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Análise Psicológica (2004), 4 (XXII): 705-720

A expressão das formas indirectas de


racismo na infância (*)

DALILA XAVIER DE FRANÇA (**)


MARIA BENEDITA MONTEIRO (***)

A EXPRESSÃO DAS FORMAS INDIRECTAS DE tner & Dovidio, 1986; Katz & Hass, 1988; Kin-
RACISMO NA INFÂNCIA der & Sears, 1981; McConahay & Hough, 1976;
Pettigrew & Meertens, 1995). A análise das for-
Vários estudos realizados com adultos têm mas mais subtis e indirectas de expressão do ra-
demonstrado que as formas de expressão do ra- cismo e do preconceito nos adultos tem gerado
cismo na sociedade contemporânea estão se tor- um amplo corpo teórico e metodológico na psi-
nando progressivamente mais subtis, mais indi- cologia social. Contudo, há uma carência de es-
rectas e menos abertamente negativas do que tudos que analisem as formas mais subtis e in-
eram até a primeira metade do século XX (Gaer- directas de racismo na infância. Os estudos que
analisam o preconceito na infância afirmam que
após os sete anos de idade as crianças tornam-se
menos preconceituosas (e.g., Aboud, 1988; Big-
ler & Liben, 1993; Brown, 1995; Doyle & Aboud,
(*) Este artigo decorre de investigações parcialmen- 1995; Doyle, Beaudet, & Aboud, 1988; Katz &
te financiadas pela Fundação para a Ciência e a Tecno-
logia (FCT) do Ministério da Ciência, no quadro do Zalk, 1978; Williams, Best, Boswell, Mattson, &
Projecto “Social and cognitive factors of social iden- Graves, 1975; Yee & Brown, 1992). Esta diminui-
tity construction and management in inter-ethnic rela- ção no preconceito é explicada através da aqui-
tions: a developmental approach”, ref. POCTI/PSI/419 sição de novas estruturas cognitivas por parte da
70/2001, em curso no Centro de Investigação e de In-
tervenção Social (CIS/ISCTE).
criança e pelo amadurecimento das já existentes
Qualquer contacto deve ser dirigido à primeira au- (Aboud, 1988; Doyle & Aboud, 1995). Mas se isto
tora, para o seguinte endereço: Dalila Xavier de Fran- é verdade (se o preconceito na infância é o resul-
ça, Departamento de Psicologia da Universidade Fe- tado do insuficiente amadurecimento de estrutu-
deral de Sergipe, Estado de Sergipe, Brasil. E-mail:
ras afectivo-cognitivas), como então explicar a
dxfranca@msn.com
(**) Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da presença de atitudes preconceituosas, mais tarde,
Empresas (ISCTE), Centro de Investigação e de Inter- nos adultos? A presente pesquisa visa demons-
venção Social (CIS/ISCTE), Coordenação para o Aper- trar que, a partir de certa idade, as crianças, dife-
feiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), rentemente do que afirma a abordagem cognitiva
Universidade Federal de Sergipe (Brasil).
(***) Instituto Superior de Ciências do Trabalho e do desenvolvimento do preconceito na infância,
da Empresas (ISCTE), Centro de Investigação e de Inter- não reduzem a expressão do preconceito, mas
venção Social (CIS/ISCTE). apenas mudam, em determinadas circunstâncias,

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o modo de expressão desse preconceito, tornan- As teorias referidas anteriormente analisam os
do-se mais indirectas. aspectos mais velados do racismo e os efeitos da
norma social anti-racista na expressão do racis-
As novas formas de preconceito e racismo nos mo, mas enfatizam pouco a importância da sali-
adultos ência contextual de resposta no racismo (à exce-
pção da teoria de Katz e Hass, 1988). Assim, de
A teorização acerca das formas contemporâ- entre as novas teorias sobre o racismo, uma nos
neas de expressão do preconceito e do racismo interessa analisar em particular é a teoria do ra-
assume a natureza complexa e conflituosa destes cismo aversivo. Esta teoria afirma que são os con-
fenómenos, bem como das suas consequências textos de resposta que determinam as expressões
na vida social. Recordamos aqui algumas das mais mais abertas ou mais veladas de racismo (Gaert-
salientes, de modo a virmos a levantar hipóteses ner & Dovidio, 1986). De modo que, em contex-
sobre a natureza destes mesmos fenómenos na to nos quais a resposta socialmente desejável não
infância. está definida claramente, ou ainda em contextos
A teoria do racismo ambivalente foi criada e nos quais é possível encontrar uma justificação
desenvolvida por Katz, Wackenhut e Hass (1986), não relacionada com a etnia ou a raça para ex-
que entendem o racismo como o resultado do con- plicar uma resposta negativa em relação aos ne-
flito de atitudes e de sentimentos dos americanos gros, o comportamento discriminatório pode ocor-
brancos em relação aos americanos negros, con- rer (Dovidio & Gaertner, 1998; Gaertner & Do-
flito este motivado pela coexistência de senti- vidio, 1986, 2000).
mentos de simpatia e de rejeição em relação aos Gaertner e Dovidio (1986) designaram como
negros. Os negros seriam simultaneamente per- racismo aversivo a forma de expressão de racis-
cebidos pelos brancos como desviantes e em des- mo apresentada pelos indivíduos que possuem
vantagem social, o que geraria sentimentos con- fortes valores igualitários. Segundo estes auto-
flitantes de aversão e de simpatia. res, em situações ou em face de acontecimentos
A teoria do racismo simbólico (Kinder & Sears, que tornam salientes atitudes negativas em rela-
1981; McConahay & Hough, 1976), por seu tur- ção aos Negros, as pessoas que se julgam iguali-
no, afirma que as atitudes contra os negros de- tárias tendem a repudiar ou a dissociar estes sen-
correm da percepção deste grupo como uma amea- timentos de sua auto-imagem de igualitárias, e
ça aos valores do individualismo, sendo por isso tentam agir evitando estes sentimentos.
uma ameaça simbólica. Segundo Kinder e Sears Dovidio e Gaertner (1998) conduziram alguns
(1981, p. 416) «symbolic racism represents a form estudos experimentais com o propósito de mos-
of resistance to change in the racial status quo trar que em situações nas quais a norma anti-ra-
based on moral feelings that blacks violate such cista é clara, os Negros são tratados tão favora-
traditional American values as individualism velmente quanto os Brancos, pois discriminá-los
and self-reliance, the work ethic, obedience and feriria a auto-imagem igualitária da pessoa.
discipline». Gaertner (1973) testou estes pressupostos em
Já a teoria do preconceito subtil (Pettigrew & dois experimentos utilizando o paradigma do
Meertens, 1995) distingue duas formas de pre- Helping Behaviour. No experimento 1, membros
conceito: o preconceito subtil e o preconceito fla- do partido Liberal e do partido Conservador re-
grante. O preconceito flagrante é directo e explí- ceberam chamadas telefónicas aparentemente erra-
cito. O preconceito subtil, por seu lado, tem co- das que rapidamente se tornaram num pedido de
mo fundamento a defesa dos valores do indivi- ajuda. Estas chamadas eram feitas por dois com-
dualismo da civilização ocidental, associada a cren- parsas do experimentador, que podiam ser clara-
ças de que os membros dos grupos minoritários mente identificados por seu sotaque como sendo
recebem benefícios imerecidos. As pessoas sub- Branco ou Negro. Assim, o comparsa explicava
tis caracterizam-se por exagerarem as diferenças que o seu carro estava avariado e que ele estava
culturais entre os membros do endogrupo e os a tentar chamar o serviço de desempanagem de
membros do exogrupo, e pela recusa na expres- um telefone público. Acrescentava ainda que já
são de reacções emocionais positivas em relação não tinha maneira de fazer outra chamada e pe-
àqueles. dia ao participante para o ajudar, telefonando ele

