Você está na página 1de 15

A TRADIÇÃO ESQUECIDA

Estudo sobre a sociologia de


Antonio Candido

Luiz Carlos Jackson

A pesquisa foi feita com enorme sacrifício pessoal tísticas. Mas, noto no senhor uma tendência mais
e a elaboração do livro foi lenta e exigente. Por grave – fazer da poesia um método de sociologia.
seu intermédio, um tipo de homem pobre “livre”
ganhou espaço na estante dos clássicos. Ilumi- (Bastide, 1983, p. 8)
nou-se uma parcela do Brasil dos de baixo, o que
eles são, como gente e portadores de uma civiliza-
ção excluída e de uma sociedade subalternizada.
A trajetória intelectual de Antonio Candido é
[...] Descritos e interpretados como uma totalida-
profundamente ligada à história das Ciências So-
de, eles configuram os parceiros que não são ou-
vidos e ganharam, por meio do livro, presença ciais na FFCL/USP,1 onde realizou sua graduação
histórica nos subterrâneos de uma sociedade civil (1939-1941) e tornou-se professor assistente de
em tensão com o que ela não é mas deveria ser. Fernando de Azevedo na Cadeira de Sociologia II
(1942-1958). Afastado institucionalmente da socio-
(Fernandes, 1992, p. 35) logia e consagrado como crítico literário, a impor-
tância do autor na sociologia brasileira deve ser
resgatada em justa medida, para que se evitem os
O Crítico – Não estou contente com seus últimos extremos do esquecimento e da apologia. O tex-
livros. A rigor aceito que o sociólogo e o filósofo
to a seguir toma como ponto de partida a íntima
precisam se esforçar para serem entendidos por
todo mundo; que atenuem suas pesquisas e es- relação entre literatura, crítica e sociologia2 na
condam todo o material sobre o qual repousa seu obra do autor e avalia em particular o significado
edifício, seus trabalhos pacientes de aproximação, de Os parceiros do Rio Bonito na formação da so-
suas fichas documentárias, suas elaborações esta- ciologia paulista e brasileira.

RBCS Vol. 16 nº 47 outubro/2001


128 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Apresentado como tese de doutorado em neste aspecto a tradição de críticos como Sílvio
1954 e publicado dez anos mais tarde por José Romero e José Veríssimo – como momento ne-
Olympio na coleção “Documentos Brasileiros”, Os cessário ao mesmo processo.
parceiros do Rio Bonito é a contribuição mais im- Não há por que duvidar, a intenção está no
portante de Antonio Candido à sociologia brasilei- título. No caso de Os parceiros do Rio Bonito, tese
ra.3 A pesquisa e a escritura desse livro acontece- de doutorado apresentada à cadeira de Sociologia
ram praticamente ao mesmo tempo em que o au- II na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da
tor escreveu Formação da literatura brasileira.4 USP, há motivos de sobra para tanto, uma vez que
Esta “coincidência” sugere uma questão pouco ex- entre esse livro e as grandes interpretações do
plorada: a relação da sociologia com a crítica lite- Brasil, verifica-se na sociologia paulista um esfor-
rária na obra de Antonio Candido. Aparentemen- ço de superação dessa perspectiva, identificada
te, a produção especificamente sociológica, cujo com o Brasil arcaico e conservador. De fato, os
núcleo é Os parceiros do Rio Bonito, não tem liga- trabalhos realizados na USP e na Escola Livre de
ção estreita com a crítica. Nossa primeira hipóte- Sociologia e Política a partir da década de 40
se afirma o contrário: apesar da evidente distân- transformaram o padrão dos estudos sobre a so-
cia temática, as duas obras respondem de forma ciedade brasileira, conforme o depoimento de An-
diferenciada à mesma preocupação, apontando tonio Candido:
para uma unidade interna à diversidade de sua
produção que a vinculam a problemas típicos de A importância da Sociologia e Política e da Facul-
uma tradição específica do pensamento brasileiro. dade foi deslocar a sociologia brasileira das clas-
ses dominantes para as classes dominadas. Os
A primeira hipótese relaciona-se à segunda:
grandes nomes da sociologia brasileira eram Gil-
Os parceiros do Rio Bonito não é apenas uma mo- berto Freyre e Oliveira Vianna, que estudavam as
nografia antropológica (ou um estudo de comuni- classes dominantes, na perspectiva da história. A
dade), mas uma interpretação abrangente de realidade imediata do Brasil contemporâneo foi
nossa formação social. A afirmação deve ser mati- estudada pela Escola de Sociologia e pela Facul-
zada, pois o livro descreve a vida de um grupo de dade em suas camadas humildes. Samuel Lowrie
parceiros na fazenda Bela Aliança, situada no pe- fez a pesquisa sobre o lixeiro; Gioconda Mussoli-
ni estudou os caiçaras; eu estudei o parceiro ru-
queno município de Bofete, no interior de São
ral; Egon Schaden, o índio destribalizado; Flores-
Paulo. É a partir do parceiro de Bofete, entretan- tan, o negro. Por assim dizer, nós radicalizamos a
to, que Antonio Candido recupera a formação his- sociologia brasileira” (depoimento concedido em
tórica da cultura caipira no Estado de São Paulo, 30/09/1996).
e com ela a tradição esquecida da formação so-
cial brasileira. Apesar de distanciar-se do ensaísmo, ao lado
É conhecida a leitura de Paulo Arantes e dos autores citados, todos vinculados à então re-
Roberto Schwarz, que enquadra a obra máxima cente experiência acadêmica paulista, Os parcei-
de Antonio Candido, Formação da literatura ros do Rio Bonito aproxima-se ao sugerir uma in-
brasileira (cuja redação não teve motivação aca- terpretação ampla da formação social brasileira a
dêmica), na tradição dos mais importantes en- partir da colonização paulista, iniciada no século
saios histórico-sociológicos das décadas de 30 e XVI. Nesse sentido, pode ser lido dentro da longa
40: Casa- grande & senzala, de Gilberto Freyre; tradição do pensamento social brasileiro, mas es-
Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda pecialmente ao lado de autores como Euclides da
e Formação do Brasil contemporâneo, de Caio Cunha, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holan-
Prado Jr. Tais estudos, indefinidos entre história, da e Caio Prado Jr.
sociologia e literatura, interpretam o processo de Em Os parceiros do Rio Bonito, a argumenta-
formação da nação e do Estado brasileiro. De ção de Antonio Candido percorre diferentes ní-
maneira análoga, Formação da literatura brasi- veis, articulados a partir da etnografia realizada
leira descreve a formação literária – seguindo em Bofete. Destacamos aqui sua preocupação his-
A TRADIÇÃO ESQUECIDA 129

