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08/12/2014 Época ­ EDG ARTIGO IMPRIMIR ­ Mude seu cérebro

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FELICIDADE

Mude seu cérebro
Neurociência é a especialidade da jornalista Sharon Begley, da Newsweek. Ela explica
como é possível treinar a mente para ser feliz
MARCELA BUSCATO

Nos últimos anos, a jornalista americana especializada em ciência Sharon Begley, de 50
anos, acompanhou várias reuniões do líder tibetano Dalai­Lama com neurocientistas. Eles
estudam se a meditação é capaz de modificar a estrutura do cérebro e aumentar o bem­
estar e a compaixão. A investigação de Sharon resultou no livro Train Your Mind, Change
Your Brain, recém­lançado nos Estados Unidos. De Nova York, Sharon explicou a ÉPOCA
de que forma a felicidade pode estar em nossas mãos. 

SHARON BEGLEY
• QUEM É 
Colunista de ciência da revista semanal americana
Newsweek. Até fevereiro, era colunista do Wall Street
Journal

• O QUE ESTUDOU 
É formada em Ciências pela Universidade Yale

• O QUE PUBLICOU 
Escreveu The Mind and the Brain, em parceria com o
neurocientista Jeffrey Schwartz. Seu último livro é Train
Your Mind, Change Your Brain

ÉPOCA ­ Qual é a diferença entre cérebro e mente? 
Sharon Begley ­ O cérebro é a estrutura física, o pouco mais de 1 quilo de tecido biológico
dentro da cabeça. A mente é o resultado do funcionamento do cérebro: os pensamentos, os
sentimentos e as emoções. A mente pode modelar o cérebro porque os pensamentos e as
emoções, produzidos por ele, são capazes de agir de volta sobre o cérebro e afetar suas
conexões, funções e estrutura.

ÉPOCA ­ Como?
Sharon ­ Isso ainda está sendo estudado, mas posso dar um exemplo do que os cientistas
descobriram até agora. Eles perceberam que pacientes depressivos submetidos a terapia
cognitiva comportamental aprendiam a pensar de maneira diferente. Isso mudava a
ativação de algumas áreas do cérebro. Quando tinham problemas no trabalho, por
exemplo, em vez de pensar "Serei demitido, nunca terei sucesso, nunca nada dá certo na
minha vida", eles eram ensinados a pensar "Isso é só um obstáculo da minha mente". Com
esse novo padrão de pensamento, a atividade na parte do cérebro que gerava essas idéias
obsessivas era reduzida e a das áreas emocionais aumentada. Como isso acontece ainda
permanece um mistério. Mas parece haver uma conexão entre a região responsável pelos
pensamentos e a encarregada das emoções. 

ÉPOCA ­ Alguns pesquisadores acreditam que seja
"A meditação não parece possível treinar o cérebro para aumentar a felicidade e a
criar mais neurônios. compaixão. Já está provado que isso é possível?
Mas as conexões entre Sharon ­ Eu diria que ainda não está provado. O que já se
eles ficam mais fortes. É sabe, a partir de estudos com monges budistas, é que a
como musculação" meditação parece aumentar a atividade do lado esquerdo
do cérebro (associado ao bem­estar e à felicidade) e das
áreas associadas à empatia e ao altruísmo. Também já se constatou que a espessura de
áreas envolvidas na meditação aumenta, reflexo de que, quanto mais você usa
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDR76504­6014,00.html 1/3
08/12/2014 Época ­ EDG ARTIGO IMPRIMIR ­ Mude seu cérebro
determinada parte do cérebro, mais ela se expande.

ÉPOCA ­ O que ocorre nessas áreas em que a atividade cerebral aumenta?
Sharon ­ Não parece que surjam novas células nervosas ou que as conexões entre elas
aumentem. Mas as conexões existentes se tornam mais fortes. Não é nada diferente de
quando você exercita seu braço: as conexões entre as fibras do músculo se fortalecem.