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para o serviço de desempanagem. A variável ana- mais caros ao Norte-Americanos brancos, de que
lisada era o comportamento de ajuda, expresso recebem mais do que merecem e de que fazem
pelo facto do indivíduo telefonar ou não para um exigências ilegítimas a fim de mudarem seu es-
suposto número de uma garagem, onde outro tatuto racial. Nesta teoria, McConahay, Hardee e
comparsa do experimentador atendia a chamada. Batts (1981) manipulam o efeito das normas so-
Os resultados indicaram que os Conservadores ciais no racismo, através da presença da etnia da
prestaram menos ajuda aos Negros do que aos entrevistadora na discriminação contra os Ne-
Brancos e que, embora os Liberais ajudassem o gros, e sugerem que a presença da entrevistadora
Negro e o Branco igualmente, desligavam a cha- negra induz a diminuição de respostas discrimi-
mada mais frequentemente ao Negro do que ao natórias contra pessoas Negras ou seja, torna sa-
Branco. liente a norma anti-racista. Segundo McConahay
No experimento 2, Gaertner (1973) entrevis- et al. (1981), a expressão do racismo depende de
tou outros membros dos partidos Liberal e Con- quem pergunta e também do que é perguntado.
servador sobre o que eles achavam que fariam se McConahay et al. (1981) realizaram estudos a
recebessem chamadas telefónicas erradas de um fim de verificar em que medida as respostas dos
motorista Negro ou de um motorista Branco pe- entrevistados são alteradas a fim de parecerem
dindo ajuda. Os resultados indicaram que a dis- menos racistas perante si mesmos e perante os
posição expressa para ajudar a ‘vítima’ Negra outros.
era igual à disposição expressa para ajudar a ‘ví- No primeiro estudo, estudantes universitários
tima’ Branca, e que não existia qualquer diferen- Brancos respondiam a um questionário de opi-
ça entre Liberais e Conservadores nesse compor- nião. Os participantes foram distribuídos por duas
tamento. Gaertner (1973) concluiu que, quando a condições que pretendiam maximizar ou minimi-
norma anti-racista está saliente, a discriminação zar respostas preconceituosas para as escalas de
no comportamento de ajuda não se manifesta. racismo moderno e tradicional. Na primeira con-
Num estudo mais recente, Dovidio e Gaertner dição, os questionários eram distribuídos e reco-
(2000) afirmam que, mesmo quando as directri- lhidos por uma experimentadora Branca. Na ou-
zes normativas estão claras, os racistas aversivos tra condição, era uma experimentadora Negra quem
podem lançar mão de factores não raciais para distribuía e recebia os questionários. A hipótese
justificar uma resposta negativa em relação aos subjacente à manipulação experimental era a de
Negros. Para demonstrar este pressuposto, Dovi- que, diante da experimentadora Negra, os parti-
dio e Gaertner (2000) utilizaram uma situação de cipantes tenderiam a mostrar-se menos racistas,
selecção de candidatos para um emprego, na qual pois estariam mais motivados pela norma anti-ra-
os participantes avaliavam os supostos candida- cista, do que perante a experimentadora Branca.
tos com base em extractos de entrevistas. Os ex- Os resultados encontrados apoiaram estas hipó-
tractos de entrevistas apresentavam três condi- teses. Estes resultados foram replicados num se-
ções: altas qualificações (um pré-teste indicou que gundo estudo. McConahay et al. (1981) concluem
o candidato seria aceite em 85% dos casos); fra- que a presença de uma entrevistadora Negra po-
cas qualificações (o candidato seria aceite em 15% de tornar saliente a norma-antiracista.
dos casos) e qualificações moderadas (o candida- Como salientam Vala, Brito e Lopes (1999),
to seria aceite em 50% dos casos). Os participan- todas estas novas formas de expressão do racis-
tes avaliavam um candidato Branco ou um can- mo têm em comum o facto de sustentarem que o
didato Negro. Segundo os autores, a discrimina- racismo se manifesta hoje de uma forma indire-
ção contra os Negros só aconteceria num con- cta ou encoberta, e que este carácter encoberto
texto em que houvesse uma justificação não ra- reflecte as pressões da norma social anti-racista
cial, ou seja, no contexto de qualificação mode- sobre as atitudes raciais dos indivíduos.
rada. Os resultados confirmaram esta hipótese. Estudos feitos em Portugal também têm mos-
Uma outra teoria que analisa os efeitos das trado que as normas sociais actuam como variá-
normas sociais nas expressões do racismo é a vel moderadora nas expressões de racismo (ver
teoria do Racismo Moderno (McConahay, 1986). Gonçalves & Garcia-Marques, 2002; Lima & Va-
Esta teoria baseia-se no pressuposto de que exis- la, 2002; Vala, Brito, & Lopes, 1999; Vala, Lima,
te a crença de que os Negros violam os valores & Lopes, 2002). Os estudos feitos nos EUA por

