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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CENTRO-OESTE

SERIA O NADA UM NÃO-SER?


ENTRE O NADA DE PARMÊNIDES
E O NADA DE HEIDEGGER

SILVESTRE FRANCISCO GRANDAL COELHO SAVINO JUNIOR

GUARAPUAVA
2

2019
3

SILVESTRE FRANCISCO GRANDAL COELHO SAVINO JUNIOR

SERIA O NADA UM NÃO-SER?


ENTRE O NADA DE PARMÊNIDES
E O NADA DE HEIDEGGER

Trabalho Cientifico apresentado como requisito


parcial à aquisição de nota semestral da disciplina
de Metafisica, do curso de Filosofia, do Centro de
Ciências Humanas, Letras e Artes, da
Universidade Estadual do Centro-Oeste.

GUARAPUAVA

2019
4

Resumo:
O seguinte trabalho, busca uma possível semelhança entre o Nada de Parmênides e o Nada
de Martim Heidegger, analisando-os, e buscando uma possível semelhança. Parmênides,
grande filósofo pré-socrático, trata do problema do nada, tendo como base em seus
fragmentos do seu livro “Da Natureza”. Pesquisaremos a sua concepção de ser e de não-
ser, para sabermos como ele trada da questão. Quando ao Nada em Heidegger, iremos
analisar o que este é, como ele se desvela na angustia, e como a sua força nadificadora
nadifica o ente, e o suspende, revelando-se como um critério de possibilidade de implicar o
ser-aí, e assim superar o mal da modernidade, a crise do Sentido, que acaba por levar o
homem ao niilismo.

Palavras chave: Nada, não-ser, angustia, niilismo.


5

SUMÁRIO

1-INTRODUÇÃO...........................................................................................1

2- O NADA DE PARMÊNIDES.....................................................................2

3- O NADA DE HEIDEGGER........................................................................5

3.1- O NADA, UMA QUESTÃO METAFÍSICA ...............................6

3.2- ANGUSTIA ............................................................................................11

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................16

5- REFERÊNCIAS.........................................................................................17
1

1. INTRODUÇÃO

O seguinte trabalho teve como objetivo, ao longo de sua elaboração,


buscar respostas se há uma possível semelhança entre o Nada é, ou não, um não
ser e para isso iremos contrapor o pensamento de Parmênides de Eléia (530 - 460
a.C), fundador da escola de Eléia, com o pensamento de Martim Heidegger(1889 -
1976), grande pensador do início do século XX.
Primeiramente iremos analisar como Parmênides, grande filósofo pré-
socrático, trata do problema do nada, tendo como base em seus fragmentos do seu
livro “Da Natureza”. Pesquisaremos a sua concepção de ser e de não-ser, para
sabermos como ele trada da questão.
Quando ao Nada em Heidegger, iremos analisar o que este é, como ele se
desvela na angustia, e como a sua força nadificadora nadifica o ente, e o suspende,
revelando-se como um critério de possibilidade de implicar o ser-aí, e assim superar
o mal da modernidade, a crise do Sentido, que acaba por levar o homem ao niilismo.
A importância e relevância de realizar tal comparação se revela quando ao
modo que estes dois filósofos tratam do tema, e esperamos descobrir o que é, e
como se desvela este nada heideggeriano, e se há alguma aproximação com o não-
ser, aos moldes parmenidianos, como uma inexistência de qualquer forma de ser, ou
um a uma possibilidade de transcendência do ser.
2

2. O NADA DE PARMÊNIDES

Parmênides, fundador da escola de Eléia, e um dos grandes filósofos pré-


socráticos, escreveu suas teorias filosóficas em forma de poema. Para muitos, ele é
considerado pai da ontologia, pois ele é o primeiro a debruçar-se sobre o problema
do ser, seguindo um caminho diferente de seus contemporâneos, onde a cosmologia
se prendia a encontrar os princípios para a natureza das coisas.
Neste poema, o qual restaram apenas fragmentos, ele relata o encontro de
um jovem com uma deusa, que não pode ser entendida como uma revelação
mística, mas sim como um recurso de escrita, que lhe mostra que há dois caminhos,
o caminho da Noite, o da opinião e dos sentidos, para o caminho da luz do Dia, que
seria o caminho da Verdade, do pensamento:

Salve! Não foi um mau destino que te induziu a viajar


por este caminho – tão fora do trilho dos homens –,
mas o Direito e a Justiça. Terás, pois, de tudo aprender:
o coração inabalável da verdade fidedigna
(30) e as crenças dos mortais, em que não há confiança genuína.
Mas também isso aprenderás: como as aparências
têm de aparentemente ser, passando todas através de tudo. 1