tórica, evidente na primeira parte do livro. O livro pelo fato de haver misturado Hegel, Ricardo,
foi recebido inicialmente como trabalho de cunho Adam Smith, Malthus, economistas liberais e so-
antropológico, dos primeiros a estudar de perto e cialistas franceses (depoimento concedido em
06/06/1996).
sistematicamente a cultura das populações cam-
ponesas no Brasil. O grupo estudado habitava a
A etnografia realizada em Bofete é o princi-
fazenda Bela Aliança, em Bofete, onde Edgard Ca-
pal método de trabalho. Sua importância é central,
rone viveu por doze anos, entre 1948 e 1960.5 Na
pois permite a reconstrução histórica da vida cai-
época, a fazenda, que produzira café até o princí-
pira tradicional com depoimentos de velhos caipi-
pio do século, estava voltada para a produção de
ras, ao mesmo tempo em que fornece dados para
gêneros de subsistência. O principal regime de
a compreensão da vida do agrupamento de par-
trabalho era a parceria.6 Preocupado com as trans-
ceiros estudado, e a transformação da cultura cai-
formações da sociedade caipira diante do fenôme-
pira em geral.7 Como fontes históricas escritas, são
no da urbanização, Antonio Candido escolhe o
utilizados relatos de viajantes do século XVIII e
parceiro como objeto da pesquisa etnográfica por-
XIX, além de autores folcloristas do começo do
que ele seria uma espécie de ponto médio entre
século, como Amadeu Amaral e Cornélio Pires. O
o caipira, sitiante autônomo, e o trabalhador assa-
trabalho é caracterizado pelo autor como resulta-
lariado. O objetivo explícito era buscar elementos
do “de certas orientações do antropólogo a outras
que permitissem entender a assimilação do caipi-
mais próprias do sociólogo”, (Candido, 1971, p.
ra pela sociedade abrangente. Mas o livro apre-
17) o que significa combinar a descrição detalha-
senta, também, uma reconstrução histórica do
da de um universo particular com as generaliza-
“mundo” caipira desde os primórdios da coloniza-
ções exigidas pela análise sociológica,8 aqui preo-
ção em São Paulo, colonização singular porque,
cupada com a assimilação da sociedade caipira
desde o século XVI, esteve voltada para a pene-
pela capitalista abrangente, como já foi dito.
tração do interior.
O livro não apresenta somente uma análise
No prefácio de 1964, Antonio Candido apon-
objetiva e imparcial, como os de Emílio Willems
ta as influências intelectuais que atuaram direta-
e Donald Pierson: “procuro localizar um aspecto
mente na elaboração do trabalho. São citados os
da vida social [...] considerado não só como tema
seguintes autores estrangeiros: Marx, Redfield, Au-
sociológico, mas também como problema social”
drey Richards, Malinovski, Lévi-Strauss. O autor
(Candido, 1971, p. 20). Sugere uma proposta po-
brasileiro referido é Sérgio Buarque de Holanda,
lítica: a reforma agrária, orientada por estudos
cujos trabalhos citados são Monções e “Índios e
sobre a cultura e a sociabilidade das populações
mamelucos na expansão paulista”. A “presença”
rurais. A análise, comprometida com os proble-
de Marx, restrita à teoria da história da Ideologia
mas sociais e informada pela história, afasta Os
alemã, afirma a preocupação histórica em Os par-
parceiros do Rio Bonito dos estudos de comuni-
ceiros do Rio Bonito, e direciona a análise para a
dade, rejeitados por Antonio Candido “pelo que
produção dos meios de vida.
tem de estático e convencional” (Candido, 1971,
Quanto às críticas que, ouvi dizer, alguns faziam p. 20). O autor localiza a pesquisa no universo
a respeito de eu ter misturado autores tão díspa- das culturas “rústicas”; enquanto “rural” diz res-
res, penso que não cabem, porque toda tentati- peito à localização, “rústico” “pretende exprimir
va de síntese parte necessariamente de elemen- um tipo social e cultural, indicando o que é, no
tos díspares. O importante é chegar a um ponto Brasil, o universo das culturas tradicionais do
de vista integrado, harmonioso e realmente ex- campo; as que resultaram do ajustamento do co-
plicativo. Quero ainda esclarecer que sofri mui-
lonizador português ao Novo Mundo, seja por
ta influência de Marx, mas nunca me considerei
marxista propriamente dito, obrigado a ser coe- transferência e modificação dos traços da cultura
rente com a totalidade de sua filosofia. E, pen- original, seja em virtude do contato com o abo-
sando bem, Marx também poderia sofrer reparos rígene” (Candido, 1971, p. 21).
130 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Embora ligada à cultura que se desenvolveu principalmente relatos de viajantes, e depoimen-


nos latifúndios, a cultura rústica estaria mais pró- tos de velhos caipiras, para alcançar o “tempo dos
xima das culturas indígenas, e teria se desenvolvi- antigos”. A conclusão é que a sociedade caipira se
do de forma mais isolada, o que não implica formara durante a expansão paulista, principal-
isolamento total.9 O camponês pobre, mais ou mente em seus momentos derradeiros (século
menos presente de acordo com a região, seria o XVIII), à medida que os homens abandonavam as
“representante típico”. O caipira é o homem rústi- expedições e fixavam moradia no interior paulis-
co da área delimitada pela colonização paulista. ta; suas características são, portanto, influenciadas
Ao estudar o caipira, a partir de sua formação his- por esse processo. Terra abundante, mobilidade
tórica, Antonio Candido chama a atenção do lei- constante, caráter aventureiro do mameluco e re-
tor para os grupos marginalizados da coloniza- lação quase visceral com a natureza determina-
ção,10 não contemplados pelas interpretações mais riam as formas de adaptação do caipira ao meio
amplas de nossa formação histórica até então. A ambiente.
exceção seria Euclides da Cunha, como afirma na Do povoamento disperso resulta ainda a for-
palestra proferida em 1954: “Nous lui devons le ma típica de organização social, o bairro, unida-
premier effort pour caractériser la réalité propre de mínima da sociabilidade caipira, “consistindo
aux cultures rustiques du Brésil, dont la genèse lui no agrupamento de algumas ou muitas famílias,
semblait être dirigée par l’isolement géographique mais ou menos vinculadas pelo sentimento de lo-
et le mélange racial” (Candido, 1955, p. 323). calidade, pela convivência, pelas práticas de au-
A relação entre a obtenção dos meios de xílio mútuo e pelas atividades mágico-religiosas”
vida e as formas de sociabilidade correspondentes (Candido, 1971, p. 62). O bairro situa-se entre os
constitui o tema central do estudo. Há aqui um centros de povoamento urbano, aos quais recor-
“encontro” da teoria da história de Marx – o gru- re o caipira eventualmente, e o isolamento. A
po é estudado a partir das relações que estabele- ocupação do território é, em geral, transitória,
ce com a natureza para obter sua sobrevivência – não constitui propriedade.
com o funcionalismo de Malinovski, que “mostra- O trabalho familiar, base da economia, é
ria que a satisfação das necessidades, sendo uma complementado pela ajuda dos vizinhos, em ativi-
das molas da cultura, já se situa em pleno terreno dades de que a família não dá conta; conforme a
institucional” (Candido, 1971, p. 25). Como se tra- definição acima, “é membro do bairro quem con-
ta do estudo de grupo originado do colonizador voca e é convocado” a participar do mutirão. Ape-
português, em situação de mudança, Antonio sar de o aspecto econômico envolvido no mutirão
Candido propõe um estudo comparativo entre o ser importante para sua explicação, ele não o es-
grupo estudado e a sociedade abrangente, recor- gota. Aqui, a interpretação recorre a Lévi-Strauss:
rendo às noções de “mínimo vital” e “mínimo so- sua ocorrência está vinculada a um sistema de tro-
cial”. Os “mínimos” definem os limites para a so- cas que estabelece vínculos sociais entre os inte-
brevivência física e social do grupo; abaixo deles grantes do bairro; do qual também fazem parte as
estariam a fome e a anomia. trocas alimentares e as atividades mágico-religio-
Da relação entre produção dos meios de sas. A vida social do caipira corresponde, entre-
vida e sociabilidade, destaca-se a produção da tanto, a um mínimo, uma vez que na maior parte
dieta, porque a alimentação seria a principal ne- do tempo prevalece o círculo familiar como cerne
cessidade humana, inadiável em qualquer grupo e da sociabilidade. Trata-se de cultura que se trans-
circunstância. A sociologia proposta pelo autor é forma muito pouco no decorrer do tempo, e que
chamada, então, de “sociologia dos meios de sub- recorre à tradição como recurso de ajustamento à
sistência”, buscando interpretar todas as dimen- nova situação, como veremos.
sões da vida social, a partir da alimentação. Na segunda parte do livro, a descrição da ro-
Na primeira parte do livro, é feita a recons- tina dos parceiros é minuciosa. São descritas as
trução histórica a partir de documentos escritos, técnicas de plantio para as diversas espécies de
A TRADIÇÃO ESQUECIDA 131

