Você está na página 1de 15

TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

ACÓRDÃO N°494/2017

Processo n.° 788/2017


Plenário
Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

L Relatório
l.O Partido Socialista (PS), representado pelo respetivo mandatário no município de
Santa Maria da Feira, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do
artigo 31.°, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei Orgânica
n.° 1/2001, de 14 de agosto (referida adiante pela sigla «LEOAL»), da decisão do Tribunal
Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira, de 16 de agosto
de 2017, que indeferiu a reclamação apresentada pelo mesmo partido político do despacho
proferido pelo mesmo Tribunal em 8 de agosto de 2017.

2, Através do referido despacho, o Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo


Local Cível de Santa Maria da Feira, na pane aqui relevante, admitiu a candidatura do
grupo de cidadãos designada por «Movimento Independente por São João de Ver» (referido
adiante pela sigla «MISJV») à Assembleia de Freguesia de São João de Ver, concelho de
Santa Maria da Feira.

O ora recorrente apresentou reclamação de tal despacho, nos termos do artigo 29.° da
LEOAL e impugnação à regularidade do processo de elaboração e apresentação da lista
MISJV, nos termos do artigo 25.°, n.° 2, do mesmo diploma legal.
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Através da decisão ora recorrida, o Tribunal a quo julgou improcedentes quer a

impugnação, quer a reclamação.

Pode ler-se em tal decisão:

«Os fundamentos da impugnação e da reclamação deduzidas pelo PS são comuns, sendo


por isso as mesmas questões que a decisão de uma e de outra suscitam e que ora cumpre
decidir.
A questão principal que lhes subjaz radica em apurar se a lista de candidatos apresentada
pelo MISJV à Assembleia de Freguesia de S. J. de Ver observa os requisitos impostos pelo
art. 19°, n.° 3 da LEOAL.
Em jeito de brevíssimo enquadramento, é de referir que o nosso ordenamento jurídico
reconhece expressamente o direito dos cidadãos a tomarem parte na vida política e na
díreção dos assuntos políticos, o que, em matéria eleitoral, tem concretização na
possibilidade de apresentação de candidatura direta (sem intervenção de partidos políticos ou
de coligações) à eleição para os órgãos das autarquias locais (arts. 48°, n.° l e 239°, n.° 4 da
Constituição da República Portuguesa e art. l 6°, n.° l, ai. c) da LEOAL).
A candidatura a órgão autárquico deve ser proposta por determinado número de
cidadãos eleitores, obrigatoriamente recenseados na área da autarquia a cujo órgão respeita a
candidatura, designados por proponentes (art. 19°, n.° 4 da LEOAL).2
No caso concreto da assembleia de freguesia de S. J. de Ver, tendo esta freguesia 921 l
eleitores inscritos, a lista de cidadãos eleitores do MISJV teria de se proposta no mínimo por
277 proponentes.
Em relação à candidatura de cidadãos eleitores, estatui o n.° 3 do art. 19° da LEOAL:
"O5 proponentes devem subscrever declaração de propositum da qual resulte
inequivocamente A vontade de apresentar a lista de candidatos dela constante".
Este preceito deve ser relacionado com o art. 23°, n.° l, ai. a) do LEOL, donde resulta a
imposição da entrega, no ato de apresentação da candidatura perante o juiz, da lista,
contendo a identificação do grupo de cidadãos proponentes, dos candidatos e do mandatário
da lista.
Descendo um pouco mais ao concreto, cabe determinar se das declarações de
proposítura apresentadas pelo MISJV resulta "inequivocamente a vontade (dos proponentes)
de apresentar a lista de candidatos dela constante".
Fazendo apelo à jurisprudência do Tribunal Constitucional, é pacífico que os arts.
19.°(e 23° da LEOAL não exigem que a declaração de proposítura das candidaturas de
cidadãos eleitores discrimine e identifique, um a um, todos os candidatos que integram a
respetiva lista.
O que o preceito impõe, a nosso ver, é a manifestação na declaração de propositura de
uma vontade inequívoca do proponente de apresentar a sufrágio uma lista de candidatos,
lista essa que aí seja expressamente indicada. Ou díto de outro modo, a lista feita contar na
declaração de propositura.
E suficiente a referência na declaração de propositura à lista de cidadãos candidatos
através da respetiva denominação, desde que incontroversa e inquestionável (cfr. Ac. do TC
n.° 405/05 de 16/09).
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Constando da declaração de proposítura a menção a uma determinada lista, que como