Como podemos ver neste, o caminho da razão e da verdade, o cominho do


ser, é o único que pode trazer conhecimento verdadeiro, mas por quê? Porque,
diferente do caminho do mundo das coisas, não está preso a crenças dos mortais,
das opiniões e dos sentidos, o que para ele é constituído só de aparência e
enganos, por estar refém do constante movimento das coisas. A contingência do
mundo não nos traz conhecimento verdadeiro, pois ao fixarmos todos os nossos
saberes nos sentidos, ficamos reféns do movimento de geração e corrupção do
mundo, e somente por via da razão podemos obter conhecimento seguro.
O caminho de verdade é o caminho do pensamento, da razão, pois o ser é o
que existe e o que pode ser pensado, surgindo uma identidade, no fragmento B3,
entre pensar e ser. Somente pode haver conhecimento do que é. Já o caminho da

1 PARMÊNIDES, 2009. Pag. 19.


3

opinião, e do mundo das coisas e dos sentidos, é o caminho do não ser, pois o que
não é não existe, não pode ser pensado nem, portanto, dito, sendo este um caminho
ilusório. E quanto ao conhecimento, não pode haver do que não seja, que
consequentemente não seja conhecimento, como exposto abaixo:

quais os únicos caminhos de investigação que há para pensar:


um que é, que não é para não ser;
é caminho de confiança (pois acompanha a verdade);
(5) o outro que não é, que tem de não ser,
esse te indico ser caminho em tudo ignoto,
pois não poderás conhecer o que não é, não é consumável,
nem mostrá-lo [...]
(B3)... pois o mesmo é pensar e ser.2

Neste fragmento também podemos ver as três grandes regras da lógica, que
Aristóteles irá formular como as fundamentais, que são a de identidade, de não
contradição e do terceiro excluído, como exposto abaixo:

1- Princípio de Identidade: A é A;
2- Princípio de não contradição: é impossível A é A e não-A ao mesmo tempo;
3- Princípio do terceiro excluído: A é x ou não-x, não há terceira possibilidade.

Tais regras, que são o fundamento da lógica até hoje, serão mais tarde base
do silogismo aristotélico, utilizado como uma ferramenta lógica para analisar se os
argumentos, utilizados nas premissas e a coerência de sua conclusão.
Para Parmênides, há identidade entre dizer e pensar, e que este último é
quem nos leva a possibilidade de pensar o ser, porém, pensar no nada leva ao
caminho do que não-ser, porque não pode nem ser pensado e nem dito. O nada,
para o autor, tem identidade com o não-ser, e acaba recebendo toda a carga
ontológica negativa deste. Este nada, assim como o não ser, é inacessível, já que
não é, e sendo assim nunca pode ser nem pensado nem falado, por isso torna-se
objeto inexistente e indisponível para o pensamento. Segundo Samuel Gonçalves

2 Ibidem, pag. 19-21.


4

Garrido3, o pré-socratico “pode ser concebido como o desenvolvimento da metafísica


enquanto um processo de anulação do nada,” 4 pois, segundo o fragmento B6:

É necessário que o dizer e pensar que é sejam; pois podem ser,


enquanto nada não é: nisto te indico que reflitas.
Desta primeira via de investigação te <afasto>,
e logo também daquela em que os mortais, que nada sabem,
(5) vagueiam, com duas cabeças: pois a incapacidade
lhes guia no peito a mente errante; e são levados,
surdos ao mesmo tempo que cegos, aturdidos, multidão indecisa,
que acredita que o ser e o não ser são o mesmo 5

Há também, neste fragmento, a questão das três vias, sendo a via do ser, que
a via da razão, a do não ser que leva ao nada, e a terceira que é a via que os dois
caminhos são tratados como o mesmo, ao qual a deusa pede para que o jovem
também se afaste. Porque, segundo ele, os não sábios encontram-se atordoados
por acreditam que os dois sejam o mesmo, estão confiando no que não é possível, e
segundo o as regras lógicas, já comentadas, não há a possibilidade de um terceiro
caminho em que os dois são o mesmo. Somente quem tem a capacidade de refletir,
com auxílio da razão, sobre os dois, e conhece que o caminho do ser é contrário ao
do não-ser, pode, de forma acertada, saber qual é o caminho confiável a se seguir.
Quanto ao nada, ele tem identidade com o não-ser, e acaba recebendo toda a
carga ontológica negativa deste. Para o autor, há impossibilidade de qualquer forma
de existência dele, porque não se pode falar, logo nem na linguagem deve existir,
nem pensar, pois já que há identidade entre ser e pensar, não se pode pensar sobre
o que não é, pois:

Nem do não-ser te deixarei


falar, nem pensar: pois não é dizível, nem pensável,
visto que não é. E que necessidade o impeliria
(10) a nascer, depois ou antes, começando do nada?
E assim, é necessário que seja de todo, ou não.
Nem a força da confiança consentirá que do que não é
nasça algo ao pé dele. Por isso nem nascer,
nem perecer, permite a Justiça, afrouxando as cadeias,
(15) mas sustém-nas: esta é a decisão acerca disso

3 GARRIDO, 2017.
4 Ibidem, p. 8.
5 PARMÊNIDES, 2009. Pag. 21.
5

Já que o não-ser é nada, e deste nada pode ser gerado, é terra


inócua, sem vida.6

A Justiça, novamente como guardiã do verdadeiro caminho, o do Ser, não


permite que este caminho, de pura negação, seja algo, já que o não-ser nunca
deixará de ser o que é, um nada, uma impossibilidade de Ser.
O nada para Parmênides é, de certa forma, a inexistência do não-ser, pois,
como já citado, tem identidade com este, e com este compartilha todas a negações
ao qual o autor pré-socrático o refere, ele é indizível, impensável e inexistente, e
seria um erro lógico, já que umas das regras é o de não contradição, o Ser que é ser
comparado com o nada, que não é.

3. O NADA PARA HEIDEGGER

Martim Heidegger (1889 - 1976), grande pensador do início do século XX, em


uma conferência, no ano de 1929, ao ser convidado a falar sobre “o que é a
metafísica?”, que é o texto em que iremos discorrer sobre a problemática sobre o
Nada, ele inicia falando da esperança que o tema trazia de falar sobre esta questão,
porém, ele logo revela que não iria seguir tal caminho, mas sim sobre uma questão
metafisica, pois para ele só se pode chegar a descobrir o que a é metafísica através
do próprio pensamento metafísico.
Então, ao invés de discutir o que a metafísica é em si mesma, o que ele
pretende é trilhar uma linha de raciocínio sobre uma questão metafísica, pois desta
forma ele conseguiria, com melhor possibilidade, responder tal questão a que a
conferência lhe propunha.
Segundo o autor, uma questão metafísica surge com uma dupla
característica, de um lado ela abarca a totalidade da problemática metafísica, onde
ela mesma é a totalidade, e pelo outro, quem faz a pergunta, pois toda questão
metafísica é formulada por alguém, e este deve estar implicado na questão, isto é,
seja problematizado. Então, uma questão metafísica necessariamente tenta

6 Ibidem, pag. 23.


6

responder uma problemática em sua totalidade, mas também é fundamental a


existência de quem a interroga, pois, parte dele a interrogação, do ser-aí 7, ele é
critério de possibilidade para tal, tanto em formular quanto em responder à questão.

3.1 O NADA, UMA QUESTÃO METAFÍSICA

Heidegger levanta a questão sobre a existência de quem interroga estar


determinada pela ciência, porém, esta está fragmentada em multiplicidade de áreas
e domínios, e organizada em uma unidade técnica que lhe conserva as finalidades
práticas de cada especialidade. O enraizamento das ciências, para ele foi se
perdendo, pois ao se preocupar somente com seus objetos, perdeu a referência
para com o ente e para com o mundo, e com isso se afastou da metafísica, criando
uma impessoalidade de quem formula as questões, este já não se encontra
implicado nestas, pois aquele que interroga é alguém que está inserido em uma
comunidade cientifica, estando todos existencialmente dependentes da atitude
científica.

De um lado, toda questão metafísica abarca sempre a totalidade da


problemática metafísica. Ela é a própria totalidade. De outro, toda
questão metafísica somente pode ser formulada de tal modo que
aquele que interroga, enquanto tal, esteja implicado na questão, isto
é, seja problematizado. Daí tomamos a indicação seguinte: a
interrogação metafísica deve desenvolver-se na totalidade e na
situação fundamental da existência que interroga. Nossa existência —
na comunidade de pesquisadores, professores e estudantes — é
determinada pela ciência.8