milho, arroz e feijão utilizadas. O tempo do par- tica, a questão fundamental é entender a natureza
ceiro é regulado pelo ritmo de seu trabalho na la- da mudança social nas comunidades. Na sociolo-
voura; assim, as unidades de tempo que importam gia, a partir dos anos 50, as pesquisas se voltam
são o dia, a semana e o ano agrícola. O mês, fun- para a explicação das grandes transformações que
damental para o trabalhador assalariado, para ele ocorrem na sociedade brasileira naquele momen-
pouco importa. As festas demarcam o ano: São to, relacionadas à modernização do país, em
Roque é o início, em agosto, e São João o fim, em função da aceleração dos processos de industria-
junho. O trabalho é fundamentado na família, lização, urbanização, formação da sociedade de
onde ocorre a divisão sexual do trabalho, e com- classes e democratização política.
plementado pelo auxílio vicinal. Mas as modalida- A interpretação de Antonio Candido integra
des de auxílio são diferentes das descritas para a essas duas questões a partir da análise da situa-
cultura caipira tradicional, aparecendo mais as tro- ção de crise da cultura caipira, em face da expan-
cas de serviço do que o mutirão, que fica restrito são da economia capitalista. No grupo de parcei-
à família e aos mais íntimos. ros estudado, o autor busca diferenciar os fatos
No grupo estudado, prevalecia em grande que indicam persistência de padrões tradicionais
parte o cardápio tradicional: feijão, arroz e milho. dos que apontam a alteração. Como o momento
O feijão é o “chefe da mesa”. As misturas são ra- é de crise, os segundos prevalecem em relação
ras; eventualmente frango, caça, ovos; quase nun- aos primeiros.
ca carne de vaca e pão. Pouco freqüentes no pra- Em face da crescente imposição de necessi-
to, as misturas não saiam da cabeça do caipira. dades pelo mercado capitalista, o caipira vai aos
Antonio Candido introduz aqui a “fome psíquica”, poucos integrando sua vida econômica à econo-
frustração que acompanha o caipira, mesmo mia geral. Sistema tradicionalmente semi-fechado,
quando a fome física está satisfeita. Descreve, a crise da cultura caipira se expressa, então, nos
também, a obtenção dos ingredientes, o modo de problemas decorrentes de sua integração ao capi-
preparar e temperar os alimentos, e as diversas si- talismo. O caipira dependia antes da mobilidade e
tuações em que ocorrem as refeições. As oportu- de terra abundante para amenizar os prejuízos de-
nidades de comer algo diferente surgiam nas fes- correntes da adaptação precária ao meio ambien-
tas, religiosas ou não, e quando algum vizinho te; na nova situação, sua sobrevivência torna-se
matava um animal, em geral porco, e oferecia car- cada vez mais difícil. Diante do mercado, ele é
ne. Ao contrário do que diziam folcloristas como obrigado a intensificar o ritmo de trabalho para
Cornélio Pires, a dieta caipira era, portanto, pobre conseguir complementar sua produção; a regula-
e mal equilibrada. A segunda parte do livro des- ridade dos preços, na compra dos produtos de
creve, enfim, a etnografia centrada na dieta do que necessita, não é acompanhada pela regulari-
parceiro de Bofete, mas os dados recolhidos ser- dade na venda do que produz. Esse problema,
vem, também, como fonte para reconstituir a vida acrescido da dificuldade de racionalizar a econo-
caipira tradicional e para o estudo sobre a família mia doméstica, conduz ao desequilíbrio. Alguns
caipira, publicado em anexo no livro. conseguem se adaptar ao novo modo de vida, ou-
A terceira parte, “Análise da Mudança”, inter- tros acabam na miséria.
preta sociologicamente os dados recolhidos na et- Na nova forma de ajuste social, o mundo do
nografia. Se a primeira parte nos remete para os caipira fragmenta-se: as várias dimensões ganham
clássicos dos anos 30 e 40, esta deve ser lida a autonomia neste processo; não há mais interpene-
partir das preocupações teóricas que orientam tração de trabalho, lazer e religiosidade. Embora
grande parte dos trabalhos publicados nos anos não faça referência direta a Weber ou Marx, Anto-
40 e 50. Na antropologia, com o impacto dos “es- nio Candido mostra que a transformação da cultu-
tudos de comunidade”, introduzidos no Brasil por ra caipira está submetida à racionalização crescen-
Emílio Willems e Donald Pierson, respectivamen- te descrita por Weber e à alienação provocada
te na USP e na Escola Livre de Sociologia e Polí- pela mercadoria no capitalismo, conforme Marx.
132 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Também as posições sociais se alteram: da a inclusão e não a exclusão das populações rústi-
indiferenciação tradicional, passamos a uma estru- cas, inseridas em processo de urbanização inevi-
tura social que se reorganiza no sentido da socie- tável. A proposta de Antonio Candido é limitada,
dade de classes. Todas as transformações descri- entretanto, pela sua interpretação, que retira do
tas geram desequilíbrio na sociedade caipira, e a caipira e do homem rústico qualquer possibilida-
sobrevivência do grupo fica seriamente ameaçada. de de ação política autônoma.12
Como reage o caipira a esse processo? Escrito na década de 50, quando a grande
De maneira geral, a cultura caipira caminha preocupação era buscar orientação cada vez mais
para o fim inevitável, mas revela ao mesmo tem- científica na USP, Os parceiros do Rio Bonito afas-
po formas de resistência. A crise cultural provoca tou-se do “espírito” acadêmico vigente e causou
reações psicológicas complexas no caipira. Como certo estranhamento. Embora tenha sido bem re-
vimos, as técnicas tradicionais são abandonadas e cebido – o livro teve oito edições entre 1964 e
desprezadas, mas as dificuldades crescentes de 1998 – foi criticado, sobretudo nos anos 60, por
adaptação ao universo capitalista tem como con- misturar esquemas teóricos aparentemente incom-
traponto a valorização do passado. patíveis e também por apresentar linguagem pou-
co científica.
Ninguém trabalhava alugado, porque para isto A interpretação que se segue recorre à leitu-
havia os cativos; não havia aforante nem colônio: ra de textos do autor, desde a tese sobre Sílvio Ro-
era o “tempo das posse” e todos tinham a sua ter-
mero, nos quais verifica-se o esforço de descrever
ra. Era só chegar, tomar conta e pedir para o Go-
o processo de formação do pensamento brasileiro
verno, que concedia áreas medindo uma légua de
frente por três de fundo. Mas depois vieram os fa- – Formação da literatura brasileira é o núcleo
zendeiros ricos e como a caboclada era ignoran- desta reflexão. Na produção especificamente so-
te, foram comprando barato de uns, tomando à ciológica, estão relacionadas com o tema: “Eucli-
força de outros (Candido, 1971, p. 194).11 des da Cunha sociólogo”, 1952; “Informação sobre
a sociologia em São Paulo”, artigo publicado ori-
A contraposição da dissolução da sociedade ginalmente em 1954; “L’état actuel et les problè-
caipira e da resistência cultural acaba matizando o mes les plus importants des études sur les socié-
pessimismo da análise. A repulsa do parceiro ao tés rurales du Brésil”, 1955; e “A sociologia no
trabalho assalariado, a mobilidade na medida ain- Brasil”, 1957. Outros artigos importantes dentro
da possível, a formação de blocos familiares onde desta orientação são: “O significado de Raízes do
são preservados os fatores de sociabilidade são in- Brasil”, publicado em 1963 como prefácio do livro
terpretadas como resistência. Mas as formas de re- de Sérgio Buarque; “Literatura e cultura de 1900 a
sistência não significam para o autor uma saída 1945”, publicado em 1965 no livro Literatura e so-
viável para a crise que enfrenta o caipira. ciedade; “Literatura e subdesenvolvimento”, 1970;
Se o processo de incorporação à vida urba- “A Revolução de Trinta e a cultura”, 1983; “Radi-
na deixa o caipira em condição precária, muitas calismos”, 1990.
vezes de miséria, é porque não há vontade políti- Podemos tomar suas reflexões sobre a for-
ca de integrar o homem rústico, ou de contribuir mação do pensamento brasileiro para entender
para a melhoria de seu nível de vida. A conclusão aspectos de sua obra; isso porque, ao mesmo tem-
de Antonio Candido é política: se o fator limitan- po em que interpreta os autores de nossa literatu-
te para a sobrevivência física, em primeiro lugar, ra e de nosso pensamento social, com a preocu-
e social, em segundo, é a indisponibilidade de ter- pação de esclarecer o processo de formação do
ra, a solução é a reforma agrária. Em nenhum mo- pensamento brasileiro, Antonio Candido fixa sua
mento do livro, embora haja simpatia pelo caipi- posição teórica, embora quase sempre o faça de
ra, há a defesa do retorno à vida tradicional, que, maneira muito sutil. Nesse sentido, o que diz de
como vimos, resultava de ajuste mínimo ao meio outros autores pode servir de referência para
ambiente. De forma sintética, o que se propõe é compreendermos sua obra.
A TRADIÇÃO ESQUECIDA 133