vimos não carece de aí ser reproduzida, mas apenas de ser inequivocamente identificada, é
tacitamente de pressupor, em tal contexto, que se trata da mesma que foi apresentada em
juízo, nos termos do art. 23°, n.° l, ai. a da LEOAL - que como se disse deve ser
sistematicamente conjugado com o indicado art. 19°, n.° 3 do mesmo diploma legal.
Desde logo por decorrência do princípio da tutela provisória da aparência, sendo que
essa tutela apenas cessa quando o tribunal proferir decisão em contrário da aparência.
Mas também por consideração dos deveres de boa-fé, especial diligência e particular
cuidado legalmente cometidos ao mandatário da candidatar a, 6 a ponto de ser legalmente
responsabilizado pela exatidão e veracidade dos documentos, mormente da lista de
candidatos e declaração de propositura que a deve instruir, sob cominação de incorrer na
prática do crime de falsificação do recenseamento eleitoral (arts. 23°, n.° l, ais. a) e b), .a.° 5,
ai. b) e n.° 11 da LEOAL e 336° do Código Penal).
Em suma, não tem de constar da declaração de propositura o elenco de todos os
candidatos do grupo de cidadãos eleitores, nem tampouco tem aquele de constar de
documento fisicamente anexado a tal declaração.
Constando da declaração de propositura a menção a determinada e identificada lista,
mormente pela indicação da respetiva denominação e do primeiro candidato, a exigência de
remissão expressa para a lista apresentada em juízo, não obstante o respeito devido a
entendimento diverso, surge como uma exigência formal não postulada nem justificada pelo
ordenamento jurídico.
Posto isto, na situação vertente, o MISJV apresentou declarações individuais de
propositura, uma por cada proponente, em número de 596, onde consta a denominação da
Hsta do grupo de cidadãos e do primeiro proponente (cfr. volumes 2 e 3 deste apenso D).
Nessas declarações individuais, cada proponente «declara por sua honra, propor e apoia
a lista de cidadãos eleitores à eleição da Assembleia de Freguesia de S. J. de Ver, nas eleições
autárquicas de O l de outubro de 2017, pelo grupo de cidadãos eleitores, designado "MISJV
— Movimento Independente Por São João de Ver", em que é primeiro proponente (cabeça
de lista), Filipe José Ferreira de Oliveira e Silva, casado,..».
Perante tais declarações de propositura é de asseverar da parte dos proponentes uma
vontade inequívoca de apresentar a lista de candidatos.
Lista de candidatos essa que, no mesmo documento, é expressamente identificada pela
respetiva denominação e pelo seu primeiro candidato efetivo.
Essa referência, nesse condicionalismo, faz legitimamente presumir, ainda que de modo
tácito, o conhecimento da Hsta de candidatos pelos proponentes (art. 217° do C. Civil).
Aliás, se necessário fosse, do documento junto pela MISJV com a resposta à reclamação
e impugnação decidendas figura a declaração, por cerca de 400 dos proponentes, de que lhes
foi exibida a respetiva lista de candidatos do MISJV. Mais uma vez o mandatário responde
pela veracidade desse documento, incluindo pela identidade da lista exibida aos proponentes
e da apresentada em juízo no âmbito dos presentes autos.
Nesse condicionalismo, as declarações de propositura e a lista apresentada em juízo,
naquelas pressuposta, formam um todo incindível.
A solução preconizada, para além de menos restritiva dos direitos fundamentais dos
cidadãos (art. 18°, n.° 2 do CPR), é a que se mostra mais garantística do cabal
funcionamento do princípio democrático (arts. 1°, 2°, 48°, 50.°, 109° e 239°, n.° 4 da CRP).
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Posto isto, a segunda questão que importa dilucidar é se o impugnante e reclamante PS