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Crandall, Eshleman e O’Brien (2002) acrescen- (1988) afirma que a criança evolui de uma fase
tam a este conjunto de pressupostos sobre os de egocentrismo, donde decorre a impossibilida-
efeitos das normas sociais no racismo, o facto de de de apreciar as diferenças quer individuais quer
que não importa analisar apenas as formas de pre- grupais, para uma fase de sociocentrismo, em que
conceito que são anti-normativas ou condenadas os julgamentos sociais são baseados nas opera-
(p.e.: o preconceito contra os Negros), mas tam- ções de categorização e na percepção das seme-
bém os tipos de expressões preconceituosas que lhanças e dessemelhanças entre grupos sociais, e
são aceites e patrocinadas pela sociedade (p.e.: finalmente para uma fase de descentração, quan-
preconceito contra neonazis). do então podem atender simultaneamente a dife-
rentes perspectivas, tornando-se mais conscien-
Racismo na infância tes das qualidades internas dos indivíduos e não
sendo mais propensas aos enviezamentos cogni-
Os estudos acima citados mostram que as ex- tivos dos estereótipos (ver Piaget & Weil, 1951).
pressões do racismo se têm tornado mais indi- O preconceito e o favoritismo endogrupal presen-
rectas, e que esta mudança tem relação com a tes até aos 7-8 anos, bem como a redução do pre-
presença da norma anti-racista que impede a ex- conceito que então ocorreria, seriam, assim, ex-
pressão do racismo mais flagrante, somada à pre- plicados com base nas capacidades cognitivas da
sença de valores que enaltecem a igualdade de criança em cada fase do desenvolvimento. Com
direitos entre as pessoas (Pettigrew & Meertens, efeito, para Berk (1994), por volta dos 7 ou 8 anos
1995; Gaertner & Dovidio, 1986; Dovidio & Ga- de idade, as crianças podem começar a racioci-
ertner, 1998, 2001). Entretanto, estes estudos fo- nar em termos de tolerância, e reconhecem que
ram feitos com adultos, poucos estudos tendo si- aqueles que estão em situação de desvantagem
do feitos nesta perspectiva com crianças. devem ser tratados de maneira especial.
Mas esta limitação pode dever-se à ideia lar- Convém salientar que, nos estudos que susten-
gamente difundida na literatura sobre o precon- tam esta perspectiva, utilizam-se medidas de ati-
ceito na infância, de que o preconceito apresen- tudes e não de comportamento (e.g., Doyle & Aboud,
tado pelas crianças está mais associado a limita- 1995; Aboud, 1980; Doyle, Beaudet, & Aboud,
ções de suas capacidades cognitivas, tal como é 1988). De modo que estes estudos, analisam mais
proposto pela abordagem cognitiva do desenvol- o preconceito do que a discriminação e o racis-
vimento (Aboud, 1988), do que pela aprendiza- mo. Para além disso, essas medidas de atitudes
gem e interiorização de normas sociais num con- são sempre explícitas, o que determina respostas
texto intergrupal. A abordagem cognitiva do de- conformes com a norma social anti-racista. Este
senvolvimento (Bigler & Liben, 1993; Brown, facto pode constituir uma explicação alternativa
1995; Doyle & Aboud, 1995; Doyle, Beaudet, & para a suposta redução do preconceito nas crian-
Aboud, 1988; Katz & Zalk, 1978; Yee & Brown, ças mais velhas: essas crianças não deixariam de
1992) afirma que, por volta dos 6 anos de idade, exprimir preconceito mas, graças à interiorização
a criança apresenta índices elevados de favoritis- das normas sociais dos adultos em relação à não
mo endogrupal, que aumentam até por volta dos discriminação aberta dos Negros ou de outras mi-
oito anos. A partir dessa idade assistir-se-ia a uma norias estigmatizadas, tornar-se-iam subtis ou ve-
redução do favoritismo endogrupal. Este fenó- ladas na expressão de seu racismo.
meno, ou seja, este aumento do etnocentrismo A presente investigação consiste em três estu-
até cerca dos 8 anos de idade, é designado por dos que têm o objectivo de verificar o efeito da
muitos estudiosos como o “período crítico” do pre- saliência das normas na expressão do racismo na
conceito (ver Aboud, 1988; Bigler & Liben, 1993; infância e o processo de socialização da norma
Brown, 1995; Doyle & Aboud, 1995; Doyle, Be- anti-racista em dois grupos de idade. Esperamos
audet, & Aboud, 1988; Katz & Zalk, 1978; Wil- que, após os oito anos de idade, as crianças apre-
liams, Best, Boswell, Mattson, & Graves, 1975; sentem discriminação apenas nas condições de
Yee & Brown, 1992). baixa saliência da norma anti-racista, e que a partir
Apropriando-se dos fundamentos da teoria do desta idade tenham interiorizado a norma social
desenvolvimento cognitivo de Piaget e aplican- dominante referente à discriminação racial. Es-
do-os às relações inter-étnicas e raciais, Aboud pera-se, assim, que a partir dessa idade haja uma

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correspondência entre o comportamento adulto e dois grupos etários: de 5 a 7 anos (46,5%) e de 8
o comportamento infantil, e que as crianças ape- a 10 anos (53,5%).
nas exibam atitudes públicas de discriminação
em relação a grupos para os quais a discrimina- Desenho
ção social é aceitável.
Utilizou-se um desenho factorial completo
Overview of the studies de 2 (idade: 5 a 7 anos vs. 8 a 10 anos) X2 (alvo:
Branco vs. Negro) X2 (contexto: que não justifi-
No primeiro estudo procurámos criar um con- cava a discriminação vs. que justificava). As duas
texto normativo que justificasse a discriminação, últimas variáveis foram intra-sujeitos. A variável
através de situações de desempenhos diferentes dependente foi o número de doces distribuídos a
ou aparentemente diferentes entre alvos brancos cada um dos alvos como recompensa pela ajuda
e negros. No segundo estudo, utilizámos um pa- à criança-sujeito.
radigma semelhante a McConahay et al. (1981),
ou seja, utilizámos uma entrevistadora Negra, a Procedimentos
fim de manipularmos um contexto no qual a nor-
ma anti-racista estivesse muito ou pouco salien- As crianças foram entrevistadas individualmen-
te. No terceiro estudo investigámos a interiori- te em escolas da rede pública e privada do Bra-
zação da norma anti-racista pelas crianças, a par- sil. Utilizaram-se fotografias de crianças brancas
tir da correspondência entre as suas atitudes e as e negras como material de estímulo, e ainda 4
do seu grupo de referência. pequenos tijolos e 6 doces de brinquedo.
A entrevistadora dava a seguinte instrução a
cada criança:
«Imagine que você está querendo cons-
ESTUDO 1
truir uma casa (para meninas) ou uma ga-
ragem de brinquedo (para meninos), e pre-
Este estudo teve o objectivo de verificar o efei-
cisa de algumas crianças para o ajudar
to da saliência de um contexto igualitário (em
na tarefa de levar tijolos para a constru-
que a discriminação não é justificável), ou de um
ção. Você chama duas crianças para o aju-
contexto de diferenciação (em que a discrimina-
dar, e diz-lhes que lhes dará em troca al-
ção é justificável), na expressão de formas in-
guns doces.»
directas de racismo na infância, em dois grupos
de idade. Foram testadas as seguintes hipótese: Assim, a entrevistadora colocava as fotogra-
1) O alvo Negro será mais discriminado do que o fias de cada criança-alvo (uma Negra e uma Bran-
alvo Branco; 2) As crianças com menos de 8 ca, do mesmo sexo que a criança entrevistada)
anos de idade discriminarão o alvo Negro, inde- sobre a mesa, e por baixo de cada fotografia, o
pendentemente dos contextos normativos e 3) A número de tijolos (miniaturas de verdadeiros ti-
partir dos 8 anos de idade as crianças discrimina- jolos) que cada criança carregou. Pedia então à
rão o alvo Negro apenas de modo indirecto ou criança entrevistada que, em recompensa da sua
subtil, ou seja, apenas na condição em que a di- ajuda, distribuísse os 6 doces de brinquedo pelos
ferenciação é justificável (desempenhos diferen- dois alvos.
tes das duas crianças-alvo. A discriminação racial foi medida através da
média do número de doces dado a cada criança-
Método alvo em dois contextos de resposta: um contexto
que não justificava a discriminação e um outro
que poderia justificar a discriminação. No con-
Participantes texto que não justificava a discriminação, pedia-
se às crianças que distribuíssem os nove doces a
Participaram na pesquisa 86 crianças brasilei- alvos que tinham tido um desempenho igual na
ras Brancas, sendo 44 meninas (51,2%) e 42 me- tarefa de construção (cada criança carregou dois
ninos (48,8%). As crianças foram distribuídas em tijolos). No contexto que justificava a discrimi-

