, sugerimos que policiais


orientem os diretores das escolas e estabelecimentos comerciais, quando
das reuniões comunitárias que adotem os seguintes posicionamentos:

 Não demonstrar medo nem desafiar o ameaçador. Haja com


naturalidade buscando colher o maior número de informações
com a pessoa que está no outro lado da linha, como, por
exemplo, perguntando o motivo pelo qual estaria colocando uma
bomba no local ou porque tal pessoa seria atingida.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

 Dê ciência ao superior hierárquico para que seja adotado o


protocolo de evacuação, previamente treinado.

 Não evacuar, de imediato, o estabelecimento até que se avalie se


realmente há potencial ofensivo na ameaça e se o local/pessoa
poderá ser alvo. O motivo para não evacuação, até a chegada da
equipe de explosivistas, sustenta-se no argumento de que, para
fazer qualquer varredura técnica, é preciso identificar quaisquer
objetos estranhos ao ambiente e, no caso de evacuação anterior
à chegada dos técnicos, todo o ambiente a ser varrido torna-se
estranho e cheio de materiais suspeitos, ao passo que,
permanecendo as pessoas no local de trabalho, a identificação de
algo alheio ao ambiente fica muito mais fácil.

 Após a chegada da equipe especializada, deve-se acatar na


íntegra as determinações passadas pelos especialistas.

 Caso o diretor, gerente ou chefe do estabelecimento opte pela


evacuação, sugerimos que o faça da seguinte forma: não sair
correndo, apenas caminhe sem tocar em nada (nem em portas,
janelas e muito menos em objetos móveis como latas de lixo e
adornos) e, caso seja possível, as pessoas devem dar as mãos
umas às outras formando uma linha humana e devem sair juntas
para evitar qualquer contato com artefatos colocados nos locais
de passagem.

b) Artefato localizado: no caso do policial (que não seja da equipe


especializada em bombas) se deparar com um objeto que presuma ser
um artefato explosivo (carta, malas, pastas etc.) deverá adotar os
seguintes procedimentos:

 Não tocar em nenhum outro objeto que esteja no mesmo cenário,


mesmo que a céu aberto, pois, poderão existir outros artefatos
plotados no local que poderão ser acionados pela explosão de
um outro (efeito simpatia).

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

 Delimite dois perímetros táticos, sendo um interno (o mais


próximo ao artefato) e um outro perímetro externo (isolamento do
público e demais pessoas) mantendo o ambiente o mais seguro
possível, livre da presença de pessoas que em nada poderão
corroborar com a solução da ocorrência.

 Colha o maior número de informações acerca dos fatos e as


passe aos especialistas, de maneira imparcial e fidedigna.

 Após repassar os dados da ocorrência aos especialistas do


GATE, desloque-se ao perímetro externo, afaste os curiosos e
apóie os explosivistas naquilo que precisarem e determinarem,
sem se aproximar do perímetro de trabalho deles.

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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

CONSIDERAÇÕES FINAIS

N ossa intenção com este livro é a de propiciar, nos momentos


mais críticos e de tensão, elementos doutrinários e técnicos
suficientes para serem consultados e implementados em todos os níveis
de gerência para melhor consecução e solução da crise.

Cada tópico do gerenciamento pode ser objeto de um livro, de uma


tese, de uma dissertação, enfim, o assunto é extenso, complexo e
detalhista, motivo pelo qual não tivemos nem a ilusão e nem a pretensão
de esgotá-lo, servindo, este trabalho, de norte a ser trilhado por outros
estudiosos no assunto e apaixonados com esta disciplina policial e,
principalmente, como forma de facilitar o trabalho dos nossos alunos da
Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, em todos os níveis.

A todos que me prestigiaram com a leitura desta obra, o meu muito


obrigado!

69
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Paulo: Saraiva, 1994.

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MIRABETE, Júlio Fabbrini. Curso de Direito Processual Penal. São


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Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

MONTEIRO, Roberto das Chagas. Gerenciamento de crises da Polícia


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SOUZA, Wanderley Mascarenhas de. Como se comportar enquanto


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SOUZA, Wanderley Mascarenhas de. Contra-ataque: medidas


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VAZ, Renato. Apostila do curso de especialização tática. Belo


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WATANABE, Paulo et al. Gerenciamento de crises. Brasília:


Departamento de Polícia Federal, 1991.

72
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

ANEXOS

73
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

Anexo 1

Foto extraída do
jornal Estado de
Minas, datado de
17 de setembro de
2001.

74
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

Anexo 2

Foto extraída do
jornal Estado de
Minas, datado de
20 de abril de
2004.

75
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

Anexo 3

Foto extraída do jornal Estado de Minas, datado de 29 de setembro de 2002.

76
Como vejo a Crise: gerenciamento de ocorrências policiais de alta complexidade

DADOS DO AUTOR

G ilmar Luciano Santos é


Capitão da Polícia Militar
de Minas Gerais (PMMG), bacharel
em Ciências Militares pela
Academia de Polícia Militar de
Minas Gerais, trabalhou por sete
anos no Grupo de Ações Táticas
Especiais (GATE), no qual atuou
como negociador em ocorrências
com reféns localizados durante
cinco anos.

Bacharel em Direito pela


Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (PUC Minas), especialista em Direito Público pela
Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages) e
mestrando em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), é professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito
Constitucional. Professor de oratória e criador do Centro de Oratória
Gilmar Luciano, prepara os alunos para sustentações orais, entrevistas,
palestras e seminários utilizando as ferramentas da Programação
Neurolinguística e Psicanálise. Trabalha como consultor nas áreas de
defesa pessoal, chefia e liderança, motivação e sucesso, atendimento ao
cliente e em gerenciamento de crises.

77
Apoio:

Thaíssa Lacerda (Mtb MG 11200 JP)

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