Em Formação da literatura brasileira, além literário”. O índio é idealizado pelos poetas ro-
de estudar esteticamente as obras, Antonio Candi- mânticos, que atribuem a ele a origem de nossa
do descreve a formação do “sistema literário” história. Mais comprometido com a realidade, o
brasileiro. A importância do livro, para compreen- romance torna-se o veículo adequado para ex-
dermos a constituição da sociologia, entre outras pressar a ideologia nacionalista. Inicialmente po-
especialidades do pensamento brasileiro no sécu- bre, vai sendo sofisticado até Machado de Assis,
lo XX, é que a literatura seria, até as décadas de onde se revela a maturidade da literatura brasilei-
20 e 30, a forma preferencial de reflexão sobre o ra. O processo de amadurecimento é, para Anto-
Brasil. Em nossa literatura, a configuração do “sis- nio Candido, resultado do longo processo de
tema literário” ocorre durante o arcadismo e o ro- formação. A emergência de Machado não é expli-
mantismo, aproximados pela mesma “vocação cada a partir das influências externas, ainda que
histórica”, traduzida pela consciência por parte sejam também importantes, mas das internas:
dos escritores de seu papel na constituição da li-
teratura nacional. No romantismo, o nacionalismo Na verdade, ele [Machado] foi, sob vários aspec-
intensifica-se em função do processo de indepen- tos, continuador genial, não figura isolada e lite-
rariamente sem genealogia no Brasil, tendo en-
dência e de construção do Estado Nacional. Antes
contrado em Alencar, além da sociologia da vida
da passagem para o romantismo, entretanto, na urbana, sugestões psicológicas muito acentuadas
fase decadente do arcadismo, surgem os gêneros no sentido da pesquisa profunda (Candido, 1993,
públicos que, em função da efervescência política vol. 2, p. 193).
e da rotinização literária, prevalecem diante da
produção literária e marcam o pequeno “surto das Depois de percorrer a produção literária no
luzes” brasileiro. A forma mais expressiva é o jor- arcadismo e no romantismo, Formação da litera-
nalismo de ensaio, e o nome mais importante, Hi- tura brasileira termina com um estudo sobre a gê-
pólito da Costa. Este período é rapidamente supe- nese da crítica literária no Brasil. Como no capítu-
rado com a emergência do romantismo, mas sua lo em que nos informa as condições históricas e
importância é grande porque revela, pela primei- literárias que permitiram o surgimento dos gêne-
ra vez em forma não literária, uma reflexão crítica ros públicos, importa-nos a relação direta com o
sobre a realidade brasileira. Nesse momento, con- tema central da obra – a formação do sistema li-
forme Antonio Candido, define-se por aqui o pa- terário – mas também perceber que o surgimento
pel do intelectual que se integra na vida social e da crítica é parte do processo de diferenciação do
política e liberta-se da religião. A grande preocu- trabalho artístico e intelectual; em outros termos,
pação é questionar a relação metrópole-colônia e, de nossa formação cultural erudita.
depois da independência, indagar sobre o pro- Antonio Candido fecha o livro citando Ma-
gresso do país, para interferir diretamente nesse chado de Assis. A citação vem do artigo “Instinto
processo, indicando os rumos a serem tomados. de nacionalidade”; a idéia defendida por Machado
Efetivada a passagem do arcadismo ao ro- é simples e decisiva: uma literatura nascente não
mantismo pelo “grupo da Niterói”, liderado por pode restringir-se a temas locais, uma vez que a
Gonçalves de Magalhães, a reflexão sobre nossa independência só é alcançada quando os autores
realidade volta à forma literária. O nacionalismo é têm competência para tratar de temas universais.
anterior à reforma romântica, mas, absorvido por Retomando a tese central de Formação da litera-
ela, constitui-se em um de seus principais aspec- tura brasileira, a formação do sistema literário se
tos. Manifesta-se na preocupação quase unânime completa no romantismo. Ao final do século XIX,
dos escritores de descreverem a natureza, os cos- o sistema está maduro, o que se comprova pela
tumes, a história e os sentimentos brasileiros. Tal obra de Machado de Assis. Nele, a combinação en-
seria a estratégia para tornar nossa produção lite- tre as influências que absorve de nossos escritores
rária independente. O indianismo desponta aqui se combinam com as influências externas, para
como tema central, simbolizando o “nacionalismo produzir uma obra universal. O horizonte de nos-
134 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

so autor não é, portanto, a separação de nossa li- ciplina universitária” e da “produção regular no
teratura das que a originaram, mas sua reintegra- campo da teoria, da pesquisa e da aplicação”
ção. Nos termos de Roberto Schwarz, Antonio (Candido, 1957, p. 2107). No final do século XIX,
Candido não é nacionalista, mas “internacionalis- a influência do evolucionismo é determinante e os
ta”. Em Formação da literatura brasileira, Antonio intelectuais, em sua maioria juristas, formulam, a
Candido reconstrói a formação de nossa literatura partir dos fatores naturais, principalmente a raça,
como sistema e sugere que nela está a origem de as etapas de nossa evolução histórica. A “supera-
nossa vida intelectual e artística; a crítica literária e ção” do evolucionismo ocorreria através de Eucli-
o pensamento social aparecem inicialmente como des da Cunha, que e Os sertões apresentava “uma
gêneros literários e se autonomizam progressiva- fórmula bem brasileira de estudos sociais, em que
mente. Vejamos o depoimento do autor: a reconstrução do passado se amoldava a certos
pontos de vista do presente; em que o estudo se
Formação da literatura brasileira é de certa ma- misturava à intuição pessoal e o cientista ao retó-
neira um estudo de formação do pensamento bra- rico, ou ao escritor”(Candido, 1957, p. 2107). Eu-
sileiro no campo da literatura. Lá, eu digo que
clides é um autor chave no esquema de Antonio
não pretendi fazer uma mera história da literatu-
Candido. Sua importância se explica pela origina-
ra, dos textos literários. É um estudo sobre a von-
tade dos brasileiros de terem uma literatura. lidade da análise em Os sertões, voltada para a par-
“Como é que os brasileiros pensaram a literatura?” te da sociedade brasileira esquecida pelas análises
Este é o ângulo do meu livro, ou seja, como é que precedentes, e também pelas posteriores, que in-
os brasileiros foram concebendo aos poucos a li- terpretaram o Brasil a partir das classes dominan-
teratura, como é que eles foram se sentindo mais tes e/ou das relações sociais e políticas centraliza-
originais. Nela, me ponho no ponto de vista his- das no latifúndio. Na literatura, rompeu com a
tórico. Acredito na causação histórica, embora ela
visão idealizada do homem rural brasileiro, que se-
não possa ser determinada com precisão. Não há
causação histórica de tipo mecânico, é claro, pois ria ainda por certo tempo a tônica de estudos
os fatos históricos se produzem em função de folcloristas feitos por escritores como Valdomiro
uma quantidade de fatores, que derivam uns dos Silveira, Amadeu Amaral e outros. Como Sílvio
outros. Procurei observar isto na literatura. É de Romero, Euclides baseou-se no determinismo geo-
certa maneira um capítulo da formação do pensa- gráfico e racial, mas as conclusões mais importan-
mento brasileiro no terreno da literatura, não só a tes do livro teriam sido retiradas do fato presencia-
produção dos textos literários, mas como, ao lado
do pelo autor em Canudos, onde esteve, como se
da criação dos textos literários, os brasileiros pen-
savam no significado histórico dessa elaboração. sabe, como repórter de O Estado de S. Paulo. Este
Pensando nisto, eles pensavam o seu país (depoi- é mais um aspecto destacado, sua interpretação é
mento concedido em 30/09/1996). retirada do contato direto com a realidade:

A obra termina no final do século XIX, pon- Do acontecimento, Euclides extrai limpidamente
a teoria, salientando o significado social da coe-
to de partida de “A sociologia no Brasil” e também
xistência de dois Brasis, cujas relações poderiam
de “L’état actuel et les problèmes les plus impor- tomar, periodicamente, um sentido de grande tra-
tants des études sur les sociétés rurales du Brésil”. gédia coletiva, se não se desenvolvesse uma polí-
Antonio Candido divide o processo de formação tica adequada para superar a distância entre am-
da sociologia no Brasil em três fases: a primeira, bos (Candido, 1957, p. 2110).
1880-1930, marcada por estudos não especializa-
dos e voltados para interpretações globais do Bra- A preocupação com Euclides, no que diz
sil; a segunda, transitória, 1930-1940, é o momen- respeito à sociologia, já havia sido revelada dez
to de publicação dos ensaios histórico-sociológi- anos antes – 1947 – em conferência proferida em
cos de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque e Caio Pra- São José do Rio Pardo, na semana euclideana.
do Jr.; a terceira, 1940 em diante, é a fase de “con- Com poucas alterações o texto seria publicado em
solidação e generalização da sociologia como dis- OESP, 1952, em página comemorativa dos cin-
A TRADIÇÃO ESQUECIDA 135

qüenta anos de Os sertões. Os títulos indicam, tal- nha, Oliveira Vianna defendia estudos mais am-
vez, pequena diferença. O texto inédito de 1947 é plos, não monográficos, voltados para a com-
“O sociólogo em Euclides da Cunha”; o de 1952 é preensão da evolução social brasileira. Tal atitude
“Euclides da Cunha sociólogo”. Se os argumentos se explicaria, segundo Antonio Candido, pelo na-
não se alteram substancialmente, confirmando cionalismo vigente. O esquema do autor deságua
que há em Os sertões uma reflexão sociológica, em proposta política e administrativa, retirada de
embora informada pelas teorias deterministas do sua análise da sociedade centrada na família, que
século XIX, os títulos indicam conclusões ligeira- seria o núcleo da sociedade brasileira. A solução
mente distintas. Enquanto o primeiro chama a preconizada é a centralização política e a raciona-
atenção para o “sociólogo” escondido nas entreli- lização administrativa. Na formação da sociologia,
nhas do livro, o segundo afirma Euclides como o autor aparece como “o divisor de águas entre a
sociólogo. Se esta inferência é correta, indica uma tendência para a vista sintética, como dizia Sílvio
questão de fundo que norteia a produção socioló- Romero, e a necessidade de discriminar tipos so-
gica de Antonio Candido acerca do estatuto epis- ciais, de que Euclides fora o precursor” (Candido,
temológico da disciplina. 1957, p. 2113).
Até a época de Oliveira Vianna, apesar da ca-
Mas com isso tudo, e talvez por causa disso tudo, rência de teoria e de “métodos diretos de pesqui-
a sua interpretação tem um toque de gênio, por- sa empírica da realidade presente”, já havia “cons-
que, mais, muito mais que um sociólogo, foi uma
ciência dos fatos essenciais da realidade brasileira
espécie de iluminado. As simplificações que ope-
que lhe competia estudar”; “pontos de vista coe-
rou, na síntese das grandes visões de conjunto, lhe
permitiram captar a realidade mais profunda do rentes sobre o país”; e “critérios explicativos”,
homem brasileiro do sertão (Candido, 1947, p. 7). “como o recurso à história, o estudo da adaptação
ao meio, a avaliação das etnias na formação social,
A diferença sutil de um texto para outro re- o senso da complexidade cultural” (Candido, 1957,
pousa no impacto deste parâmetro – a capacida- p. 2113). Na fase de transição, nos anos 30, a re-
de de captar profundamente a realidade social – novação teórica e metodológica de Gilberto Frey-
para definir uma abordagem sociológica. De “O re seria a ponte entre os precursores da sociologia
sociólogo em Euclides da Cunha” para o “Euclides e a sociologia como disciplina científica consolida-
da Cunha sociólogo” amadurece a concepção de da. A renovação de Gilberto Freyre está, todavia,
sociologia menos formal e científica e mais intui- ligada a processo histórico mais amplo: as transfor-
tiva e literária.13 mações sociais e políticas decorrentes da crise da
Euclides é, portanto, ao lado de Gilberto República Velha e da Revolução de Trinta. Esta se-
Freyre, o representante mais típico da “forma bem ria o “eixo” das transformações que atingem tam-
brasileira de investigação e descoberta do Brasil”, bém a cultura, “sacudida” na década de 20 pelo
que se situa entre literatura e ciência. A investiga- modernismo. No ensaio “Literatura e cultura de
ção pouco sistemática é compensada pela intui- 1900 a 1945”, publicado em 1953 na Alemanha e
ção e qualidade literária do escritor, oriundo, em 1965 no livro Literatura e sociedade, Antonio
como vimos, de tradição literária comprometida Candido destaca o romantismo e o modernismo
com a descrição e análise da realidade brasileira. como “momentos decisivos” da literatura brasilei-
É importante também a preocupação política de ra. No plano temático, o modernismo seria o mo-
Euclides com o destino das populações rurais bra- mento da superação do nacionalismo pitoresco,
sileiras, ou, nos termos de Antonio Candido, com marcado pela idealização, propondo o estudo do
os grupos rústicos, que englobam tanto os “faná- homem brasileiro, conforme os trechos seguintes:
ticos” de Antonio Conselheiro, como os caipiras
de Os parceiros do Rio Bonito. Na nossa cultura há uma ambigüidade funda-
O terceiro autor destacado na exposição é mental: a de sermos um povo latino, de herança
cultural européia, mas etnicamente mestiço, si-
Oliveira Vianna. Ao contrário de Euclides da Cu-
136 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