7 Conforme Paulo Warschauer (WARSCHAUER, 2011, p.12), “O homem a princípio se lhe


apresenta como Da-sein, ou seja o ser-ai. ‘Sein’ significa ‘ser’ e ‘Da’ significa ‘lá’ como também
pode significar ‘aqui’ ou seja, no uso coloquial alemão, traduz a noção de ‘estar aqui, presente,
disponível, existente’” (apud INWOOD, 1999, p. 42), mas por ser um significado coloquial não
atinge a profundidade do termo heideggeriano, sendo assim, o autor enumera oito termos apartir
da obra O Conceito de Tempo, sendo que o último, que achamos mais conveniente para a
questão do nada é: “O Dasein se relaciona consigo mesmo não por meio de um contemplar-se,
mas pelo ‘ser algo’ (es sein)” (apud HEIDEGGER, 1997, p.21). [...] o Dasein não se mostra e não é
acessível a seu próprio olhar. Normalmente se considera a si mesmo naquilo que faz e sem
refletir. Mesmo quando se volta a considerar a si mesmo, o faz por via de reflexão carregada das
concepções daquele ‘se’ impessoal obtido pelo ser-com-os-outros, pelo falar do cotidiano e pelo
lidar com o mundo.”
8 HEIDEGGER, 1983, p.35.
7

As ciências, como já mencionado, são distintas e dispersas, múltiplas, pois


cada ramo trata de um objeto diferente, porém elas têm algo em comum, o
direcionamento ao ente. Na referência ao mundo, nesta busca por respostas, para
ter controle sobre a natureza, ou conhecimento desta, o ente é seu objeto de
pesquisa, e fundamento, pois é o conteúdo essencial para todas. Para o autor as
ciências definem-se a si mesmas por se dirigirem ao ente, e aponta uma inevitável
relação entre homem, ente e sua própria entidade.
Esta referência ao mundo caracteriza, propriamente, a ciência em seu modo
de ser, e de buscar explicação sobre os fenômenos da natureza, cria a necessidade
de tornar o ente em seu objeto de conhecimento específico. Neste percurso o autor
aponta a relação entre homem, na imagem de pesquisador, professor e estudantes,
que deve estar comprometido com o ente em sua própria entidade, pois é assim que
estes, enquanto ente, percebe a si mesmo, enquanto faz ciência, e ao colocar-se no
percurso de descobrir o que o ente é. O autor ainda aponta três dimensões desta
existência científica, sendo a referência, que é esta necessidade em questionar o
que o ente é, o comportamento, que esse de pôr-se na pesquisa e fazer ciência, e a
irrupção, que seria uma invasão súbita, e implicar-se nela, pois:

A particular referência ao mundo que caracteriza a ciência e o


comportamento do homem que a rege, os entendemos,
evidentemente apenas então plenamente, quando vemos e
compreendemos o que acontece na referência ao mundo, assim
sustentada. O homem — um ente entre outros — “faz ciência”. Neste
“fazer” ocorre nada menos que a irrupção de um ente, chamado
homem, na totalidade do ente, mas de tal maneira que, na e através
desta irrupção, se descobre o ente naquilo que é em seu modo de
ser. Esta irrupção reveladora é o que, em primeiro lugar, colabora, a
seu modo, para que o ente chegue a si mesmo.9

A ciência se preocupa e se ocupa, de modo exclusivo, seja a referência com o


mundo, o comprometimento ou a irrupção, porque todo o movimento de pesquisa
está voltado ao ente, deixando assim de lado o nada, pois o pesquisado, segundo o
autor, “deve ser apenas o ente e mais – nada; somente o ente além dele – nada;

9 Ibidem, p. 36.
8

unicamente o ente e além disso – nada.” 10 Portanto, o campo científico, de modo


geral, se apresenta como investigação daquilo que é em contraposição determinada
pelo que não é, ente e nada surgem como elementos distintos e irreconciliáveis
As ciências definem-se a si mesmas ao dirigirem-se ao ente. Porém,
inadvertidamente, para se definir, usa a palavra “nada”. Será que esse nada é
simplesmente um uso de palavra, ou, por trás, há aí uma designação de fato?

A ciência nada quer saber do nada. Mas não é menos certo também
que, justamente, ali, onde ela procura expressar sua própria essência,
ela recorre ao nada. Aquilo que ela rejeita ela leva em consideração.
Que essência ambivalente se revela ali?11

Ao recorrer ao nada e, para se definir, cria este tipo concepção a respeito do


nada, de que nada se quer saber sobre o nada, mesmo que dali ela procure
expressar a sua essência, criando um paradoxo, onde algo que não se quer acaba
por lhe definir. Por fim, ele formula a questão que seria a mais adequada: O que
acontece com esse nada?
O pensamento não pode pensar o nada, já que para isso deveria entrar em
uma contradição. A lógica, com seu princípio da não contradição, invalida a
possibilidade de pensar o nada.