fez prova, como lhe competia, de que as fichas de propositura foram subscritas pelos
proponentes com desconhecimento da lista de candidato do MISJV.
A única factualidade concreta alegada a tal respeito, que se mostra documentada, é que
ha declarações de aceitação de candidatos do MISJV cronologicamente posteriores às apostas
em declarações de propositura.
Porém, a asserção de que aquando das assinaturas das declarações de candidatura os
candidatos, nomeadamente os 10, 2°, 4°, 6° e 7° candidatos, ainda não tinham aceitado fazer
parte da lista do MISJV é que não ficou demonstrada.
Com efeito, as declarações de candidatura são necessárias apenas para instruir a
apresentação da candidatura em juízo. Mas não têm efeito constitutivo da qualidade de
candidato fora do processo. A decisão de integrar lista de candidatos e, por essa via, de ser
candidato pode perfeitamente estar tomada muíto antes da apresentação da candidatura no
tribunal.
Nem a lei, nem a lógica impõem a precedência cronológica necessária do ato da
subscrição da declaração de candidatura relativamente ao ato da subscrição da declaração de
propositura da lista de candidatos.
O processo fica perfeito desde que, no momento da apresentação da lista de candidatura
ao juiz, nos termos do art. 23° da LEOAL, haja vontade declarada dos candidatos em
assumirem essa condição e dos proponentes em apresentaram a lista de candidatos de
cidadãos eleitores.
Donde resulta que a subscrição de declarações de propositura em momento anterior ao
da subscrição de declarações de candidaturas não significa que a lista de candidatos não
estivesse finalizada aquando da subscrição daquelas.
Dito isto, pode concluir-se que inexiste factualidade concreta, cujo ónus de
demonstração cabia ao impugnante e reclamante Partido Socialista, donde decorra, por um
lado, que as declarações de propositura foram assinadas pelos proponentes com total
desconhecimento dos candidatos da lista do MISJV e, por outro lado, que a lista de
candidatos não existia no momento da subscrição das declarações de propositura.»

3. Notificado de tal decisão, dela interpôs o presente recurso o Partido Socialista,


representado pelo referido mandatário. Concluiu a sua alegação nos seguintes termos:

«I. A Lista apresentada pelo MISJV — Movimento Independente Por São João de Ver
nas declarações de propositura apresentadas, não emerge, nem sequer implicitamente — e
menos ainda da forma inequívoca que a lei exige — que os cidadãos subscritores tivessem
proposto a lista de candidatura de quaisquer cidadãos que não o ali referido Filipe José
Ferreira de Oliveira e Silva.
II. O artigo 19.°, n.° 3 da LEOAL pretende que inexista qualquer tipo de dúvida, no
que concerne às declarações de apoio e, assim, ou o nome dos candidatos consta do
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

documento onde se encontra exarada a assinatura dos proponentes ou, então, este
documento deve remeter, de forma clara e expressa para a referida lista.
IH. Nada disso ocorreu na situação em apreço: nem os formulários padronizados
continham a lista de candidatos a apresentar ao ato eleitoral, nem nos mesmos havia
qualquer referência à sua existência anexa e que os proponentes dela tomaram conhecimento
no momento da assinatura da declaração de proposítura.
IV. Notificados da Reclamação apresentada o MISJV — Movimento Independente Por
São João de Ver veio apresentar uma nova Lista de Assinaturas, esta sem respeitar as
exigências legais mínimas de Declaração de proposítura, com 400 assinaturas em quanto a
entregue em Tribunal tem mais de 600 assinaturas, a ordem não é igual, apesar de dizerem
que a mesma é contemporânea à recolha das proposíturas, não tem datas, não tem os
mesmos subscritores, nem a mesma ordem de subscrição, nem o mesmo número de
subscritores, não representa outra coisa que uma tentativa de reparar o facto de não terem
apresentado a Lista de candidatos aos proponentes da Lista, tentando assim apresentar
declaração que comprove que as declarações de proposítura passem a estar em conformidade
com o disposto no artigo 19. °, n.° 3 da LEOAL, sendo 2. pior a emenda que o soneto.
V. Se da primeira declaração de proposítura não consta que a lista foi apresentada aos
subscritores, da segunda, tendo em consideração a exiguidade temporal, 48 horas, para
apresentar a resposta à reclamação apenas consta o número de eleitor e a assinatura, tendo
tais declarações em falta muitos dados legalmente obrigatórios dos proponentes.
VI. O que fica demonstrado, foi justamente demonstrado com tal atuação o MISJV —
Movimento Independente Por São João de Ver demonstrou que tinha perfeita consciência
da falta de apresentação da lista de candidatos aquando da assinatura das declarações de
proposítura.
VIL As declarações de proposítura da candidatura foram recolhidas sem a apresentação
da Hsta candidata aos proponentes.
VUL Até à data limite de entrega de listas candidatas às eleições no Tribunal competente
(7 de agosto de 2017), a candidatura do grupo de cidadãos MISJV — Movimento
Independente Por São João de Ver mantiveram inúmeras indefinições quanto à concreta
composição da referida Hsta, tendo recolhido declarações de aceitação para integrar a Lista
muito depois da recolha das declarações de proposítura, conforme se alça dos autos.
IX. Os grupos de cidadãos eleitores apresentam candidaturas aos órgãos autárquicos
propondo listas candidatas, em proposta que, na sua completude, é de todos e cada um dos
proponentes da mesma.
X. Do documento donde consta cada uma das declarações de proposítura tem de constar
a inequívoca vontade de apresentar a lista de candidatos dela constante, ou para a qual se
remete, lista que, obviamente, tem de ser apresentada aos proponentes para que a validem e
aceitem propô-la, apenas assim se cumprindo o disposto no artigo 19.°, n.° 3, da LEOAL.
XI. Neste caso concreto as declarações de propositura foram assinadas sem antes lhes ter
sido apresentada a Lista, tendo apenas a informação constante da declaração de Propositura.
XH. A norma constante do n.° 3, do artigo 19.°, da LEOAL, interpretada no sentido de
impor que as declarações de subscrição de candidaturas de grupos de cidadãos contenham
menção de concordância, ainda que por remissão, com a totalidade da lista candidata, não é
inconstitucional, nem colide com os direitos de participação política e 50 de sufrágio. Ao
invés, garante o pleno e esclarecido exercício desses direitos.
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Nestes termos e nos de direito que vossas excelências mais doutamente cuidarão de
suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente, proferindo-se decisão de rejeição da
lista candidata à Assembleia de Freguesia de são João de Ver com a denominação MISJV —
Movimento Independente Por São João de Ver, por incumprimento do preceituado no n.°3
do artigo 19. ° Lei Orgânica n. ° 1/2001, de 14 de agosto.-»

