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Determinantes da implantação de um

programa de segurança e saúde no trabalho

As doenças e os acidentes ocupacio- No Brasil, além da regulação e das


nais representam uma grande carga para normas e guias de boas práticas, são
os trabalhadores, as empresas, os ser- utilizados inspeções e penalidades, trei-
viços de saúde e a seguridade social. Os namentos e cursos que promovem o
programas de intervenção para o enfren- aprimoramento do desempenho das em-
tamento desse problema se baseiam, em presas na prática de proteção dos traba-
geral, em modelos de vigilância da lhadores. O Ministério do Trabalho exige
saúde e da segurança, aplicados com di- que todas as empresas com trabalhado-
versas estratégias (1). res avaliem regularmente os riscos do
ambiente de trabalho e a saúde de seus focam desfechos ou programas específi- gestores em segurança, a elaboração de
trabalhadores, sendo que os resultados cos de intervenção sobre agentes de risco planos de ação e a realização de inspeções
dessas avaliações devem subsidiar os ou enfermidades e agravos isolados e, em locais de trabalho (15).
programas de prevenção. Os dois pro- em geral, apresentam problemas meto- No Estado da Bahia, o Serviço Nacio-
gramas obrigatórios para empresas são o dológicos (9). No Brasil, a avaliação de nal da Indústria (SESI) desenvolve um
Programa de Prevenção de Riscos Am- programas de saúde ocupacional é inci- PSST que em 2006 atingiu 194 empresas,
bientais (PPRA) (Norma Regulamenta- piente. Miranda e Dias (10) estudaram estando prevista a sua avaliação perió-
dora No. 9, ou NR-9) (2) e o Programa de PPRA e PCMSO de 30 empresas e verifi- dica. Esse programa tem sua origem em
Controle Médico e Saúde Ocupacional caram que os relatórios de risco ambien- 1994, quando, após a divulgação das
(PCMSO) (NR-7) (3). tal (92,9%) e os de problemas de saúde NR-7 e NR-9, o SESI Departamento Re-
As intervenções baseadas em diagnós- dos trabalhadores (85,7%) apresentavam gional da Bahia avaliou suas práticas em
ticos situacionais são positivas porque inconsistências em relação ao grau de saúde e segurança e identificou proble-
geram decisões fundamentadas em in- risco das empresas envolvidas; também mas como a falta de planejamento, o
formação e valorizam a participação dos foi constatada a baixa qualidade técnica atendimento fragmentado à demanda
trabalhadores. Todavia, apresentam fa- desses relatórios. Esses autores constata- espontânea sem consideração às necessi-
lhas na própria concepção, como a sepa- ram ainda que nenhuma empresa havia dades dos trabalhadores, a grande des-
ração entre agentes de risco e efeitos envolvido os trabalhadores na elabo- continuidade das ações e um enfoque
sobre a saúde, o que resulta em desarti- ração dos programas. Em uma avaliação predominantemente clínico, sem aten-
culação das ações e em tensões e vieses sobre o controle do ruído em PPRA/ ção à prevenção ou promoção da saúde.
disciplinares em um campo essencial- PCMSO de indústrias de São Paulo, Elaborou-se, então, um programa de
mente interdisciplinar. além da inexistência de mensurações, saúde ocupacional baseado na vigilância
Poucos estudos têm se debruçado observou-se que não eram emitidas co- à saúde, com eixo na integração das
sobre a avaliação de programas de saúde municações de acidentes de trabalho ações de saúde, higiene e segurança, par-
dos trabalhadores em empresas. Em um (CAT) (11), que são registros para fins ticipação de equipes multiprofissionais,
desses trabalhos (4), os principais de- de seguridade social no Ministério da envolvimento da empresa e trabalhado-
terminantes de clima de segurança per- Previdência Social. Com base em dados res e proposição de intervenções adequa-
cebidos pelos trabalhadores foram as semelhantes, outro estudo apontou que das às necessidades. Esse programa so-
condições ambientais, a existência de pro- as avaliações clínicas do PCMSO não freu redefinições sucessivas, alcançando
gramas de segurança, o apoio organi- abrangiam enfermidades ou agravos o formato atual a partir de 2004.
zacional e a comunicação na empresa. ocupacionais e que era limitado o regis- O objetivo deste estudo foi identificar
Em países orientais, certas avaliações de tro de agentes de risco ocupacional (12). os fatores que se associaram positiva-
programas de saúde e segurança realiza- Portanto, as evidências apontam para a mente ao sucesso na implantação do
das em pequenas empresas revelaram insuficiência da vigilância à saúde ocu- PSST proposto pelo SESI em empresas
que a associação de empresas por ramo pacional nas empresas e para a falta de do Estado da Bahia.
de atividade reforça o compromisso com cumprimento das recomendações legais.
a segurança. Além disso, foi observado A avaliação de programas de saúde MATERIAIS E MÉTODOS
que o uso de estratégias baseadas em comumente abrange os componentes de
metas e resultados, por parte das empre- implantação, estrutura, processo e des- Este é um estudo de desenho ecológico
sas, resulta em um uso efetivo de check- fechos ou resultados (13). Embora a ava- conduzido com dados agregados por
lists, na realização de trabalhos de grupo liação da implantação, ou seja, do grau empresa, relativos ao registro da implan-
(5) e na aplicação de boas práticas adap- pelo qual a proposta planejada foi efeti- tação do PSST no ciclo entre 2005 e 2006,
tadas a condições locais, como, por exem- vada, seja fundamental para determinar segundo a avaliação do grau de implan-
plo, atividades de baixo custo (6). o cumprimento dos impactos esperados, tação proposta por Denis e Champagne
Uma pesquisa sobre fatores preditores são raros os estudos com esse foco. Entre- (14). O PSST analisado atende 11 471 tra-
de acidentes de trabalho identificou que, tanto, o conhecimento dos determinantes balhadores de indústrias manufatureiras
em nível individual, os mais importantes de implantação de programas de saúde, e 3 822 de empresas da construção civil
foram escolaridade, experiência, apren- ou seja, dos fatores que influenciam a no Estado da Bahia, segundo dados da
dizado e atitudes dos trabalhadores (7). operacionalização adequada de uma in- Relação Anual de Informações Sociais
Em um estudo conduzido nos Estados tervenção (14), pode contribuir para a (RAIS) para o ano de 2004.
Unidos, verificou-se que a maioria das identificação de obstáculos ou fatores A avaliação do PSST parte de um
empresas não avaliava a efetividade de propulsores que podem potencialmente modelo lógico de intervenção (16, 17),
seus programas de vigilância. Entre- ser gerenciados visando ao alcance das composto de três níveis: a) contexto de
tanto, o estudo revelou que esses pro- metas desejadas. No único estudo encon- implantação; b) implantação da inter-
gramas tinham efeitos positivos, inclu- trado sobre avaliação de implantação de venção; e c) resultados. Compreende-se
sive a redução de custos com saúde, o programas de saúde e segurança, reali- como implantação um processo de
aumento da detecção precoce de proble- zado na Noruega, observou-se que o grau gestão do início do programa que en-
mas de saúde, a diminuição da ocorrên- de implantação aumentou no período volve várias etapas, cujo final é o pro-
cia de agravos e enfermidades e o au- de estudo e foi menor nas empresas de grama implantado com todas as ativida-
mento da produtividade (8). pequeno porte e privadas. Os principais des previstas em pleno funcionamento.
Além de raros, os estudos que avaliam preditores do grau de implantação foram A implantação do PSST se inicia com a
os programas de saúde ocupacional en- o treinamento dos trabalhadores e dos etapa de sensibilização do empresário ou
pessoa focal da empresa, indicada, em De uma lista de todas as empresas par- A variável dependente foi a dimensão
geral, pelo dirigente principal. Após a ticipantes, selecionaram-se, de modo grau de implantação do PSST. Os esco-
sensibilização, realizada por meio de vi- aleatório, por alocação proporcional dos res correspondentes das subdimensões
sitas e reuniões com representantes do sub-ramos mais comuns de atividade foram somados, resultando em um es-
SESI-Bahia, instituição prestadora do econômica, 80 empresas (3 384 trabalhado- core global do grau de implantação do
serviço, apresentam-se o propósito e a res) (18). Como parte das obrigações con- PSST, analisado como variável contínua.
estratégia do PSST e as vantagens relati- tratuais, cada empresa indicava uma pes- Esse escore global varia, portanto, entre
vas à adesão aos marcos regulatórios do soa focal para contatos com a prestadora. 0 e 100, considerando-se o PSST comple-
Ministério do Trabalho e Emprego, à po- Em geral, a pessoa focal era o gerente ope- tamente implantado quando atingisse o
lítica de saúde do Ministério da Saúde e racional. De acordo com a programação valor máximo.
aos subsídios oferecidos pelo SESI relati- das atividades, tendo a empresa comple- As variáveis preditoras foram as três
vos a esse programa. Com a aceitação, tado um ciclo de implantação, dava-se iní- dimensões restantes, ou seja, fatores im-
iniciam-se as atividades, com uma visita cio à avaliação da etapa correspondente. pulsionadores da empresa, fatores im-
inicial para levantamento de dados qua- Para tal, eram colhidas informações com pulsionadores entre os trabalhadores e
litativos, seguida de procedimentos para a pessoa focal sobre os fatores impulsio- fatores impulsionadores da prestadora
realização de avaliações ambientais com nadores da empresa e com membros da de serviços. Também nesse caso o escore
vistas à identificação dos grupos ho- equipe de saúde e segurança da empresa global para cada dimensão foi calculado
mogêneos de exposição. Propõe-se um sobre fatores impulsionadores dos traba- pelo somatório dos escores atribuídos a
plano de ação conjunto da equipe. As lhadores e da prestadora. Portanto, foi ne- cada uma das subdimensões; os escores
visitas dos profissionais de saúde e se- cessária a elaboração de formulários para das subdimensões, por sua vez, repre-
gurança são realizadas periodicamente cada um dos tipos de respondente, pessoa sentam a soma dos escores atribuídos a
para acompanhamento das sugestões focal e equipe SST. Os formulários desti- cada critério (tabela 1).
propostas e realização de atividades no nados à pessoa focal foram preenchidos As covariáveis foram também defi-
local de trabalho. Os trabalhadores reali- por meio de entrevistas telefônicas, fax ou nidas a partir de escores atribuídos pela
zam exames médicos que compõem um visitas individuais. As equipes de SST res- equipe com base nas evidências da
relatório epidemiológico da empresa. pondiam às questões presencialmente, implantação do programa na empresa.
Para uma implantação bem-sucedida, com narrativas escritas. Foram consideradas como covariáveis
considerou-se que haveria fatores impul- Os instrumentos empregados conti- potencialmente modificadoras do efeito,
sionadores no âmbito da empresa, entre nham perguntas relativas a cada dimensão, ou confundidoras, as seguintes: 1) escola-
os trabalhadores e na equipe do SESI res- subdimensão e a seus respectivos compo- ridade da pessoa focal, que variou de en-
ponsável pelo PSST. nentes específicos, de acordo com o mo- sino fundamental (escore zero) até nível
Outros fatores não diretamente inte- delo lógico do programa. Foram conside- superior (escore 5); 2) a escolaridade dos
grantes do programa, como o nível de radas quatro dimensões (tabela 1): fatores trabalhadores, que variou de 0% de tra-
escolaridade médio das pessoas focais e impulsionadores para SST na empresa; balhadores com ensino secundário com-
dos trabalhadores, os salários, o grau de fatores impulsionadores à SST entre os pleto ou mais (escore zero) a 100% com
risco ocupacional da empresa de acordo trabalhadores; fatores impulsionadores ensino secundário completo ou mais (es-
com a NR-9 e o porte da empresa, tam- da prestadora do serviço de SST, no caso core 15); 3) o salário dos trabalhadores,
bém poderiam introduzir modificações o SESI; e grau de implantação do PSST. de 10% dos trabalhadores com salário-
nos vetores impulsionadores da implan- Os formulários preenchidos foram lidos e base superior ao salário mínimo (escore
tação. Como evidências da situação final analisados pela equipe da avaliação, cole- 0) a 100% com salário-base superior ao
de implantação do PSST consideraram- tivamente, em oficinas de trabalho especí- mínimo (escore 10). A covariável grau de
se a efetivação do diagnóstico epidemio- ficas para atribuição dos escores para risco seguiu a classificação definida pelo
lógico e de riscos ambientais, a execução cada subdimensão e respectivos critérios. Ministério do Trabalho na NR-9, de I a
adequada do PCMSO e PPRA, a reali- Os critérios empregados para a atribui- IV. O porte da empresa foi classificado
zação de atividades de vigilância à saúde ção dos escores eram qualitativos para com base no número absoluto de empre-
com a incorporação dos resultados do componentes subjetivos e quantitativos gados: < 20; entre 20 e 50; > 50.
diagnóstico na programação e a divul- quando se utilizavam medidas de cum-
gação das informações para gestores e primento de metas, por exemplo. Esses Análise estatística
trabalhadores, no ciclo de tempo de im- escores eram discutidos até se alcançar
plantação de 1 ano. Além disso, foi ainda um consenso sobre a pontuação a ser atri- A associação entre os fatores impulsio-
considerado o uso adequado dessas in- buída àquela dimensão. nadores e o grau de implantação do
formações pela empresa na consolidação A implantação, por sua vez, foi classi- PSST foi estimada com coeficientes dos
das ações de segurança e saúde no âm- ficada nas seguintes categorias: implan- modelos de regressão linear múltipla,
bito local. Do modelo lógico, derivou-se tação avançada: 75 a 100% do escore verificando-se o nível de significância
uma matriz de dimensões e subdi- máximo proposto; implantação interme- estatística dos coeficientes de regressão
mensões com seus respectivos compo- diária: 51 a 75% do escore máximo pro- para as dimensões, subdimensões e com-
nentes. Cada um desses níveis compre- posto; implantação incipiente: 26 a 50% ponentes (critérios) e os R quadrados. A
ende dimensões definidas a partir do do escore máximo; não implantado: modelagem foi realizada com cada va-
modelo lógico e dos padrões operacio- menos de 25% do escore máximo pro- riável preditora separadamente e em se-
nais propostos nos documentos do pro- posto para a dimensão grau de implan- guida conjuntamente, por componente,
grama (tabela 1). tação do PSST (tabela 1). para verificar o efeito isolado, indepen-
dente dos demais. As covariáveis foram uso dos dados e a sua identificação nas presas não diferiram grandemente em
testadas para confundimento, isto é, publicações. Como se tratam de dados relação à escolaridade da pessoa focal.
verificando-se diferenças de pelo menos administrativos, não individuais e anô- Todavia, as empresas de risco IV apre-
20% entre os coeficientes de regressão nimos, não se submeteu o protocolo para sentaram o maior número de trabalha-
dos modelos saturados e sem a covariá- apreciação por um Comitê de Ética em dores com escolaridade maior, enquanto
vel em análise. Termos-produto e testes Pesquisa. que as de risco III tinham salários mais
de razão de verossimilhança foram em- altos. A tabela 2 mostra ainda que, den-
pregados para identificar modificadores RESULTADOS tre os fatores impulsionadores examina-
de efeito, para um alfa = 0,05. Na mode- dos, as empresas de menor risco (I e II)
lagem, as covariáveis foram tratadas em Das 80 empresas selecionadas, uma foi tiveram maior proporção de fatores fa-
sua forma escalar, utilizando-se os esco- excluída por falência e outra por término voráveis à implantação de parte da pró-
res respectivos, e nas tabelas de freqüên- do contrato com o SESI, totalizando duas pria empresa e reduzida contribuição
cia, em seu formato dicotômico. A base perdas (2,5%). Das 78 empresas que dos trabalhadores em comparação às
de dados foi criada com o Epi Info compuseram a população do estudo, empresas nos demais grupos de risco.
versão 6.0. A análise foi realizada com o verificou-se que 42 (53,8%) foram clas- Houve uma tendência a um desenvolvi-
SAS versão 9.0. Realizou-se a análise de sificadas no grau intermediário de im- mento mais elevado da implantação
resíduos dos modelos e todas as cova- plantação, 19 no grau avançado (24,4%) entre as de grau de risco IV. As empresas
riáveis foram tratadas em sua forma ori- e 15 (19,2%) consideradas como tendo de menor risco apresentaram pessoa
ginal contínua, exceto o grau de risco implantação incipiente. Em duas empre- focal e trabalhadores com menor escola-
NR-9, para o qual consideraram-se as sas (2,6%), o PSST foi considerado não ridade, salários mais baixos e número
respectivas variáveis de desenho. implantado. menor de trabalhadores.
O estudo foi conduzido com infor- Na tabela 2 apresentam-se as caracte- A análise de regressão linear múltipla
mações de rotina dos serviços de saúde rísticas das empresas de acordo com o mostrou que todos os fatores impulsiona-
ocupacional do SESI, que autorizou o grau de risco ocupacional NR-9. As em- dores — da empresa, dos trabalhadores
e da equipe prestadora — foram positi-
vamente associados com o grau de im-
plantação (P < 0,001) quando analisados
separadamente (tabela 3). Quando os
componentes (conjunto de critérios) de
cada subdimensão foram considerados
no modelo, verificou-se que, entre os fa-
tores da empresa, apenas a autonomia da
gestão financeira permaneceu estatistica-
mente significativa (β = 4,40; P < 0,001).
Na análise conjunta dos fatores relativos
ao trabalhador, o conhecimento (β = 1,58;
P < 0,05) e o treinamento (β = 0,40;
P < 0,001), foram ambas preditores inde-
pendentes do grau da implantação, en-
quanto que, dentre os fatores da equipe
de SST da prestadora, a articulação da
equipe de segurança (β = 1,89; P < 0,01) e
a integração (β = 0,58; P < 0,05) desta com
a de saúde foram os principais fatores
para o sucesso da implantação. Não houve
evidências de interação estatística entre as
subdimensões em análise (tabela 3).
Na tabela 4 os resultados da modela-
gem revelam que, quando analisados
simultaneamente, apenas os fatores da
empresa (β = 0,70; P < 0,001) e dos tra- cedimentos previstos pelas normas em SST em um programa dissociado da
balhadores (β = 0,85; P < 0,01) se associa- até 57% das empresas analisadas, sendo gestão geral da empresa pode resultar,
ram independentemente com o grau de que apenas 10% cumpriam as recomen- ou mesmo expressar em si mesma, um
implantação do PSST. A tabela mostra dações. Além disso, foi bastante precária papel secundário desse tipo de atuação,
ainda que este resultado não se modifi- a participação dos trabalhadores nas assim como uma falta de comprometi-
cou com a introdução das variáveis de ações de saúde e segurança, inclusive o mento da empresa. Ademais, as normas
contexto, como o nível de escolaridade envolvimento da Comissão Interna de existentes contribuem para essa sepa-
da pessoa focal e dos trabalhadores, os Prevenção de Acidentes (CIPA). ração, ao recomendar programas separa-
salários dos trabalhadores, o grupo de Depreende-se dos resultados deste dos e independentes para a segurança e
risco da empresa e o porte. Os modelos, estudo que os fatores das diversas di- para a saúde. Vale notar que o financia-
embora estatisticamente significativos mensões analisadas, isto é, empresa, mento, a autonomia da gestão desses re-
(tabela 4), não foram, em geral, forte- trabalhadores e equipe de SST foram, cursos e a liberação do trabalhador para a
mente explicativos do grau de implan- separadamente, impulsionadores da im- participação foram fundamentais para o
tação, com R2 variando entre 0,3675, para plantação. Não houve evidências de in- sucesso na implantação do programa.
o modelo ajustado por todas as covariá- terações estatísticas entre essas dimen- Esses aspectos, portanto, devem fazer
veis, a 0,4102, para o modelo apenas com sões. Isso quer dizer que cada dimensão parte das negociações iniciais prévias à
os fatores impulsionadores globais. influenciou positivamente o grau de im- implantação.
plantação, e que, para isso, uma não de- Um outro fator importante para a im-
DISCUSSÃO pendeu necessariamente da outra. Este plantação do PSST foi o conhecimento e
resultado contraria a ideia de que a im- o treinamento do gestor e dos trabalha-
Os resultados deste estudo revelaram plantação depende da atuação sinérgica dores em relação a SST. Esses fatores são
que, em 1 ano do ciclo de intervenção do e interativa desses fatores. Entretanto, o classicamente considerados cruciais para
PSST proposto e executado pelo SESI, pequeno número amostral é limitado qualquer tipo de estratégia de inter-
a maioria das empresas alcançou grau para inferências conclusivas, valendo venção, mesmo fora do âmbito da saúde
de implantação intermediário, enquanto apenas como uma indicação que poderá (22). Embora pareça óbvio que as pes-
duas (2,6%) não tiveram operacionali- ser verificada em estudos mais apropria- soas se engajarão mais efetivamente em
zação relevante. A constatação de que dos a análises de subgrupos. ações quando conhecem os objetivos,
nem todas as empresas alcançaram a im- Como mencionado anteriormente, são significados e alcance dessas ações, e se
plantação completa do PSST não foi uma raros os estudos sobre determinantes de fato contribuíram para a sua con-
surpresa, considerando-se as dificuldades da implantação de programas de SST. cepção e execução, isso nem sempre é a
conhecidas de desenvolvimento de ações Em um dos poucos estudos disponíveis, realidade dos modelos lógicos das inter-
de saúde e segurança no âmbito de em- 1 789 empresas foram analisadas para venções em saúde. Comumente, os pro-
presas, apesar, neste caso, da iniciativa de verificar o nível de implementação de cessos de planejamento e programação
contratação da prestadora para essa ativi- uma política de SST na Noruega em um são de natureza normativa, ou prescri-
dade. Essa aparente contradição pode ser período de 10 anos (15). Os autores tiva, com normas e procedimentos reco-
compreendida quando se verifica que as constataram que 25% das firmas não se mendados para aplicação pelas empre-
decisões relativas à contratação de ser- encontravam em conformidade com o sas de forma acrítica. Estudos sugerem
viços de saúde e segurança ocupacional marco regulatório em um item ou mais, que o conhecimento, por parte dos em-
são reativas, comumente feitas após a estando em estágio avançado apenas 4%. presários e trabalhadores, sobre a segu-
ocorrência de inspeções ou do recebi- Os principais fatores identificados foram rança e a saúde e sobre o potencial de
mento de multas ou outras penalidades treinamento dos gestores e representan- prevenção dos agravos em locais de tra-
(15, 19, 20). Por outro lado, o PSST desen- tes dos trabalhadores, a realização de ava- balho é ainda muito pequeno, mesmo
volvido pelo SESI Bahia foi idealizado a liações e atividades de planejamento. em empresas de grande porte ou de
partir de um padrão que envolvia profis- A importância da autonomia da gestão maior risco ocupacional (23). Este último
sionais qualificados e um modelo organi- orçamentária para a implantação dos estudo (23), que analisou a percepção de
zado na perspectiva da saúde coletiva, programas de SST encontrada neste es- profissionais de saúde ocupacional sobre
contrapondo-se a iniciativas cartoriais, de tudo não foi relatada ou analisada em os fatores que influenciam a não-implan-
baixo custo, oferecidas por empresas pri- outras investigações. Como isso depende tação de ações de SST em pequenas e
vadas que disponibilizam serviços que em grande medida dos modelos de ges- médias empresas, identificou dificulda-
enfocam o PPRA e o PCMSO. tão das próprias empresas, é possível que des de acesso a capital e crédito, falta de
A incompleta implantação do PSST isso reflita especificidades das normas de conhecimento dos empresários sobre a
depois de 1 ano de atividades programa- saúde e segurança brasileiras. Por exem- legislação e as recomendações técnicas e
das é consistente com os achados de plo, as recomendações mais recentes para crença de que tais intervenções desviam
Miranda e Dias (10) que, ao analisarem a gestão da saúde e segurança indicam a o foco dos negócios. Além disso, foram
dados de inspeções de empresas condu- incorporação dessas ações às do próprio também citadas a precariedade da infra-
zidas pela Delegacia Regional do Tra- negócio, o que se sustenta na ideia de que estrutura física, de equipamentos e pes-
balho do Ministério do Trabalho na ambientes de trabalho saudáveis e segu- soal, e a não associação das empresas em
Bahia, encontraram baixa qualidade téc- ros contribuem para a produtividade, órgãos de classe. Vários estudos têm de-
nica dos programas de SST existentes. tanto pela redução de faltas no trabalho, monstrado que o grau de implantação de
Essa baixa qualidade técnica ficava evi- quanto pela maior satisfação dos traba- programas desse tipo é menor nas em-
dente nas inconsistências entre os pro- lhadores (1, 21). A separação das ações de presas de pequeno porte (15), como as
que predominaram neste estudo. Inves- deria possibilitar maior divulgação do seus limites metodológicos. Embora esta
tigações têm apontado a necessidade de programa junto aos trabalhadores. Ainda pesquisa tenha avançado o conheci-
desenvolver estratégias de intervenção que essa tarefa caiba prioritariamente à mento sobre os determinantes da im-
distintas para esse grupo de empresas empresa, a indução e o estímulo são tam- plantação de um programa de saúde e
(24), que, em contexto de vulnerabili- bém responsabilidade da prestadora. segurança no trabalho, possivelmente
dade econômica, se defrontam com o di- Os resultados deste estudo devem ser um dos poucos existentes no país, o
lema entre a sobrevivência do negócio e vistos com precaução devido a alguns li- número de empresas analisadas foi
a aplicação estrita da lei em função dos mites metodológicos. Os dados provêm pequeno, reduzindo o poder estatístico
recursos escassos (25). de rotinas administrativas e não foram do estudo. Além disso, a natureza dos
A integração das equipes de saúde e coletados especificamente com a finali- dados de rotina dos serviços resultou em
de segurança traz à tona um importante dade de pesquisa. Foi grande o número simplicidade com vistas à garantia da
foco de tensão, tradicional no campo da de informantes envolvidos, o que, por viabilidade operacional, reduzindo, por-
saúde do trabalhador, nutrido pela sepa- um lado, poderia provocar diferenças de tanto, o escopo das informações disponí-
ração dos campos disciplinares da hi- qualidade ou de pontos de vista dos ob- veis para análise.
giene e segurança, por um lado, e da me- servadores; porém, também traz vanta- Os estudos avaliativos têm um caráter
dicina do trabalho, por outro, reforçado gens, considerando que o envolvimento estratégico para o campo da saúde do
pelos instrumentos legais. Isso vem se de diferentes atores permite a compo- trabalhador, ao possibilitarem diretrizes
sustentando apesar do avanço das dis- sição de um quadro mais abrangente que garantam maior equidade e justiça
cussões em torno do tema, tanto na da realidade das empresas. Embora o no acesso aos serviços de proteção à
academia como nos serviços, e apesar da número de empresas tenha sido pe- saúde. A implantação da Rede Nacional
incorporação de profissionais com for- queno, o uso de variáveis contínuas e a de Saúde do Trabalhador (RENAST), que
mações e experiências distintas, a exem- regressão linear múltipla permitiram um compreende Centros de Referência em
plo da odontologia, psicologia, fonoau- adequado poder estatístico ao estudo, Saúde do Trabalhador (CERESTs) e vá-
diologia e serviço social, dentre outras. como pode ser visto nas diversas asso- rias ações de vigilância à saúde do tra-
Contudo, o diálogo e a construção de ciações estatisticamente significativas. balhador, algumas delas articuladas à
uma intervenção interdisciplinar, ponto Em um contexto de incipiente imple- atenção básica de saúde, sob a responsa-
focal da saúde do trabalhador, ainda está mentação de programas de saúde e se- bilidade do Sistema Único de Saúde
por se concretizar satisfatoriamente. gurança no trabalho, de pouca informação (SUS), poderá ter um papel importante
Cabe destacar que, segundo o modelo sobre a cobertura dos trabalhadores por nesta tarefa. Assim, políticas e progra-
lógico da intervenção, o diagnóstico epi- esses programas e de pequena partici- mas de saúde, profissionais, empregado-
demiológico elaborado pela prestadora é pação das empresas, torna-se necessária a res e trabalhadores poderão agir coor-
ferramenta importante, mas se observa geração de conhecimento sobre a extensão denadamente, modificando o perfil de
que não tem sido utilizado como base e a qualidade das intervenções em saúde carência e a insuficiência das ações de
para a ampliação de práticas de educação do trabalhador no país (26). Esse conheci- proteção à saúde dos trabalhadores, que
coletivas, componente importante para mento não deve se restringir apenas aos continuam sofrendo no exercício dos seus
execução do PCMSO, já que as ações pre- fatores impulsionadores, mas deve focali- direitos.
ventivas coletivas são ainda escassas e zar também o conteúdo dos programas,
ainda mostram uma prática individuali- processos, resultados e impactos alcança-
zada e medicalizada. As associações de dos na perspectiva do aperfeiçoamento
empresas por ramo de atividade podem das políticas e programas nesse campo.
reforçar o compromisso com a sua se-
gurança, definindo-se riscos comuns a se- CONCLUSÕES
rem enfrentados, utilizando estratégias de
grupo para a socialização e a divulgação As conclusões deste estudo devem ser
das informações (5, 11). Tal estratégia po- consideradas com precaução a partir dos
Novos aspectos jurídicos da responsabilidade civil por acidente ou
doença do trabalho

Há muito tempo já se consagrou no meio jurídico a possibilidade de responsabilização civil


do empregador pela ocorrência de acidente ou doença do trabalho, com o conseqüente
pagamento de indenização ao obreiro vitimado pelo infortúnio.

No entanto, as inovações recentes no ordenamento jurídico trouxeram uma nova


perspectiva à matéria, tratando-a de forma inovadora comparativamente ao regramento
anterior.

As principais mudanças havidas sobrevieram com o advento do novo Código Civil (Lei
10.406/2002) e da Emenda Constitucional nº 45 de 2004.

Diante do novo panorama, várias dúvidas subsistem aos aplicadores do Direito, sejam eles
juristas ou não.

Dessa forma, pretendemos aqui, sem a intenção de esgotar o assunto, explicitar a natureza
do tema e examinar os pontos mais polêmicos que ainda existem.
1. Responsabilidade da empresa e da Previdência Social no infortúnio no trabalho -
Distinções

Por primeiro, não se deve confundir a responsabilidade do empregador em indenizar o


obreiro (responsabilidade civil), com a obrigação previdenciária a cargo do Estado
(responsabilidade acidentária-previdenciária), representado aqui pelo Instituto Nacional do
Seguro Social – INSS.

Com efeito, ocorrido o acidente, três hipóteses poderão existir, conforme o caso concreto:
1) ambos (empregador e INSS) estarão obrigados a reparar os danos sofridos pelo
trabalhador, cada qual a sua forma; 2) apenas o INSS terá responsabilidade pelo fato; 3) não
haverá obrigação de qualquer deles. A primeira hipótese será factível quando houver culpa
do empregador. A segunda, quando inexistir negligência patronal. A terceira, quando além
de não haver culpa, também não for devida a prestação de benefício (p.ex.: ato fraudulento
do empregado).

Referidas responsabilidades, portanto, são autônomas e estanques, não havendo influência


ou compensação de quantias pagas. Assim, não é lícito ao empregador abater da
indenização que deve ao empregado pelo infortúnio ocorrido o montante recebido por este
último dos órgãos de Previdência.
Em outras palavras: a indenização por responsabilidade civil a cargo da pessoa jurídica ou
empresa individual é cumulável com o recebimento de benefício(s) previdenciário(s) pagos
ao obreiro.

Nesse sentido a jurisprudência é pacífica:

Superior Tribunal de Justiça

“Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Indenização. Acidente do trabalho. 1.


O Acórdão recorrido está devidamente fundamentado, no sentido de que a culpa no trágico
acidente foi exclusivamente da ora recorrente, estando, também, caracterizados os danos,
inclusive morais, sofridos pela vítima, sendo o valor da pensão fixado com base nos
elementos de prova constantes dos autos. Não há como ultrapassar os fundamentos do
Acórdão sem adentrar o exame de matéria probatória, o que não se admite em sede de
recurso especial. Inevitável a aplicação da Súmula nº 07/STJ. 2. Cabível é a cumulação da
indenização do direito comum com o benefício previdenciário, sendo o pagamento da
indenização devido desde a data do evento danoso. 3. A indenização por dano moral não
exige a ocorrência de dolo no evento danoso. 4. Dissídio jurisprudencial afastado, em face
da incidência da Súmula nº 83/STJ. 5. Agravo regimental improvido.” RELATOR:
MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO FONTE: DJ DATA: 31/05/1999
PG: 00148 ACÓRDÃO: AGA 213226/PR (199800868291) AGRAVO REGIMENTAL
NO AGRAVO DE INSTRUMENTO DATA DA DECISÃO: 20/04/1999 ORGÃO
JULGADOR: - TERCEIRA TURMA
Analisemos, pois, as diferenças entre as responsabilidades respectivas.

A pessoa jurídica ou empresa individual, como veremos melhor a seguir, somente estará
obrigada a reparar o obreiro em relação ao dano derivado de acidente do trabalho se restar
evidenciada sua negligência no cumprimento das disposições de proteção ao trabalho. O
mesmo, entretanto, não ocorre com o a responsabilidade estatal a cargo do INSS, que estará
obrigado à prestação do benefício cabível na espécie, ainda que o acidente não decorra de
culpa de qualquer pessoa, ou mesmo que decorra de culpa exclusiva do trabalhador
segurado.

Em outros termos: a responsabilidade do empregador é de natureza subjetiva (dependente


de prova de culpa), enquanto a responsabilidade do INSS é de natureza objetiva
(independente de prova de culpa).

Além disso, a responsabilidade do empregador abrange a indenização por aquilo que o


trabalhador perdeu com o acidente (dano emergente), bem como por aquilo que deixou de
ganhar (lucro cessante), além de outras verbas (danos morais, estéticos, etc), não havendo
qualquer teto ou limite para seu valor, salvo o montante do dano sofrido.

Já o INSS não presta ao obreiro uma reparação de danos, mas sim um benefício acidentário
(auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez, etc) que não visa à
manutenção do padrão remuneratório percebido pelo trabalhador, mas sim a garantir-lhe
um mínimo para que possa sobreviver dignamente, tendo seu valor limitado a patamares
definidos na legislação.
A indenização devida pela empresa não pressupõe incapacidade do obreiro, mas sim a
comprovação do dano, o que é conceitualmente distinto . Já o pagamento de benefício
previdenciário pressupõe a incapacitação do trabalhador.

Há ainda diferenças de menor monta, como a existência de ações distintas para que o
trabalhador pleiteie seu direito em juízo (ação de indenização contra a empresa e ação
acidentária contra o INSS).

O quadro sinótico a seguir facilitará o entendimento das distinções:

Espécie de responsabilidade pelo infortúnio do trabalho Pressupostos Verbas devidas


Limitação de valor Incapacidade

Responsabilidade civil da pessoa jurídica ou empresa individual Necessita de prova de


culpa (responsabilidade subjetiva) Inclui o que o empregado perdeu (dano emergente) e o
que deixou de ganhar (lucro cessante), além de outras verbas Não há limite para a
indenização, ressalvado o valor do dano ocasionado Não se exige prova de incapacidade,
mas sim prova do dano

Responsabilidade do INSS Não necessita de prova de culpa (responsabilidade objetiva)


Benefícios acidentários (auxílio-doença, auxílio acidente, aposentadoria por invalidez,
pensão por morte) Há limite legal para a o valor do benefício Exige-se prova da
incapacidade
Vejamos um exemplo concreto para que possamos fixar a responsabilidade por
determinado acidente: imaginemos um empregado que após sair de seu local de trabalho na
direção de seu automóvel venha a se acidentar no trânsito, no trajeto do trabalho para sua
casa, daí resultando lesão corporal incapacitante.

Trata-se de claro acidente de trabalho (acidente de trajeto ou in itinere). Responderá por ele
o INSS? E o empregador?

Claramente, o órgão previdenciário (INSS) estará obrigado à prestação de benefícios ou


serviços, uma vez que sua responsabilidade independe da perquirição de culpa. Dessa
forma, ainda que a culpa pelo acidente referido seja atribuível ao trabalhador (culpa
exclusiva da vítima) haverá a obrigação mencionada.

No entanto, o empregador não contribuiu culposamente para o acontecimento mencionado,


uma vez que não influiu mediante negligência, imprudência ou imperícia no resultado
ocorrido. Diante disso, não será responsabilizada pelo evento.

Nesse sentido:

Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo

RESPONSABILIDADE CIVIL - ACIDENTE DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO -


DIREITO COMUM - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA -
DIFERENÇAS - PROVA QUANTO À CULPA - AUSÊNCIA - DESCABIMENTO
As ações de indenização por ato ilícito propostas em face das empregadoras não se
confundem com aquelas propostas em face do INSS; nestas últimas, sendo o réu segurador
obrigatório, basta a comprovação do mal e do nexo; nas primeiras, além do mal e do nexo,
deve ficar sobejamente comprovada a culpa.

Feitas as distinções iniciais, passemos as questões mais polêmicas a respeito do tema.

2. A competência para exame da matéria


Com o advento na Emenda Constitucional 45/2004, reinou alguma controvérsia na
jurisprudência do pretório Excelso quanto à definição da Justiça competente para o
processo e julgamento das ações por responsabilidade civil derivadas de acidentes ou
doenças ocupacionais, discutindo-se então se tocariam à Justiça do Trabalho ou à Justiça
Comum.

Historicamente, a matéria sempre esteve submetida ao crivo da Justiça Comum. Seguindo


essa linha, pouco antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional 45/2004, o Supremo
Tribunal Federal (STF) decidiu a questão, declarando a competência deste último ramo do
Poder Judiciário, conforme decisão que transcrevemos a seguir.

Supremo Tribunal Federal

RE 349160 / BA - BAHIA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Ementa

EMENTA: I. Recurso extraordinário: prequestionamento: Súmula 356. O que, a teor da


Súm. 356, se reputa carente de prequestionamento é o ponto que, indevidamente omitido
pelo acórdão, não foi objeto de embargos de declaração; mas, opostos esses, se, não
obstante, se recusa o Tribunal a suprir a omissão, por entendê-la inexistente, nada mais se
pode exigir da parte, permitindo-se-lhe, de logo, interpor recurso extraordinário sobre a
matéria dos embargos de declaração e não sobre a recusa, no julgamento deles, de
manifestação sobre ela. II. Competência: Justiça comum: ação de indenização fundada em
acidente de trabalho, ainda quando movida contra o empregador. 1. É da jurisprudência do
STF que, em geral, compete à Justiça do Trabalho conhecer de ação indenizatória por danos
decorrentes da relação de emprego, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz
do direito comum e não do Direito do Trabalho. 2. Da regra geral são de excluir-se, porém,
por força do art. 109, I, da Constituição, as ações fundadas em acidente de trabalho, sejam
as movidas contra a autarquia seguradora, sejam as propostas contra o empregador.

Apesar da orientação do STF, vários acórdãos da Justiça do Trabalho haviam se


posicionado em sentido diverso afirmando a competência do Judiciário Trabalhista para
resolver a questão, mantendo intensa controvérsia.

A matéria, entretanto, veio a se pacificar no Supremo Tribunal Federal após certo período
de indecisão, confirmando finalmente o Pretório Excelso que as causas referentes à
responsabilização civil ainda não julgadas serão de competência da Justiça do Trabalho,
enquanto aquelas que já possuírem sentença permanecerão na Justiça Comum.
Essa foi a decisão tomada no CC 7204/MG (*acórdão publicado no DJU de 9.12.2005),
cujo teor de um dos votos transcrevemos a seguir:

Supremo Tribunal Federal

EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO DA


MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS
DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO
EM FACE DE SEU (EX-)EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR
À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM
DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA.

Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo


Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais
decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-
)empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros.

2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu
tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária,
assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado
inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou
na Corte sob a égide das Constituições anteriores.

3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária — haja vista o significativo


número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o
relevante interesse social em causa —, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco
temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que
explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço.

4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde
que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça
comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá
continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo
mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em
que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se
impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do
Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação.

5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve,


em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a
delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de
jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os
jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno
Texto.

6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão


Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível
com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete.

7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal
Superior do Trabalho.

Relatório: Trata-se de conflito negativo de competência, suscitado pelo Tribunal Superior


do Trabalho em face do recentemente extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas
Gerais.
2. Por meio dele, conflito, discute-se a competência para processar e julgar ação
indenizatória por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, quando
tal ação é proposta por empregado contra o seu empregador. Donde a controvérsia:
competente é a Justiça comum estadual, ou a Justiça especializada do trabalho?

3. Pois bem, o fato é que Vicente Giacomini Peron ajuizou, na Justiça do Trabalho e contra
o então Banco do Estado de Minas Gerais/BEMGE, ação de indenização por motivo de
doença profissional. O que levou a Junta de Conciliação e Julgamento de Ubá/MG a se dar
por incompetente e determinar a remessa dos autos a uma das Varas Cíveis daquela mesma
Comarca. Pelo que a Justiça estadual julgou o pedido parcialmente procedente, resultando
daí a interposição de recurso de apelação pelo Banco demandado.

4. Acontece que, ao apreciar o apelatório, o Tribunal de Alçada de Minas Gerais declinou


de sua competência e determinou a devolução dos autos à Junta de Conciliação e
Julgamento de Ubá/MG. Esta última, agora sim, aceitou o processamento da ação e,
também ela, julgou parcialmente procedente o pedido do autor. Fato que ensejou a
interposição de recurso ordinário — apenas parcialmente provido pelo TRT/3ª Região — e,
posteriormente, recurso de revista.

5. Foi quando, na análise desta última impugnação, a 5a Turma do egrégio Tribunal


Superior do Trabalho reconheceu a incompetência da Justiça especial, de maneira a suscitar
o presente conflito negativo de competência (tendo em vista a recusa anteriormente
externada pelo Tribunal de Alçada de Minas Gerais).

6. Prossigo neste relato para consignar que o Ministério Público Federal opinou pela
procedência da suscitação, em parecer assim ementado:

“CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. QUINTA TURMA DO TST E


TRIBUNAL DE ALÇADA DE MINAS GERAIS. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR
DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO.
ART. 109, INCISO I, DA CF, E ART. 114, DA CF, COM A NOVA REDAÇÃO DADA
PELA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. REMANESCE A COMPETÊNCIA
DA JUSTIÇA ESTADUAL PARA JULGAR AÇÃO INDENIZATÓRIA FUNDADA EM
ACIDENTE DE TRABALHO. PRECEDENTES. PARECER PELO CONHECIMENTO
DO CONFLITO, PARA QUE SE DECLARE COMPETENTE A JUSTIÇA COMUM
ESTADUAL”.

7. É o relatório, que submeto ao egrégio Plenário desta Casa (RI/STF, art. 6º, inciso I, “d”).

Voto: Conforme visto, a questão que se põe neste conflito consiste em saber a quem
compete processar e julgar as ações de reparação de danos morais e patrimoniais advindos
do acidente do trabalho. Ações propostas pelo empregado em face de seu empregador, de
sorte a provocar o seguinte questionamento: a competência é da Justiça comum estadual,
segundo concluiu o órgão suscitante (TST), ou é da Justiça Obreira, como entendeu o
suscitado (antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais)?

9. Começo por responder que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal proclama a


competência da Justiça trabalhista para o conhecimento das ações indenizatórias por danos
morais decorrentes da relação de emprego. Pouco importando se a controvérsia comporta
resolução à luz do Direito Comum, e não do Direito do Trabalho. Todavia, desse
entendimento o STF vem excluindo as ações reparadoras de danos morais, fundadas em
acidente do trabalho (ainda que movidas pelo empregado contra seu empregador), para
incluí-las na competência da Justiça comum dos Estados. Isso por conta do inciso I do art.
109 da Constituição Republicana. Foi o que o Tribunal Pleno decidiu, por maioria de votos,
quando do julgamento do RE 438.639, sessão do dia 09/03/2005, na qual fiquei vencido,
como Relator, na companhia do eminente Ministro Marco Aurélio.

10. Nada obstante, valendo-me do art. 6º do Regimento Interno da Casa, trago o presente
conflito ao conhecimento deste colendo Plenário para rediscutir a matéria. É que, a meu
sentir, a norma que se colhe do inciso I do art. 109 da Lei das Leis não autoriza concluir
que a Justiça comum estadual detém competência para apreciar as ações que o empregado
propõe contra o seu empregador, pleiteando reparação por danos morais ou patrimoniais
decorrentes de acidente do trabalho. É dizer: quanto mais reflito sobre a questão, mais me
convenço de que a primeira parte do dispositivo constitucional determina mesmo que
compete aos juízes federais processar e julgar “as causas em que a União, entidade
autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés,
assistentes ou oponentes...”. Mas esta é apenas a regra geral, plasmada segundo o critério
de distribuição de competência em razão da pessoa. Impõe-se atentar para a segunda parte
do inciso, assim vocalizada: “...exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas
à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho”. E esta segunda parte, como exceção que é, deve
ser compreendida no contexto significante daquela primeira, consubstanciadora de regra
geral. Em discurso quiçá mais elucidativo: à luz da segunda parte do inciso I do art. 109 da
Constituição Federal, tem-se que as causas de acidente do trabalho em que a União,
entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas, na condição de autora,
ré, assistente ou oponente, não são da competência dos juízes federais.

11. Remarque-se, então, que as causas de acidente do trabalho, excepcionalmente excluídas


da competência dos juízes federais, só podem ser as chamadas ações acidentárias. Ações,
como sabido, movidas pelo segurado contra o INSS, a fim de discutir questão atinente a
benefício previdenciário. Logo, feitos em que se faz presente interesse de uma autarquia
federal, é certo, mas que, por exceção, se deslocam para a competência da Justiça comum
dos Estados. Por que não repetir? Tais ações, expressamente excluídas da competência dos
juízes federais, passam a caber à Justiça comum dos Estados, segundo o critério residual de
distribuição de competência. Tudo conforme serena jurisprudência desta nossa Corte de
Justiça, cristalizada no enunciado da Súmula 501.

12. Outra, porém, é a hipótese das ações reparadoras de danos oriundos de acidente do
trabalho, quando ajuizadas pelo empregado contra o seu empregador. Não contra o INSS. É
que, agora, não há interesse da União, nem de entidade autárquica ou de empresa pública
federal, a menos, claro, que uma delas esteja na condição de empregadora. O interesse,
reitere-se, apenas diz respeito ao empregado e seu empregador. Sendo desses dois únicos
protagonistas a legitimidade processual para figurar nos pólos ativo e passivo da ação,
respectivamente. Razão bastante para se perceber que a regra geral veiculada pela primeira
parte do inciso I do art. 109 da Lei Maior — definidora de competência em razão da pessoa
que integre a lide — não tem como ser erigida a norma de incidência, visto que ela não
trata de relação jurídica entre empregados e empregadores. Já a parte final do inciso I do
art. 109 da Magna Carta, segundo demonstrado, cuida é de outra coisa: excepcionar as
hipóteses em que a competência seria da própria Justiça Federal.

13. Deveras, se a vontade objetiva do Magno Texto fosse excluir da competência da Justiça
do Trabalho matéria ontologicamente afeita a ela, Justiça Obreira, certamente que o faria no
próprio âmbito do art. 114. Jamais no contexto do art. 109, versante, este último, sobre
competência de uma outra categoria de juízes.

14. Noutro modo de dizer as coisas, não se encaixando em nenhuma das duas partes do
inciso I do art. 109 as ações reparadoras de danos resultantes de acidente do trabalho, em
que locus da Constituição elas encontrariam sua específica norma de regência? Justamente
no art. 114, que proclama a competência da Justiça especial aqui tantas vezes encarecida.
Competência que de pronto se define pelo exclusivo fato de o litígio eclodir entre
trabalhadores e empregadores, como figura logo no início do texto normativo em foco. E já
me antecipando, ajuízo que a nova redação que a EC nº 45/04 conferiu a esse dispositivo,
para abrir significativamente o leque das competências da Justiça Laboral em razão da
matéria, só veio robustecer o entendimento aqui esposado.

15. Com efeito, estabelecia o caput do art. 114, em sua redação anterior, que era da Justiça
do Trabalho a competência para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre
trabalhadores e empregadores, além de outras controvérsias decorrentes da relação de
trabalho. Ora, um acidente de trabalho é fato ínsito à interação trabalhador/empregador. A
causa e seu efeito. Porque sem o vínculo trabalhista o infortúnio não se configuraria; ou
seja, o acidente só é acidente de trabalho se ocorre no próprio âmago da relação laboral. A
possibilitar a deflagração de efeitos morais e patrimoniais imputáveis à responsabilidade do
empregador, em regra, ora por conduta comissiva, ora por comportamento omissivo.

16. Como de fácil percepção, para se aferir os próprios elementos do ilícito, sobretudo a
culpa e o nexo causal, é imprescindível que se esteja mais próximo do dia-a-dia da
complexa realidade laboral. Aspecto em que avulta a especialização mesma de que se
revestem os órgãos judicantes de índole trabalhista. É como dizer: órgãos que se debruçam
cotidianamente sobre os fatos atinentes à relação de emprego (muitas vezes quanto à
própria existência dela) e que por isso mesmo detêm melhores condições para apreciar toda
a trama dos delicados aspectos objetivos e subjetivos que permeiam a relação de emprego.
Daí o conteúdo semântico da Súmula 736, deste Excelso Pretório, assim didaticamente
legendada: “Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de
pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos
trabalhadores”.

17. Em resumo, a relação de trabalho é a invariável matriz das controvérsias que se


instauram entre trabalhadores e empregadores. Já a matéria genuinamente acidentária,
voltada para o benefício previdenciário correspondente, é de ser discutida com o INSS,
perante a Justiça comum dos Estados, por aplicação da norma residual que se extrai do
inciso I do art. 109 da Carta de Outubro.

18. Nesse rumo de idéias, renove-se a proposição de que a nova redação do art. 114 da Lex
Maxima só veio aclarar, expletivamente, a interpretação aqui perfilhada. Pois a Justiça do
Trabalho, que já era competente para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos
entre trabalhadores e empregadores, além de outras controvérsias decorrentes da relação
trabalhista, agora é confirmativamente competente para processar e julgar as ações de
indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho (inciso VI
do art. 114).

19. Acresce que a norma fundamental do inciso IV do art. 1o da Constituição Republicana


ganha especificação trabalhista em vários dispositivos do art. 7o, como o que prevê a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança
(inciso XXII), e o que impõe a obrigação do seguro contra acidente do trabalho, sem
prejuízo, note-se, da indenização por motivo de conduta dolosa ou culposa do empregador
(inciso XXVIII). Vale dizer, o direito à indenização em caso de acidente de trabalho,
quando o empregador incorrer em dolo ou culpa, vem enumerado no art. 7o da Lei Maior
como autêntico direito trabalhista. E como todo direito trabalhista, é de ser tutelado pela
Justiça especial, até porque desfrutável às custas do empregador (nos expressos dizeres da
Constituição).

20. Tudo comprova, portanto, que a longa enunciação dos direitos trabalhistas veiculados
pelo art. 7o da Constituição parte de um pressuposto lógico: a hipossuficiência do
trabalhador perante seu empregador. A exigir, assim, interpretação extensiva ou ampliativa,
de sorte a autorizar o juízo de que, ante duas defensáveis exegeses do texto constitucional
(art. 114, como penso, ou art. 109, I, como tem entendido esta Casa), deve-se optar pela que
prestigia a competência especializada da Justiça do Trabalho.

21. Por todo o exposto, e forte no art. 114 da Lei Maior (redações anterior e posterior à EC
45/04), concluo que não se pode excluir da competência da Justiça Laboral as ações de
reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho, propostas
pelo empregado contra o empregador. Menos ainda para incluí-las na competência da
Justiça comum estadual, com base no art. 109, inciso I, da Carta de Outubro.

22. No caso, pois, julgo improcedente este conflito de competência e determino o retorno
dos autos ao egrégio Tribunal Superior do Trabalho, para que proceda ao julgamento do
recurso de revista manejado pelo empregador.

É o meu voto.
Essa linha, aliás, já vinha sendo adotada pelo STF quando da elaboração da Súmula 736,
publicada no DJ de 09/12/2003, com o seguinte texto: “Compete à Justiça do Trabalho
julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas
relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”, que dizia respeito particularmente
ao ajuizamento de ações civis públicas para obrigar os empregadores ao cumprimento de
normas de segurança e saúde ocupacional.

O Superior Tribunal de Justiça acabou também por acolher o entendimento supracitado,


afirmando competir à Justiça do Trabalho processar e julgar ações de indenização por dano
moral decorrentes de acidente de trabalho, desde que ainda não prolatada sentença na
Justiça comum (art. 114 da CF/1988 com nova redação a partir da EC n. 45/2004) no
julgamento do AgRg no CC 53.744-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/11/2005.

Diante disso, podemos dizer que a competência para julgamento das ações de
responsabilidade civil movidas pelo empregado em face do empregador tendo como causa
de pedir a ocorrência de acidente ou doença do trabalho está praticamente pacificada.
Restará à Justiça do Trabalho formar novos entendimentos sobre a matéria (ou acompanhar
aqueles anteriormente fixados pela Justiça Estadual).

3. Responsabilidade civil. É ainda necessária a existência de culpa do empregador?


A responsabilidade civil se consubstancia na obrigação de reparar o dano, por todo aquele
que, por ação ou omissão voluntária, imprudência, negligência ou imperícia, violar direito
ou causar prejuízo a outrem.

Doutrinariamente, até sob o ponto de vista histórico e ressalvadas algumas exceções


pontuais, sempre se reconheceu no ordenamento jurídico pátrio que seria necessária à
responsabilização civil em geral a presença dos seguintes pressupostos:

1. Ação ou omissão do empregador ou responsável técnico;

2. Existência de dolo (intenção) ou culpa (não observância de um dever de cuidado imposto


em norma) na ação ou omissão supracitadas;

3. Resultado lesivo ao empregado (dano);

4. Nexo de causalidade entre a ação ou omissão do empregador ou responsável técnico e o


resultado lesivo ocorrido;

Porém, o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002) inovou a matéria,
suscitando dúvidas sobre a necessidade da culpa para a indenização em matéria de
infortúnio do trabalho, havendo alguns intérpretes favoráveis à adoção da responsabilidade
objetiva (sem culpa) para tais casos.
A polêmica foi inaugurada com a redação de referido diploma legal, que em seu art. 927 e
parágrafo único, dispõe:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos


casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do
dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Nos termos do dispositivo supracitado, considerando que a atividade empresarial causa


riscos ao empregado, argumentam alguns que a responsabilidade no caso seria objetiva
(independente de culpa), ou mesmo que haveria uma presunção de culpa do empregador no
infortúnio, consubstanciando uma inversão do ônus probatório.

É o caso do ilustre doutrinador Sebastião Geraldo de Oliveira, em recente obra, na qual,


visualizando as futuras tendências da questão ora abordada e citando a doutrina anterior,
argumenta: “[...] Conforme se depreende do exposto, entendemos perfeitamente aplicável a
teoria do risco na reparação civil por acidente do trabalho [...] Se um autônomo ou um
empreiteiro sofrer acidente, o tomador dos serviços responde pela indenização,
independente da culpa, com apoio na teoria do risco; no entanto, o trabalhador permanente,
com os devidos registros formalizados, não tem assegurada essa reparação! Se um bem ou
equipamento de terceiros for danificado pela atividade empresarial, haverá indenização,
considerando os pressupostos da responsabilidade objetiva, mas o trabalhador, exatamente
aquele que executa a atividade, ficará excluído[...]”.

Muito embora enalteçamos o ilustre doutrinador, ousamos divergir de referido


posicionamento.

Primordialmente, há aqui uma questão relativa à hierarquia das normas, uma vez que o art.
7o, XXVIII, da Constituição, preceitua serem direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a


indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; (grifos nossos).

Assim, entendemos que se a Constituição da República exige a existência de culpa para a


responsabilização, não poderá a legislação ordinária dispensá-la, pena de se tornar
inconstitucional.

Ao depois, não concordamos que a teoria do risco venha a se aplicar a autônomos ou a


empreiteiros, pois será também exigível em tais casos, por similaridade de circunstâncias, a
existência de culpa para fundamentar a responsabilização.

Por fim, entendemos que a mera ocorrência de risco na atividade não é suficiente e nem
constitui o princípio basilar por trás da responsabilização objetiva.
Como ressalta Fábio Ulhoa Coelho, o fundamento primeiro da existência da
responsabilização sem culpa (responsabilidade objetiva) não é meramente a existência de
risco ou a vontade de praticar determinada atividade à qual o risco seja inerente, mas sim a
possibilidade de que o custo de determinada atividade venha a ser repassado à sociedade
como um todo.

Segundo este último, ”A doutrina costuma apontar o risco, inerente ao exercício de


determina atividade, como o fundamento da responsabilidade objetiva (Savatier, 1945;
Lima, 1960; Dias, 1979: passim). O fabricante de fármacos assume forçosamente um risco,
inerente à exploração de qualquer atividade econômica, que é o de produzir e comercializar
algumas unidades com defeitos. Pois bem, seria tal risco o fundamento valorativo para as
normas jurídicas estabelecedoras da responsabilidade objetiva: da opção de o assumir
decorreria, segundo tal formulação, a justeza da imputação do dever de indenizar. No final,
não se livram os partidários dessa doutrina de algum apego à noção clássica da vontade do
devedor como fonte da obrigação. De fato, ao se tomar o risco de determinada atividade por
fundamento da responsabilidade objetiva, considera-se o demandado responsável pelo
dano, em última análise, em razão de ter ele querido dedicar-se à atividade [...] Não é esse,
contudo, o melhor enfoque a ser emprestado à matéria. Na verdade, o fundamento
axiológico e racional para a responsabilidade objetiva não são propriamente os riscos da
atividade, mas a possibilidade de se absorverem as repercussões econômicas ligadas ao
evento danoso, por meio da distribuição do correspondente custo entre as pessoas expostas
ao mesmo dano ou, de algum modo, beneficiárias do evento. É o mecanismo da
socialização da das repercussões econômicas do dano, que torna justa a imputação da
responsabilidade aos agentes em condições de o acionar. Note-se que o Estado pode
responder objetivamente pelos danos causados por seus funcionários, porque tem meios
para distribuir entre os contribuintes – mediante criação e cobrança de tributos – os
encargos derivados de sua responsabilização. Por outro lado, o fornecedor pode ter
responsabilidade objetiva por acidentes de consumo, na medida em que consegue incluir na
composição de seus preços um elemento de custo correspondente às indenizações por
aqueles acidentes[...]”
Verifica-se, porém, que, para o Direito do Trabalho o conceito de empregador abrange não
só aquele que exerce a atividade empresarial, mas também aqueles que se equiparam a
empregador (art. 2º, §1º, da CLT), sendo enquadrados nesta última categoria os
profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras
instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

A situação econômica e financeira dessas últimas categorias é muito diferente daquela


inerente aos empregadores praticantes de atividade empresarial em sentido estrito.

Poderá, por exemplo, o profissional liberal, acionado por seu empregado em virtude de uma
doença do trabalho adquirida no ambiente laboral e sendo obrigado a repará-lo (embora não
tenha a ele dado causa culposamente), repassar tais custos à coletividade?

Sabe-se bem que dificilmente se conseguirá essa proeza. Se até mesmo as grandes empresas
nos dias de hoje têm enormes dificuldades em repassar seus custos aos preços diante de
condições maiores ou menores de elasticidade de demanda, mais ainda terão as instituições
sem fins lucrativos, as associações e os profissionais liberais.

Ademais, dizer que a responsabilidade da pessoa jurídica ou empresa individual é objetiva,


independendo da prova de culpa, além de afrontar diretamente o texto constitucional, torna
a empresa obrigada a reparar eventos infortunísticos em que facilmente se constata a
injustiça da responsabilização. Basta para tanto verificarmos três tipos de infortúnios do
trabalho que ocorrem com razoável freqüência na prática, sem qualquer concurso culposo
do empregador:
&#61607; Acidente de trajeto ou in itinere: como vimos anteriormente, o acidente ocorrido
com o empregado quando no trajeto casa-trabalho, trabalho-casa é conceituado como
acidente do trabalho pela Lei 8.213/91, fato este que ocorre em regra sem qualquer
intervenção do empregador. Não obstante, caso aplicada a teoria da responsabilidade civil
objetiva, a empresa estará obrigada a indenizar o empregado ou a família deste por fato
ocorrido sem sua intervenção culposa (mas sim por culpa de terceiro ou do próprio
empregado, p.ex.: abuso de velocidade, embriaguez, etc). Será justo responsabilizar o
empregador por tal fato, fazendo-o desembolsar quantias que podem superar vultosa
quantia?

&#61607; Hipersuscetibilidade individual do empregado: há casos práticos de empregados


que são hipersuscetíveis a determinados agentes existentes no ambiente de trabalho, ou
mesmo a materiais que não representam risco algum. Verifique-se, por exemplo, o caso de
empregado que adquire dermatose ocupacional de natureza alérgica pelo uso de
equipamentos de proteção individual (luvas, máscara ou bota), ou mesmo daquele
empregado que por sua excepcional suscetibilidade vem a contrair perda auditiva, mesmo
em ambiente de trabalho cujos níveis de ruído foram mantidos abaixo do nível de ação
(metade da dose - norma NR-9). Seria justo que o empregador respondesse pela
hipersuscetibilidade do empregado? Cremos que não

&#61607; Culpa exclusiva do empregado no acidente: Suponhamos o caso do empregado


que, mesmo treinado e advertido pelo empregador, vem a retirar as proteções de uma
determinada máquina para dar-lhe maior produtividade, vindo posteriormente a se acidentar
em referido equipamento. E nem se argumente que a culpa exclusiva exclui o nexo causal,
como querem alguns doutrinadores, pois que em tal caso é indiscutível a presença de tal
vínculo com o trabalho, tanto assim que é indubitável a obrigação de reparar o infortúnio a
cargo do INSS (cuja responsabilização é de natureza objetiva) pelo pagamento de benefício
acidentário em caso de culpa exclusiva da vítima. Seria justo responsabilizar o empregador
pelo fato? Mais uma vez entendemos pela negativa

Daí porque concordamos com RUI STOCO no que preceitua: “Há intérpretes que
visualizaram, a partir da vigência do Código Civil de 2002, a possibilidade de os acidentes
do trabalho serem enquadrados como intercorrências que ensejam responsabilidade objetiva
ou independente de culpa do empregador, com supedâneo no referido art. 927, parágrafo
único, quando o empregador exerça atividade perigosa ou que exponha a riscos, como, por
exemplo, Henrique Gomes Batista (Código Civil altera indenizações. Valor Econômico –
Caderno de Legislação, 19.02.2002). Não vemos essa possibilidade, pois a responsabilidade
civil, nas hipóteses de acidente do trabalho com suporte na culpa (lato sensu) do patrão está
expressamente prevista na Constituição Federal”.

Argumentam ainda alguns que a responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva (art. 14,
§1º, da Lei 6.938/81) e que assim também deveria ser o regime de responsabilização pelos
acidentes e doenças do trabalho.

Também não chegam a convencer os argumentos citados. Com efeito, quando a legislação
impõe a responsabilidade objetiva do poluidor ambiental está visando prioritariamente
àquele que exerce atividade industrial em larga escala e cuja atividade prejudica a
coletividade como um todo (p.ex.: atividades extrativas, mineração, etc). Tem ele, em
regra, a estruturação empresarial e poderá repassar seus riscos ao consumidor por
intermédio de seus preços.
Não ocorre a mesma situação com os acidentes e doenças do trabalho, que, além de não
ocorrerem somente em atividades de maior porte, são individualizados por trabalhador ou
pequenos grupos de trabalhadores, não afetando a coletividade como um todo, salvo se
considerarmos os efeitos indiretos de tais eventos.

Assim sendo, para que haja responsabilidade civil do empregador é preciso que este, por si
ou por intermédio de seus representantes, atue ou se omita dolosa (intencionalmente) ou
culposamente (sem intenção, mas deixando de observar, por negligência, imprudência ou
imperícia, um dever de cuidado imposto em norma).

Caso inexistam tais pressupostos (dolo ou culpa), nem por isso o infortúnio restará não de
alguma forma reparado, pois que ficará a cargo dos órgãos estatais previdenciários a
prestação de benefícios ao obreiro. No entanto, não haverá indenização a ser paga por parte
do empregador.

Cabe salientar, por fim, que a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho de São
Paulo, após o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, parece se manter firme na
linha ora defendida, qual seja, a necessidade, mesmo após a superveniência do Código
Civil, da existência de culpa do empregador, para a existência da responsabilidade civil por
acidente ou doença do trabalho.

Nesse sentido:

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região


DOENÇA PROFISSIONAL - Indenização por danos materiais e morais - Requisitos:
prática de ato ilícito (por ação ou omissão, decorrente de dolo ou culpa), verificação de
prejuízo e nexo causal entre ação e dano - Trata-se de responsabilidade subjetiva do
empregador, dependente de aferição de culpa ou dolo - A responsabilidade objetiva
restringe-se ao órgão previdenciário, cuja obrigação nasce da mera constatação do
infortúnio. TRT/SP - 01187200204802008 - RO - Ac. 7ªT 20050595177 - Rel. CATIA
LUNGOV - DOE 09/09/2005

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

RECURSO ORDINÁRIO - 78 VT de São Paulo

RECORRENTE: CARLOS ROBERTO OLIVEIRA

RECORRIDO: INSTITUTO CRIANÇA CIDADÃ

EMENTA

A indenização por acidente do trabalho só é devida na hipótese de culpa do empregador,


nos termos do art. 186 e 927 do Código Civil.
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

Danos materiais e morais. Redução da capacidade auditiva. Culpa da empresa não


evidenciada. Nexo causal não estabelecido. Pedido improcedente. Prova documental e
testemunhal que revela ter a empresa observado, com rigor, as normas de medicina e
segurança do trabalho, especialmente quanto ao fornecimento e fiscalização do uso do
protetor auricular. Hipótese em que o próprio autor foi integrante da CIPA, durante dois
anos. Prova (confissão) a indicar que o autor exerceu, antes, atividade que o expunha a
níveis excessivos de ruído, sem proteção. Exames médicos que já indicavam trauma
acústico no período inicial do contrato de trabalho. Circunstâncias que, somadas, afastam a
idéia de culpa do empregador e o próprio nexo etiológico. Pedido improcedente.

Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região

RELATOR: EDIVALDO DE JESUS TEIXEIRA

REVISOR(A): RILMA APARECIDA HEMETÉRIO


EMENTA

DANO MATERIAL E MORAL DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO.


NECESSIDADE DE PROVA DA CULPA DO EMPREGADOR. A culpa, nessa hipótese,
não se presume. Necessária a existência de prova apta a demonstrar que o empregador, por
omissão voluntária, negligência ou imprudência, tenha dado causa à eclosão do acidente de
trabalho (artigos 7º, XXVIII, CF, 159, CC/1916, 186 e 927 CC/2002). Veja-se que a norma
regente relaciona a responsabilidade do agente à prática de ato ilícito, ou seja, contrário à
ordem jurídica vigente. Como destaca Caio Mario "a iliceidade da conduta está no
procedimento contrário a um dever preexistente". O ato ilícito, segundo a doutrina, pode ser
comissivo ou omissivo. O primeiro, se materializa quando o agente orienta sua ação num
sentido contraveniente à lei; o segundo eclode quando o agente se abstém de atuar e, com
sua inércia, viola um direito predeterminado. Inexistente prova de que a empresa tenha
agido em desconformidade com o ordenamento jurídico, evidente a inexistência do dever
de indenizar.

4. Conclusões

1. Diferem as responsabilidades do empregador e do órgão previdenciário estatal (INSS) na


ocorrência de infortúnios laborais. Ao primeiro, caberá a indenização do obreiro em caso de
procedimento negligente patronal. Ao segundo, incumbirá, independentemente da prova de
culpa, a prestação do benefício cabível na espécie;
2. Pacificou-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a competência da Justiça do
Trabalho para o processo e julgamento das ações envolvendo responsabilidade civil de
empregador decorrente de acidente do trabalho ou doença ocupacional;

3. Com o advento do novo Código Civil (Lei 10.406/2002) alguns doutrinadores entendem
que a responsabilidade do empregador por acidentes ou doenças do trabalho passou a ser
objetiva (sem a exigência de prova de culpa), posição com a qual não concordamos pelos
seguintes motivos: 1) diante da redação do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal,
subsiste a necessidade de culpa; 2) em face da impossibilidade de distribuição das perdas à
coletividade de todos os empregadores sujeitos a tal regime; 3) referida disciplina poderá
levar a sérias injustiças nos casos concretos.
A segurança do trabalho na geração de valor no serviço público

Resumo:
Este trabalho analisa a gestão da segurança do trabalho na administração municipal e suas
contribuições para o resgate do valor do serviço público. Analisa um município com carreira
pública e busca identificar o campo de ação da gestão da segurança do trabalho, seus fatores
de influência e sugerir alternativas para o fortalecimento, especialmente nas pequenas e
médias cidades onde a gestão pública ainda se ressente de práticas mais consolidadas. Através
da apresentação da experiência de Pouso Alegre – MG, é demonstrado que apesar da gestão
municipal conhecer as necessidades e obrigações em termos da segurança do trabalho,
encontra aspectos limitantes em sua aplicação como as restrições de recursos para o
reconhecimento das áreas de risco, a inexistência de equipamentos e ambiente adequado para
a implementação de políticas de segurança e sua legislação, bem como as particularidades da
legislação para as carreiras públicas que não estão sujeitas à Consolidação das Leis do
Trabalho. O trabalho conclui que a administração municipal pode ampliar o aproveitamento
da política de segurança enquanto instrumento para o resgate do valor do serviço público,
mesmo convivendo com o atual contexto de restrição de recursos.
Palavras-chave: processos, segurança, serviço público.

1. Introdução
Os sistemas gerenciais para a melhoria do desempenho vêm sendo cada vez mais adotados
nas organizações privadas, públicas e não lucrativas. Os sistemas de gestão pela qualidade,
gestão ambiental e gestão da segurança e medicina no trabalho muitas vezes são tratados de
maneira integrada nas organizações privadas, uma vez que lidam com o envolvimento dos
funcionários e pressupõem dimensões de melhorias, muitas vezes entrelaçadas.
A gestão pública ampliou, nos últimos anos, a implementação de sistemas de qualidade, sendo
que, na década passada, foram criados diversos programas abrangentes, como o da Qualidade
e Produtividade no Setor Público promovido pelo Governo Federal e os programas estaduais,
como no caso de São Paulo. A gestão ambiental passou por um processo de expansão similar,
sendo que as organizações públicas que envolvem riscos ao meio ambiente já adotam medidas
preventivas, em atendimento à legislação que lhes regulamenta. A gestão da segurança no
trabalho, por sua vez, encontrava limites de aplicabilidade na administração pública sendo que
um dos impedimentos para tal estava no fato de sua legislação estar relacionada à
Consolidação das Leis do Trabalho. Esta situação alterou-se e, no início desse século, diversas
organizações públicas estruturaram seus sistemas de gestão da segurança e medicina no
trabalho.
Este movimento observado na administração pública, entretanto, deve ser compreendido não
como uma série de iniciativas para atendimento às legislações; mas sim como oportunidades
para a melhoria do desempenho e da gestão. O contexto de Reforma do Estado, preconizado
pela Administração Gerencial e promovida no governo Fernando Henrique Cardoso, trouxe
para a administração pública novos desafios que, em termos da gestão de pessoas, mantém-se
atuais, já que estão associados com questões mais abrangentes determinadas historicamente
pelas relações entre Estado, administração pública e sociedade.
Mesmo encontrando limites para a implementação dos sistemas gerenciais, passaram a ser
encontrados nas diferentes esferas de governo, esforços direcionados ao desenvolvimento das
habilidades gerenciais de seus funcionários, ao estabelecimento do foco no cliente/cidadão, à
implementação de programas de qualidade de vida no trabalho, ao estabelecimento de
remuneração variável, à gestão da cultura organizacional, entre outros. Associados com outros
elementos em um contexto de desvalorização do servidor público e de imposição de restrições
à estabilidade, esses esforços tornam-se relevantes para a geração de valor no serviço público,
qual seja, as respostas e compromissos dos funcionários para com a sociedade.
Entretanto, as inúmeras dificuldades e restrições financeiras que sofrem as administrações
públicas acabam por restringir o espaço para propagação e a oportunidade de
impulsionamento dos resultados obtidos com a implementação dos sistemas gerenciais. Neste
sentido, faz-se necessária uma releitura de tais processos, de maneira a ampliar a compreensão
sobre o seu alcance. O objetivo deste trabalho é explorar os aspectos colaborativos da
segurança no trabalho para o fortalecimento da geração de valor à sociedade pelo serviço
público, na administração de pequenos e médios municípios.
2. O sistema de segurança no trabalho nas Prefeituras Municipais
Neste trabalho entende-se por segurança do trabalho o conjunto de serviços especializados
que tem por “finalidade promover a saúde e proteger a integridade do trabalhador no local de
trabalho” (NR3, regulamentada pela Portaria 3.214 de 8/6/78). De acordo com SALIBA
(1998, p. 11-12), a segurança do trabalho orienta-se para a identificação e reconhecimento do
risco ambiental no local de trabalho e o seu controle, com o objetivo de restringir as doenças e
acidentes que tenham implicações para a saúde e bem estar dos trabalhadores.
No formato em que está estruturado o Sistema Institucional para a implementação da
segurança e saúde do trabalho no Brasil, cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego a
coordenação, orientação, controle e supervisão das atividades relacionadas com a segurança e
medicina do trabalho, sendo que a execução das atividades e a fiscalização cabem às
Delegacias Regionais do Trabalho - DRT. De forma diferente de outras áreas de intervenção
governamental, como o meio ambiente, este sistema não estabelece papéis claros para a
atuação de estados federados e municípios, prevendo apenas a possibilidade de delegação de
competências da DRT, através de convênios. Apesar disto, a legislação prevê que normas
específicas de âmbito estadual ou municipal também devem ser respeitadas por empregadores
e empregados.
O fato do sistema normativo referente à segurança do trabalho estar atrelado às relações de
trabalho regulamentadas pela CLT, constitui um fator restritivo para sua ampla aplicação, pois
os regimes de trabalho diferenciados, como os estatutários, não estão sob sua égide, a não ser
quando há leis específicas para tanto. Esta observação traz conseqüências não apenas para a
administração pública, mas também para o contexto das relações produtivas onde a questão da
empregabilidade tem como um de seus pilares o rompimento do regime celetista para a
adoção de novas formas de relacionamento, como a terceirização, o cooperativismo, o
trabalho informal, entre outros.
Na análise das Prefeituras Municipais de médio e pequeno porte, pode-se reconhecer alguns
espaços de aplicação das normas de segurança do trabalho, sendo as principais fontes de risco:
a) na educação: as escolas com seus serviços de preparação de alimentos e limpeza, com
riscos de acidentes pessoais;
b) na saúde: postos de saúde, pronto socorro e eventualmente, hospitais, onde podem ocorrer
riscos físicos, biológicos e químicos;
c) no transporte: a frota municipal e o terminal rodoviário, onde se pode encontrar riscos de
atropelamento e ruído, por exemplo;
d) no meio ambiente: a coleta de lixo e aterro sanitário, onde há riscos de acidentes pessoais
e contaminação;
e) na infra-estrutura: obras nas áreas de saneamento e transportes trazem riscos na operação
de máquinas e equipamentos e contato com materiais contaminados;
f) na manutenção: encontram-se riscos de contaminação, incêndio e explosão e acidentes
pessoais;
g) na gestão municipal: riscos decorrentes da não aplicação dos requisitos de ergonomia e
acidentes pessoais, principalmente.
Os limites orçamentários dos municípios, entretanto, fazem com que as prefeituras definam
como prioritárias as áreas de maior impacto para sua população, não estando entre elas a
segurança do trabalho. Apesar disto, deve-se observar que as prefeituras podem obter
melhorias significativas a partir do sistema de segurança do trabalho: redução de doenças
como as ortomusculares referentes ao trabalho – DORT (conhecida como LER – lesão por
esforços repetitivos), as respiratórias, a fadiga e o stress; maior valorização e motivação dos
funcionários; educação e orientação das pessoas quanto à saúde, higiene e relacionamento no
trabalho; e, identificação de possíveis riscos ocupacionais que podem ter impacto negativo no
meio ambiente do município.
A oportunidade de implementar a segurança do trabalho pode gerar economias significativas
nas despesas com pessoal nas Prefeituras e, principalmente, podem trazer avanços
substantivos na relação de trabalho com os servidores e, conseqüentemente, na interação entre
estes e os cidadãos.
3. O resgate do valor do serviço público
MINTZBERG (1998) identifica cinco modelos de gerenciamento governamental, cabendo
citar entre eles, o modelo “máquina” caracterizado pelo controle que conserva características
burocráticas; o modelo do controle de desempenho onde a mensuração e os resultados
prevalecem e que se relaciona com a administração gerencial; e, o modelo de controle
normativo que se estabelece sobre a dedicação, seleção, socialização e julgamento na relação
entre sociedade e servidor público.
Apesar da administração pública brasileira manter fortes características burocráticas
formatadas historicamente, nas duas últimas décadas, a organização do trabalho, as novas
tecnologias da informação e comunicação e as relações de trabalho passaram por
transformações, obrigando o funcionalismo a conviver com novos modelos gerenciais,
exigências de produtividade e requisitos de competências. O olhar sobre a administração
pública atualmente assemelha-se a um caleidoscópio: organizações convivendo com alta
tecnologia com trabalhadores do conhecimento em meio a outros órgãos com alto grau de
precariedade instrumental e servidores com baixo grau de comprometimento e competências.
Ao pesquisar sobre os padrões de comprometimento com a profissão e com a organização,
BASTOS (2000) identificou que nas organizações públicas é mais presente o padrão de duplo
descomprometimento, seguido do comprometimento com a profissão e, por último, o
comprometimento com a organização.
Em trabalho realizado sobre as causas de corrupção entre o funcionalismo na Etiópia, BARR,
LINDELOW e SERNEELS (2004) identificam três motivos que recebem maior atenção na
literatura sobre o tema: baixa remuneração, ambiente institucional e motivação pessoal,
interna e intrínseca, embora a pesquisa não tenha confirmado a relação deste último fator com
o tema em análise. Ao elaborar o problema de análise, os autores apoiados nessas três causas,
refletem sobre a problemática central na gestão pública: o conflito entre os interesses privados
do funcionalismo e os interesses da comunidade.
As considerações acima conduzem a um fio de reflexão ainda frágil nas discussões sobre
gestão no setor público, que é o valor do serviço público. O cumprimento do papel da
administração pública requer ações de fortalecimento do vínculo entre o servidor e a
comunidade, pois esses são fundamentais para restringir as implicações negativas do
descomprometimento do funcionalismo com a organização e com sua profissão, bem como
essenciais para a transformação do cenário caleidoscópico da administração pública atual.
Nestes aspectos, residem vínculos que propiciam oportunidades de geração de valor:
− no comprometimento com a organização, é possível atrelar os esforços de melhoria na
gestão e aperfeiçoamento das políticas públicas com uma ação mais efetiva por parte dos
servidores, junto às comunidades;
− no comprometimento com a profissão, encontra-se a possibilidade de recuperar o posto de
trabalho no setor público como uma oportunidade de carreira e formação, já que as
restrições financeiras limitam a remuneração, bem como é possível destacar o bem social
que as diferentes profissões podem gerar; e,
− na absorção de novas tecnologias, métodos e práticas é possível aperfeiçoar a ação pública
necessária para melhor atender aos cidadãos e para fazer frente ao aparato tecnológico
com que contam os setores que regulam ou fiscalizam.
Para o resgate do valor do serviço público, portanto, deve-se considerar, em primeiro lugar a
possibilidade dos servidores comprometerem-se com as políticas públicas e as ações
organizacionais, compondo novas interações e comportamentos frente à gestão organizacional
e a comunidade.
Em segundo lugar, a valorização do saber das diversas categorias e profissões dos servidores
públicos deve ser restaurada e dotada de sentido no que tange à sua contribuição para a
sociedade como um todo.
Por fim, o resgate do valor do serviço público pressupõe a aceitação da busca de novos
patamares de ação governamental, que possibilitem aperfeiçoar a ação do aparato público,
independentemente dos receios e resistências dos funcionários.
4. Metodologia
O presente trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa qualitativa sobre a gestão de
segurança do trabalho em municípios médios e pequenos. Sua elaboração se deu a partir do
levantamento de referências bibliográficas sobre o tema, da entrevista com especialistas em
segurança do trabalho e em gestão municipal quanto ao panorama atual deste sistema de
gerenciamento nos municípios e de entrevistas em profundidade realizadas com os
responsáveis pela segurança do trabalho na Prefeitura de Pouso Alegre-MG, na gestão
passada.
Foram realizadas entrevistas com especialistas na área de segurança no trabalho, além do
técnico em segurança do trabalho e Secretário de Recursos Humanos, ambos do município de
Pouso Alegre-MG.
O método de caso foi aplicado com o intuito de “cobrir o fenômeno de interesse e seu
contexto, reunindo um grande número de variáveis potencialmente relevantes”(YIN, 1984,
p.55).
A hipótese do trabalho é que a implementação do sistema de segurança no trabalho constitui
oportunidade para o resgate do valor do serviço público. Ainda, foram delineadas as seguintes
perguntas de pesquisa sobre a segurança no trabalho nas prefeituras municipais, considerando
a escassez de estudos na área:
− As Prefeituras Municipais de municípios médios e pequenos, com carreiras públicas
desenvolvem ações ou mantém sistemas de segurança do trabalho?
− Quando o fazem, por quais condicionantes legais orientam-se?
− Quais os aspectos que propulsionam ou limitam os sistemas de segurança do trabalho no
contexto da gestão municipal?
5. Segurança no trabalho na Prefeitura de Pouso Alegre - MG
O município de Pouso Alegre situa-se no sul de Minas Gerais, conta com uma população de
106.587 (cento e seis mil quinhentos e oitenta e sete) habitantes e tem sua economia baseada
nas atividades industriais e na agricultura. O município é apresentado como o décimo terceiro
classificado na economia do Estado de Minas Gerais.
O sistema de segurança e medicina do trabalho na Prefeitura de Pouso Alegre-MG está sob a
responsabilidade do Departamento de Segurança do Trabalho - DST subordinado à Secretaria
de Recursos Humanos e é composto por dois técnicos de Segurança e um médico do trabalho.
As condições de infra-estrutura do Departamento são precárias, não havendo disponibilidade
de equipamentos ou mesmo espaço físico, como salas de reunião e treinamento,
computadores, arquivos, etc..
Atualmente o DST desempenha as seguintes funções: levantamento de riscos ambientais em
locais definidos pelo técnico de segurança como áreas passíveis de acidentes ou geradores de
doenças do trabalho, acompanhamento da validade e condições de funcionamento dos
extintores, ficha de análise de acidentes que é enviada ao médico do trabalho e ao Instituto de
Previdência Municipal ( IPREM ), quando há acidentes do trabalho; e, livro onde registra
todas ocorrências relacionadas a segurança do trabalho, que fica em poder do técnico do
trabalho.
Estas são, basicamente, as tarefas do Departamento de Segurança do Trabalho e embora exista
a preocupação com a implementação de um maior controle ou de melhorias, não há condições
favoráveis para tanto. Um exemplo é o caso dos riscos que se restringe à atividade de
levantamento, quando poderia envolver sua avaliação e controle. Em termos da medicina do
trabalho, são realizados apenas exames admissional e demissional, pois não foi elaborado o
PCMSO (Programa de controle médico de saúde ocupacional), e nem outro programa que o
substitua. Na área de segurança do trabalho, tem-se a mesma situação para o PPRA (Programa
de prevenção de riscos ambientais).
A prefeitura municipal tem 2.850 (dois mil oitocentos e cinquenta) funcionários, envolvendo
estatutários, cargos de confiança e contratados pelo regime da CLT e excluindo-se os
funcionários dos serviços terceirizados. Nos diversos departamentos e serviços oferecidos
pelo município podem ser encontrados vários graus de risco (de 1 a 4), conforme NR-4,
estando os principais descritos abaixo: obras e construção civil – risco grau 4, obras de
infraestrutura e manutenção elétricas – risco graus 3 e 4, manutenção e abastecimento de
veículos – risco grau 3, administração, segurança pública e seguridade social – risco grau 1 e
2, escolas – risco grau 2, saúde e serviços veterinários – risco grau 3 e limpeza urbana – risco
grau 3 .
Nota-se pela quantidade de funcionários e os altos graus de risco, a grande necessidade da
existência do SESMT – Serviço Especializado de Segurança e Medicina do Trabalho e CIPA
– Comissão Interna de Prevenção de Acidentes; e da elaboração dos Programas acima citados.
Apesar disto, até a realização desta pesquisa estes organismos e instrumentos não haviam sido
constituídos, apesar da obrigatoriedade legal que tem a prefeitura de implementar o sistema de
segurança e medicina do trabalho, prevista na Lei Orgânica do Município, no artigo que diz
respeito à insalubridade e à periculosidade. Tendo em vista a forma em que esta norma
jurídica foi elaborada, fica evidente que a Prefeitura deve atender aos critérios da lei 6.514/77
e da portaria 3.214/78.
Apesar destas limitações, o departamento de segurança do trabalho elaborou, por sua
iniciativa, as diretrizes para a Política de Segurança do Trabalho dissertando sobre:
responsabilidades da Prefeitura, responsabilidades do funcionário, responsabilidades das
funções, cargos e departamentos, política sobre saúde ocupacional, objetivos dos
funcionários, diretores e secretários, atribuições e obrigações do SESMT e CIPA e brigada de
combate a incêndio.
A iniciativa, entretanto, está aguardando a contratação de uma consultoria para reconhecer e
avaliar os riscos ambientais dos locais de trabalho da Prefeitura e elaborar o PPRA e PCMSO,
para que a política possa ser implementada. Nas entrevistas realizadas, foram destacados
alguns tópicos relevantes para o município que representam possibilidades ou restrições para
a segurança do trabalho.
Conforme destacado no item anterior, um fator restritivo em prefeituras para a implantação do
sistema de gestão em segurança do trabalho é o direcionamento de verbas para a área
responsável. A gestão da segurança e medicina do trabalho em Pouso Alegre é ainda muito
precária, sendo que há carências de equipamentos de proteção individual, instrumentos de
medição para avaliação de riscos, estrutura de proteção coletiva, extintores de incêndio,
hidrantes, detectores e/ou alarmes de incêndio. Além disto, não são encontradas medidas
administrativas de redução e controle de acidentes e doenças ocupacionais como, por
exemplo, a racionalização no uso dos espaços, em função dos riscos identificados.
Uma área de enfoque que os sistemas de segurança nas prefeituras devem ter é o conjunto de
serviços terceirizados. O município de Pouso Alegre terceiriza os serviços de construção e de
manutenção de estradas vicinais, obras de construção civil, distribuição e tratamento de águas
e esgotos, entre outros. Esses não são orientados, consultados ou obrigados a seguirem os
preceitos das normas regulamentadoras de segurança do trabalho, aumentando a
responsabilidade da prefeitura, tendo em vista que o contrato de terceirização caracteriza sua
posição junto ao fornecedor e seus empregados, como solidária. Este tópico deve ser estudado
profundamente pelo departamento de licitações, incluindo nas exigências dos editais, que os
fornecedores destes serviços sigam as normas de segurança do trabalho.
Outro aspecto relevante na gestão da segurança do trabalho na prefeitura de Pouso Alegre é a
questão dos pagamentos de insalubridade e periculosidade, que estão em sua Lei orgânica,
mas encontram problemas para sua efetivação em termos adequados, já que não houve o
levantamento dos locais e graus de riscos que orientem seus cálculos.
Foi possível identificar nas entrevistas realizadas que o Departamento de Segurança do
Trabalho tem conhecimento em sua área de atuação, reconhece as possibilidades de ampliação
e aperfeiçoamento das ações e valoriza a visão ampla da gestão da segurança e medicina do
trabalho. Apesar disto, no que se refere às ações sob sua exclusiva iniciativa, encontra
limitações de recursos e infra-estrutura; no que tange aos tópicos que dependem de outras
áreas da Prefeitura, não estão estruturados os espaços para fortalecer o debate e
conscientização dos gestores; e, no que tange aos serviços externos, encontra os limites
decorrentes dos procedimentos aplicados.
Neste contexto, observou-se que a prefeitura de Pouso Alegre encontra-se atualmente em um
ponto de inflexão no que se refere à efetivação de um sistema de segurança e medicina do
trabalho: possui os elementos para sua concretização que são a política elaborada e a intenção
de contratar consultoria prevista; mas necessita enfrentar as limitações de recursos e as
“barreiras” departamentais para dar efetividade a essas iniciativas.
6. Análise do caso de Pouso Alegre-MG
O caso analisado permitiu trazer algumas conclusões em termos das perguntas que este
trabalho buscou responder. Em primeiro lugar, observou-se que municípios de médio e
pequeno porte com regime estatutário de contratação de pessoas também adotam medidas de
segurança do trabalho, que podem estar sustentadas em determinação legal, como é o caso da
Lei Orgância do Município de Pouso Alegre. Além disto, a própria caracterização das
instalações e atividades das prefeituras induz à necessidade de implementação destes
sistemas, como foi possível observar pelos níveis de riscos identificados em algumas áreas em
Pouso Alegre.
O caso também demonstrou que, apesar de contar com uma legislação específica, o Município
adota os preceitos das normas regulamentadoras da Segurança do Trabalho, não
implementando inovações ou versões alternativas das interpretações postuladas nesta área de
conhecimento.
Enquanto aspectos que propulsionam os sistemas de segurança do trabalho no contexto da
gestão municipal, observou-se que além da obrigatoriedade legal, o fato da prefeitura contar
com um técnico específico para a área é fundamental para a sensibilização dos gestores locais
quanto à sua relevância. Ainda, a preocupação com os acidentes de trabalho que, muitas vezes
tem por base os custos decorrentes, também cria legitimidade para a manutenção destas ações.
Já no que tange a aspectos restritivos, a precariedade dos recursos constitui a principal
barreira para o desenvolvimento das ações na área.
O conhecimento propiciado pelo estudo do caso também permitiu analisar a confirmação da
hipótese do trabalho. Durante a pesquisa foi possível compreender os mecanismos de ação
propostos pela DST e quais contribuições podem trazer para o resgate do valor do serviço
público.
Considerando o valor do serviço público como o conjunto de respostas e compromissos dos
funcionários para com a sociedade, tem-se que a segurança do trabalho no município
contribui não apenas para o comprometimento do servidor com a organização e a profissão,
como também para a facilitação da absorção de novas tecnologias, métodos e práticas que
conduzem à melhoria dos serviços prestados.
No comprometimento com a organização, o sistema de segurança no trabalho possibilita a
compreensão dos aspectos influentes nas operações do setor público à medida que são
analisados todos os processos que apresentam riscos nos diversos órgãos da Prefeitura e, a
partir do planejamento participativo, são elaboradas medidas de restrição, que compõem o
PPRA e o PCMA.
A valorização do servidor público a partir da atenção às doenças do trabalho e riscos, além da
utilização de instrumentos de segurança também colaboram para o fortalecimento dos
vínculos afetivos, cognitivos e comportamentais dos indivíduos com a organização, ou seja, o
comprometimento.
Em termos da profissão, tais vínculos são favorecidos pela gestão de segurança no trabalho a
partir da participação de funcionários no SESMT – Serviço Especializado de Segurança e
Medicina do Trabalho e CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes. Os integrantes
desses organismos desenvolvem ações de comprometimento com os funcionários,
fortalecendo a perspectiva da colaboração entre todos os profissionais e dos saberes
necessários para restringir o risco. Ao deparar-se com a relevância do “cuidar do outro”, são
atribuídos novos significados para os conjuntos de servidores que atuam no mesmo local de
trabalho, seja na escola, na coleta do lixo ou em outras situações.
Ainda, a segurança do trabalho obriga a adoção de novas práticas, tecnologias e métodos e
também regula sua absorção. Ela orienta estes processos e facilita a superação de resistências,
pois protege os servidores de eventuais riscos que tais inovações possam lhes trazer.
Além do valor percebido nestes três aspectos, a hipótese do trabalho também se confirma ao
reconhecer a necessidade da Prefeitura obrigar a adoção do sistema de segurança no trabalho
junto aos terceirizados. Essa e outras externalidades que propiciam a interação entre servidor
público e comunidade de forma comprometida, são propiciadas pela segurança no trabalho.
Isto ocorre quando os funcionários constituem CIPAs em locais de acesso público, cuidando
dos cidadãos; quando a população se ocupa da embalagem do lixo; quando as obras e
instalações elétricas não colocam a vizinhança em risco; e, quando os conhecimentos dos
envolvidos com a segurança no trabalho podem ser aproveitados pela população em geral,
como no caso de incêndios. Essas são apenas algumas das situações em que a segurança no
trabalho colabora para o resgate do valor do serviço público.
Prevenção, precaução
e responsabilidade objetiva:
elementos de redução dos riscos
inerentes ao trabalho

João Humberto Cesário1

1 DIREITO DO TRABALHO: CONSTRUÇÃO


HISTÓRICA E CONFORMAÇÃO IDEOLÓGICA

D iante dos seus limites, o presente trabalho não tecerá comentários


relativos às fases embrionárias de construção do justrabalhismo, a
fim de centrar a atenção, neste primeiro momento, no fenômeno da Re-
volução Industrial.
Tal opção se justifica no fato de que àquela altura histórica houve a
introdução da máquina a vapor no processo produtivo, criando-se as bases
para a existência de uma produção em grande escala e da criação de uma
economia verdadeiramente de mercado, a demandar a contratação de um
crescente contingente de trabalhadores colimando suprir a demanda cada
vez maior de força-labor, o que promoveu a transformação do trabalho
em emprego e desaguou na ocorrência de uma série de conflitos coletivos
de natureza reivindicatória, que serviram para a propulsão da criação do
Direito do Trabalho, obviamente que dentro de determinados arranjos ide-
ológicos, na essência ainda intactos nos dias atuais.
Foi em tal contexto que começaram a surgir as mazelas inerentes
a um meio ambiente de trabalho desequilibrado, já que as fábricas, até
então inexistentes, apareceram no mundo laboral como uma necessidade
intrínseca do próprio processo produtivo emergente, mas organizadas de
modo precário do ponto de vista da preservação da integridade física e
psicológica do trabalhador, nelas reinando a insalubridade - caracteriza-
da pela falta de higiene, luz e ventilação, bem como pela ocorrência de
ruído excessivo e de fuligem tóxica no ar rarefeito -, onde era exigido,
indiscriminadamente, o trabalho de homens, mulheres e crianças, em
jornadas excessivamente longas e sem duração predeterminada, que se
estendiam de sol a sol.
Dentro deste caldo social, emergiu uma nova consciência jurídica co-
letiva, na qual o proletariado, classe até então desconhecida, passou a se
organizar para pugnar por melhores salários, diminuição de jornadas e
proteção ao trabalho de menores e mulheres, o que fez premido pelo im-
perativo de autodefesa, haja vista que seus membros estavam expostos à
ocorrência dos mais variados acidentes de trabalho, bem como ao apare-
cimento de uma série de doenças como asma, pneumonia e tuberculose,
dentre outras.
Antevendo as proporções catastróficas que tal revolta poderia atingir,
as elites dirigentes, representadas principalmente pela Igreja Católica, se
adiantaram aos fatos, para defender a posição estratégica de que o Estado
deixasse de ser abstencionista, passando, por conseguinte, a interferir di-
retamente nos conflitos trabalhistas pela via da edição de legislação supos-
tamente protetiva.
Tal comportamento, obviamente louvável sob certo aspecto, não dei-
xava de dialeticamente possuir um outro lado nefasto, já que embora fosse
hábil a gerar um mínimo de justiça social, acabava por proteger as colu-
nas de sustentação da perversa estrutura econômico-social então surgida,
carregando em si a idéia da concessão de pequenos favores em troca da
inalterabilidade do status quo.
Aliás, possibilitando entrever a ambivalência da política de colabora-
ção de classes que inspirava a atuação da igreja, pontificou o Papa Leão
XIII, na Encíclica Rerum Novarum, a clássica assertiva de que não pode ha-
ver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital. Foi dentro desta lógica
conciliacionista, portanto, que se editaram os primeiros atos legislativos
sobre a questão trabalhista na Inglaterra industrial.
Ainda que incorrendo no risco da simplificação, sempre perniciosa à
construção de uma análise científica rigorosa, pode-se dizer que tais atos,
como, v.g., o Moral and Health Act, ficaram circunscritos à diminuição
de jornada e à proibição de labuta de menores em horário noturno, sem
portarem no seu bojo maiores preocupações com a eliminação das condi-
ções adversas de trabalho, no que foram secundados por toda a legislação
posterior, inclusive aquela oriunda do chamado constitucionalismo social
emergido no início do século XX, de que são exemplos emblemáticos a
Constituição do México de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919.
Esta opção legislativa foi intuitiva quanto ao seu desiderato, trazendo
consigo a matriz da criação de uma série de adicionais econômicos que
ainda hoje perduram no Direito do Trabalho, inclusive na vigente Cons-
tituição brasileira (horas extras; adicional noturno; insalubridade; pericu-
losidade; penosidade...), como se a saúde do trabalhador fizesse parte do
mercado capitalista de consumo, passível de ser comprada como simples
mercadoria, sem que seja necessária a superação das mazelas ambientais
que persistem no cotidiano laboral, em moldes surpreendentemente simi-
lares àqueles descritos no contexto da Revolução Industrial2.

2 O ENGODO JUSLABORAL ORIGINÁRIO


Embora o juslaboralismo tenha surgido a partir das lutas dos ope-
rários ingleses contra as condições de labuta a que estavam submetidos,
constata-se ainda hoje, passados dois séculos, que paradoxalmente os tra-
balhadores convivem com as mais degradantes situações ambientais.
Para explicar essa realidade angustiante, será necessário desmistificar
aquilo que esta dissertação denomina pelo epíteto de engodo juslaboral
originário, a fim de que sejam aclaradas as bases ideológicas que permea-
ram a construção do Direito do Trabalho.
A verdade é que o juslaboralismo, balizado pela lógica do capitalismo
a que serve3, preferiu monetizar a saúde do trabalhador, como se a integri-
dade física e psíquica do ser humano pudesse ser objeto de um contrato
de compra e venda. Afinal, tudo pode ser adquirido no mundo capitalista;
inclusive a dignidade das pessoas.
Ademais, como o capitalismo dispõe, na perfeita expressão de Marx,
de todo um exército industrial de reserva4, o detentor do capital pode tran-
quilamente tratar o trabalho humano como mera mercadoria descartável,
passível de aquisição a baixíssimos salários, que servem de base de cálculo
para o pagamento dos ínfimos adicionais criados para supostamente pro-
teger o trabalhador.
Como se não bastasse, as táticas de diluição contábil dos salários em
adicionais são extremamente simples e eficazes para a extração de mais-va-
lia. Se, por exemplo, um empregado for contratado para auferir o salário
mensal de R$654,00 (seiscentos e cinquenta e quatro reais), para traba-
lhar em um ambiente insalubre de grau médio, será muito simples para o
empregador contabilizar no recibo de pagamento o mínimo de R$545,00
(quinhentos e quarenta e cinco reais) pagos a título de salário de sentido
estrito, mais o montante de R$109,00 (cento e nove reais) pretensamente
adimplidos como o adicional de 20% da insalubridade.
Tudo aparentemente dentro da lei! Mas a rigor, o trabalhador nada
receberá para esvair sua saúde em um ambiente insalubre.
Colaciona-se, de modo a desnudar o equívoco da opção juslaboral, as
palavras de Sebastião Geraldo da Silva:
De fato, a justificativa para o pagamento do adicional pelo trabalho
em condições adversas não resiste a cinco minutos de reflexão séria.
O adicional – não há como deixar de perceber – significa venda da
saúde ou de parte da própria vida, daí o rótulo que vem recebendo de
adicional de suicídio ou da morte.5
Vale dizer que o fenômeno legislativo da monetização da saúde do traba-
lhador atende por completo a lógica capitalista, estando em perfeita harmonia
com as suas pilastras ideológicas básicas, já que o suposto pagamento dos adi-
cionais, sempre mais barato e conveniente do que a tomada de medidas aptas
à promoção do equilíbrio ambiental trabalhista, mascara a realidade de tal for-
ma, a ponto de os empregados não questionarem o mal a que estão expostos6.
Eis aí o que o presente trabalho chama de engodo juslaboral originário,
que nada mais é do que a opção pragmática de se remeter para um plano
remoto o estabelecimento de obrigações laborais de adequação ambiental, a
fim de privilegiar indiscriminadamente o pagamento de adicionais econô-
micos que nada contribuem para a preservação da saúde dos trabalhadores,
gerando no inconsciente destes uma falsa sensação de proteção.

3 DIREITOS HUMANOS E DIREITO DO TRABALHO:


REPENSANDO AMBIENTALMENTE O MODELO
JUSTRABALHISTA VIGENTE
De tudo o quanto antes foi dito, parece verdadeira obviedade que o
modelo juslaboral vigente passa por um momento de esgotamento, sendo
imperiosa a necessidade de repensá-lo por um prisma comprometido com
a prevenção, a precaução e a responsabilidade fundada nos riscos decor-
rentes dos fatores ambientais do trabalho.
É claro que o vaticínio contido no parágrafo anterior não deseja fa-
zer coro com os arautos do liberalismo, que pregam, incessantemente, a
morte do Direito do Trabalho. O seu desiderato, muito ao contrário, é o
de revitalizá-lo, dotando-o de ferramentas que bem lhe propiciem o cum-
primento do seu compromisso para com a proteção da integridade física e
psicológica dos trabalhadores.
U N I S U L D E F AT O E D E D I R E I T O | A N O I I I – N º 7 – J U L / D E Z 2 0 1 3

Trata-se de verdadeiro truísmo que todos aqueles que trabalham de-


vem ser adequadamente remunerados, a fim de que possam prover as suas
necessidades vitais básicas, sejam elas pessoais ou familiares.
Nessa linha, o artigo XXV da Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos é de clareza ímpar quando diz que “todo ser humano tem direito a
um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar,
inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços
sociais indispensáveis (...)”7.
Tal obviedade, entrementes, não pode fazer com que o justrabalhismo
olvide os motivos históricos da sua criação, que, como visto, se sustenta-
ram na necessidade de superação das condições ambientais desfavoráveis
a que estavam expostos os operários da Revolução Inglesa.
A excessiva preocupação do Direito do Trabalho para com os adicio-
nais econômicos acabou por gerar, a bem da verdade, um cenário incô-
modo e até mesmo paradoxal, no qual os trabalhadores, sem jamais terem
galgado um poder aquisitivo significativo, estão cada vez mais expostos a
acidentes de trabalho e a doenças ocupacionais8.
Para se ter uma dimensão mais exata desta assertiva, basta ver que
somente no ano de 2009 houve no Brasil, segundo os últimos dados dispo-
níveis no sítio eletrônico do Ministério da Previdência Social, uma morte
a cada três horas e meia motivada pelos riscos decorrentes dos fatores am-
bientais do trabalho, além de 83 acidentes e doenças do trabalho a cada
uma hora na jornada diária, excluídos da estática, diga-se de passagem, os
trabalhadores autônomos e as empregadas domésticas9.
Tais dados, alarmantes que são, evidenciam, com colores acentuados,
que o Direito do Trabalho necessita ser repensado à luz das tutelas pre-
ventivas e precaucionais, sem com isso abrir mão, evidentemente, da sua
potencialidade distributiva de riqueza.
Nunca será demais sublinhar que o Direito do Trabalho está situado
no campo maior dos direitos humanos, sendo da sua atribuição, portanto,
a promoção da dignidade humana.
Sobreleva destacar, a propósito, que o artigo XXIII da Declaração Uni-
versal dos Direitos Humanos prevê para o cidadão-trabalhador o direito a
condições justas e favoráveis de trabalho; condições estas que, para além
do plano econômico, incluem no seu bojo, evidentemente, aspectos am-
bientais asseguradores da integridade física e mental dos obreiros.
Não é por outro motivo, aliás, que o artigo 7º, “b”, do Pacto Internacio-
nal dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, preocupado em imprimir
concretude à Declaração Universal dos Direitos Humanos10, estatui que “os
Estados-partes no presente pacto reconhecem o direito de toda pessoa gozar
de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem especialmente:
(...) b) condições de trabalho seguras e higiênicas (...)”11.
Não bastassem os indicativos existentes no plano global, o sistema re-
gional interamericano reconhece aos trabalhadores, no Protocolo Adicional
à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador)12, dentre várias
outras garantias laborais, o direito à segurança e higiene no trabalho (artigo
7º, b) e à prevenção e tratamento de doenças profissionais (artigo 10, d).
Demonstrada à exaustão a natureza humanista do Direito do Trabalho,
a indagação a ser enfrentada é a de saber se o juslaboralismo tem dado
conta da missão que lhe foi confiada. A resposta, lamentavelmente, parece
ser negativa.
Os dados, como visto, são impiedosos. Insista-se: somente no ano
de 2009 houve no Brasil, segundo dados colhidos no sítio eletrônico do
Ministério da Previdência Social, uma morte a cada três horas e meia, mo-
tivada pelos riscos decorrentes dos fatores ambientais do trabalho.
Poderia o Direito do Trabalho, cuja essência repousa nos direitos hu-
manos, fazer mais pela preservação da vida e da saúde dos trabalhadores?
É evidente que sim. Um dos aspectos da solução deste problema tem mo-
rada na confluência do juslaboralismo com o Direito Ambiental. É sobre
esse tema que se discorrerá nos próximos tópicos.

4 PRINCÍPIOS DE DIREITO DO TRABALHO:


NUANCES E INSUFICIÊNCIAS
O protecionismo, como é palmar, é a marca emblemática do Direito
do Trabalho, constituindo-se, com efeito, no seu mais relevante princípio.
O fato concreto, porém, é que o vetor em questão não vem sendo adequa-
damente compreendido, nas suas variadas nuances e possibilidades, pela
doutrina e pela jurisprudência.
Ocorre que os juristas do mundo do trabalho têm outorgado impor-
tância quase que exclusiva à face do protecionismo estatal que intenta
diminuir a autonomia da vontade dos empregadores e empregados no
âmbito contratual, para, em decorrência, impor no interior da relação em-
pregatícia um padrão supostamente mais encorpado de direitos econômi-
cos em prol dos trabalhadores.
Essa visão fragmentada das qualidades do protecionismo reduz a
influência do Direito do Trabalho a um espaço quase que estritamente
privado, contratual por excelência, relegando ao esquecimento as regras
justrabalhistas tipicamente públicas, principalmente aquelas que almejam
o estabelecimento de um modelo ambiental-laboral protetivo da saúde do
trabalhador, hábil a ser imposto tanto administrativamente quanto judi-
cialmente, pelas respectivas vias do direito administrativo sancionador e
das tutelas judiciais inibitória e de remoção do ilícito.
Calha transcrever, a propósito do quanto foi alinhavado até aqui, al-
guns excertos doutrinários sobre a essência do princípio protecionista.
Reproduz-se, primeiramente, o escólio de José Augusto Rodrigues Pinto:
Forjado por fatos econômicos e sociais típicos, o Direito do Trabalho
assentou neles seus preceitos estruturais, de modo a ganhar identida-
de própria e marchar na direção de sua autonomia científica.
Não duvidamos em afirmar que seu princípio primário, do qual emer-
giram, por desdobramento, todos os demais, é o da proteção do hi-
possuficiente econômico.
Dos embates gerados pela Revolução Industrial nasceu a certeza de
que, nas relações de trabalho subordinado, a igualdade jurídica pre-
conizada pelo Direito Comum para os sujeitos das relações jurídicas
se tornaria utópica em virtude da deformação que o poder econômico
de um provocaria na manifestação de vontade do outro.
Firmou-se, então, o preceito fundamental que dá o traço mais vivo do
Direito do Trabalho: é imperioso amparar-se com a proteção jurídica a
debilidade econômica do empregado, na relação individual de empre-
go, a fim de restabelecer, em termos reais, a igualdade jurídica entre
ele e o empregador.
Esse princípio expandiu-se em três direções tão marcantes que costu-
mam ser vistas como outros tantos princípios, embora concordemos
com o lúcido raciocínio de Plá Rodrigues sobre tratar-se de simples
regras de aplicação do princípio da proteção: a do in dubio pro misero
ou pro operario, a da aplicação da norma mais favorável e da obser-
vância da condição mais benéfica.13

Colhe-se, na sequência, a lição de Maurício Godinho Delgado:


Princípio da Proteção – Informa este princípio que o Direito do Trabalho
estrutura em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e pre-
sunções próprias, uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação
empregatícia – o obreiro -, visando retificar (ou atenuar), no plano jurí-
dico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho. 14

Colaciona-se, enfim, a preleção de Sérgio Pinto Martins:


Princípio da proteção. Temos como regra que se deve proporcionar
uma forma de compensar a superioridade econômica do empregador
em relação ao empregado, dando a este último uma superioridade
jurídica. Esta é conferida ao empregado no momento em que se dá ao
trabalhador a proteção que lhe é dispensada por meio da lei.
Pode-se dizer que o princípio da proteção pode ser desmembrado em
três: (a) o in dubio pro operario; (b) o da aplicação da norma mais
favorável ao trabalhador; (c) o da aplicação da condição mais benéfica
ao trabalhador.
Na dúvida, deve-se aplicar a regra mais favorável ao trabalhador
ao se analisar um preceito que encerra regra trabalhista, o in dubio
pro operario.
A regra da norma mais favorável está implícita no caput do art. 7º da
Constituição, quando prescreve ‘além de outros que visem a melhoria
de sua condição social’.
A condição mais benéfica ao trabalhador deve ser entendida como o
fato que vantagens já conquistadas, que são mais benéficas ao traba-
lhador, não podem ser modificadas para pior. (...) Ao menor aprendiz
é garantido o salário mínimo horário, salvo condição mais favorável (§
2º do art. 428 da CLT).15

Após a reprodução dessas partículas doutrinárias, cumpre esclarecer


que os autores citados não foram escolhidos aleatoriamente. Na realidade,
os três, em conjunto, podem delinear um quadro bastante expressivo do
pensamento trabalhista nacional, vez que cada um deles pertence a uma
das três mais importantes escolas juslaborais brasileiras, quais sejam, a
baiana (José Augusto Rodrigues Pinto), a mineira (Maurício Godinho Del-
gado) e a paulista (Sérgio Pinto Martins).
Importa sublinhar ainda, por motivos de justiça, que os fragmentos
transcritos, evidentemente, não representam a completude do pensamento
de cada um dos doutrinadores nominados, já que as suas contribuições
doutrinárias estão lapidadas em obras variadas, extensas e vigorosas.
Servem eles, todavia, para demonstrar que a doutrina, ainda que
involuntariamente, enfatiza os aspectos econômicos do princípio pro-
tecionista, não trazendo nos seus aportes qualquer indicativo mais ex-
plícito de que o núcleo essencial da proteção perpassa pelas normas de
medicina e segurança no trabalho, que visam resguardar a inteireza física
e mental dos trabalhadores.
É de se ver, por exemplo, que Sérgio Pinto Martins, ao exemplificar
a variável protecionista da condição mais benéfica, fala na garantia do sa-
lário mínimo horário ao menor aprendiz (salvo condição mais benéfica),
silenciando-se, no decorrer da sua explanação, por exemplo, sobre a regra
inserta no artigo 7º, XXXIII, da Constituição da República, que num claro
esforço tuitivo da saúde dos menores de dezoito anos, impede que eles
trabalhem em condições ambientais insalubres ou periculosas.
Parece elementar que essa forma pouco abrangente de se enxergar o
princípio protetivo tem como causa determinante o fenômeno retro no-
meado pelo epíteto de engodo juslaboral originário, que, encarado como
o próprio pecado original do Direito do Trabalho, nada mais faz do que
legitimar a monetização da saúde do trabalhador, como se a integridade
física e psíquica do ser humano pudesse ser adquirida à semelhança de
mercadoria em prateleiras de supermercados.
Não por outra razão, várias faculdades de direito nada mais fazem do
que ensinar cálculos aos seus alunos nas aulas em que eles deveriam tomar
contato com a verdadeira essência do juslaboralismo, calcada, como já vis-
to, na concretização dos direitos humanos.
É notório, pois, o depauperamento do modelo trabalhista em voga.
O grande desafio imposto à doutrina e à práxis contemporânea, assim,
é o de refundar o Direito do Trabalho, erguendo-o sobre o arrimo de
uma base sólida, capaz de sustentar na máxima extensão a dignidade do
cidadão-trabalhador, conferindo-lhe, para além de uma imprescindível
distribuição de renda, um meio ambiente de trabalho apto à preservação
da sua saúde.
É imperioso, portanto, redimensionar a extensão do núcleo da prote-
ção, para que nele sejam incorporadas as mais notáveis balizas do Direito
Ambiental, estribadas nas idéias de prevenção, precaução e responsabili-
dade fundada nos riscos ambientais. Faz-se necessário, em síntese, rede-
senhar a defasada idéia tuitiva impregnada no imaginário dos juristas do
mundo do trabalho, de modo a que o juslaboralismo alargue as importan-
tes, mas, porém, estreitas lindeiras do protecionismo econômico.

5 PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL:


INSTRUMENTOS DE AMPLIAÇÃO DA
PROTEÇÃO TRABALHISTA
O marco histórico mais relevante do nascimento do Direito Ambiental
foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano,
ocorrida em Estocolmo, na Suécia, no ano de 1972.
Firmou-se, como fruto de tal evento, o documento conhecido como
Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, consubstanciado em vinte
e seis princípios que possuem, no dizer de Valerio de Oliveira Mazzuoli,
“a mesma relevância para os Estados que teve a Declaração Universal dos
Direitos Humanos”16.
Logo no princípio 1 da aludida Declaração está estatuído que o ho-
mem tem o direito fundamental à liberdade, igualdade e adequadas condi-
ções de vida, num meio ambiente cuja qualidade permita uma existência
caracterizada pela dignidade e o bem-estar.
Consoante se percebe, o documento em questão destaca, logo no
seu início, que o ser humano possui direito a um meio ambiente que
lhe proporcione uma vida digna e confortável. Não se pode concluir di-
ferentemente, a não ser para se compreender que na ampla expressão
‘meio ambiente’, contida no enunciado em questão, está inserido o ‘meio
ambiente do trabalho’.
Como resultado da assunção constitucional deste postulado internacio-
nal, o artigo 225 da Constituição da República dispõe que todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletivi-
dade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
No mesmo diapasão, o artigo 7º, XXII, da Constituição estabelece
como direito do cidadão-trabalhador, a redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Estabelecidos tais indicativos normativos, é de se sondar, agora, o que
eles de fato almejam. Ressoa inegável que ambos colimam agregar quali-
dade ao direito fundamental à vida (artigo 5º, caput, da CRFB). Dito de
outro modo, pode-se ficar assentado que mais do que o direito de viver,
as pessoas possuem o direito fundamental de viver com qualidade, em um
meio ambiente natural, urbano ou trabalhista que lhes permita o exercício
concreto desta prerrogativa.
Conforme já indicado ao longo do presente estudo, a monetização
da saúde do trabalhador, permitida e até mesmo estimulada pelo Direito
do Trabalho, decididamente não se mostra capaz de garantir ao cidadão-
-trabalhador o direito a uma vida sadia. Assim é que o núcleo da proteção
laboral deve ser enriquecido com as noções ambientais de desenvolvimen-
to sustentável, poluidor-pagador, prevenção, precaução e responsabilidade
fundada nos riscos ambientais.
Serão doravante abordadas, nos tópicos que se seguem, cada uma des-
sas facetas.

5.1 PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


Um dos principais direitos que as diversas sociedades modernas possuem,
inegavelmente, é o direito ao desenvolvimento. É indene de dúvidas que tanto
o crescimento econômico quanto a distribuição de renda devem ser persegui-
dos em um mundo que já ultrapassou a marca de seis bilhões de habitantes.
Crescimento, porém, não é necessariamente sinônimo de desenvolvi-
mento. Para que haja verdadeiro progresso, o desenvolvimento há de ser,
nos seus mais variados aspectos, ambientalmente sustentável. Faz-se ne-
cessário encontrar, com efeito, um ponto de equilíbrio entre o crescimento
econômico e a sadia qualidade de vida.
Foi com os olhos voltados para tal necessidade que o mundo se reuniu
no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992, por ocasião da Conferência
das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.
Como resultado desse grandioso evento, que historicamente represen-
ta a certidão de maioridade do Direito Ambiental, foi firmada a Declaração
do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, que logo no
seu Princípio 1 realça que os seres humanos estão no centro das preocu-
pações com o desenvolvimento sustentável. Além disso, o seu Princípio
4 assevera que para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção
ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e
não poderá ser considerada isoladamente deste.
Ainda que tal assertiva incorra em verdadeiro truísmo, há de se ressal-
tar que o cidadão-trabalhador, naturalmente, está incluído entre os seres
humanos que estão no centro da preocupação com o desenvolvimento
sustentável. Assim é que também ele merece, na perspectiva da preser-
vação da sua inteireza física e mental, a proteção ambiental integrante do
processo de desenvolvimento.
O grande repto, nesta quadra, é o de saber se o empregador, enquan-
to ente privado, estaria compelido, ao lado do Poder Público, a promover
políticas empresariais de concretização do direito à sadia qualidade de vida
do seu empregado. Ocorre que, classicamente, os direitos fundamentais vin-
culam apenas o Estado, já que os particulares tão-somente seriam os seus
beneficiários, não estando obrigados, por isso, a dar-lhes implementação.
O fato, entrementes, é que contemporaneamente essa chamada eficá-
cia vertical dos direitos fundamentais convive, sem quaisquer sobressaltos,
com uma outra de índole horizontal. Constata-se, dessarte, que para além
da obrigação do Estado de promover e respeitar os direitos fundamentais
do cidadão, existe uma outra dimensão jurídica que igualmente sujeita os
particulares a imprimir-lhes concretude.
A resposta ao desafio antes lançado, como se vê, é abertamente posi-
tiva. Calha assentar, a propósito, que o artigo 225, caput, da Constituição
da República, ao depois de vivificar a fundamentalidade do direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, estabelece, com tintas fortes e sem
margem para tergiversações, que não apenas o Poder Público, mas também
a coletividade deve promovê-lo.
Há de se visualizar, ademais, que toda a Magna Carta é permeada por
essa perspectiva. À guisa de exemplificação, é de se notar que embora o in-
ciso XXII do seu artigo 5º garanta o direito de propriedade, o inciso XXIII
estabelece, já na sequência, que tal garantia está jungida ao cumprimento
de uma função social, que no âmbito rural, v.g., somente será satisfeita
quando a propriedade respeitar, dentre outros requisitos, as disposições
que regulam as relações de trabalho, obedecendo, ainda, a um padrão ex-
ploratório que promova o bem-estar não só dos proprietários, mas tam-
bém dos trabalhadores (artigo 186, III e IV, da CRFB).
Demais disso, o artigo 170 da Constituição assume de vez a eficácia
horizontal dos direitos fundamentais ao esclarecer, já na sua cabeça, que
a ordem econômica, além de ser fundada na livre iniciativa, igualmente se
arrima na valorização do trabalho humano; e depois ao assentar em alguns
dos seus incisos, como princípios desta mesma ordem econômica, a fun-
ção social da propriedade, a defesa do meio ambiente e a busca do pleno
emprego (incisos III, VI e VIII).
Aliás, a expressão “pleno emprego”, inserta no inciso VIII do artigo
170 da CRFB, rechaça, por completo, qualquer iniciativa, seja estatal ou
privada, de precarização das relações de trabalho.
Isso significa dizer que a ordem econômica, além de ser comprome-
tida com a distribuição de renda por via do Direito do Trabalho, almeja
garantir aos trabalhadores um meio ambiente laboral equilibrado, livre de
fatores que comprometam a sua saúde física, mental e emocional.
Seria em honra do princípio do desenvolvimento sustentável, portan-
to, que nenhum estabelecimento poderia iniciar suas atividades sem prévia
inspeção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional
competente em matéria de segurança e medicina do trabalho (artigo 160
da CLT), sendo certo, ademais, que a autoridade administrativa, ou mesmo
a Justiça do Trabalho (esta se devidamente provocada) poderia, uma vez
demonstrado grave risco para o trabalhador, interditar estabelecimento,
setor de serviço, máquina ou equipamento, ou mesmo embargar obra, in-
dicando na decisão, tomada com a brevidade que a ocorrência exigir, as
providências que deveriam ser adotadas para prevenção de infortúnios de
trabalho (artigo 161 da CLT).
A realidade, entretanto, conspira letalmente contra tais possibilidades.
Ocorre que, lamentavelmente, o Ministério do Trabalho e Emprego não
possui tentáculos organizacionais suficientes para exercitar com eficiência
o seu poder administrativo sancionador.
Do mesmo modo, o Ministério Público do Trabalho, em que pese os
seus louváveis esforços recentes de capilarização pelo interior do Estado
brasileiro, igualmente não consegue, em virtude da sua fragilidade estrutu-
ral, trazer com a necessária freqüência tais questões à Justiça do Trabalho17.
Já os sindicatos, de outro viés, embora possuam legitimidade para
o ajuizamento de ações civis públicas de natureza ambiental-trabalhista,
mostram-se muito mais preocupados com a defesa dos interesses pura-
mente econômicos das categorias que representam, comportamento que
deve ser creditado à vertente autoritária e patrimonialista que caracteriza
o sindicalismo brasileiro, que em pleno século XXI convive com as terato-
logias do sindicato único (artigo 8º, II, da CRFB) e do financiamento não
espontâneo (artigos 578 e seguintes da CLT).

5.2 PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR


Como visto no tópico anterior, o Direito Ambiental, nos seus mais
variados aspectos, quer sejam eles naturais ou laborais, deve se pautar pelo
princípio do desenvolvimento sustentável.
Ainda que tal diretriz seja respeitada, não raramente as chamadas ex-
ternalidades ambientais negativas acabam se configurando como resultado
prático do processo produtivo. Para um melhor compreensão do signifi-
cado do fenômeno em questão, reproduz-se, abaixo, a preleção de Luiz
Guilherme Marinoni:
(...) sabe-se que a atividade produtiva pode gerar efeitos secundários,
que podem significar perdas ou benefícios que não foram previamente
considerados. Quando esses efeitos são sinônimos de prejuízos, há o
que se chama de externalidades negativas. Todavia, as externalidades
negativas devem ser vistas como custos da produção, já que alguém
estará sendo por elas prejudicado. A poluição, considerada como efei-
to secundário da atividade empresarial, constitui uma espécie de ex-
ternalidade negativa, cujo custo deve ser suportado pelo empresário,
que é quem aufere lucros por meio da atividade que expõe o meio
ambiente a riscos.18

As externalidades ambientais negativas, como se vê, nada mais são


do que os prejuízos que a atividade produtiva gera para o meio ambiente.
Pode-se dizer, por exemplo, que se uma empresa poluir um curso d’água
com os seus dejetos, estará causando um prejuízo à sociedade, caracteri-
zando-se, com efeito, uma externalidade ambiental negativa emergida do
seu processo produtivo.
Esta idéia, em essência, amolda-se perfeitamente ao Direito do Traba-
lho. Deste modo, todas as vezes que o meio ambiente de trabalho causar
um prejuízo à saúde do trabalhador, como, v.g., uma doença ocupacional,
estar-se-á diante daquilo que a presente dissertação cognomina pelo epíte-
to de externalidade ambiental-laboral negativa.
O grande debate a se travar no campo jurídico, como não poderia dei-
xar de ser, é o de saber quais são os efeitos das externalidades ambientais
negativas, quer sejam elas naturais ou laborais. Vale indagar: a) será lícito
que a sociedade como um todo, e os trabalhadores em específico, arquem
com as ditas externalidades? b) será plausível a privatização do lucro da
atividade poluidora e a socialização das suas perdas?
A resposta, como se percebe, é intuitiva. Entra em jogo, na sua for-
mulação, o princípio do poluidor-pagador, cujo sentido ético aponta para
a justa distribuição das externalidades ambientais, de modo a que o polui-
dor19 arque com o ônus da prevenção e da precaução (pagando para não
poluir) e dos danos gerados pela sua atividade (pagando porque poluiu).
Não se pode imaginar aqui, evidentemente, que o princípio do poluidor-
-pagador outorga uma carta branca ao poluidor, para que uma vez pagando,
possa livremente poluir. Decididamente não. Tal sorte de raciocínio, aliás, é
bastante comum no Direito do Trabalho, onde se imagina que o empregador,
uma vez pagando os adicionais trabalhistas, não se veria compelido a tomar
as medidas preventivas e precaucionais de adequação ambiental aptas à pre-
servação da saúde dos trabalhadores. Cuida-se de verdadeira obviedade, no
entanto, que um raciocínio como tal não pode prevalecer.
Ocorre que a Constituição é mais do que clara quando assevera, no
seu artigo 7º, XXII, que a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por
meio de normas de saúde, higiene e segurança, é um direito fundamental
dos trabalhadores urbanos e rurais. A propósito do quanto afirmado, vale
dizer que o professor Sebastião Geraldo de Oliveira denomina a prefalada
regra sob o epíteto de princípio do risco mínimo regressivo20, aduzindo,
com colores acentuados, que a redução dos riscos inerentes ao trabalho
deve ser vista como “o norte, a preocupação central, o ponto de partida e de
chegada de qualquer programa sério sobre prevenção de acidentes do traba-
lho ou doenças ocupacionais”21.
Em que pese todas essas considerações, o fato é que os juslaboralis-
tas continuam conservadoramente imbuídos do propósito de tão-somente
reconhecer aos trabalhadores os tradicionais adicionais econômicos que
tanto caracterizam – às vezes até pejorativamente – esse ramo do conheci-
mento jurídico especializado, descurando-se, por completo, da responsa-
bilidade que possuem em concretizar a promessa constitucional de redu-
ção dos riscos inerentes ao trabalho.
Raciocínio de tal jaez, entretanto, não merece prosperar, pois que den-
tre outros motivos, acaba por malferir letalmente o princípio do poluidor-
-pagador. Vale dizer que a lógica estruturante do Direito do Trabalho pre-
cisa ser urgentemente invertida, para que se compreenda, dentro de um
novel paradigma de abalançamento de interesses jurídicos, que o principal
direito dos trabalhadores é aquele previsto no artigo 7º, XXII, da CRFB,
que preconiza a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de nor-
mas de saúde, higiene e segurança.
Os adicionais econômicos, nesta perspectiva, somente devem incidir
nas relações de emprego quando os perigos inerentes à atividade laboral
forem impossíveis de serem eliminados ou pelo menos neutralizados.
Falando sobre a escala de prioridades em termos ambientais traba-
lhistas, calha trazer a lume, vez mais, o magistério de Sebastião Geraldo
de Oliveira:
A medida mais eficaz de combate ao agente agressivo, obviamente, é a
sua eliminação. Como isso nem sempre é possível tecnicamente ou viável
economicamente, em último caso, a legislação permite que o agente seja
apenas neutralizado, de modo a resguardar a saúde do trabalhador. (...)
Segundo a OIT, há quatro modalidades principais de prevenção con-
tra os agentes danosos, relacionados na ordem decrescente quanto à
eficácia: a) eliminação do risco; b) eliminação da exposição do traba-
lhador ao risco; c) isolamento do risco; d) proteção do trabalhador.
A primeira opção para eliminar o risco é a mais radical e também a
mais eficaz. Elimina-se o ‘problema na sua fonte e trajetória, como,
por exemplo: a instalação de um sistema de exaustão sobre uma ban-
cada de polimento, onde há grande geração do poeira’. (...)
Na segunda opção indicada pela OIT, quando não for possível elimi-
nar o risco, devem-se deslocar os empregados expostos, fracionan-
do as operações em diversos estabelecimentos ou setores, para que o
agente nocivo fique restrito aos trabalhadores diretamente envolvidos.
A hipótese seguinte é parecida porque determina o isolamento da ati-
vidade de risco, como, por exemplo: estabelecimento de barreiras ab-
sorventes que vedem a propagação do agente, providenciando o con-
finamento da área de processamento, adotando o enclausuramento
de máquinas barulhentas, adquirindo equipamentos modernos com
recursos de proteção ao trabalhador etc.
Quando nenhuma das alternativas anteriores for possível, quando as
medidas de ordem geral não oferecerem completa proteção contra os
riscos de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, como últi-
mo recurso é que se deve adotar a opção da neutralização do agente
por intermédio dos EPI. Só haverá neutralização quando a intensidade
do agente agressivo for reduzida a limites toleráveis, considerando-se
como tal a concentração ou intensidade máxima ou mínima, relacio-
nada com a natureza e o tempo de exposição do agente, que não cau-
sará dano à saúde do trabalhador, durante sua vida laboral.
(...)
Uma das formas de combater o agente agressivo à saúde do trabalhador
é promover o agravamento financeiro dos adicionais, com o propósi-
to de estimular o empregador no sentido de eliminar ou neutralizar o
agente nocivo, em vez de continuar pagando os adicionais respectivos.
Especificamente no caso do adicional de insalubridade, o valor pago
é tão reduzido que o empresário – na análise superficial de custo-
-benefício – não tem incentivo econômico para adotar medidas de
melhoria do ambiente laboral, uma vez que o desembolso é de apenas
10%, 20% ou 40% do salário mínimo por mês, conforme previsto no
art. 192 da CLT.22

Adensando a parte final da lição reproduzida, não custa lembrar que


além da ínfima base de cálculo dos adicionais ser um verdadeiro estímulo
à perpetuação das condições ambientais laborais em patamares degradan-
tes, as práticas de diluição contábil do salário de sentido estrito, gerando a
ilusão do adimplemento dos mencionados adicionais econômicos, contri-
buem ainda mais para tanto.
Nos próximos tópicos os subprincípios da prevenção, da precaução e
da responsabilidade fundada nos riscos ambientais serão analisados apar-
tadamente, para que o princípio do poluidor-pagador possa ser melhor
compreendido.

5.2.1 Subprincípio da Prevenção


O subprincípio da prevenção23 trabalha com a noção de que o dano
de natureza ambiental, uma vez configurado, será, no mais das vezes, de
recomposição praticamente impossível.
Assim é que a atuação preventiva, no dizer de José Rubens Morato
Leite, “é um mecanismo para a gestão dos riscos, voltado, especificamente,
para inibir os riscos concretos ou potenciais, sendo esses visíveis e previsí-
veis pelo conhecimento humano”24.
Transplantando a discussão para o foco do estudo em desenvolvimento,
pode-se dizer que o meio ambiente laboral desequilibrado poderá gerar, por
via de acidentes do trabalho, neles incluídas, por suposto, as doenças ocupa-
cionais25, danos absolutamente irreversíveis à saúde dos trabalhadores.
Convém, por conseguinte, operar o Direito do Trabalho na lógica da
prevenção, a fim de que o ambiente laboral ofereça as condições necessá-
rias para a manutenção da higidez física e mental dos operários que nele
labutam.
De tal arte, todas as vezes em que se estiver diante de um risco previ-
sível, será obrigação do empregador tomar as medidas preventivas capazes
de inibir a sua consumação.
Eis aí, no âmbito laboral, a tradução do princípio do poluidor-paga-
dor, quando mirado pela faceta da prevenção. O empresário, neste caso,
pagará para não poluir, ou seja, para não gerar acidentes de trabalho.
Frise-se, aliás, que o Direito Internacional do Trabalho, atento a esta
necessidade, vem se comprometendo com a lógica em questão. É de se
sublinhar, a propósito, que existe uma série de convenções da Organização
Internacional do Trabalho que tocam no tema da prevenção trabalhista,
como, por exemplo, as de número 148, 155, 161 e 187.
Dentre elas a de maior relevo é a Convenção n. 187, já que a própria
OIT a chancela, logo no seu preâmbulo, como “el marco promocional para
la seguridad y salud en el trabajo”, sendo o seu desiderato principal, cer-
tamente, o de “promover la mejora continua de la seguridad y salud en el
trabajo con el fin de prevenir las lesiones, enfermedades y muertes ocasio-
nadas por el trabajo” (item 2.1)26.
De modo a demonstrar a extraordinária magnitude do mencionado
documento normativo internacional, reproduz-se, abaixo, o escólio do
professor Sebastião Geraldo de Oliveira:
Por ocasião da 91ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada
em 2003, foi adotada uma Resolução relativa à segurança e saúde no
local de trabalho, prevendo a inclusão do tema nas futuras ativida-
des normativas da OIT. Concluiu-se que era necessário fomentar, com
máxima prioridade, uma cultura preventiva a respeito da segurança e
saúde do trabalhador, em nível internacional, nacional e empresarial.
Para alcançar êxito, seria adotada uma estratégia global e articulada
para aprovar um documento impactante, de grande prestígio e respal-
do político dos Estados-Membros, que passaria a representar, verda-
deiramente, um marco nas medidas preventivas de segurança e saúde
nos locais de trabalho.
Dando cumprimento ao que foi planejado, a OIT, após estudos apro-
fundados, colocou o projeto da Convenção para ser apreciado nas
Conferências de 2005 e 2006, com amplos debates e interesses dos
Estados-Membros. Finalmente, em junho de 2006, foi aprovada a
Convenção n. 187 por esmagadora maioria (455 votados a favor, 2 vo-
tos contra e 5 abstenções), o que demonstra o consenso internacional
sobre a importância da segurança e saúde nos ambientes de trabalho e
necessidade de implementação das medidas propostas.27

Como se percebe, a Convenção n. 187 da OIT é um verdadeiro para-


digma internacional da cultura da prevenção no trabalho. Lamentavelmen-
te, no entanto, o Brasil não se dignou a ratificá-la até a presente data, o que
se espera aconteça em breve28.
Mas ainda que o Brasil esteja inerte quanto à internalização do diplo-
ma normativo em tela, é de se ver que existem na legislação brasileira, tan-
to no plano constitucional quanto no infraconstitucional, os mais variados
instrumentos que justificam, de imediato, a adoção da cardeal preservacio-
nista no universo laboral.
Basta notar, como já exaustivamente assentado no decurso desta ex-
planação, que o artigo 7º, XXII, da CRFB honorifica como direito funda-
mental dos trabalhadores urbanos e rurais, a redução dos riscos inerentes
ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Afinada neste diapasão, a Consolidação das Leis do Trabalho estabe-
lece, nos seus artigos 154 a 201, toda uma série de regras de medicina
e segurança do trabalho, que podem e devem ser contemporaneamente
justificadas no princípio da prevenção.
Infelizmente, porém, esses dispositivos são quase que absolutamen-
te desconhecidos pelos juslaboralistas. Além da precariedade dos órgãos
estatais da fiscalização trabalhista, tal fato se justifica no fenômeno antes
estudado do engodo juslaboral originário, que tem permitido, proposita-
damente, a monetização da saúde dos trabalhadores.
Vale destacar, diante deste cenário, que um dos principais aspectos da
prevenção no âmbito trabalhista está intimamente ligado ao direito à infor-
mação de que são titulares os trabalhadores. Devido à notável importância
desta faceta preventiva, ela será tratada na seqüência, em tópico próprio.

5.2.1.1 Subprincípio da prevenção: direito à informação


Como já se sublinhou alhures, o artigo 225 da Constituição da Re-
pública vaticina, no seu caput, que todos têm direito ao meio ambiente
equilibrado.
Na esteira desta disposição, o § 1º, inciso VI, do prefalado artigo 225,
estatui que incumbe ao Poder Público, para assegurar a efetividade do
mencionado direito, promover a educação ambiental em todos os níveis de
ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.
Em consonância com esse notável regramento constitucional, a Lei
9.795-99 instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental, na qual foi
delineado um sistema sinérgico de obrigações educacionais de conteúdo
ambiental repartidas entre o Poder Público e a sociedade civil.
Sobreleva realçar, quanto às obrigações dos particulares, o disposto no
artigo 3º, V, do aludido diploma legal, que impõe às empresas, entidades
de classe, instituições públicas e privadas, o dever de promover programas
destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e ao con-
trole efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercus-
sões do processo produtivo no meio ambiente.
Tais disposições protecionistas merecem destaque por serem os
principais vetores de um sistema preventivo digno de credibilidade. Não
é por outro motivo, aliás, que o item 7.2 da Convenção 148 da OIT prevê
que “los trabajadores o sus representantes tendrán derecho a presentar
propuestas, recibir informaciones y formación, y recurrir ante instancias
apropiadas, a fin de asegurar la protección contra los riesgos profesiona-
les debidos a la contaminación del aire, el ruido y las vibraciones en el
lugar de trabajo”29.
Assim é que o subprincípio da prevenção, quando mirado pela ótica
juslaboral, impõe não só ao Poder Público, mas também aos emprega-
dores, o dever de prestar todas as informações que forem necessárias ao
resguardo da integridade física e moral dos seus empregados.
Justamente por isso é que o artigo 157, II, da CLT, dirige às empresas a
obrigação de instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto
às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doen-
ças ocupacionais.
Do mesmo modo, o artigo 19, § 3º da Lei 8.213-91 aduz que é dever
da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da opera-
ção a executar e do produto a manipular.
Antes de se passar a discorrer sobre o subprincípio da precaução, será
ainda necessário abordar, no próximo tópico, a possibilidade de uso da tri-
butação como mecanismo preventivo indireto no meio ambiente de trabalho.

5.2.1.2 Subprincípio da prevenção: extrafiscalidade


A prevenção trabalhista pode ser estimulada por meio de uma série de
iniciativas legislativas. Uma delas, seguramente, tem morada no campo da
tributação. Ocorre que a extrafiscalidade, ao atuar pela imposição de uma
escala tributária móvel, que oscile para cima e para baixo a depender dos
resultados ambientais-laborais dos contribuintes30, pode ser um importan-
tíssimo elemento de incremento da saúde e segurança no trabalho.
Em consonância com tal possibilidade, o artigo 10 da Lei 10.666-
200331 manda reduzir, em até 50%, ou aumentar, em até 100%, os valo-
res das contribuições relativas ao Seguro de Acidente de Trabalho - SAT,
conforme o desempenho da empresa quanto à ocorrência de acidentes de
trabalho e doenças ocupacionais no seu quadro de empregados.
Tal medida é de acerto indiscutível. Ora, se um estabelecimento em-
presarial possui níveis de acidentes de trabalho maiores do que aqueles
relativos à média da atividade econômica em que está inserido, a única
conclusão que se pode extrair do fato é que o empresário não investe a
contento na segurança dos trabalhadores.
Ao agir assim, o empregador desidioso, além de lucrar, penaliza em
muito a sociedade.
Lucra porque reduz substancialmente os custos da sua atividade pro-
dutiva, fazendo-o por via da debilitação da saúde dos seus empregados, em
verdadeira afronta aos fundamentos republicanos da dignidade da pessoa
humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, III
e IV, da Constituição da República).
Penaliza a sociedade porque lhe transfere, por via do Sistema Único
de Saúde (artigo 200, II e VIII, da CRFB), o custo do tratamento dos em-
pregados acidentados.
Esse mal empresário, como se vê, de uma só tacada privatiza lucros e
socializa perdas, sendo mais do que natural, de tal arte, que se responsa-
bilize, relativamente ao Seguro de Acidentes de Trabalho – SAT (artigo 7º,
XXVIII, 1ª parte, da CRFB), por uma alíquota maior do que aquela dirigida
àqueles que se esmeram na redução dos riscos inerentes ao trabalho.
Tem-se aí, com efeito, mais um dos sentidos ético-jurídicos do princí-
pio do poluidor-pagador, quando encarado, nos âmbitos tributário e jusla-
boral, pela ótica da prevenção.

5.2.2 Subprincípio da Precaução (Releitura do Princípio


In Dubio Pro Operario)
A primeira tarefa que se impõe aqui, é a de diferenciar os subprincí-
pios da precaução e da prevenção. Apresenta-se, para tanto, a preleção de
José Rubens Morato Leite e Melissa Ely de Melo:
Comparando-se o princípio da precaução com o da atuação preven-
tiva, observa-se que o segundo exige que os perigos comprovados
sejam eliminados. Já o princípio da precaução determina que a ação
para eliminar os possíveis impactos danosos ao ambiente seja to-
mada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidência
científica absoluta. 32

A prevenção, como se percebe, opera no contexto da eliminação do


perigo certeiro, enquanto que a precaução se justifica na necessidade de
exclusão do risco potencial.
Ao contrário do que se possa imaginar, a conduta precaucional
possui concreto respaldo jurídico, estando expressamente albergada no
princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, que estabelece, sem margem para tergiversações, que
“quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de
absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para a pos-
tergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degra-
dação ambiental”33.
Tal lógica, evidentemente, merece ser transposta para o Direito do
Trabalho. Seu sentido ético, no interior do ramo juslaboral, aponta para
uma releitura do princípio in dubio pro operario.
Ocorre que a doutrina clássica analisa a mencionada diretriz em pers-
pectiva estreita, cingindo-a ao status de mera regra de hermenêutica traba-
lhista. Traz-se, neste diapasão, a lição de Arnaldo Sussekind:
Os fundamentos jurídico-políticos e sociológicos do princípio pro-
tetor geram, sem dúvida, outros, que deles são filhos legítimos: a) o
princípio ‘in dubio pro operario’, que aconselha o intérprete a esco-
lher, entre duas ou mais interpretações viáveis, a mais favorável ao
trabalhador, desde que não afronte a nítida manifestação do legislador,
nem se trate de matéria probatória.34

Todavia, como já se assentou no início do presente estudo, o modelo


justrabalhista vigente merece ser repensado ambientalmente, de modo a
que os princípios de Direito Ambiental se transformem em instrumentos
de ampliação da proteção laboral.
Faz-se imprescindível, em tal contexto, alargar-se as potencialidades
do adágio in dubio pro operario, a fim de que para além do seu viés inter-
pretativo, ele assuma as nobres possibilidades precaucionais.
Dessarte, mesmo nos contextos de dúvida, dúvida séria, evidentemen-
te, a precaução justificará a necessidade de exclusão de todo e qualquer
risco potencial à saúde dos trabalhadores.
Entra em jogo aqui, mais uma vez, a lógica do poluidor-pagador que,
também pela ótica precaucional, pagará para não poluir, ou seja, para não
gerar acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais
Um bom exemplo de incidência do subprincípio da precaução ao Di-
reito do Trabalho reside no tema do amianto, que diante das suas especifi-
cidades será enfrentado em apartado.

5.2.2.1 Subprincípio da precaução: a questão do amianto


O amianto ou asbesto, como se sabe, trata-se de uma fibra mineral
presente em grande quantidade na natureza, que em virtude de não ser
combustível passou a ser extraído das minas rochosas para ser usado em
larga escala nos sistemas produtivos que emergiram da Revolução Indus-
trial no século XIX, principalmente para fins de isolamento térmico.
A partir do século XX, o seu uso expandiu-se, por exemplo, para a fa-
bricação de caixas d’água, telhas, além de freios e embreagens na indústria
automotora.
Hodiernamente, no entanto, inexistem maiores dúvidas sobre a sua
nocividade, tanto para o meio ambiente quanto para o ser humano, sendo
certo que a sua inalação provoca neste último doenças como a asbestose,
vulgarmente conhecida como endurecimento do pulmão, e cânceres di-
versos, dentre eles os de pulmão, de pericárdio e do trato gastrointestinal.
Aqueles que mais sofrem com esses problemas, por certo, são os
integrantes da classe trabalhadora, na medida em que participam ativa-
mente do processo de extração e industrialização do mineral em ques-
tão. Justamente por isso, o seu uso foi completamente banido em mais
de cinquenta países, dentre eles nações civilizadas como a Alemanha, a
Bélgica, a Espanha, a França, a Holanda, a Itália, o Japão, a Noruega, a
Suécia e a Suíça.
No Brasil, entrementes, a questão ainda não se encontra adequada-
mente resolvida. Ocorre que o nosso país, valendo-se de permissivo conti-
do na Convenção 162 da OIT, editou a Lei 9.055-95 para reger a matéria,
a qual fez diferenciação entre duas variedades da fibra em questão.
Relativamente ao primeiro grupo, dos anfibólios (asbesto marrom e
azul), o artigo 1º da antedita lei vedou, peremptoriamente, em todo o ter-
ritório nacional, a sua extração, produção, industrialização, utilização e
comercialização.
No concernente ao segundo, conhecido por crisotila (asbesto bran-
co), possibilitou, no seu artigo 2º, a extração, industrialização, utilização e
comercialização em consonância com as disposições contidas nos artigos
subsequentes.
Tal permissivo, no entanto, é de conveniência no mínimo duvido-
sa, pois que se de um lado temos as indústrias que se beneficiam da sua
exploração econômica defendendo a visão que o seu uso controlado não
acarretaria danos à saúde humana, temos, de outro, vários estudos que
apontam para o contrário.
Aliás, como bem advertem Arnoldo Wald e Donaldo Armelin, o trata-
mento diverso que a Lei 9.055-95 estabeleceu para as duas modalidades de
asbesto “decorreu (...) menos da sua intrínseca nocividade e sim da combi-
nação de seu menor potencial ofensivo com a inexistência, naquela opor-
tunidade, de sucedâneo idôneo inócuo para a saúde humana para subs-
tituir o amianto crisotila nas inúmeras modalidades de sua utilização”35.
Vê-se daí que, na pior das hipóteses, existe iniludível controvérsia so-
bre a nocividade do amianto crisotila para a saúde humana, circunstância
que recomenda, à luz da vertente precaucionista, o seu completo e imedia-
to banimento no território nacional.
É inelutável, aliás, a inconstitucionalidade dos artigo 2º e seguintes da
Lei 9.055-95, quando cotejados com os artigos 7º, XXII, e 196 da CRFB,
que apregoam, respectivamente, a redução dos riscos inerentes ao trabalho
por meio de normas de saúde, higiene e segurança, e a saúde como um
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos.
Poder-se-ia esboçar, contrariamente à tese defendida no parágrafo an-
terior, que o puro e simples banimento do amianto crisotila certamente
causaria ainda mais desemprego no país.
Esta é, sem dúvida, uma observação embaraçosa.
Não custa rememorar, contudo, que a ordem econômica brasileira,
fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por
fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça so-
cial, devendo respeitar, além de outros, os princípios da função social da
propriedade, da defesa do meio ambiente e da busca do pleno - e não do
precário - emprego (artigo 170, caput, III, VI e VIII, da CRFB).
Não basta à ordem econômica brasileira, dessarte, gerar empregos;
mais do que isso, a ela interessa criar empregos dignos e decentes, que
além de propiciar ao trabalhador o seu sustento pessoal e familiar, não lhe
comprometam a integridade física e psíquica.
Associado a esta observação, não custa pontuar que do ano de 1995
- ano da edição da malfadada Lei 9.055-95 - para cá a técnica industrial
alterou-se substancialmente, tendo sido criadas uma série de fibras artifi-
ciais capazes de substituir, até mesmo vantajosamente, o amianto crisotila
na fabricação dos mais variados artefatos.
O uso amplificado destes mencionados materiais, tais como as fibras
de polipropileno (PP) e de poli álcool vinílico (PVA), será capaz, certamen-
te, de gerar empregos hábeis a absorver o operariado que hoje labuta na
industrialização do asbesto.
Demais disso, o Estado deverá gerar políticas públicas especiais de con-
teúdo inclusivo, que propiciem a reincorporação dos trabalhadores que atu-
almente laboram na extração do amianto crisotila ao mercado de trabalho.

5.2.3 Subprincípio da Responsabilidade Fundada


nos Riscos Ambientais
Como já exaustivamente pontuado ao longo da presente explanação, o
sentido ético-jurídico do princípio do poluidor-pagador aponta para a justa
distribuição das externalidades ambientais negativas, de modo a que o po-
luidor arque com o ônus da prevenção e da precaução, pagando para não
poluir, e dos danos gerados pela sua atividade, pagando porque poluiu.
Como ficou assentado, a prevenção e a precaução trabalham com as
tutelas inibitória e da remoção do ilícito, a fim de que eventuais danos con-
cretos ao meio ambiente ou à saúde dos trabalhadores não se consumem.
Pode-se dizer, em síntese, que a prevenção e a precaução privilegiam a
lógica preventiva em detrimento da repressiva.
O fato, entrementes, é que nem sempre os danos são evitados. A gran-
de questão a ser respondida, nesse contexto, é quem deverá responder
pelos prejuízos ambientais - naturais e laborais - acontecidos.
Em uma perspectiva conservadora, poder-se-ia aduzir que sendo o
dano oriundo de um ilícito, a obrigação reparatória incidiria sobre aquele
que culposa ou dolosamente abriu ensanchas à sua ocorrência. Inexistin-
do, por outro lado, ilicitude na sua origem, não haveria que se cogitar na
responsabilização civil de quem quer que seja.
Não parece correto, contudo, que seja esta a diretriz jurídico-ambien-
talista para o tema, haja vista que o beneficiário da externalidade negativa
deverá arcar, pela lógica do poluidor-pagador, com o risco da sua ativida-
de, independentemente da licitude ou ilicitude da sua conduta.
Vale dizer, nesta última perspectiva, que o poluidor deverá pagar por
ter poluído, já que não faz sentido que ele privatize os seus lucros e socia-
lize as suas perdas.
Ocorre que nos termos do artigo 225 da CRFB, o ambiente ecologi-
camente equilibrado é um bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida. Dito de outro modo, o meio ambiente é um bem jurídi-
co imaterial, que transcende em muito a propriedade particular.
Assim é que não se mostra razoável cogitar que um ente privado possa
explorá-lo em benefício próprio, degradá-lo, e ao depois deixar de recom-
por o dano em prol da sociedade (lembre-se que o meio ambiente é um
direito de todos e essencial à sadia qualidade de vida), ainda que a sua
atividade esteja demarcada pelas balizas da licitude.
Não custa destacar, ainda, que a responsabilidade fundada no risco
possui a virtude de indiretamente homenagear os postulados da prevenção
e da precaução, já que o empreendedor, ciente desta possibilidade, fatal-
mente agirá com mais cautela na condução das suas iniciativas.
Importante transcrever, a propósito do quanto asseverado no parágra-
fo anterior, a lição de José Rubens Morato Leite e Patrick de Araújo Ayala,
invocando, na defesa do ponto de vista que esgrimem, o pensamento de
José de Souza Cunhal Sendim:
Ao discutir as potencialidades do sistema da responsabilidade civil no
que tange ao dano ambiental, Sendim destaca que os eventuais polui-
dores, cientes de que serão responsáveis economicamente pelos danos
ambientais, têm forte motivo para evitar e prevenir a ocorrência destes
danos. Assim, além de contribuir para a compensação dos custos so-
ciais do dano ambiental, a responsabilidade civil pode fazer com que
o poluidor atue ante a degradação ambiental e, como consequência,
diminua os riscos ambientais.
Nesta linha desempenhada por Sendim verifica-se, claramente, que o
sistema da responsabilidade civil tem uma clara vocação preventiva,
pois de além de trazer segurança jurídica, pela certeza da imputação,
e fazer com que o eventual poluidor evite o dano, contribuirá para a
conscientização da preservação.36

Atenta a estas e outras obviedades, a legislação de regência não deixa


qualquer margem para dúvidas, ao vaticinar, no § 1º do artigo 14 da Lei
6.938-81, que o poluidor fica obrigado, independentemente da existência
de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a
terceiros afetados por sua atividade.
A grande indagação a ser desafiada, dessarte, é se esta responsabili-
zação objetiva pode ser transportada para aqueles casos em que o traba-
lhador se acidenta ou adquire doença profissional no meio ambiente de
trabalho em que ativa.
A resposta afigura-se intuitiva, vez que no caso está-se diante de
mais uma externalidade ambiental-laboral negativa, que obriga a socie-
dade a suportar, por via da Previdência Social, os custos da incapacitação
do trabalhador.
Também não se mostra plausível aqui, que o empresário privatize num
primeiro momento os lucros obtidos às custas da saúde do empregado,
para ao depois, pura e simplesmente, socializar os custos do tratamento e
da manutenção do obreiro com a sociedade.
A questão, todavia, é de intrincado enfrentamento no plano legislativo.
Ocorre que o artigo 7º, XXVIII, da Magna Carta, aparentemente traba-
lha com a idéia da responsabilidade subjetiva, ao ditar que é direito do tra-
balhador o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que está obrigado quando incorrer em dolo ou culpa.
O tratamento da matéria, porém, não é tão simplista quanto possa
parecer de uma leitura isolada e açodada do mencionado preceptivo.
O fato é que se por um lado o inciso XXVIII do artigo 7o da CRFB de
fato prevê a obrigação de o empregador indenizar o empregado acidenta-
do nos casos de dolo ou culpa, por outro não é menos certo que os itens
elencados no aludido artigo se constituem num rol mínimo de direitos do
cidadão-trabalhador, que podem ser aumentados por legislação infracons-
titucional, sem que disso redunde eiva de inconstitucionalidade.
Em verdade, como é básico para os profissionais do Direito do Traba-
lho, o constituinte originário de 1988, quando vaticinou no caput do arti-
go 7o da CRFB que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além
de outros que visem à melhoria de sua condição social”, fez uma inequívoca
opção de outorgar status constitucional ao princípio juslaboral da nor-
ma mais favorável, que assim deve ser encarado pelo legislador ordinário
como critério de política legislativa, cabendo-lhe, portanto, a partir do rol
mínimo de direitos estampados nos incisos do artigo 7o da Constituição,
ampliar o padrão setorial de direitos dos trabalhadores brasileiros, sempre
que conveniente.
Plantada esta primeira estaca, faz-se imprescindível perquirir, doravan-
te, sobre a existência de legislação infraconstitucional mais benéfica, que
acolha no seu interior a objetivação da responsabilidade civil-trabalhista.
Suponha-se, por exemplo, que haja lacuna celetista sobre o tema. Nes-
te caso, poder-se-ia aplicar à espécie, com fulcro no parágrafo único do
artigo 8º da CLT, supletivamente falando, a prefalada disposição inserta no
§ 1º do artigo 14 da Lei 6.938-81.
Não parece ser esta, contudo, a hipótese a ser eleita.
Ocorre que da Consolidação das Leis do Trabalho pode-se perfeita-
mente extrair, uma vez lido o mencionado diploma em conformidade com
os postulados do Estado Democrático-Ambiental de Direito, a consagração
da teoria civilista do risco profissional, já que o seu artigo 2º define a fi-
gura jurídica do empregador como a empresa individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviços.
Frise-se: o empregador, juridicamente falando, é aquele que assume
os riscos da atividade econômica. Nem se objete que a intenção original
da Consolidação não seria a de trazer para o âmbito da relação juslaboral
a teoria do risco. Se por um lado isso seria verdade, não se poderia deixar
de enxergar, por outra vertente, que o texto legal assume significâncias
múltiplas e diversas ao longo do tempo, havendo de ser interpretado em
consonância com o momento histórico da sua aplicação.
Tratando da necessidade de alargamento contemporâneo da noção do
risco organizacional, tem-se o magistério de Giselda Maria Fernandes No-
vaes Hironaka, que embora não seja propriamente voltado para a questão
trabalhista, calha justo à hipótese vertida:
Não resta nenhuma dúvida a respeito da urgência de se instalar, no
contexto de responsabilização civil contemporâneo, uma ampliação
significativa do espectro do risco que permeia e caracteriza uma mise
en danger, quer dizer, alargar as fronteiras de conformação deste risco,
para não entendê-lo apenas como um risco material ou técnico, mas
senão, ainda, como um risco pelo fato da organização e mesmo como
um risco pelo fato de outrem, por que não?
Por risco pelo fato da organização se tem entendido como aquele ad-
vindo de atividades empresariais que exijam, para a sua execução,
uma extraordinária complexidade estrutural, resultando numa peri-
culosidade vinculada especialmente às automatizações, às uniformi-
zações, às especializações, às produções e aos serviços mais especí-
ficos, implicando uma organização do trabalho e uma repartição das
responsabilidades quase sempre muito ramificadas. Mas este risco
pelo fato da organização pode se manifestar, igualmente, por ocasião
de importantes aglomerações de pessoas (...). A instauração de uma
responsabilidade sem culpa pelo fato da organização é, igualmente,
defendida na Suíça e transparece como preferência em alguns setores
italianos, franceses e belgas.
E essas são, portanto, algumas das anotações que a doutrina contem-
porânea tem feito acerca da insuficiência da noção atual de mise en
danger como critério fundante de um sistema geral de responsabili-
dade sem culpa. E por conta dessa verificação de insuficiências é que
têm os cientistas do direito (...) buscado a conformação de um novo
padrão de caracterização da mise en danger que pudesse ser portador
de um critério mais geral de fundamentação do regime objetivo da
responsabilidade civil. Um critério mais abrangente, mais consentâ-
neo com a elevação de valores humanos, constitucionalmente assegu-
rados, como a dignidade da pessoa humana e a solidariedade social.37

Falando em termos trabalhistas específicos, faz-se importante trazer,


ainda, a lição de Raimundo Simão de Melo sobre os contornos da teoria do
risco profissional:
Teoria do Risco Profissional. Trata-se, na verdade, da teoria objetiva
transportada para o âmbito das relações de trabalho, embasada no
risco laboral, pelo que, aquele que se beneficia de uma atividade deve
indenizar os trabalhadores vitimados por acidentes. O empregado não
precisa, de acordo com essa teoria, demonstrar a culpa do emprega-
dor, bastando que o acidente ocorra dentro dos riscos normais ineren-
tes ao trabalho.38

Registra-se, assim, que é no mínimo preocupante que a jurisprudên-


cia trabalhista esteja até hoje discutindo o tema da responsabilidade civil
oriunda de acidentes e doenças ocupacionais à luz da vertente subjetiva.
Faz-se imperioso que a magistratura laboral permita, urgentemente, que os
seus fundamentos decisórios sejam permeados pelo princípio jusambien-
tal do poluidor-pagador, encarado pelo viés da responsabilidade fundada
nos riscos ambientais trabalhistas.

6 CONCLUSÃO: EM BUSCA DE
UMA TEORIA GERAL PARA O DIREITO
AMBIENTAL DO TRABALHO
Como assumido no início do presente capítulo, o seu objetivo foi o
de construir um ponto de interseção entre o Direito Ambiental e o Direito
do Trabalho, capaz de permitir a este último, devidamente impregnado da
principiologia que inspira aquele primeiro, cumprir a sua promessa tuitiva.
Vislumbra-se, no entanto, que o seu intento possa estar inserido em
projeto estratégico de maior fôlego. Ressoa plausível que em futuro de
médio a longo prazo se possa discutir, de modo academicamente vigo-
roso e sem açodamento, uma possível autonomização da disciplina ju-
rídica que muito provavelmente será conhecida pelo epíteto de ‘Direito
Ambiental do Trabalho’.
Parece certo, aliás, que a Organização Internacional do Trabalho, ao
vaticinar que a sua Convenção de n. 187 - ainda não ratificada pelo Brasil
- deverá ser enxergada como “el marco promocional para la seguridad y sa-
lud en el trabajo”, reconhece que o Direito do Trabalho, nos contornos me-
ramente econômicos em que vem sendo praticado, não se mostrou capaz
de cumprir a sua missão histórica de promover a completa dignificação do
cidadão-trabalhador.
Trata-se de uma obviedade, com efeito, a constatação de que o jusla-
boralismo precisa ser repensado. Além de conferir à classe trabalhadora
um padrão econômico verdadeiramente inclusivo, o que de resto ainda
não aconteceu, os institutos jurídico-laborais devem ser redesenhados na
perspectiva de garantirem a plena qualidade de vida dos trabalhadores.
Abre-se daí, iniludivelmente, a possibilidade da formatação de um
ramo jurídico autônomo, com institutos e princípios próprios, cujo ob-
jetivo maior será o de tutelar a saúde daqueles que colocam sua força de
trabalho à disposição de um tomador de serviços. Faz-se imperioso, dentro
deste contexto, que se alinhavem desde já os elementos que, reunidos,
apontarão para a gradativa construção da sua teoria geral.
Por ora, contudo, o presente articulado se limita a contribuir para o
alargamento dos horizontes juslaborais. Proclama, de tal arte, que aliado à
liberdade, o mais fundamental dos direitos dos trabalhadores é o da redu-
ção dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene
e segurança.
ESTRUTURA NORMATIVA DA SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHADOR
NO BRASIL

Sebastião Geraldo de Oliveira*

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO
2 EVOLUÇÃO DO DIREITO À SEGURANÇA E À SAÚDE DO TRABALHADOR
3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURANÇA E SAÚDE DO
TRABALHADOR
4 A SAÚDE DO TRABALHADOR NAS CONVENÇÕES DA OIT
5 NORMAS DE SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHADOR PREVISTAS
NA CLT
6 VALIDADE DAS DELEGAÇÕES NORMATIVAS
7 NORMAS REGULAMENTADORAS DE SEGURANÇA E SAÚDE DO
TRABALHADOR
8 OUTRAS NORMAS LEGAIS DE SEGURANÇA E SAÚDE DO
TRABALHADOR
9 CONCLUSÃO

1 INTRODUÇÃO

A transferência para a Justiça do Trabalho da competência material para


julgar as ações indenizatórias por acidente do trabalho ou doenças ocupacionais
está despertando o juiz do trabalho para uma revisão de conceitos, a respeito da
proteção jurídica à saúde do trabalhador e do meio ambiente de trabalho.
Até o ano de 2004, a discussão quanto ao risco de adoecimento, invalidez
ou morte do trabalhador aparecia nas salas de audiência da Justiça do Trabalho
apenas no seu estado potencial, como mera probabilidade. A pretensão do
reclamante acabava solucionada após o cálculo de um adicional sobre o salário,
ou seja, na avaliação do risco materializado numa simples expressão monetária.
Pode-se perceber que todos nós, operadores do Direito Laboral, dedicamos
muito tempo, estudo e reflexão às controvérsias a respeito dos adicionais de
insalubridade, periculosidade, noturno, de horas extras, de risco etc. E consultamos
tabelas de agentes nocivos ou perigosos e seus limites de tolerância, discutimos
apurações periciais, questionamos a eficiência de equipamentos de proteção e
avaliamos os graus de risco. Na verdade, conhecíamos muito dos riscos e quase
nada dos efeitos; conhecíamos os agentes nocivos, mas não víamos as suas
vítimas. A nossa realidade palpável era somente o risco monetizado, porquanto a
doença ocupacional ou o acidente do trabalho ficava tão-somente no campo das
possibilidades.
É surpreendente constatar que o Direito do Trabalho, na sua marcha
evolutiva a respeito do nosso tema de estudo, empenhou-se mais em regulamentar
a monetização do risco que o meio ambiente de trabalho saudável. Com isso,
temas como jornada de trabalho, remuneração, sindicalização, férias, repousos
remunerados, contrato de trabalho, dentre outros, sempre tiveram mais densidade
doutrinária do que a proteção à vida e à saúde do trabalhador, que ficaram em
posição secundária. A inversão dos valores é manifesta. De que adianta proclamar
solenemente a primazia do direito à vida, se não criarmos condições adequadas
para o exercício do direito de viver...
A partir de 2005, com o início de vigência da Emenda Constitucional n. 45/
2004, começaram a chegar às audiências trabalhistas as vítimas das doenças e
dos acidentes do trabalho. O risco, que era apenas potencial, agora mostra sua
face real, estampada no trabalhador deformado, na dor e no sofrimento. O agente
que era insalubre materializou-se na doença; o risco da periculosidade deixou o
território das probabilidades e produziu inválidos, mutilados ou vítimas fatais. Agora,
em vez de só consultarmos tabelas de agentes nocivos, passamos a verificar a
extensão da invalidez, a capacidade residual de trabalho, a reposição das perdas
e danos dos dependentes econômicos, o montante da indenização.
Ao mesmo tempo em que nos deparamos com os desafios de arbitrar a
indenização justa, cresce a indagação a respeito dos direitos violados, das medidas
preventivas, das normas de proteção que poderiam ter evitado o drama vivenciado
por aquelas vítimas. É nesse ponto que nós, profissionais do Direito do Trabalho,
tomamos consciência de que temos apenas uma idéia difusa e pouco elaborada a
respeito das normas de segurança e saúde do trabalhador ou do direito ao meio
ambiente de trabalho saudável. E não se trata de desinteresse pessoal ou falta de
comprometimento com a causa, porquanto até na literatura trabalhista especializada
pouco se encontra a respeito. Basta mencionar que o capítulo da Consolidação
das Leis do Trabalho - CLT - a respeito da segurança e medicina do trabalho (artigos
154 a 201) é um dos menos abordados.
A proposta deste estudo é demonstrar a estrutura normativa a respeito da
segurança e saúde do trabalhador e do meio ambiente de trabalho no Brasil. O
conhecimento mais profundo dessa estrutura será muito importante no momento
de avaliar a culpa patronal nos acidentes do trabalho ou nas doenças ocupacionais,
porque permitirá aferir se houve ou não violação de alguma das normas preventivas
minuciosamente detalhadas na regulamentação do Ministério do Trabalho. Servirá
também para avaliar, diante do caso concreto, o cumprimento do dever geral de
cautela exigível de todo empregador.

2 EVOLUÇÃO DO DIREITO À SEGURANÇA E À SAÚDE DO


TRABALHADOR

Para compreender a extensão atual do direito à segurança e à saúde do


trabalhador, é importante relatar, ainda que rapidamente, os marcos principais de
sua evolução. O registro histórico de maior relevância na análise da relação trabalho-
saúde remonta ao lançamento do livro De Morbis Artificum Diatriba, no ano de
1700, pelo médico italiano Bernardino Ramazzini, cujas lições, preciosas para a
época, permaneceram como o texto básico da medicina preventiva por quase dois
séculos. Ramazzini estudou mais de 60 profissões, relacionando o exercício das
atividades com as doenças conseqüentes, indicando ainda o tratamento
recomendável e as medidas preventivas. Mais tarde ele foi considerado, com justiça,
o Pai da Medicina do Trabalho.
O incremento da produção em série, após a Revolução Industrial, deixou à
mostra a fragilidade do trabalhador na luta desleal com a máquina, fazendo crescer
assustadoramente o número de mortos, mutilados, doentes, órfãos e viúvas. Nesse
período é que surgiu a etapa da “Medicina do Trabalho”, cuja característica principal
foi a colocação de um médico no interior da empresa para atender ao trabalhador
doente e manter produtiva a mão-de-obra. Surgiram também as primeiras leis a
respeito do acidente do trabalho, primeiramente na Alemanha, em 1884,
estendendo-se a vários países da Europa nos anos seguintes, até chegar ao Brasil,
por intermédio do Decreto Legislativo n. 3.724, de 15 de janeiro de 1919. A criação
da Organização Internacional do Trabalho - OIT - pelo Tratado de Versailles
incrementou a produção das normas preventivas, tanto que, já na sua primeira
reunião no ano de 1919, foram adotadas seis convenções, que direta ou
indiretamente visavam à proteção da saúde, bem-estar e integridade física dos
trabalhadores, porquanto tratavam da limitação da jornada, desemprego, proteção
à maternidade, trabalho noturno das mulheres, idade mínima para admissão de
crianças e trabalho noturno dos menores.
Com o tempo, entretanto, percebeu-se que era preciso ir além do simples
atendimento médico, pois, sem interferência nos fatores causais, o tratamento não
surtiria efeito satisfatório. Entra em cena, então, a contribuição da Engenharia por
intermédio da Higiene ocupacional e, posteriormente, da Ergonomia, cuja análise
multidisciplinar conta com a participação de fisiologistas, psicólogos, arquitetos,
médicos e engenheiros. Com efeito, tem início, em meados do século XX, a etapa da
“Saúde Ocupacional”. Alarga-se o conceito de saúde, com a criação da Organização
Mundial de Saúde - OMS - em 1946 e o Brasil amplia as normas de segurança e
medicina do trabalho, instituindo os Serviços Especializados em Engenharia de
Segurança e Medicina do Trabalho - SESMT - e as Comissões Internas de Prevenção
de Acidentes - CIPA. A mudança do Capítulo V do Título II da CLT, por intermédio da
Lei n. 6.514/77, teve o propósito de aprofundar as medidas preventivas para retirar o
Brasil da incômoda posição de campeão mundial em acidentes do trabalho. No ano
de 1978 o Ministério do Trabalho publicou a consolidação das normas de segurança
e medicina do trabalho, por intermédio da Portaria n. 3.214.
Apesar do relativo progresso normativo, as doenças e acidentes do trabalho
continuaram afetando duramente a classe trabalhadora, sobretudo pelo rápido
processo de industrialização. Diante desse quadro preocupante tem início a reação
dos trabalhadores, reivindicando melhores condições de segurança, higiene e saúde
no local de trabalho e o direito de opinar e receber informações sobre essas questões.
O movimento sindical começa a questionar a validade dos adicionais de remuneração
para compensar a exposição aos riscos ocupacionais e adota a bandeira de que
saúde não se vende por preço algum, chegando a rotular o adicional de insalubridade
como adicional do suicídio. A Convenção da OIT n. 155 sobre segurança e saúde
dos trabalhadores dá impulso a essa nova mentalidade, consagrando a participação
ativa dos trabalhadores nas questões envolvendo segurança, saúde e meio ambiente
de trabalho. Assim, desde o último quartel do século XX, quando os trabalhadores
passaram a reivindicar as melhorias do meio ambiente de trabalho, está em curso
uma nova etapa, ou movimento, denominada “Saúde do Trabalhador”.
No Brasil, a Constituição da República de 1988 foi o marco principal de
introdução da etapa da saúde do trabalhador no ordenamento jurídico. A saúde foi
considerada como direito social, ficando garantida aos trabalhadores a redução
dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
Ficou estabelecido também que a saúde é direito de todos e dever do Estado, em
sintonia com as declarações internacionais. A Lei Orgânica da Saúde (8.080/90) e
as leis previdenciárias (8.212/91 e 8.213/91) também instituíram normas de amparo
à saúde do trabalhador. Coroando no plano jurídico a implantação das idéias básicas
da etapa da saúde do trabalhador, o Brasil ratificou em 1990 a Convenção n. 161
da OIT sobre Serviços de Saúde do Trabalho e em 1992 a Convenção n. 155,
também da OIT, sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores.
Enquanto se busca a consolidação das etapas mencionadas, já se esboça
com firmeza uma quarta etapa, de proteção mais ampla, denominada “qualidade
de vida do trabalhador ou qualidade de vida no trabalho”. A Constituição de 1988
contempla no art. 225 o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como
essencial à sadia qualidade de vida, destacando no art. 200, VIII, a proteção ao
meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. A expansão e o reconhecimento
do direito ambiental acaba beneficiando também o meio ambiente do trabalho e a
qualidade de vida do trabalhador.
Sintetizando as etapas evolutivas da relação trabalho-saúde, pode-se
observar que as primeiras preocupações foram com a segurança do trabalhador,
para afastar a agressão mais visível dos acidentes do trabalho; posteriormente,
preocupou-se, também, com a medicina do trabalho para curar as doenças
ocupacionais; em seguida, ampliou-se a pesquisa para a higiene industrial, visando
a prevenir as doenças e garantir a saúde; mais tarde, o questionamento passou
para a saúde do trabalhador, na busca do bem-estar físico, mental e social.
Atualmente, em sintonia com o princípio fundamental da dignidade da pessoa
humana, expressamente adotado pela Constituição de 1988, pretende-se avançar
além da saúde do trabalhador: busca-se a integração do trabalhador com o homem,
o ser humano dignificado e satisfeito com a sua atividade, que tem vida dentro e
fora do ambiente de trabalho, que pretende, enfim, qualidade de vida.
Como se vê, no Brasil, não houve um desenvolvimento uniforme dessas
etapas, mas, pelo menos, a legislação já incorporou avanços importantes. O desafio
da hora presente é dar efetividade aos preceitos instituídos, ou seja, tornar real o
que já é legal. E nesse ponto, é lamentável constatar que as indenizações por
acidente do trabalho têm sido o argumento mais convincente para motivar o
empregador ao cumprimento das normas de segurança e saúde no local de trabalho.

3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA SEGURANÇA E SAÚDE DO


TRABALHADOR

No item anterior registramos resumidamente as etapas da construção teórica


do direito à saúde do trabalhador. Agora vamos pôr em foco o direito já positivado
no Brasil, a começar pelas normas de maior hierarquia, ou seja, aquelas insculpidas
na atual Constituição da República.
Tomando como ponto de partida os princípios basilares da Constituição de
1988 consagrados no art. 1º, é imprescindível considerar que a República Federativa
do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos,
dentre outros, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho. A ordem
econômica deve estar apoiada na valorização do trabalho (art. 170) e a ordem social
terá como base o primado do trabalho (art. 193). Além disso, constitui objetivo
fundamental da República construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I).
O princípio constitucional de que a saúde é direito de todos e dever do
Estado (art. 196), adaptado para o campo do Direito do Trabalho, indica que a
saúde é direito do trabalhador e dever do empregador. Para isso, a Constituição
garantiu no art. 7º, XXII, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança. A segurança visa à integridade física do
trabalhador e a higiene tem por objetivo o controle dos agentes do ambiente de
trabalho para a manutenção da saúde no seu amplo sentido. Pela primeira vez, o
texto da Constituição menciona “normas de saúde”, e, por isso, não pode ser
relegada a segundo plano a amplitude do conceito de saúde, que abrange o bem-
estar físico, mental e social. A conclusão que se impõe é que o empregador tem
obrigação de promover a redução de todos os fatores (físicos, químicos, biológicos,
fisiológicos, estressantes, psíquicos etc.) que afetam a saúde do empregado no
ambiente de trabalho. Em sintonia com esse princípio da redução dos riscos, a
alternativa de utilização dos equipamentos de proteção individual só deverá ser
implementada quando tiverem sido adotados todos os meios conhecidos para
eliminação do risco e este, ainda assim, permanecer.
Ademais, prevê o art. 5º, § 2º, que os direitos e garantias expressos na
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, o que engloba,
sem dúvida, as convenções ratificadas da Organização Internacional do Trabalho.
Esses princípios fundamentais entalhados no alto da hierarquia constitucional
devem estar no ponto de partida de qualquer análise a respeito das normas de
proteção à vida e à saúde dos trabalhadores. A função ordenadora e estruturante
dos princípios permite compreender sistematicamente o tema em estudo, valendo
citar nesse sentido o conceito jurídico de princípio, adotado por Celso Antônio
Bandeira de Mello:

Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição


fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito
e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente
por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere
a tônica e lhe dá sentido harmônico.1

Com efeito, aquele que não considerar os princípios constitucionais positivos


estará lidando apenas na periferia do Direito, ignorando as íntimas conexões do
ramo específico com o seu tronco de sustentação, sua causa primeira. Avistando o
continente sem captar o conteúdo, atento ao detalhe mas distraído do conjunto,
não perceberá a irradiação da seiva tonificante, transitando do núcleo constitucional
para abastecer e vitalizar toda a extensão que a ciência jurídica abarca,
influenciando com certeza todo o regramento da proteção jurídica à saúde do
trabalhador.
Aliás, o próprio Supremo Tribunal Federal, em sua composição plenária, ao
julgar a ADI-MC n. 1.347-5, colocou nos fundamentos do acórdão a importância
dos princípios constitucionais:

Não se pode perder de perspectiva, neste ponto, que também os


valores sociais do trabalho constituem um dos fundamentos sobre os quais
se edifica, de modo permanente, a construção do Estado democrático de
direito (CF, art. 1º, IV, primeira parte), pois é preciso reconhecer que o sentido
tutelar que emana desse postulado axiológico abrange, dentre outras
providências, a adoção, tanto pelos organismos públicos quanto pela própria
comunidade empresarial, de medidas destinadas a proteger a integridade
da saúde daqueles que são responsáveis pela força de trabalho.
A preservação da saúde da classe trabalhadora constitui um dos
graves encargos de que as empresas privadas são depositárias.

4 A SAÚDE DO TRABALHADOR NAS CONVENÇÕES DA OIT

O Brasil, como membro da OIT, já ratificou diversas convenções relacionadas


com a segurança, a saúde e o meio ambiente do trabalho. Na realidade, a OIT vem
promovendo, na medida do possível, a uniformização internacional do Direito do
Trabalho, de modo a propiciar uma evolução harmônica das normas de proteção
ao trabalhador e alcançar a universalização da justiça social e do trabalho digno
para todos.
As convenções da OIT, uma vez ratificadas pelo Brasil, incorporam-se à
legislação interna (§ 2º do art. 5º da Constituição Federal), podendo, assim, criar,
alterar, complementar ou revogar as normas legais em vigor.2 É importante assinalar
que a OIT controla a aplicação das convenções ratificadas, devendo o Estado-Membro
remeter relatórios anuais e comunicações periódicas para acompanhamento. Além
disso, as organizações profissionais de empregados ou de empregadores também
podem apresentar reclamação à Repartição Internacional do Trabalho, de acordo
com o que estabelecem os arts. 24 e 25 da Constituição da OIT.3
Diversas convenções da OIT ratificadas pelo Brasil tratam do tema da
segurança, saúde e meio ambiente do trabalho. Dependendo da atividade da
empresa, será necessário consultar convenções específicas, para verificar se o
empregador adotou todas as medidas preventivas indicadas, como por exemplo:
Convenção n. 115 sobre radiações ionizantes; Convenção n. 136 sobre benzeno;
Convenção n. 139 sobre substâncias ou produtos cancerígenos; Convenção n.
162 sobre asbesto; Convenção n. 170 sobre produtos químicos; Convenção n. 171
sobre trabalho noturno etc.
No entanto, merecem maior atenção, pela amplitude de abrangência, três
dessas convenções: 1. A Convenção n. 148 que trata dos riscos devidos à
contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho4; 2. A Convenção
n. 155 que trata da segurança e saúde dos trabalhadores e do meio ambiente de
trabalho5; 3. A Convenção n. 161 que trata dos serviços de saúde no local de
trabalho.6
Convém destacar, como exemplo do grau de importância, dois artigos da
Convenção n. 155 acima mencionada:

Art. 4 - 1. Todo Membro deverá, em consulta às organizações mais


representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta
as condições e a prática nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar
periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e
saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho. 2. Essa política
terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem
conseqüência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou
se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que
for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente
de trabalho.

Art. 8 - Todo Membro deverá adotar, por via legislativa ou regulamentar ou


por qualquer outro método de acordo com as condições e a prática nacionais,
e em consulta às organizações representativas de empregadores e de
trabalhadores interessadas, as medidas necessárias para tornar efetivo o
artigo 4 da presente Convenção.

Como se verifica, ao ratificar essa Convenção, o Brasil assumiu importantes


compromissos perante a comunidade internacional, pois deverá instituir e
reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança
e saúde dos trabalhadores e do meio ambiente de trabalho. Pelo que dispõe o art.
8º, seja pela via legal ou regulamentar, deverão ser adotadas as medidas
necessárias para tornar efetivas as normas de proteção à segurança e saúde dos
trabalhadores.
As convenções da OIT estabelecem diversas normas importantes e servem
para fundamentar a legalidade de muitos dos regulamentos baixados pelo Ministério
do Trabalho em matéria de segurança e saúde no ambiente de trabalho. Merecem,
portanto, mais divulgação entre os operadores jurídicos, especialmente para dar
mais efetividade aos seus preceitos.
O número crescente de acidentes e doenças ocupacionais dos últimos anos,
considerando as estatísticas mundiais, motivou a OIT no sentido de adotar
estratégias diretas para tentar interromper ou reverter esse quadro preocupante.
São cifras de certa forma alarmantes que passaram a exigir medidas emergenciais
de enfrentamento. Basta mencionar que a cada hora, no mundo, por volta de 250
trabalhadores estão perdendo a vida por acidente do trabalho ou doença
ocupacional.
No ano de 2003, diante do agravamento demonstrado pelas estatísticas, a
OIT criou um plano de ação para promover a segurança e a saúde no trabalho,
com abrangência global, por meio de uma Resolução.7 Registra referido documento
que os esforços para solucionar os problemas na área da segurança e saúde no
trabalho, tanto em nível nacional quanto internacional, têm sido dispersos e
fragmentados e não possuem a coerência necessária para produzir um impacto
real. Como pilar dessa nova estratégia global, a OIT propôs a instauração de uma
cultura efetiva de prevenção em matéria de segurança e saúde no trabalho, com
emprego de todos os meios disponíveis para sensibilização, conhecimento e
compreensão geral sobre os perigos e riscos ocupacionais. Enfatizou também o
propósito de se atribuir máxima prioridade ao princípio da prevenção. Para atingir
tais objetivos, a OIT vem adotando uma campanha internacional de informação e
sensibilização, centrada na promoção do conceito de gestão racional de segurança
e saúde no trabalho, tanto que instituiu um “Dia Mundial sobre Segurança e Saúde
no Trabalho”, a ser celebrado no dia 28 de abril de cada ano. 8
No mesmo sentido, na 13ª Reunião do Comitê misto OIT/OMS, decidiu-se
conjugar esforços das duas organizações mundiais para adoção de um enfoque
integrado da segurança e saúde no trabalho com os sistemas de gestão de
segurança e saúde ocupacional.9 Com propósito semelhante, o Conselho da União
Européia adotou uma Resolução, no dia 3 de junho de 2002, a respeito de uma
nova estratégia comunitária de saúde e segurança no trabalho. Nesse documento
há menção de que “a aplicação da legislação ainda não produziu os resultados
esperados tanto que o número de acidentes continua elevado em termos absolutos,
observando-se um recrudescimento do número de acidentes em certos Estados-
Membros”.
Conforme planejado em 2003, o tema em questão foi incluído na ordem do
dia das reuniões ordinárias da OIT realizadas em 2005 e 2006, visando à adoção
de um novo instrumento, de grande prestígio e repercussão no campo da segurança
e saúde no trabalho. Com efeito, no dia 15 de junho de 2006, a OIT aprovou a
Convenção n. 187, intitulada “Marco promocional para a segurança e saúde no
trabalho”, que tem como objetivo aprofundar as medidas de proteção, devendo o
Estado-Membro que a ratificar instituir efetivamente uma cultura nacional de
prevenção, de modo a promover, como prioridade máxima, a melhoria contínua da
segurança e saúde no trabalho.
Os números aflitivos das estatísticas mundiais a respeito dos acidentes do
trabalho e doenças ocupacionais reforçam e fundamentam a busca de uma nova
ética de segurança e saúde como pressuposto indispensável para alcançar o
trabalho digno e decente. Fica muito evidente, portanto, a tendência para os
próximos anos de conferir grande destaque e vigoroso impulso ao direito dos
trabalhadores a um meio ambiente de trabalho seguro e saudável.

5 NORMAS DE SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHADOR PREVISTAS


NA CLT

As normas que tratam da proteção à segurança e à saúde do trabalhador


estão dispersas em diversos diplomas legais, abrangendo vários ramos do Direito,
sem uma consolidação adequada, o que dificulta o seu conhecimento, consulta,
aplicação e efetividade. Aliás, seria conveniente que houvesse um organismo central
para cuidar desse assunto, como sugere o art. 15.2 da Convenção n. 155 da OIT.
Também seria recomendável a aprovação de um Código Nacional da Segurança e
Saúde do Trabalhador, conforme vez por outra tem sido cogitado. A codificação
oferece mais coerência e homogeneidade ao sistema, suprime as lacunas, simplifica
e facilita a compreensão do regramento legal da matéria.
A fonte principal dessas normas, em nível de lei ordinária, é o Capítulo V do
Título II da CLT, intitulado “Segurança e Medicina do Trabalho”, abrangendo do
artigo 154 ao 201. Desde a promulgação da CLT em 1943 esse capítulo foi
inteiramente reformulado duas vezes, sendo a primeira por intermédio do Decreto-
lei n. 229, de 28 de fevereiro de 1967 e a segunda vez pela Lei n. 6.514, de 22 de
dezembro de 1977. Nesta última mudança adotou-se uma técnica legislativa
diferente, nem sempre percebida pela doutrina. Em vez de um detalhamento mais
elaborado dos preceitos nos dispositivos legais, optou-se por delegar competência
normativa ao Ministério do Trabalho não só para regulamentar, mas também para
complementar as normas do capítulo, como expressamente prevê o art. 200 da
CLT:

Art. 200 - Cabe ao Ministério do Trabalho estabelecer disposições


complementares às normas de que trata este Capítulo, tendo em vista as
peculiaridades de cada atividade ou setor de trabalho, especialmente sobre:
I - medidas de prevenção de acidentes e os equipamentos de proteção
individual em obras de construção, demolição ou reparos;
II - depósitos, armazenagem e manuseio de combustíveis, inflamáveis e
explosivos, bem como trânsito e permanência nas áreas respectivas;
III - trabalho em escavações, túneis, galerias, minas e pedreiras, sobretudo
quanto à prevenção de explosões, incêndios, desmoronamentos e
soterramentos, eliminação de poeiras, gases, etc. e facilidades de rápida
saída dos empregados;
IV - proteção contra incêndio em geral e as medidas preventivas adequadas,
com exigências ao especial revestimento de portas e paredes, construção
de paredes contra-fogo, diques e outros anteparos, assim como garantia
geral de fácil circulação, corredores de acesso e saídas amplas e protegidas,
com suficiente sinalização;
V - proteção contra insolação, calor, frio, umidade e ventos, sobretudo no
trabalho a céu aberto, com provisão, quanto a este, de água potável,
alojamento e profilaxia de endemias;
VI - proteção do trabalhador exposto a substâncias químicas nocivas,
radiações ionizantes e não-ionizantes, ruídos, vibrações e trepidações ou
pressões anormais ao ambiente de trabalho, com especificação das medidas
cabíveis para eliminação ou atenuação desses efeitos, limites máximos
quanto ao tempo de exposição, à intensidade da ação ou de seus efeitos
sobre o organismo do trabalhador, exames médicos obrigatórios, limites de
idade, controle permanente dos locais de trabalho e das demais exigências
que se façam necessárias;
VII - higiene nos locais de trabalho, com discriminação das exigências,
instalações sanitárias com separação de sexos, chuveiros, lavatórios,
vestiários e armários individuais, refeitórios ou condições de conforto por
ocasião das refeições, fornecimento de água potável, condições de limpeza
dos locais de trabalho e modo de sua execução, tratamento de resíduos
industriais;
VIII - emprego das cores nos locais de trabalho, inclusive nas sinalizações
de perigo.
Parágrafo único - Tratando-se de radiações ionizantes e explosivos, as
normas a que se referem este artigo serão expedidas de acordo com as
resoluções a respeito adotadas pelo órgão técnico.

Além da delegação genérica estampada no artigo supra, ao longo de todo o


capítulo há delegações específicas, determinando a expedição de normas técnicas
pelo Ministério do Trabalho, tanto para regulamentar quanto para complementar
as previsões enunciadas, bastando conferir os artigos 155, 162, 163, 168, 169,
174, 175, 178, 179, 182, 186, 187, 188, 190, 192, 193, 194, 195, 196 e 198, todos
da CLT. Essa opção do legislador acabou reduzindo a extensão do Capítulo V
mencionado que, antes da reforma de 1977, era composto de 70 artigos e depois
ficou reduzido a 48, já que houve revogação expressa dos arts. 202 a 223 da CLT
pelo art. 5º da Lei n. 6.514/77.
O Capítulo V do Título II da CLT está dividido em 16 seções traçando as
linhas básicas das normas de segurança, medicina e saúde do trabalhador no
Brasil. Lamentavelmente, os dispositivos mais conhecidos desse capítulo, nos meios
jurídicos, são os que tratam dos adicionais de insalubridade e de periculosidade,
demonstrando que a pretensão remuneratória imediata despertou mais interesse
do que o propósito de preservação da vida e da saúde.
Merece destaque no capítulo a disposição do art. 157 da CLT que atribuiu
às empresas o dever de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina
do trabalho, devendo, para tanto, instruir os empregados, através de ordens de
serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho
ou doenças ocupacionais. A ênfase no “fazer cumprir” indica que é o empregador
que deve tomar a iniciativa de criar uma cultura prevencionista, especialmente
porque detém o poder diretivo e disciplinar, podendo até mesmo dispensar por
justa causa o empregado que resiste ao cumprimento de suas determinações no
campo de segurança e saúde no trabalho (art. 158).
As normas desse capítulo, diante da delegação normativa mencionada,
foram minuciosamente detalhadas por intermédio da Portaria do Ministério do
Trabalho n. 3.214/78, que representa na prática a consolidação das normas de
segurança, higiene e saúde dos trabalhadores no Brasil.

6 VALIDADE DAS DELEGAÇÕES NORMATIVAS

Como mencionamos no item anterior, o Ministério do Trabalho, além de


expedir instruções para a execução das leis, também pode inovar no mundo jurídico
criando normas de prevenção de acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais,
por delegação específica de diversos artigos da CLT e delegação genérica do art.
200 do mesmo Diploma Legal.
Cabe neste passo uma indagação: essas delegações são válidas no nosso
ordenamento jurídico? São inconstitucionais ou ilegais os atos regulamentares
baixados pelo Ministério do Trabalho?
Aliás, observamos no dia a dia que muitos operadores do Direito do Trabalho,
apegados em demasia ao princípio da legalidade, não concedem a devida atenção
às normas de segurança e saúde baixadas pelo Ministério do Trabalho ou então
questionam a legalidade das previsões das portarias regulamentares.
É verdade que, em regra, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei, como estabelece o inciso II do art. 5º da
Constituição da República, também conhecido como princípio da legalidade
genérica. Esse princípio representa importante garantia do cidadão contra o arbítrio
estatal porque atribui ao povo, por intermédio de seus representantes regularmente
eleitos, a competência normativa, ou seja, cabe ao Poder Legislativo a competência
para inovar na ordem jurídica.
No entanto, não se deve interpretar o princípio da legalidade como a
exigência de dispositivo legal literal e expresso porque há princípios e regras
jurídicas que estão implícitos no ordenamento jurídico. Como bem acentua Marçal
Justen Filho,

a disciplina jurídica é produzida pelo conjunto das normas jurídicas, o que


exige compreender que, mesmo sem existir dispositivo literal numa lei, o
sistema jurídico poderá impor restrição à autonomia privada e
obrigatoriedade de atuação administrativa. Em suma, o princípio da
legalidade não conduz a uma interpretação literal das leis para determinar
o que é permitido, proibido ou obrigatório.10

A teoria clássica da separação dos Poderes vem sofrendo ajustamentos e


revisões pontuais diante da ampliação das atividades estatais e da necessidade
de solução imediata das demandas dos tempos atuais, especialmente aquelas de
ordem técnica ou científica. A demora do processo legislativo não oferece respostas
em tempo adequado para muitas questões urgentes que exigem posicionamento
imediato do Executivo. Daí por que a Constituição atribui competência ao Presidente
da República para expedir regulamentos para a fiel execução da lei (art. 84, IV),
como também atribui aos Ministros de Estado a competência para expedir instruções
para a execução das leis, decretos e regulamentos (art. 87, parágrafo único, II).
Mas qual seria o campo reservado à lei e o espaço destinado ao
regulamento? Inicialmente, cabe fixar um primeiro divisor: a competência
regulamentar é dependente da competência legislativa, ou seja, o regulamento
não pode contrariar qualquer previsão legal, sob pena de ficar caracterizada a
ilegalidade da norma regulamentar. O regulamento pode e deve estabelecer
preceitos normativos que traduzam o adequado cumprimento da norma legal,
completando ou mesmo complementando as previsões da fonte legislativa. Se o
regulamento ficasse restrito à mera repetição do texto legal, não teria qualquer
utilidade. Na lição de Caio Tácito, “regulamentar não é somente reproduzir
analiticamente a lei, mas ampliá-la e completá-la, segundo o seu espírito e o seu
conteúdo, sobretudo nos aspectos que a própria lei, expressa ou implicitamente,
outorga à esfera regulamentar”.11 Também ocorre de o legislador deixar espaço
mais amplo para o regulamento nas hipóteses que envolvem conceitos jurídicos
indeterminados, mas a regulamentação deverá ser compatível com os comandos
estampados na lei.
O Ministro do STF, Celso de Mello, no julgamento da liminar da ADI-MC
561-DF, consignou nos fundamentos da decisão:

É preciso ter presente que, não obstante a função regulamentar efetivamente


sofra os condicionamentos normativos impostos, de modo imediato, pela
lei, o Poder Executivo, ao desempenhar concretamente a sua competência
regulamentar, não se reduz à condição de mero órgão de reprodução do
conteúdo material do ato legislativo a que se vincula.12

O espaço de atuação do regulamento, no entanto, fica mais restrito quando


a Constituição expressamente atribui à própria lei a regulamentação de determinada
matéria, pelo mecanismo da reserva legal ou legalidade estrita. Em muitas ocasiões
o texto da Carta Maior estabelece que “a lei criará”, “a lei disporá”, “nos limites da
lei”, “na forma da lei” etc. Vejam, por exemplo, o que prevê o art. 7º, XIX: “licença-
paternidade, nos termos fixados em lei”. Assim, somente norma legal e não um
decreto do Executivo pode disciplinar a concessão da licença-paternidade.
Por outro lado, quando a Constituição não estabelece o princípio da
legalidade estrita ou a reserva legal, o regulamento goza de maior autonomia, uma
vez que está vinculado apenas à legalidade simples ou genérica. Em vez de a lei
disciplinar exaustivamente um tema atribui competência para o regulamento
completar os comandos normativos. Com efeito, quando a Constituição estabeleceu
no artigo 7º, XXII, “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas
de saúde, higiene e segurança”, deixou ao Poder Executivo maior campo de atuação
para regulamentar os preceitos legais.
Diante dessa flexibilização da antiga regra que vedava a delegação
normativa, pode-se observar que tem sido comum atribuir ao Executivo a
regulamentação de matérias nas quais predomina o caráter técnico-científico.13
Anota Marçal Justen que

a discricionariedade administrativa é atribuída por via legislativa, caso a


caso. Isso equivale a reconhecer, dentre outros poderes atribuídos
constitucionalmente ao Legislativo, aquele de transferir ao Executivo a
competência para editar normas complementares àquelas derivadas da fonte
legislativa.14

Essa ampliação do poder regulamentar da Administração Pública foi bem


registrada pelo constitucionalista Clèmerson Merlin:

A importância do poder regulamentar vem aumentando, ultimamente, em


virtude do desenvolvimento técnico da sociedade moderna, bem como da
exasperação das responsabilidades do Estado. O número de matérias a
exigir disciplina normativa cresce de modo assustador. Nas áreas de cunho
absolutamente técnico (composição química dos alimentos industrializados,
por exemplo) o legislador, inclusive por não dispor da formação adequada,
vê-se compelido a transferir ao Executivo o encargo de completar a disciplina
normativa básica contida em lei.15
A lei traça o núcleo do mandamento, as idéias básicas e delega competência
a um órgão do Poder Executivo para completar e disciplinar os preceitos normativos,
o que tem sido chamado doutrinariamente de discricionariedade técnica,
deslegalização, competência normativa secundária ou delegação normativa.
Naturalmente, o regulamento, mesmo inovando na ordem jurídica, não poderá
afastar-se das razões objetivas da delegação recebida, nem contrariar qualquer
preceito expresso ou implícito contido na lei delegante.
Nota-se, portanto, uma ampliação da competência normativa da Administração
Pública, delegada expressamente pelo próprio Poder Legislativo, mormente em
razão do avanço da ciência e da complexidade técnica da vida moderna.
Exemplo recente dessa delegação normativa é o que ocorre com as agências
reguladoras, instituídas no Brasil com respaldo constitucional, conforme previsto
nos artigos 21, XI e 177, § 2º, III da Carta Maior. Nesse sentido podemos citar a
Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL (Lei n. 9.427/96), a Agência Nacional
de Telecomunicações - ANATEL (Lei n. 9.472/97), Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (Lei n. 9.782/99), o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos
Hídricos (Lei n. 9.433/97), a Agência Nacional do Petróleo - ANP (Lei n. 9.478/97),
dentre outras, que têm um papel de gerenciamento da atividade privada de serviços
públicos, recebendo delegação controlada da função normativa.
Acentua Diogo de Figueiredo Moreira Neto que

essa competência normativa atribuída às agências reguladoras é a chave


de uma desejada atuação célere e flexível para a solução, em abstrato e
em concreto, de questões em que predomine a escolha técnica, distanciada
e isolada das disputas partidarizadas e dos complexos debates congressuais
em que predominam as escolhas abstratas político-administrativas...16

No caso específico das normas de segurança e saúde do trabalhador a


delegação normativa ao Ministério do Trabalho vem ocorrendo há muito, mas com
maior ênfase a partir da Lei n. 6.514/77, conforme acima mencionado. Discorrendo
a respeito dessa delegação, anotou o insigne Gabriel Saad:

[...] a tecnologia, mercê dos rápidos progressos da ciência, quase que


diariamente engendra novos processos de produção, idealiza outros
equipamentos e utiliza nos manufaturados, materiais e substâncias que se
convertem em outros tantos agentes agressivos e nocivos à saúde do
trabalhador. Por essa razão, é usual em todos os países do mundo que, em
relação ao assunto que vimos tratando, receba o Poder Executivo poderes
muito amplos para regulamentar normas legais voltadas para a saúde
ocupacional. No caso particular do Brasil, a orientação é idêntica. O legislador
estabelece os princípios gerais, como se fossem normas balizadoras do
poder regulamentar, mas deixando grande campo para o exercício dessa
faculdade pelo Executivo ou, melhor falando, pelo Ministério do Trabalho.17
No âmbito do Supremo Tribunal Federal essa delegação normativa vem
sendo acolhida como regular, valendo citar duas Súmulas que fazem menção
expressa à competência delegada ao Ministério do Trabalho para expedir normas
na área de segurança e saúde do trabalhador:

Súmula 194 - STF: É competente o Ministro do Trabalho para especificação


das atividades insalubres.
Súmula 460 - STF: Para efeito do adicional de insalubridade, a perícia judicial,
em reclamação trabalhista, não dispensa o enquadramento da atividade
entre as insalubres, que é ato da competência do Ministro do Trabalho.

Além disso, em diversos julgamentos o STF reputou válida a competência


normativa delegada ao Poder Executivo ou deixou de conhecer de ação direta de
inconstitucionalidade, valendo citar alguns acórdãos:

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade - Ato regulamentar. A Lei n.


4.117/62, ao reconhecer um amplo espaço de atuação regulamentar ao
Poder Executivo (art. 7º, § 2º), outorgou-lhe condições jurídico-legais para -
com o objetivo de estruturar, de empregar e de fazer atuar o Sistema Nacional
de Telecomunicações - estabelecer novas especificações de caráter técnico,
tornadas exigíveis pela evolução tecnológica dos processos de comunicação
e de transmissão de símbolos, sinais, escritos, imagens, sons ou informações
de qualquer natureza.

Ementa: Constitucional - Tributário - Contribuição: Seguro de Acidente do


Trabalho - III. - As Leis n. 7.789/89, art. 3º, II, e n. 8.212/91, art. 22, II,
definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a
obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a
complementação dos conceitos de “atividade preponderante” e “grau de
risco leve, médio e grave”, não implica ofensa ao princípio da legalidade
genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I.

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade - Instrução Normativa -


Portarias n. 24/94 e n. 25/94 do Secretário de Segurança e Saúde no
Trabalho - Prevenção contra situações de dano no ambiente de trabalho
- Controle médico de saúde ocupacional - Ato desvestido de
normatividade qualificada para efeito de impugnação em sede de controle
concentrado de constitucionalidade - Ação não conhecida. A Constituição
da República, em tema de ação direta, qualifica-se como o único
instrumento normativo revestido de parametricidade, para efeito de
fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal
Federal.
O controle normativo abstrato, para efeito de sua válida instauração, supõe
a ocorrência de situação de litigiosidade constitucional que reclama a
existência de uma necessária relação de confronto imediato entre o ato
estatal de menor positividade jurídica e o texto da Constituição Federal.
Revelar-se-á processualmente inviável a utilização da ação direta, quando
a situação de inconstitucionalidade - que sempre deve transparecer
imediatamente do conteúdo material do ato normativo impugnado - depender,
para efeito de seu reconhecimento, do prévio exame comparativo entre a
regra estatal questionada e qualquer outra espécie jurídica de natureza
infraconstitucional, como os atos internacionais - inclusive aqueles
celebrados no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (O.I.T) -
que já se acham incorporados ao direito positivo interno do Brasil, pois os
Tratados concluídos pelo Estado Federal possuem, em nosso sistema
normativo, o mesmo grau de autoridade e de eficácia das leis nacionais.
Se a instrução normativa, em decorrência de má interpretação das leis e de
outras espécies de caráter equivalente, vem a positivar uma exegese apta
a romper a hierarquia normativa que deve observar em face desses atos
estatais primários, aos quais se acha vinculada por um claro nexo de
acessoriedade, viciar-se-á de ilegalidade - e não de inconstitucionalidade -,
impedindo, em conseqüência, a utilização do mecanismo processual da
fiscalização normativa abstrata. Precedentes: RTJ 133/69 - RTJ 134/559.
O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que se
acha materialmente vinculado poderá configurar insubordinação
administrativa aos comandos da lei. Mesmo que desse vício jurídico resulte,
num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda
assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade
meramente reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em
sede jurisdicional concentrada.

Ementa: Ação Direta de inconstitucionalidade com pedido de liminar.


Argüição de inconstitucionalidade total, ou pelo menos parcial, da Portaria
n. 3.435 do Ministério do Trabalho. - A autora não tem legitimatio ad causam
por não ser Confederação Sindical Nacional. Por outro lado, ainda que se
entenda que a alusão, no inciso IX do artigo 103 da Carta Magna, a essas
Confederações não exclui as outras entidades sindicais, a Federação em
causa também não tem as características de entidade de classe de âmbito
nacional.
- Ademais, há, no caso, impossibilidade jurídica do pedido, pois é firme o
entendimento desta Corte de que, em se tratando de norma
regulamentadora, não cabe ação direta de inconstitucionalidade para a
verificação da ocorrência, ou não, de extravasamento da esfera
regulamentar, por se considerar que se este se der se configurará ilegalidade,
e não inconstitucionalidade.
Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida.

Também no Tribunal Superior do Trabalho a delegação normativa ao


Ministério do Trabalho tem sido acolhida:
123

OJ SDI-I/TST N. 04 - Adicional de insalubridade - Lixo urbano. I - Não basta


a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o
empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a
classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo
Ministério do Trabalho.

OJ SDI-I/TST n. 345. Adicional de periculosidade. Radiação ionizante ou


substância radioativa. Devido. DJ 22.06.05. A exposição do empregado à
radiação ionizante ou à substância radioativa enseja a percepção do
adicional de periculosidade, pois a regulamentação ministerial (Portarias
do Ministério do Trabalho n. 3.393, de 17.12.1987, e 518, de 07.04.2003),
ao reputar perigosa a atividade, reveste-se de plena eficácia, porquanto
expedida por força de delegação legislativa contida no art. 200, caput, e
inciso VI, da CLT. No período de 12.12.2002 a 06.04.2003, enquanto vigeu
a Portaria n. 496 do Ministério do Trabalho, o empregado faz jus ao adicional
de insalubridade.

7 NORMAS REGULAMENTADORAS DE SEGURANÇA E SAÚDE DO


TRABALHADOR

Diante das delegações específicas e genéricas da CLT, e em sintonia com


as convenções da OIT ratificadas pelo Brasil e outras leis ordinárias, o Ministério
do Trabalho sistematizou as normas preventivas por intermédio da Portaria n. 3.214,
de 08 de junho de 1978. Atualmente, essa Portaria representa, em nível normativo,
uma primeira consolidação das normas de segurança e saúde do trabalhador no
Brasil, consultada com freqüência pelos profissionais que atuam na área de
prevenção dos acidentes e doenças ocupacionais e pelos peritos judiciais.
A metodologia adotada, de dividir a regulamentação em normas separadas
por tema, permite ao Ministério do Trabalho promover atualizações parciais, de
acordo com a maior demanda ou necessidade do momento. Como bem enfatiza o
Juiz do Trabalho potiguar Edwar Abreu Gonçalves, especialista na matéria,

em decorrência da acelerada revolução tecnológica que tem desencadeado


profundas mudanças na relação trabalho-capital, as normas
regulamentadoras da proteção jurídica à segurança e saúde no trabalho
encontram-se em contínuo processo de atualização e modernização,
objetivando a melhoria das condições ambientais do trabalho, afinal de
contas, é missão institucional do Estado velar pela saúde e integridade física
de sua força produtiva.18

Depois das diversas modificações ocorridas e acréscimos realizados, a


Portaria n. 3.214/78 conta atualmente com 33 Normas Regulamentadoras - NR,
conforme discriminado no quadro a seguir:
124

QUADRO DAS NORMAS REGULAMENTADORAS DA PORTARIA N. 3.214/78


DO MINISTÉRIO DO TRABALHO

NR-1 Disposições Gerais NR-2 Inspeção Prévia


NR-3 Embargo ou Interdição NR-4 Serviços Especializados em
Engenharia de Segurança e em
Medicina do Trabalho
NR-5 Comissão Interna de Prevenção NR-6 Equipamentos de Proteção
de Acidentes - CIPA Individual - EPI
NR-7 Programas de Controle Médico NR-8 Edificações
de Saúde Ocupacional - PCMSO
NR-9 Programas de Prevenção de NR-10 Segurança em Instalações e
Riscos Ambientais - PPRA Serviços em Eletricidade
NR-11 Transporte, Movimentação, NR-12 Máquinas e Equipamentos
Armazenagem e Manuseio de
Materiais
NR-13 Caldeiras e Vasos de Pressão NR-14 Fornos
NR-15 Atividades e Operações NR-16 Atividades e Operações
Insalubres Perigosas
NR-17 Ergonomia NR-18 Condições e Meio Ambiente de
Trabalho na Indústria da Construção
NR-19 Explosivos NR-20 Líquidos Combustíveis e
Inflamáveis
NR-21 Trabalho a Céu Aberto NR-22 Segurança e Saúde
Ocupacional na Mineração
NR-23 Proteção Contra Incêndios NR-24 Condições Sanitárias e de
Conforto nos Locais de Trabalho
NR-25 Resíduos Industriais NR-26 Sinalização de Segurança
NR-27 Registro Profissional do Técnico NR-28 Fiscalização e Penalidades
de Segurança do Trabalho no MTB
NR-29 Norma Regulamentadora de NR-30 Norma Regulamentadora de
Segurança e Saúde no Trabalho Segurança e Saúde no Trabalho
Portuário Aquaviário
NR-31 Norma Regulamentadora de NR-32 Segurança e Saúde no Trabalho
Segurança e Saúde no Trabalho na em Estabelecimentos de Saúde
Agricultura, Pecuária, Silvicultura,
Exploração Florestal e Aqüicultura
NR-33 Segurança e Saúde nos
Trabalhos em Espaços Confinados

Importante ressaltar que o Ministério do Trabalho, há mais de dez anos,


adota para elaboração das normas regulamentadoras o sistema tripartite e paritário,
conforme preconizado pela OIT, ou seja, participam ativamente, influenciando na
elaboração das NRs, os empregados, os empregadores e o próprio governo. A
forma de participação de empregados e empregadores foi disciplinada pela Portaria
do Ministério do Trabalho n. 1.127, de 02 de outubro de 200319, a qual estabelece
que a definição de temas a serem normalizados e a identificação das normas a
serem revisadas deverão considerar pesquisas de natureza científica e sugestões
da sociedade. Além disso, deve ocorrer a publicação no Diário Oficial do texto
básico elaborado, para colher sugestões de toda a sociedade, as quais serão
analisadas pelo grupo constituído. Com essa participação tripartite, as normas
regulamentadoras passaram a ter mais legitimidade e maior aceitação dos atores
sociais diretamente envolvidos.
Conforme exposto acima, as normas regulamentadoras baixadas pelo
Ministério do Trabalho têm eficácia jurídica equiparada à da lei ordinária, devendo
o empregador adotar todas as precauções para o seu devido cumprimento. Algumas
normas são de caráter genérico, aplicáveis a todos empregadores e outras são
específicas porque direcionadas para determinadas atividades. Assim, se a vítima,
por exemplo, trabalhava com explosivos, devem-se pesquisar todas as regras
prescritas na NR-19; se atuava em obras de construção, é necessário analisar a
NR-18; se trabalhava numa mineradora, a pesquisa será feita na NR-22 e assim
por diante.
Aliás, a primeira pesquisa a ser feita na apuração das causas do acidente
do trabalho ou da doença ocupacional é verificar se a empresa cumpria corretamente
as normas regulamentadoras da Portaria n. 3.214/78. Uma vez constatado qualquer
descumprimento e que esse comportamento foi a causa do acidente, o empregador
arcará com as indenizações pertinentes porque ficará caracterizada a culpa contra
a legalidade.20 Vejam a respeito o entendimento da jurisprudência:

Acordo em Dissídio Coletivo - Segurança e Medicina do Trabalho - NR-7 -


Descumprimento - Exclusão de Cláusula. As disposições da NR n. 7, que
estabelecem a obrigatoriedade da elaboração e implementação, por parte
dos empregadores e instituições que admitam trabalhadores como
empregado do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional -
PCMSO e disciplinam a realização de exame médico ocupacional, têm como
objetivo a promoção e a preservação da saúde dos trabalhadores. Cuida-
se, como se vê, de normas de ordem pública e como tal excluídas da
disponibilidade das partes, que sobre elas não podem transigir. A
inobservância de tais dispositivos invalida as cláusulas ajustadas. Recurso
ordinário provido.

Responsabilidade civil - Acidente do trabalho - Indenização - Descumprimento


das normas regulamentadoras das atividades profissionais desempenhadas
pelo autor (NR-18) - Negligência da construtora - Culpa - Caracterização -
Age com culpa por acidente com trabalhador a empresa de construção civil
que, violando a NR-18 aprovada pela Portaria n. 3.214/78, deixa de iluminar
e dotar de proteção adequada o fosso dos elevadores, dando causa a sua
queda e morte.

Responsabilidade civil - Acidente do trabalho - Indenização - Direito Comum


- Morte do obreiro - Culpa do empregador - Infringência à Norma
Regulamentadora n. 11.2.6 - Caracterização - Cabimento - Em se tratando
de empilhamento manual de sacas de açúcar o limite máximo previsto na
NR 11.2.6 é de pilhas de no máximo 20 fiadas, comprovando que as pilhas
eram superiores ao limite ficou caracterizada a culpa da empregadora e a
procedência da ação de indenização”.

Ementa: Dano. Acidente do trabalho. Culpa do empregador - A lei incumbe


o empregador de zelar pela integridade física dos seus empregados. Nesse
sentido, o art. 157 da CLT determina às empresas: “I – cumprir e fazer cumprir
as normas de segurança e medicina do trabalho”. Assim também dispõe o §
1º do art. 19 da Lei n. 8.213/91, depois de definir o acidente do trabalho: “A
Empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e
individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador”. O risco do
negócio é sempre do empregador; assim sendo, quanto mais perigosa a
operação, quanto mais exposto a risco estiver o empregado tanto mais
cuidado se exige daquele quanto à prevenção de acidentes. Nesse diapasão,
evidencia-se a culpa do empregador pelo infortúnio acontecido ao
empregado, quando o primeiro não se desincumbe das determinações
previstas pelos dispositivos legais sobreditos e, além disso, descumpre a
NR-12, item 12.2.2, do Ministério do Trabalho e Emprego, ao não instalar
dispositivo de segurança para o acionamento da máquina utilizada pelo
empregado.

Em mais de uma oportunidade as entidades patronais tentaram, sem êxito,


a declaração de inconstitucionalidade das Normas Regulamentares do Ministério
do Trabalho pelo STF. Em 1990, a Federação Nacional das Empresas de Serviços
Técnicos de Informática e Similares - FENAIFO - ajuizou a Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 360-7 em face da Portaria n. 3.435 do Ministério do Trabalho
que tratava da NR-17 a respeito de Ergonomia, mas o STF, por unanimidade, não
conheceu da ação. De forma semelhante, em 1995, a Confederação Nacional de
Transportes - CNT - ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido
cautelar, n. 1.347-5, insurgindo-se contra as Portarias n. 24 e 25/94 baixadas pelo
Secretário de Segurança e Saúde no Trabalho, as quais reformularam as NRs 7
(PCMSO) e 9 (PPRA) da Portaria n. 3.214/78, mas também nesse caso o STF não
127

conheceu da ação. O entendimento reiterado do STF é que não cabe ação direta
de inconstitucionalidade para o exame de ato regulamentar de lei, sendo que
eventual extravasamento das Portarias aos comandos legais poderá ensejar o
controle difuso de legalidade, por ocasião do julgamento do caso concreto.21

8 OUTRAS NORMAS LEGAIS DE SEGURANÇA E SAÚDE DO


TRABALHADOR

Em nível de legislação ordinária, há normas espalhadas em diversos ramos


do Direito e leis esparsas que de alguma forma também tratam da proteção da vida
e da saúde do trabalhador ou da garantia de um ambiente de trabalho saudável.
A Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080/90) estabelece que a saúde é um
direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício, mas esclarece que o dever do Estado não
exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade (art. 2º). Também
menciona que estão incluídas no campo de atuação do Sistema Único de Saúde a
execução de ações de saúde do trabalhador, bem como a colaboração na proteção
do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (art. 6º). Além disso, relaciona
o conjunto de atividades englobadas no conceito de saúde do trabalhador, que
merece transcrição: art. 6º, § 3º:

Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto


de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica
e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores,
assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores
submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho,
abrangendo:
I - assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou
portador de doença profissional e do trabalho;
II - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de
Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e
agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;
III - participação, no âmbito de competência do Sistema Único de
Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de
produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio
de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que
apresentam riscos à saúde do trabalhador;
IV - avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;
V - informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e
às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional
e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações
ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão,
respeitados os preceitos da ética profissional;
VI - participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços
de saúde do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;
VII - revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no
processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades
sindicais; e
VIII - a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão
competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo ambiente
de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a vida ou saúde
dos trabalhadores”.

Convém destacar também a Lei n. 8.213/91 que dispõe sobre os Planos de


Benefícios da Previdência Social, cujo artigo 19, § 1º, estabelece que a empresa é
responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e
segurança da saúde do trabalhador. Acrescenta ainda no § 3º que é dever da
empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a
executar e do produto a manipular.
Em diversas outras leis ordinárias há disposições que se aplicam à proteção
da vida e da saúde do trabalhador, tais como: a) Lei n. 5.280/67 que proíbe a entrada
no país de máquinas e maquinismos sem os dispositivos de proteção e segurança
do trabalho exigidos pela CLT; b) Lei n. 5.889/73 que estatui as normas reguladoras
do trabalho rural; c) Lei n. 6.938/81 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio
Ambiente; d) Lei n. 7.802/89 que dispõe sobre a pesquisa, a experimentação, a
produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a
comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação,
o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a
inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins; e) Lei n. 8.069/
90 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente; f) Lei n. 8.078/90 que
institui o Código de Proteção e Defesa do Consumidor; g) Lei n. 9.503/97 que institui
o Código de Trânsito Brasileiro; h) Lei n. 9.605/98 que dispõe sobre as sanções
penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente;
i) Lei n. 9.719/98 que dispõe sobre normas e condições gerais de proteção ao trabalho
portuário; j) Lei n. 9.976/2000 que dispõe sobre a produção de cloro no Brasil; k) Lei
n. 10.406/2002 que institui o Código Civil; l) Lei n. 10.803/2003 que trata dos trabalhos
em condições análogas à de escravo.
Em razão do exposto, é fácil concluir que a falta de sistematização está
impedindo um maior conhecimento e efetividade das normas de segurança e saúde
do trabalhador. Daí por que seria interessante, repito, a idéia de sistematizar tais
normas em um Código Nacional de Proteção à Segurança e à Saúde dos
Trabalhadores, como ocorreu com o Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

9 CONCLUSÃO

Com a transferência, para a Justiça do Trabalho, da competência para julgar


as ações indenizatórias por acidente do trabalho ou doenças ocupacionais, os
juízes e demais operadores do Direito do Trabalho estão percebendo que têm
apenas uma idéia superficial da estrutura normativa da segurança e saúde do
trabalhador no Brasil.
A ênfase até agora centrada na monetização do risco e nas indenizações
às vítimas dificulta a compreensão do real alcance e extensão do direito ao ambiente
de trabalho seguro e saudável. Essa observação pode ser comprovada pela pouca
elaboração doutrinária do tema no enfoque de preservação da vida e da saúde do
trabalhador.
O tema da saúde do trabalhador passou por longa maturação, especialmente
ao longo do século XX, e já sedimenta conhecimentos científicos suficientes para
inspirar a criação de normas jurídicas adequadas para oferecer ao empregado
condições de poder trabalhar sem comprometer seu direito de viver com qualidade.
A compreensão da estrutura normativa da segurança e saúde no trabalho
no Brasil deve partir dos princípios constitucionais, especialmente com apoio no
valor social do trabalho e na dignidade do ser humano. O ambiente de trabalho
saudável é direito do trabalhador e dever do empregador, razão pela qual o
empregado não pode estar exposto a riscos passíveis de eliminação ou atenuação
e que possam comprometer seu bem-estar físico, mental ou social.
A tendência recente, diante da magnitude das estatísticas mundiais, é de
aprofundar as medidas preventivas, adotando-se normas de maior impacto, com
envolvimento das mais altas autoridades do país. Nesse sentido é a recente
Convenção da OIT n. 187, aprovada em junho de 2006 e que será submetida ao
Congresso Nacional para fins de ratificação.
No nível das leis ordinárias, a principal fonte normativa da segurança e
saúde dos trabalhadores está inserida no Capítulo V do Título II da CLT. Observa-
se, no entanto, que a CLT adotou a técnica legislativa de apenas enunciar os
comandos básicos, delegando ao Ministério do Trabalho a competência normativa
para regulamentar e complementar os preceitos legais.
A delegação normativa de matérias que envolvem conhecimento técnico e
científico tem sido usual no mundo todo, conforme anota a doutrina especializada.
Assuntos de natureza técnica, como é o caso das normas de segurança e saúde
do trabalhador, exigem conhecimentos dos especialistas e não podem ficar à mercê
dos embates parlamentares ou de interesses políticos ocasionais.
O STF vem reputando válidas as delegações normativas atribuídas ao
Ministério do Trabalho, conforme se verifica nos diversos julgamentos daquela Corte
a respeito desse tema. Também o TST tem ponto de vista semelhante, valendo
citar o exemplo recente da Orientação Jurisprudencial da SDI-I n. 345.
Com efeito, a Portaria do Ministério do Trabalho n. 3.214/78 que completou
e sistematizou as normas de segurança, higiene, meio ambiente e saúde do
trabalhador tem eficácia equivalente às das leis ordinárias, merecendo, portanto,
maior atenção dos estudiosos do Direito do Trabalho. O empregador deverá
observar detidamente todos os preceitos da referida norma, sob pena de ficar
caracterizada a culpa patronal nos acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais.
Nas perícias judiciais determinadas no curso das ações indenizatórias por acidente
do trabalho, é fundamental a formulação de quesitos a respeito do cumprimento
das normas regulamentadoras mencionadas.
Em síntese, é muito importante que os estudiosos do Direito do Trabalho
dediquem mais atenção e concedam mais espaço na literatura jurídica especializada
para que a estrutura normativa da segurança, higiene e saúde dos trabalhadores
possa ser melhor assimilada, tornando-se, assim, mais efetiva. Dessa forma, o
foco da atenção não ficará apenas na reparação dos lesados, mas também no
direito ao meio ambiente do trabalho seguro e saudável, onde o trabalhador possa
ganhar o seu sustento sem perder a vida ou a saúde.
APLICABILIDADE DAS NORMAS DE SAÚDE, SEGURANÇA E HIGIENE
LABORAIS AOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTATUTÁRIOS E ATUAÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO1

Alessandro Santos de Miranda2

RESUMO: Cabe ao empregador, independentemente de sua


personalidade jurídica - nos termos da Declaração Universal dos
Direitos do Homem; das Convenções Internacionais 155 e 161 da
Organização Internacional do Trabalho; dos artigos 1º, incisos III e
IV; 5º, caput, incisos III e XXIII e parágrafos 1º e 2º; 6º; 7º, inciso
XXII; 37, caput e parágrafo 6º; 39, parágrafo 3º; 170; 196; 200, inciso
VIII; 201, inciso I; e 225 da Constituição da República; da
jurisprudência e Súmula 736 emanadas da Suprema Corte e
Tribunais Trabalhistas; da Lei Complementar nº 75/93, artigos 83,
inciso XII e 84, incisos II, III; dos artigos 68, 185, 186, 211, 212, 213 e
214 da Lei nº 8.112/90; bem como dos artigos 154 a 159
consolidados e das diversas disposições das normas
regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, entre outros
- adotar as medidas de caráter material ou pedagógicas, como
também as medidas coletivas que visem prevenir, preservar e
proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores, inclusive os da
Administração Pública.

Introdução

A defesa do meio ambiente incorporou-se definitivamente como


uma das principais reivindicações dos movimentos sociais no Brasil e no mundo
moderno. A Constituição Federal Brasileira trata do conceito de meio ambiente
considerando seus aspectos físico ou natural, artificial, cultural e laboral, cabendo ao
Ministério Público do Trabalho zelar pela defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais referentes ao último.

Desta forma, tem-se que o meio ambiente laboral é o conjunto


de condições existentes no local de trabalho relativas à qualidade de vida do
trabalhador ou, ainda, ao conjunto de bens, instrumentos e meios, de natureza
material e imaterial, em face dos quais o ser humano exerce as atividades
profissionais.

De conformidade com Senise Lisboa3, “o meio ambiente do


trabalho é passível de proteção, objetivando a obtenção de condições apropriadas
ou adequadas para o desenvolvimento da atividade realizada no local, tutelando-se
pela personalidade humana do empregado e dos que se utilizam do recinto de labor,
ainda que transitoriamente”.

Prossegue, ainda, o autor: “justifica-se a proteção ou a tutela


transindividual em função do prejuízo que o meio ambiente de trabalho pode vir a
proporcionar aos indivíduos em geral. Primeiramente, porque o trabalhador é
considerado a parte vulnerável nas relações trabalhistas em geral e sua integridade
física, psíquica e moral deve ser velada, assim como os seus direitos patrimoniais.
Em segundo lugar, porque a proteção pode-se dar em prol de uma categoria inteira
de trabalhadores. Outro motivo: a proteção deve se estender aos que
transitoriamente passam pelas instalações da empresa. Enfim, percebe-se
claramente o caráter social do interesse a ser amparado, ao se proteger o meio
ambiente de trabalho.”

Assim, tem-se que a proteção ao meio ambiente do trabalho é


um direito social com interesse transindividual ou coletivo, pois a saúde e segurança
são meios para garantir a inviolabilidade da vida, a qual é direito fundamental de
todos (Constituição Federal, artigo 5º).

Seguindo este entendimento, a Constituição de 1988


representou um marco do ponto de vista da legislação que ampara os trabalhadores,
pois definiu a saúde, segurança e higiene laborais como direitos sociais e garantias
fundamentais indisponíveis de todos os trabalhadores urbanos e rurais (artigos 6º e
7º, inciso XXII). Ressalte-se que a Carta Magna trata de trabalhadores, e não de
empregados. Do mesmo modo, constitui obrigação dos empregadores,
independente da natureza jurídica da relação trabalhista, adotar as medidas
necessárias com o fim de reduzir e eliminar os riscos inerentes ao trabalho pela
aplicação das normas de saúde, higiene e segurança.

Diante da importância da proteção da saúde e segurança de


todos os trabalhadores e do interesse e da obrigação do Estado de ampará-los, tem-
se que o meio ambiente laboral extrapola, na prática, a aparente conotação
individual. Torna-se, então, imperiosa a defesa de direitos difusos a um meio
ambiente de trabalho saudável, hígido e seguro. Por corolário, o trabalho seguro não
é apenas um princípio, mas sim uma obrigação concreta dos empregadores.

Ainda, como garantias fundamentais que são, as normas de


proteção do meio ambiente laboral possuem aplicação imediata por força do contido
no parágrafo 1º do artigo 5º constitucional. Ademais, o parágrafo 2º deste
ordenamento jurídico dispõe que os direitos e garantias delineados na Carta Magna
não são excludentes de outros que decorram do regime e dos princípios adotados
no país, bem como dos tratados e convenções internacionais devidamente
ratificados, os quais também gozam de aplicabilidade instantânea e geram direitos
por força daquele dispositivo constitucional.

A doutrina e a jurisprudência já se consolidaram quanto à plena


aplicação das normas regulamentadoras editadas pelo Ministério do Trabalho e
Emprego aos celetistas. O mesmo ocorre com relação a outras normas que tratam

3
da saúde e segurança do trabalhador. Os próprios textos das normas
regulamentadoras fazem referência ao fato de que suas disposições são de
observância obrigatória pelas empresas privadas e públicas e pelos entes da
Administração direta e indireta, desde que possuam empregados regidos pela
Consolidação das Leis do Trabalho, conforme disposto no item 1.1 da Norma
Regulamentadora 01 do Ministério do Trabalho.

Em contrapartida, o direito de grande parte dos servidores


públicos das diferentes áreas das esferas federal, estadual, municipal e distrital à
proteção do meio ambiente laboral seguro, hígido e saudável – típico direito social
trabalhista - encontra resistência por parte de alguns órgãos, inclusive da própria
Administração Pública. Os estatutários seguem sofrendo pela falta ou escassez de
legislação específica que atente para a melhoria dos ambientes de trabalho.

A violação e o descaso com as normas de segurança, higiene e


saúde no serviço público colocam em risco a vida, a saúde e as integridades física e
psíquica dos trabalhadores. O cenário tem gerado graves casos de adoecimento
destes profissionais, que cada vez mais aumentam as estatísticas de afastamentos
do trabalho por motivos de adoecimento ocupacional. Frise-se que os trabalhadores
são parte integrante do referido meio ambiente, haja vista que sua força de trabalho,
principalmente na esfera do Poder Público, é o principal meio de produção à
disposição do administrador.

Agravando ainda mais o quadro, a prática sistêmica de assédio


moral organizacional, o qual viola a dignidade humana, pode atingir a todos os
trabalhadores públicos, independente do regime de contratação. Constituem
elementos deste tipo de assédio a repetição e a frequência do assédio, a
abusividade das condutas em desarmonia com normas trabalhistas (ações
antissociais, hostis ou ilícitas) e a ameaça ou degradação das condições de
trabalho, propiciando um meio ambiente intimidativo, humilhante ou ofensivo para os
trabalhadores.

4
Assim, o sucateamento do serviço público reflete diretamente na
saúde dos trabalhadores. Estes convivem com a falta ou precariedade de
infraestrutura, o engessamento da carreira, a morosidade pelo excesso de
procedimentos burocráticos e a redução das garantias salariais e de aposentadoria.
Aludidos fatores, tão presentes no serviço público, não permitem a adequada gestão
dos trabalhadores. Ainda, a monotonia de determinadas funções, a falta de
perspectivas de crescimento profissional e a sobrecarga quantitativa de trabalho em
alguns órgãos administrativos contribuem para a potencialização das ocorrências de
adoecimentos e afastamentos.

Acrescentem-se à problemática as dificuldades orçamentárias e


de gestão alegadas pelos administradores para adquirir mobiliário adequado e
equipamentos de proteção, além das constantes alterações dos dirigentes, o que
dificulta o estabelecimento e a implantação de políticas internas de gestão habituais,
de médio ou de longo prazo voltadas para a qualidade de vida do servidor.

Ainda, coexistem a falta de informação sobre a situação da


saúde dos trabalhadores nos diversos setores da Administração Pública e a carência
de um diagnóstico completo compreendendo: o quantitativo de trabalhadores; a
distribuição dos mesmos por atividade desenvolvida; o perfil epidemiológico; a
identificação e avaliação dos riscos para a saúde presentes nos ambientes laborais;
o planejamento e a organização das atividades; o acompanhamento da saúde dos
trabalhadores em relação ao desempenho das suas tarefas profissionais, entre
outros.

Faz-se necessária, também, a elaboração de estatísticas das


principais causas das concessões das licenças médicas, com indicação da
Classificação Internacional de Doenças (CID) para avaliação e eliminação dos riscos
à saúde ocasionados pela profissão.

Deve-se, consequentemente, evoluir na implantação de uma das


diretrizes da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador, que é a de

5
ampliar as ações de prevenção de acidentes e doenças profissionais para o setor
público. É imprescindível que sejam avaliadas as representações sociais do servidor
sobre sua saúde e as práticas laborais por ele desenvolvidas objetivando contribuir
para a adoção de políticas de promoção e proteção de sua saúde e segurança.

Fundamentos legais para aplicação das normas de saúde e segurança aos


entes da Administração Pública

Na proteção ao meio ambiente prevista na Constituição Federal


insere-se também o meio ambiente do trabalho, pois “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, além de competir ao
sistema único de saúde “colaborar na proteção ao meio ambiente, nele
compreendido o do trabalho” (artigos 225 e 200, inciso VIII, respectivamente).

Assim, os princípios que regem o Direito Ambiental do Trabalho,


notadamente os da precaução e da prevenção, servem como vetores para a
proteção ao homem trabalhador, a fim de evitar ou prevenir prováveis e
desconhecidos riscos (precaução) ou possíveis riscos conhecidos (prevenção) em
matéria de exercício das atividades laborais.

Além disso, a Carta Magna estabelece expressamente como


direitos sociais dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à
melhoria de sua condição social, “a saúde, o trabalho, (...) a segurança, a
previdência social (...)” e a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança” (artigos 6º e 7º, inciso XXII).

Desta forma, os serviços da Administração Pública necessitam


de políticas que contemplem a assistência integral à saúde de seus trabalhadores,
compreendendo a vigilância dos ambientes e processos laborais, sistemas de
informação, assistência com garantia de exames de admissão e periódicos,

6
diagnóstico, tratamento, reabilitação e comissões de saúde por local de trabalho.

Devem-se organizar as atividades de forma a conhecer a


magnitude dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho, identificando os
fatores de risco dos processos e ambientes laborais, estabelecendo medidas para a
eliminação ou controle dos mesmos e garantindo a assistência à saúde dos
servidores. Também devem ser valorizadas atuações preventivas buscando reduzir e
eliminar os danos às integridades física, psíquica e moral dos servidores e a
promoção de formas decentes de trabalho, garantindo, desta forma, a dignidade do
trabalhador, primordialmente quanto às boas condições higiênicas, de saúde e de
segurança no ambiente laboral.

Assim, a Declaração Universal dos Direitos Humanos 4


preconiza, em seu artigo XXIII, que “Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre
escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra
o desemprego”.

Com relação à aplicabilidade das normas internacionais no


Direito pátrio, a Constituição Federal admitiu sua inserção quando aprovadas pelo
Congresso Nacional. Assim, o Brasil ratificou diversas convenções internacionais da
Organização Internacional do Trabalho – OIT – em matéria de segurança e saúde do
trabalhador, destacando-se as Convenções 155 e 161.

A OIT, adotando rígida política de proteção do trabalhador,


aprovou a Convenção nº 155 5 que determinou a definição e execução de uma
política nacional que vise “prevenir os acidentes e os danos para a saúde que sejam
consequência do trabalho, guardem relação com a atividade profissional ou
sobrevenham durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida do possível, as
causas dos riscos inerentes ao meio ambiente do trabalho” (artigo 4º).
Os artigos 1º e 2º da referida Convenção 155, devidamente
ratificada pelo Brasil, dispõem que a norma internacional se aplica a todos os
trabalhadores das áreas de atividades econômicas dos Estados-membro, admitindo-
se algumas exceções. Em seu artigo 3º constam duas definições importantes: a de
“áreas de atividade econômica” como sendo aquelas “em que existam trabalhadores
empregados, inclusive a administração pública”, e a de “trabalhadores”, que são
“todas as pessoas empregadas, incluindo os funcionários públicos”.

De acordo, ainda, com a referida norma internacional, o


ambiente de trabalho deve ser adaptado na medida do possível ao trabalhador, e
não o contrário, conforme prescrição de seu artigo 16, in verbis:

Art. 16 – Deverá ser exigido dos empregadores que, à medida que


for razoável e possível, garantam que os locais de trabalho, o
maquinário, os equipamentos e as operações e processos que
estiverem sob seu controle são seguros e não envolvem risco algum
para a segurança e saúde dos trabalhadores.

Neste diapasão, a Constituição Federal de 1988 garantiu ao


trabalhador a redução dos riscos ao trabalho pela aplicação de normas de saúde,
higiene e segurança (artigo 7°, inciso XXII).

Ainda, no artigo 3º da Convenção Internacional 161 6 há


disposição expressa de que todo país-membro se compromete a instituir, de forma
progressiva, serviços de saúde laboral para os trabalhadores, inclusive os servidores
públicos, entre outros, independente do ramo de atividade envolvido.

Desta forma, a ratificação expressa de referidas Convenções,


entre outras, bem como a inserção do disposto no artigo 7º, inciso XXII entre as
garantias asseguradas constitucionalmente aos servidores públicos civis por força
do artigo 39, parágrafo 3º implicam que, independentemente do regime jurídico
adotado, aqueles são beneficiários diretos das normas protetoras instituídas pelas
Convenções 155 e 161 da Organização Internacional do Trabalho.

Com referência à regulamentação constitucional da matéria,


ressalte-se que entre os fundamentos da República estão a dignidade da pessoa
humana, o valor social do trabalho, a busca do pleno emprego e a função social da
propriedade (artigos 1º, inciso III e 5º, inciso XXIII), bem como que as ações e
serviços de saúde são de relevância pública e um direito de todos, com prioridade
para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais (artigo 196).
Por conseguinte, o regime jurídico aplicável a cada esfera da Administração Pública
deve estar em sintonia com estas diretrizes máximas, adaptando o meio ambiente
do trabalho às características dos servidores públicos, e não o contrário, nos termos
da Convenção 155 supramencionada.

A ordem econômica, por sua vez, funda-se na valorização do


trabalho humano e na livre iniciativa, sendo assegurada a todos uma existência
digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da defesa do
meio ambiente, da função social da propriedade e da busca do pleno emprego, entre
outros insertos na disposição do artigo 170 da Carta Magna.

Não há como se falar em valorização do trabalho humano sem


que haja o devido respeito ao meio ambiente laboral. Deste modo, o trabalho
seguro, hígido e saudável, mais que um princípio, constitui-se em uma obrigação de
todo empregador, público ou privado, pois a saúde e a segurança estão entre os
direitos fundamentais do trabalhador (artigo 7º, inciso XXII).

De mesma linha de raciocínio, o artigo 39, parágrafo 3º da


Constituição Federal autorizou expressamente a observância, com relação aos
servidores públicos, de alguns dos direitos sociais de aplicação imediata conferidos
aos trabalhadores urbanos e rurais, destacando-se a “redução dos riscos inerentes
ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (artigo 7º, inciso
XXII).

9
A Constituição garante, ainda, a aposentadoria por invalidez
permanente, sendo os proventos pagos de forma integral quando decorrentes de
acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais (artigo 201, inciso I).

Também a Lei nº 8.112/19907 se propôs a normatizar, ainda que


de forma incipiente, a percepção dos adicionais de insalubridade, periculosidade e
penosidade, a caracterização do acidente de trabalho no regime estatutário e a
definição dos benefícios previdenciários pertinentes, entre outros (artigos 68, 185,
186, 211, 212, 213 e 214). O artigo 185, I, “h” da referida Lei dispõe que os
benefícios do Plano de Seguridade Social compreendem a “garantia de condições
individuais e ambientais de trabalho satisfatórias.”

Com relação ao assédio moral organizacional, que pode ocorrer


quando a estrutura ou organização do ente da Administração Pública propicie, de
modo sucessivo, pressões, intimidações, ameaças, diferenciações, humilhações,
perseguições ou xingamentos, tendo como objetivo ou resultado a degradação das
condições de trabalho, a proteção ao servidor público está assentada, entre outras,
na Norma Regulamentadora do Ministério do Trabalho e Emprego nº 16 – NR 17,
conforme se depreende de seu item 17.5.1: “As condições ambientais de trabalho
devem estar adequadas às características psicofisiológicas dos trabalhadores e à
natureza do trabalho a ser executado”.

Fundamentos jurisprudenciais para aplicação das normas de saúde e


segurança aos entes da Administração Pública

Referindo-se à jurisprudência, a Súmula 736 da Suprema Corte


reconhece a competência da Justiça do Trabalho para “julgar as ações que tenham
como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à
segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.”
Em decisão histórica e importante marco jurisprudencial adotado
por seu Órgão Plenário, o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Reclamação
Constitucional nº 3.303/PI8, tendo como Reclamante o Estado do Piauí, como
Reclamado o Juiz da 2ª Vara do Trabalho de Teresina e como Interessado o
Ministério Público do Trabalho (o qual ajuizou a Ação Civil Pública nº 1251-2004-
002-22-00-6), proferiu acórdão com a seguinte ementa, norteando o entendimento
que compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar as causas que tenham como
objeto o cumprimento de normas de saúde, higiene e segurança no trabalho, ainda
que versem como partes entes públicos:

CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. ADI 3.395-MC. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA PROPOSTA NA JUSTIÇA DO TRABALHO, PARA IMPOR
AO PODER PÚBLICO PIAUIENSE A OBSERVÂNCIA DAS
NORMAS DE SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA DO TRABALHO
NO ÂMBITO DO INSTITUTO MÉDICO LEGAL. IMPROCEDÊNCIA.

1. Alegação de desrespeito ao decidido na ADI 3.395-MC não


verificada, porquanto a ação civil pública em foco tem por objeto
exigir o cumprimento, pelo Poder Público piauiense, das normas
trabalhistas relativas à higiene, segurança e saúde dos
trabalhadores.

2. Reclamação improcedente. Prejudicado o agravo regimental


interposto.

No referido caso concreto a Procuradoria Regional do Trabalho


da 22ª Região – Teresina/PI – ajuizou ação civil pública para “exigir o cumprimento,
pelo Poder Público piauiense, das normas trabalhistas relativas à higiene, segurança
e saúde dos trabalhadores” no âmbito do Instituto Médico Legal – IML, órgão da
Administração direta estadual vinculado à Secretaria de Segurança Pública.

Registre-se que no julgamento da ADI nº 3.395 o Supremo


Tribunal Federal, apontando o controle de constitucionalidade, excluiu da
competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas instauradas entre a
Fazenda Pública e seus servidores estatutários quando se tratar da investidura em
cargos efetivos ou comissionados. No entanto, restou consignado que as “relações
de trabalho instauradas entre o Poder Público e os servidores temporários” 9
seriam
de competência daquela.

Durante os debates do voto da aludida Reclamação


Constitucional, o Ministro Relator ainda acrescentou:

(...) ou a relação jurídica é estatutária e, portanto, cai sob a égide da


Justiça comum, ou não é estatutária, e vai para a Justiça do
Trabalho. (...) A relação estatutária compreende tão-somente duas
situações, a de investidura em cargo de provimento efetivo –
primeira-, e a investidura de provimento em comissão. Tudo mais
não é estatutário, e não o sendo vai para a Justiça do Trabalho. (...)

No caso, foi manejada a reclamação para assegurar a autoridade da


nossa decisão proferida na ADI nº 3.357. Acontece que, na
discussão e julgamento dessa ADI, dissemos que a relação entre o
Poder Público e os servidores temporários ficaria sob a competência
da Justiça do Trabalho.

Com esta decisão, remanesceu vigente a redação do artigo 114


constitucional10 na parte que atribui à Justiça Trabalhista a competência para julgar
as relações de trabalho, aí incluído o meio ambiente, excluídas as relações de direito
administrativo.

Na mesma causa, o e. Tribunal Regional do Trabalho da 22ª


Região – Piauí – havia proferido acórdão com o seguinte teor:

RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VIOLAÇÃO ÀS


NORMAS DE SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA DO TRABALHO.
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Compete à Justiça
do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o
descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança,
higiene e saúde dos trabalhadores (Inteligência da Súmula 736 do
STF).

AÇÃO CIVIL PÚBLICA QUE VISA À PROTEÇÃO DO MEIO


AMBIENTE DO TRABALHO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO
PÚBLICO DO TRABALHO. Nos termos do art. 83, III, da Lei
Complementar n° 75/1993, compete ao Ministério Público do
Trabalho promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do
Trabalho para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados
os direitos sociais constitucionalmente garantidos. Em casos como o
dos autos, em que as agressões ao meio ambiente do trabalho se
traduzem em ofensa à dignidade da pessoa humana e aos valores
sociais do trabalho e envolvem interesses difusos e coletivos, é
inegável a legitimidade do MPT para propositura da ação civil pública
correspondente, sendo irrelevante o fato de os trabalhadores
prejudicados serem submetidos a regime celetista ou estatutário. (…)

Neste contexto, convém transcrever um trecho da discussão travada


no Plenário daquela Suprema Corte [Reclamação Constitucional n°
3.303-1], onde o Exmo. Sr. Ministro Celso de Mello expõe com
brilhantismo o seguinte:

“O fato é que essa “causa petendi” estaria a sugerir, longe de


qualquer debate sobre a natureza do vínculo (se laboral, ou não, se
de caráter estatutário, ou não) que se pretende, na realidade, e
numa perspectiva de pura metaindividualidade, provocada pela
iniciativa do Ministério Público, saber se normas referentes à higiene
e à saúde do trabalho estariam sendo observadas, ou não, por

13
determinado ente público.”

Com esse entendimento, põe-se fim à discussão acerca da


competência desta Justiça especializada para julgar a presente
ação, não se verificando qualquer violação do art. 114 da CF/88,
como quer fazer parecer o recorrente, sobretudo porque a presente
ação visa à proteção de direitos sociais constitucionalmente
garantidos, tutelando interesses difusos e coletivos, pelo que não
comporta sequer discussão acerca da natureza do vínculo existente
entre o IML e seus empregados.

Impende destacar, que a Súmula 736 do STF, editada em 2003, já


inseria na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de
questões como a que se vê nos autos (…).

Logo, a legitimidade do MPT não está submissa em nenhum caso à


natureza do vínculo que une os supostos beneficiários da decisão a
ser proferida, especialmente porque não se está diante de violação
de interesses individuais disponíveis, mas sim de interesses difusos
e coletivos, cuja proteção, indubitavelmente, insere-se nas
atribuições do Ministério Público do Trabalho.

E continua, no mesmo acórdão, o e. Tribunal referindo-se à


problemática da dificuldade orçamentária e de gestão constantemente alegadas
pelos administradores públicos:

De início, convém ressaltar que o recorrente não juntou aos autos


qualquer elemento de prova capaz de fazer face à alegada falta de
previsão orçamentária, não se desincumbindo, portanto, do ônus
probatório que lhe competia.

In casu, observa-se que o inquérito civil, que deu origem à presente


ação civil pública, foi instaurado pelo MPT no ano de 2002 e, de lá
para cá, ao que parece, o Estado do Piauí não adotou qualquer
providência para que fosse incluída no orçamento dos anos

14
seguintes a dotação orçamentária para resolver os problemas do IML
atinentes ao meio ambiente do trabalho, o que denota o descaso e a
falta de intenção do Poder Público Municipal em resolver o problema.

Caberia, então, ao ente público, caso fosse interesse solucionar o


problema, ter incluído na Lei Orçamentária Anual e no Plano
Plurianual dos anos anteriores as dotações orçamentárias
necessárias para a implementação de políticas que visem à saúde, à
higiene e à segurança do trabalho no IML, ou pelo menos, alocar os
recursos já existentes, remanejando prioridades, já que estamos
diante de direitos fundamentais violados.