A regra fundamental do pensamento a que comumente se recorre, o


princípio da não contradição, a “lógica” universal, arrasa esta
pergunta. Pois o pensamento, que essencialmente sempre é pensado
de alguma coisa, deveria, enquanto pensamento do nada, agir contra
sua própria essência.
Pelo fato de assim nos ficar vedado converter, de algum modo, o
nada em objeto, chegamos já ao fim com nossa interrogação pelo
nada — isto, pressuposto que nesta questão a ‘lógica’ seja a última
instância, que o entendimento seja o meio e o pensamento o caminho
para compreender originariamente o nada e para decidir seu possível
desvelamento.12

Há, portanto, uma impossibilidade de se pensar, em termos logico-científicos,


o que o nada é, pois, se pudéssemos, estaríamos transformando-o em um objeto,

10 Ibidem, p. 36.
11 Ibidem, p. 36.
12 Ibidem, p. 37.
9

em um ente, coisa que ele não é. Seguir neste caminho torna impossível pensar e
elaborar uma questão sobre o nada. A lógica aristotélica cria um grande entrave,
mas, ainda sim, a negação é um ato do entendimento, e o não, negação, é menos
originário que o nada enquanto negação da totalidade do ente, que antecede essa
negação. Outra forma de possibilitar a problematização sobre o nada é que é
possível questioná-lo e, como o nada pode e deve ser questionado, deve haver um
caminho para isso e ele deve se manifestar de algum modo.
Segundo o autor, para pressupor a busca por algo, temos que primeiramente
antecipar a existência do mesmo, questionando se há como antecipar algo em
quando se busca encontrar. Na maioria dos questionamentos que fazemos, temos
um algo a questionar, pressupondo algo que será questionado, problematizado, para
que possamos enfim tentar responder.

Primeiramente e o mais das vezes o homem somente então é capaz


de buscar se antecipou a presença do que busca. Agora, porém,
aquilo que se busca é o nada. Existe afinal um buscar sem aquela
antecipação, um buscar ao qual pertence um puro encontrar?
Seja como for, nós conhecemos o nada, mesmo que seja apenas
aquilo sobre o que cotidianamente falamos inadvertidamente. 13

O nada, mesmo o nada de ausência de algo, do qual falamos cotidianamente, por


exemplo, não a nada aqui ou não encontro nada, o nada vulgar, é uma negação de
uma totalidade do ente, da ausência de algo, e este deve ser previamente dado,
para que este nada ao qual procuramos, possa se manifeste, e que possamos
assim saber o que ele é.
Esse uso corriqueiro do nada sempre pressupõem a totalidade do ente, que deve
ser previamente dado, pois é nele que o nada se manifesta, de algum modo, para
que possa ser negado, e nele que o nada, com sua força nadificádora irá negá-lo,
nadificando-o. O nada compõe em certo ponto parte do modo de ser do Ser-aí.

O nada é a plena negação da totalidade do ente. Não nos dará, por


acaso, esta característica do nada uma indicação da direção na qual
unicamente teremos possibilidade de encontrá-lo?

13 Ibidem, p. 38.
10

A totalidade do ente deve ser previamente dada para que possa ser
submetida enquanto tal simplesmente à negação, na qual, então, o
próprio nada se deverá manifestar.14

Pensar o nada como negação do ente, como o uso cotidiano da palavra, ou


como um não ser, para satisfazer os critérios da lógica, ao qual a ciência está
atrelada, poderia ser um caminho para o desvelamento de um nada que pode ser
negação de um objeto, de uma totalidade do ente, mas não é isso que o autor se
propõe.
O autor, ao desenvolver esta linha de pensamento, rejeita imaginar a
totalidade do ente para então negá-lo, pensando a negação como figuração, porque
esta concepção do nada ainda teria características de ente, pois, ainda com o
intermédio de um conceito mental, não seria um conhecimento direto do nada, e sim
ainda tratá-lo como um objeto frente a um sujeito. A sua busca é pelo nada do que
seja ente:

Podemos, em todo caso, pensar a totalidade do ente imaginando-a, e


então negar, em pensamento, o assim figurado e “pensá-lo” enquanto
negado. Por esta via obteremos, certamente, o conceito formal do
nada figurado, mas jamais o próprio nada. Porém, entre o nada
figurado e o nada “autêntico” não pode imperar uma diferença, caso o
nada represente realmente a absoluta indistinção. Não é, entretanto,
o próprio nada “autêntico” aquele conceito oculto, mas absurdo, de
um nada com características de ente? Mas paremos aqui com as
perguntas. Que tenha sido este o momento derradeiro em que as
objeções do entendimento retiveram nossa busca que somente pode
ser legitimada por uma experiência fundamental do nada. 15

Nessa busca pelo nada do que seja ente, dessa experiência fundamental do
nada, o autor discorre sobre a limitação de compreendermos a totalidade do ente em
si, mesmo que nós estejamos postados em meio ao ente.
O Ser-aí está preso a um domínio de entes determinados. Há uma espécie
de abandono de si, onde o homem, ao empreender uma busca para compreender o
ente em sua totalidade, não se ocupa propriamente das coisas que o cercam ou de