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nação, as crianças entrevistadas deveriam recom- ça Negra foi atribuída uma idade média de 8.33
pensar os alvos em duas situações de desempe- anos F(1,17)=0.05, n.s. A aparência física e a
nho aparentemente diferentes. Numa situação o qualidade gráfica foram avaliadas numa escala
desempenho do alvo Branco era melhor do que o de sete pontos, na qual sete correspondia ao grau
do alvo Negro (i.e., o alvo Branco carregava mais mais positivo do atributo. Quanto à aparência fí-
tijolos do que o alvo Negro) e numa segunda si- sica, a criança Branca obteve média de 6.06, en-
tuação o desempenho do alvo Negro era melhor quanto a criança Negra obteve média de 6.22,
do que o do alvo Branco (i.e., o alvo Negro car- F(1,17)=0.07, n.s. Com relação à qualidade grá-
regava mais tijolos do que o alvo Branco). Po- fica, a fotografia da criança Branca obteve média
rém, o somatório dos desempenhos dos alvos Bran- de 4.5, enquanto a fotografia da criança Negra
co e Negro nas quatro situações que eram apre- obteve média de 3,9 F(1,17)=0.34, n.s.
sentadas aos participantes era igual (i.e., as cri-
anças brancas, no total, carregavam tantos tijolos Verificação da compreensão das crianças acer-
como as crianças negras). ca da tarefa

Pré-teste das fotografias Para verificar a compreensão das crianças acer-


ca da tarefa de distribuição de recompensas, fize-
As fotografias utilizadas como estímulo foram mos um teste t para amostras emparelhadas com
pré-testadas em relação à cor da pele, idade, apa- as recompensas distribuídas aos alvos quando eles
rência física e qualidade gráfica. Para isto foram levavam um, dois ou três blocos. Como podemos
apresentadas a 18 juizes (média de idade de 21,98 ver na Tabela 1, as crianças não realizaram a ta-
anos e desvio padrão de 5,55), tendo cada foto- refa aleatoriamente; seguiram o critério do desem-
grafia sido avaliada por nove juizes. As fotogra- penho dos alvos. Assim, em todas as idades, dis-
fias foram avaliadas como idênticas nos requisi- tribuíram mais recompensas aos alvos que tive-
tos analisados, excepto quanto à cor da pele. Com ram desempenhos melhores e menos recompen-
relação à cor da pele, a criança Negra foi consi- sas aos alvos que tiveram desempenhos piores.
derada Negra por 89% dos juizes, e 11% disse-
ram que era Mulata (1 pessoa). Todos os juizes Resultados
(100%) que avaliaram a criança Branca, a consi-
deraram Branca. À criança Branca foi atribuída Primeiramente realizámos uma ANOVA a fim
uma idade média de 8.44 anos, enquanto à crian- de verificarmos se havia efeito significativo do

TABELA 1
Médias e desvios padrões (entre parênteses) das recompensas distribuídas em diferentes contextos
de desempenho em função da idade
Teste t para amostras emparelhadas p<.001

Desempenho dos alvos

Idade Alvos carregam um bloco Alvos carregam dois blocos Alvos carregam três blocos

5 a 7 anos 2.43 2.94 3.61


(0.60) (0.44) (0.73)

8 a 10 anos 2.31 2.99 3.64


(0.57) (0.40) (0.67)

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TABELA 2
Médias e desvios padrões (entre parênteses) das recompensas distribuídas aos alvos Negro e
Branco em função da idade e do contexto de resposta

Contexto que não justifica a discriminação Contexto que justifica a discriminação

Alvo 5 a 7 anos 8 a 10 anos 5 a 7 anos 8 a 10 anos Total

Branco 3.24 3.02 3.12 3.16 3.13


(0.55) (0.15) (0.51) (0.58) (0.37)

Negro 2.84 2.98 2.98 2.90 2.92


(0.44) (0.15) (0.39) (0.37) (0.28)

género dos participantes na distribuição de re- diferenças entre as crianças mais novas e mais
compensa aos alvos. Os resultados indicam que velhas não foram significativas, F(1,80)<1, n.s.
não existe efeito do género sobre a discrimina- Tanto as crianças mais novas (M=3.12 vs.
ção, F(1, 80)<1, n.s. Em seguida, a fim de testar- M=2.98) como as crianças mais velhas (M=3.16
mos as hipóteses, realizámos uma ANOVA com vs. M=2.90) recompensam mais o Branco do que
medidas repetidas em que a variável independen- o Negro nesta condição1 (ver Tabela 2).
te entre-participantes foi a idade das crianças, e
as variáveis independentes intra-participantes Discussão
foram o alvo e o contexto de avaliação. Os resul-
tados indicam um efeito principal do alvo, F(1,80)= Este estudo teve o objectivo de investigar o
9.30, p<.01. Este efeito indica que o alvo Negro efeito do contexto de igualdade ou de diferencia-
foi discriminado (M=2.92, DP=0.28) em relação ção sobre a expressão das formas indirectas de
ao alvo Branco (M=3.13, DP=0.37). Este resul- racismo nas crianças, em função da idade. A dis-
tado, que confirma a primeira hipótese, foi no en- criminação racial foi avaliada através da distri-
tanto qualificado por uma interacção tripla entre buição de recompensas a alvos Branco e Negro
idade, alvo e contexto, F(1,80)=4.52, p<.05. em dois contextos: um contexto que justificava a
Para testarmos as nossas hipóteses realizámos discriminação (diferenciação de desempenhos) e
comparações planeadas. Primeiramente testámos outro que não justificava (igualdade de desempe-
se as recompensas distribuídas aos alvos Branco nhos). Verificámos, como previsto na primeira hi-
e Negro pelas crianças mais novas (5 a 7 anos) pótese, que as crianças discriminaram o alvo Ne-
se diferenciavam das recompensas distribuídas gro em relação ao alvo Branco. Contudo, verifi-
pelas crianças mais velhas (8 a 10 anos) no con- cámos também que este resultado depende da
texto que não justifica a discriminação (i.e., con- idade das crianças e do tipo de contexto norma-
texto de desempenho igual, com saliência, por- tivo de resposta. Enquanto as crianças entre os 5
tanto, da norma igualitária). Os resultados indi- e 7 anos não são sensíveis ao contexto normativo
cam, de acordo com a hipótese, que a diferença presente nas situações e discriminam sempre a
entre as crianças mais novas e mais velhas é signi- criança-alvo Negra em relação à Branca, a partir
ficativa, F(1,80)=5.74, p=.01. Enquanto que as
crianças mais novas discriminam o alvo Negro
(M=2.84) em relação ao Branco (M=3.24); as
mais velhas são igualitárias (M=2.98 para o alvo
Negro e M=3.02 para o alvo Branco). Entretanto,
no contexto que justifica a discriminação, as 1
t(45)=2.02, p<.05.

