Você está na página 1de 49

PROCEDIMENTOS

4. PROCEDIMENTO ESPECIAL DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A


VIDA
4.1. Fundamentos do tribunal do júri
A doutrina diverge quanto à origem do tribunal do júri. No Brasil, a
Constituição de 1988 assegura que o tribunal popular julgará os crimes
dolosos contra a vida, prevendo a possibilidade de que seja sua compe-
tência ampliada por lei. No contexto mundial, a organização e competên-
cia do tribunal do júri variam em conformidade com o sistema adotado
em cada país. A idéia do tribunal popular é a de que os casos importan-
tes sejam julgados por pessoas que formam a comunidade, tal como o
acusado seja parte desta, vale dizer, a noção que se tem do júri popular
é a de que o julgamento se dê pelos pares do réu.
A origem do tribunal do júri é visualizada tanto na Grécia como em
Roma, havendo quem veja um fundamento divino para a legitimidade
desse órgão. Sob essa inspiração, o julgamento de Jesus Cristo, mal-
grado desprovido das garantias mínimas de defesa, é lembrado como
um processo com características que se assemelham ao júri. De lado
as controvérsias sobre a origem, a maior parte da doutrina indica como
raiz do tribunal do júri a Magna Carta da Inglaterra, de 1215, bem como
seu antecedente mais recente, a Revolução Francesa de 1789.
No Brasil, desde a Constituição Imperial de 1822, o tribunal popular
é órgão com competência para julgar crimes que afetam determinados
bens jurídicos, em especial, os crimes contra a vida. A única Constitui-
ção que não trouxe previsão do tribunal popular foi a Carta de 1937, que
foi outorgada e inaugurou um período ditatorial, instaurando-se dúvida
quanto a sua subsistência até o ano de 193818. Com a Constituição do
Brasil de 1988, o tribunal do júri foi confirmado como direito e garantia
fundamental. Garantia de sujeição ao tribunal popular, nos crimes de
sua competência, para atendimento ao devido processo legal. E direito,
conferido de forma ampla, de participar da atividade do Judiciário, na
condição de jurado (juízes leigos). Partilhamos portanto, do magistério
de Guilherme Nucci, que sustenta: “não deixamos de visualizar no júri,
em segundo plano, mas não menos importante, um direito individual,
consistente na possibilidade que o cidadão de bem possui de partici-

18. ARAÚJO, Gladston Fernandes de. Tribunal do júri: uma análise processual à luz da Constituição
Federal. Niterói: Impetus, 2004. p.13.

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 1 17/6/2008 05:05:03


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

par, diretamente, dos julgados do Poder Judiciário. Em síntese: o júri é


uma garantia individual, precipuamente,mas também um direito indivi-
dual. Constitui cláusula pétrea na Constituição Federal (cf. art. 60, § 4º,
IV)”19.

4.2. Princípio reitores


A Constituição, em seu art. 5º, inc. XXXVIII, assenta os princípios do
tribunal popular: (1) plenitude de defesa; (2) o sigilo das votações; (3)
a soberania dos veredictos; e, (4) a competência para o julgamento de
crimes dolosos contra a vida.
A plenitude de defesa revela uma dupla faceta, afinal, a defesa está
dividida em técnica e autodefesa. A primeira, de natureza obrigatória, é
exercida por profissional habilitado, ao passo que a última é uma facul-
dade do imputado, que pode valer-se do direito ao silêncio. Prevalece
no júri a possibilidade não só da utilização de argumentos técnicos, mas
também de natureza sentimental, social e até mesmo de política crimi-
nal, no intuito de convencer o corpo de jurados. E se o réu, no interroga-
tório em plenário, apresenta tese defensiva distinta do seu advogado?
Entendemos que as duas devem ser levadas à votação dos jurados,
apesar do STF já ter se manifestado que devem ser quesitadas apenas
as teses sustentadas pela defesa técnica, dando evidente prevalência a
esta última20.3
Com a recente reforma do procedimento do júri, o quesito obrigatório
sobre se o réu deve ser absolvido, gizado no inciso III, do art. 483, CPP
(com redação dada pela Lei n.º 11.689/2008), findou por abranger tanto
a tese do acusado quanto a do seu advogado. Com efeito, o §2º, do art.
483, CPP, corrobora essa conclusão, ao impor que, mesmo que tenha o
júri afirmado a materialidade e a autoria do fato (nos dois primeiros que-
sitos), deve ser formulado quesito específico com a seguinte redação: “o
jurado absolve o acusado?”. Como se depreende, tal questão engloba
todas as teses de defesa.
O sigilo das votações envolve o voto e o local do voto. Para evitar
intimidação dos jurados, as votações ocorrem em uma sala especial,

19. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 3. ed. São Paulo: RT,
2007. p.667.
20. STF – 2ª T. – HC 72.450/SP – Rel. Min. Maurício Corrêa – DJ 24/5/1996. p.17413.

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 2 17/6/2008 05:05:13


PROCEDIMENTOS

com a presença das pessoas indispensáveis a esse ato processual: o


juiz, os jurados, o membro do Ministério Público, o advogado e os auxi-
liares da justiça (art. 481, CPP, redação anterior). Com o advento da Lei
n.º 11.689/2008, a nova redação do artigo 485, CPP, dispõe que, ao final
dos debates e “não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente,
os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor
do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a
fim de ser procedida a votação”. Em acréscimo, o seu § 1º preconiza que
“na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se
retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste
artigo”.
Para assegurar o sigilo – e cumprir a Constituição –, é adequado que
o juiz se acautele para suspender a divulgação dos demais votos assim
que se definir a votação de cada quesito, evitando que seja o sigilo vio-
lado por uma eventual votação unânime20-A. Nesse sentido, por nós de-
fendido antes da Lei n.º 11.689/2008, as novas redações dos parágrafos
1º e 2º, do art. 483, CPP, estabelecem que: (1) “a resposta negativa, de
mais de 3 (três) jurados, a qualquer dos quesitos” relativos à autoria e à
materialidade delitiva “encerra a votação e implica a absolvição do acu-
sado”; e, (2) “respondidos afirmativamente por mais de 3 (três) jurados”
tais quesitos, “será formulado quesito com a seguinte redação: ‘O jurado
absolve o acusado?’”.
A soberania dos veredictos alcança o julgamento dos fatos. Os ju-
rados julgam os fatos. Esse julgamento não pode ser modificado pelo
juiz togado ou pelo tribunal que venha a apreciar um recurso. Daí que
em hipótese de julgamento manifestamente contrário à prova dos autos,
a apelação provida terá o condão de nulificar o julgamento e mandar o
acusado a um novo júri. Note-se que o tribunal não altera o julgamento
para condenar ou absolver o acusado, ou mesmo para acrescer ou supri-
mir qualificadora. Como a existência do crime e de suas circunstâncias
é matéria fática, sobre ela recai o princípio da soberania dos veredictos,
não podendo seu núcleo ser vilipendiado, senão por uma nova decisão
do tribunal popular. Contudo, em prol da inocência, tal princípio não é
absoluto, admitindo-se que o Tribunal de Justiça absolva de pronto o réu

20-A. SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. Constituição e sigilo das votações no júri: o resul-
tado unânime. In: Direitos Fundamentais na Constituição de 1988: estudos comemorativos aos
seus vinte anos. Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de Alencar (org.). Porto Alegre: Núria
Fabris, 2008. p. 301.

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 3 17/6/2008 05:05:13


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

condenado injustamente pelo júri em sentença transitada em julgado, no


âmbito da ação de revisão criminal.
O tribunal do júri, com competência para processar e julgar os crimes
dolosos contra a vida, tentados ou consumados, veio com seu conteúdo
mínimo definido pela Constituição da República. Houve época em que
outros crimes, diversos dos dolosos contra a vida, eram também julga-
dos pelo tribunal do júri, a exemplo dos crimes de imprensa. Atualmente,
não há lei ordinária alargando a competência desse tribunal popular.
Para evitar a extinção do instituto, o constituinte protegeu assim sua
competência mínima, em cláusula pétrea gizada no capítulo dos direitos
fundamentais. Além do núcleo básico constitucional, vão também a júri
as infrações comuns conexas aos crimes dolosos contra a vida. Desta
forma, outros crimes comuns que não os dolosos contra a vida podem
ser apreciados pelos jurados, desde que exista conexão, e mesmo que
a infração conexa seja de menor potencial ofensivo, será atraída ao pro-
cedimento escalonado do tribunal popular.
Advirta-se que o genocídio, por ser crime contra a humanidade, não
irá a júri, da mesma forma que o latrocínio, que é crime contra o patrimô-
nio ( Súmula nº 603, STF).

4.3. Características
a) Órgão heterogêneo: na Constituição de 1988, o júri popular é
reafirmado como órgão do Poder judiciário. Sua composição é formada
por um juiz-presidente e por vinte e cinco jurados, nos termos da nova
redação do art. 433, CPP, dada pela Lei n.º 11.689/2008 (antes o CPP
previa o número de vinte e um jurados), dos quais sete compõem o Con-
selho de Sentença. O juiz-presidente aplica o direito de acordo com os
fatos que são julgados pelos jurados. Aquele, o juiz do direito, estes, o
juiz dos fatos. Sobre aquele, não vigora o princípio da soberania dos
veredictos, pelo que o tribunal pode reformar sua sentença, para majorar
ou minorar a pena por ele aplicada. Já quanto ao julgamento dos fatos
pelos jurados, não cabe ingerência pelo órgão de segundo grau de ju-
risdição.
b) Órgão horizontal: não há de se falar em hierarquia entre o juiz pre-
sidente e os jurados. Têm funções diversas, e a conjugação de esforços
faz a harmonia do tribunal.

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 4 17/6/2008 05:05:13


PROCEDIMENTOS

c) Órgão temporário: o tribunal funcionará durante alguns períodos


do ano. Desta forma, a reunião do júri é período do ano em que o mes-
mo opera, ao passo que a sessão do júri concentra a realização do jul-
gamento. Pelo alto número de crimes dolosos contra a vida, não é raro
que o tribunal, notadamente nas capitais, opere durante todos os meses
do ano.
d) Decisões por maioria de votos: não é necessário, ao contrário do
que ocorre no júri norte-americano, que haja unanimidade na votação.
Basta a obtenção de quatro votos num determinado sentido, para que se
tenha a majoritariedade na votação de cada quesito. Como salientamos
acima, somos partidários de que o magistrado deve zelar para evitar a
unanimidade, para que indiretamente não seja quebrado o sigilo das vo-
tações, afinal, havendo unanimidade, todos saberão que os jurados, em
sua totalidade, se inclinaram em favor desta ou daquela tese, o que pode
desaguar eventualmente em retaliação. Foi, aliás, o que fez o legislador
recentemente, prevendo bastar a resposta de mais de três jurados em
um dado sentido, a fim de resguardar o sigilo das votações (art. 483, §§
1º e 2º, CPP, com redação dada pela Lei n.º 11.689/2008).

4.4. RITO ESPECIAL DO JÚRI: JUDICIUM ACCUSATIONIS


Para que se tenha início uma ação penal de forma válida, não se
prescinde de um suporte probatório mínimo. A ação penal se reveste
de requisitos, entre eles o da justa causa para o seu oferecimento. Os
crimes dolosos contra a vida deixam, em regra, vestígios. Isso leva a
concluir que o exame de corpo de delito é quase sempre documento
indispensável para a comprovação da materialidade delitiva. Daí que se
terá, antes do oferecimento da denúncia, um inquérito policial prévio que
a instruirá. Isso não descarta a possibilidade de denúncia com outras pe-
ças de informação, mas apenas salienta que a regra será a instauração
de um inquérito policial para que o suporte probatório inicial seja formado
de maneira regular.
O entendimento do procedimento especial para o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida deve partir da visão estrutural do seu pro-
cesso. O seu rito processual é escalonado, isto é, bifásico, com duas
fases bem distintas: (1) a primeira fase (parecida com a do rocedimen-
to comum ordinário, porém com modificações recentes conferidas pela
Lei n.º 11.689/2008, que inaugurou alegações escritas preliminares e
inverteu o rito, com a realização do interrogatório e de debates orais

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 5 17/6/2008 05:05:13


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

ao final), diferenciando-se sobremodo a partir do encerramento da ins-


trução): chama-se juízo de admissibilidade, sumário da culpa, juízo de
acusação ou judicium accusationis; e, (2) a segunda fase só ocorrerá
se pronunciado o acusado, ou seja, se admitida a acusação, com a pro-
lação de um juízo de admissibilidade positivo pelo juiz sumariante (juiz
singular): denomina-se judicium causae ou juízo de mérito, onde os fatos
serão apreciados pelos jurados, sob a presidência do juiz-presidente do
tribunal do júri.
Como se depreende, o divisor de águas das duas fases do rito esca-
lonado do júri é a decisão de pronúncia. Havendo a pronúncia e ocorrida
a sua preclusão, “os autos serão ebcaninhados ao juiz presidente do
tribunal do júri” (art. 421, caput, CPP, com redação determinada pela Lei
n.º 11.689/2008). Com a reforma processual penal, o CPP não fala mais
em abertura de prazo para o oferecimento do libelo-crime acusatório
(que era a petição inicial, apresentada pelo Ministério Público ou quere-
lante, da segunda fase, do judicium causae). Com a nova redação do art.
422, CPP, o libelo-crime acusatório não é mais apresentado (evitando
reconhecimento desnecessário de nulidades ou delongas processuais
em face de sua eventual deficiência ou ausência de apresentação). A
pronúncia passou, então, a ser o referencial para a delimitação da acu-
sação (como antes já o era, tanto que o libelo deveria ser o seu espelho
fiel, com acréscimo de agravantes), sem necessidade de que o membro
do Parquet se manifeste obrigatoriamente no prazo de cinco dias. Ago-
ra, preclusa a pronúncia, o juiz, no prazo de cinco dias, determinará a
intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de
queixa, e do defensor, para apresentação dos nomes das testemunhas
que irão depor em plenário.
Dessarte, enquanto a primeira fase se inicia com a denúncia, com a
formação da relação processual a partir do seu recebimento e da cita-
ção do acusado, desenvolvendo-se perante o juiz singular (sumariante),
responsável pela formação da culpa, a segunda etapa tem seu curso
iniciado com a preclusão da pronúncia, seguida de apresentação de rol
de testemunhas e dos preparativos para o plenário do tribunal do júri.
A primeira fase, então, será inaugurada com a denúncia ou queixa
subsidiária, podendo ser recebida ou rejeitada. O órgão da acusação
poderá arrolar até oito testemunhas. Recebida a denúncia, antes das
modificações introduzidas pela Lei n.º 11.689/2008, seguia-se o rito
do procedimento comum ordinário. Agora, o CPP prevê que “o juiz, ao