4. Respondeu o movimento MISJV, pugnando pela improcedência do recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação
5. Como questão prévia, o recorrente começa por contestar a admissibilidade do
suprimento de irregularidades que afetera as declarações de propositura de uma candidatura
por grupos de cidadãos independentes, alegando que a existência desta tem. como
pressuposto a verificação de declarações de propositura por número de cidadãos eleitores
correspondente a 3% dos eleitores inscritos no respetivo recenseamento eleitoral, nos
termos definidos no artigo 19.° da LEOAL. Não se encontrando preenchida tal condição,
designadamente por insuficiência ou irregularidade das declarações de propositura, a
candidatura deve ser rejeitada.

Acrescenta ainda que, mesmo sendo de entender que a inobservância das exigências
impostas pelo artigo 19.° da LEOAL constitui uma nulidade sanável, as declarações
apresentadas pelo MISJV em tal momento não permitem tal sanação, na medida em que
não constituem novas declarações de propositura, nem contêm os elementos exigidos por
lei. Contesta ainda que tais declarações, juntas em resposta à reclamação, tenham
efetivamente sido subscritas de forma conjunta e simultânea com as declarações de
propositura juntas aos autos.

Embora apresentada como uma questão prévia, ou seja, uma questão autónoma,
prejudicial e logicamente anterior à questão principal, o certo é que a argumentação em que
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

se consubstancia está adstrita ao problema central da presente reclamação. Antes de se


abordar a questão de saber se a falta ou incompletude dos requisitos previstos no artigo 19.°
da LEOAL é ou não suscetível de sanação, ou qual o valor dos documentos apresentados
pela lista recorrida na resposta à reclamação, importa decidir se, de facto, se verifica alguma
falta ou incompletude, ou se algum vício afeta a candidatura do movimento MISJV, cuja
admissão foi decidida pelo Tribunal a quo, sem precedência de qualquer convite à supressão
de irregularidades.

6. O recorrente invoca ainda a violação do disposto no n.° 2 do artigo 22.° da


LEOAL, na medida em que o mandatário da candidatura recorrida, não residindo na sede
do município, não indicou morada na sede do mesmo para aí ser notificado.

Na resposta, o mandatário da recorrida considera que se trata de uma mera


irregularidade, sanável, que não afeta a legalidade da lista, passando a indicar morada na sede
do concelho para aí passar a ser notificado. Maís alegou que a finalidade da lei foi
acautelada, pois nunca se verificou qualquer dificuldade em ser notificado dos termos do
processo.

Trata-se de questão nova, que não foi suscitada perante o Tribunal de l.a instância e
que, por esse motivo, não foi objeto da decisão recorrida. Em qualquer caso, a
irregularidade verificada não afeta a legalidade da candidatura, devendo consíderar-se sanada
com a indicação de morada em consonância com o disposto no n.° 2 do artigo 22.° da
LEOAL.

/.Apreciemos, então, a questão de fundo que subjaz ao presente recurso.

