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As Tramóias do Patelã
Patelã
Dona Edivirge (esposa)
Seu Brincetim (comerciante)
Pastor
Juíz
CENA 1
Entra Patelã, vestido de homem-tabuleta, anunciando seus serviços. Como não consegue
dinheiro, sai reclamando (INTERAGIR COM O PÚBLICO)
PATELÃ: Rapaz, mas eu vou dizer, viu? Esse mundo tá perdido...Tá cheio de trambiqueiro pela rua.
Nan. Ninguém pode mais nem começar seu próprio negócio, que a concorrência tá feia. E
é por todo lado. É no Congresso, é no mei da rua; é nas delegacias, nas calçadas da
Guararapes na quinzena, na Praça da Estação, na Administração Pública. Ô arrumação!
Inda vão falar mal de advogado, vão... Escritório, num adianta eu abrir, porque a fila de
advogado...tão se formando é de ruma! Diabéisso mesmo, macho? Nan.
PATELÃ: Bom dia, minha doce e bela esposa! Ô, Edivirge, Edivirgezinha, minha Virgezinha... Olhe,
olhe que hoje eu não arrumei nenhumzinho assim, pra tirar o nome do SPC. Ô povo
honesto! Ou num será minha roupa não? Meu modo de vestir? Eu acho que nós temo é
que ficar mais bem arrumado. Vejo que você precisa de uma nova peça de roupa...esta
está meio velha, não?
DONA EDIVIRGE: Mas o quê?! Tá falando de que, homem do céu! Meu São Francisco de Canindé,
será que num tem jeito de pôr juízo nesse homem! Roupa?? Meu santinho, nós não temo
dinheiro mais nem pra comprar 1 kg de traíra! Helloww...
PATELÃ: Que é isso...ô mulher de pouca fé. Por acaso você esquece que eu sou o rei da esperteza
e que consigo desatar até nó cego? Que comigo não tem tempo ruim? Não tem comida
não? Eu dou um jeito. Não tem tecido pra roupa nova? Ora, eu dou um jeito! Multa, prisão
de bebo, atropelamento com fuga do local do acidente, pensão alimentícia, DNA? É
comigo mesmo. Eu resolvo até caso de prisão de ventre, minha santa desatadora dos
nós. A ciência do Direito é o que lattus comentus por ture tratus vestidos. (pausa)
Escolha uma cor, uma cor pra sua roupa nova.
PATELÃ: Tramando nada, meu cuscuz. Olha, eu tive uma idéia brilhante, que merece o seu respeito
tecnológico! Faça assim, me aguarde aqui, que eu volto já.
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CENA 2
SEU BRINCETIM: (fala chamando o público para comprar seus tecidos) Olha a banca do
BRINCETÃO! É linha, é juta e algodão! Não ande na contramão, compre aqui, no
BRINCETÃO. Como dizia a minha tia, “Adão não se vestia porque BRINCETÃO não
existia”. (interagir com o público) Você conhece Adão? Você já viu Adão? Viu Adão?
PATELÃ: Grande Brincetim! Como vai, mestre? Venha de lá esse abraço... Venha cá, venha. E seu
cumércio, como anda? Tem dado pra comer?
PATELÃ: Faz bem, meu amigo! É dando que se recebe. Dando e levando...
SEU BRINCETIM: Ai, Deus que me ajude...Só Santa Edwirges e meu finado pai, que Deus o tenha.
PATELÃ: Ah, o finado Brincetão. Que homem bondoso, religioso. Dava aos pobres... Dava a todo
mundo. Seu pai era o que pode se dizer uma pessoa helps. Era por isso que ganhava em
dobro nas suas peças de tecido. Porque quem dá, recebe dobrado! E como o senhor se
parece com seu pai...Chega eu me arrepio só de olhar. Ó, ó.
PATELÃ: É o quê?!? Eu mamei foi na mãe dele e ele mamou na minha! E o senhor é a cara de seu
pai! Olhe, é a cara de um e o focinho do outro! Até a covinha no queixo... Olhe essa
covinha!
SEU BRINCETIM: Ele era o maior comerciante dessa região, não era não? E olhe, os tecidos da
minha família ainda são os melhores! Ainda são!
PATELÃ: Justiça seja feita: são os melhores tecidos da região. Deixe-me ver... (pega num tecido)
Hum...que pérola...Uma jóia da confecção nacional!