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 6 17/6/2008 05:05:13


PROCEDIMENTOS

receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para


responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias” (nova
redação do art. 406, caput, CPP). Esse prazo deve ser contado a partir
do efetivo cumprimento do mandado ou do comparecimento em juízo do
réu ou de seu defensor quando inválida a citação ou realizada esta por
edital. Em outras palavras, o prazo não é contado a partir da juntada aos
autos do mandado, mas da realização da diligência (§ 1º, art. 406, CPP,
nova redação).
O interrogatório não é mais o primeiro ato de instrução juntamente
com as diligências requeridas pelo Ministério Público ou querelante na
inicial acusatória, porém, na tendência de realçar seu caráter de meio de
defesa, o interrogatório é o último ato da instrução, depois da produção
de prova testemunhal, pericial e demais diligência, contudo antes dos
debates orais finais.
Outrossim, não se fala mais em defesa prévia, no prazo de três dias,
mas de resposta prévia com teor análogo às alegações finais escritas
do procedimento revogado. O rol de testemunhas de cada acusado, até
o número de oito, deve ser apresentado na sua resposta preliminar es-
crita. Nos termos do § 3º, do art. 406, CPP (nova redação dada pela Lei
n.º 11.689/2008), “na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e
alegar tudo que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justifi-
cações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o
máximo de 8 (oito), qualificando-as e requerendo sua intimação, quando
necessário”. As exceções serão autuadas e processadas em apartado, a
teor do art. 95 a 112, CPP (art. 407, CPP, nova redação).
Caso não seja apresentada a defesa (resposta preliminar escrita), no
prazo legal, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, em até dez dias,
abrindo-lhe vista dos autos (art. 408, CPP, nova redação). Depois de
apresentada a defesa, o Ministério Público ou o querelante será ouvido
sobre as preliminares e os documentos carreados, a teor do art. 409,
CPP (redação dada pela Lei n.º 11.689/2008).
Em seguida – concluída essa fase preliminar do judicium accusatio-
nis –, o juiz designará audiência de instrução, para que sejam inquiridas
testemunhas, e determinará a realização de diligências requeridas pelas
partes (art. 410, CPP, nova redação).
Sobre o ponto, o novel art. 411, CPP, reza que, na audiência de
instrução, será tomada, se possível, as declarações do ofendido, bem

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 7 17/6/2008 05:05:13


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

como serão inquiridas as testemunhas arroladas pela acusação e pela


defesa, nesta ordem. As diligências e perícias deverão estar concluí-
das quando da realização dessa audiência. Isso porque, por força do
princípio da concentração dos atos processuais, será a audiência de
instrução o momento para esclarecimentos dos peritos (sobre a perícia
e o laudo), acareações e reconhecimento de pessoas e coisas. Em se-
guida, será interrogado o acusado, com a realização dos debates orais
ao final. Como já se disse, foram suprimidas as alegações escritas no
prazo de cinco dias, sendo finalizada a primeira fase do júri com os
debates orais.
Antes das alterações feitas pela Lei n.º 11.689/2008, uma vez conclu-
ída a instrução, não havia fase de diligências tal como se dá com o rito
comum ordinário. As partes eram notificadas para, querendo, apresentar
alegações finais, em cinco dias, não se oportunizando juntada de docu-
mentos, face à disposição anterior do CPP de que não seria juntado do-
cumento algum nesta fase do processo (redação anterior do § 2º, do art.
406, CPP). Excepcionalmente, se um documento essencial para evitar a
pronúncia não estivesse nos autos, poderia ser apresentado, mitigando-
se os rigores da lei.
Agora, perdeu relevo tal discussão, pois o momento preclusivo para
a conclusão da instrução da primeira fase é a audiência de instrução,
que deve concentrar todos os atos e diligências pendentes. É verdade
que a intenção do legislador pode ser frustrada em razão de motivos
que fujam ao controle do juízo, a exemplo de diligências efetivadas por
carta precatória, que estejam pendentes de cumprimento em juízo ter-
ritorial diverso (deprecado). Isso não retira o mérito das disposições se
coadunarem com o princípio da economia processual.
Nessa esteira, a nova redação do §1º, do art. 411, CPP, prevê que
“os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e
de deferimento do juiz” e o seu § 2º arremata que “as provas serão pro-
duzidas em uma só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas
irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”. Trata-se de uma espécie de
saneamento anterior à audiência de instrução, para que ela seja realiza-
da no momento em que o processo esteja em condições de amadurecer.
Em acréscimo, o CPP determina que “nenhum ato será adiado, salvo
quando imprescindível à prova faltante, determinando o juiz a condução
coercitiva de quem deva comparecer” (§7º, art. 411, CPP) e que “a teste-
munha que comparecer será inquirida, independentemente da suspen-

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 8 17/6/2008 05:05:13


PROCEDIMENTOS

são da audiência, observada em qualquer caso a ordem estabelecida no


caput” do art. 411 (§ 8º).
O desfecho do judicium accusationis se dava após o oferecimento das
alegações finais, primeiro pelo Ministério Público e depois pela defesa.
Com o advento da Lei n.º 11.689/2008, esse momento acontecerá após
as alegações orais, apresentadas nos termos do § 4º do art. 411, CPP:
“as alegações serão orais, concedendo-se a palavra, respectivamente,
à acusação e à defesa, pelo prazo de 20 (vinte) minutos, prorrogáveis
por mais 10 (dez)”. Caso haja “mais de 1 (um) acusado, o tempo previsto
para a acusação e a defesa de cada um deles será individual” (§ 5º). A
manifestação do assistente de acusação terá lugar após a do Ministério
Público, concedendo-se 10 (dez) minutos. Nesse caso, será prorrogado
por igual período o tempo de manifestação da defesa (§ 6º).
O § 9º, do art. 411, CPP (nova redação), estatui que encerrados os
debates, o juiz proferirá sua decisão imediatamente, ou o fará em dez
dias, ordenando, para tanto, a conclusão dos autos. O procedimento de-
ve ser concluído no prazo máximo de noventa dias (art. 412, CPP, nova
redação).
Pode, então, o magistrado adotar as seguintes posturas: (1) pro-
nunciar o réu; (2) impronunciá-lo; (3) absolvê-lo sumariamente; e, (4)
desclassificar a infração dolosa contra a vida. Decidindo por pronunciar
o réu, terá cabimento o início da segunda fase, assim que precluso o
julgado por ausência de interposição de recurso ou por confirmação do
tribunal ao apreciá-lo. Nas demais hipóteses, abrevia-se o rito, não ha-
vendo início do juízo de mérito perante o tribunal popular, ressalvado o
caso de pronúncia de um dos acusados, quando mais de um figurar no
pólo passivo da ação penal.
Antes do advento da Lei n.º 11.689/2008, com a preclusão da deci-
são de pronúncia, o Ministério Público ou o querelante era intimado para,
em cinco dias, oferecer o libelo-crime acusatório. O CPP não prevê mais
tal peça processual, mas tão somente a abertura do prazo de cinco dias
às partes para apresentar rol de até cinco testemunhas cada.
A título histórico, calha registra que o libelo era a petição inicial da
segunda fase, valendo salientar que, na primeira fase, o juiz se limita
a pronunciar o réu pelo cometimento do crime doloso contra a vida, re-
metendo, por conseqüência, os delitos conexos a julgamento pelo júri.
O libelo, então, era uma petição técnica, desenvolvida em linguagem

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 9 17/6/2008 05:05:13


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

articulada, e que deveria ser o espelho da pronúncia, isto é, não poderia


descrever conduta que não tivesse sido reconhecida expressamente na
decisão de pronúncia. Era no libelo-crime que o promotor de justiça ou
procurador da república pedia a condenação do acusado, arrolava as
testemunhas até o número de cinco e pleiteava as diligências indispen-
sáveis para o julgamento plenário.
O libelo-crime acusatório era peça obrigatória. Delimitava a acu-
sação, com o acréscimo de agravantes em relação à pronúncia (que
não pode fazer menção a agravantes). Com a Lei n.º 11.689/2008, a
pronúncia, por si só, delimitam a acusação. As agravantes poderão ser
debatidas em plenário. A vantagem da desnecessidade do libelo-crime
acusatório, é a de sua falta ou deficiência não redundar mais em nuli-
dade processual. Com efeito, antes, se necessário, o juiz comunicava
a não apresentação do libelo aos órgãos de corregedoria do Ministério
Público, invocando por analogia até mesmo o art. 28 do CPP, para que o
Procurador Geral designasse outro membro para oferecê-lo. O libelo não
era recebido se fosse elaborado em desconformidade com a pronúncia,
porquanto fato dessa espécie ensejava nulidade absoluta a partir da sua
apresentação ao processo.
Quando recebido era o libelo-crime, a defesa era intimada para,
em cinco dias, oferecer contrariedade ao libelo, em cinco dias. A não
apresentação da contrariedade não produzia efeito algum. Daí que sua
supressão pela Lei n.º 11.689/2008, além de prática, é irrelevante pro-
cessualmente, já que era facultativo o ser oferecimento. Era na con-
trariedade, contudo, que a defesa deveria arrolar as testemunhas que
desejasse ouvir em plenário, até o número de cinco. A não indicação
de testemunhas no libelo e na contrariedade acarretava a preclusão de
produção de prova testemunhal na sessão plenária. Da mesma manei-
ra, decorrido in albis o prazo de cinco dias para apresentação do rol
de testemunhas, consoante o novo rito, preclusa ficará a oportunidade
para produção de prova oral testemunhal pelas partes em plenário (art.
422, CPP).
Realizadas as diligências requeridas pelas partes, serão iniciados
os preparativos para a sessão do tribunal do júri. O juiz, desse modo,
deliberará sobre os requerimentos de provas a serem produzidas ou
exibidas no plenário do júri. Adotadas as providências devidas, o juiz
presidente: (1) “ordenará as diligências necessárias para sanar qualquer
nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa”; e, (2)

10

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 10 17/6/2008 05:05:13


PROCEDIMENTOS

“fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta


da reunião do Tribunal do Júri” (art. 423, I e II, CPP, nova redação). Com
a previsão de lançamento de relatório prévio nos autos, não será mais
impositivo que o juiz faça a sua leitura durante a sessão de julgamento
em plenário.
Até a sessão, documentos e objetos podem ser juntados ou apensa-
dos ao processo, desde que haja comunicação à parte contrária em até
três dias de antecedência do julgamento do acusado, conforme redação
antiga do art. 475, CPP. Com a vigência da nova redação dada ao art.
479, CPP, pela Lei n.º 11.689/2008, passou a ser necessária apenas a
juntada de tais objetos e documentos com antecedência mínima de três
dias, dando-se ciência à outra parte, não sendo permitida, durante o jul-
gamento, “a leitura de documento ou a exibição de objeto” que desaten-
da essa condição. O parágrafo único desse dispositivo arremata que se
compreende na proibição “a leitura de jornais ou qualquer outro escrito,
bem como a exibição de vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros,
croqui ou qualquer outro meio assemelhado, cujo conteúdo versar sobre
a matéria de fato submetida à apreciação e julgamento dos jurados”.
Daí que o não atendimento dessa providência implica nulidade do julga-
mento, se alegada em tempo oportuno. O acolhimento da impugnação
da juntada de documento importa que não haja menção a respeito dele
durante a sessão, sob pena de nulidade. O que se pretende é que não
sejam as partes surpreendidas às vésperas do julgamento.
Para a sessão plenária, a Lei n.º 11.689/2008 trouxe algumas ino-
vações ao CPP. O sorteio dos sete jurados que comporão o Conselho
de Sentença se fará dentre vinte e cinco jurados (não mais vinte e um
jurados) com dezoito ou mais anos de idade. O processo não será mais
relatado pelo juiz, pois o relatório já estará exarado nos autos previa-
mente à sessão.
Destarte, “prestado o compromisso pelos jurados, será iniciada a
instrução plenária quando o juiz presidente, o Ministério Público, o as-
sistente, o querelante e o defensor do acusado tomarão, sucessiva e
diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as
testemunhas arroladas pela acusação” (art. 473, caput, CPP, nova reda-
ção). Quando da inquirição das testemunhas arroladas pela defesa, “o
defensor do acusado formulará as perguntas antes do Ministério Público
e do assistente, mantidos no mais a ordem e os critérios estabelecidos
neste artigo” (§ 1º). Já “os jurados poderão formular perguntas ao ofendi-

11

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 11 17/6/2008 05:05:13


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

do e às testemunhas, por intermédio do juiz presidente” (§ 2º), seguindo


a regra do sistema presidencialista.
Na sessão plenária, é facultado às partes e aos jurados requerimen-
tos de “acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e esclareci-
mento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram, exclusi-
vamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares,
antecipadas ou não repetíveis” (§ 3º).
Ao final, será o acusado interrogado, se estiver presente. Sua presen-
ça é obrigatória na sessão de julgamento quando estiver preso por crime,
caso em que a sessão pode ser adiada, salvo se for apresentado pedido
de dispensa de comparecimento subscrito por ele e seu defensor (§ 2º,
art. 457, CPP, nova redação). Se estiver solto, bastará sua intimação da
data do julgamento. Durante o período em que permanecer no plenário
do júri, não será permitido o uso de algemas no acusado, “salvo se abso-
lutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemu-
nhas ou à garantia da integridade física dos presentes” (art. 474, CPP).
A teor do art. 475, CPP (nova redação), “o registro dos depoimentos
e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação mag-
nética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior
fidelidade e celeridade na colheita da prova”. Sem embargo, “a transcri-
ção do registro, após feita a degravação, constará dos autos” (parágrafo
único).
Depois de concluída a instrução e encerrados os debates, serão, ao
final, votados os quesitos pelos jurados e proferida uma sentença, pelo
juiz-presidente, seja de absolvição, seja de condenação. Para tanto, com
se está vendo, os jurados assistirão a uma autêntica instrução durante a
sessão de julgamento (judicium causae), com a exposição das teses da
acusação e da defesa. A sentença do juiz presidente deverá se conformar
com o que pontificado pelos jurados nas respostas aos quesitos. Com
essa visão panorâmica do rito bifásico do procedimento para os crimes
dolosos contra a vida, será retomado o estudo, de maneira mais detalha-
da, a começar das sentenças possíveis no momento do encerramento da
instrução da primeira etapa, após terem sido apresentadas as alegações
finais.