tuado no trópico, influenciado por culturas primi- pela difusão de teorias e métodos de pesquisa e
tivas, ameríndias e africanas. Esta ambigüidade também de um novo “espírito”, mais científico e
deu sempre às afirmações particularistas um tom profissional, e menos literário. Nas décadas de 40
de constrangimento, que geralmente se resolvia
e 50, o ensino e a pesquisa, marcados pela nova
pela idealização [...]. O modernismo rompe com
este estado de coisas [...]. O mulato e o negro são orientação trazida pelos professores estrangeiros,
definitivamente incorporados como temas de es- consolidam a sociologia como disciplina científica
tudo, inspiração, exemplo. O primitivismo é ago- diferenciada.
ra fonte de beleza e não mais empecilho à elabo- Na última parte de “A sociologia no Brasil”,
ração da cultura. Isso, na literatura, na pintura, na Antonio Candido descreve as tendências da nova
música, nas ciências do homem (Candido, 1976, disciplina e revela sua posição, embora o faça dis-
p. 119).
cretamente. De acordo com o “espírito” vigente na
década de 50, são reforçados os aspectos conside-
Na década de 30, as inovações modernistas
rados científicos – teorias, métodos, técnicas, pes-
são incorporadas pela cultura brasileira, e Gilberto
quisa empírica – enquanto os aspectos estéticos
Freyre é um de seus representantes, ao lado de
são menosprezados. O processo indica maturidade
Sérgio Buarque, através do ensaio histórico-socio-
científica, e também esforço para romper com a
lógico. A preocupação de estudar a realidade bra-
tradição do pensamento brasileiro, marcado pelo
sileira manifesta-se no grande número de estudos
sincretismo, “sincretismo que pode parecer indevi-
publicados, principalmente nas coleções “Brasilia-
do e talvez o seja em certa medida, mas correspon-
na” e “Documentos Brasileiros” (conforme “A Re-
de a características da nossa evolução mental e
volução de Trinta e a cultura”). Tanto em “A socio-
necessidades ainda sentidas de compreensão da
logia no Brasil”, como em “Literatura e cultura de
nossa realidade”. A indiferenciação intelectual, si-
1900 a 1945”, Antonio Candido destaca, como for-
nal de amadorismo, teria como contrapartida a van-
ma típica de expressão do nosso pensamento, esta
tagem de permitir ao “espírito e aos métodos socio-
espécie de sincretismo entre literatura e sociologia:
lógicos estenderem-se por vários setores que lhe
Não será exagerado dizer que esta linha de ensaio estariam vedados em países de especialização aca-
– em que se combinam com felicidade maior ou dêmica mais estrita, enriquecendo o conhecimento
menor a imaginação e a observação, a ciência e a da realidade e facultando maior plenitude à perso-
arte, – constitui o traço mais característico e origi- nalidade dos estudiosos” (Candido, 1957, p. 2118).
nal do nosso pensamento. Notemos que, esboça- A mensagem de Antonio Candido parece
do no século XIX, ela se desenvolve no atual, clara: embora a especialização acadêmica seja re-
onde funciona como elemento de ligação entre a
quisito para a consolidação da sociologia como
pesquisa puramente científica e a criação literária,
dando graças a seu caráter sincrético, uma certa disciplina científica, o rigorismo metodológico e
unidade ao panorama de nossa cultura (Candido, teórico pode limitar a sensibilidade do pesquisa-
1976, p. 130). dor para compreender a realidade. Retomando o
texto “L’état actuel et les problèmes les plus
Outro fato marca radicalmente a década de importants des études sur les sociétés rurales du
30: são as reformas educacionais que têm como Brésil”, 1955, e o prefácio de Os parceiros do Rio
um de seus aspectos a fundação da USP, em 1934, Bonito, a crítica aos estudos de comunidade –
e a criação dos cursos de Filosofia, Letras e Ciên- principalmente Cunha, de Willems, e Cruz das Al-
cias Sociais. Somente com a emergência do ensi- mas, de Pierson – reside justamente na falta de
no e da pesquisa academicamente conduzida, a sensibilidade para perceber os problemas mais
sociologia sairia do “amadorismo”. Nos termos de amplos ligados às sociedades rústicas. A diferença
Antonio Candido, na USP ocorreria a passagem do mais importante, neste sentido, é que Antonio
“ponto de vista sociológico” para a “ciência da so- Candido recorre à história para compreender o
ciologia”. Nesse processo é fundamental a partici- grupo estudado. Como sugeri neste capítulo, isso
pação dos professores estrangeiros, responsáveis se deve à sua orientação marxista, mas também à
A TRADIÇÃO ESQUECIDA 137

influência que recebeu dos ensaios histórico-so- por mudanças para superá-los. Temos aqui, por-
ciológicos da década de 30. tanto, a forma de Raízes do Brasil ou de Forma-
A aproximação de Os parceiros do Rio Boni- ção do Brasil contemporâneo. A preocupação de
to com a geração de trinta deve ser, evidentemen- escrever literariamente, sem abusar de jargões,
te, matizada. O tema escolhido, a pesquisa empí- também recupera a tradição. Como sugere Paulo
rica realizada, assim como a sustentação teórica Arantes a respeito de Formação da literatura
do trabalho se devem, em grande parte, à forma- brasileira, as influências mais determinantes não
ção científica recebida na USP. As leituras antro- vêm de fora; elas são recolhidas na tradição brasi-
pológicas, por exemplo, foram introduzidas por leira e elaboradas teoricamente, na medida em
Emílio Willems, nos seminários que organizou que o objeto de pesquisa, neste caso o universo
para os alunos de doutorado, no início da década das culturas rústicas, assim o exige. A distância te-
de 40. Roger Bastide influenciou não só a escolha mática que separa Formação da literatura brasi-
do tema, mas também a atitude do pesquisador, leira e Os parceiros do Rio Bonito deve ser, por-
valorizando suas interpretações individuais. Qual- tanto, relativizada. Embora sejam livros muito dis-
quer exemplo será insuficiente, entretanto, para tintos, aproximam-se pela preocupação de com-
mostrar a importância da formação acadêmica de preender o processo histórico e os fundamentos
Antonio Candido em sua obra. De qualquer for- da nação brasileira, apesar de tratarem de dimen-
ma, parece-me fundamental em Os parceiros do sões diferentes da realidade e da história. A “tra-
Rio Bonito a recuperação do ensaísmo, através de dição esquecida” da cultura caipira e dos parcei-
um estudo aparentemente restrito, mas que suge- ros recupera, assim, na escritura de Antonio Can-
re nas entrelinhas uma interpretação abrangente dido, a longa tradição de nosso pensamento, em
de nossa formação social. Se esta leitura é possí- relação ao qual o saber acadêmico da USP procu-
vel, então seu grande precursor é Os sertões, que rava se diferenciar nos anos 50 e 60.
interpretou o Brasil a partir de Canudos, além de
Casa-grande & senzala, Raízes do Brasil e Forma-
ção do Brasil contemporâneo. NOTAS
Antonio Candido faz em Os parceiros do Rio
Bonito mais do que uma monografia sobre o cai- 1 Analisamos a trajetória do autor em nossa disserta-
ção de mestrado (defendida em outubro de 1998,
pira. Partindo da cultura caipira, incorpora os no Departamento de Sociologia da FFLCH/USP), a
clássicos brasileiros e sugere que o conhecimen- ser publicada ainda este ano pela Editora UFMG.
to e a transformação do Brasil real dependem não Este texto é uma versão resumida e mutilada, que
apenas dos grandes esquemas, mas também de privilegia a interpretação de Os parceiros do Rio Bo-
nito. Sobre a história das ciências sociais em São
interpretações voltadas para os grupos excluídos,
Paulo, há bibliografia recente, da qual destaca-se
com os quais se encontra na figura do antropólo- História das Ciências Sociais no Brasil (vols. 1 e 2),
go. O livro mostra que a transformação do Brasil publicação organizada por Sergio Miceli, a partir de
rural agrava o processo de exclusão social, pois projeto realizado no Idesp.
ignora os verdadeiros produtores de sua história, 2 “Estímulos da criação literária” – incluído em Litera-
e que esse processo só poderia ser superado pela tura e sociedade – expressa a relação íntima entre
reforma agrária, pautada por estudos voltados crítica literária e sociologia na obra do autor. O li-
vro é fundamental na obra do autor e seu título
para a cultura.
muito sugestivo: indica os temas principais de Anto-
Distanciado dos ensaios histórico-sociais dos nio Candido e, além disso, a pretensão de os apro-
anos 30 e 40 pela tradição teórica e metodológica ximar analiticamente. “Estímulos da criação literária”
aqui fixada pelos professores franceses e america- segue diretamente esse passo, e de forma muito
nos, Os parceiros do Rio Bonito, não obstante, se concreta. Isso porque o texto, embora reformulado
em Literatura e sociedade, fazia parte da tese sobre
aproxima pela preocupação geral de compreen-
o cururu, abandonada pelo autor, mas que dera ori-
der o processo de formação da sociedade brasilei- gem a Os parceiros do Rio Bonito. De grande inte-
ra, indicar os problemas que o emperram e pro- resse para a sociologia da arte e da literatura, o tex-
138 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