ÉPOCA ­ O que falta para provar que é possível aumentar o bem­estar por meio de
treino mental? 
Sharon ­ Os estudos já realizados não podem descartar a possibilidade de que os monges
já tivessem o cérebro daquele jeito antes de começar a meditar. Eu acredito que esse não
seja o caso porque se descobriu que, quanto mais horas de meditação a pessoa pratica,
maior é a atividade cerebral nas áreas ligadas à sensação de bem­estar. Também já se
sabe que a estrutura do cérebro é modificada quando aprendemos a tocar um instrumento
ou aprendemos uma língua. Por isso, não é uma ousadia tão grande dizer que treinamento
mental tenha o mesmo tipo de efeito.

ÉPOCA ­ Se é possível aumentar a felicidade, cada pessoa tem um nível diferente de
felicidade?
Sharon ­ Muitos cientistas acreditavam nisso. Dentro dessa concepção, não importavam os
fatos maravilhosos ou terríveis que lhe ocorressem. Você sempre teria o mesmo nível de
felicidade. Isso se mostrou completamente errado. Estudos recentes revelaram que pelo
menos um terço das pessoas muda seu limiar de felicidade. Senão permanentemente, pelo
menos de forma duradoura. E elas não estavam meditando, estavam apenas levando sua
vida. Os experimentos com os monges budistas sugerem que é possível mudar
intencionalmente esse nível de felicidade, e os cientistas estão tentando verificar se é
possível fazer isso com treinamento mental.

ÉPOCA ­ De tempos em tempos anunciam a descoberta de genes relacionados à
depressão. As pesquisas que apontam como o cérebro pode mudar com o
pensamento, as emoções e experiências mostram que esse determinismo genético
está errado?
Sharon ­ Ele, de fato, está errado. Muitos estudos já mostraram que gêmeos idênticos não
têm o mesmo temperamento, não desenvolvem as mesmas doenças nem os mesmos
distúrbios mentais. Claramente, há um enorme efeito das experiências vividas. Uma das
pesquisas mostra que, mesmo se você tiver um gene para determinada característica, o
que importa para que ela se manifeste é que o gene esteja ativo ou inativo. E as
experiências podem ligar ou desligar os genes.

ÉPOCA ­ Que tipo de experiência pode influir no
temperamento?
Sharon ­ Apesar de alguns temperamentos terem
Alguns temperamentos têm
raízes genéticas, estudos mostram fortemente como as
raízes genéticas. Mas as experiências podem influenciar, especialmente
experiências vividas aquelas que se referem ao modo como a criança foi
exercem enorme influência tratada pelas pessoas importantes em sua vida
sobre o comportamento" durante a infância. As crianças que recebem apoio e
conforto em momentos de medo e preocupação
crescem com uma visão muito mais otimista das
pessoas e da vida. Muitos pais ficam tentados a dizer
ao filho "Cresça", "Seja homem", "Aja como adulto". Essas crianças tendem a ser adultos
inseguros, a ter uma visão negativa das outras pessoas. Isso se traduz em seus
relacionamentos, na vontade de ajudar os outros e até no grau de compaixão, empatia e
altruísmo.

ÉPOCA ­ Essas novas pesquisas mostram que a decisão de ser feliz está em nossas
mãos?
Sharon ­ É isso o que os cientistas dizem, que o estado mental está sob nosso controle,
que ele pode ser mudado com treinamento. A meditação e a terapia comportamental
cognitiva, por exemplo, podem reprogramar o cérebro. Há inúmeras maneiras. Até o
aprendizado é uma forma de treinamento mental. Agora, a ciência está estudando quais
exercícios mentais específicos as pessoas podem fazer para diminuir os efeitos do
envelhecimento e talvez até interrompê­los. Essa é a nova fronteira científica.

  Foto: Claudio Versian/ÉPOCA

 
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