4.5. “Sentença” de pronúncia


O Código de Processo Penal, em seu art. 413, caput e § 1º (no-
va redação dada pela Lei n.º 11.689/2008), chama de “sentença de

12

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 12 17/6/2008 05:05:13


PROCEDIMENTOS

pronúncia” a decisão a ser exarada quando o juiz estiver “convencido da


materialidade do fato e da eixstência de indícios suficientes de autoria
ou de participação”. A pronúncia conterá fundamentação que se limite “à
indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes
de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal
em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualifi-
cadoras e as causas de aumento de pena”. A sentença de pronúncia não
põe propriamente termo ao processo, mas fixa os limites da imputação
para que tenha início a segunda fase a partir de sua preclusão (não
sendo mais seu marco primeiro o libelo-crime acusatório, extinto com a
recente reforma do CPP).
A sentença de pronúncia tem a natureza de uma decisão interlocu-
tória mista não terminativa. É mista porque encerra uma fase sem por
fim ao processo e é não terminativa por não decidir o meritum causae
(se julgasse o mérito seria definitiva). Não há através dela julgamento do
mérito condenatório da ação penal. Apenas há juízo de admissibilidade
da acusação. Enquanto para o recebimento da denúncia se faz preciso
um suporte probatório mínimo, para a pronúncia se requer um suporte
probatório mais robusto, médio, que, no entanto, não é equivalente ao
conjunto probatório que se exige para a condenação. Na sentença de
pronúncia não há juízo de certeza do cometimento do crime, porém é
mister que haja possibilidade da acusação, ou seja, o contexto proces-
sual deve evidenciar que os fatos estão aptos a serem julgados pelos
leigos, seja para absolver ou condenar o acusado.
Se, de plano, o juiz vê que não há possibilidade de condenação váli-
da, mercê da insuficiência probatória, não deverá pronunciar o acusado.
É o que dispõe explicitamente o art. 414, CPP (nova redação), ao dizer
que “Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de
indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamenta-
damente, impronunciará o acusado”, ressalvando que, “enquanto não
ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia
ou queixa se houver prova nova” (parágrafo único). Note-se que vigora,
nesta fase, a regra do in dubio pro societate: existindo possibilidade de
se entender pela imputação válida do crime contra a vida em relação ao
acusado, o juiz deve admitir a acusação, assegurando o cumprimento da
Constituição, que reservou a competência para o julgamento de delitos
dessa espécie para o tribunal popular. É o júri o juiz natural para o pro-
cessamento dos crimes dolosos contra a vida. Não deve o juiz togado
substituí-lo, mas garantir que o exercício da função de julgar pelos leigos
seja exercida validamente.

13

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 13 17/6/2008 05:05:14


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

Entendendo por admitir a acusação o juiz pronunciará o réu. A pro-


núncia é uma decisão com fundamentação técnica. Não deve tecer va-
lorações subjetivas em prol de uma parte ou de outra. As teses da acu-
sação e da defesa não são rechaçadas na totalidade. O magistrado fará
menção da viabilidade da imputação e da impossibilidade de se acolher
naquele momento, por exemplo, a tese da legítima defesa, salientando
a possibilidade do júri acolhê-la ou rejeitá-la. É o júri o juiz dos fatos e a
pronúncia fará um recorte deles, admitindo os que se sustentam e recu-
sando aqueles evidentemente improcedentes. O juiz togado não deverá
exarar motivação tendenciosa ou que tenha o condão de influenciar os
jurados com a sua leitura em plenário.
A sentença de pronúncia não deve apreciar circunstâncias judiciais,
atenuantes ou agravantes, nem tampouco de privilégio que reduza a
pena. A matéria de individualização da pena não faz parte da pronúncia.
Acolhendo circunstâncias dessa qualidade, o juiz estaria a fundamentar
a pronúncia de molde a influenciar os jurados. Acabaria por revelar um
juízo absolutório ou condenatório, ainda que de maneira discreta. A pro-
núncia, congruente com a denúncia e com a instrução criminal realizada
na primeira fase, destina-se ao exame da admissibilidade dos fatos para
o fim de serem apreciados pelo Conselho de Sentença em plenário.
Destarte, a sentença de pronúncia conterá um relatório e uma fun-
damentação que aprecie as provas, sem aprofundar qualquer juízo de
condenação. É uma sentença “sem mérito”. As teses de defesa são en-
frentadas, contudo, se não houver certeza de que, por exemplo, uma
excludente de ilicitude restou configurada, o juiz não declara que a tese
é sem cabimento: antes, deve ele afirmar que a dúvida que recai sobre
a tese não autoriza seu acolhimento imediato, razão pela qual deve ser
assegurado o julgamento do réu pelo tribunal popular. Acatada a impu-
tação do crime contra a vida, o juiz examinará o suporte probatório dos
crimes conexos, para, ao final, em sendo o caso de pronúncia, admitir a
acusação.
As qualificadoras são também enfrentadas, pois não são circunstân-
cias agravantes, mas fatos que compõem a tipicidade. O tipo qualificado
ou a circunstância qualificadora tem limites penais expressos e envol-
vem fatos distintos ou que acrescem o tipo simples fundamental. Daí ser
importante sublinhar que a qualificadora deve ser admitida ou rejeitada
em compasso com o que restou provado no curso da instrução criminal.
Nesse ponto, o juiz não está descendo à matéria de individualização da

14

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 14 17/6/2008 05:05:14


PROCEDIMENTOS

pena. A seu turno, circunstâncias ou causas de aumento específicas,


previstas no próprio tipo penal, em seus parágrafos, são admitidas. Tam-
bém as causas que permitem a aferição do tipo penal por extensão,
compondo o próprio tipo base, como a tentativa, o concurso de pessoas
e as hipóteses de omissão penalmente relevante, são admitidas (art. 13,
§ 2º, CP). Diferentemente, o art. 7º da Lei de Introdução ao CPP é ex-
presso ao vedar na pronúncia causa especial de diminuição de pena.
É assim que o novo § 1º, do art. 413, CPP (redação dada pela Lei n.º
11.689/2008), não dissente do entendimento aqui esposado, ao avivar
que “a fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da mate-
rialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de
participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar
incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as
causas de aumento de pena”.
Se ocorrer erro de tipificação dos fatos narrados na inicial acusató-
ria, caberá ao magistrado corrigi-lo no momento da pronúncia, dando a
estes o enquadramento adequado, valendo-se do instituto da emendatio
libelli, afinal o réu defende-se dos fatos, tratando-se aqui de mero erro
de tipificação (nova redação do art. 418, CPP, antes inferida do antigo
art. 408, § 4º, CPP).
Já se os fatos revelados na instrução da primeira fase forem distin-
tos dos narrados na denúncia, como a descoberta de qualificadora não
contemplada na descrição da inicial, deve o magistrado, antes de proferir
a pronúncia, abrir vistas ao MP para que adite a inicial, e na seqüência,
oportunizar que a defesa se manifeste, em até três dias, podendo indi-
car até três testemunhas para combater os fatos novos, aplicando-se,
portanto, o instituto da mutatio libelli (art. 384, CPP), fazendo valer na
primeira fase o princípio da correlação, ou seja, o equilíbrio entre a deci-
são e aquilo que foi pedido. Com a reforma processual penal introduzida
pela Lei n.º 11.689/2008, o legislador consagrou essa nossa posição na
nova redação do §3º do art. 411, CPP, dirimindo divergências doutriná-
rias (contra a tese que inadimitia a mutatio libelli no rito do júri por falta
de previsão expressa): “encerrada a instrução probatória, observar-se-á,
se for o caso, o disposto no art. 384”.
A pronúncia tem uma técnica específica. A rigor, o réu é pronunciado
pelo crime contra a vida ou pelos crimes contra a vida. Não é o réu pro-
nunciado pelos crimes conexos. Se o acusado é pronunciado pelo crime

15

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 15 17/6/2008 05:05:14


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

contra a vida e foi denunciado também por outro crime àquele conexo,
o juiz declarará levados ao júri, por conseqüência, os delitos conexos. A
pronúncia é relativa ao delito contra a vida, suas qualificadoras e causas
de aumento. Não há menção a agravantes, atenuantes ou circunstân-
cias de privilégio: o magistrado admite a acusação e pronuncia o réu
pelo delito doloso contra a vida. Havendo delito conexo, declarará este
remetido ao júri, por decorrência. A inclusão de eventual circunstância
agravante é encargo do Ministério Público ou querelante, por ocasião
dos debates orais em plenário (não mais por ocasião do libelo-crime
acusatório, extinto que foi pela Lei n.º 11.689/2008).
Prolatada a pronúncia, devem ser dela intimados o Parquet, o acu-
sado e seu defensor, notadamente porque um dos efeitos da pronún-
cia, uma vez mantida a prisão com base na presença dos requisitos da
preventiva, é a superação da alegação de constrangimento ilegal. A
sistemática de intimação sofreu alteração em face do advento da Lei
n.º 11.689/2008. Agora a intimação da pronúncia será feita (art. 420,
CPP): (1) “pessoalmente ao acusado, ao defensor nomeado e ao Mi-
nistério Público” (inclua-se nesta epígrafe o defensor público, diante de
prerrogativa funcional); (2) “ao defensor constituído, ao querelante e
ao assistente do Ministério Público, na forma do disposto no § 1o do
art. 370”, CPP, ou seja, “por publicação no órgão incumbido da publi-
cidade dos atos judiciais da comarca, incluindo, sob pena de nulidade,
o nome do acusado”; e, (3) por edital ao acusado solto que não for
encontrado (Parágrafo único).
Pela importância histórica, um efeito da pronúncia que carece ser
mencionado era o de lançamento do nome do réu no rol dos culpados
(antigo art. 408, § 1º, CPP), constante de “disposição, anacrônica e até
injusta”, que, antes mesmo da reforma processual penal recente, tinha
sido tacitamente “revogada pelo artigo 5º, LVII, da Constituição Federal
de 1988, ao consagrar o princípio do estado de inocência”. No entanto,
outros efeitos fortes subsistem: a sentença de pronúncia, uma vez não
recorrida pelos interessados, “apresenta efeitos preclusivos de natureza
processual, ante a imutabilidade de sua afirmação sobre a admissibilidade
da acusação que encaminha para decisão final pelo tribunal do júri”. É
desse modo que o art. 421, CPP, deixa assentado que “preclusa a de-
cisão de pronúncia, os autos serão encaminhados ao juiz presidente do
Tribunal do Júri”. De mais a mais, a sentença de pronúncia e a decisão
confirmatória de pronúncia proferida pelo tribunal em grau de recurso cau-
sam a “interrupção da prescrição da pretensão punitiva (art. 117, II, CP)”.

16

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 16 17/6/2008 05:05:14


PROCEDIMENTOS

Há possibilidade de correção da pronúncia. Trata-se de uma nova


decisão de pronúncia do acusado, exarada em decorrência de circuns-
tância ulterior não conhecida ou não ocorrida no momento da decisão
judicial. Um exemplo clássico é o do acusado pronunciado por homicídio
tentado, cuja vítima morre dias depois em decorrência da conduta crimi-
nosa. É indispensável a relação de causalidade. A correção da pronúncia
estava gizada na antiga redação do art. 416, CPP. Constatada situação
tendente à modificação da pronúncia, devem ser previamente ouvidos
Ministério Público e defesa. É nesse sentido que o § 1º do art. 421, CPP
(nova redação), a propósito prevê que “ainda que preclusa a decisão de
pronúncia, havendo circunstância superveniente que altere a classifica-
ção do crime, o juiz ordenará a remessa dos autos ao Ministério Público”,
sendo os autos conclusos para decisão em seguida (§2º)21.
Por fim, na pronúncia deve o magistrado decidir se o réu enfrentará
a segunda fase de julgamento em liberdade ou não, e a nosso ver, só
terá cabimento o encarceramento se estiverem presentes os requisitos
da prisão preventiva. Com a vigência da reforma processual penal dada
pela Lei n.º 11.689/2008, ao pronunciar o acusado, “se o crime for afian-
çável, o juiz arbitrará o valor da fiança para a concessão ou manutenção
da liberdade provisória” (§ 2º, art. 413, CPP, nova redação). De outro
lado, o magistrado decidirá, motivadamente, no caso de manutenção,
revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade
anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a neces-
sidade da decretação da prisão ou imposição de quaisquer das medidas”
cautelares privativas de liberdade (§ 3º). Não fala mais o Código de Pro-
cesso Penal que o juiz recomendará o réu na prisão em que se encon-
tra, indicando ter alijado definitivamente do sistema a prisão decorrente
da pronúncia. Remetemos o leitor ao Capítulo sobre prisões cautelares,
onde enfrentamos a impropriamente chamada prisão decorrente de pro-
núncia, hoje não contemplada pelo CPP.

4.6. Impronúncia
A decisão de impronúncia não julga o mérito da denúncia, tendo,
pois, conteúdo terminativo. É autêntica sentença porque encerra o pro-
cesso (ou, quando mais de um acusado, põe fim ao processo quanto ao
que foi impronunciado), embora não aprecie os fatos com profundidade

21. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p.493.

17

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 17 17/6/2008 05:05:14


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

por deficiência probatória. A impronúncia encerra o judicium accustionis


sem inaugurar a segunda fase.
A anterior redação do art. 409, do Código de Processo Penal, que
continha o preceito normativo da impronúncia, avivando que “se não se
convencer da existência do crime ou de indício suficiente de que seja
o réu o seu autor, o juiz julgará improcedente a denúncia ou a queixa”.
Agora, a previsão da impronúncia vem no art. 414, CPP, ao dizer que
“não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indí-
cios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamen-
te, impronunciará o acusado”, eslarecendo, em seu parágrafo único, que
“enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada
nova denúncia ou queixa se houver prova nova”. Em face de se cuidar
de uma espécie de coisa julgada secundum eventus littis – que não tem
o condão de imunizar o acusado contra uma nova denúncia com novas
provas (a simili do enunciado n.º 524, da Súmula do STF) –, o aludido
dispositivo estampa a possibilidade de reabertura do processo criminal.
A regra que vigora na fase do encerramento da primeira etapa do
rito escalonado do júri é o in dubio pro societate, segundo entendimento
corredio . A impronúncia deve ter lugar em situações excepcionais. O juiz
deve zelar para que não seja afastada a competência constitucional dos
jurados. Releva perceber, de um lado, que a pronúncia requer conjunto
de provas mais robusto que aquele suporte probatório mínimo que se faz
necessário para o recebimento da denúncia e, de outro, que não deve
ir a júri fato que não esteja sustentado por prova apta à condenação do
acusado ou que não tenha indicativo de possibilidade de seu reforço
probatório ulterior, especialmente no plenário do julgamento. A atividade
hermenêutica, como se depreende, é importantíssima para se exarar
esse ato judicial.
Contra a impronúncia não é mais cabível recurso em sentido estrito
(ficando revogada segunda parte do inciso IV, do art. 581, CPP). Nos
termo do art. 416, CPP (nova redação), para vergastar a impronún-
cia será cabível apelação, destacando-se sua natureza de sentença
terminativa. O recurso de apelo não tem o chamado efeito regressivo
(aquele que autoriza o juiz prolator da decisão se retratar e modificar o
mérito do julgado). Se, de acordo com a disposição revogada, o magis-
trado que impronunciou o réu, ao receber o recurso em sentido estrito
contra esta decisão, podia, antes de determinar o seu processamento
ou a sua remessa para o tribunal com competência para apreciá-lo,

18

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 18 17/6/2008 05:05:14


PROCEDIMENTOS

proferir juízo de retratação, com a conseguinte pronúncia do acusado


primeiramente impronunciado, a partir da nova redação do art. 416,
CPP, o cabimento de apelo afasta o efeito regressivo. Diferentemente,
sendo o réu primeiramente pronunciado, contra essa decisão será ca-
bível recurso em sentido estrito, podendo o juiz constatar seu equívoco
e resolver por impronunciá-lo.
Essa advertência é ligada ao que a doutrina veio chamar por des-
pronúncia. Despronúncia equivale a impronúncia de um acusado que,
inicialmente, havia sido pronunciado. A despronúncia pode se dar pelo
juiz de primeiro grau ou pelo tribunal. Haverá despronúncia pelo juiz
que prolatou a decisão quando ele se retrata ao apreciar a admissibili-
dade de recurso em sentido estrito interposto, alterando sua decisão de
pronúncia para impronúncia. De outro prisma, caso o juiz não se retrate
e resolva sustentar sua decisão, ainda que pelos próprios fundamentos
nela lançados, encaminhará os autos ao tribunal ad quem, que, apre-
ciando o mérito do recurso em sentido estrito pode reconhecer que
não foi correta a pronúncia, despronunciando (ou impronunciando) o
réu.