Não se pode permitir que a falta de dotação orçamentária sirva de


escusa ao cumprimento de preceito constitucional, pois como bem
asseverou o d. juízo a quo, “há possibilidade de créditos adicionais
especiais, destinados a despesas para as quais não haja dotação
orçamentária específica, conforme arts. 41 e 42 da Lei n° 4.320/64".
Nesse caso, os créditos especiais serão autorizados por lei e abertos
por decreto executivo, como manda o dispositivo legal em comento.

Cumpre destacar, ainda, que o art. 8°, § 2°, primeira parte, da Lei
Complementar n° 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal)
estabelece que: 'Não serão objeto de limitação as despesas que
constituem obrigações constitucionais e legais do ente.

Em outra decisão, a Suprema Corte Brasileira definiu a


competência da Justiça Laboral tanto para as ações decorrentes de acidentes de
trabalho (à exceção da ação previdenciária) quanto para as que tenham como causa
de pedir a determinação ao empregador, seja ele público ou privado, do
cumprimento das normas de segurança e saúde, conforme se depreende do
acórdão proferido na Reclamação nº 4709-111, movida pelo Município de
Anhanguera/GO:
Trata-se de reclamação, movida pelo Município de Anhanguera,
contra o reconhecimento, por órgãos da Justiça Comum do Estado
de Goiás e pelo Superior Tribunal de Justiça, da competência da
Justiça Trabalhista para julgar a ação de indenização por acidente de
trabalho n.º 00674.2006.141.18.00.3, movida por servidor público
daquela unidade federativa contra o Município (fls. 02/11). Segundo
alega o reclamante, teria sido afrontada a autoridade da liminar que,
proferida por esta Corte na ADI nº 3.395, determinou ser competente
a Justiça Comum para o julgamento de causas sobre vínculos de
natureza estatutária ou jurídico-administrativa, estabelecidos entre o
poder público e seus servidores. 2. Foi indeferida liminar às fls.
125/128. 3. Prestadas informações pelas autoridades reclamadas às
fls. 137/141, 149/154 e 166/171. 4. A reclamação é improcedente.
Decidiu, liminarmente, o Min. NELSON JOBIM, na ADI nº 3.395: “Em
face dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade e
ausência de prejuízo, concedo a liminar, com efeito ‘ex tunc’. Dou
interpretação conforme ao inciso I do art. 114 da CF, na redação da
EC nº 45/2004. Suspendo, ad referendum, toda e qualquer
interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação dada
pela EC 45/2004, que inclua, na competência da Justiça do Trabalho,
a ‘... apreciação ... de causas que ... sejam instauradas entre o Poder
Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de
ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo’” (DJ de
04.02.2005). Como se vê, a liminar proferida na ADI nº 3.395 vedou
qualquer interpretação do novo texto do art. 114, inc. I, da
Constituição Federal, que incluísse, na esfera de competência da
Justiça do Trabalho, a resolução de conflitos instaurados entre entes
públicos e seus servidores, vinculados por meio de relações
estatutárias ou jurídico-administrativas. No caso, entretanto, está-se
diante de ação de indenização por acidente de trabalho, cuja
competência foi fixada por esta Corte no julgamento do CC nº 7.204
(Rel. Min. CARLOS BRITTO, DJ de 09.12.2005), cujo acórdão está
assim ementado: “CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE
EM RAZÃO DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS

16
MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO
TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU
(EX-)EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR
E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04.
EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM DOS
ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA.” Numa
primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o
Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização
por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho,
ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador,
eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros. 2.
Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei
Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho.
Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava
transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do
mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada
pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das
Constituições anteriores. 3. Nada obstante, como imperativo de
política judiciária - haja vista o significativo número de ações que já
tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o
relevante interesse social em causa -, o Plenário decidiu, por
maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista
é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da
Justiça Laboral na matéria em apreço. 4. A nova orientação alcança
os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que
pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam
perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito
anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em
julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito
ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho,
no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos
praticados até então. A medida se impõe, em razão das
características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça

17
do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não
guardam exata correlação. 5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-
mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da
segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões,
com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que
proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex
ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de
alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do
Magno Texto. 6. Aplicação do precedente consubstanciado no
julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião
em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a
Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na
vigência do verbete. 7. Conflito de competência que se resolve, no
caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho. A
afirmação da competência da Justiça Trabalhista para o julgamento
de demandas acidentárias, como a presente, encontra fundamento
na interpretação do art. 114, inc. VI, da Constituição da República.
Nessa norma reside hipótese autônoma de competência ratione
materiae da Justiça Trabalhista. A decisão que se alega ter sido
afrontada, a seu turno, foi proferida na ADI nº 3.395 e resulta da
interpretação de outro preceito constitucional, o art. 114, inc. I,
portador de causa diversa de competência daquela Justiça
especializada. Do exposto, com fundamento no art. 38 da lei nº
8.038, de 28 de maio de 1990 e art. 21, § 1º, do RISTF, julgo
improcedente a reclamação. Oportunamente, arquivem-se. Publique-
se. Brasília, 29 de maio de 2009. Ministro CEZAR PELUSO Relator.

No mesmo sentido, têm-se os seguintes julgamentos que clarifi-


cam o entendimento pela competência da Justiça Especializada: Reclamação nº

18
Analisando-se a jurisprudência sobre o tema emanada do Tribu-
nal Superior do Trabalho, percebe-se que este adota uma postura mais acanhada,
baseada na unicidade do meio ambiente laboral para admitir a competência da Justi-
ça do Trabalho para verificação das condições de saúde, higiene e segurança na Ad -
ministração Pública, como se observa no julgamento do Recurso de Revista nº
1218-92.2011.5.23.000821:
A contextualização do entendimento jurisprudencial do STF acerca
da matéria em discussão serve para demonstrar que a limitação de
competência imposta à Justiça do Trabalho pela decisão daquela
Corte na ADI n.º 3395-6 não alcança as ações que tenham como
causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à
segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. Nesse sentido,
permanece inabalável a Súmula n.º 736 do STF (...)

Um último fundamento, de cunho prático, mas não menos


importante, revela a impropriedade de se utilizar a natureza do
vínculo trabalhista (celetista ou estatutário) como parâmetro para
definição de competência nas demandas desta espécie.

Ora, é comum que no mesmo ambiente de trabalho dos órgãos


públicos convivam pessoas ligadas à Administração Pública por
diferentes vínculos: detentores de cargos públicos subordinados a
típica relação jurídico-administrativa, empregados públicos regidos
pela CLT, servidores contratados por tempo determinado (Lei n.º
8.745/93), prestadores de serviços terceirizados, estagiários e até
trabalhadores eventuais.

Nesse contexto, como as condições de segurança, saúde e higiene


de trabalho afetam a todos os trabalhadores indistintamente, seria
inviável pretender-se definir a competência para apreciar ações
como esta - voltada a assegurar o cumprimento de normas que
assegurem a higidez do ambiente de trabalho -, tendo como dado a
condição jurídica individual de cada trabalhador dentro da
Administração. Certamente, estar-se-ia diante de um paradoxo
jurídico que não se pretende fomentar. (...)

Na mesma linha de entendimento, seguem os seguintes arestos:


RO nº 187000-19.2008.5.01.00022; AIRR nº 231-85.2011.5.19.0002 23; AIRR nº
127000-74.2000.5.03.000124.

Assim, corroborando os acórdãos prolatados nos autos das


Reclamações Constitucionais nº 3.303-1 – Piauí – e 4709 – Goiás -, entre outros, e o
disposto na Súmula 736 do Supremo Tribunal Federal, não há dúvida de que a
Justiça do Trabalho é competente para julgar: a) as causas em que se exigir o
cumprimento, pela Administração Pública direta, autárquica ou fundacional, das
normas laborais relativas à higiene, segurança e saúde, inclusive quando previstas
nas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, entre outras,
por se tratarem de direitos sociais dos servidores; b) as causas em que a relação
jurídica não é estatutária, ou seja, quando não se referem à investidura em cargo de
provimento efetivo ou em comissão.

Outro fundamento para se admitir a aplicação das normas de


saúde e segurança no trabalho aos servidores públicos decorre do fato de a
Administração Pública, direta ou indireta, poder admitir trabalhadores em qualquer
regime jurídico, seja público-estatutário ou público-celetista. Assim, diante dos
Princípios da Igualdade perante a Lei e da Isonomia de Tratamentos, a atual e
corriqueira coexistência de trabalhadores de diferentes regimes jurídicos (servidores
públicos, celetistas, terceirizados, temporários, entre tantos) prestando serviços no
mesmo ambiente de trabalho exige que lhes sejam assegurados direitos idênticos
quanto à proteção ao meio ambiente, à saúde e à segurança laborais.

E não poderia ser diferente, haja vista o caráter indivisível da


proteção ao meio ambiente laboral. Em matéria de saúde e segurança dos
trabalhadores, qualquer um destes, sejam estatutários ou celetistas, entre outros,
pode sofrer riscos à sua integridade física ou à saúde mental. E, nestes casos, é
vedado o tratamento desigual, por força do comando constitucional expresso no
caput do artigo 5º, devendo-se preservar, pois, a dignidade humana do servidor
público (artigo 1º, III da Carta Magna).

Ainda, adotando-se por fundamento os Princípios da Legalidade,


da Eficiência, da Impessoalidade, da Moralidade, bem como da Economia dos Atos,
da Celeridade e da Razoabilidade destacados no artigo 37 constitucional, tem-se por
descabido o dispêndio de numerário público para a realização de estudos e
elaboração de novas normas relativas especificamente à saúde e segurança dos
servidores da Administração.

Assim, deve-se observância às disposições da legislação já

21
existentes relativas ao meio ambiente do trabalho saudável e seguro, como as
normas regulamentadoras editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, de
aplicação ampla e irrestrita a todos os trabalhadores, independente do vínculo
jurídico laboral.

Também, o Procurador do Trabalho João Carlos Teixeira


acrescenta que “a fiscalização pela observância e cumprimento das normas
regulamentadoras sobre segurança e saúde no trabalho em todas as empresas e
entidades públicas e privadas, independentemente da natureza da relação jurídica
de trabalho, incumbe ao Ministério do Trabalho que, mediante convênio, pode
delegar suas funções, incluindo o amplo poder de polícia, aos órgãos federais,
estaduais e municipais que integram o sistema único de saúde, a fim de fiscalizar os
serviços de saúde e segurança no trabalho naquelas mesmas empresas e
entidades” 25.

Isto decorre do fato de o artigo 156 da Consolidação das Leis do


Trabalho determinar que a fiscalização e o controle do cumprimento das obrigações
legais relativas à medicina e segurança do trabalho devem ser exercidos pelo
Ministério do Trabalho e Emprego e prever, no artigo 159, a possibilidade de
delegação, a outros órgãos de diversas esferas estatais, por intermédio de convênio
autorizado por aquele, para atuarem na fiscalização ou orientação quanto às
aludidas normas, conforme leciona o Procurador do Trabalho.

Por consequência lógica, sendo passíveis de fiscalização pelo


Ministério do Trabalho ou outros conveniados, por emanação direta de todos os
fundamentos jurídicos supranumerados, da mesma forma os órgãos da
Administração Pública podem ser investigados pelo Ministério Público do Trabalho,
notadamente no que se refere aos aspectos relativos às segurança, higiene e saúde
dos trabalhadores, independente do regime jurídico adotado (Lei Complementar nº
75/93, artigos 83, XII; 84, II, III).
Registre-se também que, havendo a prestação de serviços ao
Poder Público por trabalhadores terceirizados ou quaisquer outros não concursados,
pode-se postular a responsabilidade civil e solidária daquele pela manutenção do
meio ambiente do trabalho sadio e seguro, bem como pelos danos causados aos
servidores e demais trabalhadores (artigo 37, parágrafo 6º constitucional).

Por todo o exposto, o empregador, independentemente de sua


personalidade jurídica - nos termos da Declaração Universal dos Direitos do
Homem; das Convenções Internacionais 155 e 161 da Organização Internacional do
Trabalho – OIT; dos artigos 1º, incisos III e IV; 5º, caput, incisos III e XXIII e
parágrafos 1º e 2º; 6º; 7º, inciso XXII; 37, caput e parágrafo 6º; 39, parágrafo 3º; 170;
196; 200, inciso VIII; 201, inciso I; e 225 da Constituição da República; da
jurisprudência e Súmula 736 emanadas da Suprema Corte e Tribunais Trabalhistas;
da Lei Complementar nº 75/93, artigos 83, inciso XII e 84, incisos II, III; dos artigos
68, 185, 186, 211, 212, 213 e 214 da Lei nº 8.112/90; bem como dos artigos 154 a
159 consolidados e das diversas disposições quer das normas regulamentadoras do
Ministério do Trabalho e Emprego, entre outros - é responsável pela adoção não só
das medidas de caráter material (dispositivos de caráter individual ou coletivo) ou
pedagógicas (regras de segurança), como também das medidas coletivas que visem
prevenir, preservar e proteger a saúde e a segurança dos trabalhadores.

A consequência direta da não observância destas medidas


individuais e coletivas é o comprometimento das condições de medicina e segurança
do meio ambiente do trabalho, o qual tem como princípio basilar o da Prevenção.

Exemplos de legislação existente acerca da temática

Embora se verifique alguma movimentação no sentido de alterar


a realidade das condições de trabalho dos servidores públicos, a Administração
Pública, em suas diversas esferas, ainda trata com descuido o problema. Entretanto,
alguns órgãos administrativos mais conscientes de suas responsabilidades
perceberam que não precisam aguardar para promover melhorias nas condições
laborais de seus servidores.

É importante ressaltar que o Princípio da Prevenção dispõe que


as normas de direito ambiental, neste incluído o laboral, devem sempre se orientar
para o fato de que o meio ambiente seja preservado e protegido como patrimônio
público. É com este espírito que devem ser elaboradas as normas protetivas da
saúde e segurança nos diversos âmbitos do Poder Público.

Inicialmente, frise-se que a extensão de normas que busquem a


proteção do ambiente laboral dada aos Estados e Municípios vai além da
Constituição de 1988, pois nota-se explicitamente no artigo 154 da Consolidação
das Leis do Trabalho a faculdade que é dada aos referidos entes para legislarem em
favor dos trabalhadores e seus ambientes ocupacionais, como, a saber, pelo texto
transcrito:

A observância, em todos os locais de trabalho, do disposto neste


Capítulo, não desobriga as empresas do cumprimento de outras
disposições que, com relação à matéria, sejam incluídas em códigos
de obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios em
que se situem os respectivos estabelecimentos, bem como daquelas
oriundas de convenções coletivas de trabalho.26

É de suma importância lembrar que a afirmativa acima não gera


conflito de competências relacionado ao ato de legislar na seara do Direito do
Trabalho, uma vez que esta prerrogativa é privativa da União, como afirma o artigo
23, I da Carta Magna de 1988, mas permite os demais entes públicos proteger o
trabalhador no seu meio ambiente laboral.

Um importante avanço refere-se à instituição do Subsistema


Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal – SIASS, instituído pelo
Decreto nº 6.833/200927, com a finalidade de coordenar e integrar ações e
programas nas áreas de assistência à saúde, perícia oficial, promoção, prevenção e
acompanhamento da saúde dos servidores da administração federal direta,
autárquica e fundacional. Isto ocorre, entre outros aspectos, devido à verificação de
altos índices de afastamentos e de aposentadorias precoces dos aludidos
trabalhadores públicos (em torno de 14%, em contraponto à média do setor privado
– 2%) 28.

Como benefícios diretos deste sistema têm-se: a realização de


exames médicos periciais e de procedimentos ambulatoriais relativos a doenças
ocupacionais; o gerenciamento dos prontuários médicos dos servidores federais; a
assistência ao servidor acidentado em serviço, portador ou com suspeita de doença
relacionada ao trabalho, bem como àquele que necessite de reabilitação ou
readaptação funcional; a realização de estudos, avaliações e controle dos riscos e
agravos à saúde nos processos e ambientes laborais; a avaliação da salubridade e
periculosidade dos postos de trabalho e a concessão dos correspondentes
adicionais; a avaliação do impacto nos modos de organização do serviço e das
tecnologias na saúde do servidor, entre outros.

O SIASS poderá inovar na avaliação do ambiente de trabalho,


correlacionando o espaço laboral com o servidor adoecido para criar o nexo causal.
Este subsistema poderá incluir, também, programas ocupacionais (PPRA e
PCMSO), antes inexistentes no serviço público, para imprimir maior controle físico e
médico dos ambientes de prestação das atividades.

Assim, as ações serão pautadas visando tornar célere o


atendimento ao servidor, especialmente no que se refere às ações preventivas, e
reduzir o tempo de ausência do servidor do seu ambiente de trabalho.

Ainda, mesmo de maneira esparsa e sem uniformidade, algumas


Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais também inseriram em seus
textos normas sobre a saúde e segurança dos trabalhadores. Ressalte-se que,
quanto à autonomia dos entes públicos para dispor sobre o tema, está limitada às
condições mínimas existentes nas normas regulamentadoras do Ministério do
Trabalho e Emprego, entre outras, sendo possível, por conseguinte, legislar de
forma mais benéfica aos servidores públicos, assim como ocorre nos instrumentos
coletivos de trabalho.

Com efeito, a Constituição do Estado de São Paulo, em seu


artigo 115, inciso XXV, estabelece que todos os órgãos da Administração direta e
indireta são obrigados a constituir e implementar Comissões Internas de Prevenção
de Acidentes – CIPA – e Comissões de Controle Ambiental quando assim o exigirem
suas atividades, com a finalidade precípua de proteger a vida, o meio ambiente e as
condições de trabalho dos servidores estaduais.

Essa determinação constitucional foi reforçada pela Lei


Municipal nº 13.174/2001 – São Paulo/SP 29, que dispôs, como objetivo da CIPA, o
desenvolvimento de atividades voltadas à prevenção de acidentes laborais e de
doenças profissionais e a melhoria das condições de trabalho dos servidores
públicos municipais.

Também, o parágrafo único do artigo 117 da referida


Constituição veda expressamente aos órgãos da Administração Pública do Estado
de São Paulo a contratação de serviços e obras de empresas que não cumprem as
determinações legais relativas à saúde e segurança no trabalho. Adiante, veda a
concessão de incentivos ou isenções fiscais às empresas que não atendem às
normas de preservação da saúde e segurança profissionais (artigo 296).

O artigo 223 informa que compete ao sistema único de saúde a


identificação e o controle dos fatores determinantes e condicionantes da saúde
individual e coletiva, devendo-se adotar ações referentes às vigilâncias sanitária e
epidemiológica, bem como à saúde do servidor do Estado. Deve, ainda, haver a
proteção do meio ambiente do trabalho com a adoção de medidas preventivas de
acidentes e doenças profissionais e a permissão, aos servidores e demais
trabalhadores estaduais, de acesso às informações referentes às atividades que
comportem riscos à saúde e aos métodos de controle destes.

A Constituição Paulista vai além e estabelece que, havendo


condições de risco grave ou iminente nos locais de trabalho, será lícito aos
trabalhadores interromperem suas atividades até a eliminação daquele, sem prejuízo
de quaisquer direitos (artigo 229, parágrafo 2º). Mais, permite à entidade sindical
requerer a interdição de máquina, de setor ou de todo o ambiente laboral quando
houver exposição a risco iminente de vida ou à saúde dos trabalhadores (parágrafo
1º).

A seu turno, as Constituições dos Estados do Rio de Janeiro


(artigo 83, inciso XVI) e de Goiás (artigos 95, inciso XV, e 100, parágrafo 9º)
asseguram aos servidores civis a redução dos riscos inerentes ao trabalho pela
adoção de normas de saúde, higiene e segurança.

No campo da legislação estadual, a Lei nº 4.710/2006 – Rio de


Janeiro/RJ – instituiu a “Semana de Valorização da Vida do Trabalhador” com o fito
de promover a cultura da prevenção às doenças ocupacionais e aos acidentes do
trabalho; chamar a atenção do Estado para cumprir sua meta de diminuir os
acidentes e doenças laborais; promover, culturalmente, o valor da implementação
das normas de saúde e segurança; além de conscientizar e inibir empregadores e
dirigentes de estabelecimentos públicos estaduais de praticar ações que
desrespeitem a saúde e segurança no trabalho (artigo 1º, incisos I, III, IV e V).

A Lei Estadual nº 2.569/1996 determinou a implantação das


CIPAs nos órgãos da Administração Pública direta e indireta do Poder Executivo do
Estado do Rio de Janeiro. No mesmo sentido dispôs o Município de Governador
Valadares/MG (Lei nº 3.563/1992). Já a Prefeitura de Contagem/MG criou, por
intermédio do Decreto nº 349/2006, os Serviços Especializados em Segurança e
Medicina de Trabalho – SESMT - no âmbito do Poder Executivo.
Merece destaque, também, a produção normativa do Estado de
Goiás, o qual foi um dos pioneiros e permanece na vanguarda na elaboração de
normas atinentes à saúde e segurança do servidor público.

O Decreto nº 5.757/2003 instituiu o Programa “Saúde no Serviço


Público” no âmbito do Poder Executivo determinando, entre outras disposições de
destaque, a adequação do mobiliário aos padrões ergonômicos vigentes na Norma
Regulamentadora 17 do Ministério do Trabalho. O Regimento Interno deste
Programa foi instituído pela Instrução Normativa nº 01/2004 (Secretaria de Estado
da Saúde), a qual dispôs, em seu artigo 10, sobre a aplicação subsidiária das
Normas Regulamentadoras 04 (SESMT), 05 (CIPA), 07 (PCMSO), 09 (PPRA) e 17
(Ergonomia). A Portaria SES/GO nº 171/2013 instituiu, no âmbito das unidades da
Secretaria de Saúde, ordens de serviço sobre segurança e saúde ocupacional.

A Instrução Normativa nº 04/2004 (Secretaria de Estado da


Saúde de Goiás), assinada pelo Coordenador do Programa “Saúde no Serviço
Público”, dispõe sobre os requisitos mínimos a serem seguidos pela Administração
Pública Estadual quando da aquisição de mobiliário ergonomicamente adequado,
obedecendo aos preceitos da citada Norma Regulamentadora 17 e da Associação
Brasileira de Normas Técnicas – ABNT (artigo 6º).

A Instrução Normativa nº 06/2004 (Secretaria de Estado da


Saúde de Goiás) determina a instituição e plena implementação das Comissões
Internas de Prevenção de Acidentes no âmbito da Administração Pública Estadual e
dispõe, em seu artigo 3º, que as “atribuições, a composição e o funcionamento das
CIPAs obedecerão, no que couber, às instruções expedidas pelo Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), que estão contidas na Norma Regulamentadora n. 5
(NR 5), aprovada pela Portaria n. 3.214, de 8 de junho de 1978.”

A Instrução Normativa nº 14/2006 (Secretaria de Estado da


Saúde de Goiás) prevê a constituição dos Serviços Especializados em Engenharia
de Segurança e Medicina do Trabalho – SESMT – pelos órgãos da administração
pública goiana, fazendo expressa alusão à Norma Regulamentadora 04.

Do mesmo modo, o Comando Geral do Corpo de Bombeiros


Militar de Goiás, pela Portaria nº 119/2007, determinou o estabelecimentos do
SESMT no órgão.

Por fim, o Decreto nº 15.012/2005, da Prefeitura de Porto


Alegre/RS, instituiu o Programa “Qualidade de Vida do Servidor Municipal”, o qual
visa à melhoria das condições laborais dos servidores municipais, com ênfase na
participação ativa destes e de suas entidades representativas no desenvolvimento
das ações.

Conclusões

O fundamento constitucional da pretensão do Ministério Público


do Trabalho de promover a redução e eliminação dos riscos laborais pela aplicação
das normas de saúde, segurança e higiene reside no artigo 129, inciso II, ao dispor
que cabe àquele “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as
medidas necessárias à sua garantia”.

Entre esses direitos constitucionais de essencialidade


indubitável encontra-se o típico direito social trabalhista à saúde e à segurança
laboral, e o Ministério Público do Trabalho, legitimado ativamente ao ajuizamento da
ação civil pública, entre outras, invoca a proteção jurisdicional a direitos e a
interesses indisponíveis, transindividuais e difusos com fulcro na própria
Constituição e na Lei n° 7.347/1985, entre outras, que lhe asseguram uma das mais
relevantes funções institucionais: a de atuar como verdadeiro defensor da ordem
jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais.

É inegável a importância do caráter pedagógico-preventivo-


repressivo da atuação ministerial. E cresce a consciência de que a implantação do

29
meio ambiente de trabalho decente, sadio, saudável e seguro é uma questão de
cidadania. Esse processo, porém, exige a superação de barreiras e preconceitos
arraigados.

Deve-se, portanto, promover a modificação da cultura do


“servidor público acomodado” e desenvolver projetos com foco educativo, fazendo
com que aquele participe também do desenvolvimento das ações necessárias para
a criação de políticas permanentes de saúde e segurança do trabalhador. Como
benefícios diretos têm-se a melhoria da qualidade de vida, o aumento da
produtividade, além da diminuição das interrupções no processo, do absenteísmo,
dos acidentes e das doenças ocupacionais. Desta forma, deve ser dado o mesmo
nível de importância para as questões de qualidade, segurança, saúde ocupacional
e meio ambiente laboral.

O Estado, por sua vez, deve dar o bom exemplo,


proporcionando a seus servidores, estatutários ou celetistas, entre outros, as
condições laborais seguras e saudáveis que são exigidas dos particulares. O fato de
a legislação brasileira, tradicionalmente, tratar das questões relativas às condições
de segurança e saúde dos trabalhadores celetistas não exime a responsabilidade
estatal para com seus servidores, assim como não impede que essas mesmas
normas, com os detalhamentos que se fizerem necessários, sejam também
aplicadas ao serviço público.

Assim, mesmo que consolidadas na legislação trabalhista ou


regulamentadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, entre outros, estes
dispositivos estão em consonância com o Princípio da Prevenção e constituem-se
em uma espécie de norma laboral em sentido estrito, vez que regulamentam, com
maior razão, o direito constitucional à saúde e ao meio ambiente equilibrado,
traduzindo-se, portanto, em regras de ordem pública.

Além das questões legais e éticas, existem também as razões


econômicas que, a seu turno, revelam a urgente necessidade de redução de gastos
com licenças médicas e aposentadorias precoces, as quais podem estar
relacionadas a doenças ocupacionais e acidentes de trabalho.

Por fim, frise-se que o Ministério Público do Trabalho tem a


prerrogativa e o poder-dever de fazer prevalecer o direito de todos os trabalhadores
à higiene, à saúde e à segurança laborais em face dos entes públicos inadimplentes,
com vistas a viabilizar o respeito à dignidade e às integridades física e psíquica dos
servidores da Administração Pública direta, autárquica ou fundacional, assim como
faz em relação aos trabalhadores celetistas, entre outros.
AMBIENTE DE TRABALHO + PREVENÇÃO =
– ASSÉDIO MORAL

Valdir Florindo*

U
m dos temas mais complexos e mais importantes do direito do trabalho,
hoje e sempre, e seguramente um dos que têm mais consequências
na vida humana, é a inegável existência do assédio moral no local de
trabalho, campo absolutamente fértil para esses acontecimentos e que vem
desafiando os estudiosos no assunto. A preocupação do direito é a proteção ao
homem e seus valores mais fundamentais de vida, e que foi colocada no posto
mais elevado da ordem jurídica brasileira. Na verdade, nunca o componente
humano foi tão valorizado como nos dias atuais.
Sabemos que o ambiente de trabalho é o local onde as pessoas passam a
maior parte de seu tempo e é normalmente o local depositário de grande parte
das aspirações, sonhos e realizações; é nesse ambiente que as pessoas buscam
dias de maior fortuna e segurança, para elas e suas famílias1 transformarem-se
em cidadãos produtivos e solidários. Com essa preocupação inquestionável,
diante do processo odioso de destruição silenciosa que representa o assédio, o
que se impõe, portanto, é lançar mão de todos os meios preventivos sugeridos
pela experiência em todos os setores, tendo como locus o ambiente de trabalho.
Na Suécia, iniciaram-se os estudos sobre a violência moral nos locais de
trabalho. Contudo, foi no começo de 1984 que um sério pesquisador alemão
em Psicologia do Trabalho, Heinz Leymann, depois de um ensaio científico
contendo uma pesquisa feita pelo National Board of Occupational Safety and
Health in Stokolm, demonstra as consequências do mobbing no ambiente de
trabalho. O termo mobbing é sinônimo de assédio moral em nosso país. Esse
termo originou-se da palavra mob, que há anos é empregada para designar
DOUTRINA

a máfia. Portanto, a palavra mobbing encerra, em si, a ideia de grupos de


caráter “mafioso” que exercem pressões ou ameaças sobre os outros traba-
lhadores em ambientes profissionais. Embora a dinâmica comportamental seja
a mesma tanto no mobbing quanto no bullying, convencionou-se utilizar este
último termo para definir o abuso de poder que ocorre em ambientes escolares.
Na França, em 1998, o assunto despertou a atenção da Dra. Marie-France
Hirigoyen, psicóloga, psiquiatra e psicoterapeuta de família, que, com plena
autoridade, publicou um livro sob o título Le Harcèlement Moral: la Violence
Perverce au Quotidien (Editora Syros; no Brasil, pela Editora Bertrand, 2002).
A autora constata que o assédio moral não se restringe a casos pontuais, e sim
a um comportamento permanente, comum, destrutivo, distanciado daquele fato
isolado (discussão ou atrito) que ocasionalmente ocorre entre os indivíduos em
uma organização.
Prosseguindo nas pesquisas, Marie-France Hirigoyen aprimorou o con-
ceito de assédio moral e propôs a seguinte definição:
“O assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta
abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua
repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica
ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima
de trabalho.”2
Esse notável conceito, que subscrevemos inteiramente, foi proposto pela
citada autora perante os grupos de trabalho no Poder Legislativo francês em
2002. O primeiro conceito não incluía a necessidade de repetição e sistemati-
zação da conduta abusiva.
De fato, a França é o país onde o assunto ganhou maior importância,
tendo em vista o estudo dos psicólogos; instituiu-se de modo pioneiro uma lei
em seu ordenamento jurídico na busca de coibir o assédio moral. Na Suécia,
por sua vez, onde tudo começou, a norma editada pelo governo, contendo me-
didas de prevenção contra o assédio no ambiente de trabalho, possui feições
administrativas.
Regendo a matéria tocante ao assédio moral, encontra-se o Capítulo
IV da Lei nº 2002-73 de Modernização Social, promulgada em 17 de janeiro
de 2002, cujos arts. 168 a 180 e 224 alteram e inserem várias disposições no
Código do Trabalho francês, bem como no próprio Código Penal.
DOUTRINA

Referida Lei francesa insere o art. L 122-49 no Código do Trabalho


estabelecendo a vedação do assédio moral pela degradação deliberada das
condições de trabalho do empregado. Vejamos:
“L 122-49. Nenhum trabalhador deve se submeter aos procedi-
mentos repetidos de assédio moral que tenham por finalidade ou por
consequência uma degradação das condições de trabalho suscetível de
atingir seus direitos e a sua dignidade, de alterar sua saúde física ou
mental ou de comprometer seu futuro profissional.”
No Brasil, não há uma lei federal que discipline o assunto, em que pese a
existência de 11 projetos no Congresso Nacional, imobilizados. Há o Projeto de
Lei nº 5.970/01, que altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho,
é dizer, art. 483, letra g e § 3º, e acrescenta o art. 484-A. Contudo, como já dito,
encontra-se paralisado no Legislativo. Conveniente, mesmo assim, transcrevê-lo
em parte, na qual se insere a prática de coação moral (expressão utilizada para
denominar o assédio moral), art. 483, letra g; rescisão indireta e pagamento
das indenizações (art. 483, § 3º) e particularidades na indenização se a rescisão
do contrato foi motivada pela prática de coação moral contra o trabalhador:
“Art. 483. (...)
g) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele, ação moral,
através de atos ou expressões que tenham por objetivo ou efeito atingir sua
dignidade e/ou criar condições de trabalho humilhantes ou degradantes,
abusando da autoridade que lhe conferem suas funções.
(...)
§ 3º Nas hipóteses das letras d, g e h, poderá o empregado pleitear
a rescisão de seu contrato e o pagamento das respectivas indenizações,
permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo. (NR)
(...)
Art. 484-A. Se a rescisão do contrato de trabalho foi motivada pela
prática de coação moral do empregador ou de seus prepostos contra o
trabalhador, o juiz aumentará, pelo dobro, a indenização devida em caso
de culpa exclusiva do empregador.”
Essa coação moral que o projeto pretende inserir no ordenamento jurí-
dico laboral é relevante. Contudo, enquanto isso, o fenômeno se propaga em
larga escala, colocando em risco a sanidade física e mental dos trabalhadores,
afetando, por conseguinte, o equilíbrio social.
Nessa altura, oportuno dizer que essa violência moral desencadeada
costumeiramente contra trabalhadores no local de trabalho, como o compor-
DOUTRINA

tamento vexatório/persecutório sistemático por parte da empresa ou de seus


representantes, que implica a degradação das condições de trabalho, com a
finalidade de forçar a cessação da relação de trabalho, deve ser vista com os
olhos largos nessa quadra da história constitucional de nosso país. Afirmo isso
pois a Constituição Federal, em seu art. 7º, I, assevera que é direito do traba-
lhador uma “relação de trabalho protegida contra despedida arbitrária ou sem
justa causa”, prevendo até a estipulação legal de indenização compensatória
com essa finalidade. Dispositivo este que nos parece indicar que seria mais
fácil mudar todos os componentes do Legislativo nacional do que conseguir a
lei que o complemente. Daí pertinente o porquê de Norberto Bobbio3 advertir:
“o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não
é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”. Francamente, nenhuma
despedida mais arbitrária e injusta do que aquela que força o trabalhador a pedir,
ele mesmo, a sua demissão, por lhe ter sido tornado insuportável o ambiente de
trabalho, pela perseguição sistemática e pela sua submissão a comportamentos
vexatórios, humilhantes e degradantes.
Como se vê, o assédio moral se notabiliza pela postura insistente e pela
ação reiterada, por período duradouro, com ataques repetidos, que submetem
a vítima a situações de humilhação, de rejeição, vexatórias, discriminatórias e
constrangedoras com o objetivo de desestabilizá-la emocional e psiquicamente,
quase sempre com severos reflexos na saúde física e mental.
É preciso ter presente, também, que no assédio moral no ambiente de
trabalho não há a figura da culpa entre assediador e assediado, há sim a figura
do dolo. O agente assediador pratica o ato de modo intencional e prolongado,
constrange a vítima com o objetivo de desestabilizá-la, estabelecendo, assim,
um terror psicológico e contaminando todo o ambiente de trabalho, e o faz
de modo consciente e com o desejo de prejudicar e obter o resultado. Não há
espaço para a figura da culpa!
A Professora Margarida Barreto, médica especialista em trabalho, de-
fendeu sua tese de Doutorado, Assédio Moral: a Violência sutil (188 páginas,
Pontifícia Universidade Católica – PUC, 2005), na área de psicologia social.
Referido trabalho revela que a humilhação do chefe a seus subordinados é
mais prejudicial à saúde do que se pode imaginar. São muitos e significativos
os reflexos, tais como baixa autoestima e problemas de saúde, como depressão,
angústia, estresse, distúrbios de sono, hipertensão, alteração da libido e pen-
samentos ou tentativas de suicídio. A pesquisa bem conduzida pela Professora
Margarida Barreto consultou 42.000 trabalhadores em todo o país. Estarrecedor
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o fato de que um quarto deles disse ter passado por algum tipo de humilhação
ou situação vexatória. Importante destacar, abaixo, uma parte dessa pesquisa:

RAIO X DA VIOLÊNCIA MORAL

Quando acontece:
50% várias vezes por semana;
27% uma vez por semana;
14% uma vez por mês;
9% raramente.
Quem pratica:
90% chefe;
6% chefes e colegas;
2,5% colegas;
1,5% subordinado contra chefe.
O resultado:
82,5% perda de ânimo e memória;
75% sensação de enlouquecer;
67,5% baixa autoestima;
60% depressão.
A pesquisa revela um ambiente de trabalho preocupante. Não se está a
dizer que os locais de trabalho são de todo ruins, absolutamente! Em verdade,
o que se apresenta com estudos científicos indica que o olhar deve estar fixo
nesse caminho inquebrantável de proteger a vítima desse terror psicológico e
o próprio ambiente de trabalho. A pesquisa aponta, no universo de trabalha-
dores consultados, que o assédio moral com frequência é praticado pelo chefe
contra subordinados, com resultado nefasto. Praticam também os colegas e até
o subordinado contra o chefe, questão esta rara, mas presente. Aliás, a própria
literatura brasileira nos dá resposta a essa questão. No romance O Primo Basílio,
o escritor consagrado Eça de Queiroz nos apresenta um quadro inusitado dessa
espécie de assédio moral, no qual a coitada da Luísa, esposa do conselheiro
Jorge, foi martirizada moralmente até a morte pela sua criada Juliana.
Todas essas formas são típicas do assédio moral no ambiente de trabalho.
O assédio moral descendente caracteriza-se pela ação de um superior hierár-
quico sobre um subordinado; o assédio moral horizontal caracteriza-se pela
ação entre pessoas do mesmo nível hierárquico; e o assédio moral ascendente
caracteriza-se pela ação de um subordinado em relação ao seu superior hierár-
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quico, é dizer, de baixo para cima, como nos apresenta a literatura anteriormente
citada. Registre-se, por conseguinte, que esse é o menos frequente dentre os
três, mas ocorre, e é mais comumente encontrado nas empresas públicas, em
decorrência da estabilidade no emprego.
Cabe ainda considerar que não há problema algum em exigir metas
dos trabalhadores. Qualquer instituição deve vislumbrar alguma meta e tentar
obtê-la. Ao próprio Poder Judiciário foram estabelecidas metas pelo Conse-
lho Nacional de Justiça, e não há problema algum. As metas bem definidas e
realizáveis, ainda que apresentem certo grau de dificuldade, são saudáveis e
trazem resultados e ganhos para todos. Metas irreais tornam-se desmotivadoras
e perigosas pelo seu efeito destrutor sobre o meio ambiente e pelo seu desprezo
pelos riscos impostos aos trabalhadores. É inútil e indiferente para com os fa-
tores humanos impor uma meta que não será atingida. É como diz uma canção
popular: “É inútil correr atrás do mundo, ninguém jamais o alcançará”.
A meta é um objetivo de resultado da empresa, e a ela deve associar a
consideração de outros fatores humanos e morais, pois trabalho em excesso,
exigência pela constante superação de metas, pressão pela apresentação de
resultados inatingíveis, tratamentos autoritários das pessoas no desenvolvi-
mento dessa tarefa de resultados e desrespeito ao papel que cada trabalhador
desempenha na organização são algumas formas comuns de provocar assédio
moral, sempre sob o argumento de que o trabalhador necessita ser pressionado
para obter melhores resultados. Ora, só não sofre pressão quem já morreu! Mas
a pressão deve ser exercida dentro dos limites normativos impostos de respeito
aos valores fundamentais do ser humano, componente fundamental nessa re-
lação jurídica. Já se disse que a pressão transforma carvão em diamante, mas
também pode destruí-lo.
A pressão legítima exercida pelo empregador para que o empregado
atinja metas não caracteriza, por si só, assédio moral. É preciso indagar se
essa pressão é razoável, suportável, e faz parte do processo de crescimento do
profissional, ou se produz consequências maléficas para quem é imposta com
custo social que ultrapassa largamente o benefício oferecido.
A finalidade almejada pelo direito é a ordem, a segurança, a harmonia,
a paz social e a justiça. As normas jurídicas, por sua vez, se pautam por ela,
procurando meios que são para realizá-la. Portanto, diante da realidade apresen-
tada, é necessário que o legislador, ainda omisso, atue efetivamente no sentido
profilático, pois somente assim a norma atingirá sua finalidade.
DOUTRINA

O caminho da prevenção no direito é exatamente a questão fundamental


que o legislador não pode transigir. A propósito, o Código de Proteção e Defesa
do Consumidor, Lei nº 8.078/90, cumpriu fielmente seu papel. Instituto de pouca
vigência, pouco mais de duas décadas, comprovou de sobejo, com o testemu-
nho da sociedade, a sua irrefutável valia. Afirma a Lei, em seu art. 6º, que “são
direitos básicos do consumidor”, elencando ao longo de inúmeros incisos os
direitos que merecem proteção nessa relação consumerista, contudo, no inciso
VI, antes de atribuir a reparação de dano no seu sentido mais abrangente, em
face de quaisquer de suas violações, afirma que deve haver a efetiva prevenção.
Vale destacar esta passagem: “VI – a efetiva prevenção e reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Nessa perspectiva, o próprio legislador já sinalizou que o caminho é a
prevenção, e mesmo assim o crescente número de assédio moral no ambiente
de trabalho desafia a todos. Não há lei de âmbito nacional que discipline esse
assédio, mas há leis nesse âmbito que já se preocuparam com a questão.
Nesse sentido, é de se notar que o legislador tem sido persistente no ca-
minho de alertar as empresas privadas que em nosso país não se pode permitir o
assédio moral. Coube à Lei nº 11.948, de 16 de junho de 2009, que constitui fonte
adicional de recurso para ampliação de limites operacionais do Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES, esse recado direto. Referido
Banco, principal braço financiador do Governo Federal, é uma empresa pública
que oferece financiamentos de longo prazo para projetos de micro, pequenas e
médias empresas. Seu objetivo é fortalecer a estrutura de capital das empresas
privadas e, consequentemente, estimular o crescimento do país.
Conforme se vê especialmente no art. 3º: “Fica o Poder Executivo auto-
rizado a incluir condicionamentos aos contratos de financiamentos decorrentes
da aplicação de recursos de que trata o art. 1º relativos à criação de postos de
trabalho ou a restrição à demissão imotivada durante período convencionado,
respeitados os elementos de natureza econômica e financeira necessários à
viabilidade dos projetos financiados”.
Mais adiante acrescenta: “Art. 4º Fica vedada a concessão ou renovação
de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES a empresas da ini-
ciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual,
racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente”.
As empresas cada vez mais exercem importante papel nas relações eco-
nômicas e sociais, e há na verdade uma enorme preocupação em saber o que
a empresa faz em relação ao meio ambiente e às questões sociais. Vejam só o
DOUTRINA

impacto de uma condenação por assédio moral a um dirigente de empresa de ini-


ciativa privada. A empresa poderá precisar de investimentos e uma condenação
nessas condições poderá comprometer inteiramente seu futuro. Seguramente,
não é isso que se quer, absolutamente! Contudo, esse foi o alerta do legislador,
de maneira a indicar a necessária existência de um ambiente de trabalho onde
as pessoas e seus direitos sejam respeitados.
Nessa ordem, assume particular importância a existência da multirrefe-
rida Lei nº 9.029/95, que proíbe expressamente a adoção de qualquer prática
discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de emprego, ou sua
manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar
ou idade (art. 1º), e, logo no artigo seguinte, elenca práticas discriminatórias e
as constitui crime (art. 2º). Importante também notar que, disciplinando cor-
retamente o que é adequado para o ambiente de trabalho, contrariou as regras
estabelecidas em nosso sistema jurídico, tipificando uma situação, com pena
de detenção e multa para os sujeitos ativos dos crimes, a pessoa física empre-
gadora, o representante legal do empregador, como definido na legislação
trabalhista e o dirigente de órgãos públicos e entidades das administrações
públicas direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 2º, parágrafo único, incisos
I, II e III) e não o fazendo através do Código Penal brasileiro.
Não podemos absolutamente negligenciar aqui a diferença existente entre
assédio e discriminação. O assédio, presentes as particularidades já menciona-
das, tem o objetivo de humilhar, independentemente das características pessoais
da vítima, ao passo que a discriminação se dá pela retirada ou restrição a um
direito, e.g., na questão social ou ainda em relação às pessoas portadores de
necessidades especiais.
Estabelece a Lei em comento (art. 3º) que, além da pena de detenção e
multa anteriormente citadas, o responsável pela prática discriminatória ainda
sofrerá outras cominações, como “multa administrativa de dez vezes o valor
do maior salário pago pelo empregador, elevado em cinquenta por cento em
caso de reincidência” (art. 3º, I). Estabelece, ainda, propositalmente referida
Lei, e aqui reside uma semelhança com a Lei nº 11.948/09, quando adverte a
empresa para as práticas que degradam o ambiente de trabalho. A propósito, o
inciso II do art. 3º: “II – proibição de obter empréstimo ou financiamento junto
a instituições financeiras oficiais”.
Trata-se, na verdade, de um caminho seguro já externado pela lei em abril
de 1995 e que não se apresenta como algo novo em junho de 2009, alertando
às empresas que praticam atos discriminatórios a examinarem essa prática e
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cessá-la imediatamente, pois, além de ser moralmente inadmissível, isso decerto


refletirá de modo negativo na sua própria eficiência econômica.
De qualquer modo, esse art. 4º representa a gravidade do rompimento
da relação de trabalho por ato discriminatório, reconhecendo expressamente
o direito à reparação pelo dano moral, prática incomum do legislador, porém
louvável, mas também essa faculdade atribuída ao empregado quanto a sua
readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento ou
a percepção, em dobro, da remuneração do período do afastamento. Trata-se,
como se vê, de uma legislação preocupada com a função social da empresa,
indicando para que caminhe com sua participação no cenário econômico, mas
que se tenha presente também a consideração de outros fatores humanos e
morais que, ao longo de sua existência, são inegavelmente essenciais para a
vida da empresa.
A outra questão que tem pertinência é a Portaria nº 3.214/78 – MTb, que
possui uma NR que trata especialmente do call center, que são as centrais de
atendimento ou telemarketing (NR 17 anexo II – Aprovado pela Portaria SIT nº
9, de 30 de março de 2007). Inovação importante que, na prática, parece não ter
repercutido amplamente. São muitas as mudanças ocorridas nos últimos anos
nessa atividade, em função, principalmente, do desenvolvimento tecnológico
e do mercado de trabalho.
Com efeito, referida norma já no início (17.1) objetiva a proteção à saúde,
ao conforto, segurança e desempenho eficiente. Posteriormente, tratou referida
norma, em seu Anexo II, item 5.13, de vedar a utilização de métodos que causem
assédio moral, medo ou constrangimento. Importante destacar esta passagem:
“5.13. É vedada a utilização de métodos que causem assédio moral,
medo ou constrangimento, tais como:
a) estímulo abusivo à competição entre trabalhadores ou grupos/
equipes de trabalho;
b) exigência de que os trabalhadores usem, de forma permanente ou
temporária, adereços, acessórios, fantasias e vestimentas com o objetivo
de punição, promoção e propaganda;
c) exposição pública das avaliações de desempenho dos opera-
dores.”
Cumpre afirmar que referida Norma Regulamentadora nº 17 (Ergonomia)
abrange todo o território nacional e possui aplicabilidade obrigatória, embora
curiosamente já se ventilou a sua não obrigatoriedade de cumprimento por não
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tratar de lei federal, no sentido de norma aprovada pelo Congresso Nacional.


O argumento da inexistência de legislação específica não pode ser óbice à
aplicação de medidas preventivas à saúde e à segurança desses trabalhadores,
pois, do contrário, seria desconsiderar o vínculo existente nessa relação jurídica,
retirando o magno direito fundamental da personalidade, que, efetivamente,
encontra limites na noção de abuso de direito e no princípio geral de boa-fé que
norteia toda e qualquer modalidade de contrato no mundo. Ninguém contesta
que o meio ambiente salubre objetiva garantir a saúde física e mental do traba-
lhador, vislumbrando, assim, a eminente dignidade humana através do trabalho.
É de salientar que o legislador celetiano, em seu art. 200, incumbiu ao
Ministério do Trabalho a tarefa de estabelecer disposições complementares às
normas de proteção ao trabalho, tendo presentes as particularidades de cada
atividade ou setor de trabalho, complementando, portanto, essa função dele-
gada do legislador nacional. Nesse sentido, referida Portaria Ministerial nº
3.214/78, com suas alterações e acréscimos ocorridos ao longo dos anos, em
especial a NR nº 17, para adaptar-se às características dessa nova atividade,
fundamentalmente em função do desenvolvimento tecnológico e do mercado
de trabalho, possui status de lei federal, por força do disposto no art. 200 da
CLT, e, portanto, deve ser aplicada a todos os teletrabalhadores.
Percorrendo esse caminho, não é surpresa a busca pelo rigor da respon-
sabilidade penal. Registra-se que o bullying, palavra que significa violência,
posto que encontrado com larga escala no meio social, no lar, na família e nas
escolas, revelando que não é exclusividade do ambiente de trabalho.
Foi assim que a comissão de juristas nomeada pelo Senado Federal
para propor um anteprojeto de reforma penal decidiu criminalizar a conduta
tipificada com o nome de “intimidação vexatória”. A conduta pode ser punida
com prisão de um a quatro anos. Assim constou a redação do anteprojeto:
“Art. 148. Intimidar, constranger, ameaçar, assediar sexualmente, ofender,
castigar, agredir, segregar a criança ou o adolescente, de forma intencional e
reiterada, direta ou indiretamente, por qualquer meio, valendo-se de pretensa
situação de superioridade e causando sofrimento físico, psicológico ou dano
patrimonial: Pena – prisão de um a quatro anos. Parágrafo único. Somente se
procede mediante representação”.
Estudos apontam que adultos com determinados tipos de problemas
mentais ou de comportamento foram vítimas de bullying na infância ou na
adolescência, revelando os malefícios que essa conduta pode causar. A socie-
dade, por sua vez sempre presente, tem participado e aprofundado os debates
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sobre o tema. Trata-se, portanto, de uma atitude que requer a presença da res-
ponsabilidade criminal.
Com respeito ao ambiente de trabalho, o legislador sensível à existência
de uma conduta nociva também sugeriu criminalizá-la, objetivando inibir essa
prática indesejável e com isso interromper o fluxo de humilhação presente no
local de trabalho. A propósito, vale a advertência de Sir Arthur Conan Doyle:
“Punir o crime é importante, preveni-lo ainda mais”. O substitutivo ao Projeto
de Lei nº 4.742, de 2001, constou assim:
“Art. 136-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente, a
imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em razão
de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou
tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde
física ou psíquica.
Pena – detenção de um a dois anos.”
Como se vê, a conduta que se pretende tipificar como crime caracteriza-
se pela reiteração de atos vexatórios e agressivos à imagem e à autoestima da
pessoa. Extremamente importante essa tipificação e ainda oportuna para impedir
a prática desse crime que efetivamente fortalece a discriminação no trabalho,
a manutenção da degradação das relações laborais e a exclusão social, estudos
sobre questões já há muito conhecidas.
Do maior interesse é o arbitramento do valor referente à reparação por
dano moral em ação que se discute o assédio moral decursivo do ambiente de
trabalho. O valor da condenação, em termos adequados, deve servir de alerta ao
ofensor, de maneira a impedir que ele venha a praticar novamente o atentado.
Deve ser algo que refreie seu desejo de continuar prejudicando o interesse de
outrem, pois, do contrário, se esse valor não atingir sua finalidade social poderá
passar uma ideia de impunidade, tão discutida nos tempos atuais. É sempre fonte
de repetição de novos danos, posto que incentiva em vez de desestimulá-la.
Nessa perspectiva, o caráter punitivo, indissociável da indenização em espé-
cie, tem por finalidade evitar que o empregador continue a se omitir em suas
obrigações de proteção, segurança e respeito nas relações de trabalho, sob o
manto da impunidade.
Na verdade, o valor deve guardar rigor com os fatos apresentados e com-
provados, na sua medida, constituindo, assim, elemento essencial de conserva-
ção da ordem social, tal como a prevenção. Contudo, por outro lado, e também
importante, é que o valor da condenação sirva não somente para compensar o
sofrimento daquele que sofreu a lesão, mas em especial para estabelecer uma
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forma de respeito ao acervo de bens morais, tais como a dignidade, a honra, a


honestidade e outros sentimentos nobres da personalidade do homem. O que
não se pode permitir é que o trabalhador seja lesado no que ele tem de mais
precioso: a honra. Não é por outra razão que o gênio Shakespeare, em Ricardo II,
aclamou: “Minha honra é minha vida; meu futuro, de ambas depende. Serei
homem morto se me privarem da honra”. Portanto, é um misto de pena e com-
pensação, e atingida essa finalidade social da norma, alcança seguramente a
prevenção. Em verdade, é preciso evitar esses absurdos e essa missão também
pertence ao direito do trabalho.
Com frequência comum, a imprensa e os grandes meios de comunicação
noticiam a existência do assédio moral no local de trabalho, especialmente
com condenações pela Justiça, contribuindo para a conscientização de toda a
sociedade, revelando as consequências malévolas dessa lesão para o trabalha-
dor e para esse ambiente, e que, ao mesmo tempo, compromete a reputação e
a imagem das empresas com prejuízos incalculáveis. Isso revela que é preciso
agir no local de trabalho, local de ocorrência do conflito, de maneira a preveni-
lo, ou, quando muito, diminuir o impacto sobre todas essas preocupações que
se fazem presentes no ambiente.
No empenho de promover um ambiente de trabalho saudável, a empresa
deve instituir mecanismos internos de tutela, com o objetivo estratégico de
impedir o fluxo de humilhação no trabalho. Não se trata de algo novo, mas
de aqui reiterar a importância de procedimentos preventivos que impedem a
ocorrência de atos que sejam praticados contra jus.
Nesse cenário, é preciso identificar a figura do assediador, aquele que
geralmente é um chefe e exerce o poder, persegue seus subordinados, com o
objetivo de desestabilizá-los física e emocionalmente. Identificar esse indiví-
duo é fundamental para desarmar a engrenagem que transforma trabalhadores
em vítimas e que faz prosperar a violência no local de trabalho. Em regra, são
pessoas de sucesso e, por essa razão, até são seguidas por muitos como exem-
plo para se alcançar esse tal sucesso, mas, na verdade, são pessoas que custam
caro às empresas, pois diminuem a capacidade de inovar das equipes, não
sabem manter os talentos e, ainda, podem levar organizações a pagar valores
consideráveis por processos de assédio moral. São pessoas que costumam des-
truir os colegas de trabalho, são intimidadoras, retiram a energia das pessoas,
exercitam a crueldade com seus subordinados, tiram a motivação e a energia
de sua equipe, seus comandados ficam doentes, estressados e deprimidos, e,
com isso, aumenta a taxa de absenteísmo, distração, dispersão e rotatividade,
e isso reflete diretamente no resultado, pois, desmotivados, os funcionários
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deixam de ter ideias, de inovar e de ser criativos. É preciso ter presente que
hoje o diferencial competitivo são as pessoas.
Afinal de contas, a quem interessa a figura do assediador? Ouso afirmar
que não interessa a ninguém e será extinta! Não há espaço para pessoas que
revelam pouco ou nenhum apreço para com o ser humano. O importante pro-
fessor de Economia Moderna de Harvard, Thomas Mallone, já afirmou com
propriedade que “a unidade fundamental da nova economia não é a empresa,
mas, sim, o indivíduo”, de maneira a indicar que não é somente a questão
econômica que assume a primazia das ações do empresário. O ambiente de
trabalho, como em sociedade, deve ser o local onde ninguém seja humilhado,
perseguido. Na verdade, precisamos contribuir para a existência e a manutenção
de relacionamentos saudáveis no trabalho, pois apontam influência positiva
sobre o clima organizacional. O trabalho é parte fundamental da vida, pois,
afinal, todos precisam mesmo trabalhar, e é evidente que num ambiente de
trabalho com essa preocupação e esse sentido de prevenção teremos menos
ocorrência de assédio moral.
Há pesquisas no Brasil e na Europa que apresentam uma conta assusta-
dora de problemas relacionados à depressão, ao pensamento autodestrutivo e às
tentativas de suicídio entre as vítimas desse tipo de violência. Para as empresas,
são incontáveis os vários efeitos nocivos, desde os afastamentos, os acidentes
de trabalho lato sensu, o alto índice de absenteísmo e o turnover com custo de
reposição, a perda de equipamentos, a queda de produtividade em face do moral
da equipe, os talentos reduzidos, os custos judiciais elevados e a redução do valor
da marca, tudo isso com custo social altíssimo, como a incapacidade decorrente
dos acidentes, aposentadorias precoces e a desestruturação de muitas famílias.
Particularmente importante, nesse momento, é definir os mecanismos de
tutela. Primeiro é preciso admitir a possibilidade de ocorrência de assédio em
todos os escalões da empresa. Antes de tudo, o assédio é uma forma de violência
e deve ser identificado, reconhecido e tratado como um problema que merece
atenção no ambiente de trabalho. O passo seguinte, uma vez reconhecida essa
possibilidade, é mostrar disposição em apurar, coibir, punir os responsáveis,
sem exceção, criar instrumentos de controle e assumir que não existem pessoas
intocáveis quando se trata de melhorar o comportamento organizacional e as
condições do ambiente.
É preciso sinalizar para a sociedade que essa empresa não tolerará assedia-
dores e que aqui ninguém será assediado. Para que essa vontade possa produzir
os efeitos a que se destina, é necessário dar origem a instrumentos confiáveis
e expeditos para a denúncia e a apuração dos fatos, deixando absolutamente
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claro que todos perdem quando ocorre o assédio e que é algo devastador na
vida de alguém, contamina o ambiente e afeta, por sua vez, o equilíbrio social.
A vontade e a determinação da empresa na construção de um caminho que iniba
esse processo silencioso de destruição do ambiente de trabalho revelam que
não se pode endossar atitudes que causem desrespeito e danos ao mais sagrado
de todos os direitos, o de ser tratado como ser humano.
Na verdade, o assédio é uma questão moral, econômica e social. O
marketing social também tem sido um ótimo instrumento das entidades sindi-
cais para combater essa conduta perversa, na medida em que ajuda na cons-
cientização dessa prática. Devem sempre defender a segurança e a saúde dos
trabalhadores durante suas negociações coletivas.
Economistas apontam que, no Brasil, por razões culturais, os custos do
assédio moral são bem mais elevados que a prevenção e, em regra, não tem
sido prioridade patronal o investimento na prevenção. Há grandes companhias
que já possuem normas anti-mobbing, tais como a Volkswagen, na Alemanha.
Essa empresa proibiu, por exemplo, um empregado de espalhar boatos. Essas
regras, presentes desde 1996, possuem boa aceitação, sobretudo no alto esca-
lão da empresa, uma vez que a queda de 1% no absenteísmo significou uma
poupança de 50 milhões de dólares por ano, procedimento este que vem sendo
aplicado com sucesso.
Creio que o caminho de criar um código de conduta com programas que
combatam o assédio moral é de fundamental importância. Empresas que se
preocupam com essas questões têm boa imagem e revelam preocupação com
seus colaboradores e com a sociedade, o que chamamos de responsabilidade
comportamental. Estou convencido de que a boa empresa não é somente aquela
em que o assédio necessariamente não ocorra, mas também aquela que, quando
ele ocorre, sabe enfrentá-lo com coragem e determinação. Afirmo isso porque a
omissão é danosa para todos, pois dificulta e até impossibilita as ações preven-
tivas que poderiam coibir a proliferação do problema. A ideia é que as empresas
atinjam, sim, seus fins econômicos, mas que a preocupação fundamental seja
a busca de um ambiente de trabalho saudável, onde as pessoas não são apenas
o meio, mas, sim, a finalidade para se alcançar os objetivos.
O trabalhador precisa de proteção diante de humilhações e perseguições
advindas dos assediadores. As empresas também precisam de proteção e, por
isso, devem incluir em suas prioridades a concreta preocupação com o meio
ambiente de trabalho, com o efetivo combate ao assédio moral, com progra-
mas de responsabilidade social e ambiental, prevenindo danos de atos cujas
consequências já são conhecidas e, com isso, sua própria sustentabilidade. A
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sociedade, da mesma forma, necessita dessa proteção, pois o prejuízo imposto


ao trabalhador e ao ambiente laboral causa dano à ordem social.
Concluindo, para encerrar este trabalho, que pretendeu apenas traçar
breves considerações a respeito dos caminhos preventivos no ambiente de
trabalho frente ao assédio moral, desde a experiência internacional, o alerta do
legislador brasileiro e sua preocupação com a questão social, a criminalização
da conduta, passando, ainda, pela importância do valor arbitrado em conde-
nação judicial e, em especial, pela criação de mecanismo de tutela no âmbito
empresarial capaz de assegurar a preocupação com o próprio homem no local
de trabalho e garantir a eficácia dos esforços necessários para evitar a violência
em suas dependências. Por outro lado, ainda, as instituições comprometidas com
o direito do trabalho têm o dever de mobilizar toda a sociedade e conduzir o
tema a uma discussão ampla, apresentando estratégias preventivas e imediatas e
que sejam traçadas e executadas com o claro propósito de enfrentar a situação.
O respeito ao ser humano é um dos traços mais admiráveis em nosso convívio,
e pregamos incessantemente esse caminho, que é a consagração de uma causa
comum, o aperfeiçoamento da vida humana.
Quanto tem sofrido o progresso humano por causa de pessoas que, por
seus preconceitos ou interesses adquiridos por falta de valor moral, têm resistido
a acomodar as ideias à realidade do momento em que vivemos e à evolução do
homem! Penso, pois, que a luta pelo aperfeiçoamento do indivíduo no mundo
do trabalho não será em vão se houver identificação completa com o bem. O
sentido muitas vezes mecânico que se atribui às coisas, desprezando o indivíduo
com suas características, seus problemas, não contribuiu para o aperfeiçoamento
pretendido e, seguramente, não é um sentido próprio representativo de nossa
época. É preciso ter presente todos esses componentes humanos no atual estágio
construtivo das relações de trabalho. Não posso crer, por um momento, sob
pena de se abalarem os próprios alicerces da razão, que o ambiente de trabalho
não seja fundamentalmente bom e não siga, através de sua história, uma alta
finalidade do bem.
RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR PELOS DANOS
DECORRENTES DE DOENÇA OCUPACIONAL

Glaucia de Jesus Santos1

RESUMO

Este artigo traz uma análise na doutrina sobre a responsabilidade civil do empregador na
ocorrência de doenças ocupacionais. Alguns pesquisadores evidenciam uma preocupação com
exposições de muitas áreas profissionais, em virtude de suas atividades envolverem
procedimentos e intervençõesque colocam os trabalhadores em perigo constante. Por isso, o
Novo Código Civil instituiu, no parágrafo único do art., 927, a responsabilidade civil objetiva
com base na teoria do risco criado, em conformidade com o inciso XXVIII do art. 7º da
Constituição Federal de 1988, que condiciona a responsabilização do causador do dano nas
atividades laborais com risco inerente. Em virtude do exposto, buscou-se analisar a natureza
da responsabilização do empregador quando da ocorrência de doenças ocupacionais. A
metodologia empregada foi a pesquisa bibliográfica, de caráter exploratório. O estudo na
doutrina revelou que a responsabilização do empregador por danos decorrentes de doenças
ocupacionais deverá ser aplicada em consonância com a regra geral da responsabilidade civil
subjetiva, concretizada na concepção de ato ilícito ou a teoria de risco criado proveniente da
atividade profissional desenvolvida.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como tema a responsabilidade civil do empregador pelos danos
decorrentes de doença ocupacional, cujo problema é verificar: Qual a responsabilização do
empregador pelos danos morais e/ou patrimoniais sofridos pelo empregado em decorrência de
uma doença ocupacional?
A escolha do tema foi decorrente do interesse pessoal em buscar conhecimentos
sobre o direito do trabalho, mais especificamente a legislação pertinente na ocorrência de
doença ocupacional, já que essas doenças vêm aumentando sua incidência e afetando à saúde
do trabalhador, aspecto que demanda aperfeiçoamento constante dos operadores do direito do
trabalho, já que o direito justrabalhista representa uma ferramenta fundamental para que os
trabalhadores exerçam com segurança suas atividades, visando o alcance da promoção da
saúde, não apenas a nível ocupacional, mas também, a nível pessoal, social e cultural.
A ocorrência de doenças ocupacionais tornou-se comum em diversos tipos de
atividades e situações laborais. Existem pesquisas que revelam uma alta incidência de riscos
que podem afetar à saúde do trabalhador, tais como: excessos na jornada de trabalho, o
desrespeito a fatores ergonômicos, antropométricos, estresse, ansiedade, manuseio de
substâncias tóxicas e materiais perfurocortantes, ruído, calor, altura, entre outros, que atingem
níveis elevados de danos à saúde do profissional e formam um conjunto nocivo a todos os
envolvidos no trabalho capazes de gerar doenças ocupacionais e acidentes de trabalho
(COSTA, 2010; BARBOSA, 2013).
As estatísticas revelam alta incidência de doenças ocupacionais, cujas consequências
geram novas demandas para ordenamento jurídico brasileiro, especialmente, em virtude das
alterações trazidas pelo novo Código Civil (Lei 10.406/2002) no que diz respeito à
responsabilidade civil objetiva, fundamentada na teoria do risco criado e a Emenda
Constitucional nº 45 de 2004 que levou a Justiça do Trabalho a julgar as indenizações por
doenças ocupacionais e acidentes do trabalho com maior rigidez.
Longe pacificação, o tema vem suscitando dúvidas e polêmicas entre os operadores
do direito do trabalho. Há vista que a doutrina manteve, por várias décadas, o pensamento
clássico, seguindo a responsabilidade civil subjetiva, hoje, vem-se admitindo, a
responsabilidade civil objetiva, fundamenta-se nos preceitos doNovo Código Civil que
instituiu, especificamente, no parágrafo único do art., 927, e no inciso XXVIII do art. 7º da
Constituição Federal de 1988 que condicionam a responsabilização do causador do dano nas
atividades laborais com risco inerente.
Tais aspectos justificam também o interesse pelo tema, que agregará os resultados de
diversas pesquisas já realizadas e à opinião de doutrinadores dessa área. Com esse estudo não
se pretende esgotar o assunto, visa-se apenas sanar as dúvidas ainda existentes quanto ao tema
em epígrafe.
Este estudo traz uma análise na doutrina e na jurisprudência sobre a responsabilidade
civil do empregador na ocorrência de doenças ocupacionais. São objetivos específicos deste
estudo: analisar os fundamentos históricos e conceituais da responsabilidade civil, destacando
as noções gerais, os tipos e as formas de reparação do dano moral e/ou material;
contextualizar as doenças ocupacionais mais recorrentes no Brasil e a legislação pertinente;
estudar as teorias que dispõem sobre os danos decorrentes das doenças ocupacionais; analisar
a responsabilidade civil do empregador na ocorrência de doença ocupacional, examinando a
jurisprudência justrabalhista.
A metodologia empregada nesta pesquisa compreendeu um estudo de revisão
bibliográfica, cuja trajetória metodológica se apoiou em leituras exploratórias, referentes ao
tema, em análise do art. 7º, XXVIII, da CF., art. 927, p. único, do CC, o art. 927 do Novo
Código Civil Brasileiro, Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), Direito Civil e Direito do
Trabalho, além de utilizar as jurisprudências do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e outros
dispositivos legais que trazem mecanismos que visam assegurar os direitos do empregado nas
relações de trabalho.

2 RESPONSABILIDADE CIVILDO EMPREGADOR EM CASO DE DOENÇA


OCUPACIONAL

2.1 RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil data do início da história da humanidade, segundo Fagundes


(2006), ela não é uma criação da modernidade, desde os tempos mais remotos as pessoas
sempre cometeram ações ou omissões que de alguma forma ocasionavam algum tipo de dano
a outrem, gerando a necessidade de ressarcimento. Inicialmente, vigorava a vingança
generalizada, ou seja, não se procurava a restauração do estado anterior, mas sim a
aplicabilidade da pena ao ofensor de igual intensidade ao que foi causado.
Tratando dessa questão ensina Venosa (2010) que,

[...] nos primórdios da civilização o princípio que denotava uma forma de reparação
era o da "Lei de Talião", da retribuição do mal pelo mal, "olho por olho e dente por
dente". Na ocorrência de um dano, gerava na vítima uma ideia de vingança para com
o agressor, que fazia justiça pelas próprias mãos.

Com a evolução das sociedades, tornou-se mais proeminente à reparação do dano de


forma pecuniária. Assim, o Estado passou a assumiu a tarefa de demonstrar da culpa do
causador do dano para cumprir o direito à indenização. Ainda conforme Venosa (2010, p.),

A Lex Aquilia era um plebiscito aprovado em fins do século III ou início do século II
a C. que possibilitou atribuir ao titular de bens o direito de obter o pagamento de
uma penalidade em dinheiro de quem houvesse destruído ou deteriorado seus bens.
Assim, punia-se por uma conduta que viesse a ocasionar danos. Na época de
Justiniano a Lex Aquilia era aplicada como remédio jurídico de forma geral. No
sistema romano da responsabilidade, ao interpretar a Lex Aquilia, dela extraiu o
princípio que pune a culpa por dano injustamente provocado, independente de
relação obrigacional preexistente. É a origem da responsabilidade extracontratual
fundada na culpa ou aquiliana.
Foi o Direito francês que aprimorou as concepções romanas, por intermédio do
Código de Napoleão foi regulamentar a ideia da culpa como sucedâneo da responsabilidade
de indenizar os prejuízos causados.
E a partir do referido Código foram estabelecidos certos princípios que exerceram
sensível influência nos outros povos, tais como:

O direito à reparação, sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se
a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o
Estado);
A existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as
obrigações), e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da
imperícia, negligência ou imprudência (GONÇALVES, 2008, p. 45).

Todavia, os princípios descritos não conseguiram satisfazer todas as necessidades da


vida em sociedade, e com o desenvolvimento industrial, tecnológico e econômico, houve um
aumento dos danos e infrações que demandaram novas legislações de maior alcance e
proteção legal às pessoas.
A partir daí, a responsabilidade civil fundamentada na culpa foi à concepção
inserida na legislação de todo o mundo. Diniz (2010, p.56) conceitua a responsabilidade civil
como:

A aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou


patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por
pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples
imposição legal.

É importante destacar que para a configuração da responsabilidade civil, exige-se a


ação ou omissão, a culpa ou dolo do agente causador do dano e o nexo de causalidade.
Segundo Venosa (2010) quando alguém é injustamente lesionado, faz-se necessária
a necessária a reparação por parte daquele que o feriu, com fundamento em normas de
Direito Civil, pois a responsabilidade civil esta fundamentada em: não lesar o próximo.
Portanto, a responsabilidade civil não se confunde com responsabilidade criminal. É
no campo do Direito Civil que se busca a reparação de um dano, que vem a ser a sanção
imposta ao agente ou responsável pelo ato ilícito.

2.1.1Dos Tipos de Responsabilidade Civil

A responsabilidade está relacionada tanto ao campo do direito privado, quanto ao


direito público, tem sempre como finalidade o ressarcimento do dano injustamente causado,
mediante um restabelecimento, compensatório ou reparatório, do prejuízo sofrido
indevidamente pela vítima, em virtude de um ato comissivo ou omissivo do causador do
referido dano. Assim, a responsabilidade civil pode ser objetiva ou subjetiva.
De acordo com Silva (2008, p. 03), habitua-se a atribuir ao direito romano
reconhecimento da responsabilidade objetiva. Com efeito,

[...] nesta época não interessava a verificação da culpa, mas simplesmente impor ao
lesado o direito recíproco de impingir dano de igual magnitude ao experimentado,
sendo somente ao depois, com a promulgação da Lei Aquilia, instituída efetivamente
a necessidade de apuração da conduta faltosa como fundamento para a
responsabilidade. A partir do momento em que a apuração da culpa, ou melhor, a
necessidade de prova da conduta ilícita para que surgisse o direito à indenização,
deixou muito dos casos apresentados aos tribunais sem a devida resposta,
ocasionando à insatisfação social, que, por seu turno, acabou por impulsionar
estudos a respeito de outros fundamentos para a responsabilidade civil que não a
culpa. A culpa será ou não considerada elemento da obrigação de reparar o dano.

Verifica-se que, na responsabilidade objetiva a atitude dolosa do causador do dano


tem menor proeminência, caso haja relação de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e
o ato do agente causador, por essa razão nasce o dever de reparar o dano causado não
culposamente.
Conforme ensina Mello (2012, p. 614), a responsabilidade civil objetiva é a
“obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito
que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta,
pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano”.
Faz-se necessário acrescentar o que diz Venosa (2010) quanto à responsabilidade
objetiva, enfatizando o fato de que os tribunais brasileiros admitem a responsabilidade
objetiva agravada, ou seja, os riscos específicos que merecem uma indenização mais ampla,
de evidente cunho punitivo.
Já a responsabilidade subjetiva, diz Gonçalves (2008, p. 45) que, pressupõe “a culpa
como fundamento da responsabilidade civil. Caso não haja culpa, não há responsabilidade.
Assim, a prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável”.
Complementando o conceito de Gonçalves (2008), ensina Mello (2012, p.614), “é a
obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento contrário ao
Direito – culposo ou doloso - consistente em causar um dano a outrem ou em deixar de
impedi-lo quando obrigado a isto”.
Portanto, a responsabilidade subjetiva estabelece a obrigação de indenizar ou de
reparar o dano, a culpa e o dolo do agente. A doutrina ensina que a apuração da
responsabilidade civil subjetiva exige a constatação de quatro elementos: i) a ação ou
omissão; ii) culpa ou dolo do agente; iii) o nexo de causalidade; iv) o dano sofrido pela
vítima.
Assim, o Código Civil elegeu a culpa como centro da responsabilidade subjetiva que
norteia a responsabilidade civil no direito brasileiro, onde estabeleceu o seguinte, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé
ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem fica
obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa,


nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

O art. 186, quando dispõe da ação ou omissão, refere-se a qualquer pessoa, isto é,

Por ato próprio ou ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente, bem como os
danos causados por animais ou coisas que lhe pertençam. Trata também do dolo
quando se refere à ação ou omissão voluntárias, para, em seguida, referir-se à culpa,
quando se fala em negligência ou imprudência, que deve ser provada pela vítima.

Percebe-se que, de uma forma geral, o ordenamento jurídico brasileiro adotou, no


campo da responsabilidade civil, a teoria clássica e tradicional da culpa, também chamada de
teoria da responsabilidade subjetiva.
Vale ressaltar que a teoria objetiva vem sendo adotada indubitavelmente, no que se
refere à responsabilidade patrimonial do Estado, desde a Constituição de 1946, ante o teor
irrefragáveis dos textos alhures mencionados. Não obstante, o fato da atual apenas agasalhar a
responsabilidade objetiva vem sendo objeto de grandes discussões doutrinárias, aplicando-a
na generalidade dos casos, ou se esta pode ser aplicada conjuntamente com a responsabilidade
pela fautedusrvice, que seria cabível em algumas hipóteses (GONÇALVES, 2008).
Partidários do posicionamento segundo o qual o texto constitucional vigente apenas
agasalha a teoria da responsabilidade objetiva, sendo esta a regra no direito vigente. Já de
acordo com Tácito (2009), a responsabilidade objetiva seria aplicável nos casos de dano
moral, decorrente de atividade lícita do Poder Público, mas lesiva ao particular.
2.1.2Dos Pressupostos da Responsabilidade Civil

Os pressupostos da responsabilidade civil são: a ação, o dano e o nexo causal.Tanto


na ação quanto na omissão surge o dever de indenizar. Há omissão na exata medida em que o
sujeito deve agir e, não obstante, permanece inerte. Para que se configure a responsabilidade
civil, faz-se necessário quer haja uma ação ou omissão do agente.
Na concepção de Diniz (2010, p.248),

A ação representa um ato humano próprio ou de terceiro, sendo ele omissivo ou


comissivo, licito ou ilícito, voluntário e imputável que cause dano a outrem,
devendo reparar o direito lesado causado por estes. O ato deve infringir uma norma
jurídica, e o agente deve ter a ciência que sua atitude é contrária à lei e a de seus
guardados.

A doutrina leciona que um ato ilícito só repercute no direito se causar prejuízo a


alguém. Ensina Pamplona Filho (2010, p. 23) que, dano em sentido amplo, vem a ser “a lesão
de qualquer bem jurídico, e ai se inclui o dano moral; já em sentido estrito, é a lesão do
patrimônio, ou seja, é o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em
dinheiro”.
Sendo assim, é possível compreender que o dano é uma perda não desejada pela
vítima, que gera muitas consequências e podem recair sobre os seus bens, saúde, integridade
física, desenvolvimento profissional, e outros direitos da personalidade, como, por exemplo, a
honra. Por essa razão, não pode haver responsabilidade civil sem a existência de um dano a
um bem jurídico de alguém, nem tampouco a configuração dessa lesão concreta.
Bittar (2010) observa que o dano representa “um prejuízo ressarcível experimentado
pelo lesado, traduzindo-se, quando patrimonial pode atingir elementos de cunho pecuniário ou
moral”.
Aduz Pamplona Filho (2010, p.35), seja qual for à espécie de responsabilidade sob
exame (contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva), “o dano é requisito indispensável
para a sua configuração, qual seja, sua pedra de toque”.
Entende-se, portanto, que aquele que descumpriu uma obrigação terá que indenizar a
vitima com seu patrimônio, uma vez que este está inserido no direito das obrigações, no
âmbito da responsabilidade civil em sentido estrito.
Diniz (2010, p.187) define “o dano como sendo uma lesão (diminuição ou
destruição), que devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra a sua vontade em
qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial e moral”. Completa a autora que, o não
cumprimento da obrigação, o modo e no tempo devido, responderá o devedor pelos prejuízos
e sujeitará, também, o inadimplente e o contratante moroso ao dever de reparar as perdas e
danos sofridos pelo credor, inserindo o dano como pressuposto da responsabilidade civil
contratual para que exista o dever de indenizar.
Dessa forma, o dano é ato capaz de acarretar uma lesão ao bem da vítima, seja ele
moral ou material, gerado por ação ou omissão do sujeito infrator. Logo, a configuração do
dano é passível a ocorrência de abuso aos interesses extrapatrimoniais, ou seja, aqueles
representados pelos direitos da personalidade, especialmente, o dano moral.
A configuração de um dano moral dá-se por meio de uma lesão aos interesses não
patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo, conforme dispõe o art.
76 do Código Civil sobre a importância para o direito dos interesses morais ao determinar
que, "para propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou
moral".
No Novo Código Civil Brasileiro há o reconhecimento formal e expresso da
reparabilidade dos danos morais. Com efeito, dispõem o multicitado art. 186 do CC-02:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem,ainda que exclusivamente moral,comete ato
ilícito.

É importante destacar que o dano moral é algo passível de diversas interpretações


entre os doutrinadores. Cahali (2008, p. 78) afirma que deve ser o dano moral caracterizado
por “elementos seus como a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo
na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a
integridade física, a honra e os demais sagrados afetos”.
Venosa (2010, p.41), por sua vez, vê o dano moral como “o prejuízo que afeta o
ânimo psíquico, moral e intelectual da vítima, abrangendo também os direitos da
personalidade, direito à imagem, ao nome, à privacidade etc.".
Dias (2010, p.89) assim conceitua: "com os danos não patrimoniais, todas as
dificuldades se acumulam, dada a diversidade dos prejuízos que envolvem e que de comum só
têm a característica negativa de não serem patrimoniais".
Nos diferentes conceitos observa-se uma certa semelhança quando se diz que o dano
moral representa lesões sofridas de ordem física e psicológica não suscetível de valor
econômico que fere os valores da pessoa, lesiona sua personalidade e de seu prestígio social,
ferindo seu patrimônio moral deve ser resguardado.
O nexo de causalidade é um dos pressupostos da responsabilidade civil, por isso
deverá ser provado. Logo, para que ocorra a obrigação de reparar, é imprescindível a
existência de causalidade entre a ação ou omissão culposa do agente e o dano sofrido pela
vítima.
Sendo assim, para que se estabeleça uma situação de responsabilidade civil, faz-se
necessário que entre o dano sofrido pela vitima e a ação ou omissão haja um nexo de causa e
efeito. Entretanto, não será imperativo que o dano derive prontamente do que o causou, mas
sim precisará apenas que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse
acontecido.
O nexo de causalidade, segundo Venosa (2010), espera a concretização da conduta e
do dano que ao se relacionar acontece o nexo causal e concomitantemente o dever de
reparação, pois presente o nexo causal sabe-se quem foi o causador do prejuízo.
Ao se tratar de responsabilidade civil do empregador no caso de doenças
ocupacionais, é importante, inicialmente, compreender o conceito e a sua natureza jurídica,
assunto do próximo item.

2.2 DOENÇAS OCUPACIONAIS

As profundas modificações ocorridas no meio laboral diversificaram as atividades do


trabalhador e da constante evolução tecnológica que se presenciam no final do século XX, as
pessoas tiveram suas responsabilidades aumentadas em função do grande desenvolvimento e,
consequentemente das inúmeras cobranças em termos de qualificação deste trabalhador e da
busca por melhores resultados produtivos.
Assim, com os avanços tecnológicos, várias doenças foram surgindo, por isso foram
sendo relacionadas ao trabalho, demonstrando os riscos e agravos aos quais os profissionais
estão expostos no exercício de suas atividades. Para Silva (2010), a causa de adoecimento
ocorre quando existem fatores geradores de risco para a saúde do trabalhador, o qual muitas
vezes não dispõe de estrutura suficiente para se preservar destes riscos.
Os riscos ergonômicos vêm sendo apontados em diversos estudos como sendo os
principais causadores de doenças ocupacionais em vários postos de trabalhos (bancários,
digitadores, motoristas de transportes coletivos, jornalistas e operadores da tecnologia,
cirurgião-dentista, médicos, enfermeiros, motoristas, secretários, laboratoristas, escritores
entre outros), como revelaram os achados de uma pesquisa realizada por Costa (2010) em que
ficou evidenciada a presença de vários riscos, tais como: posturas inadequadas associadas à
repetição, manutenção constante da postura sentada, entre outras.
Além do exposto, os postos de trabalho repetitivo, com maior exigência de
concentração mental e atenção visual levam ao esforço muscular e a posturas forçadas. A
tendência, portanto, é tornar o trabalho mais monótono e enfadonho. A monotonia é uma
reação do organismo a uma situação pobre em estímulos ou em condições com pequenas
variações dos estímulos. Os mais importantes sintomas da monotonia são os sinais de fadiga,
sonolência, falta de disposição e uma diminuição da atenção. Sintomas estes que trazem sérios
prejuízos para a saúde e a produtividade do trabalhador (GRANDJEAN, 2011).
Assim, o trabalho sedentário exige uma postura inadequada que aliada ao projeto
deficiente das máquinas, equipamentos e as exigências da tarefa gera fadiga, dores corporais,
estresse, insatisfação e, consequentemente, afastamento do trabalho (ZARDINI et al, 2012).
Segundo dados do Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), as LER/DORT
são a primeira causa de afastamento do trabalho no Brasil que incapacita as pessoas para o
trabalho, por uso contínuo do sistema musculoesquelético, sem um tempo de descanso que
permita a recuperação dessas estruturas, e começa a sentir sensação de dormência,
desconforto, peso em áreas de esforço, que não sendo tratados esses sintomas, evoluem para
dificuldades de movimentos, cansaço e dor com localização mais precisa e em alguns casos
podem surgir nódulos (BRASIL, 2008).
Atualmente, o trabalhador insere-se num contexto em que a competição é o lema.
Desse modo, ele passa a fazer parte de uma sociedade competitiva que valoriza a conquista de
bens materiais, ou seja, a conquista do ter e não do ser, passando a ser vítima dos valores
individualistas e materialistas, visto que enfrenta pressões de diversas partes do sistema.
Diante deste quadro, muitos têm sido os fatores que têm contribuído para que a
classe profissional sofra, constantemente, ao lidar com inúmeros problemas ligados à
profissão. O profissional que possui muitas atividades estando além de sua resistência física e
emocional sofre constante estresse.
Na concepção de Ferreira (2007, p. 34),
[...] o estresse no ambiente de trabalho está relacionado à percepção que o
profissional tem dos fluxos existentes no ambiente ocupacional e a sua habilidade
para enfrentá-las na saúde. Assim, esse tipo de estresse é resultante da interação
entre o indivíduo e o seu ambiente ocupacional, na qual as imposições deste
ultrapassam as habilidades do profissional para superá-las, levando ao desgaste
excessivo do organismo e interferindo na qualidade da assistência prestada.

Não se pode deixar de mencionar que os fatores ambientais muito contribuem,


também, para os problemas ocupacionais. A NR 17, em seu item 17.5, enfatiza que: “as
condições ambientais de trabalho devem estar adequadas às características psicofisiológicas
dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado”.
Com base na literatura, compreende-se que o ambiente laboral deve oferecer as
mínimas condições adequadas para que o trabalhador execute suas atividades da melhor
maneira possível. Tais condições podem estar diretamente relacionadas à qualidade de: ruído,
iluminação, temperatura, entre outras.
As doenças ocupacionais e os acidentes envolvem fatores ambientais, biológicos,
físicos, químicos e ergonômicos. A maior parte dos riscos ocupacionais é influenciada por
uma combinação desses que afetam trabalhadores de todas as idades, causando mortes ou
sequelas permanentes ao trabalhador, aliados às condições ambientais de trabalho, espaços
físicos, máquinas e equipamentos obsoletos dentre outras causas.
De acordo com a Norma Regulamentadora – NR Nº 9 os riscos ambientais são os
agentes físicos, químicos, biológicos e ergonômicos existentes nos ambientes de trabalho, que
em função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de exposição, são capazes de
causar danos à saúde do trabalhador.

2.2.1 Agentes Físicos

Os riscos físicos se referem aos ruídos, vibrações, radiações ionizantes e não


ionizantes, temperaturas extremas, pressões anormais e umidades, iluminação inadequada e
exposição a incêndios e choques elétricos, entre outros (SANTOS; ROZEMBERG, 2009).
Corroborando com a afirmação dos autores descritos, a Norma Regulamentadora Nº
9 considera como riscos físicos às diversas formas a que possam estar expostos os
trabalhadores, tais como:
[...] ruído, vibrações, pressões anormais, temperaturas extremas (calor e frio),
radiações ionizantes, radiações não ionizantes, bem como o infrassom e ultrassom.
Consideram-se ainda os campos magnéticos estáticos e os campos elétricos estáticos
os quais também são considerados no livreto de limites de exposição da American
ConferenceofGovernmental Industrial Hygienists - ACGIH (2005).

Em diversas áreas profissionais é possível identificar o causador de risco, sua fonte


de emissão e suas consequências à saúde do trabalhador, se estes não forem gerenciados e
controlados dentro dos limites de exposição permitidos.

2.2.2 Agentes Químicos

Os fatores de risco de natureza química constituem um dos mais numerosos grupos


de agentes de doença profissional, alguma das quais com ação mutagênica e cancerígena,
além das com potencial alergênico.
A Norma Regulamentadora Nº 9 considera riscos químicos as substâncias,
compostos ou produtos que possam penetrar no organismo pela via respiratória, nas formas de
poeiras, fumos, névoas, neblinas, gases ou vapores, ou que, pela natureza da atividade que
possa ter contato ou ser absorvidos pelo organismo através da pele ou por ingestão. Quanto à
forma como se apresentam os agentes químicos podem ser classificados em gases, vapores,
aerodispersóides, poeiras, fumos, neblinas, névoas e fibras.
Portanto, os riscos químicos dizem respeito ao manuseio de gases e vapores, poeiras,
entre outros. Os danos físicos relacionados à exposição química incluem, desde irritação na
pele e olhos, passando por queimaduras leves, indo até aqueles de maior severidade, causado
por incêndio ou explosão (SANTOS; ROZEMBERG, 2009).

2.2.3 Agentes Biológicos

Alguns pesquisadores evidenciam uma preocupação com exposições de diversos


profissionais está sujeito a material biológico, em virtude de suas atividades envolverem
procedimentos com contato direto com sangue, secreções e outros fluidos corpóreos, além de
manipulação rotineira de materiais perfurocortantes, fluidos corpóreos por incisões,
sondagens e cateteres, entre outros(COSTA, 2010).
Muitos profissionais também estão sujeito à exposição diária e periódica de
procedimentos radiológicos, a exposição à radiação ionizante, contaminação pelo HIV,
Hepatite, Tuberculose, entre outros (BARBOSA, 2013).

2.2.4 Ergonômicos

Quanto aos riscos ergonômicos e de acidentes, a NR-9 não os menciona, todavia, a


Norma Regulamentadora Nº 5 ao tratar do Mapa de Riscos, estabelece a inclusão desses
agentes.

Figura 1: Mapa de Risco

Fonte: (FLEMMING, 2013).


Portanto, é preciso considerar que com boa saúde o indivíduo produz mais e, por meio
de seu trabalho, gera mais riquezas; estas, distribuídas com justiça, aumentam o padrão de
vida de toda a sociedade. A saúde é fator de desenvolvimento social, gerador de bem-estar
para toda a população.
Segundo Spinelli (2011), o trabalhador que fica exposto a ambientes insalubres, onde
agentes químicos, físicos ou biológicos imperam, estão mais propensos a desenvolverem
doenças que, futuramente, podem incapacitá-lo para o trabalho. Esse autor entende que é de
extrema importância tratar o ambiente para que se possam eliminar os agentes o tornam
insalubre, mas, para tanto, se faz necessário identificar os tipos de agentes nocivos, bem como
os riscos para a saúde e quais devem ser as medidas a serem tomadas.
Diante do exposto, faz-se necessário reconhecer os riscos e implementar as medidas de
controle, a fim de eliminá-los, neutralizá-los ou reduzi-los visando a garantir da segurança e
qualidade de vida no trabalho, sendo que o mapeamento de riscos deve ser feito através de
programas específicos (ZARPELON, DANTAS; LEME, 2008).

2.3A RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR PELOS DANOS DECORRENTES DE


DOENÇA OCUPACIONAL

Inicialmente, é importante esclarecer a distinção entre as doenças ocupacionais e as


doenças do trabalho. As primeiras “são as que acontecem pela exposição rotineira do
trabalhador a agentes nocivos, presentes no âmbito do trabalho e se destacam mais pelo meio
ambiente inadequado do trabalho” e as outras, decorrem do “risco da atividade exercida, as do
trabalho têm como causa o risco indireto” (COSTA, 2010, p. 72).
A legislação brasileira equipara o acidente de trabalho às doenças ocupacionais,
garantindo os mesmos direitos e benefícios.A Lei 8213/91, em seu art. 20, itens 1 e 2 dispõe
que “tanto a doença do trabalho como a doença ocupacional são considerados acidente de
trabalho”.
Magalhães (2012) explica que antes da Constituição Federal (CF) de 1988, o Supremo
Tribunal Federal (STF) sedimentou o entendimento da antiga Súmula 229, preconizando que
só haveria indenização acidentária caso houvesse o dolo ou culpa grave de quem cometeu o
acidente. Com a promulgação da CF de 1988 foi determinado que a culpa por mais simples
que fosse seria objeto suficiente para aplicar a responsabilidade civil (o art. 7º, XXVIII).
Assim, a norma constitucional dispõe:
[...] os requisitos necessários à configuração da responsabilidade patronal a fim de
fazer prevalecer os direitos do empregado, que além de vítima do acidente ou
doença, em si, é a parte hipossuficiente da relação. Tal prevalência encontra respaldo
tanto na regra trabalhista, que prevê a proteção ao trabalhador, quanto na norma
constitucional, que determina que a ordem econômica deve estar fundada na
valoração do trabalho e cumprimento da função social da propriedade e empresa,
além da consagração da dignidade da pessoa humana (MAGALHÃES, 2012,p. 4).

O já citado art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição de 1988, tutela como direito dos
trabalhadores, sejam urbanos e rurais “o seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou
culpa”.
Por sua vez, o novo Código Civil Brasileiro foi instituído duas especificidades de
responsabilidade civil, a objetiva e a subjetiva. A primeira refere-se, conforme ensina Mello a
obrigação de “indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito
que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la basta,
pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano”.
Já a responsabilidade subjetiva, diz Gonçalves que, pressupõe “a culpa como
fundamento da responsabilidade civil. Caso não haja culpa, não há responsabilidade. Assim, a
prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável”
(GONÇALVES, 2008, p. 91).
A partir do disposto no art. 7º, inciso XXVIII da CF. de 1998, a responsabilização do
empregador será subjetiva, em virtude da existência do dolo ou culpa. Explica Oliveira (2007,
p. 239-40) que:

E, de fato, a responsabilidade civil do empregador, nestes casos, deve ser, em regra,


subjetiva, ou seja, a obrigação de reparar os danos morais e patrimoniais sofridos
pelo empregado em razão de acidente de trabalho está condicionada, além da
configuração do nexo de causalidade, à comprovação do dolo ou da culpa do
empregador. Para acolhimento da indenização acidentária, uma vez constatada a
ocorrência dos danos, passa-se à etapa seguinte para verificar-se se também ocorreu
um ato ilícito (culpa do empregador) e, ainda, se há uma ligação necessária entre
esse ato e o dano, isto é, um nexo de causalidade. Se o acidentado, autor da ação
indenizatória, não comprovar a presença desses dois pressupostos, não terá êxito na
sua pretensão.

Corroborando com os preceitos descritos, Pamplona Filho admite a responsabilidade


civil subjetiva do empregador como regra geral em caso de acidente de trabalho ou doença
ocupacional:

De fato, não há como se negar que, como regra geral, indubitavelmente a


responsabilidade civil do empregador, por danos decorrentes de acidente de
trabalho, é subjetiva, devendo ser provada alguma conduta culposa de sua parte, em
algumas das modalidades possíveis, incidindo de forma independente do seguro
acidentário, pago pelo Estado (PAMPLONA FILHO, 2010, p. 117-8).
O Novo Código Civil Brasileiro instituiu, no parágrafo único de seu artigo 927, a
responsabilidade civil objetiva com base na teoria do risco criado, obedecendo ao inciso
XXVIII do art. 7º da do Texto Constitucional de 1988, que determina a responsabilidade do
empregador mediante a configuração de sua culpabilidade, como bem assinala o jurista
Giordani (2004, p. 37):

Os dispositivos em apreço dispõem que a responsabilidade será objetiva quando a


atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem. Os preceitos consagram a teoria do risco criado.
Assim, toda atividade desenvolvida que, por sua natureza, produza um risco para
terceiros ensejará o dever de reparar os danos causados sem que haja necessidade de
comprovação de culpa do autor do fato. Esta atividade pode ser de cunho
profissional, recreativa, de mero lazer, não havendo, assim, necessidade de que
resulte em lucro ou vantagem econômica para o agente para que haja caracterização
de sua responsabilidade objetiva. Não se trata, desta forma, do risco proveito, mas
sim do risco criado.

Portanto, o empregador deverá assumir o risco da atividade desenvolvida no


empreendimento e do próprio trabalho executado, como explica Goulart (2010, p. 12):

O reconhecimento da responsabilidade objetiva pelo risco criado não está


condicionado, necessariamente, ao desempenho de uma atividade econômica, assim
como a própria configuração do vínculo de emprego não possui como pressuposto a
finalidade lucrativa da atividade desenvolvida pelo empregador.Desta forma, toda a
atividade desenvolvida pelo empregador que, por sua natureza, produza riscos para a
vida ou incolumidade física ou psíquica de seus empregados, enseja a
responsabilidade objetiva, bastando à sua configuração a simples comprovação do
nexo de causalidade entre o risco criado e o dano ocorrido. Adotando a teoria da
responsabilidade objetiva pelo risco criado nos casos de danos decorrentes de
acidentes de trabalho, as excludentes de responsabilidade limitar-se-iam às seguintes
hipóteses: quando da ocorrência do chamado “fato da vítima” (onde não há nexo de
causalidade entre o risco criado e o dano, posto que este ocorreu em decorrência da
conduta da própria vítima), ou no caso de “fortuito externo” (quando o dano ocorreu
em razão de acontecimento totalmente alheio à atividade desempenhada pelo
empregador).

Observadas as duas espécies de responsabilidade civil, faz-se necessário analisar a


responsabilização do empregador pelos danos morais e patrimoniais sofridos pelo empregado
no caso do acidente de trabalho ou doença ocupacional.
Para Delgado (2013) é do empregador a responsabilidade pelos ressarcimentos por
danos morais e patrimoniais resultantes de conduta ilícita por ele cometida, contra o
empregado, sem relação com a infortunística do trabalho. Completa o doutrinador que não
somente a conduta a responsabilidade de indenizar o emprego pelos danos decorrentes do
acidente de trabalhoou doença ocupacional, sem prejuízo do pagamento pelo INSS do seguro
social.
A esse respeito explica Magalhães (2012, p. 4):

A ação ou omissão pressupõe um agir ou uma omissão do agente, quando a prática


de um ato era exigível, podendo vir, a responsabilidade civil, em decorrência de um
ato direto da pessoa, de terceiro, ou de uma coisa ou animal que lhe pertença. O
dano é o prejuízo em si, a lesão sofrida pela vítima, que pode ser patrimonial e/ou
extra patrimonial. O nexo causal é a relação existente entre a ação ou omissão do
agente e o dano apurado. No Direito do trabalho ele é a relação de causalidade entre
a conduta do empregador ou de seus prepostos e o dano sofrido pelo empregado. Por
último está o pressuposto da culpa e do dolo. O primeiro atina-se à falta de
diligência do agente em seu ato, o agir negligente, imprudente ou eivado de
imperícia do empregador, capaz de gerar o dano ao empregado. O dolo seria a
vontade de cometer o ilícito e violar direito da vítima.

O que se pode compreender é que a dificuldade de empregado comprovar a culpa ou


dolo do empregador em juízo, novas teses emergiram, a partir do novo Código Civil, que
admitiu em seu artigo 927, p. único, a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, em
que impõe responsabilidade civil involuntariamente de culpa. Em virtude do imposto, “haverá
a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, entre outros casos, quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem”.
Neste diapasão, as situações potenciadoras de riscos de acidentes ou doença
ocupacional demandam medidas preventivas de forma coletiva, visando à proteção do
trabalhador. A legislação nacional determina a obrigatoriedade de medidas de segurança
quando houver risco de acidentes ou doenças ocupacionais.
A maioria os doutrinadores entende que a teoria da responsabilidade civil objetiva pelo
risco criado mostra-se mais justa e acertada, por priorizar o que determina o inciso XXVIII do
art. 7º da Constituição Federal de 1988, a saber: a responsabilidade subjetiva em caso de dolo
ou culpa, sem, contudo, desvalorizar a norma civil; por isso, ambas as teorias podem exercer a
função de complementariedade, sendo consideradas harmônicas entre si e não antagônicas,
por abarcarem situações específicas. Além disso, por entender também que a teoria objetiva
pelo risco criado protege melhor o trabalhador, assegurando-lhe “a prevalência da dignidade
humana e o valor social do trabalho, como também a supremacia da Constituição Federal, a
observância de seus princípios, e a busca do valor constitucional supremo da Justiça”.
É na Constituição Federal que o legislador encontrará os fundamentos para a
elaboração das leis, tendo o cuidado de não contrariá-la, com objetivo de resguardo da ordem
jurídica estabelecida e a proteção aos direitos fundamentais nela consagrados, a exemplo, a
proteção do trabalhador.
Portanto, são de responsabilidade do empregador os danos decorrentes de atividade
profissional, sendo aplicada a teoria objetiva em consonância com a regra geral da
responsabilidade civil subjetiva, concretizada na concepção de ato ilícito ou a teoria de risco
criado proveniente da atividade profissional desenvolvida.Parece até simples, mas a doutrina
se divide em dois grupos.
Para alguns doutrinadores deve ser aplicada a teoria de responsabilidade subjetiva
pura, inscrita na Constituição Federal de 1988. Outros entendem que deve ser aplicada a
responsabilidade objetiva definida no novo Código Civil, fundada no risco advindo da
execução do serviço em atividade perigosa.
Existem doutrinadores que aplicam a teoria objetiva pura; outros a subjetiva e, ainda
outros, aplicam as duas, mostrando a dificuldade em se chegar a um consenso entre os
aplicadores do Direito.
Divergências a parte para aplicação das teorias de responsabilidade civil em caso de
acidentes em atividades de risco, é importante destacar também a necessidade de possibilitar o
melhor ambiente de trabalho possível e preocupar-se com a saúde e o bem-estar dos
trabalhadores como parte integrante das preocupações das organizações. A valorização do ser
humano, a criação de oportunidades de desenvolvimento, ambiente de trabalho adequado deve
proporcionar suas capacidades e potencialidades, devendo esse ser o objetivo de qualquer
organização, a fim de proporcionar uma qualidade de vida a seus colaboradores.
É importante destacar que a ocorrência de ou doenças ocupacionaisestá relacionada às
condições ambientais em o trabalhador está inserido, já que um conceito ampliado de saúde
no trabalho se fundamenta na inter-relação dos determinantes sociais com o processo de
trabalho.
Segundo Londonoet al (2009), há uma frequência considerável de doenças
ocupacionaisrelacionados aos determinantes sociais com o processo de trabalho sem as
devidas medidas de precauções e seguranças.
A segurança no trabalho também se relaciona com todos os aspectos ligados à vida do
trabalhador, em detrimento apenas de paramentá-los com equipamentos de segurança. Ou
seja, o bem estar no trabalho se relaciona as questões de transporte, moradia e alimentação
como pontos essenciais para garantir a segurança e promover a saúde no trabalho.
Portanto, a responsabilização do empregador por danos decorrentes de acidente de
trabalho deverá ser aplicada em consonância com a regra geral da responsabilidade civil
subjetiva, concretizada na concepção de ato ilícito ou a teoria de risco criado proveniente da
atividade profissional desenvolvida.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho buscou analisar a responsabilidade do empregador em caso de doença


ocupacional. Foi verificado que a ocorrência de doenças no local de trabalho tornou-se
comum em diversos tipos de atividades e situações laborais. Existem pesquisas que revelam
uma alta incidência de riscos que podem afetar à saúde do trabalhador, tais como: excessos na
jornada de trabalho, o desrespeito a fatores ergonômicos, antropométricos, estresse,
ansiedade, manuseio de substâncias tóxicas e materiais cortantes, ruído, calor, entre outros,
que atingem níveis elevados de danos à saúde do profissional e formam um conjunto nocivo a
todos os envolvidos no trabalho capazes de gerar doenças ocupacionais e acidentes de
trabalho.
Dentre os riscos ocupacionais, tem se observado uma crescente incidência de riscos
químicos, físicos, biológicos, psicossociais e ergonômicos. Alguns pesquisadores evidenciam
uma preocupação com exposições de muitas áreas profissionais, em virtude de suas atividades
envolverem procedimentos e intervençõesque colocam os trabalhadores em perigo constante.
Os riscos descritos comprovam os resultados obtidos em estudos realizados em
diversas empresas no Brasil, que apontam como principal causa de acidentes de trabalho, o
descumprimento de normas básicas de segurança, que expõem os trabalhadores a acidentes e
doenças no local de trabalho. Neste cenário julga-se de quem é a responsabilidade em caso de
acidente ou doença na realização da atividade profissional. A doutrina conceitua a
responsabilidade civil como a obrigação de uma pessoa em reparar o prejuízo causado a outra,
ou seja, reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros.
No caso de acidente de trabalho ou doença ocupacional, o Novo Código Civil
instituiu, no parágrafo único do art., 927 a responsabilidade civil objetiva, com base na teoria
do risco criado, em conformidade com o inciso XXVIII do art. 7º da Constituição Federal de
1988, que condiciona a responsabilização do causador do dano nas atividades laborais com
risco inerente.
A pesquisa bibliográfica revelou que a responsabilização do empregador por danos
decorrentes de doenças de trabalho deverá ser aplicada em consonância com a regra geral da
responsabilidade civil subjetiva, concretizada na concepção de ato ilícito ou a teoria de risco
criado proveniente da atividade profissional desenvolvida.
Desta forma, justifica-se a necessidade de estudos e pesquisas que visem o
aperfeiçoamento constante dos operadores do direito do trabalho, já que o direito
justrabalhista representa uma ferramenta fundamental para que os trabalhadores exerçam com
segurança suas atividades, visando o alcance da promoção da saúde, não apenas a nível
ocupacional, mas também, a nível pessoal, social e cultural.
É importante destacar também a necessidade de possibilitar o melhor ambiente de
trabalho possível e preocupar-se com a saúde e o bem-estar dos trabalhadores como parte
integrante das preocupações das organizações. A valorização do ser humano, a criação de
oportunidades de desenvolvimento, ambiente de trabalho adequado deve proporcionar suas
capacidades e potencialidades, devendo esse ser o objetivo de qualquer organização, a fim de
proporcionar uma qualidade de vida a seus colaboradores.
1. INTRODUÇÃO

Com o novo texto aprovado, em 2010, a NR-12 se tornou um dos principais


assuntos comentados entre órgãos governamentais e associações de indústrias,
devido a uma mudança radical: a norma que possuía seis itens principais e dois
anexos (motosserras e cilindros de massa) passou a conter dezenove itens
principais e doze anexos. Com essa mudança, vieram novas exigências, às quais
máquinas novas ou usadas deveriam se adequar.

Porém, muitos empregadores foram contrários às novas exigências,


alegando não ter capital suficiente para assumir esse “custo” que não estava nos
planos empresariais.

Assim, esse trabalho tem como objetivo demonstrar as consequências


legais e econômicas no caso de um acidente de trabalho decorrente de uma
máquina que não atenda a todos os requisitos da NR-12. Para este fim, serão
contextualizados os números de acidentes de trabalho no setor madeireiro, bem
como o que indicam as leis em caso de acidente de trabalho e o que isso pode
custar financeiramente à empresa.

Nesse sentido, o presente trabalho tem como objetivo esclarecer que a NR-
12 não deve ser vista como um “custo”, mas como um investimento, que valoriza
ainda mais os empregados, o que pode resultar muitos benefícios para a
empresa, evitando, também, diversas consequências negativas para os
empregadores.
2. OBJETIVOS

2.1. Objetivo Geral:


Demonstrar as consequências legais e econômicas para o empregador em
caso de acidente de trabalho provocado por inadequações em relação à aplicação
da NR-12.

2.2. Objetivos específicos:


Historicizar a criação de leis para tratar sobre acidentes de trabalho.
Analisar estatísticas sobre acidente de trabalho no setor madeireiro.
Analisar leis e decretos que são utilizados para responsabilizar o
empregador, tendo como objetivo assim apresentar as possíveis consequências
que o empregador pode ter caso não adaptar sua máquina ao novo texto da
Norma Regulamentadora 12 – Segurança no Trabalho em Máquinas e
Equipamentos, aprovado em 2010.
Exemplificar a aplicação da Norma Regulamentadora, 12 a partir do
investimento feito por uma empresa do setor madeireiro, para adequar uma
máquina à nova legislação.
3. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.1. Acidente de Trabalho

Segundo Espinosa (2008), o conceito de acidente de trabalho começou a


ser discutido em 1884, pelo alemão Otto von Bismarck. No Brasil, ele foi
introduzido em 1919, ainda que de uma maneira bastante vaga, pelo decreto
3.724, no qual era previsto a obrigatoriedade das responsabilidades do
empregador em reparar os danos causados ao acidentado, decorrentes da
atividade comumente desenvolvidas. Porém, nesse decreto, nada há sobre como
o ressarcimento para o acidentado deveria ser implementado.

Ainda segundo Espinosa (2008), mais tarde, o conceito de acidente de


trabalho foi atualizado pelo decreto 24.637/34, o qual introduziu a obrigatoriedade
da disponibilização por parte do empregador de EPI’s (equipamentos de proteção
individual) e EPC’s (equipamentos de proteção coletiva) para seus empregados,
contribuindo assim para a maior proteção dos trabalhadores, o que resultou em
uma redução dos acidentes de trabalho.

Já em 1944, sob a Lei 7.036, foi adicionado ao conceito de acidente de


trabalho a proposta de que qualquer evento danoso no ambiente de trabalho –
independentemente se a função exercida no momento do ocorrido fosse ou não a
comumente executada pelo trabalhador - seria também considerado acidente de
trabalho (ESPINOSA, 2008).

No ano de 1967, a lei 5.316 definiu o Instituto Nacional de Seguridade


Social (INSS) como única instituição responsável pelo seguro acidentário. Além
disso, a Lei 6.367/76 adicionou, ao conjunto dos assegurados, outros
trabalhadores ainda não contemplados pelos benefícios da seguridade social,
como os empregados temporários, avulsos e os presidiários que exercessem
função remunerada. Ainda assim, essa lei continuou excluindo os autônomos e
trabalhadores domésticos.

Somente em 1991, a definição de acidente de trabalho que perdura até os


dias atuais foi publicada. Conforme a Lei 8.213/91, no artigo 19:
Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço
de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho
dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando
lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou
redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

Pode-se observar que, no caput da Lei 8.213/91, também os empregados


domésticos foram assegurados pelas leis que regem os direitos daqueles que
sofrem um acidente de trabalho.
A Lei 8.213/91 endossa o discurso de que a empresa é a responsável pela
prevenção de acidentes de trabalho, adotando medidas, tanto coletivas quanto
individuais, que visem a segurança do indivíduo e promovam um ambiente
saudável para o exercício da profissão.
Diferentemente das leis pregressas, a Lei 8.213/91 também especificou,
nos artigos 20 e 21, o que pode ser equiparado ao acidente de trabalho, a fim de
definir claramente as condições em que empregadores e empregados podem ser
responsabilizados e responsabilizar uns aos outros.
Analisando esses dois artigos (anexo 1) percebe-se que com essa nova
definição houve algumas importantes abrangências do que pode ser equiparado
ao acidente de trabalho, como acidente de trajeto, que é o acidente sofrido pelo
empregado no trajeto que ele faz para ir ao trabalho, por exemplo. Isso
representou um avanço na garantia de direitos aos trabalhadores de todos os
setores.

3.2. Consolidação das Leis do Trabalho

A partir dos acidentes de trabalho ocorridos no Brasil e perante a falta de


legislação, em 1977, a Lei nº 6.514, alterou o Capítulo V do Título II (da
Consolidação das Leis do Trabalho), aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1º de
maio de 1943, relativo à segurança e medicina do trabalho, foi criada com o
objetivo de proteger os empregados em caso de acidente de trabalho.

Esse capítulo possui 16 seções, entre as quais são citadas as obrigações


dos empregadores e de empregados, a necessidade de uma inspeção prévia pela
qual qualquer empresa deve passar, os órgãos de segurança e de medicina do
trabalho a que cada empresa tem de se submeter, do equipamento de proteção
individual, as medidas preventivas para evitar acidentes de trabalho, as
penalidades que podem ser aplicadas em caso de descumprimento da Lei, entre
outros. Em outras palavras, a Lei nº 6.514, que representa a Consolidação das
Leis Trabalhistas (CLT), é uma norma legislativa que regulamenta as leis que se
referem ao Direito do Trabalho e do Direito Processual do Trabalho no Brasil.

3.3. Capítulo V – Lei 6.514 – Seção XI – Das Máquinas e Equipamentos

No capítulo V da Lei nº 6.514, pode ser encontrada a Seção XI - Das


Máquinas e Equipamentos, na qual é possível verificar a responsabilidade do
Ministério do Trabalho em estabelecer normas adicionais para aumentar a
segurança dos trabalhadores e diminuir o índice de acidentes de trabalho.

Conforme o artigo 186 dessa lei é possível notar a obrigatoriedade do


Ministério do Trabalho em estabelecer normas para a diminuição do risco de
acidentes de trabalho, aumentando assim a proteção e a segurança ao
trabalhador.

Essa ideia ainda é reforçada pelo artigo 200, da mesma Lei, a partir da
análise de tal artigo observa-se a obrigatoriedade do Ministério do Trabalho em
criar medidas de prevenção de acidentes. Tal obrigatoriedade foi cumprida com a
Portaria nº 3.214, de 08 de junho de 1978. Nessa portaria, foram aprovadas as
Normas Regulamentadoras, com o objetivo de prevenir os acidentes e garantir
uma maior segurança aos trabalhadores, citam-se as penalidades cabíveis
perante o descumprimento destas, além das obrigações de empregado e
empregador perante essas normas.

Frente às 36 Normas Regulamentadoras criadas a partir dessa Portaria, a


Norma Regulamentadora 12, que trata sobre Máquinas e Equipamentos, será
enfatizada. Essa normatização afeta diretamente a indústria, já que seu novo
texto, alterado em dezembro de 2010, intensifica as medidas de prevenção nas
indústrias.
3.4. Norma Regulamentadora 12 – Segurança no Trabalho em
Máquinas e Equipamentos

A Norma Regulamentadora 12 foi criada a partir de uma obrigatoriedade do


Ministério do Trabalho em criar medidas de prevenção de acidentes, definidas nos
artigos 184, 185 e 186 da Lei no 6.414/77. Depois da sua regulamentação pela
Portaria no 3.214/78, porém, essa norma teve poucas modificações, a primeira foi
em 1983, ganhando alguns anexos em 1994 (motosserras) e em 1996 (cilindros
de massas), algumas outras em 1997 e 2000, mas nada que gerasse grande
impacto nas indústrias, já que o grande maquinário das indústrias não precisava
ser alterado.

Porém, em dezembro de 2010, veio a grande reformulação em seu texto. A


NR-12, que possuía seis itens principais e dois anexos (motosserras e cilindros de
massa), passou a conter dezenove itens principais e doze anexos. Essas
modificações geraram a desaprovação imediata do setor privado, com a alegação
de que, para que todos os segmentos estivessem normatizados com a nova NR-
12, seriam necessários investimentos de mais de R$ 100 bilhões, segundo Baú
(2013).

Apesar de ter sido mal recebida pelo setor privado brasileiro, a nova NR-12
trouxe um texto atualizado, se adequando à tecnologia atual, já que a antiga
norma estava muito defasada.

Um dos novos e principais conceitos da NR-12 é o de falha segura:


independentemente da ocorrência de alguma falha na máquina, o operador estará
totalmente seguro de qualquer risco. Outra mudança significativa gerada foi na
elaboração de projetos, pois agora é necessário especificar detalhadamente toda
análise de riscos e especificações técnicas, controlando a documentação
completa e também visando todo o processo produtivo (tanto planejamento como
manutenção).

Porém todos os gastos que forem necessários para adequar as máquinas


(tanto novas quanto usadas) na nova NR-12 pode ser visto como investimento a
longo prazo, já que a NR-12 visa diminuir os acidentes de trabalho, afastamentos,
ações judiciais e indenizações.
A seguir estão os 19 itens principais do novo texto da Norma
Regulamentadora 12 – Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos:

Princípios Gerais;
Arranjo físico e instalações;
Instalações e dispositivos elétricos;
Dispositivos de partida, acionamento e parada;
Sistemas de segurança;
Dispositivos de parada de emergência;
Meios de acesso permanentes;
Componentes pressurizados;
Transportes de materiais;
Aspectos ergonômicos;
Riscos adicionais;
Manutenção, inspeção, preparação, ajustes e reparos;
Sinalização;
Manuais;
Procedimentos de trabalho e segurança;
Projeto, fabricação, importação, venda, locação, leilão, cessão a
qualquer título, exposição e utilização;
Capacitação;
Outros requisitos específicos de segurança;
Disposições finais.

A Norma Regulamentadora 12 (2010), com esses 19 itens, tem como


objetivo definir e fundamentar todas as medidas para garantir a saúde e
integridade física dos trabalhadores, estabelecendo, dessa forma, requisitos
mínimos com vistas à prevenção de possíveis acidentes e doenças do trabalho
em todas as fases da vida útil das máquinas utilizadas na indústria: projeto inicial,
construção, transporte, montagem, instalação, ajuste, operação, limpeza,
manutenção, inspeção, desativação, desmonte e sucateamento.

De acordo com Norma Regulamentadora 12 (2010, p. 1), é obrigação do


empregador adotar medidas de proteção na seguinte ordem de prioridade:
a) Medidas de proteção coletiva;
b) Medidas administrativas ou de organização do trabalho;
c) Medidas de proteção individual.

A seguir, será discutido o impacto da Norma Regulamentadora 12 nas


empresas importadoras de máquinas e equipamentos.

3.5. Influência no mercado de fornecedores de máquinas

Para exemplificar o impacto no mercado de importadores de máquinas e


equipamentos para a indústria madeireira, será citada a empresa B. Krick. A B.
Krick é representante do grupo alemão Weinig no Brasil, líder mundial de
fabricação de máquinas para indústria madeireira.

Apesar de as máquinas do grupo Weinig serem fabricadas segundos as


normas europeias, em específico a norma CE 2006/42/EG1, elas tiveram que se
adequar às modificações da NR-12, porque, apesar da NR-12 se basear na
norma europeia de máquinas, não significa que máquinas importadas da União
Europeia cumprirão automaticamente todas as exigências da norma brasileira.
4. MATERIAIS E MÉTODOS

4.1. MATERIAIS

4.1.1 Estatísticas de Acidente de Trabalho na Indústria Madeireira no


Brasil
Apresentado o conceito sobre acidente de trabalho e histórico para criação
das normas regulamentadoras, agora serão quantificados os acidentes de
trabalho em âmbito nacional na indústria madeireira.

4.1.2 CNAE’S na Indústria Madeireira

Segundo a NR-4 – Serviços Especializados em Engenharia de Segurança


e em Medicina do Trabalho, em seu Quadro I, as empresas são classificadas em
CNAE’s (Classificação Nacional de Atividades Econômicas). Entre todas as
atividades registradas nessa norma, serão estudadas duas especificamente,
relacionadas ao setor madeireiro, a saber:

Essas CNAE’s serão utilizadas por se tratarem especificamente da


indústria madeireira, pois, dessa forma, conseguiremos ter uma base de quantos
acidentes de trabalho ocorrem no setor madeireiro e o que isso representa no
total de acidentes do trabalho do Brasil. Para visualizar a representatividade dos
acidentes de trabalho na indústria madeireira no Brasil, serão usados os dados
mais atualizados disponibilizados no site do Ministério da Previdência Social
(2011-2013).
Também analisaremos os motivos dos acidentes de trabalho, separando
em 3 categorias: típico, trajeto e doença do trabalho. Segundo o Ministério da
Previdência Social (2006), acidentes de trabalho típicos são os acidentes
decorrentes da característica da atividade profissional desempenhada pelo
acidentado. Os de trajeto, por sua vez, são os acidentes ocorridos no trajeto entre
a residência e o local de trabalho do segurado e vice-versa. Já os de doença do
trabalho são os acidentes ocasionados por qualquer tipo de doença profissional
peculiar a determinado ramo de atividade constante na tabela da Previdência
Social.

4.2 MÉTODOS

Foram levantadas todas as consequências legais e econômicas para tentar


sensibilizar os empregadores que um acidente de trabalho pode não afetar
apenas a vítima, mas também a empresa e o empregador, pessoa que responde
civilmente pelos problemas da empresa.

Os procedimentos para encontrar fontes para essa argumentação são


pesquisas em trabalhos acadêmicos, leis, portarias, decretos, normas e até
mesmo sites como o do Ministério da Previdência Social (MPAS).

4.2.1 Estudo de Caso

Depois do levantamento de todas as possíveis consequências legais e


econômicas para o empregador, foi feito um estudo de caso de uma plaina
moldureira baseado em um orçamento para adequação à NR-12 e quais
possíveis consequências, o empregador que possui essa máquina, poderia
enfrentar em caso de acidente de trabalho e não-adequação da máquina.
4.2.1.1 Adequação de uma Plaina Moldureira

A partir da Norma Regulamentadora 12, foi analisada se a plaina


moldureira atendia às exigências com base no item 12.39 (em anexo).Para
analisar todos os riscos que essa máquina poderia apresentar, foi feito uma
metodologia para análise de riscos, chamada Análise Preliminar de Riscos (APR).
Dessa forma, foi criada uma lista com todos os perigos relacionados às atividades
operacionais, de manutenção, ajustes e reparos da plaina moldureira, envolvendo
pessoas relacionadas ao fabricante, usuários e especialistas no assunto. Quando
um perigo era constatado, também eram levantadas as causas, os efeitos e
gravidade dos possíveis acidentes, as severidades e as probabilidades desse
acidente ocorrer, indicando assim as melhores medidas corretivas e/ou
preventivas.

A seguir têm-se uma breve explicação sobre as colunas que possuem o


Laudo Técnico de Segurança, exemplificando com possíveis riscos,
probabilidades e severidade de acidentes.

Tipo de Risco: esta coluna apresenta, no equipamento, qual risco é


apresentado, seja ele: risco de acidentes, ergonômicos, físicos, químicos ou
biológicos.

Descrição de acidente potencial: esta coluna apresenta as possíveis


consequências de cada acidente apresentado anteriormente.

Probabilidade Inicial: esta coluna apresenta a frequência estipulada,


durante a vida útil da máquina, para cada tipo de perigo que foi anteriormente
apresentado antes das ações preventivas, apresentadas posteriormente.

Probabilidade após a ação preventiva: esta coluna apresentada a


frequência estipulada, durante a vida útil da máquina, após as ações preventivas.
A seguir, há a explicação dos riscos em relação à gravidade que o acidente
de trabalho poderá ter.

Severidade inicial: esta coluna apresenta qual a severidade do tipo de


perigo apresentado anteriormente, antes das ações preventivas.

Severidade após a ação preventiva: esta coluna apresenta qual a


severidade do tipo de perigo apresentado anteriormente, após as ações
preventivas.

Categoria Denominação Descrição/Características


Sem danos ou danos insignificantes ao equipamento, à propriedade e/ou
ao ambiente. Não ocorrem lesões/mortes de funcionários, de não
I Desprezível funcionários e/ou de pessoas extramuros (indústria e comunidade); o
máximo que pode ocorrer são casos de primeiros socorros ou tratamento
médico menor.
Danos leves aos equipamentos, à propriedade e/ou ao ambiente (os
II Marginal danos são controláveis e/ou de baixo custo de reparo). Lesões leves em
funcionários, não funcionários e/ou em pessoas extramuros.
Danos severos aos equipamentos, à propriedade e/ou ao ambiente,
levando à parada ordenada da unidade e/ou sistema. Lesões de
gravidade moderada em funcionários, não funcionários e/ou em pessoas
III Crítica
extramuros (probabilidade remota de morte de funcionários ou não
funcionários). Exige ações corretivas imediatas para evitar seu
desdobramento em catástrofe.
Danos irreparáveis aos equipamentos, à propriedade e/ou ao ambiente,
levando à parada desordenada da unidade e/ou sistema (reparação lenta
IV Catastrófica
ou impossível). Provoca mortes ou lesões graves em várias pessoas (em
funcionários, não funcionários e/ou pessoas extra muros).
QUADRO 3 - CATEGORIA DE SEVERIDADE

FONTE:(LAVOROTEC. Laudo Técnico de Segurança em Máquinas e Equipamentos, Unimat 217)

A seguir, há uma breve explicação sobre como os riscos iniciais e após a


ação preventiva são combinados.
Risco Inicial: a partir de uma combinação entre frequência e as
severidades, têm-se a matriz de risco inicial, antes das ações preventivas.

Risco após a ação preventiva: a partir de uma combinação entre frequência


e as severidades, têm-se a matriz de risco inicial, após as ações preventivas.

4.2.2 Análise das Consequências para o Empregador em caso de


Acidente de Trabalho

Existem dois tipos de consequências para o empregador quando ocorre um


acidente de trabalho em sua indústria: as legais e as econômicas.

As consequências legais baseiam-se nas leis vigentes no país e as


econômicas são um breve resumo de todos os gastos que o empresário terá com
um eventual acidente de trabalho de seu empregado.

Como citado anteriormente existem 3 tipos de acidente de trabalho: trajeto,


doença ocupacional e típico. Esse trabalho atentar-se-á apenas ao acidente típico
de trabalho e suas consequências legais e econômicas, já que além de ser o
único acidente que ocorre devido à falta de segurança da máquina, e também são
os que ocorrem com maior frequência.
4.2.2.1. Consequências legais

Para começar a análise, é necessário ressaltar que qualquer acidente de


trabalho ocorrido na indústria que resulte no afastamento de até 15 dias, o
empregador terá a obrigação legal de subsidiar todos os custos. Como citado no
parágrafo § 3º e § 4º, Art.60 da Lei Nº 8.213, de 24 de julho de 1991.

Ou seja, a empresa terá o dever de prestar toda a assistência ao


empregado acidentado, todo o serviço médico, gastos com remédios e salário
integral por até 15 dias. Além disso, é necessária a Comunicação de Acidente de
Trabalho (CAT), para que o acidente de trabalho seja registrado corretamente.

4.2.2.1.1 Responsabilidade: INSS X Civil

Depois do ocorrido acidente de trabalho, deve-se definir se a indenização


que o acidentado receberá é por responsabilidade do INSS ou por
responsabilidade civil do empregador.

A diferença entre os dois é notável: se o empregador cumpriu com todas as


suas obrigações, responsabilidades e indenizações serão assumidas pelo INSS.
As obrigações do empregador são citadas na no parágrafo 12.3 e 12.4 da Norma
Regulamentadora 12 (anexo).

Outra norma que pode ser citada para exemplificar as obrigações do


empregador é a Norma Regulamentadora 1 – Disposições Gerais, parágrafo 1.7
(anexo).

Após a verificação das instruções de segurança em relação ao trabalhador


e em relação às máquinas, concluindo que tudo foi registrado e normatizado o
empregador não será responsabilizado civilmente e o INSS assumirá a
responsabilidade e as indenizações sem nenhum problema.

Porém se for constatado alguma irregularidade, como a falta de orientação


correta, ou falta de equipamento de proteção individual (EPI) e equipamento de
proteção coletiva (EPC) ou ainda se a máquina não corresponder as exigências
da Norma Regulamentadora 12, o empregador poderá ser responsabilizado
civilmente pelo acidente, sendo assim, o próximo passo será a definição se sua
responsabilidade foi subjetiva ou objetiva.

4.2.2.1.2 Responsabilidade subjetiva e objetiva

A diferença entre responsabilidade subjetiva e objetiva se resume na


necessidade ou não da comprovação por parte da vítima da culpa ou dolo da
pessoa responsável pelo dano. Se a comprovação de culpa ou dolo for
necessária, a responsabilidade é subjetiva, se não, a responsabilidade é objetiva.

Para exemplificar a idéia de responsabilidade civil, pode-se observar o art.


927 da Lei 10.406/02 que institui o Código Civil, onde é definido ato ilícito aquele
que causa dano a outrem, ficando obrigado, ao responsável, toda a reparação do
dano.

4.2.2.1.3 Responsabilidade subjetiva

A responsabilidade subjetiva determina-se quando existe a comprovação


de dolo ou culpa por parte do agente causador, caso exista, este assumirá toda a
indenização da vítima.

Segundo Patricio (2015), apesar de hoje existir uma imposição da


responsabilidade subjetiva do empregador diante de acidente do trabalho, ou
seja, após averiguação da culpabilidade. A responsabilidade objetiva tem
ganhado força e cada dia mais adeptos, podendo se tornar, futuramente, a
corrente preponderante.

4.2.2.1.4 Responsabilidade Objetiva

Por outro lado, a responsabilidade objetiva não depende se houve ou não


dolo ou culpa do agente causador do dano. Resultando assim na
responsabilidade, por parte do agente causador, de indenizar a vítima.
4.2.2.1.5 Requisitos Básicos para Responsabilidade Civil

Para que o empregador seja responsabilizado civilmente, são necessários


quatro requisitos básicos:

a) Conduta omissiva ou comissiva: segundo Gomes (2007), essas


condutas se caracterizam pelos crimes comissivo ou omissivo. Crime
comissivo exige uma atividade concreta do agente, uma ação, isto é, o
agente faz o que a norma proíbe (exemplo: matar alguém mediante
disparos). O crime omissivo distingue-se em próprio e impróprio (ou
impuro). Já crime omissivo próprio, segundo o mesmo autor, é o que
descreve a simples omissão de quem tinha o dever de agir (o agente
não faz o que a norma manda. Exemplo: omissão de socorro – CP, art.
135). Crime omissivo impróprio (ou comissivo por omissão) é o que
exige do sujeito uma concreta atuação para impedir o resultado que ele
devia (e podia) evitar. Exemplo: guia de cego que no exercício de sua
profissão se descuida e não evita a morte da vítima que está diante de
uma situação de perigo. O agente responde pelo crime omissivo
impróprio porque não evitou o resultado que devia e podia ter evitado.
b) Culpa: primeiramente deve-se explicar que, para se ter culpa, a
responsabilidade não deve ser obrigatoriamente objetiva e se
caracteriza por falta de diligência ou cuidado necessários na conduta do
acidentado, responsabilizando dessa maneira o empregador pelo dano
ou mal causado ao acidentado.
c) Dano: se resume às perdas por parte do acidentado, tanto material
quanto emocional.
d) Nexo Casual: pode ser caracterizado pelo vínculo existente entre a
conduta do agente e o resultado por ela produzido; examinar o nexo de
causalidade é descobrir quais condutas, positivas ou negativas, deram
causa ao resultado previsto em lei. Assim, para se dizer que alguém
causou um determinado fato, faz-se necessário estabelecer a ligação
entre a sua conduta e o resultado gerado, isto é, verificar se de sua
ação ou omissão adveio o resultado. Trata-se de pressuposto
inafastável tanto na seara cível. Apresenta dois aspectos: físico
(material) e psíquico (moral). (NEXO..., 2009).

Se algum desses quatro elementos estiver ausente, a responsabilidade


civil, seja ela subjetiva ou objetiva, do empregador é descartada.

4.2.2.1.6 Responsabilidade Criminal

Caso a responsabilidade civil seja atribuída ao empregador, o próximo


passo será a investigação do acidente, onde ele pode ser responsabilizado
também criminalmente. Nesse caso, pode-se citar o art.132 da Lei 2.848/40, que
trata sobre o perigo para a vida ou saúde de outrem.

Após análise do artigo (anexo), encontra-se que caso condenado o


empregador pode até mesmo ser preso pela gravidade do acidente de trabalho,
exemplificando assim como esse perigo deve ser reduzido, um dos objetivos
quando o novo texto da Norma Regulamentadora 12 foi aprovado.
Além da pena citada anteriormente, a empresa ainda será investigada para
certificar-se se esta deixou de cumprir as normas de Segurança e Higiene do
Trabalho. Conforme citado no artigo 19 da Lei 8.213/91:

Com a investigação, caso a empresa apresente realmente falhas de


segurança e higiene do trabalho, esta é passível de multa, com a quantia
determinada pelo Ministério Público e pela Previdência Social.

Após constatação da negligência por parte da empresa, será criada uma


ação regressiva contra a empresa, para que a mesma possa se adequar as
normas vigentes. Conforme Art. 120 da mesma Lei.

Dessa maneira, após todas as ações tomadas contra a empresa após o


acidente, a mesma deverá se adequar as normas para continuar operando.
4.2.2.2 Consequências Econômicas

Além das consequências legais, com a ocorrência de um acidente de


trabalho também traz consequências econômicas, que são os custos que o
empregador terá para auxiliar o acidentado e ao mesmo tempo manter sua
produção com um substituto.

4.2.2.2.1 Responsabilidade: INSS X Civil

Quando ocorre um acidente de trabalho, existe também a possibilidade de


o responsável ser o INSS ou o empregador (responsabilidade civil).

No primeiro caso, seriam analisadas todas as variáveis em relação à


responsabilização da empresa. Conforme citado nas análises legais, caso a
empresa siga todas as normas vigentes e oriente de forma correta seus
funcionários, o INSS se responsabilizará pelos custos médicos e salariais ou
prováveis indenizações para o acidentado ou familiares. Contudo, mesmo nesse
caso, o INSS assume os custos a partir do 15º dia de afastamento do empregado.
Verifica-se que, mesmo se a empresa corresponder a todas as exigências da
norma, terá um gasto direto com o seguro de acidentes do trabalho, que deve ser
pago ao INSS, conforme determinado pelo Art. 26 do decreto 2.173/97.

Sendo assim, a empresa terá um custo imediato calculado em relação à


folha de pagamento, que será posteriormente recolhida com as demais
contribuições devidas ao INSS. Além disso, também deve-se considerar os custos
diretos, ou seja, todas as despesas médicas que o acidentado terá durante o
socorro prestado ao mesmo e 15 dias de salário integral.

Mas se for julgado que a indenização deve ser paga pelo empregador
(responsabilidade civil), o INSS não assumirá os custos a partir do 16º dia de
afastamento. Além de todos os custos citados anteriormente, o empregador terá
muitos outros custos que dependerão da gravidade do ocorrido.
Se o acidente de trabalho resultar na morte da vítima, a legislação aplicável
será a que rege o Art. 948 do Código Civil, Lei 10.406/02. Com isso, o
empregador será responsável pelos honorários da vítima aos familiares pela
conta da provável duração de vida da vítima, que geralmente gira em torno de 65
anos. Então, além de responder criminalmente, a empresa terá esse custo direto
por um longo período de tempo.

Em caso de incapacidade temporária, a indenização será disciplinada pelo


Art. 949, do Código Civil, Lei 10.406/02. Onde as lesões ocorridas podem
acarretar em custos diretos para o empregador, tanto em as despesas com
tratamentos médicos, quanto em possíveis prejuízos que o acidentado prove ter
sofrido.

Se houver incapacidade permanente, o empregador se enquadrará no


artigo 950 do Código Civil, Lei 10.406/02. Ou seja, em caso de incapacidade
permanente o empregador terá que se responsabilizar pela depreciação que o
acidentado sofreu, pela diminuição de sua mão de obra. Além disso, caso exigido,
o empregador deverá pagar toda essa depreciação de uma única vez, o que se
tornaria ainda mais impactante em relação a custos diretos.

Com essas informações notamos que o empregador poderá ter muitos


custos, dos quais se dividirão em diretos e indiretos.

4.2.2.2.2 Custo direto e indireto

Como citado anteriormente o custo direto que o empregador terá se basea


na assistência médica e no salário do acidentado durante o tempo que este ficar
afastado, sendo que fique até 15 dias.

Além desse custo, temos também os custos indiretos, que apesar de não
representarem um custo direto imediato, representará um custo na produção, na
eficiência, na mão de obra. Podemos enumerar os custos indiretos, como Aquiles
(2009).

Salário pago ao acidentado no dia que ocorreu o acidente


Salários pagos aos colegas do acidentado, que deixam de produzir
por diversos motivos seja para socorrer a vítima, avisar os
responsáveis e, se necessário, auxiliar no deslocamento do
acidentado;
Despesas decorrentes da reparação ou manutenção da máquina, se
necessário;
Gastos para a contratar um substituto em caso de afastamento
(treinamento e salário);
Salário do acidentado (nos primeiros quinze dias de afastamento);
Pagamento de horas extras aos empregados que cobrem prejuízo
causado à produção pela parada da máquina decorrente do
acidente;
Gastos extras com energia elétrica para utilizar a empresa durante
as horas extras.

Dessa maneira, pode-se notar que apesar de ser difícil de contabilizar, os


custos indiretos são tanto ou até maiores que os custos diretos.
5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na tabela a seguir, há a quantidade de acidentes de trabalho no Brasil em


três anos (2011, 2012, 2013), em cada uma das CNAE’s especificadas, assim
como a porcentagem em relação ao número de acidentes de trabalho no Brasil:

É possível notar que os acidentes nas indústrias madeireiras variam entre


1,97% e 2,00% comparados ao total nacional. Em sua totalidade, os acidentes do
setor representam 42.712 acidentes de trabalho, de um total de 2.152.524
ocorridos no país no período de três anos. Esse número pode ser considerado
relativamente grande comparando apenas 8 CNAE’s entre 581. Isso significa que
o setor madeireiro, representado pelas CNAE’s 16 e 31, têm um índice alarmante
de acidentes de trabalho.

Assim, a seguir, há a quantidade de acidentes do trabalho no Brasil para as


CNAE’s 16 e 31, levando em consideração os motivos que originaram o acidente
de trabalho:
A partir dessa tabela, fica explícito que a maioria de acidentes de trabalho
na indústria madeireira ocorrem dentro da empresa, enquanto o empregado
exerce sua função, tornando-se a categoria no principal foco de ações para
minimizar os acidentes de trabalho.

Para finalizar a análise em âmbito nacional, é possível também analisar as


consequências causadas pelos acidentes ocasionados na indústria madeireira:
É possível notar que, segundo esses dados, os casos mais comuns na indústria
madeireira são os que têm como consequência mais de 15 dias de afastamento.
Isso representa a existência outro indicativo alarmante na indústria madeireira: o
afastamento nesse período gera custos diretos e indiretos para a empresa, tanto
para contratar algum funcionário temporário para o lugar do acidentado, quanto
em custos para auxiliar o empregado que sofreu o acidente de trabalho. Também
chama a atenção a quantidade de óbitos e incapacidade permanente em relação
ao total geral de acidentes.
5.1 Adequação à NR 12

Então para exemplificar as vantagens que os clientes podem conseguir


com a adequação de suas máquinas, será citado um caso de uma plaina
Moldureira vendida pela empresa alemã Weinig, representada no Brasil pela
empresa B. Krick. O modelo da plaina moldureira é Unimat 217, fabricada em
2013, possui o número de série 119157.

As plainas moldureiras têm como função aplainar peças de madeira maciça


nas quatro faces. Ou seja, a partir da peça de madeira bruta, dimensionada no
tamanho adequado para o produto final, a máquina aplaina as faces resultando
em uma peça de perfeito esquadro, com um dimensionamento feito via software.
Após o aplainamento pode-se ainda acrescentar fresas para criar molduras na
peça de madeira, do jeito que desejar, ainda no interior da máquina, ainda é
possível cortar as peças aplainadas dividindo-as em ripas.

A alimentação nesse tipo de máquina pode ser feita manualmente, sendo


introduzida uma peça por vez, ou automática, através de um dispositivo
alimentador. Todo o ciclo de operação da máquina é automático. Toda zona de
perigo é enclausurada e protegida com proteções móveis, ligadas com
dispositivos de intertravamento, e monitorada por interface de segurança. Dessa
maneira, o operador fica totalmente distante da zona de risco. A operação para
trocar as ferramentas da máquina só pode ser realizada quando esta está
totalmente parada.

A seguir temos duas tabelas relacionadas as análises de risco da plaina


moldureira Unimat 217, tanto na operação do equipamento quanto manutenção
ajuste e reparo, esse laudo foi elaborado pela empresa LAVOROTEC (2014) para
adequação da máquina às exigências do novo texto da NR-12.
Os equipamentos de proteção individuais citados acima são:

Óculos de proteção: uso obrigatório;


Calçado de segurança: uso obrigatório;
Protetor auricular: se o PPRA determinar para o ambiente;
Outros EPI’s: se o PPRA assim determinar para o ambiente.

5.1.1 Resultado da Análise – Plaina Moldureira

Pode-se observar que apesar dessa máquina ser fabricada segundo a CE


(Norma que regulamenta a produção de máquinas na EU), existem algumas
ações preventivas que devem ser tomadas para adequá-la totalmente à regra
brasileira.

Porém, nota-se que essa máquina atende a grande maioria dos itens do
novo texto da NR-12, segundo Lavorotec (2013), como instalações e dispositivos
elétricos, dispositivos de partida, acionamento e parada, sistemas de segurança,
dispositivos de parada de emergência, aspectos ergonômicos e sinalização.

5.1.2 Orçamento para adequação da Plaina Moldureira

Segundo a empresa Lavorotec, responsável pela adequação e pelo laudo


técnico para adequação dessa máquina em todos os itens da Norma
Regulamentadora 12, a adequação completa custará uma quantia de R$
6.000,002.
5.2 Estudo de caso
Será criado uma situação hipotética em que o empregador que adquiriu a
máquina acima não a adequou à NR-12 e o empregado sofreu um acidente de
trabalho que acabou resultando em óbito, porém antes de ter falecido ficou 10
dias na UTI (Unidade de Terapia Intensiva).

Nesse caso, o empregador teria a obrigação de atender prontamente o


acidentado e assumir todos os custos de assistência médica, o que se caracteriza
em custos diretos. Pelos padrões internacionais da OMS (Organização Mundial
da Saúde), um dia de internação numa UTI, em qualquer parte do planeta Terra,
custa (em dólares norte-americanos) algo em torno de US$ 3.000. O que em
valores atuais giraria em torno de R$ 11.520 (cotação: R$ 3,84 em dez/15). Então
em uma conta rápida o empregador teria uma dívida de R$ 115.200, somente
com os dias em que a vítima ficou na UTI. Como nesse caso hipotético a vítima
faleceu, os custos diretos podem se resumir a esse gasto na UTI. Como custos
indiretos dependem de muitas variáveis, tamanho da empresa, da produção,
quantidade de funcionários, é algo muito particular para cada caso, apesar de não
poder ser calculado nesse trabalho, não pode deixar de ser citado.

Depois das consequências econômicas, pode ser feito uma análise das
consequências legais para o empregador. Como dito anteriormente, existem
quatro requisitos básicos para responsabilidade civil, conduta omissiva ou
comissiva, culpa, dano e nexo casual.

No caso de não-adequação da máquina a NR-12 o empregador estará se


omitindo, no caso por não seguir a norma, isso se caracteriza por uma conduta
omissiva, terá a culpa por expor o funcionário ao perigo, com o acidente de
trabalho, foi causado o dano à vítima e o nexo casual pode ser encontrado devido
o fato de que o empregador responde civilmente pela empresa.

Assim o empregador poderá responder civilmente pelo acidente de


trabalho, podendo até ser detido. E consequentemente sua empresa ficaria
fechada até estar totalmente adequada às normas vigentes.
Podemos notar nesse caso que claramente a adequação que custaria R$
6.000,00, seria muito mais vantajoso, pois além de proteger os empregados,
evitaria muito problemas futuros para o empregador.
6 CONCLUSÃO

O novo texto da Norma Regulamentadora 12 abrange, de forma completa,


todas as máquinas e equipamentos, exigindo medidas de prevenção para
preservar a integridade física dos trabalhadores das indústrias.

Pode-se notar, com clareza, que o investimento para adequação da


máquina utilizada como exemplo nesse trabalho é baixo levando em consideração
todos os problemas que o acidente de trabalho pode trazer às empresa.

A adequação da máquina apresentada neste trabalho traz muitos


benefícios, não somente ao trabalhador, que não está sendo exposto ao perigo
eminente do acidente de trabalho, mas também ao empregador, que evitará ter
que responder civilmente pelo acidente e não terá gastos posteriores com
assistência médica ou indenização.

Diante das conclusões obtidas, recomenda-se um estudo para calcular com


estudos de casos de clientes que investiram na adequação para NR12 e os
resultados que e os benefícios financeiros que a empresa ganhou a partir dessas
ações.
A APLICAÇÃO DA SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO NA
MODALIDADE DO TELETRABALHO: Uma análise do Home office no âmbito
Brasileiro

RESUMO: O presente estudo visa expor as formas e meios de aplicação da Segurança e


Medicina do Trabalho na modalidade de teletrabalho. O objetivo é apontar a possibilidade de
fiscalização do empregado em seu domicílio, nessa modalidade de trabalho, como forma de
proteção dos direitos Constitucionais como saúde e segurança do trabalhador, a fim de
certificar-se de que esse, ao efetuar seu trabalho, executa de forma correta todas as exigências
passadas pelo empregador, para que não sofra nenhum acidente do trabalho ou não tenha
nenhuma doença profissional. O objetivo do estudo é responder aos seguintes
questionamentos: considerando o dever de fiscalização do empregador, este poderá adentrar o
domicílio do empregado, que trabalha na modalidade home Office, para executar seu dever? O
empregador será responsabilizado caso o empregado tenha algum tipo de doença decorrente
do trabalho, ainda que o trabalho seja efetuado em domicílio? Utilizou-se o método de
abordagem dialético para o estudo. O método de procedimento adotado foi o monográfico,
pois foram analisados julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região e Tribunal
Superior do Trabalho, utilizando-se como palavras de busca: home Office, saúde e segurança.
Constatou-se que as demandas jurídicas sobre o tema são praticamente inexistentes, não
havendo discussão sobre as NR aplicáveis à presente pesquisa. Chegou-se à conclusão que o
empregador tem responsabilidade sobre o ambiente de trabalho fora da empresa, em razão do
artigo 154 da CLT, que não exclui esta responsabilidade, necessitando de autorização do
obreiro para fiscalizar o local de trabalho na residência do empregado.
INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira passa por grandes mudanças de paradigmas, entre eles, a forma
de se exercer algumas profissões. Verifica-se que já existem muitos teletrabalhadores no pais,
ou seja, pessoas que trabalham fora das dependências da empresa. Desta forma, questiona-se
como se aplicam alguns dispositivos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), uma vez
que a mesma foi elaborada a mais de meio século.
Nesta esteira, algumas reformas foram feitas para enquadrar tais profissões, porém,
não se tem uma regulamentação consistente em relação àquelas pessoas que exercem sua
profissão de suas próprias casas. Como principal setor de trabalhadores que não tem uma
regulamentação propriamente dita, se pode citar os teletrabalhadores em Home Office, uma
vez que grandes partes laboram de suas residências, tendo que comparecer ao local físico do
empregador apenas algumas vezes por mês ou mesmo uma vez ao ano.
Com isso, as principais dúvidas que cerceiam estes contratos de trabalho dizem
respeito a forma de aplicação das normas elencadas nos artigos 154 a 201 da Consolidaçao
das Leis Trabalhistas, bem como das Normas Regulamentadoras (NR), emitidas e aprovadas
pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Sabe-se que algumas dessas NR exigem que as
empresas tenham uma comissão interna com o objetivo de prevenção de acidentes de trabalho
(CIPA), onde as mesmas têm total liberdade para verificar o ambiente de trabalho e tomar as
medidas cabíveis para que os acidentes de trabalho não ocorram. Em contrapartida às
obrigações da CIPA, a mesma não tem como adentrar a casa do trabalhador para verificar se o
mesmo está utilizando os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) nem se foram tomadas
as medidas corretas para que o trabalhador não tenha problemas físicos decorrentes do
exercício do trabalho, pois, conforme a Constituição Federal, a “casa é asilo inviolável do
indivíduo” (BRASIL, 1988, art. 5°, XI), onde uma pessoa somente pode entrar com
autorização do mesmo.
Ainda, como revisão bibliográfica paradigma, será utilizado o doutrinador Sérgio
Pinto Martins, em razão de sua obra ser uma das mais didáticas, logo, oferecendo um melhor
embasamento para que possamos efetuar uma hermenêutica sobre o tema, visto que, não há
uma legislação direta sobre a matéria, o que mostra a necessidade de juristas pesquisarem tais
temas para contribuir com o meio jurídico.
Assim sendo, o presente estudo pretende analisar os artigos referentes ao Capítulo da
Segurança e Medicina do Trabalho, bem como algumas Normas Regulamentadoras do
Ministério do Trabalho e Emprego, tudo em conjunto da doutrina justrabalhista para ao fim
concluir qual a melhor forma que a sociedade pode fazer valer tais normas.
1. A APLICAÇÃO DA SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO COMO
FORMA DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS DA SAÚDE E SEGURANÇA DO
EMPREGADO

No que se refere à segurança e medicina do trabalho no âmbito das relações


empregatícias Brasileiras, tem-se como Lei instituidora de tal assunto a Consolidação das Leis
Trabalhistas, a qual prevê em seu Capítulo V normas regulamentadoras acerca do assunto.
Os artigos 154 a 201 da Consolidação das Leis Trabalhistas estão dentro do Título II
deste diploma legal, cuja função é regular as “Normas Gerais de Tutela do Trabalho”, ou seja,
estes artigos têm por função dar a normatização em linhas gerais sobre a Segurança e
Medicina no ambiente de trabalho.
Cabe observar que no recinto de trabalho o bem jurídico protegido é a saúde e
segurança do trabalhador, sendo esse o entendimento de Alice Monteiro de Barros (BARROS,
p. 1035, 2006), ao afirmar que “No meio ambiente do trabalho, o bem jurídico tutelado é a
saúde e a segurança do trabalhador, o qual deve ser salvaguardado das formas de poluição do
meio ambiente laboral, a fim de que desfrute de qualidade de vida saudável, vida com
dignidade.”
O ambiente de trabalho é tão importante que é assegurado na constituição que o local
de trabalho deve ser observado no que tange a sua segurança e saúde. Ainda, Flávia Pimenta
de Castro (200, p. 05), afirma que

Para os estudiosos de Direito Ambiental, o ambiente de trabalho deve ser


considerado como parte integrante do regime sistemático do meio ambiente como
um todo. Essa constitui a tendência internacional, prevista pela Constituição Federal
em seu artigo 200, inciso VIII.

Desta forma, o ambiente de trabalho é um bem tutelado pela Constituição Federal de


1988, perfazendo-se numa temática que toca tanto o Direito do Trabalho como o Direito
Constitucional, uma vez que a Carta Magna brasileira constitui como um dos fundamentos da
República Federativa do Brasil o bem de todos, além de sacramentar como fundamento da
República “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (Brasil, 1988). Neste sentido, a
Segurança e Medicina do Trabalho é um campo de estudo que toca a temática constitucional e
trabalhista. Tem-se como conceito de Segurança e Medicina do Trabalho, colhido No Portal
da Educação (2013), como “Segurança do Trabalho corresponde ao conjunto de ciências e
tecnologias que tem por objetivo proteger o trabalhador em seu ambiente de trabalho,
buscando minimizar e/ou evitar acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.”
Ainda, a Segurança e Medicina do Trabalho têm como fulcro a saúde do trabalhador, o
que no entendimento de Sebastião Geraldo de Oliveira, (1998, p. 73), saúde é um “estado de
completo bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doença ou
enfermidade”. Logo, as legislações que tratam sobre o tema em discussão buscam preservar a
saúde do trabalhador, obrigando o empregador a manter o ambiente laboral dentro de uma
padronização.
Em sequência é possível afirmar que a legislação sobre Segurança e Medicina do
trabalho visa demonstrar quais as características do ambiente de trabalho deve ter,
consolidando, que o empregado deve utilizar os equipamentos de proteção individual
fornecidos pela empresa, praticar diariamente correção de postura através dos adequados
equipamentos fornecidos pelo empregador, observar a forma correta de sentar-se na cadeira,
apoiar os pulsos de forma correta para digitar, utilização do apoio para os pés o qual irá
proporcionar uma melhor acomodação da postura, fazer uma pausa de 10 minutos a cada 50
minutos de trabalho para descanso nos casos de pessoas que trabalham com digitação,
entendimento do artigo 72 da Consolidação das leis do Trabalho, bem como da Súmula 346
do Tribunal Superior do Trabalho.
Ainda, as leis têm como função a utilização da medicina, engenharia, e outras ciências
afins, para obrigar o empregador a proporcionar um ambiente de trabalho seguro, evitando
assim problemas de acidentes ou quaisquer imprevistos advindos do exercício do trabalho
executado por seus funcionários.
O empregador deve proporcionar ao empregado, um ambiente de trabalho que garanta
a integridade física deste, tais como, uma boa iluminação, boa acomodação, instrumentos
adequados para o bom desempenho do labor, adaptando as condições de trabalho à
capacidade física e mental do empregado, tudo com a finalidade de proteger a saúde e
segurança do empregado, resguardando os direitos sociais que lhe são assegurados pela
Constituição Federal, conforme artigo 6º (BRASIL, 1988).
Cabe observar que no recinto de trabalho o bem jurídico protegido é a saúde e
segurança do trabalhador, sendo esse o entendimento de Barros (BARROS, 2006, p. 1035), ao
afirmar que: “No meio ambiente do trabalho, o bem jurídico tutelado é a saúde e a segurança
do trabalhador, o qual deve ser salvaguardado das formas de poluição do meio ambiente
laboral, a fim de que desfrute de qualidade de vida saudável, vida com dignidade.”
Ainda, quanto aos bens jurídicos do empregado e a responsabilidade do empregador, a
referida autora entende que, (BARROS, 2006, p. 1022)

Quando o empregado é admitido pelo empregador, leva consigo uma série de bens
jurídicos (vida, saúde, capacidade de trabalho, etc.), os quais deverão ser protegidos
por este último, com adoção de medidas de higiene e segurança para prevenir
doenças profissionais e acidentes no trabalho. O empregador deverá manter os locais
de trabalho e suas instalações de modo que não ocasionem perigo à vida e à saúde
do empregado. A falta de saúde do empregado gera a incapacidade, e se decorrente
de ato ilícito ou de um riso gerado pelas condições de trabalho, a responsabilidade
civil do empregador por dano material e/ou moral é uma técnica utilizada para
reparar o dano e proteger a incapacidade, independentemente de seguro feito por ele.

Ressalta-se que, sem saúde não há como o empregado desempenhar seu trabalho,
decorrendo essa condição da segurança que o empregado deve proporcionar ao seu
funcionário, para tanto é indispensável a aplicação da segurança e medicina do trabalho, nesse
sentido, entende Sergio Pinto Martins (MARTINS, 2008, p. 136), que:

O direito à saúde é um direito individual no sentido de que requer a proteção da


integridade física e mental do indivíduo e de sua dignidade; e é também um direito
social no sentido de que impõe ao Estado e à Sociedade a responsabilidade coletiva
pela proteção da saúde dos cidadãos e pela prevenção e tratamento das doenças.

Observou-se que a condição saudável do trabalhador, é um trabalho preventivo,


decorrendo essa condição da utilidade da aplicação da segurança e medicina do trabalho,
referindo Martins, nesse sentido que (MARTINS, 2008, p. 138)

Saúde é gênero, que compreende como espécie o direito à saúde do trabalhador ou


no ambiente de trabalho. Os empregadores têm o dever de proporcionar um
ambiente equilibrado e evitar causar prejuízos à saúde do s trabalhadores.

O ser humano de forma geral, sem saúde não possui uma vida digna e para que o
trabalhador mantenha uma vida saudável, necessita de um ambiente de trabalho equilibrado e
salubre. O local de trabalho deve ser o meio em que o trabalhador adquire vida não podendo
se tornar o meio em que perde seu bem fundamental.
Ainda, quanto ao meio ambiente de trabalho e a saúde do trabalhador, entende José
Afonso da Silva que (SILVA, p. 05, 1995), “[...] complexo de bens imóveis e móveis de uma
empresa e de uma sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e de direitos invioláveis da
saúde e da integridade física dos trabalhadores que o frequentam.”
A não observância da prevenção, dos riscos que podem ocasionar ao trabalhador
diversos acidentes de trabalho ou invalidez, comprometendo a saúde do empregado,
entendimento de Barros, ao afirmar que (BARROS, 2006, p. 1020)

[...] suas principais causas são a duração excessiva da jornada, falta de repouso
suficiente, trabalhos em turnos de revezamento, tarefas repetitivas, trabalho penoso,
esforço físico, ambiente hostil, posturas inadequadas, ritmo de trabalho, atenção e
tensão constantes.

Notória é a necessidade da aplicação da Segurança e Medicina do Trabalho, como


forma de prevenir a saúde e segurança do empregador, nesse viés, a Consolidação das Leis
Trabalhistas reconhece a necessidade de uma regulamentação do assunto através de lei
própria, prevê ainda que o Ministério do Trabalho e Emprego tem a função de regulamentar o
ambiente de trabalho, o que acabou ocorrendo com a legislação infraconstitucional por meio
da Portaria 3.214/78, nesse sentido, entende Rodrigo Garcia Schwarz (SCHWARZ, 2006)
que:

O legislador houve por bem atribuir ao Ministério do Trabalho e Emprego a função


de editar normas protetivas do trabalhador no meio ambiente do trabalho (Portaria nº
3.214/78). A Portaria em questão autoriza o Ministério do Trabalho e Emprego a
baixar Normas Regulamentadoras de observância obrigatória pelas empresas, sem
prejuízo de outras regras protetivas inseridas em normas coletivas de trabalho, além
daquelas aprovadas por Estados ou Municípios. Assim, pode-se dizer que as Normas
Regulamentadoras se traduzem em proteção mínima aos trabalhadores.

No que tange ao controle, supervisão e fiscalização dessas normas de proteção mínima


aos trabalhadores, tem-se como responsável a Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho,
competindo a essa a aprovação das normas protetivas, como bem ensina Rodrigo Garcia
Schwarz (SCHWARZ, 2006):

É atribuição da Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho aprovar, nos limites de


sua competência, normas protetivas contra infortúnios que possam acometer os
empregados, além do poder de coordenação, orientação, controle, supervisão e
fiscalização dessas normas.

Assim sendo, o Ministério do Trabalho e Emprego, por meio de seu órgão competente,
Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho, é quem edita as Normas Regulamentadoras.
Estas regulamentações são de suma importância, pois, caso contrário, se teria cada vez mais
trabalhadores sofrendo com doenças ocupacionais ou mesmo, se aposentando por invalidez
em razão de acidentes de trabalho.
Avançando o assunto, no que se refere às normas regulamentadoras da segurança e
medicina do trabalho, cabe mencionar a existência de 36 normas, ocorre que nenhuma prevê
diretamente sobre a temática medicina e segurança no teletrabalho, portanto, questiona-se,
como se dá a fiscalização nessa modalidade de trabalho? O referido questionamento será
abordado no próximo capítulo.
Todavia, o que se pode averiguar a partir das normas sobre a segurança e medicina do
trabalho é que os empregadores devem proporcionar aos empregados que trabalham sentados
em frente a um computador, um ambiente com cadeiras adequadas, formato correto do
encosto, regulagem da cadeira conforme a altura do empregado, ajuste da tela do computador,
regras sobre o teclado e mouse do mesmo, entre outras exigências, tudo para que o trabalhador
tenha seus direitos resguardados.
Vale salientar que o órgão responsável pela fiscalização da segurança e medicina do
trabalho é o Ministério do Trabalho e Emprego, mais especificamente da Secretaria de Saúde
e Segurança do Trabalho, onde os Auditores Fiscais do Trabalho tem a liberdade para entrar
nas empresas e verificar o ambiente de trabalho. Neste sentido, entende Santos que
(SANTOS, 2011, p. 38):

No MTE, a fiscalização de SST é realizada exclusivamente pelos auditores fiscais do


trabalho (AFT) – denominação atual dos seus inspetores do trabalho, lotados nas
suas diversas unidades descentralizadas – e sob a coordenação técnica da SIT.
Embora seja realizada prioritariamente por AFTs subordinados tecnicamente ao
DSST, é responsabilidade de todos estes inspetores, já que este tipo de inspeção é
inseparável daquela realizada para verificar outras exigências trabalhistas tais como
a formalização do contrato, jornadas, períodos de descanso etc. Desse modo, a
apresentação que se segue refere-se em grande parte à inspeção trabalhista como um
todo, e não apenas à realizada na área de SST.
Desta forma, se pode verificar que os Auditores Fiscais do Trabalho são encarregados
de verificar os ambientes de trabalho, tanto para averiguar normas gerais de trabalho, se os
salários dos empregados estão sendo pagos, se há alguma irregularidade contratual, como
também, verificar se o ambiente de trabalho está de acordo com as Normas Regulamentadoras
e demais determinações relacionadas à Segurança e Saúde do Trabalhador (SST), tendo
liberdade para advertir ou multar o empregador, conforme o AFT entender no caso concreto.
Neste sentido, é possível constatar que as imposições normativas relacionadas à Saúde
e Segurança do Trabalho são de responsabilidade e fiscalização do empregador, o que dentro
da empresa é facilmente verificado, porém, quando adentramos no assunto de trabalhadores à
distância, os quais trabalham em suas residências, enfrentam os empregadores dificuldade de
controle e fiscalização desse trabalhador, por não estar nas dependências da empresa e ainda,
pelo fato do empregador não ter acesso irrestrito à residência do empregado, o que veremos
no capítulo que segue.

2. A FISCALIZAÇÃO PELO EMPREGADOR DA SEGURANÇA E MEDICINA DO


TRABALHO NA MODALIDADE HOME OFFICE: aplicação e as consequências

Para uma melhor compreensão do tema define-se empregador e empregado. Conforme


o que se infere do artigo 2° da Consolidação das Leis Trabalhistas, empregador é toda pessoa
que assume o risco da atividade econômica, contrata, mediante salário, além de dirigir a
atividade econômica, ou seja, no entendimento de Maurício Godinho Delgado, (DELGADO,
2015, p. 432-433) empregador se caracteriza:

[...] pela apreensão e identificação dos elementos fático-jurídicos da relação de


emprego, aduzindo-se que o tipo legal do empregador estará cumprido por aquele
que postar no polo passivo da relação empregatícia formada. [...] Verificados os
cinco elementos fático-jurídicos da relação de emprego, pesquisa-se apenas pelo
sujeito que tomou os serviços empregatícios.

Desta forma, empregador é aquela pessoa, física ou jurídica, que toma os serviços de
uma pessoa física, dirigindo a atividade exercida pela mesma, logo, assumindo os riscos
destas atividades e como contrapartida, o empregador tem que efetuar pagamento pelo esforço
exercido pela pessoa - salário.
Tem-se como empregado aquela pessoa física que presta serviços regulares a um
empregador, mediante salário e sob dependência jurídica do empregador, colocando-se em
igualdade os trabalhos manuais, intelectuais e os técnicos. Neste sentido, o artigo 3° da
Consolidação das Leis Trabalhistas (BRASIL, 1943) traz todos os elementos que caracterizam
o trabalhador, in verbis:

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza
não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição
de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

Desta forma, “O empregado é sujeito da relação de emprego e não objeto.” (Martins,


2012, p. 139), ou seja, conforme o artigo acima colacionado, bem como os dizeres deste
doutrinador, a principal pessoa num contrato de trabalho é o obreiro, pois é a pessoa que está
empregando sua mão de obra, seu serviço, em troca de salário, além do fato desta pessoa ser a
mais fraca na relação juslaboral.
Na presente temática de teletrabalho na modalidade de home office, se pode verificar,
segundo Denise Pires Fincato, que o (2008, p. 152).

Ambiente laboral é o local da prestação de serviços e o dever de ambiência se torna


assaz complexo quando se fala em teletrabalho, notoriamente na sua modalidade
“em domicilio”, uma vez que pressupõe obrigatória presença e ingerência patronal
(também sindical, do Ministério do Trabalho – via fiscalização – e até da CIPA), no
ambiente domiciliar do (tele)empregado.

Contudo, a partir da hermenêutica jurídica e de outros métodos jurídicos aplicados às


interpretações das normas do ordenamento jurídico brasileiro, se pode aplicar estas leis aos
empregados que estão inseridos no contexto de teletrabalho, modalidade de trabalho à
distância abarcada pelo artigo 6º, parágrafo único da Consolidação das Leis Trabalhistas
(BRASIL, 1943), in verbis:

Artigo 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do


empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde
que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e
supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e
diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
Esta é a única normatização sobre o teletrabalhador, onde o legislador apenas refere
que o trabalho realizado fora das dependências do tomador do serviço e a direção exercida por
este sobre o empregado decorrer de meios telemáticos, se considera como uma relação
trabalhista normal, ou seja, em quase nada o presente artigo contribuiu para os teletrabadores,
pois, segundo Marco Antônio Aparecido de Lima (2012)

Bastaria que o intérprete tivesse o simples bom senso de considerar que as novas
tecnologias que produzem novas formas de trabalho à distância (antes restrito
literalmente ao termo legal "domicílio") não poderiam ser desprezadas nesse
contexto, fazendo evoluir o conceito de subordinação jurídica nas relações de
emprego à luz dessa nova realidade.

Neste sentido, ainda há muitas regulamentações que devem ser efetuadas para que o
ordenamento jurídico possa abarcar devidamente o tema sobre os teletrabalhadores.
Contudo, atualmente há uma modalidade de trabalho à distância chamada de home
office, a qual é realizada pelo trabalhador que presta os serviços da sua residência, não se
deslocando até a empresa.
Pela própria palavra, home office, é possível compreender um pouco sobre o tema,
pois ela é uma terminologia de língua inglesa, onde ocorreu a aglutinação de duas outras
palavras da mesma língua, home (casa) e office (escritório). Em outras palavras, no
entendimento de Marina Sell Brik e André Brik: (2013, p. 30)

É possível trabalhar em home office a partir de três tipos de arranjo: sendo


funcionário de uma empresa (modalidade chamada de teletrabalho),
sendo freelancer (trabalhando por projetos avulsos) ou como empresário de uma
empresa home based (que tem sua sede em uma residência). Grifo nosso.

Assim sendo, home office é uma modalidade de trabalho onde o empregado realiza
todas as suas tarefas dentro de sua própria residência, ou mesmo dentro de um escritório que
fica dentro de sua casa, podendo este ser isolado do resto da casa ou não, mas ainda assim, faz
parte da residência, e deste local exerce sua profissão.
Para Vólia Bomfim Cassar, o teletrabalho é conceituado como (CASSAR, p. 182,
2010), “[...] trabalho à distância, trabalho realizado fora do estabelecimento do empregador. O
trabalho em domicílio é espécie do gênero teletrabalho. Não há necessidade de o empregado
utilizar instrumentos de informática ou telecomunicação.”
O trabalho em domicílio não dispõe de lei específica regulamentando o tema, no
entanto, o artigo 6° da Consolidação das Leis Trabalhistas, prevê a possibilidade do trabalho à
distância, bem como o trabalho executado no domicílio do trabalhador, ao afirmar que “não se
distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no
domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os
pressupostos da relação de emprego.” (BRASIL, 1943).
O referido dispositivo protege a relação trabalhista, mesmo quando o trabalhador não
exerce a profissão dentro das dependências do empregador, ou seja, as relações contratuais
que são executadas em local diverso da empresa não perdem a característica laboral, como é o
caso do home office.
Percebe-se que o teletrabalho é um acontecimento social e atual, que se caracteriza
pelo trabalho realizado com uso de tecnologias e fora das dependências do empregado,
abordando, Selma Venco, acerca da temática que (VENCO, 2015):

"São várias as compreensões sobre o que se entende por teletrabalho. Sua principal
característica é a possibilidade de transmissão em tempo real, via telemática. Houve,
nos anos 1990, uma profusão de definições para o teletrabalho, mas que, de certa
forma, convergiam para a seguinte característica: um trabalho realizado de forma
descentralizada da empresa e apoiado na telemática, uma vez que o trabalhador não
está no espaço físico da empresa. É, portanto, uma situação distinta das existentes na
sociedade industrial”.

Conclui-se que o trabalho à distância é aquele que não está centralizado na empresa,
sendo realizado,portanto na residência do trabalhador, tendo como base a telemática,
modalidade essa que se evidenciou com as novas tecnologias da informação o que contribuiu
para uma sociedade mais conectada e informatizada.
Constatou-se que o grupo de trabalhadores que exercem suas profissões dentro de suas
próprias residências não tem uma regulamentação própria no que diz respeito à segurança e
medicina de seu labor, levando-se ao questionamento, de quem é a responsabilidade jurídica
de eventuais danos físicos e mentais que o teletrabalhador contrairá no futuro? Como se dá a
fiscalização da Segurança e Medicina do Trabalho nessa modalidade de emprego, ela será
aplicada?
Para responder aos questionamentos, analisou-se a Norma Regulamentadora nº 17, a
qual ordena acerca da ergonomia no ambiente do trabalho, e conclui-se que tal norma pode
ser aplicada ao teletrabalhador em home office. Os itens 17.3 ao 17.6, tratam sobre o ambiente
do trabalho adequado para aqueles ofícios que são exercidos sentados e ainda, executados por
meio de processamento eletrônico, o que pode ser perfeitamente aplicado ao caso.
Ocorre que, quando o trabalhador exerce sua profissão longe das dependências do
empregador, este irá encontrar dificuldades de fiscalizar se as exigências impostas pela
segurança e medicina do trabalho estão sendo cumpridas, pois deve-se levar em conta que o
local de trabalho será o domicílio do empregador.
Em decorrência do cumprimento da fiscalização, deve-se analisar as disposições da
Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5°, inciso XI, que preveem que,
“a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do
morador, salvo exceções [...]” (Brasil, 1988).
Em conformidade com o inciso colacionado, se verifica que (GRANJA, 2012)

A casa de uma pessoa, por mais humilde que seja, tem o seu âmbito preservado das
ingerências de particulares e também do Estado. A casa, o domicílio do ser humano
só pode ser violado nas circunstâncias que a própria Constituição Federal prevê.
A garantia da inviolabilidade do lar ou centro de ocupações de um indivíduo é um
direito constitucional, previsto no ordenamento jurídico brasileiro desde a
Constituição do Império e nas outras Cartas que a ela se sucederam.
Atualmente, o asilo inviolável do indivíduo será posto em xeque nos casos de
flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial. Além dessas quatro formas de violação domiciliar, há
também a hipótese de o morador consentir com a devassa.

Sendo assim, poderá o empregador somente efetuar essa fiscalização com o


consentimento do trabalhador, o que limita o dever de vigilância da empresa.
Logo, para que o empregador possa fazer estas regras serem cumpridas, cabe ao
próprio obreiro autorizar a entrada daquele em sua residência, a fim de verificar as condições
do ambiente de trabalho, o que poderá contaminar a fiscalização, considerando que, havendo
a necessidade do empregado autorizar a entrada do empregador, entende-se que deverá haver
uma prévia comunicação ou agendamento dessa fiscalização, o que permite ao empregado
preparar-se de antemão para a fiscalização, deixando tudo conforme deve ser.
Em entendimento contrário, é o posicionamento de Barros, que entende que o fato de o
empregado trabalhar fora do ambiente empresarial, não desonera o empregador de cumprir
com as leis de higiene e segurança do trabalho, entendendo que essa pode se dar da seguinte
forma (BARROS, p. 311, 2006)

Salienta-se que o teletrabalhadores, em geral, fazem uso de computador. Por isso,


recomenda-se que o aparelho não fique contra a luz ou de frente para ela (se for
natural), seja também móvel, com tela plana, imagem estável e dimensão suficiente.
O monitor do computador deverá estar na altura dos olhos. A par desses aspectos,
torna-se necessário, ainda, que a mesa ou superfície em que se assenta o computador
seja também plana, de dimensão suficiente, de cor fosca ou clara, com suporte para
documentos, além de assento regulável. Se a pessoa que for se utilizar do
equipamento tiver estatura baixa e não conseguir encostar o pé no chão, torna-se
necessário colocar um encosto para os pés. Recomenda-se também o uso de cadeira
giratória. A exigência se justifica porque a inadequação desses elementos poderá
provocar fadiga visual e problema músculo-esquelético na região dorsolombar,
considerando a posição sedentária em que se desenvolve o trabalho.

Portanto, verificou-se, ao menos em primeira análise, que poderá ser aplicada a


segurança e medicina do trabalho aos trabalhadores que não exercem sua atividades dentro da
empresa, em contrapartida, entende-se que o empregador poderá ter limitações para exercer a
fiscalização do empregado, como adequada utilização da cadeira, utilização do encosto para
os pés, a distância entre os olhos e a tela e o teclado do computador, entre outras acomodações
exigidas para o melhor desempenho das profissões que se utilizam de meios telemáticos de
alta tecnologia.
Nesse sentido, diante da dificuldade de fiscalização do empregador, em decorrência da
necessidade de respeito ao domicílio do empregado, verifica-se a possibilidade de um
crescimento acentuado no desenvolvimento de doenças ocupacionais, conforme exposto por
Winter (2005, p. 146)

As doenças chamadas ocupacionais, nas quais desponta a LER (lesões por esforço
repetitivo), assim como a perda progressiva da visão, o stress, pela repetição de
tarefas, muitas vezes eliminando a capacidade de inovação e de criação do
teletrabalhador, acrescidos à insegurança e à competição com os demais empregados
[...]

Continuando em sua explanação, a autora complementa a temática trazendo o mesmo


pensamento da “Revista Del Trabajo” de 1999 da OIT (Winter, 2005, p. 146), onde conclui
que frente ao assunto explanado, se faz necessário um auxílio entre trabalhadores e
empregadores, no ambiente de trabalho, a fim de que se evite a ocorrência das doenças
ocupacionais bem como acidentes de trabalho.
Partindo-se do silogismo acima, constatou-se que uma possibilidade seria a
relativização de algumas das responsabilidades impostas ao empregador, uma vez que,
segundo a OIT, a obrigação de um bom ambiente de trabalho passa a ser responsabilidade de
ambos, trabalhador e empregador. Porém, o ordenamento jurídico brasileiro vai contra este
entendimento da OIT, em razão do artigo 154 da CLT, que passa a responsabilidade pelo
ambiente de trabalho inteiramente para o empregador, não fazendo nenhuma exceção para
casos de trabalho a distância.
Para finalização do presente estudo, analisou-se julgados do Tribunal Regional do
Trabalho da 4ª Região, sobre o tema, no período compreendido entre 2014 e 2016, com as
seguintes palavras chaves: home office, saúde e segurança.

3. COMO O JUDICIÁRIO TRABALHISTA TRATA A SEGURANÇA E MEDICINA


DO TRABALHO NA MODALIDADE HOME OFFICE: uma análise Jurisprudencial
dos Tribunais Regionais Federais da 2a, 3a, 4ª e 15a Regiões e do Tribunal Superior do
Trabalho

Neste capítulo, analisou-se a Jurisprudência no âmbito do Tribunal Regional do


Trabalho da 4ª Região bem como do Tribunal Superior do Trabalho. Foram analisadas 16
jurisprudências com as palavras chave home Office, saúde e segurança.
No âmbito do Tribunal Regional da 4a Região, iniciou-se a pesquisa com o período de
01 de janeiro do ano 2000 até o dia o dia 08 de maio de 2016. Neste período, encontrou-se
apenas 12 jurisprudências. É aceitável que se tenham poucas jurisprudências para um tema
relacionado ao teletrabalho, já que este tema é consideravelmente novo no cenário brasileiro.
Porém, isto também se dá ao fato que parte dos trabalhadores não ingressam com as devidas
reclamatórias, pois acreditam que não vão conseguir outro emprego.
Em seguida, averiguando que o período de pesquisa de mais de 16 anos era muito
extenso, e achou-se mais prudente verificar os anos de 2014 a 2016, pois assim é possível
verificar como é o entendimento do judiciário gaúcho sobre a segurança e saúde do
teletrabalhador na modalidade de home office. Com esta delimitação temporal o número de
jurisprudências caiu para 7.
Destas jurisprudências, apenas 2 usam corretamente o termo home office, além de falar
também da saúde e segurança do trabalhador, porém somente tratando do quesito em relação
às horas extras, conforme ementa colacionada a seguir (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal
Regional do Trabalho, 2014):

HORAS EXTRAS. ADICIONAL NOTURNO. ATIVIDADE EXTERNA.


VENDEDOR. ART. 62, I, DA CLT. Exceção prevista no art. 62, I, da CLT
aplicável tão somente aos trabalhadores cuja jornada laboral não pode ser controlada
ou fiscalizada pelo empregador. Determinante para esse enquadramento o fato de ser
totalmente inviável o controle do tempo em que o empregado permaneceu à
disposição da empresa, de modo que, se o trabalho for externo, mas compatível com
a fiscalização da jornada efetivamente cumprida, não haverá espaço para a aplicação
daquela norma. Existência, no caso em exame, de mecanismos pelos quais havia a
possibilidade de controle da jornada do reclamante, em que pese não executados
pela reclamada. Não verificada a incompatibilidade entre o trabalho do autor e o
controle da sua jornada, impõe-se a reforma da sentença, reconhecendo o direito do
demandante ao pagamento de horas extras. Apelo parcialmente provido.
JORNADA DE TRABALHO EXAUSTIVA. DANO MORAL. DANO
EXISTENCIAL. REPARAÇÃO DEVIDA. A limitação da duração do trabalho
constitui-se exigência que surge como medida de higidez e segurança, com vistas a
preservar a saúde física e psíquica do trabalhador. O dano extrapatrimonial, sob a
modalidade dano existencial, deve ficar restrito a situações extremamente graves,
nas quais demonstrado que o trabalhador sofreu severa privação em virtude da
imposição de um estilo de vida que represente impossibilidade de fruição de direitos
de personalidade, como o direito ao lazer, à instrução, à convivência familiar, o que
restou caracterizado no caso concreto, em face da jornada de trabalho extenuante a
que o autor estava submetido. Apelo do reclamante provido, para condenar a
reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em R$10.000,00
(dez mil reais), ante a necessidade de que a reparação possua, também, caráter
pedagógico, tendente a evitar práticas de mesma natureza por parte da
empregadora.(AIRR – 0000916-60.2012.5.04.0007, Relator Convocado: Alexandre
Corrêa da Cruz, Data de Julgamento: 11/09/2014, 2a Turma, Data de Publicação:
22/09/2014)

Aqui se verifica uma das duas jurisprudências que tratam acertadamente sobre o tema
proposto no presente artigo, se tratando do um vendedor externo que realizava parte de seu
trabalho em home office, e o empregador acabava por não dar o devido descanso a seu
subordinado, uma vez que para as jornadas de trabalho que passem das oito horas regulares, o
empregado tem direito a um descanso extra de 15 minutos antes de continuar seu trabalho, o
que não foi observado no presente caso.
Este entendimento sobre a pausa antes de seguir o trabalho mais de oito horas é
desprendido do artigo 384 da Consolidação das Leis Trabalhistas, que em sua redação, “Em
caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos
no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho.” (Brasil, 1943), é referente
à proteção do Trabalho da Mulher. Porém, conforme o entendimento do magistrado, o mesmo
afirma (RIO GRANDE DO SUL, Tribunal Regional do Trabalho, 2014):

A respeito da matéria, ressalva este Relator o entendimento no sentido da viabilidade


de se reconhecer, também ao trabalhador do sexo masculino, o direito ao intervalo
de quinze minutos antes do início da prestação de jornada suplementar, com amparo
no princípio constitucional da isonomia, consagrado no caput do artigo 5º. Isto
porque, não sendo possível a supressão do intervalo de quinze minutos para a
mulher, por se tratar, a norma do artigo 384 da CLT, de disposição mais benéfica
relativa à segurança e saúde dos trabalhadores (art. 7º, caput, da CF/88), não haveria
como deixar de concluir pela existência do mesmo direito em relação aos
trabalhadores homens, diante, reitero, da isonomia de direitos consagrada pela
norma constitucional em apreço. (AIRR – 0000916-60.2012.5.04.0007, Relator
Convocado: Alexandre Corrêa da Cruz, Data de Julgamento: 11/09/2014, 2 a Turma,
Data de Publicação: 22/09/2014)

Além disso, o obreiro requeria a aplicação de reajustes normatizados por dissídio


coletivo de sua categoria, com reflexos em horas extras, adicional noturno, 13ºs salários,
remuneração dos períodos de férias com acréscimo de 1/3, adicional por tempo de serviço,
salário do período relativo ao aviso prévio e FGTS com indenização compensatória de 40%,
bem como pagamento de hospedagem, entre outros.
Como é possível de verificar, há poucas jurisprudências gaúchas que relatam algo
sobre a saúde e segurança do trabalhador em home office, tendo ainda julgados que utilizam
este termo como sinônimo de trabalhar em escritório longe da sede da empresa.
Em razão disso e das poucas jurisprudências encontradas no tribunal Gaúcho, por
prudência resolveu-se pesquisar também nos tribunais regionais de São Paulo e de Minas
Gerais, pois estes estados são muito bem desenvolvidos, logo, é de se esperar que existam
mais demandas dos mais diversos tipos; e no Tribunal Superior do Trabalho (TST), tendo em
vista que as jurisprudências analisadas trariam um viés que abrange todo o judiciário
trabalhista, já que está é a corte máxima do Direito do Trabalho.
Porém, novamente se verifica a ausência de casos que tratam da saúde e segurança do
trabalhador em home office, onde a pesquisa feita nos tribunais paulistas não se encontrou
nenhuma jurisprudência relacionada a temática. Já em no TRT da 3a região, encontrou-se 12
jurisprudências, mas nenhuma fala especificamente em home office, apenas tratam sobre
bancários e os desembargadores se utilizam do exemplo de home office para justificar o
porquê é possível controlar as horas de trabalho de um funcionário, mesmo ele sendo gerente
de um banco. Outra exceção foi no TST, porém apenas analisou os dispositivos que falam do
número de horas que o trabalhador pode efetuar num mesmo dia.
Como exemplo, é possível falar da presente decisão, cuja ementa é (BRASIL, Tribunal
Superior do Trabalho, 2015):

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. HORAS


EXTRAORDINÁRIAS. O Tribunal Regional do Trabalho, soberano na análise dos
fatos e das provas, registrou que restou comprovado que a Reclamante desenvolvia
atividades compatíveis com a fixação de jornada e que, não obstante a isso, o
Reclamado não demonstrou o cumprimento da obrigação contida no art. 74, §2º, da
CLT. Tais premissas fáticas não são passíveis de modificação na atual fase recursal,
de natureza extraordinária, pois demandaria o revolvimento de fatos e de provas, o
que é vedado, nos termos da Súmula 126 do TST. Assim sendo, considerando que a
jornada de trabalho da Reclamante era passível de controle, muito embora realizado
externamente, e que o Reclamado, contando com mais de dez empregados, não
juntou aos autos o controle de marcação de ponto, gerou a presunção relativa de
veracidade da jornada alegada pela Reclamante na petição inicial, presunção relativa
essa que o Reclamado não conseguiu infirmar. Nesse passo, a decisão regional não
violou os artigos 62, I, e 818 da CLT e 333, I, do CPC e está em perfeita sintonia
com o entendimento jurisprudencial consolidado desta Corte, exposta na Súmula
338 do TST. 2. INTERVALO INTRAJORNADA. O Tribunal Regional registrou
que a Reclamante executava atividade compatível com a fixação de jornada e
ultrapassava habitualmente a jornada normal de trabalho. Além disso, a decisão
regional manteve, no tópico referente à jornada de trabalho, a decisão de primeiro
grau, que reconheceu a reclamante como exercente de função de confiança, nos
termos do art. 224, §2º, da CLT (vide fl. 326). Assim sendo, o Tribunal Regional do
Trabalho decidiu em conformidade com a Súmula 437 do TST, especialmente
porque ultrapassada a jornada de seis horas de trabalho, sendo devido o gozo do
intervalo intrajornada mínimo de uma hora. Pelo exposto, a decisão recorrida não
violou os dispositivos legais mencionados e está em perfeita sintonia com o
entendimento desta Corte, o que atrai o óbice do art. 896, §4º, da CLT (com a
redação anterior à Lei nº 13.015, de 21 de julho de 2014) e da Súmula 333 do TST
ao processamento do recurso. 3. BANCÁRIO. HORAS EXTRAS. DIVISOR. O
Tribunal Regional do Trabalho registrou que a norma coletiva expressa que o sábado
do bancário se encontra no mesmo patamar dos repousos remunerados. Além disso,
o próprio Reclamado, ao interpor seu Agravo de Instrumento, asseverou que a
Convenção Coletiva de Trabalho firmada entre os sindicatos patronais e os dos
empregadores pactuaram a benesse de se considerar o sábado apenas para fins de
repercussão das horas extras, desde que prestadas durante toda a semana anterior.
Dito isso, tem-se que esta Colenda Corte firmou o entendimento de que os sábados
não serão considerados dias úteis não trabalhados quando sobre eles incidirem os
reflexos das horas extras, por expressa determinação coletiva, ainda que não haja
comando explícito, como no caso dos autos, considerando os sábados como dia de
descanso semanal remunerado. Com efeito, em casos como este em discussão,
aplica-se o divisor 200, nos termos da Súmula 124, I, "b", do TST. Pelo exposto, a
decisão recorrida não violou os dispositivos legais e constitucionais mencionados,
tampouco contrariou as Súmulas 124 e 113 do TST e está em perfeita sintonia com o
entendimento desta Corte, o que atrai o óbice do art. 896, §4º, da CLT (com a
redação anterior à Lei nº 13.015, de 21 de julho de 2014) e da Súmula 333 do TST
ao processamento do recurso. Agravo de Instrumento não provido. (AIRR - 384-
22.2011.5.01.0002, Relator Desembargador Convocado: Américo Bedê Freire, Data
de Julgamento: 30/09/2015, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/10/2015)

Neste acórdão a matéria que o desembargador teve que analisar diz respeito às horas
extras que o empregador deve ao trabalhador, onde o reclamado argumentava que pelo fato do
obreiro estar em regime de home office, não era necessário fazer controle de sua jornada de
trabalho, já que estaria dentro da regra do artigo 62, inciso I da CLT, cujo teor é:“I - os
empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de
trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no
registro de empregados;” (Brasil, 1943).
Porém, no caso em comento, o tribunal entendeu que a atividade exercida pelo
trabalhador era compatível com a fixação de horário, e, ainda, justificando a decisão em
conformidade com a súmula 437 do TST, pois não observar os intervalos intrajornada, pode
constituir uma violação às normas de higiene, saúde e segurança do trabalho.
Desta forma, foi possível verificar que não há muitos casos concretos sobre
teletrabalhadores na modalidade de home office, inclusive, foi possível observar alguns
equívocos cometidos pelos desembargadores, que afirmam que trabalhar em um escritório
apenas longe da sede da empresa já configura a modalidade de home office, quando, na
verdade, para se configurar esta modalidade o trabalhador deve ter um escritório na sua
própria casa ou exercer sua profissão de sua residência, através de meios telemáticos.

CONCLUSÃO

Na presente pesquisa analisou-se as relações de teletrabalho em home office, onde o


empregado trabalha através dos meios telemáticos, fazendo todo seu trabalho de sua casa. Por
sua vez, o empregador fiscaliza o trabalho e dá ordens aos seus empregados também pelos
meios telemáticos. Nestas relações trabalhistas se investigou qual a responsabilidade do
empregador no que diz respeito ao ambiente de trabalho, bem como, a possibilidade de o
empregador fiscalizar o local de trabalho deste empregado que exerce sua profissão na própria
residência.
Com toda a pesquisa efetuada percebeu-se que o teletrabalho em home office no Brasil
ainda não tem regulamentações específicas, isto mesmo com toda a importância que o
trabalho tem na atual Constituição Federal, uma vez que se tem dentro do Capítulo II, Dos
Direitos Sociais, o artigo 7°, cujo teor visa melhorar as condições sociais de todos os
trabalhadores, além de outros artigos espalhados pelo mesmo diploma legal que protegem o
trabalhador, tal como o Artigo 5°, inciso XI, que protege a residência das pessoas,
caracterizando como asilo inviolável, sendo permitida a entrada de terceiros somente através
da autorização dos residentes.
Assim sendo, para que seja possível que o empregador exerça suas obrigações de
manter o ambiente de trabalho em condições conforme as Normas Regulamentadoras, isto
para que os empregados não sofram com um ambiente que proporcione problemas de saúde,
evitando lesões ou mesmo o óbito em razão do local de trabalho, nos contratos que versem
sobre o home office, é necessário que o empregador peça autorização para inspecionar o local
de trabalho.
Aplicando-se em conjunto a o princípio justrabalhista da Proteção, que a autorização
colhida pelo empregador não pode ser feita de forma que faça o empregado sentir-se coagido
a autorizar seu empregador a fazer verificação em sua residência. Também, esta fiscalização
deve ser feita somente no local onde o empregado exerce a profissão, pois os outros locais da
casa não dizem respeito ao local de trabalho, ou seja, o empregador deve ser autorizado a
verificar apenas o local onde se exerce a profissão, pois este ambiente é de responsabilidade
do empregador em proporcionar as medidas que asseguram a segurança e saúde de seu
trabalhador, medidas estas que estão de acordo com as Normas Regulamentadoras,
principalmente a NR 17, que fala sobre a Ergonomia.
Não muito distante, cabe ao empregador acertar com seu empregado como devem ser
feitas as verificações que os Auditores Fiscais do Trabalho fazem nos locais de trabalho. É
possível chegar a esta conclusão a partir dos artigos 154 a 159 da CLT, que incumbem ao
empregador toda a responsabilidade com o ambiente de trabalho, em conjunto com o artigo
5°, inciso XI da Constituição Federal, que coloca a residência como local inviolável para
terceiros. Desta forma, o empregador deve comunicar o trabalhador sobre a visita do Auditor
Fiscal do Trabalho e deve acertar com ambos data e horário para que o fiscal possa verificar o
local de trabalho.
Na sequência, com a presente pesquisa foi possível averiguar, além da falta de
regulamentação específica sobre o teletrabalho, que ainda não há jurisprudências de grande
relevância no Tribunal Superior do Trabalho, e da mesma forma, também não existem
grandes decisões sobre segurança e saúde do trabalhador em home office no Tribunal
Regional do Trabalho da 4a Região. Além disto, as jurisprudências demonstraram a falta de
conhecimento por parte do judiciário para tratar sobre o home office, uma vez que em algumas
decisões os magistrados afirmaram que esta modalidade de trabalho é aquela realizada em um
posto avançado de trabalho. Além disto, as 16 jurisprudências analisadas mostraram que não
há demandas que versem sobre as Normas Regulamentadoras e o teletrabalho efetuado na
casa do empregado.
Ainda nisto, a pesquisa demonstrou a falta de preparo tanto do Judiciário quanto do
Legislativo para tratar do tema, e a conjectura que se pode levantar é que pelo fato desta
forma de trabalho ainda estar se afirmando no Brasil não existem muitas demandas no
judiciário sobre a segurança e saúde do teletrabalhador na modalidade de home office. Porém,
isto não pode ser desculpa para não haver lei sobre o tema, pois desta forma será necessário
que o judiciário use da hermenêutica para aplicar alguns princípios gerais da Constituição
Federal a fim de poder dizer se é permitido que o empregador faça visitas à casa do
empregado para verificar se o ambiente de trabalho é adequado e seguro.
Neste sentido, a presente análise concluiu que a responsabilidade pelo ambiente de
trabalho, seja ele na empresa, longe da mesma, ou ainda, na residência do obreiro, é de
responsabilidade do empregador, pois este assume os riscos do negócio jurídico. Ainda, se
finaliza o exame com a certeza que para os casos de teletrabalho na modalidade home office
há a necessidade de autorização prévia do trabalhador para que o empregador adentre em sua
residência com o fim de verificar se o ambiente de trabalho não está prejudicando a saúde ou
a segurança do trabalhador. E da mesma forma, os Auditores Fiscais do Trabalho devem
examinar estes ambientes de trabalho, mas também com prévia autorização do trabalhador,
pois sua residência é inviolável, mesmo por esta autoridade, visto que este é um direito
fundamental constitucionalmente protegido, bem como o direito a um ambiente de trabalho
adequado.
Atuação do Ministério Público do Trabalho relacionada à saúde do
trabalhador e meio ambiente de trabalho na Justiça do Trabalho (2000-
2014)

RESUMO. Introdução: o estudo analisa as sentenças proferidas nas Ações Civis


Públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho nas Varas Trabalhistas da 10ª
Região (Distrito Federal e Tocantins), relacionadas à saúde do trabalhador e meio
ambiente de trabalho, no período de 2000 a 2014, verificando suas características e a
repercussão da Emenda Constitucional nº 45, de 2004. Metodologia: tratou-se de
pesquisa quantitativa e qualitativa, por meio de banco de dados secundário, do sítio do
Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região. Resultados: das 633 sentenças
proferidas, 70 tratam de saúde do trabalhador e ambiente de trabalho, notando-se
intensificação da atuação do Ministério Público do Trabalho após a Reforma do
Judiciário. Quanto à atividade econômica da empresa demandada, predominou a
construção civil e atividades relacionadas a ela; quanto ao objeto, houve predomínio de
inobservância dos limites legais para duração da jornada de trabalho. Quando à norma
jurídica, foram invocadas com maior frequência os artigos da Constituição e a norma
relacionada com equipamento de proteção individual. Verificou-se elevada frequência de
deferimento da antecipação dos efeitos da tutela e julgamento com procedência da
ação. Conclusão: apesar dessa atuação, os índices de acidentes de trabalho e doenças
ocupacionais têm progredido tanto em nível regional quanto nacional, exigindo coalizão
do poder público em prol dessa questão de saúde pública.
Palavras-chave: Saúde do Trabalhador. Ambiente de Trabalho. Tutela Inibitória. Justiça
do Trabalho.
Introdução

Com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a


dignidade da pessoa humana e o respeito ao meio ambiente foram inseridos como
fundamentos do Estado Democrático de Direito no primeiro artigo da Carta Política (1).
O Direito Ambiental do Trabalho foi inserido no artigo 196, que trata da saúde
como direito de todos e estabelece o dever do Estado de garanti-lo por meio de políticas
voltadas para a redução do risco de adoecimento, bem como pelo acesso universal e
igualitário a ações e serviços para a promoção, prevenção e recuperação da saúde,
incluindo-se aí o direito à saúde do trabalhador e proteção do meio ambiente do trabalho
(2). Já o artigo 225 protege o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, atribuindo a todos, poder público e
coletividade, o dever de preservar o meio ambiente equilibrado, tendo como norteadores
do Direito Ambiental os princípios da prevenção, da educação e do poluidor-pagador (3).
O arcabouço legal que trata da proteção legal ao meio ambiente de trabalho
compreende a Constituição Federal; a Política Nacional do Meio Ambiente, instituída pela
Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981; a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
alterada pela Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977; a Portaria nº 3.214, de 8 de junho
de 1978, e as Normas Regulamentadoras – NR do Ministério do Trabalho e Emprego,
entre outras (4).
E especificamente relacionado com o ambiente de trabalho, o artigo 7º, XXII, da
Carta Magna traz o direito do trabalhador à redução dos riscos ambientais inerentes ao
trabalho, tratando da defesa da saúde do trabalhador, cabendo assim ao Poder Público
atuação ativa nessa esfera jurídica (5).
Com base na análise sistemática dos artigos 196 e 200 da CF, depreende-se que a
saúde do trabalhador e o direito ambiental não se tratam exclusivamente de direitos
trabalhistas, incluindo-se no rol dos direitos sociais à saúde, devendo ser garantido
mediante políticas públicas sociais e econômicas, integrando-os na estrutura do Sistema
Único de Saúde, por meio das ações de vigilância sanitária e epidemiológica da saúde
do trabalho e da proteção do meio ambiente de trabalho (2). Assim, na criação do
Sistema Único de Saúde – SUS – por meio da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990,
a saúde do trabalhador foi incluída no campo de atuação desse sistema, assim como a
proteção do meio ambiente de trabalho (4).
Com relação à legislação infraconstitucional, temos a Lei nº 6.938, de 31 de agosto
de 1981, que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente que, em que pese não
incluir o ambiente de trabalho expressamente em seu texto, foi recepcionada pela atual
Constituição, conforme leciona Norma Sueli Padilha, estando o meio ambiente de
trabalho incluído nessa política preventiva (3).
A CLT também protege a saúde do trabalhador e o meio ambiente de trabalho,
atribuindo à empresa a obrigação de sua preservação, por meio de seu art. 157, em que
determina a responsabilização da empresa em ‘cumprir e fazer cumprir as normas de
segurança e medicina do trabalho’; aos empregados, por meio do art. 158, a
observância de tais normas protetivas; às Delegacias Regionais do Trabalho, a
fiscalização do cumprimento dessas normas e adoção de medidas necessárias para
garantir a proteção ao ambiente de trabalho, além de imposição de penalidades pelo
seu descumprimento (3).
Além disso, o artigo 154 da CLT estabelece a obrigatoriedade das empresas de,
além de fielmente cumprir as normas previstas na legislação trabalhista, cumprir
adicionalmente com as disposições incluídas em códigos de obras e legislação sanitária
estabelecidas pelos estados e municípios (6).
Nas normas protetivas da saúde do trabalhador citadas na legislação trabalhista
incluem-se as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego,
instituídas por meio da Portaria nº 3.214/78, que regulamentam as disposições acerca
de saúde, segurança do trabalho e higiene do ambiente de trabalho, dentre elas as que
tratam de prevenção de acidentes, equipamentos de proteção individual, controle de
saúde ocupacional, prevenção de riscos ambientais, ergonomia, condições sanitárias de
ambiente de trabalho, entre outras (3).
No âmbito do Distrito Federal, a Lei nº 5.321, de 6 de março de 2014, institui o
Código de Saúde do Distrito Federal, estabelecendo por meio do artigo 3º a
obrigatoriedade da instituição de ações e serviços de vigilância em saúde do
trabalhador, visando à proteção e à promoção da saúde individual e coletiva e à
qualidade de vida da população, incluindo a promoção e proteção da saúde e da
segurança do trabalhador, bem como atenção integral à saúde do trabalhador. Ademais,
nessa normativa são estabelecidas punições por infração sanitária, dentre elas ‘deixar
de promover medidas adequadas de proteção coletiva ou individual necessárias à
preservação da segurança e da saúde do trabalhador’ (7).
Em que pese a riqueza legislativa no campo dos direitos dos trabalhadores,
explanada acima, especialmente no que diz respeito à saúde do trabalhador e ambiente
de trabalho, e de ter sido a primeira vez na história brasileira que tais matérias recebem
proteção constitucional, ainda é preciso, em razão dos níveis alarmantes das
estatísticas de doenças e acidentes de trabalho (8), uma progressão na efetivação
daquelas políticas. Em especial é preciso modificar o atual paradigma, segundo o qual é
priorizada a prática indenizatória, por meio do pagamento de adicionais de
insalubridade/periculosidade e de indenizações judiciais por dano material, moral e
estético, para avançarmos efetivamente na prevenção da exposição ocupacional a
riscos ocupacionais à saúde e segurança do trabalhador (3).
De acordo os dados da Organização Internacional do Trabalho – OIT, o Brasil
ocupa o quarto lugar na estatística mundial de acidentes de trabalho fatais (8). No
período de 2000 a 2011, a Previdência Social concedeu 2,7 milhões de benefícios
decorrentes de doença e acidentes de trabalho, resultando numa despesa
correspondente a quase 2 bilhões de reais nesse período (9). E ainda, de acordo com
dados estatísticos elaborados conjuntamente pelo Ministério da Previdência Social e
Ministério do Trabalho e Emprego, no ano de 2013, foram registrados no Distrito Federal
8.907 acidentes de trabalho e doenças ocupacionais (10).
Em face dessa realidade em que os acidentes e doenças ocupacionais tomam
proporção de problema de saúde pública, no 20º Congresso Mundial sobre Segurança e
Saúde no Trabalho, ocorrido em agosto de 2014 na Alemanha, a OIT estipulou a meta
de zero acidente de trabalho, definindo como prioridade para a redução desses índices
o investimento em prevenção (8).
Com base na legislação acima descrita, cabe ao Poder Executivo, por meio das
Vigilâncias em Saúde do Trabalhador, vinculadas ao SUS, e das Delegacias Regionais
do Trabalho, vinculadas ao Ministério do Trabalho e Emprego, realizar a promoção à
saúde do trabalhador, bem como atuação preventiva e repressiva no campo da
segurança e saúde do trabalhador (3).
Por outro lado, o Poder Judiciário também tem uma parcela de atribuição na
proteção do ambiente de trabalho na medida em que julga pleitos de adicional de
insalubridade e periculosidade, de pedidos de reintegração no emprego e indenização
material e moral por acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, além de julgar
ações coletivas que visam a prevenção de riscos ocupacionais. Bem como o Ministério
Público, a quem cabe ‘a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e
dos interesses indisponíveis da sociedade’, nos termos do art. 127 da CF, incluindo a
tutela do meio ambiente de trabalho, da saúde e integridade física e psíquica dos
trabalhadores, por meio de instrumentos coletivos como a Ação Civil Pública (3).
Dessa forma, nas ações coletivas que visam a proteção do ambiente de trabalho,
cabe ao Poder Judiciário analisar a concessão de tutelas de urgência nas situações de
risco grave e iminente, e aplicar multas para o cumprimento das determinações, com
fundamento no dever de garantir um ambiente de trabalho saudável (11). Assim, cabe
ao magistrado a prudência de priorizar os aspectos de saúde e segurança do trabalho
em detrimento ao risco de prejuízo econômico pela suspensão, interdição de atividades
econômicas ou embargo de obras, tendo em conta que a proteção à vida e integridade
física deve se sobrepor aos aspectos econômicos. De acordo com Raimundo Simão de
Melo (3), devem fundamentar as decisões judiciais, cujo objeto é a proteção do meio
ambiente de trabalho e da saúde dos trabalhadores, os princípios da dignidade da
pessoa humana, do valor social do trabalho, da precaução e prevenção da saúde dos
trabalhadores, além do princípio do poluidor-pagador, adicionando-se os princípios do
desenvolvimento sustentável, princípio da participação e princípio da ubiquidade (3).
Assim, por meio de Ação Civil Pública, busca-se o cumprimento de obrigações de
fazer ou não fazer com relação ao cumprimento de normas trabalhistas, mediante multa
(‘astreints’), sendo possível o pedido de interdição de posto de trabalho que coloque em
risco a saúde e vida dos trabalhadores, bem como condenação em danos morais
coletivos pelos prejuízos causados ao meio ambiente de trabalho, os quais normalmente
são destinados ao Fundo de Amparo ao Trabalhador, conforme leciona Raimundo
Simão de Melo (12).
Com a promulgação da CF/88, atribuiu-se à Justiça do Trabalho o julgamento de
dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores (13), correndo na
Justiça Estadual o julgamento das poucas ações coletivas propostas pelo Ministério
Público Estadual visando a adequação de ambiente de trabalho, com interposição de
incidentes de conflito de competência entre a Justiça do Trabalho e Justiça Comum
Estadual (3).
Em razão da controvérsia acerca da competência para o julgamento dessas ações,
foi decidido pelo STF por meio do Recurso Extraordinário nº 206.220-1, em 1999, em
Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Estadual contra o Banco do Estado
de Minas Gerais, a competência da Justiça do Trabalho em ações coletivas com objeto
de medidas preventivas no ambiente de trabalho, caracterizando a responsabilidade do
poder judiciário trabalhista no julgamento da tutela e proteção à saúde do trabalhador:

EMENTA: COMPETÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONDIÇÕES


DE TRABALHO. Tendo a Ação Civil Pública como causa de pedir
disposições trabalhistas e pedidos voltados à preservação do meio
ambiente de trabalho e, portanto, aos interesses dos empregados,
a competência para julgá-la é da Justiça do Trabalho (14).

Seguindo esse entendimento, em 9 de dezembro de 2003, foi publicada a Súmula


nº 736 do STF, definindo a competência de Justiça do Trabalho para julgar ações que
tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à
segurança, higiene e saúde do trabalhador (3). Finalmente, em 30 de dezembro de
2004, foi aprovada a Emenda Constitucional nº 45/04, denominada Reforma do Poder
Judiciário, que ampliou a competência constitucional da Justiça do Trabalho (artigo 114)
para apreciar as demandas decorrentes de toda espécie de relação de trabalho, não só
relação de emprego, o que caracterizou também o aumento da competência legitimada
do Ministério Público do Trabalho (3).
Com base nesse cenário, interessa, por meio da análise das sentenças judiciais
proferidas, identificar e caracterizar: (i) os fundamentos jurídicos das Ações Civis
Públicas impetradas pelo Ministério Público do Trabalho relacionadas à defesa da saúde
do trabalhador ou ambiente de trabalho no âmbito das varas trabalhistas; (ii) as
alterações promovidas pela EC 45/04 na atuação do MPT; e (iii) os resultados dessa
nova política em relação à proteção à saúde dos trabalhadores e ao ambiente de
trabalho.

Metodologia

Pesquisa qualiquantitativa de sentenças judiciais proferidas nas Ações Civis


Públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho, no âmbito das Varas
Trabalhistas da 10ª Região, que engloba a jurisdição do Distrito Federal e Tocantins,
relacionadas à defesa da saúde do trabalhador ou ambiente de trabalho, no período de
2000 a 2014.
A pesquisa deu-se por meio da coleta das sentenças no banco de dados
secundários no sitio eletrônico do Tribunal Regional da 10ª Região, de acesso livre e
gratuito, disponível na web no endereço www.trt10.jus.br.
Para selecionar as decisões judiciais de interesse à pesquisa foram utilizados os
procedimentos de busca do próprio banco de dados e, como argumento de pesquisa, as
expressões: ‘ação civil pública’ e ‘ministério público do trabalho’.
O procedimento, no entanto, mostrou-se insatisfatório, identificando um grande
número de documentos sem relação com o tema da pesquisa e obrigando à análise
individual das 3.480 sentenças trazidas como resultado da busca. Desse total, foram
excluídas as sentenças que não decorreram de Ação Civil Pública e aquelas que não
foram propostas pelo Ministério Público do Trabalho, resultando em 633 sentenças, as
quais foram objeto de estudo.
A análise incluiu a totalidade das sentenças proferidas nas Ações Civis Públicas
propostas pelo MPT e que tinham por objeto a proteção da saúde do trabalhador ou do
meio ambiente de trabalho.
Os dados coletados foram organizados em matrizes específicas, para análise do
conteúdo das sentenças, segundo a atividade econômica da empresa demandada, o
objeto da ação, as normas de saúde do trabalhador que fundamentaram a decisão
judicial, o deferimento ou não do pedido de antecipação dos efeitos da tutela, e
procedência ou não da ação, classificando-as ano a ano, considerando a data da
propositura da ação.

Resultados e discussão

Foram localizadas 633 sentenças proferidas em Ações Civis Públicas impetradas


pelo Ministério Público do Trabalho no período de 2000 a 2014, no âmbito das Varas
Trabalhistas do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, das quais 70,
correspondendo a 11,1%, relacionadas com as condições de meio ambiente de trabalho
e com a saúde do trabalhador (Tabela 1).
Tabela 1 – Ações Civis Públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho
(ACP/MPT): total de ações impetradas e quantidade e proporção (%) daquelas que
tratam de saúde do trabalhador e ambiente de trabalho, segundo o ano em que foram
propostas. Tribunal Regional da 10ª Região, Varas Trabalhistas, Brasília, 2000-2014.

Da análise do quantitativo de sentenças organizado por ano, verificou-se um


crescimento expressivo e sustentado do total de Ações Civis Públicas impetradas pelo
Ministério Público do Trabalho junto às Varas do Trabalho vinculadas à 10ª Região a
partir do ano de 2005, e o início da propositura de Ações Civis Públicas com temática
relacionada à tutela do meio ambiente de trabalho e à saúde do trabalhador em 2006,
com tendência ao crescimento progressivo do número de ações, em que pese uma
participação pouco expressiva dessa temática no conjunto total dessa modalidade de
ação, variando da ausência de ações com essa temática no período de 2000 a 2005, a
um pico de participação no ano de 2010, ocasião em que representou 19,5% das ações
interpostas pelo MPT (Gráfico 1).
Essa ascendência iniciada no ano de 2005 coincidiu com a ampliação da atuação
do Ministério Público do Trabalho em razão da instituição da Emenda Constitucional nº
45/04, que, como explicado, ampliou a competência constitucional da Justiça do
Trabalho, refletindo também no aumento da competência legitimada do Ministério
Público do Trabalho, bem como a definição do conflito de competência entre a Justiça
comum e a Justiça do trabalho, ocorrida em 2003, com a publicação da Súmula nº 736
do STF, esclarecendo a competência de Justiça do Trabalho para julgar ações que
tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à
segurança, higiene e saúde do trabalhador (3).

Gráfico 1 – Total de Ações Civis Públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho
(ACP/MPT) e ações que tratam de saúde do trabalhador e ambiente de trabalho,
segundo o ano em que foram propostas. Tribunal Regional da 10ª Região, Varas
Trabalhistas, Brasília, 2000- 2014.

Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região.

Feita a análise das características das Ações Civis Públicas propostas pelo
Ministério Público do Trabalho no período de 2006 a 2014, constatou-se que a atividade
econômica mais demandada no período fora a de construção civil e atividades
relacionadas a ela, correspondendo a 20% das demandas, o que aponta para um
comportamento reiterado de inobservância das normativas de segurança e saúde do
trabalhador por empresas de construção civil; seguido pelas empresas de transporte
urbano de passageiros, que participou com 11% das ações do MPT (Tabela 2).

As demais empresas demandadas apresentaram as seguintes atividades


econômicas: agropecuária; serviços; transporte aéreo e ferroviário; instituição bancária;
empresa transportadora de mercadorias; beneficiamento de frango; informática e
telemarketing; marmoraria; comércio varejista; vigilância patrimonial; posto de
combustível; metalúrgica e máquinas; sindicato de empregados; FIFA – Copa do Mundo
do Brasil, Sebrae, energia elétrica, prefeitura, fábrica de bebidas.
Quanto ao objeto específico da irregularidade apontada nessas Ações Civis
Públicas, predominaram os temas relacionados com extrapolação da jornada máxima de
trabalho permitida pela legislação, inobservância dos intervalos intrajornada e
interjornada, bem como período mínimo de descanso semanal remunerado, os quais
estavam presentes em 27,1% das ações (Tabela 3).
Tabela 3 – Ações Civis Públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho
(ACP/MPT) que tratam de saúde do trabalhador e ambiente de trabalho, segundo o
objeto da demanda. Tribunal Regional da 10ª Região, Varas Trabalhistas, Brasília, 2006-
2014
Objeto da demanda Nº %
Excesso de jornada de trabalho,
19
desrespeito intervalos obrigatórios
Condições das instalações sanitárias e de alimentação 15
Segurança de equipamentos e máquinas 13
Exposição insalubre sem EPIs 13
Segurança em canteiros de obra 11
Ausência de PCMSO e PPRA 9
Ergonomia e conforto 8
Assédio moral 7
Exposição a ruído sem proteção, sem monitorização audiométrica 5
Trabalho infantil / Condições análogas à de escravo 5
Maquinário seco em marmoraria 3
Exposição de gestantes e menores de 18 anos a agrotóxicos 2
Normas coletivas afrontando direitos constitucionais da saúde dos
2
trabalhadores
Transporte irregular de trabalhador 1
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região.

Em 21,4% dos casos, as demandas tratam da inadequação das condições das


instalações sanitárias e das condições de instalações para alimentação. A segurança de
equipamentos e máquinas e a exposição insalubre sem equipamentos de proteção
individuais constaram em 18,6% das ações, cada.
Os demais objetos assinalados como irregularidade nas condições de meio
ambiente de trabalho e saúde do trabalhador foram: segurança em canteiros de obra;
condições de ergonomia e conforto; assédio moral; exposição a ruído ocupacional acima
dos limites permitidos pela legislação brasileira sem a devida proteção individual ou
coletiva e sem monitorização dos níveis audiométricos dos trabalhadores como medida
preventiva do surgimento e agravamento de perda auditiva induzida por ruído
ocupacional; utilização de maquinário a seco em marmorarias, com exposição irregular
dos trabalhadores a sílica decorrente do corte a seco de pedras; além de transporte
irregular de trabalhadores, em desrespeito às regras de saúde e segurança ocupacional.
Considerando ainda que foram evidenciadas 113 infrações nas ações estudadas,
verificou-se a frequência média de 1,6 infrações por Ação.
Chamou à atenção a presença de registro de cinco ações demandando empresas
que, em pleno século XXI, ainda se utilizam de trabalho infantil, expõem trabalhadores a
condições análogas à de escravo, bem como duas ações com registro de exposição de
gestantes e menores de 18 anos a agrotóxicos.
Também causou assombro o acionamento de sindicatos de empregados que
firmaram Normas Coletivas com empregadores em afronta aos direitos constitucionais
garantidos aos trabalhadores relacionados à saúde e segurança dos trabalhado,
apontando que o próprio sindicato, que deveria atuar em defesa dos direitos e garantias
constitucionais dos empregados, firmou acordo coletivo com empregadores renunciando
a tais benefícios.
Quanto à análise das normas jurídicas que fundamentaram os pedidos feitos pelo
MPT e fundamentaram as sentenças proferidas, demonstra-se, por um lado, a riqueza
de normativas com que essas ações são fundamentadas e, por outro, densidade de
transgressões cometidas pelas empresas demandadas no que tange às normativas
relacionadas à saúde e segurança do trabalho, bem como o meio ambiente de trabalho
(Tabela 4).
Verificou-se que foram enumeradas transgressões trabalhistas em praticamente a
totalidade da legislação brasileira que trata do tema, com predomínio dos direitos
fundamentais registrados na Constituição Federal e da Norma Regulamentadora do
Ministério do Trabalho e Emprego nº 6, de 1978, que trata da obrigatoriedade do
fornecimento e utilização de equipamento de proteção individual adequado para o risco
ocupacional a que o trabalhador está exposto.
Assim, demonstra-se que a saúde do trabalhador encontra fundamento em todos
os níveis hierárquicos do sistema normativo brasileiro, perpassando a Constituição
Federal, Leis Federais, Portarias, Normas e Regulamentos, conferindo ampla gama de
proteção ao meio ambiente de trabalho e à saúde do trabalhador.
Adicionalmente, nota-se que, além das normativas tradicionalmente estudadas no
âmbito da saúde e segurança do trabalho e ambiente de trabalho, explanadas
inicialmente, outras normas também têm relação com critérios que devem ser
observados nessa temática, tal como se demonstra na tabela 4.
No entanto, observou-se que não foram referenciadas nas decisões analisadas
outras legislações do Direito Sanitário que também regulamentam a saúde do
trabalhador, tal como a Lei nº 5.321/14, que instituiu o Código de Saúde do Distrito
Federal e estabelece punições por infração sanitária; apontando para normativas que
também poderiam ser utilizadas nos fundamentos judiciais relacionados a esse tema.
Com relação aos resultados da análise da decisão em sede de pedido de
antecipação dos efeitos da tutela, restou deferida a antecipação em 50% da totalidade
das ACP. Porém, excluindo-se as 22 ações em que não consta, na sentença, registro de
pedido de tutela antecipada nem decisão nesse sentido, verifica-se que o deferimento
da antecipação ocorreu em 72,9% das ações, demonstrando a presença de fumaça do
bom direito e perigo da demora da manutenção da situação fática do meio ambiente de
trabalho e segurança e saúde do trabalhador descrita pelo MPT. Assim, somente em
27% das ações em que houve pedido de antecipação é que ocorreu o indeferimento da
tutela antes do julgamento da lide (Tabela 5).
Quanto à decisão de mérito da demanda, verificou-se que somente 20% das ações
propostas pelo MPT foram julgadas totalmente improcedentes, sendo que, somando-se
as ações julgadas procedentes (45,7%) com as que tiveram homologação de acordo
judicial feito entre o MPT e a empresa demandada (22,9%), obteve-se 68,6%,
demonstrando elevada taxa de êxito do MPT nas tutelas inibitórias relacionadas à saúde
e segurança do trabalhador (Tabela 6).

Tabela 6 – Ações Civis Públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho


(ACP/MPT) que tratam de saúde do trabalhador e ambiente de trabalho, segundo a
decisão de 1ª instância. Tribunal Regional da 10ª Região, Varas Trabalhistas, Brasília,
2006-2014

Decisão de 1ª instância Nº %
Procedente 32 45,7
Acordo homologado 16 22,9
Improcedente 14 20,0
Extinção sem resolução de mérito 5 7,1
Outros1 3 4,3
Total 70 100,0
Fonte: Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT).
1Pendente de julgamento, Incompetência territorial, Arquivado pela ausência do autor à audiência

Porém, em que pese a repercussão positiva da aprovação da Reforma do Poder


Judiciário (EC nº 45/04), que favoreceu o crescimento expressivo e sustentado das
Ações Civis Públicas propostas pelo MPT como verificado, notou-se que a curva
estatística de registros de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais publicadas
pelo Ministério do Trabalho e Emprego em conjunto com o Ministério da Saúde,
apresentou elevação sustentada nos anos de 2008, 2011, 2012 e 2013 no Distrito
Federal, conforme Gráfico 2 (10).
Ressalta-se que não foram localizados dados disponíveis no sitio pesquisado para
os anos anteriores a 2007, nem posteriores a 2013 (10).
Gráfico 2 – Incidência de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no Distrito
Federal. 2007-2013.

Fonte: Dataprev.

Assim, verifica-se que ainda é preciso fortalecer a atuação preventiva e repressiva


dos órgãos públicos, incluindo o MPT, com objetivo de conscientizar empregadores e
empregados acerca do cumprimento da legislação trabalhista, especialmente nos
aspectos relacionados à saúde do trabalhador e ambiente de trabalho saudável, com
objetivo de promover drástica redução desses índices de danos à saúde da população
trabalhadora (15).

Conclusão

Observou-se que a Reforma do Judiciário representou marco na atuação do


Ministério Público do Trabalho, por meio de tutelas inibitórias propostas contra empresas
transgressoras da legislação trabalhista, tendo sua aprovação, em dezembro de 2004,
sido seguida de crescimento expressivo e sustentado da quantidade de ações civis
públicas a partir do ano de 2005; bem como das ações que tratavam de preservação
ambiente de trabalho e saúde ocupacional a partir do ano de 2006.
O MPT se voltou especialmente às atividades econômicas de construção civil,
transporte urbano de passageiros e agropecuária, que juntas representaram 40% das
ações propostas no período de 2006 a 2014.
Os principais objetos de descumprimento da legislação trataram de excesso de
jornada de trabalho, desrespeito aos intervalos obrigatórios, condições das instalações
sanitárias, segurança de equipamentos e máquinas e exposição insalubre sem
equipamentos de proteção individual obrigatórios.
Ademais, notou-se a inobservância da quase totalidade das normas vigentes, o
que demonstra que a riqueza normativa sobre a temática estudada não garante seu
cumprimento com vista a um meio ambiente de trabalho saudável que preserve a saúde
do trabalhador.
O MPT obteve elevados índices de sucesso nas suas demandas, no período
estudado, com 72,9% dos pedidos de antecipação de tutela deferidos e 68,6% de êxito,
considerando as decisões procedentes e os acordos homologados.
No entanto, apesar da intensificação sustentada da atuação do MPT junto ao
Poder Judiciário após 2005, os índices de acidente de trabalho e doença ocupacional
mantêm curva ascendente no Distrito Federal, demonstrando a necessidade da
ampliação da atuação preventiva e repressiva de todos os órgãos responsáveis,
incluindo o MPT, com objetivo promover redução desses índices de danos à saúde da
população trabalhadora, que tomam a dimensão de problema de saúde pública.
7

RESUMO EXPANDIDO

AVALIAÇÃO DAS PRÁTICAS DE GESTÃO DE PESSOAS DA EMPRESA MH


CONSTRUÇÕES LTDA. COM ÊNFASE EM SEGURANÇA DO TRABALHO1

Maria Isabel Borges Matzembacher2;


Gustavo Arno Drews 3

1 Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado em Administração


2 Aluna do Curso de Graduação em Administração – UNIJUÍ. E-mail:
mabelmatzembacher@yahoo.com.br
3 Administrador pela UNIJUI. Mestrado em Administração: área gestão de pessoas,
pela UFRGS. Professor do Departamento de Ciências Administrativas, Contábeis,
Econômicas e da Comunicação da UNIJUI. Orientador deste TCC. E-mail:
gadrews@unijui.edu.br

Introdução

As Normas Regulamentadoras, populares como NRs, passaram a vigorar em 8 de


junho de 1978, pela Portaria nº 3.214, com a finalidade de esclarecer as condições
necessárias de saúde e segurança no trabalho, que são de observância obrigatória
nas organizações privadas e também nas públicas. Com o surgimento das mesmas,
pode-se ter respaldo legal para averiguar acidentes de trabalho, diminuir riscos e,
sobretudo, resguardar a integridade dos trabalhadores, por meio do controle de
doenças ocupacionais e da cultura da prevenção nas companhias.

No Rio Grande do Sul, segundo o Tribunal Regional do Trabalho – TRT (2014), em


2013 foram assinalados 55 mil acidentes e 166 mortes no Estado. Em todo o Brasil,
a média é de sete pessoas mortas diariamente em acidentes. A quantidade de
mortes caiu 3% no Estado em relação a 2011. Porém, apesar da redução, as
estatísticas ainda são tidas como alarmantes.

O fato real é ainda mais grave, porque a Previdência somente consegue anotar os
episódios de trabalhadores com carteira assinada, que representam 50% da
população economicamente ativa.

Neste contexto, surge a preocupação em avaliar as práticas de gestão de pessoas,


a fim de verificar a utilização dos Equipamentos de Proteção Individual – (EPI´s) e
Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC’s), pelos trabalhadores da construção civil
da empresa MH Construções Ltda., evidenciando a existência ou não de uma
consciência sobre a importância do uso destes equipamentos.

O objetivo geral do estudo é verificar se as atuais práticas de gestão de pessoas


estão produzindo uma consciência nos trabalhadores da construção civil da empresa
MH Construções Ltda., com vistas a resultados efetivos, em termos de segurança no
trabalho.

Apresenta-se a metodologia, os resultados e discussões da pesquisa e, após, as


conclusões.
Metodologia

O presente trabalho trata de um estudo de revisão bibliográfica, descritivo,


exploratório e pesquisa de campo. Segundo Cervo, Bervian e da Silva (2007, p. 61),
"a pesquisa bibliográfica se constitui em um procedimento básico, pelos quais se
busca o domínio do estado da arte sobre certo tema". Em relação à pesquisa
descritiva, para os mesmos autores, este tipo de pesquisa "ocorre quando se
registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos, sem manipulá-los" (p. 79). Para
a fundamentação teórica, valeu-se da confrontação da ideia de autores que versam
sobre o tema, entre livros, artigos, revistas e fontes eletrônicas. O estudo de caso foi
realizado na empresa MH Construções Ltda., ramo da construção civil, do município
de Giruá, interior do Estado do Rio Grande do Sul.

Os sujeitos da pesquisa foram os 34 funcionários e dois gestores da empresa. A


amostra aconteceu com 23 funcionários, que estavam presentes nos canteiros de
obras e no escritório no momento da distribuição da pesquisa.

O processo de coleta de dados, no primeiro momento, foi realizado através de


entrevistas pessoais com os dirigentes da empresa: o engenheiro civil e o
coordenador de obras. Posteriormente, foram entregues os questionários,
respondidos pelos funcionários do escritório da empresa.

Resultados e Discussões

Com base em todas as respostas, percebe-se que o ponto mais fraco em relação à
segurança no trabalho é a falta de informação clara para os trabalhadores. A
empresa fornece instruções sobre segurança do trabalho, bem como equipamentos
de proteção individual e coletivos, organização do canteiro de obra de acordo com
as normas e sinalização de riscos eminentes, entretanto, os funcionários não são
conscientes completamente sobre suas responsabilidades com a segurança e
higiene no trabalho.

A empresa introduz a segurança no trabalho aos seus funcionários, entretanto não é


100% eficaz, pois mesmo que em número pequeno, existem funcionários sem
treinamento. Mas, é grande o percentual (65%) que não participou de cursos
profissionalizantes sobre segurança no trabalho.

A maioria (100%) entende que a utilização do EPI previne acidentes; entretanto,


outros aspectos importantes como diminuição de exposição ao risco, respeitar
sinalizações existentes de risco e busca de informações sobre o modo de utilização
dos EPI’s são realizados por uma pequena parcela dos entrevistados.

Sobre a sua responsabilidade em relação à segurança no trabalho, a maioria: 47%


dos funcionários responderam que entendem como sua responsabilidade usar os
EPI´s e EPC´s.

Os funcionários têm dificuldade em se adequar a usar os equipamentos de


segurança. Muitas vezes o trabalhador não considera as instruções de segurança
importantes ou acham incômodo seguir as normas de segurança e o uso de EPI’s.
Com isso, a empresa e o empregado são prejudicados, pois há um aumento de
acidentes, expondo os funcionários a riscos.

Conclusão

Concluiu-se que as atuais práticas de gestão de pessoas não estão produzindo uma
consciência nos trabalhadores da construção civil da empresa MH Construções
Ltda., com vistas a resultados efetivos em termos de segurança no trabalho.

Os dispositivos de segurança convêm para paralisar a ação dos agentes ambientais,


impedindo acidentes, resguardando contra detrimentos à saúde e a integridade
física dos funcionários, porque o local de trabalho não pode oferecer riscos à saúde
ou à segurança do colaborador. Porém, as enfermidades que ocorrem pela não
utilização dos equipamentos apropriados é, muitas vezes, desconhecidas pelo
trabalhador.

Ficou notório que é necessário um maior treinamento, para conscientizar os


funcionários sobre os riscos que eles encaram diariamente no canteiro de obras, já
que a segurança do trabalho como utensílio de prevenção de acidentes na
organização é um dos fatores decisivos no aumento da produção. Um acidente de
trabalho pode se tornar uma condição muito negativa no processo produtivo.
10

INTRODUÇÃO

A indústria da construção civil é caracterizada por apresentar diversas


peculiaridades nas atividades que desenvolve como a alta rotatividade e a baixa
qualificação da mão-de-obra, associada à falta de treinamentos que colaboram para
que o setor apresente uma taxa elevada de acidentes de trabalho.
As Normas Regulamentadoras, populares como NRs, passaram a vigorar em
8 de junho de 1978, pela Portaria nº 3.214, com a finalidade de esclarecer as
condições necessárias de saúde e segurança no trabalho, que são de observância
obrigatória nas organizações privadas e também nas públicas. Com o surgimento
das mesmas, pode-se ter respaldo legal para averiguar acidentes de trabalho,
diminuir riscos e, sobretudo, resguardar a integridade dos trabalhadores, por meio
do controle de doenças ocupacionais e da cultura da prevenção nas companhias.
No Rio Grande do Sul, segundo o Tribunal Regional do Trabalho – TRT (2014),
em 2013 foram assinalados 55 mil acidentes e 166 mortes no Estado. Em todo o
Brasil, a média é de sete pessoas mortas diariamente em acidentes. A quantidade
de mortes caiu 3% no Estado em relação a 2011. Porém, apesar da redução, as
estatísticas ainda são tidas como alarmantes. O fato real é ainda mais grave, porque
a Previdência somente consegue anotar os episódios de trabalhadores com carteira
assinada, que representam 50% da população economicamente ativa.
Neste contexto, surge a preocupação em avaliar as práticas de gestão de
pessoas, a fim de verificar a utilização dos Equipamentos de Proteção Individual –
(EPI´s) e Equipamentos de Proteção Coletiva (EPC’s), pelos trabalhadores da
construção civil da empresa MH Construções Ltda., evidenciando a existência ou
não de uma consciência sobre a importância do uso destes equipamentos.
O trabalho está estruturado em quatro capítulos, sendo o primeiro a
contextualização com apresentação do tema, problema, objetivos, e a justificativa. O
segundo capítulo traz o referencial teórico sobre o assunto abordado. O terceiro
capítulo apresenta toda a metodologia a ser utilizada no desenvolvimento, incluindo
a classificação da pesquisa, os sujeitos/participantes da pesquisas, a coleta de
dados e a análise e interpretação dos dados. O quarto capítulo apresenta a
caracterização da organização e os resultados da pesquisa. Após, dispõe-se a
conclusão.
11

1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO

Para analisar e estudar um tema, é necessário abordar os conteúdos, de


forma a situar os fatos e acontecimentos que apresentam maior relevância no
contexto. Sendo assim, neste capítulo, é apresentada a delimitação do tema, a
caracterização da organização, a questão de estudo, os objetivos delineados e a
justificativa, como forma de oportunizar um entendimento adequado da pesquisa.

1.1 EXPOSIÇÃO DO TEMA

O uso dos Equipamentos de Proteção Individual encontra-se previsto nas Leis


de Consolidação do Trabalho (CLT) e descrito pela Norma Regulamentadora 6 do
Ministério do Trabalho e Emprego, sendo o mesmo obrigatório, segundo a legislação
vigente.
O órgão regional do MTE, conforme a NR-6, tem o dever de fiscalizar e
orientar quanto ao uso adequado e a qualidade do EPI’s; recolher amostras de
EPI’s, e aplicar, na sua esfera de competência, as penalidades cabíveis pelo
descumprimento desta norma.
Segundo a Portaria nº 3.214/78, com última alteração pela portaria nº 292 de
2011, o EPI é “(...) todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo
trabalhador destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a
saúde no trabalho”.
A construção civil é um ramo da indústria que absorve trabalhadores com
baixo índice de instrução formal, o que muitas vezes ocasiona o não entendimento e
a resistência em aceitar novas regras de conduta no trabalho, dificultando, desta
forma, a implantação eficaz dos programas de treinamento de acidentes de trabalho.
Neste contexto, surge a ideia de verificar a utilização dos Equipamentos de Proteção
Individuais e Coletivos pelos trabalhadores da construção civil da empresa MH
Construções Ltda., no município de Giruá, evidenciando a existência ou não de uma
consciência sobre a importância do uso dos EPI´s e EPC’s, confrontando com a
norma NR6, da portaria nº 3.214/78, do Ministério do Trabalho, que rege o uso
destes equipamentos.
Esta análise objetiva fundamentar, teoricamente, a importância da
qualificação da mão-de-obra dos colaboradores da construção civil de Giruá. A MH
Construções Ltda. enquadra-se neste cenário, porém busca através de treinamentos
realizados pela empresa Serplamed qualificar seus colaboradores em relação ao
uso dos Equipamentos de Segurança, atendendo NR-6 da Portaria 3214/78, da
Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho do Ministério do Trabalho.
Sendo assim, o tema deste trabalho está direcionado para verificar se as
atuais práticas de gestão de pessoas estão produzindo uma consciência nos
trabalhadores da construção civil da empresa MH Construções, com vistas a
resultados efetivos, em termos de segurança no trabalho.

1.2 PROBLEMA

Diante do exposto, o problema da pesquisa se volta para o seguinte


questionamento: As atuais práticas de gestão de pessoas estão produzindo uma
consciência nos trabalhadores da construção civil da empresa MH Construções
Ltda., com vistas a resultados efetivos em termos de segurança no trabalho?

1.3 OBJETIVOS

Este trabalho tem como objetivo geral verificar se as atuais práticas de gestão
de pessoas estão produzindo uma consciência nos trabalhadores da construção civil
da empresa MH Construções Ltda., com vistas a resultados efetivos, em termos de
segurança no trabalho.
A partir do objetivo geral, têm-se os seguintes objetivos específicos:
Verificar as atuais práticas de gestão de pessoas na MH Construções
orientadas para a segurança do trabalho;
Identificar as percepções dos trabalhadores da MH Construções em
relação às práticas de gestão de pessoas voltadas para a segurança do
trabalho;
Analisar os resultados, buscando a identificação dos pontos fortes e fracos
e a partir de então apresentar proposta para solução das não
conformidades.
1.4 JUSTIFICATIVA

Através deste trabalho, há uma ênfase na valorização do trabalhador, por


meio de uma formação eficaz da mão-de-obra, através do treinamento para o uso
dos EPI’S e EPCs, que permita não apenas melhores condições de trabalho e de
segurança, mas também um aumento sensível da produtividade e qualidade em
benefício de todos, dotando seus funcionários de capacidade para a realização de
seu trabalho, de forma consciente e organizada.
Robbins (2002, p. 469) comenta que: "A maioria dos treinamentos visa à
atualização e ao aperfeiçoamento das habilidades técnicas dos funcionários".
Percebe-se que o treinamento pode trazer um grande retomo para o profissional e
para a empresa, pois um profissional bem mais qualificado terá uma motivação
maior e o seu resultado na execução das tarefas será maior e mais produtivo,
consequentemente a maior produtividade do empregado poderá contribuir
efetivamente para os resultados da organização.
Entende-se que treinamento tem como finalidade melhorar desenvolvimento
profissional do colaborador na organização, no desempenho das suas funções além
de visar o aperfeiçoamento das habilidades e dos conhecimentos (BOOG, 1999,
p. 15). Percebe-se que o treinamento pode trazer um grande retomo para o
profissional e para a empresa, pois um profissional bem mais qualificado terá uma
motivação maior na execução das tarefas, e tendo como consequencia maior
produtividade do empregado, onde contribuirá efetivamente para os resultados da
organização.
Como já comentado, os dados estatísticos de acidentes de trabalho dos
últimos anos, divulgados pelo Ministério da Previdência Social indicam que há um
aumento na quantidade desses acidentes ano após ano. Os dados são alarmantes,
sobre trabalhadores que não retornam ao trabalho por acidentes (TRT, 2014). Esses
números que assustam a sociedade a cada ano podem ser reduzidos, pois os dias
atuais têm a tecnologia a favor para proporcionar meios, técnicas e ações para
reduções para acidentes. Mas, esse problema pode ser amenizado usando-se as
ferramentas de prevenção, que são os programas PCMSO, PPRA.
Neste estudo, optou-se por avaliar a gestão de pessoas da empresa MH
Construções Ltda., voltada para a segurança do trabalho, a fim de, através do uso
dos EPI´s pelos funcionários da MH Construções Ltda., possibilitar uma forma de
qualificação dos colaboradores para melhorar a qualidade de vida e saúde dos
mesmos, diminuindo os riscos de acidentes e incidentes de trabalho na empresa,
proporcionando maior segurança para os empregados e gestores e melhor
qualidade de vida para as famílias.
Justifica-se, também, a escolha deste tema como forma de aplicar os
conhecimentos adquiridos durante a formação acadêmica na Unijuí, no curso de
Administração, de forma mais eficiente, eficaz e efetiva através do planejamento e
da elaboração do trabalho.
15

2 REFERENCIAL TEÓRICO

O referencial teórico apresenta a revisão da literatura, a qual se fez


necessária para o embasamento teórico do conteúdo, sendo abordados os principais
conceitos e explanação sobre o tema proposto da pesquisa.
Será apresentada uma abordagem conceitual para a gestão de pessoas; os
processos de gestão de pessoas, com ênfase na segurança do trabalho, incluindo
os processos de agregar, aplicar, recompensar, desenvolver, manter e monitorar
pessoas.

2.1 CONCEITO DE GESTÃO DE PESSOAS

De acordo com Chiavenato (2010, p. 8):

A gestão de pessoas é uma área muito sensível à mentalidade que


predomina nas organizações. Ela é extremamente contingencial e
situacional, pois depende de vários aspectos, como a cultura que existe em
cada organização, da estrutura organizacional adotada, das características
do contexto ambiental, do negócio da organização, da tecnologia utilizada,
dos processos internos, do estilo de gestão utilizado e de uma infinidade de
outras variáveis importantes.

Chiavenato (2004, p. 30) refere que a gestão de pessoas:

[...] define-se como um conjunto de estratégias, técnicas e procedimentos


focados na mobilização de talentos, potenciais, experiências e
competências do quadro de colaboradores de uma organização, bem como
a gestão e a operacionalização das normas internas e legais incidentes.

O papel da gestão de pessoas é, de algum modo, dar enfoque aos


trabalhadores para que os mesmos alcancem todas as qualidades favoráveis para
elevar ao máximo suas forças de produtividade e apresentar para a empresa o
retorno aguardado.

2.2 PROCESSOS DE GESTÃO DE PESSOAS

Segundo Harrington (apud Gonçalves, 2000, p. 13), "os processos utilizam os


recursos da organização para oferecer resultados objetivos aos seus clientes".
Chiavenato (2004, p. 10) delibera que a gestão de pessoas nas empresas "é a
função que permite a colaboração eficaz das pessoas, empregados, funcionários,
recursos humanos ou qualquer denominação utilizada- para alcançar os objetivos
organizacionais e individuais".
Há seis processos fundamentais da gestão de pessoas, segundo Chiavenato
(1999, p. 294): "processo de agregar pessoas, processo de aplicar pessoas,
processo de recompensar pessoas, processo de desenvolver pessoas, processo de
manter pessoas e processo de monitorar pessoas".
Todos esses processos estão intimamente relacionados entre si, de tal
maneira que se interpretam e se influenciam reciprocamente, que serviram de base
para a formulação dos formulários de pesquisa para os gestores e colaboradores da
MH Construções Ltda.
Assim, segundo Chiavenato (2005), é possível sistematizar o processo de
gestão de pessoas como o conjunto articulado, conforme Figura 1, abaixo.

Figura 1: Esquema do processo de gestão de pessoas

Fonte: Chiavenato (2005)

Estes processos, citados acima, formam o embasamento para o


desenvolvimento da política de gestão de pessoas. Conforme Malik (1996),
compreende-se que esta trata com e de indivíduos, possuindo um elemento legal e
institucional, regulado por leis e regras, de maneira objetiva, além de componentes
subjetivos, levando-se em conta as relações interpessoais.

2.2.1 Processo de Agregar Pessoas

Os processos de agregar pessoas formam o ingresso dessas na empresa,


são as portas de ingresso, que são acessíveis somente para pretendentes em
condições de ajustar suas peculiaridades e aptidões particulares às características
dominantes na companhia. O processo seletivo nada mais é do que a procura de
ajustamento entre aquilo que a empresa ambiciona e aquilo que os indivíduos
oferecem. De acordo com Chiavenato (2004, p. 98): "Mas não são apenas as
organizações que selecionam. As pessoas também escolhem as organizações onde
pretendem trabalhar".
Para Chiavenato (2008), o recrutamento é peça integrante do processo de
agregar pessoas à empresa. É formado pelas ofertas de chances de trabalho
oferecidas pelas empresas e é influenciado por muitos fatores, podendo mostrar
circunstâncias que mudam da oferta à procura de emprego.
Conforme Chiavenato (2008, p. 132),

As organizações estão agregando novas pessoas para integrar seus


quadros, seja para substituir funcionários que se desligam, seja para
ampliar o quadro de pessoal em épocas de crescimento e expansão.
Quando elas perdem colaboradores e precisam substituí-los ao quando
crescem e sua expansão requer mais pessoas para trocar as atividades;
elas ativam o processo de agregar pessoas.

Ainda, para Chiavenato (2008, p. 100),

Os processos de agregar pessoas consistem em rotas de ingresso das


pessoas nas organizações. Representam as portas de entrada que são
abertas apenas para os candidatos capazes de ajustar suas características
e competências pessoais com as características predominantes na
organização.

Nessa conjuntura, o recrutamento representa o conjugado de atividades


delineadas para seduzir candidatos qualificados para uma empresa. O recrutamento
de pessoal
[...] é um conjunto de técnicas e procedimentos que visa a atrair candidatos
potencialmente qualificados e capazes de ocupar cargos dentro da
organização. É basicamente um sistema de informação, por meio do qual a
organização divulga e oferece ao mercado de recursos humanos as
oportunidades de emprego que pretende preencher (CHIAVENATO, 2008,
p. 115).

Santos (2009) explica que o recrutamento pode ocorrer de duas maneiras: o


recrutamento interno e recrutamento externo. O interno é realizado por meio da
publicação da vaga aos trabalhadores que já operam na empresa, oferecendo a
chance de promoção ou transferência, causando oportunidade de crescimento. E, o
recrutamento externo é a exposição da vaga ao público em geral, através de
cartazes, internet, jornais, agências de emprego e até rádio, permitindo a
participação da sociedade em geral.
De acordo com Malik (1996), a Integração, ambientação e socialização dos
novos colaboradores são feitas em união com as direções e comandos imediatos,
ficando estes últimos com o encargo de realizar a inclusão do novo funcionário no
local de trabalho e são programas intensivos de treinamento inicial reservados aos
novos componentes da empresa, para familiarizá-los com a linguagem habitual da
companhia, com os usos e costumes internos (cultura empresarial), a estrutura de
organização (as áreas ou departamentos), os produtos e serviços fundamentais, a
missão da empresa e os objetivos organizacionais.

2.2.2 Processo de Aplicar Pessoas

O processo de aplicar pessoas, segundo Chiavenato (2008), determina que,


quando recrutadas e selecionadas, os indivíduos precisarão ser agregados à
empresa, distribuídos em seus atinentes cargos e afazeres, e analisados quanto ao
seu desempenho. Esse processo determina como modelar as atividades que os
colaboradores irão cumprir na empresa, seguir e nortear sua performance e
potencial.
Chiavenato (2008) também afirma que os cargos delineiam as funções,
serviços e responsabilidades e as exigências necessárias que o ocupante do mesmo
precisa possuir para subsidiar a edificação de um plano de cargos e salários, quer
dizer, o valor dos salários, que terão que ser ajustados com a estrutura de cargos da
organização, seus subsistemas de base, planejamento, higiene, garantia e qualidade
de vida e remuneração.
A descrição de cargo é o procedimento que incide em resumir e uniformizar,
através de estudo, observação e redação, os componentes e peculiaridades que
formam o perfil de um cargo. Para Marras (2005, p. 69), "[...] trata-se da fixação de
toda a tecnologia da mão-de-obra de uma organização, tarefa por tarefa, cargo por
cargo, detalhando os principais requisitos exigidos ao ocupante para que execute
suas funções de maneira eficiente e eficaz".
A descrição de cargos, conforme Chiavenato (2004), é o detalhamento das
pertinências ou serviços do cargo (o que o ocupante realiza), a periodicidade do
desempenho (quando faz), os métodos usados para execução dessas tarefas (como
faz), as finalidades do cargo (por que pratica).
Além de historiar os serviços que abrangem um cargo, a descrição registra a
avaliação dos muitos requisitos solicitados pelo cargo. Nas palavras de Marras
(2000, p. 97) são eles: "escolaridade, experiência, responsabilidades, condições de
trabalho, complexidade das tarefas, conhecimentos, entre outros".
Entre muitos nomes, Ribeiro (2006, p. 62) resume que,

[...] a avaliação de desempenho nada mais é do que o momento em que


ocorre o feedback entre empresa e funcionário onde o indivíduo toma
conhecimento de como está sendo visto seu trabalho, possibilitando que o
gerente relate todas as realizações e seus pontos positivos, sem deixar de
estabelecer novos desafios e identificar pontos a melhorar quando
necessário.

No processo de avaliação de desempenho, assim como o avaliador, o


avaliado tem que ter um entendimento comum do que é o comportamento
aguardado. Isso insinua, segundo Maximiano (1995, p. 441) "a necessidade de se
especificarem objetivos e explicar os passos a serem dados para alcançá-los".

2.2.3 Processo de Recompensar Pessoas

Os processos de recompensar são usados para motivar e incitar os indivíduos


e satisfazer suas precisões particulares. Conforme Chiavenato (2008), nesses
processos, podem ser encontradas as atividades de salário e remuneração. As
empresas estão pagando os trabalhadores pelos resultados conseguidos. Os frutos
são rateados entre a empresa e quem que auxiliou a alcançá-los. Dito de outra
forma, é um afazer de grupo, na procura do bem comum, ganhando ou perdendo,
receita e prejuízo são divididos.
O salário é um processo estratégico no setor de recursos humanos. Os
indivíduos possuem necessidade não apenas de um bom salário, porém também de
elogios, de serem lembrados, notados. Uma das maiores dificuldades da gestão de
pessoas é o assunto da rotatividade, a oferta de melhoramentos, além da
remuneração é uma estratégia que pode beneficiar as políticas de valorização e
posse de profissionais. Em relação aos objetivos não serem conseguidos, os
indivíduos possuem esperanças de crescimento e, de acordo com Sievers (apud
Pereira, 2008, p. 45), "é fundamental elas saberem onde estão e o que precisam
agregar em termos de atitudes, conhecimento e qualificação para terem
oportunidades dentro da organização”.

2.2.4 Processo de Desenvolver Pessoas

Segundo Chiavenato (2008), no processo de desenvolver pessoas, a área de


gestão de pessoas procura conservar o desenvolvimento do empregado, tanto para
seu campo de atuação como para presumíveis áreas de crescimento profissional,
mas o processo de desenvolvimento de pessoas abarca temas como preparação de
lideranças, administração de aprendizagem, novos talentos e do aprendizado
empresarial.
São os processos aproveitados para habilitar e aumentar o desenvolvimento
profissional e individual. Chiavenato (2008) afirma que eles abrangem treinamento e
desenvolvimento dos indivíduos, programas de alterações e desenvolvimento de
carreiras e programas de comunicação e conformidade. O treinamento é apontado
para o hoje, focalizando a função atual e procurando melhorar as aptidões
relacionadas com o desempenho imediato do cargo. Por sua vez, o desenvolvimento
foca os cargos a serem preenchidos no futuro na empresa e as novas habilidades
que serão solicitadas.
Conforme Ribeiro (2006), normalmente, as organizações ainda não enfrentam
o âmbito dos recursos humanos como uma área-chave. Em diversas empresas, ela
é entendida como departamento de pessoal, fundamentalmente burocrática e longe
dos objetivos da empresa. O uso do plano de treinamento bem elaborado mostra o
modo de habilitar os indivíduos, em relação às capacidades existentes na
companhia, aumentando o potencial intelectual da mesma, onde existirão sujeitos
em condições de levar avante as metas empresariais determinadas. Deste modo,
torna-se viável identificar as necessidades que os trabalhadores possuem e
implementar programas de treinamento que possibilitem acabar com as deficiências
do ambiente de trabalho.