711
dos oito anos de idade as crianças deixaram de dis- Método
criminar o Negro no contexto que não justifica a
discriminação, mas continuam a discriminá-lo num
contexto em que a discriminação pode ser justi- Participantes
ficada por uma aparente diferenciação no desem-
penho dos alvos. Em outras palavras, as crianças Participaram na pesquisa 71 crianças brancas
do sexo masculino, com idades compreendidas
mais velhas não reduzem incondicionalmente a
entre os cinco e os dez anos, sendo 42% de 5 a 7
discriminação, como pretendem as teorias de ba-
anos e 57% de 8 a 10 anos. A amostra foi reti-
se desenvolvimentista cognitiva, apoiando-se nas
rada de escolas privadas e públicas do Estado de
suas novas competências afectivo-cognitivas; mas
Sergipe (Brasil).
apenas se mostram racistas em contextos nos quais
elas acreditam que o seu comportamento discri-
minatório pode ser justificado por algum modo Procedimentos
que não o da pertença racial dos alvos. Assim, As crianças foram abordadas em sua sala de
enquanto as crianças mais novas expressam ra- aula e convidadas a participar numa entrevista,
cismo quer de forma directa, quer de forma indi- tendo sido entrevistadas individualmente por uma
recta, as crianças mais velhas apenas expressam entrevistadora Negra. A entrevistadora começava
racismo de forma indirecta. por se apresentar à criança e em seguida explica-
Para além do contexto justificativo de com- va a instrução de pesquisa.
portamentos discriminatórios, como revelaram A instrução tinha o seguinte conteúdo:
os estudos clássicos de Gaertner e Dovidio (Ga-
ertner, 1973; Dovidio & Gaertner, 2000) as for- «Vou falar sobre dois meninos que querem
mas indirectas de racismo também podem ser ex- comprar bicicletas. Cada um deles quer sua
pressas em contextos nos quais a norma anti-ra- própria bicicleta. Eu resolvi ajudá-los pe-
cista não está claramente definida ou saliente (Do- dindo contribuição para eles às crianças das
vidio & Gaertner, 1998; Gaertner & Dovidio, 1986, escolas. Para contribuir você tem só que
2000). A fim de verificar a expressão das formas colocar esse dinheiro (13 notas de brinque-
indirectas de racismo em contextos nos quais a do de 1 Real = 0,35 Cêntimos cada) nesses
norma social anti-racista não está saliente reali- mealheiros. Veja! Outras crianças já con-
zámos um segundo estudo. tribuíram.» Então a entrevistadora balança
os dois mealheiros, produzindo ruído, para
tornar credível a informação que acaba de
dar. «Você dá quanto quiser e do jeito que
ESTUDO 2 quiser. O dinheiro que você der, vai ser trans-
formado em dinheiro de verdade e depois
Este estudo teve o objectivo de verificar a in- dado a eles.»
fluência da saliência de uma norma anti-racista À frente da criança, sobre uma mesa, ficavam
sobre a expressão de racismo em crianças de dois os dois mealheiros com cadeados e as treze cé-
grupos de idade. Na sequência dos objectivos dulas de brinquedo de um real. Em um mealhei-
atrás delineados e do quadro teórico previamente ro estava anexada a fotografia de uma criança bran-
desenvolvido, as seguintes hipóteses foram for- ca e no outro a de uma criança negra. Os cadea-
muladas: a) As crianças de 5 a 7 anos de idade dos tinham o propósito de dar a impressão de
discriminarão o alvo Negro em relação ao alvo que a tarefa já havia sido feita por outras crian-
Branco, independentemente do grau de saliência ças, e de dar à criança a impressão de confiden-
da norma anti-racista; b) Após os sete anos, as cialidade na distribuição do dinheiro. A instru-
crianças vão expressar racismo de modo indire- ção de que poderia distribuir o dinheiro da ma-
cto, ou seja, as crianças vão discriminar o alvo neira que quisesse incluía a informação de que,
Negro apenas quando a norma anti-racista não se não quisesse distribuir todo o dinheiro, tam-
estiver saliente. bém poderia ficar com algum para si.

712
Desenho zes de lidar com os conceitos matemáticos bási-
cos para este tipo de tarefa.
Utilizou-se um desenho factorial 2 (idade: 5 a
7 e 8 a 10 anos) X2 (saliência da norma anti-ra-
Resultados
cista: entrevistadora negra presente/ausente) X2
(alvos: branco/negro). As duas primeiras variá-
veis eram inter-participantes e a última era intra- Manifestação do Racismo nas Crianças
-participantes.
A variável “saliência da norma anti-racista” foi Antes de começarmos as análises dos dados,
operacionalizada, através da presença versus au- procedemos à substituição dos valores extremos
sência da entrevistadora: a norma anti-racista es- da distribuição (superiores a três desvios-padrão
tava saliente quando a entrevistadora negra per- em relação à média) pela média.
manecia o tempo todo junto da criança, acompa- A hipótese principal do estudo era a de que,
nhando-a enquanto esta realizava a tarefa, e não após os sete anos, as crianças iriam manifestar
estava saliente quando a entrevistadora se ausen- racismo de modo indirecto, ou seja, iriam discri-
tava da sala após ter dado as instruções, deixan- minar o alvo Negro apenas quando a norma anti-
do a criança realizar a tarefa em sigilo. -racista não estivesse saliente. Assim, procede-
Na condição em que a entrevistadora negra se mos a uma ANOVA com medidas repetidas, con-
ausentava, era dada a seguinte instrução adicio- siderando a idade e a saliência da norma anti-ra-
nal: «Eu queria que você ficasse aqui fazendo essa cista como variáveis independentes inter-partici-
actividade enquanto eu vou lá fora tomar um pantes e a recompensa dada ao alvo (Branco e
pouco de água. Você faz a actividade e fica me Negro) como variável independente intra-par-
esperando, que eu volto já. Está bem?» ticipantes: A variável dependente foi a média das
A variável dependente foi o comportamento recompensas atribuídas a cada um dos alvos.
de ajuda medido através da distribuição de re- Os resultados indicam, que ocorre um efeito
cursos (que eram as 13 cédulas referidas no Pro- principal do alvo, F(1,67)=3.19, p=.078. A crian-
ça Negra foi discriminada (M=5.81) em relação à
cedimento) para as duas crianças-alvo (Branco e
criança Branca (M=5.98). Observamos ainda, de
Negro), de modo que a variável dependente va-
acordo com as hipóteses, que ocorre um efeito
riou entre +13 (todos os recursos para o alvo Bran-
de interacção tripla do alvo, da saliência da nor-
co) e -13 (todos os recursos para o alvo Negro).
ma anti-racista e da idade F(1,67)=8.35, p=.005,
Para a manipulação do alvo foram utilizadas as
que qualifica o efeito principal do alvo (ver Ta-
fotografias de uma criança Negra e de uma crian-
bela 1). Para testar as hipóteses sobre os efeitos
ça Branca do sexo masculino, de cerca de 8 anos. da idade e da saliência da norma anti-racista na
discriminação realizamos comparações planea-
Verificação da Compreensão Aritmética das das. A primeira hipótese previa que as crianças
Crianças de 5 a 7 anos discriminariam o alvo Negro inde-
pendente da saliência da norma anti-racista. Esta
A fim de verificar a capacidade matemática de hipótese é confirmada uma vez que, as diferen-
divisão das crianças, foi criada uma tarefa que ças na distribuição de recompensas para o alvo
consistia em dividir igualmente dez cédulas de Branco e para o alvo Negro não são influencia-
um real (de brinquedo) entre duas crianças, re- das pela saliência da norma anti-racista, F(1,67)=
presentadas por desenhos de duas crianças, em 2.14, p=.15. A segunda hipótese previa que a
um cartão de aproximadamente 12X15cm (não discriminação dos Negros, por parte das crianças
se fazia menção a características tais como cor mais velhas, seria mais baixa quando a norma
da pele ou género das crianças desenhadas). Os anti-racista estivesse saliente do que quando a
participantes em ambas as condições de idade norma anti-racista não estivesse saliente. A aná-
distribuíram exactamente a mesma quantidade de lise dos contrastes também confirma esta hipó-
recursos para cada alvo (5 para uma criança e 5 tese, F(1,67)=7.66, p=.007. Como podemos ver
para a outra). Este resultado indica que, indepen- na Tabela 3, as crianças mais velhas discriminam
dentemente da idade, os participantes são capa- o alvo negro quando a entrevistadora Negra está