4.7. Sentença de absolvição sumária


A absolvição sumária do crime contra a vida julga o mérito da ação
penal, em momento antecipado. É semelhante ao que se tem como jul-
gamento antecipado da lide no processo civil. A denúncia é julgada im-
procedente e, por força da coisa julgada material formada, não pode ser
reiniciada demanda penal pelos mesmos fatos narrados na peça acu-
satória. A sentença de absolvição sumária encerra a primeira fase do
rito escalonado do júri, sem dar seguimento à segunda relativamente ao
réu absolvido sumariamente. Como essa decisão afasta a competência
constitucional do tribunal popular, só é admissível sua prolação em ca-
sos onde não existam dúvidas da ocorrência de excludente de ilicitude
ou de excludente de culpabilidade.
Nesse sentido, a primeira parte da redação anterior do art. 411, CPP,
dispunha que “o juiz absolverá desde logo o réu, quando se convencer
da existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o
réu”. Haverá absolvição sumária quando restar patente que o fato impu-
tado foi praticado em estado de necessidade, em legítima defesa ou em
estrito cumprimento do dever legal (excludentes de ilicitude, art. 23, I, II
e III, CP) ou em situação de inimputabilidade (doença mental, desenvol-

19

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 19 17/6/2008 05:05:14


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

vimento mental incompleto ou retardado e embriaguez não voluntária,


artigos 26 e 28, §1 º, CP).
A absolvição sumária por inimputabilidade do agente tem dado azo
ao que se conhece por absolvição imprópria. A sentença é absolutória
porque o réu que praticou o crime em situação como a de doença mental
é “isento de pena”, consoante o teor do art. 26, do Código Penal.
Essa isenção, todavia, é substituída pela aplicação de uma “medida
de segurança”. Vale dizer, embora o réu não seja terminologicamente
“condenado”, a ele é imposta uma sanção denominada eufemisticamen-
te de “medida de segurança”. A medida de segurança, aplicada pelo juiz
singular, amputa a competência do júri, com esteio no laudo psiquiátrico
acostado aos autos.
Assim procedendo, isto é, “absolvendo sumária e impropriamente” o
acusado supostamente portador de enfermidade mental à época do fato
denunciado, o juiz viabiliza que, na prática, o réu não tenha possibilidade
de, através de seu defensor, sustentar outras teses de defesa perante
o plenário. Essa constatação parece indicar a necessidade de se tomar
um novo rumo e, fazendo prevalecer a Constituição – que estatui a com-
petência do tribunal do júri para o julgamento dos crimes dolosos contra
a vida –, proscrever, de uma vez por todas, o instituto da absolvição
imprópria, haja vista que se olhada, em sua essência, ela não passa de
uma condenação disfarçada por um rótulo que lhe é bem característico:
a medida de segurança.
Acatando entendimento semelhante ao por nós defendido o legis-
lador da reforma do Código de Processo Penal (realizada pela Lei n.º
11.689/2008), expressamente estatuiu, em seu art. 415, que “o juiz, fun-
damentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando”: (1) – “pro-
vada a inexistência do fato”; (2) “provado não ser ele autor ou partícipe do
fato”; (3) “o fato não constituir infração penal”; e, (4) “demonstrada causa
de isenção de pena ou de exclusão do crime”, salientando contudo, em
seu parágrafo único, que não será o caso de se absolver sumariamente
em caso de “inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-
Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando
esta for a única tese defensiva”. É, como se infere, um bom indicativo
de reconhecer que a medida de segurança não é algo tão vantajoso ao
acusado de modo a suprimir-lhe o direito de se defender em plenário,
salvo justificativa bastante.

20

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 20 17/6/2008 05:05:14


PROCEDIMENTOS

Um ponto a se destacar quanto aos casos de excludente de ilicitude


é se é possível, antes mesmo de iniciar a ação penal, ser arquivado o
inquérito policial, sem a necessidade de denúncia e instrução para, só
na fase do encerramento do judicium causae, ser proferida sentença de
absolvição sumária. A resposta vai depender do suporte probatório que
se tenha acerca da excludente de ilicitude. Assim, se o inquérito policial
estampa cabalmente um fato praticado em legítima defesa, não haven-
do indicativo de situação contrária, o pedido de arquivamento formulado
pela acusação é de ser acolhido pelo juiz. Ao revés, se não estiver clara
a situação excludente, a denúncia deve ser apresentada e recebida, o
que não impede que, no correr da instrução, fique patente que realmente
a conduta foi cometida em legítima defesa, dando espaço a uma absol-
vição sumária. Ainda aqui, se subsistir alguma dúvida quanto à exclu-
dente, o juiz deverá pronunciar o réu, porquanto in dubio pro societate,
remetendo o feito para julgamento pelo tribunal do júri.
Não obstante tenha sido revogada a segunda parte da redação an-
terior do art. 411, CPP, que previa que, em caso de absolvição sumária,
o juiz devia recorrer “de ofício de sua decisão” e que “este recurso terá
efeito suspensivo e será sempre para o Tribunal de Apelação”, forçoso
é reconhecer que ele permanece no sistema, em face do enunciado do
art. 575, II, CPP. Analisando o recurso “de ofício”, é possível concluir:
(1) o recurso de ofício não é propriamente um recurso, sendo chamado
mais tecnicamente de reexame necessário ou remessa necessária para
decisões relevantes que o legislador entendeu por bem condicionar seus
efeitos a sua confirmação pelo órgão colegiado superior, ou seja, se os
autos não forem remetidos para reapreciação da decisão pelo tribunal,
não haverá trânsito em julgado (Súmula nº 423, STF); (2) o recurso de
ofício tem efeito suspensivo, o que, segundo a redação do revogado art.
411, CPP, poderia aparentemente legitimar a manutenção da prisão de
acusado que permaneceu respondendo o processo preso preventiva-
mente, até que houvesse confirmação da absolvição sumária proferida
pelo juiz de primeiro grau pelo tribunal; e, (3) só a absolvição sumária de
crime doloso contra a vida é que dá ensejo à remessa necessária, ou
seja, se a excludente de ilicitude for reconhecida em sede de arquiva-
mento de inquérito policial, por não se tratar de absolvição sumária, mas
de decisão de arquivamento do procedimento preliminar, não caberá a
“interposição de recurso de ofício”.
Como se infere, a letra do dispositivo revogado e, de certa forma,
a do art. 574, II, CPP, são capazes de deixar o aplicador do direito em

21

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 21 17/6/2008 05:05:14


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

situação de perplexidade. A redação do Código de Processo Penal, de


3 de outubro de 1941, foi inspirada em ideologia que nutria considerável
desconfiança na magistratura de primeira instância. Na época, por outro
lado, o Ministério Público não estava constituído como uma instituição
essencial à democracia. A realidade atual evidencia um Ministério Pú-
blico forte com quadros providos mediante concurso público e com es-
trutura refratária a omissões. Deveras, pode o Parquet, contra a decisão
de absolvição sumária, interpor apelação (art. 416, CPP, nova redação).
De outro lado, o horizonte atual tende a centrar maior confiança na ma-
gistratura de primeiro grau, evidenciando a desnecessidade do controle
do reexame necessário, notadamente quando se observa um consenso
doutrinário em considerar absurda a atribuição de efeito suspensivo a
absolvição sumária para o fim de desautorizar a revogação de prisão
preventiva do réu. Desta forma, cremos que a manutenção da prisão na
pendência do reexame necessário não subsiste.
Por derradeiro, é preciso se fazer uma nota sobre os crimes cone-
xos ao crime doloso contra a vida abrangido pela absolvição sumária.
Havendo crimes conexos, o juiz que absolver sumariamente o acusado
deve determinar a extração de cópias dos autos, remetendo-as ao juízo
competente.

4.8. Decisão de desclassificação da infração penal contra a vida


É mister deixar bem vincado que a desclassificação que se tem em
vista aqui é a do crime contra a vida para outro delito que não seja de
competência do tribunal do júri. Desclassificação tem a ver com uma nova
definição jurídica dada aos fatos pelo juiz. A decisão de desclassificação
da infração penal contra a vida tratada neste tópico é a prolatada pelo
juiz singular, no rito dos crimes dolosos contra a vida, quando do encer-
ramento de sua primeira fase. O magistrado, apreciando os fatos, reco-
nhecerá que o crime ali descrito é diverso de quaisquer tipificações de
delitos contra a vida. Note-se bem que o juiz não deve dizer o tipo que
entende enquadrada a conduta descrita. A opinio delicti é do Ministério
Público. Ele deve apenas afirmar que não se trata de crime contra a vida
e que, por tal razão, não é o júri competente para apreciar o processo. É
uma decisão que assenta a incompetência do júri, ou seja, uma decisão
declinatória.
A desclassificação tem, portanto, a natureza de uma decisão interlo-
cutória modificadora de competência. O art. 419, CPP (com nova reda-
ção dada pela Lei n.º 11.689/2008), prevê a decisão desclassificatória

22

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 22 17/6/2008 05:05:14


PROCEDIMENTOS

ao avivar que “quando o juiz se convencer, em discordância com a acu-


sação, da existência de crime diverso dos referidos no § 1º do art. 74 e
não for competente para o julgamento, remeterá os autos ao juiz que o
seja”, ficando a disposição deste último magistrado, o acusado preso
(parágrafo único).
Prolatada a decisão desclassificatória, o processo não segue de ime-
diato para o juiz declinado ou para o setor de distribuição criminal. An-
tes, é aguardado o decurso do prazo de recursos. Contra a decisão de
desclassificação é cabível recurso em sentido estrito, a ser interposto
tanto pela acusação quanto pela defesa, por se cuidar de decisum que
conclui pela incompetência do juízo, a teor do art. 581, II, CPP. Só depois
de transcorrido in albis o lustro recursal de cinco dias é que este fato é
certificado e o feito segue o destino declinado. Em outras palavras, só
depois de preclusa a decisão de desclassificação do crime doloso contra
a vida que o processo deixa a vara do tribunal do júri, sendo remetido ao
juízo criminal competente ou ao setor de distribuição.
Ponto controvertido é saber se o juiz que receber os autos com deci-
são de desclassificação preclusa pode ou não argüir conflito de compe-
tência. A compreensão dos fatos e da narrativa processual é essencial
para se admitir ou não a argüição. Se com o juiz recebedor dos autos
for verificada situação que leve a prescrição dos fatos – tal como ocorre
com o decorrer de mais de vinte anos sem causa interruptiva válida –,
a inadmissão do conflito é de rigor. A solução, antes de ser fechada, dá
ensejo a uma série de ordens fáticas, que impõe a conclusão de que o
jurista hodierno não deve pensar com lastro em standarts, regras toma-
das isoladamente, dogmas ou preconceitos.
Em verdade, não é de se afastar a instauração de conflito ulterior,
se o juiz que recebeu os autos não dispunha de elementos aptos para
recusar a competência, quando seria inadmissível a argüição do conflito
com base naquele contexto processual. É que pode o magistrado singu-
lar, para quem foram remetidos os autos, se deparar, na fase de prola-
ção de sentença, com a não comprovação de elementar que seria apta
a desclassificar o delito contra a vida, tal como ocorre com a presença
elementar “subtração” junto com o fato “matar alguém” (art. 121, caput,
CP). A solução que se propõe, levando em conta que o processo já es-
tará, perante outro juízo, acrescido com outras provas, sendo, de certa
forma, distinto do que antes estava na vara do júri, é que ao juiz singular
seja possível, “no momento de prolatar a sentença, sem perder de vista

23

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 23 17/6/2008 05:05:15


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

o que decidido primeiro pelo juiz do júri – e, se o caso pelo tribunal que
apreciou o [primeiro] conflito [eventualmente suscitado] –, simplesmente
devolver os autos ao juiz sumariante, com decisão fundamentada que
indique, verbi gratia, as razões que entendeu inexistente a subtração
tendente a colmatar o conceito do crime de latrocínio (art. 123, § 3º,
CP)”22.6Infere-se assim que há inversão do juiz que terá o ônus de, nessa
nova hipótese, instaurar o conflito: o juiz da vara do júri.

Esclarecida a questão, impende perlustrar que remetido os autos ao


juiz competente, será dada vista dos autos à defesa, que poderá indicar
testemunhas, desde que ainda não ouvidas. Após, abre-se a possibilida-
de de requerimento de diligências complementares em 24 horas para e
a acusação e em igual prazo para defesa, sucedendo-se às alegações
finais (art. 500, CPP), e depois sentença.

Por último, calha chamar a atenção para o fato de que se o acusado


estiver preso quando da missão de decisão de desclassificação – e sem
prejuízo do disposto no parágrafo único do art. 419, CPP, que impõe
que o acusado preso fique à disposição do juízo recebedor dos autos –,
deve o juiz declinante manifestar-se expressamente sobre a segregação
cautelar, mantendo-a ou relaxando-a, motivadamente. Tal precaução é
imprescindível especialmente porque o envio dos autos a outro juízo le-
va tempo, o que pode fazer com que uma prisão legal se resvale em
ilegal. Se for a hipótese de manutenção da prisão cautelar, o juiz decli-
nante deve comunicar imediatamente essa decisão ao juízo ou setor de
distribuição destinatário dos autos, com a urgência necessária, evitando
que alguém permaneça preso sem a ciência da autoridade judicial com-
petente, nos termos da Constituição (art. 5º, LXII).

4.9. Rito especial do júri: judicium causae

A segunda fase do rito do júri, o judicium causae, só será iniciada


se houver pronúncia de acusado em delito doloso contra a vida. Aliás,
a consumação da delimitação do thema decidendum para os jurados só
ocorrerá com a preclusão da pronúncia, isto é, com a certidão de que
esta decisão precluiu para o Ministério Público e para a defesa, mercê de

22. ALENCAR, Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de. Preclusão da decisão desclassificatória no rito
do júri: (im)possibilidade de argüição de conflito de competência. Porto Alegre: Sergio Antonio
Fabris, 2006. p.61.