Em síntese, o recorrente alega que as declarações de propositura da lista de candidatos,


apresentada pelo MISJV à Assembleia de Freguesia de São João de Ver, concelho de Santa
Maria da Feira, não preenchem os pressupostos legais previstos no artigo 19.°, n.° 3, da
LEOAL e que, como tal, deve tal lista ser rejeitada.
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

Com relevância para a decisão, consideram-se provados, no processo, os seguintes factos


(que se dão por verificados, por estarem devidamente documentados, nos termos dos
elementos para os quais se remete):

a) O grupo MISJV instruiu o seu processo de candidatura à Assembleia de


Freguesia de São João de Ver, concelho de Santa Maria da Feira, no âmbito
das eleições autárquicas de 2017 com os seguintes elementos:

i. Um documento denominado «Lista de Proponentes do Movimento


Independente por São João de Ver», com a identificação de 596
(quinhentos e noventa e seis) cidadãos eleitores, identificados por
nome e número de eleitor, elencados por ordem crescente do referido
número;

ii. Lista nominativa dos candidatos efetivos e suplentes, mandatário e


mandatária financeira, não datada.

iii. Declarações de aceitação de candidatura, com as datas delas


constantes, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.

iv. Declarações de propositura, em folhas soltas (apensos II e Hl).

b) Das folhas de declaração de propositura, constam, no anverso, as seguintes


menções:

i. «Lista de Cidadãos Eleitores»;

ii. «Eleições Autárquicas - 01 de outubro de 2017»;

iii. «MISJV - Movimento Independente por São João de Ver»;

iv. Declaração de propositura: «(...) declara, por sua honra, propor e


apoia a lista de cidadãos eleitores à eleição da Assembleia de Freguesia
de São João de Ver, nas eleições autárquicas de 01 de outubro de 2017,
pelo grupo de cidadãos eleitores, designado "MISJV - Movimento
Independente por São João de Ver", em que é primeiro proponente
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

(cabeça de lista), Filipe José Ferreira de Oliveira e Silva [restantes


elementos de identificação], São João de Ver, [data], O Proponente
(assinatura conforme documento de identificação) [constando depois
a assinatura autografa).

v. O verso de tais folhas encontra-se em branco.

c) No dia 14 de agosto de 2014, junto com a resposta à reclamação e à


impugnação do ora recorrente, o movimento recorrido apresentou um
documento, subscrito por 403 proponentes (excluindo-se todos os nomes
rasurados), nos seguintes termos:

i. No anverso de cada uma dessas folhas (fls. 434 a 478), consta o


seguinte: «Os abaixo assinados, na qualidade de proponentes
declaram, sob compromisso de honra e para os devidos efeitos que
aquando da subscrição da declaração de propositura, e em
complemento do documento onde esta consta, do grupo de cidadãos
eleitores, designado de "MISJV - Movimento Independente por São
João de Ver", em que é primeiro proponente (cabeça de lista), Filipe
José Ferreira de Oliveira e Silva [restantes elementos de identificação],
lhes foi exibida a respetiva lista de candidatos, sendo clara e
inequívoca a vontade, dos abaixo assinados, em propor/apresentar a
aludida lista de candidatos: Primeiro Proponente: Filipe José Ferreira
de Oliveira e Silva [restantes elementos de identificação]».

11. O verso de tais folhas encontra-se em branco e as mesmas não se


encontram datadas.

8. O cerne da questão controvertida, nos presentes autos, resume-se a saber se as


declarações de propositura da lista de candidatos, apresentada pelo grupo de cidadãos
eleitores MISJV, preenchem os pressupostos legais previstos no anigo 19.°, n.° 3, da
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

LEOAL, que dispõe que «[o]s proponentes devem subscrever declaração de propositura da qual
resulte inequivocamente a vontade de apresentar a lista de candidatos dela constante»,

O recorrente alega que: (i) nem os formulários usados nas declarações de propositura
continham a lista de candidatos a apresentar ao ato eleitoral; (H) nem em tais declarações
existe qualquer referência à existência dessa lista em anexo e que os proponentes dela
tenham tomado conhecimento no momento da assinatura da declaração de propositura.