713
TABELA 3
Médias e desvios padrão (entre parênteses) da distribuição de recompensas aos alvos Negro e
Branco em função da idade, da cor da pele e da saliência da norma anti-racista (n =71)

Saliência da norma anti-racista

Não saliência (entrevistadora ausente) Saliência (entrevistadora presente)

Alvo 5 a 7 anos 8 a 10 anos 5 a 7 anos 8 a 10 anos Total

Branco 5.68 6.47 6.64 5.50 5.98


(1.37) (0.84) (1.02) (1.06) (1.17)

Negro 5.49 5.88 5.91 5.90 5.81


(0.88) (1.10) (0.83) (1.34) (1.08)

ausente, mas quando a entrevistadora Negra está pressarem o preconceito que, de facto, continu-
presente fazem favoritismo exogrupal. am a ter em relação às crianças Negras.
Uma das críticas relativas às teorias sobre as
Discussão formas indirectas de racismo consiste no facto de
os teóricos, apesar de afirmarem que o que gera
O presente estudo teve o objectivo de verificar a discriminação são as pressões da norma anti-
a influência da saliência de uma norma social -racista sobre os indivíduos, não testarem este
anti-racista na expressão de racismo em crianças pressuposto (Biernar, Vescio, Theno, & Crandall,
Brancas, considerando dois grupos etários. Con- 1996). A fim de analisar, precisamente, a relação
siderámos que a presença de uma entrevistadora entre as normas racistas, implícitas e explícitas,
Negra tornaria saliente a norma anti-racista (McCo- nos adultos e nas crianças e verificar a partir de
nahay et al., 1981) e que sua ausência, traduzin- que idade as crianças interiorizam as normas ra-
do-se num comportamento sigiloso das crianças, cistas implícitas, nas sociedades em que o grupo
produziria um contexto propício à discriminação Branco é dominante, realizámos um terceiro es-
do alvo Negro. Formulámos a hipótese de que ape- tudo. Em outras palavras, queremos saber se nas
nas as crianças mais velhas (8 a 10 anos), por já idades em que as crianças exprimem o racismo
terem internalizado a norma anti-racista, fossem de forma indirecta elas estão sob o efeito da von-
capazes de expressar racismo em função da va- tade de se mostrarem igualitárias.
riação do contexto normativo.
Os resultados indicaram que as crianças de 5 a
7 anos discriminam o alvo Negro, tal como pre-
visto nas hipóteses, independentemente do grau ESTUDO 3
de saliência da norma anti-racista. Já as crianças
de 8 a 10 anos, apresentam discriminação do al- A principal característica das novas formas de
vo Negro apenas quando a entrevistadora está au- racismo por parte dos membros de grupos domi-
sente. Ou seja, na situação em que estas crianças nantes é a expressão subtil, indirecta ou velada
são motivadas pela norma anti-racista, decorren- da discriminação. Este carácter velado e disfar-
te da presença da entrevistadora Negra, elas res- çada comum às novas expressões do racismo re-
pondem com um comportamento de orientação flecte as pressões da norma anti-racista. Entre-
igualitária, e não discriminatória. Contudo, a au- tanto, poucos estudos têm analisado a partir de
sência da entrevistadora Negra, desactivando os que momento as crianças interiorizam as normas
conteúdos da norma anti-racista, permite-lhes ex- sociais que contrariam a expressão directa do ra-

714
cismo. Esse estudo é importante, na medida em consistia em questionar as crianças acerca do co-
que permite verificar a hipótese de que a emer- nhecimento que tinham sobre o significado de ca-
gência de formas subtis de discriminação deve da um dos grupos. As crianças qualquer dos gru-
estar associada a uma interiorização, pelo menos pos eram eliminadas. Após a definição dos gru-
parcial, da norma anti-racista. Com base neste pos pedia-se às crianças que dissessem, através
pressuposto, e na sequência dos dois primeiros de uma escala que variava de 1 (muito), 2 (tal-
estudos, em que foi possível verificar que as cri- vez) a 3 (nada), o quanto gostavam das pessoas
anças Brancas, por volta dos 8 anos, deixavam
que pertenciam a cada um dos grupos.
de discriminar as crianças Negras de forma dire-
As mães emitiram suas avaliações sobre os mes-
cta e flagrante, enquanto passavam a discriminá-
las de uma forma indirecta e subtil (justificada mos 11 grupos utilizados com as crianças. As mães
pelo contexto ou face à ausência da norma e do respondiam à questão «Eu acho que... “Está
seu controlo), este estudo teve o objectivo de ve- certo” (“talvez esteja certo”/“não está certo”) ter
rificar se a norma anti-racista dos adultos está sentimentos negativos em relação a este grupo».
presente nas crianças do grupo Branco, por volta A escala variava de 1 (não está certo ter sentimen-
dos 8 anos, mas não anteriormente. Formulámos, tos negativos em relação a este grupo) a 3 (está
assim, a seguinte hipótese de que, a partir dos 8 certo ter sentimentos negativos em relação a este
anos, mas não entre os 5-7 anos, as crianças ten- grupo).
derão a adoptar as normas do seu grupo de refe-
rência, ou seja, vão discriminar os grupos que as
Resultados
mães acham aceitável discriminar e não discri-
minarão os grupos que as mães não acham acei-
tável discriminar.
Normatividade do preconceito na avaliação
das mães
Método
Para sabermos quais os grupos que seriam nor-
mativamente alvo de preconceito no contexto so-
Participantes cial estudado, utilizámos a percepção das mães
Participaram na pesquisa 30 crianças Brancas, sobre a aceitabilidade do preconceito em relação
sendo 15 de 5 a 7 anos e 15 de 8 a 10 anos, 70% aos grupos investigados. As respostas das mães
do sexo masculino e 30% do sexo feminino. foram comparadas com o valor 2 através de um
Participaram também 30 mães Brancas, pro- teste t. Assim, os grupos-alvo cujas médias fo-
venientes do mesmo grupo socio-económico que ram iguais a 2 (“talvez esteja certo ter sentimen-
as crianças, que tinham filhos com idades entre tos negativos em relação a este grupo”), ou signi-
os 5 e os 10 anos (53,3% dos filhos tinham 5 a 7 ficativamente superiores a 2 (“está certo ter sen-
anos e 46,7% tinham 8 a 10 anos). A média de timentos negativos em relação a este grupo”),
idade das mães foi de 31,06 anos e o desvio foram considerados normativamente alvos de pre-
padrão de 6,28. conceito. Os grupos cujas médias foram signifi-
cativamente inferiores a 2 (“não está certo ter sen-
Procedimento timentos negativos em relação a este grupo”), fo-
ram aqueles em relação aos quais o preconceito é
Seleccionámos da lista de grupos alvos de pre-
considerado anti-normativo. Podemos ver na Ta-
conceito estudados por Crandall, Eshleman e
O’Brien (2002), aqueles que considerámos que as bela 4 que, de acordo com as mães, os grupos nor-
crianças poderiam conhecer. Compusemos então, mativamente alvos de preconceito foram: políti-
uma lista com 11 grupos (doentes de SIDA, ho- cos, pessoas racistas e homossexuais. Já os gru-
mossexuais, índios, motoristas barbeiros (condu- pos em relação aos quais o preconceito é anti-nor-
tores de risco), negros, cegos, pessoas feias, gor- mativo foram: cegos, índios, negros, pessoas feias,
dos, racistas, pessoas sujas e políticos). No pro- pessoas gordas, doente de SIDA, condutores de
cesso de entrevista havia uma pergunta filtro que risco e pessoas sujas.