2.2.4.1 A Capacitação dos Funcionários em Termos de Segurança

Entre as normas publicadas pela portaria n° 3.214 (1978), a área da


construção civil foi contemplada com a Norma Regulamentadora nº 18, com o título
de Obras de Construção Demolição e Reparos. Ela trata das normas para
prevenção de acidentes, dentro da construção civil. Contudo, essa norma foi
reformulada e proclamada no ano de 1995, por meio de uma nova Portaria em que
passou a ser popular por Condições e Meio Ambiente de Trabalho da Indústria da
Construção Civil.
O que traz alicerce jurídico à existência da referida NR, é o artigo 200, inciso I
da CLT, com a finalidade de implementação de medidas de controle e sistemas
preventivos de segurança nos processos da indústria da construção. De acordo com
Koschek, Wolfart e Polacinski (2012), a Norma 18 decreta a laboração do PCMAT
(Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção
Civil), que é um programa elaborado e executado por profissional credenciado no
campo da segurança do trabalho, determinando as condições de segurança do
trabalho para obras e atividades incluídas na construção civil, no intuito de
preservação da saúde e da integridade física de todos os colaboradores.
Saraiva (2010), ensina que o PCMAT é um programa, e possui a finalidade de
diminuir os acidentes e a incidência de enfermidades ocupacionais na construção
civil. Deste modo, fica impedido o ingresso ou a conservação de funcionários no
canteiro de obras, sem que esteja garantido o cumprimento de medidas previstas na
norma e a elaboração e o cumprimento do PCMAT em organizações com 20 ou
mais trabalhadores, precisando ser conservado no canteiro de obras a que se refere
à disposição dos órgãos de fiscalização.
2.2.4.2 Treinamento

O treinamento era, outrora, visto somente como uma maneira de adaptar o


indivíduo ao seu cargo; atualmente, tornou-se um modo de melhorar o seu
desempenho. Chiavenato (2004a, p. 339), complementa: “o treinamento é
considerado um meio de desenvolver competências nas pessoas para que se
tornem mais produtivas, criativas e inovadoras, a fim de contribuir melhor para os
objetivos organizacionais”.
O treinamento é um estabelecimento essencial na administração
organizacional. Essa função generalizadamente notória se deve à relação entre
aptidão e otimização de resultados, já ressaltada nos primórdios do sistema de
fábrica. Segundo Boog (1999, p. 17) "[...] e que coloca a competência profissional
como elemento-chave da eficácia empresarial. Para atender a essa nova demanda,
o treinamento começou a ser sistematizado".
Para Boog (1999), o treinamento, se bem deliberado, é adequado para o
desenvolvimento educacional da organização. Nele, os indivíduos aprendem e
aplicam seus conhecimentos, no intuito de alcançar objetivos específicos e
predefinidos de interesse recíproco.
Nas palavras de Chiavenato (1999, p. 294),

[...] a conceituação de treinamento apresenta significados diferentes.


Antigamente alguns especialistas em RH consideravam o treinamento um
meio para adequar cada pessoa ao seu cargo e desenvolver a força de
trabalho da organização a partir dos cargos ocupados. Mais recentemente
passou-se a ampliar o conceito, considerando o treinamento um meio para
alavancar o desempenho no cargo. Quase sempre o treinamento tem sido
estendido como o processo pelo qual a pessoa é preparada para
desempenhar de maneira excelente as tarefas específicas do cargo que
deve ocupar. Modernamente, o treinamento é considerado um meio de
desenvolver competências nas pessoas para que elas tornem-se mais
produtivas, criativas e inovadoras, a fim de contribuir melhor para os
objetivos organizacionais, e cada vez mais valiosas. Assim o treinamento é
uma fonte de lucratividade ao permitir que as pessoas contribuam
efetivamente para os resultados do negócio.

O treinamento é analisado como uma maneira de desenvolver aptidões nos


sujeitos para que eles venham a ser mais produtivos, criativos e inovadores, para
colaborar melhor para os objetivos empresariais, e torná-los cada vez mais
preciosos. Desta forma, Chiavenato (1999, p. 294) assegura que "o treinamento é
uma fonte de lucratividade, ao permitir que as pessoas contribuam efetivamente
para os resultados do negócio".

2.2.4.3 Ciclo do Treinamento

Tão significativo quanto elaborar o treinamento e o mesmo ser ministrado, é a


análise dos resultados alcançados com este treinamento. O treinamento, deste
modo, vem a ser um ciclo de retroalimentação. Para Chiavenato (2010, p. 499), “O
processo de treinamento assemelha-se a um modelo de sistema aberto, cujos
componentes são: entrada, processo, saída e retroação”.
Este ciclo, então, se divide em quatro etapas. Segundo Chiavenato (2010), a
primeira é a “Entrada”, onde se tem os indivíduos a serem treinados e a união de
todos os recursos empresariais que cabem ao treinamento. A segunda etapa é o
“Processo”, que abarca os programas de treinamento da organização e os
processos de aprendizagem de cada sujeito, é onde o treinamento é planejado e
elaborado. A fase seguinte é a “Saída”, quer dizer, o conhecimento obtido, as
atitudes e capacidades absorvidas após recebido o treinamento. E, finalmente, uma
das fases mais importantes deste processo, a “Retroação”, onde existe a análise dos
resultados alcançados com o treinamento, onde a companhia descobre os concretos
efeitos e benefícios do investimento. A Figura 2 procura esquematizar esses
conceitos.

Figura 2: Ciclo geral do treinamento

Fonte: Chiavenato (2010)


2.2.5 Processo de Manter Pessoas

Segundo Chiavenato (2008), além de recrutar, selecionar, pagar e


desenvolver seus funcionários, as organizações possuem a necessidade de
conservar esse recurso humano trabalhando para ela, quer dizer, a companhia tem
que desenvolver todos os processos iniciais, sustentando esses trabalhadores
satisfeitos com a empresa, em longo prazo.
O mesmo autor afirma que esse processo tem o intuito de conservar os
trabalhadores satisfeitos e motivados, e necessitam trabalhar unidos a cuidados
especiais, como, estilos de gerência, programas de higiene e segurança do trabalho
que garantam a qualidade de vida na empresa.
Os processos de conservação são usados para criar condições ambientais e
psicológicas satisfatórias para as atividades dos indivíduos. Chiavenato (2008)
garante que eles incluem administração da disciplina, higiene, segurança e
qualidade de vida e manutenção de relações sindicais.

2.2.5.1 Segurança do Trabalho

De acordo com Marques (2005), a atividade de higiene do trabalho, no


enquadramento da administração de recursos humanos engloba um rol de regras e
procedimentos, observando, fundamentalmente, o acautelamento da saúde física e
mental do funcionário, tentando poupá-lo dos riscos de saúde relacionados com o
cumprimento de suas funções e com o ambiente físico onde o trabalho é feito.
Entre os objetivos da higiene do trabalho, destacam-se, conforme Marques
(2005, p. 37):

a) eliminação das causas das doenças;


b) Redução dos efeitos prejudiciais provocados pelo trabalho em pessoas
doentes ou portadoras de necessidades especiais;
c) Prevenção do agravamento de doenças e de lesões;
d) Manutenção da saúde dos trabalhadores e aumento da produtividade por
meio de controle do ambiente de trabalho.

Para Chiavenato (1999), a higiene do trabalho se relaciona a um conjugado


de regras com ações com o propósito da proteção da integridade física e mental do
colaborador, precavendo-o dos riscos de saúde próprios dos afazeres da função e
ao ambiente físico onde são realizados.
Conforme Marques (2005), a segurança no trabalho é assinalada como
sendo um conjunto de medulas técnicas, educativas, médicas e psicológicas usadas
para impedir acidentes, quer extirpando a condição insegura do ambiente quer
informando ou persuadindo os indivíduos de exercícios preventivos.
Segundo o mesmo autor, a segurança do trabalho, como utensílio de
prevenção de acidentes na organização, precisa ser levada em conta,
simultaneamente, como um dos fatores cruciais do acréscimo da produção.
Considerando-se que esses acidentes cumprem uma condição muito negativa no
processo produtivo, causando perdas totais ou parciais da habilidade humana de
trabalho e de equipamentos, utensílios, faz-se a relação direta da importância e do
alcance da segurança no trabalho.
O Ministério da Previdência Social define, de acordo com Brasil (1991, art.
19), que

[...] acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço


da empresa, ou pelo exercício do trabalho do segurado especial,
provocando lesão corporal ou perturbação funcional, de caráter temporário
ou permanente.

Para apresentar efeitos positivos, o cumprimento das regras da Portaria n°


3.214 (1978), que é obrigatório para as empresas privadas e para as públicas, Pinto
Filho (2008, p. 3) define muito bem quando profere que “a prevenção aos acidentes
é a ferramenta mais importante para evitar a incapacitação de milhares de
trabalhadores”.
A saúde e segurança dos colaboradores da empresa formam um dos
alicerces fundamentais para a precaução da força de trabalho apropriada. O Portal
Educação (2013) refere que, de forma genérica, higiene e segurança do trabalho
instituem duas atividades fortemente relacionadas, em relação a assegurar
condições individuais e materiais de, em condições de conservar certo grau de
saúde dos funcionários.
Nas palavras de Zocchio (1980, p. 17),
Segurança do trabalho é um conjunto de medidas técnicas, administrativas,
educacionais, médicas e psicológicas aplicadas para prevenir acidentes nas
atividades das empresas. Indispensáveis à consecução plena de qualquer
trabalho, essas medidas têm por finalidade evitar a criação de condições
inseguras e corrigi-las quando existentes nos locais ou meios de trabalho,
bem como preparar as pessoas para a prática de prevenção de acidentes.

À maior parte das construtoras e empreiteiras não dá muito valor para a


segurança do trabalho, porque crê que não é preciso um grande investimento
quando o trabalhador não se empenha na organização, propendendo somente à
remuneração mensal. Isso acontece, conforme De Cicco et al. (1982), pela grande
rotatividade da mão-de-obra da construção civil.
Segundo De Cicco et al. (1982, p. 10),

[...] Essa tendência de mudar de emprego, que converteu muitos operários


da construção civil em verdadeiros nômades, é ainda maior nos períodos de
pleno emprego, ou seja, quando os trabalhadores têm a segurança de
encontrar outra colocação, sem dificuldades.

Assim, na opinião de De Cicco et al. (1982), a organização e o funcionário são


prejudicados, porque existirá um acréscimo de danos, causando o afastamento do
colaborador, que não trabalhará, podendo até ficar inválido ou, até, perder a vida.
Há um enorme problema para implementar a segurança do trabalho, de
acordo com a CLT (1943, art. 158, § único, alínea “b”), sobretudo pela mentalidade
do funcionário, que diversas vezes não atende às instruções de segurança
essenciais, não compreendem os métodos, julgam incômodo adotar as regras de
segurança, o uso de EPI’s e, então, se o trabalhador não quiser utilizar os
equipamentos de proteção individual, ou não quiser acompanhar os ensinos
destinados a impedir acidentes de trabalho, o empregador poderá até dispensá-lo
por justa causa.

2.2.5.2 Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (NR-7)

O Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) é um


programa destinado à saúde ocupacional. A definição de saúde ocupacional é,
segundo Rocha (2001, p. 28), "qualquer fator relacionado à ocupação profissional
que influa na saúde do trabalhador, e é objeto de estudo do Programa de Controle
Médico de Saúde Ocupacional".
A norma regulamentadora NR-7 institui a elaboração do Programa de
Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), por parte de todos os
empregadores, com o desígnio de promoção e preservação da saúde do conjunto
dos seus funcionários.
O PCMSO é desenvolvido por meio da análise dos postos de trabalho, com o
objetivo de detectar prováveis condições de adoecimento. Nas situações em que
sejam identificados fatores que possam desencadear enfermidades, os médicos que
fazem os exames terão que definir a adoção de medidas cabíveis de controle dos
riscos. Ele deve permanecer na organização à disposição dos órgãos fiscalizadores.
O PCMSO é regido pela NR-7, com a finalidade de promoção e preservação da
saúde do conjunto dos seus trabalhadores. À existência desta NR, são os artigos
168 e 169 da CLT:

Art. 168. Será obrigatório exame médico por conta do empregador, nas
condições estabelecidas neste artigo e nas instruções complementares a
serem expedidas pelo Ministério do trabalho:
I - na admissão;
II - na demissão;
III - periodicamente;
Art. 169. Será obrigatória a notificação das doenças profissionais e as
produzidas em virtude de condições especiais de trabalho, comprovadas ou
objeto de suspeita, de conformidade com as instruções expedidas pelo
Ministério do Trabalho.

O Programa tem que estar unido com os outros programas ordenados por lei,
como o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais. O PCMSO é obrigação dos
empregadores e tem como objetivo a prevenção, monitoramento e controle de
possíveis prejuízos à saúde do colaborador, realizado por exames ocupacionais que
sugerem as condições físicas e emocionais dos funcionários.

2.2.5.3 Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA

O Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), determinado pelo


Ministério do Trabalho, em sua Norma Regulamentadora NR-9 (BRASIL, 1978), tem
como finalidade a preservação da saúde e integridade dos trabalhadores, por meio
da antecipação, reconhecimento, análise e decorrente controle da ocorrência de
riscos ambientais existentes ou que passem a existir no ambiente de trabalho,
considerando-se a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais.
A Norma Regulamentadora NR-9 constitui a obrigatoriedade da elaboração e
implementação, por parte de todos os empregadores e empresas que admitam
trabalhadores como funcionários, do Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
(PPRA), visando à preservação da saúde e da integridade dos colaboradores, por
meio da antecipação, reconhecimento, análise e decorrente controle da ocorrência
de riscos ambientais existentes ou que passem a existir no local de trabalho,
considerando a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais.

2.2.5.4 Equipamentos de Proteção Individual – EPI’s

O EPI (Equipamento de Proteção Individual) é todo o dispositivo de uso


particular, designado a resguardar a integridade física do trabalhador. Conforme
Ayres e Corrêa (2001), os EPI’s cumprem significativo papel na diminuição das
lesões provocadas pelos acidentes do trabalho e das enfermidades profissionais.
Citam-se alguns dos tipos mais usados pelos trabalhadores nas obras.

Figura 3: Tipos de EPI

Fonte: Sampaio (1998)


Conforme a lei do ministério do trabalho, CLT/ Capítulo V da segurança e
medicina do trabalho, seção IV do equipamento de proteção individual (BRASIL,
1977, art. 166):

A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente,


equipamento de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado
de conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral
não ofereçam completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à
saúde dos empregados.

O órgão regional do MTE, segundo a NR-6, possui a obrigação de fiscalizar e


guiar quanto à utilização apropriada e a qualidade de EPI’s; recolher amostras de
EPI’s, e aplicar, no seu âmbito de competência, as penalidades cabíveis pelo
descumprimento desta norma.
O uso dos EPIs está previsto na CLT e regulamentado pela Norma
Regulamentadora 6 do Ministério do Trabalho e Emprego. Segundo a Lei Federal nº
3.214 (1978), com última alteração pela portaria nº 292 de 2011, o EPI é “(...) todo
dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador destinado à
proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho”.
Os equipamentos de proteção individual usados na construção civil, conforme
a NR-6, encontram-se agrupados em: EPI’s para proteção da cabeça; dos olhos e
face; da audição; do tronco; respiratória; dos membros superiores; dos membros
inferiores e contra queda em diferença de nível.
O Quadro 1 descreve a relação de EPIs, regularizados pela Norma
Regulamentadora NR-6, do Ministério do Trabalho e Empregos.
A NR-6 também estabelece as obrigações do empregador e do empregado
quanto aos EPIs. De acordo com a Associação Brasileira de Materiais Compósitos –
ABMACO (2007, p. 34), cabe ao empregador as seguintes obrigações:

a) adquirir o tipo adequado à atividade do empregado;


b) fornecê-lo, gratuitamente, ao seu empregado.
c) treinar o trabalhador sobre seu uso adequado;
d) responsabilizar-se pela sua higienização e manutenção periódica;
e) substituí-lo, imediatamente, quando danificado ou extraviado;
f) tornar obrigatório o ser uso;
g) comunicar ao Ministério do Trabalho qualquer irregularidade observada
no EPI’s;
h) fornecer ao empregado somente EPI com Certificado de Aprovação (CA);
Em termos de utilização de EPI, de acordo com a ABMACO (2007, p. 35), o
funcionário também terá que levar em conta as seguintes obrigações:

a) usá-lo apenas à finalidade a que se destina;


b) responsabilizar-se pela guarda e conservação do EPI que lhe for
confiado;
c) comunicar ao empregador qualquer alteração no EPI que o torne
impróprio para seu uso.
d) cumprir as determinações do empregador sob o uso pessoal.

A Lei nº 8.213 (BRASIL, 1991, art. 19), conceitua acidente de trabalho como:

[...] aquele que acontece no exercício do trabalho, a serviço da empresa, e


que causa lesão corporal ou perturbação funcional. Esta lesão ou
perturbação pode causar a morte, perda ou diminuição da capacidade de
trabalho. Esta perda ou diminuição pode ser permanente (para toda vida) ou
temporária (por determinado tempo).

De acordo com Leal (1999), é necessário conscientizar o funcionário das


lesões que podem acontecer no trabalho sem proteção. As enfermidades que
ocorrem pela não utilização dos equipamentos apropriados é, muitas vezes,
desconhecidas pelo trabalhador.
Para Pelloso (2014), as construtoras necessitam conscientizar e esclarecer
sobre o uso adequado dos equipamentos de proteção individual e que os
trabalhadores, mesmo imaginando que os EPI’s aborrecem e apertam, devem
atentar para os riscos que estão correndo sem o uso dos mesmos. Ter ciência que
esta obtenção traz melhoramentos como valorização profissional, elevação da auto-
estima, diminuição de falhas que enfraquecem os acidentes com lesões, acréscimo
da produtividade e diminuição das ações trabalhistas e cíveis, quer dizer, saldos
positivos em saúde, segurança, qualidade de vida e trabalho e produtividade.
Medeiros (apud Miranda e Brognoli, 2015) garante que é indispensável
proporcionar conforto e segurança aos funcionários. A falta, na maioria dos casos,
de um trabalho educativo aviva essa dificuldade, porque não permite o
conhecimento dos operários dos riscos a que estão se expondo e das implicações
de tal exposição a curto e longo prazo. Isso não é novidade, pois também é
relacionado à atitude funcional da visão de um EPI, que ao ser hábil para neutralizar
prováveis condições insalubres do ambiente de trabalho, precisa, todavia, não
intervir no desenvolvimento dos afazeres laborais do trabalhador.
2.2.5.5 Equipamento de Proteção Coletiva (EPC’s)

Conforme Araújo (2014), EPCs – Equipamento de Proteção Coletiva são


dispositivos usados na proteção de trabalhadores, no cumprimento de suas
atividades. O EPC convém para paralisar a ação dos agentes ambientais, impedindo
acidentes, resguardando contra detrimentos à saúde e a integridade física dos
funcionários, porque o local de trabalho não pode oferecer riscos à saúde ou à
segurança do colaborador.
Araújo (2014) ensina que os EPC’s objetivam a proteção contra riscos
corriqueiros e gerais que possam comprometer muitos indivíduos e arredores da
obra. Também enfocam a definição de alteração de costumes, condutas, hábitos e
maneiras de realizar os serviços. O contratante tem a obrigação de apresentar um
ambiente de trabalho com condições de higiene e segurança, ficando as contratadas
com o comprometimento de conservar o local com mesmas condições.
Nas palavras de Piza (1997, p. 33):

Os EPCs para serem adequados devem respeitar premissas básicas:


- Ser do tipo adequado em relação ao risco que irão neutralizar;
- Depender de menos possível da atuação do homem;
- Ser resistentes às agressividades de impactos, corrosão, desgastes, etc.,
a que estiverem sujeitos;
- Permitir serviços e acessórios como limpeza, lubrificação e manutenção;
- Não criar outros tipos de riscos, principalmente mecânicos como obstrução
de passagens, cantos vivos, etc.

Estes dispositivos agem absolutamente no controle das fontes causadoras de


agentes agressores ao indivíduo e ao meio ambiente, e, como tal, segundo Vieira
(2005, p. 41), "devem ser prioridade de qualquer profissional da área de segurança.
São também utilizados para controle de riscos do ambiente em geral".

2.2.6 Processos de Monitorar Pessoas

Para Chiavenato (2008), o processo de monitorar os indivíduos não possui


como desígnio a fiscalização dos cumprimentos das normas, porém o
desenvolvimento do autocontrole em termos de metas e resultados a serem
conseguidos. O processo está atrelado ao modo pelo qual os objetivos necessitam
ser alcançados, por meio da atividade dos trabalhadores que compõem a empresa.
Chiavenato (2004) identifica o processo de monitorar as pessoas como sendo
uma maneira para seguir e controlar as atividades dos indivíduos e averiguar
resultados, a partir de banco de dados e sistemas de dados gerenciais. Ao monitorar
pessoas, o saldo surge com maior limpidez e os desígnios são esboçados de um
modo melhor. Esses dados são indispensáveis para investigar o andamento dos
processos de gestão.
Até aqui, então, o gestor se preocupou com a escolha, utilização, a maneira
de recompensar, desenvolver e conservar os trabalhadores na empresa. A partir
disso, é preciso um modo de monitoramento ou domínio, sobre os dados dos
funcionários e da administração de pessoas para que, então, este gestor consiga ter
as informações organizadas de maneira que o ajudem no momento da tomada das
decisões.
34

3 METODOLOGIA

Este capítulo consiste em apresentar como se caracteriza esta pesquisa e


como se pretende coletar e analisar os dados.

3.1 CLASSIFICAÇÃO DA PESQUISA

A pesquisa utilizada foi exploratória, quantitativa, descritiva e bibliográfica,


valendo-se de um estudo de caso.
Quanto aos objetivos, classifica-se como pesquisa exploratória, sendo que os
procedimentos para sua realização se operacionalizaram mediante pesquisa
bibliográfica, com o propósito de propiciar aproximação e familiaridade com o
assunto, e com isto gerar compreensão a respeito do mesmo. Quanto à forma de
abordagem da investigação a pesquisa se classifica em quantitativa, porque
quantificou os dados e aplicou uma forma de análise estatística.
Conforme Gil (1999), a pesquisa descritiva tem como objetivo primordial a
descrição das características de determinada população ou fenômeno ou
estabelecimento de relações entre variáveis.
O estudo de caso, de acordo com Yin (2001, p. 32), é o método de
"investigação empírica de um fenômeno contemporâneo em um contexto real,
quando o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes para tomar
decisões". No primeiro momento, o estudo de caso foi feito por meio de entrevista
com os dois gestores da empresa e, posteriormente, a aplicação de questionários,
distribuídos a 23 trabalhadores da organização, presentes no escritório e nos
canteiros de obras, nos dias designados. As entrevistas e os questionários em
síntese indicavam itens referentes à gestão de pessoas e higiene e segurança no
trabalho.

3.2 SUJEITOS E AMOSTRA DA PESQUISA

Os sujeitos da pesquisa são os 34 funcionários e dois gestores da empresa.


A amostra aconteceu com 23 funcionários, que estavam presentes nos
canteiros de obras e no escritório no momento da distribuição da pesquisa e dois
dirigentes da MH Construções. No canteiro de obras, responderam os questionários
os colaboradores responsáveis pela mão-de-obra direta da empresa como
serventes, encanador, mestre de obras, entre outras funções que a fase da obra
exigiu. Em relação aos colaboradores do escritório, os questionários foram
entregues ao técnico de edificações, estagiários, assistente de Rh e assistente
administrativo e a entrevista pessoal foi feita com o sócio-proprietário que é também
engenheiro civil da empresa, Hermes Matzembacher Filho, e o sócio-proprietário e
coordenador de obras Artêmio Heismann. O ambiente de trabalho foi o da MH
Construções Ltda., no escritório e em dois canteiros de obras em andamento,
localizados na cidade de Giruá, RS.

3.3 COLETA DE DADOS

O processo de preparação envolve um conjunto de etapas que auxiliam na


filtragem e manipulação dos dados coletados (MALHOTRA, 2001). Sendo assim, na
fase exploratória foram abordados os aspectos sobre objeto, pressupostos, teorias
pertinentes, metodologia apropriada e questões operacionais necessárias para
desencadear o trabalho de campo. Logo após, foi realizado o trabalho de campo,
que consiste na construção teórica. Nesta fase, foram combinadas as técnicas de
coletas de dados, como entrevistas e pesquisa bibliográfica.
O processo de coleta de dados, no primeiro momento, foi realizado através de
entrevistas pessoais com os dirigentes da empresa: o engenheiro civil e o
coordenador de obras. Nestas entrevistas, os dirigentes responderam questões
relacionadas com a gestão de pessoas e higiene e segurança no trabalho,
referentes à empresa, a fim de verificar as atuais práticas de gestão de pessoas na
MH Construções orientadas para a segurança do trabalho.
Posteriormente, foram entregues os questionários, respondidos pelos
funcionários do escritório da empresa. Nestes questionários, foram elaboradas
questões relativas à gestão de pessoas e segurança e higiene no trabalho,
direcionadas para identificar as percepções dos trabalhadores da MH Construções,
em relação às práticas de gestão de pessoas voltadas para a segurança do trabalho.
Estas questões serviram para a análise dos resultados e identificação dos pontos
fortes e fracos para, a partir de então, serem apresentadas uma ou mais propostas
para solução das não conformidades.
3.4 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS

Luciano Zamberlan et.al.(2009) ensina que a fase posterior à coleta de dados


da pesquisa é a de análise e interpretação dos dados. Estes processos apesar de
possuírem conceitos distintos, aparecem sempre estreitamente relacionados:
Segundo Gil (1999, p. 168),

A análise tem como objetivo organizar e sumariar os dados de tal forma que
possibilitem o fornecimento de respostas ao problema proposto para a
investigação. Já a interpretação tem como objetivo a procura do sentido
mais amplo das respostas, o que é feito mediante sua ligação a outros
conhecimentos anteriormente obtidos.

Os processos de análise e interpretação terão o propósito de avaliar os


resultados para julgar a efetividade do programa de gestão de pessoas da empresa,
direcionado para a segurança no trabalho, através da verificação e tabulação dos
dados encontrados.
37

4 RESULTADOS

Esta parte do estudo apresenta a caracterização da organização; a análise


dos questionários aplicados aos colaboradores da empresa e a análise das
entrevistas com os gestores da organização.

4.1 CARACTERIZAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO

O setor da Construção Civil de Giruá é formado em sua maioria por empresas


caracterizadas pelo pequeno e médio porte, o qual é determinado pelo reduzido
número de funcionários, a maioria com menos de 20 colaboradores e pela
inexistência de um corpo técnico efetivo e estruturado, a não ser seus dirigentes
(sócios e proprietários). Desta forma, torna-se difícil manter algum tipo de controle
mais elaborado, no que diz respeito à questão dos acidentes de trabalho ou mesmo
na inibição ou minimização de pequenos eventos indesejáveis.
Considerando que, na indústria da construção civil, a maioria dos
colaboradores se apresenta como mão-de-obra com baixo nível de qualificação e
baixo nível de escolaridade, pode-se dizer que os trabalhadores de Giruá e da MH
Construções Ltda. também acompanham esta realidade.
A MH Construções é uma empresa que atua no ramo da indústria da
construção civil, no município de Giruá, desde o ano de 1995.
A empresa atua em obras residenciais, comerciais e industriais, há mais de
19 anos na cidade, na região e em todo o estado, atuando na construção de
edificações sólidas de pequeno e médio porte. Possui atualmente 34 colaboradores
e dois sócios.
A organização busca a qualificação de seus colaboradores, através do uso de
EPI´s e EPc’s a fim de aperfeiçoar e produzir melhores resultados em relação aos
acidentes de trabalho e qualidade de vida.

4.2 ANÁLISE DOS QUESTIONÁRIOS APLICADOS AOS COLABORADORES DA


EMPRESA

Analisando os questionários distribuídos entre os colaboradores, foram


entrevistados 23 funcionários, totalizando 21 homens e duas mulheres. Destes, 19
exercem funções dentro do canteiro de obra e os outros 4 exercem funções no
escritório. Às perguntas de número um a 10 têm o propósito apenas de conhecer o
perfil destes entrevistados, bem como a forma que ingressaram na empresa, logo,
não serão analisadas a fim de conclusões para este trabalho.
Ao serem questionados sobre segurança no trabalho, quando da sua
admissão, percebe-se que a empresa introduz o assunto aos seus funcionários
variando o momento em que é tratado. Dos 23 entrevistados, 61% responderam que
foram questionados sobre segurança no trabalho já no momento de sua admissão, e
39% disseram que enfrentaram o assunto em outras ocasiões.
O Gráfico 1 mostra em qual momento os funcionários recebem treinamentos
sobre segurança do trabalho. As respostas variam entre: semanalmente (4%),
mensalmente (17%), no início de cada tarefa (62%) e no começo de cada obra (4%),
entretanto, 13% responderam nunca terem recebido os treinamentos.

Percebe-se, assim, que a empresa introduz a segurança no trabalho aos seus


funcionários, entretanto não é 100% eficaz, pois mesmo que em número pequeno,
existem funcionários sem treinamento.
Quando perguntado se o entrevistado participou de algum curso
profissionalizante relacionado à segurança do trabalho na construção civil, 65%
responderam que não; e, apenas 35% deles disseram terem participado, em algum
momento, de cursos sobre segurança do trabalho (Gráfico 2).
Nota-se que é grande o percentual que não participou de cursos
profissionalizantes sobre segurança no trabalho. Isto contraria as atribuições dos
profissionais, pois uma delas diz, na Lei nº 7.410 (BRASIL,1985), que eles devem
participar de seminários, palestras, cursos e congressos, visando o intercâmbio e
aperfeiçoamento profissional.
Ao serem questionados sobre se entendem as informações recebidas nos
treinamentos aplicados pela empresa, 74% afirmaram entender as informações
recebidas; 22% responderam que às vezes entendem; e, apenas 4% responderam
não entender as informações passadas. Observa-se, portanto, uma boa eficácia no
treinamento aplicado pela empresa, mesmo os funcionários não tendo participado de
cursos anteriormente.
Questionados sobre a segurança da obra na qual trabalham, dos 23
entrevistados, 96% consideram a obra na qual trabalham segura e todos os
entrevistados (100%) afirmaram receber equipamentos de proteção individual. Isto é
significativo, pois, conforme a Portaria nº 292 de 2011, o EPI é “(...) todo dispositivo
ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador destinado à proteção de
riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho”.
Questionados sobre a utilização do equipamento de segurança, todos os
funcionários (100%) afirmaram utilizar os equipamentos de proteção individual
fornecidos pela empresa, o que mostra uma total eficácia nesse quesito.
Ao serem questionados sobre os métodos utilizados para prevenir acidentes,
todos os funcionários (100%) responderam que utilizam EPI. E, ainda como forma
de evitar acidentes, 4% respondeu que diminui o tempo de exposição ao risco, 17%
realizam o controle médico (exames periódicos), 35% buscam informações sobre os
riscos de exposição, 26% buscam informação sobre o modo de utilização dos
equipamentos, 9% evitam bebidas alcoólicas antes e durante o período de trabalho
e 9% entrevistados respeitam sinalizações de risco. No Gráfico 4 melhor são
visualizadas as respostas.
Analisando os dados do gráfico acima, percebe-se que a maioria (100%)
entende que a utilização do EPI previne acidentes; entretanto, outros aspectos
importantes como diminuição de exposição ao risco, respeitar sinalizações
existentes de risco e busca de informações sobre o modo de utilização dos EPI’s
são realizados por uma pequena parcela dos entrevistados, nessa ordem,
mostrando uma deficiência no entendimento do assunto, já que os funcionários não
enxergam tais medidas como atitudes que também previnem acidentes de trabalho,
tanto quanto a utilização do EPI.
Questionados sobre a sua responsabilidade em relação à segurança no
trabalho, a maioria: 47% dos funcionários responderam que entendem como sua
responsabilidade usar os EPI´s e EPC´s, 15% dos entrevistados entendem que é
utilizar corretamente os equipamentos de segurança, 15% acreditam que devem
informar as chefias da existência de alguma irregularidade ou situação de risco, 15%
deles acreditam que é de sua responsabilidade conservar e manter em bom estado
os equipamentos de proteção individual que lhes forem distribuídos e 8% dos
entrevistados entendem que respeitar a sinalização de segurança existente e as
normas inerentes são responsabilidades suas. O Gráfico 5 ilustra mais
didaticamente esses dados.
É grande o percentual que não entende como sendo sua essa
responsabilidade, embora seja. Conclui-se, portanto, que se faz necessário um
melhor preparo dos funcionários. A empresa deve, além de fornecer treinamentos
sobre segurança do trabalho, conscientizar os trabalhadores dos danos que podem
ocorrer no trabalho sem cumprimento pleno das regras de segurança.
Aos serem questionados sobre aspectos que motivam os trabalhadores, a
existência de condições de higiene e segurança do trabalho não é um dos aspectos
mais importante para os trabalhadores, pois apenas 35% deles consideram muito
importante tal aspecto, igualando-se a aspectos financeiros, como a remuneração
em função da produtividade (35%) e o salário que recebe em função do seu cargo
(30%). Esses percentuais chamam a atenção, porque a segurança no trabalho
representa a preservação da saúde e da integridade física de todos os
colaboradores.
Mas, ao serem questionados sobre a posição da empresa na hora de
executar o seu trabalho, 80% dos funcionários responderam que a empresa prima
mais pela segurança do que pela rapidez e os outros 20% não souberam responder.
Entende-se que a empresa está agindo corretamente, ao se preocupar mais com a
segurança dos trabalhadores.
Ao ser perguntado a opinião dos trabalhadores em relação à segurança na
empresa, 30% dos funcionários respondeu ser muito boa; 53% acreditam que a
segurança na empresa é boa e apenas 17% responderam ser razoável.
A respeito do posicionamento dos chefes sobre a segurança no trabalho,
percebe-se que os funcionários, na maioria dos casos, acreditam que a empresa se
preocupa com a segurança, pois as respostas mais significativas indicam que os
chefes fornecem equipamentos de proteção individual adequados ao uso, colocam
sinalização de segurança nas áreas onde não é possível evitar a existência de
perigos, buscam assegurar e sensibilizar os trabalhadores a utilizarem
equipamentos de segurança de acordo com as normas e asseguram um ambiente
de trabalho com instalações cômodas e acessos e vias de circulação seguras.

4.3 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM OS GESTORES DA EMPRESA

Nas entrevistas foram inquiridos os dois gestores, sendo o sócio-proprietário


que é também engenheiro civil da empresa, Hermes Matzembacher Filho, e o sócio-
proprietário e coordenador de obras Artêmio Heismann.
Analisando as respostas em relação ao processo de agregar pessoas,
percebe-se que a empresa visa atrair candidatos qualificados, através de meios
externos, estágios e serviços de terceirização, entretanto não divulga requisitos
necessários aos candidatos quanto à preocupação com a segurança do trabalho,
sendo identificado esse como um requisito a ser melhorado.
Sobre o processo de aplicar pessoas, nota-se outra falha por parte da
empresa, pois, mesmo possuindo definidos os cargos e salários de seus
colaboradores e definidos os requisitos dos candidatos quanto à segurança no
trabalho, as avaliações de desempenho dentro da empresa com relação aos pontos
fortes, desafios e melhorias quando necessárias não são descritas em relatórios, e,
portanto, não se tem um feedback sobre o que a avaliação mostra. Essas avaliações
dos resultados obtidos com o treinamento são tão importantes quanto elaborar o
treinamento e o mesmo ser ministrado, pois assim, o treinamento passa a ter um
ciclo de retroalimentação e não só feitas informalmente.
A empresa utiliza o processo de recompensar como forma de motivar e
incentivar os funcionários. A MH construções Ltda. recompensa seus funcionários
por cumprimento de tarefas e assiduidade, além de promover os funcionários. A
oferta de benefícios, além do salário, é uma estratégia que pode favorecer as
políticas de valorização e retenção de profissionais, além de os funcionários
trabalharem motivados e buscando a melhor forma de realizar suas atividades. Com
isso, empresa e funcionários ganham, sendo identificado um ponto forte da
empresa.
Nota-se que um ponto crítico da empresa está no processo de desenvolver
pessoas, mais especificadamente no processo de treinamento para capacitar os
funcionários, em termos de segurança. Questionados sobre a forma de
desenvolvimento de aptidões para o crescimento dos colaboradores, utilizado pela
empresa, apenas um dos dois gestores respondeu ser feita através de treinamento,
ambos responderam ser feita através de desenvolvimento. Conclui-se que as atuais
práticas de gestão de pessoas não estão produzindo uma consciência nos
trabalhadores da construção civil da empresa MH Construções Ltda., fato
constatado também na análise das respostas dos funcionários. Verifica-se que a
empresa não possui uma política de segurança no trabalho, ela terceiriza o serviço a
uma empresa que fica a responsável em passar treinamentos. Um profissional bem
mais qualificado terá uma motivação maior na execução das tarefas, e tendo como
consequencia maior produtividade do empregado onde contribuirá efetivamente para
os resultados da organização.
Ao serem questionados sobre a melhor forma de resolver esta situação,
ambos concordaram que deveria ser dado um melhor treinamento. Sendo assim, se
faz necessário um treinamento mais profundo, para conscientizar o trabalhador
sobre os riscos que ele enfrenta todos os dias no canteiro de obras, já que a
segurança do trabalho como instrumento de prevenção de acidentes na empresa é
um dos fatores decisivos no aumento da produção. Um acidente de trabalho exerce
uma condição extremamente negativa no processo produtivo.
Com referência ao processo de manutenção de pessoas, em relação à
higiene e segurança no trabalho, as medidas técnicas, educacionais, médicas e
psicológicas adotadas para prevenir acidentes e eliminar as condições inseguras
são terceirização de Serviço Especializado em Segurança e Medicina do Trabalho
(SESMT) e fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletivos.
Os colaboradores também afirmam que a segurança e a higiene do trabalho,
assim como a proteção da saúde dos trabalhadores fazem parte dos princípios da
empresa, comprometendo-se em fornecer os equipamentos de segurança e
coletivos, bem como proporcionar treinamento sobre segurança no trabalho, através
de empresa terceirizada, o que condiz com as respostas dos empregados. Também
são efetuadas inspeções de segurança com documentação dos resultados na
empresa, regularmente, sendo apontado esse como outro ponto forte da empresa.

4.4 ANÁLISE CRÍTICA

Percebe-se que o ponto mais fraco em relação à segurança no trabalho é a


falta de informação clara para os trabalhadores, segundo respostas dos mesmos. A
empresa afirma fornecer instruções sobre segurança do trabalho, bem como
equipamentos de proteção individual e coletivos, organização do canteiro de obra de
acordo com as normas e sinalização de riscos eminentes. Consequentemente,
entende-se que os funcionários não são conscientes completamente sobre suas
responsabilidades com a segurança e higiene no trabalho.
Os gestores afirmaram que os funcionários têm dificuldade em se adequar a
usar os equipamentos de segurança. Muitas vezes o trabalhador não considera as
instruções de segurança importantes, não entendem os procedimentos que foram
dados ou acham incômodo seguir as normas de segurança e o uso de EPI’s,
segundo suas respostas. Com isso, avalia-se que a empresa e o empregado são
prejudicados, pois há um aumento de acidentes, expondo os funcionários a riscos.
46

CONCLUSÃO

O objetivo geral do estudo foi o de verificar se as atuais práticas de gestão de


pessoas estão produzindo uma consciência nos trabalhadores da construção civil da
empresa MH Construções Ltda., com vistas a resultados efetivos, em termos de
segurança no trabalho.
Concluiu-se que as atuais práticas de gestão de pessoas não estão
produzindo uma consciência nos trabalhadores da construção civil da empresa MH
Construções Ltda., com vistas a resultados efetivos em termos de segurança no
trabalho.
É necessário conscientizar o funcionário das lesões que podem acontecer no
trabalho sem o EPI ou EPC. O EPI é um dispositivo de uso individual utilizado pelo
trabalhador destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a
saúde no trabalho. O EPC é um dispositivo usado na proteção de trabalhadores, no
cumprimento de suas atividades. O EPC convém para paralisar a ação dos agentes
ambientais, impedindo acidentes, resguardando contra detrimentos à saúde e a
integridade física dos funcionários, porque o local de trabalho não pode oferecer
riscos à saúde ou à segurança do colaborador. Porém, as enfermidades que
ocorrem pela não utilização dos equipamentos apropriados é, muitas vezes,
desconhecidas pelo trabalhador.
Ficou notório que é necessário um maior treinamento, para conscientizar os
funcionários sobre os riscos que eles encaram diariamente no canteiro de obras, já
que a segurança do trabalho como utensílio de prevenção de acidentes na
organização é um dos fatores decisivos no aumento da produção. Um acidente de
trabalho pode se tornar uma condição muito negativa no processo produtivo.
Os objetivos do presente estudo foram plenamente alcançados.
A DEGRADAÇÃO DO MEIO AMBIENTE LABORAL E A CONSEQUENTE
REPARAÇÃO CIVIL MOTIVADA PELA DOENÇA OCUPACIONAL

VANESSA KANIAK1

1. Introdução

A degradação do meio ambiente laboral é um fato muito discutido e que gera


inúmeras repercussões, pois vincula a saúde e o bem estar do ser humano como direito
fundamental.
O presente trabalho objetiva demonstrar as causas e os efeitos que trazem um
ambiente de trabalho inadequado e fora dos parâmetros dignos e legais.
Para encetar esse exame, primeiramente será estudado o meio ambiente do
trabalho e o seu reflexo na saúde do trabalhador, demonstrando o que caracteriza o
local de trabalho e sua influência direta no bem estar do obreiro que ocupa parte
significativa de seu tempo exercendo atividades laborais em troca de uma contra-
prestação pecuniária, essencial passa a composição de uma base financeira familiar.
Nessa perspectiva, indaga-se o desenvolvimento de doenças ocupacionais
quando da inobservância do empregador de um ambiente de trabalho sadio e próspero.
É legítimo verificar, nesse enfoque, a conseqüência que um meio ambiente do
trabalho desonroso e imoral traz à qualidade de vida do ser humano e o que a
legislação estabelece como forma de compensação.
Para concluir essa exposição, haverá um estudo da responsabilidade civil no
âmbito trabalhista motivada pela doença ocupacional, examinando o tema em termos
de conceituação jurídica, legislação constitutiva e entendimento da Corte Superior.

2. O meio ambiente de trabalho e seu reflexo na saúde do trabalhador

Chamamos de meio ambiente do trabalho como sendo o local em que os


trabalhadores desempenham suas funções ou atividades laborais para o empregador.
Podemos, ainda, conceituar meio ambiente do trabalho como "o conjunto de
fatores físicos, climáticos ou qualquer outro que interligados, ou não, estão presentes e
envolvem o local de trabalho da pessoa"2.
Nas palavras de Sidnei Machado3, meio ambiente do trabalho é “o conjunto
das condições internas do local de trabalho e sua relação com a saúde dos
trabalhadores”.
O meio ambiente de trabalho é formado pelo conjunto de máquina-trabalho;
de edificações, do estabelecimento, de equipamentos de proteção individual,
iluminação, conforto térmico, instalações elétricas, condições de salubridade ou
insalubridade, de periculosidade ou não, meios de prevenção à fadiga e outras medidas
de proteção ao trabalhador, de jornadas de trabalho e horas extras, intervalos,
descansos, férias, movimentação, armazenagem e manuseio de materiais dentre
outros.4
Júlio Cesar de Sá da Rocha5 entende que o meio ambiente do trabalho
caracteriza-se como a ambiência na qual se desenvolvem as atividades do trabalho
humano.
Rodolfo de Camargo Mancuso ensina que “o meio ambiente do trabalho
conceitua-se ‘habitat’ laboral, isto é, tudo que envolve e condiciona, direta e
indiretamente, o local onde o homem obtém os meios para prover o quanto necessário
para a sua sobrevivência e desenvolvimento, em equilíbrio com o ecossistema”.6
O meio ambiente de trabalho condiciona o seu exercício no conceito amplo de
meio ambiente, o que significa que deve ser analisado como um bem a ser protegido
com o objetivo de preservar a saúde do trabalhador, proporcionando ao mesmo uma
melhor qualidade de trabalho e consequentemente de vida.
A Constituição Federal do Brasil através do Capítulo de Direitos Sociais em
seu art. 6º, garante o direito a saúde a todos os indivíduos, o que significa que o Estado
tem o dever de proteger tal direito. Nesse ponto, frisa-se que sendo um direito
reconhecido constitucionalmente, este se consolida como um direito fundamental.
É certo que o meio ambiente de trabalho é onde o trabalhador passa parte de
seu dia e onde ocorre o desenvolvimento intelectual ou físico de cada sujeito,
dependendo da atividade exercida. A partir dessa indagação, faz-se necessário
disponibilizar segurança ao indivíduo e adequar o local de trabalho a um ambiente
saudável e salubre.
O Direito, nessa perspectiva, determina as condições mínimas a serem
observadas pelo empregador sob pena de sanções no caso de seu descumprimento,
conforme segmento determinado como segurança e medicina do trabalho.
A segurança e medicina do trabalho é o segmento do direito do Trabalho
incumbido de oferecer condições de proteção à saúde do obreiro no local de trabalho, e
a recuperação do mesmo quando não estiver em condições de prestar serviços ao
empregador.7
Nas palavras de Amauri Mascaro do Nascimento:
a segurança do trabalho é o conjunto de medidas que versam sobre
condições específicas de instalação do estabelecimento e de suas máquinas,
visando à garantia do trabalhador contra a natural exposição aos riscos
inerentes à prática da atividade profissional.8

É insofismável que esta proteção ao trabalhador é inerente a garantir direitos


mínimos de saúde ao trabalhador e desta forma, não admitem desregulamentação, ou
seja, são direitos indisponíveis.
Nesse prisma, entende Maurício Delgado que:

Tais parcelas são aquelas imantadas por uma tutela de interesse público, por
se constituírem em um patamar civilizatório mínimo que a sociedade
democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-
profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa
humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 1º, III e 170,
"caput", CF). Expressam, ilustrativamente, essas parcelas de
indisponibilidade absoluta a anotação de CTPS, o pagamento do salário
mínimo, as normas de medicina e segurança no trabalho.9

Indeclinável é a existência de uma ampla proteção jurídica sobre o tema


exposto, a encetar na perspectiva do Direito Constitucional Pátrio em seu artigo 7º,
inciso XXII, que estabelece: “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (...), a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança.”
Na esfera da Consolidação das Leis do Trabalho, verifica-se que esta
reconhece a segurança e saúde do trabalhador em seu art. 154 e seguintes. O citado
artigo determina a extensão das obrigações para além da consolidação das leis do
trabalho, tornando obrigatório o cumprimento do estabelecido nas demais disposições,
como as incluídas em códigos de obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou
Municípios, bem como daquelas oriundas de convenções coletivas de trabalho.
Nos influxos da lei, o Programa de Controle Médico e de Saúde Ocupacional e
o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, são obrigatórios nas empresas que
também instituem as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes, conforme
disciplina o art. 163 da Convenção Coletiva de Trabalho, lembrando que o objetivo é a
preservação da qualidade ambiental do local de trabalho.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) tem uma atuação proveitosa
no que se refere a segurança no trabalho, por meio das Convenções e Recomendações
sobre prevenção de acidentes (1937), segurança da máquinas (1929), pesos e fardos
transportados por barco (1929), fiscalização trabalhista (1937), edificações (1937),
acidentes de trabalho (1929), radiações (1960), assistência médica (1944), higiene no
comércio e oficinas (1959), enfermidades profissionais (1952), fósforo branco (1919),
saturnismo (1919).10
Também há o amparo na Portaria do Ministério do Trabalho de n. 3.214 do
ano de 197811, que Aprova as Normas Regulamentadoras do Capítulo V, Título II,
da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas à Segurança e Medicina do
Trabalho, também da Portaria n. 598 de 200412 e na Lei Orgânica da Saúde de n.
8.080/9013 que Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação
da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes.
O artigo 2º da citada Lei Orgânica da Saúde define que a saúde é um direito
fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao
seu pleno exercício.
Nessa extensão, o artigo 3º da Lei 8080 de 1990 estabelece que:

a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a


alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a
renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços
essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e
econômica do País.

Na seqüência o parágrafo único do citado artigo amplifica os fatores


determinantes da saúde dispondo que “Dizem respeito também à saúde as ações que,
por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à
coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.”
Ainda sob a proteção da Lei Orgânica de Saúde, o art. 6º inclui no campo de
atuação do Sistema Único de Saúde a execução de ações de saúde do trabalhador e a
colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho e ainda,
especifica no parágrafo terceiro que fica entendido como saúde do trabalhador o
conjunto de atividades que se destina à promoção e proteção da saúde dos
trabalhadores, e à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos
aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, e abrange em seus incisos o
conjunto de atividades a que se destinam.
Assentadas as noções supra, podemos entender que a qualidade de vida do
trabalhador está vinculada ao ambiente de trabalho em que o mesmo executa suas
atividades diárias. Claramente que as condições do meio ambiente de trabalho refletem
diretamente na vida do empregado, estabelecendo parâmetros na saúde de cada um.
Um local com instalações pré aprovadas antes do início de suas atividades e
procedendo o responsável pela inspeção sempre que houver alteração de
equipamentos, certamente trará condições legais de um ambiente de trabalho sadio
para os funcionários.
Por certo que nos locais em que o ambiente perigoso e insalubre se faz
indispensável, como no caso de manuseamento de máquinas para tecelagem, trabalho
de fundição em geral ou também no caso de exposição a radiações ionizantes, o
empregador não poderá disponibilizar um ambiente sadio ao empregado, mas deverá
oferecer equipamento de proteção individual que ofereçam completa proteção a
acidentes e danos à saúde do trabalhador, conforme estabelece o art. 166 e seguintes da
CLT.
Salienta-se que o Delegado Regional do Trabalho poderá interditar o local
caso este demonstre iminente risco à saúde do empregado em virtude do
descumprimento das normas gerais de segurança ao trabalhador.
Nesse enfoque, medidas ligadas à medicina do trabalho, estabelecidas no art.
168 da CLT, obrigam o empregador a realizar exames médicos na admissão do
empregado como medida preventiva e também exames periódicos, visando garantir
um controle de saúde do subordinado.
Por oportuno que há diversos amparos legais para garantir a saúde do
trabalhador, pois o local de trabalho reflete no bem estar da vida dos empregados e
desta forma, a segurança e medicina do trabalho garantem o direito fundamental de
dignidade a pessoa humana.
Ora, é sabido que os direitos fundamentais possuem um inegável conteúdo
ético, pois, são valores básicos para uma vida digna em sociedade.
Chimenti entende que: “A dignidade da pessoa humana é uma referência
constitucional unificadora dos direitos fundamentais inerentes à espécie humana, ou
seja, daqueles direitos que visam garantir o conforto existencial das pessoas”. 14
Na perspectiva do Direito Constitucional pátrio, o artigo 1º, inciso III,
constitui como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa
humana e nesse prisma, todo ser humano tem direito a uma vida digna, e o meio
ambiente do trabalho deve tê-lo como parte integrante de sua plataforma.
Assentadas as noções supra, e mediante Carta Carta Magna em seu art. 225
resta claro a necessidade dos indivíduos em gozarem de uma saudável qualidade de
vida no meio ambiente com condições seguras de trabalho.

3. O Desenvolvimento das Doenças Ocupacionais Ocasionadas pela Degradação


do Meio Ambiente de Trabalho

Para encetar este exame, é legítimo indagar o significado de doença


ocupacional e o que a diferencia de acidente de trabalho.
A doença ocupacional engloba a doença profissional15 e a doença do trabalho16
e sua causa decorre de fatores relacionados ao ambiente de trabalho.
Ocorre em virtude da atividade desempenhada pelo trabalhador e se manifesta
internamente com o distúrbio das funções de um órgão ou do organismo. Geralmente
se desenvolve devido à exposição do indivíduo a agentes nocivos, definidos como
físicos, químicos ou biológicos ou também com o uso inadequado de determinado
equipamento.
Alice Monteiro de Barros esclarece que “em geral, as condições em que se
realiza o trabalho não são adaptadas à capacidade física e mental do empregado”.17
Observa-se que a doença ocupacional também engloba as doenças pré-
existentes quando as condições inadequadas de trabalho possibilitem o agravamento de
uma determinada doença e nesse ponto, pode-se entender que “as condições
excepcionais ou especiais do trabalho determinam a quebra da resistência orgânica
com a conseqüente eclosão ou a exacerbação do quadro mórbido, e até mesmo seu
agravamento”.18
No que concerne a acidente de trabalho, este se encontra disciplinado na Lei
8.213/91, em seu artigo 19 que de forma expressa estabelece que “Acidente do
trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo
exercício do trabalho (...), provocando lesão corporal ou perturbação funcional que
cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o
trabalho”.
Desta forma, deve haver um vínculo, chamado de nexo causal, entre a
atividade exercida pelo trabalhador e o acidente, para que se configure as doenças
ocupacionais, fator este também presente no acidente de trabalho.
O artigo 20 da citada Lei, assim define acidente de trabalho:
Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as
seguintes entidades mórbidas: doença profissional, assim entendida a
produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a
determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo
Ministério do Trabalho e da Previdência Social; doença do trabalho, assim
entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em
que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da
relação mencionada no inciso I.

Nessa ótica BRANDIMILLER (1996, p.145-146) elucida que “no sentido


genérico, acidente é o evento em si, a ocorrência de determinado fato em virtude da
conjugação aleatória de circunstâncias causais. No sentido estrito, caracteriza-se
também pela instantaneidade: a ocorrência é súbita e a lesão imediata”.
Conforme já restou demonstrado, entende-se que no acidente ocorre a lesão de
forma inesperada ao passo que a doença ocupacional é um estado patológico ou
mórbido de perturbação da saúde do trabalhador.19
Na força construtiva dos fatos, Sebastião Geraldo de Oliveira ensina que:

O fato gerador do acidente típico geralmente mostra-se como evento súbito,


inesperado, externo ao trabalhador e fortuito no sentido de que não foi
provocado pela vítima. Os efeitos danosos normalmente são imediatos e o
evento é perfeitamente identificável, tanto com relação ao local da
ocorrência quanto no que tange ao momento do sinistro, diferentemente do
que ocorre nas doenças ocupacionais. 20

Salienta-se que para se configurar doença ocupacional é necessário a presença


de três elementos básicos: A causalidade, a prejudicialidade e nexo etiológico ou
causal. Significa que se faz necessário que a doença decorra do trabalho de forma
inesperada e não provocada e que a perturbação funcional resulte em redução da
capacidade laborativa do empregado e por fim, haja conexão entre o trabalho e a
doença desenvolvida ou agravada.
Por oportuno, indaga-se a interferência do meio ambiente do trabalho no
desenvolvimento das doenças ocupacionais.
É certo que um ambiente de trabalho sadio de acordo com as normas legais em
nada prejudica na saúde do trabalhador, porém, há de se considerar que um ambiente
de trabalho inadequado interfere diretamente na saúde e bem estar do empregado.
Nesse enfoque, encontra-se a degradação do meio ambiente do trabalho como
sendo a inobservância do empregador em proporcionar e/ou manter perfeitas
condições de trabalho para que impossibilite o desenvolvimento de patologias.
Conforme disciplina Alice Monteiro de Barros, além de acidente de trabalho e
enfermidades profissionais, as deficiências nas condições em que o empregado executa
as atividades geram tensão, fadiga e insatisfação, fatores prejudiciais a saúde.21
Observa-se que ocorre uma perda na qualidade do meio ambiente de trabalho
cada vez mais em nossa sociedade, pois, cresce a necessidade do empregador em
investir nas ações que tragam lucro à empresa de forma rápida e com menor
diminuição financeira.
Porém, um ambiente de trabalho inadequado gera absenteísmo, instabilidade
no emprego e queda na produtividade.
É nesse ponto que se verifica o desconhecimento dos empresários, pois, ao
investirem em saúde, também estarão investindo na qualidade de trabalho e
conseqüentemente em maior produtividade que trará maior lucro além de evitar perdas
pecuniárias futuras em ações trabalhistas que visem reparar o dano.
Valentin Carrion22, em seu comentário à Consolidação das Leis de Trabalho,
assim expõe seu entendimento: “ A segurança e higiene do trabalho são fatores vitais
de prevenção de acidentes e na defesa da saúde do empregado, evitando o sofrimento
humano e o desperdício econômico lesivo às empresas e ao próprio país”.
Com a falta de cautela do empregador ao disponibilizar condições impróprias
de trabalho com mobiliário inadequado, em posições anti-ergonômicas ou na ausência
de equipamentos de proteção em condições que não é possível eliminar os riscos do
ambiente, o empregado corre o risco de adquirir uma irreversível moléstia.
É o caso do empregado que desenvolve um dos tipos de DORT - Doenças
Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, conhecida genericamente por LER -
Lesões por Esforços Repetitivos que se desenvolvem pela exigência de força
excessiva, posturas incorretas, movimentos repetidos, jornada de trabalho excessiva,
exigência crescente de produtividade, ausência ou insuficiência de pausas e outros
fatores que ocorrem devido à falta de atuação preventiva por parte das empresas nas
condições ambientais de trabalho.
Outro exemplo de patologia atinente é a Neoplasia maligna dos brônquios e do
pulmão que pode atingir trabalhadores responsáveis pelo processo de fundição que
utilizam equipamentos de proteção ineficazes, que não ilidem a insalubridade. Essa
moléstia se desenvolve pelo contato com a sílica livre em pó, produto extremamente
pernicioso, aspirável pela via respiratória.
Há inúmeros riscos causados pelas más condições de trabalho, dentre eles
podemos citar ainda o desenvolvimento de doenças causadas pela absorção do
chumbo, do mercúrio, de solventes e pela exposição à poeira de silicose ou amianto.
Para arrematar essa exposição, registra-se que a falta de observância das
condições adequadas de trabalho não só afetam o desenvolvimento econômico da
empresa pela perda da qualidade do trabalho e posterior perda pecuniária em
reclamatória trabalhista, mas também afeta diretamente o ser humano em sua
qualidade de vida, pondo em risco o direito de viver com dignidade.

4. A Degradação do Ambiente Laboral e a Consequente Reparação Civil


Motivada pela Doença Ocupacional

Para adentrar ao desenvolvimento do assunto, há de se ressaltar que a


degradação do meio ambiente laboral ocorre pela inobservância do empregador em
aplicar de forma eficaz normas que garantam a saúde e a segurança do trabalhador no
seu local de trabalho.
Indeclinável é o prestígio de valores essenciais ao ser humano para que este
trabalhe de forma digna e saudável, dentro dos parâmetros estabelecidos pela
sociedade e pela segurança e medicina do trabalho.
O artigo 157 da CLT estabelece que são obrigações da empresa “cumprir e
fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho e instruir os empregados,
através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar
acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais(...)”.
Conforme já restou demonstrado, é comum o desenvolvimento de doenças
ocupacionais devido ao desrespeito por parte do empregador em cumprir de forma
correta as condutas impostas pelas normas para garantir a saúde e bem estar de seus
empregados.
Certamente que as condutas incorretas geram dano moral e material ao
empregado, pelo qual o empregador tem a obrigação de ressarcir pecuniariamente.
Nas palavras de Maria Helena Diniz,

“a responsabilidade civil é, portanto, a aplicação de medidas que obriguem


uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em
razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por
alguma coisa a ela pertencente ou por simples imposição legal”. 23

Por oportuno, no que se refere ao dano material, este surge para ressarcir o que
pecuniariamente a vítima da doença ocupacional desprendeu em virtude da patologia
desenvolvida ou o que deixou de auferir em decorrencia dela.
Observa-se que o dano material está sedimentado no dano emergente e no
lucro cessante. O dano emergente consiste no prejuízo real sofrido pelo trabalhador, o
que este efetivamente perdeu em virtude da doença acometida.
Vislumbra-se nos casos em que são custeados pelo empregado exames
médicos, remédios, consultas médicas e demais despesas desprendidas devido a
patologia gerada pela ilicitude do empregador e que sem a qual não haveria redução no
patrimônio do lesado.
Nesse domínio, quando do afastamento do trabalhador de seu local de trabalho
para tratamento, este não não aufere mensalmente o mesmo ganho que recebia
enquanto trabalhava, restando, apenas, neste caso, a cargo do empregador, pagar as
diferenças entre o valor do benefício recebido pelo INSS e o valor dos vencimentos
que o obreiro recebia quando na ativa, restando caracterizado os lucros cessantes.
Salienta-se que o benefício previdenciário corresponde a 91% do salário
benefício e este é calculado pela média dos 80% maiores salários de contribuição de
todo o período contributivo, ou seja, não corresponde ao salário que o trabalhador
ganhava na ativa, o que já implica em prejuízo financeiro.
Entrementes, na extensão do Direito Previdenciário, é importante indagar que
o pagamento pela Previdência Social das prestações por doença ocupacional não
exclui a responsabilidade civil da empresa. A Súmula nº 229 do STF, assim disciplina:
“A indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso de dolo ou culpa
grave do empregador”.
Continuando na esfera do aspecto legal, há violação do artigo 7º inciso
XXVIII da Constituição Federal que assim disciplina: “São direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social o
seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização
a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”. Da mesma forma o artigo
121 da Lei nº 8.213/9124 determina: “O pagamento, pela Previdência Social, das
prestações por acidente do trabalho não exclui a responsabilidade civil da empresa ou
de outrem”.
Em decisão do Tribunal Superior do Trabalho o Ministro assim explicou a
questão:
RECURSO DE REVISTA. DANO MATERIAL LUCROS CESSANTES
PENSÃO VITALÍCIA FORMA DE CÁLCULO. Restando caracterizada a
ocorrência de danos materiais a empregado em decorrência de doença
profissional, com a consequente incapacitação para o trabalho, é devido o
pagamento, a título de lucros cessantes e de pensão mensal vitalícia, de
diferenças salariais entre o valor percebido pelo reclamante sob a forma de
benefício previdenciário e o salário que ele estaria percebendo, caso pudesse
laborar, desde o seu afastamento do trabalho. Recurso de revista conhecido e
provido.( RR - 70800-14.2006.5.18.0003 PUBLICAÇÃO: DEJT -
27/08/2010 - Ministro Relator RENATO DE LACERDA PAIVA)

O superior Tribunal de Justiça assim entendeu sobre a incapacidade do


lesionado em caso de doença profissional:
Ficando o ofendido incapacitado para a profissão que exercia, a indenização
compreenderá, em princípio, pensão correspondente ao valor do que deixou
de receber em virtude da inabilitação. Não justifica seja reduzida apenas pela
consideração, meramente hipotética, de que poderia exercer outro trabalho.
(Resp n° 233.610-RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, DJ 26/06/2000).

Evidentemente que estando constatada a incapacidade permanente para o


trabalho, resta configurado o prejuízo material do empregado capaz de ensejar a
indenização civil a título material.
Em Acórdão do TST o Ministro assim ensinou sobre o tema:

Frise-se, quanto à demonstração do dano material, que este se configura ante


a limitação física sofrida pelo empregado, pois a sua lesão é de caráter
irreversível, o que ocasionou a sua incapacidade para o trabalho, bem como
a aposentadoria por invalidez. Tal circunstância certamente impede ou, no
mínimo, restringe o reingresso do reclamante no mercado de trabalho, ainda
que aposentado, não havendo como negar o infortúnio sofrido pelo
trabalhador, tal como o prejuízo financeiro acarretado pela interrupção do
trabalho em plena condição de produtividade.” (TST - RR - 70800-
14.2006.5.18.0003 PUBLICAÇÃO: DEJT - 27/08/2010 - Ministro Relator
RENATO DE LACERDA PAIVA)

No que concerne a indenização por dano moral, esta surge com o objetivo de
preservar os direitos por uma melhor qualidade de vida, para que a prática do ato
ilícito seja punida e desestimulada.
O dano moral encontra-se amparado nos artigos 186, 927, 949, 950 e 951 do
Código Civil de 2002 e artigo 5º inciso X da Constituição Federal de 1988, além dos
entendimentos doutrinários e jurisprudenciais.
Evidentemente que a vítima ao ser acometida por uma doença desenvolvida
devido ao trabalho que desempenha passa a um estado emocional diverso e frustrante.
Para que se amenize esse estado de desânimo, há de se proporcionar os meios
adequados para a recuperação da vítima. Condenar o ofensor por danos morais implica
reparar o necessário para que se propicie os meios de retirar o ofendido do estado
melancólico a que fora levado.
Carlos Roberto Gonçalves entende que “indenizar significa reparar o dano
causado à vítima, integralmente. Se possível, restaurando o status quo ante, isto é,
devolvendo-a ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito”.25
Ocorre que retornar ao estado anterior é impossível e desta forma, a
compensação ao dano causado ocorre na forma de pagamento de um valor pecuniário.
Alice Monteiro de Barros esclarece que:

A fixação da compensação alusiva ao dano moral e psicológico resulta de


arbitramento do juiz, após analisar a gravidade da falta, a intensidade e a
repercussão da ofensa, a condição social da vítima, a sua personalidade e a
do ofensor, a possibilidade da superação física ou psicológica da lesão, bem
como o comportamento do ofensor após o fato, entre outros fatores.26

Ao se averiguar os danos morais ocasionados pela doença ocupacional


adquirida, resta claro à repercussão que esta traz a vida do trabalhador, principalmente
psicológica, conforme esclarece decisão Jurisprudencial abaixo aplicada:

“CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ACIDENTE DE TRABALHO.


LESÃO POR ESFORÇO REPETITIVO – LER. DANO MORAL.
PROCEDÊNCIA DA VERBA. Para a indenização por dano moral
motivada por doença profissional, bastante a prova do fato, do qual decorre,
no caso, a óbvia repercussão psicológica sobre a trabalhadora que se vê
atingida e frustrada em face da sua incapacidade para continuar exercendo a
atividade laboral para a qual se preparou e concretamente desempenhava,
integrada à classe produtiva de seu país. (...) (ST

Valho-me dos ensinamentos de Augusto Zenun que assim expõe: “ao se


condenar o ofensor por danos puramente morais, implica isto em condená-lo à
reparabilidade do necessário para que se proporcione ao sofredor os recursos, os meios
de retirá-lo do estado melancólico a que fora levado", e acrescenta:
"Conseqüentemente, não se trata de dar preço à dor, aos sofrimentos, aos sentimentos,
e nada há de vexativo nisso, assim como não há bis in idem, vez que tal reparabilidade
não se confunde com a material, mas há tão só cumulatividade.27
Se a doença trouxer incapacidade permanente ao trabalhador, o art. 950 do
Código Civil assim disciplina:

Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu
ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a
indenização, além das despesas de tratamento e lucros cessantes até o fim da
convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho
para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu. Parágrafo único. O
prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e
paga de uma só vez.

Dispõe, ainda, o artigo 951 do Código Civil que:

O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização
devida por aquele que, no exercício de atividade profissional,por
negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-
lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Nesse diapasão, configurado está o dano moral quando a vítima remanesce de


sofrimento psíquico e moral, uma vez que não haverá mais condições de igualdade no
mercado de trabalho, vejamos:

ACIDENTE DE TRABALHO. DOENÇA PROFISSIONAL. LER/DORT.


DANO MORAL E MATERIAL. INDENIZAÇÃO.A lesão física que
redunda em perda ou diminuição permanente da capacidade laborativa
causa, de uma só vez, dano de ordem material e moral ao empregado. (...) O
dano moral, por sua vez, remanesce do evidente sofrimento causado à
pessoa humana e da também óbvia repercussão psíquica e emocional, já que
o trabalhador estará sujeito, desde a lesão e pelo resto de sua vida, à
situação de desigualdade perante o mercado de trabalho. Comprovada a
lesão, o sofrimento, o nexo de causalidade e a culpa do empregador, a
condenação ao pagamento das indenizações é medida legítima. TRT-10 -
RECURSO ORDINARIO: RO 142200681210001 TO 00142-2006-812-10-
00-1

Um caso muito comum de doença ocupacional é a DORT, Doenças


Osteomusculares Relacionados ao Trabalho, que agrupam um conjunto de doenças que
afetam dolorosamente os trabalhadores, atingindo, principalmente, seus membros
superiores: dedos, mãos, punhos, antebraços, cotovelos, braços, ombros e pescoço. A
DORT se manifesta devido a mobiliário inadequado e esforços repetitivos no local de
trabalho e ensejam com freqüência reclamatórias trabalhistas indenizatórias. Vejamos
decisão a respeito:

RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO


TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL
DECORRENTE DE DOENÇA OCUPACIONAL. (...) DOENÇA
OCUPACIONAL. LER. INDENIZAÇÕES PELOS DANOS CAUSADOS
(MORAL/ PENSÃO MENSAL). Constatada a existência da doença
ocupacional (LER/DORT), o nexo de causalidade e a culpa da reclamada,
uma vez que a autora laborou por 22 anos em condições impróprias,
utilizando mobiliário inadequado, em posições anti-ergonômicas, causando
grave e irreversível moléstia. (...) TST - RECURSO DE REVISTA: RR

A indenização é devida de forma a compensar a dor do obreiro e como forma


de uma sanção à empresa a fim de desestimulá-la a praticar o ato novamente e
começar a dar segurança a seus empregados no ambiente de trabalho.
Neste sentido o TRT fundamenta o objetivo do dano:

TRT-PR-23-10-2009 INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VALOR.


FIXAÇÃO. A reparação pecuniária do dano moral deve, de um lado, servir
como compensação pela sensação de dor experimentada pela vítima, de
acordo com a gravidade e a extensão do dano, e, de outro, constituir uma
sanção ao ofensor, considerando sua capacidade econômica, a fim de
desestimulá-lo a praticar o ato novamente. Desse modo, o valor fixado terá
uma finalidade verdadeiramente educativa, induzindo o agente que praticou
o ato ilícito a mudar o seu comportamento, sem proporcionar, todavia, o
enriquecimento da vítima. Recurso ordinário do reclamante conhecido e
desprovido. TRT-PR-01805-2008-322-09-00-9-ACO-35911

A perda da saúde com contínuos tratamentos, fere a auto-estima do ser


humano. Esses passam a se distanciar da vida em sociedade, permanecendo em suas
casas, pois, sentem se menos estimados.
Seguindo esse entendimento, a jurisprudência assim estabelece quanto ao
empregado que se submete a longos tratamentos decorrentes de doença ocupacional:

TRT-PR-27-10-2009 DANO MORAL - ACIDENTE DE TRABALHO. O


acidente de trabalho macula a intimidade do trabalhador, que se submete a
exames médicos, longos tratamentos que por certo acarretam transtornos em
sua vida pessoal, elementos totalmente estranhos ao contrato de trabalho já
que este presume um pagamento em troca da força de trabalho, mas jamais
pressupõe abrir mão da saúde física e mental. Os efeitos de tais transtornos
são sentidos dia-a-dia através das dores, desconforto e incapacidade para
atividades antes rotineiras. O tomador dos serviços tem o dever de zelar pela
saúde de trabalhadores que lhe prestam serviços, obrigação esta decorrente da
função social da propriedade e do contrato. O descumprimento desse dever
gera uma dor moral que deve ser indenizada. Recurso ordinário a que se nega
provimento. TRT-PR-99503-2005-014-09-00-0-ACO-36310-2009 - 2A.

Frisa-se que a responsabilidade civil se encontra configurada diante da


presença dos seguintes pressupostos: culpa do empregador pela doença ocupacional,
dano e elo de causalidade.
Nesse ponto, o empregador tem o dever de adotar as medidas para eliminar os
riscos à saúde do obreiro. Se verificado a inobservância do empregador às condições
adequadas de segurança e medicina do trabalho e após, provado o nexo de causalidade
através de análise pericial do local em que o trabalhador desempenhava suas atividades
e do exame pericial do empregado acometido pela enfermidade, comprovado estará o
direito do empregado a reparação civil a título de danos morais.
Vejamos decisão jurisprudencial a respeito das obrigações dos empregadores
de zelar pela saúde dos empregados:

TRT-PR-27-07-2010 DOENÇA OCUPACIONAL. REDUÇÃO DA


CAPACIDADE LABORATIVA. DANO MATERIAL E MORAL
CONFIGURADOS. Não se olvide que a empresa tem o dever de observar e
fazer observar as normas de segurança e medicina do trabalho, com vistas a
proteger a saúde e a integridade física do trabalhador, onde se insere o alerta
aos empregados. Logo, tendo o Réu determinado a um de seus empregados
que dirigisse veículo da empresa, deveria orientá-lo na prevenção de
acidentes, eis que a função tem riscos ergonômicos (postural), fato conhecido
pela própria Ré, conforme atestado de saúde ocupacional quando da admissão
do Autor. Configurado o ato ilícito, o dano e o nexo causal entre a lesão e o
trabalho, correta a condenação relativa ao dever de indenizar, tanto material
como moralmente, eis que comprovada redução da capacidade laborativa.
Recurso da Reclamada a que se nega provimento. (...) Recurso a que se nega
provimento. (TRT-PR-38302-2007-029-09-00-8-ACO-23766-2010 - 1A.
Assentadas as noções supra, é indeclinável o prestígio do diploma laboral ao
reconhecer a responsabilidade civil do empregador quando este não cumpre com as
normas de segurança e medicina do trabalho.

5. Considerações Finais

O meio ambiente do trabalho se configura como o local em que o empregado


exerce suas atividades diárias em troca de uma contra-prestação pecuniária chamada
de salário.
À luz da proteção legal, o local de trabalho deve possuir todas as condições
dignas e que proporcionem saúde e segurança ao trabalhador.
Ressalta-se que não há plenitude no cumprimento das normas, e se torna
comum o aparecimento de um meio ambiente de trabalho degradado que podemos
definir como desonroso e imoral.
A alusão a um ambiente de trabalho degradado se faz devido a falta de
conhecimento ou de vontade do empregador em empregar os meios adequados para
que os empregados possam realizar suas atividades com qualidade. A ignorância
decorre da necessidade do empresário em desprender menos dinheiro na empresa,
possuir a mão de obra necessária e os maquinários para produção e com isso gerar
cada vez mais lucros. Desconhece, portanto, que o resultado pode ser contrário ao seu
planejamento além de colocar a vida de um ser humano em risco.
Nessa esfera, é comum o desenvolvimento de doença ocupacional, que se
origina devido a condições inadequadas de trabalho.
Nessa perspectiva, a responsabilidade civil já sedimentada no diploma legal
passa a ser aplicada no âmbito trabalhista, visando desestimular a conduta do
empregador para que este forneça segurança a seus empregados no ambiente laboral ao
mesmo tempo que compensa de alguma forma a dor do empregado enfermo e o
tranqüiliza ao sancionar o empregador pelo ocorrido.
Por certo que um meio ambiente do trabalho com absoluta adequação as
normas de segurança e digno, destaca-se como um dos mais importantes e
fundamentais direitos do trabalhador, e sua não observância representa agressão não só
ao ser humano de forma individual, mas a toda a sociedade.
RESUMO

Fica evidenciada neste trabalho, a importância de pesquisas que visam


contribuir com dados que podem ser utilizados para a prevenção, ou
fiscalização de locais de trabalho, com o devido conhecimento sobre a
legislação e sua aplicabilidade será possivel entender o atual estado da cidade
e seus aspectos relacionados a saúde e segurança do trabalho. A ação de
empresas sobre o tema é discutido no setor de turismo, especificamente em
agências de turismo, pois em sua maioria as condições de saúde e segurança
não são tratadas como manda a lei, fazendo com que os índices de acidentes
de trabalho só aumentem. Como o ser humano para sua sobrevivência
necessita do trabalho, tornam-se precisos estudos que avaliem tal a situação
do ambiente laboral. O objetivo deste trabalho é analisar as condições gerais
de aplicabilidade da legislação trabalhista na Cidade de Curitiba em 2014 e
início de 2015, para presumir qual a atual realidade do conhecimento sobre
legislação trabalhista dos empregadores. A metodologia utilizada foi a
aplicação de um questionário e através dele, a geração de gráficos que
possibilitaram observar o percentual de conhecimento de partes especificas
como se a empresa elabora ou não PPRA, o mesmo para o PCMSO,
observância da necessidade de ter um Designado de CIPA, entre outros temas
relevantes sobre saúde e segurança do trabalho. Os resultados encontrados
demonstram que o conhecimento e a aplicabilidade da legislação trabalhista
ocorrem, porem de uma forma não muito expressiva e talvez apenas para
cumprir a lei, e não focada em assegurar a integridade de trabalhadores, da
cidade.
1. INTRODUÇÃO

O turismo no Brasil vem crescendo a cada ano, estatísticas realizadas pelo


Ministério do Turismo mostram que as chegadas de turistas no Brasil
aumentaram em torno de 1 milhão de passageiros de 2010 até 2013,
recebendo por ano um total de 5,8 milhões de turistas, dentro do Brasil a
movimentação das viagens também é bastante grande, tendo um crescimento
de 20 milhões de 2010 a 2013, com isto o número de agências vem crescendo
num ritmo muito grande, segundo o Ministério do Turismo temos até o ano de
2015, um valor aproximado de 676 agências somente na região de Curitiba, a
legislação trabalhista atualmente regula e direciona empresas e empregados,
foi uma conquista que o país conseguiu e que constantemente tem que ser
revisada, pois o ambiente laboral assim como todos os outros setores é
dinâmico e estão em constante mudança, seja pela aquisição de novos
equipamentos, seja pela modernização dos antigos.

Novos riscos a saúde e segurança dos trabalhadores podem surgir a cada


dia, estes riscos são responsáveis muitas vezes pelo adoecimento do
trabalhador, e causador de acidentes do trabalho. Para que isto não venha
acontecer, a legislação criou leis especificas que são as Normas
Regulamentadoras, para que a empresas cumpram a lei e se orientem quanto
a atitudes que devam tomar. Uma das principais ferramentas para este cuidado
com o ambiente do trabalho é o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais,
que deve ser atualizado anualmente, a fim de reconhecer e antecipar riscos
que possam afetar a saúde e segurança dos trabalhadores.

Este programa é apenas o inicio de uma serie de medidas que as empresas


precisam tomar, nesta linha de legislação e aplicabilidade, o presente trabalho
irá demonstrar nos capítulos seguintes às leis que existem e foram utilizadas
para o conhecimento da realidade trabalhista no município de Curitiba.

Posteriormente será possível entender como foi elaborado um questionário


que foi aplicado em 60 agências de turismo da cidade, para gerar os gráficos e
análises da real situação do conhecimento e aplicabilidade da legislação
trabalhista na cidade.

1.1. OBJETIVOS

Este trabalho visa, através de um questionário, analisar o conhecimento


e aplicabilidade das legislações trabalhistas referente à saúde e segurança do
trabalho em Curitiba.

1.1.1. Objetivo Geral

O principal objetivo do trabalho é gerar analises estatísticas sobre o


conhecimento da legislação trabalhista brasileira na cidade de Curitiba, com a
finalidade de saber qual é o percentual de agências que atendem as Normas
Regulamentadoras, com base no questionário elaborado.

1.1.2. Objetivos específicos

Com o questionário elaborado será possível obter percentuais a respeito da


cultura em Saúde e Segurança do Trabalho (SST) e verificar como está a
preocupação das agências com seus funcionários nas questões abordadas .

Como o questionário abrange diversos temas da área de SST, a análise


foca nos principais temas que deveriam ser de conhecimento de todas as
empresas que tenham funcionários registrados. Como é o caso da legislação
previdenciária, a aplicação de algumas Normas Regulamentadoras (NR).

1.2. JUSTIFICATIVA

O presente trabalho visa através de seus resultados, obter informações


para verificar se deve-se melhorar a condição de trabalho nas agências de
turismo na cidade de Curitiba, ou não, através de algum tipo de ação, tendo
como base as respostas obtidas.
2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Neste tópico serão abordados termos que fundamentam o conhecimento a


respeito do tema que está sendo estudado, será apresentada a legislação que
fundamenta e guia todo o processo que está descrito nos demais itens.

2.1. LEGISLAÇÃO TRABALHISTA

De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego (2014), a legislação


trabalhista é o conjunto de Leis que regulamentam os direitos e deveres dos
trabalhadores, assim como, os direitos e deveres dos empregadores. A
legislação trabalhista existe para proteger o trabalhador que empreende seus
esforços em busca de um objetivo comum com o empregador, e do seu salário
obtém o sustento próprio e de sua família. Portanto o trabalho tem importância
social, e o Estado também tem o dever de proteger suas relações.

Para evitar ações trabalhistas, o empregador deve cumprir a legislação


trabalhista vigente. Para tanto, recomenda-se que conheça e pratique o
conteúdo das leis, a legislação trabalhista no Brasil é bastante ampla e muitas
vezes cheia de detalhes, sempre sofre alterações em virtude da dinâmica do
direito do trabalho, desta forma, é obrigação do empregador estar atualizado
sobre a legislação e suas alterações (MTE,2014).

A Consolidação das Leis do Trabalho, cuja sigla é CLT surgiu pelo


Decreto-Lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943, sancionada pelo então presidente
Getúlio Vargas, unificou toda legislação trabalhista existente no Brasil. Seu
principal objetivo é a regulamentação das relações individuais e coletivas do
trabalho. A CLT é o resultado de anos de trabalhos de juristas, que visou
atender à necessidade de proteção do trabalhador. A CLT regulamenta as
relações trabalhistas, tanto do trabalho urbano quanto do rural (TST, 2014).

A LEI N° 6.514 de 1977 criou as Normas Regulamentadoras. A lei


alterou o Capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
relativas à Segurança e Medicina do Trabalho. As NR’s foram aprovadas pela
Portaria N.° 3.214, em 08 de junho de 1978.
As Normas Regulamentadoras são normas elaboradas pelo Ministério
do Trabalho. Foram criadas e devem ser observadas a fim de promover saúde
e segurança do trabalho na empresa. As NR existem também para nos ensinar
como cumprir e para detalhar a CLT (MTE, 2014).

De acordo com a NR-01 item 1.1.1. do Ministério do Trabalho e


Emprego, as NR’s (Normas Regulamentadoras), relativas à segurança e saúde
do trabalho, são de observância obrigatória para toda a empresa ou instituição
que admitem empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT). Isso também inclui órgãos públicos da administração direta e indireta,
bem como, também os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário que tem
funcionários regidos pela CLT (BRASIL, 2013).

As NR’s foram criadas para dar um formato final nas leis de Segurança
do Trabalho. Foram feitas em capítulos para facilitar, normatizar e unificar as
normas de seguranças brasileiras. As Normas Regulamentadoras tem força de
lei,(LEI N° 6.514,1977).

As Normas Regulamentadoras são alteradas sempre que os formadores


da Comissão Tripartite, (governo, representante dos empregados, e
representante dos empregadores), julgam necessário. Mesmo sendo alteradas
por Portarias, continuam com o mesmo número de Portaria, ou seja, 3.214/78,
(PORTARIA 3.214,1978).

As NR só podem ser elaboradas e modificadas por meio de Portarias


expedidas pelo MTE, e isso acontece sempre que o mesmo sente que algo
precisa ser modificado, melhorado ou excluído (MTE,2009).

O Ministério do trabalho e emprego (2009) comenta ainda que as NR’s


são criadas a partir das seguintes necessidades:

- Demandas da sociedade;

- Bancadas de empregadores e trabalhadores;

- Órgãos governamentais;

- Necessidades apontadas pela inspeção do trabalho;


- Compromissos internacionais;

- Estatísticas de acidentes e doenças.

Como consta na NR-01 no item 1.2 do Ministério do Trabalho e Emprego


a observância das Normas Regulamentadoras não desobriga as empresas do
cumprimento de outras leis que, com relação à segurança e saúde do trabalho,
sejam incluídas em códigos de obras ou regulamentos sanitários dos Estados
ou Municípios, e outras, oriundas de convenções e acordos coletivos de
trabalho atualmente estão em vigor 36 NR’s (BRASIL, 2013).

2.1.1. Acidentes de Trabalho

Conforme dispõe o artigo 19 da Lei n° 8.213/91(1991), acidente de


trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou
pelo exercício do trabalho, provocando lesão corporal ou perturbação funcional
que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária da
capacidade para o trabalho.

Como a definição da Lei n° 8.213/91(1991), trata apenas de acidente do


trabalho, é importante lembrar que estes são acidentes que são mensuráveis,
ou seja, existem registros e quantificação e incidência da ocorrência. Porém
não são todas as empresas que relatam estes acidentes, assim como não são
todas as empresas que evitam que eles aconteçam. Está falta de providencia
pode ser pela falta de conhecimento da legislação existente, ou a falta de
percepção dos riscos existentes nas atividades laborais.

Para que possam existir leis que regulamentes ou norteiem atividades


ocupacionais, é de fundamental importância que seja criado um banco de
dados com as informações do tipo de acidente, hora, local, gravidade, fonte
geradora, entre outras informações adicionais que possam ser utilizadas para a
revisão ou até a criação de novas normas regulamentadoras, ou alterações dos
textos existentes. Os dados estatísticos de Acidentes de Trabalho de 2011
divulgados pelo Ministério da Previdência Social indicam, em comparação com
os dos anos anteriores, um pequeno aumento no número de acidentes de
trabalho registrados (TST, 2011).
O número total de acidentes de trabalho registrados no Brasil aumentou de
709.474 casos em 2010 para 711.164 em 2011.

O número de mortes também aumento: de 2.753 mortes registradas em


2010, para 2.884 em 2011. O número de acidentes seguiu a mesma tendência,
os quais passaram de 417.167 em 2010 para 423.167 registros em 2011.

Já os dados apurados pelo Ministério da Previdência Social quanto às


doenças ocupacionais registram queda: de 17.177 em 2010 para 15.083 em
2011.

2.1.2. PPRA

Segundo a NR-09 do Ministério do Trabalho e Emprego, PPRA é a sigla


utilizada para se referir ao Programa de Prevenção de Riscos Ambientais, que
é a Norma Regulamentadora 9, esta norma obriga a elaboração e
implementação do programa as empresas que tenham funcionários, com o
intuito de preservar a saúde e a vida dos trabalhadores, através da
antecipação, reconhecimento, avaliação e consequentemente controle da
ocorrência de riscos ambientais existentes no ambiente de trabalho (BRASIL,
2013).

Ainda de acordo com a NR-09 do Ministério do Trabalho e Emprego,


cada empresa é responsável por elaborar o seu documento, pois ele depende
da particularidade encontrada em cada local de trabalho. Vale lembrar que o
PPRA é parte de um amplo conjunto de iniciativas que visam defender a
integridade dos trabalhadores (BRASIL, 2013).

A NR-09 do Ministério do Trabalho e Emprego prevê que o programa


deve estar correlacionado com as demais Normas Regulamentadoras, para
que de fato seja um conjunto de ações que minimizem os riscos, mas em
especial o PPRA deve estar bem articulado com o (PCMSO), pois os riscos
identificados no PPRA, e a descrição das atividades dos trabalhadores são os
parâmetros que podem gerar exames específicos para a prevenção e ou
identificação de doenças do trabalho (BRASIL, 2013).

2.1.3. PCMSO

De acordo com a NR-07 do Ministério do Trabalho e Emprego, PCMSO


é o nome dado ao Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional,
estabelecido pela Norma Regulamentadora 7, assim como o PPRA o PCMSO
é obrigatório ser elaborado e implantado em empresas e instituições que
tenham trabalhadores como empregados, sendo que o objetivo do programa é
a promoção e preservação da saúde do conjunto de trabalhadores (BRASIL,
2013).

A a NR-07 do Ministério do Trabalho e Emprego, detalha as diretrizes e


as formas de execução do programa, e cita em seu item 7.4.4. que para cada
exame médico será emitido um Atestado de Saúde Ocupacional, (ASO), o qual
uma via fica com a empresa e a outra via com fica com o trabalhador, para que
ele tenha acesso a suas condições de saúde(BRASIL, 2013).

2.1.4. Designado de CIPA

De acordo com a NR-5, a empresa que possuir de 1 a 19 funcionários


tem por obrigação ter um designado de CIPA, uma pessoa que receberá um
treinamento de 20 horas que terá validade de 1 ano. Esta pessoa fará o papel
da CIPA na empresa e estará preparada para atuar de forma responsável em
caso de acidentes, como por exemplo, ajudar na fuga em situação de incêndio,
fazer os procedimentos de primeiros socorros em um acidentado, entre outras
funções relacionadas a segurança no trabalho.
2.1.5. Ergonomia

A questão da ergonomia é abordada na NR-17, visando estabelecer


parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às
características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um
máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente. Para avaliar a
adaptação das condições de trabalho às características dos trabalhadores,
cabe ao empregador realizar a análise ergonômica do trabalho, devendo a
mesma abordar, no mínimo, as condições de trabalho conforme estabelecido,
observando postos de trabalho, assentos, suporte para os pés, teclados, tela
de computadores em alturas ideais, níveis de ruído aceitáveis, segundo NR 17,
temperatura efetiva entre 20 e 23 graus celsius, iluminação mínima baseada na
NR 17, entre outros. A Norma Regulamentadora nº 17, busca instituir métodos
que ajuste e melhore as condições de trabalho, ocasionando conforto aos
trabalhadores, além de trazer segurança e eficiência para a realização das
atividades a serem desempenhadas.

Logo, para alcançar tais propósitos faz-se necessário que os


equipamentos sejam adaptados as características físicas e psicofisiológicas
dos trabalhadores e à natureza do trabalho que será realizado.

Observa-se que o objetivo da NR-17 é aperfeiçoar o ambiente de


trabalho, criando um local mais seguro e confortável.
Assim, nas atividades que abranjam leitura de documentos para digitação,
datilografia ou mecanografia, deve:

- Ser fornecido suporte adequado para documentos que possa ser


ajustado proporcionando boa postura, visualização e operação, evitando
movimentação frequente do pescoço e fadiga visual;

- Ser utilizado documento de fácil legibilidade sempre que possível,


sendo vedada a utilização do papel brilhante, ou de qualquer outro tipo que
provoque ofuscamento.

Nota-se que a finalidade destas regras é evitar que a leitura de


documentos ocasione problemas na visão e na postura do trabalhador, dentre
tantos outros problemas de saúde que o não cumprimento das normas pode
ocasionar.

Já em relação aos equipamentos utilizados no processamento eletrônico


de dados com terminais de vídeo devem as empresas observar as seguintes
regras:

- Condições de mobilidade suficientes para permitir o ajuste da tela do


equipamento à iluminação do ambiente, protegendo-a contra reflexos, e
proporcionar corretos ângulos de visibilidade ao trabalhador;

- O teclado deve ser independente e ter mobilidade, permitindo ao


trabalhador ajustá-lo de acordo com as tarefas a serem executadas;

- A tela, o teclado e o suporte para documentos devem ser colocados de


maneira que as distâncias olho-tela, olho-teclado e olho-documento sejam
aproximadamente iguais;

- Serem posicionados em superfícies de trabalho com altura ajustável.

As regras acima podem deixar de ser aplicadas, quando a utilização de


equipamento de eletrônico com terminais de vídeo forem usados
eventualmente, desde que analisada a natureza das tarefas executadas, além
da aplicação da análise ergonômica do trabalho.

Para evitar acidente de trabalho, as máquinas e equipamentos


eletrônicos devem possuir dispositivos de partida e parada, para que os
trabalhadores possam desligar rapidamente em caso de risco, conforme prevê
o artigo 184 da CLT.
Além disso, as manutenções, limpeza e adaptações devem ocorrem com as
máquinas desligadas a menos se o movimento for indispensável para atingir o
objetivo (artigo 185 da CLT).
Deste modo, as empresas devem ter consciência dos riscos que a
utilização de máquinas e equipamentos eletrônicos pode trazer para saúde de
seus trabalhadores, buscando aplicar a ergonomia no ambiente de trabalho.
Portanto, a aplicação da ergonomia evitará o desenvolvimento de
doenças nos trabalhadores e até mesmo possíveis acidentes de trabalho com a
utilização de máquinas ou equipamentos eletrônicos.

Para aplicação das condições ambientais do trabalho é necessário que


se conheça o local de trabalho, logo, o ambiente deverá ser examinado por
profissional qualificado que após a análise estabelecerá regras desde os
móveis a serem utilizados pelos trabalhadores, até a postura dos mesmos.

Assim, nos locais de trabalho que sejam solicitados empenho intelectual


e atenção constantes, tais como: salas de controle, laboratórios, escritórios,
salas de desenvolvimento ou análise de projetos, dentre outros, são
recomendadas as seguintes condições de conforto:

- Níveis de ruído de acordo com o estabelecido na NBR 10152, norma


brasileira registrada no INMETRO;

- Índice de temperatura efetiva entre 20ºC e 23ºC (graus centígrados);

- Velocidade do ar não superior a 0,75m/s;

- Umidade relativa do ar não inferior a 40%.

Nota-se que em atividades que exijam concentração e a utilização do


intelectual é necessário que não se tenha barulho, devendo as empresas
seguir os índices acima, sob pena de autuação por parte do MTE.

Além disso, as empresas devem observar a iluminação do ambiente,


pois nos locais de trabalho a iluminação deve ser adequada, natural ou
artificial, geral ou suplementar, apropriada à natureza da atividade.

Devendo seguir as regras abaixo em relação à iluminação:

- A iluminação geral deve ser uniformemente distribuída e difusa.


- A iluminação geral ou suplementar deve ser projetada e instalada de
forma a evitar ofuscamento, reflexos incômodos, sombras e contrastes
excessivos.

- Os níveis mínimos de iluminamento a serem observados nos locais de


trabalho são os valores de iluminâncias estabelecidos na NBR 5413, norma
brasileira registrada no INMETRO.

Portanto o empregador deve sempre examinar se a luz natural ou


artificial não está interferindo na realização das atividades dos trabalhadores,
por exemplo, o reflexo da luz na tela do computador pode causar esforço para
enxergar.

Assim, as aplicações de tais medidas podem poupar o esforço da visão


dos empregados, evitando e prevenindo doenças relacionadas com a visão.

A organização do trabalho deve ser adequada às características


psicofisiológicas dos trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado.

Desta forma a NR-17, estabelece que se deva levar em consideração,


no mínimo:
- As normas de produção;

- O modo operatório;

- A exigência de tempo;

- A determinação do conteúdo de tempo;

- Ritmo de trabalho;

- O conteúdo das tarefas.

Já nas tarefas que determinem sobrecarga muscular estática ou


dinâmica do pescoço, ombros, dorso e membros superiores e inferiores, e a
partir da análise ergonômica do trabalho, deve ser observado o seguinte:
- Para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie deve
levar em consideração as repercussões sobre a saúde dos trabalhadores;

- Devem ser incluídas pausas para descanso;

- Quando do retorno do trabalho, após qualquer tipo de afastamento


igual ou superior a 15 (quinze) dias, a exigência de produção deverá permitir
um retorno gradativo aos níveis de produção vigentes na época anterior ao
afastamento.

A inobservância destas condições pode refletir no desenvolvimento de


doenças profissionais como, por exemplo, a DORT (Doenças Ósteo-articulares
Relacionadas ao Trabalho).

Portanto, para prevenir e evitar que os trabalhadores desenvolvam este


tipo de doença as empresas devem buscar aplicar tais regras.

Nestas atividades, salvo o disposto em convenções e acordos coletivos


de trabalho, observar o seguinte:

- O empregador não deve promover qualquer sistema de avaliação dos


trabalhadores envolvidos nas atividades de digitação, baseado no número
individual de toques sobre o teclado, inclusive o automatizado, para efeito de
remuneração e vantagens de qualquer espécie;

- O número máximo de toques reais exigidos pelo empregador não deve


ser superior a oito mil por hora trabalhada, sendo considerado toque real, para
efeito da NR-17, cada movimento de pressão sobre o teclado;
- O tempo efetivo de trabalho de entrada de dados não deve exceder o
limite máximo de cinco horas, sendo que, no período de tempo restante da
jornada, o trabalhador poderá exercer outras atividades, observado o disposto
no artigo 468 da CLT, desde que não exijam movimentos repetitivos, nem
esforço visual;
- Nas atividades de entrada de dados deve haver, no mínimo, uma
pausa de dez minutos para cada 50 minutos trabalhados, não deduzidos da
jornada normal de trabalho;
- Quando do retorno ao trabalho, após qualquer tipo de afastamento
igual ou superior a quinze dias, a exigência de produção em relação ao número
de toques deverá ser iniciado em níveis inferiores do máximo de oito mil por
hora trabalhada e ser ampliada progressivamente.

Observa-se, que as atividades de processamento eletrônico de dados


são repetitivas e acabam causando grandes desgastes nos trabalhadores, que
podem desenvolver problemas de saúde com facilidade, com o intuito de
proteger e poupar danos a estes trabalhadores a NR-17 veio instituir tais regras
que são de extrema importância para tais trabalhadores.
Portanto, ao instituir tais normas, ganham os trabalhadores e o empregador,
pela preservação da saúde e a diminuição de atestados e afastamentos junto
ao INSS.

2.2. LEGISLAÇÃO PREVIDENCIÁRIA

De acordo com o Ministério da Previdência Social (2014) a previdência


social no Brasil é organizada sob a forma de regime geral, de caráter
contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o
equilíbrio financeiro, e atenderá, nos termos da lei, a proteção ao trabalhador.

A previdência social serve para regulamentar os direitos e deveres dos


segurados da previdência, gerando benefícios os que estão assegurados por
estas leis, sendo os benefícios seguintes (MPAS, 2014):

a) o Auxílio-Doença, devido aos segurados que se encontram


temporariamente incapacitados para o trabalho por período superior a 15
(quinze) dias;

b) a Aposentadoria por Invalidez, devida ao segurado que esteja total e


definitivamente incapacitado para o desenvolvimento de suas atividades
laborativas;

c) a Aposentadoria por Idade, devida aos segurados que preencham os


requisitos de idade e carência previstas em lei;
d) a Aposentadoria por Tempo de Contribuição, devida aos segurados
que preencham o número mínimo de contribuições previsto em lei;

e) Pensão por Morte, devida aos dependentes do segurado falecido;

f) benefício assistencial, devidos aos deficientes e idosos maiores de 65


(sessenta e cinco) anos, que estejam em condições de miserabilidade,
independentemente de contribuições ao INSS.

O Ministério da Previdência Social (2014) comenta que existem outros


benefícios previdenciários, porém os benefícios acima listados são os que
correspondem à maioria dos requerimentos dos trabalhadores. Esta legislação
trabalhista e previdenciária também serve para a demonstração de como a
gestão é fundamental para que a organização, como um todo, compreenda
riscos e benefícios a serem assumidos.

O Decreto 96 (2003) do INSS criou o Perfil Profissiográfico


Previdenciário (PPP) e ficou definido sua obrigatoriedade de elaboração a partir
de 01/01/2004. O PPP é um documento do histórico do trabalhador que reúne
informações, dados administrativos, registros ambientais e resultados de
monitoração biológica, durante todo o período em que este exerceu suas
atividades na respectiva empresa, tem por objetivo primordial fornecer
informações para o trabalhador quanto às condições ambientais de trabalho,
principalmente no requerimento de aposentadoria especial. A base para emitir
o PPP estará disposta nos seguintes documentos:

a) Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA;

b) Programa de Gerenciamento de Riscos - PGR;

c) Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da


Construção - PCMAT;

d) Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional - PCMSO;

e) Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho - LTCAT;


f) Comunicação de Acidente do Trabalho - CAT.

A atualização do Perfil Profissiográfico Previdenciário deve ser


feita sempre que houver alteração que implique mudança das informações
contidas nos documentos acima ou pelo menos uma vez ao ano, quando
permanecerem inalteradas as informações (MPAS, 2014).
3. METODOLOGIA

3.1. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

A área de estudo foi definida após a elaboração do questionário que foi


aplicado, a fim de obter uma maior representatividade da realidade do
município de Curitiba, em assuntos relacionados com a questão de saúde e
segurança do trabalho, devido ao grande crescimento que esta área está tendo
no setor de turismo, como já foi mostrado anteriormente.

Outro fator relevante na escolha do município de Curitiba é o fato de ser


dentro do estado do Paraná o maior PIB, ou seja, existe uma grande relação de
oferta e consumo, fator que desenvolve setores produtivos da economia como
por exemplo o turismo, e consequentemente geram empregos, .

Dentro do município escolhido foi aplicado o questionário em 60


agências de turismo, o mesmo foi aplicado “in loco” e todas 60 agências
responderam as perguntas.

3.2. ELABORAÇÃO DO QUESTIONÁRIO

O questionário foi elaborado como comentado anteriormente para tentar


montar um perfil de conhecimento, da sociedade Curitibana, em torno de
cultura, aplicação e motivação em assuntos ligados a Saúde e Segurança do
Trabalho.

A primeira pergunta realizada foi se a empresa já teve algum acidente de


trabalho, verificando se realmente é uma cultura organizacional e preventiva.

As perguntas seguintes 2 e 3 sucessivamente, perguntava se a empresa


elaborava PPRA, tendo por objetivo observar se a empresa preserva a saúde e
a integridade dos trabalhadores, e PCMSO, onde observa-se se a empresa
promove e preserva a saúde do seu conjunto de trabalhadores.
A pergunta número 4, buscava saber se a empresa possuía um
designado de CIPA, visando a segurança dos trabalhadores em alguma
situação inesperada, pois pelo baixo número de funcionários em uma agência
de turismo (menor que 20), não seria necessário ter CIPA.

A questão seguinte, de número 5, buscou verificar se as empresas estão


se preocupando com a ergonomia no local de trabalho, uma preocupação com
a saúde e bem estar do funcionário.

Com a relação dos documentos (PPRA, PCMSO) e Designado de CIPA,


relacionados com as respostas da pergunta de número 01 (A empresa teve
algum acidente nos últimos 3 anos?) vai ser possível verificar se o número de
acidentes diminui.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Com as respostas obtidas pela pergunta 1, foi elaborado o gráfico com os


percentuais.

No gráfico ilustrado pela FIGURA 02


0 fica evidente que em agências de
turismo o número de acidentes de trabalho é baixo, porém pode-se
pode diminuir.
Nenhuma empresa não soube responder se já houve ou não acidentes e a
grande maioria respondeu que não houve acidente, concluindo-se
concluindo que o
ambiente não é muito propício a tal acontecimento.
O resultado obtido pelas respostas das perguntas 2 e 3 pode ser
explicado, pois nas entrevistas as empresas estavam fazendo o PPRA para
gerar o PCMSO e enviar seus colaboradores para os exames, portanto o fato
do
o questionário ter sido aplicado neste momento levou as perguntas 2 e 3
terem sempre as mesmas respostas.

Um fato a ser percebido é que 62% dos entrevistados disseram que não
fazem nem PPRA nem PCMSO, o que nos faz pensar que a preocupação em
se ter estes dois tipos de documentos em agências de turismo não é muito
grande, podendo gerar a qualquer momento problemas para a empresa.

No gráfico gerado podemos perceber que a maior parte das agências


não possui um designado de CIPA, não levando em conta o que nos diz a NR-
NR
5, que prevê um designado de CIPA para empresas que possuem de 1 a 19
funcionários, acima desse valor a empresa necessita possuir a CIPA
propriamente dita, verificamos então que precisa ser feito algum tipo de
trabalho em reação a este assunto, com o objetivo de orientar as agências a
designarem alguém para fazer o curso e explicar os reais motivos pelos quais
q
se faz de
e grande importância tal função, observando que nenhuma agência que
visitei possuía um número maior que 19 funcionários, não seria necessário ter
uma CIPA.

Uma característica marcante no gráfico, representado pela FIGURA 06


0 é
que fica evidenciado que a maioria das empresas, 55%, não fez nenhum
estudo em relação a ergonomia, uma parte um pouco menor, 37%, não sabia
se a empresa já havia feito algum estudo, fato que pode ocorrer devido a
grande rotatividade de pessoas nas agências,
agências, uma pequena parte, 8%, já fez
estudos sobre ergonomia em seus locai de trabalho, mas ainda é um número
muito pequeno, que também pode ser melhorado se mostrarmos o quão é
importante o ambiente, as instalações e os equipamentos utilizados pelos
funcionários, a NR-17
17 nos rege neste quesito e não está sendo muito seguida,
pelo menos nas empresas que visitei. Relacionando o número de acidentes
com a elaboração ou não do PPRA e PCMSO e também com o fato da
empresa possuir ou não um Designado de CIPA, através
através do questionário pude
verificar que as empresas que possuíam os documentos e o designado de
CIPA, foram as empresas que não tiveram acidentes.
5. CONCLUSÃO

Na cidade de Curitiba, pelos resultados obtidos no trabalho, nota-se que


as agências de turismo não estão muito preocupadas com a questão da
saúde e segurança do trabalho.

Como foi mostrado, existem pequenas porcentagens de agências que


levam em conta as questões de segurança e possuem documentos como
PPRA, PCMSO, ou mesmo as que possuem um designado de CIPA ou
fazem um estudo sobre ergonomia em suas empresas.

Existem porém, algumas agências, que culturalmente atuam de forma


responsável e digna para com a SST de seus trabalhadores, entretanto
ainda é um número muito pequeno, como pudemos notar nos gráficos e a
realidade que acontece com a grande maioria dos estabelecimentos ainda
está longe do ideal.

Neste trabalho ficou claro e evidenciado que a maior parte das agências
de turismo ainda não cumpre as leis, muitas vezes este não cumprimento é
devido ao não conhecimento das legislações, uma forma de mudar este
quadro seria com campanhas que tenham como objetivo informar aos
empreendedores e empresários os quesitos básicos de legislação
trabalhista, indicando os pontos positivos em se ter uma empresa que
atende totalmente as leis de segurança do trabalho.
INSALUBRIDADE, PERICULOSIDADE E A PENOSIDADE NO AMBIENTE DE
TRABALHO
Edileide Martins1
Isabel Maciel Mousquer2

RESUMO: A Constituição Federal é um marco no que se refere à garantia de direitos sociais, pois
buscou elencar diversos Direitos Trabalhistas, estabelecidos no artigo 7º e seus incisos, os quais
estudaremos o inciso XXIII, pois dá direito ao pagamento de adicional de remuneração para as
atividades penosas, insalubres ou perigosas. Ocorre que o adicional de periculosidade e insalubridade
está regulamentado por lei, e o de penosidade ainda não, estando assim dependente de
regulamentação infraconstitucional. Desta maneira busca se conceituar insalubridade, periculosidade e
penosidade, bem como quando são devidas e quais os respectivos valores devidos. Será desenvolvido
o estudo através de pesquisa doutrinária e jurisprudencial.
Palavras-chave: Insalubridade. Periculosidade. Penosidade.

1 INTRODUÇÃO

A Constituição Federal em seu art. 7º, XXII e XXIII, garante ao trabalhador o


direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança. Ainda estabeleceu ao trabalhador um adicional de remuneração
para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei.
Assim na Consolidação das Leis de Trabalho, foi criado um capitulo do qual
regulamenta a segurança e medicina do trabalho, no qual está incumbido oferecer
condições de proteção à saúde do trabalhador no local de trabalho, e de sua
recuperação quando não estiver em condições de prestar serviços.

2 MEIO AMBIENTE DE TRABALHO

O meio ambiente é definido pelo art. 225 da Constituição Federal, no qual é o


direito atribuído a todos cidadãos ecologicamente equilibrado, essencial à qualidade
sadia de vida, incumbindo ao Poder Púbico e a coletividade sua preservação e
defesa. Este encontra-se classificado em natural, artificial, cultural e do trabalho.
Para o presente estudo aborda-se a classificação do trabalho. Na qual
segundo Yone Frediani é:

Considerado o local em que as pessoas executam suas atividades não


necessariamente sob as condições de empregado, mas como qualquer tipo
de trabalhador.3

Cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego, através do Poder Público, garantir


a criação de normas de segurança, higiene e medicina do trabalho e a sua
fiscalização, pois este poder advém da Portaria nº3214/78.
O meio ambiente de trabalho pode induzir a mecanismos de agressão ao ser
humano, como a potencialidade carcinogênica, mutagênica, teratogênica, exposição
a inúmeros patógenos, ruído excessivo, riscos de queda, situações penosas entre
outras.4
As atividades insalubres, perigosas e penosas estão inseridas na Constituição
Federal em seu art. 7, XXIII, e garante a toda trabalhador nestas situações, um
adicional em seus proventos.
3 INSALUBRIDADE

É considerada atividade insalubre toda atividade que sofre a ação dos agentes
químicos, físicos ou biológicos, segundo o quadro de atividades estipulado pela NR-
15 da Portaria n. 3.214/78
Entende-se por insalubridade as atividades ou operações que:

Por sua natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os


empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância
fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de
exposição a seus efeitos.

Portanto extrai se do art.189 da CLT, os critérios para que a atividade seja


considerada insalubre: exposição direta do trabalhador ao agente nocivo; limite
superior de exposição ao agente nocivo que o estabelecido pelo Ministério do
Trabalho e o tempo de exposição ao agente nocivo.5
Os agentes de insalubridade classificam-se em: agentes físicos, químicos e
biológicos. Os agentes físicos são: ruído, calor, radiações, frio, vibrações e umidade.
Já os agentes químicos são: poeira, gases e vapores, nevoas e fumos. Tem-se por
agentes biológicos os micro-organismo, vírus e bactérias.6Tais agentes servem como
parâmetros para classificar se a atividade laboral é insalubre ou não
O art. 190 da CLT, atribui ao Ministério do Trabalho a competência de aprovar
o quadro de atividades insalubres, caracterizar insalubridade, estipular os limites de
tolerância, os meios de proteção e o tempo máximo de exposição aos agentes
agressivos. 7
Segundo a NR nº 15,foram estabelecido três critérios para a insalubridade:
avaliação quantitativa, qualitativa e qualitativa de riscos inerentes à atividade.

Na avaliação quantitativa, verifica-se a intensidade do agente, bem como se


verifica se o limite de tolerância foi ultrapassado; na avaliação qualitativa,
devem ser analisados os postos de trabalho e a função do trabalhador; já a
avaliação qualitativa de riscos inerentes à atividade verifica se há meios de
eliminar ou neutralizar a insalubridade, ou se está é inerente à atividade. 8

Ainda encontramos na NR 15 a classificação dos agentes nocivos, os limites


de tolerância e o tempo máximo de exposição.
Para determinar se determinada atividade laboral é insalubre ou não, deverá
um médico ou um engenheiro do trabalho ou ambos devidamente registrados no
Ministério do Trabalho, realizar uma perícia técnica no local, no laudo da perícia
deverá conter o agente nocivo e sua intensidade mínima, media ou máxima. Mas
para que a trabalhador tenha direito a insalubridade não basta o laudo pericial, é
necessário que o agente nocivo esteja relacionado na NR-15.9
Somente depois do laudo pericial e da confirmação que o agente nocivo
encontra-se na NR-15, e estipulado o grau de intensidade do agente, é que o
empregado que esteja exposto à situação insalubre terá direito a receber o adicional
de insalubridade em 10%, 20% ou 40% do salário mínimo.
Cessa a insalubridade quando:

Art. 191 - A eliminação ou a neutralização da insalubridade ocorrerá:


I - com a adoção de medidas que conservem o ambiente de trabalho dentro
dos limites de tolerância;
II - com a utilização de equipamentos de proteção individual ao trabalhador,
que diminuam a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância. 10

No momento em que estiver eliminado ou neutralizado a insalubridade o


empregador não é mais obrigado a pagar o respectivo adicional.

4 PERICULOSIDADE

Segundo o art.193 da CLT é considerado como atividades ou operações


perigosas as que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco
acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a inflamáveis,
explosivos ou energia elétrica; roubos ou outras espécies de violência física nas
atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.11
Renato Saraiva aduz que:

A periculosidade não importa em fator contínuo de exposição do trabalhador,


mas apenas um risco, que não age biologicamente contra seu organismo,
mas que, na configuração do sinistro, pode ceifar a vida do trabalhador ou
mutilá-lo12

O adicional de periculosidade é exigível, e regulamentado pela NR-16


aprovada pelo Ministério do Trabalho.

A norma regulamentadora nº16 e seus anexos estabelecem critério de


caracterização das atividades e operações perigosas envolvendo explosivos
e inflamáveis. A Lei nº 7.369/1985 regulamentada pelo Decreto nº
93.412/1986, estabelece adicional de periculosidade para os empregados do
setor de energia elétrica. Finalmente, a Portaria nº518, de 4-4-2003,
estabelece adicional de periculosidade em atividades e operações
envolvendo radiações ionizantes ou substancias radioativas.

O exercício de tal atividade exige, não só a utilização do adequado EPI, mas


também o pagamento de adicional na base de 30% do salário contratual.13

A periculosidade não importa em fator contínuo de exposição do trabalhador,


mas apenas um risco, que não age biologicamente contra seu organismo,
mas que, na configuração do sinistro, pode ceifar a vida do trabalhador ou
mutilá-lo.14

Possui como critério caracterizador o qualitativo, aquele pelo qual não tem-se
limite de tolerância.15Conforme o art.193, § 2º da CLT que forra revogado cabia ao
trabalhador escolher entre o adicional de periculosidade ou insalubridade quando
existisse os dois ao mesmo tempo.16
O ministro Cláudio Brandão et al Mario Correia apregoa que, o adicional de
periculosidade e insalubridade são institutos diferentes, deste modo sendo devido o
pagamento de ambos.

Segundo o ministro, a cumulação dos adicionais não implica pagamento em


dobro, pois a insalubridade diz respeito à saúde do empregado quanto às
condições nocivas do ambiente de trabalho, enquanto a periculosidade
“traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida
do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger”.17

O pagamento do adicional de periculosidade somente cessara com a


eliminação do risco, logo não estando eliminado o risco é devido o pagamento do
adicional.

5 PENOSIDADE

O adicional de penosidade é abarcado pela Constituição Federal em seu art.


7º, XXIII, dando direito ao trabalhador que se encontra em atividades penosas a
receber o respectivo adicional, porém até o momento não existe norma legal
abordando o tema, tão pouco atribuindo valor ao adicional.18

[...] doutrinariamente, considera-se penosa a atividade que, por sua


repetição, provoque desgastes ou até mesmo o envelhecimento precoce do
trabalhador em razão da natureza do serviço, forma pelo qual é executado,
esforço ou intensidade com que é desenvolvido.19

Jorge Luiz Souto Maior ensina que, “penoso é um trabalho que não apresenta
riscos à saúde física, mas que, pelas suas condições adversas ao psíquico, acaba
minando as forças e a autoestima do trabalhador, mais ou menos na linha do assédio
moral. [...]. O trabalho penoso é uma espécie de assédio moral determinado pela
própria estrutura empresarial e não por ato pessoal de um superior hierárquico”.20
Portanto “a atividade penosa é a atividade árdua, difícil e incomoda, que exija
também atenção constante e vigilância acima do comum e maior sacrifício, não
guardando qualquer relação com atividade insalubre ou perigosa. Competirá ao
legislador a missão de regulamentar o trabalho em atividade penosa, fixando inclusive
o adicional devido”.21

6 MATERIAIS DE EPIS

A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente,


equipamentos de proteção individual adequados ao risco e em perfeito estado de
conservação e funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam
completa proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados.22
Na norma da NR nº6 do Ministério do Trabalho e Emprego, considera-se
equipamento de proteção individual (EPI):

Todo dispositivo ou produto, de uso individual utilizado pelo trabalhador,


destinado à proteção de riscos suscetíveis de ameaçar a segurança e a
saúde no trabalho.
6.1.1 Entende-se como Equipamento Conjugado de Proteção Individual, todo
aquele composto por vários dispositivos, que o fabricante tenha associado
contra um ou mais riscos que possam ocorrer simultaneamente e que sejam
suscetíveis de ameaçar a segurança e a saúde no trabalho.23

Os EPIs são classificados em função da proteção que oferecem.

[...] existem equipamentos que protegem a cabeça (capacete e capuz), o


tronco (vestimentas de segurança), os membros superiores (luvas,
braçadeiras e dedeiras), os membros inferiores (calça, meias e calçados), os
olhos e a face (óculos e máscaras), o corpo inteiro (macacão), a audição
(protetor auditivo), a atividade respiratória (respirador purificador de ar). Há,
por fim, aqueles que simplesmente previnem quedas com diferença de nível
(dispositivos trava-quedas e cinturões).24

Ressalta-se que constitui ato faltoso do empregado a recusa injustificada ao


uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pelo empregador.25
Ainda a Súmula 289 do Tribunal Superior do Trabalho estabelece:

Súmula TST nº 289. Fornecimento do Aparelho de Proteção do Trabalho -


Adicional de Insalubridade. O simples fornecimento do aparelho de proteção
pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade,
cabendo-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da
nocividade, dentre as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo
empregado.26

Portanto a obrigação do empregador não se exime com o simples fornecimento


dos materiais de EPIS ao trabalhador. Pois cabe ao empregador orientar, treinar, o
trabalhador acerca do uso, guarda e conservação dos EPIS, realizar vistorias dos
usos dos equipamentos, a imediata substituição do equipamento quando danificado.

6 CONCLUSÃO

O legislador ao estipular os adicionais de insalubridade, periculosidade e


penosidade, estava preocupado com a saúde e risco do trabalhador. Desta maneira
estipulou mecanismos de coibir tais riscos e um valor indenizatório por tal exposição.
Nota-se que os nossos legisladores não discutiram com a devida importância o
adicional de penosidade pois não o conceituaram, não descreveram quais as
atividades penosas e não estipularam um valor, deixaram a caráter do magistrado a
estipular.
Ainda o adicional de insalubridade cessa quando ocorre a eliminação e
neutralização dos riscos, não bastando o simples fornecimentos dos equipamentos de
segurança os EPIS. Quanto ao adicional de periculosidade este somente acaba com
a eliminação não bastando a neutralização do risco.
O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E OS
PROCESSOS JUDICIAIS ELETRÔNICOS: o
paradigma do mundo virtual e seus efeitos para os
servidores forenses

RESUMO

A informatização judicial é matéria de destaque na esfera jurídica contem-


porânea devido ao grande desafio de virtualização no meio ambiente de tra-
balho forense. A Lei de Informatização do Processo – LIP, n. 11.419/2006,
trouxe novas ferramentas para o mundo das ciências jurídicas. Dada a
complexidade do assunto, por este ser tema recente e de grande relevância,
surge a necessidade de se esquadrinhar o assunto do Processo Eletrônico
no Poder Judiciário do Brasil como instrumento de acesso à Justiça, de
efetivação do Princípio Processual da Celeridade e suas respectivas im-
plicações ao meio ambiente do trabalho. Os operadores do Direito enfren-
tam a imposição de acompanhar o constante processo de desenvolvimento
tecnológico, estando expostos a riscos psicológicos e físicos advindos da
imposição crescente de produtividade por consequência da informatiza-
ção. Esse desafio torna necessária a análise do tema em paralelo à adoção
de medidas preventivas, associadas à Ergonomia, para viabilizar um meio
ambiente de trabalho sadio.
1 INTRODUÇÃO

O processo de informatização do Poder Judiciário afigura-se


como tendência irreversível na busca da efetivação das metas processu-
ais e da eliminação da morosidade processual no ordenamento jurídico
brasileiro. Não obstante, sabe-se que as inovações tecnológicas no campo
laboral trazem consigo um grande aparato de mudanças na vida dos pro-
fissionais que as utilizam e, por isso, não devem ser ignoradas visto que o
meio ambiente do trabalho sadio é um direito fundamental consagrado na
Carta Magna de 1988.
A maior parte das discussões que entornam a temática do proces-
so judicial eletrônico debruçam-se basicamente no plano de efetividade da
prestação jurisdicional e no respeito ao Princípio Processual da Celeridade,
contudo a indiscutível relevância dessa abordagem não dá os contornos
definitivos ao tema.
O presente ensaio tem por objetivo central suscitar a reflexão das
implicações que o uso intenso de computadores, como instrumento de tra-
balho, pode ocasionar na vida do trabalhador caso não sejam tomadas as
cautelas necessárias.
Atualmente, está mais claro entender que não é um único con-
texto isolado, por mais importante que este seja, que é capaz de orientar a
formulação plena de uma política pública. Qualquer política instituída com
o fim público, portanto, presumidamente, legítimo, deve levar em conside-
ração um tratamento de forma ampla que não apenas aquela diretamente
relacionada com o fim procurado, mas atenta às consequências que levam
à consecução destes objetivos, pois esta, sim, é a verdadeira legitimidade.
Não é diferente no processo eletrônico.
Sendo assim, o que muitas vezes não se percebe é que a Lei n.
11.419/2006 − que instituiu o processo eletrônico – possui como meta es-
tatal, indiscutivelmente, a demanda por um serviço público célere e qua-
lificado, porém a resposta a esses anseios não está necessariamente ligada
ao cumprimento da lei pura e simplesmente, e sim ao padrão de compor-
tamento que agora é exigido do servidor que opera nesses sistemas infor-
matizados.
Ademais, a constante mudança no ambiente de trabalho gera
automaticamente a necessidade de crescente atualização tecnológica por
parte do profissional, podendo ocasionar problemas físicos e psicológicos
advindos da insegurança desse trabalhador caso não cumpra o que lhe é
esperado. Estresse, ansiedade, depressão, dentre outros problemas, estão
cada vez mais sendo diagnosticados no mundo do “Sistema da Informa-
ção”. O que se deve salientar é que de nada adiantam os meios eletrônicos
se quem os manuseia (ser humano) tem sua saúde prejudicada, tornando
seu trabalho insalubre. Além disso, é nítida e palpável a ligação entre um
bom ambiente de trabalho e o rendimento do trabalhador.
Sabe-se que juntamente com métodos ágeis oferecidos aos pro-
fissionais está o pressuposto intrínseco de maior produção em curto espaço
de tempo. Dessa maneira, o trabalhador se sente obrigado a cumprir os
prazos processuais de forma célere sem que para isso disponha de uma
estrutura adequada para seu conforto, disposição e bem-estar. O meio am-
biente do trabalho é o local onde o profissional passa boa parte de seu dia,
devendo este estar apto segundo os parâmetros ergonômicos e peculiares
a cada ofício.
Tem-se assim, como objetivos específicos desta pesquisa, estu-
dar as consequências trazidas pela era da informação, analisar os fatores
positivos e negativos da implementação do processo judicial eletrônico no
ordenamento jurídico pátrio, identificar os fatores positivos comprovados
pela maior produção e celeridade processual, transparência e economia
de recursos naturais, bem como fatores negativos perceptíveis através do
diagnóstico de problemas oftalmológicos, dermatológicos, circulatórios,
entre outros.
Longe de se esgotar o tema aqui proposto, nota-se que seu es-
tudo minucioso possibilitará maior eficácia à Justiça, porquanto, estando
inserido em um meio ambiente ecologicamente equilibrado – tal qual se é
garantido constitucionalmente –, o servidor forense poderá cumprir seus
objetivos processuais sem que para tanto agrida sua saúde e qualidade de
vida, visto que não se deve proteger uma garantia em contramão de outra.
Com isso, o presente estudo elucidará, de forma clara, acerca do
processo da Revolução do Conhecimento e seus aspectos reflexos para a
sociedade contemporânea, apontando, ao final, contribuições para que o
processo judicial eletrônico possa garantir maior desempenho na justiça
brasileira sem atingir o meio ambiente de trabalho do servidor do Poder
Judiciário.

2 REVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO
E INFORMATIZAÇÃO JUDICIAL NO BRASIL

Usa-se o termo Revolução do Conhecimento ou Revolução da


Informação para fazer alusão ao período em que a sociedade inseriu-se
em um novo estágio histórico de produção de riquezas e valores, no qual
a informação e o conhecimento passaram a exercer o principal papel na
atividade social, a partir do século XX1.
A composição, de contínuo crescimento, de redes mundiais de
computadores agregou uma imensurável série de informações, tendo por
consequência uma revolução econômica e tecnológica em todas as esferas
do Estado contemporâneo.
O desenvolvimento tecnológico tem por primazia a facilidade de
acesso à informação, bem como a facilidade de executar tarefas, auxilian-
do assim nosso dia a dia. Desde a Antiguidade, o sistema da informatização
transfigura a sociedade. Sob esse óbice, José Carlos de Araújo Almeida
Filho2 condensa o desenvolvimento histórico da informação:

Admitimos, porém, uma quebra de paradigma em pleno século XXI, apesar da ideia
de uma sociedade de informação estar arraigada no homem desde a sua era primi-
tiva, quando começam a se formar as sociedades e a necessidade de comunicação
entre seus membros e de outros clãs e tribos. Com a invenção da prensa, por Gutem-
berg (século XV), temos uma maior propagação da informação e com a Revolução
Francesa (século XVIII), desmoronam-se os tronos e a sociedade burguesa ascende
ao poder, modificando as formas de pensar e agir. Prestigia-se a comunicação e a
liberdade, com a promulgação da Declaração de Princípios da Revolução Francesa
– inspiradora da Declaração Universal dos Direitos do Homem. [...] O grande para-
digma que se enfrenta diante da ideia de uma nova sociedade e, consequentemente,
reclamando do Direito novas concepções e métodos para a pacificação de seus con-
flitos, é a quebra de barreiras geográficas sem a necessidade da guerra.

A perspectiva de romper fronteiras geográficas alcançou amparo


por meio do uso da internet de forma indispensável. Internet é a deno-
minação utilizada para a rede de compartilhamento de informações, que,
por volta da década de 1960, foi instituída nos Estados Unidos da Amé-
rica através do projeto militar ARPANET (Advanced Research Projects
Agency), durante a época da “Guerra Fria”. A respectiva rede foi criada
objetivando a garantia da comunicação, da informação e do tráfego de da-
dos em qualquer circunstância.
Nesse contexto torna-se essencial apontar a ótica de Castells3,
da qual criou-se o conceito de Estado-Rede, que, por sua vez, advém da
concepção de que é palpável a estruturação do não estruturável, ou seja,
é possível manter a inovação e permitir saltos de desenvolvimento ainda
que para isso sejam colocadas à tona as maneiras de manejo do mundo
como outrora era disposto. O ideário do autor norteia a discussão sobre
“um novo mundo” no qual a sociedade, a economia e a cultura passam a
estar conectados através das tecnologias. Dessa maneira, acaba por surgir
uma sociedade em rede, denominada de sociedade informacional. É essa
sociedade, descrita pelo referido autor, a realidade atual na qual nos inseri-
mos – inclusive no Poder Judiciário.
Ademais, no dia 31 de maio de 1995, o Ministério das Comuni-
cações do Brasil editou a Portaria n. 148/1995, a qual caracterizou “inter-
net” como:

Nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão e comuta-


ção, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre compu-
tadores, bem como os softwares e os dados contidos nesses computadores.

A internet passou a ser intensamente utilizada pelos usuários, na


década de 90, em todas as vias do conhecimento e da vida humana, asso-
ciando-se ao cotidiano das pessoas em todos os seus aspectos: profissio-
nais, pessoais, financeiros, entre outros.
O mundo atual, da “era on-line e instantânea”, se define pelo rit-
mo acelerado, pela brevidade e pela urgência, no qual a sociedade é regida
pelo fator tempo − este cada vez mais insuficiente em paralelo à propaga-
ção da informação − cada vez mais essencial.
Esse contexto gera dificuldades e conflitos que incumbem à ci-
ência jurídica o dever de oferecer respostas para que esta siga a mutação
constante da sociedade contemporânea. Há um paradoxo social, no qual
de um lado tem-se uma sociedade dinâmica, e de outro uma justiça len-
ta. Nessa linha, por conta da morosidade do sistema processual judiciá-
rio, promulgou-se a Emenda Constitucional n. 45 no dia 08 de dezembro
de 2004, também conhecida como “Reforma do Judiciário”. Tal emenda
estabeleceu, no rol de direitos e garantias fundamentais, o Princípio da
Duração Razoável do Processo, no Artigo 5º, LXXVIII da Constituição
Federal de 1988, in verbis: “A todos, no âmbito judicial e administrativo,
são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam
a celeridade de sua tramitação”5.
A vontade de solucionar problemas de gestão do Poder Judiciário
por meio da implantação do processo judicial eletrônico no Brasil vem
sendo esboçada há alguns anos. Originalmente, os profissionais do Direito
faziam uso de computadores, eliminando por completo as máquinas de
datilografar; em seguida, as secretárias judiciárias passam a fazer uso sis-
temas de gerenciamento da movimentação processual e, algum tempo de-
pois, permitiram-se consultas externas sobre o andamento processual via
internet6.
A primeira lei a vislumbrar a origem do processo eletrônico no
ordenamento jurídico brasileiro foi a Lei n. 9.800, de 26 de maio de 1999.
Através dela, tornou-se possível a condução de dados para o exercício de
atos processuais, sendo assim, as petições poderiam ser expostas por meio
de máquinas que assim permitissem, como, por exemplo, o fac-símile7, to-
davia, posteriormente deveria ser juntado o original aos autos previamente
transmitidos.
No tocante à implementação do processo judicial eletrônico,
tem-se por precursor o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, visto que,
ao editar o Provimento Normativo n. 01 de 10 de maio de 2004, insti-
tuiu normas para estabelecer os processos virtuais nos juizados especiais.
Considera-se ser esse um plano piloto que possibilitou, posteriormente, a
instauração do processo eletrônico em todos os âmbitos da Justiça Fede-
ral. Ademais, a Resolução n. 40, de 2007, tipificou a obrigatoriedade do
trâmite eletrônico nos processos em tramitação no Tribunal supracitado,
in verbis:

Art.1º - A tramitação dos processos de regulação, avaliação e supervisão de institui-


ções e cursos superiores do sistema federal de educação superior será feita exclusi-
vamente em meio eletrônico, no sistema e-MEC, e observará as disposições espe-
cíficas desta Portaria e a legislação federal de processo administrativo, em especial
os princípios da finalidade, motivação, razoabilidade, moralidade, interesse público,
economia e celeridade processual e eficiência, aplicando-se, por analogia, as disposi-
ções pertinentes da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 20068. (grifo nosso)

É necessário salientar que, somente com a Lei n. 11.419, de 19


de dezembro de 2006, o processo digital se impulsionou no Brasil, com
o propósito principal de efetivar a celeridade processual, porém, deve-se
sempre respeitar os princípios do ordenamento jurídico brasileiro além de
velar pelo meio ambiente do trabalho sadio dos operadores do Direito, por
conta das implicações que tais mudanças podem gerar.
2.1 Processo Eletrônico

O processo eletrônico está incluso no moderno campo das Ciên-


cias Jurídicas denominado de diversas formas como: Direito Eletrônico,
Direito Digital, Direito Cibernético, ou ainda, Direito da Informática. Al-
meida Filho o conceitua:

É o conjunto de normas e conceitos doutrinários destinados ao estudo e normatização


de toda e qualquer relação onde a informática seja o fator primário, gerando direitos e
deveres secundários. É, ainda, o estudo abrangente com o auxílio de todas as normas
codificadas de direito, a regular as relações dos mais diversos meios de comunicação,
dentre eles os próprios da Informática9.

Assim, a Lei n. 11.419/2006 trouxe inovações e desafios aos ju-


ristas devido ao modelo de tecnologia presente na Modernidade. Nesse
contexto, tem-se a informatização e o uso intenso da internet em todas as
áreas do contexto humano, inclusive nas ciências jurídicas, motivo que
justifica o fato de o processo eletrônico significar um grande avanço tec-
nológico para o mundo jurídico, arraigado de perspectivas de “desafogar”
a Justiça, desde que para isso não produza efeitos irreversíveis na saúde e
qualidade do meio ambiente do trabalhador. Para tanto, é essencial o estu-
do minucioso e interdisciplinar do Direito, da Informática, da Segurança
da Informação, de Ergonomia e do meio ambiente do trabalho, dado o
caráter recente da justiça eletrônica no Brasil.
A aludida lei possui vinte e dois artigos e contém quatro aspectos
primordiais, que são: a exposição de documentos eletrônicos, a comuni-
cação dos atos processuais, o trâmite do processo de forma inteiramente
digital e a certificação digital dos advogados.
Mesmo havendo a inserção de novos parâmetros e novas tecno-
logias, deve-se atentar também para o respeito aos direitos fundamentais,
sob pena de nulidade do processo eletrônico. Entre o rol de garantias cons-
titucionais, está a do meio ambiente ecologicamente equilibrado, estando
intrínseco a essa definição o meio ambiente do trabalho – no qual a presen-
te pesquisa visa repousar, além de outros, como o devido processo legal, da
publicidade, da celeridade e do acesso à Justiça10.
O ato de digitalizar documentos não equivale à ideia de processo
eletrônico, visto que esse é muito mais amplo que aquele. O reflexo do
processo eletrônico recai sobre um novo modo de conduta, ou seja, uma
mudança no cotidiano do Judiciário brasileiro devido à imposição para
com seus operadores objetivando que estes se adaptem de forma brusca e
imediata a fim de acompanharem a contínua evolução dos meios eletrôni-
cos.
Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal – STF – editou a
Resolução 427, de 20 de abril de 2010, regulamentando o processo ele-
trônico em sua esfera. Ainda nessa linha, o STJ publicou a Resolução n.
14, de 28 de junho de 2013, enquanto a Justiça Trabalhista é responsável
pelo ato conjunto CSJT/TST 120/2013, que altera a Resolução CSJT n. 94,
de 2012, anteriormente vigente11. No âmbito da Justiça Estadual, pode-se
citar como exemplo o Projudi, instalado no estado do Amazonas, no esta-
do do Paraná e em outros. Atualmente, as referidas normas são as que se
encontram em vigor, visto que a regulamentação do processo virtual sofre
constantes, e necessárias, atualizações.
Sob essa perspectiva, Juliana Fioreze12 leciona que:

É certo que o Direito não pode permanecer estático frente ao desenvolvimento tecno-
lógico, e sua modernização é imprescindível para que se alcance segurança jurídica
nas relações mantidas na sociedade informatizada.

Ainda no que diz respeito ao inevitável uso dos atributos tecno-


lógicos e da internet, salienta Gilberto Dupas acerca da ponderação e do
bom-senso que tal ato exige de seus operadores:

Se não formos capazes de subordinar o desenfreado avanço tecnológico à moderação


da moral e da razão – ou seja, ao bom uso da autodeterminação –, nossa espécie
poderá estar pavimentando o caminho do poema de Robinson Jeffers: Um dia a Terra
vai-se coçar, e sorrir, e sacudir para fora a humanidade13.

O Direito Processual tem como mister promover a pacificação


dos conflitos presentes na sociedade, apontando métodos par solução des-
ses. Ao analisar a relevância do processo, Mauro Cappelletti indica a fun-
ção social do processo como sendo instrumento de acesso à justiça. Ele
dividiu sua abordagem em três facetas, sendo que a primeira refere-se à
assistência judiciária para os desfavorecidos, a segunda à configuração dos
interesses difusos e a terceira é uma espécie de construção intensificada
do acesso à Justiça; em outras palavras, um novo paradigma, que abarca
consigo o processo eletrônico e a informatização judicial14.

3 O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E


O PROCESSO JUDICIAL VIRTUAL

Um dos princípios fundamentais da ordem constitucional bra-


sileira democrática é a valorização do trabalho. A Constituição admite a
importância da conduta laborativa como um dos meios essenciais de auto-
confiança do ser humano, tanto no âmbito de sua peculiaridade quanto no
âmbito de sua inserção social e familiar.
O quesito da valorização laboral está reiteradamente enfatizado
pela Carta Magna de 1988. A partir de seu Preâmbulo, pode-se notar tal
afirmação, prosseguindo nos fundamentos da República Federativa do
Brasil (Art. 1º, III e IV) ao fixar, ao lado de outros, a dignidade da pessoa
humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Es-
tados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
[...]
III- a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
[...]15. (grifo nosso)

Continua-se, didaticamente, a trilhar tal vertente nos Princípios


Fundamentais, bem como nos artigos 6º e 7º, ao versar sobre a temática
dos “direitos sociais”, in verbis:

Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a mora-


dia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma da Constituição.
[...]
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social:
[...]
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educa-
ção, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para
qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
[...]
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
[...]16. (grifo nosso)

Além do plano da economia e da sociedade ao reger “Ordem


Econômica e Financeira” com seus princípios gerais da atividade eco-
nômica (Art. 170) e, por fim, da Ordem Social e sua disposição geral (Art.
193), in verbis:

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na


livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios [...]
[...]
Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais17. (grifo nosso)

Acerca do meio ambiente do trabalho, tem-se que é “caracteriza-


do pelo local onde o trabalhador desenvolve sua atividade profissional”18,
englobando-se a zona judiciária onde os servidores forenses exercem seus
ofícios, sendo um dos diversos gêneros que o conceito de meio ambiente
tutela19, sob amparo constitucional nos artigos 23, inciso VII, 170, inci-
so VI, 200, inciso VIII, e 225, caput e incisos da Constituição de 198820,
inclusive para resguardar as condições de saúde do indivíduo – foco da
pesquisa aqui alçada.
Na tipificação do direito fundamental ao meio ambiente ecolo-
gicamente equilibrado, estão inseridos seus múltiplos alcances: ecológico,
urbano, cultural, imaterial e do trabalho, objeto deste estudo. Não se deve
confundir, porém, meio ambiente do trabalho com a proteção do direito do
trabalho, visto que este versa apenas no tocante às relações empregatícias
com vínculo de subordinação, enquanto aquele tem por objeto jurídico a
saúde e a segurança do trabalhador a fim de que este desfrute de qualidade
de vida. Sob este contexto, José Afonso da Silva corrobora:

Merece referência em separado o meio ambiente do trabalho como o local em que


se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso,
em íntima dependência da qualidade daquele ambiente. É um meio ambiente que
se insere no artificial, mas digno de tratamento especial, tanto que a Constituição
o menciona explicitamente no art. 200, VIII, ao estabelecer que uma das atribui-
ções do Sistema Único de Saúde consiste em elaborar a proteção do ambiente, nele
compreendido o do trabalho. O ambiente do trabalho é protegido por uma série de
normas constitucionais e legais destinadas a garantir-lhe condições de salubridade e
segurança21.

Assim, nota-se que por meio de normas relativas à qualidade de


higiene, de saúde e de segurança, a Carta Magna visa mitigar os riscos aos
quais os trabalhadores estão expostos. Diversas convenções internacionais
tutelam tal abordagem, sendo de merecido destaque a de n. 155, de 1981,
que versa sobre o desenvolvimento de uma Política Nacional de Saúde,
Segurança e Meio Ambiente do Trabalho por parte dos países, incluído
nesta o local de trabalho, bem como os aparatos necessários para o desem-
penhar de suas tarefas. Através desse sistema, buscam-se determinar os
riscos existentes nas atividades exercidas, além de promover a fiscalização
e a realização de pesquisas de acidentes de trabalho em prol da efetivação
da segurança nos locais de ofício.
Harvey S. Perloff22 assevera que:

A qualidade do meio ambiente em que a gente vive, trabalha e se diverte influi con-
sideravelmente na própria qualidade de vida. O meio ambiente pode ser satisfatório
e atrativo, e permitir o desenvolvimento individual, ou pode ser nocivo, irritante e
atrofiante.

Desse modo, conforme até aqui abordado, abstrai-se que o pro-


cesso judicial eletrônico transportou a tecnologia rumo ao Direito Proces-
sual, por meio da reedição de atos processuais, permitindo assim que as
partes e o juiz possam interagir com o processo. Pouco a pouco o processo
físico vem sendo substituído pelo ambiente digital, contendo consigo os
malefícios e benfeitorias gerados pela inovação virtual.
Perante o contexto da informatização judicial, advogados, ma-
gistrados, analistas judiciários e qualquer outro tipo de servidores forenses
se veem diante de uma nova estrutura em seu ambiente de trabalho, centra-
lizado no uso do computador, em monitores e redes de emissão de dados.
Diante desse novo ambiente de trabalho, ao qual se impõe uma adaptação
imediata por parte dos trabalhadores, depara-se com fatores de perigo à
saúde dos mesmos, motivo esse que justifica a essencialidade da pesquisa
proposta.
Adverte-se para o fato de que as normas de cunho ambiental,
relacionadas ao meio ambiente de trabalho dos juristas − em que pese à
adesão do processo eletrônico, lamentavelmente não foram antecedidas de
um respectivo estudo de impacto ambiental e de um possível inventário
ergonômico para preservação da saúde dos juízes e dos servidores. Não se
atentou, ainda, para a implementação de ações que suprimam ou mitiguem
os maiores riscos à saúde, advindos da inovação tecnológica no meio am-
biente de trabalho.
É de competência da União, nos termos do Art. 37, § 6º,23 da
Constituição Federal, a responsabilidade por danos ocasionados pelos seus
agentes em face de terceiros. Com mais propriedade, a União se incumbirá
pelos danos que atinjam seus agentes como consequência do uso inadequa-
do de novos meios eletrônicos no meio ambiente de trabalho das unidades
judiciárias24.
O Tribunal Regional do Trabalho (TRT), por sua vez, responde
pela adoção de programas voltados para a higiene e a segurança da ativida-
de laboral, visando ao aperfeiçoamento do novo meio ambiente de trabalho
por intermédio da subtração ou atenuação dos riscos à saúde física e mental
de seus funcionários, sob pena de agir com culpa in vigilando25.
Faz-se necessário atentar que não se deve preterir a garantia fun-
damental ao meio ambiente de trabalho sadio, bem como a preservação da
saúde dos agentes e servidores públicos do Poder Judiciário, por conta da
inserção e manutenção do processo judicial eletrônico.

3.1 Benefícios da virtualização do processo: celeridade e


economia de custos e materiais ambientais

Muitos são os desafios a serem enfrentados pela Justiça brasileira


diante dos novos paradigmas de gestão e métodos de trabalho. Confor-
me visto no presente trabalho, a complexidade da utilização dos processos
virtuais pelos órgãos judiciários não se abstém a eliminar a morosidade
processual, visto que se deve garantir um meio ambiente de trabalho equi-
librado a fim de que se opere o Direito com eficiência por parte dos servi-
dores.
É essencial a análise cautelosa dos benefícios e, posteriormente,
dos malefícios para que se observem os contrapesos da questão em foco,
a partir de seus prós e contras, a fim de harmonizar o meio ambiente do
Judiciário brasileiro.

3.1.1 Celeridade processual

Sem dúvidas, dentre os diversos fatores que justificam o empe-


nho do processo judicial eletrônico em nosso ordenamento jurídico mere-
ce destaque a busca pela efetivação da celeridade processual. É de mútuo
consenso que os órgãos judiciais brasileiros lutam diariamente contra os
prazos processuais, porém a morosidade, na maioria das vezes, deixa a
sociedade sem esperança de pleitear seus direitos frente ao Estado.
O Princípio da Celeridade Processual zela amenizar a vagarosi-
dade do trâmite processual brasileiro, garantia que se acredita tornar pos-
sível através da utilização do processo eletrônico. Nessa perspectiva, se
espera que sejam reprimidos prejuízos de âmbito material e psicológico às
partes que entram com litígios judiciais, decorrentes da longa tramitação
processual, realidade vivenciada no Judiciário brasileiro, pública e notória
em nossa sociedade.
Os doutrinadores que defendem o processo digital na esfera ju-
rídica corroboram que ele permitirá o exercício da jurisdição além de uma
ampla simplificação no tocante à comunicação dos atos processuais e a
transmissão de peças processuais, dispensando o uso exacerbado de pa-
pel hoje necessário, o que implicaria em diminuição no tempo despendido
com a comunicação desses atos processuais. A esse respeito, a legislação
abarca diversas alterações procedimentais, criando um novo modo de exe-
cução, transmissão e armazenamento dos atos processuais, com o objetivo
maior de estar “à disposição do sistema judiciário, provocando um desa-
fogo, diante da possibilidade de maior agilidade na comunicação dos atos
processuais e de todo o procedimento”26.
Por intermédio do uso processual em sua modalidade eletrônica,
se erradicará o método de juntadas demasiadamente lento, bem como a re-
alização de “carga” dos autos e juntada física de documentos, fazendo com
que o processo se direcione de modo mais ágil à fase de julgamento.
Paralelamente, poder-se-ia esquivar dos extensos períodos em
que o processo continua em secretarias do juízo à espera da juntada de
documentos, autuação, certificações, entre outros exemplos, à medida que
os serventuários, geralmente em quantidade escassa em comparação ao
volume de processos que diariamente dão entrada no Judiciário, perduram
absortos em diferentes ofícios, também inerentes ao exercício da jurisdi-
ção.
Nessa via, se concretiza a imposição constitucional da razoável
duração do processo, melhorando intensamente a prestação jurisdicional,
além de fornecer uma resposta mais adequada às demandas sociais.
Em fevereiro de 2010, realizou-se pesquisa de opinião com 300
pessoas que se encontravam nos bairros Boa Esperança, em Seropédica;
Flamengo; Centro da Cidade do Rio de Janeiro; Barra da Tijuca; e Alcân-
tara, em São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro. Nessa ocasião, foram
entrevistadas 50 pessoas em cada bairro acima citado. Quando questiona-
das se acreditavam que a utilização do processo digital diminuiria o tempo
de duração do processo na Justiça, 52% dos interrogados responderam afir-
mativamente, enquanto 48% responderam de forma negativa27. As pessoas
entrevistadas aparentavam crer que a virtualização processual é nova for-
ma de vislumbre processual, que simplificaria a consulta, todavia, na visão
do jurisdicionado, não modificaria de maneira significativa a agilidade da
prestação jurisdicional.
Os resultados demonstram a percepção dos indivíduos questio-
nados quanto ao tema, obviamente, já fadigados diante da falta de agilida-
de do Judiciário como prestador de serviço público.

3.1.2 Economia de custos e materiais ambientais

Outro fator de extrema relevância é a possibilidade de redução


dos custos. Tal avanço é almejado por meio da implantação do proces-
so sem autos de papel. Tal vantagem permitirá tornar o processo menos
oneroso aos cofres estatais, aos litigantes e, especialmente, aos recursos
naturais.
Será viável a economia de tempo e custos com transporte e arma-
zenamento porquanto não se precisarão deslocar fisicamente os processos.
Ademais, se diminuirá o valor de operacionalização e gestão das atividades
dos serventuários da Justiça no exercício de suas funções, que poderão
operar em mais de um processo ao mesmo tempo.
Edilberto Clementino (2009, p. 168) disserta que uma das princi-
pais vantagens do processo virtual é que a “distância entre a residência do
titular do direito ofendido e o escritório do causídico, e o réu, e o fórum, e
o tribunal e os tribunais superiores é a mesma: um clique do mouse”. Tal
aspecto procedimental também contribui de forma profícua para a redução
das despesas com processo físico.
O processo eletrônico também propicia a redução da necessida-
de de grandes espaços físicos nos cartórios e escritórios que serviam para
comportar os processos em papéis, isso também se traduz em uma econo-
mia e otimização de espaço.
Outro ponto a ser observado é a economia de cartuchos de im-
pressão, que serão muito menos utilizados, ainda, aqueles que forem real-
mente necessários podem ser reciclados como, por exemplo, o Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro vem praticando. Nesse sentido, afirma o Tribunal
que:

[a] reciclagem de cartuchos, além de ser ecologicamente correta, pode ser classifica-
da como economicamente viável já que para produzir cada cartucho são utilizados,
em média, dois a cinco litros de petróleo e utiliza material plástico, que leva séculos
para se decompor28.

Conclui-se que, com a digitalização dos processos e a sua trami-


tação totalmente digital, não se precisaria da formação física dos autos do
processo com a utilização em grande escala de papel, posto que todos os
procedimentos, certidões e quaisquer outros atos processuais seriam reali-
zados de maneira eletrônica, por meio da rede de computadores, economi-
zando papel, tempo de servidores e, por consequência, gastos.

3.2 Segurança e Medicina do Trabalho: o fator da saúde física e men-


tal no meio ambiente do trabalho do Poder Judiciário

A segurança do trabalho é uma seara multidisciplinar que ob-


jetiva prevenir os riscos oriundos do trabalho. O relacionamento entre o
homem e as máquinas já gerou diversas benfeitorias para a humanidade,
todavia, trouxe em paralelo um enorme número de vítimas portadoras de
doenças incapacitantes ou cuja plenitude física e psíquica foram abaladas.
Entre a variedade de máquinas a que temos acesso na “era da
informatização”, os computadores possuem característica ímpar, visto que
nunca a sociedade desfrutou de um único meio eletrônico que estivesse
presente na vida laboral da maioria dos trabalhadores, independentemente
de seu campo profissional. Assim, vários questionamentos têm sido feitos
no tocante aos perigos advindos do uso de computadores, em especial, aos
riscos denominados ergonômicos29.
A Ergonomia é um ramo autônomo que se debruça sobre o estudo
e a adequação do meio ambiente de trabalho às peculiaridades psicofisioló-
gicas dos trabalhadores a fim de proporcionar conforto, ambiente saudável,
boa qualidade de vida (visto que boa parte do nosso dia se dá no local onde
desempenhamos nosso ofício) e desempenho eficiente.
O ordenamento trabalhista do Brasil considera a essencialidade
dessa ciência e, devido a isso, editou uma norma regulamentadora relativa
ao tema (Norma Regulamentadora n. 17)30. Os riscos intrínsecos ao uso
de computadores, entre os demais riscos ergonômicos, são a exigência de
postura inadequada, o uso de mobília imprópria, a repetitividade de ações
mecânicas, a exposição durante longas jornadas de trabalho, entre outros.
É oportuno mencionar que a Carta Mãe, nos termos do Artigo 7º,
caput e incisos, versa sobre a proteção, saúde e segurança dos trabalhado-
res, in verbis:

Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social:
[...]
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou peri-
gosas, na forma da lei;
[...]
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir
a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
[...]. (grifo nosso)

Então, para que se impeça que a saúde e qualidade do meio am-


biente dos servidores forenses, expostos à tecnologia, sejam afetadas, é
preciso controlar e avaliar periodicamente os riscos, a partir de programas
que visem garantir a segurança e a saúde por meio da ação de profissionais
especializados. Atenta-se para o fato de que no dia a dia pouco se notam os
pequenos danos, passando às vezes de forma imperceptível, porém a ação
acumulativa pode gerar resultados catastróficos e por vezes irreversíveis.
No tocante específico dos profissionais do Poder Judiciário bra-
sileiro, sabe-se que a partir da virtualização dos processos a prevenção dos
perigos de natureza ergonômica deve ser redobrada, por conta do uso con-
tínuo e diário do computador. Essa preocupação traz benefícios não só aos
funcionários forenses como a toda sociedade que depende da tramitação
processual, pois o bem-estar físico e psicológico do trabalhador implica
diretamente no seu desempenho profissional.
Salienta-se que atrelada à ideia de informatização está a de pro-
dutividade e desempenho. Sobre esse ponto, nota-se um paradoxo: se o
objetivo central da implantação dos processos digitais no Judiciário se dá
por conta da busca da celeridade, bastaria ter máquinas aptas para tanto?
Os responsáveis pelo manuseio, se não gozarem de boa saúde, poderão dar
o respectivo andamento por meio do uso eletrônico?
A pressão enfrentada pelos servidores em vista da frequente exi-
gência de adaptação imediata a novos meios de tecnologia, inseridos fre-
quentemente no ambiente de trabalho, pode ocasionar depressão, estresse,
insônia, entre outros fatores que abalam diretamente a saúde e o desempe-
nho do mesmo.
Uma das patologias profissionais mais costumeiras ao uso de
computadores é a chamada L.E.R. – Lesão por Esforços Repetitivos −,
isso porque ela está associada a toda e qualquer atividade que exija o uso
forçado e contínuo de grupos musculares somado a posturas erradas e não,
exclusivamente, ao uso do computador em si. É fato que, com o uso do
processo eletrônico, os serviços se tornam mais mecanizados, aumentan-
do assim as chances de aquisição da supracitada L.E.R., bem como das
denominadas D.O.R.T. − Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Tra-
balho31.
Ademais, a centralização de funções em uma mesa de trabalho
em frente a monitores (um destinado aos autos e outro para a estruturação
dos atos processuais) por longos períodos implica outros fatores também
ligados à ergonomia, como por exemplo: problemas de coluna, de postura;
de dores de cabeça; de circulação sanguínea nos membros inferiores (como
trombose e varizes); de visão e lubrificação dos olhos; de distúrbios no
sono; distúrbios de comportamento; entre outros males.
A intensa exposição ao computador faz com que, de forma ine-
vitável, o usuário pisque menos do que o habitual. Geralmente, o ambiente
do computador é climatizado, fato que contribui para retirada da umidade
do ar tornando-o mais seco, isso favorece a desidratação da córnea, geran-
do a Síndrome da Disfunção Lacrimal – Síndrome do “Olho Seco” e fortes
dores na cabeça. A referida síndrome apresenta diversos graus a depen-
der da intensidade de exposição aos monitores, porém, ainda que de “grau
leve”, acaba por alterar o cotidiano e bem-estar de quem a possui. Além
disso, existem outros problemas oftalmológicos de dada origem, a título de
exemplo: coceira, queimação, irritação, olhos avermelhados, visão distor-
cida e desconforto visual após o uso da máquina.
Acerca das corriqueiras dores de cabeça e dos problemas oftal-
mológicos já citados, há um procedimento simples e fundamental para mi-
nimizar tais sintomas: a iluminação adequada do ambiente de trabalho.
Atitudes como organizar o posicionamento das mesas, tendo por base o
local das janelas, a fim de evitar reflexos na tela do monitor e pausas regu-
lares para descanso dos olhos pode gerar a facilidade visual do conteúdo
ali aberto e a melhoria do conforto oftalmológico. Somado a isso, devem-
se cumprir as exigências de exames médicos anuais, inclusos os exames
oftalmológicos.
Outro fator a ser pensado é o mobiliário apropriado para desem-
penho dos ofícios. Entre outros itens, as escrivaninhas, as mesas, as ca-
deiras, os encostos para os pés e os teclados da espécie ergonômica são
caracterizados por sua flexibilidade e ajuste às peculiaridades de cada usu-
ário de acordo com os quesitos: peso, altura, idade etc. A falta da devida
cautela sobre esses fatores ocasiona tormentosos problemas além dos já
aqui apontados. A permanência do funcionário na mesma posição durante
muito tempo, acrescida da má postura, provoca tensões nas articulações,
ligamentos e músculos além de problemas na coluna vertebral. As maiores
consequências na área vertebral são artroses, lordoses, cifoses ou esco-
lioses, bem como surgimento de lombalgia (fortíssimas dores na coluna),
hérnias de disco (saliência do disco) e, até mesmo, problemas estéticos,
como seios caídos e região abdominal proeminente.
Nessa seara, existem técnicas primordiais com a finalidade de
prevenir doenças laborais pelo uso do computador, ainda que tal atividade
homem-máquina desenvolvida em escritórios, órgãos públicos ou até mes-
mo em residências seja aparentemente segura.
Como se é possível notar, a posição do monitor deve estar com
sua parte superior no nível dos olhos; a distância entre o monitor e o usu-
ário deve equivaler à extensão do braço; o monitor deve ser ajustado a
fim de evitar reflexos da iluminação na tela; os pés devem estar apoiados
no chão ou em um suporte; os pulsos devem estar relaxados, porém não
flexionados; se houver entrada de dados, deve ser usado um suporte para
documentos, para evitar os movimentos repetidos do pescoço; o usuário
deve fazer pausas regulares para descanso, levantar, caminhar, exercitar
os pulsos e pescoço com movimentos de flexão e extensão, além de evitar
atender telefonemas enquanto digita para não atrofiar o pescoço devido à
inclinação.
Dentro de todo computador há um componente que emite luz,
podendo esta gerar manchas na pele e alterações no hormônio da mela-
tonina. Conhecida por luz visível, esse tipo de radiação, que também é
emitida pelo sol, causa mudanças no DNA da epiderme, assim como os
raios ultravioletas (UVA e UVB). Cabe dizer que a luz visível de ambientes
fechados, apesar de menos prejudicial do que se exposição à luz solar, pre-
cisa ser aqui referida. Isso porque, de acordo com o FDA (Food and Drug
Administration) – órgão americano que fiscaliza medicamentos e alimen-
tos – oito horas de luz artificial equivalem a um minuto e vinte segundos
de exposição solar, considerando um dia claro de verão.
Como já se viu, a concretização da informatização dos proces-
sos judiciais não passou por um prévio estudo de impacto ambiental, bem
como por exames preventivos acerca da saúde e pelo respectivo inventário
ergonômico do local de trabalho. O uso do computador, nos mais variados
órgãos do Poder Judiciário, afigura-se como tendência irreversível, sobre-
tudo ao vislumbrar as mais novas metas traçadas para o Judiciário por con-
sequência dos processos virtuais.
Comprovando tal afirmativa está o causídico constatado no Rio
Grande do Sul, especificamente no Tribunal Regional Federal (TRF) da
4ª Região. Segundo pesquisa feita durante os meses de maio e junho de
2011, coordenada pelo Juiz Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior,
entre noventa e dois magistrados federais do referido estado, posterior-
mente à implantação do processo eletrônico em zonas judiciárias do TRF
da 4ª Região, evento que se deu no início de 2010. Dos juízes interrogados,
78,89% constataram piora em sua saúde e seu bem-estar laboral com o
processo sem autos de papel; 86,81% sentiram dificuldades oftalmológicas
com o processo virtual; somente 19,10% não notaram dores físicas desde
que iniciaram o uso do processo eletrônico; 95,56% acreditam que o pro-
cesso eletrônico pode agravar sua saúde no futuro, 82,02% estão insatis-
feitos com suas condições de trabalho em relação ao processo eletrônico e,
um dos mais alarmantes dados colhidos: nenhum associado se sente ade-
quadamente orientado para prevenir riscos de saúde advindos do processo
eletrônico32
Trata-se, antes de tudo, do desafio, que se põe ao Judiciário, de
desenvolver servidores e magistrados, elevando a potencialidade destes,
porém evitando o surgimento e a disseminação dos sintomas molestos nor-
malmente correlacionados com a má utilização de computadores. Decerto,
a meta maior é priorizar a saúde, concretizando a defesa da vida e se empe-
nhando para a efetividade do Primado da Dignidade da Pessoa Humana.

4 A ESSENCIALIDADE DE EXAMES PERIÓDICOS PARA PRE-


VENÇÃO DE DOENÇAS DECORRENTES DO USO EXCESSIVO
DO COMPUTADOR E ASPECTOS ERGONÔMICOS

Tendo em vista, portanto, a necessidade de combater os efeitos


nocivos do uso contínuo de computadores pelos servidores do Poder Judi-
ciário, é que se deve proceder a uma análise multidisciplinar do problema
apresentado. É necessário verificar como a medicina do trabalho e as nor-
mas de segurança para o trabalhador têm contribuído para a correção des-
ses efeitos negativos na saúde do trabalhador que utiliza os procedimentos
eletrônicos durante o labor judicial. Não obstante o fato de que a virtuali-
zação do Poder Judiciário possa trazer benefícios como maior celeridade
dos atos processuais, não se mostra o melhor caminho ignorar os efeitos
negativos que essa mudança pode acarretar à saúde dos trabalhadores.
Deve-se salientar, ainda, que os danos ocasionados não se limi-
tam somente ao âmbito físico. Além dos problemas ergonômicos, também
é afetada a estrutura do trabalho do ser humano, uma vez que a automação
passa a ser um objetivo a ser atingido e não um meio através do qual suas
atividades criativas deveriam ser desenvolvidas de forma diferenciada.
Esta crítica aponta para o perigo de que as novas tecnologias afetem as
atividades cognitivas dos servidores e os reduzam a meros alimentadores
do sistema informático, além da diminuição do contato entre as pessoas,
servidores e advogados, por exemplo33, comprometendo-se a humanidade
e a relação entre as pessoas no ambiente forense.
Partindo dessa premissa, no sentido de desenvolver uma análise
crítica a respeito das possibilidades do fenômeno em estudo, serão desen-
volvidos essencialmente dois tópicos que se mostram relevantes para esta
mudança de postura no desenvolvimento de atividades que utilizem os pro-
cessos judiciais eletrônicos. O primeiro refere-se à necessidade de realiza-
ção de um levantamento periódico da situação ergonômica dos servidores
que lidam diretamente com o processo judicial virtual, a fim de que sejam
conhecidos os principais efeitos negativos à saúde do trabalhador no que se
refere à ergonomia. O segundo ponto a ser abordado, por sua vez, refere-
se à demonstração da essencialidade de exames periódicos que atestem o
status da saúde do trabalhador e que disponham de ferramentas que auxi-
liem na prevenção e mitigação desses danos. As duas medidas propostas,
portanto, constituem-se da aplicação concreta do Princípio da Prevenção
no meio ambiente do trabalho. O Princípio da Prevenção é amplamente
adotado no que se refere à proteção do meio ambiente de modo geral.
Tendo em vista que, neste trabalho, adotamos a classificação de
meio ambiente do trabalho como vertente do Direito Ambiental, infere-se
que, necessariamente, está legitimada a aplicação do Princípio da Preven-
ção em sua consecução. Nesse sentido, o Princípio da Prevenção aponta
para a necessidade de evitar danos advindos de situações que podem ser
previstas e evitadas, dada a certeza científica possível de ser determinada.
Enquanto o Princípio da Precaução atua na gestão de riscos “hipotéticos”,
o Princípio da Prevenção atua para evitar riscos “certos”34.
No presente caso, nota-se que há mecanismos dispostos pela me-
dicina do trabalho e pelas normas trabalhistas aptos à verificação da situa-
ção e que podem oferecer certeza científica à análise e demonstrar os riscos
concretos inerentes à atividade do servidor envolvendo processos judiciais
eletrônicos. Dentre essas maneiras de averiguar a concretude dos danos,
destacam-se duas possibilidades: a verificação periódica da ergonomia dos
servidores e a realização de exames médicos periódicos para atestar os
possíveis danos.

4.1 Verificação periódica da ergonomia do servidor

Primeiramente, a fim de demonstrar a importância do acompa-


nhamento das condições ergonômicas dos servidores, é preciso conhecer
o conceito de ergonomia. Segundo a Associação Brasileira de Ergonomia
(ABERGO),

[Ergonomia é] uma disciplina científica relacionada ao entendimento das interações


entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas e à aplicação de teorias, prin-
cípios, dados e métodos a projetos, a fim de otimizar o bem-estar humano e o desem-
penho global do sistema35.

Assim, a Ergonomia visa conceber ações e condições de trabalho


que não alterem a saúde dos trabalhadores, além de também constituir um
elemento fundamental para a manutenção da atividade econômica, melho-
rando a produtividade e reduzindo índices de retrabalho e absenteísmo36.
A ABERGO classifica, ainda, a Ergonomia em três tipos possí-
veis: a) a ergonomia física (relacionada às questões de anatomia humana,
fisiologia e biomecânica); b) a ergonomia cognitiva (percepção, memória,
raciocínio e etc.) e; c) ergonomia organizacional, que se refere à otimiza-
ção dos sistemas sociotécnicos, das estruturas organizacionais, políticas e
demais processos, também conhecida como macroergonomia37.
Apesar dessa classificação, Moresco e Schurhaus38 consideram
que, hodiernamente, o núcleo de preocupação da ergonomia, volta-se para
os conjuntos constituídos pelos sistemas de produção automatizados e
complexos informatizados na prestação dos serviços. É justamente ao que
se refere a este núcleo que se voltou a discussão no presente texto. Foram
justamente os desajustes neste âmbito que revelaram a necessidade de ob-
servância dos aspectos ergonômicos na atividade laboral dos servidores do
Poder Judiciário, que envolva processos eletrônicos.
Conforme já observado e demonstrado, nas profissões de longa
permanência diante do computador, é comum a apresentação de sintomas
de degradação da saúde do trabalhador. No entanto, não é comum que se
encontrem estudos aprofundados em relação a esses danos nos servidores
que trabalhem com processos judiciais eletrônicos, até mesmo conside-
rando-se a atualidade do tema. Não obstante, essa análise pode ser feita
por meio da observância dos malefícios que essas condições de trabalho
acarretam em atividades análogas, como por exemplo, os bancários, digi-
tadores, operadores de telemarketing, entre outros.
No que se refere especificamente aos processos judiciais eletrô-
nicos, há que se destacar como marco a criação do sistema SAJ (Sistema
de Automação da Justiça), que modificou sobremaneira o Poder Judiciário
brasileiro. Esse fato é corroborado por Moresco e Schurhaus39, que de-
monstram que atualmente o sistema é utilizado nos cartórios judiciais, ga-
binetes de magistrados e demais setores de fóruns e tribunais (em primeira
e segunda instância), de modo que desde as etapas de cadastro e distribui-
ção até o arquivamento do processo são controlados por esse software.
Agregue-se a esse fato, a possibilidade de consulta integral dos autos pelo
computador. Todas essas funcionalidades, por si só, já denotam o excessi-
vo tempo de exposição ao computador que o servidor enfrentará, de modo
que se torna necessária a verificação dos aspectos ergonômicos envolvidos,
que podem comprometer a saúde do trabalhador e, por consequência, os
resultados das atividades no âmbito do Judiciário.
Na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452 de
1943), em seu Capítulo V, a partir do Artigo 154, estão dispostas normas
gerais sobre segurança e medicina do trabalho. Em matéria de ergonomia,
no entanto, deve-se consultar a Norma Regulamentadora (NR) n. 17.
Segundo o Ministério do Trabalho, a NR foi elaborada inicial-
mente, visando à grande quantidade de casos de enfermidades entre traba-
lhadores que realizavam digitação e afins:

Em 1986, diante dos numerosos casos de tenossinovite ocupacional entre digitado-


res, os diretores da área de saúde do Sindicato dos Empregados em Empresa de
Processamento de Dados no Estado de São Paulo – SINDPD/SP fizeram contato com
a Delegacia Regional do Trabalho, em São Paulo – DRT/SP, buscando recursos para
prevenir as referidas lesões.
Foi constituída uma equipe composta de médicos e engenheiros da DRT/SP e de
representantes sindicais que, por meio de fiscalizações a várias empresas, verificou
as condições de trabalho e as repercussões sobre a saúde desses trabalhadores, uti-
lizando a análise ergonômica do trabalho. Em todas as avaliações, foi constatada a
presença de fatores que sabidamente contribuíam para o aparecimento das Lesões
por Esforço Repetitivo – LER: o pagamento de prêmios de produção, a ausência de
pausas, a prática de horas-extras e a dupla jornada de trabalho, dentre outros.

Portanto, nota-se que a observação concreta de danos à saúde dos


trabalhadores, especialmente em ambientes fechados que utilizam digita-
ção, constituiu um dos principais fatores para o estabelecimento de normas
de segurança que procurassem evitar tais danos.
No que se refere ao trabalho do serventuário da Justiça, que lida
com processos eletrônicos, é possível aplicar a NR n. 17, primeiramente,
no que se refere à adequação do mobiliário para a execução das tarefas:

17.3. Mobiliário dos postos de trabalho.


17.3.1. Sempre que o trabalho puder ser executado na posição sentada, o posto de
trabalho deve ser planejado ou adaptado para esta posição.
17.3.2. Para trabalho manual sentado ou que tenha de ser feito em pé, as bancadas,
mesas, escrivaninhas e os painéis devem proporcionar ao trabalhador condições
de boa postura, visualização e operação e devem atender aos seguintes requisitos
mínimos: a) ter altura e características da superfície de trabalho compatíveis com o
tipo de atividade, com a distância requerida dos olhos ao campo de trabalho e com
a altura do assento; b) ter área de trabalho de fácil alcance e visualização pelo
trabalhador; c) ter características dimensionais que possibilitem posicionamento
e movimentação adequados dos segmentos corporais. (grifo nosso)

No caso dos servidores em estudo, veja-se que esses executam


suas tarefas sentados, de modo que, nessa situação, é atribuída a obser-
vância de tais normas, tanto por parte dos servidores como por parte dos
empregadores, cabendo a estes prover os recursos necessários para que o
mobiliário esteja adequado às necessidades dos funcionários.
Nos itens que seguem a NR, também é exigido que os assentos
utilizados nos postos de trabalho atendam a requisitos mínimos de con-
forto, como altura ajustável à estatura do trabalhador e à natureza da fun-
ção exercida; pouca ou nenhuma conformação na base do assento; borda
frontal arredondada; encosto com forma levemente adaptada ao corpo para
proteção da região lombar, além de apoio para os pés.
Especificamente no que se refere ao trabalho envolvendo digita-
ção e leitura eletrônica, a NR n. 17, estabelece o seguinte:

17.4.2. Nas atividades que envolvam leitura de documentos para digitação, datilogra-
fia ou mecanografia deve:
a) ser fornecido suporte adequado para documentos que possa ser ajustado propor-
cionando boa postura, visualização e operação, evitando movimentação frequente do
pescoço e fadiga visual;
b) ser utilizado documento de fácil legibilidade sempre que possível, sendo vedada
a utilização do papel brilhante, ou de qualquer outro tipo que provoque ofuscamen-
to.
17.4.3. Os equipamentos utilizados no processamento eletrônico de dados com ter-
minais de vídeo devem observar o seguinte:
a) condições de mobilidade suficientes para permitir o ajuste da tela do equipamen-
to à iluminação do ambiente, protegendo-a contra reflexos, e proporcionar corretos
ângulos de visibilidade ao trabalhador;
b) o teclado deve ser independente e ter mobilidade, permitindo ao trabalhador
ajustá-lo de acordo com as tarefas a serem executadas;
c) a tela, o teclado e o suporte para documentos devem ser colocados de maneira
que as distâncias olho-tela, olho-teclado e olho-documento sejam aproximadamente
iguais;
d) serem posicionados em superfícies de trabalho com altura ajustável.
(grifo nosso)

Portanto, para estar adequado às normas relativas ao trabalho


exercido no manuseio de processos eletrônicos, o Poder Judiciário teria
que prover todos esses recursos a seus servidores. Além disso, ainda há
normas relativas aos tempos de pausa para quem trabalha com digitação
que, segundo o item 17.6.4 da NR, é de, no mínimo, uma pausa de 10
minutos para cada 50 minutos trabalhados. Por esses motivos, caberia um
levantamento em todos os âmbitos do Judiciário, a fim de verificar o exato
cumprimento das normas de segurança e determinar os passos em direção
à sua observância integral.
Assim, tendo em vista que o servidor ficará durante muito tempo
à frente do computador, a norma estabelece que deverão ser providencia-
dos equipamentos que permitam a correta postura e posicionamento de
pescoço, mãos, braços, coluna e pernas do funcionário. Além do conforto
corporal, também é necessário resguardar a visão do servidor, uma vez que
terá que fazer exposição diária dos olhos à luz e aos reflexos da tela do
computador.

4.2 Exames periódicos anuais

Para lograr o controle dos danos causados à saúde dos trabalha-


dores, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Artigo 168, determina
que é obrigatório o exame médico, às expensas do empregador tanto no
caso de demissão (para verificar se a atividade exercida ocasionou danos
à sua saúde), bem como os chamados exames complementares, dependen-
do da situação. O Ministério do Trabalho determina, ainda, a realização e
periodicidade de exames médicos de acordo com o risco da atividade e o
tempo de exposição e etc. (Art. 168, II, § 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da CLT).
A realização de exames periódicos anuais pode diagnosticar da-
nos que venham sendo ocasionados, de modo que, por meio do diagnósti-
co, seja possível interromper o fator que esteja causando ou agravando a
enfermidade no servidor. A aplicação desses exames periódicos correspon-
de à aplicação do Princípio da Prevenção no meio ambiente do trabalho,
conforme já demonstrado anteriormente.
Atualmente, esta necessidade de prevenção de doenças ocupacio-
nais é corroborada pela criação do Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional (PCMSO), que determina a necessidade do Exame Médico
Periódico, conforme a NR n. 17:

7.4.3.2 no exame médico periódico, de acordo com os intervalos mínimos de tempo


abaixo discriminados:
a) para trabalhadores expostos a riscos ou a situações de trabalho que impli-
quem o desencadeamento ou agravamento de doença ocupacional, ou, ainda,
para aqueles que sejam portadores de doenças crônicas, os exames deverão ser re-
petidos:
a.1) a cada ano ou a intervalos menores, a critério do médico encarregado, ou se
notificado pelo médico agente da inspeção do trabalho, ou, ainda, como resultado de
negociação coletiva de trabalho;
[...]. (grifo nosso)

Assim, tendo em vista que a atividade dos servidores da Justiça que


utilizam diariamente os processos judiciais eletrônicos é uma atividade po-
tencialmente causadora de danos à saúde dos trabalhadores, mostra-se ne-
cessária a realização desses exames periódicos como medida preventiva.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imposição de que o trabalhador esteja em constante adaptação


e aumento de produtividade é consequência da “era da informatização”.
A meta de se findar com a morosidade processual costumeira no Brasil,
apesar de ter grande relevância e ser fundada constitucionalmente, deve
ser exercida com cautela.
O processo judicial eletrônico veio como “uma luz no fim do
túnel” para a sociedade que tanto se sente distante do Poder Judiciário
brasileiro. A simplificação do acesso à Justiça, a economia dos recursos
naturais e a tramitação célere das atividades processuais possibilitadas
através desse instrumento realmente merecem destaque. No entanto, não
se deve olhar algo tão complexo apenas sob uma óptica, visto que o meio
ambiente do trabalho garante ao profissional seu direito fundamental a um
local laboral sadio e que não agrida sua saúde. Assim, o presente trabalho
procurou apontar medidas que possam mitigar os danos advindos do uso
constante dos meios eletrônicos na esfera forense.
Acredita-se que programas voltados à prevenção de doenças
de cunho oftalmológico, circulatório, dermatológico, entre outras, oca-
sionadas pelo uso excessivo do computador, podem auxiliar no controle
e prevenção através de exames periódicos e aplicabilidade de princípios
ergonômicos. Ademais, a Medicina do Trabalho foi criteriosa ao expla-
nar que atividades sujeitas ao extremo desgaste de atividades repetitivas
como: os bancários, os jornalistas, os médicos, os telefonistas devem ter
suas jornadas de trabalho diminuídas bem como devem ser respeitados os
necessários intervalos. Analogicamente os servidores forenses podem ser
inclusos nesse rol exemplificativo, visto que também dispõem de trabalho
centralizado em uma única máquina que exige, portanto, a mesma postura
e os mesmos movimentos durante todo o trabalho.
Conclui-se que atrelada à adoção e implantação dos processos
judiciais eletrônicos no ordenamento jurídico brasileiro está a necessidade
de criação, fiscalização e controle dos riscos oriundos do meio ambiente de
trabalho dos juristas do Brasil. Desse modo, poder-se-ia analisar e acom-
panhar o curso de tal procedimento e suas respectivas consequências da
virtualização processual sem que, para tanto, já se tenham danos em nível
irreversível.
O meio ambiente do trabalho saudável e suas repercussões no
brasil e no mundo, a partir de sua evolução histórica

Maria Santa Martins Timbó*

Carlos Augusto Fernandes Eufrásio**

Resumo

O homem, desde priscas eras, dedica-se ao labor e, inicialmente, o executava


em um ambiente completamente ausente de proteção a sua incolumidade física.
Ao longo dos tempos, foram observadas, no ambiente laboral, a ocorrência de
enfermidades diretamente relacionadas ao exercício da profissão. De forma
bastante tímida, foram iniciados estudos alusivos às doenças ocupacionais,
sendo eleitos, a princípio, os trabalhadores das minas. Contudo, nos últimos
séculos, mais precisamente a partir da Revolução Industrial, os aspectos
deletérios no ambiente laboral se intensificaram. Nesse sentido, o presente
estudo tem por objetivo compreender e acompanhar como se procedeu à
conquista histórica atinente à saúde e à segurança do trabalhador no meio
ambiente de trabalho, e suas repercussões no Brasil e no mundo.
Introdução
Tem-se o século IV a.C. como referência das primeiras observações
alusivas ao adoecimento laboral. É cabível afirmar que a questão ambiental
do trabalho, nos quatro últimos séculos, tornou-se objeto de estudo e
discussão em diversas áreas do conhecimento. Pode-se afirmar que tal
acontecimento se deveu, em grande parte, à Revolução Industrial, que
lançou, no cenário, novos problemas, desencadeando uma degradação
nunca vista antes, tanto do meio ambiente natural quanto do ser humano.
É inegável que, a partir desse acontecimento, tanto os trabalhadores,
quanto a população em geral passaram a exigir a melhoria das condições
afeitas à saúde e à segurança no trabalho.
Em função dessas considerações, baseado em pesquisa bibliográfica,
o presente estudo buscou analisar as repercussões do meio ambiente do
trabalho saudável no Brasil e no mundo, a partir de sua evolução histórica.
1 Meio ambiente
Embora seja unitário o conceito de meio ambiente, os doutrinadores
para fins didáticos dividiram-no em quatro aspectos: natural, artificial,
cultural e do trabalho. Essa divisão permite uma análise das singularidades
do meio de forma mais efetiva e adequada. Acerca dessa divisão, assevera
Fiorillo (2007, p. 22):
A divisão do meio ambiente em aspectos que o compõem
busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem
imediatamente agredido. Não se pode perder de vista que o direito
ambiental tem como objeto maior tutelar a vida saudável, de modo
que a classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em
que valores maiores foram aviltados. E com isso encontramos pelo
menos quatro significativos aspectos: meio ambiente natural, artificial,
cultural e do trabalho.

O art. 3º, I, da Lei n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, conceitua meio


ambiente como: “o conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em
todas as suas formas.” Comentando referido dispositivo legal, colaciona-se
a preleção de Figueiredo (2007, p. 38):
Esta definição legal nos interessa particularmente, por trazer à tona
não a idéia de um espaço geográfico delimitado e estático, mas
de uma dinâmica complexa de fatores múltiplos (condições, leis,
influências e interações), o que é bastante adequado para a definição
do termo ‘meio ambiente do trabalho’. (Grifos ao autor).

Na sequência, ver-se-ão apontamentos referentes à conceituação do


meio ambiente do trabalho.
2 Meio ambiente do trabalho
O meio ambiente do trabalho está inserido no conceito de meio
ambiente, sendo apenas uma concepção mais específica, vale dizer, a parte
do direito ambiental que cuida das condições de saúde e vida no trabalho,
lugar onde o ser humano desenvolve suas potencialidades, provendo o
necessário ao seu desenvolvimento e sobrevivência. (ROSSIT, 2001, p. 67).
Para Fiorillo (2007, p. 24) constitui meio ambiente do trabalho:
O local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais
relacionadas à sua saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio
está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que
comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores,
independente da condição que ostentam (homens ou mulheres,
maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos,
autônomos, etc).

Em suma, considera-se que meio ambiente de trabalho não pode ser


confundido com o estabelecimento onde são desempenhadas atividades
laborais físicas ou intelectuais e compreende o conjunto de condições
objetivas, como a utilização de equipamento de proteção individual, bem
como subjetivas, como as relações pessoais existentes entre os que ali
convivem e atuam diretamente na qualidade de vida do trabalhador, tanto
em seu aspecto físico quanto mental.
2.1 Histórico internacional
A mais antiga informação sobre ambiente laboral é o papiro Anastacius
V, um registro egípcio que faz alusão à preservação da saúde e da vida do
trabalhador e expõe as condições de trabalho de um pedreiro. Também há
informação que, no ano de 2360 a.C., no Egito, foi deflagrada uma rebelião
geral dos trabalhadores em minas de cobre, suscitando a atenção do Faraó
para que repensasse e melhorasse as condições de vida dos escravos.
Na Grécia antiga, a ênfase era na higiene da aristocracia, fato que
mostra falta de atenção aos problemas de saúde daqueles que trabalhavam
para viver. Doenças ocupacionais ocorriam, mas inexistia registro no tocante
à saúde do trabalhador, conforme ensina Rosen (1994, p. 40):
Há, por exemplo, imagens de tocadores de flauta usando uma
bandagem de couro em volta das bochechas e dos lábios, no intuito,
aparentemente, de prevenir a dilatação excessiva das bochechas
e evitar uma eventual relaxação dos músculos. Nas minas dos
gregos, escravos e convictos labutavam por longas horas em
galerias estreitas, pobremente ventiladas. Ainda assim, nos escritos
hipocráticos, só existe uma única referência a um mineiro: um caso de
envenenamento por chumbo, ou de pneumonia.

Na Idade Antiga, inexistia preocupação com a integridade física ou


emocional do escravo, que fazia jus somente a cuidados básicos para sua
sobrevivência e permanência no eito. Suas condições de vida e de trabalho
eram completamente insalubres, com longos períodos de trabalho contínuo,
alimento insuficiente e de má qualidade, acomodações ruins e maus-tratos.
Estudos referentes ao adoecimento laboral foram iniciados no século
IV a.C. por Aristóteles (384-322 a.C.), que cuidou das enfermidades dos
trabalhadores de minas e das maneiras de preveni-las. Na mesma época,
Platão (428-348 a.C) constatou e apresentou enfermidades específicas do
esqueleto, típicas para determinadas profissões. (ANVISA, 2009, on line).
Hipócrates (460-375 a.C), considerado o pai da medicina, revelou
uma das primeiras doenças relacionadas ao trabalho, o saturnismo1,
contaminação do organismo do indivíduo por chumbo, atingindo,
principalmente, o Sistema Nervoso Central. (ANVISA, 2009, on line).
Os romanos sabiam da relação entre ocupações e enfermidades,
e começaram a registrar a saúde do trabalhador, razão pela qual fizeram
muitas citações aos mineiros. A propósito, é, conveniente trazer à colação o
ensinamento de Rosen (1994, p. 45):
Em verdade, há mais referências a mineiros do que a qualquer outro
grupo ocupacional. Vários autores comentam a palidez da compleição
do mineiro. Lucano2 fala do pálido buscador de ouro, das Astúrias.
Sílio Itálico, procônsul durante o reinado de Vespasiano3, se refere ao
avarento asturiano, pálido como o ouro que arranca da terra. Quando
Estácio4, que viveu no tempo de Domiciano5, iguala a lividez do
apareceu em 1556, no tratado “De Re Metallica” (Das Coisas Metálicas),
do médico Georg Agricola (1494-1555), no qual revela vários problemas
relacionados à extração de minerais e discute, nos últimos capítulos,
os acidentes de trabalho e as doenças mais comuns entre os mineiros,
principalmente a “asma dos mineiros”, provocada por poeiras denominada
por ele de “corrosivas”. (ROSEN, 1994, p.84).
Afirma, ainda, o autor supracitado que o primeiro trabalho monográfico
dedicado exclusivamente às doenças ocupacionais de mineiros e
fundidores foi publicado em 1567, em Dellinger, Alemanha, intitulado Von
der Bergsucht und anderen Bergkronkheiten (Sobre a Tísica dos Mineiros
e outras Doenças das Montanhas), do autor Theophrastus Bombast Von
Hohenheim (1493-1541), recebendo o epíteto de Paracelso (significando
superioridade sobre o famoso médico grego Celso).
A sistematização de todos os conhecimentos acumulados sobre
medicina do trabalho aconteceu em 1700, na cidade de Módena, na Itália,
com o lançamento do livro intitulado “De Morbis Artificum Diatriba” (Discurso
sobre as Doenças dos Artífices), do médico Bernardino Ramazzini (1633-
1714), cognominado “o pai da medicina do trabalho”. O autor, nessa
primeira edição, estudou e chamou a atenção para a aplicação prática do
conhecimento das condições mórbidas em uma coorte de 42 (quarenta e
dois) grupos de trabalhadores; na segunda edição, em 1713, incluiu mais
12 (doze) grupos. O mérito do mencionado médico foi o de, ao entrevistar
seus pacientes, sempre indagar a ocupação que exerciam. Essa obra foi o
texto básico da medicina preventiva até o advento da Revolução Industrial7
e lançou, no cenário, novos problemas. (ROSEN, 1994, p. 85).
Com a Revolução Industrial, o trabalho passou de doméstico para
industrial. Esclarece Figueiredo (2007, p. 23) acerca do impacto ambiental
ocasionado nesse período:
O modelo econômico inaugurado com a Revolução Industrial
desencadeia tanto o surgimento do proletariado como o início do
processo de degradação do meio ambiente natural e humano numa
escala nunca dantes vista. A produção em série impõe maior demanda
de matéria-prima vinda do campo e, na cidade, maior concentração
populacional e especialização no trabalho. Para a classe proletária
que nasce, esta degradação ambiental significa sujeição a doenças
ocupacionais e a acidentes de trabalho. Em outras palavras, verifica-
se um súbito e violento decréscimo na qualidade de vida da população.

Na época da Revolução Industrial, inexistia proteção para aquele


que sofresse um infortúnio laboral, ficando à mercê da caridade e da
benevolência dos patrões. Por seu turno, Fiorillo (2007, p. 322) preleciona
acerca da necessidade de mudança dessa dramática relação:
A preocupação com a criação de metas para a melhoria das relações
de trabalho e meio em que determinadas tarefas eram executadas
cresceu em meados do século XVIII, porque com a Revolução
Industrial, houve a organização de grupos empenhados em lutar por
melhores condições de trabalho, pleiteando modificações e benefícios.

No período da Revolução Industrial, os trabalhadores laboravam


em locais onde inexistia ventilação; suas jornadas de trabalho eram
extremamente longas e deletérias; o tempo para as refeições era insuficiente;
a remuneração das mulheres e das crianças era extremamente módica; e,
frequentemente, ocorriam acidentes dos trabalhadores nas máquinas. Além
desses infortúnios, a industrialização teve relação direta com epidemias,
conforme ensina Rosen (1994, p. 131):
Manchester, a primeira cidade industrial, nasceu graças ao impacto
da industrialização sobre a fabricação de algodão. Em 1784, uma
epidemia de tifo exantemático atraiu a atenção para as fábricas e
seus problemas de saúde. Em conseqüência, se solicitou a um grupo
de médicos, sob a liderança de Thomas Percival, que examinasse
o problema. O relatório do grupo, sobre a saúde de Manchester,
encaminhado às autoridades municipais, recomendava uma ação
remediadora.

[...]

No entanto, pouco se realizou. Assim, outras epidemias vieram e a


situação piorou. Por fim, no inverno de 1795-1796, a disseminação
do tifo causou tanto terror aos habitantes que o Dr. Percival e seus
colegas se reuniram e formaram o Conselho de Saúde de Manchester,
os membros desse conselho tinham plena consciência de estarem
as epidemias relacionadas com os engenhos de algodão, onde
trabalhavam muitas crianças. E recomendaram a instituição de leis
para regular as horas e as condições de trabalho nas fábricas, como
também medidas necessárias para prevenir ou reduzir a difusão de
doenças.

Nesse sentido se expressa Rossit (2001, p. 105):


Iniciava-se aí a idéia de ser a saúde do povo uma responsabilidade
do Estado, idéia que foi implantada inicialmente, no século XVIII,
nas terras de língua alemã, com a criação da polícia médica, ou
seja, a criação de uma política médica pelo governo. Na Inglaterra,
no final desse século, o primeiro impacto da industrialismo começou
a manifestar-se irrompendo epidemias entre os trabalhadores. De
fato, a Revolução Industrial encontrou a Inglaterra sem nenhuma
estrutura de governo e sem organização das cidades, de modo que a
deterioração da saúde dos trabalhadores foi um fato real, que tornou
essencial o urgente enfrentamento dos problemas de saúde pública.

Em meados do século XVIII, os trabalhadores, guiados pelas ideias


iluministas, passaram a entender que os patrões precisavam deles e
começaram a se organizar em sindicatos e partidos políticos em defesa de
melhores condições de trabalho.
Os males presentes nas fábricas acabaram suscitando inúmeras
comissões de inquérito no Parlamento Britânico. De acordo com Rosen
(1994, p. 167), em 1802, foi aprovada a “Lei de Peel”, também conhecida por
“Health and Morals of Apprentices Act” (Ato de Saúde e da Moralidade dos
Aprendizes), uma medida que proibia o trabalho noturno para os aprendizes
pobres nas fábricas de algodão. Nesse contexto, importante a observação
de Mantoux (apud FIGUEIREDO, 2007, p. 132):
A ‘Lei Peel’ (1802) é mencionada por Catharino como precursora
na legislação sobre Higiene e Segurança do Trabalho. Tratava da
proteção do trabalho noturno para os aprendizes nas fábricas de
algodão na Inglaterra e tornou-se conhecida também com o nome
de “Ato de Saúde e da Moral dos Aprendizes”. Seu autor, o moleiro
Robert Peel, procurou disciplinar o trabalho de aprendizes em moinho
e apresentou a lei visando à proteção dessas crianças pela fixação
de um limite na jornada de trabalho e do estabelecimento de deveres
relacionados à educação e higiene no local de trabalho. Todavia, essa
lei não teve eficácia até o ano de 1819, ocasião em que Peel, com
a colaboração do Robert Owen, conseguiu a aprovação de nova lei
no mesmo sentido. Destaque-se, dentre as prescrições estabelecidas
na Lei de Peel, as de caráter sanitário: a caiação das paredes e
tetos das oficinas deveria realizar-se periodicamente, as janelas das
oficinas deveriam ser grandes o suficiente para permitir ventilação
conveniente, etc. (Grifos do autor).

Silva (2008, p. 120) analisa, em etapas, a proteção da saúde do


trabalhador. A primeira seria a da Medicina do Trabalho, que iniciou por
volta de 1830, quando o industrial Robert Dernham, preocupado com as
péssimas condições de saúde dos seus empregados, procurou Robert
Baker, médico inglês, pedindo-lhe orientação. Este recomendou a presença
de um médico no interior da fábrica, como responsável pelo estado de
saúde dos trabalhadores. Inaugurou-se, assim, o serviço de Medicina do
Trabalho no interior das empresas.
Por todo o século XIX, eclodiram inúmeras revoluções e revoltas.
Apesar das muitas derrotas dos trabalhadores, mesmo lentamente, eram
conquistadas mudanças e melhorias para toda a categoria.
O relatório de uma comissão parlamentar de inquérito em 1833
constatou a crueldade do homem para com o homem, conduzindo, assim,
o Parlamento Britânico a se manifestar, editando o Factory Act (Ato Fabril),
com a atenção voltada para os aspectos deletérios do trabalho fabril e para
as deploráveis condições de vida dos trabalhadores. Essa legislação proibiu
o trabalho noturno aos menores de 18 anos, restringiu a jornada de trabalho
destes para doze horas por dia e sessenta e nove horas por semana, bem
como exigiu que cada dono de fábrica garantisse escola para todas as
crianças empregadas menores de treze anos. (NOGUEIRA apud SILVA,
2008, p. 106).
O primeiro serviço médico industrial no mundo ocorreu em 1834, com
a contratação pelo governo inglês do médico Robert Baker para Inspetor
Médico. (MIRANDA, 2009, on line).
Em 1842, o Parlamento Inglês aprovou o Ato das Minas e Carvoarias,
proibindo emprego, sob a terra, de mulheres e de meninos menores de dez
anos, e nenhuma pessoa com menos de quinze anos deveria tomar conta
de uma máquina a vapor. Nesse mesmo ano, foi criada uma inspetoria das
minas. (MIRANDA, 2009, on line).
Ainda em 1842, surge a função específica do médico do trabalho
com a contratação do primeiro médico de fábrica na Escócia, em uma
indústria têxtil, para submeter os menores trabalhadores a exames médicos
admissionais, periódicos e para orientá-los em relação a problemas de
saúde. (MIRANDA, 2009, on line).
Conforme ensinamentos de Rosen (1994, p. 320), todas as leis
trabalhistas lançadas na Inglaterra até o início da década de 1860 protegiam
os trabalhadores das fábricas de tecidos e, em menor grau, os mineiros. A
partir do ano de 1864, essa proteção começou a se estender às manufaturas
de fósforos, cerâmica, cápsulas de percussão e cartuchos. O Ato Fabril, de
1867, e o Ato da Oficina, do mesmo ano, passaram a controlar um grande
número de indústrias até então sem regras e levaram essa tendência à
frente.
A partir de 1862, a França passou a regulamentar a Higiene e
Segurança do Trabalho. (ANVISA, 2009, on line).
Na Alemanha, em 1865, foi aprovada a Lei de Indenização Obrigatória
dos Trabalhadores, que responsabilizava o empregador pelo pagamento
dos acidentes. Em 1873, em Molhause, também na Alemanha, surgiu a
primeira Associação de Higiene e Prevenção de Acidentes, visando evitar
acidentes e amparar o trabalhador acidentado. (ANVISA, 2009, on line).
Na Alemanha, a primeira lei sobre acidentes de trabalho de que se
tem notícia é do ano de 1884. Essa legislação deu início a uma série de leis
similares nos países da Europa. (SILVA, 2008, p. 106).
Em 15 de maio de 1891, o papa Leão XIII deu um sinal ao mundo
da premência da tutela à saúde do trabalhador na célebre encíclica Rerum
Novarum (Das coisas novas), conclamando todos os povos à busca
de condições materiais para a implementação de uma Justiça Social,
influenciando legisladores e estadistas de todo o mundo, aos quais estava
entregue a tarefa de elaborar as leis nacionais e os tratados que viriam,
mais tarde, configurar o nascimento do Direito Internacional do Trabalho.
(SUSSEKIND apud SILVA, 2008, p. 107).
O grande desenvolvimento industrial britânico fez com que se
estabelecesse uma série de medidas legislativas, destacando-se a criação,
em 1897, da “Factory Inspectorate” (Inspetoria das Fábricas), órgão do
Ministério do Trabalho da Inglaterra, cujo papel era proceder aos exames
médicos admissionais e periódicos, notificar e investigar casos de doenças
laborais. (MIRANDA, 2009, on line).
Em 1903, nos Estados Unidos da América (EUA), foi promulgada
a primeira lei sobre indenização aos trabalhadores, limitada apenas ao
empregador e trabalhadores federais. O benefício dessa Lei, em 1921, foi
estendido a todos os trabalhadores. (ANVISA, 2009, on line).
Em 1917, no México, pela primeira vez em todo o mundo, a proteção
do trabalhador por meio de normas de higiene e segurança do trabalho é
trazida para o plano constitucional. (FIGUEIREDO, 2007, p.91).
Durante a Primeira Guerra Mundial, sindicatos começaram a se
mobilizar para que o futuro Tratado de Paz contivesse um estatuto prevendo
normas de proteção ao trabalhador, de forma que, em 1916, foi aprovada,
em Leeds (Inglaterra), por representantes de organizações sindicais, uma
resolução que constitui a essência da Parte XIII do Tratado de Versalhes,
relativa à criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Instalada
a Conferência da Paz em 25 de janeiro de 1919, no Palácio de Versalhes,
a OIT foi efetivamente criada em 11 de abril de 1919. (SILVA, 2008, p. 114).
Acentua Silva (2008, p. 107) que a criação da OIT constitui um marco
na proteção do trabalhador, de modo inclusivo na tutela de sua saúde. Ela
foi um ponto de chegada na busca da internacionalização da tutela aos
direitos do trabalhador e, por outro lado, o ponto de partida na busca de
uma assistência eficaz, havendo ainda um longo caminho a ser percorrido.
Na França, a Lei de 11 de outubro de 1946, substituída pelo Decreto
de 27 de novembro de 1952 e Circular Ministerial de 18 de dezembro de
1952, tornou obrigatória a existência de Services Médicaux du Travail
(Serviços de Saúde Ocupacional) em estabelecimentos, tanto industriais,
como comerciais, de qualquer tamanho. Em 1947, foi instituída a Previdência
Social e os Comitês de Higiene e Segurança no Trabalho. (MACHADO,
2001, p. 59).
Seguindo a análise de classificação da proteção à saúde do
trabalhador, a segunda etapa seria a da saúde ocupacional, iniciada após
a Segunda Guerra Mundial, advinda da conscientização da necessidade
do reconhecimento e da positivação de certos direitos inalienáveis da
pessoa humana. Originou, assim, a criação da Organização das Nações
Unidas (ONU) em 26 de junho de 1945 e, posteriormente, em 7 de abril de
1948, a criação da Organização Mundial de Saúde (OMS), em virtude das
alarmantes condições de saúde pública das nações beligerantes. Ainda em
10 de dezembro de 1948, foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos
do Homem. (SILVA, 2008, p.121).
No pós-guerra, a reconstrução provocou excessivos desgastes aos
trabalhadores, aumentando, consequentemente, a incidência de doenças
e do risco de acidentes. Por bem, aumentou também a consciência
dos laboristas a respeito dos riscos que sofriam. Isso os alertou para a
necessidade de agir sobre as causas dos infortúnios, levando a criação
de condições para aumentar o aspecto preventivo e o desenvolvimento da
higiene ocupacional. Houve a integração, assim, de outros profissionais,
além do médico, com o objetivo de afastar do local de trabalho os agentes
das enfermidades. Decorrente dessa preocupação de adaptar o trabalho
ao homem, em oposição ao antigo costume, em que o homem é que devia
se ajustar às necessidades do trabalho, surgiu, em setembro de 1949, na
cidade de Oxford, Inglaterra, a denominada Ergonomia, termo que provém
do grego ergo, que significa trabalho, e nomus, que significa norma. (SILVA,
2008, p.146).
Em 1953, a Conferência Internacional do Trabalho organizada pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) aprovou uma resolução que
aconselhava aos estados-membros estimular a formação de médicos do
trabalho qualificados e a organização de serviços de medicina do trabalho.
(MIRANDA, 2009, on line).
Nesse contexto, em 1954, em Genebra, foi publicado o Código
Internacional do Trabalho, pelo Bureau Internacional do Trabalho, que
aborda, nos capítulos 55 e 56 do Livro V, especificamente o tema “Higiene
do Trabalho, Prevenção dos Acidentes e Bem-Estar dos Trabalhadores”.
(FIGUEIREDO, 2007, p. 92).
Na Espanha, exigências legais (Ordem de 22 de dezembro de
1956, substituída pelo Decreto n° 1.036 de 18 de junho de 1959) tornaram
obrigatória a existência de Serviços de Saúde Ocupacional em empresas
que tinham, pelo menos, 500 empregados. O mesmo ocorreu em Portugal.
(MIRANDA, 2009, on line).
Em 1957, os objetivos da saúde no ambiente de trabalho foram
estabelecidos por um comitê misto OIT/OMS, sendo muito significativo para
a proteção da saúde do trabalhador (NOGUEIRA apud SILVA, 2008, p. 118):
A Saúde Ocupacional tem como finalidade incentivar e manter o mais
elevado nível de bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores
em todas as profissões; prevenir todo o prejuízo causado à saúde
destes pelas condições de seu trabalho; protegê-los em seu serviço
contra os riscos resultantes da presença de agentes nocivos à sua
saúde; colocar e manter o trabalhador em um emprego que convenha
às suas aptidões fisiológicas e psicológicas e, em resumo, adaptar o
trabalho ao homem e cada homem ao seu trabalho.

Diante de uma nova realidade social, crescimento A 43ª Conferência


Internacional do Trabalho da OIT, ocorrida em 1959, aprovou a
Recomendação n° 112, com o título “Recomendações para Serviços de
Saúde Ocupacional”, que representa o primeiro instrumento internacional
em que se definia, de maneira precisa e objetiva, as funções, a organização
e os meios de ação dos serviços de medicina do trabalho. (MIRANDA,
2009, on line).
No ano de 1962, a Comunidade Econômica Européia recomendou a
criação de um serviço sanitário do trabalho em cada empresa com mais de
200 empregados. (MIRANDA, 2009, on line).
A terceira etapa de proteção à saúde do trabalhador, denominada de
etapa da saúde do trabalhador, iniciou-se na década de 1970, época em
que ocorreu uma série de movimentos e reivindicações dos trabalhadores
organizados por sindicatos para a melhoria do ambiente de trabalho
como um todo, principalmente na Itália. Com a inserção do trabalhador
como principal interessado na atuação protetiva de seu direito, tendo
como ponto marcante desse movimento a promulgação em 20 de maio
de 1970, na Itália, da Lei n° 300 Statuto dei Diritti dei Lavoratori (Estatuto
dos Trabalhadores), consagrando progresso na tutela da integridade física,
no direito de informação do empregado, na liberdade sindical e na saúde.
Posteriormente, foi instituído, em 23 de dezembro de 1978, com a edição
da Lei n° 833, que o empregador deveria formular um Mapa de Riscos
Ambientais, informando aos empregados e ao sindicato os riscos para a
saúde dos trabalhadores presentes nos ciclos produtivos. (SILVA, 2008, p.
122).
Merece destaque o acontecimento de 5 a 16 de junho de 1972, mais
precisamente a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente
Humano, reunida em Estocolmo, a qual proclamou relevantíssima
declaração, visando à proteção e ao melhoramento do meio ambiente
humano, por se tratar de “uma questão fundamental que afeta o bem-
estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro”, sendo
“um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os
governos”. (SILVA, 2008, p. 119).
Restou da participação dos trabalhadores nos movimentos e das
reivindicações a aprovação pela Conferência Internacional do Trabalho
da OIT, em 1975, de uma resolução instituindo o Programa Internacional
para o Melhoramento das Condições e do Meio Ambiente de Trabalho,
conhecido pela sigla PIACT (iniciais em francês), aprovado pelo Conselho
de Administração em novembro de 1976. Resultaram da atuação do
PIACT as convenções: n° 148 de 1977, que dispõe sobre a proteção dos
trabalhadores contra os riscos profissionais; n° 155 de 1981, que trata sobre
normas gerais de segurança, saúde e meio ambiente do trabalho e a n° 161
de 1985, sobre os Serviços ligados à Saúde do Trabalho. (SILVA, 2008, p.
123).
A Convenção n° 161 expressa, em seu título, “Serviços de Saúde no
Trabalho”, sendo, portanto, uma ampliação do conceito restrito de “medicina
do trabalho”. Passa a valorizar a qualidade geral de vida e a participação
dos trabalhadores. (MIRANDA, 2009, on line).
A quarta etapa da proteção à saúde do trabalhador é denominada
etapa da qualidade de vida do trabalhador. Iniciou-se por volta de 1985 e
ainda se encontra em fase de elaboração. Faz alusão ao grau de satisfação
que o trabalho é capaz de proporcionar ao trabalhador e preocupa-se com
o ambiente laboral, com o complexo de relações humanas na empresa,
com a forma de organização do trabalho, sua duração, o ritmo, a divisão
dos turnos, os critérios de remuneração, as possibilidades de progresso na
empresa, o clima de trabalho, a satisfação dos trabalhadores, o ambiente
externo à empresa, bem como o local em que vive o trabalhador, inclusive
com a alimentação dele. (SILVA, 2008, p. 125).
Seguidamente, analisar-se-á a evolução histórica do meio ambiente
do trabalho no Brasil.

2.2 Histórico no Brasil


No Brasil, mais precisamente na época colonial (1500-1822), de
uma forma generalizada, o atendimento médico era escasso, incluindo o
atendimento médico aos trabalhadores. Os militares eram os únicos que
gozavam de atendimento médico, existindo para eles físicos e cirurgiões-mor,
assim como os hospitais militares. Para os demais trabalhadores restava o
atendimento nas Santas Casas, uns poucos cirurgiões e, principalmente, os
cuidados da medicina doméstica, sangradores8 e boticários9, entre outros
curadores. Os escravos, nessa época, quando enfermos ou acidentados,
contavam somente com a caridade dos senhores ou do Estado paternalista.
(TOLEDO, 2008).
De acordo com Polignano (2009, on line), a atenção à saúde nessa
época “limitava-se aos próprios recursos da terra (plantas, ervas) e àqueles
que, por conhecimentos empíricos (curandeiros), desenvolviam as suas
habilidades na arte de curar”.
Há relatos do período colonial, em que o atendimento médico mais
frequente aos acidentados que trabalhavam nas minas exploradas, na
então capitania de Minas Gerais, eram os tratamentos dos acidentes e das
intoxicações, principalmente nas minas de Congonhas do Sabará e nas do
Rio das Velhas. A atividade mineradora, embora lucrativa, era reconhecida
por seus perigos atribuídos às más condições de trabalho. (TOLEDO, 2008).
A primeira intervenção neurocirúrgica realizada no Brasil ocorreu
em Sabará, em 1710, e teve relação com acidente de trabalho. Trata-
se de um caso de traumatismo crânio-encefálico com fraturas expostas
e afundamento ósseo, causado pela queda de galho de árvore sobre a
cabeça de um escravo. O caso está resgistrado no erário mineral, escrito
pelo cirurgião português Luis Gomes Ferreyra, originalmente publicado em
Lisboa no ano de 1735. (TOLEDO, 2008).
Na mineração, feita em minas subterrâneas, além dos eventuais
desmoronamentos e acidentes de toda espécie, o trabalhador estava sujeito
às condições de trabalho permanentemente insalubres. Toledo (2008, p.96)
menciona um acidente descrito no romance Morro Velho, obra que descreve
as condições de trabalho na mina de Morro Velho, em Nova Lima (MG), no
final do século XIX. O autor Avelino Fóscolo fora um funcionário dessa mina:
O autor descreve um acidente, onde a roldana escapuliu da mão de
um negro e, na tentativa de prender a manivela, três mineiros foram
atingidos. Passado o mal-estar do personagem principal, causado
pelo acidente, ouve-se o comentário de um antigo operário sobre o
real perigo das minas: ‘poeira fina espalhada pelas brocas e pelos
carros – ela se mete traiçoeiramente na garganta da gente, forma
uma espécie de cimento nos bofes e, quando o diabo pega uma
pneumonia ou mesmo um resfriado, vem o diacho de uma tosse que
não há santo capaz de tirar. O cabra aí está com uma viagem de ida
sem volta para a cidade dos pés juntos’ .

Rossit (2001, p. 112) destaca que, nessa época, a preocupação


com o adoecimento do trabalhador era para que não se prejudicasse a
produtividade:
Em verdade, não se questionava o problema do trabalho e de suas
condições como fatores de agravo à saúde dos trabalhadores. O
enfoque existente à época relacionava-se ao aspecto do local de
trabalho favorecendo a doença e desta prejudicando o trabalho,
numa clara preocupação quanto à produtividade e não, propriamente,
quanto ao aspecto humanitário.

As oligarquias10 entram em cena em 1889, com a instalação da


República Velha. Nesse período, a dispensa de trabalhadores doentes é
meramente reconhecida como legítima, e os acidentados apenas eram
enviados às Santas Casas de Misericórdia, fazendo-se um registro policial
dos acidentes ocorridos. (FALEIROS apud MACHADO, 2001).
A primeira lei de acidentes do trabalho foi aprovada em 15 de janeiro
de 1919, por força do Decreto Legislativo n° 3.724, regulamentado pelo
Decreto n° 13.498, de 12 de março de 1919. Nessa época, as doenças
ocupacionais não estavam contempladas, mas somente o acidente
típico. A Lei n° 8.213, de 24 de junho de 1991, é a atual norma vigente
regulamentadora dos benefícios previdenciários decorrentes de acidentes
de trabalho.
Do final do século XIX até a década de 1920, inúmeras pestes
desencadearam doenças, sem contar que as condições de trabalho eram
semelhantes àquelas observadas na Inglaterra, no período da Revolução
Industrial, vale dizer, jornadas de trabalho longas e alta incidência de
acidentes de trabalho. Dean (apud ROSSIT, 2001, p. 114) se manifesta:
Cabe anotar que, entre 1911 e 1919, cerca da metade das empresas
investigadas pelo Departamento Estadual do Trabalho fornecia
serviços médicos aos trabalhadores. Todavia, parte dos custos de
tais serviços eram transferidos para os próprios empregados, com um
desconto que correspondia a cerca de 2% dos salários. Além disso,
tais serviços eram considerados ‘arranjos necessários à manutenção
do processo de trabalho, análogos à lubrificação de maquinaria ou à
substituição das peças gastas’.

Com a reforma Carlos Chagas, em 1920, foi criado o Departamento


Nacional de Saúde Pública. (MIRANDA, 2009, on line).
Em 30 de Abril de 1923, por meio do Decreto n° 16.027, foi criado
o Conselho Nacional do Trabalho (CNT), órgão máximo da Justiça do
Trabalho. Em 1946, pelo Decreto-Lei n° 9.797, esse conselho tornou-se o
Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O Decreto n° 16.300, de 31 de dezembro de 1923, conhecido por
“Regulamento de Saúde Pública”, criou a Inspetoria de Higiene Industrial
Profissional. (SILVA, 2007, p. 35).
Em 1926, foi editado o livro “Medicina Legal dos Acidentes do Trabalho
e das Doenças Profissionais: noções de infortunística: doutrina - perícia
- técnica - legislação”. A obra foi destinada aos estudantes de Medicina
e Direito, bem como aos peritos e magistrados. Comentava a legislação
existente até aquele momento e considerava todo dano causado à saúde
e à vida como passível de ser punido criminalmente e de reparação civil,
desde que provado o dolo. (TOLEDO, 2008).
No primeiro governo de Vargas (1930-1945), aconteceu a transição do
modelo oligárquico para o industrialismo. Com isso, em 26 de novembro de
1930, pelo Decreto n° 19.433, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria
e Comércio. (GONÇALVES, 2006). A questão da Higiene e Segurança do
Trabalho saiu do campo da saúde pública e passou para o âmbito deste.
(MENDES, 2003). Diversas vezes, esse ministério teve a denominação
alterada, prevalecendo, desde 1º de agosto de 1999, por meio da Portaria
n° 1.799, posteriormente convertida na Lei n° 10.683, de 28 de maio de
2003, Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). (GONÇALVES, 2006).
Em 4 de fevereiro de 1931, foi criado o Departamento Nacional do
Trabalho, que, dentre outras atribuições, ficou com a organização, higiene
e segurança do trabalho.
Com a Constituição de 1934, por meio do Decreto n° 24.637,
ocorreu a reforma da legislação de acidentes de trabalho. Foi mantido o
seguro privado de acidentes de trabalho e, pela primeira vez, as doenças
profissionais foram equiparadas aos acidentes de trabalho, assim como,
de forma inaugural, a indenização dos acidentes de trabalho passou a ser
custeada por Estado, empregado e empregador. A Constituição de 1937
põe fim à contribuição ao seguro social de acidentes de trabalho, restando
apenas a lei ordinária de acidentes de trabalho. (MACHADO, 2001).
Ainda em 1934, foram nomeados pelo ministro do Trabalho os
primeiros inspetores-médicos do trabalho, para procederem à inspeção
higiênica nos locais de trabalho e estudos sobre acidentes e doenças
profissionais. (MENDES, 2003).
O crescimento da indústria, com o consequente aumento no número
de trabalhadores urbanos, trouxe novas preocupações para o governo
brasileiro. Dessa forma, visando preservar a saúde do trabalhador, foi
fundada, em 1941, a Associação Brasileira para a Prevenção de Acidentes,
e, em 1° de maio de 1943, por meio do Decreto-Lei n° 5.452, foi aprovada,
no país, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). (TOLEDO, 2008).
O Decreto Lei n° 6.905, de 26 de setembro de 1944, incumbiu ao
empregador o ônus de pagar aos empregados os primeiros 15 dias de
ausência ao trabalho por motivo de enfermidade.
Em 27 de novembro de 1953, foi publicada a Portaria n° 155, que
regulamentava as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPAs),
posteriormente organizadas nas empresas por meio da Portaria n° 32, de
1968. Em 23 de fevereiro de 1999, por meio da Portaria n° 8, foi aprovada
a atual versão da NR-5 (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes -
CIPA).
Em 1960, foi publicada a Lei n° 3.807, conhecida como Lei Orgânica
da Previdência Social, introduzindo aposentadoria especial para os
trabalhadores que exercem atividades penosas, insalubres ou perigosas.
A intenção era aposentar o trabalhador antes que ele sofresse dano total
ou irreversível à saúde. Nesse mesmo ano, foi regulamentado o uso dos
equipamentos de proteção individual (EPIs) pela Portaria n° 155.
Por meio da Lei n° 5.161, de 21 de outubro de 1966, foi criada a
Fundação Centro Nacional de Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho
(FUNDACENTRO), com estatutos aprovados em 25 de janeiro de 1968,
pelo Decreto Lei n° 62.172. A criação tinha como propósito a realização
de estudos e pesquisas pertinentes aos problemas de segurança, higiene
e medicina do trabalho. Em 16 de dezembro de 1978, por meio da Lei n°
6.618, a denominação desta foi alterada para Fundação Jorge Duprat
Figueiredo, de Segurança e Medicina do Trabalho. (MTE,2009, on line).
Em 26 de março de 1968, surge a Associação Nacional de Medicina do
Trabalho (ANAMT). O primeiro estado visitado com o propósito de divulgar
a associação foi Minas Gerais, tendo em vista o papel de destaque que
ocupava no contexto da Medicina do Trabalho no país. Em 6 de dezembro
desse mesmo ano, foi fundado o Departamento de Medicina do Trabalho da
Associação Médica de Minas Gerais (DEMETRA). (TOLEDO, 2008).
O Brasil, em 1970, destacou-se negativamente no cenário mundial,
registrando 1.220.111 (um milhão, duzentos e vinte mil, cento e onze)
acidentes de trabalho, o maior índice mundial. Era tempo do milagre
econômico, e várias medidas tiveram que ser adotadas para melhorar as
estatísticas e a imagem do país. Foi priorizada a formação do médico do
trabalho, assim como a de outros profissionais especializados na abordagem
dos problemas relacionados à saúde e ao trabalho. (TOLEDO, 2008).
Em 25 de julho de 1972, o governo federal editou o Decreto n°
70.861, criando o Programa Nacional de Valorização do Trabalhador
(PNVT), obrigando a criação de serviços médicos em todas as empresas,
independentemente do número de empregados. A FUNDACENTRO passou
a ministrar cursos de formação de médicos do trabalho.
Por meio da Portaria n° 3.237, de 27 de julho de 1972, foi criada a
obrigatoriedade dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança
e em Medicina do Trabalho (SESMT) nas empresas. Essa legislação foi
revogada em 31 de dezembro de 1975, pela Portaria n° 3.460, a qual
reconheceu o enfermeiro do trabalho como integrante do SESMT. Essa
última foi, posteriormente, substituída pela portaria n° 3.214 de 8 de julho
de 1978, mediante NR 4, que vigora até hoje. (TOLEDO, 2008).
Em 22 de dezembro de 1977, a Lei n° 6.514, alterou o Capítulo
V, do Título II da CLT, que trata da Segurança e Medicina do Trabalho.
Posteriormente, em 6 de julho 1978, foi publicada a Portaria n° 3.214, a qual
aprovou e expediu vinte e oito Normas Regulamentadoras. (SILVA, 2008).
A partir de 1980, no campo da patologia do trabalho, o livro organizado
por René Mendes, intitulado “Medicina do Trabalho – doenças profissionais”,
passou a ser referência básica. (MENDES, 2003).
A Lei Federal n° 6.938, de 31 de agosto de 1981, introduziu, no Brasil,
a Política Nacional do Meio Ambiente (PNAMA). Com o advento desta, ficou
estabelecido o dever de indenizar o dano causado ao meio ambiente e a
terceiros, necessitando para tanto apenas demonstrar a existência do dano
e o nexo causal, vale dizer, a responsabilidade é dita objetiva e independe de
provar culpa, ou dolo, como requisito para outrora. Aplica-se, plenamente,
ao poluidor do meio ambiente laboral. (PADILHA, 2002, p. 65-68).
Em 27 de outubro de 1983, a Portaria n° 33 alterou a redação das
NRs 04 e 05, para adaptar as mencionadas normas à evolução dos métodos
e ao avanço da tecnologia.
Em 1988, foi promulgada uma nova Constituição Federal, a qual
significou o marco principal da introdução da saúde do trabalhador no
Sistema Jurídico Nacional. Com a promulgação desta, as ações de Saúde
do Trabalhador passaram a ser competência do Sistema Único de Saúde
(SUS), assim como foi consagrada proteção ao meio ambiente, incluindo
o meio ambiente do trabalho. Essa Carta Magna previu a possibilidade de
sansões para as condutas e as atividades consideradas lesivas ao meio
ambiente. Quanto às sansões, oportuno o esclarecimento de Melo (2008,
p. 140):
Do comando constitucional do art. 225, §3º e dos demais dispositivos
constitucionais e legais que protegem o meio ambiente e a saúde
do trabalhador (subitens 4.1, 4.2 e 4.3 do Capítulo I), infere-se
que as responsabilidades decorrentes do trabalho em condições
inadequadas e em ambientes insalubres, perigosos e penosos ou em
razão de acidentes de trabalho, podem ser caracterizadas como de
natureza: a) administrativa; b) previdenciária; c) trabalhista; d) penal;
e) civil.

Importante, ainda, o ensinamento de Melo (2008, p. 225) quanto à


responsabilidade civil:

Esta última, de natureza civil, requer a reparação do dano causado


de maneira mais completa possível, que vai desde a reconstituição
daquele, quanto possível, até a sua substituição/compensação pelo
pagamento de determinadas importâncias em dinheiro por conta da
redução patrimonial sofrida pela vítima quanto aos danos emergentes,
lucros cessantes e demais despesas com que, em razão do evento,
deva a vítima arcar. Mas também, como visto, é devida a reparação
(compensação) por danos não patrimoniais, que são os danos à
personalidade.

Ainda em 1988, no dia 12 de abril, foi editada a Portaria n° 3.067


aprovando as Normas Regulamentadoras Rurais (NRr).
Em de 19 de setembro de 1990, foi sancionada a Lei Orgânica da
Saúde, Lei nº 8.080, dispondo, em seu art. 6º, sobre a atuação do SUS na
área de Saúde do Trabalhador.
A Lei n° 8.213, de 24 de junho de 1991, dispõe sobre os Planos
de Benefícios da Previdência Social. Trouxe regras que disciplinam as
reparações previdenciárias, a cargo do Instituto Nacional de Seguro Social
(INSS), em razão de acidentes de trabalho. As reparações previdenciárias
são: auxílio-doença acidentário, aposentadoria por invalidez, auxílio-
acidente, pensão por morte, e habilitação e reabilitação profissional e social.
(MELO, 2008, p. 142).
Em 22 de maio de 1991, por meio do Decreto n° 127, o Brasil ratificou
a Convenção n° 161/85 da OIT, relativa aos serviços de saúde do trabalho.
(MIRANDA, 2009, on line).
Em junho de 1992, aconteceu a Conferência das Nações Unidas
sobre meio ambiente e desenvolvimento, no Rio de Janeiro. Nesse sentido,
destaca Figueiredo (2007, p. 84): “É inegável que a Conferência das
Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio
de Janeiro em 1992, trouxe a um público acostumado com o debate acerca
do meio ambiente natural e construído uma nova variável: o meio ambiente
do trabalho.”
Por meio da Portaria n° 25, de 30 de dezembro de 1994, o MTE
aprovou o texto da NR-9, instituindo o Mapa de Riscos e Programa de
Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA), como também alterou as NRs
05 e 16. Ainda em 1994, com base na Portaria n° 24, de 29 de dezembro, é
instituído o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO),
NR-7, alterado, posteriormente, pela Portaria n° 08, de 08 de maio de 1996.
(MORRONE, 2004).
A Lei n° 9.032, de 28 de abril de 1995, tornou obrigatório laudo técnico
para todos os trabalhadores submetidos a atividades insalubres, além
de determinar os requisitos necessários à concessão da aposentadoria
especial.
Em 17 de dezembro de 1997, é aprovada a Portaria n° 53, editando
a NR-29, “Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho
Portuário”.
Em 03 de julho de 1998, com o Decreto n° 2.657, foi promulgada a
Convenção n° 170 da OIT, relativa à segurança na utilização de produtos
químicos no trabalho, assinada em Genebra, em 25 de junho de 1990.
Nesse mesmo ano, foi promulgada a Lei n° 9.732, instituindo alíquotas
diferenciadas de contribuição à seguridade social incidentes sobre a
remuneração do segurado exposto a agentes nocivos à sua saúde.
Em 18 de setembro de 2002, por meio da Portaria GM/MS n°
1.679, foi criada a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do
Trabalhador (RENAST), como forma de articular ações de prevenção,
promoção e recuperação da saúde dos trabalhadores urbanos e rurais,
independentemente do vínculo empregatício e tipo de inserção no mercado.
Posteriormente, a RENAST foi ampliada pela Portaria GM/MS n° 2.437, de
7 de dezembro de 2005. (MS, 2009, on line).
Em 08 de maio de 2003, foi editada a Lei nº 10.666, instituindo o
Fator Acidentário Previdenciário (FAP), possibilitando a redução de até 50%
ou a ampliação de até 100% das alíquotas de 1%, 2% ou 3%, conforme o
grau de risco previdenciário, pagas por cada uma das empresas ativas no
Brasil. (BRASIL. MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2009, on line).
Enfatize-se que o FAP ainda não está sendo aplicado.
Foi criado em julho de 2003, a Coordenação Geral de Seguridade
Social do Servidor e Benefícios do Servidor (CGOSS) da Secretaria de
Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
(MPOG, 2006, on line).
Por meio da Portaria n° 777/GM, de 28 de abril de 2004, foi
regulamentada a notificação compulsória de agravos à saúde do trabalhador,
incluídos nesta acidentes e doenças relacionadas ao trabalho. Também
foi criada a Rede Sentinela de Notificação Compulsória de Acidentes e
Doenças Relacionadas ao Trabalho. (MS, 2009, on line).
Em 6 de novembro de 2005, foi publicada a Portaria n° 485, aprovando
a NR-32 - Segurança e Saúde do Trabalhador em Estabelecimentos de
Saúde. (GONÇALVES, 2006).
Acredita-se que os dados de uma pesquisa de 2003, na qual se
constatou alto índice de aposentadoria precoce dos servidores públicos
federais, causaram preocupação ao governo, servindo para conscientizá-
lo da necessidade de investir na proteção laboral do funcionalismo. Assim,
em 6 de outubro de 2006, foi editada a Portaria MOG n° 1.675, instituindo
o “Manual para os Serviços de Saúde dos Servidores Civis Federais”, a
ser adotado como referência aos procedimentos periciais em saúde e para
uso clínico e epidemiológico. Também recepcionou, no Sistema de Pessoal
Civil da Administração Federal (SIPEC11), as NRs 7 (PCMSO) e 9 (PPRA),
criadas pela Portaria n° 3.214, de 08 de junho de 1978. Ressalte-se que
o estatutário não está acobertado pelas NRs, ficando a proteção ao meio
ambiente laboral dele à mercê das administrações públicas. (MPOG, 2006).
Em 13 de novembro de 2006, por meio do Decreto Federal n° 5.961,
foi criado o Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor Público
Federal (SISOSP), instituído com o objetivo de uniformizar procedimentos
administrativo-sanitários na área de gestão de recursos humanos e
promover a saúde ocupacional do servidor. (CARDOSO, 2008).
Em 22 de agosto de 2007, o Ministério da Previdência Social, por
meio do Decreto n° 6.194, um órgão voltado para a Saúde e Segurança
Ocupacional, criou o Departamento de Políticas de Saúde e Segurança
Ocupacional. (MS, on line).
Por fim, em 29 de abril de 2009, o governo, visando dar uma atenção
diferenciada à saúde do trabalhador, editou o Decreto Federal n° 6.833,
instituindo o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público
Federal (SIASS), bem como o Comitê Gestor de Atenção à Saúde do
Servidor. Ainda revogou o Decreto nº 5.961 de 2006, que instituiu o SISOSP,
em razão do SIASS significar uma releitura do SISOSP.
Considerações finais
Como visto, o trabalho faz parte do contexto da humanidade há muitas
eras e, apesar das relações trabalho, saúde e doença dos trabalhadores
serem reconhecidas desde os primórdios da história humana registrada, é
relativamente recente uma produção mais sistemática sobre o tema.
Observa-se, no contexto histórico, que, até o século XIX, a saúde e
segurança do trabalhador foram bastante negligenciadas. Todavia, não se
pode desconsiderar que a modernidade industrial intensificou os fatores de
risco no trabalho, mas também, em passos lentos, nos encaminhou para um
novo cenário no meio ambiente do trabalho: proteger a saúde e segurança
do trabalhador.
Nos dias atuais, existe uma grande preocupação com o meio ambiente
do trabalho. Percebe-se que esse fato decorre do processo de maturação
que envolveu o seu reconhecimento internacional.
O Sistema Jurídico Brasileiro, mais precisamente a Constituição
Federal de 1988, e, a partir desta, a legislação infraconstitucional,
expressamente fazem alusão à proteção ao meio ambiente laboral e à saúde
do trabalhador. Ocorrendo danos ao trabalhador, em razão de o empregador
descumprir tal legislação, surge para aquele direito à indenização.
Por fim, observa-se que ocorreu um avanço no âmbito do serviço
público federal a partir da aplicação das normas regulamentadoras 7 e 9, e
da criação do SIASS. Significa dizer que o serviço público começou a dar os
primeiros passos para preencher a lacuna existente em relação à proteção
laboral dos estatutários.
PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO DIREITO TUTELAR DA SAÚDE E SEGURANÇA
DO TRABALHADOR
Cléber Nilson Ferreira Amorim Júnior

A lavra do presente artigo foi motivada pela perplexidade que sempre fez
parte do exercício das funções institucionais do seu autor, como auditor-fiscal do
trabalho, ao perceber, por parte dos profissionais do Direito, uma espécie de
menoscabo e desinteresse pelas normas de tutela de saúde e segurança dos
trabalhadores, por entenderem estes se tratar de matéria afeta ao escopo
profissional de médicos do trabalho e engenheiros de segurança.
Outro aspecto, que sempre chamou a atenção do autor é a abordagem
dada às normas de segura e saúde dos trabalhadores, como é o caso daquelas cujo
núcleo normativo é centrado nas Normas Regulamentadoras do Ministério do
Trabalho e Emprego, entendidas, por vezes, como regras, que nascem e deságuam
nelas mesmas. Essa visão atomizada não se coaduna com as exigências da ciência
jurídica.
Em virtude disso, e, tendo em vista que as normas jurídicas nunca existem
isoladas, mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si,
objetiva-se, neste estudo, conclamar os profissionais do Direito a participarem, neste
texto, de um aprofundamento científico com enfoque jurídico sobre as normas de
segurança e saúde dos trabalhadores.
Para tanto, faz-se necessário prospectar os princípios específicos do
direito tutelar da saúde e segurança do trabalhador, considerando-os verdades
fundantes admitidas como condição básica de validade das demais asserções que
compõem esse campo do saber.
O princípio jurídico é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro
alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas
compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e
inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo,
no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. 1
A enciclopédia Wikipédia2 define “Princípio como a causa primária, o
momento, o local ou trecho em que algo, uma ação ou um conhecimento, tem
origem”.
Para Alonso Olea3 o princípio geral de direito é um critério de ordenação
que inspira todo o sistema jurídico. Explica que, na verdade, os princípios de direito
se dirigem não só ao juiz, mas também aos intérpretes, aos legisladores, aos demais
operadores do direito, como também aos agentes sociais a que se destinam.
Tais princípios servem de parâmetro para a formação de novas regras
jurídicas, e, ainda, de orientação para a interpretação e aplicação das normas já
existentes. Designam a estruturação de um sistema jurídico através de uma idéia
mestre que ilumina e irradia as demais normas e pensamentos acerca da matéria.
Segundo Sussekind:
[...] são enunciados genéricos, explicitados ou deduzidos, do ordenamento
jurídico pertinente, destinados a iluminar tanto o legislador, ao elaborar as
leis dos respectivos sistemas, como ao intérprete, ao aplicar as normas ou
4
sanar as omissões.

Por este prisma, os princípios constitucionais são apenas fontes de


inspiração, dedução, encaminhamento, integração e interpretação da lei ou do
legislador.
Apesar de ser essa, ainda hoje, a posição majoritária de nossos tribunais
trabalhistas e de boa parte da doutrina, a Constituição da República de 1988 elevou
os princípios à categoria de norma, dando outra abordagem a partir de então.
A doutrina pós-positivista diferencia os princípios jurídicos dos princípios
constitucionais, pois enquanto estes são espécies de norma jurídica, com força
normativa, comando geral, abstrato, impessoal e imperativo, aqueles se destinam,
quase sempre, a orientar o intérprete e inspirar o legislador.
No Brasil, o marco filosófico deste entendimento encontra guarita na lição
de Paulo Bonavides, ao retratar com fidelidade todos os autores estrangeiros que
defendiam a normatividade dos princípios.
A análise da matéria exige uma retrospectiva da evolução do direito
constitucional, sintetizada a seguir em quatro fases pela doutora Vólia Bomfim
Cassar.5
A primeira fase foi marcada pela Revolução Francesa, cuja consequência
foi a criação de um Estado Moderno, com poderes separados e independentes, a fim
de conter o poder absoluto existente até então. A idéia de criação de direitos
fundamentais aparece, neste primeiro momento, como direitos de defesa do cidadão
em face do Estado, o que significava que o Estado deveria se abster de praticar
alguns atos que violassem a liberdade dos particulares, limitando a intervenção
deste nas relações privadas.
Os valores fundamentais do liberalismo eram: liberdade de contratar e a
defesa da propriedade, o que acabou por influenciar o Código Civil da época.
Prevalecia o princípio da igualdade das partes no ato de contratar, e o trabalho era
tratado como mercadoria, o que demonstrava a coisificação do trabalhador. O Direito
do Trabalho surge para compensar a inferioridade econômica do trabalhador. Lógico
concluir que nesse período o Estado não se interessava em intervir nas relações
entre particulares.
A segunda fase foi marcada pela publicização do direito, fruto da pressão
exercida pela reação dos trabalhadores explorados, que exigiu a intervenção do
Estado nas relações privadas.
A partir do momento que o povo começou a eleger seus representantes, o
Estado passa a ser pluriclassista, transformando o panorama anterior, pois passa a
transpor direitos sociais, especialmente direitos trabalhistas, para a Constituição. Os
direitos sociais, então, foram incluídos no corpo da Carta, marcando a terceira fase.
Apesar deste esforço, algumas normas, dentre elas os princípios sociais
constitucionais, eram interpretadas como normas não autoaplicáveis, portanto, nas
palavras de Bonavides, serviram apenas como válvulas de escape.
Alguns fatos abalaram profundamente a forma de pensar o direito
constitucional até então existente, entre eles a Segunda Guerra Mundial, o
holocausto, o nazismo, o fascismo e a banalização do mal. Como forma de combater
tais práticas nefastas à sociedade, a mudança do direito era necessária, já que
através desses vazios legais, os infratores de direitos humanos se beneficiaram,
pois permaneciam impunes, uma vez que a lei “posta” não previa o caso como ato
antijurídico. Daí a necessidade de se buscar nos princípios constitucionais o
comando imperativo.
A decisão que marcou a ascensão dos direitos fundamentais foi proferida
em 1958, pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, o chamado “Caso
Lutis”.
Eric Lutis, presidente do Colégio de Cineastas, contrapôs-se publicamente
ao filme Amantes Imortais, produzido por outro cineasta alemão, sob argumento de
que o produtor participava ativamente do movimento nazista. Lutis enviou carta
aberta aos jornais conclamando todos contra o cineasta nazista. O ofendido, através
de sua produtora, reagiu e propôs ação com base no § 826 do Código Civil alemão,
para impedir Lutis de continuar o “boicote”. O parágrafo referido proibia a prática de
atos contrários aos bons costumes. A produtora ganhou a causa nas duas primeiras
instâncias. Lutis, então, ajuizou queixa no Tribunal Federal Alemão, alegando o seu
direito fundamental de liberdade de expressão, previsto na Constituição. A decisão
da mais alta Corte alemã foi histórica e marcou o início de uma nova era no direito,
pois pela primeira vez apontava o equívoco de se interpretar a lei ignorando os
direitos fundamentais previstos na Constituição, determinando que a interpretação
deve se dar conforme a Constituição. Declarou, ainda, que o sistema de direitos
fundamentais representa ordem objetiva de valores e como tal influencia o direito
infraconstitucional e vincula todas as funções e órgãos estatais. A partir daí nasce a
constitucionalização do direito. Esta é a última fase.
Os direitos sociais, portanto, inserem-se no conjunto dos direitos
fundamentais e, estes, no tema global dos direitos humanos. A expressão direitos
humanos é utilizada para designar a proteção jurídica outorgada a esses direitos no
âmbito do Direito Internacional, sem limitações de tempo e espaço, mas presente
uma pretensão de validade universal; de outro modo, a expressão direitos
fundamentais designa a dimensão interna e nacional desses direitos, uma vez que
tenham sido contemplados, material e formalmente, pelo direito constitucional
positivo brasileiro vigente.6
Feitas estas considerações, deve-se passar à análise acerca da proteção
internacional dos direitos humanos, especialmente no que se refere aos atos
normativos expedidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e, com arrimo
neles, para a explicitação das conseqüências jurídicas advindas dos conceitos
jurídicos daí depreendidos. Com efeito, a concepção do que sejam os direitos
fundamentais, bem como o exame das condições e possibilidades que a eficiência
desses direitos alcança, notadamente dos direitos sociais, em muito alicerçada a
partir das noções construídas pela Declaração Universal de Direitos Humanos
(DUDH) da ONU e dos demais documentos que a esse se seguiram.
A Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) de 1948 e, mais
tarde, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ambos de 1966,
carregam em si os objetivos que levaram à própria criação da Organização das
Nações Unidas (ONU), após a falência da Liga das Nações na política internacional
e o desrespeito genocida cometido contra o ser humano durante a Segunda Guerra
Mundial. Assim sendo, a criação da ONU procurou atender, entre outros, à
construção de uma ordem mundial fundada em novos conceitos de Direito
Internacional, que fizessem frente à doutrina da soberania nacional absoluta e à
exacerbação do positivismo jurídico. Mencionados documentos firmaram um novo rol
de direitos humanos, cuja concretização foi assumida por todos os Estados
signatários, ainda que ausente a taxação expressa de medidas punitivas a serem
aplicadas em caso de descumprimento dessas normas internacionais. Com o tempo,
entretanto, a eficácia do direito costumeiro seria agregada à DUDH e, portanto, o
reconhecimento da respectiva vincularidade enquanto jus congens, a afastar
posições mais cautelosas e formais que a viam como mera Recomendação da
Assembléia Geral, sem força para gerar direitos subjetivos aos cidadãos, nem
tampouco obrigações para os Estados.7
Na verdade, a DUDH e a concepção hoje vigente de direitos humanos
relativizaram as noções clássicas de soberania e interesses nacionais. Cada vez
mais se aceita que, ao subscrever uma convenção internacional, ou ao participar de
organizações regionais sobre o assunto, ou ainda pelo mero ingresso na ONU, o
Estado abdica de uma parcela da própria soberania e obriga-se a reconhecer o
direito da comunidade internacional em observar e opinar acerca da própria situação
interna, sem a contrapartida de vantagens concretas, como aconteceria nos acordos
internacionais sobre outras matérias. À originária ausência de compulsoriedade da
DUDH, por conseguinte, vem se substituindo uma reconhecida eficácia de jus
congens, quer pela ONU, quer pela comunidade internacional que a integra. 8
Como recorda Rodrigues9, a DUDH transformou-se numa espécie de
horizonte moral da humanidade, num código de princípios e valores internacionais,
revigorando e reforçando a idéia da universalidade dos direitos humanos como
direito de toda pessoa. Nesse sentido, propiciou a denominada “globalização dos
direitos humanos”, uma “globalização por baixo”, aspirando ao desenvolvimento e à
emancipação do ser humano pela conquista concreta desse rol de direito por todas
as pessoas em contraposição à “globalização por cima”, fenômeno típico das
estruturas de comunicação, comércio e política.
A preeminência dos direitos humanos tem sido crescentemente reiterada.
No campo da teoria constitucional mais moderna, por exemplo, propugna-se pela
vinculação do poder constituinte originário a uma espécie de reserva de justiça,
consubstanciada em princípios como a dignidade da pessoa humana, a justiça, a
liberdade e a igualdade, priorizados a partir da DUDH. Conforme ressalta Canotilho10
“[...] torna-se cada vez mais juridicamente vinculativo o complexo de normas
internacionais agrupadas sob o nome de jus cogens, a ponto de este direito vincular
o próprio poder constituinte.”
O caráter inicial e fundante do poder constituinte originário vem cedendo,
assim, em favor da noção de que este poder não se exerce em um vácuo histórico-
cultural, não parte do nada. Constituição legítima, por conseguinte, seria somente
aquela materialmente justa, respaldada em princípios de justiça suprapositivos ou
supralegais que assegurem relevância à garantia dos direitos humanos. Trata-se do
abandono da idéia de ilimitação absoluta do poder constituinte originário em favor de
uma vinculação jurídica ou juridicização ou caráter evolutivo desse poder. 11
Um dos poucos consensos teóricos do mundo contemporâneo diz respeito
ao valor essencial do ser humano. Ainda que muitas vezes restrito ao discurso ou
que albergue concepções as mais diversas, e eventualmente até contraditórias, o
fato é que a dignidade da pessoa humana, o valor do homem como um fim em si
mesmo, é hoje um axioma da civilização ocidental e talvez a única ideologia
remanescente.
A consagração de direitos sociais no ordenamento constitucional brasileiro
ocorreu de forma ampla com a Constituição Federal de 1988. Muito embora possam
ser citados textos constitucionais anteriores, como a de 1946, verdade é que a
reabertura democrática trouxe consigo a inauguração de um novo momento
constitucional, com evidente relevo à proteção dos direitos humanos, de modo geral,
e dos direitos fundamentais, em particular. O amplo Título II, dedicado à proteção
dos direitos e garantias fundamentais, dá indicativo disso, assim como toda a série
de dispositivos que, nesse catálogo e ao longo do texto constitucional, reconhecem
aos brasileiros um conjunto de direitos fundamentais sociais bastante rico e
diversificado, pretendendo abarcar os mais diferentes aspectos da vida humana.
Como ponto de fechamento e equilíbrio de todo o sistema constitucional, o
princípio da dignidade da pessoa humana foi elevado a fundamento do estado e,
juntamente com o restante das normas constitucionais, explica a prevalência da
pessoa sobre outros valores.
Dentre as normas que definem o regime jurídico reforçando os direitos
fundamentais, inclusive sociais, duas cláusulas gerais merecem realce: a que admite
a integração da Constituição Federal por outros direitos implícitos ou decorrentes do
regime e dos princípios, assim como de atos normativos internacionais; e aquela que
assegura, em termos de eficácia jurídica, a aplicabilidade imediata de todas as
normas de direitos fundamentais. Trata-se da interpretação das normas insertas no
artigo 5º, §§ 1º e 2º do texto constitucional, objeto das considerações que seguem:
Art. 5º ..............................................................................................................
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm
aplicação imediata.
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.12

Premissa essencial à compreensão da norma contida no artigo 5º, § 2º, do


texto constitucional, e a partir da qual se pode afirmar a existência de uma abertura
material do catálogo de direitos fundamentais, é a concepção da constituição federal
como sistema aberto de regras e princípios e, por consequência, a admissão de que
também os direitos fundamentais formam um sistema aberto de normas. Com base
nas ponderações de Hesse sobre a Lei fundamental alemã, Sarlet exclui desde logo
a possibilidade de reconhecimento de um sistema fechado e autônomo de direitos
fundamentais no ordenamento brasileiro, porquanto a existência de direitos
fundamentais dispersos no texto constitucional, a ausência de uma fundamentação
direta de todos os direitos fundamentais no princípio da dignidade da pessoa
humana e o restante das normas constitucionais, assim não o permitem.
Neste sentido, assenta Sarlet:
[...] em se reconhecendo a existência de um sistema dos direitos
fundamentais, este necessariamente será, não propriamente um sistema
lógico-dedutivo (autônomo e auto-suficiente),mas, sim, um sistema aberto e
flexível, receptivo a novos conteúdos e desenvolvimentos, integrado ao
restante da ordem constitucional, além de sujeito aos influxos do mundo
circundante. A constituição, portanto, é um sistema aberto de regras e
13
princípios.

A regra inferida do artigo 5º, § 2º, do texto constitucional brasileiro é


inspirada na IX Emenda à Constituição Norte-Americana, por meio da qual se admite
a existência de outros direitos que, pelo conteúdo que apresentam, pertencem ao
corpo fundamental da Constituição de um Estado, ainda que não previstos
explicitamente. Na síntese de Freitas, o artigo 5º, § 2º, consubstanciaria autêntica
norma geral inclusiva.14
A mencionada norma constitucional é elemento que reitera a
fundamentalidade formal e material dos direitos sociais.15
As possibilidades normativas decorrentes da interpretação da norma
contida no artigo 5º, § 2º, da Constituição de 1988 viabilizam, para além da abertura
material do catálogo de direitos fundamentais expressamente positivados, a abertura
do próprio sistema constitucional, colocando-o em permanente diálogo com o
espaço e o tempo, em constante atualização e complementação por meio de normas
de outros sistemas, nacional e estrangeiros.16
A emenda Constitucional n. 45/2004, em sintonia com a tendência
mencionada, deu um passo significativo na valorização dos tratados e convenções
internacionais, ao introduzir, conforme já mencionado, o § 3º no art. 5º, da
Constituição Federal, com o seguinte teor.
Art. 5º ..............................................................................................................
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que
forem aprovados, em cada casa do Congresso Nacional, em dois turnos,
por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às
17
emendas constitucionais.

Diante das mudanças do texto constitucional, o SFT alterou sua


jurisprudência em 2008, atribuindo status normativo diferenciado aos Tratados e
Convenções Internacionais ratificados pelo Brasil sobre direitos humanos. Durante o
julgamento do RE n. 466.343, o Ministro Cezar Peluso, que atuou como relator,
asseverou: “Eu estava até recentemente hesitante em relação à taxinomia dos
tratados em face da nossa Constituição, mas estou convencido, hoje, de que o que a
globalização faz e opera em termos de economia, no mundo, a temática de direitos
humanos deve operar no campo jurídico. Os direitos humanos já não são
propriedade de alguns países, mas constituem valor fundante de interesse de toda
humanidade”. Já o Ministro Gilmar Mendes registrou: “O Supremo Tribunal Federal
acaba de proferir uma decisão histórica. O Brasil adere agora ao entendimento já
adotado em diversos países no sentido da supralegalidade dos tratados
internacionais sobre direitos humanos na ordem jurídica interna”. 18
Na linha deste novo entendimento é oportuno indicar alguns acórdãos do
STF, enfatizando o caráter supralegal das convenções internacionais ratificadas pelo
Brasil.
Direito processual. Habeas corpus. Prisão civil do depositário infiel.
Pacto de São José da Costa Rica. Alteração de orientação da
jusrisprudência do STF. Concessão de ordem. 1. A matéria em
julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in) admissibilidade
da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no
período posterior ao ingresso do pacto de São José da Costa Rica no direito
nacional. 2.Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis
Políticos(art.11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos –
Pacto San José da Costa Rica (art.7º,7), ratificados, sem reserva, pelo
Brasil, no ano de 1992.A esses diplomas internacionais sobre direitos
humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando
abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status
normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos
subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a Legislação infraconstitucional com
ele conflitante seja ela anterior ou posterior ao alto de ratificação. 3.Na
atualidade a única hipótese de prisão civil no Direito brasileiro, é a do
devedor de alimentos.O art. 5º,§ 2º, da Carta Magna, expressamente
estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo
dispositivo não exclui outros decorrentes do regime dos princípios por ela
adotado, ou dos tratos internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte.O pacto de São José da Costa Rica, entendido como um
tratado internacional em matéria de Diretos Humanos, expressamente, só
admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos
e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do
depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido”.STF.2а Turma. HC 95967,
Rela..Min.Ellen Gracie,DJ 28 nov.2008.