24

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 24 17/6/2008 05:05:15


PROCEDIMENTOS

não ter sido interposto recurso em sentido estrito, ou caso apresentado,


após o seu julgamento definitivo.
Note-se que se houver mais de um acusado, o prosseguimento do
processo pode se tornar diferenciado em relação a eles em virtude de
fatores também distintos, tais como: (1) o juiz pode pronunciar apenas
um acusado e impronunciar o outro ou os demais, quando só haverá
judicium causae para o primeiro; (2) dois acusados são pronunciados,
mas só um deles recorre em sentido estrito, hipótese em que em face
do acusado contra o qual a sentença de pronúncia precluiu prosseguirá
o processo, sendo, ao final, submetido a júri; (3) dois acusados são ab-
solvidos sumariamente e, por apelação do Ministério Público (de acordo
com a nova redação do art. 416, CPP), o tribunal reforma a sentença em
relação a um deles, decisão esta que, uma vez preclusa, remeterá ape-
nas um dos réus a júri; e, (4) dois acusados são pronunciados, ambos
recorrem, porém um o faz intempestivamente, o que implica preclusão
da pronúncia no tocante a ele, oferecimento de rol de testemunhas e sua
submissão a júri antes do réu que apresentou recurso no prazo legal.
Essa advertência é relevante para avivar que a regra, o ideal, é que
todos os réus de um mesmo fato ou de fatos conexos participem de um
julgamento único: um único júri para todos. A exceção – ou o que deveria
ser exceção – é a realização de um júri para cada acusado. O aplicador
do direito deve estar atento para que manobras não sejam realizadas pa-
ra o único fim de driblar a finalidade de se ter um único julgamento para
acusados de crimes dolosos contra a vida em dado processo.
Bem colocados esses pontos, o que releva vincar bem é que a pre-
clusão da pronúncia é pressuposto para o início da segunda fase do
rito do júri. Ela é a delimitação da acusação a ser formulada perante
os jurados. Antes do advento da nova redação do art. 420, CPP, hipó-
tese de crise de instância (com a suspensão do processo por falta de
intimação do acusado), era bem corriqueira no processo penal. Dizia
a anterior redação do art. 414, CPP, que, nos crimes inafiançáveis, a
intimação da decisão de pronúncia deveria ser feita pessoalmente ao
réu, além da necessidade de intimação do advogado. Se o réu não
fosse encontrado para ser intimado, o processo ficaria, de todo modo,
suspenso na pendência da realização do ato, sendo o feito paralisado,
sem sua extinção. Enquanto isso, o prazo prescricional, por ausência
de previsão legal em contrário, corria normalmente. Já se a infração
era afiançável, admitia-se até mesmo a intimação por edital, com prazo

25

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 25 17/6/2008 05:05:15


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

de 30 dias, correndo o feito à revelia (art. 415, CPP, redação anterior).


Com a entrada em vigor da atual redação do art. 420, parágrafo único,
CPP (conferida pela Lei n.º 11.689/2008), não há mais distinção de
tratamento entre acusados por crime afinaçável ou inafiançável. Agora,
“será intimado por edital o acusado solto que não for encontrado”, in-
dependentemente da natureza do crime doloso contra a vida, evitando
a indesejável crise de instância.
Com a imutabilidade do thema decidendum, haverá possibilidade de
oferecimento de rol de testemunhas pelas partes, até o número de cin-
co para cada, no mesmo prazo de cinco dias em que era apresentado
o libelo-crime acusatório anteriormente à alteração legislativa trazida
pela Lei n.º 11.689/2008. O libelo era a petição inicial da segunda fase
do júri, retratava a pronúncia e fixava a amplitude da acusação que não
podia ultrapassar seus limites, porém se admitia que ficasse aquém, na
esteira de que o papel atual do Ministério Público no processo criminal
é dúplice, agindo não só como parte, mas também como fiscal da lei,
sem estar obrigado a acusar a todo custo. Com a supressão do libelo,
a pronúncia passou a ser o único parâmetro para a delimitação da acu-
sação, ficando a acusação livre para sustentar em plenário circunstân-
cias agravantes que antes deveriam ser consignadas no libelo-crime
acusatório.

4.10. Libelo
O estudo do libelo-crime acusatório tem importância histórica, mercê
de não ser mais previsto na legislação processual penal a partir do ad-
vento das modificações inseridas pela Lei n.º 11.689/2008. Com a visão
desse instituto, é possível entender, de um lado, os limites que a tese
de acusação encontra na segunda fase do rito do júri, bem como das
desvantagens do reconhecimento judicial de nulidades que poderiam ser
sanadas, sem a necessidade de se dar prevalência exagerada à forma
em detrimento do conteúdo do ato processual.
Com essa advertência, pode-se afirmar que o libelo era a peça inau-
gural do juízo de mérito (judicium causae). Era formulado consoante re-
gras legais estabelecidas no Código de Processo Penal. Sua forma não
era livre, tal como se dá na denúncia. Ao revés, o libelo devia ser feito
sob a forma de articulado, vale dizer, os fatos deviam ser relatados parte
por parte, a começar do fato principal, passando pelas qualificadoras e,
se houvesse, circunstâncias agravantes.

26

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 26 17/6/2008 05:05:15


PROCEDIMENTOS

O fito desse desmembramento fático era o de delimitar a acusação


da forma mais compreensível para os jurados e, mormente, de modo
a servir de parâmetro para a elaboração da quesitação. Os quesitos ti-
nham, portanto, como ponto de partida o libelo, sendo acrescidos pelas
teses da defesa. Com a reforma do procedimento do júri, foi simplificado
o rito com a supressão do libello, tornando a pronúncia o parâmetro ex-
celente para o desenrolar de toda a segunda fase do júri, inclusive para
a elaboração dos quesitos, que também foram simplificados.
De acordo com o texto revogado, uma vez preclusa a sentença de
pronúncia, o escrivão certificava este fato e abria vista ao Ministério Pú-
blico para o oferecimento do libelocrime, em cinco dias. O libelo era peça
essencial, pressuposto indeclinável para o processamento do acusado.
O prazo de seu oferecimento era impróprio, dando azo a delongas pro-
cessuais. As formalidades que eram exigidas pela legislação e as irregu-
laridades ocorridas na sua apresentação ensejavam uma série de ale-
gações de nulidades do próprio libelo-crime e dos atos dele decorrentes.
Ademais, o não oferecimento no prazo poderia ensejar comunicação do
juiz ao procurador-geral e/ou aos órgãos de corregedoria, já que, por for-
ça da Constituição de 1988, sem eficácia estava o art. 419, CPP (em sua
redação anterior), que previa aplicação de multa ao promotor desidioso e
a nomeação de advogado para fazer as vezes do MP (promotor ad hoc).
Restava, pois, provocar o procurador geral para que suprisse a omissão
e, para tanto, podia designar outro membro do MP para apresentação
do libelo.
Sendo a ação penal iniciada por queixa subsidiária da pública, o pra-
zo que tinha o querelante para oferecer o libelo era de dois dias (art. 420,
CPP, redação anterior). Se não o fizesse, os autos seguiam com vista ao
Parquet para apresentá-lo, quando se cuidasse originariamente de delito
de ação penal pública incondicionada, sob o qual não recai perempção
(causa extintiva de punibilidade).
A compreensão das regras do libelo, ora suprimiddo pelo legislador,
era importantíssima, destacando-se: (1) nunca houve libelo bifronte no
direito brasileiro, ou seja, o libelo era dirigido tão-somente ao juiz-presi-
dente do tribunal do júri – embora fosse lido pelo promotor ou procurador
da república no plenário –, não havendo que se falar em uma parte fática
endereçada aos jurados e outra de aplicação do direito destinada ao juiz
togado; (2) o libelo era individual: para cada acusado, era exigido um
libelo, com sua qualificação pormenorizada – se fossem dois acusados,

27

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 27 17/6/2008 05:05:15


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

dois libelos –, da mesma forma que para cada réu havia – e ainda con-
tinua existindo – uma quesitação específica; (3) o libelo era dividido em
tantas séries de quesitação quantos crimes conexos fossem imputados
ao acusado, obedecendo cada série à linguagem articulada, isto é, o
fato criminoso e suas circunstâncias deveriam ser desmembrados por
artigos, a começar do fato principal; (4) o libelo era o espelho fiel da pro-
núncia, não podendo incluir qualificadora ou crime conexo não reconhe-
cido na decisão de admissibilidade da acusação, sob pena de nulidade
(o Ministério Público que não recorreu da pronúncia, não pode discordar
dela depois de preclusa); (5) como na pronúncia o juiz não pode fazer
menção a circunstâncias agravantes, era no libelo que o Parquet deveria
cuidar para que as agravantes possíveis fossem incluídas, sob pena de
preclusão (agora, com a extinção do libelo-crime, o local próprio para
a alegação de agravantes é a sessão popular, durante os debates da
segunda fase do rito do júri, na esteira do entendimento prevalecente
de que era simples faculdade do promotor apresentar as agravantes no
libelo, pelo que podia sustentá-las apenas no plenário de julgamento; (6)
era no libelo que deveria ser apresentado rol de até cinco testemunhas,
oportunidade em que o membro do Ministério Público deveria requerer
as respectivas oitivas com caráter de imprescindibilidade, já que, se não
o fizesse, não poderia exigir suspensão do julgamento pela ausência de
uma delas ou condução coercitiva de eventual depoente faltoso residen-
te na comarca (caso se tratasse de testemunha militar deveria requerer a
requisição ao chefe do respectivo serviço); (7) deveriam ser requeridas,
no libelo, as diligências indispensáveis ao julgamento plenário, tal como
se dá com o pedido de apreensão de armas ou objetos que interessam
ao esclarecimento dos fatos; e, (8) ao final do libelo, o órgão acusador
deveria pedir a condenação do acusado nas penas do crime a ele impu-
tado, com as qualificadoras pertinentes, causas de aumento específicas
e agravantes, sempre de forma congruente com a pronúncia, não caben-
do, naquela oportunidade, incluir circunstância de privilégio, atenuante
ou mesmo a argumentação de continuidade delitiva (caso entendesse
existir circunstância minorante, de benefício ao acusado ou de excluden-
te de ilicitude, o promotor de justiça ou procurador da república deveria
mencioná-los por ocasião dos debates).
Ademais, necessário enfatizar que se o libelo fosse apresentado em
desconformidade com as regras do Código de Processo Penal – com
a potencialidade de causar nulidade do processo a partir dele, inclusi-
ve do julgamento plenário –, caberia ao juiz-presidente não recebê-lo,

28

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 28 17/6/2008 05:05:15


PROCEDIMENTOS

devolvendo-o ao órgão do Ministério Público para que apresentasse ou-


tro, em quarenta e oito horas (art. 418, CPP, redação anterior). O libelo
defeituoso era tão grave para o processo penal por crime contra a vida,
que o Código autorizava a postura ativista do juiz para fiscalizar sua
exatidão, evitando-se marchas e contramarchas processuais que o tor-
nem ineficiente. Com as modificações introduzidas no CPP pela Lei n.º
11.689/2008, as discussões de nulidades relativas ao libelo-crime acu-
satório perderam relevo. Seu estudo interessa, contudo, para se com-
preender melhor regras incidentes na pronúncia (o divisor de águas das
duas fase do júri e também, quando preclusa, o ponto inicial da segunda
estapa) e na quesitação.

4.11. Contrariedade ao libelo


A apresentação de resposta ao libelo-crime acusatório pela defesa
era uma faculdade. Após apresentado o libelo pelo Parquet e recebido
pelo juiz, este ordenava a notificação do acusado e de seu defensor
para apresentar contrariedade. A ausência de sua apresentação não
implicava, portanto, em qualquer nulidade. O prazo para apresentação
da contrariedade era de cinco dias (art. 421, parágrafo único, CPP,
redação anterior). Na prática, era a oportunidade para que o acusado
e seu defensor providenciassem a juntadadocumentos, requerimento
de diligências e oitiva de testemunhas em plenário, com caráter de
imprescindibilidade, caso não quisessem correr riscos de não produzir
tais provas.

4.12. Desaforamento
Desaforamento é o deslocamento da competência do processo de
crime doloso contra a vida para a comarca mais próxima. Essa alteração
do foro do julgamento é de natureza excepcional, sendo necessário para
o seu deferimento, a incidência de um dos seus pressupostos específi-
cos. A idéia que norteia o desaforamento é a de que o júri não possa ser
realizado no local do cometimento do delito sem que haja risco para o
julgamento, seja no tocante à parcialidade do júri, seja quanto à segu-
rança do acusado. Permeia a interpretação/aplicação do art. 427, CPP,
a atenção para o clamor público e para a possível influência do poder
econômico ou político existente no foro competente.
O desaforamento, via de regra, só pode ocorrer após a preclusão da
pronúncia do Acusado. Não é o desaforamento admitido na pendência

29

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 29 17/6/2008 05:05:15


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julga-


mento, salvo, neste último caso, “quanto a fato ocorrido durante ou após
a realização a realização de julgamento anulado (§ 4º, do art. 427, CPP,
acrescentado pela Lei n.º 11.689/2008).
Não existe um termo final para que seja o feito desaforado. Presentes
os motivos, pode haver o deslocamento do processo para a comarca
mais próxima. O desaforamento tanto pode se dar por iniciativa da par-
te quanto do juiz, sempre perante o tribunal de segunda instância ao
qual está vinculado o juízo. Quando requerido pela parte, o juiz prestará
informações, sendo seguida de decretação do desaforamento ou seu
indeferimento pelo tribunal. Se a provocação para o desaforamento se
der por iniciativa do juiz, mediante representação, não há que se falar em
solicitação de informações ao magistrado. Bastará a decisão do tribunal
decretando ou denegando o desaforamento.
O desaforamento, requerido pelas partes ou representado pelo juiz,
poderá ser decretado pelos seguintes motivos (art. 427, CPP, nova reda-
ção): (1) se o interesse da ordem pública o reclamar; e, (2) se houver dú-
vida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu.
Existe ainda um outro motivo de desaforamento que não pode se dar a
pedido do magistrado, mas tão somente das partes (defesa e Ministério
Público), qual seja: quando o julgamento não se realizar no prazo de seis
meses contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia (confor-
me nova redação dada ao art. 428, CPP, pela Lei n.º 11.689/2008).
Antes da alteração legislativa, o prazo dessa hipótese de desafora-
mento era de um ano a contar do recebimento do libelo (parágrafo úni-
co, art. 424, redação anterior), dede que a defesa ou o réu não tivesse
dado causa à demora). Agora, a nova redação do art. 428, CPP, reza
que o desaforamento poderá ser ordenado, “em razão do comprovado
excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o
julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, conta-
do do trânsito em julgado da decisão de pronúncia”, não se computan-
do na contagem de tal período “o tempo de adiamentos, diligências ou
incidentes de interesse da defesa” (§ 1º). Todavia, “não havendo exces-
so de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em
quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal
do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, o acusado
poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do
julgamento” (§ 2º).