to compara as possibilidades de análise das mani- A decisão de combinar o antropólogo com o soció-
festações artísticas “eruditas” às possibilidades de logo, que permite “reconstituir a ‘vida caipira tradi-
análise das mesmas em sociedades “primitivas” e cional’, ao mesmo tempo individualizada e subme-
“rústicas”. Genericamente, sugere que o vínculo en- tida aos processos universais da cultura”, o recurso
tre arte e estrutura social é mais intenso nestas, o à história oral, que recupera “detalhes significati-
que torna a perspectiva sociológica indispensável vos”e a recusa da “generalidade abstrata do sociólo-
no estudo da “cultura popular”, associada à análise go” e do “corte descritivo dos ‘estudos de comuni-
formal. No estudo de formas eruditas, a sociologia dade’” permitiria, segundo a autora, particularizar e
da cultura assumiria o papel de disciplina auxiliar generalizar ao mesmo tempo.
dada a possibilidade de restringir a análise exclusi-
9 O isolamento era para Euclides da Cunha a caracte-
vamente a aspectos formais em função da autono-
rística determinante da sociedade sertaneja; Antonio
mização da arte em relação à estrutura social.
Candido reforça que o isolamento é parcial, porque
3 Entre 1942 e 1958, enquanto esteve vinculado à ca- sempre há alguma forma de contato com a socieda-
deira de Sociologia II, regida por Fernando de Aze- de abrangente, mesmo que limitada e esporádica.
vedo, o autor publicou doze artigos de sociologia –
10 Em “A sociologia no Brasil”, o autor revela dado de
Os parceiros do Rio Bonito foi publicado em 1964.
grande importância: os grupos rústicos constituíam
Como crítico, nos anos 40 e 50, publicou 5 livros: In-
na década de 50 a maior parte da população brasi-
trodução ao método crítico de Sílvio Romero, 1945;
leira. Nesse sentido, estudos que esclareçam a his-
Brigada ligeira, 1945, Ficção e confissão, 1956;
tória e as formas de organização social e cultural
Formação da literatura brasileira, 1959; O observa-
são fundamentais para a compreensão e problema-
dor literário, 1959; e mais de duzentos artigos de crí-
tização do Brasil como um todo.
tica (incluindo estudos, ensaios, artigos e notas) em
jornais, revistas e coletâneas. 11 A passagem revela a preocupação literária em Os
parceiros do Rio Bonito. Para descrever a valoriza-
4 Os parceiros do Rio Bonito foi elaborado entre 1948
ção do passado pelo caipira, o autor desloca o foco
e 1954 e Formação da literatura brasileira entre
narrativo e quem interpreta essa reação psicológica
1946 e 1957.
é um parceiro imaginário.
5 Um dos principais historiadores da República Brasi-
12 Devemos estar atentos ao momento da redação da
leira, professor aposentado do Departamento de His-
tese, que termina em 1954. O movimento das ligas
tória da FFLCH/USP, escreveu obra extensa, iniciada
camponesas ocorre em 1955, e atrai a atenção dos
pelo pequeno mas clássico Revoluções do Brasil con-
diversos grupos políticos para o que está ocorrendo
temporâneo (1922-1938). Sobre a fazenda Bela
no campo. Depois disso, a reforma agrária passa a
Aliança, Edgard Carone escreveu um livro de memó-
ser discutida nacionalmente. Devo ao professor José
rias, Memória da fazenda Bela Aliança, no qual re-
de Sousa Martins essa advertência.
lata, além de sua experiência pessoal, a história da fa-
zenda adquirida por seu pai por volta de 1930. 13 A afirmação deve ser matizada, não se trata de re-
cusar os métodos e as teorias da sociologia, mas de
6 Regime de trabalho no qual o trabalhador dá parte
relativizá-los, principalmente quando se avalia o
da produção ao proprietário da terra em troca de
mérito de um autor. Deve-se levar em conta o con-
lote para plantar. Em Os parceiros do Rio Bonito, vá-
texto intelectual no qual ele esteve inserido. Nesta
rias modalidades são descritas no capítulo 7, “Popu-
perspectiva, as limitações de métodos e teorias apa-
lação rural e parceria”, da segunda parte do livro.
recem como inerentes a todas as épocas e a inter-
7 Fernando Henrique Cardoso estrutura a argumenta- pretação deve procurar parâmetros mais gerais,
ção de Antonio Candido em três níveis, diferencian- para poder comparar autores separados pelo tempo
do as preocupações concretas e teóricas do livro: “o e pelas escolas. A posição de Antonio Candido
estudo, ao estilo das ‘análises de comunidade’ da aproxima-se da defendida por Redfield no texto
boa inspiração antropológica, dos meios de vida do “The art of social science”.
caipira paulista; a caracterização mais geral da cul-
tura do caipira; e a preocupação teórica com a im-
portância dos ‘mínimos de sociabilidade’” (Cardoso,
1979, p. 90).
8 Maria Sylvia de Carvalho Franco publicou em 1992
um pequeno ensaio, “Prosa com Os parceiros do Rio
Bonito”, enfatizando as soluções metodológicas da
obra, assim como seu alcance teórico e substantivo.
A TRADIÇÃO ESQUECIDA 139

BIBLIOGRAFIA ______. (1971), Os parceiros do Rio Bonito. São


Paulo, Duas Cidades.
Entrevistas concedidas ao pesquisador ______. (1976), Literatura e sociedade. São Paulo,
CANDIDO, Antonio, 6 de junho de 1996 e 30 de Companhia Editora Nacional.
setembro de 1996. ______. (1976), “Literatura e cultura de 1900 a
CARONE, Edgard, 6 de julho de 1996. 1945”, in Literatura e sociedade, São Pau-
lo, Companhia Editora Nacional.
PRADO, Décio de Almeida, 12 de março de 1997.
______. (1989), A educação pela noite e outros en-
MARTINS, José de Souza, 26 de junho de 1997.
saios. São Paulo, Ática.
______. (1989), “Literatura e subdesenvolvimen-
Artigos e livros de Antonio Candido to”, in A educação pela noite e outros en-
______. (1947), “O sociólogo em Euclides da Cu- saios, São Paulo, Ática.
nha”, inédito. ______. (1989), “A Revolução de 30 e a cultura”,
______. (1949), “Sociologia, ensino e estudo”. So- in A educação pela noite e outros ensaios,
ciologia, São Paulo, 11 (3). São Paulo, Ática.

______. (1951), “Brazilian family”, in SMITH, T. ______. (1993), Formação da literatura brasileira.
Lynn e MARCHANT, Alexander (orgs.), São Paulo, Martins, 2 vols.
Brazil. Portrait of half a continent, Nova ______. (1995), Vários escritos. São Paulo, Duas
York, The Dryden Press. Cidades.
______. (1952), “Euclides da Cunha sociólogo”. O ______. (1995), “Radicalismos”, in Vários escritos.
Estado de S. Paulo, São Paulo, 13 de de- São Paulo, Duas Cidades.
zembro.
______. (1996), Recortes. São Paulo, Companhia
______. (1954), “A vida familial do caipira”. Socio- das Letras.
logia, São Paulo, XVI (4).
Livros e artigos de outros autores
______. (1954), “A sociologia em São Paulo”. O Es-
ARANTES, Paulo E. (1992), “Providências de um
tado de S. Paulo, São Paulo, 25 de janeiro.
crítico literário na periferia do capitalis-
______. (1955), “L’état actuel et les problèmes les mo, in D’INCAO, Maria Angela e SCARA-
plus importants des études sur les socié- BÔTOLO, Eloísa Faria (orgs.), Dentro do
tés rurales du Brésil”. Anais do 31º. Con- texto, dentro da vida, São Paulo, Compa-
gresso Internacional de Americanistas. nhia das Letras.
São Paulo.
ARANTES, Paulo E. e ARANTES, Otília F. A.
______. (1956), “Possíveis raízes indígenas de uma (1997), “Moda caipira”, in _____. Sentido
dança popular”. Revista de Antropologia, da formação, Rio de Janeiro, Paz e Terra.
São Paulo, 4 (1).
ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento (1995),
______. (1957), “A sociologia no Brasil”, in Enciclo- “A sociologia no Brasil: Florestan Fernan-
pédia Delta Larousse, São Paulo, vol. IV. des e a ‘escola paulista’”, in MICELI, Ser-
gio (org.), História das Ciências Sociais
______. (1968 [publicado originalmente em 1966]),
no Brasil, São Paulo, Sumaré/Idesp/Fa-
“O significado de Raízes do Brasil”, in
pesp, vol. 2.
HOLANDA, Sérgio Buarque de, Raízes do
Brasil, Rio de Janeiro, José Olympio. BASTIDE, Roger (1983), “A propósito da poesia
como método sociológico”, in QUEIROZ,
140 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