Ementa: habeas corpus. Salvo-conduto. Prisão civil. Depositário


judicial. Dívida de caráter não alimentar.Impossibilidade. Ordem
concedida. 1. O Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou a orientação
de que só é possível a prisão civil do “responsável pelo inadimplemento
voluntário e inescusável de obrigação alimentícia” (inciso LXVII do art. 5º da
CF/88). Precedentes: HCs 87.585 e 92.566, da relatoria do ministro Marco
Aurélio. 2. Anorma que se extrai do inciso LXVII do art. 5º da Constituição
Federal é de eficácia restringível. Pelo que as suas exceções nela contidas
podem ser aportadas por lei, quebrantando, assim, a força protetora da
proibição, como regra, da prisão por dívida. 3. O Pacto de San José da
Costa rica (ratificado pelo Brasil – Decreto n. 678 de 6 de novembro de
1992), para valer como norma jurídica interna do Brasil, há de ter como
fundamento de validade o § 2º do art.5º da Magna Carta. A se contrapor,
então, a qualquer norma ordinária originalmente brasileira que preveja a
prisão civil por dívida. Noutros termos: o Pacto de San José da Costa rica,
passando a ter como fundamento de validade o § 2º do art. 5º da CF/1988,
prevalece como norma supralegal em nossa ordem jurídica interna e, assim,
proíbe a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional, à falta do rito
exigido pelo § 3º do art. 5º, mas a sua hierarquia intermediária de norma
supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão
civil por dívida. 4. No caso, o paciente corre o risco dever contra si expedido
mandado prisional por se encontrar na situação de infiel depositário judicial.
5. Ordem concedida. SFT. 1ª Turma. HC 94.013, Rel. Ministro Carlos Brito,
DJ 13 mar. 2009.

Ementa: Habeas corpus. Prisão Civil. Depositário judicial. Aquestão da


infidelidade depositária. Convenção americana de direitos humanos
(Art. 7º, n.7), Natureza constitucional ou caráter de supralegalidade dos
tratados internacionais de direitos humanos. Não mais subsiste, no
sistema normativo brasileiro, a prisão por infidelidade depositária,
independentemente da modalidade de depósito, trata-se de depósito
voluntário (convencional) ou cuida-se de depósito necessário, como é o
depósito judicial. Precedentes. Revogação da súmula n. 619/SFT. [...]
Hermenêutica e direitos humanos: a norma mais favorável como critério que
deve reger a interpretação do poder judiciário. Os magistrados e Tribunais,
no exercício de sua atividade interpretativa, especialmente no âmbito dos
tratados internacionais de direitos humanos, devem observar um princípio
hermenêutico básico (tal como aquele proclamado no art. 29 da Convenção
Americana de Direitos Humanos), consistente em atribuir primazia à norma
que se revele mais favorável à pessoa humana, em ordem a dispensar-lhe a
mais ampla proteção jurídica.O Poder Judiciário, nesse processo
hermenêutico que prestigia o critério da norma mais favorável (que tanto
pode ser aquela prevista no tratado internacional como a que se acha
positivada no próprio direito interno do estado), deverá extrair a máxima
eficiência das declarações internacionais e das proclamações
constitucionais de direitos, como forma de viabilizar o acesso dos indivíduos
e dos grupos sociais, notadamente os mais vulneráveis, a sistemas
institucionalizados de proteção aos direitos fundamentais da pessoa
humana, sob pena de a liberdade, a tolerância e o respeito à alteridade
humana tornarem-se palavras vãs. Aplicação, ao caso, do art 7º, n. 7, c/c o
art. 29, ambos da Convenção americana de direitos humanos (Pacto de São
José da Costa rica): um caso típico de primazia da regra mais favorável à
proteção efetiva do ser humano”. STF. 2ª turma. HC n. 96.772, Rel. Ministro
Celso de Mello, DJ 21 ago. 2009.

Pode-se concluir, portanto, que as Convenções da OIT ratificadas antes


da emenda constitucional n. 45/2004 ostentam no Brasil natureza supralegal, pelo
que afastam a aplicação de toda legislação ordinária ou complementar com elas
conflitantes. Só não podem contrariar a constituição da república pela sua
supremacia sobre todo o ordenamento jurídico nacional.
As Convenções ratificadas ocupam na hierarquia normativa um espaço
intermediário entre a constituição e a lei ordinária, tem, assim status
infraconstitucional, mas, ao mesmo tempo, supralegal.
As Convenções da OIT sobre segurança, saúde e meio ambiente do
trabalho devem ser enquadradas como convenções sobre direitos humanos,
conforme art. 5º, § 3º, da Constituição da República. O Ministro do SFT Sepúlveda
Pertence, por ocasião do julgamento da ADI-MC n. 1.675, anotou: “Parece
inquestionável que os direitos sociais dos trabalhadores enunciados no art. 7º da
Constituição, se compreendem entre os direitos e garantias constitucionais incluídos
no âmbito normativo do art. 5º, § 2º, da CF/88, de modo a reconhecer alçada
constitucional às convenções internacionais anteriormente codificadas no Brasil”.19
É o mesmo o entendimento do Ministro do TST Maurício Delgado ao
asseverar que as convenções internacionais sobre direitos trabalhistas têm óbvia
natureza de direitos humanos. 20
O primeiro e fundamental direito do ser humano, consagrado em todas as
declarações internacionais, é o direito à vida, suporte necessário para existência e
gozo dos demais direitos. Entretanto, não basta declarar o direito à vida sem
assegurar os seus pilares básicos de sustentação: o trabalho e a saúde.
A vida digna é equiparada à vida saudável, aproximando os conceitos de
qualidade de vida e dignidade da pessoa humana: o completo bem-estar físico,
mental e social densifica o princípio da dignidade da pessoa humana, pois não se
imagina que condições de vida insalubres e, de modo geral, inadequadas, sejam
aceitas como conteúdo de uma vida com dignidade.21
O núcleo normativo em vigor no Brasil sobre a proteção jurídica à
segurança e saúde do trabalhador está concentrado nas Normas
Regulamentadoras, baixadas por intermédio de Portarias do Ministério do Trabalho e
Emprego, em decorrência de delegação normativa expressa na CLT e outras leis
ordinárias, e, têm plena eficácia normativa, como aliás, já decidiu diversas vezes o
SFT (ADI ns. 360-7, 996, 1.258, 1.347, 1.388, 1.670, 1.946, 2.398, dentre outras).
Apesar disso, elas têm sido pouco reverenciadas pelos profissionais do Direito, sob
a alegação de não se tratar de lei, apta a criar direitos e obrigações.
E é justamente em virtude deste menoscabo jurídico de normas tão
relevantes para a efetivação do direito à saúde e segurança do trabalhador no Brasil,
que se destaca a importância dos princípios norteadores de todo o ordenamento
jurídico neste âmbito.
Por isso, feitas estas considerações, retoma-se o cerne do estudo, cujo
seu foco concentra-se nos princípios jurídicos da segurança e saúde do trabalhador
no Brasil. A teoria da supralegalidade, já abordada, apesar de não conferir nível
constitucional às normas de direitos humanos internacionais, coloca tais normas
num nível supralegal, conferindo-lhes efeitos jurídicos diversos, como a aplicação do
princípio da vedação do retrocesso social em tais hipóteses.
A eficácia jurídica dos princípios constitucionais, e, dos princípios
extraídos de direitos humanos internacionais, pode ser desdobrada em três
modalidades, como se pode depreender da lição de Ana Paula de Barcelos:
[...] princípios constitucionais, pois aqui estarão associadas as suas
características de norma-princípio com a superioridade hierárquica própria
da Constituição. Como conseqüência da eficácia interpretativa, cada norma
infraconstitucional, ou mesmo constitucional, deverá ser interpretada de
modo a realizar o mais amplamente possível o princípio que rege a
matéria.
A eficácia negativa exige mais elaboração quando se trata dos princípios,
igualmente por força de seus efeitos indeterminados [...] funciona como
barreira de contenção, impedindo que sejam praticados atos ou editados
normas que se oponham aos propósitos do princípio. [...]
A vedação de retrocesso, por sua vez, desenvolveu-se especialmente
tendo em conta os princípios constitucionais e em particular aqueles que
estabelecem fins materiais relacionados aos direitos fundamentais, para
cuja consecução é necessária a edição de normas infraconstitucionais.22

Nessa linha de raciocínio, entende-se que tanto os princípios


constitucionais, como os princípios extraídos das normas de direito humanos
internacionais, têm eficácia jurídica e, com isso, força normativa. Deve-se registrar,
ainda, que a eficácia é o atributo da norma possuidora de todos os elementos
capazes de produzir efeitos jurídicos.
Antes de abordar os princípios específicos da segurança e saúde do
trabalhador, insta registrar a importância crescente dos princípios na ciência jurídica,
conforme abalizada lição de Bandeira de Mello:
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma
qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É
a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o
escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o
sistema, subversão dos seus valores fundamentais, contumélia irremissível
a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. 23

É importante se registrar, também, do exposto, a percepção eminente do


caráter cosmopolita no direito do trabalho. Esta característica traduz-se na
verificação de grande número de aspectos comuns nos ramos jurídicos trabalhistas
de diversos Estados Soberanos e na existência de um Direito Internacional do
Trabalho em formação. Trata-se de uma consequência da tendência de ampliação
do seu conteúdo em extensão territorial.
Conforme o ensino de Evaristo de Moraes Filho e Antonio Carlos Flores
de Moraes:
[...] apresenta-se o direito do trabalho, desde a sua origem, dominado por
inequívoco espírito cosmopolita. Em que pese as pequenas diferenças
locais, criaram a técnica moderna e os meios de comunicação e locomoção
os mesmos problemas humanos e sociais por toda parte. A chamada
sociedade industrial, com todas as suas conseqüências é a mesma no
mundo moderno, com maiores ou menores desenvolvimentos. Com ela
instalou-se um estado econômico, de produção e de consumo, mais ou
menos uniforme, que somente poderia condicionar uma capa de cultura
24
jurídica também homogênea e uniforme.

O reflexo mais evidente do caráter cosmopolita do Direito do Trabalho é


a atividade exercida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) na
formulação de regras de aplicação universal, que, paulatinamente, tendem a igualar
as condições de trabalho em diversos Estados do mundo.

Na realidade, a OIT vem promovendo, na medida do possível, a


universalização internacional do Direito do Trabalho, de modo a propiciar uma
evolução harmônica das normas de proteção ao trabalhador e alcançar a
universalização da justiça social e o trabalho digno para todos.
O Direito Tutelar da Saúde e Segurança do Trabalhador, enquanto
segmento jurídico especializado, constitui um todo unitário, um sistema, composto
de princípios, categorias e regras organicamente integradas em si. Sua unidade
sela-se em função de um elemento básico, sem o qual seria impensável a existência
do próprio sistema. Nesse ramo jurídico a categoria básica centra-se na intensidade
da cogência como são tratadas as normas relativas à saúde e segurança do
trabalhador. Trata-se de normas imperativas, indeclináveis e inderrogáveis. 25
Considerando os argumentos acima elencados, expõe-se os Princípios
Específicos do Direito Tutelar da Saúde e Segurança do Trabalhador, que não são
trazidos à lume pela mente inventiva do autor deste estudo, mas tão somente são
identificados e reconhecidos como princípios já existentes, que reclamavam, há
algum tempo, sua sistematização. Por essa razão são apresentados à seguir,
separadamente.

I Princípio da Indisponibilidade da Saúde do Trabalhador

Conforme previsão feita no artigo 196 da Constituição da República, a


saúde, à qual se acham umbilicalmente inseridas a segurança e a medicina do
trabalho, é direito de todos e dever do Estado.
A Convenção n. 155 da OIT, ratificada pelo Brasil, no art. 3º, alínea “e”,
esclarece a extensão do conceito de saúde, com relação ao trabalho:
e) o termo “saúde”, com relação ao trabalhado, abrange não só a ausência
de afecção ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que
afetam a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a
26
higiene no trabalho.

A segurança visa proteger a integridade física do trabalhador; a higiene


tem por objetivo o controle dos agentes prejudiciais do ambiente laboral para a
manutenção da saúde no seu amplo sentido.
Todos os dispositivos pertinentes a essa matéria, tratada na Ordem
Social, artigos 193 a 204 da Constituição da República, revelam a preocupação que
teve o legislador constituinte em programar um complexo ideário para atendimento
desse direito indisponível, que é a saúde, diretamente relacionada com o mais
importante direito humano: a vida. 27
Abordando-se o tema em foco sob a ótica do direito do trabalho, deve-se
atentar ao que preconiza o art. 1ª, inciso IV, da Constituição da República ao
proclamar um dos direitos fundamentais no Estado Democrático de Direito os
valores sociais do trabalho, e, ainda, o art. 6º, caput, a ressaltar que os direitos
sociais são a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, [...], na forma da
Constituição.
Neste mesmo sentido citem-se o art. 194, caput, da Constituição Federal,
que menciona a seguridade social como “[...] conjunto integrado de ações de
iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde [...]”; o art.196 coloca a saúde como “direito de todos e dever do
Estado, garantido, mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do
risco de doença e de outros agravos[...]”; o art. 197, que qualifica como de
“relevância pública as ações e serviços de saúde[...]”;cite-se, finalmente, o art.200,
II, que informa competir ao sistema único de saúde “executar as ações de vigilância
sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador”.
Na verdade, está-se aqui diante de uma das mais significativas limitações
manifestadas pelo princípio da adequação setorial negociada, informador de que a
margem aberta às normas coletivas negociadas não pode ultrapassar o patamar
sociojurídico civilizatório mínimo característico das sociedades ocidental e brasileira
atuais. Nesse patamar, evidentemente, encontra-se a saúde pública e suas
repercussões no âmbito empregatício.28
O princípio da indisponibilidade da saúde do trabalhador se fundamenta
na constatação, com matriz constitucional, de que as normas de medicina e
segurança do trabalho são parcelas imantadas por uma tutela de interesse público, a
qual a sociedade democrática não concebe ver reduzida em qualquer segmento
econômico-profissional, sob pena de se afrontarem a própria dignidade da pessoa
humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (arts. 1º, III e 170, caput, da
Constituição Federal).
Para proteger a saúde e a segurança, direitos indisponíveis do
trabalhador, o auditor-fiscal do trabalho conta com os instrumentos legais do
embargo e da interdição, a fim de garantir estes direitos, conforme previsto no
artigo 161 da CLT, e, em pleno vigor:
Art. 161 - O Delegado Regional do Trabalho, à vista do laudo técnico do
serviço competente que demonstre grave e iminente risco para o
trabalhador, poderá interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina
ou equipamento, ou embargar obra, indicando na decisão, tomada com a
brevidade que a ocorrência exigir, as providências que deverão ser
29
adotadas para prevenção de infortúnios de trabalho.

Risco grave e iminente pode ser conceituado como sendo toda e


qualquer condição ambiental que esteja na iminência de propiciar a ocorrência
de acidente de trabalho, inclusive, em suas variantes de doença profissional
ou do trabalho, com lesões graves à saúde ou a integridade de pelo menos
um trabalhador, ou mesmo a própria morte deste.
Vê-se, portanto, que a legislação apresenta as referidas medidas
extremas como aptas a garantir o mais importante direito humano: a vida.30
Na escala de valores, acima dos direitos decorrentes do trabalho, deve
figurar as garantias possíveis da preservação da vida e da integridade física e
mental do trabalhador.
Como preleciona o professor Sebastião Oliveira:
Não basta assegurar direitos reparatórios aos lesados (visão da
infortunística); é imperioso, também, exigir que o empregador ou tomador
dos serviços adote todos os recursos e tecnologias disponíveis para evitar
31
as lesões (visão prevencionista) [...]

O princípio constitucional da inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput,


da CF/88), aplicado ao caso, abrange tanto o direito de não ser morto, privado da
vida, portanto, o direito de continuar vivo, como também o direito de ter uma vida
digna.32 Assim, sendo, deve-se considerar que o trabalhador põe à venda sua força
de trabalho e não a sua vida ou dignidade. Aliás, esta é a idéia sintetizada no art.
427, 1, do Tratado de Versailles, ao asseverar que “[...] o trabalho não pode ser
considerado como mercadoria.”
Nesta mesma linha de pensamento, e em nível infraconstitucional,
encontra-se o princípio da irrenunciabilidade dos direitos da personalidade, neles
incluídos o direito à vida e à integridade física e psíquica, constante do art. 11 do
Código Civil. Este fortalece o entendimento sobre o princípio da indisponibilidade da
saúde do trabalhador e reforça a idéia de que esses direitos são inatos, absolutos,
intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis, impenhoráveis,
inexpropriáveis e ilimitados.33
Deve-se enfatizar também que, na questão relativa à saúde e segurança
do trabalhador, todas as normas são cogentes e de ordem pública, porque o
interesse visado protege não é só indivíduo, mas a sociedade como um todo, por
isso, não dispõem as partes de liberdade alguma para ignorar ou disciplinar de
forma diversa os preceitos estabelecidos, a não ser para ampliar a proteção mínima
estabelecida.

II Princípio do Risco Mínimo Regressivo

O princípio do risco mínimo regressivo possui matriz constitucional assim


como o princípio apresentado anteriormente. A denominação do mencionado
princípio foi cunhada pelo professor Sebastião Geraldo de Oliveira e traduz, com
precisão, a essência do seu conteúdo.34
A Constituição Federal de 1988 assegura, no seu Art. 7º, inciso XXII, “a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança”.
Como já foi abordado, a segurança visa proteger a integridade física do
trabalhador; a higiene tem por objetivo o controle dos agentes prejudiciais do
ambiente laboral para a manutenção da saúde no seu amplo sentido.
Assim, o primeiro propósito é a redução máxima dos riscos, a eliminação
do agente prejudicial. Todavia, quando isso for inviável tecnicamente, o empregador
terá que, pelo menos, reduzir a intensidade do agente prejudicial para o território das
agressões toleráveis.
A lei é concebida diante da realidade da experiência humana e não deve
ser interpretada de modo a levar ao inatingível. É impossível assegurar a pureza
absoluta do ar respirável, dentro ou fora do ambiente do trabalho. O ruído contínuo,
por exemplo, é tolerado até determinados limites conforme a duração da jornada.
Para encontrar o ponto de equilíbrio, o art. 4º da Convenção n. 155 da OIT, ratificada
pelo Brasil, estabeleceu que deve-se “[...] reduzir ao mínimo, na medida do razoável
e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho.” 35
Neste sentido, o artigo 189 da CLT define como atividades ou operações
insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho,
exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de
tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de
exposição aos seus efeitos.
Como decorrência desse enunciado, poderia ser inferido que todos os
agentes nocivos à saúde do trabalhador são suscetíveis de mensuração, o que, no
estágio atual da ciência, não tem a menor validade. Basta lembrar que os agentes
biológicos, constantes do Anexo 14, da NR-15 do MTE, embora caracterizadores de
insalubridade, não se submetem a um limite de tolerância.
Ademais, conveniências de ordem econômica podem justificar o
retardamento na fixação de uns tantos limites de tolerância relativos a certos
agentes químicos ou físicos causadores de insalubridade.
Há, ainda, casos de agentes passíveis de mensuração, que, no entanto,
ainda não convém amarrá-los a níveis de tolerância por motivos de ordem
econômica ou tecnológica. Nestes casos, seria conveniente que o legislador
admitisse, expressamente, o critério qualitativo para a constatação da insalubridade.
O Ministério do Trabalho e Emprego usando amplamente da faculdade
que lhe deferiu o artigo 200 da CLT de estabelecer disposições complementares às
normas de que trata o Capítulo V, o Título II, da CLT, usou os critérios qualitativo e
quantitativo na elaboração da Portaria nº 3.214/78. Nesse ato administrativo estão
reunidos os agentes agressivos com limites de tolerância que se referem a
determinadas condições sob as quais é executado o trabalho e às quais a maioria
dos trabalhadores pode ficar exposta, diariamente, sem dano a sua saúde.
O anexo 11, NR-15 do MTE, da Portaria nº 3.214/78, que estabelece
critérios para caracterização de insalubridade, fixou limites de tolerância para 126
agentes químicos, valores estes baseados nos estabelecidos pela American
Conference of Governamental Industrial Hygienists (ACGIH) em 1978, devidamente
corrigidos para a jornada de trabalho brasileira, que, na época, era de 48 horas
semanais.
É importante comentar que os limites de tolerância estabelecidos no
Anexo 11 merecem revisão urgente, uma vez que estão totalmente defasados com
relação aos fixados atualmente pela ACGIH, além de que a jornada de trabalho no
Brasil é de 44 horas semanais e não mais 48 horas.36
O Brasil tem adotado os padrões da ACGIH, entretanto convém salientar
que a adoção dos limites de tolerância da ACGIH devem ser corrigidos através da
fórmula BRIEF & SCALA, vez que a jornada de trabalho no Brasil é de 8 horas
diárias e 44 horas semanais, enquanto os limites estabelecidos pela ACGIH são
para jornada de 8 horas por dia e 40 horas semanais. Assim sendo, o limite de
tolerância, por exemplo, de 10 mg/m3, recomendado pela ACGIH para poeira de
cimento, deverá ser corrigido no Brasil, em virtude de sua jornada semanal de
trabalho, para 8,8 mg/m3.37
Como os anexos da NR-15, que relacionam os agentes insalubres,
sofreram poucas alterações desde que foi publicada a Portaria nº 3.214 em 1978,
eles estão totalmente defasados com a realidade técnica no atual estado da arte,
pois, como é sabido, a cada ano vão sendo atualizados limites de tolerância, com
base nos conhecimentos adquiridos ao longo do tempo. É exemplo dessa
defasagem o caso do monômero de cloreto de vinila, utilizado na fabricação de PVC.
No anexo 11 da NR-15 está estabelecido para esse agente químico um limite de 156
ppm, entretanto há muito tempo a ACGIH adota como limite de tolerância para essa
mesma substância apenas 1 ppm.
Repise-se que, mesmo para a jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44
semanais, os limites de tolerância encontram-se defasados, deduzindo-se daí que
os atuais limites suplicam a redução dos seus valores para a nossa atual jornada.
Sendo assim, mister se faz que o Ministério do Trabalho e Emprego
efetue uma revisão completa de todos os anexos da referida NR, para que seja
exigido o cumprimento dos padrões que realmente protejam a saúde dos
trabalhadores.
Neste sentido é o que determina o art. 8º, item 3, da Convenção n. 148 da
OIT, sobre contaminação do ar, ruído e vibrações, ratificada pelo Brasil:
Os critérios e limites de exposição deverão ser fixados, completados e
revisados a intervalos regulares, de conformidade com os novos
38
conhecimentos e dados nacionais e internacionais [...]

Outro complicador sério na fixação do limite de tolerância é a presença


simultânea de vários agentes agressivos. Os limites são considerados nas Normas
Regulamentadoras do MTE separadamente. No entanto, na vida real, o empregado
normalmente está ao mesmo tempo exposto a dois ou mais agentes agressivos, o
que provoca a sinergia ou potencialização dos malefícios. Daí por que a Convenção
n. 148, art. 8º, item 3, e a Convenção n. 155, art. 11, “b”, ambas ratificadas pelo
Brasil, determinarem que a exposição simultânea seja considerada ao se fixar os
limites de tolerância.
O direito comparado põe de manifesto que, por toda parte, se dispensa
tratamento especial ao empregado sujeito a condições insalubres. Passando em
revista o procedimento de vários países no que tange à insalubridade e à
periculosidade, verifica-se ser prevalecente o entendimento de que se deve sanear
os ambientes de trabalho. Os adicionais, nesta perspectiva, são irrelevantes.39
No Brasil persiste ainda o adicional de remuneração para atividades
insalubres (inciso XXIII, art. 7º, da CF/88), que não deve ser entendido como a paga
pela saúde do trabalhador, uma vez que este dispositivo deve se harmonizar ao
comando constitucional contido no inciso XXII, do mesmo artigo 7º, que preconiza
ser direito do trabalhador a redução dos riscos inerentes ao trabalho.40

III Princípio da Retenção do Risco na Fonte

O professor Sebastião Geraldo de Oliveira defende, ainda, de modo


acertado, a consagração do princípio da retenção do risco na fonte como princípio
afinado e complementar ao do risco mínimo regressivo.41
O conhecimento atual na área de prevenção indica que o risco deve ser
controlado desde sua origem, evitando que possa se propagar a ponto de atingir a
integridade física do trabalhador.
A prioridade, por conseguinte, deve estar voltada para as medidas de
prevenção, eliminando ou controlando o risco, em vez de contentar-se com medidas
como o fornecimento de equipamentos de proteção individual para eliminar os
efeitos dos agentes nocivos.
O cerne deste princípio deve ser extraído dos arts. 9º e 10 da Convenção
n. 148 da OIT, ratificada pelo Brasil. Eles apresentam uma ordem de preferência,
uma escala hierárquica entre as medidas a serem adotadas para a eliminação de
todo risco, quais sejam:
Artigo 9.º
Na medida do possível, deverá ser eliminado todo risco devido à
contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no lugar de trabalho:
a) mediante medidas técnicas aplicadas às novas instalações ou aos
novos procedimentos no momento de seu desenho ou de sua
instalação, ou mediante medidas técnicas aportadas às instalações ou
operações existentes, ou quando isto não for possível,
b) mediante medidas complementares de organização do trabalho.
Artigo 10
Quando as medidas adotadas em virtude do artigo 9 não reduzirem a
contaminação do ar, o ruído e as vibrações no lugar de trabalho aos
limites especificados em virtude do artigo 8, o empregador deverá
proporcionar e conservar em bom estado o equipamento de proteção
pessoal apropriado. O empregador não deverá obrigar nenhum
trabalhador a trabalhar sem o equipamento de proteção pessoal
42
proporcionado em virtude do presente artigo.

A título de exemplo, pode-se ilustrar a situação com o caso de


trabalhadores que estão desenvolvendo suas atividades em uma fábrica de blocos
de concreto, expostos a um ruído intenso e acima dos limites de tolerância
preconizados na legislação pátria.
Nos termos da norma-princípio acima referida, devem-se adotar algumas
condutas a seguir expostas e na ordem então apresentadas.
Primeiro, a medida de controle na fonte deverá ser prioritária, quando
viável tecnicamente. No entanto, a fase de planejamento das instalações é o
momento mais apropriado para a adoção dessa medida, pois se pode escolher
equipamentos que produzam menores níveis de ruído e organizar o seu lay-out.
Existem inúmeras alternativas para esse tipo de controle, como: substituir o
equipamento por outro mais silencioso, balancear e equilibrar suas partes móveis,
reduzir impactos na medida do possível, aplicar material de modo a atenuar as
vibrações, regular o motor, instalar abafador, além de outras.
Segundo, não sendo possível o controle do ruído na fonte, deve-se adotar
medidas complementares de organização do trabalho. No presente caso, a limitação
do tempo de exposição é medida eficaz. Esta limitação pode ser conseguida por
meio do rodízio dos empregados nas atividades ou operações ruidosas. Seria o caso
de se terem vários operadores da máquina prensa, usada na fabricação de blocos,
os quais seriam revezariam suas atividades como operadores junto da máquina com
outras atividades, em local distante da fonte do ruído.
Em terceiro, e, somente no último caso, uma vez não tendo sido
alcançado o objetivo de se diminuir a exposição ao ruído aos limites de tolerância
aceitáveis, é que se lançaria mão do equipamento de proteção individual, no caso os
protetores auriculares adequados.43
Deve-se registrar, todavia, que no Brasil a exceção tornou-se a regra. Em
vez de eliminar as condições insalubres na fonte, o empresário prefere a solução
mais cômoda e barata, porém menos eficiente, que é o simples fornecimento do
equipamento de proteção individual. Em muitas ocasiões, só resta mesmo a opção
do fornecimento do equipamento de proteção individual. No entanto, o problema é
quando a última alternativa já é adotada em primeiro lugar.
Sabe-se que muitos trabalhadores oferecem resistência para o uso do
equipamento de proteção individual, seja em virtude do desconforto causado, seja
pelo fato de que, às vezes, ele atrapalha, realmente, o exercício de suas atividades,
seja, até mesmo, por comprometer a sua percepção do ambiente em determinadas
ocasiões.
Em virtude disso, insta que o empregador adote medidas para combater
os riscos na fonte como: a substituição do produto tóxico ou nocivo, mudanças ou
alteração do processo ou operação, encerramento ou enclausuramento da
operação, segregação da operação ou processo, umidificação do ambiente,
ventilação geral diluidora, ventilação local exaustora e medidas de ordem e limpeza,
detalhadas no Curso Básico de Segurança e Higiene ocupacional, pelo professor
Tuffi Messias Saliba.44
Esse entendimento é enfatizado em outras convenções, como no art. 6º
da Convenção n. 176 da OIT, sobre Segurança e Saúde nas Minas, ratificada pelo
Brasil “[...] o empregador deverá avaliar os riscos e tratá-los na seguinte ordem de
preferência (a) eliminar os riscos; (b) controlar os riscos na fonte [...]”45 e no art.30 da
Convenção n. 167 da OIT sobre Segurança e Saúde na Construção, ratificada pelo
Brasil, “[...] quando não for possível garantir por outros meios a proteção adequada
contra riscos de acidentes ou danos para a saúde, inclusive aqueles derivados da
exposição a condições adversas, o empregador deverá proporcionar e manter, sem
custo para os trabalhadores, roupas e equipamentos de proteção pessoal
adequados aos tipos de trabalho e riscos [...]”46
IV Princípio da Adaptação do Trabalho ao Homem

Durante muito tempo prevalecia o pensamento de que era necessário


adaptar o homem ao trabalho, enquadrando-o às exigências do serviço. As
necessidades da produção, o desenho dos equipamentos, a velocidade das
máquinas, o aumento da produtividade estavam em primeiro plano
Essa mentalidade é reproduzida, com genialidade, em 1936, no filme
Tempos Modernos, de Charles Chaplin, que focaliza a vida urbana nos Estados
Unidos nos anos 30, imediatamente após a crise de 1929, ao retratar um trabalhador
que tem um colapso nervoso por trabalhar em ritmo frenético, estressante, repetitivo
e desumano na linha de produção de uma fábrica, indo parar em um hospício.
Neste contexto, nos descompassos entre o trabalhador, as máquinas e o
ambiente de trabalho, perdia sempre o trabalhador, que era facilmente substituído
como mera engrenagem de um sistema.
As normas internacionais mais recentes estão apontando outro
posicionamento. Atualmente, o primeiro que deve ser considerado no ambiente de
trabalho é o homem, depois é que se acrescentam os equipamentos, as condições
de trabalho, os métodos de produção.
A norma-princípio em comento foi plasmada no art. 5º da Convenção n.
155 da OIT, ratificada pelo Brasil, com a seguinte redação:
Artigo 5
A política à qual se faz referencia no artigo 4 da presente Convenção
(política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos
trabalhadores e o meio ambiente de trabalho) deverá levar em consideração
as grandes esferas de ação que se seguem, na medida em que possam
afetar a segurança e a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de
trabalho:
a) [...]
b) relações existentes entre os componentes materiais do trabalho e as
pessoas que o executam ou supervisionam, e adaptação do maquinário,
dos equipamentos, do tempo de trabalho, da organização do trabalho e das
operações e processos às capacidades físicas e mentais dos trabalhadores
47
[...]

No mesmo sentido, a Convenção n. 161 da OIT, ratificada pelo Brasil, no


art. 5, alínea g, prevê como função dos serviços de saúde no trabalho promover a
adptação do trabalho aos trabalhadores.
O princípio consagrado nas convenções internacionais de que o trabalho
deve se adptar ao homem adquire lineamentos concretos com o aparecimento
efetivo da ergonomia, a partir da segunda metade do século XX.
A ergonomia é uma disciplina científica focada na interação do ser
humano com artefatos sob a perspectiva da ciência, engenharia, design, tecnologia
e gerenciamento de sistemas compatíveis com o ser humano.48
Tais sistemas incluem uma variedade de produtos, processos e
ambientes naturais e artificiais. Assim, a ergonomia lida com uma grande variedade
de interesses e aplicações, incluindo o lazer e o trabalho.
Neste contexto, segundo a Associação Internacional de Ergonomia, a
ergonomia é a disciplina científica dedicada ao conhecimento das interações entre o
ser humano e outros elementos de um sistema. É também a profissão que aplica
teorias, princípios, dados e métodos para o projeto, de modo a otimizar o bem-estar
do ser humano e, consequentemente, o seu desempenho, aumentando assim
naturalmente a produtividade. O ergonomista contribui para a avaliação de tarefas,
trabalhos, produtos, meio ambiente e sistemas para torná-los compatíveis com as
necessidades, as habilidades e as limitações das pessoas.
Mais ainda, a ergonomia é uma ciência humana aplicada que objetiva
transformar a tecnologia para adptá-la ao ser humano. Disciplinas como as ciências
biológicas, a psicologia e as ciências da engenharia convergiram para que a
ergonomia pudesse conceber produtos e sistemas dentro da capacidade física e
intelectual dos seres humanos, de forma que o sistema humano-máquina fosse mais
seguro, mais confiável e mais eficaz. De uma forma geral, a ergonomia promove
uma visão holística, uma abordagem centrada no ser humano, aplicada a sistemas
de trabalho, considerando os aspectos físicos, cognitivos, sociais, organizacionais,
ambientais e outros fatores relevantes.49
A Associação Internacional de Ergonomia define três domínios de
competência da ergonomia: o físico, o cognitivo e o organizacional. Com base na
informação destes três domínios é possível organizar o trabalho de forma favorável
ao ser humano e ao sistema produtivo. O objetivo da ergonomia é adptar o trabalho
ao ser humano e não o inverso, como ocorre erroneamente em muitas situações de
trabalho.
Desta forma, o princípio abordado tem como cerne a aplicação das
informações sobre o comportamento humano, das habilidades, limitações e outras
características dos seres humanos ao design de ferramentas, máquinas, sistemas,
tarefas, trabalho e ambientes para seu uso de forma produtiva, segura, confortável e
efetiva.

V Princípio da Instrução

Inicia-se a abordagem deste tópico com o significado dado ao vocábulo


instrução, pelo dicionário informal, “[...] indicações da utilização de algo, síntese de
como se fazer alguma coisa, ato de instruir, ensinar, conjunto de conhecimentos ou
saber.”50 Neste esteio, exsurge o sentido do termo informar, delinear, conceber idéia,
dar forma ou moldar na mente, instruir, treinar, capacitar, habilitar, qualificar.
Em sentido contrário, é a alienação, que significa tornar alheio, é transferir
para outro o que é seu. Registre-se que a alienação não se adstringe ao mundo
teórico, mas se manifesta na vida real do homem, na maneira pela qual, a partir da
divisão do trabalho, o produto do seu trabalho deixa de lhe pertencer.
Fixados estes conceitos, passa-se à uma breve síntese histórica do
mundo do trabalho.
Nos sistemas domésticos de manufatura era comum o trabalhador
conhecer todas as etapas da produção, inclusive a de projeto do produto. A partir da
implantação do sistema fabril, no entanto, isso não será mais possível, devido à
crescente complexidade resultante da divisão do trabalho. Chama-se dicotomia
concepção-execução do trabalho justamente ao processo pelo qual um grupo de
pessoas concebe, cria, inventa o que vai ser produzido, inclusive a maneira como
vai ser produzido, e outro grupo é obrigado à simples execução do trabalho, sempre
parcelado, pois a cada um cabe uma parte do processo.
Essa divisão foi intensificada no início do século XX, quando Henry Ford
introduziu o sistema de linha de montagem na indústria automobilística. O homem é
reduzido a gestos mecânicos, tornado esquizofrênico pelo parcelamento das tarefas,
como retrata Chaplin em Tempos Modernos.
Enquanto prevalecem as funções divididas do homem que pensa e do
homem que executa, permanece a alienação na produção, pois permanecerá a idéia
que só alguns sabem e devem saber e, portanto, decidem, e a maioria nada sabe, é
incompetente e obedece.
Nos tempos hodiernos ganha destaque o pensamento de que a melhor
forma para garantir a efetividade das normas de proteção à saúde é a participação
do trabalhador nesse processo. Com isso, o trabalhador passou a ter direito à
informação sobre os riscos a que está exposto, às formas de prevenção e à
formação adequada para o desempenho de suas tarefas.
O princípio da Instrução, ora apresentado, foi extraído das principais
convenções da OIT que tratam da saúde do trabalhador. Prevê a Convenção n. 148
da OIT, ratificada pelo Brasil, que “[...] os trabalhadores ou seus representantes
terão direito a apresentar propostas, receber informações e orientação e a recorrer a
instâncias apropriadas, a fim de assegurar a proteção contra riscos profissionais
51
devidos à contaminação do ar, ao ruído e ás vibrações no local de trabalho.” Para
enfatizar o direito, repete no art. 13 que “[...] todas as pessoas interessadas deverão
ser apropriadas e suficientemente informadas sobre os riscos profissionais que
possam originar-se no local de trabalho devido à contaminação do ar, ao ruído e às
vibrações e receber instruções suficientes e apropriadas quanto aos meios
disponíveis para prevenir e limitar tais riscos, e proteger-se dos mesmos.”52
A Convenção n.155, art. 5º, alínea “c”, ratificada pelo Brasil, além de
repetir o direito à informação, estabelece que “[...] os trabalhadores e seus
representantes na empresa devem receber treinamento apropriado no âmbito da
segurança e da higiene do trabalho”. De forma semelhante, prescreve a convenção
n. 161, também ratificada pelo Brasil, que “todos os trabalhadores devem ser
informados dos riscos para a saúde inerentes a seu trabalho.” 53
Ainda sobre a necessidade de informação e formação dos trabalhadores,
pode ser citado o art. 33 da Convenção 167 da OIT sobre Segurança e Saúde na
Construção, ratificada pelo Brasil:
Dever-se-á facilitar aos trabalhadores, de maneira suficiente e adequada:
(a) informação sobre os riscos para sua segurança e sua saúde aos quais
possam estar expostos nos locais de trabalho;
(b) instrução e formação sobre os meios disponíveis para prevenirem e
54
controlarem esses riscos e se protegerem dos mesmos.

A temática foi alvo de pesquisa, quando da produção da dissertação


sobre O Acidente de Trabalho Fatal na Indústria da Construção Civil (Grande
Natal:1990-1999), durante a realização do curso de Mestrado em Ciências Sociais,
pelo professor Edwar Abreu Gonçalves, na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, oportunidade em que o mencionado autor compartilha com o leitor alguns
dados e observações evidenciadas ao longo da citada investigação sociológica, na
qual destaca que, não obstante ao recorte geográfico e temporal investigados, essa
realidade laboral não deve se diferenciar muito das condições de trabalho
vivenciadas em diversos canteiros de obras existentes em tantas outras cidades dos
demais estados brasileiros.
Especificamente em relação aos trabalhadores mortos em canteiros de
obras nos municípios que compõem a Grande Natal, constata-se que os mesmos
possuíam características predominantes que conduzem a um perfil comum, isto é,
são trabalhadores com baixíssimo nível de escolaridade (28% eram analfabetos,
61% possuíam apenas o ensino fundamental incompleto e 11% haviam concluído o
ensino fundamental) e, igualmente, são desprovidos de qualificação profissional
específica, posto que a maioria deles (82%) aprendeu o exercício profissional de
servente ou de pedreiro, de maneira empírica.55
Na realidade, o empregado que está alheio aos perigos do sistema
produtivo com o qual interage, por falta de instrução, encontra-se diante de um
grande fator de risco, que pode provocar acidente. É o caso, a título de exemplo, de
servente de obra que opera betoneira sem aterramento elétrico, durante a chuva,
sofrendo descarga elétrica e vindo à óbito.
Neste sentido, é a prescrição do comando inserto no art. 10 da
Convenção 167 da OIT sobre Segurança e Saúde na Construção, ratificada pelo
Brasil:
A legislação nacional deverá prever que em qualquer local de trabalho os
trabalhadores terão o direito e o dever de participarem no estabelecimento
de condições seguras de trabalho na medida em que estes controlem o
equipamento e os métodos de trabalho adotados, naquilo que estes possam
56
afetar a segurança e a saúde.

Depreende-se, do exposto, que a falta de aplicação do princípio da


instrução, como norma supralegal que deve impelir o empregador a responsabilizar-
se em informar os trabalhadores, de maneira compreensível, dos perigos
relacionados com o seu trabalho e de disponibilizar-lhes programas apropriados de
formação e de instruções compreensíveis em matéria de segurança e saúde, assim
como em relação às tarefas que lhe são atribuídas, conforme consta inclusive da
Convenção n. 176 da OIT, ratificada pelo Brasil, tem se caracterizado como
relevante fator de risco, que deve ser combatido com a adoção das medidas
pertinentes inspiradoras do princípio comentado.
VI Princípio do Não Improviso

Antes de se adentrar o referido postulado no âmbito jurídico, faz-se


necessário realizar breve consideração sociológica sobre a nação brasileira neste
aspecto.
O sociólogo Sérgio Buarque de Holanda assevera em Raízes do Brasil
que “[...] a colonização do Brasil foi promovida pelo espírito do português
aventureiro, que exibe a mobilidade e a adaptabilidade, que nega a estabilidade e o
planejamento [...]” 57
Os portugueses orientaram prioritariamente a ocupação do Brasil colônia
com a instalação de vilas na costa, pois isto facilitava o transporte de mercadorias
para o porto e seu envio a Portugal. Prevalecia a intenção aventureira e não de
planejamento.
A atitude do colonizador português tinha mais do espírito aventureiro da
exploração de riquezas em função também do fato de a coroa portuguesa ter optado
pelo sistema das capitanias e ter doado terras aos donatários, e pelo surgimento de
cidades não ter se dado por uma orientação racional.
Ainda hoje, e, com este ranço histórico, quando se fala com orgulho do
jeitinho brasileiro, está-se referindo à improvisação, à crença de que no final, dá tudo
certo, ainda corrente, como se isto fosse qualidade de nossa gente e de nossa
sociedade. É como se, pairasse no inconsciente coletivo do brasileiro uma
mentalidade de substituir o conhecimento consciente e elaborado, por uma atitude
irrefletida, e, isso fosse uma vantagem.
Considerando o que foi exposto, retoma-se o cerne do postulado ora em
análise, devendo-se registrar, de início, que o lema Planejar para Prevenir adotado
atualmente, no plano internacional, para a efetivação do direito do trabalhador à
segurança e saúde do trabalho, emerge na contra-mão do senso comum acima
abordado.
Deve-se, ainda, antes da abordagem propriamente dita do postulado
apresentado, justificar a sua denominação adotada pelo autor do presente estudo.
Ora, porque se adotar a terminologia princípio do não improviso ao invés de princípio
do planejamento, por exemplo?
A resposta para a questão tem inspiração no Direito Hebraico. A lei
mosaica tem mais que conteúdo religioso. Ela transcende um estilo de linguagem
em forma de recomendação para impor limites à ação de fazer ou não fazer como
instrumento coercitivo e intimidativo. Daí a norma trazida à lume pelo Legislador do
Sinai: “Não matarás. Não adulterarás. Não furtarás.”58 Trata-se de um princípio ético
convertido em lei, como comando obrigatório, condicionada à responsabilidade da
sociedade, à obediência do Estado, à censura e à própria consciência humana, ou,
para usar a expressão de Immanuel Kant, ao imperativo categórico.59
É dessa inspiração que emana a força da denominação aplicada ao
princípio apresentado. Pretende-se que a eloquência do estilo de linguagem adotado
no Decálogo traduza a essência do conteúdo do princípio. É como se o princípio do
não improviso encerrasse um mandamento no âmbito da tutela da segurança e
saúde do trabalhador, qual seja: não improvisarás.
Como já mencionado anteriormente, quando da citação de Ana Paula de
Barcelos, a eficácia negativa exige mais elaboração quando se trata de princípio
jurídico, por força dos seus efeitos indeterminados. Nesta modalidade de eficácia
jurídica o princípio funciona como barreira de contenção, impedindo que sejam
praticados atos ou editadas normas que se oponham ao seu propósito.
O princípio do não improviso é baseado na constatação de que, no campo
da atividade preventiva, em termos de segurança e saúde nos locais de trabalho, é
considerada improvisada toda atividade que não é fruto de orientação racional, de
conhecimento consciente e elaborado, de projeto, que não é planejada, programada,
concebida para o fim a que se destina.
O princípio do não improviso, ora apresentado, e, com status supralegal,
também foi extraído das principais convenções da OIT que tratam da saúde do
trabalhador. A Convenção n. 148 da OIT, ratificada pelo Brasil, nos seu art. 15 assim
determina:
Segundo as modalidades e nas circunstâncias que a autoridade
competente determinar, o empregador deverá designar uma pessoa
competente ou recorrer a um serviço especializado, exterior ou comum
a várias empresas, para que se encarregue das questões de
prevenção e limitação da contaminação do ar, o ruído e as vibrações
60
no lugar de trabalho.

O art.5º, alínea “d”, da Convenção n. 161 sobre Serviços de Saúde do


Trabalho, ratificada pelo Brasil, preconiza que:
Sem prejuízo da responsabilidade de cada empregador a respeito da saúde
e a segurança dos trabalhadores que emprega e considerando a
necessidade de que os trabalhadores participem em matéria de saúde e
segurança no trabalho, os serviços de saúde no trabalho deverão assegurar
as funções seguintes que sejam adequadas e apropriadas aos riscos da
empresa para a saúde no trabalho:
.........................................................................................................................
d) participação no desenvolvimento de programas para o melhoramento
das práticas de trabalho, bem como nos testes e a avaliação de novos
61
equipamentos, em relação com a saúde [...] (grifo nosso).

A Convenção n. 155 da OIT, ratificada pelo Brasil, no seu art. 5º, “a”, art.
11, “a”, art. 16, item 2 e art. 18 assim determina:
Artigo 5
A política à qual se faz referencia no artigo 4 da presente Convenção
(política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos
trabalhadores e o meio ambiente de trabalho) deverá levar em consideração
as grandes esferas de ação que se seguem, na medida em que possam
afetar a segurança e a saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de
trabalho:
a) projeto, teste, escolha, substituição, instalação, arranjo, utilização e
manutenção dos componentes materiais do trabalho (locais de trabalho,
meio ambiente de trabalho, ferramentas,maquinário e equipamento;
substâncias e agentes químicos, biológicos e físicos; operações e
processos);
Artigo 11
Com a finalidade de tornar efetiva a política referida no artigo 4 da presente
Convenção, a autoridade ou as autoridades competentes deverão garantir a
realização das seguintes tarefas:
a) a determinação, quando a natureza e o grau de risco assim o
requererem, das condições que regem a concepção, a construção e o
acondicionamento das empresas, sua colocação em funcionamento, as
transformações mais importantes que forem necessárias e toda modificação
dos seus fins iniciais, assim como a segurança do equipamento técnico
utilizado no tratado e a aplicação de procedimentos definidos pelas
autoridades competentes;
Artigo 16
2. Deverá ser exigido dos empregadores que, na medida que for razoável e
possível, garantam que os agentes e as substâncias químicas, físicas e
biológicas que estiverem sob seu controle não envolvem riscos para a
saúde quando são tomadas medidas de proteção adequadas.
Artigo 18
Os empregadores deverão prever, quando for necessário, medidas para
lidar com situações de urgência e com acidentes, incluindo meios
62
adequados para a administração de primeiros socorros. (grifo nosso).

Infere-se dos vocábulos grifados nos artigos da convenção transcrita


acima que o planejamento das atividades a serem desenvolvidas no local de
trabalho, inclusive a própria concepção do local, deve ser um imperativo da atividade
preventiva no plano internacional.
Finalizando este tópico, deve-se registrar que se encontra plasmado no
art.17, item 1, alínea “c”, da Convenção n. 167 da OIT sobre Segurança e Saúde na
Construção,ratificada pelo Brasil, o princípio do não improviso, com clareza solar, ao
preconizar que “as instalações, as máquinas e os equipamentos, inclusive as
ferramentas manuais, sejam ou não acionadas por motor, deverão: [...] c) ser
utilizados exclusivamente nos trabalhos para os quais foram concebidos [...]”.63 No
Brasil, entretanto, muitos equipamentos sem manutenção adequada, velhos e
obsoletos continuam em funcionamento por meio de gatilhos, gambiarras ou
soluções improvisadas, que provocam o que os ergonomistas chamam de modo
degradante de produção e afetam as condições de segurança. 64

VII Princípio do Direito de Recusa Obreiro

Trata-se de princípio afinado e complementar ao princípio da


indisponibilidade da saúde do trabalhador. Como já foi abordado, o princípio da
irrenunciabilidade dos direitos da personalidade, neles incluídos o direito à vida e à
integridade física e psíquica, constante do art. 11 do Código Civil Brasileiro, fortalece
o entendimento sobre o princípio da indisponibilidade da saúde do trabalhador.
Esses direitos são inatos, absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis,
imprescritíveis, impenhoráveis, inexpropriáveis e ilimitados.
Sabe-se que o contrato de emprego, com a subordinação que lhe é
inerente, concentra no empregador um conjunto expressivo de prerrogativas
voltadas ao direcionamento da prestação concreta de serviços, franqueando-lhe
ainda prerrogativas concubstanciadoras do chamado poder diretivo ou poder de
comando.
Essa situação jurídica oriunda do contrato não cria, contudo, um estado de
sujeição do trabalhador ao empregador.
Nesse contexto, por certo, é valida e juridicamente protegida a recusa
obreira a ordens ilícitas perpetradas pelo empregador na relação de emprego. O
princípio do direito de recusa obreiro configura, assim, mais uma evidência do
caráter dialético, e não exclusivamente unilateral desta relação.
A prática da recusa ao cumprimento de ordens ilícitas, neste caso,
corresponde a ato praticado em legítima defesa da vida, conforme o art.188 do
Código Civil Brasileiro, ao preconizar que “Não constituem atos ilícitos: I-os
praticados em legítima defesa [...]”.
Esta norma-princípio encontra-se plasmada no art.13 da Convenção n.
155 da OIT, ratificada pelo Brasil, com a seguinte redação:
De conformidade com a prática e as condições nacionais, deverá ser
protegido, de conseqüências injustificadas, todo trabalhador que julgar
necessário interromper uma situação de trabalho por considerar, por
motivos razoáveis, que ela envolve um perigo iminente e grave para sua
65
vida ou sua saúde.

Todavia, o princípio do direito de recusa obreiro encontra-se, na prática,


mitigado, em ordens jurídicas como a brasileira, uma vez que o risco do rompimento
do contrato pelo empregador inibe eventual posição defensiva do empregado em
face de determinações abusivas recebidas.66
Antes de se passar às conclusões deste estudo, vale resgistrar que, não
obstante o item 10.14.1 da Norma Regulamentadora n.10 do Ministério do Trabalho
e Emprego tratar do direito de recusa do trabalhador que interage com instalações e
serviços elétricos interromper suas tarefas sempre que constatar evidências de
riscos graves e iminentes para a sua segurança e saúde ou de outras pessoas, a
norma-princípio do direito de recusa obreiro emana de norma supralegal plasmada
em convenção internacional da OIT, e, portanto, não se aplica exclusivamente aos
trabalhadores do setor elétrico, mas aos trabalhadores de todos os outros setores
produtivos que eventualmente venham se encontrar na condição de risco grave e
iminente.67
Assim sendo, é nas normas constitucionais e normas de direito
internacional, ratificadas pelo Brasil, que se deve buscar efetivamente, em uma
linguagem kelseniana, o fundamento de validade das normas nacionais de
segurança e saúde do trabalhador.
De tudo que foi exposto, chega-se às seguintes conclusões:
a) a integridade física e psíquica do trabalhador é um direito fundamental,
respaldado na Constituição Federal, art. 6º e art. 7º, XXII, em normas
internacionais, Convenções da OIT, na CLT, Capítulo V, Título II, e, em
inúmeras instruções normativas, Normas Regulamentadoras e
portarias expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego;
b) os princípios apresentados neste estudo devem atuar como
mandamentos de otimização do sistema, devendo consagrar-se,
definitivamente, na doutrina, e, contribuir para que os operadores
jurídicos compreendam o verdadeiro sentido do trabalho digno e
saudável, sem riscos de lesões, doenças ou mortes de trabalhadores;
c) as normas legais de segurança e saúde do trabalhador precisam
incorporar o avanço ocorrido no Direito Internacional do Trabalho,
assimilar as inovações e os princípios da Constituição Federal de 1988
e disciplinar suficientemente a internalização das diretrizes
estabelecidas nas Convenções da OIT ratificadas pelo Brasil.
O meio ambiente de trabalho: as consequências do
trabalho moderno na saúde mental do trabalhador
O meio ambiente de trabalho: as consequências do trabalho moderno
na saúde mental do trabalhador

Flávia Pires Veloso Melo

Há uma íntima relação entre a estrutura do mercado com a


subjetividade do empregado. Em razão das novas metas a
serem alcançadas e dos planos de carreiras impostos, a
insegurança e o sofrimento do empregado em seu ambiente
de trabalho chamam atenção e exigem alteração normativa
e novas estratégias empresarias, que foquem o ser humano
trabalhador e não somente o lucro.

Resumo: As mudanças ocorridas na estrutura do mercado de trabalho


oprimem o trabalhador; oprimem a força que move o capitalismo. Ao permitir
a continuidade do sofrimento hoje instaurado pelas empresas, estaremos
diante da falência do homem enquanto ser social. A saúde psicossocial dos
trabalhadores deve ser valorizada, protegida e preservada. A força produtiva
não pode ter sua subjetividade sufocada pela organização empresarial. O
trabalho saudável é meio de valorização do indivíduo, de subsistência, de
realização pessoal, além de estimular a criatividade e o prazer (ADORNO
[2]
JÚNIOR; NASCIMENTO, 2009)[2]. O trabalho é um dos pilares da sociedade,
sem o qual, não há sequer cidadania. O ambiente de trabalho saudável é fator
de integração do empregado ao trabalho e de motivação, consequentemente,
com um ganho também para o empregador, pelos resultados na produção, e
para a sociedade, com a redução dos casos de afastamento. A doutrina jurídica
pouco se ocupa sobre o tema e, praticamente, não há regulamentação de
institutos que auxiliem no combate a exploração da saúde psicossocial dos
empregados pelos detentores dos meios de produção, o que é intolerável.

O ambiente de trabalho saudável é direito do trabalhador e


dever do empregador, razão pela qual o empregado não pode
estar exposto a riscos passíveis de eliminação ou atenuação e
que possam comprometer seu bem-estar físico, mental ou
social.

Sebastião Geraldo Oliveira[1]

ANÁLISE HISTÓRICA

No início do século XX, o mundo do trabalho presenciou o desenvolvimento


dos métodos de produção em cadeia. Henry Ford, com o desenvolvimento da
linha de montagem, racionalizou a produção em massa de mercadorias, “que
se estruturava a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente
verticalizada” (ANTUNES, 2009, p. 38)[3].

Ford seguiu os ensinamentos de Frederick Taylor, que por sua vez,


desenvolveu técnicas avançadas de padronização e simplificação da produção,
objetivando a tomada da produção pelas máquinas, delegando aos operários
apenas execução de tarefas.

Para Maria Cecília Máximo Teodoro (2007, p.38)[4], Taylor: “ignorou,


infelizmente, neste método bastante lógico, do ponto de vista técnico, os efeitos
da fadiga e os aspectos humanos, psicológicos e fisiológicos das condições de
labor, (...)”.

Ao desenvolver a linha de produção, Ford quis que os empregados se


mantivessem fixos em seus postos de trabalho, objetivando a maior
lucratividade. Os empregados não se deslocavam para exercer suas atividades,
os produtos chegavam em esteiras que ditavam o ritmo da produção.
Para José Eduardo Faria, em sua obra O Direito na Economia Globalizada
(2004, p.76)[5], enquanto o Taylorismo (Frederick Taylor) “decompõe tarefas
para melhor distribuí-las aos trabalhadores individuais”, o Fordismo (Henry
Ford) “as recompõe, vinculando ou ‘soldando’ esses mesmos trabalhadores na
perspectiva de uma máquina produtiva orgânica”.

O Fordismo atingiu seu ápice após a Segunda Guerra Mundial, ocorrida entre
os anos de 1939 a 1945, que envolveu a maioria das nações do mundo e deixou
mais de 70 milhões de mortos[6].

Nos anos seguintes, o mundo presenciou a Guerra Fria entre Estados Unidos e
União Soviética, que, em poucas palavras, representava o conflito do
capitalismo contra o socialismo. Esta Guerra durou desde o fim da Segunda
Guerra até a queda da União Soviética em 1991, consequentemente, com a
supremacia do capitalismo sobre o socialismo.

As mudanças no sistema de produção, e ao mesmo tempo, os males deixados


pela Guerra levaram ao surgimento do Estado do Bem-Estar Social que tinha
como principal objetivo a democracia e a emergência dos movimentos de
massa.

Para Maria Cecília Máximo Teodoro[7]:

Não obstante a II Guerra Mundial seja considera o marco quer


permitiu o desenvolvimento do Estado social, uma
multiplicidade de fatores contribuiu para a formação desse
modelo de gestão estatal. Uma gestão intervencionista na
questão socioeconômica e aberta à participação popular no
poder político. (TEODORO, 2011, p. 49)

A crise do petróleo nos anos 70 gerou uma necessidade de garantir uma


produção flexível, com avanços tecnológicos e um trabalhador polivalente.

Atendendo a esta necessidade, surgiu nas montadoras de veículos da Toyota no


Japão, o Toyotismo que tinha como característica o Just in Time, método de
produção que descarta os estoques físicos de dentro da fábrica. Segundo este
método, de forma computadorizada, o próprio sistema coordena o momento
em que cada insumo deve ser entregue à linha de produção justamente no
momento em que será utilizado.
Este novo modelo adota estruturas cada vez mais descentralizadas, há a
especialização da produção, com grupos selecionados de trabalhadores com
poliqualificação. O trabalho passou a ser de forma parcelada, o que culminava
num sindicalismo fracionado e ausência de coletividade dos empregados.

Com tais características, o Toyotismo domina a subjetividade operária; é o


controle do elemento subjetivo da produção. O envolvimento com o trabalho
domina e aliena o trabalhador[8] (ANTUNES, 2004).

A partir do modelo do Toyotismo, o trabalho deixa de ser concreto para ser


abstrato, imaterial, e o trabalhador, alienado, não mais se identifica com o
produto.

Este método, associado às mudanças da nova revolução tecnológica e com a


globalização, configura a nova dinâmica dos mercados de consumo e produção
focada em sua própria lógica. A economia passa a ser transnacionalizada.

O trabalhador se vê pressionado de todas as formas a impulsionar uma


produção com a qual não se identifica. A busca pela máxima lucratividade no
capitalismo pressiona o trabalhador a atingir, ou em alguns momentos,
superar seus limites para atingir as tarefas que lhe são impostas.

O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

Para Christophe Dejours[9] é impossível cumprir à risca todas as instruções ou


tarefas passadas aos empregados por seus superiores. Caso isto ocorresse, seria
o que conhecemos como operação padrão, o que inviabiliza a rotina produtiva
empresarial. Segundo Dejours, os trabalhadores usam artimanhas
“semicladestinamente” para suprimir a defasagem entre a organização do
trabalho prescrita e a organização do trabalho real.

Agindo desta maneira, os trabalhadores entram em sofrimento, deletério à sua


saúde.

Fato é que a estrutura do mercado globalizado passou a integrar a


subjetividade do empregado, afetando o meio ambiente de trabalho,
consequentemente a saúde mental do trabalhador.

A insegurança passou a fazer parte do cotidiano dos trabalhadores que, para se


afastarem do sofrimento causado pela nova dinâmica instaurada no mercado
de trabalho, utilizam mecanismos de defesa essenciais à proteção a vida e a
integridade psíquica e somática, na maior parte das vezes de forma
inconsciente.

Nem sempre, tais estratégias são suficientes para suportar tamanha pressão e
sofrimento de forma permanente, o que culmina na fragilidade e no
adoecimento do trabalhador, quando não na violência social (DEJOURS,
2006, p. 84).

O estresse, a ansiedade, depressão, dificuldade de pensar claramente, dores ou


problemas no estomago, tensão em vários músculos, dificuldade de tomar
decisões, falta de iniciativa e aperto ou dores no tórax são sintomas
identificados dentre os empregados avaliados por uma pesquisa feita por
psicólogos em Porto Alegre[10]. Outros sintomas também são narrados pelas
pesquisas[11], são as doenças músculo-esqueléticas e cardiovasculares,
síndrome de burnout[12], redução da qualidade de vida, aumento da carga de
trabalho e redução da motivação e produtividade.

Tais males representam objetivamente a exclusão social do trabalhador e o


decréscimo de sua qualidade de vida.

Os sintomas citados foram identificados através da aplicação dos questionários


COPSOQ – Copenhagen Psychosocial Questionnaire[13], que identifica
também os efeitos ou atitudes tomadas para minimizar o sofrimento dos
empregados e manutenção de um ambiente de trabalho sadio.

Uma das causas identificadas são as estratégias utilizadas pelas empresas para
convencer os empregados a literalmente se doarem à empresa.

Dejours[14] narra em sua obra A banalização da injustiça social estratégias de


distorção comunicacional e formas que são utilizadas para convencer o
empregado a se entregar ao trabalho sujo, citando inclusive a publicidade
interna como uma das formas de convencimento.

Outra estratégica que arruína a subjetividade dos empregados, principalmente


dos homens, é a alienação por um apelo em relação a virilidade:

“A virilidade é o mal ligado a uma virtude – a coragem – em


nome das necessidades inerentes à atividade de trabalho. A
virilidade é a forma banalizada pela qual se exprime a
justificação dos meios pelos fins. A virilidade é o conceito que
permite transformar em mérito o sofrimento infligido a
outrem, em nome do trabalho.” (DEJOURS, 2006: p. 133)
A LEGISLAÇÃO

A ampla legislação a respeito do adoecimento e dos acidentes de trabalho trata


a matéria de maneira técnica, sem considerar as importantes nuances de
ordem psicológica e sociológica, como faz a legislação previdenciária.

O aspecto psicossocial é mais estudado pela Psicologia do que pelo Direito,


apesar da grande importância deste aspecto para as relações jurídicas.

Em consequência da linha técnica adotada pela doutrina, com acréscimo da


falta de interesse do mercado de consumo na regulamentação deste tema,
poucas normas disciplinam sobre a saúde mental do trabalho e a qualidade do
ambiente de trabalho.

Na legislação brasileira, podemos citar a Constituição Federal de 1988[15], os


artigos 7º, incisos XXII e XXIII, e 200, inciso VIII.

Dentro da Consolidação das Leis Trabalhistas[16], não é diferente, encontramos


os artigos 154 a 160, no capítulo Da Segurança e Medicina do Trabalho,
entretanto, sem qualquer norma específica sobre a saúde mental do
trabalhador.

O Código Penal Brasileiro com redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003,
traz em seu artigo 149[17] a tipificação do crime de redução a condição análoga
à de escravo, entretanto, vê-se sua aplicação apenas em casos extremos, sem o
rigor legal que deveria ser empregado.

No cenário internacional, a OIT (Organização Internacional do Trabalho)


editou várias convenções sobre a segurança e saúde do trabalhador, embora
nenhuma delas seja específica para a disciplina da saúde mental. Destaca-se o
disposto no preâmbulo da Constituição da OIT[18] que prevê:

“Considerando que existem condições de trabalho que


implicam, para grande parte das pessoas, a injustiça, a miséria
e as privações, o que gera um descontentamento tal que a paz e
a harmonia universais são postas em risco, e considerando que
é urgente melhorar essas condições”.

Além disto, destaca-se a Convenção 29 que trata sobre o Trabalho Forçado ou


Obrigatório, e a Convenção 105 sobre a Abolição do Trabalho Forçado.

[19]
Tais convenções foram ratificadas pelo Brasil[19], 1957 e 1965, respectivamente,
e devem servir de inspiração para outros diplomas legislativos.

Acompanhando esta ideia da necessidade de surgimento de normas, destaca-se


trecho do artigo publicado pelo Desembargador Sebastião Geraldo Oliveira[20]:

O tema da saúde do trabalhador passou por longa maturação,


especialmente ao longo do século XX, e já sedimenta
conhecimentos científicos suficientes para inspirar a criação de
normas jurídicas adequadas para oferecer ao empregado
condições de poder trabalhar sem comprometer seu direito de
viver com qualidade.

CONCLUSÃO

Analisando a evolução histórica do trabalho no Brasil e no mundo, percebemos


que há uma íntima relação entre a estrutura do mercado com a subjetividade
do empregado.

Em razão das novas metas a serem alcançadas e dos planos de carreiras


impostos, a insegurança e o sofrimento do empregado em seu ambiente de
trabalho chamam atenção e exigem alteração normativa e novas estratégias
empresarias, que foquem o ser humano trabalhador e não somente o lucro.

O foco deve ser a prevenção de tais males, visando a melhoria da condição de


trabalho, e não a exploração máxima da força de trabalho. As condutas
empresarias, por sua vez, devem visar a garantia a saúde do trabalhador.

Este trabalho buscou propor uma reflexão sobre a integração do moderno meio
ambiente de trabalho e a garantia do direito à saúde mental do trabalhador,
destacando que as inovações ocorridas no ambiente de trabalho com os novos
métodos de gestão e produção, que com avanço tecnológico impõe ao
trabalhador o sacrifício que causa sofrimento e adoecimento.
Segurança e medicina do trabalho.
Escorço histórico e regramento normativo básico
(constitucional e infraconstitucional)

Segurança e medicina do trabalho. Escorço histórico e regramento


normativo básico (constitucional e infraconstitucional)

ERIC HOBSBAWM, com inteira razão, afirma que a industrialização foi um


dos fenômenos mais impactantes na história da humanidade [01]. De fato, o
surgimento da máquina a vapor, nos idos do Século XVIII, afetou todas as
dimensões do viver humano.

Mais precisamente no campo das relações sociais, a Revolução Industrial


sepultou as relações servis e, mercê dos influxos ideológicos afetos à
necessidade de pôr fim à escravidão, serviu para angariar a mão de obra livre
que surgia no mercado.

Contudo, a voracidade do capitalismo acabou produzindo um ambiente


laboral cruel e sangrento, onde milhares de trabalhadores, em especial
mulheres e crianças, sujeitavam-se a longas jornadas de trabalho, quase
sempre em um cenário marcantemente insalubre e periculoso.

Contribuía para essa horrenda ambiência a necessidade de manuseio diuturno


com máquinas e equipamentos cuja engrenagem ainda era uma incógnita não
apenas para os obreiros, senão que também para os próprios empregadores.
Nessa fase da história, os acidentes de trabalho eram eventos corriqueiros. A
cada dia, dezenas de trabalhadores em toda a Inglaterra eram mutilados ou até
mesmo tinham suas preciosas vidas ceifadas por força de sua sujeição a um
ambiente laboral hostil, onde, ao invés da máquina se adaptar ao homem, era o
homem quem deveria se adaptar à máquina.

A exsurgência da chamada "questão social", marcada pelo combate entre o


capital e o trabalho, redundou em uma pressão pela civilização das condições
de trabalho à época praticadas, fazendo então irromper, aqui e acolá, os
primeiros regramentos normativos tutelando, ainda que de uma forma tímida,
esse tão importante locus da trajetória humana: o ambiente laboral. É dessa
época a chamada Lei de Peel, de 1802, na Inglaterra, quando se pretendeu
proteger o labor infantil praticado nas fábricas.

De lá para cá, surgiram diversas outras disposições normativas de tutela do


ambiente laboral. Os ventos calorosos do Manifesto Comunista (1848) e, mais
à frente, da doutrina Social da Igreja Católica (Encíclica Rerum Novarum -
1891), ajudaram a construir um novo cenário no constitucionalismo, ganhando
relevo, nesse período, as Constituições do México (1917) e da Alemanha (1919),
onde os direitos sociais da segunda dimensão, aí incluindo a proteção do
trabalho humano, encontraram cômoda guarida.

No Brasil, já em 1919 nasce a primeira legislação acidentária, cabendo à


famosa Lei Eloy Chaves (Decreto 4.682/23) a sedimentação de uma proteção
securitária para os ferroviários. No cenário internacional, notadamente no
tempo que se seguiu ao Holocausto (2ª Guerra Mundial – 1939/1945), cumpre
citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que,
expressamente, confere a toda pessoa o direito a um trabalho em condições
justas e favoráveis (artigo 23, I), de modo a lhe resguardar a dignidade humana
(artigo 22), instrumento jurídico valioso e que, aliado à criação da OIT (1919),
traçaram novos rumos à questão do labor humano em condições dignas e
decentes.

Esse portentoso fluxo humanista aportou em nossa Constituição vigente.


Deveras, a "Constituição Cidadã", na feliz dicção de ULYSSES
GUIMARÃES, abraçou com candura a verve humana que pairava nos ares
internacionais, pois marcantemente preocupada com o "ser", ao invés do "ter",
com o "existencial", em vez do "patrimonial".

Não sem razão nossa atual Carta Magna erigiu a dignidade da pessoa
humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo
1º, III), havendo até quem afirme, a nossa ver com inteira razão, que ela, a
dignidade da pessoa humana, é o "princípio-mãe" do ordenamento jurídico
brasileiro, seu verdadeiro "epicentro axiológico", no dizer de DANIEL
SARMENTO [02].

A busca do bem-estar de todos é marcante quando se percebe, também, que


constituem objetivos fundamentais de nossa República a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, a redução das desigualdades sociais e a
promoção do bem de todo e qualquer ser humano, sem qualquer distinção
(artigo 3º, I, III e IV), pugnando por um ambiente sociojurídico que proteja a
vida (artigo 5º, caput), o trabalho e a saúde (artigo 6º, caput).

Como não é possível ter vida digna sem a salvaguarda plena do trabalho,
enquanto dimensão afeta a todo e qualquer ser humano, nossa Lex Legum
também pontua que a ordem social tem como base o primado do trabalho e
como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (artigo 193), fazendo da saúde um
direito de todos e dever do Estado, valendo-se de medidas que visem à redução
do risco de doenças e de outros agravos (artigo 196), com a efetiva proteção do
meio ambiente, nele compreendido, obviamente, o do trabalho (artigo 200,
inciso VIII).

Na seara juslaboral propriamente dita, nossa Carta Constitucional densifica


essa proteção ao valor "trabalho" através de diversas outras regras específicas,
arroladas no artigo 7º, valendo o destaque de que esse seleto rol não é taxativo
(numerus clausus), mas meramente exemplificativo, diante da expressa
previsão de que os direitos ali mencionados não elidem a existência de outros
que promovam a melhoria da condição social do trabalhador (artigo 7º, caput,
parte final), lembrando DALLEGRAVE NETO, de forma bem acertada, que
nesse dispositivo se vê o status constitucional do princípio da condição mais
benéfica ao obreiro [03].

Ali, o legislador constituinte, dentre outros direitos, previu uma jornada de


trabalho razoavelmente limitada (inciso XIII), com inequívoca pretensão de se
buscar a paulatina redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII).

Conferiu, ainda, adicional de remuneração para as atividades penosas,


insalubres ou perigosas, na forma da lei (inciso XXIII), com a menção de
necessidade de firmamento de um seguro contra acidentes de trabalho, a cargo
do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando
incorrer em dolo ou culpa (inciso XXVIII).
O que se percebe, pois, é a existência de um denso fluxo normativo que
tenciona, escancaradamente, salvaguardar o ser humano, quando
inserido no ambiente de trabalho. É possível entrever, nessa gama de
disposições normativas, a busca pela realização da dignidade da pessoa
humana, no máximo de sua potencialidade fática e jurídica, exigindo-se a
necessária conformação de condutas para que todos, e cada um, cumpram seu
papel na construção de um novo espaço público (GUSTAVO TEPEDINO [04]).
Enfim, a dignidade humana, enquanto genuíno mandado de otimização
(ROBERT ALEXY [05]), busca se irradiar por todos os meandros do
ordenamento jurídico e da ordem social, aí incluindo o especialíssimo campo
do trabalho humano, até mesmo porque as normas definidoras dos direitos e
garantias fundamentais têm aplicação imediata (CF, artigo 5º, § 1º).

RAIMUNDO SIMÃO DE MELO destaca que o estabelecimento de um meio


ambiente de trabalho hígido e seguro exige uma atuação compromissada de
todos os atores sociais [06]. Veja-se, por exemplo, segundo o próprio autor, a
possibilidade de um cidadão propor ação popular ambiental (CF, artigo 5º,
inciso LXXIII) ou de um sindicato também impetrar mandado de segurança
coletivo diante de ato de autoridade pública que viola o direito líquido e certo a
um ambiente de trabalho adequado e seguro (CF, artigo 5º, inciso LXX, alínea
"b").

No âmbito da CLT, há porção específica de normas que almejam tutelar a


segurança e medicina do trabalho (Capítulo V, Título II), de onde se percebe,
dentre outras considerações, a tarefa estatal de coordenar, orientar e
supervisionar a fiscalização e as demais atividades relacionadas com a
segurança e a medicina do trabalho em todo o território nacional (artigo 155,
inciso II), competindo-lhe ainda impor as penalidades cabíveis em face do
descumprimento das normas relativas ao tema (artigo 156, inciso III).

Às empresas, cabe o dever de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança


e medicina do trabalho (artigo 158, inciso I), sob pena de incorrer em falta
grave patronal (artigo 483, alínea "d"), além de se sujeitar às cominações
constantes dos campos administrativo (CLT, artigo 156, inciso III) e penal (Lei
n. 8.213/91, artigo 19, § 2º, e CPP, artigo 132). Cabe-lhe, ainda, o dever de
realizar exames médicos, por sua conta, na admissão, demissão e
periodicamente (CLT, artigo 168), sendo também obrigatória a notificação
quando da ocorrência de doenças profissionais e das produzidas em virtude de
condições especiais de trabalho (CLT, artigo 169).
Também é incumbência patronal resguardar para que máquinas e demais
equipamentos sejam dotados de dispositivos de partida e parada e outros mais
que se fizerem necessários para a prevenção de acidentes de trabalho (CLT,
artigo 184), sendo ainda tarefa sua o fornecimento gratuito, aos obreiros, de
equipamentos de proteção individual adequados ao risco e em perfeito estado
de conservação e funcionamento (CLT, artigo 166 e NR 06). Da mesma forma,
impõe-se a criação de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes
(CIPA) (CLT, artigo 163), tendo por objetivo a prevenção de acidentes e
doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível
permanentemente o trabalho com a preservação da vida e a promoção da
saúde do trabalhador (cláusula 1 da NR 05).

Para a garantia do pleno funcionamento dessa relevantíssima comissão, a


Carta Magna destaca que fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa
do empregado eleito para cargo de direção de comissões internas de prevenção
de acidentes, desde o registro de sua candidatura até um ano após o final de
seu mandato (ADCT, artigo 10, inciso II, alínea "a"), direito que, consoante
pacífica diretriz jurisprudencial, também alcança aquele que figura como
suplente (Súmula 676 do STF e Súmula 339, item I, do TST).

Vale o destaque de que também o trabalhador tem o dever de observar as


normas de segurança e medicina do trabalho, constituindo ato faltoso, por
exemplo, sua recusa injustificada quanto ao uso dos equipamentos de proteção
individual fornecidos pela empresa (CLT, artigo 158).

Dispõe também o texto celetário que o labor em condições insalubres enseja


o pagamento de adicional de 10%, 20% ou 40%, sobre o salário mínimo (CLT,
artigo 192), segundo a nocividade seja oficialmente classificada com graus
mínimo, médio ou máximo, respectivamente, considerando-se como
insalubres aquelas atividades ou operações que, por sua natureza, condições ou
métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde,
acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade
do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos (CLT, artigo 189), recaindo
sobre o Ministério do Trabalho e Emprego apontar rol oficial de atividades e
operações desse jaez (CLT, artigo 190 e NR 15).

Registre-se, por oportuno, que o simples fornecimento de EPI, por parte do


empregador, não o exime do pagamento do adicional de insalubridade,
cabendo-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da
nocividade, entre os quais os relativos ao efetivo uso do equipamento por parte
do obreiro (Súmula 289 do TST). Ademais, a jurisprudência já se posicionou
no sentido de que a verificação, mediante perícia, de prestação de serviços em
condições nocivas, considerando agente insalubre diverso do apontado na
inicial, não prejudica o pedido de adicional de insalubridade deduzido em juízo
(Súmula 293 do TST).

Tangente à base de cálculo do adicional de insalubridade, durante longo tempo


se entendeu como recepcionado o artigo 192 da CLT. Todavia, o STF,
recentemente, reputou como inválida a fixação do salário mínimo como base
de cálculo, por afronta ao disposto no artigo 7º, inciso IV, da Constituição
Federal, o que redundou na edição da Súmula Vinculante n. 04 do STF,
que destacou a vedação de vinculação ao salário mínimo como indexador de
base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, não
podendo sequer ser substituído por decisão judicial.

Diante dessa diretriz, o TST lançou nova redação à Súmula 228, apontando,
agora, o salário básico, salvo critério mais vantajoso criado em instrumento
coletivo, como base de cálculo do adicional de insalubridade. Entretanto, essa
postura do TST recebeu reprimenda por parte do STF, que, em sede de
reclamação constitucional, suspendeu a eficácia da nova redação da sobredita
súmula, de tal modo que, hoje, a celeuma continua.

Registre-se a posição de SEBASTIÃO GERALDO DE OLIVEIRA, para quem


seria devido um adicional de insalubridade por cada fator insalutífero
porventura incidente sobre o obreiro [07]. Essa tese se afina com a Convenção
n. 155 da OIT.

Noutro quadrante, prevê a CLT que são atividades ou operações perigosas


aquelas que, citadas em rol oficial, por sua natureza ou métodos de trabalho,
impliquem o contato permanente com inflamáveis ou explosivos, em condição
de risco acentuado (CLT, artigo 193), gerando o direito a adicional na ordem de
30% sobre o salário, sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios
ou participação nos lucros das empresas (CLT, artigo 193, § 1º).

Frise-se que faz jus ao adicional o empregado exposto permanentemente, ou


que, de forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. O adicional resta
indevido apenas quanto o contato se dá de forma eventual, assim considerado
o fortuito, ou o que, sendo habitual, dá-se por tempo extremamente deduzido
(Súmula 364, item I, do TST), sendo que o pagamento desse adicional em
percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de exposição ao risco tem
sido admitido, desde que pactuado em negociação coletiva (Súmula 364, item
II, do TST).
Semana passada, o TST publicou nova OJ, dispondo que é devido o pagamento
de adicional de periculosidade ao empregado que desenvolve suas atividades
em edifício (construção vertical), seja em pavimento igual ou distinto daquele
onde estão instalados tanques para armazenamento de líquido inflamável, em
quantidade acima do legal, considerando-se como área de risco toda a área
interna da construção vertical (OJ 385 da SBD-1 do TST).

A CLT dispõe que não são cumuláveis os adicionais de insalubridade e


periculosidade, cabendo a opção ao empregado (CLT, artigo 193, § 2º).
RAIMUNDO SIMÃO DE MELO entende que esse preceito legal não foi
recepcionado pela nova ordem constitucional instalada em 1988, que preceitua
que todo agravo deve receber a devida reparação (CF, artigo 5º, incisos V e X)
[08]
.

A Lei n. 7.369/85 institui adicional de periculosidade para os empregados do


setor de energia elétrica e que se sujeitam a condições periculosas, aí se
entendendo os empregados que trabalham em sistema elétrico de potência em
condições de risco, ou que o façam com equipamentos e instalações elétricas
similares, que ofereçam risco equivalente, ainda que em unidade consumidora
de energia elétrica (OJ 324 da SDI-1 do TST. Por construção jurisprudencial,
esse adicional também alcança os empregados cabistas, instaladores e
reparadores de linhas e aparelhos de empresas de telefonia, desde que, no
exercício de suas funções, fiquem expostos a condições de risco equivalentes ao
do trabalho exercido em contato com sistema elétrico de potência (OJ 347 da
SDI-1 do TST). Bom consignar, também, que a Portaria n. 518/2003, do MTE,
dispõe sobre as atividades e operações perigosas sujeitas a radiações
ionizantes ou substâncias radioativas.

Registre-se que o direito do empregado ao adicional de insalubridade ou de


periculosidade cessará com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade
física, não lhe aplicando qualquer noção de direito adquirido (CLT, artigo 194).
Ademais, a caracterização da insalubridade e da periculosidade ficará a cargo
de perito (CLT, artigo 195), mas, quando não for possível sua realização, como
em caso de fechamento da empresa, poderá o julgador se valer de outros meios
de prova (OJ 278 da SDI-1 do TST).

Quanto ao adicional de penosidade, ainda hoje não há regulamentação legal


do artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal, sendo que sua previsão tem
constado de normas coletivas em algumas regiões do país. A omissão do
legislador infraconstitucional é inaceitável, sendo que o manejo do remédio
constitucional do mandado de injunção (artigo 5º, inciso LXXI) se afigura
mais do que pertinente.
Ainda na tônica de resguardar um ambiente laboral hígido e adequado, outras
medidas recaem sobre o empregador, como a manutenção de Serviços
Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho
(SESMT), com a finalidade de promover a saúde e proteger a integridade do
trabalhador no local de trabalho (NR 04), bem como a elaboração de Programa
de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), para a promoção e
preservação da saúde do conjunto dos seus trabalhadores (NR 07). Ademais,
cabe-lhe elaborar e implementar Programa de Prevenção de Riscos (PPRA),
visando à preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, através da
antecipação, reconhecimento e controle da ocorrência de riscos ambientais
existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho (NR 09).

Vale acentuar que atualmente o valor do seguro de acidente do trabalho está


diretamente ligado à frequência e gravidade dos acidentes de trabalho
ocorridos na empresa, de acordo o chamado Fator Acidentário de
Prevenção (FAP) (Decreto n. 3.048/99, artigo 202-A).

À empresa também recai o dever de elaborar e manter atualizado o Perfil


Profissiográfico Previdenciário (PPP), documento histórico-laboral do
trabalhador, que deve conter informações ambientais, biológicas e
administrativas, a ser entregue quando da rescisão do contrato de trabalho ou
do desligamento do cooperado (Decreto n. 3.048/99, artigo 68, §§ 2º, 6º e 8º).

Ainda nessa esteira de ampla proteção do trabalhador, enquanto sujeito


inserido em ambiente de trabalho sadio, cabe destacar a facilitação ora
vigorante no que refere ao reconhecimento de doenças ocupacionais, quando a
própria perícia do INSS poderá considerar caracterizada a natureza acidentária
da incapacidade, quando constatar ocorrência de Nexo Técnico
Epidemiológico (NTEp) entre o trabalho e o agravo, tornando, assim, mais
célere e informal o reconhecimento da natureza ocupacional da patologia (Lei
n. 8.213/91, artigo 21-A, caput).

Por fim, cabe asseverar a atual importância do Ministério Público, que teve
maximizadas as suas atribuições com a nova ordem constitucional, que lhe
conferiu a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses
sociais e individuais indisponíveis (CF, artigo 127, caput).

Para tanto, o Ministério Público, em especial o Ministério Público do


Trabalho, poderá promover inquérito civil e ação civil pública para a
proteção do patrimônio público e social e do meio ambiente (CF, artigo 129,
inciso III), inclusive o meio ambiente do trabalho, na defesa de interesses
metaindividuais (CDC, artigo 81, parágrafo único), quando desrespeitados os
direitos sociais constitucionalmente garantidos (LC 75/93, artigo 83, inciso
III).

O Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar ação civil pública, medida


inspirada na class action norte-americana, quando, na via administrativa, não
for possível firmar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) (Lei n.
7.347/85, artigo 5º, § 6º). Colhidos subsídios por meio de inquérito civil (Lei n.
7.347/85, artigo 8º, § 1º), o material poderá subsidiar ação judicial com rito
fixado na Lei n. 7.347/85, com alterações promovidas pelo CDC, buscando a
condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer
(artigo 3º), inclusive pleiteando possível dano moral coletivo (artigo 1º).

Todas as medidas destacadas ao longo deste texto se somam no grande


desiderato de efetivar o direito fundamental a um meio ambiente
laboral hígido e seguro. Que tenhamos "patriotismo constitucional"
(HABERMAS [09]) para realizar esse sonho...
Noções de segurança e saúde no trabalho portuário à
luz da Norma Regulamentadora nº 29
Noções de segurança e saúde no trabalho portuário à luz da Norma
Regulamentadora nº 29

1-INTRODUÇÃO.

O estudo adiante desenvolvido aborda aspectos relacionados à segurança e à


saúde no trabalho que se desenvolve no meio ambiente dos portos brasileiros e
tem como objetivo propiciar conhecimentos acerca do contexto em que é
realizado e dos agentes envolvidos, com esteio nos preceitos insertos nas Leis
nºs 8.630/93, 9.719/98 e, especialmente, na Norma Regulamentadora nº 29
(NR 29), que foi cunhada, exclusivamente, para este importante segmento da
economia nacional.

Em face das características e especificidades do contexto portuário brasileiro e


por se tratar de tema pouco explorado, o estudo será desenvolvido enfocando
os seguintes tópicos:1-Meio ambiente de trabalho: evolução e conceituação
legal; 2-Contextualização e terminologia do trabalho portuário; 3-Breve
histórico, abrangência e aplicação das normas de segurança no trabalho
portuário; 4-Responsabilidade pela implementação das normas de segurança e
saúde no trabalho portuário; 5- Considerações Finais.
2- MEIO AMBIENTE DE TRABALHO. EVOLUÇÃO E
CONCEITUAÇÃO LEGAL.

Em passado não muito longíquo, a visão que se tinha de meio ambiente


restringia-se aos aspectos relacionados à vida animal e vegetal e à exceção de
alguns visionários, o ser humano não fazia parte dele. Hodiernamente, o ser
humano passou a ser parte integrante do meio ambiente e principal agente
capaz de promover o seu desenvolvimento sustentável.

Nessa esteira, a conceituação doutrinária de meio ambiente de trabalho


também evoluiu, a ponto de ir além das instalações físicas onde o trabalho se
desenvolve, passando a incluir todas as variáveis que afetam direta e
indiretamente o desenvolvimento de qualquer atividade laboral. Portanto, os
métodos, práticas, processos e demais variáveis que possam repercutir no
comportamento e na saúde do trabalhador constituem o meio ambiente
laboral.

No plano legal, o meio ambiente do trabalho alçou status constitucional, haja


vista que o Sistema Único de Saúde tem como uma de suas atribuições
colaborar na sua proteção (artigo 200, VIII, da CF).

Em brilhante artigo intitulado Meio Ambiente do Trabalho. Considerações,


Antônio Ribeiro Silveira dos Santos preleciona, in verbis: Em termos de
legislação também observamos esta evolução. O art.3º, I, da Lei 6.938/81,
definiu meio ambiente como "o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas. Posteriormente, com base na Constituição Federal de 1988, passou-se
a entender também que o meio ambiente divide-se em físico ou natural,
cultural, artificial e do trabalho. Meio ambiente físico ou natural é constituído
pela flora, fauna, solo, água, atmosfera etc, incluindo os ecossistemas (art.
225, §1º, I, VII). Meio ambiente cultural constitui-se pelo patrimônio cultural,
artístico, arqueológico, paisagístico, manifestações culturais, populares etc
(art.215, §1º e §2º). Meio ambiente artificial é o conjunto de edificações
particulares ou públicas, principalmente urbanas (art.182, art.21,XX e art.5º,
XXIII) e meio ambiente do trabalho é o conjunto de condições existentes no
local de trabalho relativos à qualidade de vida do trabalhador (art.7, XXXIII
e art.200).

Ainda na década de 70, quando o meio ambiente do trabalho não tinha a


importância que lhe é atribuída nos dias atuais, o legislador, por meio da Lei
nº 6.514/77 previu medidas de proteção coletiva para resguardar a saúde e a
segurança dos trabalhadores, entre elas podem ser citadas: inspeção prévia em
novos estabelecimentos; criação do serviço especializado em segurança e em
medicina do trabalho e a comissão interna de prevenção de acidentes. Estas e
outras medidas estão genericamente disciplinadas nos artigos 154 a 201 da
CLT, que foram introduzidas pela supracitada lei. As disposições técnicas
relativas à segurança e à saúde dos trabalhadores estão esmiuçadas nas atuais
33 (trinta e três) Normas Regulamentadoras que versam especificamente sobre
variados temas, como por exemplo, a NR 29 que regula a proteção obrigatória
contra acidentes e doenças profissionais dos trabalhadores portuários.

3-CONTEXTUALIZAÇÃO E TERMINOLOGIA DO TRABALHO


PORTUÁRIO.

Com uma faixa costeira contínua de mais de oito mil quilômetros de extensão,
o Brasil abriga portos marítimos que se estendem do Estado do Amapá ao Rio
Grande do Sul. Há, também, portos fluviais situados em suas águas interiores.
De acordo com dados da Secretaria Especial de Portos da Presidência da
República, o sistema portuário brasileiro é composto por 37 (trinta e sete)
portos públicos, 42 (quarenta e dois) terminais privativos e 3 (três) complexos
portuários, nos quais são movimentados milhões de toneladas de cargas por
ano. Cada um, em face da diversidade cultural do país, tem modus operandi
próprio e neles atuam milhares de trabalhadores que estão expostos aos mais
diversos riscos de acidentes e doenças do trabalho.

Historicamente, quando se falava em trabalho nos portos, logo se vislumbrava


o trabalho dos estivadores. Atualmente, o trabalho portuário não se restringe
somente aos estivadores, envolve uma diversidade de atividades e pode ser
definido como a energia humana desprendida na execução dos serviços afetos
às operações portuárias nos portos organizados brasileiros (in trabalho
portuário avulso antes e depois da lei de modernização dos portos, pag. 12.).
Tem especificidades que o inserem em contexto diverso daquele encontrado
noutras atividades laborais, desaguando em conceituação legal própria e em
jargões adstritos aos portos.

O meio ambiente do trabalho portuário é constituído, em terra, pelos


armazéns, pátios, faixa do cais e demais instalações portuárias e, a bordo, pelos
conveses e porões das embarcações. Esta diversificação se altera de porto para
porto e de embarcação para embarcação. Isto quer dizer que situações
ambientais encontradas em determinado porto poderão não está presentes em
outro. O mesmo pode ser dito com relação aos navios, posto que suas
estruturas sofrem variações de acordo com a destinação para o qual foram
projetados. Cito como exemplo as escadas que dão acesso aos seus
compartimentos e porões, onde há navios em que elas são protegidas por
guardo corpo e outros onde são totalmente desprotegidas e de elevada altura.

A execução do trabalho portuário pode ser realizada por trabalhadores avulsos


com a obrigatória intermediação do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO) ou
por trabalhadores contratados a prazo indeterminado. A mão de obra avulsa
predomina nos portos organizados brasileiros.

A dinâmica comercial associada à competitividade entre portos, bem como a


forma de remuneração que, em grande parte é em função da quantidade de
carga que cada trabalhador movimenta, afetam fortemente o meio ambiente de
trabalho, desencadeando operações portuárias [01] que, por sua rapidez, são
propensas à ocorrência de acidentes [02].

Nesta esteira, por ser de trabalhadores avulsos grande parte da mão de obra
utilizada na movimentação de carga nos portos brasileiros, a implementação
de normas de segurança e saúde no trabalho se torna complexa, dada a
rotatividade dos trabalhadores. Diversamente do que ocorre com
trabalhadores com vínculo empregatício que executam sua atividade em
ambiente rotineiro (loja, fábrica, escritório etc) e para um mesmo empregador.

Os acidentes e as doenças do trabalho [03] portuário são resultantes do meio


ambiente de trabalho desfavorável, normalmente insalubre e contaminado por
agentes nocivos à saúde, sujeitando os trabalhadores a toda sorte de
infortúnios. Cargas perigosas, como produtos químicos e até radioativos [04]
são movimentadas nos portos. Os riscos são iminentes e qualquer descuido
poderá acarretar um acidente grave e fatal. Os equipamentos são de elevado
peso. Há riscos físicos (ruídos, vibrações, umidade), químicos (exposição a
gases e poeiras) e, também, ergonômicos (grande esforço físico com postura
incorreta). O perigo está por todos os lados [05].

3-NORMA REGULAMENTADORA 29. BREVE HISTÓRICO,


ABRANGÊNCIA E APLICAÇÃO.

Os portos brasileiros passaram a ter novo arcabouço jurídico com a edição da


Lei nº 8.630/93, conhecida como Lei de Modernização dos Portos, cujas
disposições conferiram nova sistemática para mão de obra portuária e para o
regime de exploração e administração dos portos organizados. Especificamente
para a mão de obra avulsa, as inovações trouxeram outra forma de
gerenciamento que passou dos sindicatos para uma instituição denominada
Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO). Contudo, o meio ambiente do trabalho
continuou o mesmo.

Ao se compulsar o inteiro teor da Lei nº 8.630/93, ver-se-á que o legislador foi


omisso por não talhar no texto legal ditames relativos à segurança e a saúde de
milhares de trabalhadores que labutam na movimentação de cargas nos portos
brasileiros, já que o Brasil no ano de 1989 aprovara a Convenção 152 da
Organização Internacional do Trabalho (Decreto Legislativo nº 84/89) que
trata da segurança e higiene dos trabalhos portuários. Sua promulgação
ocorreu no ano seguinte por meio do Decreto nº 99.534, de 19/09/90, cuja
vigência se daria em 17 de maio de 1991. Tal norma de âmbito internacional
aplicável aos países signatários trouxe os pilares que deveriam propiciar o meio
ambiente de trabalho portuário seguro.

A ação do Grupo Executivo para a Modernização dos Portos (GEMPO) em


conjunto com Auditores Fiscais do Trabalho especialistas em trabalho
portuário foi de vital importância para que se implementassem medidas de
proteção no meio ambiente de trabalho portuário prevista na Convenção 152,
haja vista que nas ações fiscais desencadeadas em vários portos do país
constataram-se graves situações de precarização e aviltamento do trabalhador
portuário. Em decorrência, foi editada a Medida Provisória nº 1.575/97que,
após várias reedições foi transformada na Lei 9.719/98 [06], a qual veio suprir
lacunas da Lei nº 8.630/93, ao estatuir no artigo 9º, entre outras, a obrigação
do órgão gestor de mão de obra, operador portuário e empregador, conforme o
caso, cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e saúde do trabalho
portuário e ao Ministério do Trabalho e Emprego estabelecer a respectiva
norma regulamentadora.

Com a edição da MP supramencionada foi dado o primeiro passo para


confecção de uma norma exclusiva de segurança e saúde para os trabalhadores
portuários. Nascia, assim, a Norma Regulamentadora nº 29 (NR 29) que,
diversamente do que pensam alguns, não foi "uma canetada dada governo".
Ela foi confeccionada de forma tripartite com a participação das entidades
representativas dos trabalhadores portuários, dos empresários e governo, cuja
aprovação se deu por meio da Portaria MTE nº 53, de 17/12/1997 [07]. Esta
norma foi cunhada nos moldes das demais normas de segurança no trabalho
aplicáveis às empresas em geral e tem como objetivo a proteção contra
acidentes e doenças profissionais dos trabalhadores portuários. Suas
disposições se aplicam aos trabalhadores portuários em geral (avulsos ou
empregados) que executam serviço na movimentação de cargas a bordo
(estiva) e em terra (capatazia) e, também, aos demais trabalhadores que
exerçam atividades nos portos organizados e instalações portuárias de uso
privativo e retroportuárias, situadas dentro ou fora da área do porto
organizado.

É de se reforçar que as normas de segurança e saúde no trabalho fazem parte


do rol de direitos constitucionais dos trabalhadores, posto que a atual
Constituição Federal dita no artigo 7º, XXII, que a redução dos riscos inerentes
ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança é direito dos
trabalhadores urbanos e rurais.

Valentin Carrion (in comentários à consolidação das leis do trabalho, pag.


172) preleciona que, a segurança e higiene do trabalho são fatores vitais na
prevenção de acidentes e na defesa da saúde do empregado, evitando o
sofrimento humano e o desperdício econômico lesivo às empresas e ao
próprio País.

A definição do que seja área do porto organizado e sua delimitação, para fins
de aplicação da NR 29, torna-se relevante, posto que tal área é demarcada por
ato do Ministério dos Transportes. Não compreende somente a área física do
cais. O artigo 1º, § 1º, IV, da Lei 8.630/93 a define in verbis: área do porto
organizado é aquela compreendida pelas instalações portuárias, quais sejam,
ancoradouros, docas, cais, pontes e píeres de atracação e acostagem,
terrenos armazéns, edificações e vias de circulação interna, bem como pela
infraestrutura de proteção e acesso aquaviário ao porto tais como guias
correntes, quebra-mares, eclusas, bacias de evolução e áreas de fundeio que
devam ser mantidas pela Administração do Porto, referida na Seção II do
Capítulo VI desta lei.

Terminal retro portuário é, segundo o item 29.1.3 da NR 29, aquele situado em


zona contígua à do porto organizado ou instalação portuária, compreendida no
perímetro de cinco quilômetros dos limites da zona primária, demarcada pela
autoridade aduaneira, sob o controle aduaneiro, com carga de importação e
exportação, embarcadas em contêiner, reboque ou semi-reboque.

As operações portuárias ocorrem em área do porto organizado, que pode ser


explorado diretamente pela União ou Estado por meio das respectivas
Companhias Docas ou por terceiros mediante concessão. As instalações
portuárias de uso público situam-se dentro da área do porto organizado e as de
uso privado podem ficar ou não dentro dela.
Vê-se, portanto, que as disposições da NR 29 cingem-se a determinada área
geográfica, diferentemente das demais NRs, cujo alcance independe de
delimitação geográfica e se aplicam aos trabalhadores nos mais diversos locais
onde executem suas atividades, inclusive, nos portos organizados.

4-RESPONSABILIDADE PELO CUMPRIMENTO DAS NORMAS DE


SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO PORTUÁRIO.

Quando bem planejadas e executadas, as medidas de proteção coletiva


neutralizam ou eliminam, com eficácia, riscos no meio ambiente de trabalho.
Conveses limpos e desobstruídos, porões e agulheiros [08] iluminados, faixa do
cais sinalizada são exemplos de proteção coletiva. No entanto, além destas
medidas, torna-se de grande relevância internalizar em todos os atores que
atuam nos portos a cultura de segurança no trabalho. De tal forma que, por
exemplo, a utilização de equipamentos de proteção individual (EPI), como
capacetes, abafadores de ruído, máscaras de proteção contra poeiras ou gases
não seja, apenas, mera obrigação.

Os equipamentos de proteção têm como finalidade evitar que o trabalhador


entre em contato ou seja exposto aos riscos presentes no meio ambiente de
trabalho. No que diz respeito aos equipamentos de proteção individual, devem
ser adequados ao risco, estarem em perfeito estado de conservação e
funcionamento e terem a devida certificação mediante certificado de aprovação
(CA) expedido pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Por fim, devem ser
fornecidos gratuitamente [09] pelo OGMO, quando se tratar de trabalhador
avulso ou pelo operador portuário ou tomador de serviço, quando se tratar de
empregado.

Lato sensu, segurança no trabalho, seja ele portuário ou não, deve ser do
interesse de todos, no resguardo da vida humana, independentemente de
previsão legal. Entretanto, a NR 29 prescreve que compete ao OGMO,
operadores portuários [10], tomadores de serviço [11] e empregadores, conforme
o caso, cumprir e faz ser cumprida as normas de segurança, bem como
fornecer instalações, equipamentos, maquinários e acessórios em bom estado e
condições de segurança, responsabilizando-se pelo correto uso (item 29.1.4.1
da NR 29).

Nesse contexto, recai sobre o operador portuário grande parte da


responsabilidade pela segurança no trabalho, haja vista que o artigo 16 da Lei
8.630/93 dita ser ele o titular e o responsável pela direção e coordenação das
operações portuárias que efetuar. Inclusive, a citada lei (art. 19, § 1º) exclui a
responsabilidade do OGMO por prejuízos causados por trabalhador avulso por
ele fornecido aos tomadores de serviços ou a terceiros. Ou seja, se durante uma
operação portuária, como movimentar um contêiner, por exemplo, o
trabalhador causar-lhe avaria, não será o OGMO que irá responder perante o
exportador/importador, mas o operador portuário.

Não somente os operadores portuários que estão diretamente envolvidos na


movimentação de carga têm responsabilidades pelo cumprimento das normas
de segurança, mas também e principalmente, a administração do porto,
denominada de autoridade portuária, já que cabe a ela, segundo comando
inserto no artigo 33, VII da Lei nº 8.630/93, fiscalizar as operações portuárias,
zelando para que os serviços se realizem com regularidade, eficiência,
segurança e respeito ao meio ambiente. Tal prerrogativa legal é mais um
reforço para a segurança, desde que a autoridade portuária realmente a exerça.

Portanto, operadores portuários, empregadores, tomadores de serviço, OGMO,


administração do porto e trabalhadores têm responsabilidade direta pelo
cumprimento das normas de segurança e saúde nos portos, os quais podem
designar uma "pessoa responsável" para assegurar o cumprimento de uma ou
mais tarefas específicas e que possua suficientes conhecimentos e experiência,
com a necessária autoridade para o exercício dessas funções, é o que prevê o
item 29.1.3 "d" da NR 29.

Exclusivamente para os trabalhadores, a NR 29 lhes reservou as seguintes


obrigações: a) cumprir a norma e as demais disposições legais de segurança e
saúde; b) utilizar corretamente os dispositivos de segurança, tais como EPI e
EPC que lhes sejam fornecidos e c) informar ao responsável pela operação de
que esteja participando, as avarias ou deficiências que possam constituir risco
para eles ou para a operação (item 29.1.4.3 da NR 29).

O trabalhador que praticar atos contrários à direção e à coordenação das


operações portuárias ou causar prejuízos à carga, à embarcação ou às
instalações portuárias poderá sofrer sanções disciplinares. Cabe ao operador
portuário ou tomador de serviço, quando se tratar de trabalhador portuário
avulso, comunicar tal fato ao OGMO para as providências cabíveis, posto que
no exercício de sua competência assentada no artigo 19 da Lei 8.630/93, tem o
OGMO a incumbência de aplicar sanções disciplinares previstas em lei,
contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, tais como repreensão
verbal ou por escrito, suspensão de dez a trinta dias ou a exclusão do seu
quadro. Em se tratando de trabalhador com vínculo empregatício, seu
empregador poderá lançar mão do poder disciplinar e até demiti-lo por justa
causa, quanto incorrer numa das hipóteses do artigo 482 da CLT.
Nessa esteira, é de vital importância que os equipamentos que movimentam
carga em terra e a bordo das embarcações, em face do elevado peso das cargas
e das intempéries a que estão expostos sejam devidamente certificados, na
forma do item 29.3.5.10 da NR 29, o qual estipula que tais equipamentos e os
acessórios neles utilizados devem ser periodicamente vistoriados e testados,
pelo menos uma vez a cada 12 meses por pessoa física ou jurídica devidamente
registrada no CREA. (item 29.3.5.10 da NR 29)). Tal responsabilidade recai
sobre o proprietário ou arrendatário do equipamento. Na hipótese da
utilização eventual, quem dele fizer uso deverá certificar se tal item foi
cumprido.

Relativamente aos equipamentos de bordo que movimentam carga, a vistoria e


a certificação são da responsabilidade do armador da embarcação [12], que deve
se utilizar das Sociedades Classificadoras, no sentido de que elas atestem o
bom estado de conservação e funcionamento destes equipamentos, mediante a
emissão de certificado que será exibido pelo comandante da embarcação a
quem de direito (item 29.3.5.11 da NR 29). Como a grande maioria dos navios
mercantes que por aqui aportam são de bandeira estrangeira, a certificação é
dada por sociedades classificadoras, também, estrangeiras. In casu, cabe ao
agente marítimo [13] traduzir tal documento.

O não atendimento das obrigações legais acima citadas por quem de direito
enseja, salvo melhor juízo, a interdição do equipamento, sem prejuízo da
lavratura do correspondente auto de infração com base no artigo 10, II, da Lei
nº 9.719/98. Ressalte-se que o não cumprimento das normas de segurança e
saúde no trabalho portuário poderá resultar, também, em contravenção penal,
na forma do artigo 19, § 2º da Lei nº 8.213/91.

A movimentação de carga a bordo da embarcação deverá ocorrer de acordo


com a instrução de seu comandante ou de seus prepostos, os quais serão
responsáveis pela arrumação ou retirada da carga no que se refere à segurança
da embarcação, segundo comando do artigo 15 da Lei nº 8.630/93.

O órgão gestor de mão de obra (OGMO) ou o empregador são, segundo a NR


29, responsáveis em proporcionar a todos os trabalhadores formação sobre
segurança, saúde e higiene ocupacional. A compra, a manutenção, a
distribuição, a higienização, o treinamento e o zelo pelo uso correto dos
equipamentos de proteção individual (EPI) e equipamentos de proteção
coletiva (EPC), bem como a elaboração e implantação do Programa de
Prevenção a Riscos Ambientais (PPRA) e do Programa de Controle Médico em
Saúde Ocupacional (PCMSO) são da sua exclusiva competência.
Dois importantes instrumentos de preservação do meio ambiente do trabalho
portuário estão previstos na NR 29. Um, é a criação e a organização da
Comissão de Prevenção aos Acidentes no Trabalho Portuário (CPATP), outro, é
o Serviço Especializado em Segurança e Saúde do Trabalhador Portuário
(SESSTP). A CPATP tem estrutura, forma de escolha de seus membros,
funcionamento e composição fundados na Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes (CIPA) prevista no artigo 163 da CLT e NR 05. A Comissão de
Prevenção de Acidentes no Trabalho Portuário tem, ainda, como objetivos
observar e relatar as condições de riscos nos ambientes de trabalho e solicitar
medidas para reduzir até eliminar ou neutralizar os riscos existentes, bem
como discutir os acidentes ocorridos, encaminhando ao SESSTP, ao OGMO ou
aos empregadores o resultado da discussão, solicitando medidas que previnam
acidentes semelhantes. Tem composição paritária composta por
representantes dos trabalhadores e operadores portuários. Seus membros,
titulares e suplentes, antes de tomarem posse devem ser treinados mediante
curso sobre prevenção de acidentes do trabalho promovido pelo OGMO ou
empregadores, com carga horária mínima de 24 horas e de frequência
obrigatória. A duração do mandato dos membros da CPATP é de dois anos,
diferentemente dos membros da CIPA que é de apenas um ano. Outro
diferencial assenta-se na presidência da CTATP que será exercida em dois
períodos perfazendo dois anos. No primeiro ano assumirá a presidência o
representante indicado pelo OGMO, empregadores e/ou instalação portuária.
No segundo, assumirá o vice-presidente eleito entre os trabalhadores.

Todo porto organizado, instalação portuária de uso privativo e retroportuária


devem dispor de um Serviço Especializado em Segurança e Saúde do
Trabalhador Portuário (SESSTP) que será mantido pelo OGMO e
empregadores ou somente empregadores ou somente OGMO, conforme o caso,
custeado por meio de rateio proporcional de acordo com o número de
trabalhadores que forem utilizados por cada um deles. Tem dimensionamento
feito com base no número de trabalhadores de cada porto organizado, cuja
composição, de acordo com o dimensionamento, deve ter profissionais
especializados na área de segurança ou de medicina do trabalho, com contrato
de trabalho com o OGMO ou empregadores e devem cumprir jornada de
trabalho integral para bem exercerem suas atribuições.

São atribuições dos profissionais integrantes do SESSTP, entre outras, realizar


análise imediata e obrigatória, em conjunto com o órgão competente do
Ministério do Trabalho e Emprego, dos acidentes em que haja morte, perda de
membro, função orgânica ou prejuízo de grande monta, bem como realizar em
conjunto da "pessoa responsável" a identificação das condições de segurança
nas operações portuárias, a bordo ou em terra, antes do seu início ou durante
sua realização, para detecção de riscos e sua imediata eliminação ou
neutralização, para garantir a integridade do trabalhador. Esta última
atribuição é primordial e de vital importância, haja vista que há navios
mercantes que por aqui aportam que são sub standard, de bandeira de
conveniência [14], cujos armadores não cumprem as mínimas condições de
segurança e até desprezam a vida humana [15].

Por fim, importante medida de caráter holístico, já que existem várias


entidades públicas e privadas que atuam nos portos, constitui-se na obrigação
da administração do porto, do OGMO e dos empregadores elaborarem o Plano
de Controle de Emergência (PCE) para agirem em conjunto por meio do Plano
de Ajuda Mútua (PAM) nas situações de incêndio, explosão, vazamento de
produtos perigosos, queda de homem no mar, condições adversas de tempo
que afetem à segurança das operações portuárias, poluição ou acidente
ambiental e socorro a acidentados.

CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A evolução tecnológica, tão presente em nosso dia a dia, apesar de ter mudado
muitas coisas ainda não trouxe no mesmo ritmo melhorias para a vida dos
trabalhadores portuários. Excessivas jornadas de trabalho associadas às
precárias condições de segurança e higiene fazem o Brasil despontar com altos
índices de acidentes no trabalho. Alguns portos brasileiros e grande parte dos
navios que por aqui aportam não oferecem boas condições de higiene e
segurança no trabalho, impondo aos trabalhadores ambientes favoráveis aos
acidentes e às doenças.

Anteriormente à NR 29, o pouco de segurança que existia foi adquirido de


forma empírica, no rastro dos acidentes graves e fatais que ocorriam. Grande
entrave para efetivação das disposições da NR 29 advém da falta de cultura de
segurança dos operadores portuários, trabalhadores, administração do porto
ou terminal privativo.

Transcorridos mais de doze anos de vigência da NR 29, suas disposições


encontram-se, ainda, em alguns portos, em fase de implantação. A cultura de
prevenção para não deixar ocorrer acidente no trabalho, aos poucos, está se
incorporando à rotina dos trabalhadores portuários. Por outro lado, a NR 29
está em constante acompanhamento por meio da Comissão Permanente
Nacional Portuária, que é tripartite e continua sua tarefa de mantê-la em
consonância com a realidade dos portos do país, tanto é que já ocorreram duas
revisões após sua publicação em 1997.

Os ditames legais de proteção precisam ser associados a uma cultura voltada à


compreensão, à análise e à defesa do meio ambiente de trabalho. Desta forma,
é possível construir uma visão voltada à proteção e à segurança no trabalho
para resguardar e preservar a vida onde quer que ela esteja presente.
Segurança e saúde no trabalho: uma questão mal
compreendida

João Cândido de Oliveira

Acompanhando, há quase 30 anos, a trajetória dos programas de Segurança do Trabalho concebidos e


implementados no Brasil, observou-se a falta de consistência e desenvoltura encontradas nos demais segmentos
das gestões empresariais, sobretudo, no que se refere à organização da produção.

Essa impressão é fruto de vivências técnico-pedagógicas estabelecidas não só com operários em quase todos os
ramos de atividades econômicas, mas também com profissionais dos serviços Especializados de Segurança e
Medicina do Trabalho – SESMT, e que passam pelas médias gerências até os mais elevados escalões de empresas,
em diversas regiões do País.

Na Fundacentro, teve-se a oportunidade de acompanhar e, na maioria das vezes, de participar, direta ou


indiretamente, de grande parte das tentativas de concepção e desenvolvimento de um sistema de gestão de
segurança que garantisse o trato da questão da saúde/segurança do trabalhador nas empresas, com a importância
que o tema merece.

Desde a experiência frustrante com o Mapa de Riscos – que não produziu os resultados esperados –, resolveu-se
reunir informações, entrevistar pessoas, estudar programas de segurança e saúde do trabalhador de empresas,
realizando coleta sistemática de informações que se levasse a entender melhor as razões do insucesso das diversas
iniciativas de criação de um sistema eficaz de gestão de segurança do trabalho, já que as existentes nunca se
apresentaram como ideais. A consistência desses dados permitiu aventar algumas idéias, opiniões e conclusões,
exportar a seguir.

Tentar-se-á elucidar que dificuldades interferem no sucesso dessas iniciativas, impedindo-as de romper as barreiras
que as situam em segundo plano nas organizações.

O ponto de partida para essa empreitada é a definição de alguns elementos que compõem os programas de gestão
de Segurança e Saúde no Trabalho – SST, nas empresas brasileiras, que constituirão o objeto dessa observação.
Em função da importância, em especial para a implementação dos referidos programas, irá se tratar de três
elementos que, no entender, são decisivos para o sucesso ou insucesso desses programas. Daí a necessidade de
compreendê-los melhor. Trata-se, entre outros, dos três elementos básicos de qualquer programa de gestão – no
caso específico, da segurança e saúde no trabalho –, que formam os pilares nos quais se sustentam as ações dos
programas, quais sejam:

- aspectos culturais ou a forma como as partes interessadas – trabalhadores, empregadores, profissionais do ramo
e governo – vislumbram e abordam a questão;

- conteúdos técnicos ou ferramentas utilizadas na identificação e controle dos riscos do trabalho;

- aspectos ligados aos resultados.

Em função do que se pretende debater no presente artigo, abordar-se-á os aspectos culturais.

ASPECTOS CULTURAIS : VIESES E ACERTOS


O que se segue objetiva levantar e analisar algumas questões, consideradas críticas, sobre o jeito de SER e de
AGIR da maioria das empresas brasileiras quando o assunto é segurança e saúde no trabalho. O texto procura
ainda indagar: onde se está e para aonde provavelmente se irá?

Dos diversos elementos que compõem um programa de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho – SST, os três
aqui apontados – cultura, ferramentas e objetivos –, se avaliados conforme a importância, sem dúvida, os aspectos
culturais representam, de longe, o que há de mais significativo, facilitando, inibindo ou inviabilizando seu sucesso.
Por mais elaborado que seja um programa de SST e por melhores que sejam as ferramentas por ele
disponibilizadas para o diagnóstico e a solução dos riscos do trabalho, se não houver disposição e participação
compromissada de todos os envolvidos em suas ações, especialmente do corpo gerencial da empresa, os
resultados por ele produzidos serão limitados, tanto do ponto de vista quantitativo, quanto qualitativo. Pior do que
os parcos resultados na correção dos riscos do trabalho é o baixo desempenho na manutenção das medidas
corretivas porventura implementadas.

No entanto, em função dos traços da cultura de SST ainda predominante na maioria das empresas brasileiras,
mesmo nas de grande porte, a questão da segurança e saúde no trabalho não é tratada como deveria ser, tanto
por parte da empresa – na pessoa de seus prepostos – , como por parte dos trabalhadores. Esse mesmo ponto de
vista pode ser observado pelas falas de trabalhadores e de prepostos dos empregadores, colhidas nas empresas
por meio de questionários aplicados com essa finalidade. Os principais problemas ainda existentes na maioria das
empresas, que dificultam e, em certas circunstâncias, até mesmo inviabilizam a implementação dos programas de
SST, segundo o que se pode levantar, são:

Envolvimento da Alta Direção da Empresa

Não é praxe, no Brasil, o envolvimento direto da alta direção das empresas com as questões da segurança e saúde
no trabalho, salvo quando da ocorrência de acidentes graves, que, além de danos materiais, provocam ranhuras na
imagem de suas empresas, atingindo-os de forma direta.

De maneira não muito diferente, seus prepostos, gerentes de todos os escalões, por não se considerarem ou não
terem sido considerados pelo empregador como responsáveis diretos pela promoção da segurança e saúde no
trabalho, esquivam-se, de todas as formas possíveis, de assumir o papel de gestores e responsáveis pelos
programas de SST – diga-se de passagem, caros – propostos, às vezes, pelo próprio empregador.

É certo que essa postura vem declinando, sobretudo nas grandes empresas, nos últimos anos, mas não a ponto de
já ter amadurecido uma nova experiência em que as questões da segurança e saúde no trabalho sejam
consideradas como parte integrante do sistema produtivo, recebendo dos dirigentes das empresas o mesmo valor
conferido aos itens de produção, por exemplo, e administradas por quem dispõe de poderes para intervir nos
processos produtivos – o corpo gerencial da empresa.

Programas de SST Orientados para o Atendimento à Legislação

Os programas de segurança e saúde no trabalho, em função da cultura dominante na maioria das empresas, são
concebidos e orientados normalmente para o atendimento à legislação que dispõe sobre a matéria.

Programas fundamentados nesse princípio são, em geral, pobres e de baixo desempenho, por várias razões, mas,
principalmente, porque privilegiam as situações de risco que se apresentam em franco desacordo com a Lei e que
podem transformar-se em objeto de fiscalização pelo Ministério do Trabalho e Emprego ou gerar algum tipo de
passivo, de natureza trabalhista ou reparatória, em detrimento de outras que podem ser muito mais nocivas à
saúde do trabalhador, mas não facilmente perceptíveis. Outro aspecto negativo dos denominados programas
"legalistas",1 que combinados com a abordagem reducionista ou "minimizadora" dos riscos do trabalho reforçam
seu lado negativo, é o fato de que não há cobertura total de fiscalização pelo Ministério do Trabalho e Emprego em
razão do reduzido número de auditores fiscais para cobrir o universo de empresas onde existem trabalhadores
expostos, cotidianamente, aos riscos de acidentes e/ou de doenças do trabalho. Sem contar, o que é pior, a postura
assumida por muitos gerentes de empresas, que acreditam ser o cumprimento das notificações do Ministério do
Trabalho e Emprego a forma de restabelecer a conformidade legal da empresa em relação aos instrumentos legais
regulamentadores da segurança e saúde do trabalhador, postura que restringe ainda mais as ações de segurança
do trabalho na empresa. Essa estreiteza de visão, além de comprometer a segurança dos trabalhadores, é
extremamente nociva a todos os envolvidos com os processos de trabalho na empresa por ser absolutamente
equivocada. Para ser isso verdade, seria necessário ao auditor fiscal avaliar, na empresa fiscalizada, todos os itens
de SST em desacordo com as normas legais vigentes e transfomá-los em notificações. A inviabilidade desse
princípio não esbarra apenas em questões de natureza técnica, mas, principalmente, na missão da fiscalização.

O "Ato Inseguro" como Causa Preponderante dos Acidentes do Trabalho

Ainda em relação aos traços da cultura de SST predominante na maioria das empresas brasileiras, outro aspecto
relevante que contribui negativamente para o baixo desempenho da maioria dos atuais programas de SST é o
estabelecimento do nexo causal dos acidentes, tomando-se como base o comportamento dos trabalhadores.
Relacionar o comportamento do trabalhador com a prevenção ou a ocorrência de acidentes no trabalho – não
importando se o impacto for uma intoxicação aguda ou uma fratura óssea ou coisa do mesmo gênero – não é
tarefa difícil nem mesmo para os leigos no assunto, quanto mais para quem milita no ramo da promoção da
segurança e saúde do trabalhador. Tal fato, todavia, não ocorre quando se pretende elucidar os determinantes do
comportamento dos indivíduos, o que, em última instância, é o que interessa a quem lida com a gestão da
segurança no trabalho.

É sabido que quantidade apreciável dos acidentes do trabalho ocorridos, no Brasil ou em qualquer parte do mundo,
origina-se no comportamento das vítimas. Quanto a isso, não há nenhuma dúvida; o que é mal interpretado ou às
vezes compreendido erroneamente, de propósito, é por que as pessoas se expõem, de maneira passiva, sem os
devidos cuidados, a uma condição de risco que possa lesá-las ou matá-las. Afora os equívocos ou as intenções que
os orientam, a alteração do comportamento do trabalhador em relação ao que se qualifica como o corretamente
esperado não deixa de ser um sério agravante na exposição aos riscos ocupacionais, sobretudo, quando eles não
são tão conhecidos, qualificados e avaliados corretamente. E, pior, controlados de modo inadequado ou nem
mesmo controlados.

A incidência de acidentes relacionados ao cometimento de erros no trabalho não é pequena no universo dos
acidentes registrados e estudados. Milhares de trabalhadores morrem ou mutilam-se todos os anos no Brasil e em
outras partes do mundo, em decorrência de acidentes do trabalho cujas causas vão desde a precariedade das
condições físicas do ambiente onde o trabalho se realiza, às diversas formas de distorções em sua forma de
organização até os comportamentos inadequados dos trabalhadores, traduzidos em erros comprometedores na
execução de suas tarefas. A inclusão do comportamento dos trabalhadores no conjunto dos fatores causais de
acidentes do trabalho, quando cabível, de forma alguma significa debitar aos trabalhadores acidentados a culpa
pelos acidentes e, conseqüentemente, pelos danos deles decorrentes, incluindo invalidez e morte.

Na arte de prevenir acidentes, o comportamento do trabalhador, como foi expresso na ação do acidente, ainda que
tenha sido a causa preponderante, é de importância secundária, às vezes até irrelevante. O que deve ser levado
em conta – e, por todos os meios possíveis, valorizados e cuidadosamente estudados – são os determinantes do
comportamento, ou seja, o que o motivou: o que havia de errado no ambiente, nas relações de trabalho e ainda na
vida do trabalhador que interferiam, direta ou indiretamente, no relacionamento dele com o todo de seu trabalho,
definindo posturas traduzidas em atitudes corretas ou equivocadas. A figura do "Ato Inseguro" – que tanto serviu e
continua, em alguns ambientes, servindo para responsabilizar e até mesmo para culpar trabalhadores pelos
acidentes sofridos – não serviu para outra coisa senão para ocultar e/ou mascarar, em algumas empresas, sinais de
agravos à saúde do trabalhador e, da mesma forma, distorções na organização do trabalho do que propriamente às
finalidades para as quais se propunha, que era estabelecer nexo entre os acidentes ocorridos e suas reais causas.
O questionamento em relação à figura do "Ato Inseguro" não se refere ao comportamento do trabalhador, expresso
no cometimento de erros no trabalho, mas à parcialidade com que foi utilizado na definição causal dos acidentes. O
erro na execução do trabalho, embora indesejável, é passível de ocorrer, e todos, indistintamente, nele podem
incorrer. Não é, por conseguinte, o erro, como erro, que interessa a quem lida, com espírito construtivo, com a
prevenção de acidentes, mas as causas do erro, não importando sua clarividência – se visíveis ou ocultas, se
imediatas ou remotas.

A abordagem da segurança do trabalho valendo-se do raciocínio de que o trabalhador erra ao executar suas tarefas
porque é displicente, indisciplinado, negligente, imperito ou simplesmente imprudente – princípios nos quais se
fundamentam as teses do "Ato Inseguro" – é tão nociva à gestão da segurança no trabalho quanto o é a crença de
que o trabalhador, por sua conta e risco, nunca erra. E, quando erra, é porque foi induzido ao erro por motivos
totalmente alheios não apenas a sua condição de trabalhador, mas também de humano. Ambas as linhas de
raciocínio falham e em nada contribuem para a segurança no trabalho porque, de um lado, constrói-se a idéia de
um trabalhador anárquico, irresponsável e indisciplinado em relação ao cumprimento de normas de trabalho –
normas, na maioria das vezes, elaboradas por quem não está diretamente envolvido com os processos de trabalho
e, por desconhecimento, não define o que deve ser rígido ou flexibilizado nas normas. Daí a explicação da
"desobediência", parcial ou total, do trabalhador a seu cumprimento. De outro lado, retrata-se um trabalhador, em
todos os sentidos, duplamente vitimado. Vitimado em relação aos impactos do acidente ou da doença, o que é
absolutamente verdadeiro, e vitimado em relação a suas causas, nas quais, ele, na condição de cidadão e de
sujeito, com sua cultura e seu jeito de ser em todas as relações de trabalho, parece não existir. E, se existe, é
desprovido de autodeterminação quanto a seus atos, ainda que na defesa da saúde e da vida. Não há dúvida que
qualquer julgamento, premeditado ou não, acerca da causalidade acidentária, que tome como base os extremos
dos dois pontos de vista aqui mencionados, é suscetível de falhas, uma vez que desvia o ponto de atenção e de
análise das condições ambientais nas quais o trabalho realiza-se e dos elementos fundamentais de sua
organização.

Comportamento do Trabalhador e sua Relação com a Organização do Trabalho

É certo que o trabalhador age, de um lado, orientado pelos ditames da empresa; de outro, em função das
condições de trabalho, mas também, e principalmente, pela consciência da realidade na qual ele está inserido. Daí
não ser correto supor que o comportamento do trabalhador, decorrente ou não das circunstâncias já mencionadas,
não contribui para a ocorrência dos acidentes no trabalho – isso entendendo que o que se pretende com a
investigação não é culpar o trabalhador pelo acidente, mas, pura e simplesmente, estabelecer nexo entre o
acidente e seus determinantes causais.

Um modelo de gestão de segurança do trabalho que permite relacionar a ocorrência de acidentes do trabalho ao
comportamento do trabalhador, definindo-o como displicente, imperito, negligente e/ou imprudente, na definição
causal dos acidentes, sem considerar as condições físicas do ambiente laboral e, principalmente, seus elementos
determinantes na organização formal ou informal, certamente, estará tratando a questão da SST de forma
superficial, parcial e, o que é pior, às vezes, inconseqüente.

Embora, por essa via, a análise pode privilegiar o comportamento da vítima, desvinculado dos fatores que o
tenham determinado, em detrimento da investigação científica que procura, isenta de parcialidade, desvendar e
correlacionar os determinantes causais dos acidentes.

A definição da causa dos acidentes do trabalho pela via do "Ato Inseguro" não peca apenas por privilegiar o
comportamento do trabalhador como causa preponderante dos acidentes do trabalho, em detrimento da qualidade
dos ambientes e de sua organização, mas, sobretudo, por supor que os erros cometidos pelo trabalhador na
execução de suas tarefas derivam-se, pura e simplesmente, de suas próprias limitações, não guardando, por isso,
qualquer relação com a forma de ser e de agir da empresa. Essa estreiteza de imaginação ou imaginação
intencional, combinada com o extremo de supor que o comportamento do trabalhador, não importando as razões
que o determinem, não deve ser abordado como causa de acidente – porque ele, em todos os sentidos, deve ser
visto e tratado como vítima – não apenas empobrece qualquer iniciativa na área de gestão de SST, mas concorre
para reforçar as teses que sustentam não ser a segurança do trabalho problema de gestão da produção, mas
problema relacionado à qualidade da mão-de-obra da empresa. Daí a preocupação em se reforçarem as práticas de
treinamento em prevenção de acidentes, desvinculadas dos processos produtivos, acreditando que a capacitação
do trabalhador para fazer segurança seja a solução mais produtiva na prevenção de acidentes, o que nem sempre
ocorre. O treinamento em prevenção de acidentes produz excelentes resultados, não há dúvidas, quando associado
à melhoria contínua dos ambientes e da organização do trabalho.

Outro aspecto negativo na abordagem do acidente do trabalho com base no comportamento do trabalhador, na
visão do "Ato Inseguro", reside no equívoco de se supor que o trabalhador comete erros no trabalho simplesmente
porque, em determinado momento, decide, por conta própria, como se comportar no trabalho, improvisando
condições alternativas para a realização das tarefas, ignorando procedimentos normativos previamente definidos
para o mesmo – procedimento ou prática padrão. Afirmar que o trabalhador decide por conta própria como se
comportar em relação às normas que orientam o trabalho, sem considerar as variáveis que o envolve, revela não
apenas uma inversão de papéis, mas, sobretudo, uma demonstração clara da forma como o trabalho é organizado
naquele ambiente, bem como as incongruências de seus sistemas de controle. A organização da produção e o que
dela decorre: fazer o quê, por quê, como, onde e especialmente por quem, sempre foi tarefa indelegável da
empresa e não dos trabalhadores. Não se concebe que o trabalhador, em nenhuma empresa brasileira, em face da
cultura do trabalho ainda predominante no Brasil, disponha de poderes para decidir, individualmente, como deve
comportar-se no trabalho, independentemente das determinações normativas impostas pela empresa. O que se
afigura como mais provável, nesse particular, são as falhas de controle que a empresa exerce sobre o trabalho em
decorrência de deficiências em seu sistema de organização, em especial em relação à organização formal do
trabalho.

Inserção dos Trabalhadores nos Programas: Treinamento

Ainda em relação aos aspectos culturais vinculados à segurança e saúde do trabalhador, ao longo dos anos em que
se lidou com essa questão, constatou-se algo, de certa forma, paradoxal, porém verdadeiro e importante: tão
nefastas quanto as doenças e os acidentes do trabalho são as formas escolhidas por algumas empresas para com
eles lidar. O enfrentamento dessa questão, por sua complexidade e multicausalidade, não passa apenas pelo
treinamento específico de trabalhadores para fazer segurança, independentemente das condições físicas onde o
trabalho se realiza. Acredita-se até que treinar trabalhadores para o estrito cumprimento de normas – em
ambientes agressivos, desfavoráveis à vida, onde a organização do trabalho em nada favorece o seu exercício
correto – sem lhes oferecer as condições necessárias e abertura para discutir, ponderar e propor medidas de
melhorias, tanto no ambiente quanto na organização do trabalho, é exacerbar o estado de angústia que caracteriza
a exposição, consciente, a riscos potencialmente capazes de gerar danos à saúde. Isso porque, uma coisa é expor-
se a uma situação de risco à saúde e/ou à integridade física, sem saber o que isso significa; outra, bem diferente,
é ter consciência do problema e ter que a ele expor-se sem condições para agir. Nesse caso, o dano não se
restringe apenas àquele provocado pelo risco em questão, mas, também, pelo sofrimento de natureza mental de
não poder proteger-se. Oferecer essa condição ao trabalhador, na expectativa de que ela seja um caminho
alternativo para a solução do problema acidentário, além de não representar solução alguma, aprofunda ainda
mais o fosso que separa os propósitos da empresa em relação ao tema do engajamento voluntarioso e
compromissado dos trabalhadores.

Nada mais danoso a qualquer programa de gestão de SST do que o constrangimento sofrido por trabalhador
submetido a treinamento específico de segurança promovido pela própria empresa, mas que, ao tentar praticar as
lições aprendidas, é impedido de fazê-lo, ora por decisão de suas chefias imediatas, sem justificativas convincentes
para tal, ora por impedimento das próprias condições de trabalho. No caso da segunda hipótese, o conflito está
intimamente relacionado ao fato de o conteúdo do treinamento não ter considerado as peculiaridades do ambiente
e do trabalho. Em todos os sentidos, a ocorrência desse fato pode ser debitada à desvinculação da SST dos
processos produtivos e da própria organização do trabalho. Iguais a isso, ou pior, são determinadas posturas
assumidas, de forma contundente, por alguns gerentes ao reivindicarem direitos legalmente instituídos para
proteger trabalhadores, habitual e permanentemente, expostos a agentes nocivos à saúde, como os adicionais de
insalubridade e periculosidade. E, da mesma forma, a aposentadoria especial.

Paradoxos da SST: Adicionais de Insalubridade e Aposentadoria Especial

Quanto à última afirmativa, não nos parece que o gerente não deva reivindicar, por razões éticas, direitos
decorrentes da exposição a riscos do trabalho ou a redução do tempo para aposentadoria, quando cabíveis, mesmo
porque a concessão desses "benefícios" depende da aplicação da legislação pertinente. A questão é que essa
postura, principalmente advinda dos gerentes, reforça, ainda mais, as teses que vinculam a segurança do trabalho
à monetarização da saúde dos trabalhadores por meio de pagamento de adicionais de insalubridade, em
detrimento da melhoria das condições de trabalho.
Quanto a essa afirmação, testemunhou-se diversas iniciativas, por parte de algumas empresas, cujo propósito era
a eliminação de determinadas condições insalubres passíveis disso, seguidas da supressão do adicional de
insalubridade constante da folha de pagamento dos trabalhadores e por eles terminantemente rejeitadas. É
imprescindível para quem deseja, de modo imparcial, aprofundar no assunto, questionar os motivos que ainda
direcionam uma parcela considerável de trabalhadores a tal posicionamento. O que foi possível observar, por meio
de pesquisas realizadas em diversas empresas de ramos de atividades diferentes, é que, nas categorias de
trabalhadores em que o salário é por demais reduzido, os trabalhadores não abrem mão do referido adicional, por
ser ele parte considerável de seus ganhos – como o são, da mesma forma, as horas extras. Já nas categorias em
que os salários são mais elevados, o pleito pelo adicional de insalubridade associa-se à idéia de que por meio dele
se assegura, na Previdência Social, a obtenção da aposentadoria especial.

Quanto ao primeiro posicionamento, a despeito da desumanidade que o caracteriza, embora inaceitável, é


perfeitamente compreensível; já o segundo trata-se de desinformação, uma vez que a aposentadoria especial,
hoje, depende da efetiva comprovação técnica de que a condição de trabalho é prejudicial à saúde do trabalhador,
seguida do pagamento de seu respectivo custeio. De qualquer forma, independentemente das razões alegadas, a
monetarização da saúde não deveria, em hipótese alguma, por razões humanas e morais, ser objeto de
negociações que não objetivassem sua supressão. Evidentemente, essa supressão não se restringe à figura jurídica
da insalubridade, mas, sobretudo, às condições de trabalho que a ensejam.

Todavia, a opinião é que, entre se expor a uma condição agressiva à saúde sem nada receber e tendo como única
alternativa a ela se expor, o melhor será fazê-lo; no entanto, por isso recebendo.

Entre os diversos aspectos negativos da cultura brasileira relacionada à segurança do trabalho, a monetarização da
saúde – pelo nefasto adicional de insalubridade – e a redução do tempo de serviço para a aposentadoria, sem o
devido custeio feito pelas empresas,2 representam o que há de pior. Convencer os trabalhadores de que melhor do
que quaisquer ganhos monetários decorrentes da exposição aos riscos no trabalho são as medidas saneadoras
desses riscos é tarefa difícil, por vários motivos, mas, principalmente pelo fato de os trabalhadores, ao longo do
tempo, terem associado, de forma errônea, a concessão da aposentadoria especial à percepção do adicional de
insalubridade.

Ordenamento Formal do Trabalho e os Conflitos de Poder

Outro aspecto importante, fruto dos traços da cultura ainda predominante nas empresas, que interfere, de maneira
negativa, no desempenho da gestão da segurança e saúde do trabalhador, é o dualismo vivenciado cotidianamente
pelos trabalhadores no cumprimento do ordenamento formal do trabalho. O fosso que ainda separa o discurso
formal do trabalho (normas escritas) da diversidade de formas práticas – nem sempre conforme o que está escrito
– de realização das tarefas, por parte dos trabalhadores, relaciona-se, possivelmente, a três fatores distintos:

- condições de trabalho nem sempre compatíveis com as exigências contidas nos procedimentos escritos;

- deficiência na capacitação técnica dos trabalhadores para a correta execução das tarefas conforme prescrições
normativas;

- duplicidade de orientação sobre como realizar as tarefas.

Dos três fatores enumerados, sem nenhuma dúvida, a duplicidade de orientação é a que mais confunde os
trabalhadores no exercício de seu trabalho. A maioria dos trabalhadores brasileiros aprendeu a trabalhar seguindo
orientações orais – ordens – de suas chefias imediatas. Poucas eram as ordens escritas passadas aos
trabalhadores, o que difere da atualidade, em que praticamente todas as atividades são normalizadas, seguem
prescrições sobretudo contidas nos programas de qualidade. No dia-a-dia das empresas, o que se verifica, na
prática, porém, é uma espécie de rito de passagem das formas antigas de comando, orientadas por meio da fala
imperativa, dos encarregados para uma comunicação formal, conformada por normas de procedimentos escritos.
Com isso, o gerente que exercia um papel caracteristicamente de mando transforma-se, aos poucos, numa espécie
de facilitador.

O problema é que essa experiência é recente demais e tanto os gerentes quanto os trabalhadores ainda não se
adaptaram suficientemente a ela a ponto de fazê-la funcionar sem conflitos, em especial, nas relações de
comando.

Outro fator relevante que não pode ser desprezado na compreensão do fenômeno (teoria e prática), em razão de
sua importância, é a dificuldade de estabelecerem parâmetros entre a realização de uma atividade prática, por um
ou mais trabalhadores, reproduzindo experiências acumuladas ao longo do tempo, sem orientação formal, e a
realização da mesma atividade conforme prescrições formalizadas. Isso porque, uma coisa é a realização de uma
atividade de maneira informal, em que a aprendizagem dá-se por experimentações, ou seja, por tentativas que
envolvem erros e acertos; outra coisa, muito diferente, é a realização da mesma atividade segundo prescrições
formais. Em decorrência disso, verificam-se ainda, e com razoável freqüência, conflitos entre trabalhadores e
supervisores no ordenamento dos trabalhos. Há momentos em que trabalhadores defrontam-se, sem saber como
agir, com conflitos surgidos entre eles e suas chefias imediatas em relação a que ou a quem obedecer, seguir os
procedimentos escritos determinados pela própria empresa, ou acatar as ordens de suas respectivas chefias –
ordens que, muitas vezes, passam ao largo das determinações formais.

As origens desses conflitos estão nas dificuldades de transformarem, em curto prazo, as experiências construídas e
vivenciadas ao longo de gerações em relações formalizadas, em que prevalece não o que se verbaliza oralmente,
mas o que está escrito.

Postura das Chefias em Relação à SST

Como ilustração das dificuldades de lidar com questões de segurança e saúde dos trabalhadores nas empresas,
com base na visão de seus gestores, aqui são retratadas algumas falas recolhidas por intermédio de pesquisas em
seis grandes empresas mineiras, dos ramos de metalurgia, siderurgia, mineração e serviços, realizadas nos anos
de 1995 e 1996. Ressalte-se que os mesmos itens abordados na época foram objeto de estudos no ano de 2001 e
os resultados obtidos, comparados à primeira pesquisa, não sofreram alterações substanciais, como se imaginava
que acontecesse em face da movimentação, ocorrida no mesmo período, em decorrência da implantação dos
programas de qualidade e meio ambiente apoiados nas séries ISO 9000 e 14000.

Tanto a primeira quanto a segunda pesquisa foram elaboradas com 30 perguntas, seguidas de seis alternativas de
respostas que afirmaram ou negavam o que estava sendo perguntado, e o entrevistado pôde escolher até três
alternativas de respostas, com ordem crescente de afirmação ou de negação.

RESUMO DA FALA DOS GERENTES: O QUE PENSAM E O QUE FAZEM


Entre os trinta itens abordados nas duas pesquisas, elegeu-se dez para apoiar os comentários que serão feitos a
seguir.

Foi tomado como referência apenas os itens que obtiveram mais de 60% de respostas afirmativas entre os 312
gerentes entrevistados. Denominou-se gerentes todos os ocupantes de cargo que tivessem, direta ou
indiretamente, a função de mando e/ou de facilitador do trabalho de outrem, como: gerente técnico, supervisor,
encarregado e líder de equipes.

Os itens são os seguintes:

- Os gerentes que trabalham de forma direta com riscos potencialmente capazes de gerar danos à saúde dos
trabalhadores não dispõem do conhecimento necessário para com eles lidar de modo adequado.

- Os gerentes que convivem com riscos, mesmo sabendo de sua existência, não assumem o compromisso de
corrigi-los pelo simples fato de ser essa uma tarefa de competência do SESMT.

- Os gerentes que lidam com os riscos podem saber de sua existência, mas não se esforçam para corrigi-los porque
suas chefias superiores não lhes dão apoio para as ações necessárias.

- A situação de risco é mantida porque sua existência não atrapalha; se atrapalha, não impede a realização do
trabalho.

- A exposição, por longo tempo, a determinada condição de risco, sem o controle devido, termina induzindo as
pessoas a enxergá-la como normal e aceitável.

- A situação de risco é mantida porque ninguém toma qualquer providência para corrigi-la.

- A situação de risco é mantida porque todas as preocupações e recursos são voltados prioritariamente para o
atendimento às finalidades do negócio.

- A situação de risco é mantida porque as gerências das áreas alegam não dispor de recursos (orçamentários e de
mão-de-obra) para sua solução.

- A situação de risco é mantida em razão da descrença das pessoas com ela envolvidas, por falta de respostas às
inúmeras solicitações de correção.

- A situação de risco é mantida e, às vezes, agrava-se em função da indefinição do trabalhador em relação a quê
ou a quem obedecer – se aos procedimentos escritos ou às ordens dos supervisores.
Como contribuição ao tema e em contrapartida às impressões colhidas dos gerentes, foram enumeradas –
conforme a seguir – 20 considerações extraídas da fala de 1.372 trabalhadores, de cinco ramos de atividades
econômicas diferentes, por ocasião da última pesquisa. Ressalte-se que todas as afirmações aqui resumidas foram
recolhidas do conjunto de respostas que obtiveram mais de 50% de afirmação. As constatações são as que se
seguem:

- A segurança no trabalho é mais importante no discurso da direção da empresa do que propriamente nas áreas
onde ela deveria, de fato, ser realizada.

- A Segurança do Trabalho, na prática, só adquire importância nos momentos de crise (quando ocorre acidente
grave que pode comprometer principalmente a imagem da empresa).

- O fosso que separa o discurso (SST como valor) da prática (o que efetivamente é feito) constitui o mais
importante obstáculo no desenvolvimento das ações de SST na empresa.

- A forma errada como sempre se trabalhou, acreditando que se trabalhava correto, dificulta e/ou inviabiliza, a
curto prazo, a prática de procedimentos corretos.

- As tarefas são descritas (Tarefa Padrão – TP ou Procedimento Operacional Padrão – POP) com base no que é
desejável, no que às vezes é necessário. Não são consideradas, porém, pelo menos como deveria, as dificuldades
que os trabalhadores encontram na execução das tarefas conforme prescritas.

- O treinamento para o cumprimento das TPs é, em geral, inadequado, porque não leva – ou pouco leva – em
conta a realidade do ambiente de trabalho e as dificuldades vivenciadas pelos trabalhadores para o pronto
atendimento aos padrões estabelecidos.

- A empresa expressa por meio das TPs o que ela deseja. Na prática, as condições de trabalho oferecidas ao
trabalhador dificultam ou não lhe permitem o cumprimento do que está prescrito na tarefa.

- O trabalhador sabe que o que é mais importante para a empresa não é como o trabalho está sendo executado –
embora o correto fosse o desejável, ou seja, o que está escrito nos procedimentos – mas o resultado dele advindo
(a produção).

- O trabalhador não é cobrado pela forma como desenvolve seu trabalho, mas pelos resultados. Disso resulta o fato
de os supervisores não verem ou fingirem que não vêem o cometimento de "erros" na execução da tarefa.

- Supervisão ambígua. O supervisor é cônscio do trabalho a ser desenvolvido (consta nos procedimentos). Sabe
operacionalizar conforme prescrito; no entanto, faculta-lhe fazer com base nas experiências consolidadas ao longo
do tempo, porque compreende que o mais importante para a empresa não é como fazer, mas fazer (a produção é
prioridade).

- Ambigüidade entre o que se determina e o que é executável. O trabalhador encontra dificuldade enorme em
definir ao que ou a quem obedecer – se a prescrição das tarefas ou a fala do supervisor.

- O trabalhador, às vezes, prefere, de forma silenciosa, correr o risco oferecido pela atividade a correr o risco de
ser mal-entendido, taxado de medroso e frouxo pelos colegas ou mesmo pela chefia em caso de reclamação ou de
recusa ao trabalho.

- É consenso entre trabalhadores e supervisores que, se o risco de determinada tarefa é considerado leve ou
moderado, é preferível a ele expor-se para agilizar a execução da tarefa do que executar conforme o prescrito,
gastando-se mais tempo em sua execução.

- O trabalhador, embora sabendo (consta nos procedimentos) que pode recusar-se a executar tarefa perigosa sem
a prevenção devida, prefere executá-la em desobediência à norma pelo fato de desconhecer qual seria a reação da
empresa (sua chefia) em face de sua recusa.

- A avaliação inadequada do risco (minimizar ou exagerar) dificulta a tomada de decisões corretas em relação a
seu controle, especialmente por parte das chefias.

- Por não ser a segurança parte integrante das atividades produtivas, quem cria ou mantém a situação de risco
(chefias das áreas operacionais) não se sente responsável por sua correção.

- Por ser a produção prioritária, seus responsáveis sempre alegam não dispor de recursos para a correção de
situações de risco, ainda que o recurso seja apenas o comprometimento.

- A segurança do trabalho é exigida pelas chefias, desde que não interfira nos cronogramas de produção.
- Grande parte das situações de riscos poderia ser resolvida se houvesse interesse e comprometimento da chefias
em resolvê-las.

- Uma dificuldade importante do trabalhador no enfrentamento dos riscos do trabalho reside nas freqüentes
alterações de funções para atendimento às demandas de trabalho, por causa do reduzido número de trabalhadores.

A definição de fatores culturais como obstáculos ao avanço das questões da saúde e segurança no trabalho nas
empresas constitui problema não apenas nos países onde as relações entre capital e trabalho ainda se encontram
em estágios atrasados. Mesmo nas economias altamente desenvolvidas, o problema existe e manifesta-se, em
alguns pontos, tal como ocorre no Brasil e em outros países em vias de desenvolvimento.

Como exemplo, vale apresentar uma relação de 15 itens, elaborada por Hale e Glendon (1997), com a qual o leitor
poderá fazer uma comparação e elaborar suas conclusões:

- limitação de recursos para remoção do perigo;

- ultrapassagem dos limites das tarefas ou atribuições dos profissionais;

- aceitação dos perigos como inevitáveis;

- influência do clima social;

- tradição na indústria;

- falta de competência técnica para remoção do perigo;

- incompatibilidade de demandas (produção, custos, qualidade versus segurança);

- dependência do trabalhador;

- falta de autoridade para fazer alguma coisa;

- situações contingentes;

- gestão ou gerenciamento de fatores do sistema de segurança;

- sobrecarga de tarefa;

- práticas, políticas e regras das empresas;

- falta de informação (quebra de comunicação);

- inexistência de obrigação legal.

Comparando os itens aqui apresentados e os dos pesquisadores holandeses, Hale e Glendon, verificou-se que há
enorme semelhança entre eles. A justificativa da escassez de recursos para solucionar problemas pertinentes à
segurança do trabalho não relaciona-se propriamente à sua falta, mas à importância que se dá ao emprego. Hale e
Glendon (1997) verificaram que tal alegação para corrigir situações de risco no trabalho não procedia apenas das
médias e pequenas empresas holandesas, mas também das grandes, com inclusão das estatais. E mais, que o
fenômeno não se verificava apenas na Holanda, mas em todos os países da União Européia por eles visitados.
Outro item da listagem holandesa que despertou atenção foi o que se refere à falta de autoridade para decidir
sobre a intervenção no ambiente de trabalho, isto é, na correção dos riscos. Contudo, a pesquisa de Hale e
Glendon (1997) não define de quem é a falta de poder para intervir nas condições de trabalho, se dos
trabalhadores ou dos gerentes das áreas de riscos. Outro fator importante não elucidado pelos autores é o que se
refere aos aspectos de gerenciamento da segurança do trabalho. Como esse gerenciamento é conduzido, se
separado dos processos produtivos, como é o caso brasileiro, ou se integrado a todo o complexo produtivo e de
responsabilidade das chefias das áreas.

De acordo com o que foi visto até aqui, pode-se afirmar, sem receio de cometer injustiças, que o juízo que os
trabalhadores fazem dos aspectos de sua segurança e saúde no trabalho relaciona-se, intimamente, aos conteúdos
e à maturidade dos programas de segurança e saúde desenvolvidos nas empresas nas quais trabalham.

Nas empresas em que os programas de SST são concebidos e implementados para o estrito cumprimento das
exigências legais sobre a matéria, a representatividade dos trabalhadores em relação a eles certamente se limitará
ao que lhes é exigido por parte da empresa.

É pouco provável que os trabalhadores de uma empresa que não vislumbra a segurança do trabalho como valor
agregado a seu negócio, que não apresentam seus programas de SST alinhados ao sistema produtivo –
promovendo a melhoria contínua das condições e procedimentos de trabalho e investindo pesadamente na
educação dos trabalhadores e de seu corpo gerencial para o correto exercício do trabalho – possam enxergar a
segurança do trabalho como valor que se equipara a outros itens relacionados diretamente ao negócio, como
produção, por exemplo.

As experiências demonstram que a participação dos trabalhadores nos programas de SST vincula-se intimamente à
cultura da empresa relacionada com o tema e sobretudo ao conjunto de ações que ela desenvolve, em especial na
área de educação, para incorporá-los aos seus programas. Nas empresas em que os programas de segurança
desvinculam-se das atividades produtivas, organizados e implementados pelas equipes de segurança (o SESMT), é
comum trabalhadores associarem as ações de segurança do trabalho com o vivenciado no cotidiano – como, por
exemplo, uso de equipamentos de proteção individual (EPI) e realização de exames médicos, principalmente os
periódicos. Fora isso, restam as atividades da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA, que também
são de seu conhecimento. Num ambiente dessa natureza, dificilmente os trabalhadores associam as ações de
segurança à promoção da qualidade de vida ou algo que possa melhorar o seu relacionamento com o próprio
trabalho, diferentemente das empresas em que os programas de segurança do trabalho são abordados como parte
integrante dos processos produtivos, e as ações de segurança são concebidas e implementadas como parte
integrante do próprio negócio da empresa.

A importância da adoção de programas dessa natureza, entre outras vantagens, está no ganho de não ser preciso
desenvolver ações em duplicidade para abordar o mesmo conteúdo, que são os aspectos produtivos. Isso sem
contar com uma vantagem maior: a possibilidade de convencer os trabalhadores de que para fazer segurança não
é necessário desenvolver ações específicas para tal, basta incluir essa preocupação nos procedimentos de trabalho
e transformá-la em ações concretas que possam ser avaliadas e medidas.
TRABALHO SENTADO: RISCOS ERGONÔMICOS
PARA PROFISSIONAIS DE BIBLIOTECAS, ARQUIVOS E MUSEUS

Introdução trabalho esteja adequado ás atividades realizadas na


As doenças ocupacionais são adquiridas por meio postura sentada nas instituições culturais com objetivo
de exposição dos trabalhadores aos agentes ambientais, de prevenir as doenças relacionadas ao trabalho.
físicos, químicos, biológicos e ergonômicos em O artigo também poderá ser utilizado como
situação acima do limite tolerável. A NR 15, que referência para a compreensão de assuntos como: a
dispõem sobre as Atividades e Operações Insalubres, dinâmica que existe sobre o meio ambiente do
define o Limite de Tolerância (LT) como a trabalho; o conceito de trabalho, ergonomia e postura
concentração ou intensidade máxima ou mínima sentada; doenças relacionadas à postura sentada; a
relacionada com a natureza e o tempo de exposição ao ginástica laboral; conhecimento da Norma
agente, que não causará dano à saúde do trabalhador, Regulamentadora Nº 17: Ergonomia.
durante a sua vida laboral.
Dos agentes citados acima, o ergonômico é o mais Conceitos: trabalho, ergonomia e postura sentada
recente, sendo responsável por ocasionar doenças do Segundo o dicionário Houaiss (2011), o trabalho
trabalho como Lesões por Esforço Repetitivo (LER) e pode ser conceituado como conjunto de atividades,
Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho produtivas ou criativas, que o homem exerce para
(DORT). atingir determinado fim. Porém essa atividade deve ser
Segundo Moraes (2010), a LER e a DORT exercida de forma que não prejudique a saúde do
representam 80% dos afastamentos dos trabalhadores, trabalhador.
sendo que algumas doenças ocupacionais podem surgir O comitê misto OIT/OMS aprovou em 1950 uma
mesmo depois do trabalhador se afastar do agente resolução que foi a primeira definição sobre as funções
causador. da medicina do trabalho. Sua definição de saúde no
Neste artigo, propõe-se analisar o ato de trabalhar trabalho aborda a promoção e manutenção do mais alto
em posição sentado, bem como as consequências de grau de bem estar físico, mental e social dos
uma postura ergonômica inadequada nas atividades trabalhadores em todas as profissões; a prevenção,
diárias dos profissionais que atuam em bibliotecas, entre os trabalhadores, dos desvios de saúde causados
arquivos e museus. pelas condições de trabalho; a proteção dos
O artigo debate ainda aspectos teóricos e práticos trabalhadores, em seus empregos, dos riscos resultantes
do trabalho, da ergonomia e da postura sentada no de fatores adversos à saúde; a colocação e a
mundo contemporâneo do trabalho. Pretende-se propor manutenção do trabalhador adaptadas às aptidões
reflexão sobre o tema, com o objetivo de criar uma fisiológicas e psicológicas, em suma: a adaptação do
cultura preservacionista em relação à saúde do trabalho ao homem e de cada homem a sua atividade.
trabalhador nas referidas instituições. Para contribuir com a saúde do trabalhador, iniciou-
se o estudo e desenvolvimento da ergonomia, que trata
Materiais e Métodos utilizados na pesquisa da adaptação do trabalho às características do
O Brasil possui, atualmente, 34 Normas indivíduo.
Regulamentadoras (NR), que obrigam as empresas ao Sua definição oficial foi divulgada em 1969 pelo
cumprimento de normas relativas à segurança e Congresso Nacional de Ergonomia, sendo que: “A
medicina no trabalho. ergonomia é o estudo científico da relação entre o
Para o desenvolvimento do artigo utilizaremos com homem e seus meios, métodos e espaços de trabalho.
mais afinco a NR17: Ergonomia, que trata da Seu objetivo é elaborar, mediante a contribuição de
adaptação das condições de trabalho às características diversas disciplinas cientificas que a compõe, um corpo
psicofisiológicas dos trabalhadores. de conhecimento que, dentro de uma perspectiva de
A pesquisa do artigo será descritiva porque se aplicação, deve resultar numa melhor adaptação ao
deseja conhecer a natureza, a composição e os homem dos meios tecnológicos e dos ambientes de
processos de atividades realizadas em posição sentada trabalho e de vida”.
através do conceitual teórico e de revisão de literatura A contribuição da ergonomia para a boa postura foi
especializada sobre o assunto em livros técnicos, muito importante, visto que a boa postura corporal é
artigos de periódicos especializados e outras fontes mais do que algo para melhorar a aparência. A postura
informacionais de caráter científico. corporal reflete o movimento dinâmico do corpo
humano, sendo que sem uma boa postura corporal, a
Resultados. saúde geral pode ser comprometida. Isso porque os
A análise realizada através da literatura especializada efeitos a longo prazo da má postura corporal podem
observou-se que é imprescindível seguir as afetar vários sistemas do organismo, podendo a pessoa
recomendações de ergonomia para que o posto de
sentir-se cansada e incapaz de trabalhar postura sentada possui desvantagens também, como,
eficientemente. flacidez dos músculos abdominais, curvatura da coluna
vertebral, que prejudica o com funcionamento do
sistema digestivo e respiratório, sobrecarga dos
músculos das costas, entre outros.

Doenças relacionadas à postura sentada.


A postura sentada faz parte do cotidiano de
qualquer cidadão, mas deve ser analisada as vantagens
e desvantagens causadas ao profissional que trabalha
sentado por um longo período nesta postura.
Neste contexto, Saliba (2004, p.341-342) diz que as
vantagens da posição sentada são: “baixa solicitação da
musculatura dos membros inferiores, reduzindo, assim,
a sensação de desconforto e cansaço; possibilidade de
evitar posições forçadas do corpo; menor consumo de
energia do corpo; facilitação da circulação sanguínea
pelos membros inferiores”. As desvantagens segundo
Saliba (2004, p.342) são: “pequena atividade física
geral (sedentarismo); adoção de posturas
Fig.1 Posição de postura sentada. desfavoráveis: lordose ou cifoses excessivas; estase
sanguínea nos membros inferiores, situação agravada
A postura sentada imprópria pode causar lesões e quando há compressão da face posterior das coxas ou
dores, sendo caracterizada pela parte superior das da panturrilha contra a cadeira, se esta estiver mal
costas curvada ou corcunda, cabeça direcionada para posicionada.”
frente e região lombar curvada. A má postura sentada é Coury (1995, p.1) diz que “a sobrecarga imposta
um hábito ruim, que pode ser mudado com um pouco pela postura sentada vai sendo sentida gradualmente
de esforço e dedicação. por todas as partes do nosso corpo; começam a surgir
dores, formigamento, sensação de peso nas costas,
A postura sentada, o ser humano e a ergonomia pescoço, pernas, braços e mãos.”
Conforme tratamos anteriormente, a ergonomia Atualmente os profissionais que trabalham em
desenvolve métodos e técnicas específicas para aplicar instituições que possuem acervos culturais necessitam
na melhoria do trabalho. Ela também se relaciona com usar microcomputadores nas suas atividades diárias;
outras áreas científicas como: a antrométrica, podendo futuramente, caso não haja uma política de
biomecânica ocupacional, anatomia, fisiologia do prevenção à saúde nas instituições, adquirir algum tipo
trabalho, psicologia do trabalho, desenho industrial, de Lesão por Esforços Repetitivos (L.E.R.) ou
toxicologia, informática. Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho
O estudo ergonômico ajusta as capacidades e (D.O.R.T.).
limitações do trabalho, adaptando o trabalho para o As instituições culturais precisam criar e
homem. Ela objetiva sempre a preservação da saúde, a implementar programas que possibilitem análise de
segurança, a satisfação, e a eficiência do trabalhador. desconfortos posturais causados pelas atividades
Morais (2010, p.194) destaca vários aspectos realizadas na postura sentada com o objetivo de reduzir
estudados pela ergonomia como: as doenças relacionadas ao meio ambiente de trabalho.
Os fatores econômicos, social, ocupacional e individual
a) postura e movimentos corporais: trabalho podem agravar ou eliminar tais desconfortos naquelas
sentado, trabalho em pé, movimentação de instituições.
cargas, levantamento de peso; Inicialmente poderíamos supor que as doenças
b) informações captadas pela visão e audição; ocupacionais causadas pela postura sentada afetariam
c) controle (relação de mostradores e controles); somente as costas, o pescoço e as pernas dos
d) cargos e tarefas. profissionais; mas dependendo da atividade executada
outras partes do corpo humano poderão ser afetadas.
Para este artigo, analisaremos o aspecto descrito no Estão relacionadas às seguintes doenças
item “a” posição sentada. ocupacionais que diretamente poderiam afetar os
O trabalho sentado proporciona maior eficiência e profissionais que trabalham sentados, independente da
redução do trabalho estático, responsável pela fadiga atividade que executam diariamente: mialgia tensional
muscular, pois reduz o esforço das pernas, diminui o (síndrome da tensão do pescoço); síndrome vertical. As
consumo energético, desacelera o sistema circulatório, tendinites, cistos sinoviais, epicondilites, bursites,
além de proporcionar maior estabilidade da parte tendinite do supraespinhoso biciptal, tenossinovite de
superior do corpo que é suportado pela pele que cobre Quervain; dedo em gatilho, síndrome do túnel do
o osso ísquio, nas nádegas. Moraes (2010, p.202) carpo, síndrome do canal de Guyon, síndrome do
destaca que o consumo de energia na posição sentada é pronador redondo estariam relacionadas ás atividades
de 3 a 10% maior em relação à posição horizontal. A executadas pelo profissional em uma postura sentada
Couto (1995, p.269-272) divide as condições nas empresas se tornaram frequentes a partir da década
antiergonômicas no trabalho sentado e suas de 80 e pesquisas realizadas sobre o tema indicam que
conseqüêcias em duas variáveis: há muitas vantagens quando a empresa decide adotar o
programa de ginástica laboral sendo eles fisiológicos,
a) Dependentes da cadeira de trabalho. psicológicos e sociais.
 Cadeira sem ajuste de altura (muito alta: A ginástica laboral cria nas instituições um clima
inchação das pernas; muito baixa: fadiga dos de mais disposição às atividades diárias, menos tensão
músculos das costas). causada pelo estresse, além de tornar-se uma
 Assento inclinado para trás: encurvamento da alternativa de prevenção ao combate as doenças
coluna sobre a superfície de trabalho. relacionadas ao trabalho como as LER (Lesões por
 Falta de apoio para o dorso: dorsalgia e Esforço Repetitivo) e os DORT (Distúrbios
encurvamento da coluna. Osteomusculares Relacionados ao Trabalho).
 Falta de apoio para os pés: inchação das Embora os benefícios para as empresas e para os
pernas. funcionários gerados pelo programa de ginástica
 Apoio lombar exageradamente alto: limitação laboral sejam positivos é preciso notificar que outras
dos movimentos. intervenções ergonômicas são necessárias para evitar
 Apoio lombar exageradamente fino: não as doenças causadas pelo trabalho sentado; podemos
funciona. citar como exemplo: os mobiliários dos postos de
 Assento não almofadado ou espumado: trabalho, equipamentos dos postos de trabalho,
cansaço precoce e degeneração de disco. condições ambientais, organização do trabalho.
 Distância Antero-posterior do assento É preciso alertar aos leitores deste artigo que
exagerada: fadiga ou edema. programa de ginástica laboral deve ser acompanhado e
 Ângulo assento-encosto reto (90 graus): elaborado por profissionais capacitados que estão
fadiga dos músculos das costas e do pescoço. relacionados á prevenção de doenças ocupacionais.
b) Condições inadequadas não dependentes da
cadeira de trabalho
 Trabalhar sentado em balcões ou bancadas Conhecimento da Norma Regulamentadora Nº 17:
feitas para se trabalhar em pé: fadiga muscular Ergonomia
generalizada. A Portaria MTB Nº 3.214, de 08 de junho de 1978,
 Máquina ou equipamento cuja área de publicada no Diário Oficial da União de 06 de julho de
trabalho está distante do trabalhador: fadiga 1978, aprovou as Normas Regulamentadoras relativas
no dorso. à Segurança e Medicina do Trabalho. Atualmente
 Falta de espaço para as pernas: torção no existem 34 Normas Regulamentadoras publicadas pelo
tronco. Ministério do Trabalho e Emprego, sendo a Norma
 Arranjos longe do alcance do corpo: fadiga Regulamentadora Nº 17: Ergonomia (NR 17) a mais
nos músculos das costas importante para este artigo, possuindo os seguintes
fundamentos jurídicos:

A ginástica laboral e a sua contribuição ao trabalho  Redação atual dada pela Portaria MTPS n.
sentado 3.751, de 23.11.1990.
A ginástica laboral “caracterizada pela prática de  Art. 7º, XXII e XXXIII, da Constituição da
atividade física diária realizada no local de trabalho, a República federativa do Brasil de 1988.
GL inclui exercícios de compensação para movimentos  Arts. 72, 198, 199, 253, 390 da Consolidação
repetitivos e para posturas incorretas [...]”(CARDOSO, das Leis do Trabalho.
2007, p.48).  Súmula do Tribunal Superior do Trabalho n.
A ginástica laboral é ideal tanto para atividades 346.
profissionais que exigem grande esforço físico quanto
para àquelas atividades menos intensas fisicamente, A NR-17: Ergonomia (redação atual dada pela
mas que por outro lado são repetitivas, por exemplo, Portaria Ministério do Trabalho e da Previdência
os profissionais que trabalham no processamento Social Nº 3.751, de 23 de novembro de 1990) dispõem
automatizado da informação. os seguintes subitens que são fundamentais para que os
Países como Japão, China e Coréia adotaram a profissionais que trabalham na postura sentada possam
ginástica laboral em suas atividades diárias nos locais ter um posto de trabalho adaptado às capacidades
de trabalho porque a ginástica laboral é um dos fatores psicofisiólogicas, antropométricas e biomecânicas
para que o trabalho não se torne enfadonho, repetitivo e humanas.
fatigante. A atividade física é um componente
fundamental para melhor produtividade e para
qualidade de vida dos profissionais em qualquer
instituição. Na Europa países como Polônia, Holanda,
Rússia, Bulgária, Alemanha, França, Bélgica e Suécia
adotaram a ginástica laboral no século passado em suas
empresas. No Brasil, os programas de ginástica laboral
Devido à extensão da NR-17: Ergonomia foram ângulos adequados entre as diversas partes do corpo do
selecionados os principais textos que são referentes ao trabalhador, em função das características e
trabalho em postura sentada: peculiaridades do trabalho a ser executado.
17.3.3. Os assentos utilizados nos postos de
trabalho devem atender aos seguintes requisitos
mínimos de conforto:

a) altura ajustável à estatura do trabalhador e à


natureza da função exercida;
b) características de pouca ou nenhuma
conformação na base do assento;
c) borda frontal arredondada;
d) encosto com forma levemente adaptada ao
corpo para proteção da região lombar.

17.3.4. Para as atividades em que os trabalhos


devam ser realizados sentados, a partir da análise
ergonômica do trabalho, poderá ser exigido suporte
para os pés, que se adapte ao comprimento da perna do
trabalhador.
17.1. Esta Norma Regulamentadora visa a
17.3.5. Para as atividades em que os trabalhos
estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das
devam ser realizados de pé, devem ser colocados
condições de trabalho às características
assentos para descanso em locais em que possam ser
psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a
utilizados por todos os trabalhadores durante as pausas.
proporcionar um máximo de conforto, segurança e
17.4. Equipamentos dos postos de trabalho.
desempenho eficiente.
17.4.1. Todos os equipamentos que compõem um
17.1.1. As condições de trabalho incluem aspectos
posto de trabalho devem estar adequados às
relacionados ao levantamento, transporte e descarga de
características psicofisiológicas dos trabalhadores e à
materiais, ao mobiliário, aos equipamentos e às
natureza do trabalho a ser executado.
condições ambientais do posto de trabalho e à própria
17.4.2. Nas atividades que envolvam leitura de
organização do trabalho.
documentos para digitação, datilografia ou
17.1.2. Para avaliar a adaptação das condições de
mecanografia deve:
trabalho às características psicofisiológicas dos
trabalhadores, cabe ao empregador realizar a análise
a) ser fornecido suporte adequado para
ergonômica do trabalho, devendo a mesma abordar, no
documentos que possa ser ajustado
mínimo, as condições de trabalho, conforme
proporcionando boa postura, visualização e
estabelecido nesta Norma Regulamentadora.
operação, evitando movimentação frequente
17.3. Mobiliário dos postos de trabalho.
do pescoço e fadiga visual;
17.3.1. Sempre que o trabalho puder ser executado
b) ser utilizado documento de fácil legibilidade
na posição sentada, o posto de trabalho deve ser
sempre que possível, sendo vedada a
planejado ou adaptado para esta posição.
utilização do papel brilhante, ou de qualquer
17.3.2. Para trabalho manual sentado ou que tenha
outro tipo que provoque ofuscamento.
de ser feito em pé, as bancadas, mesas, escrivaninhas e
os painéis devem proporcionar ao trabalhador
17.4.3. Os equipamentos utilizados no
condições de boa postura, visualização e operação e
processamento eletrônico de dados com terminais de
devem atender aos seguintes requisitos mínimos:
vídeo devem observar o seguinte:
a) ter altura e características da superfície de
a) condições de mobilidade suficientes para
trabalho compatíveis com o tipo de atividade,
permitir o ajuste da tela do equipamento à
com a distância requerida dos olhos ao campo
iluminação do ambiente, protegendo-a contra
de trabalho e com a altura do assento;
reflexos, e proporcionar corretos ângulos de
b) ter área de trabalho de fácil alcance e
visibilidade ao trabalhador;
visualização pelo trabalhador;
b) o teclado deve ser independente e ter
c) ter características dimensionais que
mobilidade, permitindo ao trabalhador ajustá-
possibilitem posicionamento e movimentação
lo de acordo com as tarefas a serem
adequados dos segmentos corporais.
executadas;
c) a tela, o teclado e o suporte para documentos
17.3.2.1. Para trabalho que necessite também da
devem ser colocados de maneira que as
utilização dos pés, além dos requisitos estabelecidos no
distâncias olho-tela, olho-teclado e olho-
subitem 17.3.2, os pedais e demais comandos para documento sejam aproximadamente iguais;
acionamento pelos pés devem ter posicionamento e
d) serem posicionados em superfícies de trabalho
dimensões que possibilitem fácil alcance, bem como
com altura ajustável.
17.4.3.1. Quando os equipamentos de 17.6.2. A organização do trabalho, para efeito desta
processamento eletrônico de dados com terminais de NR, deve levar em consideração, no mínimo:
vídeo forem utilizados eventualmente poderão ser
dispensadas as exigências previstas no subitem 17.4.3, a) as normas de produção;
observada a natureza das tarefas executadas e levando- b) o modo operatório;
se em conta a análise ergonômica do trabalho. c) a exigência de tempo;
17.5. Condições ambientais de trabalho. d) a determinação do conteúdo de tempo;
17.5.1. As condições ambientais de trabalho devem e) o ritmo de trabalho;
estar adequadas às características psicofisiológicas dos f) o conteúdo das tarefas.
trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado.
17.5.2. Nos locais de trabalho onde são executadas 17.6.3. Nas atividades que exijam sobrecarga
atividades que exijam solicitação intelectual e atenção muscular estática ou dinâmica do pescoço, ombros,
constantes, tais como: salas de controle, laboratórios, dorso e membros superiores e inferiores, e a partir da
escritórios, salas de desenvolvimento ou análise de análise ergonômica do trabalho, deve ser observado o
projetos, dentre outros, são recomendadas as seguintes seguinte:
condições de conforto:
a) todo e qualquer sistema de avaliação de
a) níveis de ruído de acordo com o estabelecido desempenho para efeito de remuneração e
na NBR 10152, norma brasileira registrada no vantagens de qualquer espécie deve levar em
INMETRO; consideração as repercussões sobre a saúde
b) índice de temperatura efetiva entre 20ºC e dos trabalhadores;
23ºC; b) devem ser incluídas pausas para descanso;
c) velocidade do ar não superior a 0,75m/s; c) quando do retorno do trabalho, após qualquer
d) umidade relativa do ar não inferior a 40%. tipo de afastamento igual ou superior a 15
(quinze) dias, a exigência de produção deverá
17.5.2.1. Para as atividades que possuam as permitir um retorno gradativo aos níveis de
características definidas no subitem 17.5.2, mas não produção vigentes na época anterior ao
apresentam equivalência ou correlação com aquelas afastamento.
relacionadas na NBR 10152, o nível de ruído aceitável
para efeito de conforto será de até 65 dB (A) e a curva de 17.6.4. Nas atividades de processamento
avaliação de ruído (NC) de valor não superior a 60 dB. eletrônico de dados, deve-se, salvo o disposto em
17.5.2.2. Os parâmetros previstos no subitem 17.5.2 convenções e acordos coletivos de trabalho, observar o
devem ser medidos nos postos de trabalho, sendo os seguinte:
níveis de ruído determinados próximos à zona auditiva
e as demais variáveis na altura do tórax do trabalhador. a) o empregador não deve promover qualquer
17.5.3. Em todos os locais de trabalho deve haver sistema de avaliação dos trabalhadores
iluminação adequada, natural ou artificial, geral ou envolvidos nas atividades de digitação,
suplementar, apropriada à natureza da atividade. baseado no número individual de toques sobre
17.5.3.1. A iluminação geral deve ser o teclado, inclusive o automatizado, para
uniformemente distribuída e difusa. efeito de remuneração e vantagens de
17.5.3.2. A iluminação geral ou suplementar deve qualquer espécie;
ser projetada e instalada de forma a evitar b) o número máximo de toques reais exigidos
ofuscamento, reflexos incômodos, sombras e contrastes pelo empregador não deve ser superior a
excessivos. 8.000 por hora trabalhada, sendo considerado
17.5.3.3. Os níveis mínimos de iluminamento a toque real, para efeito desta NR, cada
serem observados nos locais de trabalho são os valores movimento de pressão sobre o teclado;
de iluminâncias estabelecidos na NBR 5413, norma c) o tempo efetivo de trabalho de entrada de
brasileira registrada no INMETRO. dados não deve exceder o limite máximo de 5
17.5.3.4. A medição dos níveis de iluminamento (cinco) horas, sendo que, no período de tempo
previstos no subitem 17.5.3.3 deve ser feita no campo restante da jornada, o trabalhador poderá
de trabalho onde se realiza a tarefa visual, utilizando-se exercer outras atividades, observado o
de luxímetro com fotocélula corrigida para a disposto no art.468 da Consolidação das Leis
sensibilidade do olho humano e em função do ângulo do Trabalho, desde que não exijam
de incidência. movimentos repetitivos, nem esforço visual;
17.5.3.5. Quando não puder ser definido o campo d) nas atividades de entrada de dados deve haver,
de trabalho previsto no subitem 17.5.3.4, este será um no mínimo, uma pausa de 10 minutos para
plano horizontal a 0,75m (setenta e cinco centímetros) cada 50 minutos trabalhados, não deduzidos
do piso. da jornada normal de trabalho;
17.6. Organização do trabalho. e) quando do retorno ao trabalho, após qualquer
17.6.1. A organização do trabalho deve ser tipo de afastamento igual ou superior a 15
adequada às características psicofisiológicas dos (quinze) dias, a exigência de produção em
trabalhadores e à natureza do trabalho a ser executado. relação ao número de toques deverá ser
iniciado em níveis inferiores do máximo forma que seu puxador esteja a não menos que
estabelecido na alínea "b" e ser ampliada 40 cm do chão; espaço para as pernas do
progressivamente. trabalhador; espaço para as pernas do
interlocutor; é desejável que estrutura seja do
Propostas para melhorar as condições do trabalho tipo “C”, e não sob a forma de pés, pois
sentado permitirá a instalação de postos de trabalho
Reformulando as dinâmicas de trabalho nas em “L” permitindo ao trabalhador girar com
instituições e principalmente gerando a educação e facilidade; feita de material não reflexivo
conscientização de seus funcionários sobre a prevenção (nunca fórmica branca nem vidro sobre a
de doenças decorrentes de condições ergonômicas mesa).
inadequadas, haverá menos riscos em relação á saúde 15. Deve-se ter atenção especial com outros
dos trabalhadores que trabalham na postura sentada, arranjos do posto de trabalho, extra-cadeira,
contribuindo para melhoria da qualidade laboral. fundamentais para que se sentem bem.
Couto (1995, p. 263-268) faz quinze
recomendações ergonômicas para que o profissional Conclusões
que trabalha sentado possa ter um posto de trabalho O objetivo da ergonomia deve estar voltado à
mais adequado consequentemente melhorando a pesquisa das condições que não apenas evitem a
segurança, a saúde e as condições de trabalho: degradação da saúde, mas, também, favoreçam a
construção da saúde. É importante ressaltar que fatores
1. A cadeira de trabalho deve ser estofada, e de do ambiente físico, organizacional e psicossocial
preferência, com tecidos que permita a possibilitam a análise ergonômica do posto de trabalho.
transpiração. O trabalho na posição sentada é produtivo e saudável
2. A altura da cadeira deve ser regulável. quando a jornada de trabalho é realizada em condições
3. A dimensão ântero-posterior do assento não ergonômicas corretas.
pode ser nem muito comprida nem muito A posição sentada não produzirá doenças
curta. ocupacionais nas instituições culturais onde a
4. A borda anterior do assento deve ser segurança e saúde dos funcionários são fatores
arredondada. primordiais para qualidade do meio ambiente de
5. O assento deve estar na posição horizontal; é trabalho, gerando uma melhor qualidade de vida nas
desejável que o assento se incline 10 a 15 mesmas.
graus para frente. Assentos inclinados para A criação da Norma Regulamentadora N° 17:
trás são inadequados em cadeiras de trabalho. Ergonomia é um avanço legal para as instituições
6. Toda cadeira de trabalho deve ter apoio para o culturais porque gera parâmetros para um ambiente de
dorso. trabalho mais adequado, assim como a proposta do
7. O ângulo entre o assento e o apoio dorsal programa de ginástica laboral que bem estruturado
deveria ser regulável; caso não o seja, assento pode auxiliar na prevenção de doenças ocupacionais
e encosto devem estar posicionados num como LER (lesão por esforços repetitivos) / DORT
ângulo de 100 graus. (distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho).
8. O apoio para o dorso deve ter uma forma que Os resultados obtidos neste artigo permitiu concluir
acompanhe as curvaturas da coluna, sem que o processo de trabalho tem seu ritmo próprio
retificá-la, mas também sem acentuas suas devido a diferentes fatores gerados pela organização do
curvaturas. trabalho nas instituições culturais, mas como proposta
9. O apoio para o dorso deve ter regulagem de em relação ao trabalho em postura sentada,
altura; este apoio pode ser tanto estreito recomendamos que exista a promoção do bem-estar
quanto de meio-tamanho; neste caso, a dos funcionários naquelas instituições, que também
adaptação pessoal é que determina a decisão. terão lucros diversos com a implantação de um
10. Deve haver espaço na cadeira para acomodar programa voltado à saúde e segurança do trabalhador.
as nádegas.
11. Quando o posto de trabalho for semicircular
ou perpendicular, a cadeira deve ser giratória;
e quando o trabalho exigir mobilidade deve
haver rodízios adequados.
12. Os pés devem estar sempre apoiados.
13. Deve haver espaço suficiente para pernas
debaixo de mesa ou posto de trabalho.
14. A mesa de trabalho deve atender a alguns
requisitos básicos de ergonomia. Entre eles,
destacamos: borda anterior (que entra em
contato com o antebraço do trabalhador)
arredondada; gavetas leves; puxadores de
gaveta a serem pegos em prensa, e não em
pinça; último nível de gaveta elevado, de tal
O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO DENTRO
DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Cláudio Luiz Sales Pache*

Um novo consenso deve ser forjado a partir da necessidade de resguardar um ambiente de


trabalho equilibrado no seio do Poder Judiciário Brasileiro, preservando a saúde física e mental de
magistrados e servidores, um bem que se encontra ameaçado.
RESUMO: Após descrever os motivos pelos quais a tutela jurisdicional brasileira está sendo
entregue com prejuízo à saúde dos magistrados e servidores envolvidos, no texto se busca apontar
uma saída racional e humanizada, elaborada mediante a ponderação dos diversos princípios
constitucionais incidentes sobre a matéria. A conclusão obtida aponta para a necessidade de
investigar e quantificar – inicialmente a partir de dados já existentes e de sua evolução ao longo
do tempo – o limite de produção possível em um ambiente de trabalho equilibrado, devendo o
excedente servir como parâmetro para a criação de novos órgãos judiciários.

INTRODUÇÃO
Sem fugir da possibilidade de, ao final, propor alternativas, acrescentando variável à equação
que rege a situação analisada, o escopo do presente artigo é, sinteticamente, desenvolver linhas
de pensamento voltadas a alicerçar uma reflexão futura sobre os critérios adotados pelo Conselho
Nacional de Justiça - CNJ ao estabelecer as metas de produtividade que devem ser cumpridas
anualmente pelo Poder Judiciário nacional e a forma de avaliação para as promoções por
merecimento de magistrados, de tal sorte que se possa estabelecer um diálogo a esse respeito
envolvendo os atores sociais interessados, as diversas entidades representativas de juízes e
servidores e os demais setores organizados da sociedade.
Trata-se de um olhar adotado a partir dos direitos fundamentais – consagrados na
Constituição da República Federativa do Brasil – à dignidade da pessoa humana e ao meio
ambiente de trabalho equilibrado – e, em consequência, à vida, à integridade física e à saúde –
assim entendidos aqueles inerentes a todos os que laboram no dia a dia da atividade jurisdicional.
Nessa quadra, conceitos originariamente alicerçados em relação aos trabalhadores com
vínculo empregatícios, neste ensaio são aplicados tanto a agentes públicos quanto a agentes
políticos, já que tal condição não lhes retira, por óbvio, a condição de humanos, muito menos
ameniza eventuais efeitos oriundos do modo como sua prestação de serviços é executada.
Considerando também o direito fundamental dos jurisdicionados à tramitação processual
célere - capaz de tornar efetiva a prestação jurisdicional entregue, transformando-a em verdadeira
tutela jurisdicional –, bem como o amálgama formado pelos demais direitos fundamentais antes
referidos, tratados todos como princípios, a hipótese conduz à investigação da existência de um
conflito solucionável pela técnica da ponderação.
Sendo o aspecto merecedor de um outro ensaio, apenas se registra que, acrescentando-se
igualmente regras éticas e do ordenamento jurídico internacional – self-executing e non self-
executing – é possível extrair (CANOTILHO, 2008, p. 154-157; ROXO, 2011, p. 38) um standard
de realização de direitos fundamentais que – abrangendo, por exemplo, o princípio da proteção 1, o
desenvolvimento sustentavel2, os Objetivos do Milênio traçados pela Organização das Nações
Unidas em 2000 e a norma internacional ISO 26000 – resulte em conclusões ou ações que possam
ser utilizadas, ao menos como parâmetros, em outras áreas do serviço público ou privado,
mormente àquelas categorias – como médicos, professores, entre outros – em que a pressão por
produtividade se desenvolve em ambiente carecedor ou deficiente de meios materiais e/ou
humanos.
Retomando o objetivo traçado para o presente estudo, como a metodologia constitucional da
ponderação - utilizada na busca de solução para colisão entre princípios - exige (ALEXY, 2011, p.
96; CANOTILHO, 2010, p. 1258; NOVAIS, 2010, p. 700) uma valoração das “circunstâncias
particulares do caso concreto”, iniciemos por descrevê-las, deixando a respectiva aquilatação para
o momento subsequente.

1 CORTE EPISTEMOLÓGICO
1.1 Metas judiciais
Como resposta à demanda social gerada pela constatação de um enorme saldo de processos
sem julgamento e à demora na entrega da prestação jurisdicional correspondente, as três
primeiras metas a serem cumpridas pelo Poder Judiciário Brasileiro foram estabelecidas em 2008
pelo CNJ, para serem implementadas no ano seguinte: a primeira era voltada à adoção de
planejamento estratégico e uso de ferramentas eletrônicas e as duas outras dirigidas à entrega da
prestação jurisdicional, estabelecendo o dia 31 de dezembro de 2009 como prazo para julgamento
das ações distribuídas até 31-12-05 e a redução de 20% nas 25 milhões das execuções fiscais
ajuizadas.
Tratava-se de uma iniciativa voltada, também, a assegurar efetividade ao disposto no inciso
LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República 3, norma que estabelece o direito à “razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
A partir de então, o CNJ coordena a realização dos Encontros Nacionais do Poder Judiciário,
reunindo todos os presidentes e corregedores de tribunais brasileiros, tendo em mira avaliar a
estratégia nacional, obter indicadores de resultados, metas, projetos e ações que possam ser
compartilhados e implementados no País e definir ações para o período subsequente.
Recentemente, o CNJ conferiu publicidade ao relatório que contém o balanço das metas 2011
4
, tendo a Justiça do Trabalho cumprido 98,94% da meta 3, que estabelecia o objetivo de ser
julgada quantidade igual a de processos de conhecimento distribuídos em 2011 e parcela do
estoque, com acompanhamento mensal, sendo que, no último percentual, o TRT da 1ª Região
obteve o índice respectivo de 110,38%, o TRT da 9ª Região 106,69% e TRT da 3ª Região
104,02%.
Para o ano de 2012, dentre as metas gerais nacionais, a meta 1 estabelece o imperativo de
serem julgados mais processos de conhecimento do que os distribuídos no mesmo lapso e a meta
2 julgar, até 31-12-12, 80% dos processos distribuídos em 2008 pela Justiça do Trabalho, ao passo
que, como meta específica da Justiça do Trabalho, encontra-se a meta 17, que indica aumentar em
10% o quantitativo de execuções em relação ao ano anterior, tudo sem que um idêntico aumento
quantitativo de meios materiais e de servidores seja demonstrado como previamente
implementado.
O que chama à atenção, ao longo dos anos abrangidos pelas referidas metas, são as
medidas estabelecidas, pelos Tribunais, em relação à saúde dos envolvidos na entrega da tutela
jurisprudencial, juízes e servidores, todas sempre remetendo a uma ação de identificação futura de
danos e riscos ou estabelecendo objetivos que, a par de completamente desvinculados das metas
de produtividade, não são acompanhados de nenhuma indicação metodológica para serem
atingidos, o que as tem tornado, no tempo presente, meras declarações de vontade.
Disso resulta que, na forma vigente, as metas de produtividade são para “ontem” e as que,
objetivamente, visam resguardar a saúde dos envolvidos, são para um futuro que não se sabe
quando virá por completo.
Nesse sentido, a Presidência do CNJ, por intermédio da Portaria nº 124/11, estatuiu um
grupo de trabalho nacional, formado por juízes e desembargadores, voltado a apresentar
propostas para a promoção da saúde entre magistrados e servidores do judiciário, que anunciou,
após reunião levada a efeito no dia 16-4-125, a preparação de um protocolo para subsidiar os
tribunais na visualização dos principais problemas e soluções locais, abordando doenças físicas e
psíquicas como depressão, estresse, hipertensão, dores crônicas e osteomusculares.
No âmbito da Justiça do Trabalho, a Resolução nº 84/11, aprovada pelo Conselho Superior
da Justiça do Trabalho - CSJT, determina a implantação de Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional - PCMSO6 e de Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA7 no âmbito dos
Tribunais Regionais sob sua égide, e a meta 14, dirigida também ao referido ramo especializado do
Poder Judiciário Federal, estabelece o objetivo de serem eles implementados, durante o ano de
2012, em, pelo menos, 60% das unidades judiciárias e administrativas trabalhistas.
Recentemente, o CNJ estatuiu, por intermédio da Portaria nº 69, de 22-5-12, por ele
editada, o “Comitê Organizador do Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e
resolução das demandas de assistência à saúde”, ao passo que o Conselho Superior da Justiça do
Trabalho realizou, nos dias 29 e 30 de maio de 2012, um “Seminário sobre Promoção da Saúde e
Prevenção de Riscos e Doenças Ocupacionais”, todavia, nos estritos limites de identificar realidades
regionais e buscar auxiliar os Tribunais Regionais do Trabalho na implementação da Meta 14 antes
referida8.
Assim, passados três anos do início da implementação da política de metas, pelo menos uma
conclusão possível já começa a ser delineada: sendo (VELLOSO 9), em relação ao tema, “a
metodologia administrativa em voga nos Tribunais” caracterizada “pela possibilidade de visualizar
as deficiências e alterá-las a tempo” nas reuniões períodicas de a avaliação, é necessário agora
“dirigir a prioridade para as necessidades de condições de trabalho dos juízes e servidores”, o que
não se confunde - embora louvável a intenção de estabelecer, a partir daí, um diálogo com a
sociedade - com iniciativas do CNJ10 voltadas a assegurar reconhecimento social pelo esforço dos
magistrados, ou valorização de sua carreira, seja porquanto assim não abrangidos os servidores
que lhes assessoram, seja em razão de não atingir o aspecto objetivo causador/agravador de
adoecimentos, que adiante se demonstrará ser o trabalho prestado sob pressão e sem todos os
meios materiais necessários.

1.2 Promoção por merecimento de juizes


Regida atualmente pela Resolução nº 106 do CNJ – com a possibilidade de ser
complementada por regras regionais –, a promoção por merecimento de magistrados em 1º grau
de jurisdição e o acesso às vagas abertas no 2º grau de jurisdição é marcada por critérios
objetivos voltados exclusivamente à produtividade, examinada apenas por critério quantitativo,
comparando-se11 o número de sentenças e audiências realizadas pelos juízes concorrentes com a
média de produção de magistrados que atuam em unidades similares.
E isso tem sido questionado, como se pode observar nas teses aprovadas no XVI Conselho
Nacional de Magistrados de Trabalho – CONAMAT 12, dentre as quais se destacam as defendidas
pelos Juízes José Carlos Kulzer13 e Leonardo Vieira Wandelli14, que evidenciam a preocupação com
a qualidade das decisões nesses moldes produzidas e os possíveis malefícios causados às
condições de saúde dos envolvidos em sua produção.
De outro modo, sendo essa a fórmula, o incremento quantitativo oriundo das metas
estabelecidas pelo CNJ potencializa, em igual ou superior medida, o desempenho exigido para as
promoções em foco, pois, se “competitividade em produção” existia sem as citadas metas, com a
sua existência, ela é elevada pela maior quantidade de “água despejada no monjolo deste
moinho”.
E, no mesmo raciocínio, tudo o que é aplicado à forma como tais metas são fixadas,
repercute na produção avaliada para estabelecer quem será o juiz promovido, razão pela qual a
solução proposta ao cabo deste texto gera idêntico efeito.

1.3 Servidores públicos lotados no Poder Judiciário


Mola propulsora da prestação jurisdicional, os servidores públicos lotados no Poder Judiciário
- notadamente aqueles que laboram na atividade-fim, em contato direto com os Juízes,
Desembargadores e Ministros, confeccionando minutas de sentenças, despachos, liminares e
acórdãos, ou nas Secretarias Judiciárias, impulsionando a tramitação processual -, veem-se
premidos pelo enorme implemento de carga de trabalho adicional oriunda do cumprimento das
metas antes referidas e pelo trabalho destinado à promoção de juízes.
E, no epicentro dessa pressão, encontram-se aqueles que ocupam funções comissionadas –
FCs – ou cargos em comissão – CJs –, no mais das vezes localizados na difícil posição de “ficar
entre a cruz e a espada”, ou seja, responsáveis por fiscalizar o cumprimento dos objetivos traçados
e, eles próprios, sendo submetidos a uma carga de trabalho superior, não podendo, sob pena de
perderem a vantagem financeira inerente ao posto que ocupam, se ausentar em razão de licenças
periódicas ou prolongadas para tratamento de saúde, razão pela qual o uso de tratamentos
paliativos, que atacam apenas os sintomas psicossomáticos produzidos, tornam-se cada vez mais
frequentes, retardando a eclosão do quadro clínico assim gerado.
Somem-se a isso a questão de gênero, pois há atividades domésticas suplementares que
ainda são, preponderantemente, praticadas pelas mulheres, o que torna, ainda mais, exaustiva a
jornada por elas praticada.
Os efeitos que derivam de todo esse quadro será retratado, a partir de dados concretos, por
amostragem, no tópico seguinte.

1. 4 O momento
Perpassa o Tribunal Superior do Trabalho um momento rico de inserção em campanhas
voltadas à prevenção de acidentes e doenças laborais, nas quais se destaca como um importante
agente catalizador, o que é digno de registro e aplauso.
Também na jurisprudência da citada Corte, a natureza de ordem pública que permeia a
proteção à saúde dos prestadores de serviços jurisdicionados é reconhecida, por exemplo, no
inciso I da Orientação Jurisprudencial nº 342 da SBDI-I 15, a par da celeuma originada pelo advento
da flexibilização que lhe é subsequente.
E a força normativa de normas internacionais - particularmente, de convenções da
Organização Internacional do Trabalho - e da Constituição da República começam a permear a
jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, o que representa um enorme ganho sob o ponto
de vista quantitativo e qualitativo do ordenamento aplicável aos conflitos que lhe são submetidos a
julgamento.
Portanto, esse é, talvez, o momento certo para que, a partir da Justiça do Trabalho, sejam
alinhavados diálogos com a sociedade e lançados questionamentos e propostas transformadoras a
respeito das metas judiciais e das promoções por merecimento de juízes, de tal sorte que o
conceito de “emprego verde” a que alude a Organização Internacional do Trabalho – OIT 16 -
dotados de integral proteção ambiental - atinja também, plenamente, aqueles que prestam
serviços no Poder Judiciário Brasileiro.
Afinal, a par da celeuma, inteiramente válida, a respeito do conteúdo das decisões judiciais
prolatadas em ambiente de pressão quantitativa, o número de licenças para tratamento de saúde
– notadamente doenças cardiológicas, psicossomáticas e psicológicas – assim como de servidores
que laboram medicados, deverão se tornar públicos a partir da regulamentação da Lei nº
12.527/11, que regula o acesso a informações no âmbito da administração pública direta e indireta
da União, Estados e Municípios.
Isso permitirá estabelecer um cruzamento de dados, ao longo do tempo, entre as
estatísticas de implementação das metas, o quadro clínico dos operadores jurídicos envolvidos e os
custos econômicos que derivam desta situação, oriundos das licenças para tratamento de saúde e
aposentadorias por invalidez.
Elementos a esse respeito já começam a surgir a revelia de iniciativas estatais, como se pode
citar, por amostragem, os obtidos pelo projeto 17 “Como Vai Você? Análise das condições de
trabalho e saúde dos servidores do Poder Judiciário Federal em Santa Catarina” , trabalho
efetuado por pesquisadores das Universidades Federais de Santa Catarina e Rio de Janeiro e
Universidade Autônoma de Barcelona, durante o ano de 2011, no âmbito dos órgãos do Poder
Judiciário Federal existentes no território catarinense.
Na citada pesquisa, aplicados os questionários científicos específicos, foram detectados riscos
psicossociais oriundos da sobrecarga ou sobredemanda de trabalho prestado, sob pressão, pelos
servidores respectivos, sem que recursos – materiais e humanos – suficientes para fazer frente a
elas sejam disponibilizados – altas demandas e baixos recursos –, estando a maioria dos
integrantes consultados em uma zona crítica de Burnout moderado, com uma percentagem
considerável de pessoas na zona de Burnout médio-alto, quadro reputado como tendente a se
agravar a curto ou médio prazo em razão da perda de capacidade laboral de pessoas em processo
de adoecimento, que tendem a se afastar do trabalho e, assim, sobrecarregar os servidores que
permanecem em atividade.
A fim de esclarecer o termo antes utilizado, cita-se excerto do artigo publicado 19 por Ana
Maria T. Benevides-Pereira, transcrito abaixo:
O termo burn out ou burnout, “queimar até a exaustão”, vem do inglês e indica o colapso
que sobrevêm após a utilização de toda a energia disponível […].
No contexto da psicologia, a definição mais utilizada tem sido a de Maslach & Jackson (1986)
em que o burnout é referido como uma síndrome multidimensional constituída por exaustão
emocional, desumanização e reduzida realização pessoal no trabalho. O burnout é a maneira
encontrada de enfrentar, mesmo que de forma inadequada, a cronificação do estresse ocupacional.
Sobrevêm quando falham outras estratégias para lidar com o estresse.
A exaustão emocional caracteriza-se pela sensação de esgotamento emocional e físico. Trata-
se da constatação de que não se dispõe mais de nenhum resquício de energia para levar adiante
as atividades laborais. O cotidiano no trabalho passa a ser penoso, doloroso.
Aliás, nada disso é novidade, pois a relação de causa e efeito interligando o trabalho aos
adoecimentos cardíacos, respiratórios, de digestão, endócrinos, metabólicos, nervosos, mentais e
de locomoção já consta (RIBEIRO, 2009, p. 68), desde 2005, de uma longa relação publicada pelo
Ministério da Saúde Brasileiro20, sendo reconhecido (ROXO, 2011, p. 37) que desde muito o
acentuamento “da carga mental e da intensificação do trabalho” fez “emergir novos riscos”
laborais.
Como resultado, já se faz sentir o surgimento de uma categoria dentro da categoria dos
servidores do Poder Judiciário Federal: a de uma sucata de luxo, representada por pessoas
razoavelmente remuneradas que, ou estão afastadas/se afastam do trabalho ou, trabalhando, ou
não, sob o efeito de medicamentos, não conseguem mais atingir a produtividade que lhes era
possível e está sendo progressivamente exigida daqueles que ocupam seus antigos postos, de tudo
resultando um enorme prejuízo financeiro e social para a Nação.
À guisa de conclusão, neste tópico, tem-se que um quadro grave já se desenha e pode
emergir em um futuro muito próximo, dele resultando considerável prejuízo funcional, social e
econômico, tudo podendo ser melhor apurado e quantificado pelo cruzamento de dados antes
referido, prática que pode e deve ser melhorada na medida em que a inciativa for sendo
implementada.

1.5 Colisão de princípios e ponderação


Vejamos quais normas constitucionais incidem sobre a forma como a tutela jurisdicional vem
sendo, em tal situação, entregue para os jurisdicionados, partindo, após, para uma análise
topográfica (CANOTILHO, 2010, p. 1239) do quadro obtido visando situar, no caso concreto, “em
que medida a aréa ou esfera de um direito (ambito normativo) se sobrepõe a esfera de um outro
direito também normativamente protegido” e “qual o espaço que ´resta´ aos dois bens
conflitantes para além da área de sobreposição”.
O § 1º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (SARLET, 2001, p. 236)
encerra o “postulado da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais”, o qual imprime aos
poderes públicos um “mandado de otimização de sua eficácia”, a fim de que lhes seja conferida “a
maior eficácia possível” e (CANOTILHO, 2010, P. 890) uma “conformidade substancial” que não
podem ser ignoradas ou relativizadas em nenhum dos atos emanados do Estado, sendo
(DELGADO, 2006, p. 51) o homem “o centro convergente de direitos”, com os seus direitos
fundamentais orientando-se “pelo valor-fonte da dignidade”.
No que se refere ao meio ambiente, o disposto no artigo 225 21 da Constituição Federal impõe
aos entes públicos “o dever” de remover ameaças nele existentes como forma de tutelar -
garantindo e protegendo - outros direitos fundamentais - como à vida, à saúde e à segurança –,
ao passo que no inciso VIII do artigo 200 do referido Diploma 22 o meio ambiente do trabalho é
reconhecido como uma dimensão sua, sendo, dessarte, ambos merecedores de idêntica proteção.
Fossem apenas esses os dispositivos constitucionais dirigidos ao meio ambiente, ter-se-ia
uma hipótese sobre a qual a doutrina (CANOTILHO, 2010, p. 188) questiona se estariam
assegurados apenas direitos procedimentais ambientais – de informação, de participação e de ação
judicial23 - e em qual medida o dever do Estado de assegurar proteção aos direitos fundamentais
corresponde, em relação à matéria, a um direito radicalmente subjetivo - no sentido (CANOTILHO,
2010, p. 1256-1257) de poder ser exigido, aqui também, individualmente -, visto que, se as
prestações ambientais que têm origem do texto constitucional se dirigem somente à proteção de
“interesses supraindividuais”, não se coadunariam “com a subjetividade individual do direito a
prestações ambientais”.
Todavia, consta do inciso XXII do artigo 7° da Constituição Cidadã 24 o direito dos
trabalhadores “à redução dos riscos laborais”, proteção (FREITAS, 2012) que integra o patrimônio
jurídico dos servidores públicos civis da União por força do contido no § 3º do artigo 39 da mesma
Carta.
Tais normas, que integram (MELO, 2010, p. 34) o contrato individual de emprego – em razão
do disposto no artigo 444 da CLT 25 - e os vínculos de natureza administrativa – por força da
literalidade da última norma constitucional citada –, garantem aos trabalhadores empregados e
aos servidores públicos civis o direito subjetivo de, individualmente, demandarem em juízo
buscando a um ambiente de trabalho saudável. E (FREITAS, 2012) como – de forma indistinta – “a
tutela de um ambiente de trabalho equilibrado para o exercício de atividades profissionais objetiva,
a um só tempo, preservar a vida e garantir a saúde e a segurança” daqueles que nele prestam
serviços, e os magistrados – agentes políticos – são titulares destes direitos fundamentais,
possuem eles direitos subjetivos idênticos.
Visto sob esse prisma, é inquestionável a existência, no âmbito constitucional, de um “direito
fundamental e universal ao trabalho digno” (BRITO FILHO, 2010, p. 48, assim entendido aquele
em que “um de seus aspectos principais” é a prestação em “condições que preservem a saúde” de
todos os profissionais envolvidos, conforme se pode depreender também de conceito nesses
termos lançado na página eletrônica mantida pelo escritório de Lisboa da Organização
Internacional do Trabalho –OIT26, que a ele agrega, como elemento constitutivo, a segurança no
local de trabalho.
Por outro lado, o direito à duração razoável do processo e aos meios que assegurem sua
tramitação célere – expressamente previsto, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, no
inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal 27 - ou tempestiva (MARINONI, 2002, p. 18),
deriva (CANOTILHO, 1020, p. 496-501) do direito de acesso à Justiça, este previsto no inciso XXXV
do mesmo normativo28.
Afinal, “a proteção jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma proteção jurídica
eficaz e temporalmente adequada”, “em tempo útil”, e possui natureza jurídica de “direito
fundamental”, com dimensões de “direito de defesa do particular perante os poderes públicos”,
“direito de proteção do particular [...] perante a violação dos seus direitos por terceiros (dever de
proteção do Estado e direito do particular de exigir essa proteção” e “dimensões de natureza
prestacional, na medida em que o Estado deve criar” os “órgãos judiciários” necessários, de tal
sorte (RIBEIRO, 2006, p. 163) que a prestação jurisdicional seja qualificada, se tornando uma
efetiva tutela jurisdicial.
Vale ressaltar, todas as normas abordadas, quando observadas sob o viés do direito
constitucional contemporâneo, deitam raízes, concretizam (SARLET, 2006, p. 84-98.), um núcleo
axiológico comum, a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República 29 cujos
efeitos, quanto ao particular, são lançados (CAMBI, 2006, p. 664) sobre toda a tutela jurídica, “não
se restringindo ao vínculo entre governantes e governados, mas se estendendo para toda e
qualquer relação” que envolva violação ou ameaça de lesão a direito, locução que contempla, por
óbvio, aqueles postos sobre a mesa.
Fixadas essas considerações, como se pode perceber, sobre a forma como a tutela
jurisdicional vem sendo entregue no Brasil - considerando-se as metas judiciais estabelecidas pelo
CNJ e o incremento que provocam no quantitativo utilizado como critério objetivo de promoção
por merecimento de magistrados -, incidem, de um lado, o direito fundamental ao meio ambiente
de trabalho saudável, que respeite a integridade física e mental de juízes e servidores e, de outro,
o direito fundamental à duração razoável do processo e aos meios que assegurem a sua tramitação
célere.
Portanto, traduzindo para o caso concreto a topografia do conflito em exame temos:

FORMA COMO A TUTELA JURISDICIONAL VEM SENDO


ENTREGUE NO BRASIL - DIREITOS EM CONFLITO
Direito ao meio ambiente de Direito à duração razoável do processo e
trabalho equilibrado, preservando a saúde aos meios que assegurem sua tramitação
de juízes e servidores, no interior do Poder célere
Judiciário
Há sobreposição dos direitos acima descritos na medida em que o principal meio
empregado para minimizar a demora na entrega da prestação jurisdicional, a fixação de
metas judiciais pelo CNJ, tem implicado acréscimo na produção judiciária considerada como
critério para a promoção de magistrados e ambos têm resultado, a um só tempo, na
prestação de serviços em condições - sob pressão e sem meios suficientes – antagônicas à
existência de um ambiente de trabalho equilibrado no interior do Poder Judiciário brasileiro e
na eclosão de um quadro de adoecimento dos agentes públicos e políticos envolvidos.
Para solucionar o citado conflito é necessário recorrer à Teoria dos Direitos Fundamentais
(ALEXY, 2011, p. 85-106), edifício que tem como uma de suas “colunas-mestras” a diferenciação
entre regras e princípios, ambas espécies do gênero norma, sendo as primeiras (CANOTILHO,
2010, p. 1255.) “normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proibem ou
permitem algo em termos definitivos, sem qualquer execução (direito definitivo)” e os últimos
“normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as
possibilidades fáticas e jurídicas”.
Portanto, analisando os direitos fundamentais descritos no quadro sinótico anterior,
constata-se, à luz da aludida classificação, que são todos eles princípios, que colidem quando se
trata de conferir, na forma como vem ocorrendo, celeridade à tutela jurisdicional brasileira.
A metodologia empregada (DELGADO, 2006, 63-66) para solucionar conflitos de princípios é
diferente da utilizada diante de regras conflitantes. Se nesta hipótese o conflito é solucionado - em
termos de “tudo ou nada” (DWORKIN, 2010, p. 39), ou seja, “dados os fatos que uma regra
estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não
é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão” -, ou pela existência de uma cláusula de
exceção em uma delas - “em virtude de um princípio” (ALEXY, 2011, p. 63-66), ocasionando uma
“redução teleológica” - ou por uma declaração de invalidade, esta adotada utilizando-se critérios
clássicos de comparação entre os dispositivos em antinomia, como o cronológico, o hierárquico ou
o especial, naquela (DELGADO) “quando dois princípios entram em colisão, em uma zona
conflitante de determinado caso concreto, um deverá ceder diante do outro, prevalecendo aquele
de maior peso”, mantendo, todavia, ambos sua validade.
A respeito do tema, leciona o Professor Doutor J.J. Gomes Canotilho(2010, p. 1237):
A agitação metódica e teórica em torno do método de balanceamento ou
ponderação no direito constitucional não é uma “moda” ou um capricho dos
cultores de direito constitucional. Várias razões existem para essa viragem
metodológica: (1) inexistência de uma ordenação abstracta de bens
constitucionais o que tornaria indispensável uma operação de
balanceamento desses bens de modo a obter uma norma de decisão
situativa, isto é, uma norma de decisão adaptada às circunstâncias do caso;
(2) formatação principal de muitas das normas do direito constitucional
(sobretudo das normas consagradoras de direitos fundamentais) o que
implica, em caso de colisão, tarefas de “concordância”, “balanceamento”,
“pesagem”, “ponderação” típicas dos modos de solução de conflitos entre
princípios (que não se reconduzem, como já se frisou, a alternativas radicais
de “tudo ou nada”); (3) fractura da unidade de valores de uma comunidade
que obriga a leituras várias dos confitos de bens, impondo uma cuidadosa
análise dos bens em presença e uma fundamentação rigorosa do
balanceamento efectuado para a solução dos conflitos.

Aplicando ao caso concreto uma harmonização de princípios (CANOTILHO, 2010, p. 1241) –


“de forma a assegurar, nesse caso concreto, a aplicação coexistente dos princípios em conflito” – e
a denominada Lei da Ponderação – “de acordo com a qual (NOVAIS, 2010, p. 692), basicamente,
quanto maior for o grau de não realização de um princípio por força da existência de um princípio
oposto, maior terá de ser a importância deste último” – obtem-se que à exigência quantitativa de
tutela jurisdicional em foco devem ser acoplados cuidados com a saúde de juízes e servidores, na
exata medida de que a primeira só pode ser implementada enquanto não comprometer o segundo
aspecto ventilado.
E desta conclusão resulta ser imprescindível a introdução, tanto nas metas judiciárias
estabelecidas pelo CNJ quanto nos critérios de promoção por merecimento de juízes, de ao menos
uma variável que considere esse aspecto, de tal sorte que se encontre um “ponto de equilíbrio”
com as características aludidas, valor que pode ser obtido, em moldes estatísticos, a partir do
cruzamento de dados referidos alhures, prática que deve e pode ser melhorada, acrescendo ou
substituindo o método empregado, repisa-se, a partir da análise do quadro assim obtido.
Essa é a forma de não tornar a medida um fim em si, mas de aproveitá-la (PRADO JUNIOR,
1980, p. 12 e 49) em um processo dialético de formação do conhecimento, enquanto algo que
deve ser entendido como ponto de partida para, diante de um objetivo concreto – redução de
danos causados à saúde de magistrados e servidores – e da assimilação de resultados, merecer
aperfeiçoamento constante ou mesmo, se for o caso, substituição.
Em defesa da solução encontrada, na linguagem utilizada pelo Supremo Tribunal Federal em
seus julgados, ela satisfaz o princípio da proporcionalidade em sentido lato, constituído pelos sub-
princípios, máximas ou elementos, da proporcionalidade em sentido restrito, idoneidade ou
adequação e necessidade, definidos30 pelo Professor Doutor Jorge Reis Novais (2010, p. 731)
como:
Na sua utilização mais comum, ao princípio da idoneidade é atribuído o sentido de exigir que
as medidas restritivas em causa sejam aptas a realizar o fim visado com a restrição ou contribuam
para o alcançar; ao princípio da indispensabilidade ou da necessidade, o sentido de que, de todos
os meios idôneos disponíveis e igualmente aptos a prosseguir o fim visado com a restrição, se
deve escolher o meio que produza efeitos menos restritivos; por sua vez, a proporcionalidade em
sentido restrito respeitaria à justa medida ou relação de adequação entre os bens e interesses em
colisão e o benefício por ela prosseguido.
Nesse sentido, não há dúvida que a medida restritiva proposta é “apta a realizar o fim
visado” – a proteção à saúde assaz referida –, além de permitir o acréscimo de resolução de
conflitos até o limite a partir do qual a ofensa à dignidade da pessoa humana de juízes e
servidores se materialize.
Vale ressaltar, ainda, que: a) o “alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”
(NOVAIS, 2010, p. 779-798) abordados é preservado, pois salva “um sentido útil” para todos eles;
b) os quantitativos de gastos econômicos, advindos de licenças para afastamentos do trabalho e
aposentadorias por invalidez, advindas do adoecimento por conta de trabalho sob pressão ou
agravamento de doenças laborais pré-existentes pode servir como fundamento para a alteração
proposta e argumento para o diálogo social proposto, já que o dano social reflexo, ocasionado nas
famílias e nos grupos sociais respectivos, embora não muito importante, exigiria uma avaliação por
certo mais complexa; c) o cruzamento de dados aventado municiaria, ainda, a implementação do
Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA na Justiça do Trabalho, pois ajuda no
“reconhecimento, avaliação e consequente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes
ou que venham a existir no ambiente de trabalho”, objetivo traçado, no item 9.1.1 31 da NR nº 9 do
Ministério do Trabalho e Emprego, para o citado programa; e d) de tudo resultaria (ALEXY, 2011,
p. 102) uma “norma de direito fundamental atribuída, que tem estrutura de regras e à qual o caso
pode ser subsumido”.
Além disso, conferindo concretude à dimensões de natureza prestacional imanente do direito
de acesso à Justiça, o “ponto de equilíbrio” encontrado, assim como o excedente de processos que
deveriam ser solucionados por força das metas estabelecidas pelo CNJ, pode e deve gerar: a)
modificações na Resolução nº 63, com a redação que lhe conferiu a Resolução nº 93, ambas da
lavra do CSJT32, que “institui a padronização da estrutura organizacional e de pessoal dos órgãos
da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus” considerando exclusivamente processos por
eles recebidos em 1 ano, veda a utilização de projeções de dados em tal cálculo e só permite,
ordinariamente, reavaliações que considere alterações na movimentação processual detectadas
com base em médias apuradas nos três anos que lhe sejam anteriores; b) informação a ser
aproveitada pelo comitê permanente instituído pela Portaria nº 42 do CNJ 33 visando “elaborar
estudos e propor critérios objetivos para a criação de varas e cargos no âmbito do Poder Judiciário
da União”; e c) critério a ser considerado, pelo grupo de trabalho formado, em razão da Portaria
nº 74 do CNJ34 “para estudar e analisar os procedimentos em trâmite perante este Conselho
Nacional de Justiça que versam acerca da criação de Varas e de cargos de juízes e servidores no
âmbito da Justiça do Trabalho”.
Por fim, dentre outras medidas complementares à solução proposta – portanto, que não a
substituem –, pode-se apontar: a) a introdução de pausas obrigatórias, a cada X minutos de
trabalho – lapso a ser fixado conforme orientação técnica especializada -, nos softwares utilizados
para redação de texto ou acompanhamento e impulso na tramitação processual, já que, na ampla
maioria dos casos, funcionam eles a partir da introdução da senha do juiz ou servidor respectivo;
b) limitação – com controle por intermédio das aludidas senhas –, do tempo total de trabalho
diário; e c) limitação do número de toques por juiz ou servidor x jornada.
Quanto às últimas sugestões, salienta-se que o controle estabelecido diretamente nos
softwares não prescinde de uma fiscalização hierárquica e nem do fomento de uma “cultura”
voltada para a saúde dos envolvidos, por intermédio da instituição de concursos voltados a premiar
projetos ou iniciativas que se destaquem nesse sentido, formação de um banco de idéias,
prospecção de iniciativas congêneres adotadas internacionalmente, etc...

CONCLUSÃO
No presente trabalho não se ataca, pura e simplesmente, as metas de produtividade judicial
estabelecidas pelo CNJ e os critérios quantitativos dirigidos à promoção por merecimento de juízes
com o intuito de extinguir a ambos, mas se busca a humanização de seu estabelecimento e
aplicação, para tanto não se concebendo, diante do quadro clínico antes referido que se avizinha,
seja remetida para o futuro a detecção dos danos causados à saúde dos agentes públicos e
políticos envolvidos, ou mesmo adotadas soluções que, ou buscam somente conferir visibilidade ao
trabalho dos juízes e a sua carreira ou, quando muito, atacam os sintomas, e não a causa.
Principalmente, quando já existem dados suficientes para estabelecer parâmetros a respeito
da situação gravosa e seu respectivo custo econômico, o que, juntamente com as medidas agora
propostas, deve ser amplamente divulgado a fim de que se obtenha um diálogo social sobre a
matéria e se evite a permanência da evidente contradição representada por uma “injustiça dentro
da justiça”, locução empregada por um dos entrevistados na pesquisa que ouviu servidores do
Poder Judiciário Federal no Estado de Santa Catarina.
Nesse contexto, este ensaio não pretende ser conclusivo mas, se contribuir, de alguma
forma, para impulsionar a referida discussão, já terá cumprido um de seus objetivos.
RESUMO

O objetivo deste trabalho é conhecer as concepções e práticas relacionadas à abordagem das Lesões
por Esforços Repetitivos/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho-LER/DORT,
empreendida pelos profissionais que atuam no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador do
Espírito Santo - CRST/ES e vivenciada pelos usuários do serviço. A hipótese desta pesquisa é que a
abordagem possibilita aos trabalhadores se situarem no processo saúde/trabalho, mas que necessita
ser potencializada, através da integração das ações de assistência, vigilância e educação em Saúde
do Trabalhador desenvolvidas pelo Centro. Adotamos neste trabalho, métodos e técnicas
qualitativas e quantitativas, tendo em vista a necessidade de analisar dados obtidos a partir de
diferentes olhares. Os resultados apontam para o fato que apesar de haver um discurso compatível
com os princípios da Saúde do Trabalhador entre os profissionais, a prática cotidiana se apresenta
por vezes fragmentada, dificultando uma atuação integrada que ultrapasse o âmbito da assistência.
Palavras Chaves: Lesões por Esforços Repetitivos, Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao
Trabalho, Saúde do Trabalhador, Serviço de Saúde

ABSTRACT

The objetive of this study is to know the conceptions and the practices that were related about the
boardings of the Repetitve Strain Injuries/Work Related Musculoskeletal Disorders-RSI/WMSDs,
enterprised for professionals who actuate in the Center of Reference of the Worker’s Health in the
state of Espirito Santo-CRST/ES and lived by It’s users. The hipothesis of this research is that the
boarding makes possible the users to place in the process Health/Work, but It’s necessary to be
involved by the integration of the actions of assistance, surveillance and education in health of
worker developed by this Center. We adopt in this study, qualitative and quantitative methods and
technics, because of the necessity that we have to analyze the informations from the different points
of view. The results show is that althoug there is this discourse compatible with the principles of the
worker’s health between the professionals, the daily practice to present Itself for many times
fragmented, difficultating an integrated actuaction that can exceeds the ambit of the assistance.
Key words: Repetitive Strain Injuries, Work Related Musculoskeletal Disorders, Worker’s Health,
Health’s Service

7
INTRODUÇÃO

Este estudo, trata-se de uma proposta de pesquisa que pretende compreender a abordagem
das LER/DORT que se efetiva nas ações desenvolvidas pelo Centro de Referência em
Saúde do Trabalhador do Espírito Santo - CRST/ES, a partir do enfoque das concepções e
práticas implementadas pelos profissionais do Centro e vivenciadas pelos usuários,
possibilitando contribuir para um repensar destas ações, entendendo a doença no contexto
da organização do trabalho.

O Centro de Referência é um órgão público criado através de uma parceria entre a


Prefeitura Municipal de Vitória - PMV e a Secretaria Estadual de Saúde - SESA. Sua
criação tem respaldo nas Leis: Constituição Federal/88, Lei 8.080/90 - Sistema Único de
Saúde - SUS, Lei 8.213/91 - SUS e no Decreto 611 de 21 de julho de 1992, que
especificam um conjunto de ações de Saúde do Trabalhador a serem desenvolvidas no SUS
pelas diversas instituições que tratam dessa área.

O CRST/ES é resultado de uma política sanitária governamental, decorrente de um


processo reivindicatório entre diferentes atores: trabalhadores, sindicalistas, profissionais
interessados na preservação da saúde. Está situado no centro de Vitória/ES, passando a
atender efetivamente a população em fevereiro/96, sendo que anteriormente já funcionava
na PMV, enquanto Programa de Saúde do Trabalhador - PST. A demanda atendida por este
programa foi transferida para o CRST/ES, assim que o mesmo foi criado.

As ações do CRST/ES são desenvolvidas em equipe multidisciplinar, envolvendo:


médicos do trabalho, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiro do trabalho, homeopatas,
acupunturistas, técnicos de segurança no trabalho, fonoaudiólogos, entre outros. O
CRST/ES procura atender ao quadro epidemiológico do Estado, a partir de uma
cooperação técnica interinstitucional, no SUS. Tem como principal objetivo, modificar o
perfil de mobi-mortalidade do trabalhador no âmbito estadual, dentro de um enfoque
epidemiológico.

15
Voltado para esta visão, suas atividades consistem em atendimento ambulatorial,
fiscalização das condições de saúde do trabalhador, avaliação e diagnóstico de ambiente de
trabalho, realização de projetos específicos a partir da demanda dos sindicatos e da rede de
saúde, cursos de capacitação, orientação e educação em saúde.

Em relação aos atendimentos ambulatoriais, dados obtidos juntos ao Sistema de


Informação Atendimento Médico Ambulatorial - SIAMAB, referente ao ano de 1999, do
Centro de Referência, demonstram que entre os casos novos diagnosticados, (34,2%) são
de LER/DORT, sobressaindo desta forma, em relação aos principais diagnósticos
(disacusia 15,8%, seqüela de acidente de trabalho 5,9%, dermatite de contato 5,2%) se
constituindo assim num grave problema de Saúde Pública a ser enfrentado.

Estes dados ao serem comparados, com os de outros serviços de Saúde do


Trabalhador, apresentam similaridades e somente confirmam o fato que as LER/DORT se
constituem atualmente:

“... a maior demanda aos Centros de Referência e Programas Estaduais e Municipais de


Saúde do Trabalhador, sendo hoje, isoladamente a mais freqüente causa de emissão de
Comunicações de Acidentes de Trabalho - CAT ao Instituto Nacional de Seguro Social -
INSS do Ministério da Previdência Social”. (Ribeiro, 1997a: 13)

Ressalta-se então, que as mudanças sócio-econômicas-culturais e inovações


tecnológicas, trouxeram grandes alterações no modo de trabalhar, e consequentemente de
adoecer dos trabalhadores neste último século, principalmente. Ao mesmo tempo em que
trabalhadores sofrem acidentes graves, há uma tendência de multiplicação de doenças da
esfera mental e osteomuscular.

Visando dar visibilidade à relevância da temática a ser investigada, iniciamos a


pesquisa bibliográfica nas bases de dados Medline e Lilacs, que se configurou numa busca
de bibliografias existentes em relação às variáveis “LER/DORT” e “serviços de saúde”.
Utilizando as denominações usualmente conhecidas para LER/DORT em inglês, como
Repetitive Strain Injuries, Cumulative Trauma Disorders e Work Related Musculoskeletal

16
Disorders, observamos que na base de dados Medline no período de 1990-2000, constavam
poucos estudos. Realizando a busca na base de dados Lilacs, a situação se manteve.
Ressalta-se que os artigos são mais voltados para prevenção e tratamento das LER/DORT
em indústrias, categorias profissionais, porém a discussão da doença em Serviços Públicos
de Saúde, não se apresenta efetivamente.

Apesar do Medline apresentar mais artigos relacionados a literatura internacional,


constatou-se o fato da carência de produções científicas relacionadas as “LER/DORT” e
“serviços de saúde”. Neste sentido, realizar esta pesquisa se tornou um desafio, ao
pretender estudar a abordagem das LER/DORT no Centro de Referência, visando
contribuir para a implementação de ações mais efetivas e coerentes com o referencial da
Saúde do Trabalhador.

Diante do exposto, partimos do pressuposto que a abordagem empreendida pelo


Centro, possibilitava aos trabalhadores se situarem no processo saúde/trabalho, mas que
poderia ser potencializada através de ações que extrapolassem o âmbito da assistência,
entendendo a doença enquanto um processo social, no qual a organização do trabalho
encontra-se estritamente vinculada ao seu surgimento.

Nessa linha de argumentação, objetivando analisar as concepções e práticas que


permeiam a abordagem das LER/DORT no CRST/ES nas diversas ações desenvolvidas, a
partir do olhar dos profissionais e usuários do Centro, iniciamos então, o processo de
investigação que será apresentado no decorrer deste trabalho, organizado em quatro
capítulos.

No primeiro capítulo realizamos a discussão referente a constituição e atuação do


CRST/ES, apresentando o contexto histórico das relações saúde e trabalho, passando pela
Medicina do Trabalho, Saúde Ocupacional, para alcançar a Saúde do Trabalhador,
enquanto campo em construção na Saúde Pública.

Neste contexto é ressaltada a regulamentação da Saúde do Trabalhador no SUS e o


surgimento dos primeiros Programas de Saúde do Trabalhador e Centros de Referência,

17
que representaram novas perspectivas na área da saúde para as questões relativas à saúde
no trabalho. Diante deste percurso histórico, permeado de avanços e recuos para a Saúde
do Trabalhador, emerge experiências como o CRST/ES, visando modificar o perfil de
morbi-mortalidade do trabalhador na esfera estadual, se configurando assim, num espaço
privilegiado para coleta de dados desta pesquisa.

No segundo momento tratamos sobre o surgimento e a regulamentação das


LER/DORT, os aspectos pertinentes ao diagnóstico e à abordagem da patologia nos
Serviços de Saúde do Trabalhador e sua relação com a organização do trabalho, visando
superar o enfoque biologicista. Neste capítulo, na maioria das vezes optamos por nos
referenciarmos, nas Normas Técnicas de Avaliação de Incapacidade do Instituto Nacional
do Seguro Social – INSS, Normas e Manuais Técnicos do Ministério da Saúde/2001 e
Protocolo de Investigação, Diagnóstico, Tratamento e Prevenção de LER/DORT/2000,
buscando o quanto possível uma atualização para a compreensão da doença, pontuando
alguns aspectos didaticamente.

Cabe mencionar, que no decorrer deste capítulo e de toda a dissertação, procuramos


utilizar os termos LER/DORT, tendo em vista a atualização realizada na Norma Técnica
do INSS em 1998 que modificou o nome da patologia, passando a ser reconhecida
institucionalmente como DORT. Ressaltamos, que apesar desta mudança, compreendemos
a legitimidade conferida ao nome LER, e a abrangência que esta terminologia representa,
no processo de reconhecimento do trabalho como desencadeante de adoecimento nos
trabalhadores.

Posteriormente, no terceiro capítulo, abordamos o processo saúde-doença e a


relação com o trabalho, utilizando como referencial os estudos da medicina social latino-
americana, que contribuem para a compreensão da determinação histórico e social do
processo saúde-doença. Ainda neste capítulo, pontuamos as contribuições da
Psicopatologia do Trabalho e da Ergonomia para a identificação e análise dos problemas
de saúde nos processos de trabalho, possibilitando a transformação das situações de
trabalho, a partir da atividade real do trabalhador.

18
Finalmente, no quarto capítulo informamos os procedimentos metodológicos
empregados, o levantamento empírico e análise dos dados, se constituindo na etapa mais
longa e extremamente rica, pois entendemos a metodologia como um caminho complexo,
que solicita do pesquisador uma atenção maior no desenvolvimento do trabalho, para que
assim, possa explicitar a realidade e alcançar os objetivos propostos.

Nesta última etapa, apresentamos o levantamento quantitativo, desenvolvido


através do SIAMAB, as análises das entrevistas realizadas com os profissionais do Centro
e as discussões em grupo. Estes procedimentos, juntamente com a observação
constantemente presente durante todo o decorrer da pesquisa, foram fundamentais para a
construção de conhecimentos, acerca da abordagem das LER/DORT no Centro de
Referência, a partir de olhares diferenciados.

19
CAPÍTULO 1 - A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA SAÚDE DO
TRABALHADOR E A CONSTITUIÇÃO DO CRST/ES

1.1 - A SAÚDE E TRABALHO ENQUANTO PROCESSO HISTÓRICO

As questões referentes à saúde e trabalho, se apresentaram como um tema de


preocupação pública desde meados do século XIX, quando o adoecimento nos processos
de produção aparecem ainda nas etapas iniciais da industrialização, diferentemente do
Brasil onde a industrialização ocorreu um século depois. Deste modo, nos países
industrializados, o Estado passa a assumir as funções de regulamentação e intervenção dos
temas relativos à promoção e prevenção da saúde e segurança dos trabalhadores, com o
objetivo de eliminar os obstáculos ao desenvolvimento econômico. O Estado então,
promove uma série de ações visando garantir as condições para o desenvolvimento do
novo sistema de produção.

Quando a fábrica se torna o local privilegiado para a realização das novas relações
de produção, como apontam Mendes & Dias (1991), ocorre o surgimento da Medicina do
Trabalho, visando o controle da força de trabalho para o aumento da produtividade. Porém
enquanto especialidade médica, nasce na Inglaterra na primeira metade do século XIX com
a Revolução Industrial. Os autores citam que em 1830 instala-se o primeiro serviço de
Medicina do Trabalho. Este se caracterizava por ser um serviço centrado na figura do
médico, que por sua vez deveria ser de inteira confiança do empresário. A prevenção à
saúde deveria ser uma tarefa médica, assim como, as responsabilidades pela ocorrência das
doenças na fábrica.

A Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra levou o trabalhador a se submeter a


precárias condições de trabalho, jornadas extensas, acidentes de trabalho, submissão ao
trabalho insalubre e perigoso. Neste contexto, a presença da figura do médico no interior
da fábrica se apresenta como um meio principalmente de possibilitar a recuperação do
trabalhador o mais rápido possível para o retorno ao trabalho, num momento em que a
força de trabalho era necessária à industrialização. Desta forma o surgimento da Medicina
do Trabalho, centrada na atuação médica se mantém até os dias atuais, dentro de um
enfoque biologicista e individual, buscando a causa das doenças e acidentes de trabalho
com uma abordagem unicausal.

20
Em relação a organização do trabalho, a Medicina do Trabalho teria pouco a
contribuir na medida que sua atenção é voltada basicamente para o indivíduo,
privilegiando diagnóstico e tratamento, dentro de uma visão na qual o espaço para a
subjetividade e a percepção do trabalhador é restrito. Desvela-se então, a impotência da
Medicina do Trabalho para intervir sobre os problemas de saúde causados pelo processo de
produção. Em resposta, amplia-se a atuação médica direcionada ao trabalhador, pela
intervenção sobre o ambiente, com o instrumental oferecido de outras disciplinas.

Nesta direção a Saúde Ocupacional, começa a se delinear, a partir do contexto


econômico e político da II Guerra e do Pós-Guerra, onde o custo provocado pela perda de
vidas abruptamente por acidentes de trabalho ou por doenças do trabalho, começou a ser
sentido tanto por empregadores, como pelas companhias de seguro, devido as pesadas
indenizações. Nesta abordagem, desloca-se a intervenção que antes era centrada no
indivíduo, para a questão dos riscos existentes no ambiente de trabalho. Desta forma a
Saúde Ocupacional, utiliza o enfoque da higiene Industrial, buscando através da atuação
multiprofissional (médicos, engenheiros, toxicologistas, etc.), intervir nos locais de
trabalho, com a finalidade de controlar os riscos ambientais, refletindo assim, a influência
das Escolas de Saúde Pública principalmente dos Estados Unidos (Mendes & Dias, 1991).

No Brasil, a adoção e o desenvolvimento da Saúde Ocupacional deram-se


tardiamente, reproduzindo o processo ocorrido nos países do Primeiro Mundo. O modelo
de Saúde Ocupacional não conseguiu atingir os seus objetivos, pois manteve o referencial
da Medicina do Trabalho, não atingindo a interdisciplinariedade e as medidas para
propiciar a saúde no trabalho, de forma mais ampla, se restringiram à ações pontuais sobre
os riscos mais evidentes.

Uma forma diferente de analisar as questões referentes ao trabalho-saúde/doença,


surge com alguns autores da Medicina Social Latino-americana, entre eles, Laurell &
Noriega (1989) que conceitua o trabalho a partir da concepção de processo de trabalho, que
se inscreveria nas relações sociais de produção. Assim, além das conseqüências mais
visíveis do trabalho sobre a saúde, ou seja, agentes nocivos de natureza química, física,

21
entre outros, procura também entender a nocividade do trabalho com suas implicações a
nível bio-psíquico.

“A Medicina Social Latinoamericana propõe, então, uma visão do


conceito de trabalho que incorpora a idéia de processo de trabalho,
na qual o foco não se restringe à sua composição ambiental
constituída dos vários fatores/agentes de risco e externo ao
trabalhador, mas como uma “categoria” explicativa que se
inscreveria nas relações sociais de produção existentes entre o
capital e o trabalho” (Lacaz, 1996:23)

Neste contexto, uma questão nova se apresenta, a emergência da Saúde do


Trabalhador. A construção deste campo, se diferencia da Medicina do Trabalho e da Saúde
Ocupacional, pois compreende o processo de trabalho a partir da discussão do campo das
Ciências Sociais e da Epidemiologia Social, trazida para a relação saúde e processo de
trabalho.

A Saúde do Trabalhador tem suas origens na medicina social latino-americana e na


saúde coletiva. Apresenta como premissa básica, o enfoque na relação saúde/trabalho,
compreendendo o processo de adoecimento dos trabalhadores, através do estudo dos
processos de trabalho. Articula as questões sócio-políticas e econômicas, de forma a se
estabelecer o nexo biopsíquico das coletividades nas sociedades capitalistas industriais
(Laurell & Noriega1989).

Esta área de estudo e práticas, buscou na experiência sindical italiana, uma


referência teórico-metodológica, que contribuiu para o reconhecimento do saber do
trabalhador, no controle dos agravos e riscos existentes nos ambientes de trabalho.

Os trabalhadores italianos no final da década de 70, estabeleceram alianças com os


profissionais de saúde, comprometidos com a efetividade de um método direcionado para o
conhecimento da relação entre processo de trabalho e saúde, resultando na construção do
Modelo Operário Italiano-MOI, que, segundo Oddone et. al (1986), pressupõe a
valorização do saber e das experiências do trabalhador, a não delegação do planejamento e
do controle de sua saúde aos técnicos, a socialização e a apropriação mútua do
conhecimento, na perspectiva da construção de um saber coletivo.

22
Nestes termos, também em outros países, foram alcançadas importantes conquistas
pelos trabalhadores. Esta década testemunha profundas mudanças nos processos de
trabalho, com as críticas cada vez mais acirradas à concepção da Saúde Ocupacional.

“... ganha corpo a teoria da determinação social do processo


saúde/doença, cuja centralidade colocada no trabalho- enquanto
organizador da vida social- contribui para aumentar os questionamentos à
medicina do trabalho e a saúde ocupacional” . (Mendes & Dias, 1991:346)

Como conseqüência desse processo de mudanças que vem se conformando, desde o


final da década de 60, os trabalhadores começam a explicitar sua desconfiança em relação
aos profissionais da Saúde Ocupacional. A participação dos trabalhadores questionava os
procedimentos adotados pela Saúde Ocupacional, principalmente no que diz respeito aos
exames médicos admissionais e periódicos. Os limites de tolerância que permearam
durante muito tempo a Saúde Ocupacional, são questionados a partir de estudos que
comprovam que não existe a exposição segura, enquanto proteção à saúde dos
trabalhadores. As investigações em Saúde do Trabalhador, buscam superar o enfoque
individualizante da doença, centrada no trabalhador e no seu ambiente de trabalho, tal
como a Medicina do Trabalho.

Associada a estas questões Mendes & Dias (1991), apontam também que as
mudanças ocorridas com a utilização das novas tecnologias através da automação e
informatização nos processos de trabalho, que aparentemente representam melhoria das
condições de trabalho, na verdade introduziram novos riscos à saúde. Estes acabaram
gerando doenças de difícil medicalização, tais como as LER/DORT, doença esta
intrinsecamente relacionada à organização do trabalho. Todo esse processo de mudanças
ocorridas no mundo do trabalho, desencadeou aspectos relevantes na relação trabalho e
saúde e contribuiu efetivamente para o surgimento do campo da Saúde do Trabalhador.

1.2 - A CONSTRUÇÃO DA SAÚDE DO TRABALHADOR NA SAÚDE PÚBLICA

A Saúde do Trabalhador é um campo em construção na Saúde Pública. Enquanto


área, começa a constituir-se no Brasil na década de 80, visando uma ruptura com as

23
formas, até então existentes, de tratar as doenças e os acidentes no trabalho, adotadas
principalmente pela Medicina do Trabalho e Saúde Ocupacional. “O objeto da saúde do
trabalhador pode ser definido como o processo saúde e doença dos grupos humanos, em
sua relação com o trabalho”. (Mendes & Dias,1991:347)

Refere-se a um campo do saber que busca compreender a relação do processo de


saúde/doença no trabalho, entendendo a saúde e a doença articulado com o modo de
produção e desenvolvimento da sociedade num determinado contexto histórico. Parte do
princípio, que a forma de inserção dos homens no trabalho, contribui efetivamente para sua
forma de adoecer e morrer (Laurell & Noriega,1989).

Este campo busca romper com a perspectiva causal entre a doença e um agente ou
fatores de riscos presentes no ambiente de trabalho. A Saúde do Trabalhador compreende o
processo de adoecimento dos trabalhadores, através do estudo dos processos de trabalho
articulado às questões sócio-políticas-econômicas. Nesta perspectiva os trabalhadores são
sujeitos ativos dos processos de estudos e modificações dos ambientes de trabalho, capazes
de construir sua própria história.

“...trabalhadores buscam ser reconhecidos em seu saber, questionam as


alterações no processo de trabalho, particularmente a adoção de novas
tecnologias, exercitam o direito à informação e a recusa ao trabalho
perigoso ou arriscado à saúde”. (Mendes & Dias,1991:347)

Nas relações saúde/doença, os trabalhadores buscam o controle sobre as condições


de trabalho; mas, alcançar este controle, depende de toda uma conjuntura sócio-política de
uma determinada sociedade. Desta forma, a Saúde do Trabalhador, se apresenta
diferentemente em cada época e país e até mesmo dentro de um mesmo país; porém
mantém seus princípios.

Neste sentido, a emergência da Saúde do Trabalhador no Brasil, está associada, a


mudanças importantes que aconteceram na década de 80, no contexto da transição
democrática. A própria Constituição brasileira de 1988, se configurou como um avanço
em termos de legislação para a área de saúde do Trabalhador. Posteriormente, na Lei

24
Orgânica da Saúde Lei 8.080/90 em seu artigo VI (Brasil, 1990), essa área assim foi
conceituada:

“um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância


epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção da saúde dos
trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos
trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de
trabalho abrangendo:
I- assistência ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou portador de
doença profissional e do trabalho;
II- participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde-SUS,
em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais
à saúde existentes no processo de trabalho;
III- participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde-SUS,
da normatização, fiscalização e controle das condições de produção,
extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de
substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam
riscos à saúde do trabalhador;
IV- avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;
V- informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e a
empresas, sobre os riscos de acidente de trabalho, doença profissional e do
trabalho, bem como os resultados das fiscalizações, avaliações ambientais e
exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os
preceitos da ética profissional;
VI- participação na normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde
do trabalhador nas instituições e empresas públicas e privadas;
VII- revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no processo de
trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais; e
VIII- a garantia ao sindicato dos trabalhadores de requerer ao órgão
competente a interdição de máquina, de setor de serviço ou de todo o
ambiente de trabalho, quando houver exposição a risco iminente para a
vida ou saúde dos trabalhadores”.

A elaboração desta lei deu-se após a realização da VIII Conferência Nacional de


Saúde (VIII CNS), realizada em 1986, que significou um momento de intensa mobilização
popular pela saúde no Brasil. A promulgação da Lei Orgânica da Saúde, em 19 de
setembro de 1990, atribuiu ao SUS, ações de vigilância epidemiológica e sanitária em
Saúde do Trabalhador, possibilitando aos serviços de saúde uma ampliação da concepção
de saúde, incorporando nas suas práticas, a prevenção e controle das doenças e acidentes
de trabalho.

25
Nesse processo de construção da área de Saúde do trabalhador no SUS, a Norma
Operacional de Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde-NOST-SUS (Brasil,
1998), complementar à Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde (NOB-
SUS) número 01/96 se expressa enquanto uma direção para a área, objetivando orientar e
instrumentalizar a efetivação das ações de Saúde do Trabalhador, através dos seguintes
pressupostos: universalização e eqüidade; integralidade das ações; direito à informação
sobre a saúde; participação e controle social; regionalização e hierarquização das ações de
Saúde do Trabalhador; utilização do critério epidemiológico e de avaliação de riscos para o
desenvolvimento das ações e a configuração da Saúde do Trabalhador como um conjunto
de ações de vigilância e assistência, visando a saúde dos trabalhadores submetidos a riscos
e agravos advindos do processo de trabalho.

Portanto todo esse processo social gestado através das reinvidicações de diferentes
segmentos sociais, que conformou legislações voltadas para um novo modelo de saúde, no
qual a Saúde do Trabalhador tem um importante papel, foi essencial para a consolidação da
atenção à Saúde do Trabalhador no SUS, através da criação e implementação de Programas
e Centros de Referência em Saúde do Trabalhador.

1.3 - A ATENÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR NA REDE PÚBLICA DE


SAÚDE

A criação dos PST’s resulta de uma ampliação democrática conquistada


politicamente pelos trabalhadores, apoiados por segmentos interessados na preservação da
saúde tais como: profissionais de saúde, sindicatos, etc. Pode ser entendida, como uma
área da saúde pública, especializada em Saúde do Trabalhador, com ênfase nas patologias
decorrentes do trabalho, buscando uma prática de saúde direcionada aos trabalhadores e
permeada pelas contradições das relações saúde-trabalho.

A atuação dos PST’s pauta-se numa nova visão do processo saúde-doença,


evidenciando o perfil de morbi-mortalidade relacionado ao trabalho e a falta de assistência
aos trabalhadores. Estes programas representaram novas perspectivas na área da saúde no
que se refere à saúde no trabalho.

26
No decorrer das décadas de 80 e 90, muitos programas foram implantados e outros
foram extintos, de acordo com a conjuntura política de cada Estado ou município, tendo
em vista a dimensão política que está inserida nas práticas de Saúde do Trabalhador. Deste
modo Dias (1994) apresenta um cadastro concluído em dezembro de 1992, que relaciona
161 Programas ou Atividades denominadas Saúde do Trabalhador, ao nível do SUS, sob a
forma de Programas, Projetos, Centros de Referência, ou Serviços de Atenção aos
Acidentados no trabalho.

Porém uma versão preliminar divulgada pelo Centro de Documentação e


Informação em Saúde do Trabalhador (CDI-ST) de São Paulo em junho de 1999, dos
Serviços Públicos que atuam na área da Saúde do Trabalhador, constam de 111 programas
ou serviços relacionados a área. Devido o seu caráter preliminar, e da própria dinamicidade
das instituições, essa versão provavelmente encontra-se alterada nos dias atuais.

A catalogação dos Programas, Serviços e Centros de Referência, e sua constante


atualização é necessária para compreender a organização dos serviços, situá-los
geograficamente, permitindo uma maior interlocução entre os mesmos, buscando uma
melhor estruturação da Saúde do Trabalhador no SUS.

Visando uma melhor compreensão da atuação destes Serviços, Programas e Centros


de Referência, Dias (1994) cita algumas das principais características que envolvem a
estruturação dos mesmos como:

- A diversidade das ações que envolvem desde o atendimento de trabalhadores


segurados pela Previdência Social, acidentados do trabalho até ações de atenção
preventivas e curativas numa atuação interinstitucional.

- Em relação ao início das atividades, relata uma predominância entre 1991 e 1992.
Destaca como o programa mais antigo o Ambulatório de Doenças do Trabalho da
Universidade Estadual de Campinas-Unicamp, criado em 1978.

27
- A atenção médica é predominante nas atividades desenvolvidas e, em alguns casos
restringe-se aos acidentados do trabalho com CAT emitidas. Por outro lado, alguns
Serviços e Programas desenvolvem somente ações de vigilância sanitária; porém na
maioria dos casos, a assistência aparece associada as ações de vigilância em Saúde do
Trabalhador.

- No que se refere a equipe de trabalho, em princípio multiprofissional, na busca de uma


abordagem transdiciplinar da relação saúde-trabalho. As equipes são compostas de
formas variadas qualitativamente e quantitativamente. Observam-se, num primeiro
momento, uma predominância de profissionais médicos e número reduzido de pessoal
de apoio.

- Quanto às instalações observou grandes disparidades, desde equipes com profissionais


trabalhando em uma sala, a programas que têm sede própria e instalações apropriadas
para o trabalho proposto. Ressalta o PST de Bauru-São Paulo, o CRST de Porto
Alegre-Rio Grande do Sul e o Centro de Estudos de Saúde do Trabalhador-CESAT em
Salvador-Bahia.

- A preocupação com a articulação interinstitucional em muitos casos, expressa-se


através da criação de Comissões Interinstitucionais de Saúde do Trabalhador, mas na
prática as relações informais entre técnicos das instituições e trabalhadores é que
prevalece, apesar das queixas das dificuldades encontradas para esta prática.

- Quanto aos recursos humanos e informações, foi colocado como relevante a


capacitação de recursos humanos. Foram mencionados um maior esclarecimento
quanto às atribuições das diferentes instituições. A dificuldade constante, relaciona-se
à superposição das ações de vigilância da saúde e fiscalização do ambiente de
trabalho. Uma questão também apresentada está relacionada à ausência de
instrumentos, como os Códigos Sanitários Estaduais e Municipais que dificultam as
ações dos serviços .

28
O processo de construção da atenção à Saúde do Trabalhador na rede pública de
saúde no Brasil, pode ser analisado cronológica e historicamente, segundo Dias (1994) em
3 momentos distintos, que se inicia em 1978 e encerra em 1994.

O surgimento das idéias e referenciais que fundamentam a área de Saúde do


Trabalhador, enquanto uma prática de saúde diferenciada, marcam o primeiro momento
denominado de “difusão das idéias”, que compreende o período 1978-1986.

É o momento que começam a ser divulgados no Brasil os pressupostos básicos do


Modelo Operário Italiano, a partir do intercâmbio de técnicos e profissionais de saúde à
Itália, em finais dos anos 70, período de eclosão dos movimentos sociais. Este modelo
preconiza a valorização do conhecimento e das experiências do trabalhador, e a não
delegação aos técnicos, da responsabilidade de sistematizar estes conhecimentos. Utiliza-se
uma metodologia de produção de conhecimento baseada na formação de grupos
homogêneos, ou seja, trabalhadores submetidos as mesmas condições de trabalho que
analisam o processo de trabalho e suas repercussões à saúde e finalizando com a validação
consensual. Neste momento, ocorre a implantação dos primeiros Programas de Saúde do
Trabalhador na rede pública de saúde e a realização de eventos em estados como Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, destacando a inserção da temática da Saúde do
Trabalhador nas discussões da VIII CNS e da realização da I Conferência Nacional de
Saúde do Trabalhador-CNST.

O segundo momento, compreendido entre 1987-1990, é marcado pela


institucionalização das ações de saúde do trabalhador na rede de serviços de saúde, com
amparo legal. É o período da promulgação da Constituição Federal de 1988, das
Constituições Estaduais e da elaboração da Lei Orgânica de Saúde em 1990.