30

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 30 17/6/2008 05:05:15


PROCEDIMENTOS

Por fim, sublinhe-se que o desaforamento deverá acontecer “para


outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos,
preferindo-se as mais próximas”, conforme a nova redação do art. 427,
CPP. Uma vez desaforado o julgamento não cabe, em regra, reafora-
mento, em face da preclusão. O óbice subsiste mesmo se desaparecida
a razão que determinou o deslocamento da competência. Todavia, se no
foro de destino sobrevierem motivos para que o processo seja reaforado
e se no de origem as razões tiverem cessado, o reaforamento – com
retorno do processo ao foro original – é, excepcionalmente, possível. As-
segurando o contraditório e a ampla defesa, o STF assevera, na Súmula
n º 712, que se for determinado o desaforamento sem prévia oitiva da
defesa, a decisão é nula.

4.13. INSTALAÇÃO DA SESSÃO DO JÚRI


4.13.1. Noção de sessão do júri
Estando o processo maduro para o julgamento pelo tribunal do júri,
o juiz-presidente providenciará os preparativos para a sessão. A sessão
do júri é termo que recai em certa ambigüidade na prática forense. Isso
porque em comarcas onde são realizados julgamentos de vários proces-
sos de crimes dolosos contra a vida por períodos sucessivos, tem-se o
hábito de se dar o nome de sessão à pauta do júri de determinado mês,
por exemplo, onde se encontram listados dez processos prontos para
julgamento. De outro ângulo, a sessão do júri (sessão de instrução e
julgamento) é também a sucessão de atos processuais que compõem
o julgamento de um único processo relativo a um acusado ou a vários
acusados em co-autoria.
Esclarecida a ambigüidade – que pode até inexistir naquelas comar-
cas menores onde raramente é realizado um tribunal do júri e foi de
certa forma suprida pela inclusão da epígrafe “organização da pauta”, a
partir do art. 429, CPP, pela Lei n.º 11.689/2008, fazendo menção a uma
reunião periódica do júri –, tem importância comentar as providências
iniciais para a organização da pauta júri, a começar pela alistagem geral
de jurados.

4.13.2.Alistamento dos jurados


Antes da organização da pauta, do sorteio e da convocação dos jura-
dos para a reunião periódica ou extraordinária, será elagorada a listagem

31

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 31 17/6/2008 05:05:15


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

geral de jurados, com a indicação das respectivas profissões. Essa lista


deve ser anualmente completada (§ 5º, art. 426, CPP). O alistamento do
jurados é procedido pelo juiz presidente, nos termos do art. 425, CPP
(nova redação dada pela Lei n.º 11.689/2008). Os jurados serão alista-
dos com base em informações prestadas ao magistrado por entidadades
idôneas (públicas e/ou privadas), de que reunem as condições para o
exercício da função (considerada serviço público relevante), mormente
que sejam “cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneida-
de” (art. 436, CPP).
O número do universo dos jurados para a formação da lista geral
foi aumentado pela reforma processual penal, em razão de que o art.
425, CPP, passou a estabelecer que “anualmente, serão alistados pelo
presidente do tribunal do júri de 800 (oitocentos) a 1.500 (um mil e qui-
nhentos) jurados nas comarcas de mais de 1.000.000 (um milhão) de
habitantes, de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) nas comarcas de mais
de 100.000 (cem mil) habitantes e de 80 (oitenta) a 400 (quatrocentos)
nas comarcas de menor população”. O número de jurados poderá ser
ampliado nas comarcas onde houver necessidade, bem como pode ser
“organizada lista de suplentes, depositadas as cédulas em urna espe-
cial” (§ 1º).

4.13.3. Organização da pauta


Como se infere, a organização da pauta do júri pressupõe o alista-
mento dos jurados em uma lista geral. O art. 429, CPP (nova redação),
estabelece que ressalvado “motivo relevante que autorize alteração na
ordem dos julgamentos, terão preferência”: (1) “os acusados presos”; (2)
“dentre os acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na
prisão”; e, (3) “em igualdade de condições, os precedentemente pronun-
ciados”. Para viabilizar o julgamento dos processos incluídos na pauta
do júri da reunião periódica, evitando adiamentos para uma futura pauta,
o §1º, do art. 429, CPP, preconiza que “antes do dia designado para o
primeiro julgamento da reunião periódica, será afixada na porta do edifí-
cio do Tribunal do Júri a lista dos processos a serem julgados, obedecida
a ordem prevista no caput deste artigo”, devendo o juiz presidente reser-
var “datas na mesma reunião periódica para a inclusão de processo que
tiver o julgamento adiado” (§ 2º).
Ainda como providências para a organização da pauta, o art. 430,
CPP (nova redação), averba que “o assistente somente será admitido

32

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 32 17/6/2008 05:05:15


PROCEDIMENTOS

se tiver requerido sua habilitação até 5 (cinco) dias antes da data da


sessão na qual pretenda atuar”. Em acréscimo, a nova redação do art.
431, CPP, dispõe que, quando o processo estiver “em ordem, o juiz
presidente mandará intimar as partes, o ofendido, se for possível, as
testemunhas e os peritos”, se existir requerimento neste sentido último,
“para a sessão de instrução e julgamento”.

4.13.4. Sorteio e convocação dos jurados


A teor do art. 432, CPP, “em seguida à organização da pauta, o juiz
presidente determinará a intimação do Ministério Público, da Ordem dos
Advogados do Brasil e da Defensoria Pública para acompanharem, em
dia e hora designados, o sorteio dos jurados que atuarão na reunião pe-
riódica”. Esse sorteio é presidido pelo juiz e será feito “a portas abertas,
cabendo-lhe retirar as cédulas até completar o número de 25 (vinte e cin-
co) jurados, para a reunião periódica ou extraordinária”. Como se vê, não
prevê mais o Código, após a entrada em vigor das modificações introdu-
zidas pela Lei n.º 11.689/2008, que as cédulas da urna geral sejam reti-
radas por um menor de dezoito anos (art. 428, CPP, redação anterior). O
próprio juiz é quem retirará as cédulas da urna relativa à lista geral.
Ainda sobre o sorteio, importa observar que: (1) será ele “realizado
entre o décimo quinto e o décimo dias úteis antecedentes à instalação
da reunião” (§ 1º); (2) “a audiência de sorteio não será adiada pelo não
comparecimento das partes (§ 2º); (3) “o jurado não sorteado poderá ter
o seu nome novamente incluído para as reuniões futuras” (§ 3º); (4) “os
jurados sorteados serão convocados pelo correio ou por qualquer outro
meio hábil para comparecer no dia e hora designados para a reunião,
sob as penas da lei”, com a transcrição dos dispositivos atinentes à dis-
ciplina da função de jurado (art. 434, parágrafo único, CPP); e, (5) “serão
afixados na porta do edifício do tribunal do júri a relação dos jurados
convocados, os nomes do acusado e dos procuradores das partes, além
do dia, hora e local das sessões de instrução e julgamento” (art. 435,
CPP).

4.13.5. Função de jurado


O Código de Processo Penal traz o regramento da função do jurado,
verberando que “o serviço do júri é obrigatório” e que “o alistamento com-
preenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneida-
de” (art. 436, caput, CPP, nova redação dada pela Lei n.º 11.689/2008),

33

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 33 17/6/2008 05:05:16


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

não podendo nenhum cidadão “ser excluído dos trabalhos do júri ou dei-
xar de ser alistado em razão de cor ou etnia, raça, credo, sexo, profissão,
classe social ou econômica, origem ou grau de instrução” (§ 1º). De outra
parte, “a recusa injustificada ao serviço do júri acarretará multa no valor
de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo com
a condição econômica do jurado” (§ 2º). Também será imposta multa “ao
jurado que, sem causa legítima, deixar de comparecer no dia marcado
para a sessão ou retirar-se antes de ser dispensado pelo presidente” no
valor “de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos, a critério do juiz, de acordo
com a sua condição econômica” (art. 442, CPP).
Sem embargo, algumas pessoas, em razão do exercício de cargo,
função pública, mandato eletivo ou por situações particulares justificá-
veis, são isentas do serviço do júri, quais sejam: (1) “o Presidente da
República e os Ministros de Estado”; (2) “os Governadores e seus res-
pectivos Secretários”; (3) “os membros do Congresso Nacional, das
Assembléias Legislativas e das Câmaras Distrital e Municipais”; (4) “os
Prefeitos Municipais”; (5) “os Magistrados e membros do Ministério Pú-
blico e da Defensoria Pública”; (6) “os servidores do Poder Judiciário,
do Ministério Público e da Defensoria Pública”; (7) “as autoridades e os
servidores da polícia e da segurança pública”; (8) “os militares em servi-
ço ativo”; (9) “os cidadãos maiores de 70 (setenta) anos que requeiram
sua dispensa”; e, (10) “aqueles que o requererem, demonstrando justo
impedimento”.
A resusa do serviço do júri, quando fundada em convicção religiosa,
filosófica ou política, importará no dever de prestar serviço alternativo,
sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o
serviço imposto. Note-se que aqui o cidadão apresenta justificativa que
afasta a aplicação da multa do § 2º, do art. 436, CPP. Contudo, a ele é
imposta a prestação de serviço alternativo, que é “o exercício de ativida-
des de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produ-
tivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou
em entidade conveniada para esses fins” (art. 438, §1º, CPP), devendo
ser fixado pelo juiz em compasso com os princípios da proporcionalidade
e da razoabilidade (§ 2º).
Outrossim, “o exercício efetivo da função de jurado constituirá ser-
viço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e
assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento
definitivo” (art. 439, CPP), passando a ter o direito de “preferência, em

34

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 34 17/6/2008 05:05:16


PROCEDIMENTOS

igualdade de condições, nas licitações públicas e no provimento, me-


diante concurso, de cargo ou função pública, bem como nos casos de
promoção funcional ou remoção voluntária” (art. 440, CPP).
Por fim, anote-se que a função de jurado é regrada ainda pelas se-
guintes disposições: (1) “nenhum desconto será feito nos vencimentos
ou salário do jurado sorteado que comparecer à sessão do júri” (art.
441, CPP); (2) “somente será aceita escusa fundada em motivo relevan-
te devidamente comprovado e apresentada, ressalvadas as hipóteses
de força maior, até o momento da chamada dos jurados” (art. 443, CPP);
(3) “o jurado somente será dispensado por decisão motivada do juiz pre-
sidente, consignada na ata dos trabalhos” (art. 444, CPP); (4) “o jurado,
no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será responsável cri-
minalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados (art.
445, CPP); e (5) “aos suplentes, quando convocados, serão aplicáveis
os dispositivos referentes às dispensas, faltas e escusas e à equipa-
ração de responsabilidade penal prevista no art. 445” (art. 446, CPP).

4.13.6. Reunião e sessões do tribunal do júri


A instalação da sessão de instrução e julgamento do júri – dia do
julgamento de um processo com um ou mais acusados da prática de
crime doloso contra a vida – é iniciada com a conferência, pelo juiz-
presidente, das cédulas com os nomes dos vinte e cinco jurados sor-
teados dias antes (antes da Lei n.º 11.689/2008 esse número era de
vinte e um jurados), mandando que o oficial de justiça faça o pregão
quando verificar, pela chamada feita com base na lista dos vinte e cinco
jurados (art. 462, CPP), que houve o comparecimento de pelo menos
quinze deles (art. 463, § 1º, CPP). São desses vinte e cinco jurados
que serão sorteados os sete que farão parte do conselho de sentença.
Nos termos do § 2º, do art. 463, CPP, “os jurados excluídos por impe-
dimento ou suspeição serão computados para a constituição do número
legal”. Caso não haja o número de quinze jurados, “proceder-se-á ao
sorteio de tantos suplentes quantos necessários, e designar-se-á nova
data para a sessão do júri” (art. 464, CPP), de tudo consignando em ata
(art. 465, CPP).
As partes devem estar atentas ao andamento da sessão. A preclu-
são, em regra, tem incidência para o fim de sanar nulidades que não se-
jam absolutas, isto é, aquelas que não tragam prejuízo para a defesa ou

35

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 35 17/6/2008 05:05:16


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

para a acusação de forma irremediável devem ser aduzidas no momento


oportuno, sob pena de não ser permitido mais fazê-lo. Daí que assim que
o juiz constatar o comparecimento de quinze jurados, com a abertura
da sessão (o juiz declará a abertura dos trabalhos, ex vi do art. 463,
CPP), a parte interessada terá o ônus de alegar a nulidade que entende
ser argüida em seu favor. Sobre ela o juiz decidirá, consignando-se em
ata. Pode se exemplificar com a juntada de provas novas por uma das
partes. O CPP determina que do documento novo trazido aos autos,
seja juntado com atencedência mínima de três dias do início da sessão,
dando-se ciência à parte contrária. A rigor, o documento sequer pode ser
encionado durante o julgamento.
O juiz deve se acautelar para que júri não seja adiado, especialmente
considerando o trabalho que se tem com sua preparação. Algumas fal-
tas podem ser imperativas para inviabilizar a realização do julgamento.
A propósito, para que a falta de tesemunha ao plenário seja capaz de
adiar o julgamento a parte deve arrolá-la no momento adequado (art.
422, CPP), com a menção de seu caráter de imprescindibilidade. Nessa
hipótese, sua ausência pode determinar sua condução coercitiva ou o
adiamento da sessão, caso não seja possível encontrá-la no dia do jul-
gamento (art. 461, CPP).
A ausência do acusado solto que tenha sido devidamente intimado
não justifica sua condução coercitiva, nem tampouco o adiamento do
júri. Já se estiver preso, sua presença é obrigatória, ressalvado pedido
expresso de dispensa subscrito pelo réu e por seu advogado. Já a au-
sência injustificada do defensor constituído e do membro do Ministério
Público, impõe o adiamento para a data mais próxima. Quanto às faltas
injustificadas, cabíveis são as providências disciplinares junto aos ór-
gãos de corregedoria das respectivas instituições.
Como se infere, não mais prevê o CPP, após o advento da Lei n.º
11.689/2008, o adiamento da sessão diante da ausência do réu por cri-
me inafiançável, só realizando o júri sem a presença do acusado quando
se cuidasse de crime afiançável, com comprovação de sua intimação,
aliada de não apresentação de justificativa de motivo legítimo (art. 451,
§1º, CPP, redação anterior). Agora, só há obrigatoriedade de compareci-
mento do acusado intimado se este estiver preso. Ainda assim, pode ser
dispensada sua presença, mediante requerimento dele e de seu advoga-
do. Caso o réu esteja solto, é possível não só a realização do julgamento
sem a sua presença, como também sua intimação por edital (art. 457,
CPP, nova redação).