A decisão reclamada considerou não ser exigível a identificação e discriminação de


todos os candidatos nas declarações dos proponentes, sendo suficiente a referência na
declaração de propositura à lista de cidadãos candidatos, através da respetiva denominação,
desde que incontroversa e inquestionável. Nesses casos, é de presumir que a lista de
candidatos apresentada aos proponentes é a mesma que seja apresentada em juízo, nos
termos do artigo 23.°, n.° l, alínea a), da LEOAL. Fazendo uso de tal critério no caso
concreto, considerou que, constando das declarações de propositura a menção a
determinada e identificada lista, designadamente pela indicação da respetiva denominação e
do primeiro candidato, era dispensável qualquer remissão expressa para a lista apresentada
em juízo, cujo conhecimento pelos proponentes seria de presumir, ainda que tacitamente,
nos termos do artigo 217.° do Código Civil.

Cumpre apreciar.

Por ter sido confrontado com numerosas situações mais ou menos semelhantes à
presente, o Tribunal Constitucional tem vindo a articular linhas de orientação sobre os
pressupostos legais das declarações de propositura. O recente acórdão n.° 466/2017 contém
uma síntese dessa jurisprudência, que importa reproduzir:

«Assim, no acórdão n.° 445/05, pode ler-se o seguinte:


"(...) os artigos 19.° e 23.° da LEOAL não exigem que a declaração de propositura das
listas discrimine e identifique, um a um, todos os candidatos, efetivos e suplentes, que integram
a lista. Nos termos do artigo 19.°, n.° [3], da LEOAL, os proponentes devem "subscrever
declaração de propositura da qual resulte inequivocamente a vontade de apresentar a lista de
candidatos dela constante". Tal vontade pode, porém, resultar inequivocamente da
identificação, pela respetiva denominação, da lista que se encontra anexa, e na qual - aí sim -

10
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

os candidatos são elencados, devidamente identificados e ordenados.


(...)
(...) entende-se que da leí não resulta, em relação à declaração de propositura, qualquer
exigência de especificação e identificação, nesta mesma declaração, dos candidatos que
integram, a lista proposta. O conteúdo dessa declaração, a expressão inequívoca da "vontade
de apresentar a lista de candidatos dela constante", basta-se com a identificação dos
candidatos por remissão para a lista devidamente identificada".
Em sentido idêntico, pronunciou-se o acórdão n.° 447/2009, referindo que "o artigo
19.°, n.° 3 da LEOAL, pretende que inexista qualquer tipo de dúvida, no que concerne às
declarações de apoio e, assim, ou o nome dos candidatos consta do documento onde se
encontra exarada a assinatura dos proponentes; ou, então, este documento deve remeter, de
forma clara e expressa, para a referida lista."
O acórdão n.° 446/2009 pronuncia-se sobre uma situação em que os proponentes
declaravam apoiar a lista do grupo de cidadãos eleitores, que identificavam pela
denominação e pelo nome do cabeça de lista. O Tribunal Constitucional considerou
insuficiente tal identificação, concluindo que "ao subscreverem a (...) declaração de
propositura, os proponentes não manifestaram uma vontade inequívoca de apresentar a lista
de candidatos dela constante: tal vontade só podia, na verdade, ser manifestada, se da própria
declaração ou de algum documento a ela anexo (com o qual a declaração formasse um todo
íncindível) constasse algiima lista, o que não ocorreu."
No acórdão n.° 540/13, considerou-se que as declarações de propositura apenas
continham a referência a uma lista de candidatos identificada através da referência ao ato
eleitoral, ao órgão autárquico respetivo e ao mandatário, não constando "quaisquer
elementos que permit[issem] confirmar (...) que as declarações de propositura juntas formem
um todo Íncindível com algum documento a elas anexo, onde conste alguma lista com a
identificação dos candidatos." Assim, foram rejeitadas as candidaturas.
No acórdão n.° 582/2013, pronunciando-se sobre situação em que o grupo de cidadãos
eleitores veio juntar, posteriormente, as listas de candidatos que corresponderiam às "folhas
de rosto" das declarações dos proponentes, invocando lapso quanto à sua não entrega no
momento de apresentação das candidaturas no tribunal, referiu-se o seguinte:
**(,.,) as declarações dos proponentes não contêm qualquer menção a essa lista ou sequer
para ela remetem, de modo a que, como pretendido, pudesse ser concluído que os dois
documentos, juntos aos autos em momentos diferentes e sem qualquer referência recíproca -
as declarações dos proponentes e a lista dos candidatos - formassem entre sí um «todo
Íncindível». Dos elementos constantes dos autos, não é possível concluir com segurança e
certeza que, ao subscreverem a referida declaração de propositura de lísta, os proponentes
tenham manifestado uma vontade inequívoca de apresentar a lista de candidatos dela
constante. Conforme se entendeu no citado acórdão n.° 446/2009, «(...) tal vontade só podia,
na verdade, ser manifestada, se da própria declaração ou de algum documento a ela anexo (com o
qual a declaração formasse um todo Íncindível) constasse alguma lista (...)», o que, como resulta
dos factos acima dados como assentes, não ocorreu."
Os acórdãos citados não se reportavam a situação absolutamente idêntica à dos
presentes autos. Em nenhum caso, a declaração dos proponentes continha uma remissão
expressa para a "lista de candidatos à eleição acima identificada, constituída pelos cidadãos
que constam da lísta anexa".