O terceiro momento é marcado por conflitos no sistema de saúde que se divide,


entre as propostas da Reforma Sanitária e do Projeto neoliberal, como também, pela
dificuldade de financiamento para as ações do SUS. É o momento da implantação dos
serviços de saúde do trabalhador no SUS.

29
Em relação à Saúde dos Trabalhadores as dificuldades são muitas, pois consiste
numa proposta a ser implantada dentro de um sistema de saúde em mudança. Nesse
momento, começam a surgir disputas entre as corporações profissionais e órgãos
responsáveis pela efetivação da política de Saúde do Trabalhador, quer sejam do
Ministério do Trabalho, quer sejam da Previdência Social. Segundo Dias (1994) esse
período se encerra em 1994 com a II CNST em Brasília.

A partir deste contexto inicia-se a transição para um quarto momento, onde pode-se
ocorrer desde o cumprimento da legislação estendendo a atenção à saúde dos trabalhadores
a todos os trabalhadores, até mudanças de concepção das práticas e organização da atenção
devido às mudanças constitucionais e do processo de regulamentação da área (Dias, 1994).

No decorrer deste processo, são observados avanços e recuos no Sistema de Saúde,


que dificultam uma atenção diferenciada à saúde do trabalhador na rede pública de saúde.
Esta situação deve ser entendida através da conjuntura política e econômica, que nas
últimas décadas representou mudanças significativas nos padrões de produção e
acumulação capitalista.

Constata-se que muitos dos princípios norteadores das ações de Saúde do


Trabalhador, expressos na NOST/SUS, apesar de reconhecidamente aceitos, eles vêm
sendo viabilizados de forma incipiente e assistemática. Alguns princípios como o controle
social, o acesso às informações, confrontam-se com uma visão reducionista e fragmentada
de alguns profissionais, associada às dificuldades institucionais, inviabilizando a efetivação
desses princípios.

No que diz respeito às ações de assistência em saúde do trabalhador, os estudos


demonstram a escassez de recursos, a necessidade de um melhor gerenciamento do
Sistema de Saúde, a formação de uma rede de referência e contra-referência efetivos, o
registro das doenças e acidentes de trabalho, enfim, aspectos importantes para a
concretização das ações em Saúde do Trabalhador de acordo seus princípios norteadores.

30
Em relação a vigilância, Ribeiro et al, [1999] considera que apesar do crescimento
apresentado na década de 80, a Vigilância em Saúde do Trabalhador ao ser comparada com
as práticas de assistência, se constitui ainda como uma prática emergente no modelo de
atenção à saúde no Brasil.

A Vigilância em Saúde do Trabalhador, distingue-se das outras vigilâncias e


disciplinas do campo da relação trabalho-saúde ao delimitar seu objeto específico a
“investigação e intervenção na relação entre processo de trabalho e saúde.” (Machado,
1996: 3)

Neste sentido, um dos impedimentos para a realização da investigação e


intervenção nos ambientes de trabalho, de acordo com os princípios da NOST/SUS,
encontra-se na fragmentação entre as instituições que têm atribuições no campo da Saúde
do Trabalhador – como o Ministério do Trabalho e do Emprego, Ministério da Saúde e o
Ministério da Previdência e Assistência Social – se conformando num importante entrave
para o avanço das políticas nesta área.

Apesar de todo este cenário de avanços e recuos que dificultam a operacionalização


das diretrizes que preconizam a área de Saúde do Trabalhador, o CRST/ES, surge como
resultado de um processo reinvidicatório envolvendo diversos atores sociais e diante de
uma política governamental favorável, visando uma modificação do perfil de morbi-
mortalidade do trabalhador no âmbito estadual.

1.4 - A IMPLANTAÇÃO DO CRST/ES

A Saúde do Trabalhador constitui-se em uma área de conhecimento e práticas no


espaço da saúde pública. Com o processo de industrialização acelerada, competitividade no
mercado e a crescente urbanização, aumentou o número de trabalhadores acometidos por
doenças ocupacionais e acidentes de trabalho. Além disso, face à carência de políticas
públicas nesta área, o trabalhador continua sendo a principal vítima da relação
capital/trabalho.

31
O ônus suportado pelos trabalhadores com doenças ocupacionais ou acidentes de
trabalho é bastante elevado, trazendo conseqüências prejudiciais à sociedade como um
todo, seja na família, nos serviços de atendimento, ou mesmo no corpo mutilado em
decorrência dos agravos sofridos.

A necessidade de criar medidas de impacto junto à comunidade trabalhadora, fez


emergir a proposta de um serviço voltado para a problemática da saúde do trabalhador,
como parte de uma política intervencionista no SUS. Representando ainda, uma resposta à
luta de todos os atores sociais envolvidos para a concretização e afirmação da cidadania,
bem como o resgate da discussão sobre o mundo do trabalho, suas transformações e
repercussões na sociedade.

No que tange ao Estado do Espírito Santo, as décadas de 70 e 80 foram marcadas


pela implantação de um grande pólo industrial, trazendo novos desafios para à saúde do
trabalhador. Em 1986, foi criado no Estado um Serviço denominado Ambulatório de
Doenças Ocupacionais, a partir de um convênio entre Hospital Universitário Cassiano
Antônio de Moraes-HUCAM e a Fundação Jorge Duprat de Figueiredo de Segurança e
Medicina do Trabalho-FUNDACENTRO; porém, devido a saída do seu único médico do
trabalho, este serviço foi desativado em 1988.

A partir de 1988, segundo Lacaz (1997), com as eleições municipais, municípios e


governos de perfil democrático e popular (São Paulo, Porto Alegre, Angra dos Reis,
Campinas, Diadema, Contagem, Santo André e outros) assumem a questão da saúde e sua
municipalização, passando a gerenciar, serviços de saúde dos trabalhadores, dentro da
proposta de municipalização nos preceitos do SUS, com a criação dos Centros de
Referência em Saúde do Trabalhador. Estes passam a desenvolver suas atividades,
procurando associar as experiências de gestão e participação sindical ao trabalho
desenvolvido por equipes multidisciplinares, à articulação interinstitucional e ao
funcionamento dos conselhos gestores com a participação da sociedade civil organizada.

Com o surgimento do SUS e da Lei Orgânica da Saúde em 1990, ficou garantida a


promoção, proteção e recuperação da saúde dos trabalhadores. Aos Estados e Municípios

32
couberam a tarefa de assumir os atendimentos de acidentes de trabalho e doenças
ocupacionais. A Lei Orgânica da Saúde, Lei 8080/90 (Brasil, 1990), procurou introduzir
através de seus pressupostos nas leis orgânicas municipais, questões relacionadas à saúde
dos trabalhadores, objetivando maior autonomia de ação para o nível local, principalmente
no que diz respeito às ações de vigilância em saúde. Para a efetivação dessas leis era
preciso toda uma conjuntura política voltada para o interesse dos trabalhadores, o que não
se verificava nas décadas de 80 e 90, marcadas por políticas neoliberais que afetam a área
de saúde, impossibilitando a efetivação dos preceitos do SUS.

A partir de então, surgem os Programas de Saúde do Trabalhador-PST’s, como os


do Centro de Saúde de Vitória e HUCAM. Segundo informações obtidas junto a
coordenadora do CRST/ES que participou de toda a história de construção da Saúde do
Trabalhador no Estado, a FUNDACENTRO, em conjunto com o Governo do Estado,
realizou a mobilização de um grupo de profissionais de saúde da SESA para implantar os
programas. A equipe era composta de assistentes sociais e médicos do trabalho. Existiam
dois pólos de atendimentos ambulatoriais, um que funcionava no Centro de Saúde de
Vitória e outro no HUCAM. O programa do Centro de Saúde foi desativado e entre outras
razões, aponta-se a dificuldade de alguns profissionais médicos da equipe, com atuação na
área privada, não conseguirem se adequar a proposta de Saúde do Trabalhador. Após a
desativação em 1991 do programa do Centro de Saúde de Vitória, o programa que
funcionava no HUCAM permaneceu ainda em atividade, três anos aproximadamente.

A Prefeitura Municipal de Vitória-PMV em 1992, administrada pelo Partido dos


Trabalhadores (gestão 1989-1992), através da Secretaria Municipal de Saúde, implantou o
Programa de Saúde do Trabalhador-PST/PMV. O programa surge a partir de concurso
público realizado em 1992, dentro dos pressupostos da municipalização e descentralização
preconizados pelo SUS. Desenvolvido por equipe interdisciplinar (médico do trabalho,
engenheiro de segurança do trabalho, técnico de segurança do trabalho, assistente social,
fonoaudióloga, enfermeira do trabalho), tinha como seus principais objetivos garantir a
assistência, promoção e prevenção à saúde dos trabalhadores, estabelecendo o diagnóstico
de doenças ocupacionais e avaliação dos ambientes de trabalho. Paralelo a esse serviço,

33
funcionava no espaço físico do HUCAM, o ambulatório de doenças ocupacionais da
SESA, com autonomia total e não participando das políticas de saúde da PMV.

Em 1994, outro ambulatório foi implantado no Centro Regional de Especialidades


(CRE)-Vitória, porém, a convite da administração municipal, foi incorporado ao PST do
município de Vitória. Esta situação se verificou devido ao fato da médica do trabalho na
época e atualmente coordenadora do CRST/ES, ter assumido a coordenação do PST,
implementando a vertente de pesquisa, ao realizar um Estudo das Condições de Trabalho
da Polícia Civil, envolvendo o sindicato dos Policiais Civis e a FUNDACENTRO/ES.

Durante a sua existência, o PST/PMV funcionou em consonância com o SUS.


Atendia em seu ambulatório uma demanda significativa proveniente de outros municípios
(87%), principalmente os da Região Metropolitana (Vitória, Serra, Cariacica, Viana e Vila
Velha), o que gerou dificuldades e entraves nas ações de vigilância em saúde e de
intervenção em ambientes de trabalho, devido aos limites geográficos e a autonomia dos
outros municípios.

Concomitantemente, ocorria o aumento na demanda de atendimento, surgindo


assim, a necessidade de organizá-la e de desenvolver ações que garantissem respostas mais
concretas aos problemas relacionados à saúde do trabalhador.

Diante da impossibilidade de um único órgão arcar com a responsabilidade de


disponibilizar recursos humanos, materiais e financeiros necessários para o adequado
funcionamento de um projeto de atenção a saúde neste setor e, pela necessidade de
implementação de políticas públicas para esta área e, ainda, em virtude de toda situação já
citada anteriormente, os diversos atores (trabalhadores da saúde, sindicatos, governo
estadual e municipal, entre outros) envolvidos, propuseram a estratégia de criação de um
Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, com abrangência estadual. A implantação
deste serviço está respaldada nas Leis n.º. 8.213 de 24/07/91, decreto 611 de 21/07/92 e Lei
n.º 8.080/90-SUS que especificam um conjunto de ações a serem desenvolvidas no sistema
de saúde pelas diversas instituições que tratam desta área.

34
A parceria entre a PMV e SESA, que aconteceu devido a sensibilidade dos gestores
em relação à Saúde do Trabalhador, objetivava realizar ações que possibilitassem ao
serviço público cumprir com o seu papel de gerenciador e executor de políticas públicas de
saúde. É necessário diante deste contexto ressaltar os objetivos que levaram à implantação
do CRST/ES:

- “Estruturar um Centro de Referência com caráter interinstitucional,


que permita modificar o perfil de morbi-mortalidade do trabalhador no
âmbito estadual, dentro de um enfoque epidemiológico, com ações que
repercutam na sua qualidade de vida.
- Reduzir as taxas de morbi-mortalidade das doenças ocupacionais e
acidentes de trabalho, através de ações e medidas de controle ambiental
e/ou biológico.
- Uniformizar a linguagem no atendimento aos casos suspeitos ou
confirmados de doenças ocupacionais, com elaboração de protocolo
único.
- Aumentar a capacidade de resposta à demanda de
trabalhadores/usuários, garantindo maior resolutividade, com ações
implantadas e/ou implementadas, dentro de sua área de abrangência e
com recursos disponíveis, buscando soluções para os problemas a
serem enfrentados.
- Atuar de forma preventiva sobre os fatores de risco dos acidentes de
trabalho e doenças ocupacionais, em parceria com a sociedade civil
organizada, desenvolvendo atividades educativas junto aos
trabalhadores, subsidiando aquelas nas questões relacionadas à saúde,
ambiente de trabalho, pesquisa e produção de trabalhos específicos a
essa área de atuação.
- Implantar um projeto de vigilância em saúde, que viabilizará a
implantação de um sistema de informação e comunicação que orientará
o planejamento, execução e avaliação das ações do CRST/ES.
- Definir os sistemas de referência e contra-referência para o
esclarecimento de diagnóstico, tratamento e avaliação dos riscos
ocupacionais com: o HUCAM( Hospital Universitário Cassiano Antônio
de Moraes), FUNDACENTRO- Ministério do Trabalho, laboratório de
toxicologia do CESTEH (Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e
Ecologia Humana/FIOCRUZ) e outros serviços complementares
prestados pelo SUS.
- Treinar profissionais de saúde de unidades básicas de saúde e hospitais
públicos, visando despertar o interesse pela saúde do trabalhador, como
também capacitar esses profissionais para o atendimento de acidentes
de trabalho e doenças profissionais e avaliação dos ambientes de
trabalho.
- Proporcionar às instituições de ensino espaço para aprimoramento na
formação de futuros profissionais, através de intercâmbio para oferta de
estágios.

35
- Possibilitar aos profissionais do CRST/ES uma maior e melhor
compreensão do compromisso e responsabilidade na concretização das
propostas de trabalho”. (Bourguinon et. al, 1998:141-142)

Neste sentido, foi assinado no final de 1995 um convênio entre o Governo do Estado
e a Prefeitura Municipal de Vitória, criando o CRST/ES, sendo que o PST/PMV foi extinto
no mesmo período e seu quadro funcional passou a integrar a equipe do CRST/ES que
estava sendo composta. Suas atividades iniciaram-se a partir de fevereiro de 1996, porém
seu reconhecimento legal ocorreu em janeiro de 1999 através da Lei nº5.833 que autoriza o
Poder Executivo a criar o Centro de Referência. Desde sua criação o Centro encontra-se
vinculado a Superintendência de Planejamento, Epidemiologia e Informação da SESA.

O principal objetivo do CRST/ES é a modificação do perfil de morbi-mortalidade


do trabalhador, utilizando um enfoque epidemiológico, por meio de ações de vigilância à
saúde, atendimentos ambulatoriais e atividades de educação em Saúde do Trabalhador,
pautadas numa abordagem multi e interdisciplinar. O Centro de Referência encontra-se
desde maio/2000 situado em sede própria no município de Vitória/ES, numa área física de
1780 m² dividida em dois andares do Edifício Getúlio Vargas, funcionando, todos os dias
da semana.

Cabe mencionar, que o convênio assinado entre a SESA e a PMV para a criação do
CRST/ES, onde se definia as obrigações e responsabilidades de cada órgão gestor, após
várias renovações, encontra-se desde o ano passado em processo de renovação e ao que
parece, a PMV não apresenta interesse em manter a parceria estabelecida. Desta maneira, o
Estado vem assumindo praticamente todos os encargos para a manutenção e
funcionamento do Centro. Apesar desta situação, na qual não existe uma parceria
instituída, compõe a equipe do CRST/ES, vinculados à PMV, 2 médicos do trabalho, 2
técnicos de segurança, 1 fonoaudiólogo e 1 engenheiro de segurança. Estes profissionais
associados aos funcionários estaduais, constituem uma equipe composta de 46
profissionais, conforme quadro seguinte:
1.4.1 - A ATUAÇÃO DO CRST/ES

O Centro de Referência desde a sua implantação atua a partir das seguintes


vertentes: assistência, vigilância e educação em Saúde do Trabalhador. Ressalta-se que
antes de iniciar efetivamente o atendimento para a comunidade, a coordenadora do Centro,
entendendo a importância de realizar uma integração da equipe e uma melhor compreensão
do processo saúde/doença, realizou um seminário sobre Saúde do Trabalhador no Sindicato
dos Bancários.

Dando continuidade às discussões referentes às relações de trabalho e ao processo


de adoecimento no trabalho, a equipe procura realizar atividades nas várias vertentes de
atuação, que possibilitem entender as contradições que permeiam as relações de força entre
as classes sociais, e a relação profissional de saúde/usuário dos serviços. Constatamos
também a existência de práticas, também verificadas em outros Centros de Referência,
como os grupos qualidade de vida, o grupo de psicoterapia, a homeopatia, a acupuntura,
grupo de orientação ao exercício, enfim, que buscam através da participação de vários
profissionais sejam, assistentes sociais, psicólogos, fisioterapeuta e mesmo alguns
médicos, superar os limites da abordagem focalizada no corpo e na doença do indivíduo.

37
Essas atividades buscam uma perspectiva que compreenda a saúde enquanto
qualidade de vida, valorizando a participação do usuário e identificando o papel do Centro
de Referência. Partindo desta compreensão, o Centro de Referência direciona suas ações
nas vertentes preconizadas de atuação, desenvolvendo as seguintes atividades: ações de
vigilância, de assistência e de educação em Saúde do Trabalhador.

1.4.2 - AS AÇÕES DE VIGILÂNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR

- Inspeções e vistorias a ambientes de trabalho, realizados geralmente por técnicos de


segurança ou engenheiro e quando possível por equipe multiprofissional. São
efetivadas a partir de casos índices demandados do ambulatório de saúde do
trabalhador, a partir das denúncias oficializadas ao CRST ou projetos específicos:

- Implantação de um sistema de informação de registro de acidentes de trabalho e


doenças ocupacionais. Esse sistema em funcionamento possibilita um melhor
conhecimento do perfil epidemiológico da saúde do trabalhador.

- Elaboração e execução de projetos específicos realizados muitas vezes em parcerias


com sindicatos, permitindo identificar os problemas enfrentados e a apresentação de
propostas de solução dos mesmos. Dentre os projetos já executados ou em fase de
implantação, podemos citar: o Projeto de Estudo das Condições de Trabalho e Saúde
em trabalhadores de postos de gasolina de Vitória-ES, o Projeto de Elaboração do
Mapa de Risco da Região Metropolitana da Grande Vitória, elaboração e execução do
projeto de pesquisa “Como é o trabalho da Gente”, um estudo das condições de
trabalho e saúde dos profissionais de enfermagem do Hospital Cassiano Antônio de
Moraes-HUCAM, – uma Aplicação da Ergonomia no Serviço Público; Perfil dos
eletricistas do setor energético da região metropolitana de Vitória-ES – um estudo de
base ergonômica; pesquisa sobre Condições de Biossegurança nos Serviços de Saúde
do ES; elaboração do Perfil Epidemiológico de Acidentes e Doenças do Trabalho de
Bancários, em parceria com sindicato, entre outros.

38
Na vertente da vigilância a construção do perfil epidemiológico dos trabalhadores
envolve esforços interinstitucionais, sendo portanto uma ação complexa, que encontra
obstáculos para sua concretude. O Centro de Referência desde a sua fundação vem
envidando esforços para estruturar um Sistema de Informações, que retrate a realidade da
população trabalhadora do Estado.

Neste sentido, o Centro promoveu a capacitação de dois profissionais da equipe


técnica através de cursos de especialização em Epidemiologia e Saúde do Trabalhador e
Ecologia Humana, ambos pela Fundação Oswaldo Cruz-FIOCRUZ. Atualmente esses
profissionais, juntamente com um técnico de segurança, com graduação em matemática,
respondem pelo setor de Informações e Vigilância, com o intuito de estruturar uma
proposta de vigilância para o Centro.

O objetivo do Sistema de Informações do Centro, é fornecer suporte


epidemiológico para que as ações do CRST/ES possam ser planejadas, atendendo à
realidade dos trabalhadores. As informações são baseadas na análise de dados computados
no sistema EPI-INFO e outros do Sistema do Ministério da Saúde. Os atendimentos
ambulatoriais geram informações que alimentam o SIAMAB1 que serve como fonte de
dados para outros sistemas como o Boletim de Produtividade Ambulatorial (BPA), usado
no faturamento e recebimento do Sistema de Informação Ambulatorial do Sistema Único
de Saúde (SIA-SUS), e o Sistema de Informação de Agravos e Notificação (SINAN) que
em sua nova versão teve alguns agravos e doenças ligadas ao trabalho contempladas no
município de Vitória/ES. São trabalhadas também, as informações provenientes das
Comunicações de Acidentes de Trabalho-CAT, enviadas pelo INSS.

Entende-se que para o aprimoramento do Sistema de Informações, além da


aquisição de equipamentos, é necessário também a sensibilização dos profissionais para o
preenchimento das fichas ambulatoriais, uma melhor comunicação interinstitucional
CRST/INSS, a normatização com estabelecimento de rotinas e fluxograma de informações,
para assim possibilitar estratégias nos diversos níveis de complexidade de atenção à saúde
do trabalhador.
1.4.3 - AS AÇÕES DE ASSISTÊNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR

- Atendimento ambulatorial de trabalhadores com suspeita ou confirmação de doenças


ocupacionais ou seqüelas de acidente de trabalho, realizado por equipe
multiprofissional, não prestando pronto-atendimento a acidentados do trabalho, que são
atendidos nos hospitais de urgência e emergência da rede pública de saúde;

- Consulta coletiva realizada por um assistente social e um médico do trabalho com os


usuários que marcam consulta pela primeira vez.. Objetiva prestar informações sobre o
CRST/ES e realizar a triagem dos casos novos, selecionando para atendimento aqueles
cuja queixa tem relação ou nexo com o trabalho;

- Utilização de suporte diagnóstico terapêutico do laboratório de análises clínicas da


Prefeitura Municipal de Vitória (PMV), do HUCAM e outros serviços complementares
do SUS.

- No decorrer do funcionamento do CRST/ES, houve necessidade de ampliar os serviços


em função da demanda. Implantou-se então, a fisioterapia, a acupuntura, a homeopatia,
os grupos terapêuticos e psicoterapêuticos. O encaminhamento para estes serviços,
acontece após a confirmação do diagnóstico de doença ocupacional, realizado no
atendimento ambulatorial do CRST/ES.

As pessoas atendidas no Centro, são encaminhadas por sindicatos, serviços públicos


de saúde e órgãos como a Delegacia Regional do Trabalho-DRT e INSS. Os
encaminhamentos decorrentes das empresas são pouco freqüentes, devido ao fato de que
muitas vezes as pessoas que procuram o Centro, buscam o estabelecimento do nexo causal,
seja porque a empresa não reconhece a doença ou foram demitidos. A grande maioria que
nos últimos anos tem procurado o Centro, se constitui em demanda espontânea: são
indicadas por amigos, pessoas conhecidas, como um local que vai possibilitar a pessoa
resolver seu problema.
A população atendida pelo Centro consiste em trabalhadores oriundos do mercado
formal e informal, empregados, desempregados, aposentados ou afastados do trabalho. O
atendimento é realizado diariamente sendo, em média, atendidos 40 casos novos e 80
retornos aproximadamente. A demanda, na sua maior parte, é proveniente da Região
Metropolitana da Grande Vitória (Vitória, Vila Velha, Cariacica, Viana e Serra).

A marcação da consulta é feita por telefone, momento em que orienta-se o usuário


que este deve participar inicialmente de uma consulta coletiva, coordenada pelo médico e
o assistente social. Essas consultas são realizadas nas terças-feiras às 11: 00 h e nas quintas
às 13:30 h. Nesta consulta geralmente comparecem entre 15 a 20 usuários; inicialmente a
assistente social explica o objetivo da reunião e a finalidade do Centro, o que são
consideradas doenças ocupacionais e posteriormente apresenta o fluxograma2, para que
possam se situar no atendimento. Após a exposição desenvolvida pelo assistente social, o
médico do trabalho realiza a triagem, sendo que os casos não elegíveis para o atendimento
no Centro de Referência, são encaminhados para outras unidades de saúde.

Dando prosseguimento, com o término da consulta coletiva, o usuário agenda a


consulta individual, que será marcada no máximo dois dias após a consulta coletiva.
Ressalta-se que os pacientes do interior do Estado são atendidos no mesmo dia da consulta
coletiva. A consulta individual num primeiro momento é realizada pelo assistente social ou
enfermeiro do trabalho e posteriormente pelo médico do trabalho, onde é realizada a
anamnese ocupacional3. Os exames complementares solicitados, são agendados num
serviço de contra-referência. Em situações de suspeita de casos índices, o médico solicita
uma inspeção. A coordenação orienta que a participação do médico que está atendendo o
usuário juntamente com o técnico de segurança ou engenheiro, é importante na realização
da inspeção.

Ao retornar ao atendimento médico, com o diagnóstico confirmado de doença


ocupacional, o usuário é encaminhado para os diversos serviços terapêuticos que estão
disponíveis, quais sejam: homeopatia, fisioterapia, acupuntura, psicoterapia de
grupo/individual e grupo Qualidade de Vida. Havia um grupo de equalização de stress, que
funcionou até meados de 1999, quando o profissional que desenvolvia tal atividade, passou
a não pertencer mais ao quadro funcional do Centro. Em relação a homeopatia, os médicos
que prestavam atendimento no Centro de Referência, com a criação do Centro de
Referência em Homeopatia em dezembro de 2000, instalado no mesmo edifício onde
funciona o CRST/ES, passaram a atender neste local a demanda de saúde do trabalhador.
Um fato importante em relação à assistência, provém do término do contrato de trabalho da
fisioterapeuta no final do ano 2000, que comprometeu as atividades do setor de
fisioterapia. O Centro solicitou à PMV um outro profissional e está aguardando a
contratação por parte da Prefeitura.

1.4.4– AS AÇÕES DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE DO TRABALHADOR

O Centro de Referência tem entre seus objetivos trabalhar a vertente de educação,


para subsidiar trabalhadores, sindicatos, profissionais da área com questões relacionadas à
saúde do trabalhador, buscando envolver todos os interessados no processo de promoção,
proteção e assistência à saúde do trabalhador, além de contribuir com o processo de
descentralização das ações para os municípios. Neste sentido desenvolve as seguintes
atividades:

- Realização de cursos, seminários e treinamentos para capacitação e/ou aperfeiçoamento


dos profissionais de saúde da rede pública, de sindicatos e dos próprios profissionais do
CRST/ES e usuários do serviço.

- Realização de treinamento e acompanhamento das Comissões de Saúde do Trabalhador


- COSAT’s. Estas são formadas por funcionários de hospitais da rede estadual de
saúde.

- Desenvolvimento de atividades em parceria com instituições de ensino e outras


entidades, através de intercâmbios e convênios que busquem alternativas na solução de
problemas, e ampliação do debate sobre as questões relativas à saúde do trabalhador.
Dentre estas, citamos: estágio de alunos do curso de Psicologia e Serviço Social da
Universidade Federal do Espírito Santo-UFES no período de 1996 a 1999; elaboração
de materiais educativos sobre os principais problemas relacionados à saúde do
trabalhador em parceria com sindicatos de trabalhadores; grupo de estudo desenvolvido
no período de 1997 a 1998 como parte de um projeto de extensão da Departamento de
Psicologia da UFES, entre outras.

1.4.5 - LIMITES E PERSPECTIVAS DAS AÇÕES DO CRST/ES

Após cinco anos de efetivamente o Centro desenvolver suas atividades, é


significativo apresentar, algumas observações mais relevantes quanto ao que foi possível
alcançar no decorrer deste tempo e principalmente das proposições e objetivos que não
alcançaram sua concretude.

Cabe esclarecer os limites do que se pretende tratar, pois a proposta aqui não é de
realizar uma análise institucional do CRST/ES. Constitui antes, uma tentativa de pensar e
conhecer de uma maneira global e avaliar o que foi proposto na implantação do Centro.
Serão apresentados os principais pontos relacionados aos objetivos que não se efetivaram,
tentando entender o porque, e as possibilidades que estão sendo apontadas para a superação
desses entraves.

A estruturação do Centro de Referência com um caráter interinstitucional


possibilitando a modificação do perfil de morbi-mortalidade do trabalhador no âmbito
estadual, a partir de um enfoque epidemiológico, reduzindo as taxas de doenças
ocupacionais e acidentes de trabalho, foi considerada pela coordenadora do Centro, numa
entrevista realizada no decorrer da pesquisa, como um objetivo não atingido, devido ser
“uma proposta ambiciosa que não se concretiza a partir da ação de um único órgão”.

Pode-se inferir, que somente através da articulação entre as várias instituições


voltadas para área de Saúde do Trabalhador, Consumo e Ambiente, com uma compreensão
de que os padrões de morbi-mortalidade estão intrinsecamente relacionados à forma de
inserção dos trabalhadores nos processos produtivos e à sua condição de vida, poderia
possibilitar a modificação do perfil de morbi-mortalidade do trabalhador no Espírito Santo.
É premente o fato, de que a realização de uma atuação interinstitucional, integrada,
numa área de conflito como a Saúde do Trabalhador, apresenta dificuldades conceituais e
operacionais para sua implementação e remete muitas vezes à discussão das competências
institucionais para o desenvolvimento de ações.

A investigação nos locais de trabalho é permeada de resistências em relação à


legitimidade do SUS enquanto órgão fiscalizador, embora tal atribuição já esteja bem
definida na Lei 8080/90. Acrescenta-se a este fato, a necessidade da participação dos
trabalhadores e entidades representativas e de um sistema de informações referente a
doenças ocupacionais e acidentes de trabalho que devem estar articulados à vigilância, se
configurando em um ponto de partida para as ações de avaliação de impacto à saúde do
trabalhador.

“A vigilância da Saúde dos Trabalhadores é, por natureza, uma prática


multidisciplinar, interinstitucional, que extrapola o Setor Saúde, mas está
subordinada aos seus princípios, utiliza instrumentos e métodos da
epidemiologia, da higiene do trabalho, da ergonomia e que não pode
prescindir da participação efetiva dos trabalhadores” . (Dias,1994:95)

Em relação as ações de vigilância empreendidas pelo Centro, apesar de alguns


projetos como o Estudo das Condições de Trabalho e Saúde dos Profissionais de
Enfermagem do HUCAM e o estudo das Condições de Saúde dos Trabalhadores
Eletricitários do ES e outros que foram desenvolvidos no decorrer destes anos, se
reportarem a uma abordagem multidisciplinar, interinstitucional, com enfoque
epidemiológico e social, são consideradas ações pontuais. Sistematicamente, o que se
constata no Centro, são inspeções no ambiente de trabalho, que ocorrem por solicitação
dos médicos que atendem no ambulatório, realizadas por técnicos de segurança do trabalho
e/ou engenheiro, objetivando a averiguação de nexo causal ou a investigação de casos
índices.

Uma questão importante em relação a vigilância no Centro, concerne à ausência de


um Código Sanitário, enquanto instrumento legal que legitime as ações. O Centro
apresentou uma proposta de regulamentação do Código, que atualmente necessita de
aprovação da Assembléia Legislativa, para entrar em vigor. A ausência do Código, ao
mesmo tempo que dificulta a intervenção no ambiente de trabalho, acomoda de uma certa
forma a equipe, para avançar no processo de negociação da melhoria das condições de
trabalho. Desde janeiro de 2000 foi firmado um convênio com o Ministério Público do
Trabalho, que possibilita a fiscalização nos ambientes de trabalho, com maior poder de
intervenção. Este convênio é ressaltado como fundamental nas ações que serão
desenvolvidas a partir da estruturação da vigilância no Centro de Referência.

Neste sentido, um objetivo importante para ser discutido é a implantação do projeto


de Vigilância em Saúde do Trabalhador, que visa a implementação de um sistema de
informações para o planejamento das ações do Centro. Este projeto pretende estruturar o
sistema de vigilância buscando a modificação do perfil de morbi-mortalidade do
trabalhador dentro de um enfoque de abordagem interdisciplinar que compreende aspectos
sociais, epidemiológicos e tecnológicos (Machado,1996 apud Ribeiro & Oliveira, 2001). A
região delimitada para as ações será a região metropolitana da Grande Vitória, na qual as
mesmas serão desenvolvidas a partir de um perfil sócio-econômico e epidemiológico.

Em relação ao Sistema de Informações do CRST/ES, desde sua implantação


trabalhou com dados do SIAMAB e CAT’s, sempre permeado de dificuldades, haja visto
as necessidades de equipamentos, recursos humanos, capacitação técnica, e devido a
dificuldades de articulações institucionais para a formação de um banco de dados das
CAT’s. Apesar de ser competência do INSS encaminhar as CAT’s para o sistema de saúde,
ocorre um descompromisso no envio das mesmas, aumentando ainda mais a
subnotificação, já existente das doenças e acidentes de trabalho.

Com a implantação do projeto de vigilância, pretende-se formar um sistema de


informações dos municípios da região metropolitana acrescentando às CAT’s e SIAMAB,
dados provenientes da fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística-IBGE,
Relação Anual de Informação Social-RAIS e Mapeamento de Risco, que possam viabilizar
a caracterização sócio-econômica dos municípios, além dos agravos à saúde dos
trabalhadores (Ribeiro & Oliveira, 2001).
Um avanço também importante que pode ser apontado no processo de
interinstitucionalização das ações de Saúde do Trabalhador, é o convênio com o Ministério
Público do Trabalho assinado em 13/01/2000, que visa aprimorar a prestação da saúde,
bem como, a sua fiscalização, contribuindo desta forma, na intermediação das negociações
de melhorias das condições de trabalho. A importância do convênio com o Ministério
Público do Trabalho, possibilita vencer a resistência de empresas que se recusam a aceitar
a atuação do SUS nas ações de vigilância, que devem ser implementadas a partir de um
referencial diferenciado do tradicionalmente legitimado pelas mesmas.

Quanto ao controle social, princípio básico da NOST-SUS, verifica-se no Centro de


Referência, que existe uma dificuldade de envolvimento dos trabalhadores e entidades
sindicais.

Em relação às ações de vigilância na saúde pública Machado (1996) acrescenta,


que o fato de seus efeitos serem percebidos somente a longo prazo, dificulta uma
articulação com sindicatos, que estão muitas vezes voltados para ações de resultados
imediatos e por esta razão legitimam muitas das ações desenvolvidas pela DRT, tendo em
vista seu caráter de policiamento quanto a aplicação das normas. Em contrapartida, apesar
de o CRST/ES enfatizar a necessidade do estabelecimento do controle social nas políticas
de Saúde do Trabalhador, através de um Conselho Gestor, este não se concretizou até o
momento. Duas razões são apresentadas: primeiro, a falta de interesse da Central Única
dos Trabalhadores-CUT após a tentativa do Centro de fazer uma articulação para a
formação do Conselho Gestor, via representação sindical; e a outra, está relacionada a
questão de que, após esta tentativa, o Centro não continuou empenhando esforços para a
implantação do Conselho, que poderia ter sido articulado via Conselho Estadual de Saúde-
CES. Desta forma ocorreu um esvaziamento no processo de articulação.

A implantação do Conselho Gestor, tornaria mais efetivo a institucionalização do


serviço, além de contribuir para a formulação de políticas para a Saúde do Trabalhador no
Espírito Santo e o fortalecimento do controle social no SUS.
Em relação ao objetivo que busca a definição do sistema de referência e contra-
referência para o esclarecimento de diagnóstico, tratamento e avaliação de riscos
ocupacionais, observa-se que este não se consolidou, pois apesar de ser uma proposta do
SUS, na prática, tendo em vista a demanda ser maior do que a capacidade do sistema, a
organização dos serviços não se concretizou. Uma situação exemplar são os casos de
intoxicações que procuram atendimento no Centro, o procedimento que se utiliza é a
avaliação clínica, a dosagem da acetil colinesterase no Laboratório Central da SESA-
LACEM, porém não existem condições de fazer uma avaliação de indicadores específicos.
Quando é possível, alguns casos são encaminhados à rede privada para suporte
diagnóstico.

No que se refere ao convênio do CRST/ES com o CESTEH/FIOCRUZ, através de


uma parceria instituída em 1997, devido ter sido uma proposta muito aberta, conforme
informa a coordenadora do Centro, onde não ficou definido as contrapartidas de cada
instituição, acabou expirando o prazo de validade do convênio sem que nenhuma ação
fosse realizada.

Um outro objetivo que durante um tempo se efetivou, foram os estágios e projetos


de extensão, desenvolvidos com alunos dos cursos de serviço social/UFES,
psicologia/UFES e medicina do trabalho/Faculdade São Camilo, mas que desde o segundo
semestre de 1999 não vêm ocorrendo. A coordenação do Centro avalia, que devido o
campo não ser remunerado, dificulta a existência de estágios. Podemos inferir diante do
observado, que os estágios talvez não estejam ocorrendo porque, associado a questão do
campo não ser remunerado, existe a dificuldade dos profissionais assumirem a supervisão
do estágio, devido suas atribuições dentro do órgão. Esta é uma questão primordial, pois a
maioria das instituições de ensino, condicionam a abertura do estágio com a supervisão no
campo de um profissional da área.

Entendemos que a integração e articulação com a Universidade, possibilita a troca


de saberes que contribuem para o repensar da teoria e da prática numa relação dialética. As
atividades desenvolvidas pelos projetos de extensão – como o grupo de estudos, o grupo
terapêutico Revivendo, com usuários portadores de LER/DORT, entre outras – decorrentes
desse processo de articulação com a Universidade, representou um espaço de reflexão e
discussão importante para a melhoria da qualidade do serviço público prestado.

Um dos objetivos definidos na implantação do Centro de Referência, propõe


trabalhar a vertente educação direcionada a trabalhadores, sindicatos e profissionais da
área, assim como, a descentralização das ações em Saúde do Trabalhador para os
municípios. A partir do planejamento estratégico, onde o aspecto epidemiológico é
priorizado, realizam-se, cursos, oficinas, através de uma metodologia construtivista. A
vertente educacional é avaliada pelo Centro como uma alternativa importante na
construção de propostas de intervenção no ambiente de trabalho, e também porque trabalha
a capacitação procurando aprofundar, partindo da relação capital/trabalho, suas interfaces
com a saúde dos trabalhadores.

Uma avaliação realizada em 1999 para fins de trabalho científico, aponta para um
maior interesse do movimento sindical no desenvolvimento de atividades voltadas para a
saúde do trabalhador. No que se refere a capacitação dos municípios, não é identificada a
possibilidade de estruturação de programas de Saúde do Trabalhador, devido à ausência de
interesse político e à dificuldade de realização de ações de vigilância, tendo em vista a
necessidade de um código sanitário que ampare essas ações.

Constatamos que a educação é uma vertente que perpassa tanto a vigilância como a
assistência. De acordo com Vasconcellos (1997), educar para à saúde é uma forma de
contribuir na busca da compreensão da causa dos problemas e suas soluções. Nessa linha
de argumentação é condição basilar para o êxito das ações educativas, que o trabalhador
compreenda o contexto do surgimento do processo de adoecimento, para que assim possa
encontrar meios para nele atuar. Neste sentido estas ações se iniciam no ato da consulta,
através da participação ativa do trabalhador na percepção da doença inserida numa
perspectiva global.

Do exposto, consideramos que a educação em saúde, é um instrumento


fundamental, pois possibilita uma superação da atuação reducionista e fragmentada que
permeia as práticas institucionais principalmente no que diz respeito à abordagem de
doenças como as LER/DORT, difíceis de serem diagnosticadas, a partir de uma visão
restrita ao aspecto biológico, e que tem apresentado um acentuado crescimento, com
características epidêmicas, conforme veremos no capítulo seguinte.
CAPÍTULO 2 - AS LER/DORT E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

2.1 - O SURGIMENTO E A REGULAMENTAÇÃO DAS LER/DORT

As LER/DORT, por definição, são um fenômeno relacionado ao trabalho,


caracterizado pela ocorrência de vários sintomas, concomitantes ou não, tais como, dor,
parestesia, sensação de peso, fadiga, de aparecimento insindioso geralmente nos membros
superiores, pescoço e/ou membros. Freqüentemente são causa de incapacidade laboral
temporária ou permanente. São resultado da superutilização das estruturas anatômicas do
sistema músculo-esquelético e da falta de tempo de sua recuperação (Brasil, 2000).

A primeira doença descrita na literatura associada às atividades repetitivas foi a


tenossinovite, conforme demonstram os estudos de Assunção e Rocha (1994),
caracterizando-se pela restrição ao livre movimento de um tendão, devido a uma
inflamação deste ou de sua bainha.

Em 1891, Fritz De Quervain descreveu a doença como entorse das lavadeiras,


devido ao fato de ter encontrado mulheres que lavavam roupas, que apresentavam desgaste
sobre os tendões e os músculos adutor longo e extensor curto do polegar. Posteriormente
esta patologia passou a ser denominada de tenossinovite do polegar ou enfermidade de De
Quervain (Assunção e Rocha, 1994). Essas autoras salientam que apesar de relatos
anteriores de cãimbra ocupacional em trabalhadores de fábrica de algodão, é nas fases mais
avançadas da industrialização que a doença adquire maior relevância.

Nas diversas partes do mundo onde tem sido estudada, essa doença vem recebendo
diversas denominações. Assunção e Rocha (1994) identificam em diferentes países as
terminologias usualmente utilizadas. No Japão, a partir de 1958, foram descritos casos de
Occupational Cervicobraquial Disorder, em perfuradores de cartão e operadores de caixa
registradora. Na Austrália, durante, a década de 70, houve um aumento de benefícios por
doença do trabalho para digitadores, operadores de linha de montagem e embaladores.
Inicialmente a denominação foi de Overuse Injuries, posteriormente mudando para o termo
Repetitive Strain Injuries em 1980, sendo esta também empregada na Inglaterra. Nos
Estados Unidos utiliza-se o termo Cumulative Trauma Disorders.

Observa-se que nos diferentes países, a denominação da patologia encontra-se


relacionada ao processo de reconhecimento da doença como conseqüência do trabalho,
devido ao surgimento em diversas ocupações, associadas não somente a movimentos
repetitivos, mas também à sobrecarga estática.

Em relação ao Brasil, o termo mais difundido entre técnicos e trabalhadores é LER-


Lesões por Esforços Repetitivos, adotado pelo médico Mendes Ribeiro, em 1986, durante
o I Encontro Estadual de Saúde dos Profissionais de Processamento de Dados de Rio
Grande do Sul (Assunção e Rocha,1994).

Vale ressaltar que oficialmente as LER somente foram reconhecidas no Brasil,


através da pressão das lutas políticas, da mobilização dos trabalhadores e profissionais de
saúde, para o reconhecimento da tenossinovite como doença do trabalho pela Previdência
Social.

Na década de 80, segundo Assunção e Rocha (1994), casos de tenossinovite,


principal quadro clínico de LER mas não o único, entre digitadores do Rio Grande do Sul,
levaram os sindicatos de trabalhadores em processamento de dados, a lutar pelo
reconhecimento das lesões como doença profissional, sendo em 1987 reconhecida pelo
Ministério da Previdência, através da Portaria 4.602.

A Norma Regulamentadora nº17 (Portaria 3571, de 23/11/90) foi também fruto de


reivindicações sindicais pela melhoria das condições de trabalho dos digitadores. Essa
norma fixa limites para empresas onde há postos de trabalho que exijam esforços
repetitivos, ritmo acelerado e posturas inadequadas, porém não contemplando-se ainda, os
diversos fatores responsáveis pelas LER. Em 21/07/92, a partir do Decreto 611, as LER
entram para a lista de agentes patogênicos considerados causadores de doenças
ocupacionais (Assunção & Rocha, 1994).
Em março de 1993, a norma técnica elaborada sobre LER pelo Instituto Nacional
de Seguridade Social-INSS, dispõe sobre procedimentos de avaliação de incapacidade de
trabalhadores afastados do trabalho, para orientação aos médicos peritos. Finalmente com a
promulgação da Constituição Federal em outubro de 1988, as LER assim como as demais
doenças profissionais, deixam de ser uma responsabilidade única do Ministério do
Trabalho e são assumidas também pelo Ministério da Saúde.

Posteriormente ocorreu uma revisão nesta Norma Técnica realizada pelo INSS,
sendo publicada em 19/08/1998 no Diário Oficial da União a Nova Norma técnica de
avaliação de Incapacidade para fins de Benefícios Previdênciários, substituindo o termo
LER pela denominação Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho-DORT.
Apesar da modificação da terminologia, o termo LER continua sendo utilizado devido sua
ampla difusão.

Esta norma encontra-se dividida em duas seções. A seção I refere-se à atualização


das LER/DORT e a seção II trata dos procedimentos administrativos e periciais em DORT.
A Norma Técnica/1998 tem o objetivo de estabelecer critérios de cobertura da Previdência
Social nos casos de LER/DORT.

Cabe ressaltar, que apesar desta norma apresentar aspectos atualizados em relação à
doença, se verifica alguns questionamentos. De acordo com Echternacht (1998), a Norma
Técnica incluiu novos diagnósticos, como a síndrome miofascial e as fibromialgias, porém
apresenta dificuldades para o diagnóstico precoce nos novos procedimentos
administrativos e periciais. Associa-se a este fato, mudanças nos critérios para emissão da
CAT, nos critérios de avaliação da incapacidade para o trabalho, dificultando a
caracterização do nexo causal, entre outros.

Desta maneira constata-se que para a finalidade de prevenção, que é fundamental


para a redução dos casos de LER/DORT, deveriam ser estabelecidos novos critérios, que
possibilitem intervir na situação de trabalho e não somente em reparos de danos ou
indenização.
2.2 - CONSIDERAÇÕES ACERCA DAS CARACTERÍSTICAS, SINAIS,
SINTOMAS E DIAGNÓSTICO DE LER/DORT

Para a ocorrência das LER/DORT, não existe causa única e determinada; são vários
os fatores existentes no trabalho que podem estar relacionado à sua gênese: repetitividade
de movimentos, manutenção de posturas inadequadas por tempo prolongado, esforço
físico, invariabilidade de tarefas, pressão mecânica sobre determinadas partes do corpo,
mais precisamente os membros superiores, trabalho estático, frio, fatores organizacionais e
psicossociais, etc., conforme o próprio documento ministerial se refere (Brasil, 2000).

Neste sentido, as LER/DORT, podem se manifestar em diferentes quadros clínicos,


com diferentes sinais e sintomas apresentados pelos pacientes, conforme a atividade
desempenhada. Algumas manifestações mais comuns são citadas:

“Tenossinovite: Evidencia-se por inflamações dos tecidos sinoviais4, que


recobrem os tendões5, em sua passagem pelos túneis fibrosos dos ossos. É
subdividida em :
Tenossinovite de De Quervain: é decorrente do espessamento do ligamento
anular do carpo6, na parte em que passam os tendões que flexionam e
esticam o polegar. O processo inflamatório do local atinge os tecidos
sinoviais e tecidos próprios dos tendões desde a base do osso rádio do
antebraço até o polegar, podendo inativar tanto o seu funcionamento como
o do punho.
Tenossinovite dos Extensores dos Dedos: é a inflamação aguda ou crônica
dos tendões extensores dos dedos e das bainhas que os recobrem,
ocasionando dor local.
Tendinite do Supra-Espinhoso: é a inflamação do tendão do músculo supra-
espinhoso em torno da articulação do ombro, decorre principalmente das
atividades repetitivas do braço e de exercício muscular excessivo, sintomas
de sensação de peso até dor violenta no local;
Epicondilite: Caracterizada por ruptura ou estiramento nos pontos de
inserção (membranas interósseas) do cotovelo, ocasionando processo
inflamatório que atinge os tendões, músculos e respectivos tecidos que o
recobrem;
Bursite: Inflamação das bursas (pequenas bolsas de paredes finas em
regiões de atrito entre os diversos tecidos do ombro), com manifestação de
dor na realização de certos movimentos;
4
Tecido sinovial: membrana que atua no reconhecimento e lubrificação das articulações e tendões
e seus deslocamentos.
5
Tendões: cordões fibrosos que inserem os músculos nos ossos.
6
Ligamento Anular do Carpo: tecido fibroso que envolve os ossos do corpo mantendo-os nas
respectivas posições.
Síndrome do Túnel do Carpo: Decorrência da compressão do nervo
mediano na altura do carpo, envolve um estreitamento do túnel do carpo,
provocando atrito entre tendões e ligamentos; e
Síndrome de Desfiladeiro Torácico: Decorrência da compressão de vasos e
nervos entre o pescoço e o ombro na saída do tórax que passa por um canal
delimitado pela clavícula, primeira costela e músculos; este canal pode
estreitar mais ainda ao se trabalhar com a cabeça elevada ou por vícios de
posturas” (LER, 1997 apud Aguiar, 1998: 23-24).

Existem outras manifestações de LER/DORT, cujo desencadeante é o estresse


emocional, que pode ser causado pelo trabalho ou mesmo pelo afastamento do trabalho:

“Síndrome Álgica Miofascial: é comum também a dor se manifestar na


musculatura esquelética devido à constrição prolongada. Esta decorre
principalmente de uma prática de atividades extenuantes ou como
subproduto de tensão psicológica, angústia ou ansiedade, cujas causas não
se mostram evidentes para os pacientes. O tratamento se postula na
terapêutica que quebra o ciclo dor-constrição-dor.“ (LER,1997 apud
Aguiar, 1998: 24)
“Distrofias Simpático-Reflexas : A dor sentida é contínua e se exacerba
com o estresse emocional. Observam-se principalmente alterações nos
vasos sanguíneos, iniciando-se com vasodilatação-pele quente e seca- para
chegar a uma vasoconstrição- edema e pele fria.
Quando não tratada pode ocasionar atrofia muscular, restrição articular,
porosidade óssea e impotência de funcionamento.” (LER,1997 apud
Aguiar, 1998:25)

Em relação ao diagnóstico, conforme observa as Normas e Manuais Técnicos do


Ministério da Saúde, (Brasil, 2001b), a investigação da doença deve obedecer a seguinte
seqüência:

a) História clínica detalhada:

As queixas sinais e sintomas mais comuns entre os trabalhadores com LER/DORT,


são a dor localizada, irradiada ou generalizada, desconforto, fadiga e sensação de peso,
formigamento, parestesia, sensação de diminuição de força, edema e enrijecimento articular,
choque, falta de firmeza nas mãos, sudorese excessiva, alodínea (sensação de dor como
resposta a estímulos não nocivos em pele normal). As queixas geralmente se apresentam em
diferentes graus de severidade, podendo ser caracterizadas em relação ao tempo de duração,
localização, intensidade, entre outros aspectos.
Os sintomas apesar de inicialmente apresentarem-se de forma insidiosa,
predominando mais no término ou em momentos de picos da produção, aliviam através do
repouso. Com o decorrer do tempo, esses sintomas podem tornar-se freqüentes durante o
trabalho, inclusive incidindo nas atividades extra laborativas do trabalhador. Neste
momento, as pessoas procuram atendimento médico, devido às dificuldades que tais
sintomas implicam no desempenhar de suas capacidades funcionais.

É constante nestes casos, o tratamento baseado apenas em antiinflamatórios e


sessões de fisioterapia, que somente vão dissimular os sintomas, sem atingir os seus fatores
desencadeantes, não ocorrendo alterações nas condições e organização do trabalho,
ocasionando a progressão do quadro clínico.

Com o passar do tempo, os sintomas além de aparecerem espontaneamente, tendem


a se manter de forma contínua, gerando crises de dor intensa, geralmente desencadeadas por
movimentos bruscos, pequenos esforços físicos, alternância de temperatura, insatisfação e
tensão. São características pertinentes de um quadro mais grave de dor crônica, que solicita
principalmente uma abordagem mais aprofundada e em equipe multidisciplinar. Esta
abordagem é necessária, para que o profissional devido à dificuldade no tratamento deste
paciente não relacione a doença como de ordem exclusivamente psicológica, gerando no
paciente, ao se deparar com esta situação de evolução das LER/DORT, uma obrigação de
comprovar a existência da doença, para que realmente seja conferida credibilidade à dor
manifesta que não se objetiva nos exames solicitados pelo profissional.

b) Investigação dos diversos aparelhos

Como em qualquer caso clínico, outros sintomas ou doenças devem ser


investigados, tendo em vista a possibilidade de terem influência na determinação ou
agravamento do caso. Algumas situações – como trauma, diabetes mellitus, artrite
reumatóide, gravidez – podem causar ou agravar sintomas do sistema músculo-esquelético
e do sistema nervoso periférico.
Ressalta-se que o achado de uma patologia não ocupacional, não descaracteriza a
existência concomitante de LER/DORT. Em relação a legislação previdenciária, havendo
relação com o trabalho, a doença é considerada ocupacional, mesmo que existam fatores
não relacionados ao trabalho.

c) Comportamentos e hábitos relevantes

São hábitos que podem causar ou agravar sintomas do sistema músculo-esquelético


e necessitam ser investigados como: uso de computador em casa, ato de dirigir, tricotar,
carregamento de sacolas e etc. Estas atividades citadas, geralmente agravam o quadro de
LER/DORT, mas não são causas determinantes para a ocorrência da doença, devido serem
atividades exercidas com flexibilidade de ritmo e tempo. Não existem evidências na
literatura da relevância das tarefas domésticas como desencadeantes de quadros de
LER/DORT. Porém existem muitos estudos que associam a ocorrência de doenças
músculo-esqueléticas com a exposição de fatores de risco no trabalho.

d) Antecedentes pessoais

Refere-se à história de traumas, fraturas e outros quadros mórbidos que possam ter
provocado ou acentuado os processos de dor crônica.

e) Antecedentes familiares

Na elaboração da hipótese diagnóstica, o profissional deve investigar a existência


de familiares co-sanguíneos com história de diabetes e outros distúrbios hormonais e
reumatismos.

f) Anamnese Ocupacional

Tanto quanto elaborar uma boa história clínica é saber onde e como o trabalhador
desenvolve seu trabalho, observando no relato a rotina da atividade: duração da jornada de
trabalho, existência de pausa, execução e freqüência de movimentos de repetição,
existência de sobrecarga estática, formas de pressão de chefias, mudanças no ritmo,
insatisfação, enfim, vários fatores predisponentes para o surgimento das LER/DORT.
Além destes fatores é importante identificar a existência do ruído excessivo, mobiliário
inadequado, desconforto térmico que também são fatores de risco para a ocorrência da
doença.

Na história ocupacional é fundamental fazer um levantamento dos empregos


anteriores e suas características, independente da presença de vínculo empregatício.

Questões relacionadas as características dos sintomas e sinais como: tempo de


duração, localização, intensidade, fatores de melhora e piora, tipos de tratamento
realizados e suas respectivas respostas, são aspectos que devem ser analisados, à luz das
características e condições de trabalho.

É sugerido que a avaliação deve contar com uma análise ergonômica, abrangendo o
posto de trabalho e a organização do trabalho. Diante da impossibilidade de realizar a
avaliação, o médico poderá compreender as condições de trabalho através da simulação
por parte do paciente dos movimentos realizados no decorrer do desempenho da atividade
ou solicitar uma visita ao local de trabalho, como também informações do responsável pelo
Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional da empresa.

g) Exame físico

O exame físico deve tentar identificar o comprometimento de músculos, tendões,


nervos, articulações, problemas circulatórios nos membros mais atingidos, em geral, os
superiores.

h) Exames complementares, se necessários

Os exames não devem ser solicitados indiscriminadamente, pois eles são


complementares à uma análise prévia do quadro. A solicitação de um exame complementar
é auxiliar no raciocínio clínico; portanto, deve ser indicado e interpretado adequadamente,
caso contrário poderá atrapalhar a investigação e condução do caso.

Acrescenta-se ainda, que para a realização do diagnóstico, além das etapas citadas,
é importante, de acordo com as condições de cada Serviço de Saúde, contar com a
investigação do ambiente ou posto de trabalho. Desta maneira, as informações fornecidas
pelo paciente, associadas aos dados obtidos pela equipe do serviço de saúde, inclusive os
surgidos nas inspeções de ambiente de trabalho, contribuirão para respaldar o diagnóstico
clínico.

Do ponto de vista médico, a gravidade destas doenças, segundo Borges (1999:5):

“...decorre de serem afecções que inicialmente se manifestam através de


sintomas – geralmente sensação de desconforto, pontadas e dores
localizadas, perda de força muscular – que não se acompanham de sinais
físicos e não são passíveis de detecção por exames complementares,
dificultando seu diagnóstico.”

É necessário ressalvar, que essa dificuldade de percepção dos sinais manifestos nas
fases iniciais das LER/DORT, acarreta conseqüências para o trabalhador que repercutem
na sua vida pessoal e profissional, tendo em vista todo um contexto que se forma de
descrédito e de marginalização em relação à existência da doença. Estas situações
implicam muitas vezes no trabalhador adiar o tratamento, somente retornando aos Serviços
de Saúde, quando os sinais e sintomas já se apresentam visivelmente e a incapacidade se
torna um fato concreto, de difícil reversão, decorrente de diagnóstico tardio.

Percebe-se então que, de acordo com o desenvolvimento das LER/DORT, uma das
possibilidades de evolução da doença é a incapacidade física do trabalhador, para
desempenhar suas funções profissionais e diárias. Neste sentido, é fundamental que as
LER/DORT sejam diagnosticadas no início da apresentação dos sinais e sintomas e que o
trabalhador receba o tratamento adequado, para que assim possa estagnar a evolução da
doença. Do contrário, a doença pode evoluir para formas crônicas, com dor constante e
incapacidade permanente.

2.3 - ORIENTAÇÕES RELATIVAS AOS PROCEDIMENTOS NECESSÁRIOS


PARA O RECONHECIMENTO DA DOENÇA NO INSS

Considera-se, após a análise de todas as etapas apontadas para a realização do


diagnóstico, ser possível chegar a uma conclusão, baseada na história clínica do paciente,
na relação das suas queixas com os fatores desencadeantes de LER/DORT, nas alterações
das condições e organização do trabalho na empresa, tendo em vista que não existe um
exame ou instrumento capaz de comprovar que o quadro clínico é causado pelos fatores
laborais.

Com o diagnóstico definido, os trabalhadores segurados da Previdência Social,


devem ser encaminhados, para o preenchimento da CAT. Todos os casos com diagnóstico
firmado de LER/DORT devem ser objeto de emissão de CAT pelo empregador. Na
ausência de comunicação por parte da empresa ou recusa, a lei garante que o próprio
acidentado, seus dependentes, o sindicato que representa o trabalhador, o médico assistente
ou qualquer autoridade pública pode preencher. A emissão da CAT acontecerá até o
primeiro dia útil após a data do início da incapacidade, ou até o primeiro dia útil após a
data em que o diagnóstico for realizado (Brasil, 1998).

Posteriormente a emissão da CAT o trabalhador deverá procurar o serviço de saúde


pública ou privado para que o médico assistente realize o preenchimento do item II da
CAT referente ao Laudo de Exame Médico-LEM ou relatório médico com informações
que fundamentem o diagnóstico.

De acordo com a Norma Técnica do INSS sobre DORT (Brasil, 1998), a CAT
deverá ser enviada ao setor de benefícios do INSS, para a caracterização do nexo
administrativo, ou seja, o registro do caso sem prejuízo da conclusão posterior da Perícia
Médica. O setor de Benefícios do INSS deve registrar a CAT, observando e exigindo o
completo preenchimento de seus campos, realizando todas as formalidades de direito da
mesma. Porém para a caracterização do nexo técnico, somente será estabelecida caso a
previsão de afastamento do trabalho no LEM, superior a 15 dias, seja confirmada; caso
contrário, haverá somente notificação, para fins de vigilância de possíveis casos de origem
ocupacional, mas não ocorrerá o registro na carteira profissional.

Cabe mencionar que segundo esta mesma Norma Técnica, o nexo técnico consiste
no vínculo entre a afecção de unidades motoras e a presença de fatores ergonômicos para o
surgimento das LER/DORT. A caracterização pericial do nexo técnico não reside nos
resultados de exames, mas na relação entre a lesão e o exercício da atividade de trabalho.

Nos casos de afastamento do trabalho maior que 15 dias, o segurado passará por um
exame pericial, onde será avaliado seu quadro clínico, a incapacidade para o trabalho e o
nexo técnico. Havendo o nexo, o trabalhador permanecerá em auxílio-doença-acidentário,
até que o INSS lhe atribua alta.

Em caso de alta sem limitações, o retorno à atividade acontecerá normalmente, com


o acompanhamento do Serviço de Saúde. Caso existam restrições, na qual seja indicada a
reabilitação, o Centro de Reabilitação Profissional do INSS proporcionará o treinamento
numa nova função compatível com as limitações funcionais do paciente. Ressalta ainda,
que ao auxílio-acidente tem direito todo trabalhador que sofre redução da capacidade
funcional, em função de seqüela definitiva, independente da reabilitação profissional.
Além de que todo trabalhador afastado por mais de 15 dias em auxílio-acidentário, quando
receber a alta terá seu contrato de trabalho mantido por no mínimo 12 meses (Brasil,
2000).

Diante destes aspectos, observa-se que a caracterização da doença ocupacional,


mesmo que estabelecida nos Serviços de Saúde, em última instância é determinada pelo
INSS, que definirá o “benefício” ao qual fará jus o trabalhador. Em muitos casos de
doenças como as LER/DORT, o INSS não as reconhece, mesmo diante de evidências das
implicações do trabalho no desencadeamento das mesmas. Compreendemos que está
implícito neste tipo de procedimento, toda uma lógica pautada em critérios
compensatórios, para o não reconhecimento das doenças ocupacionais. Desta forma, ao
analisar a doença considerando também estes critérios, torna-se difícil pensar numa
atuação voltada para a prevenção e recuperação do trabalhador e como conseqüência destas
dificuldades se acentuará ainda mais o ônus para o sistema securitário, devido ao
surgimento de novos casos e as recidivas e agravamento de outros.

2.4 - ORIENTAÇÕES PARA ATUAÇÃO DOS SERVIÇOS DE SAÚDE EM


RELAÇÃO AS LER/DORT

Diante destas questões, uma vez delimitado o diagnóstico e realizados os


encaminhamentos necessários, para o trabalhador se situar neste longo percurso de
reconhecimento da doença pelo INSS, cabe informar conforme aponta o documento
ministerial Brasil (2000), que os Serviços de Saúde devem ultrapassar essa fase da
assistência ao paciente, estruturando os dados disponíveis em um Sistema de Informações
que respalde as ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador da seguinte forma:

- Utilização do Sistema de Informação de Agravos e Notificação (SINAN), para


contribuir com as ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador.

- Ultrapassar os limites do diagnóstico individual, buscando uma ação coletiva devendo


ser este o princípio norteador da abordagem de LER/DORT. De acordo com as
possibilidades de cada serviço, a organização de dados contribui para uma intervenção
nas empresas e locais de trabalho, incidindo numa ação mais eficaz de impacto coletivo
na prevenção de LER/DORT. Para a realização dessas ações de intervenção, terão
prioridade as empresas ou locais de trabalho, nos quais se observou a maior freqüência
de casos da doença.

- Nas ações de Vigilância, os aspectos abordados devem ser relacionados ao tempo de


exposição dos trabalhadores às cargas físicas, cognitivas e psíquicas; ao processo de
trabalho e organização; ao mobiliário, entre outros fatores importantes presentes nas
situações de trabalho.
Em relação aos procedimentos adotados pela equipe multidisciplinar desses
Serviços de Saúde do Trabalhador, o documento Brasil (2000), ressalta:

- É fundamental que a equipe entenda a fisiopatologia da dor nos pacientes com


LER/DORT, pois facilitará o tratamento, estabelecendo os objetivos gerais e
específicos do mesmo e a reabilitação para cada caso, entendendo que são processos
concomitantes.

- As metas estabelecidas devem ser de conhecimento do paciente, cada passo


conquistado deve ser ressaltado e valorizado.

- Não existe dicotomia e nem separação precisa entre o tratamento e a reabilitação, assim
como entre a parte física e a psicológica, uma influencia na outra.

- Apesar de cada profissional da equipe desenvolver atividades terapêuticas específicas,


é importante que exista uma unidade no que diz respeito ao tratamento e à reabilitação,
numa perspectiva interdisciplinar.

- Todos têm responsabilidades específicas e gerais no atendimento ao paciente, sendo


uma das responsabilidades gerais escutar o paciente.

- A investigação de ambientes de trabalho é necessária em todas as ações, mesmo nas


inspeções que visam suporte diagnóstico.

- Devem ser desenvolvidas ações de educação e comunicação, envolvendo


trabalhadores, sindicatos, profissionais de saúde, empregadores, enfim as diversas
parcerias estabelecidas.

- A experiência de alguns Centros de Referência em Saúde do Trabalhador no País,


através de intervenções em ambientes de trabalho, demonstram a necessidade de ações
mais efetivas do SUS na prevenção de LER/DORT.
Nestes termos observamos que, apesar da diversidade de experiências relacionadas
à abordagem das LER/DORT nos Serviços de Saúde do Trabalhador no SUS, constatamos
por meio de pesquisa bibliográfica a carência de referências relacionadas a este tema, como
uma forma de mudança efetiva no atual quadro de ocorrência da doença no País, conforme
apresentaremos no tópico seguinte.

2.5 - AS LER/DORT NOS CRST’s - UM TEMA POUCO ESTUDADO

As LER/DORT se constituem atualmente na maior demanda aos Centros de


Referência e Programas Estaduais e Municipais de Saúde do Trabalhador, se constituindo
segundo (Ribeiro, 1997a) na mais freqüente causa de emissão de Comunicações de
Acidentes do Trabalho-CAT na Previdência Social. Torna-se assim, um grave e pouco
conhecido problema de saúde pública a ser enfrentado no Brasil.

Neste sentido, dados referentes aos atendimentos ambulatoriais no CRST/ES,


revelam que no ano de 1998, dos 770 casos diagnosticados como doença ocupacional, 241
apresentavam LER/DORT, totalizando (31,3%) em relação aos outros diagnósticos. No
ano de 1999, de 673 atendimentos de casos novos, 230 possuíam diagnóstico de
LER/DORT, perfazendo um total de (34,2%), em relação ao geral. Vale ressalvar, que a
doença colocada em segundo lugar, ou seja, a surdez neuro-sensorial, apresentou uma
freqüência de (6,9%) e (15,8%), respectivamente no período de 1998 e 1999.

Os dados apresentados acima, comparados com os de outros programas de


atendimento ao trabalhador, vêm respaldar a relevância de um estudo sobre a abordagem
deste problema tendo em vista o seu acentuado crescimento na sociedade moderna.
Echternach (1998), menciona as estatísticas do Núcleo de Saúde do Trabalhador do INSS
de Minas Gerais- NUSAT/INSS-MG, onde desde 1993 as LER/DORT representam em
torno de 60 a 70% dos diagnósticos de doenças profissionais e também as do Centro de
Referência em Saúde do Trabalhador de São Paulo (CEREST-SP), PST-Campinas, e do
Ambulatório de Doenças Profissionais do Hospital Universitário da Universidade Federal
de Minas Gerais/UFMG, onde, do mesmo modo, as LER/DORT correspondem à principal
demanda de atendimento, representando igualmente 60 a 70% dos casos.
Diante de tantas questões, iniciamos a pesquisa bibliográfica nas bases de dados
Medline e Lilacs, referente ao período de 1990-1999, que se configurou numa busca de
bibliografias existente em relação às variáveis “LER/DORT” e “serviços de saúde”. Para a
pesquisa no Medline, que é uma base de dados internacional, utilizamos as denominações
usualmente conhecidas para LER/DORT em inglês, como Repetitive Strain Injuries,
Cumulative Trauma Disorders, Work Related Musculoskeletal Disorders.

A pesquisa realizada no Medline no início do ano 2000, apresentou um número


reduzido de publicações. Desta forma resolvemos refazê-la neste ano, utilizando as
referências “LER/DORT” e “serviços”, objetivando abranger um número mais
representativo de referências bibliográficas, e incluimos também o ano 2000. Verificamos
então, através de leitura dos resumos selecionados, uma carência de produções
relacionadas às variáveis solicitadas. Geralmente os artigos publicados na base Medline,
fazem menção a estudos de casos de LER/DORT em trabalhadores da indústria,
orientações para tratamento e prevenção nas empresas e também referências relacionadas à
presença da doença em algumas categorias profissionais, como a enfermagem. Deste
modo, concluimos que os artigos não informam concretamente à respeito da abordagem
das LER/DORT em serviços Públicos de Saúde, sendo citadas algumas inferências mas,
algo incipiente.

Em relação à busca na base de dados Lilacs, onde a maior parte das produções são
latino-americanas, ao realizarmos recentemente uma nova pesquisa encontramos poucos
artigos, porém constatamos um artigo nacional que discute a questão do trabalho bancário
e saúde, no qual faz inferências a respeito do fluxo de atendimento de acidentados do
trabalho no SUS.

Portanto, esta pesquisa bibliográfica nas bases de dados nos permitiu informar, que
mesmo sabendo da existência de estudos à respeito da temática, mas que ainda não estão
disponíveis nas bases de dados citadas, estes dados apontam, que apesar do crescimento de
LER/DORT no País, e nos CRST’s, ainda é um tema pouco estudado, do ponto de vista da
relação do impacto que provoca nos serviços de saúde e as ações que são desencadeadas
para o enfrentamento da doença. Ainda mais, considerando que, devido a todo um contexto
estrutural e conjuntural, os CRST’s acabam reproduzindo um olhar e uma intervenção
limitada da relação saúde/doença.

2.6 - AS LER/DORT COMO PRODUTO DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO-A


NECESSIDADE DE SE ULTRAPASSAR O MODELO BIOLOGICISTA

Historicamente no modo de produção capitalista, o trabalhador necessitou


submeter-se a condições e ambientes inadequados de trabalho, levando-o a uma perda
gradativa do controle sobre o processo produtivo e o aumento de seu desgaste físico e
emocional. As doenças ocupacionais, entre elas, as LER/DORT, surgem desta forma de
inserção dos trabalhadores nos processos de trabalho.

As LER/DORT estão relacionadas a processos de trabalho cujas tarefas são


fragmentadas, desqualificadas, repetitivas e desprovidas de significado humano.
Acrescenta-se a estes fatores o ritmo acelerado de trabalho, objetivando a maior produção,
além de todo um processo de isolamento e competitividade que acaba impossibilitando o
aparecimento entre os trabalhadores de relações de solidariedade no trabalho.

Apesar de já terem sido relatadas há mais de 200 anos pelo médico italiano,
Bernardino Ramazzini (1633-1714), considerado o pai da Medicina do Trabalho, as
ocorrências de problemas osteomusculares nos trabalhadores daquele período (mais
precisamente os escribas), essas somente tornaram-se um problema relevante a partir do
momento que passaram a atingir diferentes processos produtivos (Magalhães,1998). Nos
últimos 20/30 anos as LER/DORT têm se tornado uma preocupação em diversos países,
sendo associadas à implantação de novas tecnologias e formas de organização do trabalho.

Ao analisar o aparecimento das LER/DORT nos processos produtivos, encontramos


fatores, como o trabalho repetitivo que se encontram na causalidade da doença e nos
remetem aos aspectos da “Organização Científica do Trabalho” concebida por Taylor
(Fleury e Vargas,1983). Este sistema tem como objetivo o aumento da produtividade, a
eliminação do tempo morto de trabalho, tempo este que implica numa diminuição da
produção. Para a Psicopatologia do Trabalho, este tempo é fundamental, durante o qual as
“operações de regulagem” da relação homem-trabalho ocorrem, procurando manter a
realização da atividade e a proteção da saúde do trabalhador.

A organização científica do trabalho priva o trabalhador do seu saber, reprime a


liberdade de organização e de adaptação do trabalho, haja visto que esta solicita do
trabalhador uma atividade intelectual e cognitiva que estará impossibilitada de ocorrer no
trabalho taylorizado.

O modelo proposto por Taylor, não se limita à concepção do modo operatório, mas
à sua operacionalização. Desta forma, institui um sistema de vigilância dos movimentos
empregados pelo trabalhador, aumentando a parcialização e rigidez do trabalho,
configurando assim os elementos essenciais da Organização Científica do Trabalho. O
trabalho taylorizado produz a divisão e individualização dos trabalhadores, dificultando
espaços de união e organização. Segundo Dejours (1988: 42),

“Taylor estava errado. O que parece correto do ponto de vista da


produtividade é falso do ponto de vista da economia do corpo. Pois o
operário é efetivamente o mais indicado para saber o que é compatível com
a saúde. Mesmo se seu modo operatório não é sempre o mas eficaz do ponto
de vista do rendimento em geral, o estudo do trabalho artesanal mostra
que, via de regra, o operário consegue encontrar o melhor rendimento de
que é capaz respeitando seu equilíbrio fisiológico e que, desta forma, ele
leva em conta não somente o presente mais também o futuro.”

A Organização Científica do Trabalho ao reprimir a atividade intelectual do


trabalhador, atinge negativamente a sua vida psíquica, em suas dimensões cognitivas e
afetivas que podem contribuir para o desencadeamento das LER/DORT.

No período que transcorreu do nascimento do Taylorismo, até hoje, muitas


mudanças ocorreram nos processos de trabalho. São as novas relações de trabalho que nos
países do terceiro mundo coexistem com as antigas e arcaicas formas de exploração do
homem. A competitividade aumenta a cada dia, a globalização da economia afeta
decisivamente as políticas empresariais e os trabalhadores.

“O acirramento da concorrência intercapitalista em nível mundial, a


introdução de novas tecnologias de base microeletrônica e as
reivindicações sociais dos trabalhadores nas sociedades
industrializadas influenciaram o surgimento e a intensificação de
novas formas de organização do trabalho”. (Mattos, et. al., 1996: 44)

Nestes termos, na década de 70 surge em diversos países do primeiro mundo, de


acordo com a especificidade de cada região, experiências denominadas como formas de
acumulação flexível. Estas representaram mudanças no processo tradicional de produção
em série e de massa e trouxeram significativas transformações nas relações de trabalho.

A organização do trabalho desenvolveu-se em conjunto com a economia


globalizada, distanciando ao máximo os trabalhadores responsáveis pela concepção dos
produtos, daqueles que executam as tarefas, o que proporciona a desarticulação dos
trabalhadores no local de trabalho e consequentemente nas lutas, abrindo caminho para a
Acumulação Flexível/Toyotismo.

Ao contrário que previa o conceito Taylorista-Fordista de cada homem no seu posto


de trabalho, operando uma máquina, no Toyotismo difundido pela indústria japonesa, cada
operário deve operar várias máquinas; cria-se então o trabalhador multifuncional, mas por
outro lado, desespecializado.

O trabalho geralmente é feito por equipes de trabalhadores operando um sistema de


máquinas automatizadas. Rompe-se com a verticalização do Fordismo e instaura-se a
horizontalização, onde a empresa diminui suas atividades, sendo algumas delas
terceirizadas. A necessidade agora é atender um mercado interno que solicita pequenos
pedidos e produtos diferenciados, contrário ao que propunha o Fordismo, à produção em
massa.

O Toyotismo ou a Acumulação flexível representa uma etapa avançada no processo


de exploração do trabalhador, a partir de uma proposta de cooptação dos mesmos e
desarticulando-os de qualquer processo de organização. Com a implantação desse sistema
agravam-se as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores, porque na medida que
aumenta-se o uso de mão-de-obra em tempo parcial, temporário ou subcontratado,
diminuem-se os salários e as questões referentes à Saúde do Trabalhador tornam-se
irrelevantes no contexto das relações de trabalho.

Essa nova forma de organização do trabalho requer estruturas mais flexíveis,


trabalhadores receptivos à mudanças nas relações de trabalho, legislação flexível, o
máximo de aproveitamento de tempo garantido pelo sistema just in time que introduz a
questão do estoque mínimo. Suas características associadas às inovações tecnológicas, da
automação e da informatização predominante na década de 80, proporcionam um aumento
da exploração do trabalho com a diminuição da porosidade na produção.

Entende-se que as formas de acumulação flexível, apesar de constituirem práticas


diferenciadas das adotadas pelo taylorismo/fordismo, representam na verdade uma
redefinição do capitalismo, enquanto uma resposta para as suas constantes crises.

Com a economia globalizada do capitalismo ocorre uma mudança das exigências


do trabalho, com a automatização acelerada e a informatização, a organização do trabalho
se modifica. O que se verifica nesse novo ciclo de desenvolvimento capitalista é a crise do
modelo de produção: não há mais a necessidade da força bruta, porém requer movimentos
leves, repetitivos, rápidos, acompanhando o ritmo da máquina, trabalho estático e uma
atenção constante para que desenvolva as tarefas prescritas da melhor maneira possível.

É preciso assinalar que a causa das LER/DORT não pode ser atribuída à automação
do processo de produção e sim a forma de uso e apropriação desta tecnologia e a
organização do trabalho.

Deste modo, verifica-se formas antigas e novas que assume a organização do


trabalho, associada à operação de novas tecnologias, manifestando-se em exigências que se
impõe aos trabalhadores no processo de trabalho (Noriega, 1993). Estas novas exigências
fazem parte do trabalho em processos repetitivos, produzidos em meio as transformações
técnicas e organizacionais que ocorreram no modo capitalista de produção e se expressam
nos trabalhadores, ocasionando formas de adoecimento como as LER/DORT.
As LER/DORT se configuram como um mal-estar físico e psíquico
prioritariamente, mais não somente, dos processos de trabalho repetitivos, mas também
nos que exigem sobrecarga estática. Mais que um problema físico, requer toda uma
compreensão do processo de sofrimento psíquico. O fator físico-mecânico está presente no
desencadeamento das LER/DORT, porém não se pode deixar de considerar os aspectos
psicoemocionais. A busca da qualidade e competência, o processo de fragmentação dos
trabalhadores típico do Taylorismo, impedem a percepção da coletividade, a construção de
vínculos solidários e de identidade, entre os trabalhadores.

A abordagem das LER/DORT solicita uma concepção mais ampla do próprio


conceito de saúde e seus determinantes. Devendo se considerar o trabalhador que adoece
enquanto sujeito e seu cotidiano determinado pelas relações de trabalho. Ressaltamos, que
grande parte das concepções e práticas relacionadas à doença, ainda são permeadas pela
influência do modelo biologicista, inclusive sendo incorporado nas atuais legislações que
regulamentam as LER/DORT. Esta situação se reflete no âmbito de atuação dos Centros de
Referência, através de ações desarticuladas que pouco interferem no processo de
organização do trabalho, enquanto determinante fundamental para a gênese da doença.
CAPÍTULO 3 - O ESTUDO DA SAÚDE-DOENÇA E A RELAÇÃO
COM O PROCESSO DE TRABALHO.

O processo saúde-doença dos grupos humanos e sua relação com o trabalho se


constitui no objeto do campo da Saúde do Trabalhador, dentro de um determinado contexto
histórico, onde o papel dos trabalhadores é fundamental na produção de conhecimento a
respeito desse processo. Deste modo, a Saúde do Trabalhador, ao compreender o trabalho
como espaço de submissão e dominação do trabalhador pelo capital, mas também de
resistência e luta por melhores condições de vida e trabalho, busca entender o processo de
adoecimento ao qual estão submetidos os trabalhadores (Mendes & Dias, 1991).

Cumpre situar, que a emergência deste campo, ocorre com o avanço de formulações
teórica, metodológica e técnica que aparecem a partir dos anos 60, possibilitando
esclarecer a relação da saúde com os processos econômicos e sociais. Essa nova corrente
de pensamento surge de autores da medicina social latino-americana, que desenvolvem
uma crítica à teoria e prática da medicina dominante, se constituindo num movimento que
se ramifica para vários países.

Diante da crise econômica vivenciada nos anos 70, que denuncia os problemas que
afetam a maioria da população, como a organização do trabalho capitalista e a necessidade
de mudanças sociais, é que as propostas da corrente latino-americana da medicina social
ganham força.

Diferenciando-se da medicina dominante, a medicina social avança na concepção


de saúde, entendendo a saúde-doença como um processo social, colocando o “nexo
biopsíquico como expressão concreta na corporeidade humana do processo histórico num
momento determinado.” (Laurell & Noriega, 1989: 100)

É necessário ressaltar, que a doença para a medicina dominante é um processo


individual e biológico, um desequilíbrio entre agente-hóspede-ambiente. É uma medicina
que surge desde o séc. XIX sobretudo na Inglaterra, centrada no “controle da saúde e do
corpo das classes mais pobres para torná-las mas aptas ao trabalho e menos perigosas às
classes mas ricas.” (Foucault, 1993: 97)

O processo saúde-doença é uma totalidade, não podendo ser reduzido ao


estritamente biológico e individual, pois a essência do processo é o reconhecimento de seu
caráter social e sua determinação histórica; mesmo o processo biológico presente no
processo saúde-doença, também tem um caráter social. Essa concepção identifica a
historicidade dos processos biológicos e psíquicos humanos, rompendo com o pensamento
médico dominante do caráter a-histórico da biologia humana. A medicina dominante, ao
enfatizar o caráter biologicista no processo saúde-doença, oculta o seu verdadeiro caráter
de ser um processo biológico e social.

O conhecimento do nexo biopsíquico humano em sua historicidade, requer a


construção de um novo objeto de estudo. Este objeto compreende a saúde-doença,
enquanto um processo único, que se relaciona com os demais processos que conformam a
vida, superando assim a visão fragmentada que entende a doença como algo que se
contrapõe à saúde.

Nestes termos, de acordo com Laurell & Noriega (1989), ao definir seu objeto de
estudo, a medicina social considera que a apreensão do caráter histórico do processo saúde-
doença ocorre a nível coletivo, uma vez que o caráter social da doença não se expressa
individualmente, mas no modo de adoecer e morrer dos grupos humanos, numa dada
sociedade, de acordo com as classes sociais que a compõe. O caráter social é determinado
pela inserção dos grupos humanos no processo de produção e assim o processo de trabalho
emerge como categoria fundamental para o estudo do processo saúde-doença.

3.1 - O PROCESSO DE TRABALHO E SAÚDE

A medicina social ao discutir a relação entre saúde-trabalho, contribuiu


efetivamente para a compreensão da determinação do caráter histórico e social do processo
saúde-doença, a partir do momento que conceitua o trabalho, através da concepção do
processo de trabalho, que se inscreve nas relações sociais de produção.
Neste contexto, a Saúde do Trabalhador que tem suas origens na medicina social, se
contrapõe à Medicina do Trabalho de corte tradicional e tecnicista, que ao analisar os
impactos do trabalho sobre a saúde, realiza de forma reducionista, restringindo-se à
avaliação de riscos presentes no ambiente de trabalho, ocultando desta maneira, a
complexa relação entre processo de trabalho e saúde. Essas formulações são consideradas
insuficientes pela medicina social, que utiliza o materialismo histórico para a explicação do
processo de trabalho, como categoria central na análise da produção social do nexo
biopsíquico humano.

O processo de trabalho é a relação entre o homem e a natureza, através do qual o


homem utiliza sua energia, força, para transformar, manter, ou produzir bens necessários à
sua sobrevivência. A relação que o homem estabelece com a natureza, a forma como se
apropria da natureza e a transforma, resulta também no processo saúde-doença.

Marx (1983b), concebe o trabalho como um processo que se realiza entre o homem
e a natureza, transformando-a e transformando a si mesmo. Nesta relação, o homem ao
transformar a natureza também se modifica, desenvolvendo suas potencialidades e
ampliando seu universo social. O trabalho é uma atividade exclusivamente humana, pois
somente o homem pode conceber antecipadamente e na sua imaginação, as atividades a
serem desenvolvidas, para efetuar as transformações necessárias na criação do objeto que
será produto do seu trabalho, antes mesmo que este se realize.

É esta relação que o homem estabelece com a natureza através do trabalho, de


mútua transformação, que nos possibilita entender o caráter social do processo saúde-
doença, tendo em vista que estas transformações ocorrem de acordo com o
desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção, num
determinado modo de produção. A relação entre o processo de trabalho e a saúde, gerando
padrões de desgaste aos quais são submetidos os grupos humanos no modo de produção
capitalista, somente pode ser entendida, ao analisar as características do processo de
produção, nesse tipo de formação social.
A forma de organização dos seres humanos em sociedade é determinada pelas
relações que estabelecem para a produção de bens. O capitalismo deve ser entendido, como
parte de um processo histórico que desde o início procurou transformar os bens e riquezas,
em outros que melhor satisfizessem as necessidades humanas.

O pressuposto básico do capitalismo é, dadas as relações de produção, desenvolver


ao máximo a exploração da mais-valia, trabalho não remunerado. Num primeiro momento,
utilizou a extensão da jornada de trabalho, como forma de se apropriar do trabalho não
pago, que constitui a mais-valia absoluta. Num segundo momento, a mais-valia foi obtida
através da diminuição do valor da força de trabalho, que requer que se produza em menos
tempo, ou seja, intensifica o trabalho, com o desenvolvimento tecnológico, com alterações
no processo de trabalho. Este tipo de apropriação do trabalho humano, denomina-se de
mais-valia relativa (Marx,1983a).

Entretanto, nesta sociedade capitalista que cultiva valores da livre concorrência,


individualismo, exploração, a existência do lucro é determinante, onde o processo de
produção deve resultar em bens, que além do valor de uso, apresentem também valor de
troca e, consequentemente, a mais-valia, que é o valor excedente na produção de bens de
uso. Percebemos assim, a importância que o processo de valorização ou de produção de
mais-valia tem no modo de produção capitalista. A compreensão da constituição do
processo de trabalho, está na forma que o capital utiliza para a extração da mais-valia, em
determinado momento histórico.

“ Para que se compreendam as características que assume o processo de


trabalho no capitalismo, tem-se que lembrar que sua finalidade é a
extração da mais-valia. É preciso, pois, remeter ao conceito de processo de
produção, com suas duas facetas: o processo de valorização (de produção
de mais-valia ) e o processo de trabalho (de produção de bens).”(Laurell &
Noriega, 1989: 105)

O processo de trabalho e o processo de valorização, constituem o processo de


produção capitalista. Tendo em vista que a finalidade do capitalismo é a extração de mais-
valia e acumulação de capital, o processo de valorização se sobressai em relação ao
processo de trabalho, através de sua intensificação. O processo de valorização é
determinado pela concorrência intercapitalista, onde a produção tem que ser realizada em
condições que possibilitem a lucratividade. O processo de trabalho torna-se não só um
meio onde são produzidos bens ou valores de uso, mas de produção de valor, valorização.

Neste sentido, o estudo do processo de trabalho, está intrinsecamente relacionado à


realização do processo de valorização, associado ao fato de constituir-se num espaço de
confronto entre forças antagônicas do capital e trabalho. Em relação à saúde-doença, o
processo de trabalho representa o momento onde tomam forma os padrões de desgaste-
reprodução dos grupos humanos .

Nesse sentido, de acordo com Laurell & Noriega (1989: 106):

“Se para o capital o processo de trabalho é o meio do processo de


valorização, para o trabalho é o âmbito primário da luta contra a
exploração. Para ambos esse processo é inevitável e, portanto, um espaço
indiscutível de confronto.”

Para compreender o processo de trabalho, é preciso conhecer os elementos que o


compõe, ou seja, o objeto de trabalho, os instrumentos e o próprio trabalho, para entendê-
los de forma global e dinâmica em relação à saúde dos trabalhadores. Deste modo é
necessário analisar suas vertentes técnica e social, identificando também a relação entre os
elementos. Conforme observa Laurell & Noriega (1989: 106-107):

“É preciso analisar não somente as características físicas, químicas e


mecânicas do objeto de trabalho, mas também porque e como chega a sê-lo,
isto é, sua vertente social. Da mesma forma, os instrumentos de trabalho ou
a tecnologia devem ser compreendidos, de um lado, no que diz respeito a
sua conformação técnica e, de outro, como a materialização de uma
determinada relação entre capital e trabalho. O trabalho, finalmente, tem
que ser entendido como processos corporais, mas também, como uma
expressão concreta da relação de exploração através de sua organização e
divisão”.

Para um entendimento mais amplo dos fatores relacionados ao processo de


trabalho, que repercutem na saúde ou no corpo dos trabalhadores, são propostas duas
categorias de análise importantes: cargas de trabalho e desgaste. As cargas de trabalho são
elementos do processo de trabalho que interatuam dinamicamente entre si e com o a
corporeidade humana, gerando processos de adaptação que se traduzem em desgaste
(Laurell & Noriega,1989).

A intensidade das cargas depende da forma de produzir, da organização do trabalho


e divisão do trabalho, associadas as relações de força entre capital e trabalho. As cargas
podem ser analisadas separadamente, mas na concretude do processo de trabalho elas
interatuam entre si e com o corpo do trabalhador.

As cargas podem ser divididas em dois grupos : aquelas que têm materialidade
externa ao corpo do trabalhador, como as cargas físicas, químicas, biológicas e mecânicas,
e as que só adquirem materialidade na corporeidade humana, ou seja, as cargas fisiológicas
e psíquicas.

As cargas físicas, como ruído, as vibrações, a umidade, que ocasionam alterações


nos mecanismos fisiológicos humanos, podendo ou não ser reversíveis; as cargas químicas,
que consistem nas poeiras, gases, vapores entre outras; as cargas biológicas, que incluem
os microorganismos; e as mecânicas, decorrentes dos objetos e meios utilizados nos
processos de trabalho, formam um conjunto de cargas que possuem materialidades
próprias, que se manifestam objetivamente, independente do corpo do trabalhador e ao se
interatuarem com o corpo humano, acarretam danos à saúde do trabalhador.

O outro grupo de cargas agrupa as cargas fisiológicas e psíquicas. As cargas


fisiológicas se expressam, em condições de trabalho que submetem o trabalhador, a esforço
repetitivo, posições incômodas, postura estática, rotação de turnos, etc. As cargas psíquicas
se subdividem nas que provocam tensão prolongada ou sobrecarga psíquica – como
atenção constante, ritmo de trabalho acelerado, trabalho perigoso, supervisão constante etc
– e subcarga psíquica, que limita o uso da capacidade mental decorrente de atividades
desprovidas de conteúdo, da separação entre concepção e execução do trabalho, hierarquia,
ocasionando a desqualificação do trabalhador.

Para compreender os impactos sobre a saúde-doença dos trabalhadores, é


necessário entender como as cargas interatuam entre si, no processo de trabalho,
potencializando os efeitos sobre grupos humanos, acarretando adoecimentos diversos. É
devido a esta ação conjunta e dinâmica das cargas, que torna-se imperioso entender o
processo de trabalho de forma global.

É fato que todo processo de trabalho, independente do modo de produção no qual é


executado, apresenta cargas; porém, o modo de produção capitalista, ao impor a lógica do
processo de valorização no processo de trabalho, ocasiona mudanças, nas quais as cargas
têm uma dimensão maior. Assim, as cargas são sempre resultantes das características da
base técnica, da organização e da divisão do trabalho.

Ao entender as cargas enquanto elementos que provocam processos de adaptação


que se traduzem em desgaste no corpo do trabalhador, é fundamental discutir esta categoria
no estudo da saúde, na sua relação com o trabalho. O desgaste é resultado de processos
adaptativos que acometem o trabalhador, sendo entendido por Laurell & Noriega (1989:
115) “como a perda da capacidade efetiva e/ou potencial, biológica e psíquica...” não se
referindo a um processo isolado, mas ao conjunto dos processos biopsíquicos. Entende-se
que, ainda que o desgaste se manifeste nos indivíduos, é somente a nível coletivo que
ganha dimensão. Corresponde a um conjunto de alterações negativas, como conseqüência
da ação das cargas sobre o corpo humano. O desgaste pode levar desde a perda de órgãos,
como também comprometer o desenvolvimento das potencialidades psíquicas ou
biológicas do trabalhador.

O desgaste não se expressa claramente, tornando seus elementos difíceis de serem


mensuráveis ou observáveis, a não ser através de indicadores, tais como: sinais e sintomas,
perfil patológico, redução do tempo de vida útil, estresse, etc.

Partindo da compreensão de que os processos biopsíquicos são históricos e,


portanto, passíveis de mudanças, ressalta-se que o desgaste pelo qual o trabalhador é
submetido no desenvolvimento de sua atividade, não é irreversível, podendo ser alterado, a
partir do momento que ocorra a eliminação das cargas que o gerou.
O impacto das cargas de trabalho e o desgaste sobre as condições de saúde-doença
dos grupos humanos, em determinado processo de trabalho, resulta das características
próprias do sistema capitalista de produção, que estão presentes na luta entre capital e
trabalho, na busca de maior produtividade, competitividade, associado às inovações
tecnológicas, à exploração do trabalho e à acumulação do capital. Desta forma, a análise do
processo de produção de maneira global é o que nos possibilita compreender como as
cargas de trabalho e o desgaste atuam sobre os trabalhadores.

Porém, esta questão é entendida de forma diferenciada pela Medicina do Trabalho e


a Saúde do Trabalhador, com métodos de abordagem distintos. A Medicina do trabalho,
que representa o pensamento médico dominante, utiliza o conceito de risco para entender
os elementos que fazem parte do trabalho, causando repercussões negativas para o
trabalhador, porém os riscos são vistos de forma isolada e fora da dinâmica global e
complexa do processo de trabalho.

Por sua vez, a Saúde do Trabalhador, que se baliza na medicina social, ao contrário
da Medicina do Trabalho, analisa a saúde-doença como processo social reconhecendo o
saber do trabalhador como fundamental neste processo. Busca entender o nexo biopsíquico
da coletividade de trabalhadores, através de uma integração dos elementos presentes no
processo de trabalho que interatuam dinamicamente entre si e a corporeidade humana.

Diante do exposto, pode-se inferir que a interação entre os diferentes grupos de


cargas na lógica global do processo de trabalho, nos possibilita entender o surgimento das
LER/DORT, que se apresenta como um grave problema de saúde pública. As LER/DORT
decorrem das relações geradas no processo de trabalho, que submetem o trabalhador a
precárias condições de trabalho, desencadeando adoecimento físico e mental, além de
interferir na sua qualidade de vida.

Nesta acepção, torna-se evidente que entender as LER/DORT somente da


perspectiva que contempla cargas que atuam isoladamente é muito limitada e reducionista.
É necessário superar esta perspectiva, entendendo a doença como produto de uma
combinação de cargas determinada pela lógica global do processo de trabalho. Para
compreender a ocorrência das LER/DORT, é preciso analisá-la, a partir do processo de
produção, onde as cargas se combinam dinamicamente. É a carga fisiológica proveniente
de postura incômoda, trabalho muscular estático, os movimentos repetitivos, entre outros e
a carga psíquica gerada pelo ritmo de trabalho, a pressão de supervisão, tarefas esvaziadas;
ou seja, é um conjunto de cargas que se potenciam entre si no processo de produção,
realizando a mediação entre o trabalho e o desgaste do trabalhador, levando-o ao
adoecimento.

Neste sentido a partir do pressuposto da interdisciplinariedade preconizado pela


Saúde do Trabalhador, consideramos, que a análise do processo saúde/doença no trabalho,
deve-se pautar nos aportes de diferentes áreas de conhecimento que possam contribuir
para explicitar a complexidade deste processo.

3.2 - A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOPATOLOGIA DO TRABALHO E DA


ERGONOMIA NA COMPREENSÃO DO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA

O trabalho tem sido considerado por muitos autores como fundamental no


desencadeamento e evolução das doenças. É necessário ressaltar, que para identificar e
analisar os problemas de saúde num dado processo de trabalho é preciso conhecer as
situações de trabalho, compreender as condições e a organização do mesmo, onde as
cargas de trabalho provocam danos à saúde do trabalhador. Neste sentido, a Psicopatologia
do Trabalho e a Ergonomia se apresentam como áreas de conhecimento para esta análise.

Wisner (1994) ao expressar a importância da análise e modificação das situações de


trabalho, através dos saberes articulados da Ergonomia e Psicopatologia do Trabalho,
ratifica a opinião de outros autores e ressalta que, apesar das diferenças destes campos de
saberes, ambos trabalham a partir da perspectiva do papel central do trabalho e de suas
atividades em relação ao homem.

3.2.1 - A CONTRIBUIÇÃO DA PSICOPATOLOGIA DO TRABALHO

No estudo das relações homem/trabalho e suas conseqüências para a saúde mental,


cabe destacar o papel de uma corrente francesa de pensamento denominada Psicopatologia
do Trabalho, que se construiu a partir das concepções e pesquisas desenvolvidas por
Christophe Dejours. Inicialmente esta corrente tinha como objetivo o estudo das relações
que, no realizar do trabalho, conduziam ora ao prazer, ora ao sofrimento. No decorrer do
tempo, esta escola amplia seu enfoque para além da dinâmica saúde/doença, passando a ser
chamada Psicodinâmica do Trabalho.

Desta maneira assim aponta Dejours (1999: 21):

“Essa disciplina – inicialmente denominada psicopatologia do trabalho –


tem por objeto o estudo clínico e teórico da patologia mental decorrente do
trabalho. Fundada ao final da II Guerra por um grupo de médicos –
pesquisadores liderados por L. Le Guillant, ela ganhou há uns 15 anos um
novo impulso que a levou recentemente a adotar a denominação de
“análise psicodinâmica das situações de trabalho”, ou simplesmente
“psicodinâmica do trabalho”. Nesta evolução da disciplina, a questão do
sofrimento passou a ocupar uma posição central.”

O sofrimento mental é entendido em uma perspectiva dinâmica, onde tanto pode


propiciar elementos que favoreçam à saúde quanto ao processo de adoecimento (Dejours &
Abdoucheli, 1994). É necessário que este sofrimento seja relacionado com às situações
concretas de trabalho, considerando as interações entre condições físicas, químicas e
biológicas e a organização do trabalho.

Estudos mais abrangentes, relacionados à origem e as transformações do sofrimento


mental decorrentes da organização do trabalho, apresentam as pressões decorrentes desta,
como desestabilizadoras para a saúde mental dos trabalhadores. Conceitua-se a
organização do trabalho pelo contraste com as condições de trabalho, alvo da maioria dos
estudos desenvolvidos pelos pesquisadores. As condições de trabalho estão relacionadas às
cargas físicas, mecânicas, químicas e biológicas do posto de trabalho, que incidem sobre o
corpo dos trabalhadores, ocasionando desgaste, envelhecimento precoce, perda de tempo
de vida útil, morte prematura e perfil patológico.

No que se refere às pressões derivadas da organização do trabalho, Dejours &


Abdoucheli (1994) apontam que elas estão relacionadas à própria forma que o trabalho está
organizado. Por um lado, a divisão de trabalho compreendendo a divisão de tarefas entre
os operadores, ritmo, repartição, ou seja, o modo operatório prescrito; e por outro lado, a
divisão de homens: hierarquia, controle, perda de autonomia, relações de poder, outros. Se
as condições de trabalho têm por alvo principal o corpo, a organização do trabalho, por sua
vez, atua a nível do funcionamento psíquico do trabalhador.

Possibilitando entender como os trabalhadores submetidos a determinadas


condições de organização do trabalho não se tornam doentes mentais do trabalho, os
estudos passaram a considerar a “normalidade” como os trabalhadores resistem às pressões
advindas do trabalho. Então, as pesquisas são orientadas para a inversão da problemática
inicial: em vez de detectar as doenças mentais do trabalho, é preciso compreender a
situação de normalidade observada nos trabalhadores, apesar das pressões do trabalho e
para isso compreender as estratégias defensivas. Desta forma, a Psicopatologia do
Trabalho define como seu objeto de estudo, o sofrimento no trabalho e os procedimentos
de regulação.

“ O sofrimento será concebido como a vivência subjetiva intermediária


entre doença mental descompensada e o conforto (ou bem-estar) psíquico.”
(Dejours & Abdoucheli, 1994: 127).

Enquanto expressão dinâmica, o sofrimento consistirá na luta do sujeito contra as


adversidades da organização do trabalho, que pode acarretar a doença mental; mas o
conflito que surge entre a organização do trabalho e o funcionamento psíquico, pode
originar sofrimento, como também suscitar estratégias defensivas.

Conforme assinalam Dejours & Abdoucheli (1994), as estratégias defensivas são


defesas que os trabalhadores utilizam para minimizar a percepção das pressões da
organização do trabalho, que geram sofrimento. É uma atividade realizada a nível mental,
já que não institui nenhuma mudança real da pressão.

Pode-se dizer que as estratégias coletivas de defesa funcionam como regras que
supõe um acordo entre os indivíduos coletivamente, não se sustentando a não ser por
consenso. A partir do momento que os sujeitos descumprem o acordo ou este para de
existir, as estratégias passam a não funcionar, pois sua existência está na dependência de
condições externas. As estratégias defensivas coletivas são fundamentais para se contrapor
ao sofrimento engendrado pela organização do trabalho, possibilitando ao sujeito uma
estabilidade que ele, unicamente com suas próprias defesas individuais não conseguiria
atingir.

Diante destas questões, as defesas coletivas são entendidas como formas de


adaptação às pressões da organização do trabalho, porém podem também serem utilizadas
para aumento da produtividade, em benefício da própria organização do trabalho. Como é
possível exemplificar, através do processo de auto-aceleração do ritmo da produção, que os
trabalhadores se impõem, como uma estratégia contra o sofrimento desencadeado pelo
trabalho. No trabalho repetitivo também ocorre a auto-aceleração individual, com a
repressão do funcionamento psíquico. Tendo em vista ser este incompatível com o
desenvolvimento de tarefas desprovidas de conteúdo e repetitivas, a repressão permite ao
trabalhador, suportar as pressões psíquicas exercidas pela organização do trabalho.

Além das formas de adaptação do sujeito ao sofrimento desencadeado pela


organização do trabalho, as pesquisas em Psicopatologia do Trabalho mostram
procedimentos que ultrapassam os processos de adaptação às pressões e que contribuem na
evolução da organização do trabalho. São os “macetes” que os trabalhadores formulam
para dominar os incidentes no trabalho, os procedimentos que inventam para combater os
perigos do trabalho, enfim, são as “regras de trabalho” ou de “ofício,” que não apresentam
consonância com a organização do trabalho prescrita. Nestas regras não existe sanções,
porém aquele que não as respeita, simplesmente fica fora do jogo. A regra não foi criada
para punir, ela permite o trabalhador perceber a si mesmo e ao que passa no contexto do
trabalho. Essas regras representam um impacto na própria organização do trabalho
(Cru,1988 apud Dejours & Abdoucheli, 1994).

A articulação das habilidades individuais leva à construção de princípios


reguladores para atuarem diante das dificuldades surgidas no decorrer do trabalho. As
“regras de ofício” se relacionam à forma de trabalho em conjunto, estabelecendo relações
de confiança entre os trabalhadores.
Os sujeitos, ao imaginarem e criarem as “regras de ofício,” mobilizam processos
psíquicos que apresentam ligação com um tipo de inteligência, que está muito relacionada
à intuição, à percepção e que rompe com as normas e regras, que é chamada de
“inteligência astuciosa”. Dejours & Abdoucheli (1994), pontuam que ela é utilizada
sempre em relação a algo que já foi regulamentado ou estabelecido no modo operatório
prescrito, mas que precisa ser modificado para atingir os objetivos do trabalho de forma
eficaz. A inteligência astuciosa se configura como resultado do próprio sofrimento, porém
ela contribui não só para diminuir o sofrimento, mas possibilita burlar a organização rígida
do trabalho, apontando que ela é ineficiente e que o trabalhador tem capacidade de criação,
possibilitando a este a diminuição do seu sofrimento e muitas vezes originando prazer.
Para que a inteligência astuciosa se manifeste, solicita além de condições psicológicas,
condições sociais: ela necessita da validação social para se tornar eficaz socialmente.

Constata-se, então, que o distanciamento entre a organização prescrita e a


organização real do trabalho, que é amplamente discutida pela ergonomia, se conforma
num espaço que mobiliza a inteligência astuciosa e que ganha relevância na Psicopatologia
do Trabalho. Para que este espaço seja utilizado, é preciso que a hierarquia das empresas o
reconheça, possibilitando que os trabalhadores possam nele atuar, reconhecendo assim, a
importância da inteligência astuciosa e rompendo com a divisão taylorista do trabalho.
Cria-se então um espaço de debate entre a direção e a base, constituindo um espaço público
interno (Dejours,1992).

A pesquisa em psicopatologia informa que o espaço da palavra é fundamental para


se discutir o conhecimento sobre o trabalho real que estava ocultado pelo sofrimento e
pelas defesas elaboradas para suportar o mesmo.

A partir das considerações sobre as “estratégias ou ideologias defensivas” e as


“regras de ofício”, a Psicopatologia do Trabalho, redefine a noção de sofrimento. O
sofrimento mental é apresentado numa perspectiva dinâmica e pode tanto beneficiar a
saúde como conduzir à morbidade.

Existem dois tipos de sofrimento de acordo com Dejours & Abdoucheli


(1994:137):“o sofrimento criador e o patogênico. O último aparece quando
as margens de liberdade na transformação, gestão e aperfeiçoamento da
organização do trabalho já foram utilizadas”.

O sofrimento patogênico é causado pelas pressões da organização prescrita do


trabalho e desponta quando as possibilidades de liberdade de mudanças na organização do
trabalho já foram utilizadas, ou seja, quando somente o medo, pressões, existem nesta
organização. Quando todos os recursos defensivos forem utilizados, começa a aparecer a
destruição do aparelho mental e o equilíbrio psíquico do sujeito, levando-o a uma
descompensação ou doença (Dejours & Abdoucheli,1994).

Para a Psicopatologia do Trabalho, o desafio na prática consiste na modificação do


destino do sofrimento, para que possa ser transformado. A questão encontra-se em
transformar este sofrimento em criatividade, pois assim possibilita ao trabalhador a
realização de sua identidade. O sofrimento criativo, aumenta no trabalho a resistência à
desestabilização psíquica e somatização. O trabalho pode ser considerado como um
mediador da saúde. Contudo se a organização do trabalho estiver impregnada de situações
que proporcionam o sofrimento patogênico, o trabalho vai atuar como um desestabilizador
da saúde.

Diante destes apontamentos, Seligmann-Silva (1994), observa que a nova


Psicopatologia do Trabalho, mais do que um estudo direcionado para a identificação de
doenças mentais do trabalho, apresenta uma preocupação com a dinâmica mais
abrangente, em relação ao surgimento e às transformações do sofrimento mental
vinculadas à organização do trabalho. O desafio que a Psicodinâmica do Trabalho se
propõe é a superação do distanciamento entre a organização prescrita e a organização real
do trabalho, considerando todos perigos que tal situação representa para a saúde dos
sujeitos, assim como para a segurança e a qualidade do que é produzido.

Nestes termos, a ergonomia enquanto um campo de estudos que busca entender o


homem em atividade no trabalho, procurando conhecer empiricamente a dinâmica da
atividade, poderá contribuir efetivamente para reduzir a defasagem entre a organização
prescrita e a organização real do trabalho.
3.2.2 - A CONTRIBUIÇÃO DA ERGONOMIA

As LER/DORT se apresentam na maioria da vezes como uma doença invisível.


Com exceção dos casos em que há presença de edema na região afetada, seu diagnóstico
carece de objetividade. Essa ausência de sinais visíveis pode acarretar diagnósticos tardios,
onde as conseqüências geralmente são irreversíveis.

A visão difundida pela medicina do trabalho, onde a saúde é atingida em situações


extremas e a relação causa e efeito é evidente, leva a ocultar processos de adoecimento,
tendo em vista que os aspectos referentes à organização e condições de trabalho deixam de
serem abordados, como: “...a combinação sinérgica dos riscos; as situações crônicas de
desgaste, que flutuam na tênue linha que divide oficialmente o patológico do não
patológico; e os componentes mentais e afetivos” (Brito e Firpo 1991: 8) . Neste sentido
as LER/DORT que nas fases iniciais não manifestam sinais visíveis, podem não ser
diagnosticadas, na abordagem da medicina do trabalho.

Brito e Firpo (1991) propõe para a superação destes limites, a utilização da


Ergonomia Situada e o conceito de carga de trabalho, como elementos que contribuem para
dar visibilidade aos riscos ocultos.

Apesar de não ser nosso objetivo aprofundar os aspectos teórico-metodológicos da


ergonomia, é necessário tecer algumas considerações. A ergonomia se configura como
uma área interdisciplinar, abrangendo um campo formado pelas ciências que estudam o
homem e o mundo do trabalho. Nestes termos, encontramos neste campo conhecimentos
provenientes da psicologia, fisiologia, ecologia humana, antropologia, engenharia,
sociologia, que se articulam.

“A Ergonomia enquanto disciplina científica possui como objeto de


conhecimento o funcionamento do homem em atividade de trabalho, e esta é
a sua especificidade teórica. Seus objetivos são conhecer o trabalho, do
ponto de vista da atividade de trabalho para transformá-lo, intervindo em
situações de trabalho.” (Echternacht,1998: 28)
A ergonomia tal como ela é praticada hoje no mundo, diferencia-se a partir de duas
principais correntes e respectivas abordagens: a anglosaxônica e a francofônica. Uma de
caráter acentuadamente experimental, voltada para a eficiência da relação homem-
máquina, através da incorporação de conhecimentos sobre o ser humano, esta corrente é
mais disseminada nos Estados Unidos e países de língua anglosaxônica, sendo também
conhecida como “Human Factors” ou “Human Engineering”. Uma outra corrente bastante
conhecida na Europa, especialmente na França, considerada como Ergonomia Situada,
rompe com a abordagem experimental em ergonomia.

A intervenção da Ergonomia Situada, de linhagem francofônica, está calcada na


análise das situações reais de trabalho e não simuladas, conforme acontece no
experimentalismo e que impossibilita aos ergonomistas um contato mais direto com a
realidade social do trabalho.

Segundo Daniellou, 1986a apud Telles (1998:11):

“A Ergonomia estuda a atividade de trabalho afim de contribuir para a


concepção de meios de trabalho adaptado às características fisiológicas e
psicológicas do ser humano. Ela está portanto ancorada nas ciências da
natureza, que revelam propriedades próprias do ser humano. Ela produz
seus próprios resultados sobre as condições de funcionamento do homem
em situação de atividade profissional. Ela está enfim voltada para
aconcepção de meios de trabalho, afim de que esta considere as
características humanas e a atividade real dos trabalhadores”.

A Ergonomia Situada se propõe a desenvolver a análise da atividade de trabalho, o


que realmente é realizado pelo trabalhador na situação de trabalho, ou seja, a análise dos
comportamentos ou das condutas, dos processos cognitivos e das interações empregadas
pelos trabalhadores, em uma abordagem mais global que envolve a análise de fatores
econômicos, técnicos e sociais do funcionamento da empresa e da população trabalhadora.

Um dos principais motivos dos estudos em ergonomia é diminuir a carga de


trabalho a que os trabalhadores estão submetidos. Deste modo, a noção de carga de
trabalho é importante nos estudos ergonômicos. Apesar de ser bastante utilizado por esta
abordagem, muitas críticas lhe são atribuídas, assim como novas tentativas de melhorar sua
explicitação conceitual.

Vários autores definem a noção de carga de acordo com sua abordagem teórica. No
entanto, dois termos definidos pela escola francesa de ergonomia são importantes para a
compreensão da carga de trabalho: “contrainte” e “astreinte”. O primeiro, está relacionado
aos fatores objetivos das situações de trabalho e o segundo, à vivência subjetiva dos
trabalhadores diante da organização do trabalho (Telles,1998).

Veremos agora algumas definições da noção em tela. No âmbito da ergonomia


podemos citar a definição de Vidal et al., 1990 apud Telles (1998:15):

“o conceito de carga de trabalho exprime, do ponto de vista humano, o


esforço mobilizado pelo indivíduo na sua atividade de trabalho, ou seja, a
demanda interna de energia humana necessária para a execução da tarefa
(...) a carga de trabalho exprime também tudo aquilo que pesa sobre o
trabalhador na consecução das tarefas que lhe são atribuídas: todos os
fatores externos ao trabalhador que definem a situação, assim como as
exigências da tarefa”.

Segundo Wisner (1994) a carga de trabalho compõe-se das dimensões física,


cognitiva e psíquica que estão inter-relacionadas e são bastantes freqüentes e precisam ser
incorporadas na análise da atividade de trabalho.

De acordo com o enfoque epidemiológico, segundo Telles (1998:15) “as cargas de


trabalho são vistas então como exigências ou demandas psicobiológicas do processo de
trabalho, que geram com o tempo desgastes particulares no trabalhador”. Laurell &
Noriega (1989), como vimos anteriormente, definem as cargas de acordo com a sua
materialidade em relação ao corpo do trabalhador. As cargas de materialidade externas ao
corpo humano são agrupadas em: físicas, químicas, orgânicas e mecânicas; enquanto que
as internas ao corpo do trabalhador são as fisiológicas e psíquicas.

Nesta mesma perspectiva, no campo da Saúde do Trabalhador, Brito &Firpo (1991:


9-10) considera que:
“...vem-se incorporando paulatinamente o conceito de carga de trabalho,
oriunda principalmente da ergonomia francesa ou contemporânea. Este
conceito busca sintetizar a idéia de que, ao nível dos processos de trabalho,
a saúde dos trabalhadores é uma conseqüência da relação complexa e
dinâmica entre o trabalhador e a sua atividade de trabalho. Ao realizar
uma atividade específica o trabalhador enfrenta uma série de dificuldades,
gerando processos de adaptação que se traduziriam em desgaste.”

Diante destas assertivas, cabe pensar que a carga de trabalho, tem a ver com a
dinâmica do processo de trabalho no qual o trabalhador, em face das exigências da
produção, elabora modos operatórios para realizá-la, com o menor prejuízo possível para
sua saúde. A carga de trabalho diminui ou eleva-se de acordo com a margem de manobra
encontrada pelo trabalhador para elaborar modos operatórios para alcançar os objetivos da
produção. Assim, o importante é a explicitação das atividades dos trabalhadores nas
situações de trabalho.

Neste contexto, objetivando conhecer empiricamente a organização dinâmica da


atividade, a variabilidade da situação e assim descrever o modo operatório dos
trabalhadores, a Ergonomia Situada utiliza a metodologia da Análise Ergonômica do
Trabalho-AET, cujo principal objetivo é o conhecimento da atividade em situação de
trabalho, para a compreensão das determinações e suas repercussões, visando a
transformação das situações de trabalho, para a melhoria da relação saúde-trabalho.

Entende-se então, que para o conhecimento da atividade em situação de trabalho,


com suas variabilidades, cargas, entre outros aspectos presentes na dinâmica do processo, é
fundamental compreender a organização do trabalho.

3.2.3 - A ORGANIZAÇÃO REAL E PRESCRITA DO TRABALHO

A divisão do trabalho separa de forma radical a concepção da execução. A partir


desta concepção de trabalho e dos meios de produção, surge o trabalho prescrito, ou seja, a
prescrição literal da maneira como o trabalho deve ser executado: a forma de utilização
das máquinas, os instrumentos de trabalho, o tempo e espaço para a realização de cada
operação, enfim, os modos operatórios. Porém, o trabalho prescrito não corresponde ao
real, que é o efetivamente realizado pelo trabalhador por diversas questões (Daniellou et
al.,1989).

Para compreender o trabalho, Daniellou utilizou o conceito de modo operatório,


que na verdade é o observável num método de trabalho, são todos os gestos realizados em
determinado tempo e espaço.

A partir do surgimento do Taylorismo ocorre uma redução da tarefa, limitando o


trabalhador à realização do modo operatório exclusivamente, eliminando sua capacidade
de reflexão sobre o trabalho que desenvolve, sua capacidade cognitiva. Desta forma, o
Taylorismo exacerbou o trabalho prescrito em detrimento do trabalho real. Tudo se torna
pré-determinado e a atividade humana de produção se resume à realização de gestos. Surge
a questão: como fica a ocorrência das variabilidades que podem aparecer no desempenhar
das tarefas?

A variabilidade é um conceito fundamental da ergonomia apresenta-se nas


situações de trabalho, de duas formas: variabilidades das condições de produção e
variabilidades humanas. A primeira origina-se das indeterminações que ocorrem no
espaço, ambiente de trabalho. A segunda refere-se à susceptibilidade das dinâmicas inter
(diferenças entre trabalhadores) e intra individual (variação interna de cada trabalhador).
Junto com este conceito, é importante ressaltar os de regulação e modo operatório (Telles,
1998).

Neste sentido, para dar conta das variabilidades no trabalho entra em cena a
atividade de regulação, que é muito mais do que simplesmente fazer a produção acontecer.
A regulação é a gestão das variabilidades; dessa forma, o seu exercício desemboca na
alteração dos modos operatórios, o modo de fazer o trabalho, visando preservar as normas
de segurança na consecução do objetivo final do trabalho. Na atividade de regulação os
trabalhadores produzem modos operatórios que preservam sua saúde.

Assim sendo, é importante considerar na estruturação das tarefas as variabilidades,


para que estas não se constituam em impecilhos no desenvolvimento do trabalho, e
inclusive, gerando sofrimentos no trabalhador, quando não são previstas. Ao mesmo tempo
que possibilite a este trabalhador condições de se adaptar quando dá existência de outras
variabilidades.

Desta forma complementa Dejours (1999: 30):

“na verdade, sejam quais forem as qualidades da organização do trabalho


e da concepção, é impossível, nas situações comuns de trabalho, cumprir os
objetivos da tarefa respeitando escrupulosamente as prescrições, as
instruções e os procedimentos...”

Diante das questões apontadas, pode-se inferir, que a Psicopatologia do Trabalho e


a ergonomia, são áreas de conhecimento que apresentam um papel relevante no estudo do
processo saúde-doença, ao explicitar que é sobretudo na organização do trabalho, nas
situações reais de trabalho, que se encontram as condições potencializadoras para o
adoecimento dos trabalhadores.

Nesta direção, partimos do pressuposto que a abordagem das LER/DORT


empreendida pelo Centro de Referência necessita ser potencializada, através de ações que
extrapolem o âmbito da assistência, buscando a prevenção, entendendo a doença enquanto
processo social, no qual a organização do trabalho, encontra-se estritamente vinculada ao
seu surgimento. Procuramos desta maneira, utilizar nesta pesquisa, procedimentos que
pudessem dar visibilidade às concepções e práticas que permeiam a abordagem das
LER/DORT no CRST/ES, conforme veremos a seguir.
CAPÍTULO 4 - RESULTADOS E ANÁLISES DOS DADOS
QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS

4.1 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Partindo da premissa exposta nos capítulos anteriores, que a abordagem das


LER/DORT deve abdicar da fragmentação do conhecimento na área da saúde, entendendo
a doença como produto do processo e formas de organização do trabalho, compreendemos
que um estudo que se realiza no campo da saúde, traz em si, um conjunto de desafios e a
necessidade de uma abrangência multidisciplinar.

“... o campo da Saúde se refere a uma realidade complexa que demanda


conhecimentos distintos integrados e que coloca de forma imediata o
problema da intervenção. Neste sentido, ele requer como essencial uma
abordagem dialética que compreende para transformar e cuja teoria,
desafiada pela prática, a repense permanentemente.” (Minayo, 1993:13)

Neste contexto, buscou-se analisar a abordagem das LER/DORT realizada no


Centro de Referência e vivenciada pelos trabalhadores atendidos, a partir de métodos de
abordagem que referenciam-se na Pesquisa Qualitativa em Saúde (Minayo, 1993), cujas
principais técnicas são a entrevista e a observação participante.

“A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se


preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser
quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço
mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem
ser reduzido à operacionalização de variáveis.”(Minayo et al., 1996: 21-2)

Entendendo a metodologia enquanto meio de compreensão da realidade para


construção de conhecimento, optamos por utilizar como procedimentos metodológicos, a
observação participante, entrevistas e discussões em grupo.

Desta forma, para discutir a observação participante, nos referenciamos em Becker


(1999). A observação participante é muito mais do que mergulhar em dados; o pesquisador
de campo, devido sua presença constante, coleta muitos dados e, consequentemente, faz e
tem condições de testar mais suas hipóteses do que os pesquisadores que usam os métodos
formais.

Ao pesquisador de campo, é possível perceber as relações sociais que permeiam as


pessoas; as opiniões e as ações destas com quem interagem, têm que ser consideradas, pois
afetam o estudo e tudo se passa no decorrer da observação. Becker (1999) considera que
quanto mais dados observados – sejam conversas, ações – que revelem a mesma
perspectiva, aumenta a validade da conclusão do trabalho, ou seja, a partir de observações
constantes torna-se difícil para o observado, ocultar do observador seu modo de pensar e
agir.

“...observações numerosas feitas durante um período de tempo substancial


ajudam o observador a se proteger contra seus biases conscientes ou
inconscientes, contra “ver apenas o que ele quer”. Pois é igualmente difícil
mentir para si mesmo”.(Becker, 1999: 89-90)

Em síntese, o grande número de observações que resulta em uma gama de


informações que poderá ou não sustentar a hipótese levantada, possibilita que as
conclusões finais possam ser testadas com mais freqüência do que em outras formas de
pesquisa.

Buscamos, então, utilizar a observação participante no decorrer de toda pesquisa,


pois, enquanto funcionária do Centro, era possível observar as atividades e mesmo
participar de muitas delas, possibilitando verificar as condutas adotadas nos atendimentos,
as relações profissionais no dia-a-dia, as atividades priorizadas pelo Centro; enfim, esta
observação permanente proporcionou uma verificação constante dos objetivos e hipóteses
da pesquisa e contribuiu efetivamente na análise dos dados.

Um outro procedimento utilizado na pesquisa é a entrevista, que segundo Minayo,


et al. (1996: 57):

“A entrevista é o procedimento mais usual no trabalho de campo. Através


dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores
sociais. Ela não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez
que se insere como meio de coleta dos fatos relatados pelos atores,
enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam uma determinada
realidade que está sendo focalizada. Suas formas de realização podem ser
de natureza individual e/ou coletiva.”

As entrevistas foram individuais, realizadas com todos os profissionais da equipe


técnica do CRST/ES, que atendem aos usuários do serviço com suspeita ou diagnóstico de
LER/DORT. Utilizamos entrevistas semi-estruturadas, com algumas perguntas
previamente formuladas. A população entrevistada foi constituída por médicos, assistentes
sociais, psicólogos, fisioterapeuta, enfermeira, engenheiro, psicanalista e técnicos de
segurança. Destes últimos, um encontra-se responsável pelo setor de informações do
Centro. Cabe relatar, que foram realizadas duas entrevistas com a coordenadora do Centro
de Referência: além da entrevista específica referente ao tema da pesquisa, uma outra não
estruturada acerca do surgimento do Centro. No decorrer da realização das entrevistas,
percebeu-se a importância de entrevistar os profissionais que, apesar de não fazerem parte
da equipe técnica, estavam exercendo suas atividades no atendimento fisioterápico e
tinham um contato constante com os portadores de LER/DORT, tendo em vista que muitos
deles fazem, em média, 30 sessões de fisioterapia. Desta forma, foram entrevistados
também dois técnicos de enfermagem, um auxiliar de reabilitação, um auxiliar de
enfermagem e dois massagistas, conforme quadro seguinte:
Todas as entrevistas foram gravadas e transcritas por nós. Ao ouvir e transcrevê-las,
possibilitou um reviver do que havia se passado no transcorrer das mesmas, contribuindo
também para pontuar, no ato da transcrição, questões que pudessem ser posteriormente
consideradas na análise. As entrevistas duraram entre 30 a 120 minutos, dependendo da
característica do entrevistado ao se posicionar diante das questões. As entrevistas
realizadas totalizaram aproximadamente 40 horas.

Aos entrevistados, foi explicado o objetivo da pesquisa e a metodologia, que se


caracterizava numa entrevista semi-estruturada7 com questões abertas. Solicitou-se então, a
gravação, sendo explicitada também a garantia da preservação do anonimato dos
depoimentos e a liberdade de recusar a responder qualquer uma das questões. Os
entrevistados demonstraram disposição para colaborar, com exceção de um profissional,
que se mostrou reticente para responder, alegando desconhecimento do assunto.

O roteiro das entrevistas foi estruturado em 11 questões abertas relacionadas à


concepção de LER/DORT, às relações profissionais que permeiam o atendimento, às
atividades desenvolvidas pelo Centro; enfim, questões que possibilitassem contribuir na
compreensão da abordagem das LER/DORT do ponto de vista dos profissionais. Para o
técnico de segurança que está na coordenação do sistema de informações algumas questões
foram alteradas8, relacionando-as ao registro e informação dos casos de LER/DORT.

Buscando aprofundar e focalizar o estudo, realizamos discussões em grupo com


usuários atendidos no CRST/ES portadores de LER/DORT, visando compreender suas
opiniões em relação à doença e à abordagem desenvolvida pelo Centro. Para tanto, como já
havia demanda para a formação de um grupo Qualidade de Vida, as discussões foram
realizadas neste grupo, do qual também participou uma psicóloga do Centro e, no terceiro
encontro, uma médica do trabalho, tendo em vista a característica multidisciplinar do
mesmo.
O grupo Qualidade de Vida, é um espaço construído a partir de uma demanda
implícita dos pacientes, dirigidas aos profissionais do Centro, observados no decorrer do
atendimento. São promovidas discussões sobre o processo saúde-doença e trabalho,
buscando um repensar sobre a vida e a inserção dos membros do grupo no processo
produtivo, contribuindo para uma ressignificação da doença. Na pesquisa, as discussões
aconteceram em 4 encontros, onde tivemos a oportunidade de ouvir depoimentos, sobre o
que vivenciam no cotidiano do processo de adoecimento.

Inicialmente explicamos para o grupo que estaríamos discutindo algumas questões


pertinentes a uma pesquisa, explicitando seu objetivo e ressaltando que seria garantido o
sigilo nas informações coletadas e o direito de desistência do mesmo. Os participantes, sem
exceção, manifestaram disposição para colaborar, inclusive autorizando a gravação das
reuniões. A fim de garantir a fidedignidade da fala dos participantes, utilizamos a
transcrição literal da linguagem utilizada pelos mesmos. O objetivo principal de pesquisa
foi o de registrar os depoimentos que surgiam a partir das questões colocadas para o grupo
e no decorrer do mesmo, e não de fazer análise da dinâmica grupal.

Cabe ressaltar que a metodologia passou por reformulações ao longo da


investigação, acrescentando procedimentos que se constituiram fontes de informações
complementares, enriquecendo e conferindo uma maior concretude ao tema proposto.
Ainda na fase preliminar da pesquisa, foram iniciados os primeiros percursos
metodológicos, objetivando situar a relevância do tema a ser estudado.

Realizamos uma pesquisa bibliográfica na base de dados Medline e Lilacs, relativa


ao período de 1990 a 2000, para visualizar o que está sendo produzido em relação a
temática. Esta se configurou numa busca de bibliografias existentes em relação às
referências cruzadas “LER/DORT” e “serviços de saúde”. Posteriormente, no período de
coleta de dados, procurando qualificar o estudo, iniciamos um levantamento e leitura da
documentação existente sobre LER/DORT, incluindo publicações científicas, indexadas ou
não, todo material escrito que foi possível conhecer. Constatou-se também, a necessidade
de ter acesso a alguns documentos do CRST/ES – como relatórios de atividades, de
inspeções e publicações – além da construção do perfil dos portadores de LER/DORT no
ano de 1999, utilizando o SIAMAB como fonte de dados. Entendíamos que explicitar
quantitativamente o perfil dos usuários poderia nos orientar enquanto indicador de uma
situação reveladora, para a qual se direciona as formas de abordagem do problema.

Em relação à análise desenvolvida neste trabalho, procuramos evitar analisar as


entrevistas individuais e discussões em grupo, através da representação ou do
desvendamento de conteúdo subjacente ao que estava sendo manifestado e sim
compreender a articulação das falas dos atores sociais, no contexto em que se inserem.

Portanto, entender a abordagem das LER/DORT, empreendida pelos profissionais


do Centro e vivenciada pelos usuários, nos levou a utilizar diversas técnicas de trabalho de
campo, como as entrevistas individuais, discussões em grupo, levantamento quantitativo, e
a observação, sendo que esta esteve presente durante todo o período da pesquisa de campo
e análise, propiciando uma série de possibilidades de informações, que permitiram a
verificação e validação da pesquisa.

Desta forma, ao utilizarmos várias técnicas de abordagens, nos aproximamos da


técnica de triangulação, não envolvendo porém, a participação de diferentes pesquisadores,
conforme preconiza a técnica.

A triangulação visa a verificação e validação da pesquisa,“...consiste na


combinação e cruzamento de múltiplos pontos de vistas através do trabalho conjunto de
vários pesquisadores, de múltiplos informantes e múltiplas técnicas de coleta de
dados”(Minayo, 1993: 241- 242).

Nestes termos, ao adotar esta abordagem teórico-metodológica, este trabalho


procurou evidenciar uma aproximação o quanto possível da realidade, buscando, contribuir
para a construção de conhecimentos sobre a abordagem das LER/DORT, no contexto dos
serviços públicos de saúde, como também, possibilitar um repensar das ações
desenvolvidas pelo Centro de Referência, em relação às LER/DORT, para que assim
possam avançar na perspectiva do campo da Saúde do Trabalhador.
4.2 - ANÁLISE DO LEVANTAMENTO QUANTITATIVO REALIZADO NO
SIAMAB

Os resultados que apresentaremos neste capítulo, foram obtidos no setor de


informações do CRST/ES, através do SIAMAB, que é um sistema de informação limitado
à demanda de atendimento do Centro. Estes dados, são bastantes reveladores sobre a
predominância de LER/DORT em relação aos outros diagnósticos e a demanda em
primeira consulta e retorno dos usuários portadores de LER/DORT, nos permitindo fazer
inferências em relação à realidade da doença no Centro de Referência. Ressalta-se que, este
levantamento quantitativo, juntamente com as observações de campo, foram basilares para
a elaboração das questões abordadas na etapa qualitativa da pesquisa, como posteriormente
será verificado.

Desta maneira, inicialmente apresentamos uma tabela referente aos diagnósticos


dos usuários atendidos no CRST/ES em primeira consulta, no período 1998-1999. Com
estes dados, verificamos que as LER/DORT se constituem no diagnóstico mais freqüente,
totalizando (31,3%) em 1998 e (34,2%) em 1999.

Destaca-se que a predominância das LER/DORT em relação aos outros


diagnósticos, pode ser atribuída às suas características clínicas de manifestar sintomas
precocemente em relação as outras doenças ocupacionais, das dificuldades que a patologia
impõe, para o desenvolvimento das atividades laborais e pessoais, e a informação dos
trabalhadores sobre a doença, principalmente através de sindicatos, mídia e do próprio
Centro de Referência. Este, desde sua criação, desenvolve atividades divulgando à
população informações referentes ao problema. Esta assertiva se confirma ao observar as
estatísticas da Previdência Social/2000, referentes à acidentes de trabalho, ocorridas no ES,
apresentadas por Santos (2001), onde se constata que no ano da implantação do Centro, em
1996, as notificações das doenças ocupacionais aumentaram, respaldando assim, a
concepção de que a criação do Centro contribuiu para uma divulgação maior das doenças
ocupacionais e as LER/DORT principalmente, incidindo diretamente no registro da
mesma.

A seguir apresentaremos dados relacionados ao período 1998 - 1999, que mostram-


se oportunos, pois permitem uma análise dos atendimentos de casos de LER/DORT na
primeira consulta e retorno.

Os resultados apontam que os casos de LER/DORT atendidos em primeira consulta


no Centro de Referência diminuiram de 1998 para 1999, mas não apresentando alterações
representativas. Entretanto, ao observar os atendimentos de retorno, verifica-se que estes
são ascendentes, possibilitando algumas inferências. O aumento dos retornos, pode estar
relacionado ao fato das queixas apresentadas na primeira consulta persistirem, ou devido à
não implementação de mudanças no ambiente de trabalho, gerando uma progressão do
quadro clínico. Pode também estar associado, à credibilidade das pessoas na abordagem
desenvolvida no Centro, como também à questão dos trabalhadores estarem afastados do
trabalho ou desempregados, possibilitando um tempo livre para o tratamento.
Por outro lado, é possível fazer alguns apontamentos para o decréscimo do número
de usuários, de primeira consulta. Da mesma forma que o desemprego favorece o
tratamento devido ao tempo livre, ele é um impeditivo, pois implica em dificuldades
financeiras para dar início ou prosseguimento ao mesmo. Muitas vezes, como foi
observado, trabalhadores relatavam ao serviço social ou na fisioterapia, que teriam que
interromper o tratamento, pois não tinham condições de custear a passagem. Um outro
aspecto, é a questão de alguns sindicatos, possuírem serviço médico para atendimento de
seus associados e estes muitas vezes acabam por realizar o tratamento em serviços de
convênios credenciados. Finalmente uma hipótese que aparece em relação à diminuição
dos casos novos, refere-se ao atendimento descolado de um esforço de prevenção e
intervenção no ambiente de trabalho que, como é sabido, é uma forma concreta de atenuar
a progressão da doença e contribuir para a preservação da saúde dos trabalhadores. Desta
forma a procura pelo atendimento pode ter diminuído devido esse limite de atuação.

Vale situar que a verificação e validação destas hipóteses, se dará na análise das
abordagens metodológicas adotadas no decorrer da investigação.

4.2.1 - PERFIL DO USUÁRIOS COM LER/DORT ATENDIDOS NO CRST/ES EM


1999

Para a análise do perfil dos usuários portadores de LER/DORT no CRST/ES,


utilizamos dados referentes ao ano de 1999, delimitado como o ano referência para a coleta
de dados quantitativos. Para compor o perfil, selecionamos as seguintes variáveis: sexo,
faixa etária, função, tempo na função, ramo de atividade, afastamento do trabalho e
encaminhamento realizado na consulta
Apesar de não ser exclusiva, as LER/DORT consistem numa doença que atinge em
sua maioria, as mulheres. A distribuição dos casos com diagnóstico de LER/DORT pelo
CRST/ES em 1999, na primeira consulta como no retorno, confirma estas características,
com a predominância do sexo feminino em relação ao masculino.

Na literatura pesquisada, encontramos vários autores que explicam essa diferença


de prevalência de LER/DORT entre mulheres e homens, relacionando a questões
biológicas e psicológicas da mulher. Entretanto, apesar desses fatores poderem estar
associados às LER/DORT, agravando os sintomas, dificilmente estão relacionados à sua
causalidade. A compreensão que se ratifica é de que o trabalho é o gerador desse processo
de adoecimento. Esse discurso que alude à predisposição feminina no surgimento de
LER/DORT, acaba por contribuir para obscurecer o principal motivo da sua ocorrência, o
modo como homens e mulheres trabalham. Ribeiro (1999) exemplificando, comenta que as
LER/DORT são freqüente em ocupações exercidas por homens, que solicitam esforço
físico. Desta forma, o estudo da gênese da patologia deve se balizar no trabalho
desenvolvido e não nas teorias que atribuem o aparecimento da doença à suposta
fragilidade ou gênero de seus portadores.

A prevalência de LER/DORT em mulheres, nos remete também à discussão da


divisão sexual do trabalho, ou seja, às questões de gênero envolvidas no processo de
trabalho. A ampliação do mercado de trabalho para a mão-de-obra feminina, nas últimas
décadas, não ocorreu associada à sua qualificação.

Nos estudos sobre a divisão sexual do trabalho, Brito e Oliveira (1997: 251)
acrescentam: “Com a apropriação masculina da tecnologia (Hirata, 1986), ficam
designadas para as mulheres as máquinas mais antigas, que exigem menor qualificação e
uma atuação coerente com o que se atribui como qualidades femininas, inerentes ao seu
sexo.”
Ressalta-se que os trabalhos demandados para as mulheres, independente dos
setores que atuam, requerem agilidade, repetição, delicadeza, rapidez, etc, que são
socialmente legitimados como atributos femininos, ocultando as diferenças culturais,
sociais e políticas, que se expressam na organização do trabalho.

Essas questões levantadas, relacionadas ao modo de inserção do trabalho feminino


na sociedade, são fatores que aumentam as possibilidades das mulheres serem mas
atingidas pelas LER/DORT.

Os usuários portadores de LER/DORT atendidos no Centro, constituem uma


população em plena fase produtiva, com idade prevalente menor que 40 anos, tanto nos
atendimentos de primeira consulta como nos retornos, apresentando consonância com o
que vem sendo apontado em outros estudos, à respeito da temática.

Observa-se que na faixa etária dos 30 aos 49 anos, onde se constata um percentual
de (69,9%) de trabalhadores, é consequentemente, quando a contribuição para os encargos
sociais e a atividade laborativa ocorrem de maneira mais eficiente, ou seja, a doença
incidiu predominantemente sobre o grupo de maior potencial de trabalho.

Uma outra questão relevante é o fato da doença ter se manifestado precocemente,


ao incidir sobre uma faixa etária considerada jovem, situada entre 20 e 29 anos. Esse dado
revela, que sendo as LER/DORT uma doença que pode acarretar incapacidade, seu
surgimento em idades precoces além de prejudicar a saúde mental do trabalhador, remete
a um problema sócio-econômico e previdenciário, devido aos afastamentos do trabalho,
pagamento de indenizações, “benefícios” previdenciários e tratamento médico, implicando,
em última instância, em um ônus para a sociedade, que acaba assumindo os prejuízos que a
organização do trabalho acarreta ao trabalhador.
O perfil das funções dos usuários com diagnóstico de LER/DORT, tanto na
primeira consulta como no retorno, caracteriza-se predominantemente por funções
pertinentes ao setor de serviços, acompanhando a trajetória da doença nos ramos de
atividade econômica, refletindo a incorporação de novas tecnologias e formas de
organização do trabalho. Esses dados mostram, que apesar de na década de 80 as
LER/DORT terem sido consideradas como a “doença dos digitadores”, hoje ela não é mais
um modo de adoecimento restrito a esta categoria. O número representativo de funções
agrupadas na categoria “outros”, com (31,0%) na primeira consulta, permanecendo
também no retorno (28,0%), demonstram que a doença se encontra dispersa em várias
atividades.

A observação dos dados sobre funções, revela a importância de atividades ligadas


aos sistemas de processamento de dados, mais particularmente a digitação, tais como:
auxiliar/agente administrativo, digitador, caixa e escriturário, totalizando (32,9%) dos
casos diagnosticados de LER/DORT em 1999. Essas funções caracterizam-se pela
repetitividade, monotonia, ritmo continuado e tarefas desprovidas de conteúdo
significativo, que são fatores potencialmente desencadeadoras de LER/DORT. Na
seqüência da tabela 5, aparece a função de auxiliar de serviços gerais (10,0%),
desenvolvida muitas vezes por trabalhadores contratados temporariamente, terceirizados,
estando expostos a piores condições de trabalho do que os efetivos e, em alguns casos,
destituídos de seus direitos trabalhistas. Desta forma essa mão-de-obra terceirizada
encontra-se mais vulnerável aos riscos de acidentes e doenças do trabalho.
Constata-se, através da tabela, que (44,8%) dos usuários que compareceram à
primeira consulta estavam há menos de 5 anos exercendo a função na qual foi
diagnosticada a doença; a mesma situação sendo manifestada nos atendimentos de retorno.
Esse dado demonstra que as LER/DORT atingiram o trabalhador em pouco tempo,
precocemente. O tempo de trabalho para o desenvolvimento da doença é um, entre os
vários componentes que desencadeiam o adoecimento. Este tempo pode ser maior ou
menor, dependendo da natureza e dos componentes do trabalho (Ribeiro,1999).

A questão do tempo de trabalho é muito relativa, necessitando algumas ressalvas,


porém é oportuna para complementar a análise. Os sintomas da doença, podem ter surgidos
num período anterior ao exercício da função na qual as LER/DORT foram diagnosticadas,
mas devido estes não terem sidos valorizados pelo trabalhador, por razões diversas, não o
levou a procurar tratamento. Uma outra suposição refere-se a conclusões diagnósticas não
esclarecedoras, contribuindo para a evolução do quadro da doença. Um outro ponto a ser
analisado, relaciona ao exercício de atividades, em funções que também apresentavam
fatores desencadeantes da doença, ocasionando um processo contínuo de exposição,
durante determinado período da vida laboral do trabalhador.
Nos dados disponíveis que apresentam a distribuição dos casos de LER/DORT por
ramo de atividade, observa-se que na primeira consulta houve maior concentração de casos
no serviço público (20%), prestação de serviço (15,7%) e estabelecimento bancário (9,6%),
totalizando (45,3%). Devido à variedade de ramos com números reduzidos de casos,
classificamos na categoria outros (20,4%) dos casos em primeira consulta. Verificamos
assim, que a doença encontra-se dispersa em uma variedade de ramos de atividade.

Considerando os setores da economia, ao agruparmos os ramos de atividade,


ressaltamos que os casos novos situam-se (60,9%) no setor de serviços, setor que
predomina também nos retornos. Destaca-se as atividades mediadas pela informática,
conforme tabela 5, ao agrupamos algumas funções, se configurando no setor de maior
expansão das LER/DORT. Posteriormente aparece a indústria, com (17,8%) dos casos
distribuídos nas indústrias de calçados, vestuários, e produtos alimentícios, caracterizadas
por modelos de produção tayloristas/fordistas, que historicamente são reconhecidos como
geradores de doenças no trabalho, tais como as LER/DORT.

As formas de apropriação das mudanças tecnológicas e pela organização do


trabalho e o processo acelerado de informatização, que encontram-se disseminados em
vários ramos de atividade, ocasionou um grande número de funções manuais,
parcializadas, repetitivas; como conseqüência, aumentou o ritmo de trabalho e a tensão
envolvida na atividade. A estes fatores, associa-se, agravando a situação, as mudanças
decorrentes das transformações na economia, como desemprego e diminuição de postos de
trabalho, que acirram o aumento da produtividade entre os trabalhadores, repercutindo
negativamente na relação saúde/trabalho.

De acordo com a tabela acima, a freqüência de usuários com diagnóstico de


LER/DORT, sem afastamento do trabalho, na primeira consulta e no retorno, representa,
respectivamente (56,1%) e (46,8%) representando percentuais consideráveis. Esses dados
ao serem correlacionados as informações da tabela 2 referente à demanda de casos de
LER/DORT ao CRST/ES no período de 1998-1999, não confirma a hipótese levantada de
que o aumento dos atendimentos de retorno seja devido ao tempo disponível dos usuários
para o tratamento da doença, por estarem afastados ou desempregados.

Do exposto, conclui-se que a hipótese mais acreditada para o aumento do


percentual de retorno é a persistência dos sinais e sintomas da doença e, muitas vezes, seu
agravamento, pois, como sugere a tabela de afastamento, os usuários continuam no
exercício da atividade laboral, que, em conjunto com o trabalho doméstico, tendo em vista
a predominância do sexo feminino nos lesionados, sobrecarrega ainda mais a jornada de
trabalho e, consequentemente, incide negativamente sobre o quadro patológico.

Neste contexto, é importante salientar que muitos trabalhadores, não estão afastados
do trabalho, não por um opção, mas por temerem represálias e demissões, tendo em vista a
redução de postos de trabalho e o desemprego em todos os setores da economia. Neste
sentido, o trabalhador acaba se submetendo a um trabalho desgastante que poderá agravar
ainda mais o processo de adoecimento, acarretando inclusive incapacidade.
Ao analisar as tabelas, nota-se que o encaminhamento de solicitação de exames,
representa (76,5%) dos casos na primeira consulta. Na literatura, há poucas referências

106
sobre a necessidade de exames complementares como raios x, ultrassonografias, para o
diagnóstico, sendo este essencialmente clínico.

De acordo com Ribeiro (1999), ao se solicitar exames deve-se ter cautela, pois a
negatividade dos mesmos não invalida o diagnóstico de LER/DORT. Geralmente, se
realizados nos primeiros estados da doença, são negativos, porque as mudanças teciduais,
geradas pelo processo inflamatório, não são captadas nem pelos mais sensíveis dos
exames. O autor ressalta a necessidade, principalmente nos casos que demandam
classificação do estado da doença, para fins previdenciários e indenizatórios, de estar
atento para o fato de que a positividade dos exames pode fazer inferências à respeito da
gravidade das lesões, mas sua negatividade, porém, não as exclui, podendo encontrar casos
graves que não tenham sido manifestados nos exames.

Vale ressaltar, que todos esses exames têm um custo alto, ficando difícil de ser
custeado por uma parcela expressiva de usuários do Centro. Alguns deles, como a
eletroneuromiografia, além de não ser feito na rede pública, implica em sofrimento e dor,
dependendo do estado da doença em que a pessoa esteja acometida. Porém, a utilização
criteriosa desses exames não seria por estas questões, mas por sua habitual negatividade no
início da doença. Como observa (Ribeiro, 1999:138):“O que se deve querer desses exames
não é convalidar ou invalidar diagnósticos, mas avaliar, quando for o caso, o estado da
doença em benefício do doente”.

Desta forma, entende-se que os exames são complementares a uma análise prévia
do caso e devem ser solicitados após a formulação de suspeita diagnóstica. Caso o exame
não seja indicado e interpretado adequadamente, ele pode dificultar a investigação e as
condutas que serão assumidas em relação às LER/DORT. É necessário ressaltar que a
clínica é soberana, não se substituindo a análise criteriosa do profissional por nenhum
desses exames (Brasil, 2000).

Algumas questões podem ser pontuadas, ao observar a tabela 10. O percentual


elevado de solicitação de exames (76,5%) na primeira consulta, pode ser relacionado ao
objetivo da consulta. Nas observações realizadas no decorrer da pesquisa e a própria
prática, constatou-se a necessidade dos usuários da comprovação do nexo causal perante o
INSS. Esta situação e mesmo devido ao fato de alguns laudos fornecidos pelos médicos do
Centro, não terem sidos aceitos pela perícia médica do INSS, fez com que a solicitação de
exames, apareça como a possibilidade de dar visibilidade à doença; porém, por outro lado,
a sua negatividade não significa exclusão do diagnóstico de LER/DORT, pois pode-se
encontrar casos não expressos em imagens.

Devemos atentar que ao realizar exames para a comprovação do diagnóstico,


estamos nos submetendo a trabalhar conforme a ótica da perícia médica do INSS, não
validando a clínica da doença. Cabe mencionar que uma investigação criteriosa do
ambiente de trabalho é uma alternativa possível para o reconhecimento da doença.

Destaca-se então, a responsabilidade e o papel que o profissional tem ao solicitar


um exame e avaliá-lo, pois na sua decisão estará implícita a forma como concebe e aborda
as LER/DORT, caracterizando ou descaracterizando-as do contexto da organização do
trabalho.

Esses dados demonstram também, que os encaminhamentos para outras formas de


abordagens de atendimento do Centro são insignificantes, como também a articulação com
sindicatos. Esta situação nos remete a repensar a abordagem das LER/DORT no Centro,
partindo da premissa que a compreensão da doença deve abdicar da visão fragmentada da
medicina do trabalho, entendendo-a como um processo biopsicossocial.

É oportuno observar, que na tabela 11, relacionada ao encaminhamento no retorno


do usuário ao Centro, a situação apresenta poucas mudanças, (23,3%) dos atendimentos
não tem nenhum tipo de encaminhamento, (20,1%) são encaminhados para o INSS,
(16,1%) para fisioterapia/fisiatria e (14,2%) para realização de exames. A análise destes
dados nos permite inferir que a articulação entre as vertentes de atuação do Centro, não se
concretiza, ficando a abordagem da doença restrita ao atendimento médico-assistencial, em
detrimento do modelo preconizado pela Saúde do Trabalhador.
Cabe ressaltar que, com a maior divulgação das LER/DORT, a tendência é a
procura precoce para o atendimento. Deste modo, se a proposição do Centro é também
atuar na perspectiva da prevenção, buscar o diagnóstico da patologia através de exames,
em trabalhadores nos quais os sinais e sintomas da doença estão apenas começando a se
manifestar e que provavelmente será negativo, levará o trabalhador a continuar sujeito aos
fatores existentes no ambiente de trabalho, que poderão, com o tempo, gerar uma
progressão da doença.

4.3 - CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE DOS DADOS QUALITATIVOS

A fase de análise dos dados qualitativos foi a etapa mais longa, como também um
momento exploratório rico, que possibilitou um ir e vir, cruzando informações obtidas nas
entrevistas, com os dados do levantamento quantitativo, as discussões em grupo e os
demais materiais bibliográficos utilizados na pesquisa, na medida que contribuiam para
explicitar o contexto das questões trazidas, para a compreensão da abordagem das
LER/DORT a partir do olhar dos profissionais e usuários do CRST/ES.

Em relação às entrevistas realizadas, procuramos, a partir dos pressupostos e


objetivos que norteiam este estudo, classificar os depoimentos surgidos, ressaltando os
aspectos relevantes nos seguintes termos temáticos: a concepção dos profissionais em
relação as LER/DORT; o papel do CRST/ES na abordagem das LER/DORT e a
articulação das ações nas vertentes de atuação do CRST/ES e as relações profissionais.

Através da fala dos atores sociais do processo vivido em uma dada realidade,
buscamos focalizá-la na compreensão do processo gerador das LER/DORT e no cotidiano
das atividades desenvolvidas pelos sujeitos no Centro, em relação a esta forma de
adoecimento.

De acordo com Minayo (1993), é necessário envolver na pesquisa qualitativa, um


número suficiente de atores para possibilitar a reincidência das informações, mas não
desprezando informações ímpares, cujo potencial explicativo deve ser considerado;
entender que na sua homogeneidade fundamental relativa aos atributos, o conjunto de
informantes possibilita a apreensão de semelhanças e diferenças, esforçando-se para que a
escolha do locus e do grupo de observação e informação, apresentem o conjunto das
experiências e expressões que se pretende alcançar com a pesquisa.

Nesta acepção, privilegiamos os sujeitos sociais que possuíam informações


relevantes e vivências que se pretendia investigar, partindo do pressuposto, de que todas as
opiniões e depoimentos observados nas entrevistas são cultural, social e historicamente
condicionados. Cabe mencionar, que na análise, procuramos manter o termo “paciente”
para preservar o sentido que os profissionais atribuíam à relação com o usuários do
serviço. Porém no decorrer dos outros capítulos, empregamos palavras como usuários e
trabalhadores, pois representam melhor uma relação de diálogo, ao incorporar a concepção
de sujeitos com conhecimentos e vivências do seu trabalho e do processo de adoecimento.

Ressaltamos que, apesar de ter sido agrupado a sistematização dos relatos em três
termos temáticos, muitos outros poderiam surgir a partir dos dados coletados. Porém,
devido às limitações da pesquisa, torna-se inexequível abordar todos os prováveis temas
evidenciados pelos sujeitos. Desta forma, analisamos os dados através das informações
consideradas relevantes para efeito deste estudo.

4.3.1 - A CONCEPÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM RELAÇÃO AS LER/DORT

O termo LER/DORT foi oficialmente reconhecido em 1993, pelo Ministério da


Previdência e Assistência Social, após um processo de lutas e pressões sociais,
envolvendo sindicatos e várias instituições, sendo definido da seguinte forma:

“Esta é uma denominação dada a um conjunto de afecções que podem


acometer tendões, sinóvias, músculos, nervos, fácias, ligamentos, isolada ou
associadamente, com ou sem degeneração dos tecidos, atingindo
principalmente os membros superiores, região escapular e pescoço, de
origem ocupacional, decorrente, de forma combinada ou não de: uso
repetido de grupos musculares; uso forçado de grupos musculares e
manutenção de postura inadequada.”(LER, 1993 apud Aguiar, 1998: 21).

Por sua vez em 1998, o Ministério da Previdência e Assistência


Social, através da Norma Técnica sobre DORT, assim a define: “como uma
“sindrome clínica”, caracterizada por dor crônica, acompanhada ou não
por alterações subjetivas e que se manifesta principalmente no pescoço,
cintura escapular e/ou membros superiores em decorrência do trabalho”.
(Brasil, 1998: 27)

De acordo com estas definições que são utilizadas para a elaboração do diagnóstico
de LER/DORT, na primeira definição, a questão do movimento repetitivo é apresentado
como um dos fatores que está relacionado ao surgimento da doença. Porém ao
observarmos as entrevistas realizadas com os profissionais do Centro, notamos que na
maior parte delas, as LER/DORT encontram-se associadas principalmente a movimentos
repetitivos. Foram relacionadas também, em alguns relatos, porém de forma menos
acentuada, a outros fatores provenientes da organização e condições de trabalho – como a
pressão, hierarquia, ritmo acelerado, entre outros – podendo ocorrer independente do
tempo de exposição a estes fatores. Apontam ainda, que as LER/DORT ocorrem numa
grande variedade de funções e ramos de atividade, sendo hoje a principal demanda do
CRST/ES, proveniente do setor de serviços e de funções como administrativas e auxiliar
de serviços gerais.

- A causalidade das LER/DORT encontram-se nas condições de trabalhou ou nas


susceptibilidades individuais?

A análise dos relatos nas entrevistas, nos remete a importância que é atribuída à
repetitividade, geralmente apresentada na literatura como o fator de risco mais
freqüentemente referido, mas que não é o único fator biomecânico determinante, pois as
LER/DORT podem ocorrer não relacionada a repetição, mas a cargas e posturas estáticas.

Este é um aspecto importante de ser ressaltado, pois ao definir um diagnóstico ou


realizar uma inspeção para verificação de nexo causal, é preciso analisar os vários fatores
existentes predisponentes de LER/DORT, além da repetitividade, tais como: o esforço e
força, posturas inadequadas, trabalho muscular estático, invariabilidade da tarefa, fatores
organizacionais, entre outros. A não avaliação e compreensão destes fatores, podem
descaracterizar um processo de trabalho potencialmente gerador da doença.
Segundo as Normas e Manuais Técnicos (Brasil, 2001a), dentre as questões ditas
“não médicas”, nos estudos atualmente realizados, a organização do trabalho, os fatores
biomecânicos e os ambientais, são determinantes do adoecimento no trabalho das mais
variadas categorias, exercendo diversas atividades, fato que configura as LER/DORT,
tanto em países industrializados, quanto nos que se encontram em processo de
industrialização.

Um outro aspecto a ser ressaltado, constatado em alguns dos depoimentos, refere-se


à susceptibilidade dos indivíduos para a ocorrência das LER/DORT. É preciso estar
atento a este tipo de concepção que busca a explicação em fatores psicológicos e
biológicos para a gênese da doença, podendo incorrer no fato de estar psicologizando ou
biologizando o problema, uma vez que desconsidera os fatores relativos a situação
concreta do trabalho, que é o que nos poderia levar aos determinantes fundamentais da
patologia.

Essa concepção de predisposição, remete à vulnerabilidade do indivíduo, podendo


ocasionar a culpabilização pelo seu adoecimento, ao serem valorizadas suas
características, em detrimento das condições de produção social desta predisponibilidade.
Desta forma, nos colocamos numa posição crítica ao reducionismo e ao caráter
mecanicista que a concepção implica.

Acrescenta ainda Alves, 1998 apud Magalhães (1998: 74), que “...estas questões
cotejadas com as evidências clínicas e epidemiológicas, apontam para a necessidade de
repensar os modelos médicos predominantes quando se trata de compreender melhor a
LER”.

São várias as abordagens a respeito da causalidade das LER/DORT, porém, a que


nos referenciamos nesta pesquisa, é evidenciada pela epidemiologia social, em particular
Laurell & Noriega (1989). Parte do pressuposto da determinação social do processo
saúde-doença, sem negar a existência dos processos biológicos que, por sua vez, têm um
caráter social. Essa concepção identifica a historicidade dos processos biológicos e
psíquicos, se opondo à medicina dominante e à epidemiologia tradicional, que concebe a
doença enquanto fenômeno biológico e individual.

Laurell & Noriega (1989) apontam os limites destas abordagens para a


compreensão dos problemas de saúde, especificamente os relacionados ao trabalho, pois
o estudo do processo saúde-doença deve se centrar na coletividade humana, e não no
indivíduo.

Do exposto, apontamos que é fundamental suscitar discussões, aproximações entre


os profissionais envolvidos no atendimento dos casos de LER/DORT, para que possam
chegar a um entendimento mais homogêneo da doença, pois entendemos que a clareza na
compreensão da gênese das LER/DORT, é fundamental para que sejam propostas
abordagens eficazes para o diagnóstico, tratamento e prevenção da doença.

- A atuação dos profissionais frente a elaboração do diagnóstico médico de


LER/DORT

Em relação ao diagnóstico, enfatizaram que este se inicia no momento da consulta


coletiva, onde é feita uma triagem9 dos possíveis diagnósticos de doenças ocupacionais e
encaminhados para o atendimento individual com o serviço social. Somente
posteriormente será encaminhado ao médico do trabalho, que estabelecerá o nexo causal,
a partir do exame clínico, anamnese ocupacional e solicitação de exames complementares
e quando necessário, a avaliação do ambiente de trabalho. É relevante constatar, que o
diagnóstico na maioria dos casos é definido individualmente pelos profissionais de
medicina do trabalho, não havendo discussões com os outros profissionais da equipe,
excetuando, quando existe a necessidade de uma avaliação de ambiente de trabalho, que o
técnico de segurança ou engenheiro, remete ao médico que o solicitou, um relatório.

Considera-se que em relação ao diagnóstico de LER/DORT, este é essencialmente


clínico e se fundamenta na história ocupacional, como elemento fundamental para
orientar a investigação diagnóstica, relacionando os sintomas e queixas apresentadas com
a atividade que o trabalhador realiza, no exame físico detalhado e apenas quando
necessários em exames complementares, e na análise das condições de trabalho,
responsáveis pelo aparecimento da doença.

No que diz respeito à solicitação de exames considerados “complementares”, com


exceção de um médico, faz parte da prática cotidiana dos outros profissionais,
justificando esta atitude, devido à necessidade de fazer o diagnóstico diferencial, ou para
a comprovação do nexo causal. Neste sentido acrescenta-se.

“É fundamental lembrar que exames complementares, quando corretamente


indicados e bem feitos, podem auxiliar no diagnóstico clínico, porém não no
estabelecimento do nexo causal, entre o quadro clínico e o trabalho.
Conforme já referido, este nexo pressupõe a avaliação da exposição
ocupacional”. (Brasil, 2000: 15 )

Como ficou evidente, as solicitações de exames aparecem com certa predominância


em relação aos outros encaminhamentos, ao observar os dados quantitativos e os relatos
analisados, sendo que esta não é uma conduta enfatizada pelas Normas Técnicas de
Avaliação de Incapacidade do INSS, nem pelo Protocolo do Investigação, Diagnóstico,
Tratamento e Prevenção de LER/DORT do Ministério da Saúde (Brasil, 2000).

Entendemos que a solicitação de exames, enquanto uma prática cotidiana, apesar de


não ser prescrita em nenhum protocolo de atendimento, existe a nível do real. Parece ser
uma ideologia de defesa do profissional para se resguardar diante da perícia médica do
INSS, perante qualquer questionamento e como forma de legitimar o nexo causal. Neste
sentido, poderia dizer, que a solicitação de exames se conforma numa “regra de ofício”
(Cru,1987). Pode-se inferir, que a prescrição de exames, talvez seja a forma encontrada
para evitar o desencadeamento de vários tipos de sofrimento: os constrangimentos
advindos de um laudo de LER/DORT recusado, uma forma de responder objetivamente
ao usuário do serviço, que necessita comprovar uma doença, assim como, o sofrimento
que desencadeia no profissional, de lidar com uma doença que se contrapõe a
racionalidade da sua formação, evidenciando seus limites. Então, ao objetivá-la, consegue
manter-se na lógica do seu saber médico.

As condutas individuais que limitam a compreensão e a avaliação diagnóstica a


aspectos técnicos, requerem algumas considerações sobre o modelo centrado na atenção
individual, na relação “médico-paciente”, que é culturalmente e socialmente construída.
Nela, o que predomina é a busca da objetividade, que se percebe em alguns profissionais,
ao não incorporar aspectos psicológicos e sociais como elementos na elaboração do
diagnóstico e encaminhamento terapêutico. É portanto necessário estabelecer uma
conduta de saúde que seja através do diálogo, entre o profissional que tem um
conhecimento científico e o trabalhador que tem o conhecimento de seu sofrimento e de
sua realidade, podendo assim, superar os limites da prática médica e contribuir para
modificações nas condições geradoras da doença.

No decorrer do processo de pesquisa e também a própria prática no Centro, foi


possível observar algumas vezes, condutas que limitavam o espaço da fala, do usuário, na
busca de objetividade das informações como as realizadas na consulta coletiva. Esta é um
espaço de triagem onde se verifica a possibilidade ou não de existência de nexo causal. É
necessário fazer uma ressalva nesta colocação, que muitas vezes é difícil para o médico
acompanhar todo o processo coletivo e ao mesmo tempo orientar particularidades que
solicitam uma atenção individualizada. Porém, é necessário repensar esse tipo de
abordagem, pois a consulta coletiva, quando uma técnica bem aplicada, é um importante
espaço para a compreensão do processo de adoecimento.

4.3.2 - O PAPEL DO CRST/ES NA ABORDAGEM DAS LER/DORT

Ao discutirmos a respeito do papel do CRST/ES, as falas se direcionam


prioritariamente para o atendimento médico assistencial, ou seja, a elaboração do
diagnóstico e tratamento. As investigações do ambiente de trabalho são realizadas
somente em alguns casos, para esclarecer a hipótese diagnóstica. Geralmente são voltadas
para analisar se no processo de trabalho existem atividades repetitivas, tendo em vista que
são casos de LER/DORT.
O Centro de Referência, é citado como uma referência em saúde pública, devido as
possibilidades de tratamento que oferece ao paciente, como um trabalho que se
desenvolve através de equipe multidisciplinar: médicos do trabalho, psicanalista,
fisioterapeuta, assistentes sociais, entre outros. Possibilitando assim, um apoio em várias
áreas dentro do mesmo espaço, se constituindo numa referência terapêutica.

É ressaltado que o Centro propõe oferecer um diagnóstico, orientação em termos de


encaminhamento para previdência social, atividades de informação e educação em saúde,
como os trabalhos desenvolvidos em grupos, assim como reflexões mais aprofundadas
sobre o sofrimento gerado pela doença. O Centro é compreendido assim, enquanto um
espaço de suporte ao paciente, que muitas vezes já percorreu várias instituições em busca
de esclarecimento ou reconhecimento de sua patologia.

Nestes termos, o CRST/ES se apresenta então, como um espaço de acolhimento,


que possibilita a esta demanda informações e orientações a respeito de seu problema.
Devido o Centro proporcionar esta atenção aos pacientes enfatizada pelos profissionais,
podemos inferir que esta é uma das possíveis razões para o crescente aumento dos casos
de retorno nos últimos anos, conforme observado no levantamento quantitativo.

A questão da conscientização também é um aspecto ressaltado pelos entrevistados,


como uma forma do paciente aprender a conviver com a doença, possibilitando ao
paciente encontrar alternativas para conviver melhor com uma doença que não tem cura.
Deste modo, o papel do Centro de Referência seria de orientar para uma melhor
socialização do usuário do serviço.

Há relatos também, principalmente dos médicos do trabalho, que o Centro de


Referência é um espaço de respaldo legal para os demitidos, onde o médico é visto como
um advogado, perdendo sua função que é clínica. Revelam que o Centro tem hoje um
papel de fazer nexo e laudo para a perícia do INSS, se conformando uma grande demanda
de atendimento.
As entrevistas sugerem que o papel do Centro de Referência, deveria ser sobretudo
de prevenção, atividades educativas, fiscalização de ambientes de trabalho, e alguns
acrescentam a pesquisa. Mas, devido à demanda ambulatorial e o quantitativo de pessoal,
estas atividades não são constantemente desenvolvidas, ou priorizadas.

Apesar da atividade de pesquisa ter sido citada por alguns profissionais, estes
trabalhos de pesquisa são percebidos, como se fossem algo à parte da estrutura do
serviço, não sendo entendida no mesmo grau de importância das outras ações. Desta
maneira, o profissional relata que ao ser desenvolvida, diante do quantitativo de pessoal
que realmente se envolve com o trabalho, acaba prejudicando o atendimento
ambulatorial. Vale ressaltar que existe também uma cobrança da Secretaria Estadual de
Saúde, em termos de produtividade de atendimentos e procedimentos realizados pela
Unidade de Saúde.

- As expectativas e demandas observadas pelos profissionais nos usuários


portadores de LER/DORT

Em relação às expectativas e demandas observadas nos usuários que chegam na


primeira consulta e nos retornos, estas são percebidas com algumas diferenciações.

Na primeira consulta, geralmente se apresentam curiosos, angustiados,


desinformados quanto a dor e ao sofrimento em que se encontram, mas também
esperançosos, buscando explicações para sua sintomatologia, procurando soluções.
Acrescenta-se que muitos, ao procurarem a cura para uma dor que não conseguem
explicar, revelam medo do diagnóstico, e das implicações decorrentes, como o
afastamento do trabalho e o desemprego.

Os depoimentos mostraram que a incerteza de permanecer no trabalho e o medo do


desemprego é constantemente mencionado pelos pacientes nos atendimentos. É sabido
que a presença da patologia, muitas vezes é fator decisivo para o desligamento do
trabalhador da empresa e a reinserção no mercado de trabalho é difícil, até porque o fato
de constar na carteira de trabalho um registro de doença ocupacional ou afastamento do
trabalho, é um impeditivo na seleção da força de trabalho, cuja saúde esteja
comprometida.

Settimi apud Carloto (2000), ao discorrer sobre a experiência de atendimento no


Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de São Paulo-CEREST-SP, mostra que
trabalhadores de determinadas empresas onde reconhecidamente existem casos de
LER/DORT, quando saem destas, não conseguem se inserir no mercado de trabalho.

Desta maneira, a situação de desemprego não pode ser compreendida pelo


profissional de saúde como uma patologia social que não lhe diz respeito e sim como uma
questão concreta que perpassa a vida do trabalhador que está atendendo e que implicará
na sua recuperação, como também contribuirá para entender como uma das possíveis
explicações para a demora do trabalhador em procurar tratamento, evitando assim
condutas de julgamento.

É apontado também, que o paciente na primeira consulta procura o Centro de


Referência com a expectativa de conseguir laudos para o INSS ou a CAT, buscando um
respaldo legal para evitar uma demissão. Esta situação é colocada por um médico como a
maior parte dos casos que atende no ambulatório.

No que se refere aos pacientes no retorno ao Centro, as expectativas mudam um


pouco, apesar de algumas que foram apresentadas na primeira consulta se manterem.
Como no processo de retorno as pessoas já possuem alguma resposta para seus
questionamentos, a ansiedade e o medo diminuem, surgindo inclusive uma certa
segurança. A ansiedade volta a se manifestar, geralmente na época de perícia no INSS,
quando o paciente precisa de um laudo.

Atribuem a melhora no paciente de retorno, nem tanto relacionado a doença, mas


ao fato destes sentirem que estão sendo bem encaminhados. O paciente de retorno é visto
como aquele que procura o CRST/ES, buscando meios para alcançar um “benefício”,
além do tratamento. Muitos, apesar de saberem do que significa as LER/DORT, mesmo
assim, possuem esperança de cura, entendem que o tratamento é paliativo e com isso a
ansiedade diminui. Mas segundo os entrevistados, é constatado o surgimento da
depressão em alguns casos, principalmente os crônicos.

Ao entrevistar alguns profissionais como homeopatas, acupunturistas e o pessoal da


fisioterapia, ressaltam que muitos pacientes, têm apresentado melhora principalmente no
que diz respeito a dor. Compreendem que, apesar de serem alternativas terapêuticas
paliativas em relação a doença em si, possibilitam uma qualidade de vida melhor no
contexto da doença; entretanto o grande desafio é o paciente crônico, que a intervenção
terapêutica tem pouco resultado.

Os profissionais trabalham as expectativas apresentadas pelos usuários, procurando


informar, esclarecer sobre a doença, a prevenção e os tratamentos que o Centro oferece,
ressaltando sempre a importância do paciente se envolver nos mesmos.

Foi constantemente mencionado, que o paciente de retorno que encontra-se


envolvido nas diversas atividades do Centro, direcionadas aos portadores de LER/DORT,
além de ser menos ansioso, consegue entender que a saída do problema é um trabalho em
conjunto onde o Centro de Referência tem um papel , mas o paciente é responsável e
sujeito dessa mudança que se pretende alcançar. Por outro lado, um profissional enfatiza,
que aquele retorno onde o paciente é poliqueixoso, acomodado, transferindo sua angústia
para o profissional, são os casos que mais aparecem no Centro e, portanto, necessitam
que nos diversos atendimentos realizados – seja a nível individual ou grupal – o
trabalhador seja compreendido como sujeito nesse processo.

Em relação a demanda de procura de atendimento, no que diz respeito ao


quantitativo para atendimento de consultas, os profissionais consideram que tem sido
atendida em parte. Em relação as marcações de consultas para médicos do trabalho, não
se relata dificuldades, porém, para marcação de exames, a fisioterapia e a acupuntura,
existem dificuldades; até porque, durante determinado tempo, ficou sem fisioterapeuta
para atender e a demanda no setor é grande. Em relação à acupuntura, os próprios
médicos colocam que os pacientes que fazem o tratamento estão apresentando melhoras
significativas, porém, seria necessário mais profissionais para atender, pois existem
pacientes que precisariam ser atendidos na acupuntura e não existe oportunidade no
momento. Cada médico acupunturista atende 20 pacientes por semana; ao todo são dois
profissionais, que consideram esse número de pacientes o aceitável, para não
sobrecarregar o atendimento e também para manter a qualidade, caso contrário o
resultado não seria o mesmo.

No que diz respeito à demanda dos usuários em relação as propostas de tratamento,


quase não houve referência sendo, praticamente voltada para a solicitação de
atendimentos individuais. A questão coletiva, as inspeções em ambientes de trabalho, são
demandas eventualmente apresentadas. Neste ponto, a psicóloga acrescenta que o
paciente demanda pouco do Centro e que este poderia possibilitar muito mais aos seus
usuários. O que basicamente solicitam é apoio e, neste sentido, o Centro de Referência
atende. Aponta como uma situação complicada, pois entende que as alternativas de
tratamento são construídas em conjunto com os pacientes; então, acontece que em
algumas situações eles não se envolvem; por outro lado, depende também do profissional
escutar determinada queixa do paciente como demanda e buscar construir estas
possibilidades de tratamento e recuperação.

- A recuperação das LER/DORT: alternativas e questões sem respostas

Um fator apontado pelos profissionais em relação à recuperação das LER/DORT,


está relacionado ao tratamento enquanto uma terapêutica paliativa, sendo identificado
como uma das razões para essa consideração, a não ocorrência de modificações no
ambiente de trabalho, levando o trabalhador, após o tratamento ou durante o mesmo, a
exercer atividades na mesma função na qual surgiu a doença.

Uma questão importante que surge, apontada pela fisioterapeuta, ao discorrer sobre
a recuperação, está relacionada à pacientes com tempo prolongado de tratamento, sem
apresentar melhora em relação a dor, se desligarem da fisioterapia. Na sua opinião, isso
ocorre também porque não há para onde encaminhar esse paciente e até porque, mesmo
os recursos clínicos se esgotam e não sabe até onde a questão psicológica e social
interfere nesse processo. Acrescenta também, o fato de pacientes que procuram o setor
já se encontrarem num grau elevado de afetação, com uma incapacidade acentuada,
impossibilitando uma recuperação para a função normal. Em relação aos pacientes
crônicos, às vezes é necessário uma pausa no tratamento para que ele tente encontrar
outras saídas de conviver com o problema. Uma alternativa que citou para os pacientes
crônicos, que perderam mobilidade do membro, é o trabalho de grupo com exercícios
orientados para estimular ao movimento todo o corpo, tentando resgatar as funções
corporais de uma forma geral.

A fisioterapeuta10 relata que tem pacientes que estão há quatro anos fazendo
fisioterapia e que não existe um protocolo que estabeleça o tempo de suporte da
fisioterapia. Coloca que o principal problema está em para quem referenciar dentro do
Centro, pois se remete o paciente para o médico ele encaminha novamente para o setor,
devido a falta de alternativas, tendo em vista que todos os recursos disponíveis para o
tratamento.

Estas colocações nos remetem à complexidade da abordagem das LER/DORT,


principalmente quando se trata de portadores crônicos. Entendemos, que esta situação
poderia ser menos desgastante, tanto para o profissional como para o usuário, se houvesse
uma articulação e mobilização maior entre a equipe, visando a discussão das
possibilidades de tratamento a partir dos próprios recursos existentes no Centro de
Referência, ou que poderiam ser criados, para a melhoria da qualidade de vida do usuário.

Algumas ações são apontadas pelos entrevistados como importantes na


recuperação, como o trabalho desenvolvido no grupo Qualidade de Vida, onde a questão
individual é trazida para o coletivo, propiciando uma discussão do processo saúde-
doença. Outra importante atividade, é a psicoterapia de grupo, onde praticamente só
participam os pacientes crônicos que, segundo a psicóloga, não considera um paciente de
retorno mas quase interno do Centro, pois permanece a maior parte do dia fazendo
fisioterapia, acupuntura e outras atividades.
No que diz respeito ao grupo de psicoterapia, a psicóloga responsável pelo grupo
relata que trabalha com a perspectiva da saúde, na ótica da conscientização do
movimento que ocasionou a perda, envolvendo neste sentido, o mundo do trabalho, o
mundo cultural, o sujeito e o inconsciente, compreendendo todas estas questões,
pensando na saúde.

Um outro espaço apontado para a atuação de um trabalho em equipe, é o setor da


fisioterapia, devido ao tempo que o paciente permanece no local, em tratamento; sendo
assim, é colocado pelos profissionais a necessidade de desenvolver neste espaço,
atividades referentes à prevenção e preservação da saúde.

- Caminhos e obstáculos a serem superados na abordagem das LER/DORT

Diante destas demandas e expectativas observadas pelos profissionais no decorrer


dos atendimentos, muitos aspectos foram apontados, visando superar as dificuldades e
qualificar o trabalho desenvolvido pelo Centro de Referência.

A importância de realização de um trabalho integrado, articulado entre as vertentes


de atuação e desenvolvido de forma interdisciplinar, foi apontado pela maioria dos
profissionais, como essencial para a melhoria do atendimento.

Cabe mencionar, depoimentos de que, quando o Centro iniciou suas atividades em


1996, existiam reuniões de equipe semanalmente, onde se discutiam os casos clínicos, as
inspeções, possibilitando uma proximidade e articulação maior entre os profissionais,
incidindo, assim, em condutas similares de atendimento. Com o decorrer do tempo, as
reuniões passaram a ser realizadas esporadicamente. Esta situação se refletiu num
atendimento com diversificadas formas de abordagens, pois não se tem uma direção, um
protocolo, em relação à concepção da doença, forma de procedimentos, os
encaminhamentos para grupos e então, cada profissional passou a atender a partir de seu
referencial. Desta forma, a necessidade de um protocolo único de atendimento é citado
diversas vezes, devido às diversidades de condutas e como uma maneira de evitar a
solicitação de pacientes para a mudança de médico, um problema freqüente no Centro de
Referência.

Um outro fator que ressaltam para este distanciamento, foi a mudança de espaço
físico. O CRST/ES no ano 2000, passou a funcionar num edifício ocupando dois andares,
onde no 10º andar está situada a parte administrativa e no 11º andar a fisioterapia e os
consultórios. Em um aspecto, a mudança foi positiva, pois propiciou um maior conforto
no atendimento, devido ser um espaço mais amplo; por outro lado, distanciou ainda mais
o contato entre os profissionais.

Desta forma, algumas propostas foram apontadas para a solução dos problemas
enfrentados. Consideram que na parte da assistência, é necessário a aquisição de
equipamentos para a fisioterapia, a contratação de recursos humanos – como
acupunturista, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional – visando um suporte tanto no
atendimento individual, como em grupo. Compreendem a importância de implantar e
implementar atividades que trabalhem a corporalidade – oficinas de arte, grupos de
convivência, grupos Qualidade de Vida – a partir de um envolvimento maior dos
profissionais.

Neste sentido, a fisioterapeuta considera que a criação de grupos de controle


continuado onde, através de reuniões semestrais, poderia fazer um acompanhamento,
possibilitar informações ao paciente que teve alta no serviço, inclusive para evitar, depois
do afastamento do Centro, um retorno com um quadro agravado da doença. Relata
também a necessidade de uma maior aproximação com os profissionais do serviço social
e psicologia, para a realização de trabalhos em conjunto.

É apontado pelos profissionais a necessidade de se construir alternativas para o


paciente crônico. Existe o grupo de auto-cuidado na fisioterapia, aonde é feita orientação
de exercícios para pacientes crônicos que perderam a mobilidade nos membros. Uma
outra alternativa existente, é o grupo de psicoterapia que, segundo a psicóloga, são os
pacientes crônicos que mais freqüentam, porém, devido ao tempo de duração não é
acessível a toda demanda que precisa desse tipo de atendimento. Médicos, fisioterapeutas
e outros profissionais, entendem que é necessário repensar as alternativas para esse tipo
de paciente e estabelecer um protocolo de atendimento na fisioterapia, inclusive no que se
refere a tempo de tratamento. Cabe salientar que no final do ano 2000, os usuários que
estavam em tratamento fisioterápico há muito tempo, foram desligados deste tipo de
atendimento após orientação médica.

Alguns problemas enfrentados, segundo os profissionais, remetem à melhor


distribuição das atividades, pois algumas pessoas são sobrecarregadas em relação a
outras. A importância dos profissionais se envolverem nas diversas atividades do Centro,
como as de educação em saúde, sejam cursos, palestras e as de vigilância consideradas as
inspeções. É observado também, a importância dos médicos referenciarem os pacientes
para as atividades de grupo, como uma parte do tratamento ao qual se submetem no
CRST/ES.

Ainda na perspectiva da assistência e educação em saúde, é destacado a


necessidade de uma divulgação maior sobre as LER/DORT, através de uma articulação
com sindicatos, entidades civis, no sentido de orientar as pessoas para a busca precoce de
tratamento.

Em relação às atividades consideradas como de vigilância, relatam a importância de


um advogado compor a equipe, para fornecer um apoio jurídico, respaldando as ações de
vigilância. Associam a vigilância à aprovação do código sanitário, que possibilitará uma
legitimidade maior para as atividades de intervenção no ambiente de trabalho. Uma outra
questão está relacionada à necessidade do desenvolvimento de atividades de prevenção
para o trabalhador, como palestras e orientações, como também visitas as empresas para a
verificação de cumprimento das normas.

Foi ressaltado por um profissional a necessidade de ser reavaliado o objetivo da


consulta coletiva, que não possibilita realmente uma triagem, uma seleção de casos de
doenças ocupacionais, como se propõe, porque existem questões individuais que não
podem ser abordadas num espaço coletivo. Deste modo, o paciente passa por um
processo demorado, que implica a consulta coletiva, atendimento individual com o
serviço social, para posteriormente chegar na consulta com o médico e em alguns casos
seu problema não ser considerado uma doença ocupacional.

Uma questão levantada para a realização de um trabalho integrado, está


relacionada à melhoria dos salários, de políticas para o funcionalismo público e também
isonomia, para que assim o profissional possa se envolver mais com as atividades do
Centro e a cobrança de responsabilidade individualmente, para cada um assumir seu
compromisso com o serviço. Entendem que a articulação entre algumas atividades que
hoje existem no CRST/ES decorre do desejo e das relações de afinidades que existem
entre os profissionais e não de algo instituído.

Acrescenta-se também as dificuldades financeiras para implantar ações, compra de


equipamentos que possibilitaria potencializar o trabalho desenvolvido. Apontam para
uma mudança desta situação, o convênio assinado com o Ministério da Saúde em 2000,
que disponibilizará recursos financeiros para a estruturação das atividades do CRST/ES.

Tecendo considerações a respeito das mudanças que pretende efetuar no Centro de


Referência, a médica coordenadora relata, que a relação médico-paciente pode ser
melhorada, a partir do momento que ocorra um rompimento do médico com o papel
estritamente voltado para o diagnóstico e encaminhamento previdenciário, procurando se
aproximar do contexto da vida do trabalhador que está atendendo e, assim,
compreendendo melhor o adoecimento. A questão da informação que requer um
profissional especializado para trabalhar melhor os dados; a necessidade de construção de
um modelo de vigilância para a atuação na região metropolitana; a contratação de
profissionais, como fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, profissionais de saúde mental,
sanitarista, entre outras. Associa a todas estas questões, a realização de discussões que
permitam um repensar do atendimento no CRST/ES, tanto no que diz respeito a parte
assistencial como à vigilância.

No decorrer de todas as exposições a respeito desse termo temático, mencionou-se


constantemente a importância da conscientização do paciente, acerca da prevenção das
LER/DORT. Compactuamos com a idéia de que todos os profissionais são responsáveis
pela disseminação de informações necessárias ao usuário sobre sua saúde e seus direitos,
assim como, que a prevenção deve se configurar num processo que envolva
conjuntamente, trabalhadores, empresários e profissionais de saúde, para que não seja
imputado a qualquer um desses atores a responsabilidade única neste processo.

Uma outra questão que requer ponderação, alude à constante busca da cura pelos
usuários, enquanto um fato gerador de angústia, tanto nos portadores de LER/DORT como
nos profissionais, principalmente médicos. É essencial entender a busca pela cura, como
algo pertinente à saúde, pois, como Dejours (1986) aponta, o estado de bem-estar é
impossível de se atingir, uma utopia, sendo a saúde um objetivo a ser alcançado, nesta
constante busca. Neste sentido, não se trata de eliminar a angústia, mas sim, possibilitar
meios para que seja superada, mesmo que momentaneamente. A compreensão de que este
completo estado de bem-estar físico e mental não existe, imprimirá um enfretamento
diferenciado em relação à doença. Entender que existe sim, desejos e esperanças, onde a
saúde seja a liberdade de cada trabalhador encontrar meios de “traçar um caminho pessoal
e original, em direção ao bem-estar físico, psíquico e social.” (Dejours,1986: 10)

Nesta sentido, ressaltamos que todos os profissionais, independente de seu


envolvimento nas atividades do Centro, possuem um potencial extremamente rico, para
contribuir efetivamente em mudanças no processo de surgimento das LER/DORT, através
de um trabalho articulado em conjunto com os trabalhadores, buscando meios de enfrentar
as condições adversas do trabalho, em direção a uma qualidade melhor de vida e trabalho.

No final deste item algumas questões surgem. Será que os apontamentos realizados
pelos profissionais enquanto papel do Centro, atingem as questões principais para o
tratamento de LER/DORT?

No decorrer das entrevistas foram evidenciados que o papel do CRST/ES


atualmente consiste no diagnóstico e tratamento da doença, incluindo orientações
previdenciárias, além de respaldo legal para o reconhecimento da doença ocupacional. As
atividades de grupo, individuais são entendidas enquanto espaços de conscientização, onde
o paciente aprende a conviver com a doença e encontrar alternativas para o seu
enfrentamento. Acrescentam a importância da realização de um trabalho integrado, a
aquisição de recursos materiais e humanos, o desenvolvimento de atividades de educação
em saúde e fiscalização de ambiente de trabalho, buscando à prevenção da doença e
melhoria no atendimento. Por outro lado, apesar de os trabalhadores procurarem o Centro
de Referência em busca de cura, tratamento, porém este é considerado paliativo na opinião
dos profissionais, pois alguns apontam a organização do trabalho como determinante do
adoecimento e outros consideram também a susceptibilidade individual na ocorrência das
LER/DORT.

Neste sentido se o tratamento é considerado paliativo, e o grande nó crítico, ou seja,


é a demanda, a expectativa de cura que o usuário traz ao procurar o Centro, pensamos que
estas alternativas poderão sim, contribuir para melhorar a qualidade de vida do usuário,
porém é preciso que sejam pensadas medidas que antecedam a doença e evitem sua
progressão, como a Vigilância em Saúde do Trabalhador enquanto uma forma de
prevenção. É preciso que seja discutido e avaliado até que ponto os fatores individuais e
organizacionais estão envolvidos no desencadeamento das LER/DORT para os
profissionais, pois dimensionar esta questão é fundamental, já que se existem dúvidas,
estas podem dificultar uma intervenção no ambiente de trabalho, ficando a prática restrita à
ações de assistência.

Diante desta situação sofrimentos podem emergir nos profissionais devido à


dificuldade ou até impossibilidade de cura tendo em vista que a doença precisa ser
compreendida num contexto ampliado no qual a implementação de práticas preventivas
aparecem como uma possibilidade de atuação.

4.3.3 - A ARTICULAÇÃO DAS AÇÕES NAS VERTENTES DE ATUAÇÃO DO


CRST/ES E AS RELAÇÕES PROFISSIONAIS

Ao analisar as entrevistas, a questão da fragmentação das ações é constantemente


ressaltada pelos profissionais. Desta forma, entendemos que compreender como o
profissional elabora a abordagem das LER/DORT neste contexto de fragmentação e como
concebe a articulação com a vigilância, se constitui numa discussão fundamental para
responder às questões norteadoras da pesquisa.

A dificuldade de um trabalho articulado é atribuído às próprias questões históricas


da formação profissional, e não somente à demanda de trabalho. Em alguns cursos onde
essa questão da interdisciplinaridade é constantemente discutida, percebe-se uma
articulação maior nas atividades, tais como as desenvolvidas pelo: serviço social,
psicologia e enfermagem. Entretanto, nas atividades da medicina e da engenharia, que
vêm de áreas onde o pensar técnico é enfatizado, essa articulação é observada somente
eventualmente.

Existe uma compreensão de que o trabalho deve ser articulado. Ao pensar nas
vertentes de atuação do Centro de Referência, é colocado que na assistência surgem dados
que são interessantes para a vigilância, enquanto representação de uma demanda de
intervenção em ambiente de trabalho. Nas atividades de grupo, surgem também dados que
solicitam ser discutidos pela equipe, podendo incidir em ações de Vigilância em Saúde do
Trabalhador.

Um outro exemplo da relação do atendimento ambulatorial com a Vigilância em


Saúde do Trabalhador, são os casos índices, onde ao mesmo tempo que o médico precisa
de informações, ele gera dados para a vigilância e assim deve-se pautar a rotina de
atendimento da assistência, estruturando-a a partir de um sistema de vigilância atuante.

Nos depoimentos em geral, ao contrário do observado nas questões pertinentes à


assistência, a questão da vigilância se expressou significativamente nos relatos do
engenheiro e técnicos de segurança. Por outro lado, o pessoal da fisioterapia, acupuntura e
homeopatia, demonstraram uma certa dificuldade para discutir a questão da vigilância,
inclusive acrescentando que, por trabalhar somente no atendimento, não têm como avaliar
as outras áreas. Essa situação é reflexo do que os profissionais destas áreas relataram
anteriormente, ou seja, a dificuldade de integração e contato com os profissionais de áreas
que não estão diretamente envolvidos.
Os técnicos de segurança relataram que nas inspeções observam mais o trabalho
repetitivo. Entendem que existem outras questões que perpassam as relações de trabalho,
(como hierarquia, pressão), porém requer a participação de profissionais de outras áreas e
geralmente as inspeções não são realizadas de forma interdisciplinar.

Neste contexto, o psicanalista demonstra interesse em participar das atividades de


inspeções, pois acredita que poderia contribuir com seu conhecimento, ao observar
aspectos do sofrimento humano no processo de trabalho. Da mesma forma, outros
profissionais sugerem a importância de suas disciplinas no estudo das condições e
organização do trabalho, porém pontuam que não existe uma integração da equipe e um
despreendimento dos profissionais para se envolverem com esse tipo de atividade.

A articulação da assistência com a vigilância se constitui geralmente no fato do


médico do trabalho solicitar uma inspeção para verificação de nexo causal; posteriormente,
o técnico de segurança ou engenheiro responsável pela inspeção faz um relatório e anexa
ao prontuário do paciente. Não existe um acompanhamento do caso do início ao fim, na
maioria das vezes, nem diálogo com o médico sobre a demanda e o que foi constatado no
ambiente de trabalho, acarretando assim num trabalho fragmentado, não se discutindo
conjuntamente o encaminhamento dos casos.

Esta situação é apontada pelo engenheiro, como um trabalho de “bombeiro”, pois é


solicitada a inspeção, é feita a visita e se constata o problema. Não existe uma situação a
nível de prevenção e como não se tem um instrumento de notificação a empresa não efetua
as mudanças recomendadas.

Destas questões, podemos inferir a dificuldade de realizar um trabalho integrado,


articulado no Centro de Referência, onde os limites pessoais e técnicos possam ser
superados, para que as LER/DORT sejam abordadas de acordo com o referencial da Saúde
do Trabalhador.

As relações que se estabelecem mais próximas, acontecem entre o serviço social e a


psicologia, com o trabalho de grupo e atividades científicas. Entre a fisioterapia,
acupuntura e medicina do trabalho, existe um contato dos profissionais, no sentido de
indicações de encaminhamento dos pacientes nessas áreas. Uma médica do CRST/ES,
relata que ocorre uma relação do seu trabalho com a fisioterapeuta e o psicanalista, através
de orientações para encaminhamento do paciente. Ainda nesta direção, o médico do
trabalho, enfatiza a importância de uma relação mais estreita, articulada entre o técnico de
segurança, o engenheiro e o médico, pois muitos riscos podem não ser evidenciados numa
mesma empresa, caso não haja esta articulação.

O serviço social é solicitado para várias atividades, mas não participa das atividades
de inspeção, devido a outras atribuições, principalmente na área da assistência. É apontado
como uma área que precisa se articular com a fisioterapia. Os profissionais de serviço
social colocam que seu trabalho tem relação com diversas áreas mas é fragmentado, tendo
em vista que realizam a consulta coletiva, o primeiro atendimento com o paciente e
encaminham o prontuário para o médico, não havendo na maioria das vezes uma discussão
do caso atendido.

Ao direcionarmos a discussão para como o colega do trabalho é visto pelo


profissional, fatos importantes surgiram, como a necessidade de melhorar o
relacionamento, formas diferenciadas de atendimento levando o paciente a não querer ser
atendido por determinado profissional, cumprimento de horário e maior contato entre os
profissionais, independente do setor de atuação. É observado também, que o maior ou
menor envolvimento nas atividades do Centro de Referência está na dependência do
profissional, de sua disponibilidade e também de suas características. Sua forma de se
posicionar, exerce influência na dinâmica do Centro, pois aquele profissional que está
imbuído do desejo de trabalhar em equipe, que busca a troca de conhecimentos favorece
não só a recuperação do paciente como o desencadeamento de atividades que trabalhem na
perspectiva da prevenção da doença.

A coordenadora do Centro especifica a sua percepção quanto à atuação de alguns


profissionais. Explicita a necessidade de uma fisioterapeuta que compreenda a relação da
organização do trabalho com a doença; o serviço social, considera que exerce o papel de
desvelar o mundo do trabalho, no qual os indivíduos se inserem, fazendo uma abordagem
do paciente, que dificilmente será realizada pelo médico do trabalho, com sua formação
clínica voltada para a doença no sentido do diagnóstico; a enfermagem tem um papel
similar ao do serviço social, entre outros. Acrescenta que um trabalho articulado é
importante, pois aproxima essa diversidade de profissionais que existem no Centro de
Referência com leituras diferenciadas da realidade, possibilitando uma compreensão do
processo de adoecimento no trabalho.

Em particular, a coordenadora ressalta a abordagem dos médicos, que é muito


diferenciada. Alguns apresentam uma atenção maior com o paciente, outros se angustiam
com um contato mais próximo com o mesmo, pois trabalham muito com a idéia de só
estabelecer o diagnóstico a partir do momento que as lesões se expressem ou tenha alguma
alteração na imagem radiológica, devido uma falta de compreensão de algumas questões
que envolvem a doença.

Coloca ainda, que existe uma falta de informação, dentro de uma visão ampliada do
processo de adoecimento: a desinformação sobre o contexto econômico, ausência de uma
formação para além da medicina do trabalho. Considera que para atuar nesta área, é preciso
formação política, visão de mundo, para entender o adoecimento de uma classe, e o fato de
não apresentar esta visão, incidirá em entraves, no decorrer da atuação profissional.

Ao se referir à articulação das vertentes de atuação do CRST/ES, a coordenadora,


entende que é necessária, mas não pode ser algo imposto, e sim emergir da necessidade de
um amadurecimento da consciência do profissional, a partir do momento que compreenda,
o seu papel social.

Ressaltamos também, os relatos e as observações realizadas no decorrer da


pesquisa, que nos permitem inferir, que esteja surgindo entre os profissionais
questionamentos a respeito da desarticulação do trabalho, da dificuldade de estabelecer
vínculos, procurando de alguma forma, alternativas, mesmo que no momento sejam
somente a nível do discurso mas que poderão se converter em práticas importantes para a
saúde do trabalhador.
Ainda dentro deste tema da articulação entre as vertentes de atuação, entendemos
que é importante especificar algumas questões relacionadas ao Setor de Informações, que
faz parte da vertente vigilância. Suas atividades consistem, em coletar e processar os dados
das fichas de atendimento ambulatorial, que compõe o SIAMAB e os dados provenientes
das CAT’s. Estas informações são utilizadas no desenvolvimento e planejamento das
atividades do CRST/ES. Neste sentido, alguns apontamentos são destacados.

O setor trabalha com o sistema epidemiológico EPI-INFO, um programa de banco


de dados, através do qual trabalha-se os dados do SIAMAB, utilizando a Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID 10 para
diagnóstico e com o sistema CAT, que é um banco de dados referente às Comunicações de
Acidentes de Trabalho, que são encaminhadas pelo INSS para o Centro de Referência.
Dessa forma, é possível traçar quantitativamente o perfil de atendimento e de acidentes de
trabalho, respaldando as atividades desenvolvidas, tanto de assistência, como de vigilância
e educação em saúde, além de subsidiar estudos científicos.

Existem alguns entraves no funcionamento do setor, devido à falta de recursos


materiais e humanos, pois são poucos funcionários para atender à demanda de atividades
solicitadas, sendo as estatísticas realizadas sem um aprofundamento, podendo incorrer em
erros. O setor funciona com poucos equipamentos e sem suporte técnico da SESA. Os
dados referentes ao atendimento ambulatorial e as CAT’s no período de 1996-1997,
constituem estatísticas distanciadas da realidade, pois muitas informações registradas,
foram perdidas em 1997, devido a um vírus no micro do CRST/ES. Um outro impeditivo,
está relacionado ao fato dos profissionais além de trabalharem nos sistemas de
informações, geralmente atendem também a outras demandas de informática do Centro,
sobrecarregando o setor.

Entre as dificuldades encontradas no setor, constam as referentes ao SIAMAB. Esse


sistema é composto de uma ficha ambulatorial dos usuários, preenchida por vários
profissionais, ou seja, os atendentes, assistentes sociais e médicos, que deixam alguns
campos em branco, ou preenchidos de maneira que dificulta a classificação das variáveis,
prejudicando assim, o cruzamento de dados.
Em relação ao sistema de informação de CAT’s , a principal dificuldade situa na
demora do envio das mesmas por parte do INSS, acontecendo às vezes, o fechamento da
estatística de determinado ano e posteriormente chegarem mais CAT’s. Definiu-se, assim,
o mês de março para a conclusão das estatísticas de cada ano anterior. Um outro
complicador consiste na falta de qualidade das cópias enviadas, dificultando a visualização
dos campos, e também o LEM, que nem sempre é enviado, acarretando a perda de
informações e inviabilizando o registro. Dessa forma, os dados gerados pelo sistema,
diante destas dificuldades, não permitem, ainda, retratar a realidade das doenças
ocupacionais e acidentes de trabalho ocorridos no Estado.

O Setor de Informações, está estruturado a partir de dados quantificáveis como os


provenientes do SIAMAB e CAT’s. As informações relacionadas às inspeções em
ambiente de trabalho, não são registradas em banco de dados, nos impossibilitando de
fazer uma análise dos resultados dessas ações, em relação aos casos de LER/DORT. Os
relatórios de inspeções, implicam basicamente na descrição da atividade desenvolvida pelo
trabalhador, os riscos e em determinados casos, recomendações baseadas nas Normas
Regulamentadoras do Ministério do Trabalho. Não foram constatados registros em relação
aos impactos dessas ações, como também encaminhamentos propostos para a efetivação de
intervenções sobre os processos de trabalho em inspeção.

Diante do exposto, destacamos que apesar de teoricamente ser apontado a


articulação das vertentes de atuação do Centro quais sejam, assistência, vigilância e
educação em saúde – a integração dessas práticas ocorrem de maneira incipiente e pontual.

De acordo com Machado (1996), a Vigilância em Saúde do Trabalhador se


distingue de outras disciplinas no campo das relações entre saúde e trabalho, por
compreender como seu objeto específico a investigação e intervenção do processo de
trabalho, na saúde dos trabalhadores.

Temos clareza que a implantação de ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador,


num sistema de crise financeira e profissional técnico, é um complicador, associado às
discussão das competências institucionais, como foi exposto em alguns depoimentos, em
relação à dificuldade de realizar inspeções sem um instrumento que legitime as ações em
saúde do trabalhador. Segundo Lacaz (1992), os principais entraves para o
desenvolvimento de forma eficaz das ações de vigilância são os fatores relacionados à
legislação, questões metodológicas e de caráter político institucional.

Entendemos que o Centro de Referência ao fazer o diagnóstico de doenças do


trabalho, evidenciando os casos relacionados ao trabalho, favorece a realização do
processo de vigilância. Esses dados provenientes do atendimento ambulatorial, através do
SIAMAB e outras fontes como CAT’s, apontando o caminho da intervenção, juntamente
com a participação dos trabalhadores e o trabalho interdisciplinar da equipe técnica, se
configuram como ponto de partida para a execução de ações e avaliações de impacto à
saúde do trabalhador. Compreendemos assim, que somente através de um trabalho
articulado e sistemático das vertentes de assistência e vigilância, incluindo nesta a
educação em saúde, será possível uma nova forma de enfrentamento do processo
saúde/doença e trabalho.

4.3.4 - ANÁLISE DAS DISCUSSÕES DE GRUPO

Nesta pesquisa trabalhamos com usuários com diagnóstico clinicamente


estabelecido de LER/DORT, que fazem tratamento no CRST/ES, mais precisamente no
grupo Qualidade de Vida, espaço onde seria possível, a partir da ótica do usuário,
compreender a abordagem das LER/DORT empreendida pelo Centro de Referência.

O processo de discussão no grupo apesar de ser um procedimento complementar às


entrevistas, apontou questões centrais, para o desenvolvimento da pesquisa.

O grupo Qualidade de Vida tem tido como objetivo, focalizar discussões a respeito
da relação processo de trabalho, saúde e doença, visando favorecer a exposição de dúvidas,
tanto sobre os aspectos do desenvolvimento do quadro clínico apresentado pelos usuários
do Centro, como em relação as questões trabalhistas e previdenciárias. Deste modo, ao
aglutinar num mesmo espaço indivíduos que compartilham da mesma problemática,
propicia uma reflexão sobre a realidade vivida. Sentimentos que eram antes vivenciados na
perspectiva individual, são ressignificados para, a partir daí, construir formas coletivas de
enfrentamento da doença. Neste sentido, realizar a discussão da abordagem das
LER/DORT empreendida pelo Centro de Referência num grupo com estes objetivos e
propostas se configurava num elemento importante para fins da pesquisa e na alternativa
acessível no momento.

Este trabalho vem sendo desenvolvido no CRST, sob a coordenação de assistentes


sociais e psicólogos, aberto a todos os usuários com diagnóstico ou suspeita de doença
ocupacional, sendo a participação opcional. São realizados de 4 a 5 encontros um a cada
semana, podendo ser ampliado o número de encontros, tendo em vista que apesar de o
trabalho apresentar uma estrutura básica, esta pode sofrer modificações, conforme a
necessidade ou características de cada grupo.

O grupo com o qual trabalhamos em conjunto com a psicóloga, era formado


inicialmente por 10 participantes, sendo que na última reunião compareceram 7 pessoas,
todas tinham diagnóstico confirmado de LER/DORT, com exceção de uma pessoa, pois
seu caso ainda estava em avaliação. Ao todo foram 4 encontros ocorridos em
novembro/2000, com duração de aproximadamente 2 horas cada.

A estrutura básica de temas para discussão no grupo manteve-se, porém,


formulamos questões mais precisas, para focalizar o objetivo da pesquisa, conformando
dados complementares às entrevistas individuais realizadas com os profissionais do
CRST/ES.

O grupo se caracteriza pela presença expressiva de mulheres, sendo somente 1


participante do sexo masculino. A faixa etária, variava entre 35 a 53 anos, residentes nos
municípios de Vitória, Cariacica e Vila Velha, que fazem parte da Região Metropolitana da
Grande Vitória. Os pacientes informaram, que chegaram ao CRST/ES por indicação de
colegas ou parentes próximos, e no grupo Qualidade de Vida, encaminhados pelos
próprios profissionais do Centro de Referência.
A maior parte dos membros do grupo desenvolviam suas atividades laborativas
vinculadas ao setor de serviços, com exceção de 3 participantes que trabalhavam em
indústrias, exercendo as seguintes funções: 1 auxiliar de loja, 1 escrivã de polícia, 1
auxiliar de enfermagem, 1 professora, 1 operadora de máquina, 1 agente administrativo, 1
caixa, 1 auxiliar de secretaria, 1 repositora e 1 costureira. Ressalta-se que uma participante
estava desempregada e anteriormente trabalhou num supermercado, enquanto outra era
aposentada, tendo trabalhado em secretaria de escola.

No que se refere ao tempo de trabalho na função, constatou-se uma variação entre


os membros do grupo. O tempo mínimo foi 2 anos e o máximo 18 anos. Observamos que
os relatos referem-se a um acentuado tempo de exposição na mesma função, como a de
professora, a de agente administrativo e a escrivã, com respectivamente 18, 15 e 13 anos.

Em relação ao tempo de tratamento no Centro de Referência, o período variou,


sendo em média 8 meses, porém existem pessoas com 2 meses e até aproximadamente 5
anos de tratamento. Neste contexto, algumas iniciaram e o interromperam por motivos
múltiplos. A participante que estava em tratamento há 5 anos iniciou seu tratamento no
período no qual ainda não existia o CRST/ES, e sim o PST da Prefeitura de Vitória, que
desenvolvia atividades similares ao CRST/ES.

Deve-se destacar um aspecto que foi observado, no que se refere ao afastamento do


trabalho. Dos 10 participantes do grupo somente 2 estão no exercício da atividade laboral,
que é considerado um facilitador no processo de recuperação, como também para a
participação nas atividades desenvolvidas pelo Centro. Os usuários que estão afastados
com vínculo regido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, tiveram sua doença
comunicada ao INSS através da CAT, os outros enquanto funcionários públicos
estatutários, a notificação da doença ocorre através dos instrumentos próprios dos órgãos
aos quais estão vinculados.

No primeiro encontro, utilizamos uma dinâmica de apresentação no qual as pessoas


falavam o nome, a profissão, como chegou ao Centro, enfim um pouco de sua trajetória de
vida. Solicitamos que escrevessem três qualidades e apresentassem para o grupo. No final
estes papéis foram recolhidos num envelope e cada participante tentaria identificar de
quem eram os atributos ali descritos. Esta dinâmica visava ressaltar a percepção que as
pessoas tinham de si mesma, valorizando suas qualidades. Neste encontro foram ouvidas as
expectativas do grupo e comparadas com as perspectivas de discussões que procurávamos
alcançar. Nesse momento, apresentamos o objetivo da pesquisa e a importância do grupo
neste processo de estudo. Solicitamos autorização para a gravação das reuniões, a qual foi
concedida sendo também discutido e estabelecido acordos para o funcionamento do grupo.

No encontro seguinte discutimos sobre o processo saúde-doença, a concepção de


LER/DORT e sua relação com a organização e condições de trabalho. O terceiro encontro,
realizamos uma reflexão a respeito da abordagem das LER/DORT no CRST/ES e a
culpabilização dos trabalhadores pelo acometimento da patologia. Na última reunião
tratamos das perspectivas e saídas encontradas para lidar com a doença. É importante
esclarecer que os temas definidos com o grupo se entrelaçavam no decorrer dos encontros.

Nas discussões os participantes destacam que a falta de informação a respeito da


doença, desde o aparecimento dos primeiros sinais e sintomas, em muitos casos, implicou
em diagnósticos tardios, agravando um problema que poderia ter sido previsto.

“...há dois anos venho sentindo dor no braço, o médico me dava atestado,
me dava 15 dias e ia para casa. Um dia o médico me falou que eu tinha que
me afastar. Eu falei, só o atestado eu não quero, se você não falar o que eu
tenho”. (S. auxiliar de loja)

“...faz uns 3 anos que sinto dor, só que fui num ortopedista e disse que é
coluna. Tudo tava normal, mas tava doendo”.(D. professora)

“Eu trabalho há 9 anos na B, trabalhava agora estou afastada. Eu ia na


doutora ela me passava remédio e falava que melhorava, passaram 5 anos
eu fui pegar a base conical, para por na máquina, aí deu um estalo no meu
braço, aí desci e fui falar com a doutora, ela falou assim, que era assim
mesmo, eram os tendões que estavam inflamados, mas depois melhoravam,
aí voltei para a seção[...]trabalhando mais 3 anos aí aconteceu de novo né,
fui tirar as espulas da máquina, o mesmo braço[...]aí ela falou bem assim
que eu tinha que continuar trabalhando[...]como eu não tinha mais braço
para operar a máquina eu passei a usar esse braço e esse só auxiliando,
passei a ter problemas nesse. Fui tirar a bobina com esse braço aí não
aguentei mais, aí não aguentava nem movimentar os dedos, aí fui
afastada”. (E. operadora de máquina)

Nos relatos verifica-se, como o direito à informação é desrespeitado, inclusive com


omissão de diagnóstico, compactuado por uma medicina atrelada a lógica patronal. A
desinformação associada à demora na atenção à saúde do trabalhador, repercutiu assim no
agravamento da doença.

Entendemos, que compete aos profissionais envolvidos no atendimento e não


somente médicos, fornecer informações necessárias ao usuário sobre a sua saúde e seus
direitos. Deste modo, Mendes (1995 apud Carloto, 2000), considera que a informação em
saúde é fundamental para a gestão dos serviços no contexto da Saúde do Trabalhador, pela
interface entre o setor saúde, a Previdência Social e as lutas dos trabalhadores pela
transformação dos ambientes de trabalho, assegurando mais vida e saúde.

Nesta contexto, o Centro de Referência é compreendido pelos participantes neste


caminho percorrido, como um local que desvelou sua dor e sofrimento, através do
diagnóstico de LER/DORT. Assim como os encaminhamentos necessários para o registro
da doença, através da solicitação da CAT, as orientações e informações a respeito do
tratamento da doença.

“Eu aceitei o tratamento porque ela me deu um atestado e um laudo. Iniciei


o tratamento, pois foi o único lugar que falou para mim o que eu tinha e que
sempre que eu preciso, sabe, eu sou bem atendida...”
(S. auxiliar de loja)

Ao relacionar este depoimento com o anterior, da operadora de máquina, nos


remete a um relato de um médico no momento da entrevista, quando coloca a liberdade
que o profissional no Centro de Referência tem de explicitar claramente para o paciente
seu diagnóstico, diferente da ótica da empresa privada, onde existem vários complicadores
para a explicitação do nexo causal da doença para o funcionário que está atendendo.

Todas essas observações nos fazem refletir a respeito da importância da abordagem


das LER/DORT no Centro de Referência, devido ao seu papel na veiculação de
informação, como também da notificação de casos novos. Ao observar a demora na
atenção dentro da empresa, acentuando o quadro clínico da doença, refletimos acerca da
necessidade de uma atuação mais ativa, através da articulação com entidades sindicais e
outras parcerias, para a prevenção da doença e divulgação das atividades do Centro,
referenciando casos para atendimento. Esta atuação conjunta contribuirá efetivamente para
as ações de vigilância que, através da busca ativa, poderá identificar possíveis casos da
doença, assim como, efetuar ações nos ambientes de trabalho, possibilitando a preservação
da saúde do trabalhador.

Em certos momentos, alguns trabalhadores enfatizam a importância do afastamento


do trabalho, para que possam fazer o tratamento no CRST/ES, devido à dificuldade de
liberação da empresa para o trabalhador se ausentar durante o período de trabalho.

“Comecei a fazer o tratamento aqui, aí a encarregada falou que não pode


ficar saindo, que eu estava prejudicando. Eu só retornei depois que me
afastei de novo”. (E. operadora de máquina)

“Todo tempo que tive que trabalhar tive afastada daqui, porque eu não
tinha tempo para fazer dentro do horário do serviço a fisioterapia”.
(R. escrivã de polícia)

Por outro lado, o afastamento é temido, devido à discriminação que sofrem ao


voltar a desempenhar suas atividades laborais. O preconceito, a cobrança das pessoas que
desacreditam na doença e mesmo as brincadeiras, constantemente percebidas nas relações
de trabalho e pessoais, reforçam no trabalhador acometido de LER/DORT, o sentimento de
culpa, humilhação, marginalização, preferindo se sujeitar a um trabalho que acelera seu
processo de adoecimento do que o afastamento do mesmo.

“Eu não queria me afastar, eu vi as pessoas que estavam com esse


problema, eram muito discriminadas. A lerdeza tá chorando, colocam
apelido. É uma dor escondida você não pode falar...”(E. operadora de
máquina)

Os participantes do grupo, ao descreverem, a sua forma de agir e se envolver com o


trabalho, ressaltam a dedicação, a submissão à pressão no trabalho, o empenho, como
formas de garantia do emprego, de contribuição com a empresa ou instituição, à qual estão
vinculados, visando a continuidade do trabalho.

De acordo com Dejours (1999) os trabalhadores se submetem a condições de


trabalho precarizadas, sem a existência de um movimento coletivo de luta contra esta
situação de trabalho, devido o surgimento do medo. Estes temem as demissões e
continuam a trabalhar mesmo estando doentes e enquanto possuem condições para
exercerem suas atividades laborais.

Diante destas observações, uma questão surge. Será as LER/DORT uma doença do
medo ou agravadas pelo mesmo? Desta forma alguns depoimentos são exemplares:

“Tinha dificuldade de procurar médicos, já sentia os sintomas, mas com


medo de perder o emprego, foi preciso uma amiga marcar a consulta pra
mim”. (S. auxiliar de loja)

“Era para trabalhar na máquina duas pessoas, e eu tava sozinha, eu tinha


que dar tudo de mim, ou então ia para a rua...”(E. operadora de máquina)

“Sou obrigada a fazer hora extra, obrigada a trabalhar 3 meses, 4 meses


sem folga”.(E. operadora de máquina)

“...com o afastamento de alguns funcionários eu também tive que dobrar o


meu serviço...aí eu fui levando e com isso dando prosseguimento ao meu
trabalho, tava sentindo dores...”( A . caixa)

Uma outra questão que apontamos nestes relatos, refere-se às características dos
trabalhadores que são mencionadas na relação com o trabalho. Essa total disposição para o
trabalho se reverte em proveito da própria organização do trabalho, que utiliza a pressão, a
valorização de tais atributos, como qualidades em relação ao comportamento de outros
trabalhadores, alcançando assim mais facilmente seus objetivos.

Deste modo, consideramos que a manipulação da gerência através da ameaça de


precarização, associada à concorrência entre os trabalhadores pela busca de emprego,
intensificam o trabalho. Sendo assim, os trabalhadores vivem constantemente com medo
de uma possível demissão, apresentando diversos tipos de condutas, favorecedoras da
produção. Neste sentido, ressalta Dejours (1999: 52) que o “medo é permanente e gera
condutas de obediência e até de submissão. Quebra a reciprocidade entre os
trabalhadores, desliga o sujeito do sofrimento do outro, que também padece, no entanto, a
mesma situação.”

Temos conhecimento e os depoimentos reforçam o pressuposto, que o surgimento e


agravamento da doença está relacionado a atual conjuntura sócio-econômica, que
privilegia o desenvolvimento da exploração da força de trabalho, onde os trabalhadores
tentam manter-se no mercado, mesmo que submetidos a serviços precários, sendo as
LER/DORT um dos seus reflexos diretos, principalmente nos setores de produção
industrial e serviços.

Um outro aspecto comum que permeia a fala dos trabalhadores, é quanto ao


processo de afastamento e retorno ao trabalho. O afastamento propiciou, uma maior
disponibilidade para o tratamento, apesar de pretenderem retornar ao trabalho. Entretanto,
o retorno se constituiu num processo angustiante, devido a situação de desvio de função,
como se observa nestes relatos.

“O meu desvio de função eu fui jogada numa sala onde guardava armas do
crime, tem duas portas gradeadas eu era mais guardada que um ladrão,
entendeu? Ali eu era mandada pelos peritos, recebia todas as armas
pesadas, catalogava, coloca nos armários altos. Esse desvio de função foi
isso, eu saí do meu lugar onde eu tinha autonomia e fui jogada nos cantos
da polícia[...]Sou escrivã de polícia, fui jogada, agora sou office-boy, nem
isso”.(R. escrivã de polícia)

“Quando eu voltei, aí foi pior, voltei pelo desvio de função onde estou até
hoje, vai fazer um ano. Só que nessa escola eu sou vaquinha de presépio, eu
não pego mais nada, então é assim, precisa de um copo d`água, aí eu vou lá
pego um copo d´água e levo. A professora precisa ir no banheiro D, fica lá
em pé na sala, isso não dói a mão. Hoje eu tô numa situação que eu não sei
o que eu faço da minha vida....”
(D. professora)

Estes relatos demostram a problemática da readaptação ao trabalho, principalmente


em relação ao servidor público. De acordo com o Regime Jurídico Único - RJU, quando
um funcionário está incapacitado, física ou mentalmente para desenvolver as atividades
que são de sua competência, é assegurado a ele o direito a ser readaptado em funções
compatíveis com as suas limitações e em atividades correlatas às que exercia anteriormente
(Nunes, 1998).

O processo de readaptação no setor público é diferente do setor privado, não tendo


nenhum tipo de atenção nesta área, pois não conta, como na iniciativa privada, com a
assistência do INSS. Esta também merece ressalvas no serviço prestado, devido não
realizar atividades que realmente atendam aos interesses do trabalhador e sim atuar
enquanto um órgão segurador, que em última instância objetiva a redução dos “benefícios”
de seus segurados.

A readaptação deve ser entendida no contexto da crise capitalista na sociedade


contemporânea, da qual a reestrutução produtiva e o neoliberalismo são expressão,
desencadeando conseqüências para o mundo do trabalho. Do trabalhador em processo de
readaptação é exigido uma adequação a situações de trabalho, onde a desqualificação
profissional, perda de autonomia, a descrença na doença, são constantemente observados.

Desta forma, a readaptação significa não só a limitação física, que dificulta ou


impossibilita o exercício da atividade, mas como um retrocesso para os trabalhadores
devido à perda do reconhecimento profissional ao assumirem funções menos valorizadas
social e institucionalmente, conforme apresentado nos relatos. Essa situação de reinserção
no trabalho, desencadeia sentimentos de inutilidade e angústia, repercutindo negativamente
na recuperação do trabalhador.

Nos casos apresentados, a readaptação, se assim pode ser designada, se configurou


num processo de desvio de função extremamente degradante, tanto no sentido profissional
como pessoal. As posturas evidenciadas sugerem práticas institucionais que vão
engendrando sentimentos de marginalização e humilhação, devido à incapacidade
adquirida através do adoecimento. Verificamos assim, a ausência de políticas de
readaptação por parte dos órgãos públicos, para os servidores portadores de doenças do
trabalho, relegando-os às atividades que não possibilitarão o desenvolvimento de seu
potencial, pois entendemos que, apesar das limitações impostas pela doença, este
profissionais continuam sendo produtivos em outras atividades.

Diante destas questões, destacamos a urgência da discussão do processo de retorno


ao trabalho dos usuários que se encontram em tratamento no CRST/ES. Considerando que
a readaptação tem surgido como um grave problema, principalmente no setor de serviços,
de onde se origina a maior parte da demanda dos casos de LER/DORT atendidos no Centro
e, mais especificamente, do setor público, entendemos que esta questão necessita de ser
avaliada, tanto no âmbito das atividades do Centro, como através da realização de uma
articulação sistemática com sindicatos e instituições voltadas para a Saúde do Trabalhador,
objetivando uma melhor e adequada reinserção profissional.

A integração interinstitucional nos serviços de saúde é uma possibilidade apontada,


não somente para a readaptação profissional, como para a recolocação no mercado do
portador de LER/DORT, que se encontra desempregado ou na eminência do desemprego,
devido sua situação de incapacidade, numa sociedade competitiva onde são considerados
improdutivos.

Seligmann-Silva (1997), ao discutir a relação do desemprego prolongado com a


saúde psicossocial, sugere esta integração intersetorial, como possibilidade para a
superação da situação de desemprego, que repercute no rompimento de laços de
sociabilidade e em desgaste da saúde dos desempregados.

Discorrendo ainda sobre o retorno ao trabalho, um aspecto relevante são os relatos


de usuários, que após um período de afastamento, ou os que estão em atividade, apesar do
laudo emitido pelo Centro de Referência sobre a doença, continuam exercendo a mesma
função, sem nenhuma alteração no processo de organização do trabalho.

A esta assertiva, relacionamos os dados do levantamento quantitativo realizado, nos


quais constatamos que (56,1%) dos casos de LER/DORT atendidos no Centro não estão
afastados do trabalho, continuando no exercício de suas atividades laborais.
Nesta direção, assinalamos a importância do atendimento ao trabalhador no Centro
estar associada à Vigilância em Saúde do Trabalhador, pois o tratamento não implicará em
resultados se não houver mudança nas condições e relações de trabalho.

“...eu não tenho movimento nos braços mais[...]continuei com a mesma


coisa, máquina, não mudou mesmo”.(E. operadora de máquina)

No que diz respeito especificamente ao processo de recuperação da doença, os


trabalhadores fazem referência ao tratamento fisioterápico, principalmente em relação à
dificuldade de vagas, como também, a incompabilidade de horário do trabalho, com o
atendimento. Desta maneira, muitos acabam fazendo a fisioterapia através de convênios,
com anuência dos profissionais do Centro.

Portanto, se partimos do pressuposto que a abordagem das LER/DORT, no Centro


de Referência, tem um diferencial em relação às práticas desenvolvidas nos serviços
privados de saúde e em função disso, a fisioterapia, ao ser realizada no Centro, pode
contribuir para um repensar da doença, através da intervenção em conjunto com outros
profissionais, conforme explicitado pela fisioterapeuta, como um momento de “escuta do
paciente”. É sugestivo então, diante do exposto, que sejam realizados esforços para que os
usuários tenham acesso a este tipo de tratamento no próprio Centro.

Uma outra questão que emergiu no grupo, refere-se à solicitação de exames, como
um processo gerador de estresse no trabalhador.

“...marquei a ultrassonografia, tem mais de um mês[...]eu já tô estressada


esperando eles me ligar, que eles falaram que vão me ligar, pra mim fazer a
ultrassonografia, eu tô estressada porque se eu tivesse dinheiro eu já teria
feito[...]acho que isso tudo faz muito mal à saúde da gente, né.”(A .
costureira)

Nesta direção, encontramos na pesquisa de Carloto (2000) apontamentos sobre está


questão da solicitação de exames pelo médico, pois fica subentendido para os
trabalhadores, que é através deles, que se vai provar a concretude de suas queixas e
sintomas, relacionadas ao trabalho. Por outro lado, existe uma cultura instituída que a
conduta médica boa é a que solicita exames complementares para o diagnóstico preciso. A
angústia e ansiedade nos trabalhadores vão ocorrer principalmente quando os profissionais
da empresa ou INSS se negam a reconhecer a doença através do exame clínico.
Acrescenta-se a este fato, como foi exposto no relato, a dificuldade para a realização de
exames na rede pública, como também o impedimento de não possuir recursos financeiros
para custeá-los.

Em relação ao tratamento, os pacientes que participaram do grupo, em sua maioria,


passaram pelas atividades terapêuticas periodicamente no Centro de Referência, com
exceção da acupuntura. Desta forma, suas considerações a respeito da abordagem das
LER/DORT, nos permitiu compreender, a partir do olhar dos usuários, a relevância do
Centro, neste caminho de busca para o enfrentamento da doença.

Ao longo destas considerações, constatamos as seguintes referências em relação a


abordagem das LER/DORT, desenvolvida pelo Centro.

“Eu estava afastada, mas eu voltei prá cá, mesmo porque eu sinto
segurança, eu vou num médico mas o médico não me apresenta[...]um
apoio nenhum, aí eu voltei para cá, porque eu sei que aqui tem todo o
pessoal qualificado[...]o tratamento de vocês me transmite segurança,
força[...] vocês tem conhecimento de todo o ângulo do nosso problema, o
familiar, o profissional, o físico, entendeu, você vai num médico comum, ele
não tem essa visão...”(R. escrivã de polícia)

“O Centro de Referência, é uma referência que eu tenho quando eu me


sentir sozinha, eu me sentir dando murro em ponta de faca sozinha, aqui
tem pessoas que podem caminhar comigo...”(R. escrivã de polícia)

“O primeiro bloqueio foi péssimo[...] minhas dores aumentaram, foi pelo


convênio, aí como a médica quis saber, como tinha sido[...] quando eu falei
para ela como tinha sido o bloqueio, ela olhou para mim e disse que não
queria que eu fizesse com ele entendeu[...] eu não discuto quando ela fala
não, depois do segundo bloqueio agora que eu não discuto mais, o segundo
bloqueio foi com o médico daqui, aí você me pergunta, você fez aqui? Não,
eu fiz com o médico daqui pelo plano, tá, mas o tratamento do médico daqui
foi completamente diferente...”(S. auxiliar de loja)

“Tem me ajudado muito a entender a doença[...] lá em casa eu sou sozinha


para fazer as coisas, então eu sei como fazer, começo a fazer uma coisa
devagar então começa a doer, eu dou uma parada...”(D. professora)
“O grupo ajudou e muito, tanto que eu já não penso que a doença é da
minha cabeça, porque no ouvir as colegas e vocês falar, eu já estou
aprendendo a perceber os sintomas da doença...”(D. professora)

Estes relatos informam, que o Centro de Referência representa um espaço de apoio,


suporte, onde vivências solitárias da doença são ressignificadas, através das atividades
desenvolvidas e principalmente dos grupos. Permitindo ainda, informações sobre a doença,
melhoria no relacionamento familiar, além de formas de prevenção para que não ocorra
progressão do quadro clínico. Apontam como um local especializado, devido à
qualificação dos profissionais e a postura diferenciada que desenvolvem no atendimento
dos pacientes, ao procurarem fazer uma abordagem biopsicossocial.

Cumpre porém situar, as diferentes saídas encontradas para enfrentar a doença.


Observa-se por um lado, uma mudança de postura para aqueles que pretendem retornar ao
trabalho, ao se posicionarem que seus limites sejam respeitados e outras perspectivas de
trabalhar em atividades distintas das quais exerciam ou mesmo apontando a perspectiva de
continuarem os estudos.

No entanto percebemos nos participantes do grupo, a falta de clareza quanto aos


fatores determinantes da doença, sendo a culpabilização muito presente nos depoimentos.
Inclusive, esta situação foi observada em pesssoas, que já passaram pelas alternativas
terapêuticas, que também visam a discussão desses fatores, principalmente a organização
do trabalho.

“...a culpa é minha, no final do ano quem trabalha no comércio, tem que
trabalhar com vontade.. Eu fiquei porque eu quis, não sou obrigada”.
(S. auxiliar de loja)

Mais adiante, num outro encontro, esta participante assim relata.

“...eu achava que o jeito que eu trabalhava era certo, na medida que eu
converso com vocês aqui, que eu falo tudo, que eu vejo, que não é como eu
pensava né, é mas você gosta do que você faz, gosto, mas eu tenho que
gostar de mim também, talvez se eu tivesse tomado os cuidados eu não
estaria com o braço estragado, entendeu?” (S. auxiliar de loja)
Percebe-se que em determinado momento houve uma mudança na forma de pensar
e de agir em relação às LER/DORT, porém continua atribuindo a si o acometimento da
doença.

Entendemos que a compreensão das LER/DORT e da ideologia de culpabilização


imputada ao indivíduo, está relacionada ao processo de organização do trabalho. Podemos
dizer neste contexto, que a “culpa” precisa ser analisada com mais profundidade, pois esta
pode ser entendida como uma forma de defesa frente a um sofrimento que nos remete para
a análise da Psicodinâmica do Trabalho.

Neste ponto, nos parece que a abordagem das LER/DORT, nas atividades
desenvolvidas no Centro, como nos grupos de Qualidade de Vida, possibilitam
informações, o resgate da auto-estima, a busca de saídas; mas, tais atividades poderiam ser
potencializadas, através de um trabalho integrado entre os profissionais, assim como,
através de ações que antecedam o surgimento da doença. É fundamental que se ultrapasse a
perspectiva da assistência através de um envolvimento maior da equipe em ações de
prevenção e promoção da saúde do trabalhador. Deste modo, o Centro de Referência ao
desenvolver um trabalho articulado, visando redirecionar suas ações, não somente no
âmbito da assistência como necessariamente para à prevenção, poderá contribuir para que
o trabalhador se situe como sujeito neste processo, compreendendo o real significado das
LER/DORT no mundo do trabalho, e assim, elaborando formas de defesa contra o
adoecimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para compreender a abordagem de determinadas formas de adoecimento, é preciso


contextualizar seu surgimento. As LER/DORT são características de sociedades
industrializadas, que submetem os trabalhadores a condições e ambientes inadequados de
trabalho. No Brasil, o processo de industrialização ocorreu tardiamente, se conformando
num país de economia periférica, onde os efeitos do processo de acumulação flexível
aparecem distintos e contraditórios em relação aos países centrais. Nestes, os impactos
advindos desse processo, não tem sido tão perversos, pois os direitos sociais e trabalhistas
já estavam institucionalizados.

Numa sociedade excludente, como a brasileira, que apresenta uma grave crise
econômica e social, marcada por baixos salários e concentração de renda, onde os direitos
sociais não são exercidos, este conjunto de situações manifesta-se de imediato, na vida e na
saúde dos trabalhadores, gerando processos de adoecimento.

Para a compreensão do adoecimento nos processos de produção é preciso ressaltar


que a doença sempre foi uma preocupação do Estado e da sociedade, desde sua etapa
mercantilista à industrialização, tendo em vista o controle de quaisquer processos que
dificultassem o crescimento econômico. Haja visto, o surgimento da Medicina do Trabalho
e da Saúde Ocupacional como explicitamos anteriormente. Contudo, percebe-se que a
preocupação não se centrava na saúde do trabalhador de uma forma ampliada, mas sim na
sua recuperação para o processo produtivo.

A partir das décadas de 80 e 90, com as novas formas de organização do trabalho,


quais sejam, o toyotismo e a acumulação flexível que se constituem numa etapa avançada
de exploração do trabalhador, agravam-se as condições de vida e saúde dos trabalhadores.
Na medida em que aumenta o uso da mão-de-obra em tempo parcial, temporário, ou
subcontratado, diminuem-se os salários, aumenta-se o desemprego, sendo as questões
referentes à saúde do trabalhador minimizadas.

Diante da atual conjuntura sócio-econômica que privilegia o desenvolvimento de


exploração da força de trabalho, os trabalhadores tentam se manter no mercado de
trabalho, ainda que para que isso tenham que se submeter a serviços precarizados, tanto em
relação às condições de trabalho, quanto à perda dos direitos sociais, o que favorece
efetivamente o processo de adoecimento.

A qualidade de vida e a saúde da população é marcada por todo esse processo de


reestruturação produtiva e flexibilização das relações de trabalho, que intensificam o
desgaste dos trabalhadores. A introdução de novas formas de gestão da força do trabalho,
imprime a necessidade da qualidade no produto e aumenta a produtividade, ocasionando
riscos e agravos à saúde do trabalhador, tais como as LER /DORT que têm apresentado um
crescimento acentuado nas estatísticas do INSS e Serviços de Saúde do Trabalhador.

Deste modo, entendendo as LER/DORT, a partir do enfoque da produção da doença


no contexto da organização do trabalho, buscamos realizar o estudo acerca da abordagem
da doença no CRST/ES, pelo fato deste representar uma porta de entrada dos
trabalhadores com queixas de doenças relacionadas ao trabalho, dentro do sistema público
de saúde, se constituindo numa fonte de dados considerável sobre a abordagem de
LER/DORT no Estado.

Os dados que obtivemos no levantamento quantitativo da pesquisa, nos permitem


perceber a magnitude do problema a ser enfrentado na atual conjuntura. Apesar de não
representarem dados de incidência ou prevalência na população trabalhadora do Estado,
mostram uma situação cada vez mais agravante do quadro de LER/DORT.

Os dados do SIAMAB/99, além de demonstrarem o perfil dos usuários portadores


de LER/DORT no CRST/ES, informando a relevância da doença no mesmo, apontam
também, que o Sistema de Informações está estruturado no quantitativo de atendimentos,
não apresentando uma relação com as ações de vigilância e educação em saúde decorrentes
destes. Revela-se assim, não só, uma dificuldade de articulação das vertentes de atuação,
como à necessidade de uma atuação na perspectiva de prevenção. Mesmo porque é
possível deduzir, que essa procura de atendimento dos usuários com queixas de
LER/DORT no Centro de Referência, pode estar associada à dificuldade de conviver com a
doença cotidianamente, buscando a única saída acessível, que compreende o tratamento e a
assistência proporcionados pelo Centro.

Ao nos reportarmos ao grupo de discussões, percebemos nas falas das participantes


que o Centro é entendido como um espaço de apoio, solidariedade, e que as atividades
possibilitam, informações e a busca de saídas para o problema, porém, a dificuldade de
realização de atividades integradas, impede que este tipo de discussão perpasse todas as
vertentes de atuação do Centro e que favoreça meios ao usuário de se situar enquanto um
sujeito capaz de mudanças, para uma melhor qualidade de vida e trabalho.

Desta maneira, ao chegar ao final deste trabalho, entendemos que grande parte do
olhar e do intervir na questão das LER/DORT é fortemente influenciado pelo modelo
biologicista, conforme a própria legislação que regulamenta o nexo da doença, diagnóstico
e tratamento. Sabemos que o olhar e o intervir em maior ou menor grau acabam sendo
reproduzido nos CRST’s. Deste modo, constatamos que esta temática não se esgota nesta
pesquisa, não sendo esta também nossa pretensão. Entendemos que existem lacunas que
poderão ser preenchidas em estudos posteriores.

Assim, acreditamos que as principais contribuições desta pesquisa para o CRST/ES,


consiste: no desvelar das diferentes leituras e abordagens em relação às LER/DORT e o
contexto onde se inserem, apontando para a necessidade de superação do olhar
fragmentado da doença, buscando incorporar a organização do trabalho nas ações de
atenção à saúde do trabalhador; na necessidade de avançar nas ações de promoção e
prevenção à saúde do trabalhador, procurando uma intervenção concreta na relação
saúde/trabalho, através de ações de vigilância e educação em saúde.

Para encerrar estas considerações, conforme o observado e os depoimentos


demonstraram, a uniformidade da assistência aos portadores de LER/DORT é um desafio,
assim como, a intervenção ativa nos ambientes de trabalho visando a prevenção da saúde e
a readaptação social dos trabalhadores.
Os depoimentos sugerem que existem limites nas ações desenvolvidas no CRST/ES
que necessitam ser discutidos pelos profissionais. Temos entendimento que a limitação
maior está dada pela ausência de ações de promoção e prevenção da saúde – uma atuação
anterior à instalação da doença. As ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador,
precisam ser fortalecidas através do envolvimento dos profissionais e da realização de
parcerias com sindicatos e instituições relacionadas à área, buscando à prevenção e
promoção da saúde do trabalhador.

A Vigilância em Saúde do Trabalhador calcada na ergonomia e na psicodinâmica


principalmente, permite entender o processo de culpabilização apontado nos depoimentos,
compreendendo como os trabalhadores se auto aceleram, como se submetem às pressões
da organização do trabalho. Sabe-se que o trabalho exige das pessoas e estas por sua vez,
enfrentam sofrimentos e medos cotidianamente para permanecerem no mesmo. A
precarização do trabalho acarreta efeitos na saúde do trabalhador, aumentando o seu
sofrimento. A “culpa” mencionada, pode significar uma forma de percepção da
participação do trabalhador no processo de adoecimento no trabalho. Isto nos leva a pensar
que a Psicodinâmica do Trabalho parece central para contribuir no sentido da produção de
estratégias de defesa. Uma outra questão importante para a atuação da vigilância, seria a
utilização de instrumentos para o levantamento das condições de trabalho na empresa,
significando um fato importante para à melhoria das condições e organização do trabalho.

Enfim, temos clareza que o fio condutor da prática em Saúde do Trabalhador, é a


superação da atuação fragmentada e direcionada para a assistência buscando a construção
de ações voltadas para a prevenção e promoção da saúde, intervindo nas causas e
conseqüências dos fatores desencadeantes das LER/DORT. Sabemos que construir a
unidade a partir da diversidade, é um desafio que precisamos enfrentar. Entender a
diversidade de saberes que permeiam a prática institucional no CRST/ES é necessário para
que se construa um novo pensar e um novo agir em Saúde do Trabalhador.
Identificação e avaliação de riscos profissionais:
Importância de uma gestão eficaz do programa de prevenção∗

Resumo: O presente trabalho foca as transformações ocorridas no mundo do trabalho,


fruto da introdução de novas tecnologias e de novas formas de organização do trabalho, e
as suas repercussões nos riscos profissionais. As empresas, para fazerem face a essas
transformações e se tornarem competitivas num mercado global, melhorarem a qualidade
do trabalho e o bem-estar dos trabalhadores, terão de desenvolver eficazmente o
programa de prevenção de riscos profissionais, motivando e influenciando todos os
actores a participarem activamente nesse programa.

Introdução
Os recursos humanos constituem a maior riqueza de qualquer sociedade, justificando-se,
por isso, as preocupações que se têm desenvolvido em torno da segurança, higiene e
saúde no trabalho (SHST) e a importância crescente que vem sendo atribuída à
prevenção de riscos profissionais.
Pese embora todas estas preocupações, bem como uma maior sensibilização, na
última década, para as questões da SHST por parte de empregadores, trabalhadores e
população em geral, as estatísticas sobre a sinistralidade laboral em Portugal continuam a
revelar níveis elevados de acidentes de trabalho e de doenças profissionais. Nesse sentido,
justifica-se a incidência deste trabalho sobre uma gestão eficaz do programa de prevenção,
nomeadamente ao nível da identificação e avaliação de riscos profissionais, não
descurando, no entanto, todas as outras etapas que fazem parte do programa de prevenção.
Assim, o presente trabalho será dividido em três secções. Na primeira secção,
denominada “consciencialização e reconhecimento dos riscos profissionais”, serão
abordadas, em primeiro lugar, as noções de perigo, risco, prevenção, acidente de
trabalho e doença profissional, de forma a abarcarmos as diversas matérias que fazem
parte do tema escolhido. Posteriormente, abordar-se-á a importância da prevenção e da
cultura de prevenção, contribuindo esta para a redução da sinistralidade laboral, o
aumento da competitividade das empresas e do bem-estar dos trabalhadores. Tal como a
cultura de prevenção, também a formação, informação, consulta e participação dos
trabalhadores terão implicações ao nível da produtividade das empresas e da melhoria
da qualidade de vida e de trabalho dos cidadãos. No entanto, estes objectivos só serão
alcançados, atingindo-se níveis eficazes de segurança, saúde e bem-estar no trabalho,
através do envolvimento e da participação de todos os actores no processo de prevenção
de riscos profissionais, pelo que se torna necessário proceder ao desenvolvimento de
competências e de atitudes. É com base nestes pressupostos que, no ponto três da
primeira secção, será elencado o papel atribuído a cada um dos vários actores.
Por último, será feita uma abordagem à globalização dos mercados de trabalho e
aos vários constrangimentos que se colocam às empresas, fruto das alterações
introduzidas pelas novas tecnologias e pelas novas formas de organização do trabalho, o
que terá repercussões na segurança e na saúde dos trabalhadores.
Na segunda secção, dedicada à implementação da prevenção e consequências da
sua não observação, será feito o enquadramento legal da SHST, tendo presente os
normativos internacionais, europeus e nacionais. Posteriormente, serão desenvolvidas as
várias etapas a percorrer no processo de prevenção de riscos profissionais, desde a
definição dos objectivos a alcançar, passando pela avaliação de riscos e implementação
das medidas preventivas, até chegar à avaliação, correcção e desenvolvimento do
programa de prevenção. Finalmente, será feita referência, ainda que breve, às
consequências em caso de inobservância das normas de SHST, por parte do
empregador, do trabalhador ou de terceiras pessoas.
Na terceira secção, dedicada às atribuições e competências da Inspecção-Geral do
Trabalho (IGT),1 será feita uma abordagem à missão da IGT e, a terminar, dar-se-á
relevo ao papel da IGT na prevenção de riscos profissionais e na diminuição dos
acidentes de trabalho.
1. Consciencialização e reconhecimento dos riscos profissionais

1.1. Noções enquadradoras em matéria de SHST


Antes de mais, urge clarificar alguns conceitos relacionados com as questões de SHST,
nomeadamente os conceitos de perigo, risco, prevenção, acidente de trabalho e doença
profissional, usados pelos vários actores do mundo do trabalho, nomeadamente quando
procedem ao planeamento e implementação do programa de prevenção de riscos
profissionais ou quando ocorre um dano na saúde e segurança dos trabalhadores.

1.1.1. Conceitos usados aquando da identificação, avaliação e gestão de riscos


A avaliação de riscos profissionais consiste, essencialmente, na observação e análise de
todos os aspectos relacionados com o trabalho (edifícios, instalações, locais,
equipamentos, máquinas, processo produtivo, postos de trabalho,...), tendo em vista
determinar o que poderá provocar danos para a segurança e a saúde dos trabalhadores.
Nesse sentido, torna-se importante clarificar alguns conceitos chave.
De acordo com a definição apresentada por Miguel (2004: 42), considera-se perigo
a “fonte ou situação com um potencial para o dano em termos de lesões ou ferimentos
para o corpo humano ou de danos para a saúde, ou de danos para o ambiente do local de
trabalho, ou uma combinação destes”. Simplificando o conceito, e na mesma linha de
orientação defendida pela OIT (2002) e pela Comissão Europeia (1997), podemos dizer
que perigo é a propriedade de uma coisa (por exemplo, máquina, equipamento, método
de trabalho) potencialmente causadora de lesões ou danos para a saúde das pessoas.
Estes danos correspondem às doenças, ferimentos, contusões ou outras lesões sofridas
pelos trabalhadores, devido ao trabalho e durante o trabalho (IDICT, 1997).
No que respeita ao conceito de risco, Cabral e Roxo (2000: 49) definem-no como
sendo a “possibilidade de um trabalhador sofrer um dano na sua saúde ou integridade
física provocado pelo trabalho”. Assim, enquanto o perigo se identifica, o risco
avalia-se, mede-se, calcula-se, devendo quantificar-se através da conjugação da
probabilidade de ocorrência de um fenómeno perigoso e da gravidade das lesões ou
danos para a saúde que esse fenómeno possa causar.
A protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores depende, então, do processo
de identificação dos perigos e de avaliação dos riscos, pois só após esta fase a entidade
empregadora estará em condições de limitar os efeitos dos riscos, estabelecendo
prioridades, escolhendo, protegendo e adoptando adequadas medidas de prevenção.
Por prevenção devemos entender a acção de evitar ou diminuir os riscos
profissionais através da adopção de um conjunto de medidas,2 nomeadamente redução
da intensidade, redução da probabilidade do encontro entre o homem e o perigo,
redução das consequências desse confronto, procurando, ainda, reparar as falhas, as
anomalias ou as insuficiências dos dispositivos técnicos, das instalações ou dos modos
operatórios relativamente aos dispositivos regulamentares (Barreiros, 2001). Estas
medidas devem ser tomadas logo na fase da concepção das instalações, dos
equipamentos, das matérias-primas e da organização do trabalho, tendo por objectivo
evitar o risco, designando-se, então, por prevenção integrada, em todas as fases da
actividade da empresa, por forma a reduzir os efeitos do risco, também designada por
prevenção correctiva ou aditiva.

1.1.2. Conceitos usados aquando da ocorrência do dano


O conceito de acidente de trabalho vem contemplado no regime jurídico dos acidentes
de trabalho e das doenças profissionais – Lei 100/97, de 13-09, doravante designada por
LAT, mais concretamente no nº 1 do artº 6º. Na mesma linha de pensamento,
Chiavenato (1998: 120) define-o como “decorrente do trabalho, provocando, directa ou
indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença que determine a morte,
a perda total ou parcial permanente ou temporária da capacidade para o trabalho”.
Também Carvalho (2005a: 80) se refere ao conceito de acidente de trabalho, afirmando
ser “caracterizado por uma acção súbita e violenta de uma causa exterior, que provoca
uma lesão no organismo humano, seja ela física ou psíquica, profunda ou superficial,
aparente ou não, interna ou externa. O que importa é que o acidente ocorra no local e no
tempo de trabalho”.
Tal como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), de 18-01-95, a
noção de acidente de trabalho implica três elementos: um elemento espacial (o local de
trabalho), um elemento temporal (o tempo de trabalho) e um elemento causal (o nexo de
causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação ou doença). No entanto, nem sempre
estes três elementos andam associados ou se verificam cumulativamente. Com efeito, o
conceito de acidente de trabalho não se restringe ao local e ao tempo de trabalho,
considerando-se também acidente de trabalho o ocorrido nas circunstâncias previstas no
nº 2 do artº 6º da LAT. Há casos, ainda, em que os acidentes, pese embora ocorram no
local e no tempo de trabalho, não dão lugar a reparação, sendo disso exemplo os
acidentes previstos no artº 7º da LAT.
Recentemente, com a publicação do Código do Trabalho (CT), Lei 99/2003, de
27-08, algumas matérias sobre SHST passaram a fazer parte deste diploma legal,
destacando-se, de entre elas, o Capítulo V, nomeadamente o artº 284º, onde vem
definido o conceito de acidente de trabalho. Para Carvalho (2005b), uma inovação
relevante no CT é a respeitante ao conceito de acidente de trabalho, pois substituiu-se o
conceito do artº 6º da LAT por uma noção, pese embora seja necessário recorrer a duas
normas (artos 284º e 285º) para se concluir pela existência ou não de um acidente de
trabalho. No entanto, por não ter sido objecto de regulamentação até ao momento,
continua a vigorar a Lei 100/97, de 13-09.
No que respeita à doença profissional, o Bureau International du Travail, citado
no documento de trabalho do GabIGT (2005a), define-a como sendo a “doença
contraída em consequência de uma exposição, durante um período de tempo a factores
de risco decorrentes de uma actividade profissional”. Em Portugal, o conceito de doença
profissional vem contemplado no artº 25º da LAT, remetendo o artº 27º do mesmo
diploma para a lista das doenças consideradas profissionais, a qual consta do DR
6/2001, de 5-05, cujo anexo foi alterado pelo DR 76/2007, de 17-07, pese embora possa
haver doenças profissionais não contempladas naqueles diplomas. De facto, de acordo
com o nº 2 do artº 2º do DL 248/99, de 2-07, podem considerar-se doenças
profissionais, ainda, as lesões, perturbações funcionais ou doenças que, pese embora
não constem da lista, sejam consequência necessária e directa da actividade exercida
pelos trabalhadores e não representam normal desgaste do organismo.
Assim, enquanto o acidente de trabalho é um acontecimento súbito e imprevisto,
de origem externa, a doença profissional é algo que vai surgindo de forma lenta e
progressiva, podendo manifestar-se vários anos após ser contraída.
1.2. A importância da prevenção e da cultura de prevenção
Nesta subsecção iremos abordar a necessidade de impulsionar uma cultura de prevenção
e algumas medidas concretas postas em prática por organismos nacionais e europeus,
como meio de sensibilização da população para os riscos associados ao trabalho, e
respectiva contribuição para a diminuição da ocorrência de acidentes de trabalho
provocados pela ignorância e desrespeito das normas de segurança.