PATELÃ: Me conte. Não me esconda nada. Qual é o segredo da confecção de sua família?
SEU BRINCETIM: Aqui entre nós, que ninguém nos ouça: é feito em casa, da lã de meus próprios
carneiros. Sinta! (oferece um tecido)
PATELÃ: É seda pura?? Não é à toa que o sobrenome de sua família é Sedoso. O tecido faz jus ao
seu sobrenome.
SEU BRINCETIM: Ôpa! Então eu acho que encontrei um cliente. O famoso advogado Patelã em meu
humilde comércio? Ah...vai levar quantos metros, mestre?
PATELÃ: Pois olhe. Eu nem saí de casa pra comprar nada. Mas vendo esse tecido...tô até pensando.
SEU BRINCETIM: Então-se pronto. Tá feito. Eu corto quanto? Imagine só sua digníssima esposa
vestida num corte desses!
SEU BRINCETIM: P’ro senhor, que é amigo da família, faço por 50.
PATELÃ: 40?
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Texto de criação coletiva – Grupo Mirante de Teatro da UNIFOR
SEU BRINCETIM: Pois então-se pronto. Façamos o seguinte. Nem eu nem você. Me dê os 35 logo e
não se fala mais nisso.
PATELÃ: Fechado. Tô vendo que o senhor é bondoso como seu pai. Pois eu vou fazer é assim. Vou
levar é tudo! E o senhor faz uma promissória, que eu assino. Vamos fazer assim. O
senhor vai almoçar hoje em minha casa.
PATELÃ: Capote.
PATELÃ: Pois eu só trouxe pass card. Mas o senhor vai almoçar comigo e eu lhe pago. Feito? É
pegar ou largar.
SEU BRINCETIM: Eu pego. Tá feito. Mas o senhor recebe o tecido no ato do pagamento.
PATELÃ: Ah...o senhor não confia em mim?? Isso não. Eu fiquei triste, ó. Assim eu desisto de tudo.
SEU BRINCETIM: Então-se pronto, pronto. Pra não perder o freguês, eu aceito do seu jeito. Que
hora sai o capote?
SEU BRINCETIM: Então até mais. Vai, que eu vou no seu rastro.
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CENA 3
PATELÃ: Vá logo. Pegue aí as revistas pra copiar os modelos, que eu trouxe foi paaano! Tá bom ou
quer mais? (interagir com o público)
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Texto de criação coletiva – Grupo Mirante de Teatro da UNIFOR
PATELÃ: Que roubou o quê...e eu sô homem de roubar? Eu usei da minha arte de persuasão pra
receber esta pequena doação. Agora escute. Daqui a pouco vai chegar o pato pra comer
seu capote.
PATELÃ: Vem aí o Brincetim. Ele vem pegar o dinheiro do tecido. Você, que é a mulher mais
inteligente que eu conheço, vai dizer que eu não saí de casa. Que estou de cama há
duas semanas.
DONA EDIVIRGE: Pode deixar, que eu já sei qual é a minha parte nessa história. Agora vá se deitar.
SEU BRINCETIM: Sou eu, seu Brincetim. Vim a convite de seu marido, comer seu capote e receber
meu dinheiro.
SEU BRINCETIM: Minha senhora, é o seguinte. Seu marido, o senhor Patelã, foi a pouco em minha
banca comprar uma ruma de tecido. O combinado foi que eu vinha almoçar aqui e
receber o pagamento. Eu não tô pra brincadeira, porque de besta eu não tenho nem a
cara.
DONA EDIVIRGE: O senhor me respeite! O Patelã tá de cama já faz pra mais de oito semanas. Tá
no morre num morre. Tecido? Só se for uma mortalha pra enrolar ele quando o pobre se
for dessa pra uma melhor.
SEU BRINCETIM: Quem tá gritando é a senhora! E pode parar de me enrolar, que eu já tô manjando
qual é a sua. (abana a mão) Eu vou entrar aí e pegar o meu dinheiro!
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Texto de criação coletiva – Grupo Mirante de Teatro da UNIFOR
DONA EDIVIRGE: Não venha não! (cantando) Não venha não, que eu corto a sua mão...
DONA EDIVIRGE: Ai, meu Deus do céu! Olha o que o senhor fez!
DONA EDIVIRGE: Como não?!?? O senhor ficou gritando e ele ficou agitado. E agora, meu São
Bartolomeeeeu!