Maria Isaura P. (org.), Roger Bastide: so- lítica no Brasil rural”, in ______. A chega-
ciologia, São Paulo, Ática. da do estranho, São Paulo, Hucitec.
CARDOSO, Fernando Henrique (1979), “A fome e MICELI, Sergio (org.) (1989), História das Ciências
a crença”, in LAFER, Celso (org.), Esboço Sociais no Brasil. São Paulo, Vérti-
de figura – homenagem a Antonio Candi- ce/Idesp/Finep, vol. 1.
do, São Paulo, Duas Cidades.
______. (org.) (1995), História das Ciências So-
CARONE, Edgard (1991), Memória da fazenda Bela ciais no Brasil. São Paulo, Suma-
Aliança. Belo Horizonte, Oficina de Livros. ré/Idesp/Fapesp, vol. 2.
CUNHA, Euclides da (1993), Os sertões. São Paulo, PONTES, Heloisa (1998), Destinos mistos: os críti-
Cultrix. cos do grupo Clima em São Paulo (1940-
FERNANDES, Florestan (1992), “O mestre exem- 1968). São Paulo, Companhia das Letras.
plar”, in D’INCAO, Maria Angela e SCA- PRADO JR., Caio (1994), Formação do Brasil con-
RABÔTOLO, Eloísa Faria (orgs.), Dentro temporâneo. São Paulo, Brasiliense.
do texto, dentro da vida, São Paulo, Com-
panhia das Letras. REDFIELD, Robert (1948), “The art of social scien-
ce”. American Journal of Sociology, Chi-
_____. (1958), A etnologia e a sociologia no Brasil. cago, LI, janeiro.
São Paulo, Anhembi.
SCHWARZ, Roberto (1992), “Notas do debatedor”,
FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho (1983), Ho- in D’INCAO, Maria Angela e SCARABÔ-
mens livres na ordem escravocrata. São TOLO, Eloísa Faria (orgs.), Dentro do tex-
Paulo, Kairós.
to, dentro da vida. São Paulo, Companhia
______. (1992), “Prosa com Os parceiros do Rio das Letras.
Bonito”, in D’INCAO, Maria Angela e
______. (1989), A homenagem na Unicamp. Cam-
SCARABÔTOLO, Eloísa Faria (orgs.),
pinas, editora da Unicamp.
Dentro do texto, dentro da vida, São Pau-
lo, Companhia das Letras. WILLEMS, Emílio (1947), Cunha – tradição e mu-
dança em uma cultura rural do Brasil.
FREYRE, Gilberto (1992), Casa-grande & senzala.
São Paulo, Secretária da Agricultura.
Rio de Janeiro, Record.
______. (1967), Nordeste. Rio de Janeiro, José
Olympio.
HIRANO, Sedi (1992), “Tradição e mudança social
no Brasil”, in D’INCAO, Maria Angela e
SCARABÔTOLO, Eloísa Faria (orgs.),
Dentro do texto, dentro da vida, São Pau-
lo, Companhia das Letras.
HOLANDA, Sérgio B. (1975), Raízes do Brasil. Rio
de Janeiro, José Olympio.
______. (1989), Monções. 3 ed. São Paulo, Brasiliense.
______. (1949), “Índios e mamelucos na expansão
paulista”. Anais do Museu Paulista, vol. XIII.
MARTINS, José de Souza (1993), “Os novos sujei-
tos das lutas sociais, dos direitos e da po-
184 REVISTA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS SOCIAIS - VOL. 16 Nº. 47

A TRADIÇÃO ESQUECIDA – THE FORGOTTEN TRADITION LA TRADITION OUBLIÉE —


ESTUDO SOBRE A SOCIOLO- – AN OVERVIEW OF ANTONIO ÉTUDE SUR LA SOCIOLOGIE
GIA DE ANTONIO CANDIDO CANDIDO’S SOCIOLOGY D’ANTONIO CANDIDO

Luiz Carlos Jackson Luiz Carlos Jackson Luiz Carlos Jackson

Palavras chaves Keywords Mots-clés


Pensamento brasileiro; Sociologia; Brazilian Thought, Sociology, Lite- Pensée brésilienne; Sociologie; Criti-
Crítica literária; Sociedade brasileira; rary Review, Brazilian Society, Cai- que littéraire; Société brésilienne;
Caipira paulista. pira Paulista (Paulista Yokel). Paysan paulista.

Este artigo pretende avaliar a impor- This paper intends to evaluate: a) Cet article cherche à évaluer l’im-
tância de Antonio Candido nas Ciên- the importance of Antonio Candido portance de Antonio Candido sur les
cias Sociais brasileiras e a relação en- for the Brazilian Social Sciences; b) Sciences Sociales brésiliennes et le
tre Sociologia e crítica literária na the relationship between Sociology rapport entre la Sociologie et la cri-
obra do autor. Nesse sentido, Os and literary review on the author’s tique littéraire dans l’œuvre de l’au-
Parceiros do Rio Bonito (tese defen- work. In this sense, the book Os teur. Ainsi, Os Parceiros do Rio Bo-
fida em 1954 na USP, publicada em Parceiros do Rio Bonito (the author’s nito (thèse soutenue en 1954 à
livro em 1964) é filiado ao ensaísmo thesis submitted in 1954 at the Uni- l’Université de São Paulo et publiée
e aproximado de Formação da Lite- versity of São Paulo, and published en 1964) est proche de l’essai et de
ratura Brasileira (1959). Discute-se in 1964) is affiliated to the Brazilian Formação da Literatura Brasileira
em que medida Os Parceiros do Rio essayism and considered to be simi- (1959). Nous discutons dans quelle
Bonito deve ser lido como monogra- lar to Formação da Literatura Brasi- mesure Os Parceiros do Rio Bonito
fia antropológica e produto acadêmi- leira. The article also wonders whe- doit être lu comme une monogra-
co da FFCL/USP e/ou como interpre- ther Os Parceiros do Rio Bonito phie anthropologique et un produit
tação mais ampla da formação social should be read as an anthropologi- académique de la FFCL/USP et/ou
brasileira. Nossa hipótese afirma que cal monograph and/or as a larger in- en tant qu’une interprétation plus
o livro responde, apesar da evidente terpretation of the Brazilian social ample de la formation sociale brési-
distância temática, à mesma preocu- formation. The hypothesis of the ar- lienne. Notre hypothèse affirme que
pação que orientou a redação de ticle assures that the book answers le livre répond, malgré l’évidente
Formação da Literatura Brasileira, in a different way the same con- distance thématique, à la même
apontando para uma unidade inter- cerns that oriented Formação da Li- préoccupation qui orienta la rédac-
na à diversidade da produção inte- teratura Brasileira, pointing to an tion de Formação da Literatura
lectual de Antonio Candido, o que a internal unity that can be found in Brasileira, indiquant une unité inter-
vincula a problemas típicos da tradi- Antonio Candido’s diverse intellec- ne à la diversité de la production in-
ção ensaística brasileira. tual production, which binds it to tellectuelle de Antonio Candido, ce
the typical problems of the Brazilian qui la lie à des problèmes typiques
essayistic tradition. de la tradition brésilienne de l’essai.

Você também pode gostar