1.2.1. A necessidade de impulsionar uma cultura de prevenção


Os problemas relacionados com a segurança e a saúde no trabalho (SST) são globais e
transversais a todas as sociedades modernas, pelo que se torna urgente consolidar uma
cultura de prevenção dos riscos profissionais na sociedade e nas empresas. Com efeito, a
produtividade das empresas e as capacidades profissionais, físicas e psicológicas dos
trabalhadores são fortemente influenciadas pelas condições em que o trabalho é prestado.
Com vista a contribuir para a redução da sinistralidade laboral, o aumento da
competitividade das empresas, a melhoria da qualidade do emprego e do bem-estar dos
trabalhadores, o Governo e os Parceiros Sociais celebraram o Acordo sobre Condições
de Trabalho, Higiene e Segurança no Trabalho e Combate à Sinistralidade (Conselho
Económico e Social, 2001a), e o Acordo sobre Política de Emprego, Mercado de Trabalho,
Educação e Formação (Conselho Económico e Social, 2001b), nos quais definem um
conjunto de medidas tendentes a atingir tais objectivos. De entre essas medidas destacam-
se, pela sua importância, aquelas que visam a sensibilização, a informação e a formação de
trabalhadores e de empregadores, com vista a sedimentar uma cultura de segurança e a
promover comportamentos seguros. De facto, muitos acidentes de trabalho ocorrem devido
à ignorância das normas de segurança e ao seu desrespeito por parte dos vários
intervenientes, motivados por factores de ordem social e cultural.
Nesse sentido, o desenvolvimento da cultura de prevenção passa pela integração
das matérias de segurança nos currículos escolares e de formação profissional dos vários
níveis de ensino, sendo importante, ainda, a formação dos trabalhadores, dirigida a
proporcionar um melhor conhecimento dos riscos a que possam encontrar-se expostos.
No entanto, esta formação não é apenas responsabilidade do Governo e dos Parceiros
Sociais; também o empregador tem responsabilidades nestas matérias, devendo garantir
que cada trabalhador receba uma formação teórica e prática, suficiente e adequada em
matéria preventiva. Efectivamente, os artos 123º, 275º e 278º do CT, bem como os artos
160º e ss., 216º, 217º e 253º da Regulamentação, impõem ao empregador o dever de
proporcionar aos seus trabalhadores acções de formação profissional adequadas às suas
qualificações e formação e informação no âmbito da SHST.
Para além da formação e informação, a entidade empregadora, de acordo com o nº
3 do artº 275º do CT, e artos 214º, 254º e 285º da Regulamentação, encontra-se obrigada
a consultar os representantes dos trabalhadores e os próprios trabalhadores sobre
aspectos relacionados com a SST. Tal como refere a OIT (2007), os trabalhadores, no
seu trabalho diário e através da sua experiência, adquirem conhecimentos que lhes
permitem identificar os riscos e, por lidarem directamente com os problemas,
conseguem, mais facilmente, apontar medidas para a sua resolução.
Não obstante a formação/informação deva ser um processo contínuo, sendo
repetida de tempos a tempos, quer como forma de aperfeiçoamento, quer como
reciclagem, há diversos momentos na vida da empresa, e do próprio trabalhador, em que
se torna crucial e obrigatório proceder à prestação dessa formação/informação. Tal
como defende a Agência Europeia (FACTS nº13) e de acordo com o disposto nº 2 do
artº 275º do CT, deve ser proporcionada: (i) aquando da admissão do trabalhador na
empresa; (ii) quando ocorre uma mudança de posto de trabalho ou de funções por parte
do trabalhador; (iii) quando surge a introdução de novos equipamentos de trabalho ou
modificação dos equipamentos existentes; (iv) com a adopção de uma nova tecnologia;
ou (v) quando as actividades a executar envolvam trabalhadores de diversas empresas.
No entanto, a formação não deve ser dirigida apenas aos trabalhadores, pois as
actividades a desenvolver no seio da empresa, quer digam respeito ao processo
produtivo, quer estejam relacionadas com as matérias de SHST, devem ser exercidas
por profissionais com qualificação e formação adequada, pelo que serão de considerar
destinatários da formação, entre outros, os empresários, gestores e quadros superiores,
os trabalhadores e seus representantes, os trabalhadores designados, os membros dos
serviços de prevenção (técnicos e técnicos superiores de higiene e segurança no
trabalho, médicos do trabalho), os estagiários e os próprios formadores.
Há que procurar, então, criar competências, ajustar atitudes e interiorizar
comportamentos adequados, o que será alcançado através do desenvolvimento da
formação ao nível do saber (domínio cognitivo), do saber-fazer (domínio psicomotor) e
do saber-ser (domínio comportamental).
1.2.2. Algumas medidas concretas postas em prática
Em 1996, motivada pela diversidade de questões sobre o tema da SST e pela
necessidade de sensibilizar os diversos intervenientes do mundo do trabalho, foi criada a
Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho, tendo como principal
atribuição recolher, analisar e promover informações sobre SST, contribuindo, desse
modo, para tornar os locais de trabalho mais seguros, saudáveis e produtivos, ao mesmo
tempo que promove uma cultura de prevenção.3
Com vista a atingir tais objectivos, a Agência Europeia, em conjunto com
organismos nacionais,4 tem desenvolvido campanhas sobre determinados temas
específicos, nomeadamente a “Semana Europeia da Segurança e Saúde no Trabalho”,5
procurando sensibilizar o público em geral, e a população activa em particular, para a
prevenção de riscos associados ao trabalho. Para além das campanhas, desenvolve
programas, como é o caso do “Programa Trabalho Seguro”, atribuindo subsídios a
projectos de “boas práticas” que demonstrem uma efectiva intervenção na prevenção de
riscos profissionais, contribuindo, desse modo, para a redução dos acidentes de trabalho
nas PME’s. Um dos objectivos da Agência Europeia consiste na divulgação e
intercâmbio de informação e de experiências entre os Estados-Membros.
A nível nacional, têm sido desenvolvidas campanhas e programas com o objectivo
de contribuir para a cultura da prevenção de empregadores, trabalhadores, estudantes e
população em geral. O IDICT/ISHST promoveu já várias campanhas sectoriais de
prevenção, nomeadamente a campanha da “construção civil”, do sector “têxtil e
vestuário”, da “cerâmica” e da “agricultura”, tendo por finalidade sensibilizar o público
alvo para os riscos profissionais inerentes a tais actividades e promover uma cultura de
prevenção. Para além das campanhas, possui uma linha editorial no âmbito da
prevenção, desenvolve brochuras e monografias, cabendo-lhe, também, a certificação
profissional dos técnicos de segurança e higiene. Desenvolve, ainda, campanhas de
sensibilização pública para a prevenção de riscos profissionais, através dos meios de
comunicação social – televisão, rádio e imprensa – tendo como principal objectivo
despertar a opinião pública para a necessidade de uma cultura de prevenção, como
forma de censura e pressão social para as más práticas de SHST, levando, também, os
vários actores a adoptarem atitudes preventivas.
O PNESST (Programa Nacional de Educação para a Segurança e Saúde no
Trabalho) contempla um conjunto de actividades tendentes ao desenvolvimento de uma
cultura de prevenção em meio escolar. Este programa, ao mesmo tempo que promove a
aproximação entre a escola e o mundo do trabalho, contribui para a diminuição da
sinistralidade laboral e das doenças profissionais, desenvolvendo acções de formação e
de sensibilização.

1.3. Os vários actores no processo


Antes de elencarmos o papel atribuído a cada um dos vários actores do processo de
prevenção de riscos profissionais, iremos enquadrá-los no sistema de prevenção de
riscos profissionais, o qual inclui a rede de prevenção de riscos profissionais e os seus
diversos eixos.

1.3.1. O sistema de prevenção de riscos profissionais


A OIT, através da Convenção nº 155 (Convenção sobre a Segurança, a Saúde dos
Trabalhadores e o Ambiente de Trabalho), define que a política de prevenção de riscos
profissionais deve ser função e responsabilidade de todos os actores – administração,
parceiros sociais, comunidade técnica e científica. No mesmo sentido aponta o Acordo
de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho, do Conselho Permanente de Concertação
Social, o qual prevê a articulação e a cooperação entre todas as entidades que intervêm
na prevenção de riscos profissionais, começando por referir um sistema de prevenção de
riscos profissionais do qual fará parte a rede de prevenção de riscos profissionais.6
Também o DL 441/91, de 14-11, no seu artº 5º, faz referência aos diversos eixos da
política nacional de prevenção de riscos profissionais (regulamentação, licenciamento,
certificação, normalização, investigação, educação, formação e qualificação,
informação, consulta e participação, serviços de prevenção e inspecção), cabendo ao
Estado desenvolver a rede nacional para a prevenção de riscos profissionais tendo
presente esses eixos.
De acordo com os objectivos que se pretendem alcançar, assim serão
desenvolvidos os diferentes eixos, nomeadamente a informação, a formação, a
normalização e a investigação, quando está em causa a aquisição de competências
necessárias aos serviços de prevenção; a regulamentação, a normalização, o
licenciamento e a inspecção, quando se procuram atingir níveis mínimos de segurança e
saúde nos locais de trabalho; a participação, quando se procura motivar os trabalhadores
e responsabilizá-los, conjuntamente com os empregadores, pela acção preventiva.

1.3.2. O papel dos vários actores


Neste contexto, importa definir, então, o papel atribuído a cada um dos vários actores no
processo de prevenção de riscos profissionais:

1. Papel do Estado – as tarefas fundamentais do Estado encontram-se definidas,


desde logo, no artº 9º da Constituição da República Portuguesa (CRP). Aos órgãos
políticos cabe não só definir as políticas nacionais, transpor a legislação comunitária e
internacional sobre as diversas matérias, mas também reforçar os mecanismos tendentes
à prevenção dos acidentes de trabalho, ao nível da informação técnica, da
sensibilização, da formação, da investigação, da participação dos trabalhadores, da
acreditação de serviços e da certificação de profissionais de segurança e higiene (artos 6º
e 16º a 21º do DL 441/91, de 14-11). Cabe-lhe, também, intensificar as acções de
fiscalização de forma a desenvolver um sistema adequado de controlo e garante da
aplicação da lei. Nesse sentido, e de acordo com a Comissão do Livro Branco dos
Serviços de Prevenção (2001), podemos falar das várias organizações da administração
do estado com responsabilidades ao nível dos diversos eixos, nomeadamente a
administração do trabalho, a administração da saúde, o sistema educativo, o sistema da
formação profissional, o sistema nacional de certificação profissional, as entidades
licenciadoras das actividades económicas, as entidades do sistema de controlo público
(inspecção) e o sistema português da qualidade.
2. Papel da Administração do Trabalho – a definição e a coordenação da execução
das diversas políticas de promoção e de avaliação de resultados, ou seja, de fiscalização
das normas de SHST, assim como a dinamização da rede de prevenção e a conjugação
de todas as abordagens preventivas, são da responsabilidade dos ministérios
responsáveis pelas áreas das condições de trabalho e da saúde. No entanto, tal como
vem referido no artº 15º da Convenção nº 155 da OIT, e artº 6º do DL 441/91, de 14-11,
deverá desenvolver-se uma relação de complementaridade e interdependência entre as
matérias de SHST e os vários actores envolvidos no sistema de prevenção de riscos
profissionais, nomeadamente entre o sistema de segurança social, o serviço nacional de
saúde, a protecção do ambiente e o sistema nacional de gestão da qualidade.
Não obstante existirem algumas entidades com competências específicas em
matéria de fiscalização, a aplicação de sanções, aquando do incumprimento da
legislação relativa à SHST, compete à IGT (artº 21º do DL 441/91, de 14-11, transposto
para o Código do Trabalho pelo artº 279º, e artos 6º e 7º do DL 102/2000, de 2-06).
Outras atribuições e competências da IGT serão desenvolvidas nos pontos 3.1. e 3.2.
deste trabalho.
3. Papel dos Serviços da Administração Central e Local – em articulação com as
entidades licenciadoras e certificadoras, deverão desenvolver competências ao nível da
promoção e fiscalização da SHST aquando da autorização para o exercício de uma
actividade ou afectação de um bem para tal exercício. É nesta fase que a prevenção de
riscos profissionais assume um papel crucial, actuando-se ao nível da concepção dos
locais e dos equipamentos de trabalho, ou seja, desenvolvendo-se a prevenção integrada.
À Câmara Municipal cabe pronunciar-se sobre o licenciamento das obras de
urbanização e das operações de loteamento definidas no projecto de ALE (Área de
Localização Empresarial), tal com refere o nº 2 do artº 9º do DL 70/2003, de 10-04.
Compete-lhe, ainda, dentro da respectiva área de localização, o papel de entidade
coordenadora no processo de licenciamento quando estão em causa estabelecimentos
industriais do tipo 47, desde que a estes não se aplique o regime de declaração prévia (nº
2 do artº 9º do DL 69/2003, de 10-04, com a redacção dada pelo DL 183/2007, de 9-05).
4. Papel das Entidades Certificadoras – ao sistema nacional de gestão da
qualidade cabe, entre outras atribuições, a aprovação de normas e especificações
técnicas na área da SHST, relativas a metodologias e procedimentos, critérios de
amostragem, certificação de equipamentos e garantia da qualidade (conforme estipula o artº
2º do DL 4/2002, de 4-01).
O Sistema Português de Qualidade (SPQ) assegura a coordenação e divulga as
actividades nas áreas da normalização, da qualificação e da metrologia.
5. Papel das Entidades Licenciadoras – o artº 19º do DL 441/91, de 14-11, faz
referência aos processos de licenciamento e autorização de laboração, remetendo estas
matérias para legislação específica. Actualmente, as matérias relacionadas com o
licenciamento industrial vêm consagradas no DL 69/2003, de 10-04, com a redacção
dada pelo DL 183/2007, de 9-05, e DR 8/2003, de 11-04, com as alterações introduzidas
pelo DR 61/2007, de 9-05, no que respeita ao exercício da actividade industrial; DL
70/2003, de 10-04, no que respeita às áreas de localização empresarial (ALE), e DL
152/2004, de 30-06, no que respeita às entidades acreditadas no âmbito do processo de
licenciamento industrial. Para um maior desenvolvimento destas matérias vide, ainda, o
ponto 3.2.1. deste trabalho.
6. Papel atribuído à Comunidade Técnica e Científica – neste campo é importante
referir a intervenção de algumas universidades nos domínios da formação, da
investigação e da divulgação de informação. O seu objectivo é, fundamentalmente, a
produção de conhecimentos, seu tratamento e transmissão.
7. Papel atribuído às Escolas – as escolas assumem um papel fundamental nestas
matérias, pois a integração dos conteúdos de SHST nos currículos escolares dos vários
níveis de ensino e nos programas de formação profissional irá contribuir para desenvolver
uma cultura de prevenção, permitir a aquisição de conhecimentos e hábitos de segurança
para o desempenho de uma profissão e preparar os jovens para a vida activa. Além disso,
contribuirá, também, para o desenvolvimento das competências dos professores no
domínio da prevenção, no âmbito da formação inicial e contínua destes profissionais.
8. Papel dos Empregadores e dos seus Representantes – a entidade empregadora é o
actor com maiores responsabilidades em matéria de SHST, pois independentemente das
responsabilidades atribuídas a outros actores, é à entidade empregadora que cabe, em
primeira linha, assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em
todos os aspectos relacionados com o trabalho (alínea c) do nº 1 do artº 59º da CRP e nº 1
do artº 273º do CT). Segundo Valverde et al. (2000), o direito dos trabalhadores a uma
protecção eficaz em matéria de SST e o correspondente dever do empregador em
assegurar essa protecção constituem a “coluna vertebral” das múltiplas obrigações da SST
que se impõem ao empregador. Assim sendo, para que a entidade empregadora possa dar
cumprimento a esta obrigação, deve aplicar um conjunto de medidas tendentes à obtenção
de tal objectivo, medidas essas que constam do nº 2 do artº 273º do CT e seguem uma
ordem de precedência hierárquica, ou seja, os princípios gerais de prevenção.8
No entanto, as obrigações da entidade empregadora não se esgotam no artº 273º
do CT, constituindo, ainda, obrigação da entidade empregadora ministrar formação aos
trabalhadores e seus representantes, bem como informá-los e consultá-los sobre as
matérias de SHST (artos 275º e 278º do CT e artos 214º, 216º, 217º, 253º, 254º e 285º da
Regulamentação); garantir a organização e o funcionamento dos serviços de SHST (artº
276º do CT e arto 218º e ss. da Regulamentação); designar trabalhadores internos
responsáveis pelas actividades de primeiros socorros, de combate a incêndios e de
evacuação de trabalhadores em situações de perigo grave e iminente (artº 220º da
Regulamentação); designar um trabalhador com formação adequada, em cada
estabelecimento, capaz de o representar junto do serviço interempresas ou serviço
externo (artº 222º da Regulamentação); transferir a responsabilidade pela reparação de
danos resultantes de acidentes de trabalho para uma entidade legalmente autorizada a
realizar esse seguro (artº 37º da LAT); comunicar à IGT, nas 24 horas seguintes à sua
ocorrência, os acidentes de trabalho mortais ou que evidenciem uma situação
particularmente grave (artº 257º da Regulamentação) e notificar o ISHST e a Direcção-
Geral da Saúde da modalidade adoptada para a organização dos serviços de SHST, bem
como da sua alteração (artº 258º da Regulamentação).
9. Papel dos Trabalhadores e dos seus Representantes – os trabalhadores devem
colaborar com a entidade empregadora em matéria de SHST, cumprindo as prescrições
estabelecidas nas disposições legais e regulamentares em vigor, bem como as instruções
determinadas pela entidade empregadora. Para além destas obrigações, devem, também,
de acordo com o artº 274º do CT, comunicar ao superior hierárquico as anomalias por si
detectadas e que sejam susceptíveis de originar perigo grave e iminente ou, não sendo
possível comunicar essas anomalias, adoptar as medidas e instruções definidas para tal
situação. Devem zelar pela sua segurança e saúde, bem como pela segurança e saúde de
terceiros susceptíveis de serem afectados pelas suas acções ou omissões.
Encontram-se obrigados, ainda, a tomar conhecimento da informação prestada
pelo empregador sobre as matérias de SHST, devendo cooperar com ele e comparecer
às consultas e exames médicos determinados pelo médico do trabalho (artº 255º da
Regulamentação).9
Os representantes dos trabalhadores devem assegurar a participação e o diálogo no
interior da empresa sobre as matérias de SHST, prestar informações que visem garantir
a SHST, analisar as medidas de prevenção a colocar em prática pelo empregador,
apresentar propostas para identificação e avaliação de riscos nos locais de trabalho e
propor medidas de segurança destinadas à prevenção dos riscos identificados (artº 275º
do CT, e artos 253º e 254º da Regulamentação).
10. Papel dos Sindicatos – os sindicatos têm como principal atribuição, neste
domínio, celebrar convenções colectivas de trabalho e participar na elaboração da
legislação do trabalho, nomeadamente na que diz respeito às matérias de SHST,
acidentes de trabalho, doenças profissionais e formação profissional (artº 56º da CRP,
e artos 477º e 524º do CT). Desse modo, promovem a defesa dos direitos e interesses
dos trabalhadores que representam, ao mesmo tempo que asseguram aos seus
associados melhores condições de trabalho e elevam o bem-estar no trabalho. Sempre
que o julguem necessário, podem solicitar a intervenção da IGT ou de outras entidades
com competência fiscalizadora, se verificarem a violação de normas de SHST, ou
detectarem situações que possam colocar em perigo a vida e a integridade física dos
trabalhadores. Aquando da ocorrência de acidentes de trabalho ou de doenças
profissionais, e na linha de pensamento de Alegre (2000), o sindicato pode e deve
fazer despontar a responsabilidade criminal dos responsáveis pela sua ocorrência
(entidade empregadora e seus agentes).
1.4. A globalização dos mercados de trabalho e os vários constrangimentos que se colocam
às empresas
O mundo do trabalho tem vindo a sofrer várias alterações em virtude da introdução de
novas tecnologias e de novas formas de organização do trabalho, o que traz implicações
na segurança e saúde dos trabalhadores. Com efeito, o acelerado desenvolvimento que
se tem feito sentir nas tecnologias, nas matérias-primas e nos produtos, conduz a uma
mudança constante dos riscos em presença e à emergência de novos riscos, provocando
uma desactualização permanente dos actores que intervêm ao nível da empresa, quer
internos quer externos, e dificultando a sua actuação no que diz respeito à identificação,
avaliação e controlo dos riscos profissionais.
É com base neste quadro de mudanças que as preocupações com a segurança e a
saúde dos trabalhadores assumem contornos que extrapolam as políticas nacionais,
defendendo a Comissão Europeia que a política comunitária nestas matérias deve ter
como objectivo a melhoria contínua do bem-estar no trabalho, incluindo a dimensão
física, moral e social. Adicionalmente, deve, também, contribuir para a redução dos
acidentes de trabalho, a diminuição das doenças profissionais e a prevenção dos riscos
sociais e psicossociais.
Foi com vista a atingir tais objectivos que a Comissão Europeia (2002) definiu a
nova estratégia comunitária para a saúde e segurança 2002/2006 (COM/2002:118),
tendo por base a adopção de uma abordagem global às condições de trabalho, a
consolidação de uma cultura de prevenção e a demonstração de que uma política social
ambiciosa é factor de competitividade. Em resultado desta estratégia conseguiu-se uma
diminuição significativa da taxa de acidentes profissionais. A nova estratégia
comunitária para o período 2007/2012 propõe um objectivo mais ambicioso, ou seja, a
“redução contínua, duradoura e uniforme dos acidentes de trabalho e das doenças
profissionais”, fixando a meta na redução em 25% da taxa total de incidência de
acidentes profissionais na UE-27 (Comissão das Comunidades Europeias, 2007: 5).
Para alcançar este objectivo, a Comissão propõe, nomeadamente: (i) garantir a correcta
aplicação da legislação; (ii) apoiar as PME’s na aplicação dessa legislação; (iii)
simplificar e adaptar o quadro normativo à evolução do mundo do trabalho; (iv)
incentivar as mudanças de comportamento dos trabalhadores; (v) definir métodos para a
identificação e a avaliação de novos riscos potenciais; (vi) acompanhar os progressos
realizados; e (vii) promover a saúde e segurança a nível internacional.
Também o fenómeno da globalização tem implicações nas novas formas de
organização do trabalho, as quais implicam oportunidades e riscos ao nível das condições
de trabalho, podendo haver maior autonomia e maior intensificação do trabalho.
De acordo com Giddens (2002), a globalização é um fenómeno de natureza
económica, política, tecnológica e cultural, e tem sido influenciada pelo progresso nos
sistemas de comunicação. Neste quadro, Bettina (2001) defendeu que a introdução das
tecnologias de informação e comunicação (TIC), com o correspondente aumento da
flexibilidade, da velocidade e da produtividade, promoveu a globalização do mercado
económico, levando à ocorrência de transformações no mercado de trabalho e nas
formas de organização do trabalho, sendo exemplo disso o desenvolvimento do
teletrabalho.10 Também Estanque (2004: 108), reflectindo sobre as tendências actuais da
globalização, chama a atenção para os impactos e problemas relacionados com a
inovação tecnológica e a sociedade do conhecimento, afirmando que a “fragmentação, a
flexibilização e a precarização do trabalho” devem ser discutidas no contexto da
globalização económica. As relações laborais têm encontrado profundas mudanças,
caracterizadas pelo aumento da individualização das relações sociais, desregulamentação
do trabalho, crescimento do desemprego e insegurança no emprego, subcontratação,
flexibilidade de horários, emprego precário, migrações ilegais, trabalho infantil,
pobreza..., sendo que todas elas contribuem para acentuar o risco e a insegurança.
Ferreira (2005) defende que as alterações na organização do trabalho e as
mudanças ocorridas ao nível da organização da estrutura empresarial têm contribuído
para agravar os riscos a que os trabalhadores e as trabalhadoras são expostos. Estas
alterações têm repercussões não só nos chamados velhos riscos profissionais ou riscos
clássicos (associados aos equipamentos, à organização e ao ambiente de trabalho), mas
também nos novos riscos profissionais, nomeadamente naqueles que se encontram
ligados a problemas de ordem muscular e psicossocial (dores lombares, perturbações
músculo-esqueléticas, stress,11 ritmos intensivos de trabalho, depressão e ansiedade,
desmotivação, assédio sexual e moral). Há riscos, ainda, que, pese embora se encontrem
classificados como novos riscos, correspondem a tarefas antigas de produção, como sejam
o trabalho monótono e repetitivo, ou a movimentação manual de cargas (Ferreira, 2003).
Todas estas transformações ao nível das organizações irão ter implicações na
segurança e saúde dos trabalhadores, nomeadamente naqueles que pertencem a grupos
mais vulneráveis (mulheres, trabalhadores das PME’s, desempregados de longa
duração, trabalhadores temporários, trabalhadores a tempo parcial, teletrabalhadores,
trabalhadores estrangeiros e trabalhadores clandestinos), porque:

• trazem insegurança aos trabalhadores, levando à perda de controlo do horário


de trabalho, do emprego e da própria vida;

• acresce a pressão ao nível dos prazos para conclusão das tarefas,


intensificando-se o trabalho;

• o controlo que é exercido sobre o trabalho destes trabalhadores é mais limitado,


sendo também limitados os prazos que lhes são concedidos, aumentando,
assim, a pressão e o stress;

• há a transferência dos riscos para os trabalhadores precários, pois além de


possuírem menores qualificações e conhecimentos, estão menos informados,
têm menos experiência e são-lhes dadas menores oportunidades para se
aperceberem dos riscos;

• a aprendizagem ao longo da vida e a aquisição de qualificações tornam-se algo


de intangível;

• as perspectivas de evolução na carreira são diminutas, desempenham funções


menos exigentes ao nível das competências, o que provoca stress e frustração;

• acrescem os riscos para as mulheres, pois apesar de se assistir ao crescimento


da sua participação no mercado de trabalho, representam uma grande
percentagem dos contratados a termo e a tempo parcial.

Também o défice de escolarização e a baixa qualificação profissional destes


trabalhadores12 constituem um obstáculo à capacidade competitiva das empresas e à
melhoria da qualidade do emprego, aspectos essenciais num processo de globalização e
de abertura dos mercados. Nesse sentido, para que as empresas possam competir num
mercado global, torna-se essencial que: (i) procedam ao reforço da prevenção, através
de uma avaliação pluricausal dos riscos, ou seja, considerando a interacção dos vários
riscos entre si; (ii) estabeleçam relações saudáveis e cooperem eficazmente com as
partes envolvidas na subcontratação, gerindo os riscos em matéria de SHST; (iii)
comuniquem a trabalhadores e a empregadores (de subcontratados, de temporários) os
riscos inerentes aos postos de trabalho que aqueles ocupam e as medidas de prevenção a
colocar em prática; e (iv) aumentem o nível de formação e informação de todos os
trabalhadores, contribuindo, desse modo, para a valorização dos saberes individuais e o
aumento da motivação, pois estes só conseguem participar activamente e de forma
eficaz no processo de prevenção de riscos profissionais, assim como aumentar o nível
de produtividade, se possuírem conhecimentos suficientes que lhes permitam alterar a
sua postura perante as situações concretas com que se deparam.

2. Implementação da prevenção e consequências da sua não observação

2.1. Enquadramento legal da segurança, higiene e saúde no trabalho


Existem vários diplomas a nível internacional cujo texto faz referência expressa ao
direito dos trabalhadores a condições de trabalho justas e favoráveis, nomeadamente à
protecção da vida e da integridade física. Nesse sentido podemos referir, a título
exemplificativo, os vários Pactos Internacionais que vinculam os Estados Partes após
ratificação, indicando-lhes as suas obrigações de forma a assegurarem às pessoas
condições de trabalho seguras e higiénicas. Também a nível internacional surgiram
várias convenções e recomendações, com o termo da 1ª Guerra Mundial e a criação da
OIT, em 1919, sendo de destacar as Convenções nos 81 (1947), 129 (1969) e 155 (1981)
da OIT, denominadas Convenção sobre a Inspecção do Trabalho na Indústria e no
Comércio, Convenção sobre a Inspecção do Trabalho na Agricultura e Convenção sobre
a Segurança, a Saúde dos Trabalhadores e o Ambiente de Trabalho, respectivamente.
Estes instrumentos normativos internacionais requerem que em todos os Estados-
Membros da OIT seja constituído “um sistema de inspecção do trabalho para assegurar
o respeito da legislação tendo em vista a protecção das pessoas empregadas”.
No entanto, a Convenção nº 155 é mais abrangente, aplicando-se a todos os
trabalhadores e a todos os ramos de actividade económica, estejam eles incluídos no sector
privado ou no sector público. Refere, no artº 4º, que os Estados–Membros devem “definir,
pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de
segurança, saúde dos trabalhadores e ambiente de trabalho”, política essa centrada em
quatro eixos fundamentais: (i) actuação sobre os componentes materiais do trabalho; (ii)
adaptação dos componentes materiais do trabalho às capacidades físicas e mentais dos
trabalhadores; (iii) formação profissional dos trabalhadores e respectivas qualificações,
incentivando-os e motivando-os para alcançarem níveis elevados de segurança e higiene; e
(iv) informação e cooperação ao nível do grupo de trabalho e da empresa.
Segundo estes normativos internacionais, a acção da Inspecção do Trabalho é um
instrumento de modernização da sociedade em que se insere, pois a ela incumbe
promover uma cultura de prevenção, resultando da sua acção a efectivação da legislação
em vigor, a qual é socialmente partilhada pelos destinatários da sua acção e influencia
os seus comportamentos (GabIGT, 2005b).
Também a nível comunitário têm sido publicados vários diplomas sobre as
questões de SHST, e criadas algumas instituições,13 cuja principal atribuição incide
sobre esses mesmos temas. Desde logo, podemos falar na Carta Social Europeia,
aprovada em 18/10/1961, na qual se afirma que todos os trabalhadores têm direito à
segurança e à higiene no trabalho, cabendo às Partes Contratantes assegurar o exercício
efectivo desse direito.
Pese embora os tratados das Comunidades Europeias (CECA, CEE e CEEA)14
visassem objectivos de natureza económica e comercial, a partir do Tratado CEE surge
uma nova dinâmica no que respeita às políticas sociais, nomeadamente no âmbito da SST.
Mais tarde, através duma resolução do Conselho das Comunidades Europeias, surge a
Directiva 89/391/CEE, de 12-06-1989, a qual vai aplicar-se a todos os sectores e a todos os
ramos de actividade, públicos ou privados, constituindo a base de referência da política de
SST. Esta Directiva vem estabelecer para os Estados da União Europeia uma plataforma
comum e inovadora da prevenção de riscos profissionais, destacando-se a obrigação geral do
empregador face à prevenção de riscos profissionais relativamente aos seus trabalhadores. No
entanto, a Directiva não estabelece, apenas, obrigações para os empregadores, também os
Estados e os trabalhadores têm obrigações a cumprir neste domínio.
A nível nacional, a CRP consagra alguns dos direitos mais elementares e mais
fundamentais da pessoa humana, como sejam o direito à vida, à saúde e à segurança.
Assim, nos seus artos 59º e 64º, enumera alguns dos direitos dos trabalhadores, entre os
quais o direito à prestação de trabalho em condições de higiene e segurança, bem como
o direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover. Estes princípios
enquadram-se, também, na Convenção nº 155 da OIT, ratificada por Portugal em 1985,
através do Dec. 1/85, de 16-01, e na Directiva-Quadro, transposta para o direito interno
pelo DL 441/91, de 14-11 (Lei-Quadro). De facto, este último diploma, tal como resulta
do seu artº 1º, contém os princípios que visam promover a SHST, nos termos previstos
na CRP. Tais princípios estabelecem uma nova abordagem quanto à gestão da
prevenção de riscos profissionais, envolvendo e estabelecendo obrigações para o
Estado, para os empregadores e para os trabalhadores. Pela importância que merecem
tais matérias, o legislador incluiu-as no Código do Trabalho e na Regulamentação,
passando estes diplomas a regulá-las, conjuntamente com outros diplomas.
Efectivamente, há, ainda, outros diplomas a nível nacional que, transpondo diversas
Directivas Comunitárias, versam sobre o tema da SHST.15
A obrigação de prevenção atribuída à entidade empregadora é considerada uma
obrigação de resultado, dado que lhe são fixados os objectivos a atingir, deixando ao seu
critério, no entanto, a concretização dos meios indispensáveis para alcançar tais objectivos,
pese embora não o possa fazer de forma discricionária. Com efeito, os nos 1 e 2 do artº
273º do CT referem que “o empregador é obrigado a assegurar... e para o efeito deve
aplicar as medidas necessárias...”. O nº 3 do mesmo artigo refere, ainda, que o
empregador deve organizar os meios necessários à aplicação das medidas de prevenção,
nomeadamente os serviços de SHST, a formação e a informação, bem como o
equipamento de protecção. Esta obrigação de prevenção do empregador abrange todos
os eventos perigosos que a actividade por si desenvolvida possa ocasionar, pelo que a
responsabilidade do empregador, segundo o GabIGT (2005c), é uma responsabilidade
prospectiva, ou seja, mais do que assumir as consequências do evento sobre a saúde
física e mental dos trabalhadores, há que antecipar, prever, quer a forma como tais
eventos perigosos se podem desencadear, quer os efeitos que podem provocar.

2.2. Etapas a percorrer no processo de prevenção de riscos profissionais


O processo de prevenção de riscos profissionais envolve várias etapas, começando,
desde logo, pela identificação e avaliação de riscos profissionais, aquando da concepção
dos locais de trabalho. No entanto, outras avaliações são necessárias – avaliações
periódicas ou ocasionais – nomeadamente quando ocorrem mudanças nas instalações,
nos locais, nos equipamentos e nos processos de trabalho, ou quando surgem danos na
saúde dos trabalhadores. Assim, nesta subsecção será feita uma breve referência às
várias etapas a percorrer no processo de prevenção de riscos profissionais.

2.2.1. Identificação de riscos, avaliação e definição do programa de prevenção


A prevenção de riscos profissionais é o passo mais importante que poderá dar uma
empresa para diminuir a ocorrência de acidentes de trabalho. Para planear ou programar
as acções de prevenção, e antes de percorrer as várias etapas que fazem parte desse
programa, a entidade empregadora deve começar por indicar as pessoas a envolver nas
acções, definir os objectivos que pretende alcançar, o método a seguir16 e os meios a
utilizar. Paralelamente, deverá ter em consideração, também, os vários indicadores
disponíveis,17 com o objectivo de definir quem faz o quê, onde, quando e como.
Após esta fase, está em condições de iniciar o programa de prevenção, começando
por identificar os riscos para a segurança e a saúde dos trabalhadores, procurando
combatê-los na origem, anulá-los ou limitar os seus efeitos, por forma a garantir um nível
eficaz de protecção, tal como lhe é imposto pela alínea a) do nº 2 do artº 273º do CT. Com
efeito, sempre que se identifica um risco deve colocar-se a questão “Será possível
eliminá-lo?”, avançando-se para o seu controlo apenas se a resposta àquela questão for
negativa. Nesta etapa, segundo refere a Comissão Europeia (1997), torna-se fundamental
a observação: (i) das situações concretas de trabalho (análise de cada um dos trabalhos
realizados); (ii) do meio circundante do local de trabalho; (iii) das actividades realizadas
no local de trabalho (identificação de todos os trabalhos); (iv) de novos trabalhos ou de
trabalhos em desenvolvimento, averiguando-se, assim, a existência de novos riscos; (v) de
factores externos susceptíveis de influenciar o local de trabalho; (vi) de factores
psicológicos, sociais e físicos, susceptíveis de provocar stress no trabalho, bem como a
sua interacção e relação com outros factores da organização e do ambiente laboral; e (vii)
de trabalhos esporádicos, nomeadamente trabalhos de manutenção e limpeza. Com efeito,
só uma boa observação das máquinas e equipamentos, do processo produtivo, dos locais e
dos postos de trabalho, e a sua comparação com as disposições legais e regulamentares e
com as directrizes das entidades competentes, permite detectar anomalias e estabelecer
prioridades de acção relativamente às medidas preventivas a adoptar.
Assim, e de acordo com as obrigações do empregador previstas no artº 273º do CT,
depois de identificados os riscos profissionais, a segunda etapa traduz-se na sua avaliação.
Esta avaliação de riscos consiste num exame sistemático de todos os aspectos do trabalho,
compreendendo um processo dinâmico dirigido a estimar o risco para a saúde e segurança
dos trabalhadores, resultante das circunstâncias em que o perigo pode ocorrer no local de
trabalho. Tem por objectivo dar a conhecer ao empregador as anomalias ou disfunções
existentes, e apoiá-lo na tomada de decisão sobre as medidas preventivas a implementar.
Avaliar os riscos não evitados significa, então, gerir esses riscos, exercendo a acção de
controlo e gestão subsequente, e segundo a Agência Europeia (FACTS nº 13), a avaliação
envolve: (i) a identificação de perigos; (ii) a determinação de quem poderá ser atingido e
o grau de gravidade; (iii) a decisão do grau de probabilidade de ocorrência de acidente;
(iv) a tomada de decisão relativamente ao modo como os riscos podem ser eliminados ou
reduzidos; (v) o estabelecimento de prioridades para as medidas a implementar; (vi) o
controlo; (vii) a verificação do funcionamento das medidas de controlo; e (viii) a consulta
dos trabalhadores e a prestação de informação sobre os resultados das avaliações.
Com efeito, só conhecendo os riscos é possível decidir sobre as acções a
desenvolver, nomeadamente ao nível da hierarquização dos riscos e das medidas de
controlo mais adequadas. Tais medidas passam não só pela organização dos meios
necessários à implementação da prevenção mas, também, pela necessidade de formar e
informar os trabalhadores. Efectivamente, a consulta e auscultação dos trabalhadores,
bem como o retorno da sua experiência, são imprescindíveis num processo de avaliação
dos postos de trabalho. No entanto, as transformações que se têm vindo a verificar no
mundo do trabalho, associadas ao aparecimento de novos riscos, ao “emagrecimento”
das organizações, às novas formas de organização do trabalho, à complexidade dos
processos produtivos,..., dificultam e constrangem a participação dos trabalhadores, pelo
que só uma formação suficiente e adequada permite desenvolver e actualizar as
competências necessárias à identificação e avaliação de riscos, e posterior envolvimento
na implementação dos programas de prevenção. A formação deverá abarcar os riscos
existentes, as medidas de protecção adequadas a evitar esses riscos e os procedimentos
de emergência (Agência Europeia, FACTS nº 13).
Para que os programas de prevenção atinjam maiores níveis de eficácia, além do
envolvimento de todos os actores, torna-se necessário que a avaliação seja efectuada
logo na fase do projecto, da concepção das instalações, das máquinas, dos
equipamentos, dos processos produtivos e dos postos de trabalho. Efectivamente, e na
linha de pensamento de Fonseca et al. (1998), quanto mais a montante forem
introduzidas as medidas preventivas ou seleccionados e concebidos os equipamentos, as
instalações e os locais de trabalho, menos riscos irão comportar para a saúde e a
segurança dos trabalhadores, sendo possível, desde logo, optar por aqueles que possuem
uma protecção integrada, eliminando ou combatendo os riscos na origem (prevenção
integrada por oposição à prevenção correctiva).
Não obstante, nem sempre é possível a avaliação de riscos neste momento, pelo
que será efectuada, também, quando a empresa já se encontra em laboração, através de
avaliações iniciais, periódicas ou ocasionais, nomeadamente quando se introduz
qualquer alteração no local de trabalho susceptível de influenciar os riscos, assumindo a
avaliação uma natureza dinâmica (acompanha a própria mudança das situações de
trabalho). Ainda assim, deve procurar-se eliminar os riscos, sendo que só na
impossibilidade da sua eliminação se reduzirá os seus efeitos.
A avaliação não pode comportar e analisar os riscos de forma isolada, mas
preocupar-se com a interacção dos vários riscos entre si. A entidade empregadora deve
proceder à avaliação de riscos em todos os locais e postos de trabalho, nas respectivas
situações de trabalho, identificando os perigos e os riscos e analisando o modo como os
trabalhadores se encontram expostos a esses riscos, tendo presente as condições
técnicas, organizacionais e pessoais do trabalho, as quais interagem entre si,
influenciando-se mutuamente. Além desta interacção, a avaliação tem de (i) ser global;
(ii) explicitar a hierarquização dos riscos identificados; (iii) evidenciar as situações de
perigo grave e iminente; (iv) exigir a certificação e respectivo controlo dos
equipamentos, produtos e materiais aquando da instalação e utilização; (v) ter presente
os resultados das anteriores avaliações e da aplicação das medidas de prevenção; e (vi)
atender ao estado de evolução das técnicas de avaliação de riscos.
Após avaliar os riscos, a empresa encontra-se capaz de elaborar o programa das
medidas de prevenção a implementar, devendo ter presente, nesta etapa, a hierarquia
dos princípios gerais de prevenção (ver nota 8 do presente trabalho).
O programa das medidas de prevenção incluirá, por actividade, unidade ou posto
de trabalho, a lista dos riscos avaliados, as medidas de prevenção seleccionadas, o prazo
para a sua implementação e as pessoas responsáveis pela sua execução, ou seja, incluirá
a definição da política de prevenção da empresa, assegurando a coerência das medidas,
bem como os meios necessários à sua implementação.

2.2.2. Implementação das medidas de prevenção e seu controlo


Segue-se, então, a implementação propriamente dita das medidas preventivas. Também
aqui se torna importante analisar o trabalho efectivamente desenvolvido, a actividade
habitual do trabalhador, visualizar bem o que faz e como o faz. É importante que esta
análise incida sobre a actividade, a unidade ou o posto de trabalho de cada trabalhador,
pois as situações habituais de trabalho podem expor os trabalhadores a perigos para os
quais nenhuma medida de prevenção estava planeada. Além disso, mesmo nos postos de
trabalho objecto de implementação de medidas de prevenção, o trabalho nem sempre se
desenvolve como foi previsto, havendo vários elementos que podem perturbar a
actividade habitual, nomeadamente as disfunções, os incidentes e as intervenções
anormais (manutenções, presença de trabalhadores externos,...). Estes elementos, quando
não controlados, podem originar a ocorrência de acidentes de trabalho, pelo que todo o
tipo de acções ou de situações não habituais devem ser incluídos na avaliação de riscos.
No que respeita às doenças profissionais, estas podem resultar de situações de
trabalho habituais. De facto, mesmo que se venha a obter o resultado esperado em termos
de trabalho, a doença profissional pode surgir posteriormente, sendo importante, então,
vigiar os efeitos diferidos provocados pela falta de prevenção de riscos profissionais.
Mais uma vez os trabalhadores assumem um papel fundamental, devendo ser
integrados no processo. Os responsáveis pela implementação da prevenção e a direcção
da empresa conhecem, apenas, uma parte das disfunções; contudo, cada disfunção ou
incidente, quando mal gerido, pode provocar um acidente.
Na implementação das medidas de prevenção é essencial estabelecer prioridades,
tendo em conta os resultados da avaliação de riscos, ou seja: (i) a gravidade do risco; (ii)
o grau de probabilidade de ocorrência de acidente e os resultados prováveis; (iii) as
modalidades de exposição dos trabalhadores e o número de pessoas que poderão ser
afectadas; e (iv) o tempo necessário à implementação das medidas preventivas.
Por último, caberá ao responsável da empresa submeter a controlo o programa de
prevenção, bem como actualizá-lo periodicamente. O controlo servirá para a entidade
empregadora se assegurar de que o programa de prevenção está a funcionar, sendo
cumpridas as medidas de prevenção ou, caso contrário, adoptar de imediato as medidas
correctivas necessárias.
A política de prevenção da empresa deve, então, ser planificada com base num
sistema de gestão da SST,18 o qual se traduz num processo de melhoria contínua e tem
por finalidade estruturar a organização, o planeamento e a implementação de medidas
preventivas, propor a avaliação dessas medidas, bem como acções correctivas com vista
à melhoria, efectuando constantemente auditorias e redefinindo a política de prevenção.
Esta abordagem estruturada da gestão garante uma avaliação completa dos riscos
e a introdução e observância de métodos de trabalho seguros, permitindo a avaliação
periódica verificar se essas medidas se mantêm adequadas. Através das auditorias, a
entidade empregadora verifica o desempenho global do sistema de gestão, confirmando
se a política adoptada, a organização e a execução das acções permitem alcançar os
resultados estabelecidos.

2.3. Consequências em caso de inobservância das normas de SHST (sector privado)


Nesta subsecção serão elencadas algumas das consequências a que ficam sujeitos o
empregador, o trabalhador sinistrado ou terceiros, sempre que eles próprios não
observarem as normas de SHST.

2.3.1. Inobservância por parte do empregador


A violação de normas legais ou regulamentares, bem como de directrizes emanadas das
entidades competentes em matéria de SHST faz incorrer o empregador em
responsabilidade contra-ordenacional (administrativa), sem prejuízo da responsabilidade
civil ou criminal que por vezes é atribuída à violação de determinadas normas.19
Responsabilidade, segundo refere Ribeiro (2000: 19), “é a obrigação de responder
perante actos, próprios ou alheios, que implicaram um mal, um incumprimento, e por
isso merecem censura”. No presente trabalho daremos maior relevância à
responsabilidade contra-ordenacional, por ser essa a que mais se identifica com o
trabalho desenvolvido pela IGT.
As infracções a normas de SHST, em termos contra-ordenacionais, podem ser
consideradas leves, graves ou muito graves, sendo que, no último caso, os valores
máximos das coimas, de acordo com o nº 1 do artº 622º do CT, são elevados para o dobro.
Além disso, pode ser ainda sancionado como reincidente quem cometer uma infracção
grave praticada com dolo ou uma infracção muito grave, depois de ter sido já condenado
por infracções da mesma natureza, se entre as duas infracções não tiver decorrido um
prazo superior ao da prescrição da primeira. Neste caso, os valores mínimo e máximo da
coima são elevados em um terço do respectivo valor (artº 626º do CT).
Quando, no mesmo local de trabalho, ocorrerem actividades desenvolvidas por
trabalhadores de diversas empresas, verificando-se a violação, por alguma delas, de
normas de SHST (infracção muito grave), a empresa principal será solidariamente
responsável pelo pagamento da coima aplicada à(s) empresa(s) por si contratada(s),
excepto se demonstrar que agiu com a diligência devida (artº 617º do CT).
Além da coima, o incumprimento, por acção ou omissão, das normas legais,
regulamentares ou convencionais em matéria de SHST, pode levar à suspensão de
trabalhos, em caso de risco grave ou probabilidade séria da verificação de lesão da vida,
integridade física ou saúde do trabalhador (alínea d) do nº 1 do artº 10º do DL 102/2000,
de 2-06), incorrendo a entidade empregadora no crime de desobediência, previsto e
punido pelo artº 348º do Código Penal, se não der cumprimento a essa suspensão.
Em caso de ocorrência de acidente de trabalho, provocado pela entidade
empregadora ou pelo seu representante, ou que seja resultado da falta de observância
das regras de SHST, as prestações a que terá direito o trabalhador serão fixadas de
acordo com o disposto no artº 18º da LAT, ou seja, além do agravamento das
indemnizações, é a própria entidade empregadora quem responderá pelo sinistro.
Quando na sequência de acidente de trabalho ou de doença profissional os
trabalhadores virem afectada a sua capacidade de trabalho ou de ganho, a empresa ao
serviço da qual ocorreu o acidente ou a doença terá de assegurar funções compatíveis com o
respectivo estado, podendo mesmo haver necessidade, por parte da entidade empregadora,
de assegurar formação profissional, adaptação do posto de trabalho, trabalho a tempo
parcial ou licença para formação ou novo posto de trabalho (artº 40º da LAT). A entidade
empregadora, dentro dos condicionalismos previstos nos artos 30º da LAT e 54º do DL
143/99, de 30-04, encontra-se obrigada a ocupar os trabalhadores sinistrados.
A responsabilidade pela reparação de danos resultantes de acidentes de trabalho
deve se transferida pela entidade empregadora para entidades legalmente autorizadas a
realizar esse seguro, podendo fazê-lo através de duas modalidades: seguro a prémio fixo
(nominativo) ou seguro a prémio variável (folha de férias). Contudo, provando-se que o
acidente de trabalho ou a doença profissional são consequência da inobservância de
normas de SHST, ou foram provocados pelo empregador ou pelo seu representante, a
seguradora tem direito de regresso contra o tomador de seguro, recaindo a
responsabilidade pela reparação sobre a entidade empregadora, enquanto a seguradora
assume, apenas, um papel subsidiário (artº 21º do Reg. ISP 27/99, e artº 18º da LAT).
Neste caso, para além da responsabilidade civil por danos morais, a entidade
empregadora ou o seu representante recaem, também, em responsabilidade criminal.
Além disso, se a entidade empregadora não declarar à seguradora o montante total
da retribuição auferida pelo trabalhador, esta última só se responsabilizará em relação à
retribuição declarada, respondendo a primeira pela diferença e pela proporção das
despesas efectuadas com a hospitalização, a assistência clínica e o transporte.

2.3.2. Inobservância por parte do trabalhador sinistrado


A observância das regras de SHST não é obrigação exclusiva da entidade empregadora,
encontrando-se o trabalhador obrigado a zelar pela sua segurança e saúde, bem como
pela dos seus colegas de trabalho ou de outras pessoas que possam vir a ser afectados
pela sua actividade. Assim sendo, o trabalhador não terá direito a ser indemnizado pelos
danos decorrentes do acidente de trabalho se esse acidente: (i) for dolosamente
provocado pelo sinistrado ou provier do seu acto ou omissão, que importe violação, sem
causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou
previstas na lei; (ii) provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; (iii)
resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, sendo que
neste caso podemos encontrar três excepções: a privação deriva da própria prestação do
trabalho, é independente da vontade do sinistrado ou, o empregador ou o seu
representante, conhecendo o estado do sinistrado, consente na prestação; ou (iv) provier
de caso de força maior.
O trabalhador pode ver, ainda, o direito à indemnização reduzido ou excluído se
não evitar o agravamento do dano, não colaborando na recuperação da incapacidade
(artº 7º da LAT, e nº 1 do artº 570º do Código Civil).
Se o trabalhador se recusar injustificadamente, não observar as prescrições
clínicas ou cirúrgicas ou provocar voluntariamente as incapacidades, não terá direito às
prestações estabelecidas pela LAT (artº 14º). No entanto, em qualquer uma das
circunstâncias supra referidas, o empregador terá sempre de assegurar ao trabalhador a
prestação dos primeiros socorros e o seu transporte para o local onde possa ser
clinicamente socorrido.
Sempre que uma acção do trabalhador contribua para originar uma dada situação
de perigo, esse trabalhador será responsável pela acção que desencadeou tal situação,
pese embora, entretanto, ter adoptado as medidas e instruções estabelecidas para tal
situação, ter-se afastado do seu posto de trabalho ou da área perigosa em caso de perigo
grave e iminente que não pudesse ser evitado, ou tomado outras medidas para a sua
própria segurança ou a de terceiros.
Incorre, ainda, em responsabilidade disciplinar e civil o trabalhador que não
cumprir culposamente as obrigações que lhe são cometidas pelo nº 1 do artº 274º do CT.

2.3.3. Inobservância por parte de outros trabalhadores ou de terceiros


De acordo com o artº 31º da LAT, se o acidente de trabalho resultar da acção de outros
trabalhadores ou de terceiro (individual ou colectivo), o direito à reparação por parte do
sinistrado não prejudica o seu direito de haver do responsável indemnização pelos danos
sofridos, patrimoniais e/ou não patrimoniais.
A responsabilidade de terceiros não exclui a responsabilidade da entidade
empregadora, pois não tendo esta qualquer responsabilidade na ocorrência do acidente
de trabalho, encontra-se obrigada, mesmo assim, a prestar ao sinistrado os primeiros
socorros e a transportá-lo para o local onde possa ser clinicamente socorrido, sem
prejuízo da indemnização que possa vir a ter de pagar-lhe, tendo direito, posteriormente,
a ser reembolsada pelo responsável ou pela seguradora, relativamente às importâncias
que haja despendido em consequência do acidente. Se o sinistrado receber daqueles uma
indemnização superior à devida pela entidade empregadora ou pela seguradora, ou
correspondente a despesas que entretanto tenham sido pagas, esta considera-se
dispensada da obrigação, tendo direito, ainda, a ser reembolsada pelo sinistrado dos
montantes que tiver pago ou despendido.

3. Atribuições e competências da Inspecção-geral do Trabalho

3.1. A missão da IGT


Os princípios da organização e desenvolvimento da actividade do sistema de inspecção
do trabalho estão consagrados nas Convenções da OIT, nomeadamente nas Convenções
nos 81, 129 e 155.
A missão da IGT consiste em “desenvolver metodologias e acções de
aconselhamento e controlo, no âmbito de poderes de autoridade, nas empresas e outras
organizações, tendo em vista a promoção da melhoria das condições de trabalho, no quadro
dos contextos sociais, económicos, tecnológicos e organizacionais” (IGT, 2003: 9). Logo no
artº 1º do Estatuto da IGT, aprovado pelo DL 102/2000, de 2-06, pode ler-se que a
Inspecção-Geral do Trabalho contribui para a melhoria das condições de trabalho, tendo
presente os princípios definidos nas Convenções nos 81, 129 e 155 da OIT. O artº 3º do
mesmo diploma legal faz referência ao leque de competências que lhe são atribuídas,
repartindo-as em dois grupos, competências principais e competências secundárias.
Dentro das competências principais inclui-se a acção de verificação e controlo do
cumprimento das disposições legais, regulamentares e convencionais respeitantes às
condições de SHST, bem como às condições gerais de trabalho. Inclui-se, ainda, dentro
das competências principais, a acção de enriquecimento do quadro normativo, sugerindo
às entidades competentes as medidas adequadas em caso de falta ou inadequação de
normas legais ou regulamentares. Esta última competência leva a que a Inspecção do
Trabalho seja considerada um dos motores do progresso social, pois não só garante o
cumprimento das medidas sociais como sugere os melhoramentos a introduzir, tomando
a iniciativa de protecção dos trabalhadores.20
São consideradas competências secundárias ou acessórias, segundo refere a IGT
(2005), e de acordo com o estipulado no próprio Estatuto, a promoção do cumprimento
de normas relativas ao apoio ao emprego e à protecção no desemprego, as contribuições
para a Segurança Social, as autorizações administrativas, as acções de cooperação com
outras entidades, a participação na resolução de conflitos colectivos, as acções de
informação e conselho desenvolvidas nos próprios Serviços, bem como a recepção de
pedidos de intervenção.
Estas últimas competências, tal como estipulam as Convenções nos 81 e 129, não
deverão constituir obstáculo ao exercício das funções principais dos inspectores, nem
prejudicar a sua autoridade ou imparcialidade nas relações que mantêm com os
empregadores e os trabalhadores. Com efeito, para que consiga levar a cabo a missão de
que foi incumbido, o inspector do trabalho dispõe dos necessários poderes de
autoridade, encontrando-se sujeito ao dever de sigilo profissional. Dispõe, ainda, de
diversos procedimentos e instrumentos inspectivos, os quais serão desenvolvidos no
ponto 3.2.2. deste trabalho.
3.2. Riscos profissionais e acidentes de trabalho: o papel da IGT na diminuição deste
flagelo
Nesta secção serão abordadas as várias actividades desenvolvidas pela IGT, no âmbito
da SHST, tendo presente as competências que lhe são atribuídas pelos normativos
internacionais e pelo próprio Estatuto, e enumerados os procedimentos e instrumentos
que tem ao seu dispor para fazer cumprir as normas legais, regulamentares ou
convencionais em vigor. Por fim, será feita uma breve referência aos inquéritos de
acidentes de trabalho e suas finalidades.

3.2.1. Do licenciamento industrial às visitas inspectivas


Os riscos profissionais devem ser identificados, avaliados e controlados, desde logo,
aquando da concepção dos locais de trabalho, tal como dispõe a alínea a) do nº 2 do artº
8º do DL 441/91, de 14-11, e alínea a) do nº 2 do artº 273º do CT. Quanto mais a
montante se proceder à sua eliminação ou, não sendo esta possível, pelo menos ao seu
controlo, mais eficazes serão as medidas preventivas e menor será o risco de vir a
ocorrer um acidente de trabalho.
Tendo por base este pressuposto, os autores dos projectos, ao optarem por soluções
técnicas na concepção dos locais de trabalho, devem dar primazia àquelas que incorporem
uma prevenção integrada (de concepção), contribuindo, desse modo, para a redução dos
custos, o aumento da produtividade e da qualidade, gerando, ao mesmo tempo, uma
melhoria da competitividade das empresas com diminuição da sinistralidade.
Com vista a reforçar e cooperar para a prevenção integrada, a IGT, quando
consultada pela entidade coordenadora,21 formula pareceres de licenciamento, relativos
à instalação, alteração e laboração de estabelecimentos, os quais são fundamentados
com os diplomas legais e regulamentares aplicáveis (alínea g) do nº 1 do artº 10º do DL
102/2000, de 2-06). Posteriormente a esta fase, participa, conjuntamente com outras
entidades – entidades fiscalizadoras22 – nas vistorias de licenciamento, certificando-se
da concordância entre o projecto aprovado e a instalação efectuada, bem como
verificando o cumprimento das prescrições técnicas estabelecidas no parecer de
licenciamento anteriormente elaborado.
No entanto, no mundo actual, em constante mutação, o desenvolvimento
tecnológico, relacionado com as máquinas, os equipamentos e os processos de trabalho,
e as novas formas de organização do trabalho, exigem que a avaliação de riscos
profissionais seja um processo dinâmico, ajustável à realidade das nossas empresas,
responsabilizando e envolvendo todos os intervenientes. Nesse sentido, também a IGT
não esgota a sua participação na fase de licenciamento. Entre outras actividades, e em
articulação com o ISHST, recepciona, por vezes, a notificação das entidades
empregadoras informando da modalidade adoptada para a organização dos serviços de
SHST (artº 258º da Regulamentação) e verifica a sua adequabilidade, em função das
características da empresa (dimensão) e dos riscos inerentes ao trabalho.23 Participa na
vistoria de autorização para o exercício da actividade de SHST prestada por serviços
externos, bem como nas auditorias efectuadas a essas mesmas empresas prestadoras de
serviços externos, conforme estipulado no nº 6 do artº 232º e artº 252º, ambos da
Regulamentação, cabendo-lhe verificar as condições das instalações e elaborar, no prazo
de 15 dias, o relatório da vistoria.
Uma outra competência que lhe advém do Estatuto (alínea b) do nº 1 do artº 3º do DL
102/2000, de 2-06) e das próprias normas internacionais (alínea c) do nº 1 do artº 3º da
Convenção nº 81 da OIT, e alínea c) do nº 1 do artº 6º da Convenção nº 129 da OIT), consiste
na acção de enriquecimento do quadro normativo, sugerindo à autoridade competente as
medidas adequadas em caso de falta ou inadequação de normas legais ou regulamentares.
Efectua visitas inspectivas24 no âmbito da SHST, verificando, nomeadamente, se o
empregador cumpriu as obrigações que lhe são cometidas pelo artº 273º do CT.
Verifica, ainda, durante a visita inspectiva, se o empregador garante a organização e o
funcionamento dos serviços de SHST (artº 276º do CT), e estes, por sua vez,
desempenham as actividades a que estão obrigados pelo artº 240º da Regulamentação.
Não obstante verificar se o empregador identificou e avaliou os riscos para a
segurança e saúde dos trabalhadores, adoptando convenientes medidas preventivas, o
próprio inspector do trabalho, durante a visita inspectiva, observa e analisa as
instalações, as máquinas e os equipamentos, os materiais, o processo produtivo e os
postos de trabalho, conversa e interroga os seus interlocutores, por forma a identificar
situações de risco, determinando ao empregador que proceda às modificações
necessárias no local de trabalho que lhe permitam garantir condições de segurança e
saúde aos seus trabalhadores. Richthofen (2006: 170-171) considera que o objectivo
duma inspecção é alcançar uma mudança positiva e permanente nas condições de
trabalho e nos procedimentos, devendo os inspectores do trabalho aconselhar e apoiar as
administrações das empresas na escolha de soluções, com vista à melhoria da SST. No
entanto, não deverão esquecer-se de que a lei exige a tomada de medidas adequadas
quando depararem com situações intoleráveis.

3.2.2. Procedimentos e instrumentos utilizados


Para levar a cabo a sua missão, o inspector do trabalho dispõe de vários procedimentos e
instrumentos inspectivos, sendo de salientar:

1. Presta informações e conselhos técnicos sobre o modo mais adequado de


respeitar as condições de trabalho e de promover a SST, quer a empregadores, quer a
trabalhadores ou aos seus representantes, no próprio local de trabalho, aquando da visita
inspectiva, ou nos Serviços da IGT (alínea e) do nº 2 e nº 3 do artº 3º, nº 1 do artº 5º,
alínea a) do nº 1 do artº 10º, todos do DL 102/2000, de 2-06, e nº 1 do artº 3º da
Convenção nº 81 da OIT);
2. Elabora notificações para tomada de medidas, notificando o empregador para
que, dentro do prazo fixado, realize nos locais de trabalho as modificações
necessárias, de forma a assegurar a aplicação das disposições relativas à SHST (alínea
c) do nº 1 do artº 10º do DL 102/2000, de 2-06). Sempre que o inspector do trabalho
notifica o empregador para adoptar determinadas medidas preventivas dentro de um
certo prazo, passado que seja esse prazo realiza nova visita inspectiva, confirmando o
cumprimento da notificação;
3. Notifica para que sejam adoptadas medidas imediatamente executórias, ou
procede à suspensão de trabalhos ou de equipamentos de trabalho, quando verifica
situações de risco grave ou probabilidade séria de lesão da vida, integridade física ou
saúde dos trabalhadores (alínea d) do nº 1 do artº 10º do DL 102/2000, de 2-06, alínea
b) do nº 2 do artº 13º da Convenção nº 81 da OIT);
4. Sempre que surjam dúvidas sobre se determinada máquina, equipamento ou
componentes materiais do trabalho cumprem as prescrições mínimas exigíveis, notifica
o empregador para que promova, através de pessoa competente ou organismo
acreditado, verificações, medições, testes, peritagens e ensaios, adoptando as medidas
preventivas que se mostrem necessárias à sua correcta instalação e ao bom
funcionamento dos mesmos (alínea j) do nº 1 do artº 11º do DL 102/2000, de 2-06, e artº
6º do DL 50/2005, de 25-02);
5. Participa a outras entidades situações de risco ou de violação da legislação em
vigor, que se enquadrem no âmbito das suas competências (alínea i) do nº 1 do artº 10º
do DL 102/2000, de 2-06);
6. Aplica sanções em caso de incumprimento de normas de segurança e saúde,
levantando auto de notícia (artº 7º, alínea f) do nº 1 do artº 10º do DL 102/2000, de 2-
06, e artº 633º do CT);
7. Elabora participações crime, comunicando ao Ministério Público, para
procedimento criminal, a desobediência à notificação de suspensão imediata de
trabalhos (artº 348º do Código Penal e artos 241º e 242º nº 1 alínea b) do Código do
Processo Penal).

O inspector do trabalho encorajará, através de todos os meios que tem à sua


disposição, ao cumprimento da lei. A aplicação de coimas não é nem será o seu
objectivo principal, mas tão só um instrumento de prevenção, induzindo as empresas a
introduzirem medidas de segurança e saúde, de modo a contribuírem para o aumento da
qualidade de vida no trabalho.
O inspector do trabalho procura, então, com a sua intervenção, a protecção do
homem, a prevenção dos riscos e a promoção da melhoria das condições de trabalho.
Mais do que a sanção, interessam-lhe os resultados reais da sua acção, o
desenvolvimento da sociedade.
3.2.3. Os inquéritos de acidentes de trabalho
Outra competência atribuída ao inspector do trabalho consiste na elaboração de
inquéritos em caso de ocorrência de acidentes de trabalho mortais ou que evidenciem
situações particularmente graves, ou de doenças profissionais que provoquem lesões
graves (alínea e) do nº 1 do artº 10º do DL 102/2000, de 2-06, e nos 2 e 3 do artº 279º do
CT). Para que o inspector do trabalho possa dar cumprimento a este objectivo, o
empregador encontra-se obrigado a comunicar-lhe, de acordo com o previsto no nº 1 do
artº 257º da Regulamentação, nas 24 horas seguintes à sua ocorrência, os acidentes
mortais ou que evidenciem uma situação particularmente grave, cabendo nesta última
hipótese, no entender da IGT (2004), à falta de definição legal, as situações que
provoquem lesões graves ou que, do ponto de vista da segurança no trabalho, assumam
particular gravidade e que apresentem as seguintes características:
• ficar o trabalhador incapacitado para realizar as tarefas que definem a sua
actividade profissional, por um período previsivelmente alargado e que seja
possível de antever no momento do acidente;
• que denotem a existência de problemas graves do ponto de vista da avaliação e
controlo dos riscos profissionais.
Com efeito, o inspector do trabalho deve deslocar-se ao local onde ocorreu o
acidente de trabalho, no mais curto espaço de tempo possível, antes que possam ser
alterados ou destruídos os vestígios, recolhendo as informações que julgue pertinentes
para a análise do mesmo. Ao procurar encontrar as causas que estiveram na origem do
acidente de trabalho, o inspector do trabalho desenvolve uma estratégia de intervenção,
as metodologias e os métodos adequados à acção preventiva, ao mesmo tempo que
promove o reforço da segurança, saúde e bem-estar no trabalho, e ajuda a evitar a
ocorrência de novos acidentes.
Posteriormente, o inquérito do acidente de trabalho será enviado ao Ministério
Público, tendo por objectivo, por um lado, a reparação e recuperação do trabalhador
sinistrado e, por outro, a reabilitação e reinserção profissional. Para Carvalho (2005a) o
legislador, ao consagrar a reabilitação do sinistrado, teve em mente preocupações
sociais e não apenas económicas, pois aquele não deve ser visto como um mero
produtor de rendimento, mas como pessoa, como cidadão.
No entanto, a análise do acidente de trabalho não cabe, apenas, ao inspector do
trabalho. Também o empregador é responsável por efectuar essa análise (alínea i) do nº
2 do artº 240º da Regulamentação), não só dos acidentes mortais ou que evidenciem
uma situação particularmente grave, mas de todos os acidentes de trabalho ocorridos
com trabalhadores ao seu serviço, e proceder ao seu registo, de modo a poder identificar
as causas que estiveram na origem dos mesmos, verificar se algumas causas se repetem
e definir as modificações a introduzir, adoptando adequadas medidas preventivas, de
modo a evitar a sua repetição. Quando o empregador não procede voluntariamente à
análise do acidente de trabalho, a IGT pode actuar coercivamente ou elaborar uma
notificação, solicitando o resultado da análise do acidente dentro de determinado prazo.
É importante que o inspector do trabalho transmita aos vários interlocutores
(Tribunal, Ministério Público, entidade empregadora,...) uma visão pluricausal do
acidente de trabalho, as várias interacções que possam existir entre os agentes
responsáveis pela ocorrência do acidente, pois só identificando os vários factores de
risco se pode tornar efectiva a prevenção.

Conclusão
A globalização dos mercados de trabalho, com a introdução de novas tecnologias e de
novas formas de organização do trabalho, trouxe implicações ao nível da empresa e das
próprias relações de trabalho, enfraquecendo a relação laboral e expondo os
trabalhadores a condições de trabalho mais precárias. Em resultado dessas
transformações, assiste-se ao “emagrecimento” das organizações, ao surgimento de
novas formas de trabalho atípicas e à emergência de novos riscos.
Todas estas modificações, associadas, ainda, ao défice de escolaridade da
população trabalhadora portuguesa, à baixa qualificação profissional e à reduzida
cultura de prevenção de empregadores, trabalhadores e população em geral, contribuem
para os elevados níveis de sinistralidade laboral ocorridos no nosso país, reduzindo o
bem-estar e a motivação dos trabalhadores, ao mesmo tempo que prejudicam a
produtividade e a competitividade das empresas.
De forma a colmatar estas deficiências, têm sido definidas e adoptadas, a nível
internacional, europeu e nacional, políticas em matéria de segurança, saúde e ambiente
de trabalho, tendo como principal objectivo a prevenção de riscos profissionais. No
entanto, o problema não se coloca na deficiente ou insuficiente legislação sobre estas
matérias, mas sim na sua efectivação por parte dos principais actores do mundo do
trabalho, os quais, na sua maioria, ainda não perceberam que a prevenção não é um
custo mas sim um investimento, com elevado retorno, quer ao nível da produtividade,
quer da qualidade.
Com efeito, não se pode continuar a considerar que os acidentes de trabalho são
uma fatalidade, uma consequência do acaso, um desleixo, ocorrem porque tinham de
acontecer, pois tal concepção implica aceitar que é impossível preveni-los. É necessário
que se proceda a uma mudança de mentalidades e que os acidentes sejam vistos como
um mal para a empresa, os trabalhadores, as suas famílias e a sociedade em geral. Esta
mudança de mentalidades, também defendida por Faria (1996), será conseguida através
do envolvimento e da participação de todos os actores no processo de prevenção da
empresa, mas, para que isso seja possível, torna-se essencial aumentar o nível de
escolaridade dos trabalhadores e desenvolver um adequado plano de formação. Os
trabalhadores não podem participar no processo de avaliação de riscos, dando um
contributo eficaz no que respeita às medidas de prevenção a adoptar, se não lhes for
ministrada uma formação adequada que lhes permita desenvolver as suas capacidades e
as suas competências.
Torna-se necessário, ainda, imputar a responsabilidade, não só administrativa,
mas também civil e criminal, a quem realmente for responsável pela ocorrência do
acidente de trabalho. Não pode continuar a ficar impune, ou simplesmente ser-lhe
aplicada uma sanção pecuniária, quem proceder à violação de normas de segurança.
Nesse sentido, Leite (1998: 108-109) refere que as instituições têm vacilado. Tem
vacilado o legislador penal porque “se tem demitido da responsabilidade de cometer ao
código penal o papel, desde logo pedagógico, que lhe cumpre desempenhar [...]. Até
parece que a vida do homem fora do trabalho vale mais do que a vida do mesmo homem
no trabalho”. Tem vacilado, também, a instituição judicial porque “se tem mostrado ou
indiferente ou complacente relativamente àquelas condutas que, apesar da referida
desgraduação, o código não deixa de considerar como criminosas. A morte de alguém
por omissão da medida adequada a evitá-la por parte da pessoa sobre a qual recai o
dever legal de a adoptar é, pelo menos, um crime de homicídio por negligência previsto
e punido pelo código penal”.
A IGT, em conjunto com outras instituições, assume um papel fundamental nestas
matérias, principalmente quando actua ao nível da prevenção integrada, aquando da
concepção dos locais e equipamentos de trabalho, procurando evitar os riscos, sendo
esta prevenção muito mais eficaz do que a prevenção de correcção, pois esta última
apenas reduz os efeitos dos riscos, tentando adaptar o processo produtivo e adaptar a
protecção, ao invés de conceber o processo produtivo, prever o risco e eliminá-lo. Ao
promover uma cultura de prevenção, a IGT contribui para o aumento da qualidade de
vida dos trabalhadores e suas famílias, e estes, por sua vez, melhoram a produtividade e
a competitividade das empresas, gerando-se maior bem-estar no trabalho.
1 INTRODUÇÃO

O envelhecimento da população, decorrente do declínio da fecundidade e


aumento da expectativa de vida, iniciou-se em vários países do mundo e, desde a
década de 60, nos países em desenvolvimento como o Brasil (CARVALHO;
GARCIA, 2003; VERAS, 2009).

A população brasileira encontra-se em franco processo de envelhecimento


há cerca de 40 anos. Quedas significativas nas taxas de mortalidade e fecundidade
ocorreram num espaço de tempo relativamente curto, fazendo com que a transição
de uma população jovem para uma população envelhecida esteja se dando de forma
muito mais rápida e explosiva do que a verificada na Europa há mais de um século.

Geralmente o ritmo do envelhecimento das pessoas nascidas no mesmo ano


é igual até elas chegarem aos vinte e tantos, trinta e poucos anos – todas são
saudáveis e capazes, exceto as pessoas que herdaram doenças genéticas raras ou
que sofreram acidentes graves. O ponto de transição entre o crescimento e o
envelhecimento se dá entre os 28 e 36 anos. Em geral cada função biológica diminui
3 a 6% por década (ODEBRECHT, 2003).

O Brasil hoje é um “jovem país de cabelos brancos”. Em menos de 40 anos,


o Brasil passou de um cenário de mortalidade próprio de uma população jovem para
um quadro de enfermidades complexas e onerosas, típica dos países longevos,
caracterizado por doenças crônicas e múltiplas que perduram por anos, com
exigência de cuidados constantes, medicação contínua e exames periódicos
(VERAS, 2009).

Conforme estudo prospectivo realizado por Carvalho e Rodrigues (2008),


relacionando a transição de estrutura etária da população brasileira, até 2050,
enquanto a população de 65 anos ou mais aumentará a taxas altas entre 2% e 4%,
a população jovem terá taxa de crescimento negativa.

Para enfrentar os desafios do novo padrão demográfico que se prenuncia


deverão ser definidas e implantadas políticas públicas para a prevenção e promoção
à saúde do trabalhador.
A mudança da faixa etária ativa promoverá importantes transformações na
sociedade com repercussões no mercado de trabalho e no perfil de demandas por
políticas públicas (RAFFONE; HENNINGTON, 2005).

O processo de envelhecimento normal tem características próprias e


esperadas, porém estas características podem modificar-se devido à atividade
laboral. Ao exercer uma atividade com grande exigência física e/ou mental, o
organismo do trabalhador sofre alterações decorrentes do trabalho e da forma como
ele o realiza. Dependendo das condições ambientais e ergonômicas do trabalho,
pode-se acelerar ou agravar o processo de envelhecimento, tornando-o patológico e
com sérias repercussões sobre a capacidade para o trabalho e qualidade de vida
destes trabalhadores (ODEBRECHT; GONÇALVES; SELL, 2002).

A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem demonstrado preocupação


com a questão do envelhecimento relacionado ao trabalho e reconhece que
modificações nos vários sistemas do corpo humano levam a uma diminuição
gradativa na eficácia de cada um deles, com diminuição na capacidade funcional
dos indivíduos, podendo gerar discordância entre as exigências do trabalho e a real
capacidade funcional (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993).

Segundo Ilmarinen et al. (1991), quando o trabalhador tem mais experiência


nas tarefas que executa, as exigências do trabalho, especialmente as mentais,
tendem a aumentar, podendo levar ao envelhecimento funcional precoce.

O envelhecimento da força de trabalho fez com que as questões relativas ao


envelhecimento funcional se tornassem uma prioridade no campo da saúde e
segurança no trabalho e, neste contexto, a capacidade para o trabalho é um
importante indicador na medida em que engloba aspectos relativos à saúde física,
bem-estar psicossocial, competência individual, condições e organização do trabalho
(ILMARINEN, 1997, 2001, 2006).

O impacto da transição demográfica no processo laboral e as mudanças das


relações de produção e de trabalho têm motivado diversos estudos sobre a
capacidade para o trabalho desde o início dos anos 90. No Brasil, as pesquisas
relacionadas à capacidade e envelhecimento funcional iniciaram após a tradução e
adaptação do questionário “Índice de Capacidade para o Trabalho” (ICT) para a
língua portuguesa, que ocorreu em 1997 (TUOMI et al., 2005).
O envelhecimento da população trabalhadora na Finlândia levou o Finnish
Institute of Occupational Health (FIOH) a desenvolver estudos que representaram o
primeiro marco teórico importante nesta área do conhecimento. Analisou-se uma
coorte no período de 1981 a 1992, com o objetivo de avaliar se o critério de reforma
por idade vinculado ao tipo de trabalho continuava adequado e, também, verificar
como os fatores relacionados com o trabalho, saúde, capacidade física, capacidade
para o trabalho e esforço percebido, influenciariam o trabalhador em fase de
envelhecimento (ILMARINEN et al., 1991; MARTINEZ, 2006).

Os referidos estudos realizados a partir dos anos 80 permitiram consolidar a


base teórica sobre os principais determinantes da capacidade para o trabalho, as
consequências positivas de uma boa qualidade da capacidade para o trabalho e,
ainda recomendar medidas de intervenção válidas para promover e proteger a
capacidade para o trabalho.

Além disso, foi formulado o conceito de capacidade para o trabalho (“work


ability”), enfatizando que este é uma condição resultante da combinação entre as
capacidades físicas, mentais e sociais do indivíduo em relação às exigências do
trabalho, comunidade de trabalho, organização e ambiente de trabalho (BELLUSCI;
FISCHER, 1999; ILMARINEN, 2001).

De acordo com Ilmarinen e Tuomi (1993), a capacidade para o trabalho pode


ser definida como “a auto-avaliação que o trabalhador faz do seu bem-estar no
presente e no futuro próximo e da capacidade para assegurar o seu trabalho tendo
em conta as exigências do mesmo, a saúde e os recursos psicológicos disponíveis”.

Para Ilmarinen et al. (1991), o desgaste decorrente das exigências do


trabalho pode desencadear respostas fisiológicas crônicas e agudas, reações
psicológicas e comportamentais, com possibilidade da diminuição da capacidade
funcional e da capacidade para o trabalho e desencadeamento de doenças
relacionadas ao trabalho. Por outro lado, exigências que se caracterizem como
positivas podem promover e proteger a saúde, a capacidade para o trabalho e a
capacidade funcional, qualquer que seja a idade do trabalhador.

Diversos fatores, como aspectos sócio-demográficos, funcionais, estilo de


vida, processo de envelhecimento e exigências do trabalho afetam a capacidade
para o trabalho, tornando-a insatisfatória ao longo da vida.
De acordo com Ilmarinen (2001, 2003); Sjögren-Rönkä et al. (2002); Tuomi
et al. (2005), dentre estas condições, a saúde pode ser considerada um dos
principais determinantes desta capacidade.

A manutenção da capacidade para o trabalho tem consequências positivas


na determinação da saúde, bem-estar e empregabilidade dos trabalhadores, com
benefícios para as organizações e para sociedade em função de seus impactos
sobre a produtividade, absenteísmo e sobre os custos sociais decorrentes das
pensões por incapacidade e da assistência às doenças (BUSINESS WORK AND
AGEING, 2008).

Quando se pensa a concepção de saúde em termos da saúde o trabalhador,


o trabalho adquire caráter central tanto por exigir do trabalhador habilidades para o
desempenho deste trabalho, como pelos impactos que as condições físicas, as
relações e a organização do trabalho exercem sobre o trabalhador. Portanto, a
saúde do trabalhador pode ser entendida como uma condição concreta e dinâmica
da qual o trabalhador dispõe para traçar e perseguir seus objetivos em direção ao
bem-estar físico, psíquico e social, e que é influenciada pelas condições e
organização do trabalho e pelo contexto no qual está inserido.

Gurgel (1998) afirma que é importante destacar o caráter fundamental que o


trabalho representa na vida e saúde dos homens e mulheres, uma vez que é a partir
das relações que se estabelecem no processo de trabalho, que se dá o processo de
socialização do indivíduo, ao mesmo tempo em que se promove o desenvolvimento
da humanidade.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (1993), os maiores


desafios para a saúde do trabalhador atualmente e no futuro são os problemas de
saúde ocupacional ligados às novas tecnologias de informação e automação, novas
substâncias químicas e energias físicas, riscos de saúde associados a novas
biotecnologias, transferência de tecnologias perigosas, envelhecimento funcional,
problemas especiais dos grupos vulneráveis (doenças crônicas e deficiências
físicas), problemas relacionados à crescente mobilidade dos trabalhadores e
ocorrência de novas doenças ocupacionais de várias origens.
O interesse em estudar o envelhecimento funcional deve-se às profundas
modificações que estão ocorrendo no perfil demográfico da população em geral,
tendo os trabalhadores incluídos neste perfil. Admitir o envelhecimento da população
como um todo e o envelhecimento da população de trabalhadores nela contida,
possibilita adequar o planejamento de ações em saúde, e em especial aquelas que
dizem respeito à saúde do trabalhador.

Um dos principais desafios da moderna gestão pública é assegurar


ambientes organizacionais saudáveis, assim como condições de trabalho capazes
de motivar os servidores públicos no desempenho de suas atribuições funcionais,
elevando assim a qualidade do serviço público prestado aos cidadãos.

Assim, considerando o tempo que o trabalhador permanece em seu


ambiente de trabalho, ele necessita de condições satisfatórias para garantir-lhe
saúde, vida social e familiar, além de medidas para que não perca sua capacidade
funcional em idade produtiva, ou seja, não envelheça precocemente.

A auto avaliação da capacidade para o trabalho, através de instrumento


padronizado e validado, é um procedimento complementar aos exames periódicos e
admissionais. Informa a perda de capacidade para o trabalho, servirá de subsídio
para acompanhamento da saúde dos servidores, a prevenção da perda precoce da
capacidade para o trabalho e do envelhecimento funcional, a promoção da saúde, a
qualidade de vida e a intervenção nos quadros de declínio já comprovados.

Quanto melhor o estado de saúde, melhor é a capacidade para o trabalho, o


que mostra a importância do monitoramento da saúde do trabalhador, para que se
identifiquem alterações precocemente e se aplique as medidas de prevenção,
promoção e recuperação da saúde.

Admitir o envelhecimento populacional como um todo e o envelhecimento da


população de trabalhadores nela contida, possibilita adequar o planejamento de
ações em saúde, e em especial aquelas que dizem respeito à saúde do trabalhador.

Nesse sentido, torna-se viável lançar mão desse modelo de avaliação que
contempla o olhar do próprio trabalhador sobre sua capacidade para o trabalho
diante das atividades que realiza, trazendo uma complementação às avaliações
realizadas pela equipe de saúde.
Além do exposto, a inexistência de estudos que contemplem questões
pertinentes à saúde dos servidores do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região
também motivaram a realização da pesquisa.

A pergunta condutora é: Qual a relação entre capacidade para o trabalho e


saúde dos servidores do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco?

Esse estudo apresenta como hipóteses:

a) Existe relação direta entre capacidade para o trabalho e saúde dos


servidores do TRT 6ª Região, de modo que quanto maior a capacidade para o
trabalho, melhor o estado de saúde dos servidores.

b) Há múltiplos fatores associados à capacidade para o trabalho dos


servidores do TRT 6ª Região, incluindo variáveis sócio-demográficas e
funcionais.
2 REFERENCIAL TEÓRICO CONCEITUAL

Este capítulo está dividido em tópicos levando em consideração o tema


pesquisado.

2.1 O envelhecimento populacional e funcional

“É um paradoxo que a idéia de ter vida longa agrade a todos,


e a idéia de envelhecer não agrade a ninguém”.
(Andy Rooney)

“Todo mundo está envelhecendo. Desde o dia em que você nasceu você
tem estado envelhecendo - a cada momento, a cada dia” (OSHO INTERNATIONAL
FOUNDATION, 2010, p. 110).

Envelhecer é uma dádiva, uma conquista da humanidade e motivo especial


para celebrar. Envelhecer significa prolongar a vida, vencer a morte
precoce, superar os enormes desafios da pobreza extrema, das doenças
infecciosas e da falta de acesso a cuidados adequados de saúde.
Envelhecer significa também menor fertilidade, um novo equilíbrio
demográfico na sociedade, uma sociedade predominantemente adulta
(LITVOC; BRITO, 2004, p. 60).

Segundo os resultados do Censo Demográfico 2010 realizado pelo Instituto


Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população brasileira alcançou a
marca de 190.755.799 habitantes na data de referência. A série de censos
brasileiros mostrou que a população experimentou sucessivos aumentos em seu
contingente, tendo crescido quase 20 vezes desde o primeiro Recenseamento
realizado no Brasil, em 1872 (IBGE, 2010).

O envelhecimento populacional é hoje um fenômeno mundial, e uma


realidade irreversível que se manifesta claramente no Brasil.

O nosso país está no meio de uma profunda transformação socioeconômica


guiada pela mudança demográfica. A mortalidade começou a cair, principalmente
entre os mais jovens, por volta de 1940. A mortalidade infantil diminuiu de 135/1.000
para 20/1.000 entre 1950 e 2010, e a expectativa de vida ao nascer aumentou de
cerca de 50 anos para 73 anos durante o mesmo intervalo de tempo (BANCO
MUNDIAL, 2011).
A mudança na taxa de fecundidade1 também foi significativa, de acordo com
o IBGE (2010), entre 2000 e 2010, a taxa de fecundidade reduziu em mais de um
quinto (22%), passando de 2,38 filhos por mulher para 1,86. Em 1940, a taxa era
três vezes maior: 6,16 filhos por mulher.

Segundo Oliveira et al. (2012), múltiplos fatores podem explicar o declínio


nos coeficientes de fecundidade, dentre os mais relevantes, destacam-se mudanças
na educação, na urbanização e no acesso aos meios massivos de comunicação.
Este último expõe mensagens de modernidade, qualidade de vida e da adoção de
valores que propiciam um menor número de filhos.

A grande quantidade de nascimentos no início da transição demográfica2


teve, e continua a ter fortes efeitos sobre a estrutura etária da população. Primeiro, a
população em idade ativa (entre 15 e 59 anos) começou a crescer rapidamente.
Segundo, a população em idades mais avançadas também começou a crescer, uma
tendência que se tornará crescentemente importante com o passar do tempo
(BANCO MUNDIAL, 2011).

O Brasil hoje é um “jovem país de cabelos brancos”. Em menos de 40 anos,


o Brasil passou de um cenário de mortalidade próprio de uma população jovem para
um quadro de enfermidades complexas e onerosas, típica dos países longevos,
caracterizado por doenças crônicas e múltiplas que perduram por anos, com
exigência de cuidados constantes, medicação contínua e exames periódicos
(VERAS, 2009).

“A ideia do Brasil como um país jovem sempre esteve presente em nossa


mente e desenhou o nosso horizonte. No entanto, de repente, nos percebemos
grisalhos” (LEBRÃO, 2009, p. 23) e, portanto, atualmente podemos nos considerar
um país de meia idade.
Durante os últimos 60 anos, a fração de idosos (60 ou + anos de idade) na
população brasileira tem aumentado significativamente. Em 1950, eles eram 2,6
milhões e representavam 4,9% da população total. Com um crescimento anual de
3,4% comparados a 2,2% da população em geral, em 2010 os idosos já eram 19,6
milhões e representavam 10,2% da população.

Costa, Ceolim e Neri (2011, p. 2) afirmam que “o Brasil possui contingente


próximo a 22 milhões de pessoas com mais de 60 anos de idade, número que
supera a população de idosos de vários países europeus”.

Nos próximos 40 anos, esse grupo de idosos crescerá a uma taxa de 3,2%
ao ano, comparada a 0,3% da população total. Como resultado, haverá 64 milhões
de idosos em 2050, 29,7% da população total (BANCO MUNDIAL, 2011).

De fato, a partir de 2025, o crescimento populacional do Brasil será


integralmente guiado por aumentos da população mais velha (a população mais
jovem começou a declinar no começo de 1990), enquanto que a população em
idade ativa – entre 15 e 59 anos – começará a declinar (IBGE, 2010).

Ao observarmos as três pirâmides etárias relativas do Brasil para os anos de


1991, 2000 e 2010 (Gráfico 1), notaremos importantes mudanças ocorridas na
estrutura etária da população residente nas duas últimas décadas:
O estreitamento da base, ao mesmo tempo em que o ápice se torna cada
vez mais largo, é decorrente do contínuo declínio dos níveis de fecundidade
observados no Brasil e, em menor parte, da queda da mortalidade no período (IBGE,
2010).

Ainda de acordo com o IBGE (2010), a representatividade dos grupos etários


no total da população em 2010 é menor que a observada em 2000 para todas as
faixas com idade até 25 anos, ao passo que os demais grupos etários aumentaram
suas participações na última década.

Simultaneamente, o alargamento do topo da pirâmide pode ser observado


pelo crescimento da participação relativa da população com 65 anos ou mais, que
era de 4,8% em 1991, passando a 5,9% em 2000 e chegando a 7,4% em 2010.
Dessa forma, tem-se que o crescimento absoluto da população do Brasil nestes
últimos dez anos se deu principalmente em função do crescimento da população
adulta, com destaque também para o aumento da participação da população idosa.

A evolução da estrutura etária observada nas pirâmides (Figura 1) nos


sugere também que, confirmadas as tendências esperadas de mortalidade e
fecundidade, a população do Brasil tende a dar continuidade a esse processo de
envelhecimento.
Os gráficos da figura 1 também mostram que a população brasileira
vivenciará uma feminilização do envelhecimento, com muito mais mulheres do que
homens nas idades superiores, um fenômeno comum em países em estágio
avançado de transição demográfica.

De acordo com Giatti e Barreto (2003), no Brasil esta transição demográfica


iniciou-se no final dos anos 60, constituindo um dos mais importantes e agudos
processos de envelhecimento populacional entre os países mais populosos. O
contexto de importantes desigualdades sociais, precariedade das condições de
trabalho e qualidade de vida exerce influência neste envelhecimento mantendo
consequentemente as pessoas trabalhando até uma idade mais avançada.

A mudança da faixa etária ativa promoverá importantes transformações na


sociedade com repercussões no mercado de trabalho e no perfil de demandas por
políticas públicas (RAFFONE; HENNINGTON, 2005).

Minayo (2012), na análise de dados do IBGE considera que “a revolução


demográfica brasileira constitui uma conquista e uma responsabilidade para os
gestores e a sociedade”. Reforçando que é crucial investir na promoção da
autonomia e da vida saudável desse grupo social, assim como prover atenção
adequada às suas necessidades e, sobretudo, sensibilidade para saber que de
agora em diante a população idosa veio para ficar e continuará aumentando até os
anos 2050.

O processo de envelhecimento da população, ocorrido nas últimas décadas,


justifica nossa preocupação em relação à classe trabalhadora, segmento
representativo dessa população.

De acordo com Ilmarinen (2001), em países como o Brasil, trabalhadores


com idades inferiores a 45 anos de idade já devem ser motivo de preocupação no
que diz respeito ao envelhecimento funcional precoce.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu como trabalhador em fase


de envelhecimento aquele com 45 anos de idade ou mais. Assume-se que a
partir dessa idade as perdas de algumas capacidades funcionais tendem a
se acentuar caso medidas preventivas não sejam adotadas
concomitantemente, bem como se as condições de trabalho não forem
adequadas. Condições inadequadas de trabalho podem ser traduzidas em
riscos de natureza física, química, biológica ou organizacional, que podem
resultar no afastamento precoce do mercado de trabalho (CAMARANO;
PASINATO, 2008, p. 7).
O envelhecimento não é simplesmente um efeito do tempo, mas refere-se a
muitas mudanças no funcionamento biológico, psicológico, funcional e social ao
longo do tempo, e, portanto, tem um efeito sobre os níveis pessoal, econômico,
organizacional e social.

O processo de envelhecimento normal tem características próprias e


esperadas, porém estas características podem modificar-se devido à atividade
laboral. Ao exercer uma atividade com grande exigência física e/ou mental, o
organismo do trabalhador sofre alterações decorrentes do trabalho e da forma como
ele o realiza (ODEBRECHT; GONÇALVES; SELL, 2002).

Segundo Ilmarinen (1994, 2006, 2009); Ilmarinen et al. (1991); Ilmarinen e


Tuomi (1992), o principal problema do envelhecimento e trabalho é o desequilíbrio
entre as capacidades funcionais e as exigências do trabalho. O envelhecimento é
usualmente combinado com um declínio na capacidade funcional. Por outro lado,
quando o trabalhador tem mais experiência nas tarefas que executa, as exigências
do trabalho, especialmente as mentais, tendem a aumentar, podendo levar ao
envelhecimento funcional precoce.

A maioria dos trabalhadores experimenta uma perda na capacidade para o


trabalho com o envelhecimento, sobretudo, se não forem tomadas medidas
preventivas para a manutenção dessa capacidade. O impacto dessa perda pode ser
maior ou menor, dependendo do contexto funcional desses trabalhadores e de seus
repertórios sociocognitivos (WALSH et al., 2004).

De acordo com Ramos (2009), delineia-se um novo paradigma na saúde: a


população envelhece e o indicador de saúde importante, não é mais a presença ou
ausência de doença, mas o grau de capacidade funcional3 do indivíduo.

O envelhecimento funcional tem sido definido por diversos autores, como a


perda da capacidade para o trabalho, sendo que pode ser percebível antes mesmo
do envelhecimento cronológico (BELLUSCI; FISCHER, 1999; DURAN; MONTEIRO-
COCCO, 2004; ILMARINEN, 2001; ILMARINEN; TUOMI, 1992; METZNER;
FISCHER, 2001; TUOMI et al., 2001).
A OMS tem demonstrado preocupação com a questão do envelhecimento
relacionado ao trabalho e reconhece que modificações nos vários sistemas do corpo
humano levam a uma diminuição gradativa na eficácia de cada um deles, com
diminuição na capacidade funcional dos indivíduos, podendo gerar discordância
entre as exigências do trabalho e a real capacidade funcional (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 1993).

O envelhecimento da força de trabalho fez com que as questões relativas ao


envelhecimento funcional se tornassem uma prioridade no campo da saúde e
segurança no trabalho e, neste contexto, a capacidade para o trabalho é um
importante indicador na medida em que engloba aspectos relativos à saúde física,
bem-estar psicossocial, competência individual, condições e organização do trabalho
(ILMARINEN, 1997, 2001, 2006; MARTINEZ; LATORRE; FISCHER, 2010).

Hoje vivemos muito mais do que no passado. O período da maturidade


aumentou. Por isso é preciso manter a saúde física, intelectual e emocional
para se viver esse tempo plenamente. É necessário buscar condições para
se envelhecer com bem estar, porque não basta viver mais, tem que se
viver melhor (VERAS, 2007, p.657).

O envelhecimento está associado a uma progressiva deterioração da saúde


e aumento à suscetibilidade às doenças. É de grande importância a compreensão
deste processo e suas relações com a capacidade funcional, a fim de serem
adaptadas as exigências do trabalho à população que envelhece, evitando-se assim
o afastamento precoce da vida ativa de trabalho.

Segundo Camarato e Pasinato (2008), o envelhecimento de um indivíduo é


uma ação contínua que resulta em uma diminuição da capacidade funcional, não
depende apenas do avanço da idade cronológica, mas também das características
individuais, dos estilos de vida, das condições de trabalho, etc.

Neste contexto, Borges (2006) e Fischer et al. (2006) enfatizam que refletir
sobre o processo de envelhecimento/trabalho é indispensável para que possam ser
implementadas ações de promoção à saúde, que visem à preservação da
capacidade para o trabalho da população que se encontra em idade produtiva, ou
seja, para reduzir/evitar o envelhecimento funcional precoce.
2.2 O modelo teórico da Capacidade para o Trabalho

Os estudos do Finnish Institute of Occupational Health (FIOH) sobre


envelhecimento e capacidade para o trabalho basearam-se no construto de
estresse-desgaste (stress-strain) de Colquhoun e Rutenfranz (1980) – segundo o
qual o desgaste que o trabalhador vivencia depende tanto de estressores
decorrentes das cargas físicas e mentais do trabalho, do ambiente, das ferramentas
do trabalho, das características e recursos do trabalhador, as quais vão condicionar
a sua capacidade de lidar com a situação, havendo diferentes respostas ao
estresse, podendo desencadear respostas fisiológicas, psicológicas e
comportamentais, com efeitos negativos sobre a saúde e a capacidade para o
trabalho (Figura 2). O modelo inclui muito e pouco estresse no trabalho e sua
prevenção, estando associados com as condições de trabalho e recursos individuais
(GOULD et al., 2008; ILMARINEN et al., 1991; ILMARINEN; TUOMI, 2004;
MARTINEZ; LATORRE, 2008; MARTINEZ; LATORRE; FISCHER, 2009, 2010;
MENEGON, 2011; SILVA JÚNIOR, 2010; TUOMI et al., 1991, 1997, 2004, 2005).

De acordo com Seligmann-Silva (1994, 2003, 2006), a noção de desgaste


adotada neste modelo tem raízes na vertente teórica que adota o conceito de
estresse no trabalho e que se desenvolveu em modelos mais complexos,
incorporando a análise de aspectos sociais e antropológicos, incluindo os aspectos
referentes ao âmbito da empresa, à organização do trabalho e ao contexto social.
Esse modelo contempla uma abordagem psicossocial que, sem correr ao exame da
dinâmica intrapsíquica, abriu uma nova linha de estudos sobre estresse.

Ao referencial teórico que embasou os estudos do FIOH, foi incorporada na


década de 90, a concepção de envelhecimento e capacidade para o trabalho da
Organização Mundial da Saúde que integra trabalho, estilo de vida, envelhecimento
e saúde como condicionantes do envelhecimento funcional (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 1993; TUOMI et al., 1997).
Tuomi et al. (1997) salientam que, quando se objetiva a promoção da saúde,
avaliar saúde somente pela presença de doenças ou pela capacidade funcional
torna-se um método limitado que deve ser substituído por uma avaliação mais
abrangente e integral, contemplando os diferentes aspectos da saúde.

Por esta razão, o referencial teórico que embasou os estudos do FIOH foi
expandido integrando trabalho, estilo de vida, envelhecimento e uma visão global de
saúde.

De acordo com Gould et al. (2008), recentemente, alguns modelos


multidimensionais têm abordado não somente aspectos incluídos por modelos
tradicionais, mas também aspectos como trabalho comunitário, administração e
ambientes micro e macro fora do trabalho. Diferentemente dos modelos tradicionais,
que focam os aspectos médicos da saúde e da capacidade funcional ou a
importância do balanço entre recursos humanos e demandas de trabalho.
2.3 O modelo multidimensional da Capacidade para o Trabalho: recursos
individuais, trabalho, família, comunidade e sociedade

Os estudos de Ilmarinen (2006); Ilmarinen e Tuomi (2004); Martinez; Latorre


e Fischer (2009); Radkiewicz e Widerszal-Bazyl (2005); Silva Júnior (2010)
demonstraram que a capacidade para o trabalho não é um construto unidimensional
e que a mesma é afetada por diversos aspectos da vida do trabalhador. Uma
definição desse construto o ilustra através de uma estrutura semelhante a uma
“casa” constituída de diversos andares.

O primeiro andar da “casa” é formado por recursos humanos, tal como,


saúde e capacidade funcional. Ele é o mais importante e é a força da capacidade
para o trabalho durante toda a vida. O segundo andar é constituído de conhecimento
e habilidade. O terceiro representa valores e atitudes dos trabalhadores, bem como,
fatores de motivação na vida e no trabalho. As experiências no trabalho podem
afetar os valores e as atitudes dos trabalhadores. No quarto andar estão presentes
os aspectos ligados ao ambiente de trabalho, as condições, o conteúdo, as
demandas, a organização, o gerenciamento e a supervisão no trabalho
(ILMARINEN; TUOMI, 2004).

Os mesmos autores afirmam que, se os recursos individuais estiveram em


equilíbrio com a capacidade para o trabalho ela permanecerá boa, mas se os
mesmos não forem proporcionais com o tamanho e a funcionalidade do quarto
andar, a capacidade para o trabalho ficará deteriorada. Os gerentes também podem
ser fundamentais nesse processo. Além disso, a conciliação entre família e
comunidade é essencial para uma boa capacidade para o trabalho.

Esse modelo teórico proposto por Ilmarinen e Tuomi (2004), objetiva


demonstrar que o construto de capacidade para o trabalho é uma estrutura
complexa e que pode ser afetada por diversos aspectos da vida do trabalhador, que
podem estar dentro do ambiente do trabalho, mas também podem estar na família
ou sociedade, por exemplo (Figura 3).
O modelo tenta descrever capacidade para o trabalho holisticamente, não
em termos dos fatores que a afetam separadamente.

Mais recentemente, Ilmarinen (2010) publicou uma nova versão da “casa de


capacidade para o trabalho” (Figura 4).
A saúde física, psicológica e social e capacidade funcional continuam
formando o piso térreo. Todo o resto da casa repousa sobre ele. Mudanças na
capacidade funcional e saúde refletem na capacidade para o trabalho – a
deterioração da saúde é uma ameaça. A melhora da capacidade funcional também
torna o desenvolvimento da capacidade para o trabalho possível.

O segundo andar representando o conhecimento profissional e de


competência (habilidade) e seu desenvolvimento contínuo são usados para atender
às demandas da vida profissional. A capacidade pessoal para desenvolver um
trabalho e atuar em locais diferentes também pode ser considerada como
competência. O desenvolvimento contínuo de competências profissionais é um pré-
requisito importante à capacidade para o trabalho.
O terceiro andar reflete a relação entre trabalho e vida pessoal, tem relação
com o envelhecimento e inclui valores, atitudes e motivação. Isto é, tudo sobre o
equilíbrio entre trabalho e recursos humanos. A varanda da casa está aberta às
influências da vida além do trabalho, família, comunidade próxima. Mudanças na
sociedade ou na legislação (reforma da previdência, por exemplo) também são
refletidas neste andar. Os valores, as atitudes e a motivação estão perto do piso do
trabalho (quarto). A primeira experiência de trabalho afeta o trabalhador, seus
valores e atitudes. Boa experiência fortalece positivamente e as más enfraquecem.

O quarto andar representa o trabalho e seus fatores relacionados. É o maior


e mais pesado piso da casa. Na verdade, estabelece padrões para outros andares. A
capacidade para o trabalho e seu peso é suportada pelos andares mais baixos. As
condições, conteúdo, demandas e organização do trabalho, bem como
funcionamento, supervisão e gestão do trabalho, fazem do piso do trabalho uma
entidade que é multidimensional, difícil de perceber e difícil de medir. Os
supervisores são responsáveis por este piso e eles também têm um mandato para
organizar e alterar o chão, se necessário.

Há interação constante entre os pavimentos, o contexto da família, da


comunidade e da sociedade. A reconciliação entre vida familiar e trabalho é
essencial para a capacidade para o trabalho. A escadaria liga o chão, indicando que
todos os fatores são interativos, interagem.

A política de governo, as estruturas de garantia de qualidade, as


expectativas da sociedade, os serviços de cuidados a idosos, as diferenças culturais
no cuidado com a alimentação, com idades de trabalho, todos têm efeito sobre a
capacidade para o trabalho.

A casa, portanto, sob um telhado, combina todos os aspectos que são


essenciais à manutenção e promoção da capacidade para o trabalho em uma
organização. Todos os andares precisam estar em uma relação equilibrada. Se a
capacidade de trabalho é baixa, todos os andares devem ser considerados.
Para testar a relação dos diferentes andares da “casa de capacidade para o
trabalho” com as dimensões do Índice de Capacidade para o Trabalho foi utilizado
no Health Survey4 o Modelo de Equações Estruturais (MEE)5, buscando identificar
grupos de variáveis que melhor explicam as dimensões propostas.

As hipóteses de associação entre essas variáveis e o Índice de Capacidade


para o Trabalho (ICT) foram confirmadas, mostrando que a capacidade para o
trabalho é um construto que está ligado a aspectos da vida do trabalhador, dentro e
fora do seu ambiente de trabalho (GOULD et al., 2008).

2.4 A Capacidade para o Trabalho

De acordo com Martinez, Latorre e Fischer (2009), as respostas às questões


referentes ao envelhecimento funcional, vêm constituindo uma prioridade no campo
da saúde do trabalhador e faz com que a Capacidade para o Trabalho seja um
importante indicador por abranger aspectos relativos à saúde física, bem-estar
psicossocial, competência individual e condições de trabalho.

O conceito de Capacidade para o Trabalho (“work ability”), proposto a partir


dos estudos do FIOH, enfatiza que ela é uma condição resultante da combinação
entre recursos humanos em relação às demandas físicas, mentais e sociais do
trabalho, gerenciamento, cultura organizacional, comunidade e ambiente de trabalho
(ILMARINEN, 2001, 2002, 2003, 2007, 2011).

Este conceito é expresso como "quão bem está, ou estará, um (a)


trabalhador (a) presentemente ou num futuro próximo, e quão capaz ele ou ela pode
executar seu trabalho em função das exigências, de seu estado de saúde e
capacidades físicas e mentais” (TUOMI et al., 2005).
De acordo com Ilmarinen e Tuomi (1992), a capacidade para o trabalho pode
ser definida como “a auto avaliação que o trabalhador faz do seu bem-estar no
presente e no futuro próximo e da capacidade para assegurar o seu trabalho tendo
em conta as exigências do mesmo, a saúde e os recursos psicológicos disponíveis”.

Bellusci e Fischer (1999), afirmam que diz respeito à capacidade que o


trabalhador tem para executar o seu trabalho em função das exigências do mesmo,
do seu estado de saúde e das suas capacidades físicas e mentais, representando
uma medida de envelhecimento funcional.

Para Renosto et al. (2009), a capacidade para o trabalho engloba as


capacidades físicas, mentais e sociais do indivíduo em relação às exigências do
trabalhador, levando em consideração também aspectos da comunidade de
trabalho, organização e ambiente de trabalho.

A Organização Mundial da Saúde (1993) considera que o conceito de


capacidade para o trabalho engloba, num sentido lato, todas as capacidades
necessárias à execução de um determinado tipo de trabalho e, num sentido restrito,
é sinônimo de expressão e aptidão para o trabalho.

E complementa que a adequação, mais ou menos perfeita, entre a


capacidade para o trabalho e a exigência da tarefa a efetuar tem influência na
produtividade e pode ser uma causa de stress, mal-estar, doenças e incapacidades
ligadas à profissão. Esta perspectiva multidimensional enfatiza a interação entre o
trabalho, os estilos de vida, a idade e a saúde (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE, 1993).

De acordo com Bellusci e Fischer (1999); Ilmarinen (2001); Padula et al.


(2011) e Sorensen et al. (2007), a capacidade para o trabalho representa o quanto o
trabalhador está bem nesse momento e num futuro próximo de forma que, a
incapacidade, ou a diminuição da capacidade para o trabalho, pode fazer com que o
indivíduo tenha a percepção de estar menos capaz para suas tarefas atualmente, do
que estava há alguns anos.

Segundo Costa (2009), a capacidade para o trabalho é um termo utilizado


para assegurar uma correta correspondência entre as capacidades funcionais e as
competências de um indivíduo e as exigências da tarefa e o ambiente de trabalho,
onde se incluem os métodos e as ferramentas utilizadas.
A capacidade para o trabalho é uma das bases do bem-estar para todos os
indivíduos, e sua avaliação deve ser baseada em dados obtidos de várias e
diferentes fontes. O conceito que o trabalhador tem da sua capacidade para o
trabalho é tão importante quanto às avaliações dos especialistas. Em conjunto,
essas avaliações fornecem uma visão melhor da capacidade para o trabalho
(TUOMI et al., 2005).

Um modelo descrito por Ilmarinem (2001) define que a capacidade para o


trabalho é determinada em função dos recursos humanos e das características do
trabalho.

Estes recursos humanos consistem numa combinação entre capacidade


funcional e saúde (física e mental), educação e competências, valores e atitudes do
indivíduo e sua motivação. Quando estes fatores relacionam-se com as exigências
físicas e mentais da tarefa, os trabalhadores, a gestão e o ambiente de trabalho, o
resultado pode ser chamado de capacidade individual para o trabalho (Figura 5).
Segundo Ilmarinem (2001), o conceito de capacidade para o trabalho é um
processo dinâmico que sofre inúmeras mudanças ao longo da vida de trabalho.

Costa (2009) relata que se deste conjunto de fatores existirem alguns que
afetem o indivíduo levando a que este não consiga responder às exigências da
tarefa, poderá então falar-se de uma diminuição da capacidade para o trabalho do
indivíduo.

Pode-se concluir, portanto, que a capacidade para o trabalho pode ser


influenciada por um processo multifatorial em que os diversos elementos interagem
entre si, muitas vezes de maneira complexa (ILMARINEN, 2001, 2006, 2009).

De acordo com Gould et al. (2008), é inegável que a capacidade para o


trabalho está associada a quase todos os fatores que descrevem recursos
individuais e de vida no trabalho.

2.5 Os determinantes e os fatores associados à Capacidade para o Trabalho

A seguir, serão descritos os determinantes e os fatores associados à


Capacidade para o Trabalho.

2.5.1 Aspectos sócio-demográficos

Vários autores identificam a idade como determinante da capacidade para o


trabalho (ANDRADE; MONTEIRO, 2007; COSTA, 2009; GASPARY; SELAU;
AMARAL, 2008; GOEDHARD; GOEDHARD, 2005; GOULD et al., 2008; MARTINEZ,
2006; MARTINEZ; LATORRE, 2006, 2008, 2009; SILVA et al., 2010; TUOMI et al.,
2005).

A partir dos 45 anos, com o aparecimento e/ou agravamento de diversos


tipos de doenças, a capacidade funcional física e mental pode começar a deteriorar,
influenciada pela diminuição da capacidade cardiorrespiratória e musculoesquelética
em função da idade (
Entretanto, vale destacar que estudos junto a trabalhadores finlandeses
(ILMARINEN; TUOMI, 2004) e brasileiros (BELLUSCI, 2003; MONTEIRO, 1999)
identificaram que esta associação pode não ser linear ou pode estar ausente,
evidenciando a interferência de outros fatores nesta relação.

Segundo Sell (2002), de fato, o envelhecimento repercute em perda de força


muscular, capacidade cardiopulmonar, coordenação sensório-motora, acuidade
visual e auditiva entre outras, contudo o treinamento adquirido, as experiências
acumuladas e a capacidade de lidar com situações difíceis podem significar
vantagens expressivas para indivíduos com mais idade.

De acordo com Campos (2011), apesar de haver uma tendência a um ponto


culminante do bom desempenho em atividades profissionais próximo aos 40 anos de
idade, apresentando posteriormente uma perda progressiva das habilidades dos
indivíduos, acredita-se que questões específicas como a prática regular de atividade
física e a experiência profissional adquirida possam ter efeito compensatório sobre a
perda prevista de habilidade e capacidade mantendo, desta forma, um bom
desempenho profissional.

Em relação ao sexo, o feminino é registrado como fator associado à


capacidade para o trabalho.

O estudo de Vasconcelos et al. (2011) evidenciou que, entre as mulheres, a


prevalência de capacidade inadequada para o trabalho foi 84% maior em relação ao
sexo masculino.

Em um estudo brasileiro realizado entre Grupos de uma Instituição de Saúde


Pública, Monteiro, Ilmarinen e Corrêa Filho (2006) verificaram que a capacidade
para o trabalho entre as mulheres diminuiu significativamente com a idade.

Segundo Hodge (2006) em seu estudo, o fato de ser mulher significou


apresentar um Índice de Capacidade para o Trabalho (ICT) pior que o homem em 23
pontos.
Entre trabalhadores italianos, incluindo profissionais de enfermagem, Costa
e Sartori (2007), verificaram que os maiores percentuais de trabalhadores com ICT
baixo e moderado estavam entre as mulheres.

Estes resultados são reforçados por diversos autores, como os estudos de


Perkiö-Mäkelä (2000) na Finlândia, Costa (2009) em Portugal, Bellusci e Fischer
(1999); Bellusci (2003); Chillida e Monteiro-Cocco (2003); Monteiro, Ilmarinen e
Gomes (2005); Monteiro-Cocco (2002); Walsh (2004); Walsh et al. (2004) no Brasil.

De acordo com Rotenberg et al. (2009); Salim (2003); Spíndula (2000);


Tuomi et al. (2005), diversas causas podem ser citadas para explicar por que as
mulheres têm maiores riscos de apresentar capacidade de trabalho inadequada.
Dentre elas, os múltiplos papéis assumidos pela maioria das mulheres que exercem
uma atividade profissional. A sobrecarga de trabalho, com jornadas duplas ou triplas,
pode conduzir a mulher ao estresse físico e emocional, considerando que sua
inserção no mercado de trabalho não a desvinculou das tarefas domésticas e da
educação dos filhos.

As condições socioeconômicas também são elencadas como importantes na


determinação da saúde e da capacidade para o trabalho. Entretanto, os padrões de
associação são complexos, recebendo influência de fatores relacionados ao
trabalho, às condições de vida e aos hábitos de saúde (AITTOMÄZI; LAHELMA;
ROOS, 2003; MARTINEZ, 2006; MARTINEZ; LATORRE, 2009; METZNER;
FISCHER, 2001; MONTEIRO, 1999; TUOMI et al., 1991).

O nível educacional e a competência profissional também são considerados


fatores associados à capacidade para o trabalho. Segundo Ilmarinen (2002);
Martinez (2006); Pohjonen (1999), a capacidade para o trabalho pode ser promovida
pelo aumento da competência6.

Tuomi et al. (2001) verificaram que o hábito de estudar, a possibilidade de


desenvolvimento e de influenciar o trabalho, apresentaram forte associação positiva
com capacidade para o trabalho.
As pesquisas de Martelin et al. (2004, 2006), provaram que a educação é
constantemente relacionada com a maioria dos indicadores da capacidade funcional
e de saúde.

De acordo com Gould et al. (2008), a educação aumenta as possibilidades


de manter a capacidade para o trabalho. Ela diminui o risco da carga de trabalho
físico e aumenta o controle do trabalhador e do seu trabalho.

A capacidade mental pode ser afetada pelo envelhecimento, com diminuição


do desempenho da memória, da capacidade de percepção e da velocidade de
processamento de informações (ILMARINEN et al. 1991a; TUOMI et al. 1997b,
1997c).

Segundo Tuomi et al. (1997c), estas mudanças não são sistemáticas,


podendo ser compensadas pelo aumento do conhecimento, da experiência, da
habilidade para trabalhar de forma independente e do maior vínculo ao emprego que
trabalhadores com mais idade tendem a apresentar.

2.5.2 Estilo de vida

Fischer et al. (2005) enfatizam que a adoção de hábitos de vida não-


saudáveis, como o etilismo e o tabagismo, e as más condições de vida, podem tanto
agravar, bem como acelerar a perda da capacidade para o trabalho.

O tabagismo é inversamente associado à capacidade para o trabalho e à


capacidade física, constituindo um fator de risco para doenças cardiovasculares e
pulmonares (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993; TUOMI et al., 1991).

De acordo com Vaissman (2004) no Brasil, o alcoolismo é o terceiro motivo


para absenteísmo no trabalho, a causa mais frequente de aposentadorias precoces
e acidentes no trabalho e a oitava causa para concessão de auxílio doença pela
Previdência Social.

Corrobora ainda com atrasos, queda de produtividade, desperdício de


materiais, sonolência, sobrecarga dos sistemas de saúde, conflitos com colegas de
trabalho, conflitos disciplinares em relação aos supervisores, dificuldade de entender
novas instruções ou de reconhecer erros, reação exagerada às críticas e variação
constante do estado emocional (AMARAL; MALBERGIER, 2004; VAISSMAN, 2004).

O consumo abusivo de álcool pode exercer efeitos negativos sobre a


capacidade para o trabalho, tais como: alterações na saúde física e mental,
diminuição da produtividade, aumento do absenteísmo e aumento do risco para
acidentes de trabalho (MARQUES; RIBEIRO, 2002; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE, 1993).

Contudo, o efeito destes fatores nem sempre são lineares e os indivíduos


que praticam atividade física também podem ter hábitos tabagistas e/ou etilistas, o
que poderia favorecer a confusão dos resultados (MARTINEZ, 2006; SEITSAMO;
ILMARINEN, 1997)

A prática de atividade física e a satisfação com a vida são preditos de boa


capacidade para o trabalho (ILMARINEN; TUOMI; KLOCKARS, 1997; SEITSAMO;
ILMARINEN, 1997; TUOMI et al. 1991a; 1991b).

Raffone e Hennington (2005) demonstraram que os trabalhadores que


praticavam alguma atividade física, possuíam maior probabilidade de apresentar boa
capacidade para o trabalho, em relação àqueles que não faziam nenhuma atividade
física.

O papel protetor da atividade física é explicado pelo seu efeito na


preservação da capacidade musculoesquelética e cardiorrespiratória, no aumento do
consumo energético, no controle do peso corporal e redução da gordura corporal, na
manutenção da capacidade aeróbia, da resistência e da força muscular, melhoria na
percepção do estado de saúde e da autoestima, bem como pelo seu efeito
reduzindo as reações emocionais ao stress (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE,
1993; POHJONEN, 2001; POHJONEN; RANTA, 2001; TUOMI et al., 1991, 1997).

De acordo com Boldori (2002) e Wainstein (2000), a capacidade


cardiorrespiratória e o funcionamento musculoesquelético são os aspectos que
exercem o maior impacto sobre a capacidade funcional e esta é considerada como a
base da capacidade para o trabalho, dado seu papel significativo sobre o desgaste
do trabalhador, pois se relaciona ao desempenho das demandas do trabalho.
Carlos (2009) legitima a ideia de que um trabalhador com a capacidade
funcional diminuída torna-se menos produtivo, tem baixa qualidade na tomada de
decisão e fica mais ausente no trabalho.

A obesidade é tida como fator de risco para perda da capacidade para o


trabalho, na medida em que o excesso de peso pode exercer impacto negativo por
afetar a capacidade cardiorrespiratória e musculoesquelética e por favorecer o
aumento da morbidade por doenças crônicas (BOLDORI, 2002; ILMARINEN, 2006;

De maneira geral, os estudos que contemplam as questões do estilo de vida


em relação à capacidade para o trabalho, privilegiam uma concepção de estilo de
vida saudável compatível com a da OMS, o qual diz respeito a um comportamento
individual de adoção de hábitos que podem reduzir o risco para a saúde, com ênfase
em questões como o tabagismo, o consumo de álcool, a prática de atividade física e
a obesidade (COSTA, 2009; MARTINEZ, 2006).

Segundo Manzoli (2011), as questões decorrentes das condições de


trabalho e do estilo de vida que afetam a saúde e a capacidade para o trabalho são
importantes em termos de saúde do trabalhador, tendo como referência a promoção
da saúde por meio de medidas públicas de saúde desenvolvidas com excelência.

2.5.3 Saúde

Entre os diversos fatores atuantes, a saúde é considerada como um dos


principais determinantes da capacidade para o trabalho (CAMPOS, 2011; COSTA,
De acordo com Campos (2011) e Martinez (2006), nos estudos que abordam
as relações entre capacidade para o trabalho e saúde, esta tem sido avaliada por
meio de indicadores da capacidade funcional, da quantidade e do tipo de doenças
físicas e mentais com diagnóstico médico referido ou, ainda da percepção do estado
geral de saúde.

O estado de saúde (sintomas psicofísicos e capacidade funcional) é


apontado como a base para um modelo construtivo de capacidade para o trabalho
responsável pela mais significativa conexões deste processo (BOLDORI, 2002).

A capacidade funcional é apontada como condição essencial para uma boa


qualidade de saúde (BIFF, 2006; COSTA, 2009; COSTA et al. (2012); POHJONEN,

De acordo com Ilmarinen (2001); Larsson et al. (2012); Matsudo, Matsudo e


Barros Neto; (2001), a capacidade cardiorrespiratória e o funcionamento
musculoesquelético são considerados os componentes da capacidade funcional que
maior impacto exerce sobre a capacidade física.

Segundo Campos (2011); Ilmarinen (1997); Martinez (2006); Martinez e


Latorre (2006), a saúde mental é menos correlacionada com a capacidade para o
trabalho do que a saúde física e é tida como mais relevante em trabalhos com
elevadas demandas mentais.

O estudo de Gamperiene et al. (2008) demonstrou que a redução severa da


capacidade para o trabalho esteve fortemente associada à saúde física e mental e
não com o ambiente ocupacional após o ajuste das variáveis.

2.5.4 Trabalho

Trabalhadores com conteúdo do trabalho predominantemente físico podem


apresentar piores condições da capacidade para o trabalho do que aqueles com
conteúdo predominantemente mental, como resultado de desgaste e
comprometimento da saúde decorrentes das exigências físicas do trabalho (TUOMI
et al., 2005).
Entre as condições que podem configurar cargas físicas inadequadas estão:
trabalho muscular estático, uso de força muscular, levantamento e transporte de
peso, esforço intenso repentino, movimentos repetitivos, posturas inadequadas,
risco de acidentes, calor, frio, ruído, sujeira e umidade, equipamentos e ferramentas
de trabalho inadequados (ILMARINEN et al., 1991; SORMUNEN et al., 2009; TUOMI
et al., 1991, 1997, 2001, 2004, 2005).

Quando as exigências físicas e mentais não estão adequadas aos recursos


do trabalhador para lidar com elas, surgem exigências que podem desencadear
respostas fisiológicas com repercussões negativas sobre a capacidade para ao
trabalho (ILMARINEN et al., 1991).

No âmbito do setor público, Bellusci (2003) observou que o trabalho


realizado no Judiciário Federal em São Paulo traz importante comprometimento da
saúde e envelhecimento precoce dos servidores devido à dificuldade de
relacionamento interpessoal, à falta de perspectiva de ascensão profissional, às
exigências excessivas da quantidade e qualidade do trabalho, ao uso de premiação
de forma injusta, assim como aos fatores relacionados à falta de controle no
trabalho, como a impossibilidade de exercer influência sobre o ritmo de trabalho, o
uso do tempo no trabalho, o planejamento de pausas e o planejamento de férias.
Colabora também a impossibilidade de interação com os colegas durante o
desenvolvimento das tarefas e fora do ambiente de trabalho representando risco
para a capacidade para o trabalho.

Ainda no serviço público, os resultados do estudo de Campos (2011), que


investigou os servidores do TRT de Goiânia, revelaram-se preocupantes, afirmando
a necessidade de novos estudos a fim de uma avaliação mais apurada dos aspectos
psicossociais, ergonômicos e do processo de trabalho do servidor público, com o
objetivo de conhecer os fatores de risco que possam influenciar no aparecimento
dos desconfortos musculoesqueléticos e na diminuição da capacidade para o
trabalho.

A questão laboral também tem sido contemplada sob diferentes aspectos,


tais como: conteúdo do trabalho (predominância de exigências físicas ou mentais),
condições de trabalho, fatores psicossociais e/ou organização do trabalho e ainda,
satisfação no trabalho (

O estudo Tuomi et al. (2001) demonstrou que a boa qualidade das condições
de trabalho esteve fortemente associada à boa qualidade da capacidade para o
trabalho. As variáveis referentes às exigências e ambiente do trabalho (posturas,
conteúdo do trabalho, uso de conhecimento, ambiente e ferramentas, ambiente
físico, modificações nas tarefas, no ambiente e ferramentas e na carga mental)
foram os fatores que melhor explicaram a capacidade para o trabalho. Em seguida,
foram as variáveis referentes à comunidade e organização do trabalho
(administração, liberdade, desafios no trabalho, jornada de trabalho e uso de
experiência).

O tempo no emprego ou na profissão está relacionado com a capacidade


para o trabalho uma vez que, quanto maior o tempo que o trabalhador está exposto
às exigências do trabalho, maior poderá ser o envelhecimento funcional. Além disso,
o tempo de trabalho também pode estar correlacionado ao envelhecimento
cronológico (TUOMI et al. 2005).

O hábito de estudar, a possibilidade de desenvolvimento e de influenciar o


trabalho são positivamente associados à capacidade para o trabalho (TUOMI et al.
2001).

Diversos estudos demonstraram que o estresse decorrente da organização e


do ambiente psicossocial do trabalho tem efeitos importantes sobre a capacidade
para o trabalho. Entre os fatores mais prevalentes estão o conflito de papéis, os
conflitos com as chefias, a pressão do tempo, o volume de trabalho, as restrições, o
uso de habilidades e conhecimentos, as limitações do próprio trabalho e do
desenvolvimento profissional, o nível de responsabilidade, a falta de reconhecimento
e de valorização, as jornadas e os turnos de trabalho, além do conteúdo do trabalho
2.6 A importância da promoção da Capacidade para o Trabalho

Andrade; Monteiro (2007) e Costa (2005) afirmaram que a conservação da


capacidade para o trabalho está associada às boas condições de saúde e de vida,
incluindo hábitos de vida praticados.

Ainda de acordo com os mesmos autores, as condições adequadas de


trabalho e estilo de vida podem proporcionar melhor qualidade de vida, maior
produtividade e um tempo de aposentadoria mais proveitoso, com menos custo
médico e social tanto para o indivíduo como para a sociedade.

O informe técnico publicado pela OMS em 1993, já alertava para as medidas


de promoção à saúde dos trabalhadores em envelhecimento:

A capacidade para o trabalho de trabalhadores em envelhecimento está


relacionada com diversos fatores, portanto as medidas de promoção
deverão ser multifatoriais, analisando o ambiente e a organização do
trabalho, além de aspectos individuais como as condições de saúde,
realização de atividade física e os aspectos emocionais (ORGANIZAÇÃO
MUNDIAL DA SAÚDE, 1993, p. 14).

Os trabalhos que têm como característica a exigência de esforços


musculares, levantamento e transporte de pesos, esforços repetitivos e
repentinos, posturas de trabalho inadequadas, inclinação simultânea,
sobrecarga postural e do sistema musculoesquelético, riscos de acidente de
trabalho e exposição a produtos químicos, necessitam de medidas de
promoção à saúde, visto a possibilidade de perda da capacidade para o
trabalho dos trabalhadores inseridos nessas atividades profissionais que se
acentuam com a idade (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993, p.
15).

Segundo Ilmarinen (2001), ações como: a formação/preparação dos


supervisores para uma correta gestão do trabalhador em fase de envelhecimento, a
implementação de melhorias ergonômicas, os programas de exercício físico no local
de trabalho e a formação adequada para as novas tecnologias, podem melhorar a
capacidade para o trabalho principalmente se estas medidas forem tomadas em
conjunto.

Na Figura 6, pode-se observar como a promoção da capacidade para o


trabalho pode levar a uma melhoria de produtividade e de qualidade do trabalho,
numa melhor qualidade de vida e bem-estar do trabalhador em fase de
envelhecimento (ILMARINEN, 2001).
O conceito finlandês de promoção da saúde no trabalho é manutenção da
capacidade para o trabalho e tem como objetivos melhorar as condições, o ambiente
e a organização do trabalho, promover a saúde e a competência profissional dos
trabalhadores (ILMARINEN, 2006; LIIRA et al., 2002).

Para Liira et al. (2002), o principal desafio das ações de manutenção da


capacidade para o trabalho consiste em dar suporte aos trabalhadores e
organizações para o controle da carga de trabalho e do stress, na manutenção da
eficiência e da competitividade e em incentivar empresas a serem inovadoras e
flexíveis e a manter os seus trabalhadores motivados e produtivos.

Tuomi et al. (1997) afirmam que a capacidade para o trabalho tem valor
preditivo para invalidez, aposentadoria e mortalidade. Nos estudos do FIOH, entre
os trabalhadores que apresentaram baixa capacidade para o trabalho em 1981,
62,2% estavam afastados recebendo pensão por invalidez e 11,6% tinham morrido
ao final dos onze anos de seguimento, sendo estes percentuais mais elevados do
que entre os trabalhadores que apresentaram uma melhor qualidade da capacidade
para o trabalho no início do seguimento.

O fator “retorno do investimento” parece ser preponderante na decisão das


instituições em tomar medidas relacionadas à prevenção da capacidade para o
trabalho, conforme relata Martinez, Latorre e Fischer (2010), os efeitos dessas ações
no nível macroeconômico, em termos de benefícios organizacionais e redução de
custos, ainda são difíceis de quantificar, dado os inúmeros fatores intervenientes.
Entretanto, as autoras assinalam que o custo dessas ações é menor que o custo do
tratamento com as doenças relacionadas ao envelhecimento funcional.

Segundo Costa (2009), em suma, esta metodologia auxilia no


desenvolvimento de medidas para intervir, promover e manter a saúde, prevenindo
dessa forma a perda de capacidade para o trabalho e o desempenho profissional.

Martinez, Latorre e Fischer (2010, p. 1559) concluem que:

A manutenção da capacidade para o trabalho tem consequências positivas


na determinação da saúde, bem-estar e empregabilidade dos trabalhadores,
com benefícios para as organizações e para sociedade em função de seus
impactos sobre a produtividade, absenteísmo e sobre os custos sociais
decorrentes das pensões por incapacidade e da assistência às doenças.

Logo, o investimento na melhoria e na manutenção da capacidade para o


trabalho além de prevenir a perda da capacidade funcional, a aposentadoria precoce
e o aparecimento de doenças ocupacionais, reflete-se na qualidade de vida do
trabalhador, mantendo as pessoas economicamente ativas e reduzindo, assim,
custos para a sociedade, propiciando, ainda, o envelhecimento ativo do trabalhador
(HILLESHEIN et al., 2011).

2.7 Os estudos sobre a Capacidade para o Trabalho

Os estudos que representaram o primeiro marco teórico importante neste


campo de conhecimento foram desenvolvidos na década de 80 do século XX por
pesquisadores finlandeses do Finnish Institute of Occupational Health (FIOH).
Estes estudos analisaram uma coorte no período de 1981 a 1992 com a
finalidade de avaliar se o critério de aposentadoria por idade vinculada ao tipo de
trabalho continuava sendo adequado e, também, de verificar como fatores do
trabalho, saúde, capacidade física, capacidade para o trabalho e esforço percebido,
influenciariam o trabalhador em fase de envelhecimento (FISCHER et al., 2005;
ILMARINEN et al., 1991a).

Outro seguimento, com 1.389 trabalhadores finlandeses, entre 1997 e 2000,


mostrou que uma boa qualidade da capacidade para o trabalho esteve associada ao
bem-estar mental, à menor exaustão emocional dos trabalhadores e a um elevado
desempenho e capacidade competitiva das empresas (TUOMI et al., 2004).

Segundo Ilmarinen (2006) e Tuomi et al. (2001), tomando como base estes
estudos, foi estruturado um modelo para a manutenção da capacidade para o
trabalho, integrando quatro diferentes áreas de ação: melhorias das condições de
trabalho, melhorias na organização e no ambiente psicossocial do trabalho,
promoção da saúde e dos recursos individuais e desenvolvimento de competência
profissional.

Preocupados com as tendências demográficas mundiais que apontavam um


elevado envelhecimento populacional, a OMS realizou em 1991, um encontro com
instituições e estudiosos de diversos países objetivando analisar as mudanças na
capacidade para o trabalho em decorrência do envelhecimento; estudar o
envelhecimento do ponto de vista biológico, voltado às mudanças nas capacidades
física e mental e à adaptação às exigências do trabalho; identificar os problemas de
saúde relacionados às mudanças na capacidade para o trabalho à medida que se
envelhece; definir áreas de promoção à saúde relacionadas ao envelhecimento da
população trabalhadora e identificar lacunas de conhecimento e mais áreas a serem
investigadas (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993).

O Work Ability Index (WAI) foi desenvolvido pelos pesquisadores: Tuomi,


Ilmarinen, Jankola, Katajarinne & Tulkki; do FIOH. E já foi traduzido em 26 diferentes
línguas e tem sido utilizado mundialmente para identificar os fatores associados ao
envelhecimento precoce no trabalho em diversas profissões.
A tradução e adaptação para o português – Índice de Capacidade para o
Trabalho (ICT) foi realizada por uma equipe de pesquisadores da Faculdade de
Saúde Pública da Universidade de São Paulo: Departamento de Saúde Ambiental;
Universidade Federal de São Carlos: Departamento de Enfermagem; Faculdade de
Ciências Médicas da UNICAMP: Departamento de Medicina Preventiva e Social,
coordenada por Fischer e colaboradores, sendo editada em 1997 (BELLUSCI, 1998;
FISCHER et al., 2005; TUOMI et al., 1997).

O questionário foi aplicado na forma de pré-teste, com participação de


dezenas de trabalhadores e com a intenção de manter a linguagem o mais próximo
possível do original. A escolaridade mínima definida foi a quarta série do ensino
fundamental para viabilizar a compreensão das questões (TUOMI et al., 2005).

A definição conceitual desse índice, apresentada pelo professor Ilmarinen


durante suas apresentações no Brasil, é: “Quão bem está, ou estará, um (a)
trabalhador (a) presentemente ou num futuro próximo, e quão capaz ele ou ela
podem executar seu trabalho, em função das exigências, de seu estado de saúde e
de suas capacidades físicas e mentais”.

Conforme Duran e Monteiro-Cocco (2004), com o desenvolvimento do ICT,


torna-se capaz de comprovar – aliado a estudos de outros fatores – a perda precoce
da capacidade para o trabalho, o que gera, também, um envelhecimento funcional
precoce, que pode levar ao aumento de idosos no mercado de trabalho.

De acordo com Fischer et al. (2005), este instrumento destina-se a apoiar o


trabalhador e pode ser usado desde quando o mesmo ingressa na força de trabalho,
auxiliando nas atividades que mantenham a capacidade para o trabalho.

No Brasil, os estudos sobre o tema iniciaram no final da década de 90 com a


tradução e adaptação do ICT para língua portuguesa.

Dos estudos brasileiros realizados com servidores do Judiciário e que


utilizaram o ICT como ferramenta destaca-se os de Bellusci (1998, 2003) ambos
com desenho longitudinal, que avaliaram o ICT nos anos de 1997 e de 2001, entre
servidores ativos do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, São Paulo. Onde os
resultados evidenciaram que as características associadas à diminuição da
capacidade para o trabalho foram ser do sexo feminino, ser separado, divorciado ou
viúvo e ser portador de algum tipo de agravo (lesões nas costas, lesões nos braços
e pernas, doenças na coluna cervical, dor ciática, distúrbio emocional leve e gastrite
ou duodenite).

Em relação às características da organização do trabalho Bellusci (1998,


2003) mostrou que a impossibilidade de exercer influência sobre o ritmo de trabalho,
sobre o uso de tempo, sobre o planejamento de pausas e férias, impossibilidade de
interação com os colegas durante o desenvolvimento das tarefas e de interação com
os colegas fora do ambiente laboral também representaram fatores de risco para a
diminuição da capacidade para o trabalho. Finalmente, as características do
ambiente físico do trabalho como levantamento e transporte de pesos, sentir-se
exposto a acidentes de trabalho, percepção de exposição ao frio e ao calor no
ambiente de trabalho também foram identificadas como fatores de risco para a
diminuição da capacidade para o trabalho.

Ainda nos referindo aos servidores do Judiciário, enfatizamos o estudo de


Campos (2011), que avaliou os desconfortos musculoesqueléticos e sua relação
com a capacidade para o trabalho em servidores do Tribunal Regional do Trabalho
de Goiânia – GO. Tratou-se de um estudo transversal, com amostra de 155
servidores dos setores administrativos onde os resultados revelaram que a maioria
dos servidores apresentou uma elevada prevalência de desconfortos
musculoesqueléticos e uma capacidade para o trabalho classificada como
moderada. As mulheres, alguns hábitos de vida e ocupacionais, as características
ergonômicas do trabalho, as diferenças de idade e a presença de sintomas
musculoesqueléticos também interferiram na capacidade para o trabalho.

O ambiente hospitalar, por sua natureza e característica, onde as atividades


são frequentemente marcadas por divisão fragmentada de tarefas, rígida estrutura
hierárquica para o cumprimento das rotinas, dimensionamento quantitativo e
qualitativo insuficiente de pessoal, ocasionando altos índices de absenteísmo e
afastamento por doenças, foi o local onde verificamos mais estudos brasileiros
publicados no intervalo entre 1998 – 2012. Dentre 74 pesquisas divulgadas, 23
foram realizadas neste ambiente de trabalho:

Bellusci et al. (1999) realizaram um estudo transversal com 1682


trabalhadores de um hospital filantrópico de São Paulo com o objetivo de determinar
a capacidade para o trabalho de profissionais de diversas áreas ligadas à saúde
(médicos, enfermeiros, auxiliares de enfermagem, psicólogos, fisioterapeutas e
nutricionistas). Apontaram para a relevância de estressores ambientais e
organizacionais do ambiente de trabalho e seu possível impacto sobre a saúde dos
trabalhadores em geral e demonstraram a importância da função profissional na
perda da capacidade para o trabalho.

Borges (2002) avaliou os impactos dos turnos fixos noturnos de 12 horas de


trabalho seguidas por 36 horas de descanso no sono dos 148 trabalhadores da área
da saúde do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo e concluiu que quanto maior a perda da capacidade (menor escore para
ICT) maior a projeção da fadiga sobre o corpo e também maior o escore geral da
fadiga.

Andrade (2002) avaliou a capacidade para o trabalho dos 69 trabalhadores


do Serviço de Higiene e Limpeza de um hospital universitário de Campinas, São
Paulo. Observou que um número considerável de trabalhadores apresentou ICT
moderado ou ruim e que a menor capacidade foi observada no grupo de mais idade
(50 - 60 anos).

Martins (2002) pesquisou os profissionais da enfermagem com o objetivo de


investigar a qualidade de vida e a capacidade para o trabalho dos 168 profissionais
da enfermagem de um hospital público do Paraná e sua relação com os turnos de
trabalho e concluiu que houve uma forte associação entre a qualidade de vida e a
capacidade para o trabalho, pois quanto mais alto os escores de ICT mais alto
também foram os escores de qualidade de vida.

Duran (2002) também avaliou a capacidade para o trabalho entre 54


trabalhadores da enfermagem no serviço de urgência (Pronto Socorro) do Hospital
das Clínicas da UNICAMP e observou uma perda precoce para o trabalho mais
acentuada nos trabalhadores mais jovens.

No ano seguinte, Chillida (2003) avaliou a capacidade para o trabalho dos


312 trabalhadores da enfermagem que trabalham em período noturno no Hospital
das Clínicas da UNICAMP e concluiu que a idade e o tempo de trabalho no hospital
são as variáveis que mais influenciaram o ICT, aumentando as chances dos
trabalhadores apresentarem ICT baixo/moderado.
O estudo de Moreno (2004) com 269 trabalhadores da enfermagem de
Centros de Saúde e Hospital Geral de Campinas - São Paulo, com o objetivo de
conhecer a prevalência da violência no local de trabalho e a capacidade para o
trabalho entre os trabalhadores e a possível associação entre essas variáveis,
encontrou associação estatística significativa entre ter sofrido violência e capacidade
para o trabalho, sendo que os trabalhadores que sofreram violência apresentaram
em média dois pontos a menos no ICT.

Gonçalves e Fischer (2004) avaliaram as condições do ambiente de trabalho


de 12 auxiliares de enfermagem do setor de ortopedia de um hospital público de São
Paulo e concluíram que devido ao número reduzido de trabalhadores no período
noturno, muitas vezes a carga de trabalho aumenta dependendo do número de
pacientes, podendo trazer consequências negativas para a saúde dos funcionários.

No ano seguinte, Fischer et al. (2005) pesquisaram 696 profissionais da


equipe de enfermagem de um hospital público de São Paulo, analisaram as
variáveis associadas ao ICT inadequado e detectaram alta prevalência da perda de
capacidade para o trabalho (escores abaixo de 37 pontos) na população estudada.

Ainda no mesmo ano, Raffone e Hennington (2005) avaliaram a capacidade


funcional dos 885 trabalhadores de enfermagem de um complexo hospitalar e sua
relação com características individuais e de trabalho. Encontraram que a capacidade
para o trabalho foi considerada boa em mais de 80% dos trabalhadores.

Machado e Anjos (2009) analisaram o ICT de 74 funcionários da Gerência


de Assistência Nutricional da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará e os
trabalhadores em sua maioria, apresentaram uma boa capacidade para o trabalho.

No mesmo ano, Vasconcelos (2009) analisou os fatores associados à


capacidade inadequada para o trabalho e à percepção de alta fadiga entre 272
trabalhadores da enfermagem do Hospital de Urgência e Emergência de Rio Branco
– AC e revelou que as associações significativas à perda da capacidade para o
trabalho foram: sexo, outro vínculo empregatício, número de funcionários
insuficientes, tarefas repetitivas e monótonas, referência a três ou mais morbidades
sem diagnóstico médico e alto nível de fadiga.
No ano seguinte, Silva Júnior (2010) avaliou as propriedades psicométricas
da versão brasileira do ICT aplicando em 80 trabalhadores de enfermagem de
hospitais públicos do Rio de Janeiro e concluiu que os resultados aceitáveis em
relação à estabilidade dão suporte adicional para a aplicabilidade do índice em
pesquisas na área de saúde ocupacional.

Silva et al. (2010) verificou a capacidade para o trabalho entre 98


trabalhadores de higiene e limpeza do Hospital Regional do Norte do Paraná e
destacou o envelhecimento dos trabalhadores, predominantemente no sexo feminino
e identificou que 45,9% dos entrevistados obtiveram um ICT bom, 23,5% ótimo,
22,4% moderado e 8,2% baixo.

Negeliskii (2010) em seu estudo com 368 enfermeiros do Grupo Hospitalar


Conceição de Porto Alegre, cujo objetivo foi de avaliar a relação entre o estresse
laboral e a capacidade para o trabalho, afirmou que não há correlação entre o
estresse e a capacidade para o trabalho no grupo estudado.

Hilleshein (2011) e Hilleshein et al. (2011), estudaram, respectivamente, a


capacidade para o trabalho de 425 enfermeiros do Hospital das Clínicas de Porto
Alegre e de 93 enfermeiros de um hospital universitário do Rio Grande do Sul. No
primeiro estudo, houve correlação significativa do ICT com a remuneração,
satisfação com o local de trabalho, sentimento de valorização por parte da instituição
e turno de trabalho e no segundo, observaram-se correlações entre o ICT e idade,
tempo de trabalho, e horas de sono.

Monteiro et al. (2011) em seu estudo com 241 auxiliares de enfermagem de


uma instituição pública de saúde de São Paulo cujo objetivo era de analisar a
capacidade para o trabalho desses profissionais, encontraram associação
significativa em relação à idade (os mais velhos), ao tempo de trabalho na instituição
(o mais antigo), o índice de massa corpórea (obesidade) e a capacidade de trabalho
atual.

Silva (2011); Silva, Rotenberg e Fischer (2011) estudaram, respectivamente,


100 trabalhadores da enfermagem e 696 trabalhadores de um Hospital Universitário
de São Paulo. No primeiro estudo, os resultados mostraram que as variáveis
independentes de fadiga, tempo de trabalho na instituição e função de técnico de
enfermagem, comparada a de enfermeiro, apresentam diferença significativa com o
ICT, já no segundo estudo, nenhuma das variáveis ligadas às jornadas de trabalho
se associou significativamente ao baixo Índice de Capacidade para o Trabalho.

Os trabalhadores da enfermagem também foram pesquisados por Dionísio


et al. (2011) e Magnago et al. (2011). Os seus estudos objetivaram, respectivamente,
compreender o trabalho dos auxiliares e técnicos em enfermagem que trabalham na
central de distribuição de materiais de um Hospital de Clínicas de uma cidade
mineira analisando suas exigências, constrangimento e repercussões na saúde e
identificar a capacidade para o trabalho dos profissionais de enfermagem de um
Hospital Universitário público do Rio Grande do Sul. Os resultados mostraram que
na central de distribuição foi encontrado um ICT médio de 43, 66 (DP ± 5), variando
de bom para excelente e identificou-se uma associação positiva entre dor
musculoesquelética de intensidade forte a insuportável e redução da capacidade
para o trabalho nos trabalhadores de enfermagem do Hospital Universitário em
estudo.

O estudo mais recente sobre capacidade para o trabalho em profissionais do


ambiente hospitalar é o de Fischer e Martinez (2012), cujo objetivo foi de avaliar os
fatores associados à capacidade para o trabalho dos 76 trabalhadores do serviço de
alimentação de um Hospital de São Paulo e concluíram que os fatores associados
os ICT foram: a idade, mais compromisso, a relação esforço-recompensa e
acidentes de trabalho.

Outra classe de trabalhadores que merece atenção é a docente. Pelo fato de


passarem muito tempo entre a postura em pé ou sentada e, neste caso, utilizando
cadeiras e mesas desconfortáveis e que não preenchem requisitos indicados
ergonomicamente; executarem movimentos repetitivos ao apagar o quadro, o que
ainda os faz elevar os braços acima do nível do ombro, devem ser considerados,
pois, podem fadigar grupos musculares e mesmo lesionar articulações.

Estes fatores, portanto fazem parte do contexto do ambiente ocupacional,


que provocam desgaste físico e mental, podendo gerar ou acelerar o processo de
doença que afetam, em especial, o sistema osteomuscular dos indivíduos,
causando-lhe sérias afecções relacionadas ao trabalho (SANTOS et al., 2009).
O trabalho docente foi pesquisado por Vedovato (2007), cujo objetivo foi de
avaliar a capacidade para o trabalho associada às condições de vida, estilo de vida
e trabalho entre 258 professores do ensino fundamental e médio de escolas públicas
estaduais de Campinas e São José do Rio Pardo. Concluiu-se que as variáveis
estatísticas mais significantes para a diminuição do ICT foram: sexo feminino, saúde
comparada com a de outras pessoas da mesma idade como sendo pior ou igual, uso
de medicamentos, dormir menos de 6 horas por noite, não conseguir dormir bem à
noite e tempo de atuação como professor igual ou superior a 20 anos de trabalho.

Marqueze e Moreno (2009) também pesquisaram o trabalho docente,


verificando a correlação entre satisfação no trabalho e capacidade para o trabalho
de 154 docentes universitários. Afirmaram que o aumento da satisfação no trabalho
pode melhorar a capacidade para o trabalho entre os professores.

No ano seguinte, Giannini (2010) e Lopes (2010) estudaram,


respectivamente, 272 professoras da rede municipal de São Paulo e 31 professores
de uma instituição de Ensino Superior do Vale dos Sinos. No primeiro estudo,
verificou-se associação entre baixa capacidade para o trabalho e distúrbio de voz, e
no segundo, concluiu-se que os professores avaliados apresentam uma capacidade
para o trabalho dentro da normalidade, considerando que a maioria apresentou boa
e ótima capacidade para o trabalho.

O trabalho dos educadores também foi pesquisado por Alves (2011) com o
objetivo de analisar a associação entre a presença de distúrbio de voz e capacidade
para o trabalho em 272 docentes do sexo feminino da rede municipal de São Paulo.
Foi possível concluir que as docentes que apresentaram distúrbio de voz tinham
maior chance de perder a capacidade para o trabalho.

Além dos estudos acima citados, foram identificados outros avaliando a


capacidade para o trabalho em populações específicas: Beltrame (2009); Meira
(2004); Ornellas (2004); Renosto (2006) junto a metalúrgicos; Diniz et al. (2010);
Massola (2007); Metzner (2004); Walsh (2004) em trabalhadores fabris; Masson
(2009); Sá; Gomes e Silva (2005); Sampaio et al. (2009) com motoristas de ônibus;
Boldori (2002); Silveira (1998) junto a bombeiros; Martinez (2002); Martinez e Latorre
(2006) em trabalhadores de uma empresa de auto-gestão em saúde e previdência
privada.
Encontramos ainda, os estudos de Biff (2006); Hodge (2006); Costa et al.
(2012) junto a trabalhadores de indústrias; Faggion (2006); Monteiro e Fernandes
(2006) com trabalhadores das telecomunicações; Martinez (2006); Rabacow (2008)
junto a trabalhadores do setor elétrico; Bomfim (2009); Carregaro e Rodrigues
(2009) com trabalhadores do setor administrativo; Monteiro (1999) em trabalhadores
de um Centro de Pesquisa; Metzner (2000) em trabalhadores da indústria têxtil;
Wainstein (2000) com telejornalistas; Cantero et al. (2001) em trabalhadores de
Recursos Humanos de uma empresa de papel e celulose; Monteiro-Cocco (2002)
nos trabalhadores da tecnologia da informação; Fernandes (2003) em terceirizados
de empresas de alta tecnologia; Gradiski (2004) com trabalhadores do ramo
frigorífico; Zeni (2004) com trabalhadores idosos; Rezende, Maria e Espíndula
(2006) com trabalhadores do ramo farmacêutico.

Os estudos de Góes (2007) com trabalhadores de abatedouro de aves;


Gaspary; Selau e Amaral (2008) com policiais rodoviários; Figueiredo (2008) junto a
trabalhadores da galvanoplastia; Welle (2008) junto a trabalhadores rurais; Carlos
(2009) junto a trabalhadores de lavanderias; Assunção, Sampaio e Nascimento
(2010) com trabalhadores do setor de alimentos e bebidas; Menegon (2011) junto a
operadores de montagem estrutural de aeronaves; Padula et al. (2011) com
trabalhadores do setor de limpeza; Salgado et al. (2011) junto a trabalhadores da
agropecuária; Bagalhi e Alqualo-Costa (2011) com Fisioterapeutas e Manzoli (2011)
junto a trabalhadores do mercado hortifrutigranjeiro.

2.8 A Justiça do Trabalho

Sem trabalho, toda vida apodrece.


Mas, sob um trabalho sem alma, a vida sufoca e morre.
Albert Camus

Martins Filho (2002, p. 187), em sua "Breve História da Justiça do Trabalho",


preleciona:

É unânime o reconhecimento de que os primeiros organismos


especializados na solução dos conflitos entre patrões e empregados a
respeito do contrato de trabalho surgiram na França: foram os Conseils de
Prud'hommes, em 1806.
Diante da experiência bem sucedida, outros países europeus foram
seguindo o exemplo, instituindo organismos independentes do Poder
Judiciário, inseridos como órgãos especializados do mesmo, para a
apreciação das causas trabalhistas, buscando, primariamente, a
conciliação, mais do que a imposição de uma solução pelo Estado.

No Brasil, atualmente, a Justiça do Trabalho está inserida no Poder


Judiciário, mas nem sempre foi assim. O primeiro órgão, embora de natureza civil,
foi o Tribunal Rural de São Paulo, criado 1922, pelo então governador Washington
Luiz.

A Justiça do Trabalho foi instalada no dia 1º de maio de 1941 - Dia do


Trabalho, pelo então Presidente Getúlio Vargas. No dia 02, registrava-se o discurso
de instalação da Justiça do Trabalho feito pelo Presidente da República em ato
público realizado no campo de futebol do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro, capital
da República.

De acordo com Ghisleni Filho e Pasin (2011, p. 28), transcreveu-se, a seguir,


parte do referido discurso:

A Justiça do Trabalho, que declaro instalada neste histórico primeiro de


maio, tem essa missão. Cumpre-lhe defender de todos os perigos a nossa
modelar legislação social-trabalhista, aprimorá-la pela jurisprudência
coerente e pela retidão e firmeza das sentenças. Da nova magistratura
outra coisa não espera o governo, empregados e empregadores, e a
esclarecida opinião nacional. Mas não terminou a nossa tarefa. Temos a
enfrentar corajosamente sérios problemas de melhoria das nossas
populações, para que o conforto, a educação e a higiene não sejam
privilégios de regiões ou zonas.

O Decreto nº 22.132, de 25.11.19327, modificado pelo Decreto nº 24.4728,


de 14.07.1934, instituiu as Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJs), que julgavam
os dissídios individuais de trabalho.
As JCJs eram compostas por um Presidente, estranho aos interesses das
partes e, de preferência, membro da Ordem dos Advogados do Brasil, e de dois
vogais9, um dos Empregados e um dos Empregadores, além de dois Suplentes,
escolhidos com base em listas remetidas ao Departamento Nacional do Trabalho,
pelos sindicatos e associações (BRASIL, 1932, 1934).

O Poder Judiciário teve formas diversas ao longo da história brasileira. Tais


modificações em suas estruturas não ocorreram de forma linear ou progressiva, mas
se constituíram, muitas vezes, em movimentos de avanços em determinadas
direções e recuos, como por exemplo, a criação e posterior extinção de órgãos, que
depois foram novamente integrados à estrutura do Poder Judiciário. Interessa dizer
que sua estrutura foi se tornando cada vez mais complexa e a demanda por seus
serviços, crescente.

Com a Constituição de 1988, aumentou a autonomia administrativa e


financeira do Poder Judiciário, que passou a elaborar orçamento próprio junto ao
Executivo, a ser submetido ao Congresso Nacional. Ocorreram ainda ampla
reorganização e redefinição das atribuições dos órgãos do Poder Judiciário,
incluindo a extinção do Tribunal Federal de Recursos, a criação do Superior Tribunal
de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, cujo objetivo foi descentralizar a
justiça de 2ª instância. Além disso, também se atribuiu aos Estados a organização
de sua Justiça.

Segundo o Artigo 92 da Constituição Federal de 198810, são órgãos do


Poder Judiciário (BRASIL, 1988):

I - o Supremo Tribunal Federal;


I-A o Conselho Nacional de Justiça;
II - o Superior Tribunal de Justiça;
III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI - os Tribunais e Juízes Militares;
VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

A Justiça do Trabalho é um ramo do Poder Judiciário que tem por finalidade


dirimir as questões decorrentes da relação de emprego, cuja competência é
estabelecida na Constituição Federal Artigo 114 (BRASIL, 1988):

Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:


I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito
público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos
e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato
questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista,
ressalvado o disposto no art. 102, I, o;
VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da
relação de trabalho;
VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos
empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I,
a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
§ 1º - Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.
§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à
arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio
coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o
conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho,
bem como as convencionadas anteriormente.
§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão
do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio
coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.

O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, por sua vez, tem


competência para decidir sobre as questões trabalhistas ocorridas no âmbito do
Estado de Pernambuco.
A Reforma do Judiciário, implementada pela Emenda Constitucional n° 45,
de dezembro de 200411, trouxe importantes inovações no âmbito do sistema
judiciário brasileiro, voltadas aos objetivos do aumento da transparência e eficiência
do Judiciário e capazes de fomentar a realização do princípio da segurança jurídica
em um maior grau (BRASIL, 2004).

Nesse sentido, destaca-se, a criação do Conselho Nacional de Justiça


(CNJ), órgão de controle do Poder Judiciário, composto por representantes da
magistratura, do ministério público, da advocacia e da sociedade civil, e encarregado
de realizar a supervisão da atuação administrativa e financeira do Judiciário

No Brasil, como a autonomia e a independência do Poder Judiciário já são


amplamente asseguradas desde a Constituição de 1988, a instituição do Conselho
Nacional de Justiça visou, sobretudo, à adoção de mecanismos de controle eficaz da
atividade administrativa dos vários órgãos jurisdicionais.

Constitui-se, pois, o Conselho Nacional de Justiça, mais como órgão de


coordenação e planejamento das atividades administrativas do Poder Judiciário, do
que propriamente como órgão disciplinador.

2.9 O Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco

O Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região surgiu no estado de


Pernambuco, em 1941, nesse momento como órgão ainda não pertencente ao
Poder Judiciário, denominado Conselho Regional do Trabalho (CRT) e sua área de
atuação compreendia os estados de Pernambuco, Paraíba, Alagoas e Rio Grande
do Norte, contendo cinco Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ), as quais eram
compostas por quatro Vogais, dois sem representação, um representante dos
empregados e um representante dos empregadores.
Apesar de independente do Poder Executivo e da Justiça Comum para a
execução de suas decisões, não pertencia ao Poder Judiciário, o que só se deu com
a Constituição de 1946, quando lhe foi dada a atual estrutura e a qualificação de
Justiça Federal, pelo Decreto-Lei nº. 9.797, de 09.09.194612, que organizou,
portanto, como órgão do Poder Judiciário (BRASIL, 1946).

Em 1948 foi criado o Quadro de Pessoal da Justiça do Trabalho, com a


promulgação da Lei n. 409, de 25.09.194813, passando os servidores a também
fazer parte do Poder Judiciário (BRASIL, 1948).

Até 1962, além das cinco Juntas de Conciliação e Julgamento já existentes,


foram criadas mais nove em toda a área de abrangência da 6ª Região, com o
respectivo quadro de pessoal.

Em 1970, a Lei n. 5.560, de 11.12.197014, criou 12 novas Juntas de


Conciliação e Julgamento, entretanto este ato não foi acompanhado da criação do
respectivo quadro de pessoal, sendo essas unidades supridas por servidores postos
a disposição pelos governos estaduais e municipais interessados na implantação
das citadas Juntas. Também foram contratados alguns servidores sob o regime da
Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1970).

Esta prática ainda é comum nas cidades do interior do estado, devido ao


difícil acesso, distância da capital e baixo número de funcionários do quadro, sendo
algumas vezes firmadas parcerias entre as prefeituras interessadas que cedem
alguns servidores além do terreno para a construção das Varas do Trabalho.
Desde a sua criação, o Tribunal do Trabalho ocupou várias instalações, a
exemplo do prédio da Delegacia Regional do Trabalho, do Palácio da Justiça, do
Prédio do Diário da Manhã e do edifício do IAPC. Em 1972, o TRT e as Juntas de
Conciliação e Julgamento se mudaram para sua sede própria no Cais do Apolo,
denominado Fórum Agamenon Magalhães, até hoje em funcionamento.

A criação da Associação dos Servidores da Justiça do Trabalho da 6ª Região


(ASTRA 6) aconteceu em 1974 e no ano seguinte foi também criada a Associação
dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 6ª Região (AMATRA 6). Ambas são
ligadas às respectivas associações nacionais – a Associação Nacional dos
Servidores da Justiça do Trabalho (ANAJUSTRA) e a Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA).

Em 1985, devido ao grande crescimento econômico e demandas trabalhistas


dos estados que formava o TRT6, uma nova reestruturação geográfica se fez
necessária e sua jurisdição foi reduzida com a criação do Tribunal Regional da
Paraíba (13ª Região - Lei n. 7.324, de 18.06.198515).

Em 1991, a Lei n. 8.215, de 25.07.199116, cria a 21ª Região do estado do


Rio Grande do Norte e a Lei n. 8.219, de 29.08.199117, cria a 19ª Região do estado
de Alagoas, ficando a 6ª Região apenas com o estado de Pernambuco.

Em 1992, diante da grande demanda de trabalho, o TRT realiza um


concurso público para vários cargos entre eles, médicos e dentistas, ampliando e
consolidando de forma definitiva o Setor de Saúde deste Regional. A partir de 1994
várias ações na área da gestão de pessoas foram implementadas pela
administração do TRT.
A 6ª Região foi dividida em sete pólos estratégicos no estado com vistas a
racionalizar a implantação de programas nas áreas de saúde, pessoal,
administração e recursos humanos. Os pólos criados foram: Sede, formado pelas
Juntas da Capital e Região Metropolitana e os municípios de Catende, Carpina,
Pesqueira, Serra Talhada, Araripina e Petrolina.

Neste mesmo ano, foi iniciado o processo de informatização do Tribunal, o


que contribuiu para tornar mais célere os serviços prestados, exigindo de todo
pessoal sua capacitação para a utilização de novas ferramentas de informática.

Em julho de 1995, o sistema de informática desenvolvido pela própria


instituição foi implantado nas diversas Juntas e na Distribuição de Feitos do Recife,
beneficiando cerca de 50 mil processos e dando mais agilidade a distribuição dos
processos na 1ª instância.

Em 1996 ingressaram através de concurso público, vários profissionais da


área de recursos humanos com o objetivo de dar continuidade a essa política na
instituição, iniciada no ano anterior. São admitidos Médicos do Trabalho, Assistentes
Sociais, Enfermeiros e Psicólogos, que passam a compor o quadro de pessoal
multiprofissional do Serviço de Saúde e do Centro de Capacitação e Informática. No
ano seguinte, o Serviço de Saúde passa ocupar novas instalações, ampliando seu
espaço físico.

Em junho de 2001 foi criada a Ouvidoria com o objetivo de ser um canal de


comunicação com a sociedade, a fim de prestar-lhes informações sobre processos e
serviços oferecidos pela Justiça do Trabalho, além de esclarecer dúvidas,
aumentando a transparência na ação do Tribunal. Foi a primeira a ser instalada no
norte e nordeste. De acordo com a Resolução de criação da Ouvidoria, os cargos de
Ouvidor Geral e Ouvidor Substituto deverão ser ocupados por juízes de 1ª instância,
sendo este indicado inicialmente pela presidência do órgão e depois passando a
indicação a ser da Corregedoria.

Embora a ouvidoria tenha sido criada principalmente para interagir com o


usuário externo do Tribunal, esta também passou a receber queixas, sugestões e
dúvidas de natureza administrativa, podendo ser utilizada inclusive para ser um
canal de comunicação de casos de violência no local de trabalho, a exemplo do
assédio moral.
Ainda em 2001, com a ampliação dos quadros do Serviço de Saúde foi
instituído oficialmente o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional
(PCMSO), por meio do Ato n. 305, de 19.07.200118, cujo objetivo principal foi
proporcionar a melhoria contínua da qualidade de vida no trabalho, através de ações
efetivas voltadas para a prevenção de agravos à saúde dos magistrados e
servidores, que possam resultar da interação inadequada entre o homem e o seu
trabalho ou o ambiente e as condições em que este se realiza (BRASIL, 2001).

O presente Ato baseia-se na Portaria n. 3.214, de 08.06.197819 e na Portaria


n. 24, de 29.12.199420, do Ministério do Trabalho, que aprova o texto da Norma
Regulamentadora n. 7 (NR-7) antes tratando do Exame Médico, agora intitulada de
PCMSO (BRASIL, 1978, 1994).

Mesmo entendendo não ser a NR-7 aplicável obrigatoriamente a órgãos e


instituições públicas, o TRT6 adotou o procedimento de aplicá-la, por ser o PCMSO
um programa de grande impacto social que, indo além da obrigatoriedade, objetiva
principalmente o cuidado com a saúde de seus magistrados e servidores.

Junto com o PCMSO também foram instituídos outros programas de


promoção da saúde e qualidade de vida no trabalho, tais como o Programa de Apoio
Sócio Funcional; o Programa de Controle das Doenças Crônicas Degenerativas, o
Programa de Combate às Dependências Químicas, o Programa de Prevenção das
LER/DORT e posteriormente o Programa de Saúde Mental.
Em 2005, com o objetivo de melhorar as condições de trabalho da Primeira
Instância para enfrentar a crescente demanda pelos serviços da Justiça do Trabalho,
foram transferidas para o novo Fórum Advogado José Barbosa de Araújo, localizado
no Edifício SUDENE, todas as Varas do Trabalho da Capital, além da criação de
mais três novas, totalizando 23 Varas. Também foram empreendidos esforços para
melhorar os ambientes físicos, renovar os equipamentos e programas de informática
e de reciclar os conhecimentos dos servidores e magistrados.

Entre os anos de 2007 e 2008, foi inaugurada a Escola Judicial do Tribunal


Regional do Trabalho da Sexta Região (EJ-TRT6) e foi realizado o primeiro curso por
meio da tecnologia do Ensino à Distância (EAD), voltado para a área de cálculos
trabalhistas, realizado pela Coordenação de Desenvolvimento de Pessoal (CDP)
sendo também implementadas pela Secretaria de Recursos Humanos várias ações
de aperfeiçoamento do corpo funcional como o Programa de Desenvolvimento de
Competências, de Desenvolvimento Gerencial, o Programa de Pós-Graduação,
além, de vários cursos e palestras.

Na área de saúde e qualidade de vida, foram implantados o Programa de


Preparação para a Aposentadoria (PPA), a ampliação do PCMSO, a Ginástica
Laboral, o Programa Mexa-se, que oferece atividades físicas e de relaxamento como
dança de salão, yoga e shiatsu no local de trabalho aos servidores e magistrados.

Também neste ano, o TRT investe na formação dos dois primeiros dentistas,
especialistas em Odontologia do Trabalho, não só do seu quadro de funcionários,
mas do estado de Pernambuco.

No ano de 2008, a Justiça do Trabalho e todos os demais órgãos integrantes


do Poder Judiciário brasileiro pactuaram o compromisso intitulado “Carta de
Brasília”, comprometendo todos os órgãos com a elaboração do planejamento do
judiciário e a integração de uma série de ações.

O acervo referente às atividades de caráter permanente da 1ª e 2ª


Instâncias, produzidas ao longo dos quase 64 anos de história do Tribunal, resultou
na necessidade de um espaço que pudesse acomodar um rico e diversificado
patrimônio que compõe, hoje, sua memória administrativa e jurisdicional.
Criado em 15 de janeiro de 2009, pela Resolução Administrativa n.
001/200921, o Memorial da Justiça do Trabalho é uma instituição cultural vinculada
ao Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, que promove, sem fins
lucrativos, ações de guarda e preservação de documentos iconográficos e
processuais trabalhistas, por intermédio do seu arquivo histórico e museu. O
Memorial oferece à sociedade um importante espaço de divulgação da memória do
TRT, seja na forma de exposições ou de eventos culturais que têm por finalidade
disponibilizar um mosaico da história desta Justiça Especializada em Pernambuco.

Permanentemente aberta ao público visitante, a exposição Trabalho, Justiça


e Cidadania: os lugares da Memória Trabalhista traz peças documentais que contam
a trajetória da Justiça do Trabalho no Estado desde sua criação, em 1946, até os
dias atuais, como mobiliário e outros objetos de época, imagens da criação das
Varas, fotos do cotidiano jurídico, da Galeria dos ex-Presidentes, além de processos
e carteiras de trabalho infantil, selos, medalhas etc.

Em agosto de 2009, o TRT6 promoveu o seu Fórum de Gestão Estratégica,


com o objetivo de produzir o seu planejamento estratégico, alinhando-se com as
diretrizes do Planejamento Estratégico do Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
instituído pela Resolução 70 deste órgão.

Com a edição da Resolução n. 70, de 18 de março de 2009 22, do Conselho


Nacional de Justiça (CNJ) - que instituiu o Planejamento Estratégico do Poder
Judiciário - todos os Tribunais deverão elaborar os seus respectivos planejamentos
estratégicos, alinhados ao Plano Estratégico Nacional, com abrangência mínima de
5 (cinco) anos, bem como aprová-los, nos seus correspondentes órgãos plenários
ou especiais, até 31 de dezembro de 2009 (BRASIL, 2009).
Define-se em 2009, a Missão do TRT6: “Solucionar os conflitos decorrentes
das relações de trabalho no âmbito do Estado de Pernambuco, de forma rápida e
eficaz, contribuindo para o fortalecimento da cidadania e a paz social.” A Visão: “Ser
um tribunal reconhecido pela qualidade no atendimento, agilidade na prestação dos
serviços e interação com a sociedade.” Os Atributos de Valor para a Sociedade:
Justiça, Ética, Transparência, Responsabilidade Socioambiental, Comunicação,
Celeridade e Qualidade.

Dos Projetos Estratégicos definidos em 2009 pelo TRT6 destacamos:

A ampliação do quadro de pessoal, em razão da carência de servidores e do


aumento significativo da movimentação processual;

A implantação do Programa de capacitação continuada para servidores


visando promover a capacitação dos servidores nas competências necessárias ao
desempenho das diversas atividades realizadas;

A implantação do Programa de desenvolvimento de competências que


buscará identificar as competências organizacionais e funcionais (técnicas e
comportamentais) necessárias à realização das metas e objetivos estratégicos da
organização, subsidiando os subsistemas de capacitação, lotação de pessoas e
avaliação de desempenho com foco em resultado;

A promoção de ações de melhorias e adequações na infraestrutura física


das Varas do Trabalho do estado buscando apoiar o desenvolvimento institucional
por meio de melhoria da estrutura física dos prédios que abrigam as Varas do
Trabalho; Tornar eficiente o processo de apoio logístico às unidades do interior do
estado; Contribuir no processo de ampliação e efetivação da Justiça do Trabalho no
Estado de Pernambuco.

O Programa de saúde mental que busca melhorar o relacionamento


interpessoal nos locais de trabalho (colaboração gerativa); Monitorar e mediar
situações de conflito nas unidades do TRT; Identificar servidores com problemas de
saúde mental ou comportamental;

O Programa de controle médico e saúde ocupacional (PCMSO) que


pretende atender a todos os magistrados e servidores do Regional; Promover
controle de saúde ocupacional; Realizar diagnóstico precoce dos agravos de saúde.
Cabe destacar que os presidentes dos Tribunais do país, reunidos em
novembro de 2011, durante o V Encontro Nacional do Judiciário, definiram as metas
para o Judiciário brasileiro alcançar em 2012, cabendo à Justiça do Trabalho, entre
outras, a Meta 14 – Estabelecer o Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional (PCMSO) e Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA) em
pelo menos 60% das unidades judiciárias e administrativas. Em 2013, a previsão é
que esses programas alcancem 100% das unidades judiciárias e administrativas.

2.9.1 A estrutura organizacional do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco

De acordo com a Lei n. 11.416, de 15.12.200623, os quadros de pessoal


efetivo do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região são compostos pelas
seguintes carreiras, constituídas pelos respectivos cargos e requisitos de
escolaridade para ingresso (BRASIL, 2006):

I – Analista Judiciário - curso de ensino superior, inclusive licenciatura plena,


correlacionado com a especialidade, se for o caso;
II – Técnico Judiciário - curso de ensino médio, ou curso técnico
equivalente, correlacionado com a especialidade, se for o caso;
III – Auxiliar Judiciário - curso de ensino fundamental.
Parágrafo Único: Além dos requisitos previstos neste artigo, poderão ser
exigidos formação especializada, experiência e registro profissional a serem
definidos em regulamento e especificados em edital de concurso.

As atribuições dos Analistas Judiciários abrangem atividades de


planejamento, organização, coordenação, supervisão técnica, assessoramento,
estudo, pesquisa, elaboração de laudos e pareceres ou informações e execução de
tarefas de elevado nível de complexidade. Já aos Técnicos Judiciários, cabe a
execução de tarefas de suporte técnico e administrativo e aos Auxiliares Judiciários,
as atividades básicas de apoio operacional.
Os cargos efetivos acima descritos estão estruturados em classes, padrões
e nas seguintes áreas de atividade:

I – Área judiciária – compreendendo os serviços realizados privativamente por


bacharéis em Direito, abrangendo processamento de feitos, execução de mandados,
análise e pesquisa de legislação, doutrina e jurisprudência nos vários ramos do
Direito, bem como a elaboração de pareceres jurídicos;

II – Área de apoio especializado – compreende os serviços para a execução


dos quais se exige o devido registro no órgão fiscalizador do exercício profissional
ou o domínio de habilidades específicas;

III – Área administrativa – compreende os serviços relacionados com recursos


humanos, material e patrimônio, licitações e contratos, orçamento e finanças,
controle interno e auditoria, segurança e transporte e outras atividades
complementares de apoio administrativo.

Aqueles que exercem, além das atividades inerentes ao cargo, atribuições


de chefia, direção e assessoramento, fazem jus a Funções Comissionadas
escalonadas de FC1 a FC6 e os cargos comissionados, que vão de CJ1 a CJ4. A
legislação exige que pelo menos 80% do total de Funções Comissionadas sejam
exercidas por servidores integrantes das Carreiras do Quadro de Pessoal do Poder
Judiciário na União, podendo o restante ser ocupado por servidores requisitados de
outros órgãos. A legislação ainda estabelece a preferência por servidores de nível
superior para o exercício de funções comissionadas de natureza gerencial.

É também obrigação legal que os servidores em funções gerenciais recebam


treinamento específico em desenvolvimento gerencial oferecido pelo Tribunal, no
mínimo a cada dois anos.

Já os cargos em comissão possuem reserva de 50% para servidores de


carreira, sendo obrigatório para esse exercício que os mesmos possuam formação
superior e que se submetam a treinamento gerencial nos mesmos moldes daqueles
que exercem funções comissionadas.
Segundo o seu organograma, a hierarquia do TRT 6ª Região é composta
pelo Tribunal Pleno, instância máxima da instituição, seguida dos três cargos que
compõem a administração: Presidência, Vice-Presidência e Corregedoria, sendo
esta última responsável pelo acompanhamento das unidades da 1ª instância, entre
as quais estão as 64 Varas do Trabalho existentes em todo o Estado. Cada uma
delas é presidida por um Juiz Titular, além de contar com um ou mais Juízes
Substitutos.

A área administrativa é composta pela Diretoria Geral, subordinada


diretamente a Presidência, que possui cinco secretarias, a saber, a Secretaria
Administrativa; a Secretaria de Recursos Humanos; a Secretaria de Orçamento e
Finanças; a Secretaria de Informática e a Secretaria de Segurança, Transportes e
Telefonia.

A administração dos Tribunais é exercida exclusivamente por magistrados


eleitos por seus pares, seguindo o critério da antiguidade, conforme o artigo 102 da
Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), Lei Complementar n. 35, de
14.03.197924. Nesse caso, os cargos de presidente, vice-presidente e corregedor
são exercidos por desembargadores eleitos pelo conjunto dos desembargadores,
reunidos no Pleno (BRASIL, 1979).

Em 2011, foi aprovado em Brasília, o Projeto de Lei (PL) que prevê a criação
de mais nove Varas do Trabalho distribuídas nas cidades de Carpina, Igarassu,
Ipojuca, Jaboatão dos Guararapes, Nazaré da Mata, Palmares, Petrolina, Ribeirão e
São Lourenço da Mata, com o quantitativo de cargos correspondente. Atualmente o
TRT6 conta com 64 Varas do Trabalho

2.9.2 O modelo de gestão do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco

Atualmente a base estrutural do modelo de gestão adotado pelo Tribunal


Regional do Trabalho de Pernambuco é o burocrático.
Claramente observa-se uma estrutura organizacional formalizada e
hierarquizada, onde há clara divisão e escalonamento do trabalho, existência de
divisão de poder a partir dos níveis hierárquicos, padronização dos processos e dos
procedimentos, presença de formalismo através de ações e normas pré-
estabelecidas, bem como o uso do legalismo com a obediência restrita às leis e
normas.

Corrobora com o exposto, as afirmações descritas na pesquisa realizada no


TRT da 6ª Região por Pinto (2009, p. 100 - 101):

No âmbito do Tribunal Regional do Trabalho, órgão do Poder Judiciário


Federal, encarregado de dirimir os conflitos oriundos das relações de
trabalho entre empregados e empregadores, com base na legislação
trabalhista em vigor, constituiu-se historicamente como uma organização
burocrática e hierarquizada, onde a figura do juiz goza de um status
diferenciado e de uma autoridade praticamente inquestionável, devido à
importância do papel que ocupa na sociedade.
Além disso, outros componentes da estrutura e da cultura organizacional do
TRT6, como o estresse, a pressão, a sobrecarga de trabalho, o trabalho
repetitivo e burocrático, com pouco espaço para criatividade e a inovação,
podem favorecer a situações de abuso de poder e, consequentemente, de
assédio moral no trabalho.

Cabe ressaltar, entretanto, que já se pode perceber no referido Tribunal, a


adoção em sua gestão de inúmeros elementos do modelo de gestão gerencialista,
tais como uma maior transparência no planejamento e nas ações da administração
pública, gestão responsável dos recursos públicos, busca de soluções inovadoras e
visão de longo prazo, até mesmo porque a organização é constantemente
influenciada por fatores externos e internos.

Como exemplo desse movimento de mudança, destaca-se a participação de


servidores e magistrados na elaboração do Plano Plurianual colaborando na
definição das prioridades.

Verifica-se ainda a preocupação da organização com a eficácia (no sentido


de atender aos objetivos da organização pública e do atendimento ao cidadão) e
com a efetividade (fazer a coisa certa com responsabilidade social), e ainda com a
criação de mecanismos de inclusão do cidadão, garantindo assim uma maior
participação da sociedade. Exemplificando, a parceria feita com Organizações Não
Governamentais para coleta seletiva, reciclagem de computadores e digitalização de
documentos por portadores de necessidades especiais.
Aponta-se também uma mudança que representa indubitavelmente esta
inserção dos princípios da gestão gerencialista, após a observação das melhores
práticas de gestão em organizações, a organização implementou o Balanced
Scorecard (BSC). Tal metodologia propicia a tradução do Planejamento Estratégico
da organização em ações operacionais, por meio de um sistema de indicadores que
retratam o desempenho organizacional.

Dessa forma, orienta a tomada de decisões, possibilitando o direcionamento


adequado dos recursos que viabilizarão ações de impacto positivo. Com a
consolidação da metodologia BSC, implantou também um escritório de projetos
visando dotar seus gestores de subsídios concretos para a caminhada rumo ao
alcance da visão institucional.

O processo do planejamento estratégico da instituição foi desenvolvido


conforme sugere o modelo de gestão gerencialista, de forma sistêmica e
participativa a fim de que fosse possível se chegar ao diagnóstico da instituição e as
definições estratégicas, culminando com os planos operacionais e o
acompanhamento de projetos.

Portanto, a presença de vários elementos e características do modelo de


gestão da nova administração pública é indubitável, muito embora a base estrutural
da gestão ainda seja do modelo burocrático, o que é pertinente e perfeitamente
aplicável em virtude do tipo de organização que se enquadra o Poder Judiciário.

De acordo com Fiates (2007, p. 92):

(...) a configuração dos modelos de gestão pública é influenciada pelo


momento histórico e pela cultura política que caracterizam uma determinada
época do país. Assim, a evolução, o aperfeiçoamento e a transformação
dos modelos de gestão das organizações se desenvolvem a partir de
pressões políticas, sociais e econômicas existentes e que se traduzem em
diferentes movimentos reformistas empreendidos pelos governos que
buscam um alinhamento com as demandas sociais internas e externas.

Assim, os diferentes modelos de gestão pública, com o passar do tempo,


foram amadurecendo a forma de lidar com o ser humano, procurando encontrar um
equilíbrio entre a busca por resultados (objetivando melhorar o desempenho dos
serviços públicos) e uma gestão mais humana e responsável (FADUL; SOUZA,
2005, 2006).
No atual cenário não há mais espaço para instituições que adotam um
modelo estanque e fechado, alheias e indiferentes às novas perspectivas e
tendências globais, nesse sentido é natural que as organizações públicas também
estejam acompanhando as mudanças de seu contexto. A presença de um modelo
híbrido se mostra assim adequado a este momento de transição pelo qual passa a
sociedade.

2.10 A Medicina do Trabalho, a Saúde Ocupacional e a Saúde do Trabalhador

Embora a relação trabalho e saúde tenha sido relatada desde a Antiguidade,


as primeiras abordagens formais desta relação tiveram início na Europa, no século
XIX, com a criação da Medicina do Trabalho e a implantação dos serviços médicos
dentro das empresas.

Eram estruturas centradas na figura do médico, que, por meio de uma


atuação focada no trabalhador, assumiam a responsabilidade pela prevenção dos
acidentes e das doenças. Mas o interesse principal não era o de promover a saúde
dos trabalhadores, mas, sim, o bom funcionamento dos processos de trabalho.

As práticas mais disseminadas eram a seleção de pessoal que, em tese,


fosse menos propenso a se acidentar e adoecer, o controle da saúde para evitar
problemas de absenteísmo e os esforços para proporcionar retorno rápido ao
trabalho nos casos de afastamentos.

A medicina do trabalho tornou-se a variável técnica para solucionar os danos


à saúde provocados pelos processos produtivos, sem possibilidade de interferir além
dos preceitos normativos estabelecidos no contrato de trabalho firmado entre
patrões e empregados. Inaugurava-se um campo médico subserviente ao contrato e
ao interesse do capital produtivo (VASCONCELLOS, 2011; VASCONCELLOS;
PIGNATTI, 2006).

Conforme afirma Mendes (1980), a medicina do trabalho e a higiene


tornaram-se insuficientes para apreender as agora cada vez mais complexas
relações entre trabalho-saúde havendo a necessidade de uma racionalidade
científica mais abrangente consubstanciada na saúde ocupacional – melhor
elaborada conceitualmente e que absorve contribuições da higiene industrial, da
toxicologia, da epidemiologia e da própria saúde pública, momento em que a
medicina do trabalho confunde-se, conceitualmente, com a saúde ocupacional.

Segundo Leon e Almeida (2011), a história da Saúde Ocupacional


demonstra o interesse do Estado Capitalista no retorno financeiro do investimento na
prevenção de doenças associadas ao trabalho. A força motriz da construção da
Medicina Ocupacional, com a criação dos Departamentos Médicos nas empresas
provém do impulso de minimizar os prejuízos decorrentes dos afastamentos e
absenteísmo dos empregados.

Conforme destaca Vasconcellos (2011), tanto a saúde ocupacional como a


saúde do trabalhador retratam campos de ação sobre as relações saúde-trabalho,
na perspectiva de prevenção e reparação dos danos à saúde no trabalho, que
implicam a construção de conhecimentos e de intervenção sobre os problemas
gerados nessas relações.

E complementa afirmando que embora ambas se assentem em raízes


históricas comuns, os campos de ação de cada uma são profundamente marcados
por diferenças conceituais, ideológicas, institucionais, normativas, culturais,
sociopolíticas e econômicas que acabam por estabelecer políticas públicas distintas
em suas diretrizes de ação e de comportamento dos agentes públicos por elas
responsáveis.

A incorporação da lógica da Saúde Pública, de prevenção de riscos e de


promoção da saúde com a participação dos trabalhadores, em uma perspectiva
coletiva, constituindo o que se denomina como Saúde do Trabalhador, efetivou-se no
Brasil a partir da criação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1988.

Segundo Vasconcellos (2011), a saúde do trabalhador surgiu como fruto de


uma crítica ao modelo trabalhista-previdenciário histórico, cuja identidade está
fortemente vinculada aos campos técnicos da medicina do trabalho e da saúde
ocupacional.

Como parte integrante do campo da saúde coletiva, propõe-se a ultrapassar


as articulações simplificadas e reducionistas de causa e efeito de ambas as
concepções que são sustentadas por uma visão monocausal, entre a doença e um
agente específico; ou multicausal, entre a doença e um grupo de fatores de risco
(físicos, químicos, biológicos, mecânicos), presentes no ambiente de trabalho

Em princípio, a identidade do campo de saúde do trabalhador tem como


referência a abordagem da saúde ocupacional, ao mesmo tempo que busca supera-
la, na medida em que esta última – fundada na história natural da doença – orienta-
se apenas por práticas e conhecimentos da clínica, da medicina preventiva e da
epidemiologia clássica. Do ponto de vista disciplinar e profissional, a saúde
ocupacional abrange fundamentalmente as áreas de medicina e engenharia de
segurança, restringindo-se à dimensão contratual das empresas (LACAZ, 2007).

A saúde do trabalhador agrega, além dessas, um amplo espectro de


disciplinas. Como campo de saber próprio da saúde coletiva, está composta pelo
tripé epidemiologia, administração e planejamento em saúde e ciências sociais em
saúde, ao que se somam disciplinas auxiliares como demografia, estatística,
ecologia, geografia, antropologia, economia, sociologia, história e ciências políticas,
toxicologia, engenharia de produção, ergonomia, enfermagem, odontologia, entre
outras.

Ao superar a visão de saúde ocupacional, a saúde do trabalhador se situa


na perspectiva da “saúde como direito”, conforme a tendência internacional e a que
foi plasmada no SUS, de universalização dos direitos fundamentais
(VASCONCELLOS, 2007, 2011).

Ainda sobre esta questão, Vasconcellos (2011, p. 413) afirma que:

Em outras palavras, a saúde do trabalhador abrange a totalidade política da


dimensão da saúde enquanto direito de todos e dever do Estado de garanti-
la e de vigiar para que seja garantida. Assim, a saúde do trabalhador tem
como aparato político-ideológico e institucional a dimensão holística da
saúde pública sobre os determinantes sociais, incluindo o trabalho, tendo a
vigilância da saúde como sua dimensão técnica interventora.

Contrariamente aos marcos da saúde ocupacional, em que os trabalhadores


são vistos como pacientes ou como objetos da intervenção profissional, na visão da
saúde do trabalhador eles constituem-se em sujeitos políticos coletivos, depositários
de um saber emanado da experiência e agentes essenciais de ações
transformadoras. A incorporação desse saber é decisiva, tanto no âmbito da
produção de conhecimentos como no desenvolvimento das práticas de atenção à
saúde (MINAYO-GOMEZ, 2011).

O campo da saúde do trabalhador compreende um corpo de práticas


teóricas interdisciplinares – técnicas, sociais, políticas, humanas -, multiprofissionais
e interinstitucionais no âmbito da saúde coletiva. Diversos atores, situados em
lugares sociais distintos e informados por uma perspectiva comum de produção de
saúde, desenvolvem ações com vistas à promoção da saúde, sempre no âmbito de
atuação das políticas públicas de saúde.

De acordo com Vasconcellos (2011), podemos sintetizar os campos em seus


devidos lugares na figura a seguir, na qual se incluem as dimensões subordinadoras
de cada um, na perspectiva de abrangência política (Figura 7):
Minayo-Gomez (2011) afirma que atualmente, temos de chamar a atenção
em nossa área para a relevância da discussão ambiental e incorpora-la de forma
integrada na formulação do campo de saúde do trabalhador. Essa necessidade vem
sendo apontada em todas as áreas de conhecimento e intervenção, pois a questão
ambiental, desde o final dos anos 70, progressivamente passou a ser tratada de
forma transversal em todas as áreas científicas, técnicas e de práticas sociais.

Sobre esta questão, Augusto (2009, p. 22) afirma que:

A área da Saúde do Trabalhador e Ambiental que emergem no seio da


Saúde Coletiva brasileira tem como antecedentes a história da luta dos
trabalhadores, da Medicina Social Latino Americana e do Movimento
Ambientalista Mundial. A mais nova, a saúde ambiental, nasce como uma
“questão eco-sócio-sanitária” e têm em sua arqueologia, no campo da
Saúde Pública, as ações de controle de endemias (vetoriais e
infectocontagiosas), de saneamento básico, de vigilâncias sanitária,
epidemiológica e de saúde dos trabalhadores.

A evolução da área da saúde do trabalhador trouxe em seu bojo a


preocupação com a saúde ambiental, assim, nas últimas décadas estamos
passando por momentos de reavaliação do conceito de saúde baseado no modelo
biopsicossocial proposto pela OMS, sendo que esta modificação deve-se
principalmente à influência do meio ambiente na saúde do homem, que extrapola a
esfera do social, por assumir gradativamente grande importância no processo de
adoecimento (DIAS et al., 2009).

Compreender problemas de saúde simultaneamente a partir de perspectivas


ecológicas e sociais é fundamental para que propostas de desenvolvimento
econômico e tecnológico possam resultar em balanços mais positivos entre os
benefícios e os prejuízos dele decorrentes, seja para a saúde dos trabalhadores, da
população em geral ou dos ecossistemas (PORTO, 2005).

Segundo Dias et al. (2009), as inter-relações produção/trabalho, ambiente e


saúde, determinadas pelo modo de produção e consumo hegemônico em uma dada
sociedade, são a principal referência para se entender as condições de vida, o perfil
de adoecimento e morte das pessoas, a vulnerabilidade diferenciada de certos
grupos sociais e a degradação ambiental e, assim, para construir alternativas de
mudança capazes de garantir vida e saúde para o ambiente e a população.
Na perspectiva da saúde, o ambiente deve ser entendido como território
vivo, dinâmico, constituído por processos políticos, históricos, econômicos, sociais e
culturais, no qual se materializa a vida humana, por meio de políticas públicas
formuladas utilizando o conhecimento disponível, com a participação e controle
social (BRASIL, 2007).

Assim, as ações de saúde ambiental e saúde do trabalhador devem estar


articuladas nos serviços de saúde, uma vez que os riscos gerados direta e
indiretamente pelos processos produtivos afetam o meio ambiente e a saúde das
populações e dos trabalhadores de modo particular (DIAS et al., 2009).

A saúde, portanto, deve ser encarada como um conceito dinâmico,


multidimensional, qualitativo e evolutivo, envolvendo potenciais de realização
humana em suas esferas fisiológicas, psíquicas e espirituais, sendo objeto de
permanente negociação e eventuais conflitos na sociedade, dependendo de como
os valores e interesses se relacionam nas estruturas de poder e distribuição de
recursos existentes (PORTO, 2005; PORTO; LACAZ; MACHADO, 2003).

Augusto (2009) corrobora com a análise de que o velho modelo linear de


compreensão do processo saúde-doença orientador das práticas vigentes da saúde
pública precisa ser substituído radicalmente por um modelo crítico que integra as
dimensões socioculturais, ambientais e econômicas nos vários níveis hierárquicos
da organização social, que vai desde a família à biosfera.

Como uma condição fundamental ao desenvolvimento individual e coletivo


do ser humano, a saúde é interdependente das complexas relações da
práxis do viver em sociedade, que é sustentada por uma matriz bio-eco-
sócio-ambiental, historicamente determinada e mediada pela linguagem,
pela política, pela técnica, pelos processos econômicos e da produção
(AUGUSTO, 2004, p. 102).

Augusto e Moises (2011) afirmam que assim como a saúde, o ambiente é


um campo de problematização do conhecimento, que não se resolve mais dentro
dos paradigmas tradicionais das ciências, adquirindo novos significados e
dimensões ampliadas.
3 OBJETIVOS

3.1 Objetivo geral

Avaliar a relação entre a capacidade para o trabalho, as características


sócio-demográficas e funcionais e as dimensões de saúde nos servidores do
Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco.

3.2 Objetivos específicos

a) Descrever as características sócio-demográficas e funcionais dos servidores


do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco.

b) Identificar o estado de saúde geral dos servidores do Tribunal Regional do


Trabalho de Pernambuco.

c) Classificar a capacidade para o trabalho dos servidores do Tribunal Regional


do Trabalho de Pernambuco.

d) Determinar a relação entre a capacidade para o trabalho e as características


sócio-demográficas e funcionais dos servidores do Tribunal Regional do
Trabalho de Pernambuco.

e) Verificar a relação entre a capacidade para o trabalho e as dimensões de


saúde dos servidores do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco.
4 MATERIAL E MÉTODOS

4.1 Desenho do estudo

A modalidade adotada para o estudo é a analítica, não-experimental, com


abordagem epidemiológica e de corte transversal.

Os estudos analíticos abordam, com mais profundidade, as relações entre o


estado de saúde e as outras variáveis (BONITA; BEAGLEHOLE; KJELLSTRÖM,
2010).
Segundo Bastos e Duquia (2007), os estudos epidemiológicos transversais
são recomendados quando se deseja estimar a frequência com que um determinado
evento de saúde se manifesta em uma população específica, além dos fatores
associados com o mesmo.

De acordo com Almeida Filho e Rouquayrol (2006); Pagano e Gauvreau


(2011), nesta modalidade de estudo pode-se investigar “causa” e “efeito” de maneira
simultânea e averiguar a associação existente entre a exposição e a doença.

4.2 Local do estudo

O estudo foi realizado no Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco,


órgão do Poder Judiciário Federal.

4.3 População de estudo

Foi composta por servidores do quadro de pessoal efetivo do Tribunal


Regional do Trabalho de Pernambuco.

De acordo com as informações da Secretaria de Recursos Humanos, o


Tribunal Regional possuía até dezembro de 2010, 2.109 servidores em seu quadro
de pessoal. Sendo 1481 (70%) na Área Judiciária, 568 (27%) na Área Administrativa
e 60 (3%) na Área de Apoio Especializado.
4.3.1 Critérios de inclusão

a) Ser servidor ativo do quadro de pessoal;

b) Ter sido admitido há pelo menos um ano;

c) Estar em atividade no período da coleta de dados;

d) Aceitar, voluntariamente, participar da pesquisa;

e) Assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE);

f) Responder os instrumentos de coleta de dados.

4.3.2 Critérios de exclusão

a) Estagiários;

b) Requisitados;

c) Não aceitar participar da pesquisa;

d) Aceitar participar da pesquisa, mas recusar-se a responder os


instrumentos de coleta de dados;

e) Recusar-se a assinar o TCLE;

f) Servidores em férias, afastados por motivo de doença ou qualquer


outro tipo de afastamento que impossibilite responder à pesquisa no período
de realização do estudo;

g) Participantes do teste piloto do instrumento de coleta.

Como este estudo é focado na saúde do trabalhador, considerou-se que a


possibilidade de trabalhar é de fundamental importância para se determinar a
condição de saúde dos indivíduos.
4.4 Amostra

A amostra presente neste estudo caracterizou-se como amostra estratificada


proporcional, que são aquelas nas quais cada estrato é proporcional ao número de
indivíduos que compõem a população do mesmo (PAGANO; GAUVREAU, 2011).

O tamanho da amostra foi calculado baseando-se no universo de 2109


servidores, com prevalência de 50%, nível de confiança de 95% e erro amostral de
5%.

Desta forma, obtivemos um total de 326 servidores, sendo 233 na Área


Judiciária, 71 na Área Administrativa e 22 na Área de Apoio Especializado.

Considerando a possibilidade de 20% de perdas, e que 20% de 326


corresponde a 65, o tamanho da amostra maximizada foi de 391 servidores, sendo
280 na Área Judiciária, 85 na Área Administrativa e 26 na Área de Apoio
Especializado.

4.5 Coleta de dados

Para realização da coleta de dados foi obedecida a seguinte sequência:

a) Apresentação do projeto à Presidência do TRT de Pernambuco visando


autorização para realização da pesquisa com assinatura da Carta de Anuência
(APÊNDICE C);

b) Apresentação do projeto de pesquisa ao Comitê de Ética em Pesquisa


do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM) e obtenção da aprovação deste
Comitê para a realização da pesquisa (ANEXO C);

c) Apresentação do projeto de pesquisa à Banca de Exame de


Qualificação do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães e obtenção da aprovação
desta Banca para a realização da pesquisa;

d) Realização de teste-piloto dos questionários junto a 15 servidores que


exercem suas funções na sede do TRT de Pernambuco, com o objetivo de
evidenciar a necessidade de alterações e adequações dos instrumentos para a
coleta de dados. Os servidores participantes foram informados quanto aos objetivos
do teste piloto e da pesquisa e orientados quanto à confidencialidade dos dados
obtidos e assinatura do TCLE (APÊNDICE A).

A conclusão da análise do teste-piloto indicou que não haveria necessidade


de alterações nos questionários, o que permitiu a utilização dos questionários já
aplicados na amostra piloto, sem necessidade de reaplicá-los.

e) Apresentação do projeto de pesquisa aos servidores presentes no local


de trabalho e entrega dos questionários: foi realizada reunião em cada uma das
Varas do Trabalho, Gabinetes, Secretarias e Setores visitados pela Equipe do
Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO) com a presença da
pesquisadora, de todos os servidores e da chefia.

Nestas reuniões foram fornecidas informações referentes ao objetivo da


pesquisa, à confidencialidade dos dados individuais, aos instrumentos para coleta de
dados, à não obrigatoriedade de participação (participação opcional e voluntária), à
forma de preenchimento do questionário (ressaltando a importância de não deixar
questões em branco), à assinatura do TCLE.

Foram entregues os questionários com o TCLE em envelope timbrado do


CPqAM, individualizado e fechado. A pesquisadora ficou aguardando no local de
trabalho e foi combinado com os servidores um tempo para o preenchimento dos
mesmos e devolução.

Alguns servidores não tiveram disponibilidade para responder os


questionários no momento em que foram abordados pela pesquisadora. Neste caso,
foi combinada nova data para recolhimento dos mesmos. Foram realizadas três
tentativas de recuperação do questionário preenchido, caso estes não fossem
devolvidos, a amostra era considerada como perda.

O período de referência da coleta de dados foi de 22 de agosto a 19 de


dezembro de 2011, totalizando 120 dias de coleta de dados.

Foram distribuídos 391 envelopes, tendo sido recolhidos 310, ou seja, a taxa
de resposta foi de 79%.
A taxa de resposta consiste no percentual de indivíduos da população de
estudo que participa do levantamento de dados, não havendo consenso sobre qual
seja a taxa ideal de resposta (PAGANO; GAUVREAU, 2011).

Valores acima de 75% foram considerados adequados por Martinez (2006). A


taxa de resposta desta pesquisa foi de 79% e, portanto, acima dos padrões
esperados. Esse retorno pode ser atribuído aos procedimentos observados quanto ao
planejamento e administração dos questionários para coleta de dados. Houve ampla
divulgação junto às diversas instâncias hierárquicas, agendamento das atividades,
horários e locais adequados às disponibilidades dos servidores, fornecimento de
informações sobre a pesquisa e garantia de confiabilidade dos resultados.

4.6 Instrumentos para a coleta de dados

4.6.1 Questionário 1: Características sócio-demográficas e funcionais

Questionário elaborado pela autora que constou de questões sobre as


características sócio-demográficas (sexo, idade, escolaridade, estado conjugal) e
funcionais (lotação nas áreas administrativa, judiciária, apoio especializado, função,
cargo, tempo na função, tempo no tribunal, jornada de trabalho) (APÊNDICE B).

4.6.2 Questionário 2: Índice de Capacidade para o Trabalho

A capacidade para o trabalho foi medida por meio do Índice de Capacidade


para o Trabalho (ICT) (ANEXO A), o qual possibilita avaliar e detectar precocemente
alterações, predizer a incidência de incapacidade de trabalhadores em fase de
envelhecimento e ser usado como instrumento para subsidiar informações,
direcionando medidas preventivas (TUOMI et al., 2005).

O ICT oferece as facilidades de ser um instrumento de preenchimento rápido


e simples, com baixo custo e autoaplicável (FISCHER et al., 2005).
De acordo com Tuomi et al. 2005, os resultados do ICT podem ser utilizados
nos níveis individual e coletivo. Individual por que permite identificar trabalhadores
com comprometimento da capacidade funcional e adotar medidas de apoio. Coletivo
por que permite a identificação de um perfil geral da capacidade para o trabalho, da
capacidade funcional e dos fatores que os afetam, direcionando adoção de medidas
corretivas.

No Brasil, o ICT demonstrou apresentar propriedades psicométricas


satisfatórias, quanto à validade de construto, de critério e confiabilidade (MARTINEZ;
LATORRE; FISCHER, 2009, 2010; RENOSTO, 2009; SILVA JÚNIOR; 2010).

O questionário é composto por 10 questões ponderadas em sete itens,


resultando em um escore numérico (Quadro 1):
A quantidade de pontos alcançada em cada questão é somada, o escore
final pode variar de 7 a 49 pontos, classificados da seguinte forma (quadro 2):

Esse escore foi categorizado com base nos resultados dos trabalhadores
finlandeses com idade entre 45 a 58 anos, utilizando os seguintes critérios: os 15%
dos trabalhadores com a pior classificação formaram a categoria “baixa”, os 15%
dos trabalhadores com a melhor classificação formaram a categoria “ótima”, as
classificações “moderada” e “boa”, foram divididas pela mediana do escore (TUOMI
et al., 2005; KUJALA et al., 2005).

Com o auxílio do índice, pode-se num estágio precoce, identificar


trabalhadores e ambientes de trabalho que necessitam de medidas de apoio:

1 - Se a capacidade para o trabalho é excelente, deve-se explicitar ao


trabalhador quais fatores do ambiente do trabalho e estilo de vida que estariam
relacionados à manutenção ou à deterioração da saúde. Além disto, o
encorajamento às práticas que estimulem a saúde do trabalhador é recomendado.

2 - Se a capacidade de trabalho é moderada, recomenda-se incentivar as


iniciativas do trabalhador para a promoção de sua capacidade (por exemplo, dieta
adequada, exercício físico, sono e repouso, atividades sociais, outros passatempos
e estudos). Neste nível, o trabalhador pode necessitar de reabilitação médica.

3 - Se a capacidade de trabalho é baixa, deve ser estabelecida a reabilitação


da saúde. Deve-se avaliar se a capacidade pode ser restaurada corrigindo-se os
riscos encontrados no ambiente de trabalho e remodelando sua organização de
modo a torná-lo mais eficiente.
Os efeitos das medidas tomadas podem ser acompanhados por novo
preenchimento dos questionários pelos trabalhadores, em conjunto com os exames
periódicos de saúde ou outros tipos de procedimentos de acompanhamento
(screening) (TUOMI et al., 1997).

4.6.3 Questionário 3: Estado de Saúde

Existe uma grande quantidade e variedade de instrumentos disponíveis para


avaliação da saúde, porém estes instrumentos nem sempre são elaborados ou
traduzidos com o rigor exigido em um processo e/ou adaptação transcultural. Neste
estudo, buscaram-se instrumentos que procuram obedecer estes critérios.

Utilizou-se o Medical Outcomes Study 36 – item short form health survey –


SF – 36 (ANEXO B). Este questionário foi criado com a finalidade de ser um
questionário genérico de avaliação de saúde e, portanto, seus conceitos não são
específicos para uma determinada idade, doença ou grupo de tratamento
(CICONELLI, 1997).

O SF-36 é um instrumento de medida de qualidade de vida desenvolvido no


final dos anos 80 nos Estados Unidos da América. Foi aplicado em diversas
situações com boa sensibilidade, eliminando-se o problema de distribuição
excessiva das pontas de escala como excelente e muito ruim (VIACAVA, 2002;
WARE; SHERBOURNE, 1992).

Foi traduzido em mais de 30 línguas e submetido a estudos de confiabilidade


e validade em mais de 40 países como parte do Projeto Internacional de Avaliação
de Qualidade de Vida (IQPLA) e apresenta boa sensibilidade (WARE;
SHERBOURNE, 1992; WARE, 2000).

O SF-36 foi desenvolvido por Ware e Sherbourne (1992), traduzido e


validado no Brasil por Ciconelli (1997), em um estudo com pacientes portadores de
artrite reumatóide, mostrando-se adequado às condições socioeconômicas e
culturais da população brasileira, apresentando ótima reprodutibilidade.
Ciconelli (1997) afirma que a tradução e adaptação basearam-se nas etapas
propostas pelo International Quality of Life Assessment Project e, também, em
trabalhos da literatura que abordaram a metodologia de tradução dos questionários
para outros idiomas.

Conforme Peregrino (2008), é um instrumento de fácil administração e


compreensão, pode ser aplicado por entrevista (pessoal ou por telefone), via internet
ou por autoadministração. O tempo médio de preenchimento é de aproximadamente
10 minutos e deve ser usado por indivíduos maiores de 14 anos.

Segundo Ciconelli et al. (1999); Ware e Sherbourne (1992), este instrumento


apresenta a saúde como um construto multidimensional e reflete a interferência de
doenças sobre diversos aspectos da vida de um indivíduo.

De acordo com Silva (2008), além de monitorar a saúde em termos


quantitativos, esta ferramenta oferece como vantagem a possibilidade de uso e
comparação entre populações diversas, com ou sem doença.

É um questionário multidimensional composto por 36 itens englobados em


oito dimensões25 que foram escolhidas por apresentar os conceitos mais
frequentemente mensurados nos inquéritos de saúde.

As dimensões do SF-36 e suas interpretações estão detalhadas abaixo


(Quadro 3):
Além das oito dimensões citadas acima, o SF 36 inclui uma questão de
avaliação comparativa entre as condições de saúde atual e aquelas de um ano
atrás. Esta questão não participa da análise geral da escala (questão 2).

De maneira geral, as dimensões desta ferramenta demonstram se as


pessoas conseguem executar atividades rotineiras e como se sentem quando as
estão praticando (SILVA, 2008).
Para avaliação dos resultados é dado um escore para cada questão que,
posteriormente, é transformado em uma dimensão que varia de zero a 100, onde
zero corresponde ao pior estado de saúde e 100 ao melhor, sendo que cada
dimensão é analisada em separado a fim de evitar que os verdadeiros problemas
relacionados à saúde do indivíduo sejam subestimados ou não identificados
(CICONELLI, 1997).

Ware e Sherbourne (1992), afirmam que o fato de não ser apresentado um


único escore para o estado de saúde, resumindo toda a avaliação feita pelos 36
itens do SF-36, justifica-se pela preocupação em evitar o erro de não identificar os
verdadeiros problemas relacionados à saúde do paciente ou mesmo subestimá-los.

Após realizar o cálculo das pontuações de cada questão, transforma-se nos


8 domínios o valor das questões anteriores em notas para cada dimensão. É
chamado de raw scale porque o valor final não apresenta nenhuma unidade de
medida (quadro 5).
O SF-36 é agrupado em dimensões relacionadas à saúde física e à saúde
mental. Esta divisão tem por finalidade visualizar de forma genérica estes dois
grandes componentes já que podem estar envolvidos de maneira distinta nas
diversas patologias (Figura 8).

Neste sentido, a avaliação da saúde física obtida através deste instrumento


considera saúde física como sendo não apenas uma condição física livre de doença,
mas também a possibilidade de desempenhar atividades físicas, atividades de vida
diária, de trabalho, de lazer ou sociais, sem limitações devidas à dor ou a
intercorrências no funcionamento do organismo.

Da mesma forma, a saúde mental é avaliada como sendo não apenas a


ausência de sintomas ou doenças de ordem mental, mas também uma condição na
qual o indivíduo desfrute sentimentos de bem-estar psicológico e tenha a
possibilidade de desempenhar suas atividades de vida diária, sociais e de trabalho
sem intercorrências decorrentes de problemas com a saúde.

4.7 Variáveis do estudo

Foi definida para este estudo, a variável dependente e as independentes.

4.7.1 Variável dependente: Capacidade para o Trabalho

A quantidade de pontos alcançada em cada questão é somada, resultando


em um escore final. O escore final pode variar de 7 a 49, classificando-a em baixa
(7-27), moderada (28-36), boa (37-43) e ótima (44-49) capacidade para o trabalho.

4.7.2 Variáveis independentes

a) Características sócio-demográficas:

- Sexo: variável categorizada em feminino e masculino;

- Idade: variável contínua quantitativa, em anos;

- Escolaridade: ensino médio completo, ensino médio incompleto, ensino superior


completo, ensino superior incompleto, pós-graduação;

- Estado conjugal: solteiro, casado/companheiro, separado/divorciado, viúvo.

b) Características funcionais

- Lotação: foram usadas as categorias:

Área judiciária – compreende os serviços realizados privativamente por bacharéis


em Direito, abrangendo processamento de feitos, execução de mandados, análise e
pesquisa de legislação, doutrina e jurisprudência nos vários ramos do Direito, bem
como a elaboração de pareceres jurídicos;
Área de apoio especializado – compreende os serviços para a execução dos quais
se exige o devido registro no órgão fiscalizador do exercício profissional ou o
domínio de habilidades específicas.

Área administrativa – compreende os serviços relacionados com recursos humanos,


material e patrimônio, licitações e contratos, orçamento e finanças, controle interno e
auditoria, segurança e transporte e outras atividades complementares de apoio
administrativo.

- Função: a função atual que o servidor exerce.

- Tempo na função: variável quantitativa contínua, em anos, que expressa o tempo


que o servidor exerce a função atual.

- Cargo: foram usadas as categorias:

Auxiliar Judiciário – servidores que ingressaram com curso de ensino fundamental.

Técnico Judiciário – servidores que ingressaram com curso de ensino médio, ou


curso técnico equivalente, correlacionado com a especialidade, se for o caso.

Analista Judiciário – servidores que ingressaram com curso de ensino superior,


inclusive licenciatura plena, correlacionado com a especialidade, se for o caso.

- Tempo no Tribunal: variável quantitativa contínua, em anos, que expressa o tempo


que o servidor foi admitido no TRT6.

- Jornada de trabalho: variável quantitativa contínua, em horas, que expressa o


período em que o servidor esteja à disposição do TRT6.

c) Estado de saúde

- Saúde física: representada por quatro dimensões variando de 0 a 100 pontos:


capacidade funcional, aspecto físico, dor, estado geral de saúde.

- Saúde mental: representada por quatro dimensões variando de 0 a 100 pontos:


vitalidade, aspecto social, aspecto emocional, saúde mental.
4.8 Análise dos dados

Para análise dos dados foram obtidas distribuições absolutas, percentuais


uni e bivariadas e as medidas estatísticas: média, mediana e desvio padrão
(técnicas de estatística descritiva) e foram utilizadas técnicas de estatística
inferencial através dos testes: F (ANOVA) com comparações de Tukey, Exato de
Fisher desde que as condições para utilização do teste Qui-quadrado não fossem
verificadas e o teste da Razão de Verossimilhança quando não foi possível obter o
teste Exato de Fisher.

A margem de erro utilizada nas decisões dos testes estatísticos foi de 5%. O
nível de significância estabelecido em todos os testes estatísticos utilizados foi de
p<0,05.

O software utilizado para digitação dos dados e obtenção dos cálculos


estatísticos foi o SPSS® (Statistical Package for the Social Sciences) na versão 17.

4.9 Aspectos éticos

O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro


de Pesquisas Aggeu Magalhães (CEP/CPqAM), apreciado e aprovado de acordo
com o Registro no CAAE: 0018.0.095.000-11 (Anexo C) e está de acordo com a
resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Foi solicitada a Carta de Anuência à Presidência do Tribunal Regional do


Trabalho de Pernambuco.

Para a participação no estudo, todos os voluntários assinaram o Termo de


Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que explicava os objetivos, os
procedimentos para a coleta de dados, os riscos, a confidencialidade e a
abrangência da pesquisa.
5 RESULTADOS

Neste capítulo, serão apresentados os resultados obtidos no presente


estudo.

5.1 Características sócio-demográficas

Na Tabela 1, observa-se que a população de estudo foi constituída por 310


servidores, sendo 156 (50,3%) do sexo masculino e 154 (49,7%) do sexo feminino. A
idade dos pesquisados variou dos 25 aos 69 anos, com média de 44 anos. A faixa
etária foi em sua maioria de 40 a 49 anos 148 (47,7%), seguida de 25 a 39 anos 82
(26,5%) e 50 anos ou mais 80 (25,8%). A escolaridade é elevada, sendo a maioria
absoluta pós-graduada 175 (56,5%), seguido de superior completo 89 (28,7%) e
médio completo 46 (14,8%). No que diz respeito ao estado civil, os servidores
casados ou que vivem com companheiros, corresponderam à maioria 204 (65,8%), os
solteiros, separados, divorciados ou viúvos foram 106 (34,2%).
5.2 Características funcionais

Segundo os dados apresentados na tabela 2, encontramos que a maioria dos


servidores pesquisados está lotada na Área judiciária 150 (48,4%), seguida da Área
administrativa 119 (38,4%). Em relação ao cargo, a predominância é de Técnico
Judiciário 229 (73,9%) e de Analista Judiciário 71 (22,9%). Quanto ao tempo de
trabalho no Tribunal, 103 (33,2%) pesquisados apresentam entre 15 e 20 anos de
serviço, 76 (24,5%) entre 10 e 15 anos e 56 (18,1%) estão na instituição há mais de
20 anos.
5.3 Estado de Saúde

Na Tabela 3 observam-se as estatísticas das dimensões relativas ao estado


de saúde. Desta tabela, podemos destacar que as médias dos domínios variaram de
62,35 para vitalidade a 80,58 para capacidade funcional. As dimensões com os dois
maiores escores foram aspectos físicos e capacidade funcional (com médias
respectivamente 77,18 e 80,58). As duas dimensões com as piores avaliações foram
vitalidade e dor (com médias respectivamente de 62,35 e 67,56).

Lembrando que as dimensões têm uma variação possível entre zero e 100,
obtivemos valores máximos em todas as oito dimensões e os valores mínimos
diferiram de zero nas dimensões Capacidade funcional (mínimo = 10); Estado geral
de saúde (mínimo = 15); Vitalidade (mínimo = 5) e Saúde mental (mínimo = 8).

Observamos também que os escores médios relativos ao estado de saúde


dos servidores pesquisados em todas as dimensões do SF-36, foram superiores à
metade do valor máximo esperado, ou seja, 50.

A variabilidade expressa através do coeficiente de variação não se mostrou


elevada desde que as referidas medidas fossem menores do que metade dos valores
das médias correspondentes.
A distribuição dos servidores pesquisados em cada uma das dimensões está
apresentada na figura abaixo.
5.4 Índice de Capacidade para o Trabalho

Em relação à classificação do Índice de Capacidade para o Trabalho na


população estudada, observa-se no gráfico 2 que 149 (48%) servidores apresentaram
capacidade para o trabalho pertencente à categoria boa, 94 (30%) à categoria ótima,
61 (20%) à categoria moderada e apenas 6 (2%) à categoria baixa.

A média do ICT dos servidores deste estudo foi de 40 pontos, (desvio padrão
de 5 pontos), variando de 22 a 49 pontos e mediana de 41 pontos.

Na tabela 4, observa-se que as dimensões que compõem o Índice de


Capacidade para o Trabalho apresentaram os seguintes resultados: capacidade para
o trabalho atual comparada com a melhor de toda a vida: 242 (78,10%) servidores
ocuparam as três pontuações superiores da dimensão, ou seja, oito, nove e dez
pontos. A capacidade para o trabalho em relação às exigências do trabalho: 222
(71,61%) servidores ocuparam as três pontuações superiores da dimensão, ou seja,
oito, nove e dez pontos. O número atual de doenças diagnosticadas pelo médico: 74
(23,9%) servidores não referiram presença de doença (pontuação = 7) e 62 (20%)
informaram 5 ou mais doenças (pontuação = 1).
Em relação à perda estimada para o trabalho devido às doenças: 163
(52,58%) servidores informaram que não têm nenhum impedimento/doença para
realizar seu trabalho (pontuação = 6). Faltas ao trabalho por doenças nos últimos 12
meses: 139 (44,84%) servidores referiram até 9 dias de afastamento (pontuação = 4)
e 125 (40,32%) negaram afastamento do trabalho por doenças nos últimos 12 meses
(pontuação = 5). Prognóstico próprio sobre a capacidade para o trabalho daqui a dois
anos: 276 (89,03%) servidores consideraram que é bastante provável que daqui a 2
anos sejam capazes de fazer o trabalho atual (pontuação = 7).

Quanto aos recursos mentais: 270 (87,10%) servidores ocuparam as duas


pontuações superiores da dimensão, ou seja, 3 (sempre) e 4 (quase sempre), em
termos de recursos mentais (capacidade para apreciar as atividades diárias,
percepção de estar vivo e alerta, sentimento de esperança para o futuro).
No item seguinte, o trabalhador classifica a sua capacidade de trabalho atual
em comparação com a sua melhor capacidade, usando uma escala de zero
(incapacidade total) a 10 (capacidade máxima).

Na tabela 5, observamos que 105 (33,9%) servidores pontuaram a sua


capacidade de trabalho atual com oito pontos, 79 (25,5%) com sete pontos e 58
(18,7%) com a pontuação máxima, ou seja, 10 pontos.

A nota mínima atribuída (zero), referente aos que se avaliaram como


totalmente incapazes para o trabalho, não foi assinalada por nenhum pesquisado, a
nota máxima (dez), dos que se sentem na sua melhor capacidade para o trabalho, foi
assinalada por 58 (18,7%).

Levando-se em conta a percepção do indivíduo acerca da sua capacidade


atual em relação às exigências físicas do trabalho, por exemplo, fazer esforço físico
com partes do corpo, observa-se na tabela 6, que 115 (37,1%) pesquisados relataram
que sua capacidade física estava “boa”, 105 (33,9%) expuseram que estava “muito
boa” e apenas 6 (1,9%) responderam que a capacidade física estava “muito baixa”.
Na tabela 7, observamos que a maioria absoluta 257 (82,9%) dos
entrevistados relatou que a capacidade para o trabalho em relação às exigências
mentais do mesmo estava “boa e muito boa”.
Neste item, leva-se em conta a percepção do indivíduo acerca da sua
capacidade atual em relação às exigências mentais do trabalho, por exemplo,
interpretar fatos, resolver problemas, decidir a melhor forma de fazer.

Observa-se na tabela 8, que 74 (23,9%) servidores relataram não apresentar


nenhuma doença, 69 (22,3%) referiram uma doença, enquanto que 62 (20%)
afirmaram pelo menos cinco doenças.

Neste item, encontramos uma listagem de 51 doenças, cada uma delas com
a opção de preenchimento, doença diagnosticada pelo médico ou doença de opinião
própria. O trabalhador deverá referir quais as doenças ou lesões de que sofre neste
momento para que sejam identificadas na listagem.
O valor ponderado deste item obtém-se em função do número de doenças
que foram diagnosticadas pelo médico, variando de nenhuma doença, a pelo menos
cinco doenças.

O gráfico 3, refere-se à distribuição das lesões / doenças por grupos segundo


diagnóstico médico e própria opinião dos pesquisados.

Nota-se que as lesões/doenças musculoesqueléticas foram predominantes,


tanto no relato de doenças com diagnóstico médico (32,41%) como na própria opinião
dos servidores (43,15%).

Merece destaque também, o grupo dos transtornos mentais em que houve


uma inversão de resultados, ou seja, a resposta dos servidores pesquisados em sua
própria opinião (11,20%) foi maior que aqueles com diagnóstico médico (7,01%).
No item a seguir, o trabalhador avalia se a sua doença ou lesão atual é de
alguma forma limitante para a realização do seu trabalho. Sendo que 6 pontos
significa que o indivíduo não tem impedimento ou doenças e 1 ponto representa a
incapacidade total para trabalhar.

Na tabela 9, observa-se que 163 (52,6%) dos pesquisados não consideram


que há impedimento para o trabalho, 88 (28,4%) referem que o trabalho lhes causa
alguns sintomas, 52 (28,4%) afirmam que algumas vezes precisaram diminuir ou
mudar o ritmo de trabalho devido à doença.

Merece destaque no presente estudo, o fato de nenhum servidor pesquisado


responder ser totalmente incapaz para o trabalho.
Na questão 6 do ICT, pretende-se saber se os trabalhadores necessitaram
faltar ao trabalho nos últimos 12 meses devido a problemas de saúde.

A avaliação deste item varia de um a cinco pontos sendo que, um ponto


significa que o indivíduo faltou entre 100 a 365 dias no último ano, dois pontos
significa faltas entre 25 a 99 dias, três pontos será para faltas entre 10 a 24 dias,
quatro pontos para faltas até 9 dias e cinco pontos significa que o mesmo não se
ausentou nenhum dia devido à doença.

Observa-se na tabela 10, que 139 (44,8%) servidores faltaram ao trabalho por
até 9 dias devido a doenças no último ano; seguido de 125 (40,3%) que não se
ausentaram nenhum dia no último ano devido à doença.
Neste item seguinte, os entrevistados fazem uma previsão acerca da sua
capacidade para o trabalho para daqui a dois anos considerando o seu presente
estado de saúde. Para este prognóstico, os indivíduos tiveram que optar entre três
itens: improvável, que corresponde a 1 ponto, não estou muito certo, 4 pontos e
bastante provável, 7 pontos.

Na tabela 11, observamos que a grande maioria, 276 (89%), considerou


bastante provável que daqui a 2 anos sejam capazes de realizar o trabalho atual;
seguida de 27 (8,7%) servidores que não estavam muito certo disso.

As questões 8, 9 e 10 do ICT têm por objetivo analisar os recursos mentais


dos trabalhadores, no sentido de o servidor ter conseguido apreciar as suas
atividades diárias.
Digno de nota na tabela 12, que 126 (40,6%) servidores responderam que
quase sempre conseguem apreciar as atividades diárias, seguido de 107 (34,5%)
que relatam que sempre apreciam as atividades diárias. A minoria absoluta 2 (0,6%)
referiu nunca apreciar as suas atividades diárias.
Na tabela 13, observa-se que 143 (46,1%) servidores responderam que
quase sempre se sentem ativos e alerta, seguidos de 112 (36,1%) que referem
sempre estar ativos e alerta. A minoria absoluta 2 (0,6%) referiu nunca estar ativo e
alerta.

Já na tabela 14, observamos que 130 (41,9%) servidores responderam que


sempre sentem esperança em relação ao futuro, seguidos de 101 (32,6%) que
referiram quase sempre sentir esperança em relação ao futuro. A minoria absoluta 2
(0,6%) referiu que nunca sentem esperança para o futuro.
5.5 Análise dos fatores associados à Capacidade para o Trabalho

Na Tabela 15, se apresentam os resultados do grau de capacidade para o


trabalho no grupo total segundo as variáveis sócio-demográficas.

Destacamos que não se comprova associação estatisticamente significativa


entre o grau de capacidade para o trabalho e as características sócio-demográficas
faixa etária, sexo, estado civil e escolaridade (p = 0,582; p = 0,593; p = 0,894; p =
0,439, respectivamente).

Mesmo sem comprovação de associação significativa, cabe destacar que foi


possível perceber, que com o avanço da idade, o grau de capacidade para o trabalho
apresentou uma tendência de aumento. Já em relação ao sexo, o feminino apresenta-
se com a distribuição maior nos baixos graus do ICT (baixo e moderado), enquanto
que o masculino tem maior distribuição nos altos graus do ICT (bom e ótimo).
Dos resultados apresentados na Tabela 16, não se comprova associação
significativa entre o grau de capacidade para o trabalho com nenhuma das variáveis
relacionadas à função.

Mesmo assim, cabe-se destacar que o percentual dos que tinham o grau
ótimo foi mais elevado entre os pesquisados do apoio especializado do que os da
área Judiciária e Administrativa; foi menos elevado entre os que tinham cargo de
Auxiliar judiciário do que os que tinham cargo de Analistas e Técnicos judiciários; foi
menos elevado entre os que tinham mais de 20 anos de trabalho no Tribunal.
Na Tabela 17, observam-se as estatísticas das dimensões do SF36 segundo o
grau de capacidade para o trabalho.

Desta tabela se destaca a presença de diferenças significativas entre todas as


categorias para cada uma das dimensões (p < 0,05) através dos testes de
comparações múltiplas (em pares).

Com exceção dos graus baixo e moderado, se comprova diferença


significativa entre as demais combinações.
6 DISCUSSÃO

Por vezes sentimos que aquilo que fazemos


Não é senão uma gota de água no mar.
Mas o mar seria menor
Se lhe faltasse uma gota.
(Madre Teresa de Calcutá).

Esta pesquisa analisou as relações entre Capacidade para o Trabalho e


Saúde dos servidores do Tribunal Regional do Trabalho de Pernambuco.

Este estudo tem algumas limitações que merecem ser destacadas. O uso do
questionário, embora tão comumente utilizado em estudos transversais, pode reduzir
a qualidade das medidas. As informações coletadas podem sofrer a influência de
diversos fatores, como memória, capacidade de compreensão e interesses
particulares dos respondentes.

O possível receio dos trabalhadores de serem prejudicados com as


respostas deve ser considerado, uma vez que o questionário era aplicado dentro da
instituição, apesar da garantia do anonimato das respostas.

O fato do desenho transversal dessa pesquisa não permitir estabelecer


relações causais entre os diversos fatores analisados, trata-se de uma limitação.
Para isso são necessários estudos longitudinais. Da mesma forma, para o
entendimento de como ocorre a dinâmica destas relações, são úteis os estudos com
abordagem qualitativa.

Deve ser considerado como uma fonte potencial de viés o efeito do


trabalhador sadio. De acordo com Bonita, Beaglehole e Kjellström (2010), os estudos
em epidemiologia ocupacional incluem frequentemente apenas pessoas saudáveis.
Assim o grupo de trabalhadores expostos apresenta menor taxa de mortalidade geral
em relação ao mesmo grupo etário na população geral. Para ser ativo na sua
ocupação, o trabalhador precisa estar razoavelmente saudável. As pessoas doentes e
incapacitadas são seletivamente excluídas dos grupos de estudo.

O efeito do trabalhador sadio é apontado como fator de confusão e de viés


em estudos epidemiológicos de morbidade e mortalidade em saúde do trabalhador, e
que não se consegue controlar na coleta e análise dos dados.

Esse efeito é um fenômeno complexo e difícil de ser mensurado, mas deve


ser considerado quando da avaliação dos resultados em saúde do trabalhador
Embora os dados obtidos neste estudo não permitam dimensionar este efeito,
ele não deve ser descartado dado o elevado padrão de qualidade de saúde e de
capacidade para o trabalho, bem como as condições sócio trabalhistas diferenciadas
em relação à grande parcela da população do país.

O efeito do trabalhador sadio também é apontado em diversos estudos sobre


a capacidade para o trabalho, como os de Assunção, Sampaio e Nascimento (2010),
Bellusci (2003), Bomfim (2009), Costa (2005), Hilleshein (2011), Martinez (2006),
Martinez e Latorre (2008, 2009), Martinez; Latorre e Fischer (2009), Menegon (2011),
Pohjonen (2001), Rabacow (2008), Raffone e Hennington (2005), Vasconcelos
(2009), como causador de possível distorção nos perfis identificados, bem como nas
associações estudadas.

Outra limitação já apontada nos estudos de Martinez, Latorre e Fischer


(2009) e Silva Júnior (2010), é a definição dos pontos de corte do escore do ICT, por
terem como base os resultados de estudos realizados com trabalhadores
finlandeses. Considerando que os trabalhadores brasileiros têm diferente
composição demográfica e estão expostos a condições de trabalho e vida diferentes
daquelas da Finlândia, é bem provável que estejam sujeitos a um padrão de
envelhecimento funcional diferente e, por isso, os pontos de corte originais podem
não ser válidos.

Na presente pesquisa não foi possível estudar variáveis relacionadas com o


estilo de vida, tais como, hábito de fumar ou ingerir bebidas alcoólicas, praticar
exercício físico, índice de massa corpórea e outras, apresentando-se tal como uma
limitação ao nosso estudo, visto que algumas dessas variáveis poderiam apresentar
associação com a perda da capacidade para o trabalho e deterioração da saúde.

Destaca-se que para garantir a validade interna do estudo foram tomadas


algumas medidas para evitar erros sistemáticos. Para minimizar o viés de aferição
foram utilizados questionários já adaptados e/ou validados para uso no Brasil,
tomando-se o cuidado de realizar um pré-teste e de orientar os participantes da
pesquisa quanto ao preenchimento dos questionários.

A consistência interna e a confiabilidade do ICT e do SF-36 foram avaliadas


pelo Alpha de Crombach e mostrou-se satisfatória.
A discussão dos resultados será feita separadamente. No primeiro momento
é analisada a caracterização sócio – demográfica e funcional da amostra, seguindo-
se uma análise dos valores obtidos pelo estado de saúde e depois pelo ICT. Em
seguida, analisamos a relação entre as características sócio – demográficas e
funcionais com o ICT, e por último, a relação dos resultados do ICT com os
resultados do estado de saúde avaliado pelo SF-36.

Os achados foram comparados com estudos que envolvem trabalhadores do


Brasil e do mundo, nos quais a capacidade para o trabalho foi avaliada pelo ICT
assim como, o estado de saúde foi mensurado pelo SF-36, buscando-se
semelhanças e distinções.

6.1 As características sócio – demográficas

Em relação em relação ao sexo, houve distribuição semelhante na amostra


pesquisada.

Recentemente, uma pesquisa divulgada pelo IBGE (2012) revela que das
mulheres brasileiras ocupadas no mercado de trabalho em 2011, 22,6% estavam no
setor público, enquanto entre os homens, esse percentual era de 10,5%. Analisando a
distribuição da população ocupada, exclusivamente no setor público, ele era
composto por 55,3% de mulheres e 44,7% de homens.

Destaque-se que os dados relativos ao sexo estão de acordo com o


quantitativo de servidores ativos do Tribunal Regional da 6ª Região onde a Secretaria
de Recursos Humanos da instituição revelou que atualmente, no quadro dos 1944
servidores ativos, 982 são mulheres e 962 são homens.

A pesquisa também revelou que, os servidores pesquisados predominaram


na faixa etária dos 40 aos 49 anos, a média de idade foi de 44 anos, com idade
mínima de 25 e máxima de 69 anos o que pode ser justificado pela estabilidade no
emprego, característica do funcionalismo público.

Esta faixa etária também foi encontrada no estudo realizado por Campos
(2011) com os servidores do Tribunal Regional do Trabalho de Goiânia,
representando 32,9%. O autor destaca que ao mesmo tempo nesta parcela de
servidores, foram encontradas as maiores queixas dos desconfortos
musculoesqueléticos.

Corroboram os estudos de Riboldi (2008) e Sancinetti (2009), realizados com


servidores públicos do Hospital das Clínicas de Porto Alegre e do Hospital
Universitário de São Paulo, respectivamente, onde os enfermeiros com mais de 40
anos de idade foram os que apresentaram as maiores taxas de absenteísmo-doença,
sendo necessária maior atenção à saúde desses trabalhadores para que seja mantida
a capacidade para o trabalho.

Hilleshein (2011) em seu estudo com 195 servidores públicos do Hospital das
Clínicas de Porto Alegre sobre a interface entre o pessoal e o laboral dos enfermeiros,
relacionado com a capacidade para o trabalho e a promoção da saúde, apresentou
dados semelhantes ao presente, pois também houve predominância da faixa etária
dos 40 aos 49 anos, abrangendo 37,3% dos enfermeiros.

Achados distintos foram encontrados nos estudos de Bellusci (1999, 2003)


que avaliaram os servidores ativos, em exercício de suas funções, do Tribunal
Regional Federal da 3ª Região, São Paulo. Em 1999, a idade mediana da amostra
estudada foi de 34 anos e 75% dos servidores tinham até 41 anos; já em 2003, a
amostra foi divida em dois grupos, nos grupos A e B observou-se predominância da
faixa etária dos 21 aos 40 anos.

A faixa etária predominante nessa pesquisa também revela a questão do


envelhecimento funcional. A Organização Mundial da Saúde (1993) definiu como
trabalhador em envelhecimento aquele a partir dos 45 anos de idade, pois é nesta
fase que se iniciam a diminuição de certas capacidades funcionais necessárias ao
desempenho das atividades laborais.

De acordo com Camarato e Pasinato (2008), assume-se que a partir dessa


idade as perdas de algumas capacidades funcionais tendem a se acentuar caso
medidas preventivas não sejam adotadas concomitantemente, bem como se as
condições de trabalho não forem adequadas.

Conforme comentado no decorrer desta dissertação, o processo de


envelhecimento da população brasileira vem ocorrendo intensamente, nos últimos
anos, em consequência da dinâmica demográfica, a qual afetou profundamente a
composição etária da População Economicamente Ativa (PEA), aumentando a
proporção de pessoas adultas, com 40 anos ou mais.

Segundo Kreling (2010), tal segmento, em período recente, passou a


representar a parcela mais importante do conjunto de trabalhadores, sendo motivo de
preocupação pela importância que assumem no mercado de trabalho, não só por
representar a maioria, mas também por deterem maior experiência no trabalho e
maior responsabilidade no sustento da família.

O envelhecimento da população e, particularmente, da PEA exigirá, no


futuro não muito distante, indispensáveis ajustes em termos de flexibilidade
do mercado de trabalho, de modo a contemplar os requisitos necessários a
uma força de trabalho mais madura, mais sujeita a riscos físicos e com
menores agilidade e força física, além de, proporcionalmente, menos
instruída do que os segmentos mais jovens, dada a expressiva melhoria
educacional brasileira em anos recentes (IPEA, 2009, p.114).

Ao analisar-se a questão da escolaridade, merecem destaque os dados do


IPEA (2012), os quais revelam que 60,1% dos trabalhadores da PEA da região
metropolitana de Recife têm o ensino médio completo.

Neste estudo, 85,2% dos servidores têm nível universitário. É inegável que a
escolaridade no serviço público é alta. O que corrobora com a existência do plano de
cargos e carreiras na instituição, podendo o servidor possuir uma maior escolaridade
do que a exigida pela função, o que eleva o seu nível salarial através do adicional de
qualificação e da função comissionada, incentivando-o a continuar estudando.

Nota-se que a maioria dos servidores ora estudados possuem ao menos


curso de nível superior e que em alguns casos, assumiram cargos destinados a
pessoas com nível médio. É provável que essa situação gere problemas de
inadequação às atividades exercidas por excesso de qualificação, podendo gerar
inclusive, uma insatisfação, mas, por outro lado, nada impede que tais servidores
assumam cargos de chefia e assim adquiram posições mais compatíveis com o grau
de instrução que possuem.

O desenvolvimento de novos paradigmas no mundo do trabalho levou o setor


público a promover a capacitação/aperfeiçoamento e qualificação da sua força de
trabalho, com o objetivo de formar quadros profissionais para servir aos diversos
setores da sociedade. A educação formal é um fator fundamental para a melhoria
contínua da organização.
As novas exigências do mercado de trabalho e o novo cenário do mundo do
trabalho demandam um profissional que invista nele mesmo, pois o mundo
globalizado espera que o trabalhador seja cada vez mais polivalente, multifuncional,
criativo, flexível, comprometido e pronto para atender às necessidades do mercado
(SILVA, 2009).

A legitimação da capacitação/aperfeiçoamento e qualificação veio reavivar o


empoderamento e o sentimento de pertencimento. Esta nova forma de conceber e
perceber o servidor, faz com que ele se inclua, revelando, não apenas, sua
importância institucional, como reafirmando o pressuposto de que a melhoria dos
serviços prestados à sociedade está diretamente vinculada à constante qualidade do
atendimento e da compreensão do papel dos servidores públicos nas mais diferentes
atividades (BRASIL, 2008).

Amazarray (2003), em pesquisa realizada em uma instituição pública federal,


localizada na região metropolitana de Porto Alegre, que congrega cerca de cinco mil
servidores, detectou “elevada escolaridade, compreendendo aqueles que possuem
desde formação superior incompleta até doutorado”, corroborando com os dados
levantados nesta pesquisa.

Campos (2006) e Hermann (2005), em suas pesquisas com servidores


públicos estaduais detectaram alto índice de escolaridade em cursos de nível
superior e concluíram que os servidores, de uma maneira geral, têm buscado a
formação continuada.

Corroboram também, os estudos de Fischer e Martinez (2012) com


servidores do Hospital das Clínicas de São Paulo, Fonseca e Carlotto (2011) com
servidores do judiciário do Rio Grande do Sul, Goffredo Filho (2008) com servidores
de uma universidade do Rio de Janeiro, Negeliskii (2010) com profissionais de um
hospital público do Rio Grande do Sul, Silva (2009) com servidores do judiciário,
Tavares (2003) com servidores do judiciário de São Paulo, Vale (2005) com
servidores do judiciário do Rio de Janeiro, Vasconcelos et al. (2012) com
profissionais da enfermagem de um hospital público de Rio Branco / Acre.
6.2 As características funcionais

Na área judiciária, pesquisou-se a maioria dos servidores. Resultado de


acordo com a distribuição dos servidores na instituição pesquisada, em que grande
parte encontra-se na área judiciária, seguida da área administrativa e a minoria está
lotada na área de apoio especializado. Fato já esperado, considerando que a
instituição é ramo do Poder Judiciário e que a área-fim (jurisdicional) detém a maior
parte de seu funcionalismo, ou seja, 70% na área-fim e 30% nas demais áreas.

O TRT 6, assim como outros Tribunais do Trabalho, procurou se adequar às


determinações do Conselho Superior da Justiça do Trabalho que através da
Resolução n. 63/2010 instituiu a padronização da estrutura organizacional e de
pessoal dos órgãos da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus (BRASIL,
201026).

Mesmo ponderando ser esperado, destaca-se a questão dos servidores


quando avaliados, levarem em consideração a função que estão exercendo
atualmente, que nem sempre é aquela para o qual foi concursado. Na presente
pesquisa, levou-se em consideração a área relatada pelo servidor.

Em relação ao cargo, o de Técnico Judiciário apresenta-se como maioria


absoluta. Ao analisarmos a questão do cargo com a escolaridade, nota-se uma
disparidade entre ambos, pois para o cargo de Técnico Judiciário exige-se curso de
nível médio ou técnico e já comentado anteriormente, o nível elevado de escolaridade
da amostra estudada.

Outra questão estudada foi o tempo de trabalho no Tribunal, que teve como
maioria aqueles que estão na instituição entre 15 e 20 anos. Achado que pode ser
justificado pela estabilidade no emprego proporcionada pelo concurso público e pela
possibilidade de garantia salarial, as quais demonstram serem fatores que estimulam
os servidores a manter o vínculo empregatício por tantos anos.
Outro fator que pode influenciar a permanência na instituição é a satisfação
com o salário, já que o nivelo salarial é mais elevado do que os cargos similares no
setor privado.

Os resultados do estudo de Campos (2011) mostraram que os servidores com


mais de 10 anos na instituição apresentaram maior prevalência de desconfortos
musculoesqueléticos em todas as regiões corporais. Podendo ser atribuído ao
envelhecimento funcional e ao efeito agregado dos anos de trabalho. Esses anos
provocam um acúmulo de exposição do corpo aos riscos de desenvolver doenças.

Corrobora com esta pesquisa, os estudos de Montanholi, Tavares e Oliveira


(2006); Negeliskii (2010); Spindula e Martins (2007); Stacciarini e Tróccoli (2001),
realizados em instituições públicas onde demonstraram que a idade e o tempo de
serviço são mais elevados quando comparados com estudos realizados em
instituições privadas (RAFFONE; HENNINGTON, 2005; RODRIGUES; CHAVES,
2008).

Segundo Menegon (2011), o tempo de trabalho na empresa pode exercer um


papel importante na diminuição da capacidade para o trabalho, no envelhecimento
funcional precoce e no surgimento de sintomas osteomusculares.

Tuomi et al. (1997) afirmam que a temporalidade no trabalho aumenta o risco


de desenvolvimento de distúrbios físicos e psicológicos, devido ao maior tempo de
exposição aos agentes estressores do trabalho.

6.3 O Estado de Saúde

Os resultados desta pesquisa pertinentes ao estado de saúde mostraram


valores elevados nos escores das oito dimensões analisadas, evidenciando boa
qualidade do estado de saúde destes servidores.

As dimensões que apresentaram os escores mais baixos foram a vitalidade, a


percepção de dor e o estado geral de saúde, porém não foram inferiores a 60% do
escore.
Este resultado é compatível com as prevalências dos agravos à saúde
identificadas através do ICT e também com os dados do absenteísmo-doença
referentes aos anos de 2010 e 2011, onde sobressaem as lesões/doenças
musculoesqueléticas.

Na aplicação do SF-36 com populações adultas, cujo objetivo era de


validação e avaliação psicométrica do instrumento em populações saudáveis para
obtenção de valores de referência (exceto nos Estados Unidos), a dimensão
vitalidade também apresentou o escore médio mais baixo, seguido por saúde mental
ou dor e estado geral de saúde, são exemplos: os estudos de Lerner et al. (1994) nos
Estados Unidos, Perneger et al. (1995) na França, Bullinger (1995), na Alemanha,
Sullivan et al. (2005) na Suécia e Silva (2008) no Brasil.

Talvez parte da concordância entre os trabalhos acima citados e o presente


estudo, seja o fato da possibilidade das dimensões vitalidade e dor apresentarem-se
como parâmetros mais sensíveis às modificações do estado de saúde (ou seja, são
mais sensíveis à presença de doença), expressando que pequenas alterações na
saúde repercutem mudanças nestas dimensões.

Os servidores apresentaram resultados mais favoráveis nas dimensões que


são representativas da saúde física e as dimensões representativas da saúde mental
apresentaram no geral, médias com valores mais baixos.

Uma possível explicação para esse resultado seriam os efeitos negativos


sobre a saúde mental dos trabalhadores, decorrentes tanto de processos de
reestruturação organizacional inadequada como da exposição a elevadas cargas
mentais do trabalho, consistentemente relatadas em pesquisas com servidores
públicos (BELUSCCI, 1997, 2003; BOMFIM, 2009; BORGES, 2006; HELD, 2011;
MARTINEZ, 2006; SILVA, 2009).

Outra hipótese seria o fato dos servidores da instituição pesquisada


executarem atividades leves ou moderadas do ponto de vista do trabalho físico,
existindo um risco limitado para ocorrência de agravos à saúde física.

Outra justificativa seria a disponibilidade e o acesso dos servidores ao Serviço


de Saúde da instituição, buscando assistência médica e fisioterápica nas fases iniciais
de manifestação dos sintomas físicos, além dos programas de Saúde Ocupacional em
atividade.
Além do acesso ao plano de saúde institucional que pode facilitar a prevenção
e o tratamento dos agravos, e a boa remuneração que também pode facilitar o acesso
ao tratamento dos agravos. Porém estas possíveis explicações não foram
comprovadas, necessitando melhor investigação.

Segundo Negeliskii (2010), a manutenção da saúde física e mental das


pessoas está relacionada à interpretação do mundo exterior e aos recursos de que
dispõe para atender às demandas e aos estímulos a que estão expostos. A realidade
de cada indivíduo é própria. E quanto mais entende as pressões e as situações que a
influenciam, melhor será a adaptação e as respostas que produzirá.

6.4 A Capacidade para o Trabalho

Através do ICT, verificou-se que a maioria da população contou com a


capacidade para o trabalho boa ou ótima. Esse perfil favorável pode ser condicionado
pelo conteúdo do trabalho que é predominantemente mental. É sabido que os
trabalhadores com conteúdo do trabalho mental tendem a ter sua capacidade para o
trabalho mais preservada quando comparados com aqueles com conteúdo
predominantemente físico.

Segundo Ilmarinen, Tuomi e Klockars (1997); Tuomi, et al. (1997), este fato é
justificado porque a perda da capacidade para o trabalho é mais intensa como
resultado do desgaste e comprometimento da saúde decorrentes das exigências
físicas do trabalho.

Além disso, há de se considerar o já comentado anteriormente, efeito do


trabalhador sadio.

Foram diferentes os estudos de Beluscci (1997, 2003) em que os resultados


mostraram a perda da capacidade para o trabalho numa mesma população
observada entre 1997 e 2001. Em 1997 os servidores do TRF de São Paulo
apresentaram 16,8% de ICT moderado e baixo, em 2001 apresentaram 18,5%.
Resultados também não corroborados por Campos (2011) onde em seu
estudo, a totalidade dos servidores do TRT de Goiânia apresentou uma capacidade
para o trabalho classificada como moderada e atribuiu o resultado à grande
quantidade de servidores com sintomas musculoesqueléticos.

Já a pesquisa realizada com 55 trabalhadores de uma empresa de Curitiba,


Paraná revelou que 46% dos funcionários foram classificados com ótima, 38% com
boa e 16% com moderada capacidade para o trabalho (MEIRA, 2004).

Na pesquisa realizada por Vegian (2010), a média do ICT foi de 41,1 pontos.
A autora afirma que as médias para todas as categorias foram boas, mas as variáveis
associadas ao ICT como atividades físicas, acidentes de trabalho, incivilidade no
trabalho, fadiga, sonolência, estresse e satisfação, justificam a atenção quanto à
manutenção da saúde física e mental desses trabalhadores.

Num estudo realizado por Silva et al. (2011) onde foram investigados
trabalhadores portugueses, a percentagem de indivíduos com capacidade de
trabalho “Excelente” (27,3%) é superior a “Moderada” (21%).

No estudo de Carel (2011), realizado em Israel, a categoria predominante foi


a da capacidade de trabalho “Excelente” (44%), seguida de “Boa” (41%), “Moderada”
(15%) e “Fraca” (1%), o que está próximo dos resultados obtidos por Monteiro (2011)
e abaixo do obtido noutras pesquisas (CAMERINO et al., 2011; CAMPANINI et al.,
2011; COTRIM, SIMÕES e SILVA, 2011).

De acordo com Tuomi et al. (2005), os trabalhadores com ICT moderado ou


baixo devem receber apoio e orientação gerencial para melhoria e, até mesmo,
restauração da capacidade para o trabalho, através de dietas balanceadas,
exercícios físicos, melhora na qualidade de sono, repouso e convívio social, bem
como reabilitação médica quando necessária. Do ponto de vista gerencial, devem
ser identificados e corrigidos os riscos no ambiente de trabalho, os quais possam
comprometer a saúde do trabalhador.

Ainda segundo os mesmos autores, quando a capacidade para o trabalho é


boa ou ótima, como neste estudo, devem-se explicar ao trabalhador quais fatores do
ambiente do trabalho e estilo de vida estariam relacionados à manutenção ou à
deterioração da saúde. Além disso, o encorajamento às práticas que estimulem a
saúde do trabalhador é recomendado.
Segundo Tuomi et al. (1997), os efeitos das medidas tomadas podem ser
acompanhados por novo preenchimento do ICT pelos trabalhadores, em conjunto
com os exames periódicos de saúde ou outros tipos de procedimentos de
acompanhamento (screening).