SEU BRINCETIM: Ficou louco mesmo...Mas...não é possível. Eu podia jurar que vendi os tecidos
para esse homem hoje. Sei que alguém muito parecido com ele, um clone talvez, me
comprou os tecidos. Mas. Será que. Eu podia jurar que era ele.
DONA EDIVIRGE: O senhor podia jurar pela alma do seu pai, que Deus o tenha?
SEU BRINCETIM: Agora não mais...estou muito confuso... O senhor Patelã sei que não foi, pois está
mesmo doido varrido. Nem sei dizer se o que vi foi um ser humano ou uma tentação do
capiroto. Meu pai! Que prejuííízo! Minha pressão subiu, devo ir ao hospital
imediatamente. Acho que estou enfartando!
PATELÃ: Já foi?
DONA EDIVIRGE: Ora, não. Na hora que viu você doido, quase se borrou.
Ouvem palmas
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CENA 4
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Texto de criação coletiva – Grupo Mirante de Teatro da UNIFOR
Chega o pastor
DONA EDIVIRGE: Ei, eu lhe conheço...o senhor é aquele que pastora os carneiros de Seu
Brincetim...Veio a mando dele, foi? Se vêi, dê meia volta e lhe diga que num tem negócio
de dinheiro aqui! Meu marido tá doente, ele num viu não?
PASTOR: Calma, eu num vim a mande dele não. Eu vim aqui procurar os serviços de seu esposo.
Quero contratar ele como meu advogado. Já tô até com o dinheiro. Mas já que a senhora
diz que ele está doente...
PATELÃ: Doente! Mas para socorrer um belo rapaz e honesto trabalhador que quer meus serviços
de advogado, meu amigo, eu saio até da cova funda. Primeiro devo perguntar se ouvi
bem, o senhor tem realmente como pagar?
PASTOR: Sim! Pela luz que ma alumia! Tenho como pagar. Mas o caso é que só vou poder lhe pagar
se eu for considerado inocente pelo juíz. E como sei que o senhor é uma pessoa
subjestivamente qualificado, mediocrático, uma pessoa retombante, cabriocrática, vim lhe
pedir ajuda.
PASTOR: É o seguinte. Eu fui acusado pelo meu patrão de roubar alguns carneiros.
PATELÃ: Seu Brincetim? Mas quanta ganância! Acusar um rapaz com cara de bocó, como o senhor!
Ele quer lhe extorquir! Nem precisa continuar. Já entendi tudo. Tenho tudo aqui dentro de
minha cabeça, como se fosse um filme. Enquanto o senhor trabalhava no sol, a ferro, ele
lhe explorava e ainda o acusa de roubo.
DONA EDIVIRGE: Claro! Meu marido é o advogado do povo. Ele defende os pobres! E sua causa é
justa e boa.
PATELÃ: Decidido. Vamos a julgamento. E acredite, a justiça será feita; o senhor será inocentado.
Agora me diga, você é esperto, meu rapaz?
PASTOR: Demais.
PATELÃ: Pois olhe, vamos ao fórum agora. E a tudo, veja bem, a tudo o que lhe perguntarem, não
importa quem, o senhor responde assim “bééééééé”. Entendeu?
PASTOR: Béééé.
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CENA 5
Entra o juíz, vestido de juíz de futebol. O comerciante o segue (INTERAÇÃO COM O PÚBLICO)
-6–
Texto de criação coletiva – Grupo Mirante de Teatro da UNIFOR
SEU BRINCETIM: Seu juíz! Ei, dotô! O senhor vai pra onde? Pelo amor de Deus, o senhor tem de
julgar minha causa!
JUÍZ: Ô homem chato, estraga prazer! Meu senhor, eu vou apitar um jogo! O jogo não pode esperar.
Como é que eu vou dizer pra televisão esticar a novela pra esperar eu julgar sua causa,
heim?
SEU BRINCETIM: Se o senhor não julgar agora eu vou morrer, eu vou morrer! Eu sou um homem
doente, eu enfarto, eu enfarto!
JUÍZ: Ô cabra chato! Pois anda, vamo logo, pra terminar cedo. Cadê as partes envolvidas?
SEU BRINCETIM: É o seguinte, seu juíz. Esse menino, esse infeliz, eu peguei ele ainda nos cuero.
Dei de comer, vesti, dei trabalho e ele roubou meus carneiros. Eu quero que ele pague
cada carneirinho que me roubou.