11
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

A Hteralidade da declaração em análise aponta para a existência de uma lista, que cada
um dos cidadãos proponentes declara, por sua honra, apoiar.
É certo que nenhuma lista foi, especificamente, anexada a cada uma das declarações ou
conjunto de declarações, aquando da sua apresentação ao tribunal.
Porém, tal apresentação ou anexação, no momento de apresentação perante o tribunal,
em rigor, não é condição essencial para demonstrar, sem quaisquer dúvidas, que os
proponentes tomaram Íntegra! conhecimento da específica lista de candidatos apresentada
nos termos do artigo 20.° da LEOAL, no momento em que subscreveram as declarações de
propositura.
O que releva, para efeitos de aferir a idoneidade de taís declarações, no sentido de
manifestarem uma vontade inequívoca de apresentar uma específica lista de candidatos, são
os elementos integrantes da própria declaração ou que com a mesma formem um todo
incindível, sendo tal conjugação incíndível necessariamente reportada ao momento da
declaração.
Assim, compreende-se que o tribunal et quo sustente que, para se poder categoricamente
afirmar que os proponentes subscritores revelaram a vontade de subscrever declaração de
propositura da qual resulta inequivocamente a vontade de apresentar a lista de candidatos
constante da folha anexa, seria necessário que, em anexo a cada folha de subscrição, os
respetivos proponentes subscritores rubricassem a lista de candidatos, que se refere estar
anexa. Tal ato permitiria reconstituir, com perfeição e completude, o "todo incindível e
contemporâneo" a que alude a decisão recorrida, por remissão para a decisão reclamada.
Todavia, uma leitura funcionalmente adequada da norma satísfaz-se com a conclusão de
que o subscritor da candidatura ficou inequivocamente ciente da lista que estava a
subscrever. E isso é o que resulta do caso em apreciação, como bem demonstra a declaração
de propositura assinada.
De resto, o Tribunal Constitucional tem seguido este entendimento. Não obstante a lei
estabelecer requisitos especiais, para permitir o exercício da faculdade de grupos de cidadãos
apresentarem candidaturas às eleições para os órgãos das autarquias, concretizando um
direito de participação política que lhes é expressamente conferido pela Constituição (artigo
239.°, n.° 4) - o que se compreende face à circunstância de, diferentemente do que acontece
relativamente às listas apresentadas por partidos políticos ou coligações de partidos, a
subscrição das propostas de listas de candidatos "não corresponde[r] a uma mera
manifestação de apoio ou concordância com um projeto político de um movimento ou
grupo que pretenda concorrer às eleições locais, antes consubstanciando] a própria escolha,
pelos cidadãos eleitores, dos candidatos a apresentar", como se refere no acórdão n.°
582/2013 -, há que ponderar que os grupos de cidadãos não dispõem do mesmo grau de
capacidade organízatória que se encontra - e, de resto, é exigível - nos partidos políticos,
facto notório que deve ser sopesado quando se avalia o cumprimento dos pressupostos
previstos no n.° 3 do artigo 19.° da LEOAL.»

O caso dos autos é, nesta parte, análogo ao apreciado no citado Acórdão n.° 446/2009,
na medida em que nas declarações de propositura apresentadas, os subscritores apenas
declararam «por sua honra, propor e apoia[r] a lista de cidadãos eleitores à eleição da Assembleia

12
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

de Freguesia de São João de Ver, nas eleições autárquicas de 01 de outubro de 2017» pelo grupo
de cidadãos eleitores, a qual é identificada pela respetiva denominação e pelo nome do
primeiro candidato.

De acordo com a jurisprudência firme deste Tribunal, se é certo que os artigos 19.° e
23.° da LEOAL não impõem que a declaração de propositura das listas discrimine e
identifique, um a um, todos os candidatos, efetivos e suplentes, que integram a lista, já se
exige, para se dar por verificada uma vontade inequívoca de apresentar a lista de candidatos,
que da própria declaração ou de algum documento a ela anexo (com o qual a declaração
formasse um todo incindível), constasse alguma lista, o que não se verifica no caso vertente.