36

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 36 17/6/2008 05:05:16


PROCEDIMENTOS

Com essas observações, é importante volver para os enunciados


que tratam das sessões do tribunal do júri no Código de Processo Penal
reformado. O tribunal popular deve se reunir “para as sessões de ins-
trução e julgamento nos períodos e na forma estabelecida pela lei local
de organização judiciária” (art. 453). O juiz presidente, até o momento
de abertura dos trabalhos da sessão, “decidirá os casos de isenção e
dispensa de jurados e o pedido de adiamento de julgamento, mandando
consignar em ata as deliberações” (art. 454).
Caso o Parquet não compareça, tem incidência o art. 455: “o juiz pre-
sidente adiará o julgamento para o primeiro dia desimpedido da mesma
reunião, cientificadas as partes e as testemunhas”. Nos termos do seu
parágrafo único, “se a ausência não for justificada, o fato será imediata-
mente comunicado ao Procurador-Geral de Justiça com a data designa-
da para a nova sessão”.
De outra banda, se a falta, sem motivo legítimo, for do advogado do
acusado, será comunicado o fato ao presidente da seccional da Ordem
dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão
(art. 456). Se não houver “escusa legítima, o julgamento será adiado
somente uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado no-
vamente”, caso em que “o juiz intimará a Defensoria Pública para o novo
julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado
o prazo mínimo de 10 (dez) dias” (§§ 1º e 2º).
Conforme o art. 457, “o julgamento não será adiado pelo não
comparecimento do acusado solto, do assistente ou do advogado do
querelante, que tiver sido regularmente intimado”. O tratamento é di-
ferenciado de forma plausível, eis que, de um lado, o acusado solto
é dispensado de comparecer e, de outro, a figura do assistente não
invalida a acusação, diante da presença do Ministério Público. No que
toda ao querelante, sua ausência enseja perempção caso se trate de
ação penal de iniciativa privada. Se a ação penal privada for subsidiária
da pública, deve o Parquet retomá-la para o fim de ser realiado o júri,
sem que seja ele adiado.
As solicitações “de adiamento e as justificações de não compareci-
mento deverão ser, salvo comprovado motivo de força maior, previamen-
te submetidos à apreciação do juiz presidente do tribunal do júri” (§ 1º,
art. 457), valendo enfatizar que “se o acusado preso não for conduzido, o
julgamento será adiado para o primeiro dia desimpedido da mesma reu-

37

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 37 17/6/2008 05:05:16


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

nião, salvo se houver pedido de dispensa de comparecimento subscrito


por ele e seu defensor” (§ 1º).
No tocante à disciplina do comparecimento das testemunhas, o art.
458 preconiza que a ausência de testemunha, sem justo motivo, impli-
cará a multa de no valor “de 1 (um) a 10 (dez) salários mínimos (§ 2º,
art. 436), sem prejuízo da ação penal pela desobediência (art. 458). Sem
embargo, nenhum desconto será feito nos vencimnetos o salário da tes-
temunha (art. 459). Destaque-se, ainda que “o julgamento não será adia-
do se a testemunha deixar de comparecer, salvo se uma das partes tiver
requerido a sua intimação por mandado, na oportunidade de que trata
o art. 422, declarando não prescindir do depoimento e indicando a sua
localização” (art. 461). Sobre esse ponto, duas regras merecem relevo:
(1) “se, intimada, a testemunha não comparecer, o juiz presidente sus-
penderá os trabalhos e mandará conduzi-la ou adiará o julgamento para
o primeiro dia desimpedido, ordenando a sua condução” (§ 1º); e, (2)
“o julgamento será realizado mesmo na hipótese de a testemunha não
ser encontrada no local indicado, se assim for certificado por oficial de
justiça” (§ 2º).

4.14. Formação do conselho de sentença


Comparecendo as partes, as testemunhas e o número mínimo de
jurados – estando em ordem a sessão já instalada –, será realizado o
sorteio dos sete jurados que formarão o conselho de sentença, com a
observação de que “antes de constituído o Conselho de Sentença, as
testemunhas serão recolhidas a lugar onde umas não possam ouvir os
depoimentos das outras” (art. 460, CPP, nova redação).
Deveras, nos termos do art. 463, CPP, estando presentes, “pelo
menos, 15 (quinze) jurados, o juiz presidente declarará instalados os
trabalhos, anunciando o processo que será submetido a julgamento”.
A seguir, “o oficial de justiça fará o pregão, certificando a diligência nos
autos” (§ 1º).
É mister notar a existência de impedimentos, suspeições e incompa-
tibilidades legais de que cuidam os artigos 448 a 449, CPP. Desse modo,
incompatibilidade, suspeição e/ou impedimento poderão existir, em face
de parentesco com o juiz, com o promotor ou com o advogado, bem
como na hipótese de servir no mesmo conselho marido e mulher, ascen-
dente e descendente, sogro e genro ou nora, irmãos e cunhados durante

38

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 38 17/6/2008 05:05:16


PROCEDIMENTOS

o cunhadio, tio e sobrinho, bem como padrasto, madrasta ou enteado. É


de se salientar que o jurado que compôs o conselho de sentença do júri
anterior do mesmo processo – julgamento, por exemplo, anulado pelo
tribunal por ter se dado de forma contrária à prova dos autos – estará im-
pedido de participar da nova sessão, sob pena de nulidade (Súmula n.º
206, STF). Da mesma forma, não poderá servir o jurado que tiver mani-
festado prévia disposição em absolver ou condenar o acusado. Todavia,
se for realizada a sessão com tais nulidade, ela só será reconhecida se
o voto de um jurado tiver sido definidor do resultado do julgamento.
O sorteio dos sete jurados se dá nome por nome, com possibilidade
de manifestação de recusa, primeiro pela defesa e, depois, da acusação.
As recusas podem ser com ou sem justificativa. O Código estabelece o
número de até três recusas sem motivação, isto é, as chamadas recu-
sas peremptórias. Assim, tanto a defesa quanto o Ministério Público
poderão recusar a participação de jurado no conselho de sentença sem
indicar qualquer justificativa, dentro da estratégia traçada. Além das re-
cusas peremptórias, podem ocorrer recusas justificadas. Nesse caso, a
parte que recusar o jurado será instada pelo juiz a apresentar prova de
sua alegação, podendo o magistrado aceitar as razões ou rejeitá-las.
As recusas justificadas não têm número de limitação legal, já que estão
vinculadas ás hipóteses de suspeição e de impedimento. Se em face das
recusas não restar o número de jurados para compor o conselho de sen-
tença, acontece o que se chama de estouro de urna, marcando-se nova
data para o julgamento de um ou mais dos acusados, com separação de
processos, com convocação de suplentes.
Na forma do art. 469, CPP, com redação determinada pela Lei n.º
11.689/2008, “se forem 2 (dois) ou mais os acusados, as recusas po-
derão ser feitas por um só defensor”. Por sua vez, “a separação dos
julgamentos somente ocorrerá se, em razão das recusas, não for obtido
o número mínimo de 7 (sete) jurados para compor o Conselho de Sen-
tença” (§ 1º), com a observação de que uma vez “determinada a separa-
ção dos julgamentos, será julgado em primeiro lugar o acusado a quem
foi atribuída a autoria do fato ou, em caso de co-autoria, aplicar-se-á o
critério de preferência do art. 429”, a começar pelo acusado que estiver
preso, com mais tempo de prisão e, por derradeiro, os precedentemente
pronunciados (§ 2º).
Uma vez formado o conselho de sentença, todos os presentes de-
vem se posicionar de pé, juntamente com o juiz, para a tomada de

39

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 39 17/6/2008 05:05:16


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

compromisso dos jurados, que prometerão julgar com imparcialidade


e justiça a causa posta em mesa, consoante os ditames da convicção
íntima (art. 472, CPP). O parágrafo único deste dispositivo estatui que
“o jurado, em seguida, receberá cópias da pronúncia ou, se for o caso,
das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do re-
latório do processo”.

4.15. Atos instrutórios

Com o conselho de sentença completo, terá lugar a instrução em ple-


nário. Não mais inicia ela com o ato de apregoar e qualificar o réu. Não é
mais o seu interrogatório o primeiro ato instrutório a ser realizado. Houve
inversão do rito, para enfatizar o direito à ampla defesa e ao contraditório
e, também na fase do judicium causae, o interrogatório do acusado que
estiver presente será tomado ao final, porém, antes dos debates orais.
Desse modo, segue-se a tendência de acentuar o caráter de meio de
defesa do interrogatório.

Será iniciada, então a instrução plenária no momento em que “o juiz


presidente, o Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor
do acusado tomarão, sucessiva e diretamente, as declarações do ofen-
dido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela acusação”
(art. 473, caput, CPP, com redação dada pela Lei n.º 11.689/2008). Para
a oitiva “das testemunhas arroladas pela defesa, o defensor do acusado
formulará as perguntas antes do Ministério Público e do assistente, man-
tidos no mais a ordem e os critérios estabelecidos neste artigo” (§ 1º).
Já os jurados só “poderão formular perguntas ao ofendido e às testemu-
nhas, por intermédio do juiz presidente” (§2º).

Veja-se que, havendo testemunhas a serem ouvidas, serão tomados


os respectivos depoimentos de modo que uma não ouça o depoimento
das outras. São ouvidas primeiro as testemunhas arroladas pela acu-
sação. Por último, são ouvidas as indicadas pela defesa. É possível a
oitiva de pessoas que não tenham o dever de dizer a verdade, sendo
consignada sua qualidade de informante. Sob outro prisma, os jurados
podem solicitar que seja tomado por termo o depoimento de pessoa não
arrolada expressamente no libelo ou na contrariedade, cujo nome tenha
surgido durante a sessão. Nessa hipótese, é possível inclusive a suspen-
são do julgamento para que seja diligenciado o paradeiro do depoente e,
em caso extremo, é admissível a dissolução do conselho de sentença se

40

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 40 17/6/2008 05:05:16


PROCEDIMENTOS

persistir a necessidade do jurado em ouvir a pessoa apontada, a teor do


art. 481, CPP (nova redação).
De acordo com o § 3º, do art. 473, CPP, “as partes e os jurados
poderão requerer acareações, reconhecimento de pessoas e coisas e
esclarecimento dos peritos, bem como a leitura de peças que se refiram,
exclusivamente, às provas colhidas por carta precatória e às provas cau-
telares, antecipadas ou não repetíveis”. Não há mais possibilidade de
requerimento de leitura de todas as peças do processo, como estratégia
da defesa ou da acusação para tornar o processo mais demorado. Caso
deseje ler alguma peça processual, a parte deverá assim proceder du-
rante sua sustentação oral.
Não obstante as divergências sobre a natureza do interrogatório, a
disciplina normativa vigente a partir da Lei n.º 10.792/2003, que conferiu
nova redação ao art. 185, CPP, evidencia ser ele meio de defesa, es-
pecialmente porque antes de ser interrogado, o acusado pode silenciar,
sem que isso possa ser considerado em prejuízo de sua defesa, nos
termos da Constituição do Brasil. Ao final do interrogatório, as partes
podem fazer reperguntas, para que o réu esclareça algum ponto de suas
declarações. Deve-se permitir que sejam feitas diretamente, sem o in-
termédio do juiz presidente. No entanto, se este interceder, haverá mera
irregularidade.
O iterrogatório será o último ato instrutório, sem prejuízo da possibi-
lidade de reinquirição dos depoentes durante a sessão plenária. Com a
nova disciplina legal, não vem o interrogatório em primeiro lugar, seguido
do relatório do processo, com a narração dos atos processuais de maior
relevância (art. 466, caput, CPP, redação anterior). Agora, o relatório do
processo é lançado aos autos antes da sessão de julgamento e o inter-
rogatório é o ato de encerramento da instrução que precede os debates
orais. Na forma dos §§ 1º e 2º, do art. 474, CPP, “o Ministério Público, o
assistente, o querelante e o defensor, nessa ordem, poderão formular,
diretamente, perguntas ao acusado”, enquanto “os jurados formularão
perguntas por intermédio do juiz presidente”.
Por último, o art. 475, CPP, aviva que “o registro dos depoimen-
tos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação
magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a ob-
ter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova”. A sua vez, “a
transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos”
(parágrafo único).

41

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 41 17/6/2008 05:05:17


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

4.16. Debates e poderes do juiz


Depois de concluídos os atos de instrução, serão iniciadas as sus-
tentações orais, a começar pela da acusação. O promotor de justiça ou o
procurador da república – dividindo o tempo com o assistente de acusa-
ção, se houver – terá até uma hora e meia (não mais duas horas, como
antes do advento da Lei n.º 11.689/2008) para produzir a acusação, sen-
do acrescida de uma hora se mais de um acusado estiver sendo julgado.
Na sua sustentação oral, o Ministério Público Ministério Público fará
a acusação “nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que
julgaram admissível a acusação, ustentando, se for o caso, a existência
de circunstância agravante”. O libelo-crime acusatório foi suprimido pela
reforma processual e o parâmetro para a formulação da acusação oral
passou a ser unicamente a pronúncia, conferindo liberdade ao Parquet
para sustentar em plenário a existência de agravantes. O assistente se
manifestará oralmente depois do Ministério Público (§1º). Caso se trate
de “ação penal de iniciativa privada, falará em primeiro lugar o querelan-
te e, em seguida, o Ministério Público, salvo se este houver retomado a
titularidade da ação”.
Note-se que o Parquet, malgrado esteja limitado pela pronúncia, não
está impedido de pedir menos do que nela contido ou de requerer a
absolvição. Os jurados – que se manterão incomunicáveis entre si, sob
pena de multa na forma do art. 436, § 2º, CPP, – poderão solicitar a indi-
cação da página dos autos ou do documento pelo orador, nos termos do
parágrafo único, do art. 480, CPP (nova redação).
Sem embargo, a teor do art. 478, CPP, “durante os debates as partes
não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências”: (1) “à decisão de
pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação
ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade
que beneficiem ou prejudiquem o acusado”; e, (2) “ao silêncio do acu-
sado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu
prejuízo”.
A defesa seguirá com sua sustentação, pelo prazo de uma hora e meia
(não mais duas horas, como antes do advento da Lei n.º 11.689/2008),
sendo aumentada de uma hora quando existir mais de um réu (art. 477, §
2º, CPP). Sendo vários os defensores, eles combinarão entre si a divisão
do tempo. O advogado do acusado responderá a acusação, definindo a
tese de defesa.