SEU BRINCETIM: Tem nada. Esse infeliz num tem onde cair morto.
PATELÃ: (se escondendo, disfarçando) Tem, senhor juíz, tem! Meu cliente não pode ser insultado
dessa forma. Eu sou seu advogado.
PATELÃ: Inocência.
PATELÃ: Olhe bem para este rapaz, senhor juíz. Desde que tava nos cuero vem sendo explorado
por esse homem, que nasceu numa família rica, que vive a falsificar tecidos!
SEU BRINCETIM: Você me respeite! Quem é o senhor? (desconfiado, tentando identificar Patelã)
PATELÃ: Vende saco de algodão cru e chita por seda. Ele num vale o que o gato enterra. E vem
acusar esse pobre rapaz, que parece que nem normal é, de roubar seus carneiros?
-7–
Texto de criação coletiva – Grupo Mirante de Teatro da UNIFOR
SEU BRINCETIM: Diga seu nome! Obrigue-o a dizer o nome, senhor juíz! Esse homem não é
advogado.
DONA EDIVIRGE: Num é advogado é meuzóvo (ou meuzósso). Deixe o homem trabalhar!
PASTOR: Béééééé...
PASTOR: Béééééé...
PASTOR: Béééééé...
PATELÃ: Veja, senhor juíz! Meu cliente não bate bem da bola. Como um pobre coitado como esse,
abirobado, poderia ter roubado os carneiros deste homem!?
SEU BRINCETIM: É mentira, senhor juíz! Ele está a nos enganar! E a culpa é desse advogado, que
eu já estou pra descobrir quem é!
DONA EDIVIRGE: Quem é o quê? Pare de dar palpite! O senhor agora quer saber mais do que o
juíz, é?
PATELÃ: Eu peço que o senhor encerre o caso, por falta de provas e faça a justiça. Meu cliente é
inocente.
JUÍZ: Então-se pronto. Está dada a sentença. O pastor está inocentado por falta de provas. Agora
preciso ir, porque tenho de apitar um jogo. A senhora gostaria de me acompanhar? O
jogo vai passar na televisão.
SEU BRINCETIM: Não, não, não...seu juíz! Volte! Eu vou apelar! Em tenho direitos! (sai)
PATELÃ: E então? Que tal nossa performance? Show, né não? Eu sou é genial! E agora o que é
bom: o pagamento. Vamos ao pagamento, afinal eu cumpri com minha parte no trato.
Vamos, então? Agora devo receber por meus honorários. E então? Estou esperando.
Onde está? Vamos. O senhor vai ficar aí com cara de besta?
PASTOR: Béééé...
PATELÃ: Ora, ora...como o senhor é engraçado. Hehehe Mas agora já passou tudo. Terminou.
Ganhamos! Oba! A esperteza venceu a ganância. Somos parceiros. Vamos, diga alguma
coisa, sim?
PASTOR: Béééé...
PATELÃ: Olhe, isso foi muito bom, mas agora estou começando a me irritar com o senhor.
PASTOR: Béééé...
PASTOR: Béééé...
PATELÃ: Ai, ai...Então é isso? É muito bem feito pra mim. Esse foi o tiro que saiu pela culatra. Logo
eu, que sempre fui o rei da esperteza, que até nó cego eu desato, rapá. Fui dar uma de
Mister M., revelar o truque, acabei no milas, milascando. Bom, pastor, tá na hora de
pegar o beco. Lava.
PASTOR: Béééé...
PATELÃ: Êi, êi...Bem, fazer o quê. Perdi. Mas perdi a batalha e não a guerra. E por falar nisso,
alguém tá precisando de um advogado? Prisão de bebo, atropelamento com fuga do
local, DNA, pensão alimentícia, é comigo mesmo. Rapaz, mas eu vou dizer, viu? Esse
mundo tá perdido...Tá cheio de trambiqueiro pela rua. Nan. Ninguém pode mais nem
começar seu próprio negócio, que a concorrência tá feia. E é por todo lado. É no
Congresso, é no mei da rua; é nas delegacias, nas calçadas da Guararapes na quinzena,
na Praça da Estação, na Administração Pública. Ô arrumação! Inda vão falar mal de
advogado, vão... Escritório, num adianta eu abrir, porque a fila de advogado...tão se
formando é de ruma! Diabéisso mesmo, macho? Nan.
FIM
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