14 Ibidem, p. 38.
15 Ibidem, p. 38.
11

si mesmo, o que ocorre, segundo ele, “acontece constantemente em nossa


existência.”16
Segundo o autor, são sentimentos, como o tédio e a alegria, e as disposições
de humor que nos levam, deste modo, diante do ente em sua totalidade, a um
sentimento de indiferença em que o todo do ente se faz presente. Porém, esta
presença do ente em sua totalidade espanta o nada.
Para continuar sua procura pelo nada, sem cair nos problemas de pensar o
nada como objeto, o qual a lógica já demonstra a impossibilidade de encontrá-lo, o
autor busca nas disposições do humor:

Contudo, precisamente quando as disposições de humor nos levam,


deste modo, diante do ente em sua totalidade, ocultam-nos o nada
que buscamos. Muito menos seremos agora de opinião de que a
negação do ente em sua totalidade, manifesta na disposição de
humor, nos ponha diante do nada. Tal somente poderia acontecer,
com a adequada originariedade, numa disposição de humor que
revele o nada, de acordo com seu próprio sentido revelador. 17

A solução para essa procura já está dada na interpretação do que é a


totalidade do ente. Para sentir o nada é preciso que uma disposição de humor se
manifeste, um acontecimento fundamental do Ser-aí que nos revela a totalidade do
ente previamente dada, que pode ser submetida a negação, mas qual seria? A
disposição de humor, que revela o nada contrário a totalidade do ente, é a angústia.

3.2. ANGUSTIA

Segundo o autor, a experiência fundamental com o nada se encontra na


angústia, que nos suspende no nada, e põe em fuga o ente em sua totalidade. A
angústia não é apenas uma simples falta de determinação, um sentimento comum e
frequente de ansiedade e temor que sempre se refere a algum ente a que tenha a
possibilidade de nos ameaçar, está se refere àquele sentimento, bastante raro, que

16 Ibidem, p. 38.
17 Ibidem, p. 39.
12

não apenas tem o caráter de indeterminação, com respeito a algo que venha a nos
angustiar, mas a essencial impossibilidade de determinação, porque:

a angústia revela o nada é confirmado imediatamente pelo próprio


homem quando a angústia se afastou. Na posse da claridade do
olhar, a lembrança recente nos leva a dizer: Diante de que e por que
nós nos angustiávamos era ‘propriamente’ – nada. Efetivamente: o
nada mesmo – enquanto tal – estava aí.18

A experiência da angústia e a constatação de que a angústia não é, segundo


o autor uma apreensão do nada, mas que o nada se torna manifesto por ela e que
não acontece nenhuma destruição de todo o ente. Ao aprofundar a investigação, ele
constata que: “Na angústia se manifesta um retroceder diante de ... (...)” 19 e que
“esse retroceder diante de ... recebe seu impulso inicial do nada.” 20 Isso o leva a
encontrar a própria essência do nada, pois:

Somente à base da originária revelação do nada pode o ser-aí do


homem chegar ao ente e nele entrar. Na medida em que o ser-aí se
refere, de acordo com sua essência, ao ente que ele próprio é,
procede já sempre, como tal ser-aí, do nada revelado. Dasein quer
dizer: estar suspenso dentro do nada.21

O nada presente nessa angustia não é nem a destruição do ente, nem tem
origem de uma negação. A rejeição, que afasta o ente na angústia é “um remeter
(que faz fugir) ao ente em sua totalidade que desaparece”. Assim, o nada é
essencialmente nadificante, já que a essência do nada é a nadificação, que conduz
o ser-aí para o vazio, o que se dá por meio daquele sentimento da angústia.
O ser-aí, na angustia, se vê desligado, suspenso, de toda a relação com o
ente, na medida em que está no nada do que é ente. E por isso, nessa situação, o
ser-aí tem a revelação do ente enquanto tal para o ser-aí, pois: “se o Ser-aí não
estivesse suspenso no previamente dentro do nada, ele jamais poderia entrar em
relação com o ente e, portanto, também não consigo mesmo” 22
18 Ibidem, p. 40.
19 Ibidem, p. 40.
20 Ibidem, p. 40.
21 Ibidem, p. 41.
22 Ibidem, p. 41.
13