42

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 42 17/6/2008 05:05:17


PROCEDIMENTOS

Após sua oratória, poderá haver réplica por parte do Ministério Pú-
blico, querelante e/ou assistente, pelo tempo de uma hora (não mais de
trinta minutos, como antes da vigência da Lei n.º 11.689/2008), elevado
esse tempo ao dobro se existirem mais de um réu. O tempo de réplica
será dividido conforme convencionarem os oradores. Havendo réplica, a
defesa poderá apresentar tréplica (resposta à réplica), pelo mesmo tem-
po de uma hora (se um acusado estiver sendo julgado), sendo duplicado
se o julgamento for de mais de um acusado.
Naturalmente, se não houver réplica do acusador, não será oportuni-
zada tréplica à defesa. Para tanto, quando o juiz-presidente ao indagar
se o Ministério Público deseja replicar, ele deve se limitar a dizer não.
Havendo manifestação do acusador no sentido de responder à sustenta-
ção oral da defesa, ainda que de forma singela, tal comportamento será
havido como réplica, dando lugar à tréplica. Durante os debates, o juiz-
presidente e os jurados não poderão se ausentar. Caso haja necessida-
de, o julgamento deve ser suspenso, inclusive o tocante à marcação do
tempo para a sustentação respectiva. Aos jurados e ao juiz-presidente
não é dado sinalizar favoravelmente a qualquer uma das teses. Havendo
dúvida por parte de algum dos membros do conselho de sentença, essa
pode ser dirigida ao orador por intermédio do juiz.
O juiz regulará os debates, tomando as providências para que sejam
os respectivos tempos registrados e para que seja mantida a ordem da
sessão. O magistrado tem o poder de polícia necessário para mandar
retirar as pessoas inconvenientes. O juiz também disciplinará os apartes
(intervenções de um orador na fala do outro) que, atualmente conta com
previsão expressa no inciso XII, do art. 497, CPP (com redação dada
pela Lei n.º 11.689/2008), quando a parte contrária estiver com a pala-
vra, pelo prazo máximo de até três minutos para cada aparte requerido,
acrescendo o tempo da parte que teve sua sustentação interrompida.
Encerrados os debates, o juiz indagará se os jurados estão aptos a
julgar os fatos. Nesse momento, o conselho de sentença pode pedir es-
clarecimentos. Tudo com o objetivo de que a conduta imputada e a tese
de defesa tenham sido bem compreendidas. Os jurados terão conheci-
mento, nessa altura, dos quesitos a que deverão responder. Serão eles
lidos em plenário, com explicação dos significados correspondentes. Os
debatedores também a eles terão acesso, podendo apontar incorreções
e a necessidade de ajustes consoante o desenvolvimento do que for
sustentado durante a sessão.

43

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 43 17/6/2008 05:05:17


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

4.17. Formulação dos quesitos e votação


A formulação dos quesitos no júri sofreu considerável alteração com
o advento da reforma processual penal da Lei n.º 11.689/2008. Segui-se
a tendência de simplificar a formulação e entendimento dos quesitos,
reservando aos jurados sua função de juiz dos fatos. A título de registro
histórico e da percepção dos problemas que podem decorrer da má for-
mulação da quesitação, faremos menção ao texto revogado.
Dispunha o então art. 480, CPP, que “lidos os quesitos, o juiz anun-
ciará que se vai proceder ao julgamento, fará retirar o réu e convidará os
circunstantes a que deixem a sala”. Fechadas as portas – na sala deno-
minada de secreta, quando possível fazer a votação em sala especial – e
“presentes o escrivão e dois oficiais de justiça, bem como os acusadores
e os defensores, que se conservarão nos seus lugares, sem intervir nas
votações, o conselho, sob a presidência do juiz, passará a votar os que-
sitos que lhe forem propostos” (art. 481, CPP, redação anterior).
Os quesitos eram formulados de maneira técnica. Retratava, em cer-
ta medida, o fato consoante articulado no libelo-crime acusatório (ho-
je suprimido pela reforma processual penal). Para cada acusado (em
hipótese de co-autoria e participação), há um questionário específico.
Havendo mais de um crime, para cada um deles haverá uma série de
quesitos. É o que dispõe o § 6º, do art. 483, CPP (nova redação). A ela-
boração dos quesitos, em caso de mais de um crime, começará pela do
crime contra a vida. A existência de crime contra a vida é pressuposto
da competência dos jurados. Negada a existência de delito contra a vi-
da, com desclassificação para outro delito, cessa a competência do júri,
passando esta ao juiz-presidente, que proferirá a sentença de imediato.
Daí a relevância de se saber a ordem dos quesitos.
De acordo com o texto anterior, essa ordem era iniciada pelo fato
principal. O juiz deveria indagar, por exemplo, se o acusado, no dia e
local mencionados no libelo, realizou conduta que produziu lesões des-
critas no laudo de exame de corpo de delito. A resposta negativa a esta
questão, tornava prejudicada as demais, com a absolvição do réu. Ha-
vendo resposta afimativa, questionava-se se as lesões teriam sido causa
da morte da vítima (em caso de acusação de homicídio consumado) ou
se agindo daquela forma, o acusado deu início à prática de crime de ho-
micídio que não se consumou por circunstâncias alheias a sua vontade
(hipótese de homicídio tentado).

44

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 44 17/6/2008 05:05:17


PROCEDIMENTOS

A depender da tese da defesa, após a definição do fato fundamental,


eram formulados os quesitos correspondentes a ela. Segundo o STF, na
Súmula nº 162, é “absoluta a nulidade do julgamento pelo júri, quando os
quesitos da defesa não precederem aos das circunstâncias agravantes“.
Se fosse o caso de alegação de legítima defesa, os quesitos deveriam
ser desmembrados em tantos quantos componham suas elementares,
ou seja, haveria uma pergunta a respeito de suposta agressão prévia por
parte da vítima, outra se essa agressão teria sido injusta, outra se teria
sido atual e outra, caso negada a anterior, se teria sido iminente. Sendo
respondidas afirmativamente todas as questões, restava acolhida a tese
de legítima defesa. Caso contrário, teria sido rejeitada a tese de defesa,
tendo seguimento os demais quesitos sobre as qualificadoras, causas
de aumento e de diminuição, circunstâncias agravantes e atenuantes,
sendo nulo o julgamento por falta de quesito obrigatório (Súmula n.º 156,
STF).
A Lei n.º 11.689/2008 simplificou sobremodo a quesitação. Agora se-
rá seguida a ordem do art. 483, CPP (nova redação), questionando-se
o Conselho de Sentença tão-somente sobre a matéria de fato e se o
acusado deve ser abolvido. Dessarte, “os quesitos serão redigidos em
proposições afirmativas, simples e distintas, de modo que cada um deles
possa ser respondido com suficiente clareza e necessária precisão. Na
sua elaboração, o presidente levará em conta os termos da pronúncia
ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, do
interrogatório e das alegações das partes” (art. 482, parágrafo único,
CPP).
Decerto, os questitos serão formulados na seguinte ordem e per-
guntando precisamente sobre: (1) a materialidade do fato (descrição do
crime); (2) a autoria ou participação (se o acusado executou a ação ou
para o seu resultado concorreu); (3) se o acusado deve ser absolvido; (4)
se existe causa de diminuição de pena alegada pela defesa; (5) se existe
circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena reconhecidas
na pronúncia ou em decisões posteriores que julgaram admissível a acu-
sação.
A resposta em sentido negativo, “de mais de 3 (três) jurados, a qual-
quer dos quesitos referidos nos incisos I (materialidade do fato) e II (au-
toria ou participação) do caput do art. 483, CPP, encerra a votação e
implica a absolvição do acusado (§1º). De outra vertente, “respondidos
afirmativamente por mais de 3 (três) jurados os quesitos relativos aos

45

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 45 17/6/2008 05:05:18


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

incisos I e II do caput deste artigo será formulado quesito com a seguinte


redação: ‘O jurado absolve o acusado?’”, pergunta esta que abrange
todas as teses de defesa.
Uma vez que os jurados decidam pela condenação, o julgamento
prossegue, devendo ser formulados quesitos sobre: (1) causa de dimi-
nuição de pena alegada pela defesa; e, (2) circunstância qualificadora ou
causa de aumento de pena, reconhecidas na pronúncia ou em decisões
posteriores que julgaram admissível a acusação (§ 3º, art. 483, CPP).
Outrossim, se “sustentada a desclassificação da infração para outra
de competência do juiz singular, será formulado quesito a respeito, para
ser respondido após o segundo ou terceiro quesito, conforme o caso” (§
4º). Também se “sustentada a tese de ocorrência do crime na sua forma
tentada ou havendo divergência sobre a tipificação do delito, sendo este
da competência do tribunal do júri, o juiz formulará quesito acerca destas
questões, para ser respondido após o segundo quesito”.
Não há mais espaço para indagações sobre circunstâncias agravan-
tes ou atenuantes, sendo a apreciação destas de competência do juiz-
presidente por se tratar prepoderantemente de matéria de direito.
Encerrada a votação do crime doloso contra a vida – e tendo sido ele
apreciado pelos jurados, sem que tenha sido desclassificado para delito
de competência diversa do júri –, será seguida a seqüência da votação
dos crimes conexos. Em caso de mais de um acusado, a votação será
tomada a começar pelo que teve participação de maior importância. O
juiz deve cuidar para esclarecer os quesitos, de molde a evitar contradi-
ção que comprometa a validade do julgamento.
Fazendo um cotejo com a disciplina anterior sobre a elaboração
dos quesitos, dispostas na antiga redação do art. 484, parágrafo único,
CPP, pode-se concluir que a complexidade da formulação das idaga-
ções ensejavam maiores possibilidades de reconhecimento de nuli-
dade. Calha, portanto, registrar o regramento que vigorava antes do
advento da Lei n.º 11.689/2008, para o fim de atestar a conclusão aqui
expendida: (1) “o primeiro deveria versar sobre o fato principal, de con-
formidade com o libelo”; (2) se alguma circunstância não fizesse parte
da essência do fato principal, seria desdobrada em outro quesito; (3)
as questões sobre as teses de defesas tinham lugar após o quesito
sobre a letalidade, indagando-se sobre desclassificação, excludentes
de ilicitude e de cupabilidade, inclusive relativamente aos excessos do-

46

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 46 17/6/2008 05:05:18


PROCEDIMENTOS

loso ou culposo, se reconhecida alguma dessas; (4) se fossem aduzi-


das causas de aumento de pena ou qualificadoras, eram perguntadas
após as quesitações atinentes às teses defensivas, também de forma
destacada; (5) quando haviam mais de um réu, teria lugar uma série de
quesitos para cada um, com séries também diversas quando variados
fossem os pontos da acusação; (6) “quando o juiz tivesse que fazer
diferentes quesitos, deveria formulá-los em proposições simples e bem
distintas, de maneira que cada um deles pudesse ser respondido com
suficiente clareza”; (7) haveria quesito para cada circunstância agra-
vante (constante do libelo, pondo ênfase que não deveveria prevalecer
o antigo texto do CPP que possibilitava a inclusão de agravante sus-
citada nos debates, sem prévia consignação na petição inicial do judi-
cium causae); e, (8) ao final, era indagada a existência de circunstância
atenuante específica ou genérica.
A tomada dos votos ocorrerá de quesito por quesito. O juiz mandará
distribuir cédulas opacas, sete delas com a palavra “sim” e sete com a
palavra “não”. A cada quesito formulado, com a explanação necessária
de seu significado, passarão duas urnas: (1) a primeira recolherá os
votos de cada um dos jurados; e, em seguida, (2) a segunda recolherá o
descarte. Antes de ser formulada a pergunta subseqüente, será apurado
o resultado da questão que lhe antecede. Se o delito contra a vida, res-
ponsável por fixar a competência do júri, for desclassificado, a compe-
tência dos jurados cessa, sendo o julgamento, de conseguinte, cometido
ao juiz-presidente (art. 492, § 2º, CPP). Verificando que restaram pre-
judicados os quesitos subseqüentes, o juiz assim o declarará (art. 490,
parágrafo único, CPP).
O juiz-presidente deve cuidar para que seja mantido o sigilo da vo-
tação. Cautela especial merece, a propósito, a possibilidade de vota-
ção unânime. O que se propõe, para garantir o sigilo preconizado pela
Constituição, é que a apuração seja suspensa assim que definido o
quarto voto vencedor, também em compasso com o CPP que, em seu
art. 488, dispõe que “as decisões do júri serão tomadas por maioria de
votos”.
Com efeito, como esteio na disposição constitucional do “sigilo das
votações, a interpretação que se chega é a de que, após a Carta Maior
de 1988”, os textos dos artigos 487 e 488 do Código de Processo Penal
“se completam, porém, entendendo-se declarados os votos afirmativos e
negativos em cada quesito submetido à votação, até que se atinja a maio-

47

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 47 17/6/2008 05:05:18


NESTOR TÁVORA E ROSMAR ANTONNI

ria de votos de um ou outro sentido”23.7Foi o que acabou sufragando o


legislador da reforma processual penal do rito do júri, consoante já visto.

4.18. Sentença e ata da sessão


Todas as ocorrências da sessão deverão ser registradas em ata. A
parte interessada ou que entender prejudicada por alguma decisão do
juiz-presidente, deve consignar os seus protestos de imediato na ata,
para que reitere em eventual apelação. Caso não haja reclamação opor-
tuna, haverá preclusão sobre o ponto, notadamente quando se cuidar de
nulidade relativa, que depende de alegação tempestiva. Daí a necessi-
dade de atenção especial dos membros da acusação e dos defensores
durante a sessão plenária.
Por sua vez, a sentença, não havendo desclassificação do crime con-
tra a vida, deve ser lavrada pelo juiz-presidente em conformidade com o
que decidido pelos jurados alusivamente aos fatos. Destarte, a sentença
poderá ser: (1) de absolvição, caso em que o réu deverá ser posto em
liberdade de plano, caso esteja preso, relevando notar que “se houver
absolvição imprópria, ou seja, o reconhecimento da inimputabilidade,
impõe-se, neste caso, medida de segurança”; (2) de desclassificação do
crime doloso contra a vida, quando o juiz-presidente terá a competência
para julgar os fatos de forma mais ou menos ampla a depender da forma
do quesito cuja resposta ensejou a desclassificação, haja vista que se o
juiz tiver maior liberdade para definir juridicamente os fatos, a classifica-
ção é denominada doutrinariamente de própria, enquanto se o júri indicar
o crime que foi cometido – como se dá com o reconhecimento de culpa
no homicídio (homicídio culposo) –, a desclassificação é imprópria. Caso
a desclassificação implique no reconhecimento que se trata de infração
de menor potencial ofensivo, deve o juiz presidente, aguardando a pre-
clusão dos recursos, enviar os autos aos juizados especiais criminais; e
(3) de condenação, quando o juiz deverá narrar o julgamento pelos jura-
dos e, em seguida, aplicar e dosar a pena, justificando a decretação ou
a manutenção da prisão, se presentes os requisitos da prisão preventiva
(art. 492, I, “e”, CPP).

23. SANTOS JÚNIOR, Rosivaldo Toscano dos. Constituição e sigilo das votações no júri: o resultado
unânime. In: Direitos fundamentais na Constituição de 1988: estudos comemorativos aos seus
vinte anos. Rosmar Antonni Rodrigues Cavalcanti de Alencar (org.). Porto Alegre: Núria Fabris,
2008. p.301.

48

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 48 17/6/2008 05:05:18


PROCEDIMENTOS

A decisão no júri é subjetivamente complexa, pois cabe ao juiz pre-


sidente elaborar a sentença de acordo com a votação efetuada pelos
jurados, sendo decisão de um órgão colegiado heterogêneo. Acabada
a sentença, todos voltarão ao plenário, onde esta será lida pelo juiz,
saindo as partes já intimadas para apresentação de eventual recurso,
encerrando-se a sessão de julgamento (art. 493, CPP).

49

Nestor acrescimo do captiulo IV.indd 49 17/6/2008 05:05:18

Você também pode gostar