Quando se analisa os dados das dimensões do ICT, as duas primeiras


dimensões, ou seja, capacidade para o trabalho atual e em relação às exigências do
trabalho, ao mesmo tempo em que contraditórios, os mesmos parecem apontar para
o otimismo e a esperança dos servidores com o trabalho, tendo uma postura proativa
para o trabalho. Porém os dados das dimensões subsequentes mostram os
desgastes ocasionados pelo adoecimento, com consequente perda do desempenho,
desesperança, faltas, licenças e afastamentos desses trabalhadores.

Pode-se observar também que mesmo com um elevado número de


trabalhadores apresentando alta prevalência de doenças, perdas de dias de trabalho
devido às doenças e necessidade de mudança de ritmo e método de trabalho,
consideram altos valores para o ICT, o que demonstra esforço, vontade, otimismo e
esperança desses servidores para manter a capacidade para o trabalho, visto que, a
maioria dos pesquisados refere apreciar suas atividades diárias e preservar os
recursos mentais.

De acordo Silva (2011), o fato da maioria dos trabalhadores referirem que


estão na melhor capacidade comparadas a toda a vida, os dados de perda de
desempenho, adoecimento e os afastamentos, também pode sugerir falta de
reconhecimento e, até mesmo, possibilidade de negação da própria condição de
saúde, levando os trabalhadores a permanecem em suas atividades laborais, mesmo
que adoecidos e com índices inadequados de capacidade para o trabalho. O que
caracteriza o presenteísmo nessa população.

O ICT também possibilitou identificar os agravos à saúde onde, tanto na


opinião do próprio trabalhador como no relato de diagnóstico médico, os resultados
são compatíveis com o perfil ocupacional e com o absenteísmo dos servidores,
sobressaindo-se as lesões/doenças musculoesqueléticas.

O que é corroborado nos estudos de outros autores (DURAN; MONTEIRO-


COCCO, 2004; RAFFONE; HENNINGTON, 2005; VASCONCELOS, 2009; SILVA,
2011).
No estudo de Campos (2011), realizado no TRT de Goiânia, as prevalências
dos desconfortos musculoesqueléticos encontradas na investigação foram elevadas,
83,87% dos servidores relataram sentirem desconfortos musculoesqueléticos nos
últimos 12 meses, e 69% nos últimos 7 dias. O perfil da sintomatologia apresentado
pelos servidores provavelmente estão associados ao processo de trabalho
enfrentado como: prazos curtos para a execução dos processos, exigência mental
do trabalho, relação com o computador e postura desconfortável.

Os estudos de Bellusci (1997, 2003), realizados no TRF de São Paulo,


demonstraram que as doenças e lesões osteomusculares tiveram presença
persistente. As lesões nas costas, em braços e mãos, doença na coluna lombar e
dor ciática apresentaram aumento na Razão de Chances. Doença na coluna cervical
apresentou pequeno decréscimo de 1997 a 2001 (OR passou de 11,67 para 10,13),
mas continua com presença muito intensa. A autora afirmou que considerando que a
população pesquisada apresentou idade média de 38 anos, é necessário levarmos
em conta a possibilidade desta população vir a apresentar índices mais elevados de
morbidade.

Reitera-se na presente pesquisa, o trabalho administrativo que exige dos


servidores a permanência em postura sentada por longos períodos, proporcionando
alterações anatômicas que são lesivas à coluna vertebral. Os sintomas provenientes
dos membros superiores estão relacionados aos movimentos repetitivos e às
condições ergonômicas do mobiliário que nem sempre está adequada aos diferentes
perfis físicos dos servidores.

As doenças musculoesqueléticas têm sido apontadas como principal


contribuinte para a redução da capacidade funcional, devido tanto à sobrecarga
física, quanto mental em trabalhadores nas mais diversas profissões (ANDRADE,
2002; COSTA; VIEIRA; SENA, 2009; DURAN; MONTEIRO-COCCO, 2004; FELLI,
2010; GURGUEIRA, ALEXANDRE, CORRÊA FILHO, 2003; KUOPPALA;
LAMMINPÄÄ, 2008; RAFFONE; HENNINGTON, 2005; SILVA, 2011; SANCINETTI
et al., 2009; WALSH et al., 2004).

Apesar da elevada ocorrência das lesões musculoesqueléticas na


atualidade, não se trata de um fenômeno novo.
Ramazzini, considerado o “pai da Medicina do Trabalho”, descreveu em
1700 os efeitos da “hipersolicitação” das mãos por escribas e notários (BIFF, 2006;
MELHORN; GARDNER, 2004; MUROFUSE; MARZIALE, 2005; RAMAZZINI, 2000;
RIBEIRO, 1997).

De acordo com Merlo (2011, p. 238):

Podemos estabelecer, de forma genérica, duas grandes categorias de


agressões à saúde no trabalho: de um lado, aquelas que resultam das
condições e ambientes de trabalho, e, de outro lado, aquelas que têm origem
na organização do trabalho propriamente dita. As Lesões por Esforços
Repetitivos são síndromes que têm dupla origem: as condições e ambientes
de trabalho e a organização do trabalho.

De um lado, a patologia é vivida de forma individual, com suspeita de


simulação e um quadro de dor e incapacidade crônica e, de outro, ocorre uma grande
incapacidade funcional. A principal consequência será um quadro de grande
sofrimento do trabalhador atingido.

Costuma-se dizer que as LER/DORT são patologias “invisíveis”, pois, como


os trabalhadores afetados não apresentam sinais externos da doença que portam,
costumam sofrer o preconceito dos colegas, amigos e parentes que os veem como
preguiçosos e como pessoas que buscam “fugir do trabalho” (MERLO, 2011, p.
239).

Atualmente, com os avanços dos estudos da ergonomia e o surgimento dos


programas de qualidade de vida no trabalho visando à prevenção de doenças e
promoção da saúde do trabalhador, a realização de exercícios físicos vem
ganhando espaço na prática cotidiana da vida dos servidores.

Já formalizada na instituição, a prática da ginástica laboral conta com duas


fisioterapeutas além de estagiários de fisioterapia, o que ainda é insuficiente.
Mesmo não conseguindo abranger todos os setores do TRT6, a ginástica laboral
tem papel fundamental no Tribunal.

Comprovadamente, a prática de exercícios físicos diários realizados no


ambiente laboral constitui uma ferramenta importante na prevenção das LER/DORT
relacionadas ao trabalho, porquanto promove a redução das queixas
osteomusculares e dos afastamentos. Compreende exercícios específicos de
alongamento, de fortalecimento muscular, de coordenação motora e de
relaxamento; o objetivo é de diminuir a fadiga muscular, portanto, são realizados de
forme leve para não sobrecarregar os servidores e nem levá-los ao cansaço.

Segundo Siqueira e Vieira (2009), o breve intervalo durante a jornada de


trabalho associado à prática de atividade física, permite a recuperação do
organismo e também promove momentos de descontração e socialização entre os
funcionários da empresa.

É interessante comentar que as doenças respiratórias estão no terceiro grupo


de doenças mais prevalentes da amostra. Uma interpretação desse dado seria a do
ambiente de trabalho, já que, são ambientes climatizados e que nem sempre é feita a
limpeza e a manutenção adequada dos aparelhos de ar condicionado. Além da
quantidade de processos nos locais de trabalho, que acumulam poeiras e fungos, os
quais quando manipulados pelos servidores sem equipamentos de proteção
adequados, podem causar comprometimento das funções respiratórias.

Segundo Ildefonso, Barbosa-Branco e Albuquerque-Oliveira (2009), as


doenças respiratórias figuram como uma das principais causas de incapacidade para
o trabalho, assim como por um número elevado de dias perdidos por licença médica.

Agravos como hipertensão arterial, obesidade, gastrite e bruxismo fazem


parte do perfil epidemiológico da população geral, onde as doenças crônicas ganham
relevância, mas também podem guardar alguma relação com o estresse decorrente
do ambiente psicossocial do trabalho.

Na sociedade contemporânea, onde a globalização intensifica a rapidez dos


fluxos, ocasionando alteração no modos vivendi, o homem deve levar em
consideração, além da ausência de enfermidade, a boa saúde física, psicológica e
social, ou seja, deve eliminar fatores prejudiciais à sua saúde, tais como, o stress e
os hábitos sedentários (VAZ; REMOALDO, 2011).

Conforme esperado, os distúrbios mentais apareceram entre os mais


prevalentes do grupo estudado. Os dados referentes ao absenteísmo-doença
divulgados pelo Núcleo de Saúde da instituição revelaram que as doenças do
sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo apareceram em primeiro lugar
(22,8%), seguidas dos transtornos mentais e comportamentais (19,98%) no ano de
2010. Já em 2011, os transtornos mentais e comportamentais representaram
(25,99%) e em segundo lugar, as doenças do sistema osteomuscular e do tecido
conjuntivo com (19,5%).

No presente estudo, os transtornos mentais aparecem em sexto lugar nas


doenças com diagnóstico médico, mas há uma inversão para segundo lugar, quando
da própria opinião dos servidores. Esses resultados revelam que por um lado, os
servidores percebem a doença, mas por outro, não procuram o médico para o
diagnóstico e/ou o tratamento.

Pode-se justificar também, o fato de que o setor público vem realizando


mudanças rápidas e profundas com novas exigências geradas pela reestruturação
de cargos, gestão por competências, avaliação de desempenho, remuneração
variável, entre outras. Situação às vezes agravada por conflitos estabelecidos entre
gestores e servidores, ou entre os próprios pares.

Consequentemente a essas transformações, o trabalhador se vê inserido em


grandes e constantes desafios. O desafio de acompanhar as mudanças do dia a dia,
da competição do mercado global, o desafio de aliar-se às novas tecnologias e o
desafio de saber agir diante de um ambiente em permanente transformação.

Cattani e Holzmann (2011, p.7), afirmam que:

Nenhuma outra dimensão da vida humana passou e continua passando por


tão profundas e contínuas mutações quanto o trabalho, na sua organização,
nos seus estatutos legais e na sua base tecnológica.

Os afastamentos do trabalho ocasionados por episódios de doença entre os


servidores públicos tem sido uma preocupação crescente dos governos nas esferas
municipal, estadual e federal.

Os estudos realizados com servidores públicos mostram essa realidade

Os estudos de Bellusci (1997, 2003) corroboram com estes achados, onde a


autora relata que um alto número de indivíduos refere sentir sintomas de distúrbio
emocional leve, tais como: insônia, depressão leve, ansiedade e/ou tensão, mas não
têm diagnóstico médico, são 147 (33%) indivíduos, contra 57 (12,8%) que referem
possuir diagnóstico médico.

Um estudo realizado pela professora do Departamento de Saúde Coletiva da


Universidade de Brasília, Anabergh Barbosa-Branco, analisou dados do Instituto
Nacional de Seguridade Social (INSS) e concluiu que, em 2004, 9,6 mil trabalhadores
aposentaram-se por invalidez por causas relacionadas ao trabalho, sendo que 289
tinham transtornos mentais e de comportamento. Esse índice só não é maior que o de
causas não identificadas, que ficou em primeiro lugar. O mesmo estudo verificou que
os problemas que fazem com que os trabalhadores percam mais anos de vida
profissional são os relacionados à saúde mental (BRASIL, 2004).

O trabalho exerce um papel determinante na vida e na saúde, em especial


na saúde mental. Dados indicam que das dez doenças mais incapacitantes em todo
o mundo, cinco são de origem biopsicossocial: depressão, transtorno afetivo bipolar,
alcoolismo, esquizofrenia e transtorno obsessivo compulsivo (BRASIL, 2008).

Os afastamentos do trabalho causados pelos distúrbios mentais e


comportamentais são, em grande parte, gerados pelas mudanças contemporâneas
no mundo laboral. O aumento progressivo das exigências, aliado ao esvaziamento
do conteúdo das tarefas, contribui para as dicotomias trabalhador qualificado versus
tarefas simplificadas ou trabalhador pouco qualificado versus tarefas complexas -
responsável por um quadro de desmotivação e sofrimento mental.

A necessidade de uma legislação especifica sobre saúde mental decorre da


constatação de que a maior parte dos afastamentos do trabalho, com reflexo até
mesmo nas aposentadorias por invalidez, é de ordem mental.

Em 2010, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão publicou uma


Portaria como resultado de ampla discussão, durante o Fórum de Saúde Mental,
com os servidores envolvidos com a área de saúde do Governo Federal – médicos,
psicólogos, terapeutas ocupacionais, engenheiros do trabalho e outros. Estando
também em consonância com as políticas públicas de saúde mental e de saúde do
trabalhador, considerando os pressupostos nacionais (Ministério da Saúde) e as
recomendações dos organismos internacionais como a Organização Mundial da
Saúde, a Organização Pan-Americana da Saúde e a Organização Internacional do
Trabalho, respeitando a realidade local (BRASIL, 2010).
Cabe ressaltar que o contexto laboral é um lócus onde a dimensão
psicossocial do indivíduo e dos grupos se articulam com as condições dos
ambientes e das organizações, tanto para o prazer quanto para o sofrimento, razão
que justifica uma intervenção qualificada que reduza a vulnerabilidade aos riscos à
saúde, amplie os fatores de proteção e promova qualidade de vida, tornando o
trabalho mais saudável.

Influenciam na saúde mental: a natureza e a organização do trabalho, as


relações formais e informais, as relações de poder e justiça na organização, o
sistema de recompensas, entre outros. Em contraposição, as estratégias de
enfrentamento aos transtornos mentais são direcionadas para intervenções
psiquiátricas individuais isoladas, o que restringe a dimensão da saúde à prática
médica, com desvalorização dos fatores psicossociais na relação saúde e doença
mental no trabalho (BRASIL, 2010).

Na instituição pesquisada, as relações de poder hierarquizadas, formais, as


normas administrativas rígidas, favorecem a ocorrência de abuso de poder. Esse
contexto institucional se reflete no padrão de adoecimento dos servidores e
magistrados, cujas principais causas de afastamento para tratamento de saúde são
os transtornos mentais e comportamentais, seguidos das doenças osteomusculares,
ambas associadas a fatores de risco relacionados ao trabalho.

Neste sentido, Capelo (2011) afirma que o trabalho tem sempre um papel
fundamental, independentemente do ponto de vista pelo qual o observamos; o
aspecto positivo está relacionado com o desenvolvimento de competências que
permitem retardar as perdas originadas pelo envelhecimento biológico, enquanto o
lado negativo está relacionado com as exigências das atividades quando estas
superam as capacidades do indivíduo.

Em resumo, os resultados evidenciaram um perfil de trabalhadores com


condições sócio-demográficas e funcionais positivamente diferenciados, com
elevados padrões do estado de saúde e da capacidade para o trabalho. O perfil
favorável observado pode ser consequência do efeito do trabalhador sadio.
6.5 Os fatores associados à Capacidade para o Trabalho

O referencial teórico adotado nesta pesquisa considera que a capacidade


para o trabalho é resultante da interação das demandas do trabalho e dos recursos
do indivíduo, onde situações sejam superiores aos recursos do trabalhador para lidar
com elas, desencadeiam um processo de estresse, gerando desgaste, com
consequente comprometimento da capacidade para o trabalho (ILMARINEN et al.

Neste processo, além da saúde e do trabalho, as características sócio-


demográficas também estão envolvidas no modelo da determinação da capacidade
para o trabalho (AIRILA et al. 2012; ILMARINEN, 2001; LARSSON et al. 2012;

Na presente pesquisa, não foram identificadas associações estatisticamente


significativas entre capacidade para o trabalho e características demográficas e
funcionais. Porém, isto não diminui a atenção que deve ser dada a estas condições,
pelos seus potenciais efeitos sobre a capacidade para o trabalho.

O envelhecimento está geralmente associado à diminuição da saúde física,


enquanto a relação entre o envelhecimento e a satisfação com o trabalho,
absenteísmo e lesões é mais questionável, com alguns estudos a indicar que o fato
de serem mais velhos pode proteger os trabalhadores (BEATTY; BURROUGHS,

A maioria dos estudos que relaciona estas duas variáveis considera que o
ICT diminui em função da idade (CAREL, et al., 2011; CHI-CHIU et al., 2007;

Vale mencionar que no presente estudo, não foi verificada associação entre
a idade e a capacidade para o trabalho. Resultado semelhante a outros estudos
Corrobora com o presente estudo, as afirmações de Lancman, Sznelwar e
Jardim (2006), relatando que o envelhecimento não significa necessariamente a
diminuição da capacidade para o trabalho, e o declínio eventual de certas
habilidades, relacionadas ao aumento da idade, não são generalizáveis, marcantes,
nem uniformes, podendo ser aceleradas ou retardadas a depender das condições de
trabalho, dos indivíduos e, sobretudo, dos tipos de desgastes aos quais o
trabalhador é submetido.

As demais características demográficas estudadas foram sexo, escolaridade


e estado civil. Estas características também são apontadas como fatores que
exercem influência sobre a capacidade para o trabalho (BELLUSCI, 1997, 2003;

TUOMI et al., 1991a; VASCONCELOS et al., 2011, 2012). Entretanto, nesta


pesquisa elas não demonstraram estar associadas à capacidade para o trabalho,
talvez devido à homogeneidade da população de estudo.

Ao contrário do que seria esperado, as características funcionais não


estiveram associadas à capacidade para o trabalho. Aqui, novamente, pode-se
especular que o efeito do trabalhador sadio contribua para manter os servidores de
diferentes áreas e cargos em condições semelhantes no que diz respeito à
capacidade para o trabalho.

No âmbito do setor público, Bellusci (2003) observou que o trabalho


realizado no Judiciário Federal em São Paulo traz importante comprometimento da
saúde e envelhecimento precoce dos servidores devido à dificuldade de
relacionamento interpessoal, à falta de perspectiva de ascensão profissional, às
exigências excessivas da quantidade e qualidade do trabalho, ao uso de premiação
de forma injusta, assim como aos fatores relacionados à falta de controle no
trabalho, como a impossibilidade de exercer influência sobre o ritmo de trabalho, o
uso do tempo no trabalho, o planejamento de pausas e o planejamento de férias.
Os resultados do estudo de Campos (2011), que investigou os servidores do
TRT de Goiânia, revelaram-se preocupantes, afirmando a necessidade de novos
estudos a fim de uma avaliação mais apurada dos aspectos psicossociais,
ergonômicos e do processo de trabalho do servidor público.

A capacidade para o trabalho pode apresentar declínio associado ao tempo


em que os indivíduos permanecem ativos em seu trabalho, uma vez que quanto
maior o tempo em que o trabalhador está exposto ao trabalho, maior será o
envelhecimento funcional (MEIRA, 2004; METZNER e FISCHER, 2001; TUOMI et al.
1997b; VEGIAN, 2010).

Além disso, o tempo na instituição também pode estar correlacionado à


idade, com diminuição da capacidade para o trabalho decorrente do envelhecimento
cronológico.

Entre os diversos fatores associados, a saúde é considerada como um dos


principais determinantes da capacidade para o trabalho (CAMPOS, 2011; COSTA,

No presente estudo, todas as dimensões da saúde analisadas apareceram


associadas à capacidade para o trabalho, sendo que, quanto melhor a qualidade de
saúde, melhor a condição da capacidade para o trabalho. A força dessa associação
permaneceu independente das características demográficas e ocupacionais,
apontando a relevância da saúde em sua integralidade condicionando a qualidade
da capacidade para o trabalho.

As dimensões do SF-36 não refletem apenas os fatores de carga de trabalho


ou recursos individuais, mas também características de vida social e outros fatores
além do ambiente de trabalho (SÖRENSEN et al., 2008).
7 CONCLUSÕES

Os servidores do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região, sujeitos do


estudo, são caracterizados sócio demograficamente com distribuição semelhante
quanto ao sexo, casados ou com companheiros, com média de idade de 44 anos e
majoritariamente com escolaridade de nível superior a pós-graduado.

Com relação às características funcionais, a maioria está lotada na Área


Judiciária (área-fim), corroborando com a padronização da estrutura organizacional
e de pessoal da Justiça do Trabalho. É predominante o cargo de Técnico Judiciário
e a grande maioria está na instituição há pelo menos 10 anos.

O estado de saúde mostrou valores elevados nos escores das oito dimensões
analisadas, evidenciando boa qualidade do estado de saúde destes servidores,
inclusive em nenhuma dimensão analisada foram verificados valores abaixo da
média.

Os servidores apresentaram resultados mais favoráveis nas dimensões que


são representativas da saúde física e as dimensões representativas da saúde mental
apresentaram no geral, médias com valores mais baixos.

O Índice de Capacidade para o Trabalho foi classificado em sua maioria nas


categorias bom e ótimo, tendo média de 40 pontos. Esse perfil favorável pode ser
condicionado pelo conteúdo do trabalho que é predominantemente mental.

Em relação aos agravos à saúde dos servidores, tanto na opinião do próprio


trabalhador como no relato de diagnóstico médico, os resultados são compatíveis
com o perfil ocupacional e com o absenteísmo dos servidores, sobressaindo-se as
lesões/doenças musculoesqueléticas.

Em relação às hipóteses para investigação neste estudo, as conclusões


foram que a capacidade para o trabalho apareceu significativamente associada ao
estado de saúde dos servidores, onde níveis mais elevados de capacidade para o
trabalho estavam relacionados com uma melhor condição de saúde física e mental
entre os servidores estudados.
Estas associações ocorreram independentes das variáveis sócio-
demográficas e funcionais, demonstrando a importância da capacidade para o
trabalho em relação à saúde dos trabalhadores. Conclui-se que quanto melhor o
estado de saúde, melhor a condição da capacidade para o trabalho.

A segunda hipótese do estudo não foi confirmada, visto que as variáveis


sócio-demográficas e funcionais não tiveram associação estatisticamente
significativa com a capacidade para o trabalho.
8 RECOMENDAÇÕES

O presente estudo com delineamento transversal mostra-se limitado por


realizar um corte no tempo, considerando que os aspectos intervenientes na vida
pessoal e laboral não são estanques, se modificam, e com isso, a capacidade para o
trabalho também pode sofrer alterações. Para tanto, sugere-se a realização de
estudos longitudinais, com abordagem quantitativa e qualitativa, que possam
explorar a nuance da capacidade para o trabalho em outros momentos ao longo do
tempo.

A prática de pesquisas visando comparações entre o serviço público e


privado podem ser relevantes no entendimento de como a organização do trabalho
interfere na saúde das pessoas.

O planejamento e a programação de ações que visem à promoção da saúde


e qualidade de vida dos servidores são fundamentais para que os trabalhadores
mantenham-se durante toda a vida laboral com sua capacidade para o trabalho
preservada.

Sugere-se a ampliação dos programas já implantados, como o PCMSO que


abrange o Programa de Prevenção das LER/DORT, o Programa de Controle das
Doenças Crônicas Degenerativas, atualmente realizados nas varas do Trabalho,
para a área administrativa e apoio especializado.

Além do exposto, recomenda-se que o Tribunal Regional de Pernambuco vá


além da Saúde Ocupacional já instituída, para a promoção da Saúde do
Trabalhador, que busque a intersetorialidade e a interdisciplinaridade como forma de
cooperação e vislumbre no servidor um sujeito político coletivo, depositário de um
saber emanado na sua experiência e agente essencial de ações transformadoras.
GINÁSTICA LABORAL E A
SENSAÇÃO DE BEM-ESTAR: um estudo
comparativo entre colaboradores praticantes
e não praticantes da GL

RESUMO
As organizações têmprocurado investir em programas
que ofereçam maior qualidade de vida no trabalho,co
o intuito de conceder melhorias no condicionamento de
seus colaboradores e proporcionar maior estímulo no
desempenho das atividades.Estes programas visam
além da melhoria do desempenho do funcionário na
empresa àmelhoria da sua saúde e deseu bem-estar no
trabalho. Neste sentido, o presente artigo tem por
objetivo verificar se há diferenças na percepção acerca
da qualidade de vida no trabalho entre os funcionários
que praticam e não praticam a ginástica laboral em
diferentes filiais de uma distribuidora de gás na Bahia.A
pesquisa foi desenvolvida através de um estudo
descritivo, conduzido por uma abordagem quantitativ
na qual foi aplicado o teste t de Studant para identificar
diferenças entre amostras. Observaram-se com isso
dois pontos: primeiro, ao contrário do que se tem
apresentado, não basta apenas aempresa
possuirprogramas de ginástica laboral para os
funcionários terem a sensação de bem-estar no
trabalho; segundo, verifica-se a dificuldade em se
mensurar os resultados da ginástica laboral, tendo em
vista outros fatores intervenientes da sensação do bem-
estar no trabalho.

1 INTRODUÇÃO trabalho e a qualidade de vida têm


representado uma crescente por conta da
1.1 Qualidade de vida no trabalho necessidade de valorização das
condições de trabalho. O fator qualidade
Qualidade de vida é a percepção de vida tem como papel proporcionar
de bem-estar, a partir das necessidades melhores condições de trabalho. Os
individuais, sociais, econômicas e programas que visam a este tipo de
expectativa de vida. As relações entre o qualidade no trabalho normalmente são
implantados pelos gestores a partir das apenas o fator colegas e supervisor não
preocupações com os custos com teria influência significativa na qualidade
assistências médicas pela ocorrência do de vida do profissional. No seu estudo
absenteísmo e dos acidentes de trabalho. também é destacado que as empresas
A implantação deste tipo de programa deveriam se preocupar mais com o bem-
pode proporcionar melhorias no estilo de estar dos funcionários, no sentido de
vida e na saúde, redução dos fatores de proporcionar melhores condições de
risco, melhorar a capacidade de gerenciar política de remuneração, condições ideais
os fatores de estresse e gerar estímulos de carga de trabalho e proporcionar boas
motivacionais(OGATA; SIMURRO, 2013). condições de ambiente de trabalho. Além
Arulsenthilkumar et al. (s.d.) acrescentam de preocupações com fatores externos e
dizendo que a qualidade de vida no com a condição de transporte oferecida
trabalho está relacionada à satisfação, à pelo Governo.
motivação, ao envolvimento, e às Segundo o pressuposto de
experiências de vida no trabalho. Esta melhorias na condição humana, Metzner e
qualidade, por sua vez, seria importante Brandl (2008) alertam que os novos
para proporcionar maior produtividade da hábitos da vida moderna, impulsionados
organização e elevar o nível de satisfação pela tecnologia e pelo sedentaris-
e desempenho dos funcionários. mo,estariam limitando a condição de uma
ParaIslam, (2012) a qualidade de boa qualidade de vida. Contudo, uma
vida no trabalho é influenciada além da forma de reverter esta situação seria
satisfação no trabalho também por aumentar a prática de exercícios físicos
condições externas da vida pessoal do por parte dos trabalhadores, tanto dentro
funcionário. Em seu estudo ele pesquisou da empresa como fora dela, pois com a
sete fatores que poderiam estar prática destas atividades as pessoas
relacionados à qualidade de vida no conseguiriam recuperar a energia gasta
trabalho, a saber: carga de trabalho, a no trabalho. Assim, consequentemente,
vida familiar, transporte, a política de reduziriam os problemas de saúde, e,
remuneração e benefícios, colegas e naturalmente, teriam maior disposição
supervisor, ambiente de trabalho e para o trabalho.
condição de trabalho e crescimento na Neste sentido, Figeuiredo e
carreira. Com efeito, destes sete fatores, Mont’alvão (2008) relatam, que algumas
organizações passaram a se preocupar percepção da qualidade de vida, pois,
mais com o bem-estar de seus colabora- conforme Barcaui e Limongi-França
dores.Com isso, aumentou o interesse (2014), gestores que adotam estratégias
pela implantação de programas de quali- de enfrentamento e de controle do es-
dade de vida no trabalho de forma consi- tresse podem amenizar o impacto do es-
derável nos últimos anos. Esta preocupa- tresse, aumentando a percepção positiva.
ção por parte das empresas se justifica Ou seja, a percepção positiva acerca do
pelo aumento nos índices de lesões por bem-estar não dependeria apenas do
esforços repetitivos (LER), impactos cau- empenho da organização, mas também
sados pelas tecnologias no trabalho. De- da postura adotada pelo colaborador di-
vido a essas ocorrências sofridas no am- ante de situações difíceis.
biente organizacional, as empresas per- Mas, Lima V. (2003) também des-
cebem a necessidade de mudança no taca que, independente das práticas visí-
modo de vida das pessoas e buscam fato- veis e comprovadas com relação à con-
res para a construção de uma nova reali- tribuição dos programas de qualidade de
dade na organização (LIMONGI-FRANÇA, vida no trabalho, é importante considerar
2010). a existência de um longo caminho até a
A partir desses índices negativos, comprovação de que as organizações
Lima V. (2003) também concorda que as estejam realmente engajadas e preocu-
organizações têm se preocupado em pro- padas com a saúde e bem-estar dos co-
porcionar melhores condições de vida aos laboradores, uma vez que a busca pelo
seus colaboradores. No entanto, esta acúmulo de capital é um fator preponde-
preocupação passa por uma reeducação rante na grande parte das empresas.
dos hábitos das empresas e de seus fun- Questiona-se também o tratamento hu-
cionários e por uma readaptação do am- manístico nas relações trabalhistas dado
biente de trabalho. Este processo de mu- pelas organiza-ções,sobretudo porque
dança, por sua vez,estaria condicio-nado ainda há muitas dúvidas com relação ao
a intervenções na ergonomia e na adoção posicionamento das empresas e uma
de práticas de Ginástica Laboral. A pos- grande preocupação sobre o papel que
tura do gestor diante de situações de es- muitas têm desempenhado para com os
tresse também torna-se importante na colaboradores. Desse modo,espera-se
que não seja apenas uma questão de A ginástica laboral é a prática de
apresentar uma boa imagem da empresa exercícios realizados dentro do ambiente
e sim que realmente haja uma preocupa- de trabalho cujas características são dife-
ção com os colaboradores e com as con- rentes dos exercícios comuns, pois tem a
dições que eles irão desenvolver as suas função de valorizar e incentivar a prática
respectivas atividades. A este respeito, de atividades físicas com o intuito de pro-
Oliveira e Salles (2012) salientam que al- mover a saúde e o desempenho profis-
gumas organizações não estariam com- sional dos funcionários. Também é res-
pletamente envolvidas com os programas ponsável pela diminuição do sedenta-
de QVT, pois algumas organizações te- rismo, possibilitando a movimentação com
riam problemas com tais programas no exercícios de alongamento rápido, que
sentido de limitar os recursos financeiros geram diminuição do estresse e melhora a
destinados a eles e até mesmo limitar qualidade de vida, conforme a definição
sua execução, a exemplo de disponibili- de Lacombe (2012). Segundo a percep-
zar os colaboradores para ações desta ção de Dias (1994 apud FIGUEIREDO;
natureza nos mesmos horários de traba- MONT’ALVÃO, 2008), este tipo de ginás-
lho. tica atua de forma preventiva e terapêu-
Conforme Couto (1987 apud tica. Apesar de ser uma atividade fí-
FIGUEIREDO; MONT’ALVÃO, 2008), a sica,não sobrecarrega o colaborador, pois
qualidade de vida no trabalho não se é um exercício de curta duração e só traz
trata de um problema de análise simples. benefícios para as pessoas no ambiente
É fundamental que haja acompanhamen- de trabalho. Nesta mesma linha, Polito e
to de um profissional da área para Bergamaschi (2010) acrescentam dizendo
assumir a responsabilidade de redução que este tipo de atividade busca atender a
de problemas como o absenteísmo. De prevenção de lesões que venham a ocor-
acordo com o autor, quem trabalha rer, normalizando as funções do corpo de
sozinho, está sujeito a falhas. Trata-se de maneira a proporcionar um momento de
um problema de abordagem complexa e socialização durante a jornada de traba-
exige um trabalho multiprofissional por lho.
parte da empresa. Lima, D. (2004), por sua vez,
chama a atenção informando que a
1.2 Ginástica Laboral Ginástica Laboral deve ser elaborada
conforme a realidade do colaborador, articulares, melhorando a sensação de
seguida da orientação de um profissional bem-estar.
e exercida durante o expediente de Também seria possível dizer que
trabalho, buscando a compensação das mesmo em condições ambientais
estruturas mais utilizadas no trabalho e a desfavoráveis,em termos de ergonomia,
promoção de bem-estar individual por ou seja, em condições como má postura
meio da consciência corporal. Mendes e dos funcionários, manutenção da mesma
Leite (2008) também chamam a atenção, posição durante muito tempo,
neste caso, para o fato de que este tipo mecanização e monotonia do trabalho, é
de atividade deve ser bem planejada e possível obter bons resultados com a
realizada de maneira variada, já que é implantação da Ginástica Laboral. Com a
desenvolvida a partir de uma pausa e prática deste tipo de ginástica no trabalho,
serve para quebrar o ritmo das tarefas na pode-se perceber mudanças significativas
intenção de eliminar a monotonia. Dessa no cotidiano laboral e alcançar resultados
maneira, a GL oferece um novo método positivos, mesmo com pouco tempo de
de qualidade de vida, lazer e saúde, por implantação dessa prática. Estes
se tratar de uma atividade realizada de resultados podem refletir em melhoria do
forma criativa e espontânea no próprio desempenho dos funcionários, melhora
ambiente e horário de trabalho, tendo na postura, redução das queixas acerca
como principais objetivos a prevenção e de problemas físicos. Também seria
reabilitação de doenças, muitas vezes possível obter resultados positivos,
causadas pela repetição,gerando estresse embora em proporções menores nos
aos trabalhadores. seguintes aspectos: aumento para
Como forma de corroborar a boa desempenhar as funções, melhorar a
imagem da prática da Ginástica Laboral, interação com a equipe, de modo a
Dias et al. (2006) relata que seus estudos proporcionar um ambiente de trabalho
confirmam alguns dos resultados de mais saudável e melhor qualidade de vida
outras pesquisas, indicando que a prática no trabalho (GONDIM et al., 2009).
da Ginástica Laboral reduz os índices de Em outro estudo acerca da
depressão/ansiedade, de absenteísmo, Ginástica Laboral, Candotti, Stroschein e
de problemas como a ostheo-mio- Noll (2011) concluem a reflexão afirmando
que a Ginástica Laboral é eficaz na resistência por parte de muitas
redução da intensidade e frequência da organizações, quando se cogita a
dor com a correção dos hábitos posturais implantação de um programa desse estilo,
no trabalho, indicando assim que esta pelo ambiente da empresa, manutenção
prática produz efeitos positivos aos do serviço e resistência do custo do
trabalhadores, principalmente no que se investimento. Além da necessidade em se
refere às dores nas costas destes. Além associar a programas de GL, como
de possibilitar a redução das dores programas de ergonomia, de modo a se
oriundas das atividades laborais, a GL obter melhores percepções acerca do
pode favorecer a melhoria do bem-estar e bem-estar no trabalho. (VILLAR et al.,
da integração social no trabalho e a 2013). De modo a entender a importância
adoção de novos hábitos, como a prática em se associar a GL, com um programa
de atividades físicas fora do ambiente de mais amplo pode ser observado quando
trabalho (VILLAR et al., 2013). Ratificando Viana,Benini e Vasconcellos (2011)
os benefícios da GL, Leal et al., (2013) apontam que, no exemplo das causas da
indicam que esta prática reduz as queixas LER/DORT, devem ser considerados
álgicas, assim, como consequência, vários fatores ambientais como estresse
podem reduzir os riscos de acidente, no trabalho e clima organizacional. Ou
melhoria das condições de trabalho e seja, o tratamento da LER/DORT pode
redução dos custos operacionais. envolver ações que vão além das
Mas, Polito e Bergamaschi atividades físicas.
(2010)destacam que não é fácil relacionar Quando se trata de identificar possíveis
causas de LER/DORT, é necessário considerar
todos os benefícios da Ginástica Laboral,
vários aspectos do ambiente de trabalho. Os
principalmente sobre o aumento da
fatores psicossociais, o estresse na situação de
produtividade, devido aos vários fatores trabalho e o clima organizacional da empresa
que podem influenciá-la, como as podem influenciar na eficácia das medidas
máquinas e número de funcionários, entre profiláticas. Os principais fatores de risco citados
na literatura são: organização do trabalho, riscos
outros.Por isso, há dificuldade de
psicossociais, riscos ambientais, fatores
implantar o programa em grande parte
biomecânicos e fatores extra-trabalho (ZILLI, 2002;
das empresas, onde muitos empresários KIESLER; FINHOLT, 1988).
raciocinam de acordo com a calculadora. Oliveira (2006) também apresenta
Por este motivo, ainda há bastante outro ponto de preocupação sobre o tema
em tela, pois poucas empresas estão Laboral é desenvolvida como método de
preocupadas, de fato, em oferecer destaque para a promoção da Qualidade
condições ideais aos seus colaboradores, de Vida no trabalho com foco de
deixando de lado o investimento inicial no prioridade na saúde e bem-estar do
capital humano e focando apenas no trabalhador,o qualpassa a maior parte do
retorno que ele trará para a organização. dia no ambiente organizacional em função
Estas organizações nãoestariam atentas das atividades cotidianas.
para os benefícios da prática da Ginástica Pode-se dizer entãoque a Ginástica
Laboral, como a promoção da saúde e Laboral é um programa que possibilita ao
melhorias nas condições do trabalho dos trabalhador se envolver em suas
participantes, a contribuição direta e atividades diárias, em uma medida que
indireta no relacionamento interpessoal, a melhora e aperfeiçoa a relação entre seu
redução dos acidentes de trabalho e das corpo/mente no próprio trabalho em si. É
lesões por esforços de repetição, e para o esperado que essa prática possibilite ao
aumento gerando produtividade com funcionário a compreensão sobre o que o
qualidade. Ou seja, estas organizações seu corpo diz e de alguma forma o que é
não estariam visualizando os resultados esperado dele naquele momento. É um
promovidos pela Ginástica Laboral no processo que proporciona a valorização
longo prazo. do trabalho, aproximando o trabalhador
Mesmo diante de um índice ainda do mesmo. Afinal, é por meio do corpo
pequeno, relacionado à quantidade de que se realiza o trabalho e aprende a lidar
empresas que aderiram a essa com as necessidades e limitações para
prática,Souza e Ziviani (2010) relatam que um caminho promissor.
muitas empresas tem se destacado por No sentido de compreender melho-
utilizarem dessa ferramenta de melhoria ras implicações da implantação de pro-
expressiva na vida dos funcionários. É de gramas de GL, que visam uma melhora
grande importância que as organizações Qualidade de Vida aos trabalhadores, e
repensem sobre as melhorias nos como estes programas se refletem na
processos de trabalho, visto as grandes sensação de bem-estar dos trabalhado-
mudanças ocorridas no mundo res, esse artigo tem por objetivo verificar
contemporâneo.A prática da Ginástica se há diferenças na percepção acerca da
Qualidade de Vida no Trabalho entre os T de Studant, de modo a verificar diferen-
funcionários que praticam e os que não ças entre amostras independentes. O es-
praticam a Ginástica Laboral em diversas tudo torna-se relevante, sobretudo, por-
filiais de uma distribuidora de gás na Ba- que não tem se observado muitas pesqui-
hia. Com isso, verificar se há diferenças sas recentes sobre esta temática, sendo
entre as amostras no que se refere há que a maioria dos estudos sobre
fatores como desgaste físico e psicológi- Ginástica Laboral são mais antigos, e es-
cos. Para alcançar este objetivo, outros tes trabalhos sempre associam a prática
objetivos específicos foram estabelecidos, da GL com a melhoria dos sintomas físi-
tais como: estabelecer fatores, por meio cos e do desempenho organizacional.
da análise fatorial, que melhor represen- No sentido de melhor expor os re-
tassem a Qualidade de Vida no Trabalho, sultados encontrados, o artigo possui a
de acordo com a realidade da amostra seguinte estrutura: esta introdução, que
pesquisada; Analisar se os fatores que apresenta as discussões da literatura
emergiram da análise fatorial apresentam acerca da Qualidade de Vida no Trabalho
diferenças na percepção acerca do Bem- e da Ginástica Labora; o método que des-
estar entre praticantes e não praticantes creve as características da investigação, a
da GL e verificar em que medida os re- exemplo da descrição da amostra, do ins-
sultados encontrados correspondem com trumento adotado e dos procedimentos
o que é prescrito pela literatura acerca da aplicados nas análises dos dados. Além
relação entre sensação de Bem-estar e dos Resultados e das discussões da pes-
Ginástica Laboral. quisa.
Para atingir tais objetivos o estudo
contou com a adaptação de duas escalas 2 MÉTODO
de bem-estar, da qual foi gerada uma
análise fatorial exploratória, apresen- 2.1 Amostra
tando3 fatores capazes de mensurar a
sensação de bem-estar da amostra pes- A amostra foi composta por 60
quisada. Como o trabalho tinha entre seus (sessenta) funcionários de diferentes filiais
objetivos verificar diferenças na percep- de uma empresa de distribuição no seg-
ção desse bem-estar, entre praticantes e mento de gásda Bahia. Como esta em-
não praticantes da GL, foi adotado o Test presa adotou medidas de ginástica laboral
em algumas de suas unidades, a amostra questões e cinco alternativas de múltipla
foi composta por 30 (trinta) indivíduos que escolha, desenvolvido a partir de uma
trabalham em unidades que praticam a adaptação dos modelos QWLQ-78 e
ginástica laboral e por 30 (trinta) indiví- QWLQ-bref, cujo objetivo é avaliar a qua-
duos de unidades que não praticam a gi- lidade de vida no trabalho, sob o ponto de
nástica laboral. Esta amostra está assim vista pessoal, de saúde, psicológico e
definida:51,7 % por pessoas do sexo profissional e o modelo, visando avaliar
masculino e 48,3% do sexo feminino; nas aspectos como disposição, preocupação
faixas etárias até 20 anos por 3,2%, com a saúde, satisfação pessoal, con-
8%entre 21 e 25 anos , 9%entre 26 e 30 forto, segurança, cansaço, incômodo,
anos , 18%entre 31 e 35 anos , 23%com stress, entre outros fatores (FERRO,
36 ou mais . No que se refere ao estado 2012). Durante a pesquisa, os indivíduos
civil, 45,2% eram solteiros, 45,2% eram pesquisados foram esclarecidos sobre do
casados e 3% eram divorciados. No que que se tratava a mesma e todos apre-
se refere ao tempo de empresa, 40% es- sentaram o consentimento na aplicação
tão na empresa há menos de três anos, do questionário.
21,7 % estão entre quatro e seis anos,
12,9% estão entre sete e dez anos, 24,2% 2.3 Procedimentos
há mais de onze anos. Quanto à
escolaridade, 3,2% possuem apenas o Os itens de cada dimensão
Ensino Médio incompleto, 16,2% possuem hipotética foram analisados por meio de
o Ensino Médio completo, 33,9 % análise fatorial exploratória (principal
possuem o Ensino Superior incompleto, axisfactoring). O número de fatores a
22,6% possuem o Ensino Superior serem retidos foi escolhido por meio do
completo e 21%, pós-graduação. autovalor-maior-que-um. Os escores
fatoriais de cada participante do estudo
2.2 Instrumentos foram computados por meio do método de
Bartlett, em cada uma das dimensões
A técnica para coleta de dados uti- hipotéticas analisadas. Esses escores
lizada foi através da aplicação de um foram, então, submetidos a uma análise
questionário, que apresentava vinte de normalidade por meio do método de
Shapiro-Wilk, com nível de significância autovalor-maior-que-um. Com isso foram
de 0,05. Para verificar se há diferenças extraídos os seguintes fatores:
significativas ou efeitos significativos das disposição física e vida pessoal,
variáveis descritivas Pratica Ginástica preocupação com a idade e conforto
Laboral no escore fatorial de cada uma ambiental e condições de trabalho.
das dimensões finais com distribuição Estes fatores juntos explicaram 46,7 % da
normal, foi empregado o testes T de variância. O fator 01, disposição física e
Student para amostras independentes, vida pessoal, apresentou cargas fatoriais
para analisar as diferenças nas médias variando de 0,323 a 0,716, com itens
(MALHOTRA, 2011; DANCEY; REIDY, como dificuldade para dormir, incômodo
2006), com nível de significância de 0,05. pelo cansaço, alto nível de estresse no
Todas as análises foram realizadas por trabalho, dores físicas com frequência e
meio do software SPSS 20. facilidade em sentir cansaço. O fator 02
relatou a preocupação com a idade,
3 RESULTADOS conforto no ambiente de trabalho,
disposição durante a jornada, energia
A Empresa pesquisada atua no para desempenhar as atividades do dia-a-
seguimento de distribuição de gás GLP. dia e a falta de exercícios físicos dentro
Os questionários foram aplicados aos do ambiente de trabalho, obtendo cargas
funcionários da área administrativa das com variação entre 0,367 e 0,755, com
seis filiais da empresa na Bahia, divididos itens mensurando o quanto o indivíduo se
nas cidades de Salvador, São Francisco preocupa com sua vida e se sente
do Conde, Feira de Santana, Vitória da confortável com o ambiente de trabalho. O
Conquista, Jequié e Itabuna, com o intuito fator 03, condições de trabalho, obteve
de saber se há diferença no desempenho cargas variando de 0,307 a 648,
das atividades e comportamento dos mensurando itens como o quanto a
colaboradores que utilizam das técnicas pessoa se sente segura quanto à
da ginástica laboral.Após a aplicação dos prevenção de acidentes no trabalho e a
questionários, foi realizada uma análise satisfação com o horário de trabalho.
fatorial exploratória por meio do método Quanto ao teste de normalidade, os três
de principal axisfactoring.Foram extraídos fatores apresentaram normalidade
fatores únicos utilizando-se o critério do conforme se apresenta na tabela 1.
idade e conforto ambiental, com a prática
da ginástica laboral,tambémnão foram
encontradas diferenças significativas,pois
obteve-se um t= -0,817 e p> 0,417.
Na análise do terceiro fator foi
obtidauma diferença significativa entre os
grupos, pois apresentou-se um t= -
2,839947e p< 0,006 entre as dimensões
prática de ginástica laboral e condições
de trabalho.

Para verificar diferenças ou efeitos


significativos das variáveis descritivas
sobre cada uma das dimensões
hipotéticas analisadas, apresentam-se as
comparações nas dimensões, utilizando-
se o teste t de student para a dimensão
pratica ginástica laboral com os fatores
extraídos da análise fatorial exploratória:
disposição física e vida pessoal,
preocupação com a idade e conforto
ambiental e condições de trabalho.
Na análise do primeiro fator entre
Após a análise realizada no quadro
as dimensões prática de ginástica laboral
apresentado, foi identificado não haver
e disposição física e vida pessoal não
diferenças significativas no fator 1 e 2.
foram encontradas diferenças significati-
Percebeu-se no teste T que apenas o
vas, pois se obteve um t= -1,020 e P>
fator 03, que aponta a insatisfação quanto
0,312.
ao repouso, falta de prática de atividades,
Na análise do segundo fator,que
conforto e disposição no ambiente de
possui as dimensões preocupação com a
trabalho, apresentou a maior diferença
entre as amostras, juntamente com a empresas podem incentivar a melhora da
média que difere a apresentação dos qualidade de vida por meio da Ginástica
fatores. O fator de número 01, que relata Laboral, no sentido de reduzir o estresse,
a disposição física, cansaço, segurança, e promover o conforto e a motivação. Ainda,
que acabam afetando a vida pessoal se sendo importante também para promover
manteve estável.Sobre o fator 02, que o bem-estar dos funcionários que passam
relata a preocupação e falta de energia, maior parte do seu tempo no trabalho
satisfação com horário e conforto, (LIMA V., 2003; LACOMBE, 2012).
apontou-se um índice pouco maior sobre Mas o resultado desta pesquisa
os demais.Por fim, identificou-se que encontra amparo nas ideias de Polito e
houve uma diferença mínima entre as Bergamaschi (2010) que argumentam
amostras. sobre a dificuldade em se relacionar os
Apesar das expectativas iniciais benefícios da ginástica laboral, pois há
dos pesquisadores, que imaginavam vários outros fatores como a quantidade
encontrar diferenças significativas entre de funcionários disponíveis na empresa,
as amostras, e, com isso, ratificar as e, por isso, as percepções e sensações
contribuições da Ginástica Laboral para a acerca dos efeitos da ginástica podem
melhoria da qualidade de vida dos passar despercebidas.Notou-se também,
indivíduos na organização, não foi por meio de uma observação direta, que o
possível detectar diferenças significativas papel desempenhado pelos gestores foi
entre o grupo quepratica a ginástica com um fator determinante na interferência do
aqueles que não a praticam, pelo menos, comportamento e satisfação dos
não o quanto se imaginava. Estas colaboradores.
expectativas estavam fundamentadas nas
discussões teóricas. Dentre estas 4 DISCUSSÕES
discussões. verifica-se a importância da
qualidade de vida dos indivíduos na O artigo apresentou um estudo
organização, pois mantendo-se boa sobre a ginástica laboral como benefício
qualidade de vidaé possível melhorar o para melhoria da qualidade de vida no
desempenho no trabalho e na família trabalho e as diferenças no desempenho
(METZNER; BRANDL, 2008). Com efeito, dos funcionários que praticam e não
a partir daí percebe-se claramente queas praticam essa atividade dentro da
empresa. Para tanto, pesquisaram-se as não foram observadas diferenças
seis filiais de uma empresa de distribuição significativas entre os dois grupos. Ou
de gás GLP na Bahia. O objetivo principal seja, os indivíduos pesquisados, sejam
foi de analisar a sensação dos eles os praticantes e os não praticantes
colaboradores praticantes da ginástica da ginástica, não apresentam diferenças
laboral nas filiais de Salvador e São significativas nos itens relacionados à dor
Francisco do Conde, com o intuito de e ao cansaço.
verificar se há diferenças no A literatura também apresenta que
comportamento dos colaboradores das programas de Qualidade de Vida,
filiais de Feira de Santana, Vitória da principalmente relacionados às atividades
Conquista, Itabuna e Jequié que ainda físicas, ajudam a reverter problemas
não utilizam da prática dessa atividade gerados pela vida moderna, ocasionados
nos respectivos ambientes de trabalho. pela tecnologia e pelo sedentarismo
De acordo com a literatura, (METZNER.; BRANDL., 2008) Com isso,
programas que envolvem a Qualidade de esperava-se encontrar nesta pesquisa
Vida no Trabalho, como a Ginástica que houvesse diferenças significativas
Laboral, podem apresentar como entre os dois grupos.Ou seja, que os
resultados a redução de índices indivíduos instalados nas filiais que
relacionados à ansiedade, absenteísmo, adotam e praticam a GL apresentassem
redução da intensidade e frequência da maiores índices de disposição e energia
dor, além de melhorar a sensação de para o trabalho. Contudo, não foi possível
bem-estar, (DIAS et al., 2006; LEAL et al., verificar este tipo de diferença entre estes
2013). Desse modo, estes resultados dois grupos.
podem ser alcançados, mesmo que o Também é possível observar, na
programa tenha sido adotado em pouco literatura, que programas de QVT estão
espaço de tempo (CANDOTTI; relacionados à satisfação, à motivação,
STROSCHEIN; NOLL, 2011). Mas, como ao envolvimento com o trabalho, e às
pode ser visto nos resultados desta experiências de vida no trabalho, pois
pesquisa, principalmente no que se refere estes programas podem aumentar a
ao fator01, composto por itens produtividade da organização e o nível de
relacionados ao cansaço e à dor física, satisfação do funcionário
(ARULSENTHILKUMAR et al., [S.d.]), programas de ergonomia, de modo a se
assim também, como fatores relacionados obter melhores percepções acerca do
à carga de trabalho, questões familiares, bem-estar no trabalho. (VILLAR et al.,
políticas de gestão de pessoas como 2013). Outrossim deve-se considerar a
políticas de remuneração e benefícios, dificuldade em se mensurar os benefícios
condições de trabalho, e crescimento na atribuídos à GL, a exemplo de efeitos
carreira (ISLAM, 2012). Os resultados como o aumento de produtividade.
referentes ao fator 03, que trata de itens Este entendimento se deve ao fato
relacionados às políticas de gestão, como de que outros fatores também estão
questões de segurança no trabalho, relacionados com os benefícios
prevenção de acidentes, satisfação com atribuídos à GL. Além também das
horários de trabalho ente outros, limitações destes programas, por falta de
apresentaram diferenças significativas, compromisso, de recursos, ou ainda de
indicando com isso que as políticas de engajamento dos funcionários e das
gestão podem ter relação significativa organizações (LIMA D., 2004). Neste
com a sensação do bem-estar. sentido, o fato de apenas o fator 03,
Com estes resultados,é possível composto por itens relacionados às
verificar preocupações discutidas na políticas organizacionais, ter apresentado
literatura, pois a implantação de diferenças significativas entre os grupos,
programas de QVT e a obtenção de e do fato de o fator 01, composto por
resultados destes programas são itens relacionado à dor e cansaço, e do
complexos e difíceis de serem fator 02, composto por itens relacionados
mensurados. Estas dificuldades podem à energia e disposição não terem
necessitar, como diz Couto (1987 apud apresentado diferenças significativas,
FIGUEIREDO; MONT’ALVÃO, 2008), de pode estar relacionado a esta
um programa complexo e equipes complexidade de implantação, de
multidisciplinares. Afirma também Lima planejamento e ao envolvimento da
D., (2004), acercada necessidade de organização e dos funcionários.
elaborar programas de acordo com a Observa-se então que, ao
realidade do colaborador e do contrário do que se imaginava e da
planejamento.Além disso, deve-se descrição da literatura por alguns
associar programas de GL com autores, não basta apenas a empresa ter
um programa de Ginástica Laboral para planejamento e muita atenção no seu
as pessoas terem a sensação de melhora processo de implantação de um programa
no seu bem-estar, principalmente com de Ginástica Laboral. O presente estudo,
sensações relacionadas à dor, cansaço, por sua vez, apresenta que a sensação
energia e disposição.Observa-se de bem-estar, em função da Ginástica
também, com base na diferença entre os Laboral, não é tão facilmente percebida
grupos, em que a própria iniciativa, o pelos funcionários. Esta observação
estilo de gestão e as políticas de gestão ratifica então os autores que consideram
podem ter um papel importante na este tipo de programa uma atividade
sensação do bem-estar dentro da complexa, assim, não é o simples fato da
organização. inserção deste tipo de atividade que irá
propor aos funcionários a sensação de
5 CONCLUSÃO melhora no seu bem-estar no trabalho.
Como toda pesquisa, esta também
Verifica-se então com este estudo tem suas limitações.Neste caso, destaca-
que a percepção acercada Qualidade de se que o presente estudo preocupou-se
Vida no Trabalho, com base na Ginástica apenas em mensurar as sensações dos
Laboral, pode ter avaliações muito colaboradores acerca das implicações da
próximas entre grupos que praticam a GL entre funcionários que a praticam e
Ginástica Laboral com grupos que não a não a praticam. Com isso, o estudo foi
praticam.Com base na maior parte da pautado na adequação de duas escalas,
literatura pesquisada, a Ginástica Laboral as quais mensuram a QVT, os modelos
é fortemente relacionada com o aumento QWLQ-78 e QWLQ-bref. Não foi
da satisfação do funcionário e da melhora analisada, contudo, a estrutura do
na Qualidade de Vida, pois a literatura programa implantada, nem foi feito um
apresenta que a prática desta atividade acompanhamento de como este programa
pode amenizar as sensações acerca das foi implantado, nem analisado também o
dores físicas, cansaço, e melhorar a grau de envolvimento dos indivíduos que
disposição. Mas há autores na literatura a praticam com o programa implantado.
que também ressaltam que esta é uma Apesar de não se ter feito nenhum teste
atividade complexa, exigindo clínico, foi pesquisada a sensação dos
indivíduos. Com isso, geram novos as políticas de gestão e o estilo de
questionamentos, os quais podem ser liderança também interferem nestes
explorados em pesquisas futuras, tais resultados, e se a aplicação de outras
como: o quanto a estrutura e a forma que escalas podem obter resultados diferentes
este tipo de programa implantado dos que aqui foram apresentados.
interferem nos seus resultados; se de fato
Brenda Reis dos Anjos

O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E OS


PROCESSOS JUDICIAIS ELETRÔNICOS: o
paradigma do mundo virtual e seus efeitos para os
servidores forenses

Brenda Reis dos Anjos


Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Graduada
em Direito pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA), sendo
também Graduanda finalista em Licenciatura em Letras  Língua e Literatura Portuguesa pela
Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Membro associado no Conselho Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Pesquisadora atuante nos temas
relacionados ao Direito, Linguística, Literatura, Desenvolvimento, Meio Ambiente e Direitos
Socioambientais com ênfase em Direitos Indígenas.
End. eletrônico: brendadosanjos_m@hotmail.com

RESUMO

A informatização judicial é matéria de destaque na esfera jurídica contem-


porânea devido ao grande desafio de virtualização no meio ambiente de tra-
balho forense. A Lei de Informatização do Processo – LIP, n. 11.419/2006,
trouxe novas ferramentas para o mundo das ciências jurídicas. Dada a
complexidade do assunto, por este ser tema recente e de grande relevância,
surge a necessidade de se esquadrinhar o assunto do Processo Eletrônico
no Poder Judiciário do Brasil como instrumento de acesso à Justiça, de
efetivação do Princípio Processual da Celeridade e suas respectivas im-
plicações ao meio ambiente do trabalho. Os operadores do Direito enfren-
tam a imposição de acompanhar o constante processo de desenvolvimento
tecnológico, estando expostos a riscos psicológicos e físicos advindos da
imposição crescente de produtividade por consequência da informatiza-
ção. Esse desafio torna necessária a análise do tema em paralelo à adoção
de medidas preventivas, associadas à Ergonomia, para viabilizar um meio
ambiente de trabalho sadio.

Palavras-chave: Meio ambiente do trabalho. Processo judicial eletrônico.


Informatização judicial. Servidores forenses. Meio ambiente virtual.
Veredas do Direito, Belo Horizonte, ž v.10 ž n.20 ž p.257-288 ž Julho/Dezembro de 2013
257
Computerization judicial matter is prominent in contemporary legal
sphere due to the challenge in virtualization environment in forensic work.
Law Informatization Process - LIP, number 11.419/2006 brought new tools
to the world of legal sciences. Given the complexity of the matter, to be
recent topic of great importance, there is a need to scrutinize the issue
Process Machine on judiciary in Brazil as a means of access to justice, the
realization of the principle of procedural celerity and their implications
to working environment. The operators of the right face the imposition
of monitoring the constant technological development process being
exposed to physical and psychological risks arising from the imposition
of increased productivity as a result of computerization. This challenge
makes it necessary to examine this matter in parallel with the adoption of
preventive measures associated with Ergonomics for facilitating a healthy
work environment.
Keywords: Environment Labour. Lawsuit Electronic. Judicial Informati-
zation. Forensic Servers. Virtual Environment.

1 INTRODUÇÃO

O processo de informatização do Poder Judiciário afigura-se


como tendência irreversível na busca da efetivação das metas processu-
ais e da eliminação da morosidade processual no ordenamento jurídico
brasileiro. Não obstante, sabe-se que as inovações tecnológicas no campo
laboral trazem consigo um grande aparato de mudanças na vida dos pro-
fissionais que as utilizam e, por isso, não devem ser ignoradas visto que o
meio ambiente do trabalho sadio é um direito fundamental consagrado na
Carta Magna de 1988.
A maior parte das discussões que entornam a temática do proces-
so judicial eletrônico debruçam-se basicamente no plano de efetividade da
prestação jurisdicional e no respeito ao Princípio Processual da Celeridade,
contudo a indiscutível relevância dessa abordagem não dá os contornos
definitivos ao tema.
O presente ensaio tem por objetivo central suscitar a reflexão das
implicações que o uso intenso de computadores, como instrumento de tra-
balho, pode ocasionar na vida do trabalhador caso não sejam tomadas as
cautelas necessárias.
Atualmente, está mais claro entender que não é um único con-
texto isolado, por mais importante que este seja, que é capaz de orientar a
formulação plena de uma política pública. Qualquer política instituída com
o fim público, portanto, presumidamente, legítimo, deve levar em conside-
ração um tratamento de forma ampla que não apenas aquela diretamente
relacionada com o fim procurado, mas atenta às consequências que levam
à consecução destes objetivos, pois esta, sim, é a verdadeira legitimidade.
Não é diferente no processo eletrônico.
Sendo assim, o que muitas vezes não se percebe é que a Lei n.
11.419/2006 − que instituiu o processo eletrônico – possui como meta es-
tatal, indiscutivelmente, a demanda por um serviço público célere e qua-
lificado, porém a resposta a esses anseios não está necessariamente ligada
ao cumprimento da lei pura e simplesmente, e sim ao padrão de compor-
tamento que agora é exigido do servidor que opera nesses sistemas infor-
matizados.
Ademais, a constante mudança no ambiente de trabalho gera
automaticamente a necessidade de crescente atualização tecnológica por
parte do profissional, podendo ocasionar problemas físicos e psicológicos
advindos da insegurança desse trabalhador caso não cumpra o que lhe é
esperado. Estresse, ansiedade, depressão, dentre outros problemas, estão
cada vez mais sendo diagnosticados no mundo do “Sistema da Informa-
ção”. O que se deve salientar é que de nada adiantam os meios eletrônicos
se quem os manuseia (ser humano) tem sua saúde prejudicada, tornando
seu trabalho insalubre. Além disso, é nítida e palpável a ligação entre um
bom ambiente de trabalho e o rendimento do trabalhador.
Sabe-se que juntamente com métodos ágeis oferecidos aos pro-
fissionais está o pressuposto intrínseco de maior produção em curto espaço
de tempo. Dessa maneira, o trabalhador se sente obrigado a cumprir os
prazos processuais de forma célere sem que para isso disponha de uma
estrutura adequada para seu conforto, disposição e bem-estar. O meio am-
biente do trabalho é o local onde o profissional passa boa parte de seu dia,
devendo este estar apto segundo os parâmetros ergonômicos e peculiares
a cada ofício.
Tem-se assim, como objetivos específicos desta pesquisa, estu-
dar as consequências trazidas pela era da informação, analisar os fatores
positivos e negativos da implementação do processo judicial eletrônico no
ordenamento jurídico pátrio, identificar os fatores positivos comprovados
pela maior produção e celeridade processual, transparência e economia
de recursos naturais, bem como fatores negativos perceptíveis através do
diagnóstico de problemas oftalmológicos, dermatológicos, circulatórios,
entre outros.
Longe de se esgotar o tema aqui proposto, nota-se que seu es-
tudo minucioso possibilitará maior eficácia à Justiça, porquanto, estando
inserido em um meio ambiente ecologicamente equilibrado – tal qual se é
garantido constitucionalmente –, o servidor forense poderá cumprir seus
objetivos processuais sem que para tanto agrida sua saúde e qualidade de
vida, visto que não se deve proteger uma garantia em contramão de outra.
Com isso, o presente estudo elucidará, de forma clara, acerca do
processo da Revolução do Conhecimento e seus aspectos reflexos para a
sociedade contemporânea, apontando, ao final, contribuições para que o
processo judicial eletrônico possa garantir maior desempenho na justiça
brasileira sem atingir o meio ambiente de trabalho do servidor do Poder
Judiciário.

2 REVOLUÇÃO DO CONHECIMENTO
E INFORMATIZAÇÃO JUDICIAL NO BRASIL

Usa-se o termo Revolução do Conhecimento ou Revolução da


Informação para fazer alusão ao período em que a sociedade inseriu-se
em um novo estágio histórico de produção de riquezas e valores, no qual
a informação e o conhecimento passaram a exercer o principal papel na
atividade social, a partir do século XX1.
A composição, de contínuo crescimento, de redes mundiais de
computadores agregou uma imensurável série de informações, tendo por
consequência uma revolução econômica e tecnológica em todas as esferas
do Estado contemporâneo.
O desenvolvimento tecnológico tem por primazia a facilidade de
acesso à informação, bem como a facilidade de executar tarefas, auxilian-
do assim nosso dia a dia. Desde a Antiguidade, o sistema da informatização
transfigura a sociedade. Sob esse óbice, José Carlos de Araújo Almeida
Filho2 condensa o desenvolvimento histórico da informação:

Admitimos, porém, uma quebra de paradigma em pleno século XXI, apesar da ideia
de uma sociedade de informação estar arraigada no homem desde a sua era primi-
tiva, quando começam a se formar as sociedades e a necessidade de comunicação
entre seus membros e de outros clãs e tribos. Com a invenção da prensa, por Gutem-
berg (século XV), temos uma maior propagação da informação e com a Revolução
Francesa (século XVIII), desmoronam-se os tronos e a sociedade burguesa ascende
ao poder, modificando as formas de pensar e agir. Prestigia-se a comunicação e a
liberdade, com a promulgação da Declaração de Princípios da Revolução Francesa
– inspiradora da Declaração Universal dos Direitos do Homem. [...] O grande para-
digma que se enfrenta diante da ideia de uma nova sociedade e, consequentemente,
reclamando do Direito novas concepções e métodos para a pacificação de seus con-
flitos, é a quebra de barreiras geográficas sem a necessidade da guerra.

A perspectiva de romper fronteiras geográficas alcançou amparo


por meio do uso da internet de forma indispensável. Internet é a deno-
minação utilizada para a rede de compartilhamento de informações, que,
por volta da década de 1960, foi instituída nos Estados Unidos da Amé-
rica através do projeto militar ARPANET (Advanced Research Projects
Agency), durante a época da “Guerra Fria”. A respectiva rede foi criada
objetivando a garantia da comunicação, da informação e do tráfego de da-
dos em qualquer circunstância.
Nesse contexto torna-se essencial apontar a ótica de Castells3,
da qual criou-se o conceito de Estado-Rede, que, por sua vez, advém da
concepção de que é palpável a estruturação do não estruturável, ou seja,
é possível manter a inovação e permitir saltos de desenvolvimento ainda
que para isso sejam colocadas à tona as maneiras de manejo do mundo
como outrora era disposto. O ideário do autor norteia a discussão sobre
“um novo mundo” no qual a sociedade, a economia e a cultura passam a
estar conectados através das tecnologias. Dessa maneira, acaba por surgir
uma sociedade em rede, denominada de sociedade informacional. É essa
sociedade, descrita pelo referido autor, a realidade atual na qual nos inseri-
mos – inclusive no Poder Judiciário.
Ademais, no dia 31 de maio de 1995, o Ministério das Comuni-
cações do Brasil editou a Portaria n. 148/1995, a qual caracterizou “inter-
net” como:

Nome genérico que designa o conjunto de redes, os meios de transmissão e comuta-


ção, roteadores, equipamentos e protocolos necessários à comunicação entre compu-
tadores, bem como os softwares e os dados contidos nesses computadores.

A internet passou a ser intensamente utilizada pelos usuários, na


década de 90, em todas as vias do conhecimento e da vida humana, asso-
ciando-se ao cotidiano das pessoas em todos os seus aspectos: profissio-
nais, pessoais, financeiros, entre outros.
O mundo atual, da “era on-line e instantânea”, se define pelo rit-
mo acelerado, pela brevidade e pela urgência, no qual a sociedade é regida
pelo fator tempo − este cada vez mais insuficiente em paralelo à propaga-
ção da informação − cada vez mais essencial.
Esse contexto gera dificuldades e conflitos que incumbem à ci-
ência jurídica o dever de oferecer respostas para que esta siga a mutação
constante da sociedade contemporânea. Há um paradoxo social, no qual
de um lado tem-se uma sociedade dinâmica, e de outro uma justiça len-
ta. Nessa linha, por conta da morosidade do sistema processual judiciá-
rio, promulgou-se a Emenda Constitucional n. 45 no dia 08 de dezembro
de 2004, também conhecida como “Reforma do Judiciário”. Tal emenda
estabeleceu, no rol de direitos e garantias fundamentais, o Princípio da
Duração Razoável do Processo, no Artigo 5º, LXXVIII da Constituição
Federal de 1988, in verbis: “A todos, no âmbito judicial e administrativo,
são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam
a celeridade de sua tramitação”5.
A vontade de solucionar problemas de gestão do Poder Judiciário
por meio da implantação do processo judicial eletrônico no Brasil vem
sendo esboçada há alguns anos. Originalmente, os profissionais do Direito
faziam uso de computadores, eliminando por completo as máquinas de
datilografar; em seguida, as secretárias judiciárias passam a fazer uso sis-
temas de gerenciamento da movimentação processual e, algum tempo de-
pois, permitiram-se consultas externas sobre o andamento processual via
internet6.
A primeira lei a vislumbrar a origem do processo eletrônico no
ordenamento jurídico brasileiro foi a Lei n. 9.800, de 26 de maio de 1999.
Através dela, tornou-se possível a condução de dados para o exercício de
atos processuais, sendo assim, as petições poderiam ser expostas por meio
de máquinas que assim permitissem, como, por exemplo, o fac-símile7, to-
davia, posteriormente deveria ser juntado o original aos autos previamente
transmitidos.
No tocante à implementação do processo judicial eletrônico,
tem-se por precursor o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, visto que,
ao editar o Provimento Normativo n. 01 de 10 de maio de 2004, insti-
tuiu normas para estabelecer os processos virtuais nos juizados especiais.
Considera-se ser esse um plano piloto que possibilitou, posteriormente, a
instauração do processo eletrônico em todos os âmbitos da Justiça Fede-
ral. Ademais, a Resolução n. 40, de 2007, tipificou a obrigatoriedade do
trâmite eletrônico nos processos em tramitação no Tribunal supracitado,
in verbis:

Art.1º - A tramitação dos processos de regulação, avaliação e supervisão de institui-


ções e cursos superiores do sistema federal de educação superior será feita exclusi-
vamente em meio eletrônico, no sistema e-MEC, e observará as disposições espe-
cíficas desta Portaria e a legislação federal de processo administrativo, em especial
os princípios da finalidade, motivação, razoabilidade, moralidade, interesse público,
economia e celeridade processual e eficiência, aplicando-se, por analogia, as disposi-
ções pertinentes da Lei nº 11.419, de 19 de dezembro de 20068. (grifo nosso)

É necessário salientar que, somente com a Lei n. 11.419, de 19


de dezembro de 2006, o processo digital se impulsionou no Brasil, com
o propósito principal de efetivar a celeridade processual, porém, deve-se
sempre respeitar os princípios do ordenamento jurídico brasileiro além de
velar pelo meio ambiente do trabalho sadio dos operadores do Direito, por
conta das implicações que tais mudanças podem gerar.
2.1 Processo Eletrônico

O processo eletrônico está incluso no moderno campo das Ciên-


cias Jurídicas denominado de diversas formas como: Direito Eletrônico,
Direito Digital, Direito Cibernético, ou ainda, Direito da Informática. Al-
meida Filho o conceitua:

É o conjunto de normas e conceitos doutrinários destinados ao estudo e normatização


de toda e qualquer relação onde a informática seja o fator primário, gerando direitos e
deveres secundários. É, ainda, o estudo abrangente com o auxílio de todas as normas
codificadas de direito, a regular as relações dos mais diversos meios de comunicação,
dentre eles os próprios da Informática9.

Assim, a Lei n. 11.419/2006 trouxe inovações e desafios aos ju-


ristas devido ao modelo de tecnologia presente na Modernidade. Nesse
contexto, tem-se a informatização e o uso intenso da internet em todas as
áreas do contexto humano, inclusive nas ciências jurídicas, motivo que
justifica o fato de o processo eletrônico significar um grande avanço tec-
nológico para o mundo jurídico, arraigado de perspectivas de “desafogar”
a Justiça, desde que para isso não produza efeitos irreversíveis na saúde e
qualidade do meio ambiente do trabalhador. Para tanto, é essencial o estu-
do minucioso e interdisciplinar do Direito, da Informática, da Segurança
da Informação, de Ergonomia e do meio ambiente do trabalho, dado o
caráter recente da justiça eletrônica no Brasil.
A aludida lei possui vinte e dois artigos e contém quatro aspectos
primordiais, que são: a exposição de documentos eletrônicos, a comuni-
cação dos atos processuais, o trâmite do processo de forma inteiramente
digital e a certificação digital dos advogados.
Mesmo havendo a inserção de novos parâmetros e novas tecno-
logias, deve-se atentar também para o respeito aos direitos fundamentais,
sob pena de nulidade do processo eletrônico. Entre o rol de garantias cons-
titucionais, está a do meio ambiente ecologicamente equilibrado, estando
intrínseco a essa definição o meio ambiente do trabalho – no qual a presen-
te pesquisa visa repousar, além de outros, como o devido processo legal, da
publicidade, da celeridade e do acesso à Justiça10.

9
O ato de digitalizar documentos não equivale à ideia de processo
eletrônico, visto que esse é muito mais amplo que aquele. O reflexo do
processo eletrônico recai sobre um novo modo de conduta, ou seja, uma
mudança no cotidiano do Judiciário brasileiro devido à imposição para
com seus operadores objetivando que estes se adaptem de forma brusca e
imediata a fim de acompanharem a contínua evolução dos meios eletrôni-
cos.
Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal – STF – editou a
Resolução 427, de 20 de abril de 2010, regulamentando o processo ele-
trônico em sua esfera. Ainda nessa linha, o STJ publicou a Resolução n.
14, de 28 de junho de 2013, enquanto a Justiça Trabalhista é responsável
pelo ato conjunto CSJT/TST 120/2013, que altera a Resolução CSJT n. 94,
de 2012, anteriormente vigente11. No âmbito da Justiça Estadual, pode-se
citar como exemplo o Projudi, instalado no estado do Amazonas, no esta-
do do Paraná e em outros. Atualmente, as referidas normas são as que se
encontram em vigor, visto que a regulamentação do processo virtual sofre
constantes, e necessárias, atualizações.
Sob essa perspectiva, Juliana Fioreze12 leciona que:

É certo que o Direito não pode permanecer estático frente ao desenvolvimento tecno-
lógico, e sua modernização é imprescindível para que se alcance segurança jurídica
nas relações mantidas na sociedade informatizada.

Ainda no que diz respeito ao inevitável uso dos atributos tecno-


lógicos e da internet, salienta Gilberto Dupas acerca da ponderação e do
bom-senso que tal ato exige de seus operadores:

Se não formos capazes de subordinar o desenfreado avanço tecnológico à moderação


da moral e da razão – ou seja, ao bom uso da autodeterminação –, nossa espécie
poderá estar pavimentando o caminho do poema de Robinson Jeffers: Um dia a Terra
vai-se coçar, e sorrir, e sacudir para fora a humanidade13.

O Direito Processual tem como mister promover a pacificação


dos conflitos presentes na sociedade, apontando métodos par solução des-
ses. Ao analisar a relevância do processo, Mauro Cappelletti indica a fun-
ção social do processo como sendo instrumento de acesso à justiça. Ele
dividiu sua abordagem em três facetas, sendo que a primeira refere-se à
assistência judiciária para os desfavorecidos, a segunda à configuração dos
interesses difusos e a terceira é uma espécie de construção intensificada
do acesso à Justiça; em outras palavras, um novo paradigma, que abarca
consigo o processo eletrônico e a informatização judicial14.

3 O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E


O PROCESSO JUDICIAL VIRTUAL

Um dos princípios fundamentais da ordem constitucional bra-


sileira democrática é a valorização do trabalho. A Constituição admite a
importância da conduta laborativa como um dos meios essenciais de auto-
confiança do ser humano, tanto no âmbito de sua peculiaridade quanto no
âmbito de sua inserção social e familiar.
O quesito da valorização laboral está reiteradamente enfatizado
pela Carta Magna de 1988. A partir de seu Preâmbulo, pode-se notar tal
afirmação, prosseguindo nos fundamentos da República Federativa do
Brasil (Art. 1º, III e IV) ao fixar, ao lado de outros, a dignidade da pessoa
humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Es-
tados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
[...]
III- a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
[...]15. (grifo nosso)

Continua-se, didaticamente, a trilhar tal vertente nos Princípios


Fundamentais, bem como nos artigos 6º e 7º, ao versar sobre a temática
dos “direitos sociais”, in verbis:

Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a mora-


dia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância,
a assistência aos desamparados, na forma da Constituição.
[...]
Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social:
[...]
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educa-
ção, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes
periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para
qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
[...]
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
[...]16. (grifo nosso)

Além do plano da economia e da sociedade ao reger “Ordem


Econômica e Financeira” com seus princípios gerais da atividade eco-
nômica (Art. 170) e, por fim, da Ordem Social e sua disposição geral (Art.
193), in verbis:

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na


livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames
da justiça social, observados os seguintes princípios [...]
[...]
Art. 193 - A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais17. (grifo nosso)

Acerca do meio ambiente do trabalho, tem-se que é “caracteriza-


do pelo local onde o trabalhador desenvolve sua atividade profissional”18,
englobando-se a zona judiciária onde os servidores forenses exercem seus
ofícios, sendo um dos diversos gêneros que o conceito de meio ambiente
tutela19, sob amparo constitucional nos artigos 23, inciso VII, 170, inci-
so VI, 200, inciso VIII, e 225, caput e incisos da Constituição de 198820,

267
inclusive para resguardar as condições de saúde do indivíduo – foco da
pesquisa aqui alçada.
Na tipificação do direito fundamental ao meio ambiente ecolo-
gicamente equilibrado, estão inseridos seus múltiplos alcances: ecológico,
urbano, cultural, imaterial e do trabalho, objeto deste estudo. Não se deve
confundir, porém, meio ambiente do trabalho com a proteção do direito do
trabalho, visto que este versa apenas no tocante às relações empregatícias
com vínculo de subordinação, enquanto aquele tem por objeto jurídico a
saúde e a segurança do trabalhador a fim de que este desfrute de qualidade
de vida. Sob este contexto, José Afonso da Silva corrobora:

Merece referência em separado o meio ambiente do trabalho como o local em que


se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso,
em íntima dependência da qualidade daquele ambiente. É um meio ambiente que
se insere no artificial, mas digno de tratamento especial, tanto que a Constituição
o menciona explicitamente no art. 200, VIII, ao estabelecer que uma das atribui-
ções do Sistema Único de Saúde consiste em elaborar a proteção do ambiente, nele
compreendido o do trabalho. O ambiente do trabalho é protegido por uma série de
normas constitucionais e legais destinadas a garantir-lhe condições de salubridade e
segurança21.

Assim, nota-se que por meio de normas relativas à qualidade de


higiene, de saúde e de segurança, a Carta Magna visa mitigar os riscos aos
quais os trabalhadores estão expostos. Diversas convenções internacionais
tutelam tal abordagem, sendo de merecido destaque a de n. 155, de 1981,
que versa sobre o desenvolvimento de uma Política Nacional de Saúde,
Segurança e Meio Ambiente do Trabalho por parte dos países, incluído
nesta o local de trabalho, bem como os aparatos necessários para o desem-
penhar de suas tarefas. Através desse sistema, buscam-se determinar os
riscos existentes nas atividades exercidas, além de promover a fiscalização
e a realização de pesquisas de acidentes de trabalho em prol da efetivação
da segurança nos locais de ofício.
Harvey S. Perloff22 assevera que:

A qualidade do meio ambiente em que a gente vive, trabalha e se diverte influi con-
sideravelmente na própria qualidade de vida. O meio ambiente pode ser satisfatório
e atrativo, e permitir o desenvolvimento individual, ou pode ser nocivo, irritante e
atrofiante.

Desse modo, conforme até aqui abordado, abstrai-se que o pro-


cesso judicial eletrônico transportou a tecnologia rumo ao Direito Proces-
sual, por meio da reedição de atos processuais, permitindo assim que as
partes e o juiz possam interagir com o processo. Pouco a pouco o processo
físico vem sendo substituído pelo ambiente digital, contendo consigo os
malefícios e benfeitorias gerados pela inovação virtual.
Perante o contexto da informatização judicial, advogados, ma-
gistrados, analistas judiciários e qualquer outro tipo de servidores forenses
se veem diante de uma nova estrutura em seu ambiente de trabalho, centra-
lizado no uso do computador, em monitores e redes de emissão de dados.
Diante desse novo ambiente de trabalho, ao qual se impõe uma adaptação
imediata por parte dos trabalhadores, depara-se com fatores de perigo à
saúde dos mesmos, motivo esse que justifica a essencialidade da pesquisa
proposta.
Adverte-se para o fato de que as normas de cunho ambiental,
relacionadas ao meio ambiente de trabalho dos juristas − em que pese à
adesão do processo eletrônico, lamentavelmente não foram antecedidas de
um respectivo estudo de impacto ambiental e de um possível inventário
ergonômico para preservação da saúde dos juízes e dos servidores. Não se
atentou, ainda, para a implementação de ações que suprimam ou mitiguem
os maiores riscos à saúde, advindos da inovação tecnológica no meio am-
biente de trabalho.
É de competência da União, nos termos do Art. 37, § 6º,23 da
Constituição Federal, a responsabilidade por danos ocasionados pelos seus
agentes em face de terceiros. Com mais propriedade, a União se incumbirá
pelos danos que atinjam seus agentes como consequência do uso inadequa-
do de novos meios eletrônicos no meio ambiente de trabalho das unidades
judiciárias24.
O Tribunal Regional do Trabalho (TRT), por sua vez, responde
pela adoção de programas voltados para a higiene e a segurança da ativida-
de laboral, visando ao aperfeiçoamento do novo meio ambiente de trabalho
por intermédio da subtração ou atenuação dos riscos à saúde física e mental
de seus funcionários, sob pena de agir com culpa in vigilando25.
Faz-se necessário atentar que não se deve preterir a garantia fun-
damental ao meio ambiente de trabalho sadio, bem como a preservação da
saúde dos agentes e servidores públicos do Poder Judiciário, por conta da
inserção e manutenção do processo judicial eletrônico.

3.1 Benefícios da virtualização do processo: celeridade e


economia de custos e materiais ambientais

Muitos são os desafios a serem enfrentados pela Justiça brasileira


diante dos novos paradigmas de gestão e métodos de trabalho. Confor-
me visto no presente trabalho, a complexidade da utilização dos processos
virtuais pelos órgãos judiciários não se abstém a eliminar a morosidade
processual, visto que se deve garantir um meio ambiente de trabalho equi-
librado a fim de que se opere o Direito com eficiência por parte dos servi-
dores.
É essencial a análise cautelosa dos benefícios e, posteriormente,
dos malefícios para que se observem os contrapesos da questão em foco,
a partir de seus prós e contras, a fim de harmonizar o meio ambiente do
Judiciário brasileiro.

3.1.1 Celeridade processual

Sem dúvidas, dentre os diversos fatores que justificam o empe-


nho do processo judicial eletrônico em nosso ordenamento jurídico mere-
ce destaque a busca pela efetivação da celeridade processual. É de mútuo
consenso que os órgãos judiciais brasileiros lutam diariamente contra os
prazos processuais, porém a morosidade, na maioria das vezes, deixa a
sociedade sem esperança de pleitear seus direitos frente ao Estado.
O Princípio da Celeridade Processual zela amenizar a vagarosi-
dade do trâmite processual brasileiro, garantia que se acredita tornar pos-
sível através da utilização do processo eletrônico. Nessa perspectiva, se
espera que sejam reprimidos prejuízos de âmbito material e psicológico às
partes que entram com litígios judiciais, decorrentes da longa tramitação
processual, realidade vivenciada no Judiciário brasileiro, pública e notória
em nossa sociedade.
Os doutrinadores que defendem o processo digital na esfera ju-
rídica corroboram que ele permitirá o exercício da jurisdição além de uma
ampla simplificação no tocante à comunicação dos atos processuais e a
transmissão de peças processuais, dispensando o uso exacerbado de pa-
pel hoje necessário, o que implicaria em diminuição no tempo despendido
com a comunicação desses atos processuais. A esse respeito, a legislação
abarca diversas alterações procedimentais, criando um novo modo de exe-
cução, transmissão e armazenamento dos atos processuais, com o objetivo
maior de estar “à disposição do sistema judiciário, provocando um desa-
fogo, diante da possibilidade de maior agilidade na comunicação dos atos
processuais e de todo o procedimento”26.
Por intermédio do uso processual em sua modalidade eletrônica,
se erradicará o método de juntadas demasiadamente lento, bem como a re-
alização de “carga” dos autos e juntada física de documentos, fazendo com
que o processo se direcione de modo mais ágil à fase de julgamento.
Paralelamente, poder-se-ia esquivar dos extensos períodos em
que o processo continua em secretarias do juízo à espera da juntada de
documentos, autuação, certificações, entre outros exemplos, à medida que
os serventuários, geralmente em quantidade escassa em comparação ao
volume de processos que diariamente dão entrada no Judiciário, perduram
absortos em diferentes ofícios, também inerentes ao exercício da jurisdi-
ção.
Nessa via, se concretiza a imposição constitucional da razoável
duração do processo, melhorando intensamente a prestação jurisdicional,
além de fornecer uma resposta mais adequada às demandas sociais.
Em fevereiro de 2010, realizou-se pesquisa de opinião com 300
pessoas que se encontravam nos bairros Boa Esperança, em Seropédica;
Flamengo; Centro da Cidade do Rio de Janeiro; Barra da Tijuca; e Alcân-
tara, em São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro. Nessa ocasião, foram
entrevistadas 50 pessoas em cada bairro acima citado. Quando questiona-
das se acreditavam que a utilização do processo digital diminuiria o tempo
de duração do processo na Justiça, 52% dos interrogados responderam afir-
mativamente, enquanto 48% responderam de forma negativa27. As pessoas
entrevistadas aparentavam crer que a virtualização processual é nova for-
ma de vislumbre processual, que simplificaria a consulta, todavia, na visão
do jurisdicionado, não modificaria de maneira significativa a agilidade da
prestação jurisdicional.
Os resultados demonstram a percepção dos indivíduos questio-
nados quanto ao tema, obviamente, já fadigados diante da falta de agilida-
de do Judiciário como prestador de serviço público.

3.1.2 Economia de custos e materiais ambientais

Outro fator de extrema relevância é a possibilidade de redução


dos custos. Tal avanço é almejado por meio da implantação do proces-
so sem autos de papel. Tal vantagem permitirá tornar o processo menos
oneroso aos cofres estatais, aos litigantes e, especialmente, aos recursos
naturais.
Será viável a economia de tempo e custos com transporte e arma-
zenamento porquanto não se precisarão deslocar fisicamente os processos.
Ademais, se diminuirá o valor de operacionalização e gestão das atividades
dos serventuários da Justiça no exercício de suas funções, que poderão
operar em mais de um processo ao mesmo tempo.
Edilberto Clementino (2009, p. 168) disserta que uma das princi-
pais vantagens do processo virtual é que a “distância entre a residência do
titular do direito ofendido e o escritório do causídico, e o réu, e o fórum, e
o tribunal e os tribunais superiores é a mesma: um clique do mouse”. Tal
aspecto procedimental também contribui de forma profícua para a redução
das despesas com processo físico.
O processo eletrônico também propicia a redução da necessida-
de de grandes espaços físicos nos cartórios e escritórios que serviam para
comportar os processos em papéis, isso também se traduz em uma econo-
mia e otimização de espaço.
Outro ponto a ser observado é a economia de cartuchos de im-
pressão, que serão muito menos utilizados, ainda, aqueles que forem real-
mente necessários podem ser reciclados como, por exemplo, o Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro vem praticando. Nesse sentido, afirma o Tribunal
que:

[a] reciclagem de cartuchos, além de ser ecologicamente correta, pode ser classifica-
da como economicamente viável já que para produzir cada cartucho são utilizados,
em média, dois a cinco litros de petróleo e utiliza material plástico, que leva séculos
para se decompor28.

Conclui-se que, com a digitalização dos processos e a sua trami-


tação totalmente digital, não se precisaria da formação física dos autos do
processo com a utilização em grande escala de papel, posto que todos os
procedimentos, certidões e quaisquer outros atos processuais seriam reali-
zados de maneira eletrônica, por meio da rede de computadores, economi-
zando papel, tempo de servidores e, por consequência, gastos.

3.2 Segurança e Medicina do Trabalho: o fator da saúde física e men-


tal no meio ambiente do trabalho do Poder Judiciário

A segurança do trabalho é uma seara multidisciplinar que ob-


jetiva prevenir os riscos oriundos do trabalho. O relacionamento entre o
homem e as máquinas já gerou diversas benfeitorias para a humanidade,
todavia, trouxe em paralelo um enorme número de vítimas portadoras de
doenças incapacitantes ou cuja plenitude física e psíquica foram abaladas.
Entre a variedade de máquinas a que temos acesso na “era da
informatização”, os computadores possuem característica ímpar, visto que
nunca a sociedade desfrutou de um único meio eletrônico que estivesse
presente na vida laboral da maioria dos trabalhadores, independentemente
de seu campo profissional. Assim, vários questionamentos têm sido feitos
no tocante aos perigos advindos do uso de computadores, em especial, aos
riscos denominados ergonômicos29.
A Ergonomia é um ramo autônomo que se debruça sobre o estudo
e a adequação do meio ambiente de trabalho às peculiaridades psicofisioló-
gicas dos trabalhadores a fim de proporcionar conforto, ambiente saudável,
boa qualidade de vida (visto que boa parte do nosso dia se dá no local onde
desempenhamos nosso ofício) e desempenho eficiente.
O ordenamento trabalhista do Brasil considera a essencialidade
dessa ciência e, devido a isso, editou uma norma regulamentadora relativa
ao tema (Norma Regulamentadora n. 17)30. Os riscos intrínsecos ao uso
de computadores, entre os demais riscos ergonômicos, são a exigência de
postura inadequada, o uso de mobília imprópria, a repetitividade de ações
mecânicas, a exposição durante longas jornadas de trabalho, entre outros.
É oportuno mencionar que a Carta Mãe, nos termos do Artigo 7º,
caput e incisos, versa sobre a proteção, saúde e segurança dos trabalhado-
res, in verbis:

Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem
à melhoria de sua condição social:
[...]
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança;
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou peri-
gosas, na forma da lei;
[...]
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir
a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
[...]. (grifo nosso)

Então, para que se impeça que a saúde e qualidade do meio am-


biente dos servidores forenses, expostos à tecnologia, sejam afetadas, é
preciso controlar e avaliar periodicamente os riscos, a partir de programas
que visem garantir a segurança e a saúde por meio da ação de profissionais
especializados. Atenta-se para o fato de que no dia a dia pouco se notam os
pequenos danos, passando às vezes de forma imperceptível, porém a ação
acumulativa pode gerar resultados catastróficos e por vezes irreversíveis.
No tocante específico dos profissionais do Poder Judiciário bra-
sileiro, sabe-se que a partir da virtualização dos processos a prevenção dos
perigos de natureza ergonômica deve ser redobrada, por conta do uso con-
tínuo e diário do computador. Essa preocupação traz benefícios não só aos
funcionários forenses como a toda sociedade que depende da tramitação
processual, pois o bem-estar físico e psicológico do trabalhador implica
diretamente no seu desempenho profissional.
Salienta-se que atrelada à ideia de informatização está a de pro-
dutividade e desempenho. Sobre esse ponto, nota-se um paradoxo: se o
objetivo central da implantação dos processos digitais no Judiciário se dá
por conta da busca da celeridade, bastaria ter máquinas aptas para tanto?
Os responsáveis pelo manuseio, se não gozarem de boa saúde, poderão dar
o respectivo andamento por meio do uso eletrônico?
A pressão enfrentada pelos servidores em vista da frequente exi-
gência de adaptação imediata a novos meios de tecnologia, inseridos fre-
quentemente no ambiente de trabalho, pode ocasionar depressão, estresse,
insônia, entre outros fatores que abalam diretamente a saúde e o desempe-
nho do mesmo.
Uma das patologias profissionais mais costumeiras ao uso de
computadores é a chamada L.E.R. – Lesão por Esforços Repetitivos −,
isso porque ela está associada a toda e qualquer atividade que exija o uso
forçado e contínuo de grupos musculares somado a posturas erradas e não,
exclusivamente, ao uso do computador em si. É fato que, com o uso do
processo eletrônico, os serviços se tornam mais mecanizados, aumentan-
do assim as chances de aquisição da supracitada L.E.R., bem como das
denominadas D.O.R.T. − Doenças Osteomusculares Relacionadas ao Tra-
balho31.
Ademais, a centralização de funções em uma mesa de trabalho
em frente a monitores (um destinado aos autos e outro para a estruturação
dos atos processuais) por longos períodos implica outros fatores também
ligados à ergonomia, como por exemplo: problemas de coluna, de postura;
de dores de cabeça; de circulação sanguínea nos membros inferiores (como
trombose e varizes); de visão e lubrificação dos olhos; de distúrbios no
sono; distúrbios de comportamento; entre outros males.
A intensa exposição ao computador faz com que, de forma ine-
vitável, o usuário pisque menos do que o habitual. Geralmente, o ambiente
do computador é climatizado, fato que contribui para retirada da umidade
do ar tornando-o mais seco, isso favorece a desidratação da córnea, geran-
do a Síndrome da Disfunção Lacrimal – Síndrome do “Olho Seco” e fortes
dores na cabeça. A referida síndrome apresenta diversos graus a depen-
der da intensidade de exposição aos monitores, porém, ainda que de “grau

275
leve”, acaba por alterar o cotidiano e bem-estar de quem a possui. Além
disso, existem outros problemas oftalmológicos de dada origem, a título de
exemplo: coceira, queimação, irritação, olhos avermelhados, visão distor-
cida e desconforto visual após o uso da máquina.
Acerca das corriqueiras dores de cabeça e dos problemas oftal-
mológicos já citados, há um procedimento simples e fundamental para mi-
nimizar tais sintomas: a iluminação adequada do ambiente de trabalho.
Atitudes como organizar o posicionamento das mesas, tendo por base o
local das janelas, a fim de evitar reflexos na tela do monitor e pausas regu-
lares para descanso dos olhos pode gerar a facilidade visual do conteúdo
ali aberto e a melhoria do conforto oftalmológico. Somado a isso, devem-
se cumprir as exigências de exames médicos anuais, inclusos os exames
oftalmológicos.
Outro fator a ser pensado é o mobiliário apropriado para desem-
penho dos ofícios. Entre outros itens, as escrivaninhas, as mesas, as ca-
deiras, os encostos para os pés e os teclados da espécie ergonômica são
caracterizados por sua flexibilidade e ajuste às peculiaridades de cada usu-
ário de acordo com os quesitos: peso, altura, idade etc. A falta da devida
cautela sobre esses fatores ocasiona tormentosos problemas além dos já
aqui apontados. A permanência do funcionário na mesma posição durante
muito tempo, acrescida da má postura, provoca tensões nas articulações,
ligamentos e músculos além de problemas na coluna vertebral. As maiores
consequências na área vertebral são artroses, lordoses, cifoses ou esco-
lioses, bem como surgimento de lombalgia (fortíssimas dores na coluna),
hérnias de disco (saliência do disco) e, até mesmo, problemas estéticos,
como seios caídos e região abdominal proeminente.
Nessa seara, existem técnicas primordiais com a finalidade de
prevenir doenças laborais pelo uso do computador, ainda que tal atividade
homem-máquina desenvolvida em escritórios, órgãos públicos ou até mes-
mo em residências seja aparentemente segura.
Como se é possível notar, a posição do monitor deve estar com
sua parte superior no nível dos olhos; a distância entre o monitor e o usu-
ário deve equivaler à extensão do braço; o monitor deve ser ajustado a
fim de evitar reflexos da iluminação na tela; os pés devem estar apoiados
no chão ou em um suporte; os pulsos devem estar relaxados, porém não
flexionados; se houver entrada de dados, deve ser usado um suporte para
documentos, para evitar os movimentos repetidos do pescoço; o usuário
deve fazer pausas regulares para descanso, levantar, caminhar, exercitar
os pulsos e pescoço com movimentos de flexão e extensão, além de evitar
atender telefonemas enquanto digita para não atrofiar o pescoço devido à
inclinação.
Dentro de todo computador há um componente que emite luz,
podendo esta gerar manchas na pele e alterações no hormônio da mela-
tonina. Conhecida por luz visível, esse tipo de radiação, que também é
emitida pelo sol, causa mudanças no DNA da epiderme, assim como os
raios ultravioletas (UVA e UVB). Cabe dizer que a luz visível de ambientes
fechados, apesar de menos prejudicial do que se exposição à luz solar, pre-
cisa ser aqui referida. Isso porque, de acordo com o FDA (Food and Drug
Administration) – órgão americano que fiscaliza medicamentos e alimen-
tos – oito horas de luz artificial equivalem a um minuto e vinte segundos
de exposição solar, considerando um dia claro de verão.
Como já se viu, a concretização da informatização dos proces-
sos judiciais não passou por um prévio estudo de impacto ambiental, bem
como por exames preventivos acerca da saúde e pelo respectivo inventário
ergonômico do local de trabalho. O uso do computador, nos mais variados
órgãos do Poder Judiciário, afigura-se como tendência irreversível, sobre-
tudo ao vislumbrar as mais novas metas traçadas para o Judiciário por con-
sequência dos processos virtuais.
Comprovando tal afirmativa está o causídico constatado no Rio
Grande do Sul, especificamente no Tribunal Regional Federal (TRF) da
4ª Região. Segundo pesquisa feita durante os meses de maio e junho de
2011, coordenada pelo Juiz Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior,
entre noventa e dois magistrados federais do referido estado, posterior-
mente à implantação do processo eletrônico em zonas judiciárias do TRF
da 4ª Região, evento que se deu no início de 2010. Dos juízes interrogados,
78,89% constataram piora em sua saúde e seu bem-estar laboral com o
processo sem autos de papel; 86,81% sentiram dificuldades oftalmológicas
com o processo virtual; somente 19,10% não notaram dores físicas desde
que iniciaram o uso do processo eletrônico; 95,56% acreditam que o pro-
cesso eletrônico pode agravar sua saúde no futuro, 82,02% estão insatis-
feitos com suas condições de trabalho em relação ao processo eletrônico e,
um dos mais alarmantes dados colhidos: nenhum associado se sente ade-
quadamente orientado para prevenir riscos de saúde advindos do processo
eletrônico32.
Trata-se, antes de tudo, do desafio, que se põe ao Judiciário, de
desenvolver servidores e magistrados, elevando a potencialidade destes,
porém evitando o surgimento e a disseminação dos sintomas molestos nor-
malmente correlacionados com a má utilização de computadores. Decerto,
a meta maior é priorizar a saúde, concretizando a defesa da vida e se empe-
nhando para a efetividade do Primado da Dignidade da Pessoa Humana.

4 A ESSENCIALIDADE DE EXAMES PERIÓDICOS PARA PRE-


VENÇÃO DE DOENÇAS DECORRENTES DO USO EXCESSIVO
DO COMPUTADOR E ASPECTOS ERGONÔMICOS

Tendo em vista, portanto, a necessidade de combater os efeitos


nocivos do uso contínuo de computadores pelos servidores do Poder Judi-
ciário, é que se deve proceder a uma análise multidisciplinar do problema
apresentado. É necessário verificar como a medicina do trabalho e as nor-
mas de segurança para o trabalhador têm contribuído para a correção des-
ses efeitos negativos na saúde do trabalhador que utiliza os procedimentos
eletrônicos durante o labor judicial. Não obstante o fato de que a virtuali-
zação do Poder Judiciário possa trazer benefícios como maior celeridade
dos atos processuais, não se mostra o melhor caminho ignorar os efeitos
negativos que essa mudança pode acarretar à saúde dos trabalhadores.
Deve-se salientar, ainda, que os danos ocasionados não se limi-
tam somente ao âmbito físico. Além dos problemas ergonômicos, também
é afetada a estrutura do trabalho do ser humano, uma vez que a automação
passa a ser um objetivo a ser atingido e não um meio através do qual suas
atividades criativas deveriam ser desenvolvidas de forma diferenciada.
Esta crítica aponta para o perigo de que as novas tecnologias afetem as
atividades cognitivas dos servidores e os reduzam a meros alimentadores
do sistema informático, além da diminuição do contato entre as pessoas,
servidores e advogados, por exemplo33, comprometendo-se a humanidade
e a relação entre as pessoas no ambiente forense.
Partindo dessa premissa, no sentido de desenvolver uma análise
crítica a respeito das possibilidades do fenômeno em estudo, serão desen-
volvidos essencialmente dois tópicos que se mostram relevantes para esta
mudança de postura no desenvolvimento de atividades que utilizem os pro-
cessos judiciais eletrônicos. O primeiro refere-se à necessidade de realiza-
ção de um levantamento periódico da situação ergonômica dos servidores
que lidam diretamente com o processo judicial virtual, a fim de que sejam
conhecidos os principais efeitos negativos à saúde do trabalhador no que se
refere à ergonomia. O segundo ponto a ser abordado, por sua vez, refere-
se à demonstração da essencialidade de exames periódicos que atestem o
status da saúde do trabalhador e que disponham de ferramentas que auxi-
liem na prevenção e mitigação desses danos. As duas medidas propostas,
portanto, constituem-se da aplicação concreta do Princípio da Prevenção
no meio ambiente do trabalho. O Princípio da Prevenção é amplamente
adotado no que se refere à proteção do meio ambiente de modo geral.
Tendo em vista que, neste trabalho, adotamos a classificação de
meio ambiente do trabalho como vertente do Direito Ambiental, infere-se
que, necessariamente, está legitimada a aplicação do Princípio da Preven-
ção em sua consecução. Nesse sentido, o Princípio da Prevenção aponta
para a necessidade de evitar danos advindos de situações que podem ser
previstas e evitadas, dada a certeza científica possível de ser determinada.
Enquanto o Princípio da Precaução atua na gestão de riscos “hipotéticos”,
o Princípio da Prevenção atua para evitar riscos “certos”34.
No presente caso, nota-se que há mecanismos dispostos pela me-
dicina do trabalho e pelas normas trabalhistas aptos à verificação da situa-
ção e que podem oferecer certeza científica à análise e demonstrar os riscos
concretos inerentes à atividade do servidor envolvendo processos judiciais
eletrônicos. Dentre essas maneiras de averiguar a concretude dos danos,
destacam-se duas possibilidades: a verificação periódica da ergonomia dos
servidores e a realização de exames médicos periódicos para atestar os
possíveis danos.

4.1 Verificação periódica da ergonomia do servidor

Primeiramente, a fim de demonstrar a importância do acompa-


nhamento das condições ergonômicas dos servidores, é preciso conhecer
o conceito de ergonomia. Segundo a Associação Brasileira de Ergonomia
(ABERGO),

[Ergonomia é] uma disciplina científica relacionada ao entendimento das interações


entre os seres humanos e outros elementos ou sistemas e à aplicação de teorias, prin-
cípios, dados e métodos a projetos, a fim de otimizar o bem-estar humano e o desem-
penho global do sistema35.

Assim, a Ergonomia visa conceber ações e condições de trabalho


que não alterem a saúde dos trabalhadores, além de também constituir um
elemento fundamental para a manutenção da atividade econômica, melho-
rando a produtividade e reduzindo índices de retrabalho e absenteísmo36.
A ABERGO classifica, ainda, a Ergonomia em três tipos possí-
veis: a) a ergonomia física (relacionada às questões de anatomia humana,
fisiologia e biomecânica); b) a ergonomia cognitiva (percepção, memória,
raciocínio e etc.) e; c) ergonomia organizacional, que se refere à otimiza-
ção dos sistemas sociotécnicos, das estruturas organizacionais, políticas e
demais processos, também conhecida como macroergonomia37.
Apesar dessa classificação, Moresco e Schurhaus38 consideram
que, hodiernamente, o núcleo de preocupação da ergonomia, volta-se para
os conjuntos constituídos pelos sistemas de produção automatizados e
complexos informatizados na prestação dos serviços. É justamente ao que
se refere a este núcleo que se voltou a discussão no presente texto. Foram
justamente os desajustes neste âmbito que revelaram a necessidade de ob-
servância dos aspectos ergonômicos na atividade laboral dos servidores do
Poder Judiciário, que envolva processos eletrônicos.
Conforme já observado e demonstrado, nas profissões de longa
permanência diante do computador, é comum a apresentação de sintomas
de degradação da saúde do trabalhador. No entanto, não é comum que se
encontrem estudos aprofundados em relação a esses danos nos servidores
que trabalhem com processos judiciais eletrônicos, até mesmo conside-
rando-se a atualidade do tema. Não obstante, essa análise pode ser feita
por meio da observância dos malefícios que essas condições de trabalho
acarretam em atividades análogas, como por exemplo, os bancários, digi-
tadores, operadores de telemarketing, entre outros.
No que se refere especificamente aos processos judiciais eletrô-
nicos, há que se destacar como marco a criação do sistema SAJ (Sistema
de Automação da Justiça), que modificou sobremaneira o Poder Judiciário
brasileiro. Esse fato é corroborado por Moresco e Schurhaus39, que de-
monstram que atualmente o sistema é utilizado nos cartórios judiciais, ga-
binetes de magistrados e demais setores de fóruns e tribunais (em primeira
e segunda instância), de modo que desde as etapas de cadastro e distribui-
ção até o arquivamento do processo são controlados por esse software.
Agregue-se a esse fato, a possibilidade de consulta integral dos autos pelo
computador. Todas essas funcionalidades, por si só, já denotam o excessi-
vo tempo de exposição ao computador que o servidor enfrentará, de modo
que se torna necessária a verificação dos aspectos ergonômicos envolvidos,
que podem comprometer a saúde do trabalhador e, por consequência, os
resultados das atividades no âmbito do Judiciário.
Na Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452 de
1943), em seu Capítulo V, a partir do Artigo 154, estão dispostas normas
gerais sobre segurança e medicina do trabalho. Em matéria de ergonomia,
no entanto, deve-se consultar a Norma Regulamentadora (NR) n. 17.
Segundo o Ministério do Trabalho, a NR foi elaborada inicial-
mente, visando à grande quantidade de casos de enfermidades entre traba-
lhadores que realizavam digitação e afins:

Em 1986, diante dos numerosos casos de tenossinovite ocupacional entre digitado-


res, os diretores da área de saúde do Sindicato dos Empregados em Empresa de
Processamento de Dados no Estado de São Paulo – SINDPD/SP fizeram contato com
a Delegacia Regional do Trabalho, em São Paulo – DRT/SP, buscando recursos para
prevenir as referidas lesões.
Foi constituída uma equipe composta de médicos e engenheiros da DRT/SP e de
representantes sindicais que, por meio de fiscalizações a várias empresas, verificou
as condições de trabalho e as repercussões sobre a saúde desses trabalhadores, uti-
lizando a análise ergonômica do trabalho. Em todas as avaliações, foi constatada a
presença de fatores que sabidamente contribuíam para o aparecimento das Lesões
por Esforço Repetitivo – LER: o pagamento de prêmios de produção, a ausência de
pausas, a prática de horas-extras e a dupla jornada de trabalho, dentre outros.

Portanto, nota-se que a observação concreta de danos à saúde dos


trabalhadores, especialmente em ambientes fechados que utilizam digita-
ção, constituiu um dos principais fatores para o estabelecimento de normas
de segurança que procurassem evitar tais danos.
No que se refere ao trabalho do serventuário da Justiça, que lida
com processos eletrônicos, é possível aplicar a NR n. 17, primeiramente,
no que se refere à adequação do mobiliário para a execução das tarefas:

17.3. Mobiliário dos postos de trabalho.


17.3.1. Sempre que o trabalho puder ser executado na posição sentada, o posto de
trabalho deve ser planejado ou adaptado para esta posição.
17.3.2. Para trabalho manual sentado ou que tenha de ser feito em pé, as bancadas,
mesas, escrivaninhas e os painéis devem proporcionar ao trabalhador condições
de boa postura, visualização e operação e devem atender aos seguintes requisitos
mínimos: a) ter altura e características da superfície de trabalho compatíveis com o
tipo de atividade, com a distância requerida dos olhos ao campo de trabalho e com
a altura do assento; b) ter área de trabalho de fácil alcance e visualização pelo
trabalhador; c) ter características dimensionais que possibilitem posicionamento
e movimentação adequados dos segmentos corporais. (grifo nosso)

No caso dos servidores em estudo, veja-se que esses executam


suas tarefas sentados, de modo que, nessa situação, é atribuída a obser-
vância de tais normas, tanto por parte dos servidores como por parte dos
empregadores, cabendo a estes prover os recursos necessários para que o
mobiliário esteja adequado às necessidades dos funcionários.
Nos itens que seguem a NR, também é exigido que os assentos
utilizados nos postos de trabalho atendam a requisitos mínimos de con-
forto, como altura ajustável à estatura do trabalhador e à natureza da fun-
ção exercida; pouca ou nenhuma conformação na base do assento; borda
frontal arredondada; encosto com forma levemente adaptada ao corpo para
proteção da região lombar, além de apoio para os pés.
Especificamente no que se refere ao trabalho envolvendo digita-
ção e leitura eletrônica, a NR n. 17, estabelece o seguinte:

17.4.2. Nas atividades que envolvam leitura de documentos para digitação, datilogra-
fia ou mecanografia deve:
a) ser fornecido suporte adequado para documentos que possa ser ajustado propor-
cionando boa postura, visualização e operação, evitando movimentação frequente do
pescoço e fadiga visual;
b) ser utilizado documento de fácil legibilidade sempre que possível, sendo vedada
a utilização do papel brilhante, ou de qualquer outro tipo que provoque ofuscamen-
to.
17.4.3. Os equipamentos utilizados no processamento eletrônico de dados com ter-
minais de vídeo devem observar o seguinte:
a) condições de mobilidade suficientes para permitir o ajuste da tela do equipamen-
to à iluminação do ambiente, protegendo-a contra reflexos, e proporcionar corretos
ângulos de visibilidade ao trabalhador;
b) o teclado deve ser independente e ter mobilidade, permitindo ao trabalhador
ajustá-lo de acordo com as tarefas a serem executadas;
c) a tela, o teclado e o suporte para documentos devem ser colocados de maneira
que as distâncias olho-tela, olho-teclado e olho-documento sejam aproximadamente
iguais;
d) serem posicionados em superfícies de trabalho com altura ajustável.
(grifo nosso)

Portanto, para estar adequado às normas relativas ao trabalho


exercido no manuseio de processos eletrônicos, o Poder Judiciário teria
que prover todos esses recursos a seus servidores. Além disso, ainda há
normas relativas aos tempos de pausa para quem trabalha com digitação
que, segundo o item 17.6.4 da NR, é de, no mínimo, uma pausa de 10
minutos para cada 50 minutos trabalhados. Por esses motivos, caberia um
levantamento em todos os âmbitos do Judiciário, a fim de verificar o exato
cumprimento das normas de segurança e determinar os passos em direção
à sua observância integral.
Assim, tendo em vista que o servidor ficará durante muito tempo
à frente do computador, a norma estabelece que deverão ser providencia-
dos equipamentos que permitam a correta postura e posicionamento de
pescoço, mãos, braços, coluna e pernas do funcionário. Além do conforto
corporal, também é necessário resguardar a visão do servidor, uma vez que
terá que fazer exposição diária dos olhos à luz e aos reflexos da tela do
computador.

4.2 Exames periódicos anuais

Para lograr o controle dos danos causados à saúde dos trabalha-


dores, a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Artigo 168, determina
que é obrigatório o exame médico, às expensas do empregador tanto no
caso de demissão (para verificar se a atividade exercida ocasionou danos
à sua saúde), bem como os chamados exames complementares, dependen-
do da situação. O Ministério do Trabalho determina, ainda, a realização e
periodicidade de exames médicos de acordo com o risco da atividade e o
tempo de exposição e etc. (Art. 168, II, § 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da CLT).
A realização de exames periódicos anuais pode diagnosticar da-
nos que venham sendo ocasionados, de modo que, por meio do diagnósti-
co, seja possível interromper o fator que esteja causando ou agravando a
enfermidade no servidor. A aplicação desses exames periódicos correspon-
de à aplicação do Princípio da Prevenção no meio ambiente do trabalho,
conforme já demonstrado anteriormente.
Atualmente, esta necessidade de prevenção de doenças ocupacio-
nais é corroborada pela criação do Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional (PCMSO), que determina a necessidade do Exame Médico
Periódico, conforme a NR n. 17:

7.4.3.2 no exame médico periódico, de acordo com os intervalos mínimos de tempo


abaixo discriminados:
a) para trabalhadores expostos a riscos ou a situações de trabalho que impli-
quem o desencadeamento ou agravamento de doença ocupacional, ou, ainda,
para aqueles que sejam portadores de doenças crônicas, os exames deverão ser re-
petidos:
a.1) a cada ano ou a intervalos menores, a critério do médico encarregado, ou se
notificado pelo médico agente da inspeção do trabalho, ou, ainda, como resultado de
negociação coletiva de trabalho;
[...]. (grifo nosso)

Assim, tendo em vista que a atividade dos servidores da Justiça que


utilizam diariamente os processos judiciais eletrônicos é uma atividade po-
tencialmente causadora de danos à saúde dos trabalhadores, mostra-se ne-
cessária a realização desses exames periódicos como medida preventiva.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A imposição de que o trabalhador esteja em constante adaptação


e aumento de produtividade é consequência da “era da informatização”.
A meta de se findar com a morosidade processual costumeira no Brasil,
apesar de ter grande relevância e ser fundada constitucionalmente, deve
ser exercida com cautela.
O processo judicial eletrônico veio como “uma luz no fim do
túnel” para a sociedade que tanto se sente distante do Poder Judiciário
brasileiro. A simplificação do acesso à Justiça, a economia dos recursos
naturais e a tramitação célere das atividades processuais possibilitadas
através desse instrumento realmente merecem destaque. No entanto, não
se deve olhar algo tão complexo apenas sob uma óptica, visto que o meio
ambiente do trabalho garante ao profissional seu direito fundamental a um
local laboral sadio e que não agrida sua saúde. Assim, o presente trabalho
procurou apontar medidas que possam mitigar os danos advindos do uso
constante dos meios eletrônicos na esfera forense.
Acredita-se que programas voltados à prevenção de doenças
de cunho oftalmológico, circulatório, dermatológico, entre outras, oca-
sionadas pelo uso excessivo do computador, podem auxiliar no controle
e prevenção através de exames periódicos e aplicabilidade de princípios
ergonômicos. Ademais, a Medicina do Trabalho foi criteriosa ao expla-
nar que atividades sujeitas ao extremo desgaste de atividades repetitivas
como: os bancários, os jornalistas, os médicos, os telefonistas devem ter
suas jornadas de trabalho diminuídas bem como devem ser respeitados os
necessários intervalos. Analogicamente os servidores forenses podem ser
inclusos nesse rol exemplificativo, visto que também dispõem de trabalho
centralizado em uma única máquina que exige, portanto, a mesma postura
e os mesmos movimentos durante todo o trabalho.
Conclui-se que atrelada à adoção e implantação dos processos
judiciais eletrônicos no ordenamento jurídico brasileiro está a necessidade
de criação, fiscalização e controle dos riscos oriundos do meio ambiente de
trabalho dos juristas do Brasil. Desse modo, poder-se-ia analisar e acom-
panhar o curso de tal procedimento e suas respectivas consequências da
virtualização processual sem que, para tanto, já se tenham danos em nível
irreversível.
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ACIDENTES DE TRABALHO EM SERVIDORES PÚBLICOS: UMA
ANÁLISE DO PROCESSO DE NOTIFICAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
DE MINAS GERAIS

1. INTRODUÇÃO

Os acidentes de trabalho no Brasil são considerados como o maior agravo à saúde dos
trabalhadores. Segundo dados divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT),
em 2008, o Brasil é 15º país no ranking mundial em número de acidentes do trabalho em
geral, sendo o quarto país em número de acidentes com morte (SOBRINHO, 2010).
Porém, sabe-se que as estatísticas brasileiras sobre acidentes de trabalho são precárias,
visto não abarcarem o setor de trabalho informal, os trabalhadores previdenciários autônomos,
proprietários e empregados domésticos, além do funcionalismo público militar e civil.
Ademais, a subnotificação também impacta nas estatísticas sobre acidentes, especialmente
naqueles de menor gravidade e, nos casos de ocorrências em áreas menos desenvolvidas,
inclusive de acidentes graves (BINDER e CORDEIRO, 2003).
A notificação é importante porque, na maioria das vezes, os acidentes e doenças
relacionadas ao trabalho são evitáveis e passíveis de prevenção. Além disso, é possível
identificar o motivo pelo qual os trabalhadores adoecem ou morrem, associando esses dados
aos ramos de atividade econômica e aos processos de trabalho, para que possam ser feitas
intervenções sobre suas causas e determinantes (BRASIL, 2013). Em um momento em que o
acidente de trabalho passa a ser visto como um tema fundamental no que concerne à saúde do
trabalhador, torna-se essencial a discussão sobre esse assunto, como modo de fortalecer os
instrumentos para prevenção e intervenção, auxiliando na elaboração de novas estratégias de
gestão.
Apesar da importância da notificação dos acidentes de trabalho, independentemente de
sua natureza, o total desconhecimento sobre o que acontece no setor informal da economia
brasileira soma-se ao fato de que, no setor privado, as pessoas podem se sentir desencorajadas
a notificar acidentes de trabalho, com medo que isso possa prejudicar suas relações com o
empregador. Nesse caso, a questão da instabilidade no emprego pode ser um fator importante
na tomada de decisão. Em contraposição, no setor público, mesmo que a estabilidade no
emprego não seja um determinante importante, caso o acidente não incapacite o servidor de
desempenhar suas atividades, esse pode se sentir desmotivado a notificar o acidente, seja por
desinteresse, por falta de esclarecimento ou por achar que aquela informação não iria se
traduzir em transformação em seu ambiente de trabalho.
Para Carneiro (2006), existem poucos trabalhos que relatam experiências em
desenvolvimento de ações de prevenção de doenças e promoção à saúde dos servidores
públicos. Em geral, a perícia médica, por obrigação legal, é a única atividade realizada, ou
seja, a ação no controle da ausência ao trabalho.
O desconhecimento sobre o real contexto no qual se inserem os acidentes de trabalho
exprime a limitação das análises sobre o tema. As análises, quando existem, enfocam a
subnotificação e estão centradas principalmente no setor privado. Pouco se sabe dos acidentes
de trabalho no setor público, de como esses são tratados e registrados. Assim, analisar a
problemática dos acidentes de trabalho entre os servidores públicos é especialmente relevante
nesse contexto de valorização das ações de prevenção de doenças e promoção à saúde, no
qual os processos ainda são regidos por regulamentos vinculados a um pensamento teórico
focado no indivíduo e, em especial, na compensação dos danos causados pelos acidentes de
trabalho.
Dada a escassez das discussões e informações sobre acidentes de trabalho entre os
servidores públicos, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, o objetivo deste estudo foi
analisar o tratamento dessa questão pela Administração Pública direta, autárquica e
fundacional de Minas Gerais em relação aos seus servidores, atentando-se para situações que
versam sobre as notificações dos acidentes.
Nesta pesquisa, foram analisados a legislação vigente e os procedimentos adotados para
caracterização e prevenção de acidentes de trabalho no serviço público mineiro, com vistas a
compreender em que medida esses fatores colaboram para a subnotificação dos acidentes de
trabalho entre os seus servidores. Buscou-se também discutir de que maneira o tratamento da
questão dos acidentes de trabalho pelo estado de Minas Gerais está alinhado aos objetivos
estratégicos do governo.
O artigo tem a seguinte estrutura, após essa introdução, a seção 2 apresenta o referencial
teórico de suporte à pesquisa empírica. A metodologia e os resultados são apresentados nas
seções 3 e 4, respectivamente. Encerra-se com as conclusões na seção 5, seguidas das
referências.

2. REFERENCIAL TEÓRICO:

2.1. O Campo da Saúde do Trabalhador

Desde o surgimento da problemática saúde-doença no contexto do trabalho, as


concepções e práticas adotadas se desenvolveram muito. A medicina do trabalho, enquanto
especialidade médica, surgiu com a Revolução Industrial, na primeira metade do século XIX,
na Inglaterra. Com a implantação de novas tecnologias, os trabalhadores estavam submetidos
a um processo acelerado de produção, que colocava em risco a reprodução da força de
trabalho e, consequentemente, do sistema de trabalho adotado. Naquele contexto, nascem os
serviços de medicina do trabalho que tinham como objetivo proteger os interesses do
empregador. Essa atividade era centrada na figura do médico, que se tornava o responsável
pela prevenção dos danos à saúde resultantes dos riscos do trabalho (MENDES e DIAS,
1991).
Para Mendes e Dias (1991), a adaptação física e mental dos trabalhadores pautava-se na
seleção daqueles menos propensos ao absenteísmo e colocação desses em lugares ou tarefas
correspondentes às aptidões, além da análise das doenças, faltas e licenças da força de
trabalho já alocada. A medicina do trabalho se conformou como uma atividade
essencialmente médica, com o cerne de sua prática fundamentado nos locais físicos - e não
nos processos - de trabalho. Ademais, a concepção médica adotada era mono-causal, sendo
que para cada doença haveria um respectivo agente causador. A prática médica no ambiente
de trabalho era pautada no isolamento de riscos específicos e na atuação sobre suas
conseqüências, vinculando os sintomas encontrados a uma doença legalmente reconhecida
(MENDES e DIAS, 1991, MINAYO-GOMEZ e THEDIN-COSTA, 1997; ALVES, 2004).
A partir do início do século XX, a saúde no trabalho torna-se uma questão social e a
patologia do trabalho ganha destaque na saúde pública e na medicina legal. A partir de então,
emerge o modelo da Saúde Ocupacional, no qual a relação trabalho-doença passa a ser
compreendida de modo que o trabalho (especialmente o local de trabalho) contribui para a
doença e a doença prejudica o trabalho. Esse modelo vai se consagrar, sobretudo, nas grandes
empresas, com a organização de equipes cada vez mais multi-profissionais, buscando
relacionar o ambiente de trabalho e o corpo do trabalhador. Essa vertente enfatiza a higiene
industrial, reconhecendo, avaliando e controlando os riscos ambientais – físicos, químicos,
biológicos e ergonômicos – que podem ocasionar alterações na saúde, conforto ou eficiência
do trabalhador. A avaliação tem como base a clínica médica, mas também contempla fatores
ambientais e biológicos de exposição e efeito, com vistas a intervir nos locais de trabalho e
controlar os riscos ambientais (M
2004).
O desenvolvimento da saúde ocupacional ocorreu tardiamente no Brasil. Segundo
Mendes e Dias (1991), na legislação, a saúde ocupacional expressou-se na regulamentação do
Capítulo V da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), relativo à Segurança e Medicina do
Trabalho, especialmente na norma que institui a obrigatoriedade de equipes multiprofissionais
em ambientes de trabalho e na avaliação de riscos ambientais, e adoção dos limites de
tolerância, entre outras. Medidas que deveriam assegurar a saúde do trabalhador restringiam-
se a intervenções pontuais sobre os riscos mais evidentes. Ademais, a normatização das
formas de trabalhar consideradas seguras imputou aos trabalhadores os ônus por acidentes e
doenças, concebidos como decorrentes da ignorância e da negligência (MINAYO-GOMEZ e
THEDIN-COSTA, 1997).
Segundo Mendes e Dias (1991), o modelo da saúde ocupacional mantém o foco
conceitual no trabalho em detrimento do setor da saúde e, de forma análoga à medicina do
trabalho, continua a abordar os trabalhadores como “objeto” das ações de saúde, mesmo
quando enfoca a questão do coletivo de trabalhadores.
Em meio às críticas à Saúde Ocupacional, surge o paradigma da Saúde do Trabalhador,
marcado pela busca da compreensão das relações entre o trabalho e a saúde (ou a doença) dos
trabalhadores, por meio de uma abordagem multidisciplinar e intersetorial das ações,
pautando-se em conhecimentos oriundos de disciplinas como: medicina social, saúde pública,
saúde coletiva, clínica médica, medicina do trabalho, sociologia, epidemiologia social,
engenharia, psicologia, entre outras. A saúde do trabalhador tem como fundamento a
construção de um saber e de um saber-fazer interdisciplinar, que se diferenciam de uma ação
centrada no conhecimento médico ou nos saberes divididos em especialidades que compõem
uma equipe multiprofissional (MENDES e DIAS, 1991; MINAYO-GOMEZ e THEDIN-
COSTA, 1997; ALVES, 2004).
Ao avançar em relação aos modelos anteriores, e longe de estar focado na reparação de
eventuais danos à saúde do trabalhador, esse paradigma busca a mudança efetiva das
condições de trabalho. Nesse contexto, conforme apontado por Alves (2004), uma das práticas
que mais se destacam em saúde do trabalhador é a da vigilância em saúde. A vigilância em
saúde pode ser entendida como um conjunto de ações contínuas e sistemáticas, que possibilita
detectar, conhecer, pesquisar, analisar e monitorar os fatores determinantes e condicionantes
da saúde relacionados aos ambientes e processos de trabalho, e tem por objetivo planejar,
implantar e avaliar intervenções que reduzam os riscos ou agravos à saúde (CARNEIRO,
2011).

2.2.Concepções sobre Acidentes de Trabalho


Os acidentes de trabalho sempre estiveram presentes no cotidiano dos trabalhadores,
mas com o avanço do processo de industrialização e da luta operária a partir do século XIX,
tornaram-se um objeto de estudo sistemático. Segundo Machado e Minayo-Gomez (1995), as
primeiras teorias formuladas concebiam os acidentes de trabalho de forma genérica e sob uma
perspectiva eminentemente jurídica. Pautada no entendimento do Estado como mediador
jurídico dos interesses das classes trabalhadoras e das relações de trabalho em geral, as
discussões sobre o tema foram ganhando espaço, ao contemplar teorias voltadas à redução da
responsabilidade do capital sobre os efeitos do trabalho.
As vertentes clássicas de análise dos acidentes de trabalho deram origem a diversas
teorias, dentre as quais desponta a preocupação em encontrar o culpado pelo acidente, tendo
em vista a determinação jurídica da responsabilidade civil. Gamba (2007) destaca que, no
direito brasileiro, a culpa sempre foi o fundamento para a existência da obrigação de reparar o
dano. A teoria da culpa orienta as análises dos acidentes com vistas a atribuir-lhes uma das
causas possíveis, quais sejam, a ação dolosa do empregador, por meio da condição insegura
do trabalho, ou dolo do empregado, por meio do ato inseguro.
A teoria da culpa é amplamente utilizada no Brasil, onde com pequena alteração
pertinente à aceitação da concomitância das perspectivas da condição insegura e do ato
inseguro, são ressaltadas diversas interpretações de culpabilidade, que vão desde a imperícia
do trabalhador, passando pela “acidentabilidade”, pela predisposição aos acidentes em
decorrência de características individuais, até a dicotomia entre fatores humanos e o ambiente
de trabalho, na qual se apóia a legislação brasileira vigente sobre o tema (MACHADO e
MINAYO-GOMEZ, 1995). Ademais, Oliveira (2007) destaca que as explicações dos
acidentes de trabalho, pautadas no ato inseguro e na naturalização dos riscos, estão muito
presentes inclusive na prática discursiva dos trabalhadores.
Conforme relatado por Castro (2001), o fato de o empregador ser responsável pelas
análises dos atos inseguros e condições inseguras agrava a tendência de se mascarar as
responsabilidades patronais fazendo com que o trabalhador seja considerado culpado, até que
prove o contrário. Segundo Sobrinho (2010), calcado nessa perspectiva, o direito
previdenciário brasileiro ampara a total socialização dos riscos acidentários postos aos
empregados. Todavia, não isenta o empregador, caso esse contribua culposamente para a
ocorrência do acidente do trabalho.
De acordo com Sobrinho (2010) e Oliveira (2007), a análise dos acidentes deve se
deslocar para um viés de participação efetiva dos trabalhadores, de compreensão do contexto
e atuação sobre ele.
A compreensão dos matizes teóricos de análise de acidentes de trabalho, que vão desde
a medicina do trabalho até a saúde do trabalhador, é relevante para a análise da atuação do
Estado de Minas Gerais no que concerne ao tema. Todavia, é importante ressaltar que, para o
objeto desse estudo, discutir quem seria o responsável por indenizar os trabalhadores pelo
agravo decorrente do trabalho não faria sentido, visto que a sociedade, representada pelo
Estado, é também empregadora, devendo arcar com os custos do acidente em qualquer
situação. Ademais, a legislação a que os servidores estatutários estão subordinados é diferente
daquela dos trabalhadores regidos pela CLT, que são objeto da legislação brasileira sobre o
tema. Contudo, torna-se essencial trazer à tona toda a discussão acima posta, com vistas a
identificar o discurso vigente nas teorias sobre acidentes de trabalho. Tanto aquelas que
discutem a questão da “culpa” sob influência da concepção da medicina social e da saúde
ocupacional, com o objetivo de reparação do infortúnio e de ressarcimento financeiro ao
acidentado; como o apontamento da saúde do trabalhador como perspectiva de análise para os
acidentes de trabalho, nos permitirá compreender a atuação da Administração Pública mineira
em relação aos acidentes de trabalho entre os seus funcionários.

2.3.Gestão da Saúde do Servidor de Minas Gerais


Em Minas Gerais, a implantação do Choque de Gestão, marca o início de uma nova
forma de gestão fundamentada no planejamento estratégico de longo prazo. Em 2003, o
Governo iniciou o processo de modernização da Administração Pública, conduzido pela
Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG), que alterou o foco gerencial para
o resultado. A primeira fase do Choque de Gestão, compreendida entre 2003 e 2006, priorizou
o rearranjo das contas públicas para alcance do equilíbrio fiscal, sem perder de vista as
inovações na gestão. Em 2007 houve a implementação do Estado para Resultados, segunda
fase do Choque de Gestão, que tinha como objetivo a consolidação e o aprimoramento do
arsenal implantado e a melhoria do desempenho gerencial, com fortalecimento do
alinhamento das ações à estratégia. Essa fase foi sucedida, em 2011, pela Gestão para
Cidadania. Foram introduzidas novas ferramentas gerenciais relativas à área de recursos
humanos no Estado, com vistas a implantar um modelo de gestão de pessoas baseado em
competências, com foco na meritocracia, na valorização contínua e no desenvolvimento do
servidor (NEVES, FRANÇA e VILAÇA, 2012).
Ressaltando a relevância dessa temática para o Governo de Minas, em 2011, por meio
da Lei Delegada nº 179, foi instituída a Subsecretaria de Gestão de Pessoas (SUGESP),
vinculada à SEPLAG. A criação da SUGESP favorece a consolidação de uma política de
gestão de pessoas pautada no alinhamento à estratégia governamental. No contexto atual, no
qual metas institucionais são pactuadas, com vistas ao alcance de resultados efetivos, a
qualidade de vida no trabalho e a saúde do servidor tornam-se essenciais para o alcance dos
objetivos almejados. Segundo Carneiro (2011), as questões relativas à saúde do servidor são
pertinentes à política de gestão de pessoas. Ele ressalta que, embora seja conveniente a
incorporação de diretrizes, concepções e práticas de saúde pública, em especial de saúde do
trabalhador, as ações em saúde do servidor não fazem referência ao Estado enquanto
promotor de políticas públicas, mas ao Estado empregador, que tem responsabilidades
trabalhistas perante os empregados.
Desde 2006, o órgão responsável pelas atividades de prevenção de doenças e promoção
da saúde dos servidores efetivos do Poder Executivo estadual é a SEPLAG, por meio da
Superintendência Central de Perícia Médica e Saúde Ocupacional (SCPMSO). Essa
Superintendência tem por competência normatizar, orientar, implementar e executar as
atividades de perícia médica e saúde ocupacional desses servidores e, desde 2011, está
vinculada à SUGESP, evidenciando a alteração no foco da gestão da saúde do trabalhador
para a área de gestão de pessoas.
A SCPMSO é composta por três diretorias, quais sejam: Diretoria Central de Perícia
Médica (DCPM), Diretoria Central de Suporte Técnico Administrativo (DCSTA) e Diretoria
Central de Saúde Ocupacional (DCSO). A instituição de uma diretoria especificamente
voltada para a saúde ocupacional em 2006 é muito significativa no que concerne ao
deslocamento do foco na doença – via assistência à saúde e ações de fiscalização na perícia
médica – para a saúde – via prevenção e promoção à saúde. A DCSO tem por finalidade
gerenciar as atividades de saúde ocupacional, competindo-lhe, entre outras coisas, normatizar,
orientar, coordenar, supervisionar e executar as atividades dessa matéria, além de realizar
estudos e propor medidas para controle e prevenção de acidentes de trabalho e de doenças
ocupacionais, bem como para melhoria de ambientes de trabalho (MINAS GERAIS, 2011).
Atualmente, a DCSO desenvolve projetos relevantes, porém isolados, na área de saúde
do trabalhador. As ações de maior destaque são a realização de levantamentos ambientais,
com o objetivo de caracterizar funções insalubres ou perigosas para fins de concessão de
benefícios; o Programa de Cessação do Tabagismo, que auxilia os servidores do Poder
Executivo estadual a pararem de fumar por meio de grupos de terapia cognitivo-
comportamental (FIGUEIREDO e SÁ, 2011); o Programa de Saúde Vocal do Professor, que,
até março de 2012, capacitou quase 120.000 professores quanto ao uso da voz, à promoção da
saúde vocal e à prevenção de doenças laríngeas (MOREIRA et al., 2012). Porém, a falta de
uma Política de Saúde do Servidor conduz a iniciativas sem interdependência e de pouca
efetividade no que concerne à prevenção de agravos e à promoção da saúde e da segurança no
trabalho.
Compreender os objetivos estratégicos do Governo, a estrutura organizacional, e as
ações pertinentes à saúde do trabalhador é essencial para avaliar a atuação e as propostas da
Administração Pública frente aos acidentes de trabalho entre seus servidores. A estrutura
organizacional na qual a saúde do trabalhador está inserida, assim como as ações já
desenvolvidas ou projetos em elaboração nessa área, afetam diretamente as questões relativas
aos acidentes de trabalho entre os servidores públicos estaduais, tema mais específico desse
trabalho. Sendo assim, na próxima seção, será apresentada a metodologia empregada para
análise proposta.

3. METODOLOGIA

A pesquisa que subsidiou a elaboração deste trabalho foi pautada na metodologia


qualitativa, por meio de análise documental e de entrevistas semi-estruturadas.
Foi realizada análise documental da legislação que rege as questões referentes aos
acidentes de trabalho entre os servidores do Poder Executivo do Estado de Minas Gerais e da
minuta da legislação que regulamentará a Política de Saúde Ocupacional.
Em avaliação prévia do tema, foi identificado que não há muitos dados consolidados
sobre a temática. A seleção das entrevistas semi-estruturadas mostrou-se adequada para
explorar o tema e conhecer o “estado das artes” do acidente de trabalho para os servidores de
Minas Gerais. Ademais, essa metodologia favorece o alcance de um ambiente informal para a
realização da pesquisa e permite o aprofundamento em determinadas temáticas quando
necessário.
Foram realizadas nove entrevistas, nos meses de outubro e novembro de 2012. Para a
realização das entrevistas, foram utilizados dois roteiros: um para os gestores e médicos de
BH e outro para os médicos peritos do interior. Com a permissão dos entrevistados, todas as
entrevistas foram gravadas. A duração das entrevistas variou de acordo com o roteiro
utilizado e, o ritmo do fornecimento de informações e o aprofundamento possibilitado por
cada entrevistado. Não foi realizada a transcrição do material completo, apenas de alguns
trechos mais relevantes. Por questões éticas, os entrevistados não terão seus nomes
divulgados.
Para obter informações sobre a atuação da Superintendência Central de Perícia Médica e
Saúde Ocupacional (SCPMSO) em relação aos acidentes de trabalho, processos pertinentes a
essa questão e os projetos relativos ao tema, foram convidados a participar da entrevista três
gestores da referida unidade.
Também foram realizadas entrevistas com médicos peritos que realizam ou realizavam
as caracterizações de acidentes de trabalho em Belo Horizonte e nas unidades periciais do
interior. Em Belo Horizonte foram entrevistados dois médicos peritos que possuem larga
experiência no processo de caracterização do acidente de trabalho dos servidores estatutários.
Até agosto de 2012, esses peritos eram responsáveis pelas caracterizações de acidente na
DCPM e, atualmente, um deles continua tratando essa questão na DCSO.
As entrevistas com os gestores e com os médicos peritos responsáveis pelas
caracterizações de acidentes de trabalho tiveram como objetivo compreender o processo atual
de caracterização e as demais ações pertinentes aos acidentes de trabalho na Administração
Pública mineira, assim como captar a percepção dos atores sobre a temática e conhecer as
propostas para essa área.
Com os médicos peritos que atuam nas Unidades Periciais do interior do estado, foram
realizadas quatro entrevistas, com o intuito de captar as informações que eles possuem sobre o
tema, além do conhecimento e percepção sobre o processo de caracterização do acidente de
trabalho.

4. ANÁLISE DOS DADOS


Os dados analisados são pautados na legislação que rege a temática dos acidentes de
trabalho para os servidores do Poder Executivo estadual, assim como nas entrevistas
realizadas. Apesar das entrevistas permitirem vários nuances de análise, nesta pesquisa elas
auxiliam na compreensão dos processos vigentes e da percepção dos entrevistados sobre tais
processos, no levantamento dos projetos desenvolvidos na área e na apuração das ações
pretendidas pela Superintendência Central de Perícia Médica e Saúde Ocupacional em relação
aos acidentes de trabalho.
A análise da legislação, além de informar sobre os procedimentos, tem o intuito de
situar o leitor sobre o atual tratamento dado às questões pertinentes aos acidentes de trabalho
no Estado de Minas Gerais. Para tal, é necessário apresentar a definição legal do conceito de
acidente de trabalho.
Acidente de trabalho é definido no artigo 19 da Lei n.º 8.213 de 1991 como “aquele que
ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal, ou
perturbação funcional, que cause perda ou redução da capacidade de trabalho, temporária ou
permanente, ou ainda a morte” (BRASIL, 1991). Essa conceituação do acidente típico aplica-
se aos trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Nessa Lei, as
doenças profissionais, doenças do trabalho e acidentes de trajeto também são equiparados a
acidentes de trabalho.
Os servidores da Administração Pública direta autárquica e fundacional de Minas
Gerais são regidos por legislação própria, sendo que, além da Constituição de 1988, vigoram e
fazem menção aos acidentes de trabalho a Constituição Estadual, a Lei 869/1952, que dispõe
sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de Minas Gerais (Estatuto do
Servidor), e o Comunicado SCSS nº 02/1996. O conceito de acidente de trabalho adotado na
legislação mineira não se limita às ocorrências que provoquem perda ou redução da
capacidade laborativa ou morte. A concepção mais ampla adotada pelo Estatuto do Servidor
de Minas Gerais abre margem, inclusive, para a caracterização como acidente de trabalho de
agravos leves, que não gerem redução ou perda imediata da capacidade laborativa. O Estatuto
do Servidor define o conceito de acidente de trabalho conforme abaixo:
Art. 108 - O funcionário, ocupante de cargo de provimento efetivo, será aposentado:
d) quando inválido em conseqüência de acidente ou agressão, não provocada, no
exercício de suas atribuições, ou doença profissional;
§ 1º - Acidente é o evento danoso que tiver como causa mediata ou imediata o
exercício das atribuições inerentes ao cargo.
§ 2º - Equipara-se a acidente a agressão sofrida e não provocada pelo funcionário no
exercício de suas atribuições.
§ 3º - A prova de acidente será feita em processo especial, no prazo de oito dias,
prorrogável quando as circunstâncias o exigirem, sob pena de suspensão.
§ 4º - Entende-se por doença profissional a que decorrer das condições do serviço ou
de fato nele ocorrido, devendo o laudo médico estabelecer-lhe a rigorosa
caracterização.
§ 5º - A aposentadoria, a que se referem às alíneas "c", "d" e "e” só será concedida
quando verificado o caráter incapacitante e irreversível da doença ou da lesão, que
implique a impossibilidade de o servidor reassumir o exercício do cargo mesmo
depois de haver esgotado o prazo máximo admitido neste Estatuto para o gozo de
licença para tratamento de saúde.
Art. 170 - Quando licenciado para tratamento de saúde, acidente no serviço de suas
atribuições, ou doença profissional, o funcionário receberá integralmente o
vencimento ou a remuneração e demais vantagens. (MINAS GERAIS, 1952)
O Estatuto do Servidor faz referência aos acidentes de trabalho quando remete à
aposentadoria por invalidez e à licença para tratamento de saúde. Somente no Art. 286, que
foi revogado pelo art. 1º da Lei Complementar nº 70, de 30/7/2003, o acidente de trabalho
volta a ser citado nessa Lei. Esse artigo trata sobre o auxílio-doença e estabelece uma
frequência diferenciada desse benefício para o servidor licenciado em decorrência de acidente
ou moléstia profissional.
Art. 286 - Ao funcionário licenciado há mais de dez meses para tratamento de saúde, é
assegurado o direito, a título de auxílio-doença, à percepção de um mês de
vencimento.
Parágrafo único - Quando se tratar de moléstia profissional ou de acidente, nos termos
do artigo 170, o auxílio-doença será devido após três meses de licenciamento, sendo
repetido quando este atingir um ano.” (Minas Gerais, 1952)
Todos os artigos que fazem referência aos acidentes de trabalho ou doenças
profissionais têm como fundamento a garantia de benefícios e o foco o indivíduo, sem
considerar o ambiente no qual o servidor sofre o agravo e as condições de trabalho às quais
ele está submetido. Além disso, os procedimentos para a garantia desses direitos de que
tratam a legislação em vigor são regulamentados por ato administrativo inadequado,
complexo e pouco acessível. O Estatuto do Servidor determina que o acidente de trabalho,
assim como a doença profissional, deve ser caracterizado por laudo médico.
A documentação que deve ser providenciada consiste em declaração da chefia imediata
do servidor – assinada pela chefia e também por duas testemunhas do acidente devidamente
identificadas pelo nome e pelo MASP (número de matrícula do servidor público estadual),
laudo de exame médico referente ao 1º atendimento recebido pelo servidor após o acidente e
Boletim de Inspeção Médica (BIM) preenchido. Essa documentação deve ser encaminhada ao
setor competente, que, mediante sua análise, poderá ou não caracterizar o agravo como
acidente de trabalho. O servidor deverá comparecer à Perícia Médica, dentro das normas
vigentes, porém a análise realizada é documental. Visto que não há outra norma vigente sobre
o assunto, não está claro se – e em quais situações – a documentação pode ser protocolada por
terceiros. Caso o acidente seja de trajeto, a chefia deve informar se é o percurso habitual do
servidor, se houve registro policial e enviar a xerocópia legível autenticada da ocorrência
policial.
Para a caracterização do acidente, muitas informações são solicitadas sem que haja
formulário próprio para preenchimento pela chefia imediata do servidor ou pelo médico
assistente responsável pelo primeiro atendimento. O BIM é um formulário para uso do serviço
pericial da SCPMSO e também não possui campos específicos para a análise de
caracterização de acidente de trabalho pelos médicos peritos. A falta de formulário para
preenchimento da chefia e do médico assistente pode contribuir para a falta de informações
necessárias, além de tornar o processo mais complexo para os atores envolvidos.
As informações procedimentais constantes no comunicado que estabelece as normas
estão disponíveis no Portal do Servidor desde 2010 e também são encontradas em uma
cartilha da SCPMSO, disponibilizada aos órgãos e entidades do Poder Executivo estadual
(MINAS GERAIS, 2010). A informação sobre a caracterização do acidente de trabalho é
limitada a esses meios e, além disso, não há ações de sensibilização sobre a relevância de
caracterizar acidentes de trabalho. A comunicação do processo não aborda os motivos para se
caracterizar um acidente de trabalho e não atua na sensibilização dos gestores nem dos
servidores públicos sobre o tema. Nesse contexto, há desinformação dos servidores, de suas
chefias, das unidades de recursos humanos e, inclusive, do corpo pericial.
“Não há nenhum processo preventivo, nem educacional. Mesmo no nível de perito de
interior, é muito precária a informação passada para ele, em um suposto treinamento.
Com isso, foi feita uma norma interna que todas as caracterizações são feitas em Belo
Horizonte.” (Entrevistado 4)

As entrevistas realizadas com peritos do interior do estado corroboraram a fala acima.


Todos falaram sobre a atuação da SCPMSO em relação à caracterização e houve conflitos
entre a forma de proceder. Para alguns, o processo é iniciado no interior sendo toda a
documentação solicitada enviada para análise em Belo Horizonte, enquanto outros
entrevistados relataram que realizam a caracterização do acidente de trabalho no interior.
Alguns disseram desconhecer qualquer ação informativa referente ao tema, enquanto outros
relataram haver vasto trabalho de informação.
A questão da informação / comunicação é sensível para os entrevistados, que a apontam
como um fator relevante para a subnotificação de acidentes.
“A gente teria que melhorar o processo de informação com o objetivo de não
prejudicar ninguém, né, ninguém sair prejudicado. Porque existem muitas situações
em que o servidor se acidenta. Ele não é informado, a chefia não se intera, às vezes,
daquele acidente e esse episódio passa desapercebido.” (Entrevistado 3).

Ao ser perguntado se os atores envolvidos são devidamente informados sobre o


processo de caracterização de acidente de trabalho, um entrevistado respondeu:
“Não. E aí foi interessante você falar atores porque não é só o servidor. Existem outros
atores aí nesse processo que também precisam ser instruídos, né. As chefias precisam,
o servidor acidentado precisa, e o próprio perito, né, o próprio serviço de perícia
médica. Ele precisa saber lidar melhor com essas situações.” (Entrevistado 1)

Além da falta de legislação específica, a desinformação dos atores envolvidos no


processo concernente aos acidentes de trabalho foi apontada pelos entrevistados como um
fator relevante para a subnotificação de acidentes. A falta de compreensão sobre as
implicações de se caracterizar ou não, a inexistência de sensibilização sobre o tema e o
desconhecimento sobre o que é acidente de trabalho, sobre a documentação exigida e os
prazos estabelecidos no procedimento de caracterização foram levantados como motivos que
poderiam levar à não caracterização. Algumas dessas falas estão relatadas abaixo:
“Pela desinformação, pela falta de preparo, pela alta rotatividade. Infelizmente geram
situações que não são esclarecidas, que não são documentadas e que poderiam
beneficiar ou não esse servidor ao longo de sua vida funcional .” (Entrevistado 3)

“Acho que por muitas razões: a desinformação é uma delas, acho que alguns por
receio ou por entenderam que aquilo não levaria a nada, não teria nenhuma razão de
ser, não mudaria em nada o contexto.” (Entrevistado1)

A falta de sensibilização sobre o tema colabora, inclusive, para o receio de alguns


servidores em realizar a caracterização. Conforme relatado em entrevista, quando questionado
sobre de que seria o receio em caracterizar o acidente:
“Eu não sei se receio de alguma represália, de aquilo ficar registrado na vida funcional
dele e aquilo ser considerado como alguma coisa desabonadora. Mas, me surpreendeu,
o fato de uma pessoa conhecida nossa, que sofreu um acidente. Ela chegou a fazer
contato com a gente perguntando se ela caracterizasse, ela seria prejudicada de alguma
forma. Então, é surpreendente pensar que as pessoas ainda tenham esse tipo de receio:
vir a ser prejudicada em função da caracterização.” (Entrevistado 1)

Porém, como dito em entrevista, não seria possível, no contexto atual, corresponder à
demanda gerada por ações de informação e sensibilização, visto que o procedimento não está
bem definido. Para isso, é necessário repensar o processo referente aos acidentes de trabalho.
A melhoria do processo foi ressaltada como ponto que demanda atuação do serviço pericial,
além da definição do que se entende por acidente.
“Acho que a gente precisa de ter um procedimento bem definido, bem claro, fácil,
ágil; divulgar esse procedimento, porque não adianta também a gente querer fazer uma
campanha de divulgação, que hoje a gente também não vai conseguir corresponder à
demanda. Digamos que hoje o nosso processo ainda tá um pouco lento, obscuro e
difícil. Então a gente precisaria de dar uma melhorada no processo, fazer essa
divulgação, conscientizar o servidor do que que é um acidente de trabalho, da
importância da gente estar atento ao acidente, que quando você identifica uma
situação de risco e você atua, você evita vários problemas maiores. E mostrar muito
mais o lado da prevenção do que o lado de que o acidente pode vir a gerar algum
benefício ou algum malefício, alguma repreensão do servidor Trabalhar de forma mais
adequada o que o hoje o servidor entende por acidente de trabalho.” (Entrevistado 1)

Não há uma estruturação do tratamento dos acidentes de trabalho, nem das


caracterizações realizadas. Conforme narrado pelo entrevistado ao falar sobre os acidentes de
trabalho na Administração Pública mineira:
“O que tem é o seguinte: ele ainda é mal notificado, ele é mal compreendido, as
vantagens não estão bem colocadas, não há uma prevenção (...). No momento do
admissional no Estado, a pessoa não é alertada sobre os direitos e as vantagens que ela
tem. Então, isso dificulta muito, porque as coisas ainda são feitas de uma forma
empírica, no disse a disse. Não se tem uma informação concreta, no computador, para
todos do Estado.” (Entrevistado 2)

Com o objetivo de revisar e sistematizar o processo de caracterização de acidente de


trabalho, além de alterar o foco de atuação em relação ao tema, no segundo semestre de 2012
a Superintendência Central de Perícia Médica e Saúde Ocupacional redirecionou todas as
atividades vinculadas aos acidentes de trabalho para a Diretoria Central de Saúde Ocupacional
(DCSO). Desde então, essa Diretoria realiza a caracterização dos acidentes de trabalho e está
revisando o fluxo dessa atividade.
“Eles estão trabalhando executando a caracterização, mas eles também ficaram
incumbidos de refazer o processo, né, propor um novo processo, um novo
procedimento, refazer o fluxo, né. Pensar em um formulário, para que a gente possa
padronizar no Estado todo. Então, além de assumir a execução, eles ficaram com a
responsabilidade de repensar o próprio processo de caracterização.” (Entrevistado 2)

Com o deslocamento das caracterizações de acidentes de trabalho para a DCSO, já


foram implementadas algumas mudanças no processo, como a instituição de formulário
próprio para caracterização do acidente de trabalho, para uso interno. Além disso, está sendo
estruturado um banco de dados, com informações de todas as caracterizações de acidentes de
trabalho realizadas.
“Nós agora temos todos os dados. Temos os dados do local, temos os dados do
acidente, e nós temos os dados da pessoa, se ela sempre mexe com aquilo, se ela não
mexe, nós temos a quantidade de treinamento que ela recebeu para aquilo ou não. Um
dos dados que a gente está batendo é o treinamento que ela recebeu para trabalhar
naquele local, se ela foi avisada, se ela foi treinada constantemente, se ela foi alertada
dos riscos.” (Entrevistado 2)

Até então, somente os acidentes de trabalho com instrumentos perfuro-cortantes eram


registrados à parte, possibilitando visualização do número de ocorrências por ano. Conforme
informações dos entrevistados, esses acidentes foram registrados em um caderno desde 1998
e, até a metade de 2012, somavam mais de 400 casos. Mesmo se referindo a um tipo
específico de acidente, acredita-se que o número coletado nesses 14 anos é muito baixo.
Conforme relatado em entrevista, tudo indica que esse número reflita a subnotificação dos
acidentes de trabalho existente no estado de Minas Gerais. A partir da transferência da
caracterização para a DCSO, todas as caracterizações passaram a ser registradas em planilha,
com informações mais completas sobre os acidentes, com o intuito de levantar elementos para
subsidiar a nova legislação e possibilitar, no futuro, o levantamento dos ambientes e situações
que oferecem risco para atuação direcionada à eliminação dos mesmos.
“Havia uma consolidação por parte de quem já mexia com isso com perfuro-cortante.
Atualmente, nós englobamos também à saúde ocupacional, o acidente de trabalho
típico, o acidente de trabalho perfuro cortante, o acidente de trabalho de secreções
contaminada e o acidente de trabalho de trajeto. E fazemos o registro disso tudo e
estamos tentando municiar o computador para a gente ter um estudo mais profundo e
tentarmos melhorar a legislação do Estado.” (Entrevistado 2)

Também foram relatadas ações planejadas de sensibilização sobre acidentes de trabalho.


A DCSO está elaborando um folder informativo e, conforme relatado nas entrevistas, está
planejado o desenvolvimento de esclarecimento sobre o tema por meio de mídia televisiva,
destinado aos servidores públicos estaduais, especialmente aqueles lotados em escolas, que
são a maioria dos funcionários da Administração Pública direta, autárquica e fundacional.
Essas ações corroboram para a elaboração de nova regulamentação para o tema, para
revisão do processo relativo aos acidentes de trabalho e são compreendidas pelos
entrevistados como os primeiros passos para a regulamentação da Política de Saúde
Ocupacional, que ainda não foi publicada.
No contexto atual, foi confirmado pelas entrevistas que a atuação da SCPMSO em
relação aos acidentes de trabalho está restrita à caracterização, que até muito recentemente era
competência da Diretoria Central de Perícia Médica. Tratar acidentes de trabalho no âmbito
da perícia médica corrobora para o desconhecimento sobre sua incidência no Estado, visto
que eventos que não geram afastamento não demandam avaliação pericial e,
consequentemente, tendem a não ser caracterizados.
Nas entrevistas, foi relatada a importância de se notificar todo e qualquer acidente de
trabalho, gerando ou não afastamento do acidentado. Esses eventos podem ser prenúncios de
acidentes mais graves e, seu devido registro, além de garantir direitos ao trabalhador que
porventura tenha sua saúde prejudicada futuramente em decorrência desse fato, pode indicar
situações e ambientes que devem ser avaliados para sanar ou minimizar situações de risco.
Como registro dos eventos que não geram afastamento podem contribuir para a
prevenção daqueles mais graves por meio de uma atuação preventiva, é necessário definir de
modo claro o que é considerado acidente. Essa necessidade foi ressaltada pelos entrevistados.
“O que é que nós vamos considerar como acidente: todo e qualquer evento,
independente de ter gerado afastamento ou um dano? Se sim, então o nosso volume de
caracterização vai aumentar muito. Se não, o que fazer com esses outros casos?”
(Entrevistado 1)

“Eu acho que tem que ficar claro para o servidor, primeiro em que situações que ele
vai procurar, né. Qualquer tombo que ele levar ele vai procurar a gente para fazer a
caracterização? Então, definir claramente o que é que a gente está considerando como
acidente e qual que é o tipo de demanda que deveria realmente ser enviada para cá.
Então, a primeira coisa é definir isso.” (Entrevistado 1)

Uma precondição para se conhecer a incidência de acidentes de trabalho entre os


servidores públicos estaduais, é definir o conceito de acidente de modo claro. Sem que seja
especificado o que deve ser caracterizado como acidente de trabalho, o que deve ser
registrado ou o será desconsiderado nas estatísticas, não será possível conhecer aquilo sobre o
qual se tem o objetivo de agir. Nesse sentido, torna-se difícil, inclusive, fazer ações de
sensibilização.
Atualmente, os casos que não geram afastamento, nos quais o servidor protocola toda a
documentação em tempo hábil e o médico perito estabelece o nexo entre o acidente e o
trabalho é caracterizado como acidente. Porém, conforme relatado pelos entrevistados, a
caracterização desse tipo de evento não é comum. Há subnotificação desses acidentes que não
geram afastamento e, na impressão de entrevistado, essa é maior entre os servidores do Estado
de Minas Gerais que na iniciativa privada.
Ademais, foi também relatado que muitos dos acidentes de trabalho caracterizados são
identificados como tal pelo médico perito que avalia o servidor para fim de licença para
tratamento de saúde. Nesses casos, o médico perito informa ao servidor sobre o procedimento
para caracterização ou encaminha para o setor responsável pelo procedimento. Esse fato
fortalece a hipótese da subnotificação decorrente da falta de conhecimento dos atores sobre o
processo.
A Administração Pública de Minas Gerais não possui dados consolidados sobre
acidentes de trabalho ocorridos entre os servidores. Atualmente, a caracterização é feita em
documento físico pelo médico perito e fica arquivada no prontuário médico do servidor. Há
um sistema eletrônico em desenvolvimento e, após implantá-lo, as caracterizações serão
lançadas em sistema, sendo possível realizar levantamento dos acidentes notificados.
O contexto atual do tratamento da questão não permite um levantamento fidedigno dos
acidentes ocorridos, haja visto a falta de sistematização dos dados, a indefinição do processo e
da conceituação, além da limitação das informações sobre o tema. Além disso, não é possível
avaliar de fato as conseqüências dos acidentes de trabalho, uma vez que os acidentados não
são acompanhados pela Superintendência Central de Perícia Médica e Saúde Ocupacional,
exceto quando comparecem à perícia médica para avaliação de capacidade laborativa para fim
de concessão de algum benefício.
Na legislação existente, as referências aos acidentes de trabalho e às doenças
profissionais têm o foco no indivíduo e seu objetivo principal é assegurar direitos
previdenciários, como integralidade dos proventos em afastamentos temporários do trabalho
ou em caso de aposentadoria decorrente desses agravos. Não há referências às relações de
trabalho que envolvem o acidente, nem à atuação no ambiente, por meio da construção de
registros que possibilitem conhecimento pleno dos acidentes ocorridos para intervenção e
prevenção e, como respaldado pela legislação, para a redução de riscos inerentes ao trabalho.
Em 2012, a SCPMSO pactuou como um dos produtos de seu Acordo de Resultados a
elaboração de uma minuta de norma que institui a política de saúde ocupacional dos
servidores. Para elaborar a norma, a equipe da SCPMSO realizou benchmarking em outros
Estados do Brasil com vistas a conhecer a iniciativas, além de realizar pesquisa bibliográfica
sobre o campo da saúde do trabalhador e sobre a legislação que rege o tema em outros entes
da Federação. Baseadas nas discussões realizadas pelo grupo de estudos formado para esse
fim, a SCPMSO elaborou a minuta de projeto de lei, alinhada com a perspectiva
contemporânea do campo de estudo da saúde do trabalhador (SCPMSO, 2012). Essa nova
perspectiva aponta para um alinhamento das ações aos valores da Secretaria de estado de
Planejamento e Gestão e aos objetivos estratégicos as Subsecretaria de Gestão de Pessoas, por
meio da valorização do servidor. Caso ocorra, essa regulamentação significará um salto
considerável no que concerne aos acidentes de trabalho e à Saúde do Trabalhador na
Administração Pública, alterando a atuação focada na reparação de danos para o
desenvolvimento de ações de vigilância e prevenção de acidentes de trabalho. Contudo, os
achados desta pesquisa apontam que ainda existe um longo caminho a ser percorrido.

5. CONCLUSÃO
Conclui-se que, atualmente, as ações pertinentes aos acidentes de trabalho entre os
servidores efetivos de Minas Gerais são previstas na legislação e têm o objetivo de garantir
direitos previdenciários aos indivíduos acidentados. Há um “vazio legal” no que concerne a
ações de prevenção de acidentes de trabalho para os servidores estaduais. A legislação que
rege o tema, ou a falta dela, deveria proporcionar aos servidores a eliminação ou a redução
dos riscos inerentes ao trabalho, direito previsto constitucionalmente.
Além de não haver uma legislação adequada sobre acidentes de trabalho, os
procedimentos para sua notificação são regulamentados por um ato administrativo precário,
um comunicado, inadequado para tal fim. Além da disponibilização das informações
constantes nesse comunicado na internet, não há outros documentos que acrescentem dados
sobre o procedimento para caracterização ou sobre o que deva ser caracterizado aos atores
interessados. Isso colabora para a existência de um processo que não é bem definido, muito
menos bem informado.
Esse procedimento e, principalmente, os motivos para se caracterizar um agravo como
acidente de trabalho não são bem informados aos atores interessados e tornam-se complexos
devido, inclusive, à falta de formulários próprios. O processo vigente desestimula a
notificação de acidentes leves, que não geram afastamento do trabalho. Contudo, apesar do
processo atual contribuir especialmente para a subnotificação dos acidentes que não geram
afastamentos, conforme entrevistas, há indicações de que todo e qualquer acidente de trabalho
é subnotificado no Estado. O motivo mais recorrente apresentado nas entrevistas foi a
desinformação, a falta de conhecimento do processo.
A regulamentação da caracterização do acidente de trabalho restringe-se ao ato pericial.
Porém, essa temática é essencialmente sensível ao campo da saúde do trabalhador, por meio
de prevenção dos agravos e promoção da segurança e da saúde. Essa atuação é facilitada
quando há um direcionamento que, no caso do Estado, deve ser legal. Atualmente, inexiste
qualquer legislação que discipline sobre matéria de prevenção de acidentes de trabalho para os
servidores do estado de Minas Gerais, sendo a legislação vigente pautada na reparação de
danos já consumados.
Ademais, para que seja possível desenvolver ações de prevenção dos acidentes é
necessário conhecê-los. Para que sejam desenvolvidas ações efetivas, todos os acidentes
devem ser notificados, inclusive aqueles que não provocam danos imediatos. Os registros dos
acidentes devem se aproximar ao máximo do que ocorre na realidade e, para tal, deve-se criar
condições que favoreçam uma notificação sem sub-registros ou sem “super-registros”. Dessa
maneira, é possível mapear de fato as situações de risco e atuar pontualmente nos ambientes
para sua redução.
O processo de consolidação e análise dos dados de acidentes de trabalho é condição
básica para atuar em saúde do trabalhador. Porém, além de haver fatores que desestimulam a
notificação, os dados das caracterizações realizadas não são sistematizados, impossibilitando
análise e mapeamento dos acidentes.
Destaca-se que a área competente pela saúde do trabalhador no Estado reconhece
limitações no tratamento dos acidentes de trabalho e que é necessário mudar o foco da questão
para a prevenção. Além disso, está alinhada com a idéia de que a implementação de políticas
efetivas de prevenção de acidentes de trabalho depende da disseminação de informações e do
conhecimento das taxas de acidentes e suas principais causas, que possibilitam uma atuação
efetiva nos ambientes de trabalho.
Agindo em consonância com essa concepção, a Superintendência Central de Perícia
Médica e Saúde Ocupacional transferiu recentemente a competência da caracterização dos
acidentes de trabalho para a Diretoria Central de Saúde Ocupacional, que, além de executar a
caracterização, ficou responsável por revisar o processo atual e propor nova legislação.
Essa legislação a ser proposta será parte da regulamentação da Política de Saúde
Ocupacional, que terá sua minuta de lei enviada à Assembléia em breve. A temática do
acidente de trabalho, segundo relatos, será uma entre as primeiras a ser regulamentada entre
todas as matérias que perpassam essa Política, com foco não mais na garantia de direitos
previdenciários, mas com o objetivo de criar condições para eliminação dos riscos e reduzir os
acidentes de trabalho.
Atualmente, o tratamento do acidente de trabalho ocorrido entre os servidores da
Administração Pública direta, autárquica e fundacional de Minas Gerais se aproxima da
concepção da medicina do trabalho, focada no indivíduo e na reparação dos danos. A
legislação existente é precária, não garantindo nem direitos constitucionais, como a
normatização com vistas a reduzir riscos. A esperada publicação da Política de Saúde
Ocupacional e sua regulamentação, caso ocorra, deslocará a atenção para as ações de
prevenção, por meio de uma tentativa de alinhamento teórico com o paradigma da Saúde do
Trabalhador e alinhada ao valor destacado no mapa estratégico da SEPLAG de valorização do
servidor, propiciando melhores condições para o alcance dos resultados almejados pela
Administração Pública.
A CONVERGÊNCIA DOS OLHARES

Edith Seligmann-Silva

Este livro traz textos gerados por olhares distintos e, ao mesmo tempo,
convergentes. Temos aqui uma confluência de perspectivas e de saberes. Um encontro
significativo neste país e neste tempo em que tanto os seres humanos quanto os
conhecimentos têm estado tão desencontrados. Deslocamentos constantes;
conhecimentos em mutação, visões de mundo cambiantes e conflitantes. E, aqui,
uma busca de encontro e — quem sabe — de consenso para a invenção da forma de
superar os males que se alastram. O desafio é o enfrentamento da onipotência cega,
arrogante e impiedosa que impulsionou a invasão do neoliberalismo que se apossou
do mundo do trabalho. Um enfrentamento que necessariamente precisa começar a
partir do desmascaramento da retirada de todos os disfarces enganosos e discursos
sedutores dos donos do mundo que encarnam o poder mundializado do capital na
contemporaneidade.
De acordo com as inserções dos autores em diferentes áreas de conhecimento,
enfoques específicos também são assumidos. Alguns autores contemplam mais a
natureza humana, outros, o trabalho e suas mutações; existe quem dirija um olhar
crítico à ciência, ao passo que outros se concentram na política e em como ela se
corrompeu ao ser penetrada por um outro poder — o do dinheiro — para analisar
como ambos se entranharam no mundo do trabalho e nas subjetividades. Enquanto
isso, outro olhar revê a epidemiologia sob a luz da filosofia e outros enfocam a
cultura em transformação também sob um olhar filosófico. A situação de desrespeito
aos direitos humanos e, em especial, aos direitos sociais de cidadania, é perscrutada
mais centradamente pelos olhares dos juristas.
Tentemos ver então o que marca as confluências entre os olhares destes
profissionais e estudiosos que se inserem em campos aparentemente tão diversos.
O foco que no primeiro momento surge explicitado como à relação existente
entre trabalho e saúde logo revela sua complexidade.
Assim, o alvo central das indagações não é simplesmente o da saúde encarada
como questão vinculada à proteção do organismo humano nos ambientes físico,
químico e biológico do trabalho e o atendimento às necessidades do funcionamento
(fisiologia) deste organismo. Pois o que se evidencia como questão central é de outra
TRABALHO, GLOBALIZAÇÃO E SAÚDE
DO TRABALHADOR: PROMOÇÃO DA
SAÚDE E DA QUALIDADE DE VIDA(1)(2)

Manuel Carvalho da Silva

Na minha qualidade de investigador do Centro de Estudos Sociais da


Universidade de Coimbra (CES-UC), tenho estado esta semana a trabalhar aqui
na UNESP, a convite do professor Giovanni Alves, ministrando um minicurso
no âmbito do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, intitulado
“Tópicos Especiais — Trabalho e Sindicalismo em tempos de Globalização” e,
desde ontem, assisti à abertura e acompanhei parte dos trabalhos deste “II
Fórum Trabalho e Saúde: a precarização do trabalho e a saúde do trabalhador
no século XXI”.
Agradeço o convite que me fizeram para integrar esta mesa de encerramento
do Fórum e saúdo, com muito entusiasmo, a amplitude temática, a extraordinária
dimensão disciplinar das diversas mesas e a grande qualidade das comunicações e
debates até agora produzidos. Os organizadores estão de parabéns, tanto mais que
o tema central é de enorme actualidade.
Saúdo todos e todas as pessoas presentes e em particular o Presidente desta
mesa, bem como minha companheira conferencista, a Dr.ª Maria Maeno, de quem
já me deram referências muito elogiosas.
Como foi dito pelo Giovanni, na apresentação inicial, a minha actividade
fundamental é a de sindicalista, enquanto Secretário-Geral da Confederação Geral
dos Trabalhadores Portugueses — Intersindical Nacional (CGTP-IN). A actividade
de investigador é complementar. Faço-a em tempo extra, mas com muito interesse.
A conferência que vou proferir terá, no conteúdo e na forma de apresentação,
traços relevantes dessa mescla de dirigente sindical — componente que naturalmente
emergirá com força — e investigador social. É claro que um dirigente sindical com
muito tempo de actividade e com funções de direcção de uma Central Sindical é,
obrigatoriamente, um actor social e sociopolítico com experiência e aprendizagens
amplas na sociedade.
A apresentação da Conferência está dividida em duas partes: na primeira,
intitulada “A Centralidade do Trabalho em Tempos de Globalização”, tratarei o
lugar e o valor do trabalho no contexto da globalização, o que me leva também a
uma abordagem, embora sintética, de alguns aspectos fundamentais desse processo
em curso; na segunda, procurarei produzir uma reflexão específica sobre as questões
da “Promoção da Saúde e da Qualidade de Vida” no trabalho.

I) A CENTRALIDADE DO TRABALHO EM TEMPOS DE GLOBALIZAÇÃO

Na formação académica (já tardia)(3) que tive e, em particular, na investigação


com vista à minha teses de doutoramento — trabalho realizado entre 2002 e o final
de 2006 —, debrucei-me sobre questões do trabalho e do sindicalismo, partindo do
pressuposto da centralidade do trabalho, mas procurando sempre confirmar esse
lugar central e construir uma proposta específica de arrumação/organização dessa
centralidade. Decorreu daí uma leitura assente em nove (9) componentes, que
sintetizo da seguinte forma:
(i) o trabalho como factor de produção, pois o trabalho é uma actividade
produtiva de criação de valores de uso e de troca;
(ii) o trabalho enquanto actividade socialmente útil, pois ele contribui,
nomeadamente, para a estruturação e organização da sociedade, para o
fornecimento de bens e serviços que harmonizam e qualificam o seu
funcionamento…;
(iii) o trabalho como factor essencial de socialização, sendo que a grande
presença das pessoas no trabalho produz experiências, vivências e processos de
socialização e, por outro lado, o trabalho surge na sociedade actual como o
primeiro factor de inclusão;
(iv) o trabalho enquanto expressão de qualificações, observando-se que as
confirmações e infirmações desta potencial possibilidade estão profundamente
ligadas à valorização do trabalho, das profissões, das trajectórias e das carreiras
profissionais e, ainda, às componentes mais positivas da evolução das formas
de prestação do trabalho;
(v) o trabalho enquanto fonte de emanação de direitos sociais e de direitos de
cidadania, estando plenamente confirmado que a valorização e dignificação
do trabalho constituíram, desde há muito, uma base fundamental da afirmação
dos direitos sociais e das melhores dimensões do conceito de cidadania;
(vi) o trabalho como direito universal, fonte e espaço de dignidade e valorização
humana, numa perspectiva de criação e partilha feitas a partir da capacidade
racional, material, técnica e científica do conjunto dos trabalhadores, e no
respeito entre o individual e o colectivo, entre o direito jurídico e a prática;
(vii) o trabalho (em certas condições) como factor de alienação económica,
ideológico-política e até religiosa, pois o trabalhador não é senhor de
participação activa e decisiva no processo produtivo e no produto, nem na
articulação entre produção e produto e, entretanto, acumula dependências
face ao poder patronal pontenciadoras do tolhimento dos seus horizontes de
vida e geradoras de factores de alienação;
(viii) o trabalho como condição de acesso aos padrões de consumo e aos estilos
de vida, factores que reciprocamente influenciam os comportamentos dos
trabalhadores, quer individual quer colectivamente, sendo de observar, nesta
componente, o importante lugar do salário no patamar de socialização que
cada indivíduo consegue;
(ix) o trabalho como actividade humana que se adapta e valoriza numa
sociedade crescentemente chamada a cuidar do ambiente e dos valores
ecológicos, observando-se, por exemplo, a crescente importância da valorização
da Saúde e Segurança no Trabalho (SST) e do significado dos contextos
ambientais e ecológicos internos e externos às empresas.
Em relação a esta componente, permitam-me expressar um tópico que escrevi
para a minha tese de doutoramento: “a sociedade está crescentemente a ser chamada a
cuidar do ambiente e dos valores ecológicos, mas não responde com eficácia. Vimos
que a concorrência intracapitais destrói emprego e faz proliferar precariedades, ao
mesmo tempo que degrada aceleradamente o meio ambiente. Os trabalhadores
valorizam muito, quer a defesa e promoção da saúde, higiene e segurança no trabalho,
quer as questões mais amplas do ambiente no trabalho. Por outro lado, pudemos
constatar, por um dos estudos de caso, que os indicadores provenientes da forma
como o contexto geográfico das empresas apresenta as condições estruturais e
ambientais, se constituem como dos mais seguros para se saber se essas mesmas empresas
têm futuro. Em conclusão, poderá dizer-se que, em geral, há valorização do ambiente
por parte dos trabalhadores no espaço de trabalho, que existe uma consciência crescente
da sociedade (que é sociedade do trabalho) quanto às questões do ambiente e a valores
ecológicos, mas não há empenho político e mobilização social correspondentes. Nestas
matérias, como noutras, os sindicatos têm excelentes condições, possibilidades e
necessidade de convergência de acção com outros movimentos sociais”.(4)
Da afirmação de centralidade ampla do trabalho, que aqui apresento, decorrem
reflexões e questionamentos a considerar: desde logo, as características e significados
objectivos do enunciado desta centralidade fornecem-nos indicadores para a acção geral
do movimento sindical; revelam-nos indicadores de fragmentações a ter em conta para a
construção de identidades colectivas; sugerem-nos conteúdos para formular e estruturar
reivindicações e propostas mais imediatas e pontuais (conjunturais), quer de carácter
socioprofissional, quer sociolaboral, quer ainda de maior amplitude temática; indicam-
-nos dimensões de participação de actores sociais e políticos, para além dos sindicatos, com
vista a assegurar uma acção de alcance e dimensão estratégicas potenciadoras da obtenção
de resultados; confirmam-nos a existência de uma relação profunda entre os direitos no
trabalho, os direitos sociais, a cidadania, o tipo de Estado e o modelo de sociedade.
Nesta centralidade que enunciei considero o sindicalismo com um espaço e
movimento social específico, que não se deve deixar diluir, mas assumo que a sua
intervenção eficaz passa, também, por articulação da sua acção com a de outros
movimentos sociais e de outros actores sociais e políticos.
O movimento sindical, embora com aquela especificidade, é movimento social,
e um movimento social extraordinariamente importante. Mas ele tem de estar aberto
à observação da existência de conteúdos e condições que surgem, dentro do espaço
do trabalho ou em conexão com ele, que dão origem a outros movimentos sociais.
Daqui decorre a confirmação do interesse de articulação de acção de movimentos
sociais, que é preciso considerar quando olhamos esta centralidade. Surge ali, ainda,
a necessidade de uma atenção de grande exigência às Ciências Sociais na análise do
processo de transformação da sociedade — observar o trabalho com múltiplos
olhares e com cruzamentos multidisciplinares cada vez mais exigentes.
Se fosse assumida a centralidade do trabalho com aquelas componentes, poderia
assegurar-se a valorização do trabalho ao serviço do desenvolvimento efectivo da
sociedade humana. Com a utilização de uma pequena parte da riqueza existente
poderiam criar-se milhões e milhões de empregos dignos e altamente úteis a toda a
sociedade. Nesta perspectiva, relevo a importância do combate pelo emprego
decente, tema tão caro ao actual Director Geral da Organização Internacional do
Trabalho (OIT). Mas é também meu entendimento que este combate pelo emprego
decente terá de implicar um questionamento político profundo, sobre o modelo de
organização da sociedade e o estilo de vida que se pretendem para o futuro.
As teorias que atacam a centralidade do trabalho, expressa ou implicitamente,
procuram acantonar o trabalho debaixo dos paradigmas dominantes da economia
e estabelecer cortes ou distanciamentos entre conteúdos de algumas das componentes
que aqui afirmei. Uma abordagem séria sobre o trabalho, bem como sobre as relações
de trabalho, impõe que se situem e tratem, concomitantemente, as suas dimensões
económica, social, cultural e política(5).
O fundamental das justificações, apresentadas pelo poder político e pelo poder
económico dominantes, para as revisões laborais que vêm sendo feitas nas últimas
décadas, submete-se a argumentos da produtividade e da competitividade
crescentemente centrados nesta, porque discutir a produtividade já pode implicar
alguma discussão sobre a partilha dos ganhos obtidos. Estas imposições de quadros
de relações de trabalho absolutamente debaixo dos paradigmas da economia, ainda
por cima, numa concepção neoliberal, constituem um grave retrocesso civilizacional
e são geradoras de perigosas instabilidades e inseguranças.
O ataque aos conceitos de contrato de trabalho ou de retribuição do trabalho,
consolidados depois da II Guerra Mundial, e a pretensão de dar a mesma dignidade
jurídica aos vínculos de trabalho precários, que historicamente é dada ao trabalho
sem fim determinado e com direitos, constitui uma alteração radical ao Direito do
Trabalho, passando-o à caricatura do que positivamente foi. O Direito do Trabalho
tem de afirmar-se e renovar-se tendo presente a amplitude da centralidade do
trabalho e salvaguardando fundamentos que estão na sua génese.
O Sindicalismo e o Direito do Trabalho foram-se afirmando e obtendo o seu
reconhecimento universal ao longo do tempo e sempre sustentados por duras lutas
sindicais, constituindo as Normas da OIT conquistas fundamentais que ancoram e
estabilizam princípios e práticas estruturantes. Essas normas não sobreviverão a
uma desestruturação ou hipotético desaparecimento do Direito do Trabalho, nem
ao definhamento ou subversão da negociação colectiva a que hoje assistimos, quando
os patrões a procuram reduzir à cartilha de deveres dos trabalhadores para servir os
objectivos financeiros gananciosos dos accionistas das empresas, sempre na imposição
de uma espiral regressiva dos direitos de quem trabalha.
A criação e a afirmação do Direito do Trabalho foram-se estruturando tendo
como “pressupostos” fundamentais nomeadamente: a) que o trabalhador,
individualmente considerado, está na relação de trabalho em posição de fragilidade
perante o patrão; b) para equilibrar essa relação foi reconhecido o direito de
representação e de acção colectiva dos trabalhadores e foram consagrados o Direito
de Trabalho e a Contratação Colectiva; c) decorre daí a existência do objectivo
geral de harmonização no progresso nos processos de regulação e regulamentação
nas relações de trabalho; d) este objectivo sustenta-se no pressuposto de que o
trabalho e as relações de trabalho têm, como já referi, dimensões simultaneamente
económicas, sociais, culturais e políticas.
A nossa luta — de sindicalistas, de académicos e de outros actores sociais e
políticos — para situar e fazer vingar o verdadeiro lugar e valor do trabalho, e
também do Direito do Trabalho, ou para revitalizar o significado e a aplicação das
Normas e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho, obriga-nos a
um olhar muito crítico sobre o processo de globalização em curso.
Nas últimas décadas temos vivido submetidos a determinismos expandidos
por uma globalização capitalista neoliberal e marcadamente belicista que, em
diversos planos, coloca a maioria dos seres humanos debaixo de múltiplas
instabilidades e inseguranças.
A globalização, como entidade suprema que tudo justifica, surge no senso
comum como uma “falsa ideia clara”, é uma espécie de “palavra feitiço”, uma entidade
distante e incontestável que tudo justifica. O pontuar da globalização é marcado
por concepções em que muitas vezes se fala do global para enfraquecer o
universalismo, a multiculturalidade e a multilateralidade, valores indispensáveis a
uma consideração efectiva desse global.
Os poderes dominantes e os seus executores no plano económico, social, cultural
e político vêm utilizando o conceito de globalização de forma amputada e
manipulada, ignorando uma grande parte dos povos, as suas condições e naturais
anseios. Mas esse processo está definitivamente em causa e aí estão os grandes países
emergentes com as suas posições e estratégias a dar-lhe outros sentidos, fazendo
emergir contradições que vão ter de ser resolvidas. Não sabemos como se resolverão,
mas sabemos que uma acção humana consciente e com valores poderá evitar
desastres.
O modelo de sociedade em que vivemos está carregado de individualismo e de
apelos ao consumo, tendo associado um estilo de vida instabilizador dos valores e
das formas de organização e prestação do trabalho, que não é viável no plano
universal. O individualismo institucionalizado que vivemos isola os cidadãos para
os responsabilizar pelas formas mais pervertidas. A convergência deste individualismo
com um consumismo alienante em que nos movemos, aprisiona os cidadãos e as
condições das famílias, desde logo os trabalhadores, para quem a sustentação desta
convergência é assegurada por uma sujeição a condições de trabalho mais instáveis,
inseguras e mal pagas.
Dispomos hoje de mais capacidades e meios económicos, tecnológicos,
científicos e culturais que em qualquer outro período da história da humanidade,
mas o sistema capitalista, que tem sido (em condições concretas que aqui não analiso)
potenciador da criação daqueles meios e recursos, também nega a sua utilização
para todos, e por todos os indivíduos, não permitindo que se potenciem a criação e
valorização de emprego capazes de responder aos desafios que emanam dessa grande
evolução. Este processo secundariza os desafios da inovação social que é a mais
determinante e aquela que pode ajudar a boas opções na inovação tecnológica,
impondo valores e dando dimensão e qualidade à política e às práticas sociais a
todos os níveis, nomeadamente nas formas de organização e prestação do trabalho.
Relembremos que a sociedade moderna foi muito marcada pela conjugação de
impactos do avanço da ciência e da técnica, com as dinâmicas resultantes do
confronto de projectos políticos de estruturação e de organização da sociedade, em
contextos de intensas lutas sociais que sustentaram as condições para as
transformações e mudanças e lhe deram sentido. Os trabalhadores e os seus sindicatos
precisam de reforçar as suas reivindicações e a luta social, mas são precisos projectos
políticos que as enquadrem e potenciem a favor da transformação social e do
progresso.
O fundamentalismo monetarista e essencialmente financeiro que tem imperado
gera uma perigosa desvalorização do trabalho, bem como de muitas das actividades
de produção de bens e serviços úteis à sociedade. O objectivo da obtenção de chorudos
ganhos imediatos para os grandes accionistas e gestores de serviço, subverte os
melhores objectivos da gestão e sacrifica tudo, incluindo o valor produtivo do
trabalho. As precariedades e inseguranças no trabalho resultam essencialmente daqui,
ou seja, da subjugação das formas de organização e de prestação do trabalho à
obtenção imediata daqueles lucros. Afirmo-o sem, contudo, negar a influência e
significado das mudanças tecnológicas, informacionais, comunicacionais e outras
que marcam o caminhar da sociedade nas últimas décadas.
Esta especulação financeira desmedida — num quadro de trocas comerciais
vergonhoso e humilhante para os mais pobres, com uma desregulação perigosa e
uma governação sem moralização — vem impondo instabilização/retrocesso do
papel do Estado ou até de blocos de Estado, como se está a observar na União
Europeia. Assim não é possível construir a “governabilidade” necessária e sustentar
uma eficaz regulação e regulamentação do trabalho.
Neste contexto o capital financeiro autodispensou-se de contribuir com
significado para os orçamentos colectivos (Orçamentos de Estado) e o capital
produtivo procura seguir-lhe as peugadas, colocando em causa a efectividade do
compromisso capital/trabalho — quer na distribuição primária, quer nos outros
níveis de distribuição dos ganhos do trabalho, para a sustentação do que na Europa
tanto referenciamos como Estado Social.
A ausência de estabilidade e segurança dentro e fora do trabalho, a violação
sistemática dos direitos no trabalho e a ausência de uma retribuição minimamente
justa constituem-se como causas directas e fundamentais das desigualdades. Em
conexão com aquelas práticas, surgem rupturas de relações em diversos outros
planos, designadamente roturas de laços indispensáveis entre gerações, afectando
violentamente células ou instituições fundamentais da sociedade, como é a família.
As multinacionais constituem a “entidade” mais determinante não só na
economia, como também na própria estruturação e funcionamento das instituições
(desde o Estado às instituições mundiais). Em 2010, cerca de 50.000 empresas
comandam directa ou indirectamente mais de 2/3 da economia global, sob forte
influência do jogo de especulação financeira em que cada uma delas é uma autêntica
plataforma desse jogo. A partir dessa posição, influenciam todo o resto da economia
e o poder político. Por outro lado, elas procuram impor uma divisão social e
internacional do trabalho adequada à sua estrutura e aos seus objectivos, assente no
desenvolvimento duma espiral regressiva que surge a estruturar os mercados de
trabalho, provocando aprofundamento da segmentação e das precarizações,
enfraquecendo e desestruturando a legislação de trabalho e as relações laborais
estabilizadas pelos Estados e acantonando fortemente os sindicatos.
Os argumentos com que as multinacionais se apresentam, face à possibilidade
de deslocalizações de estruturas produtivas ou de serviços, são fortíssimos e procuram
conduzir os trabalhadores e os sindicatos para discussões limitadas ao campo da
“realidade” consubstanciada nos interesses económicos e financeiros dos accionistas
das empresas, discutidos e tratados de forma absolutamente fechada dentro do
“espaço das respectivas empresas”. Alguma “nova” contratação colectiva é já bem a
expressão deste acantonamento para onde estão empurrados os trabalhadores. A
imposição de tais práticas, que outras empresas procuram seguir, pode acelerar a
destruição de solidariedades e de factores de coesão social e política que se construíram
progressivamente ao longo de quase um século e meio. Essas práticas fundamentam
e concretizam uma espécie de harmonização no retrocesso que se vai impondo na
regulamentação do trabalho e, em particular, na contratação colectiva, tanto no
sector privado como no sector público.
Os trabalhadores e as suas organizações, para terem eficácia na sua acção, têm de
confrontar a profunda manipulação de conceitos que vem sendo feita pelo neoliberalismo.
São manipulados os conceitos de “mudança”, de “conservação”, de “competitividade” e
tratam-se de forma atrofiada, por exemplo, os de “empresa de qualidade” ou o de
“produtividade”. Estes são conteúdos concretos de um debate ideológico muito mais
amplo para o qual tem de ser convocada e mobilizada a sociedade no seu todo. Assistimos
cada vez mais a situações em que as elites políticas (executando os interesses do poder
financeiro e económico) fazem opções de governação com profundo carácter político
(sob um argumentário pretensamente técnico) e com duras implicações para os
trabalhadores e para o desenvolvimento da sociedade, depois convidam os sindicatos e
outros actores sociais e económicos para se comprometerem na sua aplicação como se
essas opções fossem inevitáveis e tudo se reduzisse a um mero processo técnico.
Perante estas constatações, reforço a seguinte ideia: há confrontos que nos
surgem (no senso comum) situados apenas no espaço do trabalho e da actuação dos
sindicatos, a que estes por si só já não podem responder, pois os problemas em
causa, tendo dimensões laborais e sociais genuínas, são já da ordem da política (no
seu todo) e da própria democracia.
Mas não percamos a esperança e tomemos em mãos as conquistas, mesmo que
frágeis e até contraditórias, que se vão conseguindo. Por exemplo, o facto de,
entretanto, haver muitos milhões de seres humanos a usufruir pela primeira vez de
trabalho remunerado, embora para muitos deles mal pago e sem “decência”,
constitui-se como elemento muito positivo para olharmos o futuro. A dinâmica
social e política deste facto propiciará uma melhoria progressiva das suas condições
de vida e vai contribuir para se criarem perspectivas e projectos de sociedade
inovadores e mais solidários.
A concepção de centralidade de trabalho que aqui vos apresentei e a afirmação
de que o trabalho e a regulamentação do trabalho têm, como já repeti, dimensões
económicas, sociais, culturais e políticas a assumir, em simultâneo e de forma
equilibrada, colocam-nos, no imediato, seis “velhos” temas do sindicalismo em
destaque, para se trabalharem no mundo do trabalho actual e “moderno”:
(i) a exigência de novos paradigmas para as políticas de emprego. O emprego
tem de se afirmar como trabalho útil na produção material de bens e serviços,
incluindo muitos novos serviços e actividades que sirvam o desenvolvimento
humano e social das sociedades. Um novo conceito de emprego deve responder
aos grandes avanços consubstanciados no aumento da esperança de vida, no
aumento quantitativo e qualitativo das mulheres no trabalho, nos processos
migratórios crescentes incorporados por algumas novas características, nos
quadros da aquisição e gestão de novos saberes e qualificações que se exigirão ao
longo da vida. Esse novo conceito de emprego é indispensável para responder a
algumas dimensões da actual crise que se continuam a secundarizar: a energética,
a climática, a ambiental, a ecológica, a das trocas comerciais subvertidas.
(ii) combater a precariedade no trabalho e criar novos factores de estabilidade
e segurança. A precariedade do trabalho, sendo um problema laboral, social e
sociopolítico, é também de modelo de sociedade e de estilo de vida. O combate
tem de ser feito nos diversos campos: no da legislação, travando a atribuição
da mesma dignidade jurídica a todo tipo de vínculo de trabalho,
salvaguardando direitos efectivos para todos os trabalhadores, nas práticas e
nas formas de organização do trabalho. A crise que vivemos mostra-nos que
não há emprego que se sustente sem direitos, sem factores de segurança e
estabilidade para o trabalhador que o presta. A agenda da Organização
Internacional do Trabalho relativa ao trabalho digno é, como disse, um
importante instrumento que importa ter presente nestes combates. Ela deve
ser tomada numa perspectiva de harmonização no progresso e ser sustentada
por uma luta sindical que, sem secundarizar a perspectiva reformista, tenha
um forte sentido de classe e afirme rupturas. Numa agenda política de busca de
caminhos alternativos a este capitalismo neoliberal, é preciso questionar e
desarmar a convergência demolidora do consumismo/individualismo (de uma
parte significativa da sociedade) que marcou a parte final do séc. XX, que
continua a condicionar-nos e a colocar milhões e milhões de seres humanos nas
mais profundas instabilidades e inseguranças.
(iii) actualizar e defender o valor do salário. O salário já foi, mas não deve
voltar a ser, um mero subsídio de subsistência. Ele é uma parte da riqueza
produzida pelo trabalhador e a luta a desenvolver deve ser, justamente, a de
propiciar que a riqueza produzida seja mais bem distribuída. Por outro lado,
o salário não é substituível por sistemas de crédito, como vem sendo feito em
muitos países, processo esse que aprisiona (de forma quase absoluta) o
trabalhador nos seus direitos laborais e de cidadania.
(iv) inovar e revitalizar o papel da contratação colectiva. Esta foi, na segunda
metade do século XX, o instrumento de políticas mais eficaz e positivo na
distribuição da riqueza, no conjunto dos países e com governos de diversas
colorações. Deixo-vos três afirmações quanto a caminhos para ressituar o seu
papel, os seus conteúdos e uma acção eficaz das estruturas sindicais: primeiro,
os contratos colectivos de trabalho não podem ser cartilhas de compromissos
para servir a acumulação da riqueza dos accionistas das empresas ou para
organizar a Administração Pública meramente com objectivos economicistas;
segundo, os sindicatos, em particular o sindicalismo de classe, têm de intensificar
a sua acção e o seu afrontamento ao capital para se criarem novas relações de
forças que lhes sejam mais favoráveis; terceiro, para isso é imperioso que, a
partir daquela perspectiva ampla da centralidade do trabalho e da análise dos
seus conteúdos, se desbravem caminhos tendo em vista a construção de novas
identidades colectivas.
(v) o direito ao controle do tempo de trabalho. O tempo é um bem social
fundamental, o mais importante depois da saúde. A gestão unilateral do tempo
de trabalho por parte da entidade patronal infernaliza a vida do trabalhador/
cidadão e da sua família. Essa gestão unilateral e violenta está a desorganizar a
sociedade, a destruir referências culturais e valores fundamentais sem os quais
não existem sociedades verdadeiramente democráticas. Sendo o tempo um
bem social fundamental, a sua gestão tem de servir as dimensões todas da vida:
a social, a económica, a cultural, a do exercício de cidadania, a política.
(vi) afirmar protecção social e os sistemas públicos, solidários e universais de Segurança
Social como elementos estruturantes de uma sociedade democrática desenvolvida.
Há, com certeza, grande conjunto de problemas a analisar e a considerar: problemas
decorrentes da evolução da economia; dos objectivos dominantes no plano político,
cultural, social; da organização da sociedade; da organização e papel da família; da
divisão social e internacional do trabalho; das condições de funcionamento do
mercado de trabalho e das suas formas de organização e prestação; das questões
demográficas; das políticas de saúde no trabalho que é preciso garantir, tendo presente
que o trabalho que realiza as pessoas e lhes garante saúde, é o que, no plano social
e cultural, melhor serve a sociedade e aquele que, a prazo, se torna economicamente
mais vantajoso para o colectivo da sociedade.
Os Sistemas de Segurança Social que temos, por exemplo na Europa, foram
sustentados por opções políticas e culturais, e não “apenas” por meros objectivos
económicos. A contribuição patronal para a Segurança Social, feita a partir da
efectivação da remuneração do trabalhador, constitui uma das garantias-base do
funcionamento dos sistemas que conhecemos na União Europeia. As discussões feitas
sobre o financiamento dos sistemas de Segurança Social têm mostrado que este
compromisso patronal é indispensável e que, se for deslocalizado do ponto da sua
efectividade dificilmente será exequível, pois o capital encontra manipulações no
campo fiscal e noutros que lhe permite fugir a essas responsabilidades. Por outro
lado, para haver um sistema de Segurança Social com estabilidade e sustentado é
preciso termos emprego com direitos (incluindo salário justo) e estabilidade no
emprego. A precariedade é um grande inimigo da Segurança Social.

II) PROMOÇÃO DA SAÚDE E DA QUALIDADE DE VIDA

O conceito de Saúde e Segurança no Trabalho integra a promoção da saúde e


da qualidade de vida, dentro e fora do espaço da prestação do trabalho. A articulação
entre os conceitos de promoção da saúde, de bem-estar e qualidade de vida constituem
sem dúvida uma forte exigência actual.
O ambiente no trabalho (em termos gerais) e o respeito pelos direitos no
trabalho são factores de saúde. Entretanto, a saúde é fundamental para o ambiente
de trabalho e para os objectivos de produtividade.
Como sabemos existe uma evolução contínua nos objectivos da promoção da
saúde no trabalho, que na actualidade se podem situar nos seguintes campos
primordiais: (i) prevenção de acidentes de trabalho e das doenças profissionais — o
número de mortos e incapacitados por acidente é bem mais grave à escala mundial
do que o número de mortos e de feridos em guerras; por outro lado, os organismos
oficiais demoram imenso tempo a confirmar uma doença como doença profissional;
(ii) adaptação do trabalho aos trabalhadores, pois o trabalho tem direitos e deveres
que jamais podem permitir transformar o trabalhador em máquina e é necessário
afirmar que “o trabalho não é uma mercadoria”; (iii) cuidados de saúde primários,
que podem ser mais eficazes se presentes (e efectivados) no local de trabalho; (iv)
promover saúde, bem-estar e capacidade funcional no trabalho; (v) prevenir doença
evitável, lesão e incapacidade nas mais diversas áreas; (vi) prevenir situações
geradoras de absentismo e de perda de produtividade e de competitividade nas
empresas e nos mais diversos serviços públicos; (vii) antecipar ganhos em saúde
(p. ex., eliminar risco cardiovascular, redução de lombalgias, etc.); (viii) reduzir
custos humanos, actuando sobre o custo inerente à efectividade do direito à saúde,
bem como sobre o custo relativo ao benefício obtido.
Um olhar de carácter geral sobre as políticas para a Saúde e Segurança no
Trabalho, a partir da situação concreta que observo em Portugal, conduz-me a
expor quatro considerações fundamentais.
Primeira, as políticas e as práticas seguidas privilegiam a dimensão securitária,
embora venham progressivamente a penalizar de forma crescente os acidentados do
trabalho e as vítimas de doenças profissionais. Contudo tarda, quase em absoluto,
um investimento sério na dimensão saúde voltada para o objectivo preventivo. Direi,
então, ser preciso resolver as insuficiências da dimensão securitária, mas ser imperioso
assumir-se a necessidade de emergência da dimensão saúde.
Segunda, é indispensável a existência de serviços de saúde/médico do trabalho
nas empresas, trabalhar regularmente a informação e a comunicação junto dos
trabalhadores, dar-lhes formação e induzir-lhe responsabilização sobre os riscos
profissionais. A palavra de ordem a sustentar todo esse trabalho deve ser, pois,
prevenir. Para se alcançarem êxitos é indispensável estudar o meio ambiente e os
riscos profissionais nos locais de trabalho, articulando esse trabalho com a acção
das Administrações de Saúde locais.
Terceira, no espaço do trabalho cabe, em primeiro lugar, ao patrão
(empregador) a responsabilidade de promover as condições de trabalho saudáveis e
prevenir as doenças profissionais e os acidentes de trabalho. As normas da OIT e a
legislação específica são muito claras nesta matéria, mas os objectivos do
fundamentalismo económico e financeiro imediatista criam práticas de sinal oposto.
Quarta, uma política que vise cuidar da saúde das pessoas, fora e dentro do
trabalho, é uma obrigação em sociedade democrática: o indivíduo trabalhador tem
de ser cidadão pleno, fora e dentro do espaço de trabalho. Dados o valor e o significado
do trabalho, os cuidados de saúde devem ser reforçados no espaço do trabalho, sendo
certo poder resultar daí vantagens para a produtividade numa perspectiva estratégica,
bem como significativos ganhos para a sociedade, designadamente, em custos
económicos, muitas vezes até num espaço temporal muito curto.
No contexto actual há que colocar as questões relativas à SST numa perspectiva
integrada com os desafios ambientais e ecológicos. A problemática da relação entre
a SHST e o ambiente em geral pode ser vista a partir de diferentes perspectivas mas,
no fundamental, mostra-se ampla e com profundas conexões.
Em grande medida, a abordagem tanto da SST como do Ambientalismo ou da
Ecologia se dirige em relação ao problema da sustentabilidade do actual modelo
(dominante) de desenvolvimento da sociedade. Por um lado, a problemática da
sustentabilidade humana, inserida nos contextos estruturais e organizacionais da
sociedade, das empresas e da regulação e funcionamento dos sistemas laborais; por
outro, o problema da sustentabilidade da sobrevivência e desenvolvimento humanos,
na relação metabólica com a natureza e o meio ambiente.
Isto quer dizer que, tanto o respeito pelo ser humano enquanto trabalhador
como o respeito pelo meio ambiente em que este vive contêm temáticas e possuem
linguagens e objectivos fortemente relacionados e, em muitos casos, comuns.
Podemos dizer que o comportamento cultural que leva as actuais correntes
dominantes na gestão e na organização do trabalho, ao desrespeito pelo trabalhador
e pela sua saúde é do mesmo tipo do comportamento cultural que conduz ao
desrespeito pelo ambiente. No fundo, as duas formas de comportamento revelam
um desrespeito grande pelas condições do meio envolvente, seja o social/humano,
seja o “meio natural”. Elas situam a actividade económica estreitada no objectivo da
rapidíssima obtenção de lucro, muitas vezes cilindrando a dimensão social humana
e do meio ambiente.
Perante esta análise mais se reforça a necessidade de considerarmos, nas nossas
propostas, os sistemas integrados de segurança, ambiente, qualidade e
responsabilidade social, pois numa empresa ou serviço, público ou privado, todos
estes campos ou factores têm uma relação efectiva e vários aspectos em comum. No
plano teórico, a empresa com qualidade é aquela que produz em segurança, com
respeito pela saúde do trabalhador, pelo meio ambiente e pela sociedade onde se
insere. Mas, como já vimos atrás, um dos conceitos hoje muito manipulado é o de
“empresa de qualidade”. Quantas vezes grandes empresas desenvolvem campanhas
de grande impacto público no campo da responsabilidade social, que até as
prestigiam, e, quando se vão analisar as suas práticas, observa-se que não cumprem
direitos fundamentais dos trabalhadores ou responsabilidades perante o Estado.
Outra perspectiva de reflexão que quero partilhar convosco é a que tem a ver
com a agressão ao meio ambiente. O risco laboral que sujeita o trabalhador a um
acidente ou a uma doença profissional — sempre relacionado com o meio ambiente
onde este se insere, como é o caso das actividades ligadas a contaminantes do meio
ambiente, utilizados ou produzidos — é potencialmente nocivo para a comunidade
onde a empresa se insere. Em última instância, poderá dizer-se que, a partir do
momento em que o risco de contaminação ambiental transpõe o ambiente de
trabalho e se integra no meio ambiente da comunidade, passa a ser um risco ambiental
da sociedade no seu todo.
Direi assim que, no plano conceptual (também deve ser prática), a empresa
não pode ser um agente nocivo para o ser humano, para a comunidade e para a
natureza em geral. A empresa deverá ser um agente ao serviço do progresso e do
desenvolvimento social, ambiental e cultural. Isto só será possível através da
educação e, fundamentalmente, da informação e da formação dos trabalhadores
em geral e dos próprios empresários ou gestores, impondo-se, por outro lado, o
cumprimento da lei e a certificação das empresas em normas técnicas que as levem
a adoptar práticas organizacionais saudáveis, para os e as trabalhadoras e para o
meio ambiente.
Tomando observações e análise feitas na primeira parte da conferência,
considero que aqui se apresenta a confirmação de os actuais conceitos de
produtividade e competitividade terem de ser postos em causa, pois eles, em grande
escala, não se mostram compatíveis com estes objectivos. Também se confirma
estarmos desafiados a trazer para o debate novos paradigmas para a economia e
para a concepção estrutural das empresas e, ainda, novos conceitos para o emprego.
A visão economicista dominante acaba por transformar as empresas, muitas
vezes, em parasitas sociais e ambientais. Elas obtêm vantagens materiais imediatas,
que acarretam um conjunto de prejuízos muito pesados para as comunidades
envolventes. Vejamos o caso das empresas que poluem os rios, o ar, os solos e, ao
mesmo tempo, destroem a vida dos seus trabalhadores. Após exploração intensiva,
quantas vezes fecham e deixam atrás de si um rasto de destruição. Alguns desses
prejuízos ou são irreparáveis, à luz dos meios hoje disponíveis, ou serão muito
onerosos para várias gerações.
Permitam-me agora colocar alguma reflexão sobre a relação entre a SST e a
produtividade. O primeiro aspecto desta relação a que dou enfoque é muito simples:
uma pessoa num bom estado de saúde (físico, mental e social) produz em maior
quantidade e com maior qualidade. Está profundamente comprovado que boas
políticas de SST não significam somente mais saúde e mais motivação. Um
trabalhador mais motivado não só produz bem, como inova e atribui mais valor
acrescentado ao que produz. Tenha-se por isso presente a centralidade do trabalho
na vida das pessoas, analise-se essa centralidade nas suas múltiplas componentes e, a
partir daí, trabalhemos as alianças de mobilização social necessárias para criarmos
perspectivas novas de valorizar o trabalho.
Tais objectivos são possíveis através da integração da cultura para a saúde (e
para sua promoção), dando prioridade à prevenção em todas as fases e em todos os
patamares de organização do trabalho de uma empresa ou serviço público. Não
vale a pena ter um sistema de prevenção muito bem delineado, se depois lhe falta a
indispensável participação dos trabalhadores, ou se os critérios de gestão utilizados
são os primeiros a colocar o sistema em causa.
Assegurando, nas empresas e nos serviços públicos, articulação das políticas e
práticas entre as áreas do trabalho e da saúde, com os objectivos económicos a
alcançar, é indispensável garantir: o estabelecimento e efectividade de sistemas de
participação nas empresas, pois são os trabalhadores os que conhecem melhor o seu
“metier” e que podem influenciar positivamente as mudanças comportamentais; o
efectivo cumprimento da legislação; uma boa política nacional de prevenção da
saúde trabalhada na escola, na empresa, na formação contínua dos trabalhadores e
patrões e/ou gestores; eficiência na acção da Inspecção do Trabalho; um
funcionamento efectivo da justiça do trabalho e do sistema de justiça em geral.
Tendo presentes as reflexões e posições que expus, termino esta Conferência
com onze reivindicações/propostas do movimento sindical, no quadro da realidade
política, económica, social e laboral do meu país:
(i) o local de trabalho, por ser um espaço social por excelência, deve ser
privilegiado em relação ao desenvolvimento das estratégias e das práticas das
políticas de prevenção e, em particular, à promoção da saúde, tendo presente
a centralidade do trabalho, que expus. É nele que se faz a parte mais significativa
da vida activa dos e das trabalhadoras. O local de trabalho propicia uma
oportunidade única para integrar programas de protecção e promoção da
saúde e para modificar a estrutura e o ambiente de trabalho, pois é aí que as
evidências surgem em primeiro lugar e podem ter resposta mais eficaz;
(ii) o trabalhador deve promover a sua Saúde (tem esse dever) no seu todo,
também dentro e fora do local de trabalho. É preciso assegurar ao cidadão
trabalhador capacidades para o trabalho e para a vida. Existem os meios técnicos
e científicos necessários e a riqueza produzida pelo trabalho é suficiente para,
entre outros direitos do trabalho, assegurar o direito à saúde, e o trabalhador
deve estar consciente do seu direito/responsabilidade nesta importante área.
(iii) as precariedades, mobilidades e flexibilidades que na actualidade marcam
as prestações de trabalho reclamam (exigem) fornecimento de competências
para garantir a saúde de quem trabalha. As entidades empregadoras e o Estado
têm de agir com princípios éticos que valorizem e promovam a saúde e a
segurança no trabalho. Os impactos e características da globalização sobre os
quais reflecti na primeira parte, o trabalho precário, as alterações demográficas,
os efeitos das novas tecnologias, as mobilidades, o desenvolvimento de novos
serviços versus trabalho industrial (uns e outros carregados de riscos
“tradicionais”) apontam para a necessidade de um acréscimo de investimento
na redução dos riscos na origem. A Carta de OTTAWA, de 1985, entre muitos
outros alertas, refere-nos o peso de novas exigências mentais no trabalho que
provocam stress, ou ritmos de trabalho que se tornam humanamente
insustentáveis. É preciso habilitar as pessoas (trabalhadores) para terem
recursos, poderem tomar opções em tempo útil e fazerem as suas escolhas;
(iv) elevar a cultura para a saúde implica que a abordagem da política de saúde
esteja presente em todos os patamares de decisão estratégica, estrutural e
organizacional, nas empresas e serviços públicos, bem como a efectivação do
dever colectivo das instituições na promoção da Saúde;
(v) as políticas de saúde no trabalho estão no centro dos elementos estruturantes
de uma estratégia sindical. Os conteúdos relativos a essas políticas necessitam
de estar presentes na acção sindical geral que é desenvolvida nas empresas e
serviços públicos, nos processos de negociação colectiva e no diálogo social
mais amplo, espaço este em que os actores sociais não são apenas os sindicatos;
(vi) é muito grande a importância de haver trabalhadores eleitos e
funcionamento regular das comissões para a SST, bem como a existência de
uma acção sindical estruturada neste campo específico na generalidade dos
locais de trabalho. Os programas de trabalho sindical na base devem incluir os
objectivos de qualidade de vida e de bem-estar. No que se refere à saúde
ocupacional, existem objectivos muito concretos a atingir por parte dos
sindicatos: proteger a saúde dos trabalhadores; promover ambiente e práticas
de trabalho sadias e seguras; garantir formas de organização de trabalho
favoráveis à saúde e à qualidade de vida; manter e promover a capacidade para
o trabalho, tendo em vista não apenas o posto de trabalho de momento, mas
também condições indispensáveis para toda a vida activa;
(vii) a abordagem do alcoolismo, do HIV, do tabagismo, da obesidade e de
outros tipos de doenças deve ser conjugada com os planos de reparação das
mesmas, e constituir áreas de trabalho em que as práticas mostram ser possível
estabelecer parcerias de acção dos sindicatos com organizações empresariais e
outras entidades com muito bons resultados;
(viii) manifesta-se uma grande importância e existem possibilidades concretas
de articulação de objectivos e de acções centradas em programas na área da
saúde e outras dos amplos espaços do trabalho — entre a Autoridade para as
Condições de Trabalho, a Direcção-Geral de Saúde e os Serviços Hospitalares.
Pelas práticas desenvolvidas pela CGTP-IN, confirma-se a existência de
vantagens e possibilidades concretas para estabelecer parcerias de êxito entre a
Autoridade para as Condições de Trabalho, as Empresas, as Autarquias, os
Sindicatos, com vista ao desenvolvimento de planos de trabalho de boas práticas
em todas as áreas mencionadas no ponto anterior;
(ix) os médicos de família (saúde familiar) e os de cuidados de saúde primários
devem ter conhecimento e dar atenção aos riscos profissionais e às condições
do ambiente de trabalho e assegurar uma articulação regular com a acção dos
médicos do trabalho, o que na maior parte das vezes não acontece. O cidadão/
trabalhador não pode nem deve ser tratado aos “bocadinhos”. O corpo é um
só e a saúde constitui elemento total da sua existência e actividade, pois ela é o
bem social de maior importância;
(x) é de grande significado trabalhar bem as competências e exigências que se
colocam às Equipas de Saúde Ocupacional: terem lideranças capazes; saberem
definir prioridades de organização, de planeamento e calendarização de tarefas
que são imprescindíveis; assegurar o desenvolvimento dos processos de acção e
condições para se proceder à análise e avaliação de resultados; cumprirem
princípios éticos que garantam aos trabalhadores privacidade e confidencialidade
sobre as suas situações de saúde. Entretanto, as equipas têm de assegurar para
si próprias autonomia, consentimento esclarecido, equidade e independência
face às entidades patronais;
(xi) existe uma necessidade de avaliação regular e também de acção inspectiva
desenvolvidas sobre as práticas seguidas nas empresas e na Administração
Pública. Com a estrutura e instituições que temos em Portugal, essas funções
devem ser feitas com meios e objectivos bem definidos por parte de organismos
públicos a quem estão atribuídas essas funções, com realce para o trabalho da
Autoridade para as Condições de Trabalho.
TRABALHO E SAÚDE
DO TRABALHADOR
NO SÉCULO XXI

125
SER MÉDICO(1)

Maria Maeno

INTRODUÇÃO

Poucos assuntos despertam tanto interesse na sociedade quanto a saúde e,


mais ainda, as doenças. Além dos programas de rádio e televisão, numerosos são
os livros e filmes destinados para o grande público que discorrem sobre histórias
de pessoas de todas as idades que repentinamente veem seu cotidiano conturbado
pelo aparecimento de uma doença grave. As abordagens frequentemente se
referem às reflexões que a pessoa acometida passa a fazer após o diagnóstico, ou
à busca desesperada, e por vezes heroica, da cura ou ainda a descoberta de redes
sociais de suporte. O protagonismo se limita ao doente, às pessoas do círculo
afetivo e às vezes ao médico, cujo papel oscila entre o de um cientista obstinado
e o de um herói.
Na vida real as situações são muito mais complexas e passam por aspectos
estruturais e culturais da sociedade em que vivemos, com múltiplos desdobramentos,
que só podem ser dimensionados e sentidos na sua integralidade pela pessoa afetada.
Os demais envolvidos, sejam familiares, pessoas do seu círculo social, colegas e chefias
das empresas em que trabalha ou profissionais de saúde, terão sempre uma visão
parcial do caso e suas implicações.
Este texto pretende discutir aspectos relacionados à atuação médica em diferentes
papéis sociais, utilizando-se de situações reais de trabalhadores que em determinado
momento se viram incapacitados em continuar a sua rotina laboral e de ações
judiciais.
I) ASPECTOS HISTÓRICOS DA ATUAÇÃO MÉDICA E SUA RELAÇÃO COM
OS TRABALHADORES

Ao analisar os registros da Antiguidade sobre doenças e causas atribuídas pelos


escritores da época, Rosen (1994. p. 37-38) lembra que “os grandes médicos da Grécia
Antiga eram também filósofos naturais”, e os problemas de saúde faziam parte de
um cenário de interesse muito mais amplo, que passava pela compreensão do universo
e pelas relações entre homem e natureza. As alterações de saúde teriam origem na
falta de harmonia entre homem e ambiente, base do livro de Hipócrates Ares, Águas
e Lugares, que não era apenas um tratado teórico, mas uma espécie de manual guia
na avaliação das condições sanitárias das terras que iam sendo colonizadas pelos
gregos em seu processo de expansão desde o ano 1000 a.C. (ROSEN, 1994) Uma vez
que as diretrizes médicas para se ter uma boa saúde baseavam-se no respeito às
necessidades de nutrição, de exercício e descanso, considerando a “idade, o sexo,
constituição e as estações”, torna-se claro que as premissas das boas condições de
higiene da Antiguidade, tanto na Grécia como no Império Romano, se aplicavam às
pessoas da aristocracia.
Os médicos exerciam o seu ofício de maneira itinerante, de cidade em cidade e
se estabeleciam durante um determinado período nos locais onde havia muito
trabalho. Na Grécia, a partir do ano 600 a.C., as comunidades passaram a juntar
dinheiro para pagar os préstimos dos médicos que elas nomeavam, garantindo-lhes
sustento independentemente da época do ano ou da quantidade de trabalho que
tinham. Essa prática se disseminou e o espírito generoso de alguns médicos, que
atendiam sem distinção de classe ou condição social, é lembrado, assim como suas
atitudes solidárias quando nas épocas de epidemias abriam mão dos salários (ROSEN,
1994). A confiança que as comunidades passavam a ter nos médicos se dava pelo
acerto de suas condutas para debelar as doenças que assolavam as diferentes regiões.
A genialidade dos romanos nos quesitos de engenharia e administração,
expressa nos sistemas de extensos aquedutos e esgoto, a cultura dos banhos e a herança
do conhecimento médico dos gregos devem ter evitado, provavelmente, várias
epidemias nos primeiros séculos da era cristã, embora surtos de doenças infecciosas
tenham sido relatados. Quanto à organização da assistência médica (ROSEN, 1994.
p. 43-47), no Império Romano havia os “clínicos municipais”, os médicos privados,
os grupos assalariados ligados à corte imperial e, em alguns casos, a famílias.
Estruturas similares a salas cirúrgicas foram criadas entre os gregos e há evidências
da organização de enfermarias e estruturas hospitalares entre os romanos.
Os relatos da higiene da elite político-econômica eram predominantes na
literatura e as doenças que acometiam os que viviam do trabalho ocupavam pouco
espaço, mas os gregos e romanos citavam a palidez dos mineiros que trabalhavam
em subterrâneos mal ventilados, as intoxicações por substâncias químicas, como o
chumbo e enxofre, dentre outras formas de adoecimento (ROSEN, 1994).
A grande obra, que, com justiça, é citada pela maioria dos que se ocupam da
saúde dos trabalhadores foi publicada somente séculos depois, em 1700 e republicada
em 1730 por um médico italiano (RAMAZZINI, 1992), que descreveu com
profundidade dezenas de atividades de trabalho e demonstrou grande perspicácia
ao ressaltar, em cada um dos capítulos, diferentes aspectos que são temas de reflexões
e ações até os dias de hoje.
Logo no prefácio, relata que não se considerou diminuído ao visitar “sujas
oficinas” para “observar os segredos da arte mecânica”. Fala da medicina da época
que “tende para o mecanicismo, de certo modo, e as escolas nada mais tratam senão
de automatismo” (RAMAZZINI, 1992. p. 16-17). O que diria ele dos nossos tempos,
em que a atuação médica é pautada por novas tecnologias, que substituem com
certa frequência o contato entre o médico e o seu paciente? O que diria Ramazzini ao
saber que a célebre pergunta que ele dizia ser necessário acrescentar em uma consulta
médica ainda não é feita na imensa maioria dos atendimentos — “que arte exerce?”.
No capítulo em que trata dos cloaqueiros(2), levanta a dúvida que tem sobre o
real interesse dos médicos em visitar e conhecer ambientes de trabalho sujos e mal
cheirosos, já que costumavam frequentar ambientes elegantes e limpos. Seriam talvez
incapazes de reconhecer as mazelas do trabalho.
Esse mesmo aspecto foi tratado por David Capistrano, 300 anos depois, no seu
discurso por ocasião do VI Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva, em 2000, quando
abordou o Programa de Saúde da Família como uma estratégia de atenção à saúde,
ressaltando a importância da adesão dos profissionais de saúde, sobretudo do médico,
aos princípios do Programa.(3) Falando da capacitação dos médicos como um campo
de disputa, dividiu esse processo em duas partes, uma técnica e outra ideológica. Em
sua opinião a capacitação ideológica é na verdade uma batalha com os próprios
capacitandos, particularmente os médicos, que frequentemente são oriundos das
camadas sociais mais privilegiadas. Afirma que, em geral, não têm sensibilidade social,
pois sempre lhes venderam ideias descoladas da dura realidade cotidiana da população.
“Eles têm que se desesperar!”, disse David, referindo-se aos médicos e a outros
profissionais de saúde, pregando uma verdadeira revolução nos fundamentos de sua
formação conservadora e ressaltando que os profissionais tinham que conhecer os
seus pacientes e isso incluía conhecer o local onde viviam, sofriam, adoeciam e morriam.
Esse mesmo médico sanitarista, falecido precocemente em 2000, em um artigo sobre
o programa de saúde da família e da capacitação dos profissionais de nível superior,
ressaltou as duas frentes, uma de conhecimentos técnico-científicos e outra,
continuada, centrada “sobre as questões do trabalho em equipe, do aprendizado
mútuo, do relacionamento com a comunidade e da extração de leite de pedras:
como buscar obstinadamente melhorar as condições de vida e saúde dos grupos sociais
que vivem com tão pouco e tão mal”. (CAPISTRANO FILHO, 1999)
Ramazzini observou que os citados cloaqueiros, ao ficarem quase cegos ou
cegos pelos vapores emanados dos dejetos que limpavam, mendigavam pela cidade,
revelando a ausência de uma estrutura de amparo estatal aos que não mais podiam
trabalhar. Esse mesmo desamparo e a história de uma família pobre que se
desestrutura após a cegueira do chefe de família, provocada por uma explosão no
forno de azulejos, é contada em um romance que mistura personagens fictícios a
pessoas que fazem parte da história real, como é o caso do famoso pintor Johannes
Vermeer, falecido 25 anos antes da primeira edição do livro do médico italiano.
(CHEVALIER, 2004)
Na mesma obra, ao falar das repercussões do esforço físico sobre o corpo dos
carregadores de Veneza, Ramazzini lembra alterações do sistema cardiovascular e
das hérnias de parede muscular, ressaltando um episódio de morte em decorrência
de uma hérnia inguinal possivelmente estrangulada. No capítulo em que tratou do
sedentarismo dos operários que trabalhavam sentados, como os alfaiates e sapateiros,
observou a corcunda relacionada ao fato de tanto se manterem debruçados, tendo
seus perfis comparados aos dos macacos. Lembrou-se das varizes advindas do trabalho
em pé e dos escribas e notários, cuja atividade laboral era escrever muito e
rapidamente, tendo que prestar muita atenção no que faziam para não mancharem
os livros. Ressaltou o sedentarismo, que também era característico da vida desses
trabalhadores da escrita, e poderia ser vencido se fizessem exercícios físicos. Não o
faziam por falta de tempo, pois tinham contrato e tinham que cumprir a jornada.
Com certa frequência, Ramazzini falava de possíveis medidas preventivas, mostrando
estranheza, no entanto, pelo fato de que se pudesse recomendá-las sem que a causa
fosse eliminada. Em outros momentos, mostrava a impotência do médico, como
quando falou dos tipógrafos: “Não percebo que socorro possa levar a arte médica a
esses servidores das letras, nem que precauções propor, além de aconselhar-lhes
moderação em seu trabalho, do qual deverão se afastar algumas horas...”
(RAMAZZINI, 1992. p. 157). Essa mesma moderação era recomendada em vários
outros casos, assim como pausas, como para os confeiteiros de frutas secas e sementes,
que trabalhavam em altas temperaturas e para os tecelões, cuja atividade exigia os
movimentos das “mãos, braços, pés e espáduas, não deixando parte alguma que não
colabore, ao mesmo tempo”. (RAMAZZINI, 1992. p. 161)
Foucault (1995) lembra que nessa época aqueles que trabalhavam faziam parte
da paisagem urbana e não eram considerados ainda um problema para a classe
dominante.
Por que os pobres não foram problematizados como fonte de perigo
médico, no século XVIII? Existem várias razões para isso; uma é de ordem
quantitativa: o amontoamento não era ainda tão grande para que a
pobreza aparecesse como perigo. Mas existe uma razão mais importante:
é que o pobre funcionava no interior da cidade como uma condição da
existência urbana. Os pobres da cidade eram pessoas que realizavam
incumbências, levavam cartas, se encarregavam de despejar o lixo,
apanhar móveis velhos, trapos, panos velhos e retirá-los da cidade,
redistribuí-los, vendê-los, etc. Eles faziam parte da instrumentalização
da vida urbana. Na época, as casas não eram numeradas, não havia serviço
postal e quem conhecia a cidade, quem detinha o saber urbano em sua
meticulosidade, quem assegurava várias funções fundamentais na cidade,
como o transporte de água e a eliminação de dejetos, era o pobre. Na
medida em que faziam parte da paisagem urbana, como os esgotos e a
canalização, os pobres não podiam ser postos em questão, não podiam
ser vistos como um perigo. No nível em que se colocavam, eles eram
bastante úteis. (FOUCAULT, 1995. p. 94)
Considerando assim, o contexto do século XVIII, as descrições detalhadas de
Ramazzini adquirem um valor inestimável, pois conseguem transmitir a
singularidade de cada um no desenvolvimento de seu ofício exercido por várias
pessoas, desvalidos na sua grande maioria. Têm o dom de nos fazer prestar atenção
nos trabalhadores dos mais penosos ofícios como pessoas em sua integralidade, e
não como objetos sem subjetividade.
Não por acaso, foi na Inglaterra, país em que o desenvolvimento industrial e
do proletariado foi o mais rápido e importante, onde apareceu uma nova forma de
medicina social no século XIX, que vinculava a assistência aos desprovidos de posses
ao controle de sua saúde para garantir a segurança da elite econômica, por meio de
uma rede de serviços de saúde, que obrigava e controlava a vacinação e localizava os
locais insalubres e os destruía.
De maneira geral, pode-se dizer que, diferentemente da medicina urbana
francesa e da medicina de Estado da Alemanha do século XVIII, aparece,
no século XIX e sobretudo na Inglaterra, uma medicina que é
essencialmente um controle da saúde e do corpo das classes mais pobres
para torná-las mais aptas ao trabalho e menos perigosas às classes mais
ricas. (FOUCAULT, 1965. p . 97)
Também a abordagem das precárias condições de trabalho dentro das empresas
seguiu a lógica do controle dos agravos à saúde dos trabalhadores, por meio da contratação
de médicos e da formação de serviços médicos dentro das empresas, precursores dos nossos
serviços especializados de medicina e segurança no trabalho (SESMT)(4). Os empresários
passaram inteiramente a responsabilidade do que acontecia à saúde dos seus trabalhadores
aos médicos que contratavam (MENDES; DIAS, 1991), embora de fato eles não tivessem
qualquer interferência sobre os aspectos geradores dos agravos à saúde.
II) MUNDO CONTEMPORÂNEO DO TRABALHO, DA ATENÇÃO À SAÚDE
DO TRABALHADOR E DA ATUAÇÃO MÉDICA NOS DIFERENTES ESPAÇOS
SOCIAIS

Este tópico tem o objetivo de levantar a discussão e reflexão sobre algumas


situações vividas por médicos que atuam em questões referentes à saúde do
trabalhador em diferentes espaços sociais.

II.1) Quando o médico e seu conhecimento específico são usados a favor de uma
lógica de exclusão dos trabalhadores

a) Caso de Mirela (5): o médico da empresa como ator ativo no processo de


agravamento de uma doença ocupacional
Mirela é bancária desde 1988. Foi admitida por um banco estrangeiro como
escriturária, uma função inespecífica. Em 1990 foi promovida a chefe de seção, em meados
de 1991 passou a ser chefe de um posto de atendimento bancário (PAB) dentro de uma
empresa de 800 funcionários, no final de 1994 voltou a ser chefe de seção na agência, no
primeiro semestre de 1996 foi promovida à tesoureira e no início de 1998 foi promovida
a gerente de relacionamento de pessoa física. Até esse momento, sua história era uma em
tantas outras, de uma trabalhadora que ao longo de 10 anos foi trilhando uma carreira
de aumento de responsabilidades e de atividades diversificadas e cumulativas, que incluíam
abertura e digitação de contas-corrente e poupanças, contagem de numerários,
pagamento de salários e aposentadorias, contagem e compensação de cheques,
carregamento de malotes com notas de dinheiro e moedas do PAB à agência, pelas ruas,
e abastecimento de caixas automáticos. Sua jornada diária de trabalho foi de seis horas
apenas quando escriturária. A partir de seu primeiro cargo de chefia, formalmente passou
a oito horas, sendo, no entanto, frequentes os dias em que as ultrapassava. Tampouco fazia
regularmente seus períodos de almoço. Todas as atividades de trabalho exigiam rapidez e
repetitividade de movimentos, principalmente de vários segmentos dos membros superiores
e constante concentração. Nesses anos de trabalho, artifícios eram utilizados em virtude do
acúmulo de trabalho e em prol da produtividade, como, por exemplo, o registro da
produção de atividade de caixa que efetivamente fazia sob a matrícula de colegas, para
“burlar” a orientação de que os gerentes não podiam assumir a “abertura de caixa”. Não
fazia porque queria ou gostava, e sim para diminuir as filas dos clientes, aliviar a carga dos
colegas e manter a imagem do banco.
Em 1998, dores que se insinuaram progressivamente a fizeram procurar um
ortopedista do convênio, que fez diagnóstico de tendinites de vários segmentos dos
membros superiores. A empresa emitiu comunicação de acidente do trabalho (CAT)
por Lesões por Esforços Repetitivos ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados
ao Trabalho (LER/DORT) e Mirela foi afastada por seis meses. Retornou ao seu
posto sem qualquer mudança das condições de trabalho anteriores ao afastamento.
Em 2001, foi realocada para uma agência no centro de São Paulo, distante 60
quilômetros de sua residência. Trabalhou com dor em membros superiores, cuja
intensidade aumentou, até que, sem condições de manter-se na atividade laboral,
foi afastada novamente em 2002, desta vez sem a emissão de CAT pela empresa. Foi
o sindicato dos trabalhadores que emitiu a CAT. Permaneceu em tratamento até
2008, quando foi encaminhada para a reabilitação profissional do INSS. Durante o
estágio de um mês promovido pelo órgão segurador só fazia atendimento telefônico,
em ritmo muito menor do exigido. Recebeu um “certificado de reabilitação
profissional” do INSS, segundo o qual poderia manter-se na “função de gerente de
relacionamento personal com adaptação do posto de trabalho”, como está
literalmente escrito no documento que recebeu da instituição, que também emitiu
um documento declarando que entre suas restrições estava a de que não poderia ser
submetida à pressão por produtividade.
Com o retorno efetivo à empresa, teve que aumentar muito o seu ritmo de
trabalho para atingir as mesmas metas exigidas para os demais gerentes, explicitadas
nas reuniões pelo gerente geral e em comunicados da empresa endereçados a todos,
incluindo ela. Eram metas de vendas de produtos, como seguros e investimentos,
que, no entanto, eram registradas para a matrícula de um colega, pois em tese, ela
que havia passado pela reabilitação profissional não poderia ter essas exigências.
Com menos de um ano de retorno ao trabalho teve piora do quadro de dor e
agravamento da afecção do ombro direito, de maneira que teve que ser operada no
final de 2009, quando foi afastada novamente do trabalho. De novo, a empresa não
emitiu a CAT e o sindicato dos trabalhadores o fez. Retornou ao trabalho 4 meses
depois, no início de 2010, e interrompeu o tratamento fisioterápico por
impossibilidade de sair durante a jornada de trabalho. Como das outras vezes em
que havia sido afastada do trabalho, o INSS considerou o seu caso ocupacional. No
entanto, a empresa só regularizou sua situação seis meses depois, depositando por
fim o fundo de garantia referente ao período em que esteve afastada após várias
solicitações formais de Mirela insistindo para que o fizesse(6). A dor vinha piorando
de forma que, em novembro, foi novamente afastada por seu ortopedista, por afecções
de ombro e punho, além de dor cervical. Durante os primeiros quinze dias de atestado,
foi intimada por carta assinada pelo médico do trabalho do banco, coordenador do
Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO),(7) a comparecer a
uma consulta com um médico indicado pela empresa, sob pena de sofrer medida
administrativa caso não comparecesse, destacando que sua presença era obrigatória.
Ela atendeu à intimação e, após a consulta, o médico examinador lhe disse que o
relatório seria enviado ao médico do banco, sem lhe fornecer qualquer cópia a
despeito de solicitação formal feita pela paciente, o que consiste em infração dos
preceitos da ética médica. Quanto ao seu esforço para manter-se trabalhando, tem
seguidamente solicitado alguns dispositivos para facilitar o seu trabalho, como um
fone de ouvido e um mouse de melhor qualidade, sem resposta positiva. A pressão
para atingir as metas tem variado de acordo com o gestor de plantão, mas, mesmo
quando não há cobrança explícita, sente-se constrangida diante dos colegas em
“trabalhar mais devagar”. Relatou que exatamente metade dos funcionários da
agência onde se encontra trabalhando tem problemas musculoesqueléticos ou
transtornos psíquicos, sendo afastados por poucos dias ou mantendo-se em atividade
às duras penas, caracterizando-se uma situação de presenteísmo, em que
trabalhadores, apesar de adoecidos, evitam o afastamento do trabalho com receio
de represálias, isolamento e demissão (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA,
2010), piorando seu quadro clínico ou dificultando sua recuperação.
Esta história, com um fim indefinido ainda, oferece elementos para a discussão
de alguns aspectos da situação de uma trabalhadora adoecida dentro da empresa.
As profundas mudanças do sistema financeiro no Brasil e as condições de
trabalho nos bancos, já foram estudadas por vários autores, dentre eles, Jinkings
(2002, 2006), Marcolino e Carneiro (2010), que analisaram com profundidade as
suas características marcadas pela intensificação do uso da tecnologia e da
informática; da terceirização, com ênfase na chamada qualidade do atendimento
particularmente aos segmentos com maior renda, considerados estratégicos, e na
exigência da habilidade para vender produtos de várias naturezas, tais como títulos,
seguros e aplicações, entre outros. Jinkings (2006) chama a atenção para o decréscimo
do segmento dos escriturários e auxiliares bancários e das chefias intermediárias,
desnecessárias na medida em que as formas de controle do trabalho ocorrem pelo
sistema informatizado, por meio do qual é possível registrar a produtividade de
cada trabalhador. Foram criadas gerências responsáveis por diferentes segmentos,
tais como pessoas físicas e jurídicas, divididas por faixas de rendimento. No caso da
bancária em questão, trata-se de uma pessoa que foi admitida como escriturária e
depois seguiu carreira tendo chegado ao cargo de gerente de relacionamento para
pessoas físicas, no qual tinha metas e realizava múltiplas atividades operacionais. Os
cargos de chefias e gerentes formalizam a passagem das jornadas de seis para oito
horas oficiais.
Nesse contexto, Mirela é somente mais uma das pessoas que trabalham em
banco e a descrição das atividades que exerceu dá uma ideia do seu cotidiano comum
a tantos dos seus colegas. Mas, para ela, o quadro de dor e o diagnóstico de
tenossinovite e afecções similares relacionadas às condições de trabalho são agora
inseparáveis de sua vida pessoal e familiar. Fazem parte também das estatísticas frias
dos estudos sobre a saúde dos trabalhadores. A pesquisa nacional por amostra de
domicílio referente à saúde da população brasileira (IBGE, 2008) mostrou que, em
comparação com os trabalhadores em geral, aqueles de intermediação financeira
apresentaram tendinites em maior proporção. Estudo de dados sobre benefícios
por incapacidade concedidos pelo INSS, cujos resultados subsidiaram legislação
que adotou critério epidemiológico para a concessão de benefício acidentário(8),
identificou que nos bancos com carteira múltipla, como é o caso da empresa em que
Mirela trabalha, as afecções musculoesqueléticas são estatisticamente mais frequentes
do que em outros ramos econômicos.
Além da atitude de imobilidade e indiferença da empresa no tocante a qualquer
alteração das condições de trabalho, houve omissão pela não emissão de CAT a
partir do segundo afastamento, em flagrante desrespeito da legislação (BRASIL, 1943;
BRASIL, 1991), fato que contou com o aval técnico do médico do trabalho da
empresa, o que contraria os preceitos da ética médica. A ausência de efetiva
reintegração profissional, a despeito da trabalhadora ter um certificado
comprobatório de reabilitação do INSS, desnuda uma cumplicidade implícita entre
a empresa e o INSS, a primeira ocultando a exigência de produtividade por meio do
registro das vendas feitas por ela na matrícula de outro funcionário, e o seguro
social delegando totalmente o caso à empresa sem qualquer interferência sobre as
condições que propiciaram o adoecimento. Não se trata de acaso e tampouco de
exceção. É emblemático de uma política institucional referente à recolocação de segurados
nas empresas, como detalhado por Maeno e Vilela (2010). Nesse contexto, chama a
atenção a “mudez” do médico do trabalho da empresa, contratado em tese para
promover a saúde do trabalhador(9). Seu silêncio pode ser sentido em todas as etapas
do processo de adoecimento e da tentativa de reabilitação profissional de Mirela.
Sua atuação se fez sentir nas etapas importantes para os interesses da empresa, como
na não emissão de CAT, que, além de significar negação de um direito legal, tem também
repercussão coletiva na medida em que oculta os números reais do sistema de informação
da Previdência Social e interfere na alíquota a ser paga pela empresa ao Seguro de
Acidente do Trabalho (SAT).(10) Sua presença lamentavelmente foi significativa por
ocasião do retorno ao trabalho do último afastamento, ao julgar-se no direito de
convocar Mirela para uma avaliação especializada com um médico por ele indicado,
ameaçando-a por escrito com medidas administrativas caso não comparecesse.
Justificou inadequadamente essa convocação com base na norma regulamentadora
7 (NR 7)(11) e no art. 158(12) da Consolidação das Leis do Trabalho.
A NR7 anuncia o objetivo de promoção e preservação da saúde dos
trabalhadores de uma empresa por meio da implementação do PCMSO, cuja base é
o controle da força de trabalho por meio da realização de exames médicos. O papel
do médico do trabalho foi discutido por Vasconcellos e Pignati (2006), que afirmam
que “seu ato se restringe a servir como intermediador dos danos infligidos à força de
trabalho, estabelecendo critérios, não para o diagnóstico do dano (ou doença) em
si, mas para o diagnóstico de aptidão para que o ‘paciente’ continue trabalhando ou
não”.
De fato, à medida que o tempo passa, mais clara fica a inserção do médico do
trabalho na empresa, tal e qual teria dito Robert Baker, médico inglês do século XIX,
a um amigo empresário, que lhe perguntou o que deveria fazer com a falta de
assistência que os seus trabalhadores adoecidos tinham, ameaçando a sobrevivência
do processo produtivo. Teria sido ele o primeiro médico do trabalho da história.
Coloque no interior de sua fábrica o seu próprio médico, que servirá de
intermediário entre você, os seus trabalhadores e o público. Deixe-o visitar
a fábrica, sala por sala, sempre que existam pessoas trabalhando, de
maneira que ele possa verificar o efeito do trabalho sobre as pessoas. E se
ele verificar que qualquer dos trabalhadores está sofrendo a influência de
causas que possam ser prevenidas, a ele competirá fazer tal prevenção.
Dessa forma você poderá dizer: meu médico é a minha defesa, pois a ele
dei toda a minha autoridade no que diz respeito à proteção à saúde e das
condições físicas dos meus operários; se algum deles vier a sofrer qualquer
alteração da saúde, o médico unicamente é que deve ser responsabilizado.
(MENDES; DIAS, 1991)
Ao assumirem a responsabilidade pelo controle da força de trabalho, os
médicos do trabalho têm vendido a legitimidade a eles conferida por serem
detentores formais do conhecimento de funcionamento do corpo humano aos
seus contratantes, para selecionarem trabalhadores a serem admitidos, mantidos
em atividade ou demitidos (MAENO; WÜNSCH FILHO, 2009), quebrando
frequentemente o sigilo profissional preconizado no código de ética médica(13) e
constituindo-se em atores ativos nas ações de exclusão de trabalhadores das empresas.
No caso de Mirela, o médico da empresa por diversas vezes infringiu preceitos
éticos e legais ao não indicar a emissão de CAT, ao não acompanhar devidamente o
retorno ao trabalho em condições adequadas e ao ameaçá-la com medidas punitivas
caso não comparecesse a uma consulta especializada definida por ele, sem sequer
entrar em contato com o médico especialista assistente, que poderia esclarecer
eventuais dúvidas.
Recente ação civil pública (ACP) evidencia a atuação de médicos do trabalho,
que frequentemente desenvolvem o seu trabalho de forma a manter cartorialmente
documentos exigidos pela legislação trabalhista sem qualquer compromisso com a
saúde dos trabalhadores. Essa ação foi impetrada pelo Ministério Público do
Trabalho da 23ª Região e revela que a análise do PCMSO “mostrou que o programa
está restrito à repetição sistemática dos exames previstos na legislação, sem contemplar
procedimentos preventivos ou de promoção da saúde...” (14) A ACP continua
relatando que os PCMSO elaborados pelo médico de 2004, 2005 e 2006 eram
“documentos na verdade idênticos, que trazem a cada ano exatamente os mesmos
objetivos, metas e planos de ação, sem qualquer adaptação à realidade observada
no ano anterior”. Segundo a ação, essa conduta era repetida em relação às várias
empresas para as quais o médico prestava serviço. Entre muitas outras
irregularidades, há o relato do fato do médico considerar aptos nos exames
demissionais “empregados que padeciam com doenças do trabalho ou sequelas de
acidentes laborais. Em vários casos, o próprio demandado havia diagnosticado a
patologia, apenas para, pouquíssimo tempo depois, considerar o mesmo trabalhador
plenamente apto para a rescisão unilateral do contrato pelo empregador”. Situação
semelhante, de articulação entre as chefias de linhas de montagem de uma empresa
eletroeletrônica, o serviço médico da empresa e o SESMT, foi percebida por
trabalhadoras entrevistadas oriundas de uma grande empresa na região
metropolitana de São Paulo. (MAENO; WÜNSCH FILHO, 2010)
b) Quando exames complementares são solicitados para a seleção de trabalhadores
Em 15 de outubro de 2010, a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo
convocou doze mil candidatos a vagas de professor, a levarem para perícia médica
de ingresso, às suas próprias expensas, um rol de exames complementares. O rol
incluía exames(15) de sangue e urina, dentre eles de indicador de câncer de próstata
aos homens acima de 40 anos, além de eletrocardiograma, colposcopia e
colpocitologia oncótica para mulheres acima de 25 anos ou com vida sexual ativa,
radiografia de tórax, mamografia e ultrassonografia de mama, se necessário, para
mulheres a partir de 40 anos, laringoscopia indireta ou videolaringoscopia com
foto e audiometria vocal e tonal. Sem a apresentação desses exames, o exame pericial
não seria realizado. Questionado pela imprensa(16), o governo do Estado reconheceu
que os exames deveriam ser custeados pelo poder público, mas justificou os exames
alegando que o Estado é responsável pela seleção de servidores que devem permanecer
em atividade por um período de 30 anos.
Trata-se de uma grotesca caricatura do que o conhecimento distorcido da
medicina e a má prática podem fazer de deletério à sociedade. Sem entrarmos no
mérito de que um concurso público deveria selecionar aqueles que mais têm vocação
e condições de propiciar um bom ensino aos seus alunos, vamos nos ater ao aspecto
relacionado à exigência de exames complementares para subsidiar avaliações médicas
que têm a finalidade de excluir os considerados inaptos para a função de professor.
Existe um grande esforço de algumas instituições de ensino em resgatar a boa
prática médica, que tenha como base fundamental a escuta do paciente, uma boa
anamnese, um exame físico cuidadoso e exames complementares de acordo com
eventuais queixas clínicas, faixa etária, sexo e fatores de risco específicos. Exames
complementares solicitados a esmo não são recomendados. Em um evento intitulado
I Encontro com a Sociedade – medicina contra a exclusão social(17), em palestra sobre o
tema Como é exercida a Medicina nos dias de hoje, Milton de Arruda Martins, professor
da Faculdade de Medicina da USP, apresentou dados(18) de um estudo realizado no
Hospital das Clínicas sobre o papel de três procedimentos na realização de
diagnósticos de doenças de 411 pacientes: da história relatada por eles, do exame
clínico e dos exames complementares. Em 78,1% dos casos, somente a história
relatada pelo paciente já permitiu definir o diagnóstico, em 11,9% dos casos o
diagnóstico foi confirmado pelo exame clínico e em apenas 10,0% o diagnóstico foi
confirmado por exames complementares. Um outro aspecto a ser discutido é a
intenção ao se solicitar o rol dos exames complementares e o peso atribuído a eles.
Qualquer alteração nos exames complementares seria um fator de impedimento
para que um candidato fosse selecionado? A declaração do representante
governamental nos faz suspeitar que essa talvez fosse a intenção, já que mencionou a
responsabilidade do Estado de escolher quem fosse permanecer por 30 anos na
carreira, como se exames absolutamente normais em um momento significassem
saúde e pudessem garantir a manutenção da saúde ao longo do tempo. Apenas para
citar alguns exemplos, alterações em mamografias e em exames citológicos, assim
como níveis elevados de colesterol, não significam necessariamente doenças e muito
menos incapacidade. Por outro lado, não há qualquer associação entre a existência
de transtornos psíquicos mesmo graves ou afecções musculoesqueléticas e qualquer
dos exames solicitados. E finalmente, é largamente conhecido que as condições de
trabalho dos professores são precárias (NEVES, 1999; TAVARES; FERREIRA e
MACIEL, 2008; PAPARELLI, 2009; MENDONÇA; SOUZA; FERREIRA, 2009;
FERREIRA; IGUTI; DONATELLI, 2009; OLIVEIRA, PESENTE; FERREIRA, 2009;
DONATELLI; OLIVEIRA, 2010), e as preocupações do Estado-empregador deveriam
estar voltadas para a alteração dessa situação, essencial para a prevenção do
adoecimento dos trabalhadores da educação e para a boa qualidade dos serviços
prestados junto às nossas crianças e adolescentes.
Nesse cenário de impertinência e inocuidade dos exames complementares, a
declaração do governo do estado de São Paulo de que se responsabilizaria pelo custo
é questão de mera retórica, pois os recursos de exames laboratoriais e de imagem do
Sistema Único de Saúde são insuficientes para os doentes que deles de fato necessitam
e não deveriam ser desviados para tal finalidade.
c) O sistema de concessão de benefícios por incapacidade do INSS e a perícia como
mecanismo de contenção de custos
Os médicos têm diferentes inserções na Previdência Social, mas o enfoque neste
momento será o seu papel na concessão, na manutenção e na suspensão de benefícios
por incapacidade, denominados auxílios-doença. Para ter acesso a esses benefícios,
o segurado da Previdência Social é avaliado por dois processos distintos. Um de
cunho administrativo, que tem o objetivo de verificar a condição de segurado que
faça jus ao benefício. O outro, de cunho técnico, é realizado pelo médico perito e tem
por objetivo avaliar a existência de incapacidade para o trabalho e de nexo causal do
quadro clínico com o trabalho.
A partir do final da década de 1990, esse processo de concessão de benefício foi
informatizado por meio de um sistema que tem como característica principal a
integração de grandes bancos de dados administrativos e informações periciais,
agilizando, assim, a concessão e administração de benefícios. Denominou-se Sistema
de Administração de Benefícios por Incapacidade (SABI), em vigor até a atualidade.
Tradicionalmente, o benefício por incapacidade sempre foi concedido por um
período de tempo definido pelo médico perito, durante o qual o segurado teria
condições para se recuperar. Essa recuperação era constatada em perícia agendada
e de caráter obrigatório. Caso o segurado continuasse incapacitado, o benefício
podia ser prorrogado até a perícia seguinte, e assim por diante. Assim, a realização
de uma perícia comprobatória da recuperação da capacidade de trabalho antecedia
obrigatoriamente a cessação de um benefício. Esse fluxo mudou em agosto de 2005,
quando o INSS passou a adotar outro procedimento para a concessão e término do
benefício por incapacidade temporária, inicialmente por meio de ordens internas(19),
cujo acesso era restrito apenas aos servidores e depois por dispositivos legais acessíveis
à sociedade, que modificaram o regulamento da Previdência Social, cujo art. 78 foi
acrescido dos seguintes parágrafos:(20)
§ 1º O INSS poderá estabelecer, mediante avaliação médico-pericial, o prazo que entender suficiente
para a recuperação da capacidade para o trabalho do segurado, dispensada nessa hipótese a realização
de nova perícia.
§ 2º Caso o prazo concedido para a recuperação se revele insuficiente, o segurado poderá solicitar
a realização de nova perícia médica, na forma estabelecida pelo Ministério da Previdência Social.
§ 3º O documento de concessão do auxílio-doença conterá as informações necessárias para o
requerimento de nova avaliação médico-pericial.