O autor considera que mesmo quando nos dirigimos e nos ocupamos com o
ente, de fato, é nosso conhecimento prévio do nada que nos faz fugir do nada em
direção ao ente. Por um lado, ao voltamo-nos para o ente nos afastamos ainda mais
do nada. Mas por outro lado, ainda que com ambiguidade, e esse afastar-se em
mais estamos suspensos no nada, pois o nada nunca para de nadificar, sendo
assim: “Ele, o nada em seu nadificar, nos remete justamente para o ente. O nada
nadifica ininterruptamente sem que nós propriamente saibamos algo desta
nadificação pelo conhecimento no qual nos movemos cotidianamente.” 23
Não existe uma oposição entre o ente e o nada, porque este se revela como
pertencente ao ser do ente, porém, para que se manifeste é necessário o critério de
possibilidade do ser-aí suspenso dentro do nada devido à própria relação do ser
com o ente.
Esta “suspensão do ser-aí no nada originário pela angustia escondida
transforma o homem no lugar-tenete do nada,” 24 pois nossa finitude não nos deixa
chegar diante do nada por vontade própria, e a “finitização escava as raízes do ser-
aí que a mais genui e profunda finitude escapaà nossa liberdade.” 25
Mas será que este nada, ao qual o ser-aí está suspenso, e que só se desvela
na angustia, não seria um sinal de um niilismo, pois, segundo o filósofo Henrique
Cláudio de Lima Vaz26, a modernidade vive uma crise acerca da noção de Sentido, e
a lógica dessa é o reflexo do que vivemos na contemporaneidade, um período de
violência e de morte, o que pode nos parecer angustiante, e ela é fruto de uma
liberdade, que:

depois de quatro séculos, como a própria lógica da liberdade


antropocêntrica, e ela acaba por encarnar-se nas duas figuras
históricas que são como que o simulacro do absoluto no espaço da
finitude onde se move a liberdade humana: a violência e a morte 27

23 Ibidem, p, 41.
24 Ibidem, p. 42.
25 Ibidem, p. 42.
26 VAZ, 1994.
27 Ibidem, p. 13.
14

Essa liberdade nos trouxe a um período de violência, em que o medo impera,


todos tem receio de sofrerem algum mal. O outro é sempre alguém que devemos ter
contato, nos afastar ou até eliminar. A morte, este outro fenômeno, que tem papel de
destaque, seja como expressão máxima da violência, ou simplesmente pelo seu
afastamento, na tentativa de vivermos cada vez mais, por ser uma das únicas
certezas que temos, que iremos morrer um dia, temos repulsa a ela, ela nos limita.
Estes dois fenômenos também estão relacionados ao niilismo, que é a perda de
valores da sociedade moderna, perda de Sentido.
Outro fator importantíssimo para esta crise, segundo Vaz, que tem como os
efeitos a violência, morte e este niilismo, também é, de certa forma, a crise religiosa.
As grandes religiões sofreram com o avanço das ciências, que sepultaram todas as
vias transcendentes e de valores que estas pregavam. a Sociedade, que antes
cultivava a esperança de entrar em outro reino, após a morte, ou os valores éticos
que estas carregavam, agora se vê perdida, num vazio espiritual, pois é:

provável que tenhamos atingido aqui a raiz mais profunda, a raiz


propriamente espiritual da crise da modernidade. Se voltarmos nossa
atenção para as mil faces da violência num mundo onde o homem se
glorifica de ter enfim instalado o seu reino- esse reino da liberdade
que perseguia o sonho da ilustração, de Kant, de Hegel ou de Marx-
não podemos conter nosso espanto ao ver subir uma tão poderosa
vaga de não-Sentido desde esse abismo da liberdade onde se
pensava ter descoberto finalmente a fonte do Sentido. 28

Está sociedade não-religiosa, não participa mais do Ser transcendente


absoluto, que lhe dava a garantia de valores, e sem mais a possibilidade de uma
alma eterna. Os fenômenos como a violência e a morte, agora são vazias e
apavorantes, e o homem moderno perde o seu Sentido de existência, caindo em
uma angustia e niilismo. Seria então está angustia fruto desta crise?
Segundo Paulo Warschauer, “para que se possa compreender melhor os males do
mundo atual, é necessário previamente investigar o “vazio de sentido” que permeia o
pensar e o agir humano,”29 porém:

28 Ibidem, p. 13.
29 WARSCHAUER, 2011, p. 3.
15

ao abordar o nada, Heidegger encontra resistência por parte de um


público que tem aversão ao tema, como se o pensar o nada já fosse
em si uma perspectiva niilista. Heidegger tem que esclarecer que
justamente o não pensar o nada é que consolida o curso do niilismo. 30

Essa angustia que manifesta o nada nadificante é, na realidade uma forma de


superar o niilismo a que se encontra a sociedade moderna. Warschauer ainda
defende que, segundo Heidegger, seria justamente por esta via, da nidificação:

Mas onde é que reside mesmo e opera o Niilismo? Lá, onde se aferra
e agarra ao ente corriqueiro e se pensa que basta, como se tem feito
até agora, tomar o ente assim como tem sido. Desse modo, porém,
se repele a questão do Ser e se trata o Ser como um Nihil, um Nada,
o que sem dúvida de certo modo, ele também é, enquanto se
essencializa. Ocupar-se e afanar-se tão só do ente, esquecendo o
Ser, eis o Niilismo. É esse Niilismo, que Nietzsche expôs no primeiro
livro da “Vontade de Potência”.
Agora, na questão do Ser chegar expressamente até às raias do
Nada e incluí-lo na investigação do Ser é, ao contrário, o primeiro e
único passo fecundo para uma verdadeira superação do Niilismo. 31

De acordo com o citado, o Nada não é uma expressão do niilismo, é sim a


superação deste, pois ele, com sua força nadificadora, suspende o ser-aí, tornando-
se um critério transcendental deste, para que o homem tome consciência de sua
existência, e possa com isso tomar o controle de sua vida. Com isso chegamos a
respostado que é este nada que, segundo Heidegger, é:

O nada não é nem um objeto nem um ente. O nada não acontece


nem para si mesmo nem ao lado do ente ao qual, por assim dizer,
aderiria. O nada é a possibilidade da revelação do ente enquanto tal
para o ser-aí humano. O nada não é um conceito oposto ao ente, mas
pertence originalmente à essência mesma (do ser). No ser do ente
acontece o nadificar do nada.32

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

30 Ibidem, p. 22.
31 Ibidem, p. 22, apud. HEIDEGGER, 1966, p. 291.
32 HEIDEGGER, 1983, p. 41.
16

Após as leituras dos textos, que são a base deste, consideramos que o nada

parmenidiano não se relaciona em nada com o Nada de Heidegger, porque ele

possui identidade com o não-ser, que segundo o filosofo de Eléia não é, e por causa

de sua regra de não contradição, não pode ser relacionado com o. Este nada, ao

qual nada surge, é o reflexo do não-ser, que é o caminho do movimento das coisas,

das opiniões, e que, para o autor, nem deve ser pensado, nem dito, pois ao fazê-lo

estaríamos cometendo o erro de pressupor algo que não existe.

Quanto o Nada de Heidegger, este se desvela nos sentimentos, mais

precisamente na angustia, pois assim está fora de se render aos critérios da lógica,

ao qual a ciência, que dele sempre fala, mas dele não faz questão de saber.

É na angustia, que o Nada se mostra, e ao se mostrar, usa de sua força

nadificadora para envolver, e suspender o ente, não como a totalidade do ente, mas

o ser-aí, que com essa força natificante, que serve como critério de possibilidade,

consegue transpor as armadilhar do niilismo, fruto da crise do Sentido, e com isso

impor a sua existência.

4. REFERÊNCIAS

GARRIDO, S. G.. Reflexões sobre o nada e o não ser. 2017. 65 f. Trabalho de Conclusão de

Curso (Licenciatura em Filosofia) — Universidade de Brasília, Brasília-DF, 2017. Disponível

em: <http://bdm.unb.br/bitstream/10483/20539/1/2017_SamuelGoncalvesGarrido_tcc.pdf>

Acesso em: 15 de abril de 2019.


17

HEIDEGGER, M. Que é metafísica?. In: _____. Conferências e escritos filosóficos. trad.

Ernildo Stein. 2º ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. P. 35 - 44.

PARMÊNIDES. Da natureza. Edição bilíngue. Tradução e comentário de José Trindade

Santos. São Paulo: Loyola, 2009. P. 17 - 27.

VAZ, H. C. de Lima. Sentido e não sentido na crise da modernidade. In Sístese Nova Fase,

Belo Horizonte, v.21, n°. 64, jan-mar, (1994):p. 5-14. Disponível em:

<http://www.faje.edu.br/periodicos/index.php/Sintese/article/view/1283> Acesso em: 17 de

maio de 2019.

WARSCHAUER, P.. Heidegger e o Nada -A nadificação ou uma abertura para o Ser?

Dissertação apresentada para a obtenção do título de Mestre de Filosofia (Programa de

Pós-Graduação Stricto Sensu em Filosofia) da Faculdade de São Bento do Mosteiro de São

Bento, São Paulo, 2011. Disponível em:

<https://www.academia.edu/36839216/HEIDEGGER_E_O_NADA_A_nadifica

%C3%A7%C3%A3o_ou_uma_abertura_para_o_Ser_-_Paulo_Warschauer> Acesso em: 20

de abri de 2019.

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