715
Preconceito das crianças A interiorização das normas relativas ao ra-
cismo
A fim de verificar os grupos em relação aos
quais as crianças mais expressam preconceito, Para verificarmos quando (idade) e em que
realizámos, como para a amostra de adultos, um condições (normatividade ou anti-normatividade
teste t contra 2 dos valores obtidos por cada um do preconceito), as crianças reflectem abertamen-
dos grupos-alvo, utilizando os mesmos critérios te as normas sociais de seu grupo de referência
de agrupamento dos valores da escala que foram em relação ao racismo, compusemos os seguin-
utilizados na análise dos dados das mães: assim, tes índices: um índice de ‘normatividade do pre-
os grupos-alvo cujas médias foram iguais a 2 (“tal- conceito’ (das mães) e um índice do ‘preconcei-
vez”), ou significativamente superiores a 2 (“não to’ (da criança). O grupo dos negros foi utilizado
gosto nada das pessoas deste grupo”), foram con- como grupo de comparação, pois este é o grupo
siderados alvos de preconceito. Os grupos cujas de interesse específico para a nossa pesquisa.
médias foram significativamente inferiores a 2 Para compor o índice de “normatividade do pre-
(“gosto muito das pessoas deste grupo”), foram conceito” das mães, seleccionámos os três gru-
aqueles em relação aos quais as crianças não ex- pos que as mães consideraram ser mais certo dis-
primem preconceito. A Tabela 4 mostra que os criminar, ou seja, aqueles que poderiam ser alvo
homossexuais, doentes de SIDA, pessoas racis- normativo de preconceito (políticos, homossexu-
tas, condutores de risco, pessoas sujas e pessoas ais e pessoas racistas), e calculámos a sua média
gordas são os grupos-alvo de preconceito das cri- simples. Utilizando o mesmo procedimento, cons-
anças, sendo o grupo dos políticos apenas ten- truímos o índice de “preconceito” das crianças
dencialmente alvo e os grupos de índios, negros para estes mesmos três grupos-alvo, de modo a
e cegos não são alvo de preconceito pelas crian- proceder à comparação entre ambos os índices.
ças. Os testes t para amostras emparelhadas entre es-

TABELA 4
Valores médios de normatividade do preconceito das mães e do preconceito das crianças para 11
grupos (N=30; teste t contra 2)

Normatividade do preconceito da mãe* Preconceito da criança**

GRUPOS M T p M T p

Cegos 1.07 -20.15 .00 1.63 -2.48 .02


Índios 1.10 -12.25 .00 1.57 -4.29 .00
Negros 1.10 -16.16 .00 1.60 -2.85 .01
Pessoas feias 1.10 -16.16 .00 1.87 -.85 .40
Pessoas gordas 1.17 -12.04 .00 1.93 -.42 .68
Doente AIDS 1.43 -4.96 .00 2.60 5.84 .00
Motorista barbeiro 1.63 -3.00 .01 2.40 3.03 .01
Pessoas sujas 1.70 -2.52 .02 2.30 3.07 .01
Homossexuais 1.90 -.65 .52 2.83 12.04 .00
Pessoas racistas 2.57 5.46 .00 2.57 4.96 .00
Políticos 2.73 6.89 .00 1.72 -1.97 .06

* A escala variou de 1 a 3: quanto maior o valor, mais normativo é o preconceito contra o grupo.
** A escala variou de 1 a 3: quanto maior o valor maior o preconceito contra o grupo.

716
tes dois índices, por um lado, e entre as médias índice de normatividade do preconceito das mães
de normatividade do preconceito das mães e do (M=2.55, DP=0.43) e o índice de preconceito da
preconceito das crianças relativas ao grupo “ne- criança (M=2.40, DP=.33; t(13)=-1.0, p=0.34), re-
gros”, por outro, foram calculados para os dois lativos aos grupos contra os quais as mães acham
grupos etários. certo ter preconceito.
Os resultados (Gráfico 1) indicam que as cri- No que diz respeito aos resultados relativos às
anças de 5 a 7 anos diferenciam-se de suas mães crianças de 8 a 10 anos, podemos verificar que
quanto ao preconceito relativo ao grupo dos ne- estas crianças não se diferenciam de suas mães
gros (t(14)=4,52, p<.001): Enquanto as crianças quanto às suas atitudes em relação ao grupo dos
expressam preconceito contra este grupo (M=1,93, negros t(14)=.695, p=.49. As mães acham que é
DP=0.79), suas mães acham que é anti-norma- anti-normativo ter preconceito contra este grupo
tivo ter preconceito contra eles (M=1,06, DP=0.25). (M=1.13, DP=0.35) e as crianças de 8 a 10 anos
Isto significa que as crianças desta idade ainda não exprimem atitudes negativas contra eles (M=1.27,
não interiorizaram a norma expressa pelos adul- DP=0.59). Isto mostra que as crianças desta idade
tos de referência, norma esta que impede a ex- interiorizaram o padrão normativo de seu grupo
pressão directa do preconceito contra este grupo de referência para emitir avaliações directas so-
e por isto expressam preconceito independente- bre o grupo dos negros.
mente da normatividade expressa pela mãe. As Quando, porém, estão em causa normas que
crianças de 5 a 7 anos, por outro lado, não se di- favorecem o preconceito contra alguns grupos
ferenciaram de suas mães quando comparámos o sociais, tal como acontece com os três grupos se-

GRÁFICO 1
Valores médios da normatividade do preconceito das mães e do preconceito das crianças em
função da idade das crianças