De facto, in casu, as declarações de propositura não contêm qualquer menção a lista de


candidatos anexa, nem para ela remetem, de modo a que se possa considerar que aos
proponentes foi exibida, no momento da propositura, qualquer lista de candidatos.

Não se pode, pois, subscrever a argumentação constante da decisão recorrida, na


medida em que, na ausência de qualquer referência na declaração de propositura à lista de
candidatos ou de qualquer declaração expressa e inequívoca do seu conhecimento, inexiste
base factual para a presunção de tal conhecimento. Por outro lado, não sendo a declaração
de propositura de uma lista de candidatos a umas eleições, manifestamente, uma declaração
negociai, não lhe é diretamente aplicável o regime do artigo 217.° do Código Civil; nem se
verifica a semelhança de situações que justifica a respetiva aplicação analógica, nos termos
do artigo 295.° do mesmo diploma. E ainda que tal regime fosse aplicável, não se verifica,
como se víu, o pressuposto da declaração tácita - o elevado grau de probabilidade da
inferência da manifestação de vontade (artigo 217.°, n.° 1).

9. Em momento processual subsequente, o recorrido juntou aos autos um conjunto de


declarações, acima descritas, nos termos das quais os proponentes delas signatários declaram
«sob compromisso de honra e para os devidos efeitos que aquando da subscrição da declaração de
propositura, e em complemento do documento onde esta consta, do grupo de cidadãos eleitores,

13
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

designado de "MISJV - Movimento Independente por São João de Ver", em que é primeiro
proponente (cabeça de lista), Filipe José Ferreira de Oliveira e Silva [restantes elementos de
identificação], lhes foi exibida a respetiva lista de candidatos, sendo clara e inequívoca a vontade,
dos abaixo assinados, em propor/apresentar a aludida lista de candidatos».

Alegou ainda que tais declarações são complementares e contemporâneas das


declarações de propositura.

O recorrente contesta esta simultaneidade, contrapondo que as declarações em apreço


foram recolhidas apenas após a impugnação da candidatura, do que constituem indícios a
circunstância de os seus subscritores serem em número inferior aos proponentes, de a
ordem por que estão elencadas não ser idêntica à das declarações de propositura e de tais
declarações não estarem datadas.

Vejamos.

No já citado Acórdão n.° 466/2017, o Tribunal afirmou que «[o] que releva, para efeitos
de aferir a idoneidade de tais declarações, no sentido de manifestarem uma vontade inequívoca
de apresentar uma específica lista de candidatos, são os elementos integrantes da própria
declaração ou que com a mesma formem um todo incindível, sendo tal conjugação incindível
necessariamente reportada ao momento da declaração» (sublinhado nosso).

Significa isto que a aferição da vontade inequívoca dos proponentes de apoiarem uma
lista de candidatos não dispensa um certo grau de exigência formal, consubstanciado numa
declaração de propositura completa ou no conjunto formado por uma declaração de
propositura e outros elementos que com ela formem um todo incindível e contemporâneo.
Tal incindibilidade pressupõe, no mínimo, a referência recíproca entre os elementos do
conjunto, nomeadamente a referência, na declaração de propositura, a uma específica lista
de candidatos.

Ora, é evidente que as declarações que o recorrido veio juntar ao processo não formam
com as declarações de propositura um qualquer todo incindível. Não há qualquer
referência, nas declarações de propositura, a essas declarações adicionais. Acresce que estas

14
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

não têm outra função que não a de suprirem a omissão naquelas de qualquer referência a
uma específica lista de candidatos, o que corresponde a uma admissão implícita de
insuficiência formal das declarações de propositura e constitui um indício relevante de que
essas declarações adicionais foram emitidas após a emissão daquelas e da própria
apresentação da lista de candidatos, nos termos do n.° l do artigo 20.° da LEOAL. Por
outras palavras, faltam os requisitos da incindibilidade formal e da contemporaneidade que
o Tribunal tem vindo reiteradamente a exigir na verificação do cumprimento do disposto
no n.° 3 do artigo 19.° da LEOAL.

Por tudo quanto fica exposto, conclui-se que as declarações de propositura não
cumprem as exigências legais, pelo que se justifica alterar o sentido da decisão recorrida.

III. Decisão

Nestes termos, decide-se conceder provimento ao recurso interposto, rejeitando-se a


candidatura do «MISJV - Movimento Independente por São João de Ver».

Lisboa, 2<> 19-

15

Você também pode gostar