717
leccionados para a análise preconceito (políticos, apresentado pelas mães, não só em relação aos
homossexuais e pessoas racistas), ocorre um pa- três grupos estigmatizados pelos adultos como
drão de semelhança entre as normas maternas e em relação ao grupo dos negros. Podemos dizer,
as atitudes infantis que não se altera entre os 5 e seguindo Crandall et al. (2002), que elas apre-
os 10 anos. Assim, tanto as crianças com 5-7 anos, sentam o padrão de preconceito dos adultos, ou
como as crianças de 8 a 10 anos reflectem a nor- seja, discriminam os grupos em relação aos quais
ma de suas mães t(14)=1,03, p=.31. Isto é, os gru- é permitido discriminar e não discriminam os gru-
pos relativamente aos quais as mães acham nor- pos em relação aos quais não é permitido discri-
mativo ter preconceito (M=2.27, DP=0.42) são minar.
alvo de preconceito dos filhos (M=2.42, DP=0.43).
Assim, podemos dizer que estas crianças aceita-
ram ou interiorizaram as normas sociais relacio- DISCUSSÃO GERAL
nadas ao racismo. Podemos dizer ainda que esta
norma é aceita após os 7 anos de idade, período Nos estudos das novas formas de racismo tem-
em que as crianças deixam de expressar precon- -se verificado que a expressão subtil e indirecta
ceito contra os Negros de modo flagrante e pas- comum a estas formas de racismo é reflexo das
sam a expressá-lo de modo subtil, como temos de- pressões das normas sociais anti-racistas sobre
monstrado nos estudos anteriores. os indivíduos. Estes estudos foram realizados com
sujeitos adultos, mas não respondiam à questão
Discussão das possíveis etapas da interiorização, nas crian-
ças, deste tipo de normas, bem como das suas
Este estudo teve o objectivo de verificar a par- consequências na expressão do preconceito ra-
tir de que idade as crianças interiorizam a norma cial por parte dos membros dos grupos maiori-
anti-racista dos adultos. Avaliámos a adopção da tários e dominantes. O presente trabalho é com-
norma anti-racista através da percepção da nor- posto de três estudos, com o objectivo de veri-
matividade do preconceito das mães relativa ao ficar o efeito dos contextos normativos sobre a
grupo dos negros e do preconceito das crianças expressão das novas formas de racismo nas cri-
em relação ao mesmo grupo. anças, considerando dois grupos de idade cru-
Verificámos que na faixa etária de 5 a 7 anos ciais para esta averiguação. Considerámos que a
as crianças ainda não adquiriram a norma anti- manifestação das formas indirectas de racismo,
racista, uma vez que apresentam elevados índi- sensivelmente a partir dos 8 anos, está relaciona-
ces de preconceito relativamente a muitos dos da com a interiorização da norma anti-racista por
grupos investigados, incluindo o grupo dos Ne- parte das crianças, precisamente por volta desta
gros, independentemente da orientação normati- idade.
va dos adultos de referência. Este resultado pa- O primeiro estudo mostrou que as crianças ex-
rece confirmar o fenómeno do “pico etnocêntri- pressam racismo de forma velada, subtil ou indi-
co”, encontrado em outros estudos sobre precon- recta, em contextos que justificam a discrimina-
ceito na infância (Aboud, 1988; Bigler & Liben, ção. Este contexto foi criado com base na distri-
1993; Doyle & Aboud, 1995; Doyle, Beaudet, & buição de recursos a crianças-alvo que apresen-
Aboud, 1988; Katz & Zalk, 1978; Williams, Best, tavam desempenhos diferentes em uma tarefa. No
Boswell, Mattson, & Graves, 1975; Yee & Brown, segundo estudo verificámos a expressão das for-
1992) sugerindo que as crianças desta idade dis- mas indirectas de racismo considerando um con-
criminam os grupos de modo quase indiferencia- texto em que a norma social anti-racista estives-
do, de modo que podemos concluir que elas ain- se saliente ou não saliente. Neste estudo verifi-
da não adquiriram ou interiorizaram a norma an- cámos que as crianças do grupo dominante ape-
ti-racista. nas discriminam contra um alvo Negro quando a
Já as crianças que têm mais de 7 anos de ida- norma social anti-racista não está saliente, ou se-
de, mostraram, como previsto na hipótese, ter in- ja, estas crianças expressam racismo de modo in-
teriorizado a norma anti-racista, adoptando as directo. Finalmente, no terceiro estudo, verificá-
normas de seu grupo de referência. Essas crian- mos que, a partir dos 8 anos de idade, as crianças
ças apresentam o mesmo padrão de preconceito Brancas interiorizam a norma anti-racista e já

718
são pressionadas por esta norma para não apre- Biernat, M., Vescio, T. K., Theno, S. A., & Crandall, C.
sentarem o comportamento discriminatório con- S. (1996). Values and prejudice: Toward under-
standing the impact of American values on out-
tra pessoas Negras, que estava presente entre os group attitudes. In C. Seligman, J. M. Olson, & M.
5 e os 7 anos. P. Zanna (Eds.), The Psychology of Values: The On-
Estes resultados põem em questão a interpre- tario Symposium (vol. 8, pp. 153-189). New Jersey:
tação meramente cognitivista proposta por Aboud LEA.
Brown, R. (1995). Prejudice: Its Social Psychology. Ox-
para explicar a redução do preconceito nas crian- ford: Blackwell Publishers.
ças mais velhas, que já teriam atingido a fase da Crandall, C. S., Eshleman, A., & O’Brien, L. (2002).
descentração, sendo por isso capazes de percebe- Social norms and the expression and suppression of
rem uma diferenciação no interior das catego- prejudice the struggle for internalization. Journal
of Personality and Social Psychology, 82 (3), 359-
rias, o que lhes limitaria as atitudes estereotipa- -378.
das e preconceituosas. De facto, e contraria- Dovidio, J. F., & Gaertner, S. L. (2001). Affirmative
mente ao que Aboud afirma, as crianças mais action, unintentional racial biases, and intergroup
velhas continuam a expressar comportamento dis- relations. In M. A. Hogg, & D. Abrams (Eds.), In-
tergroup relations: Essential readings (pp. 178-187).
criminatório. Contudo, este comportamento ex- Philadelphia: Psychology Press.
pressa-se de modo indirecto, de modo a ficar imu- Dovidio, J. F., & Gaertner, S. L. (1998). On the nature
ne à crítica ou punição social, podendo ser obser- of contemporary prejudice: the causes, consequen-
ces, and challenges of Aversive Racism. In J. L.
vado, quer em contextos que justificam a discri-
Eberhardt, & S. T. Fiske (Eds.), Confronting Ra-
minação por outro motivo que não a categoriza- cism: the problem and the responses (pp. 3-32). Ca-
ção racial, quer quando a norma explícita anti-ra- lifornia: SAGE Publications.
cista reduz a sua saliência e deixa de exercer con- Dovidio, J. F., & Gaertner, S. L. (2000). Aversive racism
and selection decisions: 1989 and 1999. Psycholo-
trolo sobre os comportamentos das crianças.
gical Science, 11, 319-323.
Com base nos resultados encontrados nos es- Doyle, A. B., & Aboud, F. E. (1995). A longitudinal
tudos aqui apresentados, o responsável directo study of white children’s racial prejudice as a so-
pela mudança no modo de expressão do racismo, cial-cognitive development. Merrill-Palmer Quar-
terly, 41 (2), 210-229.
e não pela sua eliminação, parece ser o processo Doyle, A. B., Beaudet, J., & Aboud, F. E. (1988). Deve-
de interiorização deste tipo de normas sociais e a lopmental changes in the flexibility of children’s
capacidade de as gerir em função dos contextos, ethnic attitudes. Journal of Cross-Cultural Psycho-
processo e capacidade estes que, como foi de- logy, 19, 3-18.
Gaertner, S. L. (1973). Helping behavior and racial dis-
monstrado no terceiro estudo, já está presente nas crimination among Liberals and conservatives. Jour-
crianças mais velhas, sensivelmente a partir dos nal of Personality and Social Psychology, 25 (3),
8 anos. 335-341.
Gaertner, S. L., & Dovidio, J. F. (1986). The aversive
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chology, 40, 414-431. de recompensas para alvos branco e negro em dois
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cial, 27, 181-207. as crianças discriminavam o alvo negro apenas no con-
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and the modern racism scale. In J. F. Dovidio, & S. tudo, a discriminação foi medida através da distribui-
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who is asking and what is asked. Journal of Con- 10 anos só discriminam o alvo negro no contexto em
flict Resolution, 25, 563-579. que a norma anti-racista não estava saliente. No ter-
McConahay, J. B., & Hough, J. C. Jr. (1976). Symbolic ceiro estudo, verificamos que a partir dos 7 anos de ida-
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