Isso significa que, a partir de agosto de 2005, os segurados do INSS que


necessitam pleitear benefício por incapacidade, ao se submeterem à primeira perícia,
dela saem com uma data de cessação de benefício já agendada, se o benefício lhes for
concedido. Se por ocasião da data de cessação de benefício ainda não se apresentem
em condições de retornarem ao trabalho, devem entrar com um pedido de
prorrogação para que sejam submetidos a uma outra perícia. A iniciativa de
solicitação de suspensão da cessação de benefício deve partir do segurado, pois, do
contrário, o sistema o considera apto para o retorno ao trabalho em data futura a
partir da avaliação na primeira perícia. Caso o benefício não lhes seja concedido na
primeira perícia, devem entrar com um pedido de reconsideração do indeferimento
e uma nova perícia é, então, agendada. Esse sistema foi chamado de cobertura
previdenciária estimada (COPES), cognominada de “data certa” ou “alta
programada” e tem inibido as solicitações de prorrogação ou reconsideração, por
meio de coação econômica, pois em caso de indeferimento do benefício, o período
até a realização da nova perícia não é pago pelo INSS e tampouco pelas empresas,
deixando o segurado sem proventos.
Importante ressaltar que esse mecanismo foi fruto de análise por um técnico do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Caetano (2006. p. 7) identifica e
discute “medidas de cunho administrativo que atenuariam as necessidades de
financiamento da Previdência”, ressaltando que as reformas em práticas
administrativas na contenção, ainda que parcial, do déficit do Regime Geral da
Previdência Social (RGPS), politicamente têm uma relação benefício-custo elevada
se comparadas com “reformas constitucionais necessárias a um ajuste mais profundo,
ao se ter em vista que exigirão modificações em legislação ordinária ou complementar
ou mesmo em atos infralegais”. (CAETANO, 2006. p. 9) Vários aspectos são
destacados pelo autor, entre os quais o suposto efeito benéfico do atrelamento do
tempo de duração do benefício por incapacidade ao dano identificado como a causa
de incapacidade, pelo sistema informatizado. Essa diretriz teve sua concretização na
implementação da COPES. Quando instituída, a COPES previa a possibilidade de
reconsideração apenas uma vez. Isto é, um segurado, ao ter seu pleito de benefício
ou de prorrogação de benefício indeferido, podia solicitar reconsideração da decisão
uma única vez. Do ponto de vista do processo de adoecimento e incapacidade, esse
procedimento administrativo adotado era uma violação às necessidades humanas,
como discutiremos adiante. Manifestações de protesto ocorreram em todo o país e
o INSS “corrigiu” parcialmente o procedimento, possibilitando a impetração de
mais de um pedido de prorrogação de benefício e de mais de um pedido de
reconsideração. Porém, a falta de esclarecimentos por parte do INSS aos segurados
e a existência de inúmeros casos em que há divergências entre os médicos assistentes e
os médicos peritos do INSS, quanto à avaliação de incapacidade, têm levado a
incontáveis processos judiciais.
Outro aspecto abordado no texto do técnico do IPEA é a vantagem da
transferência do ônus referente à renovação do benefício do INSS para o segurado,
o que faria o INSS economizar duas vezes: na eliminação da perícia da cessação de
benefício, com a estimativa da data de cessação do benefício já na primeira perícia e
a transferência da iniciativa ao segurado, que deve, se assim desejar, impetrar os
recursos administrativos previstos. Esses são os pilares da COPES.
Recentemente, o juízo acolheu a solicitação de tutela antecipada requerida
pela Defensoria Pública da União, para que o INSS finde com a prática da COPES
em determinada região do país.
A sentença, proferida em 5 de fevereiro de 2009, pode ser lida no site <http://
www.jfse.jus.br/noticiasbusca/noticias_2009/fevereiro/decisaoauxilodoenca.pdf.>.
Abaixo, trecho da decisão:
Assim, para que o auxílio-doença seja suspenso ou cesse, deve ser verificado se o beneficiário
encontra-se capacitado para o trabalho, através da devida perícia, o que cumpre ao INSS fazer de
forma contundente e não por mera presunção.
Sob outro ângulo, não prospera o argumento de que o segurado pode solicitar exame médico-
-pericial se não estiver apto para o trabalho ao término do prazo de duração do auxílio-doença,
tendo em vista que é dever da Autarquia Previdenciária convocar o segurado para a submissão ao
exame, e não o contrário.
Posto isso, concedo a tutela antecipada requerida para determinar ao réu que cesse a prática ilegal
denominada de “Data de Cessação de Benefício DCB — ou de “Alta Programada”, prevista no
Decreto n. 5.844/06, não suspendendo os benefícios previdenciários do auxílio-doença antes da
constatação do efetivo fim da incapacidade laborativa do segurado beneficiário, através do
agendamento de nova perícia médica, nos casos existentes nas suas agências e postos situados nos
Estados integrantes do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, impondo a multa diária de R$
1.000,00 (hum mil reais) caso haja descumprimento ainda que parcial desta decisão.
Ação Civil Pública — Processo n. 2008.85.00.002633-8
Partes: Autor: Defensoria Pública da União
Réu: Instituto Nacional do Seguro Social
Poder Judiciário – Justiça Federal
Seção Judiciária do Estado de Sergipe

Do ponto de vista médico, pode-se afirmar que, nos casos em que a história
natural de uma doença aguda e autolimitada é curta, há mais possibilidades de se
prever o tempo em que o paciente permanecerá com limitações de sua funcionalidade
habitual, como acontece na maioria das gripes, por exemplo. Em geral, as gripes
têm início, evolução e regressão previsíveis nos aspectos dos sintomas e da duração.
O atestado a ser fornecido pelo médico dependerá da intensidade e características
dos sintomas e das exigências que o paciente tem em seu trabalho. Se o paciente for
um motorista de ônibus, por exemplo, cuja atenção e estado de vigília possam estar
comprometidos pelo processo infeccioso ou pelo uso de algum medicamento, é
imperativo que possa descansar até sua recuperação, mesmo que parcial.
As doenças crônicas, em geral, têm comportamento nem sempre tão previsível
e podem ser incapacitantes temporária ou permanentemente, dependendo de aspectos
clínicos, das condições psicossociais do paciente e das exigências de seu trabalho.
Um trabalhador com diabetes mellitus, doença crônica, mas controlada com dieta e
medicamentos, pode ser assintomático e em nenhum momento apresentar restrições
ou incapacidade para o trabalho. No entanto, se o diabetes for severo, de difícil
controle medicamentoso e se o paciente tiver dificuldades em manter dieta
apropriada, seja na qualidade ou na periodicidade, por suas condições sociais e/ou
pelas características do trabalho, pode cursar com incapacidade temporária ou
permanente, especialmente se houver complicações, como neuropatias periféricas
ou diminuição da acuidade visual por retinopatia. Deve ser levado em conta também
que pacientes com doenças crônicas que exijam restrições alimentares e outras
mudanças de hábitos culturais arraigados podem ter impactos sobre a esfera psíquica,
comprometendo mais ainda sua capacidade de trabalho.
Outra doença crônica muito frequente é a hipertensão arterial, que pode ser
assintomática ou oligossintomática. Condições de se evitarem sedentarismo e obesidade
e seguir uma dieta apropriada, que geralmente dependem de condições sociais e
mudanças de hábitos, podem interferir em seu curso e nas repercussões sobre a vida
laboral do trabalhador. Se a hipertensão tiver complicações maiores do sistema
cardiovascular, pode ser incapacitante ou não, dependendo das características de
trabalho do paciente. O tempo de incapacidade, se houver, é de difícil estimativa.
Assim, do ponto de vista da avaliação da incapacidade, o atrelamento da
incapacidade exclusivamente ao diagnóstico é inapropriado. A incapacidade depende
do quadro clínico, que pode ser composto por um ou mais diagnósticos, da evolução
desse quadro clínico, da resposta ao programa terapêutico instituído, de variáveis
do paciente, entre as quais a idade, o sexo, a escolaridade, a qualificação profissional,
o nível socioeconômico, o suporte familiar e social, a espécie de trabalho habitual e
suas características. Há muitas variáveis, individuais, sociais e laborais, que
influenciam a recuperação clínica e a reinserção na atividade ocupacional, sobretudo
nos casos não agudos. A Organização Mundial da Saúde propõe a Classificação
Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF)(21) para avaliação do
estado de saúde do paciente.
Se por um lado temos a discussão sobre a necessidade do alargamento dos conceitos
a serem considerados para a avaliação da incapacidade e funcionalidade, por outro,
seguindo os princípios de que a incapacidade depende exclusivamente do diagnóstico e é
centrada fundamentalmente nas características individuais, o INSS elaborou diretrizes
internas em clínica médica, ortopedia e saúde mental. Por ocasião de uma das raras
consultas públicas feitas por aquele órgão, em dezembro de 2007, cujo objeto eram as
“Diretrizes de Conduta Médico-Pericial em Transtornos Mentais”, um grupo de
profissionais de saúde de diversas instituições de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito
Santo e Minas Gerais(22) ressaltou a necessidade de se alterarem os aspectos restritivos ao
conceito de incapacidade e da pouca valorização do processo de busca do nexo causal
com o trabalho. Infelizmente, após a consulta pública não mais tivemos informações
sobre o conteúdo dessas diretrizes, assim como das outras, pois estão contidas em
documentos cujo acesso é restrito exclusivamente aos médicos peritos do INSS.
As evidências mostram que, para diminuir seus custos com benefícios por
incapacidade, o INSS tem restringido o ingresso de segurados que pleiteiam benefícios
por incapacidade. Implementou o SABI, que permite a inclusão no sistema
informatizado de apenas um diagnóstico principal e um secundário, insuficiente
para boa parte dos quadros crônicos que têm múltiplos diagnósticos concomitantes;
elaborou diretrizes de avaliação de incapacidade restritivas e criou a COPES, que
inibe tanto a solicitação de prorrogação dos benefícios como a de reconsideração
das decisões de indeferimento.
A utilização da perícia como ponto central do mecanismo de contenção de
gastos ocasionou situações de grandes conflitos entre os médicos assistentes e peritos,
assim como entre os segurados e os peritos.
Para ilustrar, incluímos um caso emblemático dessa situação e representativo
de outros que nos são relatados por pacientes de vários ramos econômicos.
Lilian(23) foi motorista de ônibus por dez anos e, por apresentar lombalgia, foi
realocada de função. Passou a ser responsável pela verificação de acidentes que
ocorriam com os ônibus da empresa em que trabalha e a dar suporte assistencial às
vítimas. Após ver um colega morto e deformado pelos ferimentos, passou a dormir mal, a
lembrar constantemente da cena, como se fosse parte de um filme e a ter pesadelos
relacionados ao ocorrido. Passou a ter desânimo, medo e irritação ao se ver junto a grande
número de pessoas. Isolou-se, tendo crises de choro incontrolável e medo constante. Foi
afastada do trabalho por médico psiquiatra que fez diagnóstico de estresse pós-traumático
e depressão. Apesar de medicada, teve agravamento do quadro depressivo, com ideias de
morte e insônia. A CAT foi emitida pelo sindicato dos trabalhadores e durante um certo
tempo o INSS concedeu benefício por incapacidade, porém de espécie não acidentária,
apesar de todas as evidências de que se tratava de caso ocupacional. Após esse período, não
conseguiu mais concessão de benefício por sucessivas decisões contrárias das perícias para
que continuasse afastada do trabalho, a despeito da intensidade dos sintomas e dos inúmeros
pareceres de médicos especialistas em saúde mental.
Neste caso de opiniões divergentes entre o médico assistente e o médico perito
quanto à existência de incapacidade e quanto à existência de nexo causal do quadro
clínico com o trabalho, não encontramos respostas plausíveis à pergunta sobre os motivos
que levaram o perito do INSS a ser contrário à opinião de um colega psiquiatra que
acompanha a paciente, portanto, em condições de avaliar melhor a gravidade do quadro
clínico e a incapacidade. Adicionalmente, diante de uma história típica de estresse pós-
traumático e tendo sido identificado o episódio desencadeador, não compreendemos
tampouco porque não lhe foi concedido benefício acidentário, fato que não contribui
para que ações regressivas sejam impetradas devidamente pelo Estado.(24)
Há uma ênfase dada pela imprensa e pelos gestores do Ministério da Previdência
Social ao aumento significativo dos benefícios acidentários concedidos a
adoecimentos do sistema musculoesquelético e da esfera psíquica. De fato, com o
advento do nexo técnico epidemiológico(25), as estatísticas evidenciam o parcial
desnudamento da conhecida subnotificação dos agravos ocupacionais,
particularmente dos grupos mencionados anteriormente (Gráficos 1 e 2
respectivamente). No entanto, não é conhecida nenhuma avaliação da extensão do
processo de implementação do nexo técnico epidemiológico, fato que não permite
um acompanhamento sistemático, tampouco a identificação de obstáculos para sua
plena vigência e consequentemente providências para eliminá-los (MAENO, 2008).
A concessão correta dos benefícios acidentários interessaria sobremaneira ao Ministério
da Previdência Social, pois eles interferem diretamente na definição do fator acidentário
de prevenção (FAP)(26), que flexibiliza para mais ou para menos a alíquota a ser recolhida
pelas empresas. Recente apresentação feita por representante do Centro de Referência
em Saúde do Trabalhador de Campinas(27) analisou dados de benefícios acidentários
por incapacidade concedidos sem CAT referentes à região sudeste do país, ao estado de
São Paulo, aos municípios de São Paulo e Campinas. Este último município apresenta
curva descendente de 2007 para 2008, ao contrário do que ocorreu nas outras regiões
abordadas, fato que merece uma análise aprofundada, sobretudo de eventual retrocesso
da aplicação do nexo técnico epidemiológico, considerando-se que os benefícios
estudados são os que tiveram a espécie acidentária definida por esse critério. Os dados
disponíveis mostram que após um notável aumento da concessão de benefícios
acidentários aos segurados com agravos musculoesqueléticos e com transtornos
mentais nos anos subsequentes à implementação do nexo técnico epidemiológico,
observa-se um declínio a partir de 2009 e em 2010, respectivamente (gráficos 1 e 2).
Observa-se também o decréscimo acentuado do número total de concessões de
benefícios por incapacidade temporária aos segurados com agravos
musculoesqueléticos e transtornos psíquicos, respectivamente, no período de 2006 a
2009 (gráficos 3 e 4), particularmente considerando-se que nada indica que os
adoecimentos desses grupos tenham sofrido declínio em sua ocorrência e que a
cobertura previdenciária vem aumentando nos últimos anos(28) (IPEA, 2009).
Andrade (2010) afirma que os transtornos mentais são a principal causa de
incapacidade, morbidade e morte prematura em países dos diferentes graus de
desenvolvimento socioeconômico. Sendo assim, a diminuição de benefícios por
incapacidade concedidos aos grupos de adoecimento citados deve ser analisada de
forma aprofundada, pois pode representar um processo de exclusão de adoecidos
do sistema de proteção da Previdência Social por meio da perícia médica, apoiada
em diretrizes clínicas e sistema informatizado restritivos.
II.2) Médicos nas ações judiciais envolvendo a saúde do trabalhador

O espaço de atuação nas ações jurídicas permite ao médico, em tese, exercer


sua atividade com o uso do pleno conhecimento técnico-científico, sem qualquer
interferência de fatores externos à sua capacidade de análise do caso em questão. O
compromisso com a literatura científica atualizada pode ser total, mas não sabemos
em que proporção isso de fato ocorre.
Nos processos judiciais envolvendo a saúde do trabalhador, ao perito judicial
cabe expor os aspectos técnicos, em geral sobre a existência ou não de incapacidade
e sobre a existência ou não de nexo causal com o trabalho.
Para isso, deverá lançar mão de todo o conhecimento das diversas disciplinas,
recorrer à literatura especializada, ter familiaridade com o mundo do trabalho,
conhecer o ambiente, condições e organização do trabalho específicos do processo e
avaliar o estado de saúde do reclamante de forma aprofundada, considerando
depoimentos e a experiência dos trabalhadores e dados epidemiológicos.
(BRANDIMILLER, 1996)
Silva (2010) refere que desde 2005, quando se deu o reconhecimento da
competência da Justiça do Trabalho para acolher as ações de indenização por danos
morais e patrimoniais decorrentes de acidentes do trabalho, inúmeros casos de
alegação de doença ocupacional têm sido objeto de ações judiciais e que os juízes
sentem-se angustiados por disporem de poucos peritos, por se aperceberem de que
aos que se dispõem a fazer perícia falta capacitação para averiguação de concausa no
surgimento de doenças e porque lhes falta conhecimento a respeito de incapacidade
para fins de indenização de danos de ordem trabalhista. Defende, assim como Dallari,
(2007), que o juiz não pode ser um mero aplicador da lei e “tampouco conformar-se
com interpretações dadas como irrecusáveis, ainda que seja a interpretação técnica
de um perito judicial. Antes, deve basear-se na lógica do razoável, conforme
ensinamento irrepreensível de Recaséns Siches, o grande filósofo que fez acertada
crítica aos métodos de interpretação do direito, propondo em lugar deles que o
intérprete busque, sempre uma solução que seja razoável, adequada e promova a
justiça do caso concreto, de modo que a lógica do razoável é a versão contemporânea
da equidade”. (SILVA, 2010. p. 326) Entre os aspectos que o referido artigo discute,
destacam-se dois, que geralmente são mal compreendidos pelos médicos do trabalho
e pelos peritos, sejam do INSS, sejam os que atuam nas ações judiciais.
O primeiro aspecto é a concausa. Sousa (apud SILVA, 2010) teria exemplificado
o trabalho como concausa em um caso de trabalhador cuja hérnia inguinal se
manifestara após um esforço físico. Ele defende que “a contribuição do infortúnio,
ainda que mínima, para que a doença congênita se revele ou se agrave, conduzirá à
responsabilidade do empregador, o que somente será isento se comprovar a
inexistência de qualquer relação de causa e efeito entre o fato e a doença”. Monteiro
e Bertagni (2009. p. 19-20) declaram que “nem sempre o acidente se apresenta como
causa única e exclusiva da lesão ou doença. Pode haver a conjunção de outros fatores
– concausas”. Rebouças (apud CARMO e cols., 1995) e Monteiro e Bertagni (2009)
classificam-nas em três categorias: concausas antecedentes, isto é, quando as outras causas
(extralaborais) são preexistentes, concausas supervenientes, quando as outras
causas (não laborais) sucedem o acidente ou doença e a concausas simultâneas,
quando as outras causas (não laborais) são concomitantes às causas laborais.
Segundo Oliveira (2010. p. 251), “não há necessidade de se precisar qual das causas
foi aquela que efetivamente gerou a doença, conforme a teoria da causalidade
adequada, pois todas as condições ou causas têm valoração equivalente. É necessário
apenas que a causa laboral contribua diretamente para a doença, mas não que
contribua decisivamente”.
Segundo Silva (2010. p. 11), os peritos médicos que atuam na Justiça do
Trabalho, com exceções, “não conhecem a fundo a dinâmica do processo do trabalho,
a finalidade da Justiça especializada e, na área técnica que lhes é própria, desconhecem
os reais contornos dos institutos nexo de causalidade e concausa”. Ressalta que os
médicos peritos sequer consideram a concausalidade.
O segundo aspecto discutido por Silva (2010) é a doença degenerativa. Em sua
opinião, a doença degenerativa, em princípio agravada por condições especiais de
trabalho, torna-se ocupacional.
Gostaríamos de acrescentar algumas considerações a respeito destes tópicos.
No campo da medicina, à medida que os conhecimentos avançam, mais fica
clara a complexidade do processo de adoecimento e a multiplicidade de condições
que contribuem para que ele ocorra. Contribuem para a ocorrência de doenças
crônicas, como a hipertensão arterial e o diabetes mellitus, por exemplo, múltiplos
fatores, desde os genéticos até os hábitos e condições socioeconômicas. Quando se
trata de transtornos psíquicos, mais difícil e complexo se torna o processo de
investigação dos aspectos que contribuem para o adoecimento. Assim, a concausa
da linguagem jurídica pode ser facilmente compreendida dentro do raciocínio do
bom médico, que inclui a multicausalidade na origem e agravamento de várias
doenças.
Quando falamos em processo degenerativo na linguagem médica, também o
compreendemos como fruto da multicausalidade. O envelhecimento é o fator comum
a todos os seres vivos e inexoravelmente leva à degeneração de células e de todas as
estruturas do corpo. Mas há vários outros que podem desencadear degeneração
generalizada ou localizada. Entre eles, podemos citar alterações metabólicas, como
no caso do diabetes mellitus; alterações específicas do sistema nervoso, como ocorre
na doença de Alzheimer, na esclerose múltipla e na doença de Parkinson;
imunológicas, como nos casos da artrite reumatoide; infecciosas, como nos casos de
AIDS; traumáticas, por sobrecarga mecânica e por desgaste precoce em decorrência
de excesso de movimentos sem tempo para recuperação, como nos casos de LER/
DORT. Essas situações podem apressar a degeneração de estruturas, que se daria em
razão do tempo e da idade, mas há interesses de alguns em se descaracterizar esse
processo degenerativo precoce como relacionado ao trabalho, jogando-o na vala
comum das doenças degenerativas, compreendidas como inevitáveis e inerentes ao
ser humano. (VERTHEIN; GOMEZ, 2001)
Em uma ação trabalhista na qual o reclamante era portador de doença
degenerativa da coluna vertebral agravada pelas condições de trabalho ao longo de 18
anos, teve reconhecido o direito de ser indenizado por danos materiais e morais. Ele
carregava peças de até 50 quilos. Ao analisar o recurso da empresa contra a sentença
condenatória de primeiro grau, a 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de
Minas Gerais (TRT — MG) entendeu que o reclamante tinha direito de ser indenizado,
mesmo que as causas da doença não tivessem relação direta com as atividades
profissionais. Apesar de pontuar que a doença tinha caráter degenerativo, o perito
judicial havia detectado as condições inadequadas de trabalho como uma das causas
que haviam concorrido para o agravamento do quadro clínico do reclamante(29).
Além das discussões conceituais, frequentemente, ao analisarmos os laudos
periciais, percebemos que eles carecem de informações, revisão ampla de literatura,
argumentos e justificativas. Eles deveriam dar subsídios técnicos para o julgamento
dos casos, mas com frequência não o fazem.
Elegemos laudos elaborados por dois peritos judiciais que atuam na vara de
acidentes do trabalho e na vara trabalhista no estado de São Paulo há muitos anos.
Vamos denominá-los perito A e perito B.
O perito A é membro titular da Associação Nacional de Medicina do Trabalho
(ANAMT) e tem duas pós-graduações, uma em medicina legal e perícias médicas e
outra em medicina do trabalho, ambas pela Universidade de São Paulo.
Em uma ação judicial contra o INSS, o autor (GAK) era empregado de um
grande banco privado desde 1989 e havia se afastado do trabalho de 2002 a 2004 e de
2005 a 2006, por tendinite de ombros, e havia obtido, em ambas as ocasiões,
reconhecimento de agravo à saúde relacionado ao trabalho pelo INSS. Já havia
passado pela reabilitação profissional do INSS. Pleiteava auxílio-acidente.(30) O laudo
pericial do perito A tem três páginas, sendo que a primeira é a capa onde consta o
nome do perito. A parte mais substanciosa do laudo pericial é a discussão que
transcrevemos literalmente abaixo:
Avaliado o autor e o segmento do qual a mesma se queixa (Ombros), não
foram encontradas alterações clínicas e de função, com exame físico
absolutamente normal, conforme detalhadamente descrito ao exame Físico.
A única alteração encontrada foi de imagem no Ombro Direito, no exame
de Ultrassonografia, que evidenciou algumas mínimas alterações de
imagem no tendão do supraespinhoso, porém tais alterações de imagem
não estão encontrado repercussão clínica na função do Ombro Direito,
não reduzindo a capacidade funcional para a função desempenhada, e
nem dificultando seu desempenho.
É importante que fique claro que o fato de existir mínima alteração de
imagem no exame complementar, não implica por si só em alterações
funcionais. O exame clínico/físico é soberano, e é ele que deve avaliar
repercussão na capacidade de trabalho, e no caso em questão o exame
clínico está normal, sem redução da capacidade funcional.
Com relação ao nexo causal, no presente caso ele já foi aceito pelo INSS,
que concedeu ao autor B91, não sendo motivo de discussão.
Em nossa opinião, a discussão é constrangedoramente pobre e além de conter
erros de redação, que torna o texto sofrível, confunde o sexo do autor, ora se referindo
ao autor, ora se referindo à autora. Em nenhum momento menciona qualquer
informação sobre a função que o autor exercia habitualmente e que vinha exercendo
por ocasião da perícia, o que seria de fundamental importância, pois a concessão de
auxílio-acidente é devida ao segurado que tenha limitações para exercer a atividade
de trabalho habitual. Depois de alguns meses, o autor foi submetido a uma cirurgia
nos ombros pelo agravamento clínico.
O perito B, também atuante de longa data, é um ortopedista e cirurgião de
mão. Em um processo judicial contra o INSS, a autora era ex-trabalhadora (MAL)
de uma grande empresa na região metropolitana de São Paulo, onde havia trabalhado de
1986 a 2003, inicialmente na linha de montagem de componentes eletroeletrônicos e
depois como vigilante. Fora demitida depois de retornar de um afastamento. O
perito descreveu como quadro clínico por ocasião da perícia, “dor no ombro D e
pescoço; faz uso de medicamentos e fisioterapia”. Surpreendentemente declarou não
ter feito o exame físico e no tópico da discussão justificou-se: “Não realizamos exame
físico para avaliação de eventual incapacidade porque a autora encontra-se afastada
em tratamento.” Apesar disso, disse que: “Diante dos documentos encartados nos
autos e das queixas clínicas atuais da autora, podemos admitir os diagnósticos clínicos
de Cervicodorsalgia e Síndrome do Ombro doloroso à direita.” Afastou o nexo com
o trabalho pelo fato de a autora ter sido vigilante nos últimos anos na empresa. Não
seguiu nenhum dos procedimentos preconizados pelo Conselho Federal de Medicina
(CFM, 1998) para “estabelecer o nexo causal entre os transtornos de saúde e as
atividades do trabalhador”. São eles, entre outros, a história clínica e ocupacional,
o estudo do local de trabalho, o estudo da organização do trabalho, os dados
epidemiológicos, a literatura atualizada, o depoimento e a experiência dos
trabalhadores. Quanto à incapacidade, foi ainda mais surpreendente. Disse que a
“incapacidade laborativa deixa, aqui, de ser analisada pelo fato da autora encontrar-se
em gozo de benefício previdenciário.” Parece-nos que o laudo pericial não conseguiu
oferecer subsídios técnicos suficientes para o julgamento.
E, finalmente, achamos importante tecer alguns comentários, mesmo que breves,
sobre um tema recorrente sobretudo no meio pericial, que é o da simulação. A Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10)(31) define
que o código Z76.5 corresponde à “pessoa fingindo ser doente — simulação consciente”,
mas é importante ressaltar que esse código encontra-se no grupo de “Pessoas em Contato
com os Serviços de Saúde em Outras Circunstâncias”, diferenciando-o de milhares de outros
códigos referentes a diagnósticos de alterações de saúde.
Trata-se de um tema que, com certa frequência, é abordado de forma equivocada
e leviana, quase sempre verbalmente. Meias verdades, inverdades, palavras e
expressões imprecisas, frases com sentido dúbio, conceitos confusos e preconceituosos
vão sendo repetidos de forma que em alguns círculos passam a ser tidos como verdade
absoluta. Por ocasião da consulta pública, já mencionada, sobre as Diretrizes de
Conduta Médico-Pericial em Transtornos Mentais do INSS, em dezembro de 2007,
observou-se que o peso dado ao alerta para a possibilidade de simulação de
transtornos mentais por parte dos segurados foi muito maior do que a possibilidade
de nexo de causalidade entre alguns transtornos mentais e o trabalho, como previsto
no anexo II do Decreto n. 3.048/99. Já naquela época pontuamos que essa ênfase
reforçava uma cultura de desconfiança e preconceito em relação aos trabalhadores
adoecidos que buscavam a proteção da previdência social e os pacientes psiquiátricos
em geral. O documento do INSS registrava que a simulação era frequente, sem
qualquer estudo que subsidiasse essa informação, o que tendia a agravar a sensação
de que o perito estava sempre prestes a ser enganado por algum “mal intencionado”.
Para os não especializados em psiquiatria, situação da maioria dos peritos,
seja no âmbito do INSS, seja no âmbito do judiciário, pode ocorrer uma confusão
entre simulação (atuação com motivos conscientes) e manifestações somatoformes
e dissociativas, denominações nosológicas atuais do anteriormente conhecido
comportamento histérico, termo famoso e mal compreendido, para o qual se admite
a participação de mecanismos psicológicos inconscientes (GALLUCCI NETO;
MARCHETTI, 2007). A afirmação contida nas citadas Diretrizes do INSS de que, ao
contrário do que se encontra no consultório, “na perícia médica deseja se mostrar
doente, portadora de grande incapacidade”(32), pode agravar essa confusão. O código
F68.1, que corresponde à “produção deliberada ou simulação de sintomas ou de
incapacidades físicas ou psicológicas (transtorno factício)”, encontra-se no capítulo
dos “Transtornos Mentais e Comportamentais” e tem um significado totalmente
diferente do código Z76.5, anteriormente citado. Perceba-se que somente no
primeiro caso há simulação deliberada sem a existência de doença. Para ilustrar a
disseminação dessa confusão, citamos o manual de condutas do setor de perícias
médicas dos servidores de um município do estado de São Paulo(33), que classifica
como simulação ambos os códigos, Z76.5 e F68.1, sem os devidos esclarecimentos
conceituais, levando ao médico perito não psiquiatra a entender que se trata da
mesma situação.
Em uma publicação, resultado de uma monografia de conclusão de curso(34)
(VASCONCELLOS, 2010), observam-se algumas afirmações genéricas, que podem
induzir a compreensões equivocadas e à inibição da boa prática médica. Entre elas,
menciona a “infeliz” e artificial incapacidade por iatrogenia causada pelo médico
assistencial ao prescrever repouso excessivo; mudanças de função; limitações de
atividades; medicações com efeitos colaterais e dependência; prescrever fisioterapias
em excesso ou desnecessárias; dar informações erradas sobre prognóstico ou escrever
relatórios “ingênuos” ou “paternalistas”. O que quis dizer ele com artificial
incapacidade? Quantos médicos acertadamente prescrevem mudanças de função
aos seus pacientes para prevenir agravamentos e poderiam se sentir inibidos? O que
ele quis dizer com relatórios “ingênuos”?
Ao falar de doença degenerativa, reforça o conceito de que está vinculada
somente à passagem do tempo, “sem interferência direta de fatores externos”, o que
não corresponde à verdade, com já discutido anteriormente.
Afirma também que são frequentes os casos nas LER/DORT, nas lombalgias,
nas perdas auditivas induzidas por ruídos (PAIR) e alergias, sem fazer qualquer
referência a estudos que fundamentem essa afirmação.
No tópico Os testes semiológicos ditos “não convencionais”, o autor orienta os colegas
sobre como proceder de forma a surpreender um simulador, fazendo, no entanto, ressalva
de que, “por suas características intrínsecas, quase ‘esotéricas’, personalizadas e secretas,
esses estratagemas de anamnese e exame clínico não podem ser explícitos em manuais
curriculares de semiotécnica, o que logo faria a felicidade dos simuladores e seus
orientadores” (VASCONCELLOS, 2010. p. 84). Inúmeros desses testes não têm quaisquer
referências de literatura e um deles, o de Phalen disfarçado, é creditado nominalmente a
um médico perito, cuja atuação profissional principal foi no INSS.
Para finalizar nossas considerações, nos parece relevante mencionar a
importância de se zelar pela isenção da atuação do médico perito. O Código de Ética
Médica (CFM, 2009) veda a possibilidade de o médico ser perito ou auditor do próprio
paciente e, adicionalmente, também nos parece pouco recomendável que um perito
judicial tenha qualquer vínculo com empresas, seja como médico contratado, seja
como prestador de serviços. Faltar-lhe-ia isenção para expor fatos e argumentos para
o julgamento sob a égide dos fatos, dos fundamentos, da lei e da justiça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

(...) se admitirmos, como Bobbio, que não existem direitos fundamentais


por natureza, somos nós próprios, cidadãos, que devemos nos
responsabilizar pelo reconhecimento, proteção e construção dos valores,
inalienáveis, concernentes àqueles que padecem de sofrimento psíquico,
a saber, a vida e a liberdade. (LIMA, 2010. p. 8)
As palavras acima, as quais subscrevemos, nos colocam a necessidade de
construirmos práticas dignas e justas das pessoas que tratam das questões da relação
saúde-trabalho. Advogamos o esforço conjunto com os setores da sociedade
interessados em resgatar o conhecimento em prol da proteção à saúde e à vida do
trabalhador, envidando esforços para que as estruturas e sistemas públicos facilitem
a boa prática profissional.
Os interesses econômicos de quaisquer natureza e de redução de custos dos
serviços públicos e empresas não podem se dar em detrimento do bem-estar das
pessoas.
Corrêa Neto (2010), em um artigo que faz um histórico da codificação da ética
médica, lembra que o tão citado juramento hipocrático estabeleceu a deontologia
médica: dedicação e educação continuadas, e sigilo profissional. Faz uma citação
que nos parece premonitória:
(...) Não é próprio da coragem gerar dinheiro, e sim ousadia, nem é
próprio da arte militar e da medicina gerar dinheiro, e sim a vitória e a
saúde, respectivamente; mas alguns fazer com que todas elas se voltem
para o dinheiro, como se fosse seu fim, e a esse fim consideram que todas
elas devem concorrer.
Em pleno século XXI é pertinente lembrarmos alguns dos ditames do Código
de Ética Médica (CFM, 2009), que define, no primeiro dos seus princípios
fundamentais, que a “Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e
da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza”.
Alguns incisos do código de ética médica são autoexplicativos e extremamente
significativos no que se refere às questões que foram objeto deste texto.
Quando trata, no seu capítulo I, dos princípios fundamentais, continua:
VI — O médico guardará absoluto respeito pelo ser humano e atuará sempre em seu benefício.
Jamais utilizará seus conhecimentos para causar sofrimento físico ou moral, para o extermínio do
ser humano ou para permitir e acobertar tentativa contra sua dignidade e integridade.
VIII — O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua
liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a
eficiência e a correção de seu trabalho.
IX — A Medicina não pode, em nenhuma circunstância ou forma ser exercida como comércio.
XI — O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no
desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.
XII — O médico empenhar-se-á pela melhor adequação do trabalho ao ser humano, pela eliminação
e pelo controle dos riscos à saúde inerentes às atividades laborais.
XVIII — O médico terá, para com os colegas, respeito, consideração e solidariedade, sem se eximir
de denunciar atos que contrariem os postulados éticos.

Quando, no capítulo III, trata da responsabilidade profissional, ressalta, no


seu art. 12, que é vedado ao médico “deixar de esclarecer o trabalhador sobre as
condições de trabalho que ponham em risco sua saúde, devendo comunicar o fato
aos empregadores responsáveis”. E mais, que, “se o fato persistir, é dever do médico
comunicar o ocorrido às autoridades competentes e ao Conselho Regional de
Medicina”.
E finalmente, quando, no seu capítulo X, trata dos documentos médicos,
explicita ser vedado ao médico “permitir o manuseio e o conhecimento dos
prontuários por pessoas não obrigadas ao sigilo profissional quando sob sua
responsabilidade” e “negar, ao paciente, acesso ao seu prontuário, deixar de lhe
fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias
à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ao próprio paciente ou a
terceiros”.
Correríamos o risco de transcrever o código de ética médica todo e encontrar
em cada um dos tópicos inúmeras infrações cometidas pelos médicos na abordagem
da saúde do trabalhador, seja dentro ou a serviço das empresas, seja como peritos
do INSS ou como peritos dos processos judiciais.
Não deixamos de reconhecer as boas práticas que existem nesses espaços de
atuação, mas elas decorrem de um grande esforço e desgaste dos profissionais, pois
as estruturas e sistemas existentes dificultam ao extremo o exercício digno da profissão
médica.
Londres (2010. p. 155-156), ao tratar da interferência de vários fatores sobre a
prática médica e sua gradativa submissão a interesses particulares, desnuda vários
dos aspectos conhecidos pelos médicos, mas pouco compartilhados com a sociedade,
ao falar de vários elementos da prática médica contemporânea, como a formação
médica insuficiente, que inibe o raciocínio, privilegiando a obediência a diretrizes e
leitura acrítica e descontextualizada de exames complementares; e “a prostituição
do médico” que, em troca explícita ou implícita de vantagens financeiras sob diversas
formas, frequentemente indica medicamentos, exames complementares, materiais,
cirúrgicos ou não, e procedimentos invasivos a pacientes.
Por vezes, os próprios conselhos se deixam contaminar por fatores externos à
boa prática médica. Exemplo recente foi a publicação de uma resolução pelo
Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) (35) que restringia a
autonomia do médico assistente ao determinar que o atestado ou relatório médico
solicitado ou autorizado pelo paciente para fins de perícia não deveria conter
qualquer palavra sobre a necessidade de afastamento do trabalho. Essa resolução
tolhia parte da atuação médica, que é a de orientar o paciente no que se refere à
possibilidade ou não de continuar em atividade laboral durante o tratamento. Para
se perceber o equívoco dessa resolução, basta aplicá-la para casos da vida real. Em
um caso de infarto do miocárdio, o cardiologista não poderia no relatório médico
fazer qualquer recomendação ou menção sobre o tempo de repouso necessário.
Felizmente, o CREMESP reviu essa grave distorção e a redação atual é “o atestado ou
relatório médico solicitado ou autorizado pelo paciente ou representante legal, para
fins de perícia médica, deverão conter informações sobre o diagnóstico, os exames
complementares, a conduta terapêutica proposta e as consequências à saúde do
trabalhador, podendo sugerir afastamento, readaptação ou aposentadoria,
ponderando ao paciente, que a decisão caberá ao médico perito”.(36) Mas quantos
trabalhadores foram prejudicados nos dois anos em que a resolução restritiva e
equivocada vigorou! E quantos médicos assistentes do estado de São Paulo deixaram
de cumprir com os seus deveres ao seguirem a resolução de seu conselho! E quantos
ainda a seguiram de forma acrítica!
A boa prática médica só poderá prosperar se construirmos uma relação de real
independência dos interesses econômicos e políticos alheios à proteção da vida e da
saúde do trabalhador.
Considerando que a população trabalhadora faz parte da população geral,
com fatores de risco à saúde vinculados ao seu código genético, à idade, ao sexo, à
inserção socioeconômica e à inserção laboral, os aspectos do ambiente e da
organização do trabalho devem ser incorporados na abordagem da saúde dos
trabalhadores no âmbito da saúde coletiva, e não de maneira particular por
profissional pago pela empresa para que controle a mão de obra. É urgente que o
espaço das empresas seja democratizado, com a livre organização dos trabalhadores,
com a real apropriação das informações pelos trabalhadores e com o controle da
sociedade sobre o SESMT. Pelas diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), todos
os serviços de saúde devem prestar contas aos conselhos de saúde e isso inclui o SESMT
e outras organizações de saúde das empresas. No estado de São Paulo, os
SESMT, dentre outros serviços públicos e privados, fazem parte da rede sentinela
para notificação compulsória de agravos ocupacionais. (SÃO PAULO, 2009)(37)
Oliveira (2010) lembra da importância de os atos normativos que regem a área
de saúde do trabalhador no país considerarem os aspectos avançados das Convenções
da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificadas pelo Brasil. A Convenção
n. 161 da OIT, por exemplo, versa sobre serviços de saúde no trabalho, que poderiam
ser adotados pela legislação, “por intermédio de convenções coletivas ou de outros
acordos entre empregadores e trabalhadores interessados” e “por todos os demais
meios aprovados pela autoridade competente após consultas junto a organizações
representativas de empregadores e trabalhadores interessados”. Oliveira (2010. p. 85)
lembra ainda que o art. 10 da Convenção n. 161, ratificada pelo Brasil, determina que
os profissionais prestadores de serviços de saúde no trabalho devem ter independência
com relação ao empregador. Segundo seu entendimento, essa independência só pode
existir se houver garantia de emprego e a OIT recomenda que a contratação e o fim de
contrato de trabalho dos profissionais de serviços de saúde no trabalho sejam feitos
após consultas às organizações representativas dos trabalhadores.
No espaço do INSS, é de fundamental importância que haja um processo de
humanização da perícia, libertando o perito do papel de “porteiro institucional”,
com dever de obediência aos ditames clandestinos travestidos de diretrizes técnicas.
Aspectos da precarização do trabalho têm chegado ao INSS, por meio do controle e
gestão institucional pela informatização de todos os procedimentos, dando pouca
margem para correções ágeis e decisões loco-regionais. Em nome dessa lógica de
procedimentos padronizados, prevê-se tempo curto para cada perícia, banalizando-
-se sua execução. A perícia não pode ser abordada como uma etapa burocrática. É
ela que decide se o segurado faz jus ou não a um benefício e de que espécie é esse
benefício. Deve ser tratada como um procedimento de excelência, em que todo o
saber e experiência têm que estar a serviço de uma ação preventiva de maiores
incapacidades, desvantagens e exclusões sociais, integrada a outros setores
governamentais e sociais. É preciso que as especialidades médicas e outras profissões
não médicas se integrem a esse processo de decisão pericial para que os diversos
aspectos da incapacidade do segurado sejam contemplados e a funcionalidade seja
resgatada por mecanismos institucionais, o que resultará em contenção de custos
pela seguridade social, não pelo afunilamento no ingresso dos segurados, mas pela
ampliação da política pública cidadã.
Esse processo exige a ativa participação da sociedade, que deve ter acesso a
todas as informações das instituições, salvo as que envolvem dados sigilosos de
pessoas. É urgente que se criem mecanismos para que a sociedade possa efetivamente
participar das discussões, do processo de formação dos profissionais de saúde e opinar
sobre as práticas das instituições.
TRABALHO E SAÚDE MENTAL NO
CONTEXTO CONTEMPORÂNEO DE TRABALHO:
POSSIBILIDADES E LIMITES DE AÇÃO

Maria Elizabeth Antunes Lima

INTRODUÇÃO

De início, cabe discorrer sucintamente sobre as principais transformações que


vêm ocorrendo no capitalismo mundial e suas repercussões no mundo do trabalho.
Dentre os inúmeros teóricos que trataram do tema, talvez tenha sido Chesnais, (1996)
quem o abordou com mais propriedade. Ele localiza nos anos 1980 uma reconfiguração
do capitalismo mundial, caracterizada por uma mudança no padrão de acumulação
vigente, que passa a ocorrer basicamente pela centralização de gigantescos capitais
financeiros, cujo exemplo maior se encontra nos fundos de pensão. Além disso, prossegue
o autor, ainda que a riqueza continue a ser gerada na produção, é a esfera financeira
que comanda cada vez mais sua repartição e destinação social. O capital financeiro
adquiriu uma mobilidade e força inéditas, podendo “escolher” mais livremente do que
nunca as regiões do planeta que mais lhe convêm em termos de rentabilidade. Da
mesma forma, o capital industrial vem adquirindo uma mobilidade crescente, podendo
explorar mais livremente a mão de obra dos diversos países, aproveitando suas
vantagens comparativas em termos de salários, impostos ou legislação trabalhista.
Diante disso, certas regiões do planeta correm o risco de ser simplesmente postas de
lado por não apresentarem qualquer atrativo. Ou seja,
não é todo o planeta que interessa ao capital, mas somente parte dele.
Falar de mundialização do capital significa que o capital fortaleceu-se e
recuperou a possibilidade de voltar a escolher, em total liberdade, quais
os países e camadas sociais que têm interesse para ele. Os critérios de
seleção modificaram-se em relação aos que predominavam na época do
imperialismo clássico. A modificação de critérios leva à desconexão
forçada, acompanhada por formas dramáticas de retrocesso econômico,
político, social e humano. Certos países não são mais alcançados pelo
movimento da mundialização do capital a não ser sob a forma
contraditória de sua própria marginalização. (CHESNAIS, 1996. p. 34)
Nesse contexto, cabe salientar também que a produtividade das empresas
aumentou significativamente sem que isso venha conduzindo ao aumento
correspondente de empregos. Pelo contrário, temos nos deparado com uma
tendência ao crescimento do desemprego, até mesmo em países que pareciam
relativamente protegidos desse grave problema. (ANTUNES, 1995, 2000) Como
estratégia para minimizar seus impactos, observa-se uma tendência à generalização
do modelo americano de flexibilização dos contratos de trabalho, o que, na realidade,
significa precarização desses contratos e perda de conquistas sociais importantes
para a classe trabalhadora. Mas é importante ressaltar que preservar o emprego não
significa estar a salvo dos problemas, já que os assalariados estão submetidos a uma
intensificação crescente do ritmo do trabalho acompanhada de exigências abusivas
de qualidade. Seja como for, o que resulta desse quadro é um grave dualismo social,
caracterizado pela exclusão pura e simples de boa parcela da população de qualquer
possibilidade de acesso ao emprego formal. (GORZ, 1988; ANTUNES, 1995). Além
disso, fica cada vez mais concreta a ideia de um mercado mundial de trabalho, onde
assalariados de várias partes do planeta são postos em competição, sendo muitos os
candidatos e poucos os “escolhidos”.
No nosso entendimento, é a partir dessa contextualização que devemos tentar
avançar no tema deste ensaio, uma vez que as transformações acima descritas têm
tido repercussões tão importantes no mundo do trabalho que já se tornou lugar-
-comum a referência a uma “terceira revolução industrial”. Tal “revolução” estaria
ocorrendo, tanto no âmbito das inovações tecnológicas (introdução maciça da
informática, da robótica e da microeletrônica) quanto das inovações organizacionais.
Estas últimas dizem respeito, sobretudo, às sucessivas estratégias gerenciais por meio
das quais as empresas tentam obter a adesão dos assalariados às novas exigências de
qualidade e de produtividade, já que o sucesso na implantação de certos
procedimentos exige a aceitação dos princípios que lhes servem de base. Assim, não
se trata de mero acaso o aumento das discussões em torno das questões relativas à
implicação, à motivação e ao envolvimento dos empregados.(1)
Assim, como vem sendo constatado, há vários anos, por diversos teóricos
(MATTOSO, 1995; ANTUNES, 1995; CLOT, 1995; CHESNAIS, 1996), a ascensão
do capital financeiro tem sido acompanhada de formas agressivas e brutais de se
procurar aumentar a produtividade no trabalho. É por isso que setores produtivos
inteiros são transformados para se adotarem procedimentos como o just in time,
por exemplo, uma vez que este permite flexibilizar a produção, a circulação mais
rápida do capital, o incremento da qualidade e da produtividade, além da redução
dos custos e das porosidades do processo produtivo. Mas não se pode esquecer também
que, juntamente com essas mudanças, tornam-se mais comuns as práticas da
subcontratação, da estagiarização e da terceirização, sendo que, atualmente, já é
conhecido que as empresas-terceiras podem servir para reduzir custos e para amortecer
os impactos dos imprevistos conjunturais. (CORIAT, 1991) Em geral, seus empregados
sofrem o peso da precariedade contratual, dos salários inferiores, da insegurança do
emprego e da redução da proteção sindical, podendo apresentar, em decorrência disso,
um aumento de doenças ocupacionais e de acidentes de trabalho.(2)
Portanto, os problemas principais que temos identificado nos contextos atuais
de trabalho, e que coincidem com os resultados de diversas pesquisas, podem ser
assim resumidos: intensificação do ritmo de trabalho, atingindo, com frequência,
níveis intoleráveis; exigências abusivas de qualidade, em especial, pelo fato de nem
sempre serem dadas as condições mínimas necessárias para atendê-las; conjugação
dessas exigências com metas visando à quantidade, o que coloca o assalariado diante
de um dilema, já que, ao atender uma exigência, estará deixando de atender à outra;
imposição de um sistema de multitarefas, camuflado pela ideia aparentemente
positiva de polivalência; extensão abusiva da jornada de trabalho, algumas vezes,
acompanhada de horas extras impostas e não pagas. Tudo isso, sendo agravado
pelo fato de que tais mudanças vêm geralmente acompanhadas de uma redução
importante do poder dos sindicatos, acarretando, evidentemente, um
enfraquecimento do seu papel na proteção da saúde por meio de melhorias nas
condições de trabalho.
Não poderíamos finalizar essas primeiras considerações sobre o problema aqui
tratado, sem expor, mesmo resumidamente, como tudo isso vem ocorrendo no caso
brasileiro. É importante enfatizar que, entre nós, essas mudanças ocorreram de forma
bem mais rápida, uma vez que a modernização das empresas nacionais emergiu
como uma preocupação e se apresentou como uma urgência, somente a partir do
final dos anos 1980. Na ocasião, as medidas econômicas e políticas adotadas pelo
governo Collor deram o primeiro impulso a esse movimento. O “Plano de
Modernização Industrial” proposto por esse governo se apoiava no chamado
“Programa Brasileiro de Qualidade e de Produtividade”. A abertura da economia,
levando à liberação crescente das importações, obrigou as empresas nacionais a
inovar rapidamente suas tecnologias e a aderir às políticas de gestão da produção e
do pessoal, consideradas como mais avançadas, a fim de se tornarem mais
competitivas. (LIMA, 1998)
Além disso, foi nessa mesma ocasião que novos padrões de produtividade e de
qualidade passaram a ser impostos em nível internacional, sendo que a obediência
aos mesmos era condição sine qua non para a permanência da empresa no mercado.(3)
Hoje já é sobejamente conhecido que essa corrida desenfreada em busca da
“modernização” teve um preço e as investigações sobre as novas formas de desgaste
presentes nos locais de trabalho nos conduzem diretamente às suas maiores vítimas:
os assalariados. Ou seja, ainda que algumas pesquisas revelem o sucesso das empresas
que incorporaram essas inovações, reduzindo seu ciclo de produção, suas perdas e o
tempo de preparação das máquinas, tornando-se mais competitivas, muitas outras
trazem resultados diferentes quando o objeto de análise são seus impactos sobre os
assalariados.
Em outras palavras, embora certos estudos constatem um aumento da
estabilidade no emprego, como contrapartida à adesão dos empregados, um
aumento salarial, especialmente através da chamada “participação nos lucros”, ou
uma nova preocupação das empresas com a formação dos seus empregados, a maioria
termina por admitir que esses ganhos não podem ser generalizados. Eles estariam
limitados a uma minoria privilegiada que trabalha nos setores de ponta da economia
e, ainda assim, é preciso ressaltar que, mesmo nesses setores, a saúde dos empregados
não está protegida. (CLOT et al., 1990; LIMA, 1996) Dessa forma, o que parece
passível de generalização são as perdas, uma vez que grande parte das pesquisas tem
concluído que o desgaste físico e/ou psíquico dos assalariados tem sido a
contrapartida dos ganhos importantes em produtividade e qualidade obtidos pelas
empresas modernas. A esse respeito, temos a interessante observação feita por Clot
(2005) ao discorrer sobre o grave desencontro que se constata entre os critérios para
se falar da saúde da empresa e da saúde dos seus empregados. Para o autor, existe aí
uma perversão do termo, pois, para que a empresa preserve sua “saúde”, isto é,
permaneça rentável e eficiente, é preciso que o empregado perca a sua.

I) IMPACTOS DAS MUDANÇAS NA SAÚDE DOS ASSALARIADOS

Todos os problemas expostos anteriormente, embora possam ser vistos como


comuns ao mundo do trabalho contemporâneo, possuem suas nuances locais e,
geralmente, assumem uma gravidade maior nos países em desenvolvimento, como é
o caso brasileiro, no qual as exigências de qualidade e quantidade vêm sendo
intensificadas pelas empresas, mas quase sempre sem um investimento importante
em tecnologia ou em melhorias nas condições de trabalho. Os ganhos de
produtividade e as reduções dos custos devem ser alcançados por meio da
intensificação do trabalho vivo e não por intermédio do incremento tecnológico. A
esse respeito, é interessante citar dois depoimentos que, embora um pouco distantes
no tempo, ainda nos parecem bastante reveladores do que se passa em grande parte
das nossas empresas.(4) O primeiro deles foi extraído de uma palestra realizada por
um consultor de Qualidade Total que, ao se referir à necessidade de reduzir custos
nas empresas, disse:
Para conseguir diminuir perdas, tem que torcer bastante a toalha (...). A
Toyota torce uma toalha seca e consegue tirar água (...) e tem muita
empresa no Brasil que está encharcada (...). Muita empresa diz que não tem
mais nada a fazer e sempre é possível reduzir mais os custos.
O segundo depoimento foi obtido a partir de uma entrevista realizada com um
trabalhador do setor metalúrgico de Minas Gerais, quando este abordou suas
impressões a respeito da implantação do programa de Qualidade Total na sua
empresa (aqui chamada de SBTL):
(...) Aí, aquela pergunta: “vamos mudar o sistema de laminação?” Aí, veio a
resposta: “olha, o modelo econômico brasileiro é um fracasso, a empresa não
tem como investir, nem como substituir nenhuma máquina. Todo esse grau
de melhoria de qualidade que vamos ter de alcançar e todo esse aumento
de produção e toda essa redução de custo, nós vamos ter que trabalhar é
em cima do homem (...) Então, o sistema de Qualidade Total aqui... trocar
máquina, nem pensar. A máquina vai ficar a mesma, no mesmo lugar, do
jeito que ela tá e nós vamos ter que encontrar a solução de aumento de
produtividade, de aumento de velocidade é no homem (...). O SQT (Sistema
de Qualidade Total) foi desenvolvido na SBTL basicamente em cima do
homem, como se você pegasse uma toalha molhada, torcida e continuasse
a torcer pra ela ir secando. Como se ela fosse secada na marra (...) “Nós
vamos mudar é o homem e fazer o homem render o que as máquinas não
rendem”.
Não nos parece ser fruto do acaso o fato de um consultor de Qualidade Total e
um trabalhador recorrerem à mesma metáfora, ao falarem sobre as atuais exigências
impostas pelas empresas aos seus empregados. No nosso entender, ao se referirem à
“toalha torcida” ambos estão se referindo ao mesmo fenômeno — as exigências
excessivas de produtividade que vêm sendo impostas nos contextos de trabalho —,
sendo que a fala do trabalhador apenas dá um conteúdo mais concreto ao que os
consultores chamam genericamente de “redução de custos”.
Além disso, essa imagem tão rica de significados que ambos utilizam nos permite
inferir alguns dos problemas de saúde decorrentes desses novos procedimentos
adotados pelas empresas. Sabemos que as estatísticas sobre as doenças ocupacionais
divulgadas até o presente momento no Brasil não oferecem um quadro completo
sobre nossa realidade. No entanto, os resultados de muitos estudos, além de dados
divulgados pelos órgãos responsáveis pelo atendimento aos trabalhadores,
possibilitam certa compreensão da gravidade do problema aqui tratado.
O primeiro aspecto que deve ser ressaltado diz respeito ao fato incontestável de
que essas mudanças acabaram contribuindo para o aumento das desigualdades
sociais, uma vez que se baseiam, na maioria das vezes, na redução do pessoal, levando
ao crescimento do desemprego ou, no mínimo, à precarização do trabalho.
(ORGANISTA, 2006) Ou seja, elas atingem tanto os que são demitidos quanto os
que conseguem permanecer nas empresas. Nesse caso, torna-se fundamental estudar
não só as doenças provocadas pelo desemprego, mas também as que são
desenvolvidas por aqueles que conseguem permanecer nas empresas, lutando pela
preservação dos seus lugares, mesmo ao preço da submissão a uma extrema
intensificação do trabalho.
Assim, entre os raros estudos voltados para o tema do desemprego, cabe citar
Selligmann (1994), que abordou com propriedade não apenas os problemas que
atingem os desempregados como aqueles apresentados por assalariados de empresas
em processo de redução maciça de pessoal. Ela constatou que aqueles que
permanecem se sentem sobrecarregados, pois seu ritmo de trabalho é intensificado
após as demissões. Apresentam também sinais de fadiga e de tensão, gerando maior
risco de acidentes. O receio da demissão também levaria, de acordo com a autora,
ao aumento do individualismo e dos conflitos com a hierarquia, além de provocar
rupturas importantes entre os pares. Entre os desempregados, ocorreria o risco de
suicídio, além do desenvolvimento de sintomas já descritos na literatura sobre o
assunto, tais como depressão, isolamento social e desestruturação familiar.
Após a generalização de medidas visando o aumento da qualidade e da
produtividade nas empresas brasileiras, muitos estudos já foram realizados. Seus
resultados não são concludentes, mas fornecem excelentes pistas a respeito dos
impactos dessas medidas na saúde dos assalariados. Em primeiro lugar, a
intensificação do trabalho, decorrente dessas mudanças, tem apresentado como
consequência o aumento das conhecidas Lesões por Esforços Repetitivos (LER), que
vêm liderando, há vários anos, as estatísticas sobre doenças ocupacionais. Em seguida,
vêm os transtornos mentais, como a fadiga nervosa, a síndrome do pânico, os quadros
depressivos. A tudo isso pode-se acrescentar o aumento dos acidentes de trabalho,
sobretudo, entre trabalhadores terceirizados, além dos quadros de alcoolismo, de
ansiedade e do importante índice de suicídio que vêm atingindo certas categorias
profissionais.(5)
Em suma, ainda que as estatísticas sejam sempre carentes de precisão, já é
possível constatar que as mudanças impostas ao mundo do trabalho, a partir dos
anos 1980, têm forjado um novo perfil de adoecimento em diversas categorias
profissionais. Algumas doenças podem ser mais facilmente relacionadas com tais
mudanças do que outras, mas o fato inegável (e que a história das doenças
ocupacionais nos ensina) é que, ao ser transformado nosso modo de trabalhar — ou
nosso modo de “andar a vida”, como colocam muito bem Laurell e Noriega (1989) —,
transforma-se também o tipo de desgaste que sofremos e, portanto, nossa forma de
viver, adoecer e morrer.
No entanto, se as mudanças ocorridas no nosso modo de “andar a vida” são
inegáveis, seus efeitos ainda não foram devidamente apreendidos, apesar dos esforços
de inúmeros pesquisadores que vêm se debruçando sobre o assunto. Serão necessários
mais estudos e maiores esforços de síntese dos resultados já alcançados. Mas é possível
pensar também que esses efeitos ainda não estão suficientemente consolidados de
modo a permitir uma compreensão total de sua gravidade e extensão. Seja como
for, os primeiros resultados alcançados já sugerem a necessidade de que tanto os
pesquisadores quanto os profissionais voltados para o campo da saúde ocupacional
envidem todos os esforços possíveis no sentido de trazer elementos visando à
prevenção e ao controle desse novo quadro que irrompe no cenário contemporâneo
do trabalho.

II) QUAL AÇÃO POSSÍVEL?

No que concerne à ação dos profissionais que atuam no âmbito da saúde do


trabalhador, acreditamos que algumas precauções devam ser tomadas diante dos
consideráveis desafios que se apresentam. De início, é importante sinalizar que
devemos estar atentos a três perigos maiores: a psiquiatrização do sofrimento no
trabalho, o retorno ao higienismo por meio da gestão individualizada do sofrimento
no trabalho e a judicialização das relações de trabalho. São esses os vieses principais
que Clot (2005, 2010a) vem constatando no caso francês, onde, segundo ele, as
“desordens do trabalho” tendem a se dissolver “em uma nova higiene do
comportamento”, sendo o mais grave o fato de sua origem se situar em certas críticas
que vêm sendo dirigidas ao trabalho. Ou seja, segundo o autor, ironicamente, o
capitalismo vem se nutrindo de algumas críticas dirigidas a ele: da mesma forma que
a crítica ergonômica ao trabalho foi reapropriada pelo capital na forma do reforço
dos procedimentos e na “inflação de protocolos e de controles”, isto é, no reforço da
prescrição do trabalho, a mesma crítica vinda do campo da Saúde Mental no
Trabalho vem resultando na adoção de medidas visando ao atendimento
psicoterápico dos assalariados. Atualmente, cerca de 4000 psicólogos e psicanalistas
estão a serviço das empresas francesas “para sustentar os esforços dos assalariados
face às provações sofridas e descritas no vocabulário do estresse”. (CLOT, 2005) Isso
significa que a ideia bastante frequente de que os problemas no mundo do trabalho
têm sua a origem em questões estritamente pessoais, acabou por conduzir à
disseminação de outra ideia que lhe é complementar: a de que o tratamento
psicológico individual deveria saná-los.(6)
Outro grande risco sinalizado por Clot (2010a, 2010b) consiste no
encarceramento dos trabalhadores no papel de vítimas, o que só pode conduzir à
amputação do seu poder de agir. Nesse caso, corremos também o risco de propor
medidas que não serão mais do que meros paliativos para os problemas detectados,
já que deixam de ir ao cerne da questão: o trabalho real e a ampliação das
possibilidades de ação dos próprios trabalhadores.
Um debate ocorrido na França em torno do assédio moral — tema frequente
quando se discute atualmente a saúde mental no trabalho — poderá nos ajudar a
avançar na reflexão sobre nossa atuação profissional. Ele foi travado por três teóricos,
sendo cada um bastante representativo de sua área de atuação: trata-se de Marie-
-France Hirigoyen, psiquiatra e psicanalista e uma das maiores responsáveis pela
disseminação da discussão desse tema não só no seu país, mas também no Brasil; Yves
Clot, psicólogo do trabalho e autor principal da Clínica da Atividade, disciplina que
vem adquirindo grande visibilidade na França, na Europa e no Brasil; e Philippe
Askenazy, economista e pesquisador do CNRS, importante centro de pesquisa francês.(7)
Os principais argumentos expostos por Hirigoyen nesse debate podem ser assim
resumidos: em primeiro lugar, ressalta que as pessoas têm recorrido a ela, na sua
prática como psiquiatra, para falarem de uma profunda insatisfação e decepção, não
atribuídas apenas à intensificação do trabalho, mas ao fato de que, ao lado dessa
intensificação, existe a falta de reconhecimento e de respeito pelo indivíduo.
Acrescenta ainda que os psicólogos, atuando no espaço externo às empresas, foram
aqueles que alertaram para o problema e, provavelmente, foi essa condição de
exterioridade que lhes permitiu fazê-lo. Além disso, considera positivo o fato de se
oferecer um espaço para as pessoas falarem sobre seu sofrimento, já que antes se
sentiam isoladas e solitárias. Mas admite que essa escuta individual oferecida pelos
psicólogos e sua maior presença no cenário francês devem ser atribuídas à ausência
de soluções coletivas no mundo contemporâneo do trabalho.
A autora reconhece que sua visão do problema tem dado espaço para uma
crítica à psicologização dos problemas do trabalho, mas se apressa a responder a
essa crítica dizendo que, havendo uma escuta individual, talvez seja possível chegar
a mudanças no plano coletivo e as pessoas possam se reagrupar, fazendo algo em seu
próprio benefício. Como medida para lidar com o problema, ela reforça a necessidade
de se “reintroduzir o humano no mundo do trabalho” e de se “repensar as formas de
gestão”, propondo um pouco mais de escuta e de relacional. Defende também a
criação de leis para lidar com o problema do assédio moral, embora compreenda as
reticências que vêm sendo feitas em relação a essa medida. Seu argumento é o de que
o interesse da lei não está na sanção, mas em impor a prevenção, já que as empresas
francesas começaram a se preocupar em propor medidas para lidar com o problema
somente após o surgimento da legislação.
Ao entrar no debate, Philippe Askenazy manifestou seu acordo em relação a
vários aspectos tratados por Hirigoyen, mas discordou das soluções apresentadas
por ela, dizendo que seis anos após a publicação do seu livro, mesmo considerando
seu enorme sucesso, não havia ocorrido qualquer mudança significativa nas
empresas, o que parece revelar que o acúmulo de problemas pessoais não conduz
necessariamente à reivindicação coletiva. Além disso, considera questionável o fato
de ser necessária a criação de uma lei para que algo melhore no âmbito das empresas,
dizendo que isso ocorre somente por estarmos em um mundo no qual não existem
mais verdadeiros coletivos. Assim, ele se interroga se o assédio moral não seria uma
consequência da organização da própria empresa e se realmente estamos tratando
de uma relação assediador-assediado ou se é a própria organização que transforma
os indivíduos em assediadores.
Yves Clot concordou, em parte, com os argumentos de Askenazy, mas colocou-
-se frontalmente contrário às proposições de Hirigoyen. De início, ele expôs suas
dúvidas a respeito do que se chama hoje de “assédio moral”, manifestando seu
incômodo, sobretudo, em relação ao fato de que as demandas em torno de problemas
de saúde no trabalho sejam traduzidas, atualmente, nesses termos. Segundo ele, está
ocorrendo uma reformulação legal dos conflitos profissionais em conflitos pessoais
e um dos perigos é que isso conduza ao “congelamento jurídico” dos conflitos no
trabalho. Ou seja, “ao colocar acento exclusivamente na relação entre dois
indivíduos, o agressor e a vítima”, essa discussão pode abrir caminho para a
“criminalização das condutas mais do que para as transformações da organização
do trabalho que as solicita”. Ele concorda com Hirigoyen e Askenazy quando
afirmam que toda a discussão em torno do assédio moral ocorre paralelamente à
redução do poder de ação dos coletivos de trabalho, mas manifesta profunda
inquietação em relação às estratégias criadas pelas empresas para reagir ao problema,
ao proporem a “gestão individual do estresse”. A melhor maneira de justificar essa
inquietação se encontra nas demandas que têm chegado até ele e que podem ser
assim traduzidas: “estamos inseridos em um mercado mundial extremamente
exigente, mas a organização do trabalho é intocável. No entanto, sabemos que para
as pessoas é muito difícil. Vocês poderiam nos ajudar a ampará-las e a escutá-las?”
Assim, interroga Clot, a psicologia tem entrado no mundo das empresas com
essa função da escuta, mas será essa sua função social? “Escutar as pessoas e tentar
levá-las a usar mais e mais suas reservas, buscando extrair delas mais recursos pessoais
para suportar o insuportável?”

À GUISA DE CONCLUSÃO

Após tudo o que tem sido dito e publicado em torno do assunto, é impossível
negar as profundas transformações pelas quais atravessa o mundo do trabalho. As
empresas são, evidentemente, vítimas desse processo na medida em que necessitam
alcançar níveis crescentes de competitividade, sendo esta a condição de sobrevivência
em um ambiente cada vez mais hostil e turbulento. No entanto, aqueles que sofrem
os maiores impactos dessas mudanças são, inegavelmente, os assalariados. Estes devem
se submeter a constantes exigências por produtividade e qualidade sem que lhes
sejam oferecidas, na maioria das vezes, as condições mínimas necessárias para
respondê-las. E tudo isso em um contexto no qual muitos já não se reconhecem
naquilo que fazem, percebendo uma distância muito grande entre o que se propõem
a realizar e o que de fato realizam, ocorrendo, em numerosos casos, conflitos éticos
insuportáveis. (CLOT, 2010a)
Além disso, os coletivos tendem a se desfazer e o indivíduo se vê frequentemente
sozinho diante das mais diversas solicitações, algumas claramente contraditórias,
devendo buscar em si mesmo os recursos para enfrentá-las. Cabe a ele, portanto,
criar mecanismos para preservar a saúde, o que nem sempre é alcançado. Nesse caso,
os processos psicopatológicos não estão distantes, sendo o transtorno mental, muitas
vezes, a única saída possível para um conflito que parece insolúvel.
Mas um ponto nos parece essencial: diante dessa realidade, quais seriam as
possibilidades de ação e de intervenção no campo da Saúde Mental no Trabalho?
Vimos acima que, atualmente, se fala cada vez mais sobre a necessidade de
escutar o trabalhador, mas isso resulta apenas em “perfusões psicológicas” (CLOT,
2010a) em um trabalho que está doente na sua forma de organização. Fala-se também
recorrentemente a respeito do problema do reconhecimento, mas a forma pela qual
a discussão tem sido conduzida pode levar a uma perversão do sentido do termo,
pois o que faz sofrer às pessoas não é exatamente o fato de não serem reconhecidas
pelos chefes ou colegas, e sim o fato de não conseguirem mais se reconhecer no
trabalho que lhes obrigam a fazer. Ou seja, a maior fonte de sofrimento relatada
atualmente pelos assalariados está na impossibilidade de se reconhecerem naquilo
que fazem, isto é, no fato de se sentirem como estrangeiros na sua própria vida.
(CLOT, 2010a)
Assim, conforme adverte Clot (2010b), muitos “doentes do trabalho” estariam
emergindo nos dias de hoje dentre aqueles que não suportam mais que seu ofício seja
maltratado, vendo-se progressivamente amputados do seu poder de agir. E, mais do
que isso, a ausência de debates internos aos coletivos — e em torno das questões
relativas ao próprio trabalho — é o que tem conduzido às querelas pessoais,
comumente traduzidas como assédio moral.
Portanto, estamos falando de um trabalho que não deveria ser reconhecido
externamente, e sim transformado. O eixo de ação de todos aqueles que se ocupam
da saúde nos contextos laborais deveria consistir em encontrar meios de restaurar a
possibilidade de cada um se reconhecer no trabalho que realiza. Para isso, o caminho
seria o de amparar os esforços de desenvolvimento dos sujeitos, efetivando o que
Clot (2010a) chama de exercício de “civilização do real”, de modo a favorecer a
saúde do corpo e do espírito.
Mas não se deve depreender das reflexões acima qualquer tipo de ingenuidade
em relação ao que se passa nos contextos contemporâneos de trabalho. Clot (2010a)
reconhece que o sistema rentabilista e de curto termo maltrata, frequentemente,
tanto os sistemas técnicos quanto os homens. Mas percebe também que as medidas
que vêm sendo tomadas para lidar com isso, podem levar ao encarceramento das
pessoas na posição de vítimas desse sistema, abrindo mão de qualquer esforço no
sentido de aumentar seu poder de ação e de transformação da realidade que as faz
sofrer.
DA VIOLÊNCIA MORAL NO TRABALHO À ROTA
DAS DOENÇAS E MORTE POR SUICÍDIO

Margarida Maria Silveira Barreto


José Roberto Montes Heloani

INTRODUÇÃO

Sociólogos e economistas têm chamado de “o novo espírito do capitalismo” ao


comportamento dos agentes econômicos diante do mercado globalizado e às
mudanças que vêm ocorrendo na organização e gestão da produção. A organização
do mercado “interdependente”, sem limites de fronteiras, porém concentrado
fundamentalmente em três regiões do planeta (Ásia, América do Norte e União
Europeia), fortalece seu poderio e as contradições de sua existência, mantendo uma
hierarquização assimétrica e, até mesmo, exclusão de algumas regiões (África e parte
da Ásia), como forma de impor uma nova e única organização do poder político,
econômico, jurídico e sociocultural. (BOLTANSKI, 2002; HIRATA, 2002)
Chegamos ao século XXI em que as fusões e privatizações continuam a todo
vapor. As novas empresas adquiridas continuam com a mesma política de
transferência dos riscos dos países do norte para os países do sul. Persistem as
desregulamentações, perdas de direitos sociais, mudanças no contrato de trabalho,
levando os países periféricos a maior desemprego em consequência do fechamento
de milhares de postos de trabalho, o que intensifica o desemprego estrutural.
As transformações e crises que vêm ocorrendo em nossa sociedade têm
repercutido profundamente no mundo do trabalho e nas relações sociais, não
somente nos países industrializados, mas internacionalmente, revelando os
paradoxos das novas formas de produzir e gerir, os modos de viver e sobreviver dos
trabalhadores. O avanço da tecnologia, a automação, a microeletrônica e a robótica
redefiniram a divisão social e sexual do trabalho, impondo nova visão e dando
origem a novas formas de gerenciamento em busca de maior produtividade aliada
aos novos conceitos de qualidade do produto (flexível).
Tais mudanças são escoltadas por um ideário que legitima e, às vezes, legaliza,
processos de terceirização, quarteirização e até mesmo novas formas de contrato
temporário. Novas características foram incorporadas às funções tradicionais:
qualificação, polifuncionalidade, visão sistêmica do processo produtivo e
flexibilização são palavras de ordem a serem cumpridas, sem a possibilidade de
oposição, o que demonstra que o caráter participativo, outrora reivindicado pelas
forças sindicais foi, sim, até certo ponto, capturado. Isto faz com que as forças
produtivas hegemônicas gerem um espelhamento da superestrutura via infra-
estrutura, o que propicia e determina um caráter teleológico da própria tecnologia.
Desta forma, temos na flexibilização do ponto de vista empresarial, a necessária
agilidade das empresas em relação à demanda do mercado, agora globalizado, sem
perder os conteúdos tradicionais e o fluxo do capital financeiro. Enquanto a
flexibilidade para o capital envolve a competição macroeconômica exigindo
capacidade reorganizativa das empresas ante as flutuações do mercado, por outro
lado, para o trabalhador, isto significa precarização, maiores exigências profissionais,
baixos salários, jornadas prolongadas, eclosão de novas doenças e reaparecimento
de velhas doenças em um novo cenário de acentuado individualismo. Assim, a
precarização transformou o trabalho em emprego com incertezas, sem direitos ou
com poucos direitos.
A partir da década de 1990, os paradigmas incorporados às políticas de Recursos
Humanos (RH), alteraram conceitos e valores organizacionais até então utilizados.
O “gerenciamento estratégico participativo”, “gerenciamento de terceiro tipo”,
“gerenciamento da qualidade total”, “reengenharia” e “downsizing” passaram a guiar
as transformações. O papel do gerente se modifica, assim como os trabalhadores
que passam a ser “batizados” de colaboradores.
A nova face dos recursos humanos é identificada com a visão global: pensar
além das fronteiras do seu cargo, de sua empresa e de seu país e exigir que os
“colaboradores” incorporem no seu cotidiano os novos modelos e valores
competitivos. Deste modo, as políticas de recursos humanos aperfeiçoaram técnicas
modernas de controle, mais sutis, o que requer uma política do envolvimento
narcísico dos colaboradores e seus “feitores”.
Por isso, vestir a camisa da empresa significa ter seus afetos e emoções
colonizados. É a síntese e realização das práticas autoritárias, em que a imposição da
obediência se associa ao desejo de dominar e submeter o outro. Deste modo, a busca
constante de maior sujeitamento gera maiores imposições e rendimento nas
estratégias de manipulação da subjetividade, o que conduz à negação do homem e
sua coisificação. Isolado, o indivíduo desumaniza-se, pois a comunicação constitui
uma necessidade básica, e o ser humano utiliza-se dela em todas as situações de sua
vida para partilhar com os demais suas experiências, constituindo e fortalecendo
sua identidade. Daí, explorar o medo consolida o temor reverencial e a subserviência.
Do lado oposto, o desejo de tornar-se um “vencedor” e distinguir-se dos “perdedores”
faz com que muitos trabalhadores sintam-se estimulados a aderir com toda a sua
força produtiva, como náufragos em um barco à deriva cujo único norte é o sucesso.
A experiência nos ensina que, no intramuros, a vida de cada um confunde-se
com a vida econômica da empresa, e o tempo do trabalhador passa a ser o tempo
necessário ao aumento da taxa de lucro da organização. Homens e mulheres vivem
esta complexidade permeada de paradoxos, onde tudo se mistura e tudo se confunde,
sendo levados a crer na perda de nitidez da fronteira entre capital-trabalho.
Transformados em objetos, despidos de autonomia, expropriados dos direitos agora
flexibilizados, vivem o individualismo competitivo e antropofágico, revelando a
violência do e no trabalho, que vai se tornando cada vez mais sutil. Deste modo, o
controle da sociedade sobre os indivíduos não se faz apenas através da consciência
ou da ideologia, mas também no corpo e com o corpo. Para a sociedade capitalista,
é a biopolítica que mais conta. Enfim, é isso o trabalho de produção e manipulação
dos afetos, como lembrava Foucault (1995).
O tradicional companheirismo — agora fragmentado — possibilita a obediência
e a submissão pelos múltiplos medos, o que leva aos conflitos entre os pares. Àqueles
que não se ajustam ou adoecem resta-lhes a exclusão do mundo do trabalho. É a morte
em vida, na medida em que os adoecidos e desempregados sentem-se inúteis, sozinhos,
culpados, envergonhados, humilhados e jogados a própria sorte.

I) DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO NO SÉCULO XXI ÀS IMPLICAÇÕES


NA PRODUÇÃO COTIDIANA

As novas formas de organizar e administrar o trabalho podem ser geradoras


de desgastes, sofrimentos e doenças, realçando que as pressões emanadas da lógica
produtiva são determinantes de muitos transtornos à saúde dos trabalhadores. A
convivência com as organizações e processos de trabalho se apresenta de forma
particular, ou melhor, sem muitas alternativas, exceto a mobilidade e o “abandono
do emprego”. Talvez por isso, muitos trabalhadores “adaptem-se” e resistam às
consequências dos riscos, ocultando os agravos à sua saúde, por medo da perda do
emprego. O ocultamento e subnotificação das doenças, e até mesmo acidentes típicos,
são resultantes da vivência imposta por normas disciplinadoras que submetem os
corpos à voracidade produtiva do capital em um ambiente laboral inseguro e
negligente com a saúde dos trabalhadores.
As estratégias de sobrevivência utilizadas pelos trabalhadores são meios
encontrados para suportar o sofrimento imposto e não ser excluído do trabalho ou
mesmo culpabilizado pelo fracasso. Desta maneira, as idas a médicos são evitadas e
o absenteísmo só ocorre quando inevitável, o que os faz suportar a dor em silêncio.
Na complexidade dos sentimentos e emoções, outros medos se estabelecem: de não
ficar bom, não produzir mais como antes, ganhar menos na previdência, perder o
emprego, entre outros.
Com certa frequência, devem provar que adoeceram. Percorrem uma via-
-crúcis, de médico em médico, esperando ter sua doença reconhecida como produto
do trabalho, o que raramente acontece. O sofrimento imposto vai desfazendo o
sentimento de pertença e determinando um estranhamento do lugar que julgava ser
sua casa, ou melhor, sua família.
Se ficarem com sequelas que os impeçam de produzir como antes, o retorno à
empresa não é festejado. Passam a ser discriminados ou tratados como inválidos,
pois não produzem no ritmo exigido. Outras vezes são mudados de setor ou mesmo
de região, sem qualquer esclarecimento. Existem até mesmo casos de demissão
durante videoconferência, por telefone ou telegramas. Quando são transferidos para
outras atividades consideradas menos complexas e consequentemente não
qualificadas, sentem-se desprestigiados e humilhados. O sofrimento imposto implica
sentimentos de indignação, inconformismo, raiva, impotência e medo do futuro,
que muitas vezes não são partilhados ou compreendidos por seus pares e até mesmo
por seus familiares.
Se o trabalho pode ser patogênico, o adoecido do trabalho vive uma loucura
imposta pela negação social de sua capacidade e identidade enquanto força de
trabalho. A perda das referências anteriores e de seus valores, a exclusão do ambiente
de trabalho ou sua reinserção fragmentada, muitas vezes os fazem entrar num círculo
vicioso, no qual predomina a tentativa de sobreviver ao sofrimento, trabalhando
ainda mais, solitariamente. Nestas condições, não podemos falar em saúde onde
não haja um grau de liberdade para expressar e agir, pois a saúde é o resultado de
condições de convivência solidária e do meio onde predominam a confiança e o
respeito mútuo, o trabalho digno e a afetividade fraterna.

II) O MUNDO DA FÁBRICA HOJE: ESPAÇO DE VIOLÊNCIAS SUTIS E


INDIFERENÇA

O termo assédio significa uma “operação militar ou mesmo um conjunto de


sinais ao redor ou em frente a um local determinado, estabelecendo um cerco com a
finalidade de exercer o domínio” (HOUAISS, 2001). Assediar, portanto, pressupõe
um cerco cujo objetivo fundamental é impor sujeição a determinado espaço
territorial. Conhecido também como violência moral ou tortura psicológica, é
nomeado em outros países como mobbing(1) (Suécia, Inglaterra), bullying (EUA,
Reino Unido), psicoterror laboral ou acoso moral (Espanha) harcèlement moral
(França) ou ijime (Japão).
A violência moral no trabalho só pode ser compreendida, na sua totalidade,
levando-se em consideração sua dinâmica processual. Assim, resulta de uma sucessão
de eventos que se prolongam no tempo, constituindo a história vivida pelos
trabalhadores, pois o homem está inscrito na sociedade de um modo não
dicotomizado em mundo do trabalho e vida particular. Tal conceito de violência
envolve um processo que se apresenta em atos e comportamentos agressivos,
perpetrados frequentemente por um superior hierárquico contra uma ou mais
pessoas, visando desqualificá-la e desmoralizá-la profissionalmente, desestabilizá-
-la emocionalmente, tornando o ambiente de trabalho desagradável, insuportável e
hostil, forçando-a à demissão. Neste sentido, submeter-se significa ocultar a dor, o
sofrimento e mesmo os problemas de saúde, que assim podem ser cronificados.
Sabemos que a vida pode ser traduzida como uma atividade normativa do ser,
ou seja, todo ser vivo deve ser capaz de colher informações do meio ambiente, assimilar
e reagir ante essa informação, em resposta ao meio em que está inserido. Mudamos
quando a nossa forma de ser e existir em situações concretas se transforma
(CANGUILHEN, 1995). Desta maneira, o sofrimento decorrente das violências
morais constituem gritos de advertência para que atuemos e pensemos em políticas
preventivas que proporcionem um entorno ao trabalho digno e decente. Nesta zona
dinâmica, não deve existir tolerância às práticas de abuso de poder.
É por essa razão que insistimos em certas características conceituais no que
concerne ao fenômeno do assédio, isto é: pressupõe exposição repetitiva a condições
de trabalho que deliberadamente vão sendo degradadas ao longo da jornada.
Predominam relações desumanas e aéticas, marcadas pela assimetria de poder,
autoritarismo e manipulações perversas contra um trabalhador ou, cada vez mais,
entre os próprios pares.
Quando os atos hostis acontecem entre os companheiros, vários fatores estão
envolvidos: pressão para produzir cada vez mais, estímulo da competição interna
do grupo que leva ao individualismo, liderança que estimula os conflitos e que não
discute de forma respeitosa com seus subordinados, falta de tempo para tecer laços
de camaradagem, medo de perder a confiança patronal, vergonha de ser humilhado
e possível insegurança financeira, no caso de ser demitido. Quanto àqueles que
testemunham as cenas de violência sutis ou explícitas, há um certo “pacto do silêncio”.
Porém, ser testemunha ocular de certas “cenas”, escutar e ser obrigado a presenciar
o sofrimento alheio de forma passiva, mas ativa na dor, aumenta seu sentimento de
impotência por medo de tornar-se mais um “ser invisível” no ambiente de trabalho,
ou melhor, ser mais um na estatística dos descartáveis.
É frequente encontrarmos nos trabalhadores uma percepção ambígua do
assistido, pois aquele que testemunha de forma sistemática a humilhação de um
colega, “agradece” por não ser ele o escolhido, ao mesmo tempo em que toma
consciência de que a qualquer hora poderá estar na mesma situação. Geralmente, o
silêncio voluntário e omisso tem uma função: evitar eventual retaliação em caso de
solidariedade com os seus pares. Por outro lado, existe no mundo patronal uma
cultura de aceitação e banalização da violência em que se pressupõe que os
trabalhadores devem suportar as ofensas verbais, as ameaças de perder o emprego e
inclusive agressões físicas, como se este comportamento constituísse a normalidade
nas relações humanas. Tal fato fica evidenciado na ausência de procedimentos quanto
às denúncias não investigadas, mesmo nos casos mais graves. A atitude de fuga e de
“faz de conta” das empresas ante as violências, como se o problema fosse sempre da
responsabilidade do humilhado, explicita uma faceta desconhecida das organizações
que, às vezes, escondem-se no manto da responsabilidade social enquanto banham-
-se no sangue de centenas de trabalhadores acidentados.
É sabido que, assim como a “grande maioria das pessoas violentas não são
doentes mentais, a grande maioria dos enfermos mentais não são violentos”
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994). Este fato nos faz reafirmar
que pensar em tipos de personalidade como causa do assédio constitui uma explicação
simplista e inadequada à compreensão do fenômeno. Isto nos obriga a pensar na
corresponsabilidade e solidariedade das empresas do ponto de vista jurídico, pois o
autoritarismo se instaura quando os trabalhadores são impedidos de pensar
alternativas para o saber-fazer e organizar o trabalho. De nada adianta culpar um
“indivíduo assediador” se não reconhecemos o contexto em que este “algoz” está
inserido e no qual ocorre o conjunto de condutas abusivas, isto é, a sequência de
pressões e exigências de metas absurdas, os programas de avaliações individualizadas
e vexatórias e a intensificação laboral. A história tem nos ensinado que o fascismo
ocorre quando se proíbe de falar e se obriga a dizer e fazer aquilo em que não se
acredita.
Já em 1996, Leymann, após analisar mais de seiscentos casos de assédio moral
em diversos países, identificou três causas que afetam toda a dimensão da empresa:
1) a forma como se organiza o trabalho, 2) como se administra o trabalho; 3) como
se motiva os trabalhadores para produzir. Esses fatores, apontados por Leymann,
são os mesmos que identificamos, hoje, de uma forma mais brutal e simultaneamente
sutil, sendo indicadores de estresse laboral e variados transtornos mentais. Estes três
indicadores, por si, nos permitem repudiar qualquer tentativa de individualizar o
fenômeno, mesmo quando sua manifestação fica restrita a duas pessoas: chefe e
subordinado. Ou melhor, a corresponsabilidade existirá sempre — quer em sua
dimensão dual quer coletiva — na medida em que os atos de violência ocorram nas
dependências da empresa ou instituição, de qualquer categoria, seja pública ou
privada.
Quanto ao cerco que um trabalhador ou coletivo sofrem, pode ser explícito,
direto, sutil ou indireto, manifestando-se em risos, comentários maldosos, apelidos
estigmatizantes, agressões verbais, ameaças, intimidações, empurrões, humilhações,
ridicularizações, constrangimentos e coações públicas que ferem a dignidade e a
identidade do outro, desestabilizando a relação do ofendido com o meio ambiente
e a organização de trabalho.
Inicialmente, o chefe isola o vitimado, evita conversar e passa a subestimar seu
trabalho. As desqualificações vão aos poucos minando a autoconfiança do
trabalhador que passa a sentir-se culpado. O tempo não é capaz de amenizar as
desqualificações. Ao contrário, intensifica-as, propiciando uma alteração de
estratégias. Sem compreender e sem saber como proceder, o humilhado se isola. A
ira do agressor aumenta, justificando a intensificação de sua ação, que nos últimos
dois anos, segundo nossas pesquisas, tem se mostrado mais astuto em seus atos,
evitando deixar rastros.
Portanto, ser humilhado constitui uma experiência subjetiva que interfere nos
sentimentos e emoções, altera o comportamento, agrava doenças preexistentes ou
desencadeia novas doenças, podendo, inclusive, culminar com a morte física da
vítima. Talvez por isso, o trabalhador que se encontra desestabilizado
emocionalmente, devido ao assédio moral, passa a ouvir “conselhos”, tais como que
o melhor a fazer é pedir demissão e mudar de empresa.
Desta perspectiva o assédio moral constitui uma “política da empresa” que
sistematicamente investe contra seus colaboradores, sendo estas ações executadas
por seus representantes ou mediadores, visando livrar-se dos considerados
inconvenientes. Estes atos são revestidos de intencionalidade e astúcias, cujo sentido
e significado atormentam os trabalhadores, comprometendo o emprego.

III) HUMILHAÇÕES NO TRABALHO: UMA ROTA PARA A MORTE

O que dá razão e sentido ao viver pode constituir-se em razão para morrer,


como refletia Camus (1999). O trabalho enquanto atividade humana dá sentido à
vida, fortalecendo a identidade e dignidade de trabalhador. Como citamos
anteriormente, os novos modelos de gestão adotados pelas empresas associados às
reestruturações e downsizing (redução de pessoas) frequentes aumentaram o nível
de autoexigência ante o medo de perder o emprego por não ser avaliado
adequadamente, o que, de forma direta, aumenta o nível de sujeição diante das
práticas déspotas que existem no mundo do trabalho, em especial no Brasil e em
toda nossa América Latina, cuja inserção na divisão internacional do trabalho persiste
de forma subordinada, apesar das importantes mudanças nos últimos anos.
Lembremo-nos de que, com a brevidade cada vez maior das relações
empregatícias — ao contrário dos modelos fordistas, no qual os trabalhadores
permaneciam a vida toda na mesma empresa ou trocavam no máximo duas vezes de
emprego — na atualidade, as pessoas tendem em muitos setores a ter experiências
profissionais em mais de uma dezena de organizações, às vezes chegando a quase
duas dezenas. Isto faz com que as mudanças não sejam apenas geográficas, isto é, de
empresa para empresa, no mesmo território ou no exterior.
Mais do que isso, é uma alteração da temporalidade e ritmo de vida, uma
adaptação a uma nova cultura organizacional, aos novos valores do grupo no qual
será inserido. Isto requer uma compreensão mais detalhada das idiossincrasias de
determinados setores e da subjetividade daqueles que fazem parte de seu grupo de
trabalho mais próximo. Além disso, este esforço adaptativo não se restringe apenas
aquele diretamente envolvido na questão, mas estende-se a família deste
“colaborador”, pois é a família que também terá que adaptar-se a novos esquemas
de deslocamentos, a diferentes festas e convenções, e, até mesmo, as tão em moda,
viagens de negócios.
A não adaptação a essas demandas tem um preço alto, como nos escreveu um
trabalhador: “Não está sendo fácil levantar todos os dias e ir trabalhar, sabendo que
teremos cobranças absurdas, pois, além de termos metas altíssimas, somos cobrados
para cumprir 150% destas metas, pois 100% é obrigação e, para sermos competitivos,
é preciso superação e, para isso, os 150% são imprescindíveis. O slogan do momento
é: BRILHO NOS OLHOS. Pergunto: de quem? Nosso brilho no olho é devido a
lágrimas e desespero(2)”.
Sem ironias, mas, se utilizarmos uma linguagem empresarial, aquele que não
segue a prescrição organizacional equivaleria a perder alguns “pontinhos” na tal
empregabilidade, o que aumenta o risco de dispensa sumária ou de mais um
deslocamento geralmente para uma função inapropriada ao seu perfil, o que pode
ser um convite sutil a retirar-se da empresa. Essa mobilidade e flexibilidade, ao invés
de dar estabilidade, é um fator de insegurança, na medida em que, ao retornar de
um deslocamento prolongado, pode perder o emprego, pois, na base, pode estar
presente uma estratégia de afastá-lo definitivamente da empresa.
Como exemplo, citamos um caso que ocorreu em um banco, no qual o gerente
foi promovido e transferido para a Ilha da Madeira. Este gestor perdeu todo o contato
com sua carteira de clientes e ao retornar, após quatro anos — nos quais alterou
inclusive a dinâmica familiar —, foi transferido para outro setor do qual não possuía
qualquer conhecimento, passando a ser cobrado e hostilizado por seus “novos” pares,
o que lhe causou constrangimentos ante essa nova situação. É uma forma de “fritar” o
sujeito que em um momento sentiu-se privilegiado ao ser promovido e, ao retornar,
não consegue aplicar o aprendido, sendo, sumariamente, “rebaixado”, sem que
aparentemente o seja — aos olhos dos outros —, mas, para ele, é o início de uma
fuga de sentido em ser gestor de uma área que não domina. Para a empresa, mantê-
lo em suas dependências visa conservar a aparência e, simultaneamente, blindar os
seus interesses, protegendo-se de eventuais processos no âmbito trabalhista.
Este projeto de “promover-despromovendo” contém um cinismo atroz, que permite
transformar a injustiça em um processo “visivelmente” meritocrático. Tanto que, neste
exemplo, o que ocorreu foi o fato de o novo “dirigente” sentir-se incapaz para o “novo”
cargo e quando pediu sua transferência ou retorno à antiga função, isso lhe foi negado,
o que culminou em sua demissão após alguns meses, tendo sido alegado uma “não
adequação aos interesses da empresa”. Este episódio não culminou em suicídio, apesar
das ideações, pela solidariedade, apoio e carinho da família em todos os momentos.
Infelizmente, muitos casos caminham para um final dramático. Um dos que
conhecemos, é aquele cujo protagonista foi um trabalhador de 36 anos de idade que,
após a demissão, enfrentou sérias questões econômicas que repercutiram em sua
família. A situação vivenciada se materializou no ato de suicídio: o trabalhador se
jogou do 8º andar de um centro empresarial em São Paulo.
Há alguns anos, outro caso do setor bancário teve um final trágico: uma gerente
sofreu um longo processo de assédio moral — uma das principais questões
enfrentadas por esta categoria e se suicidou. A gerente estava com 44 anos e trabalhava
no litoral paulista. Segundo os seus pares, a trabalhadora estava sofrendo muitas
pressões após a fusão do banco com outra instituição financeira. A referida executiva
passou a sofrer ameaças sistemáticas de demissão por não cumprir as metas
estabelecidas, que, sob qualquer ângulo que se possa analisar, eram abusivas e
arbitrárias.
O desfecho desta história resultou em morte. Sem nenhuma dúvida do que
afirmamos, podemos garantir, por nossa experiência de escuta atenta, que tal saga
revela uma rotina infernal que persegue os trabalhadores destes setores e que,
ironicamente, são constituídos por capital intensivo e altamente lucrativos.
Entretanto, queremos explicitar que os casos de suicídio no trabalho não ocorrem
somente nesta categoria.
Recentemente, acompanhamos o sofrimento de um professor universitário que,
submetido à lógica do produtivismo acadêmico, passa a tecer reflexões em que
aponta as pressões por metas a que todos os docentes estão submetidos, como, por
exemplo: os inúmeros artigos, capítulos de livros e “papers” exigidos, orientações,
aulas e disciplinas diversas, participação em congressos, sem falar na crescente
valorização da capacidade na aquisição de verbas para universidade, entre outros.
Este professor suicidou-se há menos de um mês: jogou-se do próprio prédio da
universidade em que ministrava aulas e pesquisava. Em seu blog, escreveu dias antes:
“na academia, o lema é publicar ou perecer: e assim pilhas de palavras, gráficos e equações
são produzidas apenas para aumentar a quantidade das coisas que irão, rapidamente,
para o lixo da história, inflando por algum tempo o ego e a reputação local de alguns”.
Por trás desta morte e de tantas outras, há uma história não desvendada, e sequer
compreendida, que se relaciona com o vivido no trabalho ou mesmo com o não
trabalho.
Como demonstramos no transcorrer deste texto, as mudanças no mundo do
trabalho, tanto na forma de produzir como na de administrar, são responsáveis
pelo desencadeamento de diferentes e novas patologias que estão na base do estado
de mal-estar atual, responsável pelo aumento de assédio moral, atos de violência
psicológica e suicídios no trabalho. Fatos que vêm ocorrendo na França, ou, mais
recentemente, na China, países nos quais centenas de suicídios ocorreram. No
primeiro caso, estava diretamente ligado à diminuição de postos de trabalho e
reestruturação produtiva. No segundo, as ocorrências se relacionaram com as
exigências das metas e precarização do trabalho. Em nosso país, no qual ocorrem 25
suicídios ao dia, certamente muitos destes infortúnios são do âmbito laboral, apesar
do silêncio que impera na elucidação de suas causas. E, mais uma vez, a
responsabilidade é direcionada aos sujeitos. Estes eventos nos revelam uma nova
estética da violência globalizada, na qual a semiótica do corpo do suicida sinaliza
pistas e contém histórias que não foram reveladas.

IV) COMO AGIR EM SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA?

O desafio em todos os casos que dizem respeito a adoecimentos e morte no


trabalho é construir uma nova tessitura organizacional com fios que resistam e se
entrelacem em movimento coletivo, no qual homens e mulheres deixem suas marcas
de resistência e luta nesta trama. Para atuar em coletivo, necessitamos pensar e agir
com o outro; necessitamos do seu discurso assim como de sua práxis; necessitamos
do seu diálogo, pois pensar é sempre pensar em grupo. O homem está em permanente
construção, é diferente em cada momento histórico, em cada formação concreta e se
constrói na relação dialética com o mundo; relação esta, cujo motor é a necessidade
e liberdade.
Ao chegarmos ao final deste artigo, não podemos esquecer-nos de uma
dimensão importante e que diz respeito a medidas preventivas. É público e notório
que é dever do empregador manter as condições de segurança e higiene e zelar para que
o local de trabalho não se transforme em local perigoso à vida e à saúde dos
trabalhadores e trabalhadoras. Faz-se mister lembrarmos que tais direitos se
fundamentam em necessidades humanas que, se não satisfeitas, colaboram para
aumentar a expropriação da já tão combalida dignidade no ambiente de trabalho.
Os direitos humanos são a expressão direta da dignidade da pessoa humana.
Direito e dignidade se relacionam com reconhecimento, respeito, solidariedade e
equidade, ou seja, são cúmplices. Vê-se que o princípio que norteia esse sistema de
valores é a explicitação de forma objetiva, por parte dos empregadores e prepostos,
da não aceitação de qualquer forma de violência no local de trabalho, a começar
pela alta gestão e suas formas de organizar o trabalho. Explicitando: políticas de
revista íntima, punições/premiações negativas pelo não cumprimento de metas,
avaliações subjetivas e vexatórias, controle da fisiologia em nome da produção e
tantas outras práticas que atingem a imagem, identidade, a honra e dignidade
humana constituem modos de violência organizacional.
Quando a transparência torna-se exceção e não norma a ser seguida na
organização, dá-se aval às arbitrariedades e voluntarismos nas decisões, nas
promoções e até mesmo demissões. Quando as soluções éticas são silenciadas, a
empatia se extingue e as barreiras morais se desvanecem (BAUMANN, 2008), ou melhor,
impera a lógica da indiferença e a violência é instaurada e cometida com método e
até mesmo em nome de um sistema de valores (éticos, estéticos e morais), sendo,
portanto, banalizada e legitimada.
Essa aporia ética revela-nos um mundo do trabalho que se diz decente em um
local inseguro e incerto, na medida em que viola direitos e atinge o mundo íntimo de
cada pessoa que ali trabalha. Quando a vida se esvazia, ela perde o sentido. Deste
modo, devemos pensar as emoções e afetos como ontológicos, pois nos falam do ser
em seu sentido mais amplo e abrangente, patenteando não somente os atos e condutas
humanas, mas também desvendando-nos a própria disposição política da
organização.
É neste contexto que as doenças e o sofrimento ocorrem e que aparecem como
fatores “naturais” de um ambiente desnaturado. Se estes fatos não forem tidos como
relevantes na arquitetura organizacional, faz-se mister uma intervenção secundária,
o que significa identificar as raízes da violência em toda a empresa, do chão da
fábrica ao alto comando, analisando desde a política estratégica até a forma de
produzir e organizar o trabalho. Elaborado este diagnóstico organizacional, são
necessárias medidas que eliminem o risco não visível que está contido nestas
dimensões e que se explicita como fatores psicossociais.
De nada adianta, como pensam alguns gestores, que é possível blindar seus
executivos da responsabilidade de seus atos, mediante seguros pessoais que em nada
contribuem para a melhoria das condições de saúde e trabalho; ao contrário. A
experiência internacional demonstra que as seguradoras já aprenderam a cobrar
das empresas um efetivo investimento em ações preventivas. Também não basta
assumir a estratégia de programas de “vida saudável” ou “qualidade de vida”, ou
discurso de bem-estar social se o ambiente de trabalho é perpassado por exigências
de metas inalcançáveis, avaliações individuais subjetivas e perversas em um ambiente
com poucas pessoas para trabalhar, o que transforma o trabalho em rotina quase
insuportável.
Ao não investir em ações preventivas (primárias, secundárias ou terciárias),
estas empresas tornam-se corresponsáveis pela manifestação de qualquer ato de
violência que ocorra em seu ambiente laboral. Deste modo, é necessário intensificar
os mecanismos de informação dentro da empresa em todos os escalões e tomar
medidas preventivas e eficazes de combate à violência no local de trabalho e, em
especial, intervir nas condições de trabalho em vez de aumentar os contratos com
Empresas de Seguros contra o assédio.
Portanto, a intervenção no local de trabalho deve ser definida a partir da prática
organizacional, origem das condutas abusivas. Reiteramos, mais uma vez, que
devemos considerar alguns aspectos fundamentais, a saber: o processo de trabalho e
a organização do trabalho, a forma de administrar o pessoal e os fatores psicossociais
presentes nas relações laborais. Ao término do diagnóstico do meio ambiente laboral
— no qual devemos avaliar os efeitos das práticas organizacionais e sua relação com
a violência psicológica —, estaremos prontos e preparados para intervir! Lembramos
que a indiferença e passividade nos levam a banalizar e aceitar a barbárie. Portanto,
é necessário discutir e levantar todos os fatores de risco existentes junto aos
trabalhadores, pois são eles que vivem e conhecem as condições concretas da
organização do trabalho.
Somente em um meio ambiente de trabalho no qual predomine um sistema de
valores equitativos e democráticos, no qual haja respeito às diferenças e aos diferentes,
haverá probabilidade do exercício da democracia, da justiça e dos direitos humanos.
E, por isso, prevenir os riscos na fonte é um direito inalienável de todos os
trabalhadores e do qual não podem abdicar. Seria a morte social de uma classe que
vive do trabalho. Parafraseando Shakespeare, nos cabe perguntar: será mais digno
aguentar as desgraças da vida ou guerrear as doenças, os acidentes do trabalho e o
sofrimento imposto por condições laborais inadequadas e eliminá-los?
DIREITO DO TRABALHO
E VIOLAÇÃO DA SAÚDE DO
TRABALHADOR NO SÉCULO XXI

185
DIREITO, TRABALHO E SAÚDE:
UMA EQUAÇÃO POSSÍVEL?

Daniel Pestana Mota

Desde que se atribuiu à Ramazzini(1) a célebre frase “me digas do que te ocupas e eu
direi do que adoecerás”, a humanidade continua a enfrentar as contradições postas
pelo sistema capitalista tendo à frente o trabalho como mola propulsora e sua
expressão maior. Parafraseando o saudoso compositor Gonzaguinha, “sem (o seu)
trabalho, o homem não tem honra, e sem a sua honra se morre, se mata”, forçoso
reconhecer a centralidade que o trabalho ainda ocupa.
Mais do que isso, faz-se necessário avançar. Assim, contraditoriamente, é no (e
pelo) trabalho que o homem, enquanto ser genérico, se faz e se perde; constrói sua
identidade, e ao mesmo tempo desconstrói sua humanidade. Em síntese, é no trabalho
que ele se desefetiva.
Não obstante continua ele — o trabalho — a representar forma central pela
qual as pessoas alimentam e retroalimentam as engrenagens do sistema capitalista.
Sem o trabalho, na sua face multiforme, não há espaço para se viver!
Mesmo suas contradições, que há muito vêm sendo percebidas, não são capazes
de lhe retirar a centralidade. Se desde cedo os efeitos surgidos pela exploração da
mão de obra, os quais têm colocado a classe trabalhadora numa situação
insuportável, puderam ser sentidos, somente recentemente erigiu-se no Direito,
especificamente no Direito do Trabalho, o construto institucional dotado de
possibilidades limitadoras desses danos. Possibilidades, destarte, não apenas
limitadoras, mas também limitadas.
Interessa-nos, a partir disso, perquirir sobre alguns dos limites que a atuação
desse ramo especializado apresenta no moderno cotidiano do mundo do trabalho,
sobretudo quando se está a tratar da própria saúde dos trabalhadores. A temática
trabalho e saúde, numa época permeada pelo desemprego e por novas formas de
produção e reprodução do capital, merece, a nosso ver, novos e incessantes olhares.
I) DIREITO E CAPITALISMO

Convém iniciarmos nosso ensaio tecendo algumas considerações, ainda que


em breves linhas, buscando apreender o modo como se articula a lógica capitalista(2).
Após, poder-se-á compreender alguns elementos que explicam o surgimento do
Direito do Trabalho, sua função no interior do sistema capitalista e seus limites
intrínsecos e hodiernos.
Em suma, no sistema capitalista busca-se de maneira incessante e permanente o
lucro, estribado, logicamente, numa relação que se dá por meio da exploração da
força de trabalho. O capitalista detém os meios de produção; o trabalhador, a força
de trabalho. E a primeira consequência é que o trabalho, que seria a atividade pela
qual o homem domina as forças sociais e humaniza a natureza, transforma-se no seu
próprio algoz, com alguns homens passando a dispor de meios para explorar o
trabalho de outros.
As sociedades se dividem em classes sociais que ocupam posições antagônicas:
classe trabalhadora de um lado, fornecendo a força de trabalho; detentores das
fontes de produção do outro lado, propiciando meios para absorver mão de obra
humana. O resultado não podia ser outro que não um estranhamento(3) entre o
trabalhador e o trabalho, na medida em que o produto deste, antes mesmo de se
realizar, pertence a outra pessoa que não o trabalhador.(4) Estaria posto, assim,
diante da centralidade do trabalho, o principal elemento a demonstrar o caráter
contraditório do sistema capitalista.
Interessante trazer à baila o escólio de Ricardo Antunes, para quem “o ato da
produção e reprodução da vida humana realiza-se pelo trabalho, e é a partir dele,
em sua cotidianidade, que o homem torna-se ser social, distinguindo-se de todas as
formas não humanas. Se na formulação marxista o trabalho é o ponto de partida do
processo de humanização do ser social, também é verdade que, tal como se objetiva
na sociedade capitalista, o trabalho é degradado e aviltado. Torna-se estranhado. O
que deveria se constituir na finalidade básica do ser social — a sua realização no e
pelo trabalho — é pervertido e depauperado. O processo de trabalho se converte em
meio de subsistência. A força do trabalho torna-se, como tudo, uma mercadoria,
cuja finalidade vem a ser a produção de mercadorias. O que deveria ser a forma
humana de realização do indivíduo reduz-se à única possibilidade de subsistência
do despossuído. Esta é a radical constatação de Marx: a precariedade e perversidade
do trabalho na sociedade capitalista. Desfigurado, o trabalho torna-se meio e não
‘primeira necessidade’ de realização humana”.(5)
A intensidade destas contradições e o acirramento do estranhamento por elas
provocado levariam pensadores, como Karl Marx, a apostar que os detentores da
força de trabalho acabariam por reverter tal situação, tornando-se donos de seu
próprio destino.
Para Marx, “no desenvolvimento das forças produtivas atinge-se um estágio
em que surgem forças produtivas e meios de circulação que só podem ser nefastos no
âmbito das relações existentes e já não são forças produtivas mas sim forças destrutivas
(o maquinismo e o dinheiro), assim como, fato ligado ao precedente, nasce no
decorrer desse processo do desenvolvimento uma classe que suporta todo o peso da
sociedade sem desfrutar das suas vantagens, que é expulsa do seu seio e se encontra
numa oposição mais radical do que todas as outras classes, uma classe que inclui a
maioria dos membros da sociedade e da qual surge a consciência da necessidade de
uma revolução, consciência essa que é a consciência comunista e que, bem entendido,
se pode também formar nas outras classes quando se compreende a situação desta
classe particular”.(6)
Todavia, a complexidade do modo de produção capitalista tem posto à prova
tais prognósticos. Apresenta ele, não obstante seu cariz contraditório, uma incrível
capacidade de se autossuperar. Ainda que mantendo em sua base os mesmos
princípios, a dinâmica de sua evolução se explica pelos sucessivos ciclos de introdução
e difusão de inovações radicais. Apresenta, aliás, incrível capacidade de inserção e
abrangência sobre a totalidade das esferas humanas, o que faz com que se dificulte,
cada vez mais, a apreensão de suas contradições.
István Mészáros utiliza a expressão “sociometabolismo do capital”(7), expressão
que designa o processo de acúmulo permanente do capital com repercussão em
praticamente todas as esferas da vida humana e da natureza. Não basta que a lógica
capitalista, através de um processo de acúmulo permanente, apenas seja capaz de
irradiar seus efeitos para a totalidade das esferas da vida humana. Mais do que
capturar a subjetividade do ser humano, é necessário impedir que se criem condições
de apreensão dos efeitos que esse sociometabolismo causa nas mais variadas esferas de
sociabilidade. O homem, além de estar adestrado, necessita permanecer inativo.
Todavia, como as contradições do sistema capitalista permanecem e agudizam-
-se, a cada ciclo de desenvolvimento sucede franco período de crise. Momentos de
ascensão e crise se revezam de forma incessante. É de se ressaltar, entretanto, que, se
no decorrer dos períodos em que predominava os modos de produção taylorista e
fordista os ganhos do capital puderam escamotear suas contradições, a lógica
toyotista hoje predominante é responsável por um processo cada vez mais dinâmico,
com implicações diretas no modo de apreensão acerca do funcionamento desse
processo em sua totalidade. O capital, de tão bárbaro, começa a dar suas caras!
A precarização do trabalho, principal sintoma das crises do capital, assume novas
formas. Provoca, como nunca visto antes, crises da subjetividade humana ocorridas por
conta de um capitalismo de tipo “manipulatório”, expressão utilizada por Giovanni
Alves(8), que reconhece a presença de uma tríplice crise da subjetividade humana: a crise
da vida pessoal, a crise de sociabilidade e a crise de autorreferência pessoal, efeitos da
investida do capital com suas novas faces, capazes de atingir não apenas os homens que
trabalham, mas sobretudo os “homens que vivem do trabalho”.(9)
Sobre essa nova conceituação categorial, Giovanni Alves assinala que “a
precarização do trabalho que ocorre hoje, sob o capitalismo global, seria não apenas
‘precarização do trabalho’ no sentido de precarização da mera força de trabalho
como mercadoria; mas seria também, ‘precarização do homem que trabalha’, no
sentido de desefetivação do homem como ser genérico. O que significa que o novo
metabolismo social do trabalho implica não apenas tratar de novas formas de consumo
da força de trabalho como mercadoria, mas sim, novos modos de (des)constituição do
ser genérico do homem. A nova redefinição categorial do conceito de precarização
do trabalho contribuirá para expor novas dimensões das metamorfoses sociais do
mundo do trabalho, salientando, nesse caso, a dimensão da barbárie social contida no
processo de precarização do trabalho nas condições da crise estrutural do capital”(10).
Logo, se vê que a lógica capitalista se articula de modo a atingir todas as esferas
da sociabilidade humana, evidenciando uma nova e complexa precarização do
trabalho capaz de pôr à prova as atuais formas de apreensão desse processo. Como
consequência, se adoece mais, e o homem trabalha cada vez mais adoecido.

II) O PAPEL DO DIREITO DO TRABALHO

O Direito do Trabalho tem, no seu surgimento, a fórmula da classe burguesa


para impedir a emancipação da classe operária.(11)
Indispensável, pois, que o sistema capitalista, mais do que nunca, possa contar
com a participação efetiva do Direito do Trabalho, sobretudo porque detém ele a
função de harmonizar, sob o ponto de vista jurídico-institucional, as contradições
dadas por essa nova precarização.
Para Leandro do Amaral, “o Direito do Trabalho é um ramo do Direito próprio
do modo de produção capitalista, estando vinculado essencialmente ao
desenvolvimento deste. Nesse sentido, o Direito do Trabalho não pode se pretender
revolucionário, pois está atrelado a um contexto sociopolítico-econômico que lhe
estabelece limites de possibilidades, e assim não se deve esperar que possibilite a
emancipação do trabalhador”.(12)
É ele, o Direito do Trabalho, plenamente articulado com a lógica capitalista,
que por meio de regras e princípios próprios tem a missão de atenuar os efeitos do
estranhamento surtidos com a exploração da mão de obra. É no Direito do Trabalho
que se encontra o ferramental necessário para tornar menos visíveis as consequências
deletérias que o trabalho, assentado inclusive perante nessa nova precarização,
efetivamente provoca.
Como bem delineado por Valdete Souto Severo, “a atribuição de um valor
econômico para o trabalho humano, tornando-o objeto de uma relação jurídica,
provoca o estranhamento do próprio homem. E como esse homem é o destinatário
das normas jurídicas e a razão de ser do próprio sistema, o paradoxo está formado.
O homem, para quem as regras de organização social são destinadas, é também a
mercadoria objeto da relação que sustenta o sistema adotado. Para lidar com esse
paradoxo, minimizando suas consequências negativas, o trabalho passa a ser objeto
de um direito social com princípios e regras próprias”.(13)
No entanto, esse construto institucional dotado de possibilidades limitadoras
dos danos advindos pelo modo de reprodução capitalista, diante da intensidade e
da complexidade da nova precarização do trabalho, depara-se com suas próprias
limitações. E, diante disso, emerge numa profunda crise de identidade, mostrando-
-se incapaz de poder garantir a fruição daquilo que a doutrina classificou como um
mínimo patamar civilizatório.
Para se chegar a essa conclusão, necessário pensar nas reais possibilidades de
um Direito do Trabalho que efetivamente fosse capaz de harmonizar as relações de
trabalho e garantir, ao mesmo tempo, o respeito à dignidade da pessoa humana, e
isso tendo a saúde do trabalhador como elemento central de análise na plenitude de
uma das mais complexas fases do capitalismo.
Eis o desafio atual do Direito do Trabalho.
III) (RE)INSTRUMENTALIZANDO O DIREITO DO TRABALHO

Como visto antes, o Direito do Trabalho teria a função de limitar os efeitos


danosos que a exploração da força de trabalho ocasiona no interior da lógica
capitalista. É dentro desse limite que se dá a função reguladora e harmonizante das
relações de trabalho. Para tanto, entabula ele um complexo de normas jurídicas de
ordem pública aptas a possibilitar a constituição e fruição permanente, no interior
de uma relação contratual, de um mínimo patamar civilizatório. Mínimo patamar
civilizatório que outra coisa não seria do que a própria expressão possível da
dignidade da pessoa humana.
Enumera o Direito do Trabalho uma série de normas e princípios próprios,
tendo à frente um princípio mestre, chamado princípio protetor. Ora, se a relação
de trabalho é uma relação contratual onde uma parte apresenta-se francamente
mais enfraquecida, ganha relevo a opção em protegê-la a fim de nivelar desigualdades.
O jurista uruguaio Américo Plá Rodriguez, ao lembrar que o Direito do Trabalho
responde fundamentalmente ao propósito de nivelar desigualdades, igualmente
preleciona que seu surgimento adveio como “consequência de que a liberdade de
contrato entre pessoas com poder e capacidade econômicas desiguais conduzia a
diferentes formas de exploração. Inclusive, às mais abusivas e iníquas”.(14) Aí estaria
a razão de ser do princípio protetor. Também Cesarino Junior, ao pretender justificar
a finalidade da legislação social, foi categórico ao afirmar que “o fim imediato das
leis sociais é a proteção aos fracos”.(15)
Essa matriz principiológica, tendo ao centro o princípio protetor, teria, assim, a
função de não apenas proteger a parte mais fraca da relação de trabalho, mas sobretudo
servir de guia para que exatamente no trabalho viesse a se concretizar o princípio da
dignidade da pessoa humana, tudo isso sem embargo da importante função de garantir
que a força de trabalho não perceba, ao usufruir de direitos mínimos, o cada vez mais
arraigado estranhamento que permeia toda a sua sociabilidade.
É interessante notar, entretanto, que a mesma proteção que inspira a ideia de
um Direito do Trabalho justo (capaz de equilibrar partes contratantes desiguais) é
vista por alguns juristas com ressalvas. É o caso, por exemplo, de Arion Sayão Romita,
para quem, “no Brasil, existe, profundamente arraigada na mentalidade dos
estudiosos e dos práticos do Direito do Trabalho, a cultura da ‘proteção’: o Direito
do Trabalho protegeria o trabalhador. Não só o direito material, mas também o
direito processual e, bem assim, o organismo judiciário incumbido de dirimir os
conflitos de trabalho (a Justiça do Trabalho) protegem o empregado. Esta concepção
despreza as noções teóricas de direito e justiça. (...) Em sua atuação prática, o
princípio de proteção redunda, muitas vezes, em explícita manifestação de injustiça.
(...) O princípio da proteção inspira-se, nitidamente, no sentimento de compaixão
social. O trabalhador precisa de proteção, porque sem esta — coitado — ele sofreria
toda sorte de exploração e esbulho por parte do empregador. (...) A orientação
protecionista tem conotações de tipo meramente paternalista e considera apenas o
trabalhador isolado”.(16)
O Direito do Trabalho, guiado pela ideia de proteção, destinaria ao
trabalhador, portanto, uma dignidade humana proveniente de uma compaixão
estatal. E ainda assim tão somente em relação ao trabalhador individualmente
considerado, já que em termos coletivos o que se apregoa, sobretudo em tempos de
crise, é a necessidade de se privilegiar a autonomia privada coletiva.(17)
De qualquer forma, mesmo considerando-se a função de impedir que as
contradições que permeiam as relações de trabalho venham à tona em sua plenitude,
e mesmo atuando sob as múltiplas determinações provocadas por esse modelo de
precarização, o Direito do Trabalho, tal como concebido, ainda mantém uma
posição de relevo. Ruim com ele, sem ele certamente seria muito pior!
O problema, no entanto, é que o Direito do Trabalho não tem conseguido dar
respostas efetivas a essas novas demandas a partir das particularidades de cada momento
histórico em que a sociedade capitalista se ache inserida. São esses limites, que sob a
perspectiva da temática trabalho e saúde, o colocam numa crise sem precedentes.

IV) CRISE DE IDENTIDADE

Atualmente, ao invés de um aprofundamento na sua raiz principiológica (já


que seria esse aprofundamento capaz de atenuar o tensionamento existente entre as
classes sociais e possibilitar que se dê continuidade à sua função harmonizante),
experimenta o Direito do Trabalho uma regressão no plano material, positivo,
situação que, de resto, se repete toda vez que uma crise atinge o modo de produção
capitalista. Ao invés de um choque de proteção, a atuar como uma espécie de vacina
contra os males que o trabalho estranhado proporciona, a cada crise elevam-se os
ideais de flexibilização e desregulamentação do direito positivo.
O avanço das transformações do mundo do trabalho, que como dito
desencadeia um novo modelo de precarização, não tem encontrado corolário no
construto institucional trabalhista, situação que se verifica também no modo de
agir do Direito do Trabalho.
A própria Consolidação das Leis do Trabalho, que tem mais de 60 anos e
constantemente vem sendo alvo de investidas visando seu esvaziamento, ainda
continua sendo a principal fonte normativa do Direito material do Trabalho,
enquanto as relações capital-trabalho, nesse mesmo período, vêm se transformando
e a cada crise assumem novas formas.
Ao manter-se apático, o Direito do Trabalho tem servido para viabilizar e
efetivar as alterações no modo de produção capitalista brasileiro, sobretudo em
termos de organização e gestão, áreas fundantes do então novo complexo de
reestruturação produtiva.(18)
Giovanni Alves, ao analisar a dimensão jurídico-institucional da relação capital
e trabalho no Brasil, assinala que “a partir dos anos 90, a instauração da acumulação
flexível no Brasil atinge, de modo articulado, as várias dimensões da materialidade
do capital. Ela ocorre não apenas na relação interindustrial da cadeia produtiva,
com a descentralização produtiva impulsionando os novos arranjos de rede de
subcontratação; nem apenas na relação intraindustrial, com as inovações
tecnológicas e organizacionais de cariz toyotista; mas tende a ocorrer na dimensão
jurídico-institucional da relação capital e trabalho assalariado. Surge, cada vez mais,
a necessidade de nova regulação do trabalho, capaz de traduzir, em normas legais, os
imperativos da flexibilidade”.(19)
A expressão maior dessa lógica, do ponto de vista da produção legislativa,
pôde ser observada sobretudo durante o governo de Fernando Henrique Cardoso,
quando surgiram novas figuras legais caracterizadas por uma maior precarização
do trabalho. Disso são exemplos a jornada parcial, o banco de horas, o contrato a
prazo determinado, as comissões de conciliação prévia e a intensifcação das hipóteses
legais autorizadoras da tercerização, uma espécie de carro-chefe da descentralização
produtiva. Tudo isso devidamente avalizado pelo Direito do Trabalho, sobretudo
quando chamado a manifestar-se, tendo optado pela via do conservadorismo
hermenêutico.
O resultado dessas investidas do capital na produção, tendo o Direito do
Trabalho como uma espécie de fiador, vem sendo responsável por não permitir que
a expressão dignidade da pessoa humana atinja a universalidade dos trabalhadores.
Ao contrário, é cada vez menor o raio de pessoas que, pela via da efetivação de seus
direitos, conseguem desfrutar de uma mínima dignidade. Mais do que isso, a própria
conceituação da referida expressão vem obrigando que se procedam à novas (e
precárias) leituras, diminuindo seu campo de exegese prática. O Direito do Trabalho,
que por meio de sua atuação harmonizava as relações de trabalho, ao servir de fiador
às novas formas de investidas do capital, corre o risco de mostrar-se desnecessário.(20)
Também sua atividade hermenêutica parece encontrar resistências para ir além
dos dogmas arraigados e que privilegiam o capital em detrimento do social. Tal
ilação, ademais, vem desprezar uma nova vertente moderna, decorrente da
necessidade de que avançando, e respeitando a base principiológica da Constituição,
o Direito do Trabalho passe a trabalhar sob o prisma do neoconstitucionalismo.(21)
Exemplo eloquente, diante do texto da própria Constituição Federal, decorre
do confronto entre as disposições emanadas dos incisos III e IV, do art. 1º, que delineia
os fundamentos do Estado Democrático de Direito(22). É comum que as interpretações
mais presentes relevem o fato de que tanto a dignidade da pessoa humana quanto os
valores sociais do trabalho precedam, em todas as formas, o ideário da livre-iniciativa.
Basta uma leitura atenta da jurisprudência da corte superior trabalhista para
se corroborar tal assertiva.
Em recente decisão, o Tribunal Superior do Trabalho, ao julgar o emblemático
caso que envolvia a demissão de milhares de trabalhadores da EMBRAER, sem
qualquer negociação anterior com o sindicato de classe, acabou por reiterar todo o
conservadorismo da jurisdição trabalhista. Numa decisão tida, no mínimo, como
contraditória, firmou-se o entendimento de que os empregadores não têm o direito
de efetivarem a dispensa coletiva e imotivada de trabalhadores, exigindo prévia
negociação coletiva com a entidade sindical representativa. Todavia, ao argumento
de que não havia, até então, tal limitação, ou seja, diante da ausência de precedente
a justificar a adoção de tal entendimento naquele caso específico, tal exigência restou
projetada para o futuro.
Inúmeras outras decisões poderiam aqui ilustrar o cariz conservador da
jurisdição trabalhista, como, por exemplo, demandas que envolvem a intimidade
do trabalhador (revistas íntimas), ou ainda processos que tratam da coletivização
das ações.
Assim, seja no plano material, seja no plano instrumental, o Direito do Trabalho
encontra dificuldades de ir além de sua função meramente reguladora dos
tensionamentos que permeiam as relações de trabalho, situação que toma ares de
extrema gravidade a partir do alargamento de sua competência, passando esse ramo,
desde dezembro de 2004, com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45, a ser
competente para as demandas que buscam reconhecimento e ressarcimento dos
adoecimentos ocupacionais e acidentes do trabalho. Alargamento de competência
que coincide com as novas formas de precarização do trabalho.
E é nesse ponto que os limites do Direito do Trabalho mais se evidenciam e
demandam preocupação.

V) A SAÚDE NO TRABALHO COMO CONDIÇÃO DE DIGNIDADE

É certo que não se pode encarar o direito à saúde por meio de uma concepção
meramente liberal, pautado tão somente pela saúde do indivíduo como ser
individualmente considerado. Não há como se emprestar a conceituação liberal do
mínimo possível quando se fala de saúde.
No campo das relações de trabalho, entretanto, a lógica se repete, e a velocidade
com que as transformações do mundo do trabalho se deram nestas duas últimas
décadas nem de longe foi acompanhada pela preocupação com as novas formas de
adoecimento daqueles que vivem do (e pelo) trabalho.
Já se passaram mais de seis (06) anos da publicação da Emenda n. 45, tornando
a Justiça do Trabalho competente para tutelar as demandas que versem sobre saúde
dos trabalhadores. No entanto, nem mesmo aparelhada a Justiça Obreira está.
Interessante advertência faz José Antonio Ribeiro de Oliveira e Silva, ao aduzir
que, nas demandas trabalhistas onde se buscam reparações por adoecimentos
ocupacionais, é na prova pericial, e, portanto, na atuação do perito, que está a base
para uma decisão justa. Para ele, “esta é uma situação angustiante, pois que não há
um quadro próprio de peritos judiciais na Justiça especializada; os peritos que têm
prestado seus serviços carecem, salvo exceções, de uma melhor capacitação técnica
para a investigação da contribuição da causa laborativa no surgimento da doença,
ainda que não seja a causa única (instituto da concausa); e os peritos desconhecem o
grau de incapacidade para efeito de indenização de danos (art. 950 do CC)”(23).
Ora, se todo o trabalho é, por si só, uma fonte de risco e representa um estado
de perigo, atualmente as novas formas de trabalho ou mesmo a ausência dele —
desemprego — têm desencadeado adoecimentos de novo tipo. Inovações
tecnológicas, novas técnicas gerenciais e organizacionais, cobranças por metas e
produtividade, polifuncionalidade, envolvimento sem precedentes dos
trabalhadores (os modernos “colaboradores”) à lógica empresarial, tudo isso se
alia a uma crescente multidão de excluídos e modifica o perfil das antigas doenças
relacionadas, direta ou indiretamente, ao trabalho.
Impossível que se tutelem tais situações sem que se percebam suas reais dimensões
e consequências. Ao não se aparelhar, material e ideologicamente, o Direito do
Trabalho nega sua própria razão de ser!
Há que ser salientado que, no Brasil, a proteção à saúde dos trabalhadores há
tempos foi erigida a nível constitucional.(24) Ainda assim, se vê, claramente, que a
própria legislação constitucional admite a existência de riscos no trabalho, tanto
que busca, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, a redução destes. Em
momento algum se reporta à busca de sua eliminação, o que evidencia a subsunção
da opção constitucional à lógica econômica do capitalismo.(25)
Vale apontar a observação feita por Amauri Mascaro Nascimento, para quem
“o alcance maior do direito à proteção não reside tão somente na redução dos riscos
decorrentes do trabalho, mas na sua total eliminação, mediante a remoção ou
neutralização das causas”.(26)
Logo, reclama-se um olhar mais aprofundado sobre as reais necessidades que
hodiernamente se fazem necessárias para simplesmente atenuar as consequências
sociais ocasionadas pelas novas formas de trabalho e de precarização.
Até aí, nada de novo! O próprio sistema, por tudo o que dissemos neste ensaio, é
caracterizado por tais contradições. Entretanto, o que se vê agora é uma maior
dificuldade de o Direito do Trabalho, peça importante desse sistema, lidar com tais
mudanças. Quer se dizer que mesmo a opção pela monetização dos riscos não tem se
mostrado suficiente, na medida em que todo o ferramental (institucional, instrumental,
material e ideológico) disponível apresenta graves deficiências. Como dito antes, as
dificuldades vão desde a legislação, que ainda permanece ultrapassada em detrimento
da evolução das relações capital-trabalho, passando pela própria atuação do Judiciário
Trabalhista, apático diante dos casos cada vez mais complexos que lhe são atribuídos.
No primeiro aspecto, percebe-se claramente uma maior dificuldade em que
sejam efetivadas mudanças por meio do processo legislativo. Tanto no Brasil como
em países de economia avançada, o que se vê é que não há qualquer autonomia das
nações perante um sistema cada vez mais dominado e dirigido por grupos
transnacionais. Não são mais os países que detêm as empresas, mas as grandes
corporações transnacionais é que detêm os países(27). Daí por que a hermenêutica
jurídica assume aspecto relevante.
No plano legislativo, mesmo no Brasil alguns avanços ocorreram, mas muito
timidamente, e algumas inovações na legislação puderam ser sentidas, como a
instituição do chamado nexo técnico epidemiológico, que permite que determinadas
doenças sejam consideradas ocupacionais em virtude de atividades econômico-
-empresariais específicas, e também da verificação estatística de afastamentos
previdenciários ocupacionais ocorridos em determinado setor patronal.
Referido avanço, no entanto, tem sido barrado pelo conservadorismo
jurisdicional, aliado a uma crescente lógica da modernização da justiça, que tem no
judiciário trabalhista efeitos devastadores. O Direito, e mais precisamente o Direito
do Trabalho, têm dado sua colaboração nesse processo de hipermonopolização do
capital assimilando as práticas de gestão e organização verificadas no novo modelo
de reprodução capitalista. Os que hoje julgam são cobrados pelo tempo de duração
do processo; desprezam-se a complexidade e as particularidades que as demandas
envolvendo as relações de trabalho e suas consequências à saúde dos trabalhadores
proporcionam, a demandar análise cuidadosa e providências cada vez mais radicais.
Cabe aqui lembrar as palavras de José Augusto Rodrigues Pinto, ao analisar as
perspectivas futuras do Direito do Trabalho:
Trata-se de saber, em suma, a serviço de quem o direito se coloca
primacialmente: da riqueza, do poder ou do indivíduo? Por mais que me
doa dizê-lo, dentro de minha condição de humilde servo do direito, as
circunstâncias que o fizeram brotar da inteligência humana tem muito
menos identificação com o idealismo da igualdade e muito mais o
pragmatismo da dominação.(28)

VI) O QUE É PRECISO SER FEITO?

Para se poder avançar e frear o quadro que cresce de forma abrupta é


necessário que se avolume um novo olhar ainda embrionário; urge que sejam
aparelhados, material e ideologicamente, juízes e a própria Justiça do Trabalho,
mesmo porque, com arrimo nas lições de Ana Paula Tauceda Branco, “o certo é
que, em nossos dias, espera-se mais do Judiciário. Quer-se mais do Judiciário
Trabalhista. E, nesse contexto, o Judiciário Trabalhista somente reforçará o seu
papel institucional, pela via do ativismo judiciário (...)”(29).
Os limites do Direito do Trabalho, hodiernamente catalizados pela incapacidade de se
garantir dignidade humana numa expressão mais acentuada do que aquela pregada pelos
postulados liberais, apenas evidenciam e ratificam os preceitos enumerados por Marx.
Ainda assim, alguns avanços vêm sendo experimentados, mesmo que por ora
incapazes de fazer frente à velocidade e voracidade das transformações que o sistema
tem imposto à sociedade. É o que pensa Jorge Luiz Souto Maior, para quem “a teoria
jurídica trabalhista, com reflexo na jurisprudência (e vice-versa), está ‘acordando’
para diversos aspectos negativos da realidade das relações de trabalho e está assumindo
a sua função de conferir eficácia à denominada era dos direitos humanos”.(30)
Deve ser lembrado, na lição de István Mészáros, “que descobrir uma saída do
labirinto das contradições do sistema do capital global por meio de uma transição
sustentável para uma ordem social muito diferente é, portanto, mais imperativo
hoje do que jamais o foi, diante da instabilidade cada vez mais ameaçadora”.(31)
Mas, na ausência de condições objetivas para tal avanço, algo urge ser feito,
ainda que com o ferramental que hoje se põe à disposição da sociedade. Trabalho,
saúde e direito podem, sim, caminhar juntos e equacionar-se. E o papel do Direito
do Trabalho é fundamental, desde que se corrijam rumos e se aposte em novos
ideais, contrários aos que vêm sendo impostos à sociedade atual e às futuras gerações.
Para tanto, seguindo a complexidade do mundo do trabalho, o Direito Laboral
precisa não apenas acordar, mas crescer e experimentar uma nova emancipação.
Necessita se abrir, apreendendo elementos demonstrados por outras ciências, e
interiormente passar a agir sempre lembrando que no centro da sociedade capitalista
ainda deve prevalecer a figura do ser humano.
HIGIDEZ FÍSICA E MENTAL — A EFETIVIDADE
DAS LEIS DA INFORTUNÍSTICA COMO
INSTRUMENTO DE DIGNIFICAÇÃO DO TRABALHADOR:
MENS SANA IN CORPORE SANO

Luiz Salvador
Olímpio Paulo Filho

INTRODUÇÃO

O homem é ser de localidade, dependente do meio e dos seus iguais. Na


caminhada evolutiva, na dinâmica da historicidade, busca o convívio com seus iguais,
com permanente indagação sobre: Quem sou? De onde venho? Para onde vou? —
autoquestionamento que dá origem à filosofia, vanguarda da transformação e
precursora da ciência.
Na escala evolutiva, o homem altera comportamento e se torna sapiens demens
ao escravizar seus semelhantes, poluir rios, mares, lençóis freáticos, desmatar florestas,
construir bombas, alterar o clima e comprometer sua qualidade de vida e a de seus
epígonos. O sapiens demens é irmão siamês do homo economicus; desde o advento da
Revolução Industrial, a humanidade tem convivido com a pujança e o cinismo do
homo economicus.
Os Iluministas fornecem o insumo necessário à germinação dos ideais de
liberdade, igualdade e fraternidade, e a Revolução Francesa levanta essa bandeira de
dignidade. Os polens dessa trilogia edificante — background da dignidade humana
— se espalham pela atmosfera e germinam nas mentes sintonizadas a essa frequência
energética.
A noosfera se altera lentamente e o homo economicus tenta se adaptar a essa
mentalidade, ao mesmo tempo em que busca manter seus privilégios. A rigor, não
quer abrir mão de nada. O instituto da escravidão se biodegrada, porém pouca
coisa muda, tanto que trabalhadores, inclusive crianças, são submetidos a jornadas
de 14 a 16 horas por dia, às vezes no subsolo, nas minas, tomados pela tísica e
abandonados à própria sorte. Outros, no setor metalúrgico ou têxtil, têm dedos
e braços amputados pelas máquinas, são descartados, sem qualquer amparo, e
substituídos por outros que podem vir a ter o mesmo destino. A vida útil do
trabalhador só tem valia enquanto força propulsora de produção. Os que adoecem
são condenados à morte, lenta e desesperadora, sem amparo do patrão, porque só o
que interessa é o lucro. Os trabalhadores — adultos ou crianças — são peças de uma
engrenagem; podem ser substituídos.
Na imagem desse quadro de horror, ainda vivo na memória, um poderoso
marco divisor — na dialética do tempo, de curta, média e longa duração — é fincado
em 1848 por Karl Marx e Friedrich Engels, com a publicação do Manifesto Comunista,
que propõe uma impiedosa luta de classe, a extinção da burguesia, a expropriação
da propriedade privada e a tomada do poder pelo proletariado, dirigido pelo Partido
Comunista — ideia que fascina, porque propõe a redução da jornada de trabalho,
trabalho para todos, abolição do trabalho das crianças nas fábricas, melhoria de
salários, arroteamento das terras incultas e melhoramento das terras cultivadas,
multiplicação das fábricas e dos instrumentos de produção, combinação do trabalho
agrícola e industrial — medidas tendentes a fazer desaparecer gradualmente a
distinção entre a cidade e o campo —, educação pública e gratuita de todas as
crianças(1).
Na moldura da mentalidade estruturada no século XIX, o Manifesto leva as elites
dominantes a sair do comodismo e a oferecer algum paliativo, diante da iminência de
ebulição social, que se mostra perigosa, se não forem oferecidas compensações.
O Manifesto põe em risco o Poder da Igreja, ao propor a eliminação da religião
e da família burguesa. As estruturas tremem, os poderosos se sentem inseguros e o
Papa Leão XIII sai do cômodo refúgio e lança, em 1891, a Encíclica Rerum Novarum,
para dar combate à virulência do Manifesto.
Diz Segadas Vianna:
... o Papa Leão XIII proclama a necessidade da união entre as classes do
capital e do trabalho, que têm “imperiosa necessidade uma da outra; não
pode haver capital sem trabalho nem trabalho sem capital. A concorrência
traz consigo a ordem e beleza; ao contrário, de um conflito perpétuo, não
podem resultar senão confusão e lutas selvagens”.(2)
Nessa transição, vêm à luz, em alguns países, as primeiras leis protetoras da
dignidade do homem, leis tímidas, uma pequena fenda na mentalidade estruturada.

I) A AÇÃO SOLIDÁRIA DAS MUTUAIS

Aqui, do outro lado do Atlântico, a partir de 1830, na sociedade escravocrata


brasileira, são concebidas as chamadas mutuais (sociedades criadas para prestar
auxílio aos seus membros), como exemplo, uma de 1873, na cidade do Rio de Janeiro,
a Associação Beneficente dos Homens de Cor, da qual podiam ser membros todos os
homens e todas as mulheres de cor, com mais de 14 anos, livres ou libertos, para dar
auxílio nos enterros e velórios de seus membros; dar amparo à família no caso de
pobreza; conceder pensão para a viúva, enquanto em estado de viuvez; prestar auxílio
para a soltura de membros que fossem presos e acompanhar o processo até o final;
prestar auxílio financeiro aos enfermos, além “médico e botica”, etc.
As mutuais proliferam na cidade do Rio de Janeiro e congregam não só homens
de cor, mas também homens e mulheres brancos, de várias categorias profissionais
(ourives, tipógrafos, artesões da construção civil, maquinistas, alfaiates). A
associação dos ourives é de 1838.(3)
As mutuais aparecem também em São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do
Sul e seus objetivos são paulatinamente ampliados: construção de sede própria,
construção de hospitais, farmácia própria, etc.
As mutuais são uma espécie de protossindicalismo, mas seus objetivos são
outros; fazem, num dado momento, reivindicações que se aproximam das
reivindicações sindicais.

II) AS PRIMEIRAS GREVES NO BRASIL E A DEFESA JURÍDICA DOS


TRABALHADORES

Com o incentivo à imigração, novos braços reforçam o trabalho na agricultura


brasileira. Esses imigrantes transformam o meio rural e ampliam a capacidade produtiva.
Sem a posse da terra, diante das precárias condições de trabalho, desiludidos e
sem a menor esperança de melhoria, alguns deixam a zona rural e se acomodam nas
periferias das grandes cidades — São Paulo e Rio de Janeiro. Alguns desses
trabalhadores têm conhecimento rudimentar da doutrina anarquista; têm
capacidade de organizar grupos, e passam a organizá-los.
No início do século XX, não há no Brasil proteção ao trabalho. O trabalhador
tem apenas o direito de trabalhar, se houver emprego: trabalho exaustivo, em
jornadas de 12, 13, 14, 15 horas, com magro salário.
O desejo de melhores condições de vida, a busca do melhor, é da essência da
natureza humana, e, diante da percepção gradativa de que o coletivo é um meio
eficaz para exigir melhores condições de vida, a história registra que, em 1907,
ocorrem vários movimentos grevistas em São Paulo, Rio de Janeiro e Recife, com
forte influência anarquista. A luta é pela jornada de oito horas, e os trabalhadores
enfrentam intensa e brutal repressão policial. As prisões ficam lotadas de
trabalhadores, enquanto os estrangeiros, principalmente os anarquistas, são
separados e expulsos do país.
Mesmo com a dureza da repressão, algumas categorias conseguem a jornada
de oito horas: os construtores de veículos, os chapeleiros, os canteiros, os
encanadores, os pintores e os marmoristas. Outras conseguem diminuir um pouco a
jornada, mas não para oito horas. Em algumas oficinas os metalúrgicos conseguem
as oito horas.(4)
Em 1917, há o registro de uma greve geral, com reivindicações de: jornada de
oito horas; semana de cinco dias e meio; fim do trabalho de crianças; restrições a
contratações de mulheres e adolescentes; segurança no trabalho; pagamento pontual
dos salários; aumento salarial; redução dos aluguéis e do custo dos bens de consumo
básicos; respeito ao direito de sindicalização; libertação dos trabalhadores presos;
recontratação de grevistas despedidos. E, uma vez mais, a repressão policial é intensa
e cruel. Os trabalhadores são presos até mesmo em suas casas.
Em 1918, estoura no Rio de Janeiro uma greve em algumas fábricas de tecidos,
que se alastra e atinge cidades próximas, combatida com a mesma intensidade
policial.
O ganho imediato dos movimentos paredistas é pífio, mas os trabalhadores
persistem nesses movimentos e, no caos que se instala, percebem sua capacidade de
organização, e se conscientizam, aos poucos, de sua força e de sua dignidade, de seu
direito de existir e de viver com dignidade.
A maior parte dos trabalhadores presos nos movimentos grevistas de 1903 a
1918 é defendida pelo advogado e jornalista Evaristo de Moraes, que encaminha
fianças, impetra habeas corpus e orienta as instituições sindicais.
Nos artigos que publica nos jornais, Evaristo diz que a jornada de oito horas é
vantajosa para o patronato, porque traz aumento de produtividade, melhoria da
produção, e, consequentemente, permite um produto mais bem acabado, porque,
segundo estudos de neuropatologistas, a jornada de oito horas, se implantada, evitaria
a fadiga, perda de energia motora, e traria maior concentração. Não acarretaria
prejuízos aos patrões, que deveriam, portanto, contribuir para a sua implementação.(5)
Evaristo de Moraes é, sem dúvida, um dos mais notáveis capacitores que trazem
à luz os princípios fundamentais de dignidade do trabalhador brasileiro.
III) A PRIMEIRA GRANDE GUERRA E O DESABROCHAR DA CONSCIÊNCIA
DA NECESSIDADE DE PROTEÇÃO SOCIAL

Bom seria que a mentalidade se alterasse pelo bom senso. Mas nem sempre é
assim. Dois acontecimentos sangrentos transformam a sólida mentalidade liberal: a
Primeira Grande Guerra Mundial — 1914-1918 — e a Revolução Bolchevique, de
outubro de 1917, na Rússia.
A Primeira Guerra Mundial, diz Segadas Vianna:
... levou às trincheiras milhões de trabalhadores e, pondo-os lado a lado
com soldados vindo de outras camadas sociais, fê-los compreender que,
para lutar e morrer, os homens eram todos iguais. E que deveriam,
portanto, ser iguais para o direito de viver. Os governos, tangidos pela
necessidade de manter a tranquilidade na retaguarda, faziam concessões
à medida que as reivindicações eram apresentadas e reconheciam a
importância do trabalho operário para êxito da luta que se travava nas
trincheiras. Na Inglaterra, em 1915, Lloyd George confessava aos
trabalhadores: “O Governo pode perder a guerra sem o vosso auxílio,
mas sem ele não a pode ganhar”.(6)
De outra banda, a Revolução Bolchevique, que vem em nome da conquista de
uma sociedade mais solidária, se revela, com a abertura dos arquivos na era Gorbachev, uma
brutal, desumana e sanguinária ditadura(7), que expropria as residências das pessoas,
impõe habitações coletivas, bane o direito de intimidade (as paredes têm ouvidos...),
reduz a maioridade penal para 12 anos e a industrialização se faz pela força do braço
escravo, sob o eufemismo de educação pelo trabalho.(8) O único direito que então resta
ao povo soviético é apenas o de concordar com o Governo.(9)
São significativos e transformadores os dois momentos. E é do confronto desses
dois momentos, ambos dolorosos, um lentamente cicatrizado, outro em permanente
estado de confronto e cerceamento de direitos, que o ocidente conhece o chamado
Estado de Bem-Estar social. Dentre as benesses do Estado de Bem-Estar Social, estão
as leis previdenciárias e acidentárias, de que se ocupa o presente trabalho.

IV) DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA COM DIGNIDADE

Viver com dignidade pressupõe vida saudável, integridade corpórea e trabalho


que permita a efetiva integração social, mas a força do econômico leva o homem a se
desligar do meio e se sentir dono do mundo, das pessoas e das coisas e, portanto,
impor sua vontade, transitar sem preservar, dominar e descartar o próprio ser
humano.
O princípio da solidariedade conflita no espaço geométrico da mentalidade
com o da individualidade. A lei estabelece o princípio, mas mudança efetiva só se
consegue de dentro para fora. O indivíduo que assimila o princípio se transforma; é
agente da mudança pelo comportamento ético que assume no dia a dia. O indivíduo
solidário consegue enxergar além do horizonte estreito do egoísmo. Não se isola,
sabe que é transitório no mundo, que é hóspede, e não dono, portanto, é solidário e
fraterno.
Comparato diz:
É um erro considerar que no mundo da natureza, sobretudo no mundo
animal, não exista solidariedade, e que ela seja uma criação política. Muito
pelo contrário, pode-se dizer que a biosfera forma naturalmente um sistema
solidário, e que o rompimento desse sistema é sempre obra do homem.(10)
O princípio da solidariedade está presente na OIT (Organização Internacional
do Trabalho, fundada em 1919, com o objetivo de promover a justiça social, hoje
uma Agência do Sistema das Nações Unidas). A OIT cumpre relevante papel na
condução, junto aos países membros, de efetivação de diretrizes e teses humanistas
de proteção da vida e da saúde dos trabalhadores no meio ambiente do trabalho.
A título de exemplo, destaca-se a aprovação da Declaração relativa aos
Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, na 86ª Reunião da Conferência
Internacional do Trabalho, em junho de 1998. Com essa Declaração, todos os Estados
Membros se obrigam a respeitar, “de boa fé e de conformidade com a Constituição
da OIT”, os princípios relativos aos direitos fundamentais do trabalho: liberdade
sindical; direito de negociação coletiva; proibição do trabalho forçado; erradicação
do trabalho infantil; igualdade de remuneração entre homens e mulheres e proibição
de toda discriminação no emprego.
Os mecanismos do seguimento da Declaração determinam que os Estados
Membros que não ratificaram essas convenções devem apresentar relatórios sobre
os avanços conseguidos na colocação dos princípios consagrados nas convenções da
OIT, tendo em vista que esta disponibilizou os instrumentos necessários de efetivação
do normativo jurídico de sua competência, recomendando (nos de emprego)
formação profissional e condições de trabalho, a fim de que, no marco de uma
estratégia global de desenvolvimento econômico e social, as políticas econômicas e
sociais se reforcem mutuamente, com vista à criação de um desenvolvimento
sustentável de base ampla.
Nesse caminhar firme, se pavimenta a estrada da dignidade e se afasta, na medida
do possível, a mentalidade mesquinha que vê o trabalhador como mero custo de
produção, e não como um ser humano. A OIT resgata a dignidade do trabalhador e
traça diretrizes para a efetivação dos direitos humanos e fundamentais, porque o
homem (o trabalhador) é a mola propulsora do desenvolvimento social, econômico,
artístico, e deve ser o único e exclusivo destinatário desse desenvolvimento; precisa
manter o corpo saudável e uma corporeidade compatível com a idade, enfim, uma
vida saudável.
Vida saudável pressupõe vida produtiva, capacidade de trabalho e
autorrealização, como sintetizam os versos da canção de Gonzaguinha:
Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho...
E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata...
Não dá prá ser feliz
Não dá prá ser feliz...
Para que o homem seja feliz, é preciso cuidar da vida, manter a plenitude da
corporeidade.
O direito à vida é tutelado nas constituições dos povos civilizados; é direito
fundamental, inalienável da pessoa humana.
No Brasil a inviolabilidade do direito à vida está assegurada no art. 5º da
Constituição Federal.
Os princípios fundamentais da dignidade humana cristalizados na trindade
liberdade, igualdade e fraternidade, assumidos pela Revolução Francesa,
desestruturam a ordem arcaica e fincam os marcos de uma nova ordem. No caos da
transformação, nova mentalidade se estrutura lentamente. E é necessário um século
para o princípio da liberdade se incorporar como conquista efetiva da humanidade.
Já no início do século XX, a maioria das nações do planeta repudia a escravidão e
garante a liberdade como direito fundamental da pessoa humana, mas ainda não há
igualdade. Esse princípio se firma ao longo do século XX.
No Brasil, a Constituição do Império admite o princípio da igualdade, e convive
contraditoriamente com a escravatura. Já a Constituição da República, em 1891,
extingue os privilégios da nobreza e estabelece o princípio da liberdade e o da
igualdade perante a lei. E quiçá neste século XXI se tenha o desabrochar do ideal de
fraternidade.
V) LEIS PREVIDENCIÁRIAS E ACIDENTÁRIAS BRASILEIRAS

O Estado Brasileiro conviveu com várias leis previdenciárias e acidentárias. A


primeira delas prevista no Código Comercial Brasileiro de 1850, que garantia no
art. 79 o pagamento de três meses de salário ao acidentado:
Art. 79 — Os acidentes imprevistos e inculpados, que impedirem aos prepostos o exercício de suas
funções, não interromperão o vencimento do seu salário, contanto que a inabilitação não exceda
a 3 (três) meses contínuos.

Em 1919, os trabalhadores passam a contar com a primeira lei de acidente de


trabalho da República, o Decreto Legislativo n. 3.742/1919, de 15.1.1919, que adota
a teoria do risco profissional, não amparando o instituto da concausa ou causas
paralelas que informam a ocorrência de acidente de trabalho. Depois, já na República
Nova, vem o Decreto Legislativo n. 24.637, de 10.9.1934, que mantém a teoria do
risco profissional, e amplia a abrangência para admitir como acidente de trabalho
toda lesão corporal, perturbação funcional, ou doença, produzida pelo trabalho
ou em consequência do trabalho. O acidente de percurso também passa a ser
considerado acidente de trabalho, desde que o empregador forneça o transporte.
Em 1944, com a guerra insana ceifando preciosas vidas humanas, as atenções
do mundo se voltam para o palco das operações de guerra. O Brasil está nesse teatro
de horror, na Itália, com um contingente de brasileiros na luta contra a tirania. E,
mesmo num momento desses, há preocupação efetiva com a segurança do
trabalhador, tanto que, em 10.11.1944, o Governo Vargas edita o Decreto-Lei n.
7.036, que mantém a teoria do risco profissional em se tratando de acidente de
trabalho e admite o instituto da concausa no art. 3º:
Considera-se caracterizado o acidente, ainda quando não seja ele a causa única e exclusiva da
morte ou da perda ou redução da capacidade do empregado, bastando que entre o evento e a morte
ou incapacidade haja uma relação de causa e efeito.

Esse decreto mantém o entendimento de que acidentes de percurso são


considerados acidentes de trabalho, desde que o empregador forneça o transporte.
Os empregadores, então, passam a contratar apólices de seguro para cobrir os
riscos.
Nos anos sessenta, sob o jugo da ditadura militar, de triste memória, é
promulgada, em 14.9.1967, a Lei n. 5.316/1967, regulamentada pelo Decreto n.
61.784/1967, que integra o seguro acidente de trabalho na Previdência Social. Essa
lei admite o instituto da concausa e o acidente in itinere, e a doença laboral equiparada
a acidente de trabalho.
A estatização do seguro acidentário, de certo modo, deixa o acidentado
desprotegido, porque o poder público no Brasil não enfrenta suas deficiências
administrativas, convive com omissões, subnotificações e fraudes diversas, que
impedem a efetividade dos direitos do trabalhador acidentado. O que se concede é,
na maioria das vezes, um mínimo, uma satisfação precária, injusta e desequilibrada.
Com redemocratização, veio, em 24.6.1991, a Lei n. 8.213/1991, com o seguro
acidentário mantido estatizado, sob controle da Previdência Social, e são estabeleci-
dos os benefícios previdenciários em caso de adoecimento dos segurados do INSS,
inclusive os benefícios acidentários de responsabilidade do empregador, que passa a
ser obrigado a assegurar a meio ambiente laboral equilibrado, livre de riscos de
acidentes e ou de adoecimentos ocupacionais. A teoria do risco é afastada e é admi-
tida a responsabilidade objetiva, ou seja, a responsabilidade do empregador é
presumida, por implementação da teoria da socialização do risco, como meio de
se dar efetiva prevalência ao social.

VI) A PROTEÇÃO AO TRABALHADOR ACIDENTADO

Amparada no princípio da liberdade, da igualdade e da fraternidade, portanto,


na dignidade da pessoa humana, a Constituição Brasileira dá prevalência ao social
e ao trabalho digno, subordina o capital à função social e o torna parceiro na
promoção do bem-estar social, sem exclusão ou discriminação (art. 5º, inciso XXIII,
e art. 170). E, para viabilizar a efetivação do existir com dignidade, a Constituição
assegura, no art. 7º, XXII, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
normas de saúde, higiene e segurança” e, no art. 7º, XXVIII, “Seguro contra acidentes
de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está
obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
A Lei n. 8.213/91 prevê as condições de concessão do benefício auxílio-doença
— comum ou acidentário — aos segurados com incapacitação para o trabalho, e as
condições de reabilitação profissional, em função compatível com as novas condições
físico-psíquicas (arts. 59, 62, 63, 86). Enquanto houver incapacidade, o contrato de
trabalho estará suspenso.
O direito positivado dá bom amparo ao trabalhador doente ou acidentado,
mas no cotidiano esse amparo é reiteradamente negado. Até parece que nos
acostumamos, e não nos sensibilizamos com os infortúnios, em que pese o número
assombroso de vítimas. Levantamentos oficiais (Anuário Estatístico) informam uma
média de 500 mil acidentes por ano (458.356 em 2004, 492.000 em 2005, 512.000 em
2006 e 514.135 em 2007), todas com emissão de CAT (Comunicação de Acidente de
Trabalho), e mais 138.955 casos sem emissão de CAT em 2007, totalizando 653.090
acidentes em 2007 e 700.000 em 2008. A cada dez anos se tem em torno de 6.500.000
a 7.000.000 de acidentados, o equivalente a 41% da população atual do Chile e ao
dobro da população atual do Uruguai. Ocorrem, em média, três mortes a cada duas
horas de trabalho, três acidentes a cada minuto de trabalho. O quadro é ainda mais
estarrecedor porque em mais de 80% dos casos as CATs não são emitidas. O
trabalhador é encaminhado ao INSS como se nada tivesse ocorrido, como se não se
tratasse de acidente de trabalho, e sim de doença comum, lesões desvinculadas da
atividade laboral, gerando as chamadas subnotificações acidentárias, rotineiras e
aceitas pelo INSS. Com isso, a conta que seria de responsabilidade do empregador é
bancada pelo Estado, ou seja, pela sociedade brasileira.
Não há como se sustentar o princípio da dignidade humana se o homem
estabelece como prioridade o econômico em detrimento do social. Quando prevalece
apenas o econômico, os princípios de fraternidade e solidariedade são escamoteados:
o bem maior — a vida — perde valor.
Diante da constatação diária de ofensa à dignidade do trabalhador,
representada pela agressão à corporeidade, alguns sindicatos canadenses instituíram
o dia 28 de abril como o dia de homenagem às vítimas de acidentes de trabalho, ideia
logo incorporada pela Confederação das Organizações Sindicais Livres — CIOLS.
No Brasil, a FUNDACENTRO, por decisão de seu Conselho Curador, instituiu, em
7.3.2003, o Dia Internacional em Homenagem às vítimas de Acidentes e Doenças no
Trabalho, comemorado sempre no dia 28 de abril. A ONU (Organização das Nações
Unidas) e a OMS (Organização Mundial da Saúde) também incorporaram as
comemorações há mais de dois anos, seguidas de campanhas criativas, que visam
conscientizar empregadores e empregados a incorporar instrumentos e instruções
necessários à eliminação, quando possível, ou diminuição de acidentes de trabalho.

VI.1) Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário — NTEP

O art. 1º, da Lei n. 11.430/2006, introduz o chamado NTEP (Nexo Técnico


Epidemiológico Previdenciário), como meio de combate às subnotificações. Esse
art. 1º acrescenta os arts. 21-A e 41-A à Lei n. 8.213/1991. Com o NTEP, o INSS
passa, em tese, a caracterizar a doença não mais do ponto de vista individual, a
encargo do infortunado, mas do risco epidemiológico de cada setor da atividade
econômica, catalogada no Decreto n. 6.042, de 12.2.2007, regulamentada pela
IN n. 16/2007.
Antes do NTEP, a perícia médica do INSS procedia de modo individualista,
sem fazer a necessária correlação entre a doença e o trabalho habitualmente
desenvolvido. Com o NTEP, faz-se essa correlação, e se faz o enquadramento da
doença como de origem laboral sempre que houver forte presunção de risco
epidemiológico da atividade desenvolvida.
A IN n. 16/2007 disciplina a aplicação do NTEP, mas o INSS tentou inviabilizar
em parte a aplicação ao editar a IN INSS/PRES n. 31, de 10 de setembro de 2008, IN
n. 31/2008, substituindo a IN n. 16.
A alteração foi questionada pelo Ministério Público do Trabalho da 12ª Região,
que exigiu do INSS (NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA) a revisão da IN INSS/
PRES n. 31, por
“subversão dos princípios legais que regem os atos regulatórios, não podendo, como ocorreu, que
por serem as instruções normativas atos inferiores à Lei, em sentido formal, e aos Decretos, inová-
-los ou contrariá-los, mas unicamente complementá-los e explicá-los, sob pena de exceder sua
competência material, incorrendo em ilegalidade. (STF ADI 2.398-AgR, rel. Min. Cezar Peluso,
julg. em 25.6.2007)”: A NOTIFICAÇÃO RECOMENDATÓRIA 09/2008 determinou ao INSS:
“Proceda no prazo de 60 dias a revisão da Instrução Normativa INSS/PRES n. 31, de 10 de
setembro de 2008, abstendo-se de editar instrução normativa que contrarie normas legais e conceitos
jurídicos já consagrados”.(11)

O NTEP permite efetivamente maior segurança no trabalho, tanto que com


sua vigência foi possível dimensionar melhor a quantidade de casos e se certificar do
acerto da medida, que veio em boa hora assegurar maior efetividade à proteção à
saúde e integridade física do trabalhador. O reconhecimento do número de acidentes
do trabalho com concessão do benefício auxílio-doença acidentário (B-91), mesmo
sem a emissão da CAT, aumentou bastante. Com a aplicação do NTEP, houve
crescimento de 27,5% no total dos acidentes no ano de 2007, comparativamente ao
ano de 2006, como se constata no Anuário Estatístico do INSS.
Com o NTEP, parte da sujeira deixa de ser encoberta pelo tapete.

VI.2) Fator Acidentário Previdenciário — FAP

O FAP (Fator Acidentário Previdenciário) tem amparo no art. 7º, XXVIII, da


Constituição Federal, que atribui ao empregador o encargo de suportar os custos
do seguro protetivo estatal, e no art. 22 da Lei n. 8.212/1991.
O empregador deve recolher um percentual mensal sobre a folha de pagamento
a título de Seguro Acidente de Trabalho (art. 22 da Lei n. 8.212/91), para financiar
o benefício de aposentadoria especial ou os benefícios previdenciários por
incapacidade laborativa, decorrente de riscos ambientais do trabalho, segundo a
gradação legal:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do
trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado
médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado
grave.

A contribuição para o SAT é antiga, é da era Vargas. Ganhou relevância com a


edição da Lei n. 5.316, de 14.9.1967, e sofreu inúmeras alterações, com taxação em
percentual fixo, até a edição da Lei n. 8.212/1991, que estabeleceu percentuais
variáveis.
A taxação ocorria em percentual fixo por atividade. Com o tempo, a taxação
em percentual fixo se tornou insustentável por permitir que o empregador que não
investisse em proteção pagasse o mesmo percentual de SAT (Seguro Acidente de
Trabalho) que aquele que investisse, que cumprisse a legislação infortunística e
tentasse eliminar ou diminuir os acidentes e adoecimentos ocupacionais de seus
empregados. Por isso, o Conselho Nacional de Previdência Social, por meio da
Resolução n. 1.236, de 28.4.2004, aprovou nova metodologia para definir os
percentuais de contribuição devidos pelas empresas para financiamento de benefícios
previdenciários relacionados aos riscos do trabalho. Instituiu-se, então, o chamado
Fator Acidentário Previdenciário — FAP —, constituído a partir do risco
epidemiológico estimado para cada ramo de atividade econômica.
Diante dos questionamentos jurídicos sobre a ilegitimidade de se criar o FAP
por meio de Resolução, o Governo buscou superar as divergências. O FAP então foi
aprovado pelo Congresso Nacional, Lei n. 10.666/2003, e regulamentada sua
aplicação pelo Decreto n. 6.042/2007.
A metodologia do FAP permite à Previdência Social aumentar ou diminuir as
alíquotas de contribuição das empresas ao seguro de acidente de trabalho. O
percentual depende do grau de risco de cada empresa.
O novo sistema de contribuição patronal ao SAT cria mecanismo de incentivo
a investimento em prevenção e cumprimento da legislação infortunística de proteção à
saúde do trabalhador.
Com o FAP, a empresa que efetivamente investir em prevenção se beneficia da
redução do seguro de acidente de trabalho, em percentuais de 0,5% e 6% da folha de
pagamento, dependendo da quantidade de acidentes ocorridos. Por outro lado, o
empregador que apresentar maior número de acidentes e/ou adoecimentos
ocupacionais será penalizado, ao invés de se beneficiar da redução de percentual,
pagará em dobro.

VI.3) A Luta do Velho contra o Novo

No processo de transformação da mentalidade estruturada, é preciso que o


velho morra para que o novo viva e faça desabrochar o renovo. Quando o velho
morre, acontecem as transformações sociais. O velho resiste, impede com todas suas
forças a transformação. É o que ocorre, numa outra dimensão, com a introdução
do Fator Acidentário Previdenciário — FAP.
As empresas, apegadas ao econômico, resistem, e não querem abrir mão de
uma pequena parte da lucratividade para investir no social. O FAP deveria ser
aplicado a partir de janeiro de 2008, mas a força do econômico adiou para 1º de
janeiro de 2009, e depois para 1º de janeiro de 2010.
A luta do velho para não morrer levou ao ajuizamento de inúmeras ações na
Justiça Federal contra o INSS, com arguição de inconstitucionalidade do critério de
cobrança do FAP, ao argumento de ofensa ao princípio constitucional de tipicidade
da legislação tributária. A Justiça Federal deferiu algumas liminares, de modo a
impedir que o velho morra e de que o novo frutifique. Daí um novo filho, não tão
perfeito veio à luz: uma negociação tripartite (governo, trabalhadores e
empregadores) possibilitou uma nova regulação do FAP, com vigência a partir de
setembro de 2010.(12)
O FAP agora abriga alíquotas ascendentes para o empregador que tiver maior
índice de acidentes. O sistema leva em conta não só os afastamentos com benefícios
de auxílio-doença acidentário (B-91), mas também os afastamentos com benefícios por
auxílio-doença comum (B-31); reconhece a continuidade da prática nociva das
subnotificações acidentárias e que o acúmulo de afastamentos por doenças ou por
acidentes típicos decorrem de descumprimento das normas de segurança e medicina
do trabalho.
A nova regulação do FAP, fruto do consenso, contida na Resolução n. 1.316/
2010, está aquém do desejável, mas é o possível no estágio atual do equilíbrio de
forças capital-trabalho. Embora o enfoque não possa, de maneira nenhuma, ser
visto como luta capital x trabalho, por se tratar de saúde e de garantia de
integridade física, portanto, de direito fundamental indisponível, a mentalidade
do econômico desvia o debate para o equilíbrio de forças capital x trabalho.
Portanto, o FAP que se tem é o que é porque as pessoas são como são, porque
não conseguem fazer um olhar mais abrangente; apegam-se ao passado, vivem
num certo passado e resistem a adequá-lo com firmeza ao presente. E, mesmo
com toda essa resistência do velho, um resquício de ternura e de bom senso
permite concessões, a ponto de aquiescer com algumas exigências do presente.
Daí, o consenso possível, com a concordância expressa de se investir em
prevenção, de se eliminar os riscos de acidentes e de adoecimentos ocupacionais
no meio ambiente de trabalho. Agora, desde setembro/2010, se a empresa não
apresentar ocorrência de acidente ou doença do trabalho, nem empregado com
benefício acidentário, com ou sem CAT, com DDB (Data de Despacho do
Benefício), no período-base de cálculo, irá pagar apenas 0,5000 de FAP. E se for
constatado que a empresa deixou de apresentar notificação de acidente ou doença
do trabalho, como exige o art. 22 da Lei n. 8.213/1991, irá pagar 2,000
independente do valor do índice de contribuição.
O novo timidamente começa a engatinhar. Quem sabe, logo estará em pé, e
dará passos, cada vez mais firmes. Talvez não sejam necessárias leis mais rigorosas.
Talvez, nesse despertar de consciência, se tenha o início do Século da Fraternidade;
talvez, a utopia ganhe contornos que a aproxime do real possível.
VII) A INCONSISTÊNCIA DAS PERÍCIAS

No Brasil, as investigações de acidentes são de certo modo frouxas e se atribui


a culpa, na maioria dos casos, ao próprio acidentado. Diante disso, ocorrem as
chamadas subnotificações. A empresa não emite a CAT, e o empregado se afasta
para tratamento de saúde por doença comum. Se o afastamento fosse por doença
laboral, a empresa teria que continuar a depositar mensalmente a parcela do FGTS,
mas, afastado por doença comum, a empresa não precisa depositar nada. Se a hipótese
for de doença profissional, o enquadramento ocorre, salvo raras exceções, como
doença de origem degenerativa, porque o organismo atinge a maturidade e inicia
seu lento processo de envelhecimento. Os médicos das empresas, do INSS e os peritos
judiciais, com poucas exceções, se recusam a admitir a ocorrência até mesmo de
concausa, autorizada pelo art. 21 da Lei n. 8.213/1991. Se a doença for mesmo
de origem degenerativa, ela poderia se manifestar muito tempo depois, mas o
trabalho com movimentos repetitivos contribui para o desgaste antecipado. Só que
os peritos médicos teimam em afrontar a lógica, e negar o existente.
O advogado que atua na defesa de trabalhadores acidentados tem que se
assessorar com médicos especialistas, a um custo alto, para ter condições de impugnar
os vergonhosos laudos subscritos por boa parte dos peritos. É uma batalha difícil,
dificílima, porque, embora o art. 436 do CPC disponha que “O juiz não está adstrito
ao laudo pericial, podendo formar sua convicção com outros elementos ou fatos
provados nos autos”, a maioria dos juízes, ou por comodismo, ou por excesso de
trabalho, prefere acatar o laudo e ignorar por completo a insurgência, por mais
bem fundamentada que esteja. Aí o econômico supera o social com a proteção do
Judiciário. Quando se consegue desconstituir o laudo médico, e o Judiciário concede
alguma indenização pelos infortúnios sofridos pelo trabalhador, a decisão se torna
notícia de alcance nacional, como, por exemplo, a do informe de Santos(13) sobre um
processo do TRT da 9ª Região, relatado pelo Desembargador Márcio Dionísio
Gapski, de um trabalhador aposentado pelo INSS, com diagnóstico de
pneumoconiose devida a amianto — asbestos. Na ação, o perito nomeado pelo
juízo ignorou a extensa documentação, laudos comprobatórios da doença e negou
o nexo causal, e a Vara do Trabalho julgou a ação improcedente. No Tribunal, por
unanimidade o laudo foi desconstituído e acolhido o nexo causal.
Há sempre esperança de bom senso, e de vez em quando se concretiza com
juízes da grandeza de um Márcio Dionísio Gapski, que efetivamente engrandece a
atividade judicante e demonstra que ainda é possível confiar na Justiça. Há,
efetivamente, juízes que ousam olhar além da moldura aprisionada no quadro,
descobrir novos horizontes e trazer a verdade para o universo dos autos, como, por
exemplo, o Dr. José Antonio Ribeiro, cujo magnetismo eletriza e convence plateias
até mesmo do pensamento velho. Esteve com os advogados trabalhistas brasileiros
em Florianópolis-SC, em 04.9.2010, no XXXII CONAT, e deixou a certeza de que o
novo pensamento transformador já encontra abrigo no Judiciário.(14)
Casos assim, no entanto, ainda são exceções. O que se vê no dia a dia são os
tribunais se vinculando aos laudos, sem questioná-los.

VIII) A AÇÃO ESTÉRIL DAS CIPAs

Desde abril de 1994, o Ministério do Trabalho tem atuado no sentido de tornar


obrigatória a investigação de todo e qualquer acidente do trabalho, com adoção do
Método de Árvore de Causas, sem considerar, entre outros, alguns elementos
componenciais importantes da estratégia da ação investigativa, como: 1) os aspectos
técnicos do método; 2) a heterogeneidade quanto ao grau de segurança das empresas
brasileiras e 3) a necessidade de capacitação de grande número de profissionais para
atuação eficiente. Sem essa cautela mínima, os resultados são comprometidos.
É preciso avançar no exame das causas efetivas dos acidentes. Na maioria das
vezes, ocorrem por descumprimento da legislação infortunística. Na visão simplista,
distorcida e egoísta do capital, o econômico está acima do social, acima da dignidade
do homem, na medida em que entende que fazer prevenção eleva custos.
Consequentemente, não se faz investimento em segurança laboral, em prevenção.
Até mesmo as CIPAs agem de modo displicente e não apuram com eficiência
acidentes e doenças laborais. Há, evidentemente, honrosas exceções, mas o que tem
prevalecido é quase sempre o econômico, o poder desenfreado do homo economicus.
São raras as CIPAs que desempenham com eficiência o seu papel; não atuam na
prevenção, não buscam descobrir as causas reais dos acidentes laborais, não fazem
uso do Método de Árvore de Causas, não verificam, não investigam e não fiscalizam;
fazem arremedo de investigação, e, consequentemente, não desvendam as causas ou
pluricausas dos acidentes de trabalho.
As CIPAs deveriam verificar, analisar e fiscalizar, pelo menos: a) os aspectos da
organização do trabalho e gerenciais envolvidos na origem de acidentes, suas
potencialidades em termos de prevenção de novos acidentes, partindo da
identificação, eliminação ou neutralização dos fatores envolvidos na ocorrência do
acidente; b) o cumprimento ou não das necessidades e exigências de treinamento e
de reciclagens; c) as condições laborais em que se deu o infortúnio, a exigência de
jornada estressante, quando for o caso, cobrança de metas exageradas, etc., para se
afastar a irresponsável atribuição de culpa ao acidentado pelo acidente.
O trabalhador brasileiro só terá efetivo reconhecimento de sua dignidade,
consequentemente, respeito por sua integridade corporal, quando o empregador
assumir, de modo consciente, sua parte no processo de produção, oferecer um meio
ambiente de trabalho saudável e seguro. A par disso, as CIPAs precisam abandonar
a postura cartorária e burocrática, e cumprir com rigor suas atribuições legais.
Numa democracia o mínimo que se espera é que todos cumpram a lei. Se o
descumprimento implicar ofensa à integridade corporal do trabalhador, torna-se
imprescindível uma indenização compensatória punitiva e pedagógica.
Por oportuno, traz-se à colação o pensamento de Martins:
Os benefícios de qualquer política (politeia) devem reverter para o povo
na forma de humanização (Paideia), e não apenas de aspectos da
“hominização econômica”. A produção, distribuição, repartição e
consumo de bens e serviços não se refere somente a valores econômicos,
mas a toda a esfera da axiologia humana.(15)
No exercício da cidadania, espera-se o cumprimento espontâneo das leis. O
Estado tem que se estruturar, para exigir o cumprimento e dar efetividade às leis
democráticas, mas isso ainda nos falta. O Ministério Público do Trabalho tenta
fazer a sua parte, mas é pouco, e o Ministério do Trabalho tem que atuar mais; tem
que fiscalizar mais.

CONCLUSÃO

A mentalidade estruturada lentamente se transforma. A transição do velho


para o novo é difícil. O pensamento velho não quer morrer, e, enquanto não morre,
impede o desabrochar do novo. O pensamento velho, instrumento da ação do homo
economicus, tem dificuldade de conviver com o pensamento novo, libertador, que
descortina novos horizontes, sensibiliza para a fraternidade e prioriza o homem. O
pensamento novo é congruente com o homo artifex, “aquele que é capaz de construir
não apenas para si mesmo, mas também para a posteridade; o construtor de bens
materiais e espirituais”.(16)
Agora, voltamos ao contido na introdução deste artigo. Os desacertos da
sociedade humana decorrem do demasiado apego aos postulados do homo
econômicos. Por isso, é preciso permanentemente se autoindagar com sinceridade:
Quem sou? De onde venho? Para onde vou? A resposta do ser humano, que conhece
complexidade e simetria, será, com certeza: sou homem; habito o planeta Terra;
transito num meio ambiente, e não sou dono desse meio, não posso destruí-lo. Convivo
nesse meio com outras espécies que dependem dele tanto quanto eu. Portanto, tenho
que preservá-las também; e, ao preservá-las, percebo que sou peregrino, que estou de
passagem. Meus filhos, os filhos dos meus amigos, meus netos, os amigos dos meus
netos — os epígonos — habitam ou virão habitar este mesmo meio.
Assim, pela reflexão e processo de reflexividade, tomo consciência de que há
uma unidade, de que nada está isolado e de que pertenço ao meio, sou parte dele;
tenho a consciência de pertencimento. E, se tenho a consciência de pertencimento,
percebo que a vida é um constante conhecer e fazer(17), que o conhecer e o fazer são
indissociáveis do processo de organização, até mesmo no plano biológico. Se consigo
perceber isso, consigo reverter esse quadro de atraso, consigo ser a vanguarda que
leva à transformação gradual do homo sapiens demens em homo artiflex; consigo
perceber que só é possível a transformação do sapiens demens em artiflex se a
mentalidade do homo economicus for alterada. Sei que é possível alterá-la. Basta
destruir o muro da vergonha que separa a cidade luz da cidade tentacular, e construir
uma sociedade mais humana — unitas multiplex.
2 A CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA

2.1 Saúde e necessidade de prevenção

Invariavelmente, as ações preventivas de acidentes e doenças procuram impedir

danos à saúde dos trabalhadores no exercício de suas atividades funcionais. Contudo, as

rápidas mudanças tecnológicas, o envelhecimento da população de trabalhadores, entre outros

fatores, exigem uma reflexão sobre o próprio conceito do que é saúde.

Dejours (1986, p.11), buscando salvar o que sugere a “antiga definição de

saúde1”: “[...] a saúde para cada homem, mulher ou criança é ter meios de traçar um

caminho pessoal e original, em direção ao bem-estar físico, psíquico e social”. Considera

que para se ter bem-estar físico é preciso se possuir a liberdade de regular as variações que

aparecem no estado do seu organismo, ou seja, dormir quando se tem vontade, repousar

quando estiver cansado, comer quando estiver com fome. “[...] É, portanto a liberdade de

adaptação” (DEJOURS, 1986, p. 11).

Como bem-estar social, Dejours (1986, p.11) entende “[...] a liberdade de se agir

individual e coletivamente sobre a organização do trabalho, ou seja, sobre o conteúdo do

trabalho, a divisão das tarefas, a divisão dos homens e as relações que mantêm entre si”.

Thébaud-Mony (1996) citada em Daubas-Letourneux e Thébaud-Mony (2002, p.5),

parte do pressuposto de saúde como uma construção:


A saúde é um processo dinâmico pelo qual o indivíduo se constrói e se orienta,
processo que inscreve no corpo da pessoa, as marcas do trabalho, das condições de
vida, dos acontecimentos e das dores, do prazer e do sofrimento, de tudo o que faz
uma história individual na sua singularidade, mas também coletiva pela influência
das múltiplas lógicas no seio das quais ela se insere. (tradução e grifos nosso)

Para Assunção (2003, p.18), “[...] a construção da saúde é a mobilização

consciente ou não das potencialidades de adaptação do ser humano, permitindo-lhe interagir

com o meio de trabalho, lutando contra a morte, as deficiências, as doenças e a tristeza”.

Percebe-se nas definições desses autores que o conceito de saúde é dinâmico e,

gradativamente, vem sendo ampliado para abranger as demandas sociais originadas nas

situações de trabalho. Em 1999, Garrigou et al., afirmaram que a busca de organizações mais

abertas deveria ser o objetivo dos profissionais que visam à prevenção dos danos à saúde dos

trabalhadores. Estas organizações do trabalho possibilitariam aos trabalhadores escolhas que

atendessem suas singularidades, isto se refletiria positivamente no coletivo pela diminuição de

acidentes e doenças do trabalho.

2.2 Aspectos legais da prevenção

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e

econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e

igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (Constituição

Federal, 1988, art. 196).

A inexistência de lei específica para reger a segurança e a saúde dos servidores

públicos foi matéria de capa de uma revista especializada em segurança e saúde no trabalho2.

A Constituição Federal – CF de 1988, porém, define dentre os direitos sociais a saúde, o

trabalho e o meio ambiente, neste último compreendido o do trabalho (art.6º); em seu artigo
7° (inciso XXII) legisla sobre a questão de que entre os direitos dos trabalhadores urbanos e

rurais (CF art. 7º) está a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de edição de

normas de saúde, higiene e segurança; e no seu artigo 198 cria o Sistema Único de Saúde –

SUS, definindo como uma de suas diretrizes a priorização de ações preventivas nesta área.

A regulamentação do SUS deu-se pela aprovação da Lei Orgânica da Saúde (Lei

n.º 8080/1990 e Lei nº 8142/1990), que define a saúde como um direito fundamental do ser

humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.

Estão incluídas no campo de atuação do SUS a execução de políticas que visem à

saúde do trabalhador, entendidas como um conjunto de atividades que se destina, através

das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da

saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos

trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho.

O campo das ações que envolvem a saúde do trabalhador abrange a assistência ao

trabalhador vítima de acidente de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho;

participação, no âmbito de competência do SUS, em estudos pesquisas, avaliação e controle

dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho; da normatização,

fiscalização e controle de atividades produtivas que apresentem riscos à saúde do trabalhador;

avaliação do impacto que novas tecnologias possam provocar à saúde; cabendo-lhe ainda

informar tanto ao trabalhador quanto à sua entidade sindical e às empresas sobre riscos

existentes no trabalho e os resultados disponíveis de fiscalizações e, por último, participar na

normatização, fiscalização e controle dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e

empresa públicas e privadas.

Para fornecer subsídios básicos para o desenvolvimento de ações de Vigilância em

Saúde do Trabalhador, foi instituída pelo Ministério da Saúde – MS a Normativa de

Vigilância em Saúde do Trabalhador, através da Portaria nº 3.120/1998. Nessa Portaria, as


ações de Vigilância em Saúde do Trabalhador são compreendidas como uma atuação contínua

e sistemática, ao logo do tempo, no sentido de detectar, conhecer, pesquisar e analisar os

fatores determinantes e condicionantes dos agravos à saúde relacionados aos processos e

ambientes de trabalho, em seus aspectos tecnológico, social, organizacional e epidemiológico,

com a finalidade de planejar, executar e avaliar intervenções sobre esses aspectos, de forma a

eliminá-los ou controlá-los.

Esta normativa parte do princípio de que o sistema de saúde deve ter linhas

mestras de atuação para poder manter banco de dados e intercâmbio de experiências,

preservando sempre as particularidades regionais (culturas e características populacionais),

ultrapassando o aspecto normativo tratado pela fiscalização tradicional, pautando-se nos

princípios da universalidade, integralidade das ações, plurinstitucionalidade, controle

social, hierarquização e descentralização, interdisciplinaridade, pesquisa-intervenção e

caráter transformador.

As intervenções devem ter abordagem multidisciplinar sobre o problema,

contemplando saberes técnicos de diversas áreas do conhecimento e, principalmente, o saber

prático dos trabalhadores, propondo mudanças inclusive dos processos de trabalho, a partir

de análises tecnológica, ergonômica, organizacional e ambiental, podendo usar parâmetros

que superem a própria legislação em vigor.

As atribuições e responsabilidades para orientar e instrumentalizar ações de saúde

do trabalhador a serem desenvolvidas pelas Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, constam da Norma Operacional de Saúde do Trabalhador - NOST

(SUS) aprovada pela Portaria nº 3.908/1998 (MS).

O Estado de Santa Catarina, na apresentação do “Plano Estadual de Saúde do

Trabalhador” (versão preliminar para apreciação do Conselho Estadual de Saúde em

30/07/2003), assume que a “organização de ações e serviços na área de saúde do trabalhador


vem se dando, no âmbito do SUS, de forma lenta e descoordenada” e, ainda, que “a ausência

de uma política e uma coordenação efetiva do Gestor Estadual deixou um vazio que foi

assumido por poucos municípios”.

Esta ausência de políticas em Saúde e Segurança do Trabalhador em nível

estadual tem reflexos diretos na saúde do trabalhador em níveis municipais.

A apresentação deste arcabouço legal relativo à Saúde do Servidor/Trabalhador

não pretendeu esgotar toda a legislação, principalmente a do SUS, que é dinâmica e permite a

sua adaptação às mudanças que ocorrem num mundo globalizado, com reflexos no mundo do

trabalho e na sociedade.

2.3 Servidores públicos: uma população desprotegida

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi instituído o regime

jurídico único para os servidores públicos da administração direta, autarquias e fundações,

que passaram a ser contratados através de concursos públicos e regidos por estatuto próprio.

Para se ter uma idéia da dimensão da população de servidores públicos

enquadrados na categoria de estatutários, segundo o Censo Demográfico3 (2000) as pessoas

ocupadas no Brasil que se declararam militares e servidores estatutários eram 3.729.012, o

que correspondia a 5,76 % de um total de 64.704.927 pessoas ocupadas.


Estes servidores estatutários exercem suas funções nos Poderes Executivo,

Legislativo e Judiciário, na esfera federal, estadual e municipal, nas áreas da saúde, educação,

obras públicas e outros serviços essenciais.

Socialmente, esta população de servidores estatutários que por um lado é tida

como privilegiada por possuir estabilidade e aposentadoria integral, por outro não está coberta

pelo “guarda-chuva” das Normas Regulamentadoras - NR’s relativas à saúde e segurança do

trabalhador, que são de observância obrigatória só para as empresas que possuem empregados

regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT 4.

A questão da preocupação com a saúde dos servidores públicos foi enfocada pelo

“Boletim Contato5”, de 15 de julho de 2003, que apresentava dados oficiais da Secretaria de

Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, os quais relatavam que 24,7% do total de

aposentadorias por invalidez de servidores públicos federais eram resultantes de problemas de

saúde que poderiam ser prevenidos ou tratados precocemente com boas chances de manter

esses servidores na ativa.

Estas aposentadorias precoces resultantes de problemas de saúde6, geram

prejuízos para o servidor, que recebe aposentadoria proporcional e perde o custeio do

tratamento e para o Governo, que tem que investir em novas contratações, além da sociedade

como um todo.

Para reverter este quadro, o Estado deveria assumir seu papel de gestor no tocante

à prevenção à saúde dos seus funcionários, porém, na prática, geralmente limita-se ao controle

da concessão de licenças para tratamento de saúde, visando somente à diminuição do

absenteísmo por doença. Este último, entendido como “[...] ausência ao trabalho atribuída à
doença ou lesão e aceita como tal pelo empregador ou sistema de seguro social” (METS,

1988, p. 1096).

O absenteísmo não pode ser visto como um problema individual, nem como um
fenômeno médico, mas como um problema “social”. Para investigar o absenteísmo é
necessário uma equipe multidisciplinar envolvendo especialistas (médico do
trabalho, psicólogo, sociólogo, estatístico etc.) (METS, 1988, p. 1096).

Autores da escola francesa de ergonomia (Wisner, Guérin, Laville e outros), nos

quais a pesquisadora se apóia teoricamente, têm no absenteísmo por doença uma demanda

inicial para uma intervenção ergonômica numa dada situação de trabalho, cujos diagnósticos

revelam as situações difíceis vivenciadas pelos trabalhadores.

2.4 O enfrentamento dos “riscos” no Setor Público

Alguns estudos, como o de Le-Grande (1998), indicam a existência de riscos para a

saúde e segurança dos servidores públicos, dentre eles a organização física e ergonômica

inadequadas, a qualidade do ar interior duvidosa, a violência no local de trabalho, a exposição

a agentes biológicos (coleta de lixo, esgoto, etc.), a produtos químicos, a equipamentos

eletrônicos e a campos eletromagnéticos ou radiações não ionizantes.

A violência contra os servidores públicos tem se evidenciado desde a década de

80, principalmente para aqueles que manipulam dinheiro, lidam com queixas de clientes e

consumidores, trabalham sozinhos, ficam em contato com pacientes ou clientes que podem

ser violentos. Pesquisas nos Estados Unidos indicam que, em 1992, o homicídio, com 17%

dos casos, foi a segunda causa de mortes no local de trabalho (LE-GRANDE, 1998).

Os estudos de Le-Grande (1998) indicam ainda que, em meados dos anos 80,

dentre os servidores públicos adoecidos, havia um grande número de registros de doenças de


membros superiores compatíveis com LER7/DORT8 (síndrome do túnel de carpo, desvio

ulnar, tendinite etc.).

De um modo geral, as empresas públicas para fazer frente a esses problemas de

saúde, estruturam serviços de prevenção à saúde, reportando-se ao modelo SESMT e à

constituição de CIPA’s, de acordo com o prescrito na CLT. A implantação deste modelo de

prevenção também é a reivindicação da maioria dos sindicatos das categorias de servidores

públicos.

Segundo uma reportagem especial da revista Proteção (2002), o Ministério do

Trabalho e Emprego - MTE e o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG

estudam a criação de uma portaria interministerial por meio da qual as CIPA’s sejam

obrigatórias também para o Setor Público, com o objetivo de resolver o “vazio legal” a que

estão sujeitos os servidores públicos.

A mesma reportagem cita algumas cidades brasileiras que instituíram CIPA’s ou

SESMT’s, como o município de são Paulo com cerca de 125.000 estatutários, que teve suas

CIPA’s instituídas por lei municipal no ano de 2001 e, a seguir, sancionou a lei de criação do

SESMT. Em São Vicente, são aproximadamente 4.800 servidores estatutários, com CIPA

constituída e estudos para a implantação de SESMT.

No Rio Grande do Sul, a Secretaria da Saúde está estudando a constituição de

serviços de segurança e saúde do trabalhador mais avançados em relação à NR-4 e, ao invés

de CIPA’s, pretende constituir Comissões de Saúde, Trabalho e Meio Ambiente. O

Departamento Municipal de Água e Esgoto – DMAE, uma autarquia do município de Porto

Alegre, conta com 2.500 funcionários, possui SESMT, tendo como estratégia prevencionista a

elaboração do Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional – PCMSO e Programa de

Prevenção dos Riscos Ambientais – PPRA e vem investindo em ergonomia.


Em Santa Catarina, está em tramitação, desde agosto de 2003, na Assembléia

Legislativa, projeto de lei que propõe a criação da Comissão de Saúde do Servidor – CSS do

Serviço Público do Estado de Santa Catarina, a ser organizada em cada órgão do Poder

Executivo, e o Conselho das Comissões de Saúde do Servidor – CCSS. Essas comissões

diferenciam-se das CIPAS’s por não possuírem um presidente e sim um secretário executivo

eleito9 com liberdade de ação, assim como seus membros teriam a permissão para

ausentarem-se até quatro horas semanais do seu local de trabalho para desempenho de

atividades de interesse da Comissão. Como seus integrantes devem ser servidores efetivos, o

projeto de lei prevê, ainda, que eles não possam ser transferidos, colocados à disposição ou

sofrer suspensão devido ao exercício de seu mandato na Comissão.

O CCSS será formado pelos secretários executivos de cada CSS e pelos

representantes dos órgãos públicos indicados pelo governador do Estado e será responsável

pela coordenação dos trabalhos das CSS.

Os exemplos aqui relatados revelam que o Setor Público, para enfrentar as

demandas de prevenção aos agravos à saúde produzidos no contexto das situações de

trabalho, recorrem ao modelo tradicionalmente instituído no Brasil.

2.5 Modelos de prevenção dos danos à saúde

2.5.1 O Modelo de prevenção adotado no Brasil

No Brasil, a prevenção de acidentes e doenças do trabalho está alicerçada em um

arcabouço legal, que regulamenta o modelo existente. Os atores sociais que estão envolvidos

nesta prática são os integrantes dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e

Medicina do Trabalho – SESMT’s (engenheiros, médicos, enfermeiros, auxiliares de


enfermagem e técnicos de segurança) e os componentes da Comissão Interna de Prevenção de

Acidentes – CIPA’s (representantes dos trabalhadores).

As CIPA’s são constituídas por representantes eleitos pelos empregados e

indicados pelo empregador, sendo o seu presidente também representante do empregador

(NR-5), o que compromete a autonomia das ações da comissão, assim como a sua liberdade

de expressão.

A maioria das empresas que possuem SESMT, fazem-no somente para respeitar o

estabelecido no artigo 162 da CLT10 e os demais preceitos legais contidos nas Normas

Regulamentadoras relativas à Segurança e Medicina no Trabalho (Portaria nº 3.214 de 1978).

Para Assunção e Lima (2003, p.1775), a prática da prevenção através da aplicação

de leis e normas, aliada à obrigatoriedade legal dos SESMT’s “[...] favorece um certo desvio

da prática prevencionista”. Não importa se a prevenção está sendo efetiva, importa se a lei

está sendo cumprida. Assunção e Lima (2003, p. 1775), também explicitam que: “[...] a

prevenção anda, em verdade, a reboque do direito”.

A segurança do trabalho, por pertencer ao campo das engenharias, tem perspectiva

prescritiva e normativa, dentro de uma certa racionalidade técnica (JACKSON FILHO;

AMORIM, 2001). Dentro desta perspectiva da racionalidade técnica, os engenheiros aplicam

conhecimentos técnicos e científicos para resolver problemas práticos do seu cotidiano

(SCHÖN, 1983).

Esses profissionais possuem uma visão externa e objetiva do trabalho, comum

também aos administradores. Esta “ideologia cientificista” (Lima, 2001) exclui a necessidade

de se estabelecer relações com os trabalhadores, tanto na concepção, quanto nas ações que

visam a transformar as situações de trabalho (JACKSON FILHO; AMORIM, 2001).


Como a empresa tem a obrigação legal de garantir condições seguras aos seus

empregados, os engenheiros de segurança, ao serem contratados para prevenir os acidentes e

as doenças do trabalho, passam a ser seus prepostos no tocante à segurança. O profissional de

segurança, tomando como parâmetro o trabalho prescrito, prevê um certo número de situações

de risco, cria programas de controle de risco, normas e procedimentos de segurança, analisa as

causas de incidentes e acidentes, projeta sistemas de proteção, elabora treinamento para os

trabalhadores sobre condutas seguras, etc. Além de, juntamente com os técnicos de segurança,

fiscalizar se o prescrito com relação à segurança está sendo cumprido, atuando desta forma

como “fiscais da segurança” (JACKSON FILHO; AMORIM, 2001).

Segundo Garrigou et al. (1999, [p.?]) desta concepção decorre: “[...] a hipótese

[...] (de) que a obediência às normas e aos procedimentos é suficiente para serem mantidas as

condições de segurança, de confiabilidade e de eficiência produtiva”.

Esta hipótese pressupõe a execução do trabalho prescrito, porém para Daniellou et

al. (1989, p.5), ele: “[...] nunca corresponde exatamente ao trabalho real, isto é, o que é

executado pelo trabalhador”. Portanto, a tarefa de garantir condições de segurança aos

trabalhadores a partir das prescrições do trabalho apresenta múltiplas dificuldades, pois não

considera a variabilidade nas empresas (condições e meios de trabalho), a variabilidade dos

trabalhadores11, as coordenações necessárias entre as atividades de segurança e as atividades

de produção (GARRIGOU et al., 1999).

A ações preventivas, com raras exceções, envolvem os trabalhadores. Seu saber

prático é negligenciado, não existindo uma construção social para a busca de soluções de

problemas. Os especialistas em SST definem normas que os trabalhadores devem cumprir,

sem questioná-las (GARRIGOU et al., 1999).


Conforme o relatado, constata-se que o modelo adotado pelos empregadores

brasileiros não leva em conta as diferenças regionais, culturais e sociais, preocupando-se em

proteger o trabalhador dos “riscos” existentes no meio-ambiente de trabalho.

2.5.2 A contribuição da Ergonomia da Atividade Profissional para uma nova abordagem

de prevenção

O ponto de vista defendido neste estudo é o da corrente da ergonomia12 de língua

francesa, a Ergonomia da Atividade Profissional - EAP, que se situa no campo das ciências

humanas e da saúde, apoiando-se na análise da atividade em situações reais de trabalho.

Segundo esta corrente é necessário “compreender o trabalho, antes de transformá-lo”

(GUÉRIN et al., 2001).

Para Wisner (1987, p. 12) a ergonomia:

[...] é o conjunto de conhecimentos científicos relativos ao homem e necessários


para a concepção de ferramentas, máquinas e dispositivos que possam ser utilizados
com o máximo de conforto, segurança e eficácia. A prática ergonômica é uma arte
(como se diz da arte médica e da arte do engenheiro) que utiliza técnicas e se baseia
em conhecimentos científicos. Essa prática é caracterizada por uma metodologia.

Ainda de acordo com Wisner (1994, p. 77), “A ergonomia tem pelo menos duas

finalidades: o melhoramento e a conservação da saúde dos trabalhadores, e a concepção e o

funcionamento satisfatório do sistema técnico do ponto de vista da produção e da segurança”.

Segundo Assunção e Lima (2003, p. 1784-1785):

A ergonomia, ao fundar a análise da prevenção na compreensão da atividade, dispõe


de meios mais eficazes para implementar mudanças pertinentes. Para além das
questões de ordem econômica, a efetividade das mudanças requer medidas
compatíveis com os objetivos e meios usuais para realizar o trabalho.
Uma abordagem preventiva embasada na ergonomia pressupõe a participação do

trabalhador na organização da segurança nas empresas. Essa participação pode ser planejada

de várias maneiras, dependendo da legislação nacional. Ela parte da suposição de que o

trabalhador tem o direito de participar de decisões que afetam sua vida no trabalho, sua saúde

e seu bem-estar (BIAGI, 1998).

O trabalhador pode ser um agente de prevenção, pois na lida cotidiana percebe

mais fácil e precocemente as necessidades de melhoria das condições de trabalho; caso ouvido

sobre os riscos potenciais e iminentes por ele descobertos, muitos acidentes e doenças

poderão ser evitados. A cooperação entre empresas e trabalhadores deve alicerçar-se numa

parceria igualitária (BIAGI, 1998).

A abordagem participativa nas relações de trabalho na área de saúde e segurança

está alicerçada por vários dispositivos legais da Organização Internacional do Trabalho - OIT

e outros organismos internacionais. Em alguns países, os representantes dos trabalhadores

para assuntos de segurança dentro das empresas têm seus direitos e deveres regulados por leis

ou contratos coletivos ou ainda por convenções coletivas (BIAGI, 1998).

Na França, os comitês para saúde, segurança e condições de trabalho das

empresas possuem, como representantes dos sindicatos, “especialistas13” que podem propor

medidas preventivas que devem ser acatadas pelos empregadores (BIAGI, 1998).

No Brasil, ainda são escassos os estudos do trabalho desenvolvidos com a

participação dos trabalhadores. A prevenção quase sempre fica a cargo de “especialistas”,

como se o trabalhador não fosse “o especialista” na sua atividade. Essa prática reflete a

conduta autoritária e ditatorial da década de setenta, época em que a maioria das condutas que

visavam à prevenção foi institucionalizada. Naquele período histórico, o Brasil foi

considerado o campeão mundial de acidentes de trabalho. Paulatinamente esta realidade vem


se modificando, mas ainda existe um longo caminho a ser trilhado na busca de melhores

condições de trabalho para a população brasileira.

Dentre os estudos desenvolvidos no Brasil e que serviram de subsídios para esta

pesquisa, evidencia-se o trabalho realizado por Jackson e colaboradores (2001), que tinha

como finalidade entender a relação entre as difíceis condições de trabalho dos servidores dos

postos de saúde da rede pública do município de Joinville, o adoecimento e o absenteísmo

desses servidores. O objetivo daquela intervenção era fornecer o quadro do estado de saúde

dos servidores em relação as suas condições de trabalho para favorecer a adoção de políticas

mais efetivas.

A equipe de pesquisadores foi formada por técnicos da Secretaria Municipal de

Saúde e da Fundacentro (SC), e sua atividade se constituiu em uma construção social, uma

vez que envolveu vários atores sociais. A presenças dos técnicos do município permitiu que a

pesquisa fosse desenhada levando-se em conta o funcionamento do Sistema de Saúde, suas

dificuldades e as preocupações de seus servidores (JACKSON et al., 2001).

A pesquisa foi realizada através de enquete, complementada pela análise coletiva

do trabalho através de grupos de expressão, e concluiu que as condições de trabalho existentes

podiam estar na origem do adoecimento dos servidores; que a existência de distúrbios de

comportamento podia estar associada aos problemas organizacionais relatados pelos

servidores; os resultados e análises realizados indicaram a ausência de ações visando à

melhoria das condições de trabalho (JACKSON et al., 2001).

Apesar da pesquisa fornecer um excelente diagnóstico, não houve a efetivação de

políticas de prevenção, pois ela dependia de decisões tomadas em instâncias hierárquicas

superiores à dos participantes da pesquisa. Ocorreu uma construção social, mas não se criou

uma política.
trabalho sentado, andar, subir escadas, fazendo menção a Norma Regulamentadora 17 - NR-

17, a “Norma da Ergonomia”.

O Grupo, após anos de trabalho, elaborou a demanda por um estudo, com o

objetivo de realizar um diagnóstico das condições de trabalho que poderiam causar as Lesões

Por Esforços Repetitivos - LER:

Na realidade, nós tivemos muitos erros, mas tivemos muitos acertos também. Mas
foram muitas as tentativas até a gente conseguir chegar mais ou menos dentro da
elaboração do que se queria, da demanda, do que a Instituição precisava. Isso que foi
realmente mais complicado (FISIOTERAPEUTA A, 2003).

4.2.3 Cooperação externa: a formação do grupo para pesquisa

Em meados de 1997, a Secretaria de Recursos Humanos e a Diretoria de

Assistência associaram-se para realizar um estudo com o objetivo de diagnosticar as

condições de trabalho que poderiam causar as Lesões Por Esforços Repetitivos – LER. Para

tanto foi firmado um convênio com a Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Esta

universidade disponibilizou especialistas vinculados ao Núcleo de Estudos sobre o Trabalho

Humano - NESTH e ao Laboratório de Ergonomia. O grupo de técnicos da UFMG e do

TJMG optou por fazer uma intervenção centrada na capacitação de um Grupo de Trabalho

constituído por servidores da própria instituição (ASSUNÇÃO et al., 1998).

Além da demanda inicial: diagnosticar as condições de trabalho que poderiam

causar as Lesões Por Esforços Repetitivos - LER, surgiu, simultaneamente, a demanda por um

levantamento preliminar de outros problemas de saúde que, eventualmente, estivessem

atingindo os funcionários do Judiciário Mineiro.

Para integrar este Grupo de Trabalho, o coordenador do Grupo de Trabalho sobre

LER (médico diretor da DIRAS) convidou profissionais do Fórum Lafayette e da segunda


INTRODUÇÃO

Os transtornos mentais e comportamentais (TMC) relacionados ou não ao trabalho

freqüentemente apresentam prevalência9 entre servidores públicos estaduais2. O aparecimento

desses TMC tem origem multifatorial e estão coligados a diferentes demandas, seja de ordem

individual (personalidade, motivação, projeto de vida), ou do contexto societário (condições de

trabalho, vida em sociedade).

Determinadas características do trabalho ou a configuração de certas tarefas influenciam

na manifestação de processos de adoecimento nos trabalhadores. Os TMC associados ao trabalho

não são facilmente diagnosticados no momento da avaliação clínica, dado que as características

sintomatológicas desses transtornos se confundem com o quadro de alteração fisiológica

manifestada por sintomas físicos (insônia, distúrbios alimentares, distúrbios gástricos). Cabe ao

profissional que avalia o processo de adoecimento verificar suas possíveis relações com o

trabalho, sendo uma tarefa especializada, da competência da equipe técnica interprofissional

(perícia em saúde). Nesse contexto situam-se as demandas psicológicas e físicas do trabalho. As

demandas psicológicas estão relacionadas às exigências cognitivas (memória, atenção, percepção,

tomada de decisão) e afetivas (satisfação, motivação, contrato psicológico) requeridas dos

trabalhadores. As demandas físicas estão associadas às condições de trabalho (mobiliário,

equipamentos, tecnologia, iluminação, ruídos, temperatura), e posturas do trabalhador (ritmos

acelerados de produção, pausas, repetitividade de movimentos, monotonia).


Na literatura científica nacional e internacional registra-se relevantes estudos no âmbito do

adoecimento no serviço público. No início do século XXI, há progresso em termos de registros de

pesquisas científicas sobre patologias do sistema osteomuscular em servidores públicos, talvez

porque os distúrbios de natureza física manifestam-se como “demandas visíveis”, com exames

clínicos e sintomas fortemente evidentes, favorecendo a conclusão do diagnóstico, em detrimento

ao adoecimento psicológico.

O serviço público, nas esferas federal, estadual ou municipal, tem características

peculiares e é estudado em diferentes áreas do conhecimento científico (psicologia, ergonomia,

direito, administração, antropologia, sociologia, medicina, fisiologia). Dados do Ministério da

Previdência e Assistência Social (MPAS) demonstram que os distúrbios músculo esqueléticos

representam um dos grupos de doenças ocupacionais mais polêmicos no Brasil e em outros países.

No início deste século têm sido os mais prevalentes, dentre as doenças ocupacionais registradas,

de acordo com as estatísticas referentes à população trabalhadora segurada. Os TMC ocupam a 3ª

posição entre as causas de concessão de benefícios previdenciários (Instituto Nacional do Seguro

Social/MPAS, 1997).

Fenômenos como doenças ocupacionais, absenteísmo, assédio moral, dentre as principais

patologias do sistema organizacional, refletem o modo degradado de funcionamento da

administração pública, assim como a interferência dos processos sociais e políticos na

organização e no desenho do trabalho. A “patologia organizacional”, segundo Jackson Filho

(2004, p.58), é constatada na precariedade do funcionamento do setor público e no incremento do

adoecimento dos servidores no Brasil. Advoga o autor que o serviço público federal tem

características nítidas de “organização patológica”, com prevalência de distúrbios músculo

esqueléticos, funcionamento precário e pouca margem de ação da direção local. O trabalho dos

servidores públicos estaduais é configurado nos mesmos moldes dos servidores públicos federais,

principalmente no que se refere a dinâmica e funcionamento, gestão de recursos públicos,


alternância política periódica (eleições), legislação (Constituições Federal e Estadual), dentre

outros.

A organização pública (nas esferas federal, estadual e municipal) tem uma estrutura para

atendimento, acompanhamento ou encaminhamento de trabalhadores adoecidos, realizando o que

é denominado de serviço pericial de saúde e, eventualmente, concedendo algum benefício. O

Governo do Estado de Santa Catarina, em sua estrutura organizacional dispõe da Gerência de

Saúde do Servidor (GESAS), vinculada a Secretaria de Estado da Administração (SEA), para

atender os servidores estaduais em processos de adoecimento. Essa Gerência tem por objetivo

realizar: a) avaliação pericial de saúde para a concessão de benefícios; b) atividades de segurança

e medicina do trabalho; c) laudos de insalubridade e outros riscos ambientais; d) exames pré-

admissionais e periódicos; e) caracterização de acidente em serviço. A prestação destes serviços

está direcionada ao atendimento dos servidores ativos e aposentados do Poder Executivo Estadual,

dos servidores do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, dos servidores ativos da

Câmara de Vereadores, Prefeitura Municipal de Florianópolis, outras Prefeituras conveniadas e

órgãos municipais.

Estudos realizados por técnicos da GESAS/SEA (2005) evidenciam a prevalência do

absenteísmo em registros de adoecimento por TMC, diferentemente do que ocorre no serviço

público federal. Entre as licenças para tratamento de saúde (LTS) concedidas aos trabalhadores do

serviço público estadual, no período de 2001 a 2005, prevalecem os TMC, relacionados ou não ao

trabalho, seguidos pelos distúrbios músculos esqueléticos (DME), havendo, em certos casos,

estreita relação entre ambos. Aprofundar os conhecimentos disponíveis possibilitará o

estabelecimento de uma ideologia de promoção e prevenção de transtornos mentais e

comportamentais nos trabalhadores e, dessa forma, planejar medidas para diminuir a incidência de

casos de licenças do trabalho em função de tratamento de saúde dos servidores públicos estaduais.
A exposição a riscos psicossociais no trabalho exerce influência na avaliação da saúde dos

trabalhadores. Esses riscos podem ser classificados como: tensão e ritmo de trabalho, exigências

de metas e produtividade, incremento de responsabilidades e competências do trabalhador, forte

atenção/memória e responsabilidade na tomada de decisão para a execução da atividade, vivência

de conflitos políticos, éticos, promoção por “mérito” político.

Os benefícios de saúde concedidos ao servidor atendido na GESAS são armazenados em

um banco de dados, denominado Sistema Integrado de Recursos Humanos (SIRH). São exemplos

de benefícios de avaliação pericial: Licença de Tratamento de Saúde (LTS), licença de tratamento

familiar, licença gestante, readaptação, remoção, isenção do imposto de renda, avaliação

periódica, aposentadoria por invalidez, auxílio doença (em Regime Geral da Previdência Social,

até 15 dias), etc. Dentre estes benefícios, a incidência3 principal ocorre em afastamento de LTS,

com 18.261 solicitações em 2004, e 18.449 em 2005, correspondendo a mais de 65% do total das

solicitações de benefícios concedidos. As taxas de incidência registradas interferem diretamente

nos processos de trabalho.

Esta dissertação tem por objetivos: 1) Geral: caracterizar o adoecimento psicológico e suas

possíveis relações com o trabalho dos servidores públicos estaduais de Santa Catarina; 2)

Específicos: - identificar o perfil demográfico e ocupacional dos servidores públicos estaduais; -

caracterizar o adoecimento psicológico desses servidores; - verificar e descrever situações

referentes ao posto de trabalho, no que se refere às condições, organização e relações sociais de

trabalho; - relacionar o adoecimento com as características do trabalho.

Tendo em vista o estudo das relações entre o adoecimento psicológico dos servidores

públicos estaduais e as características do trabalho serão priorizadas as Secretarias de Estado da

Administração (SEA), da Saúde (SES), da Segurança (SSP) e da Educação (SED). As

informações, referentes ao período de 2001 a 2005, foram obtidas por meio de documentos,
principalmente o estudo de prontuários (300, representando amostra de 10 % de servidores

afastados em função de Licença para Tratamento de Saúde) e de preenchimento de Protocolo

(apêndice 2), a fim de verificar as características do trabalho e as condições de saúde do servidor

público estadual. O Serviço Público Estadual de Santa Catarina adota a Classificação

Internacional das Doenças (CID-10), por esse motivo foi utilizado um instrumento adaptado do

checklist da Organização Mundial de Saúde (anexo 1) de sintomas para investigar TMC e outras

comorbidades, para avançar no conhecimento e na elucidação da relação entre adoecimento e

trabalho no contexto do serviço público.

O escopo desta pesquisa é caracterizar o adoecimento psicológico e suas possíveis relações

com o trabalho dos servidores públicos estaduais de Santa Catarina, visando, no futuro, a

implantação e implementação de políticas de ação que valorizem o servidor como ser integral, um

ser que dentro de sua realidade e limitações, busque e encontre uma forma mais feliz para viver

nas suas dimensões individual, profissional, social e com a natureza. Dessa forma, produzir

conhecimento que responda a pergunta: “Quais as relações entre os transtornos mentais e

comportamentais e as características do trabalho de servidores públicos estaduais?”,

possibilitará a compreensão desse fenômeno, bem como à construção de processos de intervenção

no âmbito das relações entre saúde e trabalho de servidores públicos.

Avançar nesse conhecimento é necessário e relevante, social e cientificamente, a fim de

obter um diagnóstico relacionado ao trabalho dos servidores públicos estaduais, identificando

fatores de risco nos processos de trabalho suscetibilizadores de agravos à saúde mental. O

conhecimento sobre a natureza dos processos produtivos de trabalho no Poder Executivo Estadual

requer aprofundamento nos aspectos relacionados: as pressões ambientais e organizacionais, os

riscos ocupacionais, assim como as interações sociais e profissionais produzidas no ambiente de

trabalho e de que maneira interferem nas condições de saúde dos trabalhadores.


Metodologicamente esta pesquisa centrou-se nos registros periciais de saúde dos

prontuários dos servidores afastados em LTS por TMC e DME, buscando avaliar a congruência

entre as condições, organização e as relações sociais de trabalho no serviço público estadual e o

adoecimento dessa população, de forma a compreender as relações entre as atividades

desenvolvidas pelos servidores públicos e a manifestação dos transtornos de saúde (psicológicos

ou físicos), no cenário dos estudos epidemiológicos sobre saúde e trabalho.

Este trabalho procura também contemplar a preocupação da Área de Concentração:

Processos Psicossociais, Saúde e Desenvolvimento Psicológico, do Programa de Pós-Graduação

em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, tendo em vista que, neste caso o estudo

sobre a saúde dos servidores públicos estaduais tem relação direta com os processos psicossociais

do trabalho.

A configuração do entorno do trabalho dos servidores públicos é diversificada, cada posto

tem características peculiares e a demanda tem suas especificidades. Para ilustrar é possível

destacar as atividades do professor, do policial civil e do cirurgião num hospital público, situando-

se as diferenças de tarefas e atribuições de cada profissional. Esses postos foram estudados a

partir dos registros detectados nos prontuários dos servidores afastados por adoecimento, não

sendo possível explorar a plenitude do conteúdo do trabalho. As características do trabalho têm

relação com o aparecimento dos transtornos psicológicos nos servidores, embora os registros de

queixas detectadas na amostra estudada nos prontuários não foram freqüentes, seja da parte dos

servidores públicos, seja do perito de saúde que realizou a avaliação pericial.

Está prevista uma segunda etapa de estudos, após a conclusão desta dissertação, com

vistas a verificar o grau de riscos para o aparecimento de TMC/DME, sendo encaminhado (on

line,) a partir de 2006, à todos servidores públicos estaduais, pertencentes aos órgãos da

administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, um questionário (apêndice 3),

de acordo com as variáveis do fenômeno investigado (apêndice 1), verificando-se a situação, as


condições e o posto de trabalho. O objetivo desta etapa é ampliar o grau de visibilidade do

fenômeno, as implicações do trabalho na saúde psicológica, a conhecer o grau de percepção dos

servidores sobre as relações entre saúde e trabalho. Para tanto, foi solicitada autorização dos

Secretários de Estado para aplicação do questionário (anexo 3) nos servidores públicos estaduais.
CAPÍTULO I - Transtornos Mentais e Comportamentais em Servidores Públicos Estaduais

Em levantamentos preliminares de dados realizados na GESAS/SEA (2001-2005) há

prevalência de transtornos mentais e comportamentais associados, ou não, a outras patologias em

trabalhadores do serviço público estadual. Sintomas como medo, ansiedade, depressão,

nervosismo, tensão, fadiga, mal-estar, distúrbios da alimentação e do sono4 são diagnosticados

como transtornos mentais e comportamentais; às vezes, essas manifestações estão associadas a

situações de trabalho. As características do trabalho (mobiliário, equipamentos, iluminação,

ruídos, temperatura), as posturas do trabalhador, o relacionamento, entre outros, são aspectos que

podem desencadear efeitos físicos e psicológicos nos trabalhadores. Exigências cognitivas, como

memória, atenção, percepção, tomada de decisão são requeridas dos trabalhadores e, por vezes,

estão além das suas características psicofisiológicas, e culminam, em certos casos, em insatisfação

do trabalhador, desconforto, sofrimento e transtornos psicológicos de diferentes graus.

Os registros no SIRH demonstram a ocorrência de transtornos mentais e comportamentais

em servidores públicos estaduais. Os dados estatísticos por grupo de doenças que motivaram a

concessão do beneficio LTS, em 2005, referentes aos servidores públicos estaduais estão assim

discriminados:
Conforme a Tabela 1, a quantidade de LTS representa o índice de absenteísmo5 no serviço

público estadual por problemas de saúde e é considerável nos denominados transtornos mentais e

comportamentais (dependência química, principalmente álcool, depressão, transtorno obsessivo

compulsivo - TOC, estresse, ansiedade, síndrome do pânico), 17.8 %. O absenteísmo, como

objeto de estudos, é um dos principais aspectos do trabalho e tem relação com diversos fatores,

tais como a organização e a forma de gestão do trabalho, a relação das características do contrato

do trabalhador com a organização, a reação do trabalhador às imposições do trabalho, o nexo

possível com os transtornos mentais e comportamentais.

O absenteísmo é um efeito ou decorrência de um processo, sendo considerado um

problema indesejável e um dos principais obstáculos para a produtividade, a lucratividade e a

competitividade de uma organização. O absenteísmo faz com que outros trabalhadores realizem

horas-extras, atrasos em prazos, insatisfação de clientes internos (colegas de trabalho) e externos

(cidadãos). Os colegas de trabalho têm que realizar a tarefa do colega ausente, intensificando a

carga de trabalho, bem como interferindo na qualidade do produto ou serviço. Os transtornos

mentais e comportamentais têm relação com o absenteísmo? Há necessidade da realização de

estudos e pesquisas que permitam diagnosticar o aparecimento de patologias, associadas às

condições de trabalho e intervir com recomendações para minimizar as conseqüências para o

serviço público estadual e, em particular, para a vida dos servidores.

Em segundo lugar, a Tabela 1 demonstra a existência das doenças do sistema

osteomuscular e do tecido conjuntivo com 13 % de ocorrências (o jargão técnico utilizado nesta

pesquisa para caracterizar essas patologias: Lesões por Esforços Repetitivos (LER)/Doenças

Osteomusculares Relacionadas ao Trabalho (DORT)/Doenças do Sistema Osteomuscular e do

Tecido Conjuntivo/Distúrbios Músculo Esqueléticos (DME), em que estão enquadradas as

doenças como: fibromialgia, problemas da coluna vertebral, tendinites, epicondilites, bursites,


síndrome do túnel do carpo. As doenças do aparelho circulatório (doenças do coração,

hipertensão, dentre outras) aparecem em terceiro lugar, representando 4.9 %).

O componente psicológico também é manifestado nessas patologias (do sistema

osteomuscular e do aparelho circulatório) possuindo relação com dimensões do inconsciente,

como as emoções, a ansiedade, o medo, a angústia e a queda das defesas do organismo. Conforme

Barreto (2005, sem p.), “as emoções exercem influência sobre o corpo, provocando a maior parte

das doenças que afligem o ser humano”. Para Cairo (1999), qualquer distúrbio orgânico tem

estreita ligação com estados emocionais ou comportamentais, conscientes ou inconscientes,

recentes ou não.

A denominação “outras” na Tabela 1 reúne patologias caracterizadas como câncer de

mama, lesões, envenenamento e algumas outras conseqüências de causas externas, exames pré-

admissionais, avaliação pericial, licença gestação, licença de tratamento familiar, indicando o

índice percentual de 64.1%, com diversidade significativa de ocorrências, permitindo o seu

agrupamento geral e não especificamente por patologia. Ressalta-se que nos casos de patologias

aqui detectadas, também pode ter substrato emocional associado.

Na busca da concessão dos benefícios para os servidores com problemas de saúde, os

técnicos da área utilizam instrumentos de trabalho a fim de padronizar a atuação profissional,

como no caso de psicólogos, o Manual Diagnóstico Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM

IV) e os outros profissionais da área da saúde (médicos e assistentes sociais) da GESAS, a 10ª

Revisão da Classificação Internacional das Doenças (CID-10). O DSM-IV, 4ª edição, é publicado

pela American Psychiatric Association, fornecendo critérios de diagnóstico para a generalidade

dos transtornos mentais, incluindo componentes descritivos de diagnóstico e de tratamento. Desde

a edição original do DSM-IV, os técnicos da área de saúde observam avanços no conhecimento

das perturbações mentais e das doenças do foro psiquiátrico.

O DSM-IV (1995:xxi) define transtorno mental como:


Síndrome ou padrão de comportamento, clinicamente importante, que ocorre em um
indivíduo e que está associado com sofrimento (sintoma doloroso) ou incapacitação
(prejuízo em uma ou mais áreas de funcionamento) ou com um risco
significativamente aumentado de sofrimento atual, morte, dor, deficiência ou a perda
importante da liberdade.

Cruz (2001), ao desenvolver um método de investigação dos transtornos psicológicos em

síndromes dolorosas músculo esqueléticas, utilizou o termo transtorno psicológico em

substituição às expressões distúrbios de personalidade, doenças mentais ou transtornos mentais,

no sentido de evitar qualquer reducionismo psicopatológico. Conhecer as diversas terminologias

utilizadas como sinônimos desse conceito auxilia na compreensão deste fenômeno.

A CID-10, aprovada pela Conferência Internacional para a 10ª Revisão da Classificação

Internacional de Doenças, convocada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), realizada em

Genebra no ano de 1989, entrou em vigor em 1º de janeiro de 1993. Guèrin e cols. (2001, p. 118)

consideram que na CID os dados são organizados por categorias de patologias, sendo condição

para avaliar as limitações em relação às situações de trabalho. Os autores complementam que “os

distúrbios ditos infrapatológicos (dores de cabeça, distúrbios do sono, dores articulares), os

distúrbios do comportamento (irritabilidade, perda de interesse pela leitura, pelos contatos sociais)

são sinais de sofrimento que sua origem, em parte, são provenientes das condições de trabalho”.

Abordam que esses dados são parciais e que o trabalhador não revela todos os seus problemas de

saúde ao médico do trabalho, como distúrbios da vida psíquica e sexual raramente são

mencionados pelo trabalhador; alguns acidentes de trabalho não são declarados, para minimizar

seu custo; o absenteísmo por doenças é controlado, malvisto ou mesmo punido (mudança de posto

de trabalho, perda de prêmios, discriminação dos colegas). Essas informações são relevantes para

a investigação dos transtornos mentais e comportamentais nos servidores públicos estaduais.

O Governo do Estado de Santa Catarina adota a CID-10, que em seu Capítulo V descreve

a terminologia “transtornos mentais e comportamentais” (anexo 2), com código F00-F99. Os

servidores estaduais afastados diariamente de suas atividades por doenças classificadas como

transtornos mentais e comportamentais, bem como outras patologias (LER, DORT), interferem na
qualidade, produtividade, ou seja, em custos humanos e econômicos do trabalho. Os dados

coletados na GESAS/SEA fornecem um diagnóstico preliminar, requerendo a realização de outras

pesquisas para a compreensão dos técnicos da organização sobre os tipos de patologias

prevalentes (em relação aos TMC), suas causas, a freqüência em que ocorrem e a influência do

trabalho no seu aparecimento.

Os estudos realizados entre 2001 e 2005 pela SEA/GESAS, com base na CID – 10,

demonstram que as principais causas de afastamento de servidores públicos estaduais de acordo

com a solicitação do servidor à área pericial de saúde são os TMC, seguidos pelas patologias do

sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, conforme configuração da Tabela 2.

Tabela 2 Quantitativo de solicitações de afastamentos de servidores públicos estaduais de

acordo com a patologia - CID –10, entre os anos de 2001 e 2005

O custo anual com afastamentos dos servidores públicos no Poder Executivo Estadual, a

partir de 2001, em função dessas doenças, tem sido calculado em torno de dez milhões de

reais/ano. A ausência ao trabalho, a incapacidade6 temporária ou permanente causada por doenças

é um importante indicador de despesas para o Estado, resultando em custos não só para o

Executivo, como para a economia do país e para o próprio servidor. Além desse custo direto, é

estimado que o custo indireto seja superior (substituições de pessoal, pagamento de horas-extras).

Os dados dos afastamentos do trabalho no serviço público estadual, preliminarmente inferem que

os transtornos mentais e comportamentais são um modo de adoecimento de tendência crescente,


cuja causalidade no trabalho tem sido reconhecida em todo mundo, podendo ou não ter outros

componentes associados, evidenciando os riscos ocupacionais, os efeitos perversos das agressões

e sofrimentos tanto físicos, quanto psicológicos.

A perda da capacidade produtiva ou incapacidade do trabalhador é, em certos casos,

gerada por problemas de saúde ou acidentes de trabalho, ocasionando afastamento da atividade

laboral, comprometendo a vida social e familiar. A American Medical Association (AMA, 1995)

define disfunção e incapacidade causadas pelos transtornos mentais e comportamentais

relacionadas com o trabalho em quatro áreas: limitações em atividades da vida diária da pessoa

(autocuidado, higiene pessoal, comunicação, deambulação, viagens, repouso e sono); exercício de

funções sociais (capacidade da pessoa de interagir apropriadamente e estabelecer uma

comunicação eficiente com outras pessoas); concentração, persistência e ritmo (capacidade de

completar ou realizar as tarefas); deterioração ou descompensação no trabalho (falhas repetidas na

adaptação a circunstancias estressantes).

A Portaria do Ministério da Saúde (MS) nº 1.339, de 18 de novembro de 1999, estabelece

uma lista de ‘Transtornos Mentais e Comportamentais Relacionados com o Trabalho’ e representa

um avanço no conhecimento sobre a relação entre aspectos psicológicos da saúde e o trabalho,

contribuindo no diagnóstico de patologias associadas com a atividade laboral. Essa lista é

denominada de Demência em outras doenças específicas classificadas em outros locais

relacionadas com o trabalho (F02.8):

a- Delirium, não sobreposto a demência, relacionado com o trabalho (F05.0).


b- Transtorno cognitivo leve relacionado com o trabalho (F07.0).
c- Transtorno mental orgânico ou sintomático não especificado relacionado com o
trabalho (F09.-).
d- Alcoolismo crônico relacionado com o trabalho (F10.2).
e- Episódios depressivos relacionados com o trabalho (F32.-).
f- Transtorno de estresse pós-traumático relacionado com o trabalho (F43.1).
g- Síndrome de fadiga relacionada com o trabalho (F48.0).
h- Neurose profissional (F48).
i- Transtorno do ciclo sono-vigília relacionado com o trabalho (F51.2).
j- Síndrome do esgotamento profissional ou sensação de estar acabado - burnout7
(Z73.0).
O modo de adoecer e morrer dos trabalhadores, por ter uma multiplicidade de

determinações, objetivas e subjetivas, apresenta-se de diferentes formas, conforme a combinação

dos seus determinantes. Baptista (2004) demonstra que o modo de adoecer varia de acordo com

cada população ou grupo de trabalhadores, no tipo e forma de organização do processo de

trabalho, do tempo e espaço históricos, do perfil sócio-econômico e cultural desses trabalhadores,

da estrutura e organização do trabalho na sociedade, da relação entre classes sociais, da maneira

como cada indivíduo ou grupo reage subjetivamente às agressões ao seu corpo.

Cada realidade de trabalho tem suas peculiaridades, principalmente nos componentes

referentes aos riscos à saúde, o grau do estresse gerado pela atividade, o tempo de exposição dos

trabalhadores às cargas físicas, cognitivas e psíquicas, o processo de trabalho (organização), a

utilização de máquinas, equipamentos, ferramentas. As determinações subjetivas estão

relacionadas às características da personalidade, aos aspectos motivacionais e a capacidade de

gerenciamento do estresse. O processo de adoecimento é o resultado desses componentes, que em

alguns casos, gera a incapacidade total ou temporária para a atividade laboral. As relações entre as

características do trabalho (conforto, segurança) e as determinações subjetivas do trabalhador

‘provocam ou induzem’ aos processos de saúde ou adoecimento.

A definição de incapacidade causada pelos transtornos mentais e comportamentais

relacionados com o trabalho é uma tarefa que requer do profissional que avalia (a situação de

trabalho e o trabalhador), competências e habilidades. As determinações subjetivas e psicossociais

do processo de saúde e adoecimento são um conjunto amplo e heterogêneo de fatores associados à

qualidade de vida das pessoas. É possível diferenciar os fatores internos, ou próprios do indivíduo

(subjetivos), vinculados ao comportamento (auto-estima, afetividade, estresse, satisfação vital,


alimentação, atividade física regular), dos externos (psicossociais), referentes a relações

interpessoais e sociais (como a associação e o sentimento de pertencer a organizações sociais, tipo

de trabalho, identidade cultural, segurança).

A situação de trabalho exerce influência sobre a saúde dos trabalhadores; pressões da

organização por resultados desencadeiam em alguns trabalhadores estresse, erro ou falha

humana8, além de ocasionar perdas de horas de trabalho, crescimento do número de acidentes,

doenças ocupacionais, queda da produtividade, absenteísmo e outras conseqüências ao

trabalhador e à organização. Os impactos dos avanços tecnológicos, as pressões por resultados e a

concorrência cada vez mais crescente, em geral, não vêm acompanhados de ações diretivas

capazes de garantir benefícios aos trabalhadores que compõem a organização.

As estatísticas disponíveis na SEA (2005) demonstram que os benefícios pagos pelos

planos de saúde (despesas com médicos, remédios, hospitais) seriam desnecessários caso

houvesse investimento em promoção de saúde e qualidade de vida. Segundo a Carta de Otawa,

1986, “Promoção da Saúde é todo um processo destinado a habilitar pessoas e/ou grupos a

aumentar o controle sobre sua saúde e melhorá-la, alcançando um estágio de bem-estar físico,

mental e social”. A organização precisa investir na vigilância à saúde do trabalhador de forma

coletiva e intervir nos locais de trabalho inadequados, a fim de promover a saúde dos

trabalhadores. Ferreira (2000) considera que as conseqüências da não realização de programas de

prevenção e promoção da saúde para as empresas ocasionam: gastos com o plano de saúde, com

incapacitação, afastamentos e acidentes, aumento do absenteísmo e de custos com reposição de

pessoal, eficiência reduzida dos trabalhadores, decisões questionáveis.

A ação de pesquisadores sobre o estudo da saúde dos trabalhadores deve ocorrer no

sentido de avaliar e solucionar a agressão sofrida pelos trabalhadores, o que por vezes é
dificultado na organização social, que está baseada no lucro e na apropriação do trabalho. O ser

humano não suporta as agressões do trabalho, as atividades monótonas e repetitivas, riscos,

jornadas prolongadas, trabalho noturno e ritmos alucinantes podendo representar

constrangimentos à sua saúde. Buschinelli (1994) entende que, de maneira geral, o ser humano

demonstra dificuldades em suportar os constrangimentos/agressões do trabalho e estudar essas

características faz parte do campo da saúde dos trabalhadores.

Registros de afastamentos do trabalho na SEA/GESAS (2005) por motivo de LTS são

invariavelmente associados ao adoecimento psicológico dos servidores públicos estaduais. A

partir de 2001, conforme demonstrado anteriormente, há uma prevalência de transtornos mentais e

comportamentais, bem como a presença de outras patologias. Os afastamentos dos servidores

públicos do trabalho estão associados às patologias organizacionais (Daniellou, 1999), ao

componente político (alternância do poder), ao assédio moral, as tarefas que exigem do

trabalhador intenso esforço físico ou mental, de fadiga, desencadeando o aparecimento de

estresse, de problemas músculo esqueléticos, de transtornos mentais e comportamentais, dentre

outros.

O assédio moral nas relações de trabalho é caracterizado quando um trabalhador sofre com

situações rotineiras de humilhação e de constrangimento no âmbito dessas relações. Essa conduta

por parte de um superior é uma prática comum em organizações de quaisquer portes. Alguns

trabalhadores recorrem à Justiça, outros têm receio de enfrentamentos. Assédio moral em local de

trabalho é conceituado por Hirigoyen (2001, p.65) como “toda e qualquer conduta abusiva

manifestando-se, sobretudo por comportamentos, palavras, gestos, escritos que possam trazer

dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em risco

seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho”.

Em relação à “patologia organizacional”, a exemplo do que ocorre em outros países,

Jackson Filho (2004, p.58) conclui que este termo descreve a precariedade do funcionamento do
setor público e explica o adoecimento dos servidores no Brasil. Em um estudo de caso em uma

instituição pública o autor abordou o funcionamento organizacional, suas conseqüências e

descreveu o processo social de desenho do trabalho. Concluiu que o serviço público tem

características nítidas de “organização patológica”, com prevalência de problema músculo

esquelético, funcionamento precário e pouca margem de ação da direção local. O funcionamento

da instituição está associado à fragilidade do processo de desenho do trabalho, caracterizado pela

falta de competências em gestão da produção, carência de serviços de apoio e dificuldade em

contratações. A prevalência dos problemas de saúde nos servidores está diretamente associada às

características patológicas da organização.

No serviço público estadual de Santa Catarina, os dados da SEA/GESAS, (2005)

demonstram que a organização do trabalho constitui fator propício ao aparecimento dos

transtornos mentais e comportamentais, incidindo fortemente a ocorrência da depressão associada

ou não a outras doenças. Existem sintomas depressivos freqüentes, tais como a insônia,

diminuição da concentração, falta de memória, inapetência, distúrbios de peso, cansaço e fadiga,

associados a outros diagnósticos. Devido a sua elevada prevalência, a depressão tem um

diagnóstico diferencial para todo o trabalhador, com queixas crônicas persistentes.

As informações da Organização Mundial da Saúde (OMS,2001) demonstram que o

diagnóstico precoce e o tratamento do trabalhador depressivo são essenciais para não

comprometer sua qualidade de vida e acrescentar quadros de morbidade e mortalidade. Alguns

trabalhadores apresentam mais sensibilidade em sua estrutura psicológica e a configuração do

trabalho pode favorecer a incidência do acometimento de patologias, como a depressão, a

LER/DORT, dores na coluna e articulações, dores de cabeça, doenças crônico-degenerativas

(hipertensão, alguns tipos de câncer, diabetes e cardiopatias).

No Brasil, dados do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS/MPAS, 2005) sobre a

concessão de benefícios previdenciários de auxílio-doença, por incapacidade para o trabalho


superior a 15 dias, e de aposentadoria por invalidez, por incapacidade definitiva para o trabalho,

mostram que os transtornos mentais, com destaque para o alcoolismo crônico, ocupam o terceiro

lugar entre as causas dessas ocorrências (Medina, 1986). Os estudos referentes a afastamentos de

servidores pelo Poder Público Estadual de Santa Catarina demonstram incidência e predominância

de enfermidades de natureza psicológica associados aos distúrbios músculo esqueléticos em

diferentes setores ocupacionais. Há incidência e prevalência de expressivo número de casos de

estresse, depressão, ansiedade e síndromes dolorosas de um modo geral (SEA, 2005).

1.1. Saúde e riscos ocupacionais no trabalho de servidores públicos

No serviço público estadual de Santa Catarina, dados estatísticos da GESAS, a partir de

2001, indicam alta incidência de transtornos mentais e comportamentais nas Secretarias de Estado

da Educação, da Segurança Pública e da Saúde. Esses dados confirmam resultados de pesquisas

internacionais e nacionais em trabalhadores de serviços públicos, que revelam riscos ocupacionais

no trabalho nas áreas de saúde, educação e segurança pública, demonstrando a influência do

ambiente, das relações interpessoais e da organização do trabalho (estresse, distúrbios músculo

esqueléticos, voz) sobre o trabalhador, conforme o Quadro 1.

Os fatores de risco citados no Quadro 1 estão associados ao ambiente e as situações de

trabalho. Com relação a DORT, os fatores de risco são:

A - na organização do trabalho (tarefas repetitivas e monótonas, obrigação de manter o

ritmo acelerado de trabalho, excesso de horas trabalhadas e ausência de pausas);

B - no ambiente de trabalho (mobiliário e equipamentos que obrigam o trabalhador a

adoção de posturas incorretas durante a jornada, iluminação, temperatura, ruídos e vibrações

inadequadas).
O estresse está associado a fatores, tais como: falta de tempo para ficar com a família,

medo de perder o emprego, excesso de horas de trabalho, convivência com pessoas “difíceis” e

temperamentais, entre outros. Na área de segurança pública a “violência” é um fator de estresse.

O problema de voz em professores está associado à utilização reiterada deste importante

instrumento de trabalho, bem como, a exposição constante ao pó de giz, favorecendo o

aparecimento de problemas respiratórios.

O acelerado desenvolvimento caracterizado por inovações tecnológicas, automação e

profundas transformações no mundo do trabalho têm acarretado processos cada vez mais

perversos de adoecimento nos trabalhadores. Para Cruz (2001), a reestruturação das empresas,

facilitada pelo incremento da tecnologia da informação e a concorrência mundial têm provocado


mudanças fundamentais na organização do trabalho, como a individualização do trabalhador

perante o processo de trabalho. Para estudar os componentes tecnológicos inseridos no contexto

do trabalho é necessário realizar uma aproximação do trabalho real, ou seja, aquele que é

executado efetivamente pelo trabalhador (seu comportamento, sua conduta) a fim de entender as

situações de trabalho, seus riscos, como elas engendram sofrimento e quais os seus determinantes.

O processo de adoecimento, em certos casos, inicia de forma lenta e imperceptível ao

trabalhador. As características individuais do trabalhador (personalidade, motivação, formação

profissional), aliadas aos riscos presentes no trabalho são capazes de desencadear patologias a

curto, médio ou longo prazos. “O estado de saúde de um trabalhador não é independente de sua

atividade profissional. (...) As agressões à saúde do trabalhador nem sempre são precedidas por

sinais perceptíveis para os trabalhadores” (Guérin e cols., 2001, p.63).

No Poder Executivo Estadual de Santa Catarina, de acordo com os dados preliminares

supracitados (SEA/GESAS, 2005), os transtornos mentais e comportamentais caracterizam uma

das principais causas de incapacidade para o trabalho (17.8% em 2005). O processo de trabalho e

a análise dos fatores que geram agravos à saúde, ao serem identificados, possibilitam a atribuição

do nexo entre trabalho e doença (a relação entre o quadro clínico e o trabalho). As pesquisas

realizadas pela SEA /GESAS (2005) fornecem informações importantes para o início da

compreensão do aparecimento das doenças; a presença de determinados fatores no ambiente, nas

relações interpessoais e na organização do trabalho, auxiliando na reflexão e identificação dos

agentes agressores ou insalubres.

Segundo o Ministério da Saúde em seu Manual de Procedimentos para os Serviços de

Saúde - Doenças Relacionadas ao Trabalho (2001), os fatores de risco são classificados em: a-

ambientais: a.1- físicos (radiação, ruído, vibração, etc.); a.2 - químicos (substâncias químicas,

poeiras, etc.); a.3 - biológicos (bactérias, vírus, fungos, etc.); b- situacional (instalações,

ferramentas, equipamentos, materiais, operações, etc.); c- humano ou comportamental


(decorrentes da ação ou omissão humana). Reconhecer as condições de risco10 envolve um

conjunto de procedimentos a fim de que seja definido sobre a existência ou não de um problema

para a saúde do trabalhador. Significa identificar no trabalho e seu entorno 10 fatores ou situações

com potencial de dano. Avaliar o risco é estimar a probabilidade e a gravidade de que o dano

ocorra.

O modelo demanda-controle-apoio social de Karasek e Theorell (1990) descreve e analisa

a situação laboral em que os estressores são crônicos e estabelecem as características psicossociais

do entorno do trabalho. Desde os princípios dos anos 80 esse modelo tem sido forte para a

investigação do entorno psicossocial, do estresse e enfermidade, assim como é o que indica forte

evidência científica para explicar os efeitos do trabalho na saúde.

Esses autores observaram que os efeitos do trabalho, tanto na saúde como no

comportamento pareciam ser resultado de uma combinação das demandas psicológicas laborais e

das características estruturais do trabalho relacionadas com a possibilidade do trabalhador de

tomar decisões e usar as próprias capacidades. Propuseram um modelo bidimensional que

integrou esses tipos de conclusões e que poderia ser utilizado para um amplo tipo de efeitos

psicossociais das condições de trabalho.

O modelo demanda-controle-apoio social foi construído a partir de diversas disciplinas: da

sociologia, das exigências psicológicas causadoras de enfermidade e de estresse; na psicologia do

trabalho e em teorias de satisfação e motivação laboral. Os autores referem o controle, a

autonomia e o uso de habilidades, ainda que não da perspectiva da saúde, e sim da produtividade.

Na epidemiologia os autores buscavam respostas com vistas a ampliar o modelo para abordar os

riscos da enfermidade cardiovascular associados ao trabalho.


Este modelo social objetiva melhorar o bem-estar dos trabalhadores, desenhando e

implantando uma estrutura mais horizontal, aumentando a segurança, reduzindo a ambigüidade

das regras do trabalho e reduzindo tensões laborais e os transtornos psicológicos associados ao

trabalho. O equilíbrio entre demanda (pressão do tempo para realizar a tarefa) e controle

(amplitude da margem de tomada de decisões, grau de autonomia) depende do modelo da

organização do trabalho e não das características individuais de cada pessoa. A influência dos

processos psicossociais no trabalho é moderada pelas características de resposta individual.

Os transtornos de ânimo e de afeto (ex., a insatisfação), o esgotamento, o transtorno por

estresse pós-traumático, as psicoses, os transtornos cognitivos e o abuso de substâncias

psicoativas são apresentados na Enciclopedia de Salud Y Seguridad em el Trabajo, da

Organização Internacional do Trabalho (OIT, 2002), no capítulo sobre a saúde mental. Houtman e

Kompier (2002) revisaram os principais tipos de transtornos da saúde mental que estão

relacionados ao trabalho. Os autores afirmam que existem opiniões distintas sobre os

componentes e processos de saúde mental, sendo um conceito carregado de valor e é provável que

não exista uma definição unânime sobre ele. Apresentam um modelo para a saúde mental e

transtornos associados ao trabalho:


Para Houtman e Kompier (2002, p. 5.2) a saúde mental está diretamente relacionada aos

grupos profissionais que correm mais riscos. Trabalhadores que vivenciam diariamente situações

de estresse, tensão psicológica, monotonia, falta de autonomia, relacionamentos frágeis entre

colegas e/ou chefias têm forte propensão a desencadear transtornos psicológicos. Segundo esses

autores o conceito de estresse está fortemente associado à saúde mental e esta é definida como:

Um estado de bem-estar psicológico e social total do indivíduo em um entorno sócio-


cultural dado, indicativo de estados de ânimo e afetos positivos (prazer, satisfação e
comodidade) ou negativos (ansiedade, estado de ânimo depressivo e insatisfação);
Um processo indicativo de uma conduta de enfrentamento, por exemplo, lutar para
conseguir a independência, autonomia (aspectos chave da saúde mental);
O resultado de um processo: um estado crônico devido a uma confrontação aguda e
intensa com um fator estressante, como em casos de estresse pós-traumático, ou da
presença contínua de um fator estressante, não necessariamente intenso. É o que ocorre no
esgotamento, assim como na psicose, nos transtornos depressivos maiores, ou nos
transtornos cognitivos e no abuso de substâncias psicoativas.
A saúde não pode ser considerada como um estado de bem-estar social total, conforme

definem os autores, mas representa não só a ausência de doença, como também, a realização plena

do potencial do trabalhador, bem-estar, alegria, produtividade e autoconfiança.


A saúde mental está associada a características individuais como crises e seus estilos de

enfrentamentos devidos: competências (incluídos o enfrentamento eficaz, o domínio do entorno e

a auto-eficácia) e a aspiração, que “são características de uma pessoa mentalmente saudável”, que

tem interesse e participa do seu entorno, de atividades motivadoras e busca sua própria proteção

por meios pessoalmente significativos (Houtman e Kompier, 2002, p. 5.2). As organizações, no

planejamento de suas ações, precisam investir na saúde mental a curto e longo prazo, com vistas a

garantir trabalhadores motivados, saudáveis e produtivos.

O conflito entre os objetivos das organizações e as necessidades individuais torna-se um

agente estressor a ser considerado na geração de ansiedade, de insatisfação no trabalho e de TMC.

Estes transtornos podem se manifestar por meio de sintomas psicológicos (apreensão, medo,

desespero, sensação de pânico, hipervigilância, irritabilidade, fadiga, insônia, dificuldade para se

concentrar) e/ou somáticos (dor de cabeça e lombar, causada por aumento da tensão muscular,

palpitações, sudorese, sensação de engasgo na garganta, devido às tensões do músculo do

pescoço, boca seca, náusea, vazio no estômago, falta de ar, tontura, tremores, fraquezas).

A organização do trabalho, o ritmo das atividades e a divisão das tarefas estão diretamente

associados à saúde física e psicológica. Segundo Relatório do Sindicato dos Trabalhadores da

Saúde, Trabalho e Previdência no Rio Grande do Sul (SINDISPREV-RS, 2003), a organização do

trabalho também é um fator de risco para a saúde dos trabalhadores. Quando a organização do

trabalho é condicionada apenas no lucro e produtividade, sem levar em conta as aptidões e

limitações de cada trabalhador, ou quando requer um ritmo mais intenso do que o tolerável para a

saúde física e mental de quem desenvolve a tarefa solicitada, acarreta em prejuízos físicos e

emocionais.

A Norma Regulamentadora Nº 17 (NR – 17, Ergonomia), do Ministério do Trabalho e

Emprego do Brasil, estabelecida pela Portaria Nº 3.751, de 23 de novembro de 1990, dispõe sobre

o estabelecimento de parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às


características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar o máximo conforto,

segurança e desempenho eficiente.

A ergonomia dispõe de referencial teórico e técnico de análise da atividade de trabalho,

auxiliando na prevenção de riscos ocupacionais. A organização do trabalho, segundo o Manual de

Aplicação da Norma Regulamentadora Nº 17 (NR-17), do Ministério do Trabalho e Emprego do

Brasil (2002), é caracterizada pelas modalidades de repartir as funções entre os operadores e as

máquinas, isto é, a divisão do trabalho. A análise da organização requer conhecimentos

específicos dos pesquisadores de saúde e trabalho; o método de análise e o objeto a ser analisado

são estabelecidos paulatinamente, envolvendo os trabalhadores e dependem da demanda

(problema, dificuldade, situação a ser estudada) que motivou a análise.

Para a análise das condições de trabalho são conhecidos, sobretudo em manuais de

ergonomia, inúmeros checklists e métodos de avaliar as configurações do trabalho humano.

Ainda que, nem todos, sejam possíveis de aplicação às diferentes situações laborais, constata-se

que há uma lacuna metodológica e estratégica nesses checklists, bem como na NR-17, que não

estabelece padrões psicossociais de análise das condições do trabalho, como autonomia do

trabalhador, iniciativa, comunicação, cooperação, relações interpessoais, operações mentais e

psicológicas, níveis de atenção, estilo de comando, processos de tomada de decisão, dentre outros.

Organizações do trabalho rígidas, em que um único modo de operação prescrito é imposto

restringem modos de gerenciamento de constrangimentos ao trabalhador. Essas organizações

paralisam a atividade psíquica espontânea, restringindo o funcionamento psicológico. Para

Jackson Filho (2004), a precariedade das condições de trabalho, aliada aos processos de

intensificação e racionalização, bem como a pressão sofrida pelos cidadãos conscientes de seus

direitos e impacientes com a ineficiência dos serviços públicos acaba por provocar a degradação

do funcionamento do serviço público e uma forte associação com o adoecimento dos servidores.

Esse bloqueio contínuo do funcionamento leva o trabalhador a desencadear o aparecimento de


doenças somáticas (Rocha, 2000). Os sinais de esgotamento físico ou psicológico no trabalhador

são manifestados quando há desequilíbrio emocional, choro fácil, impotência para tomar decisões,

entre outros.

A organização do trabalho para Dejours (1993) inclui a estrutura hierárquica, a divisão e o

conteúdo das tarefas, a estrutura temporal e as relações humanas no contexto laboral. A

progressão profissional (funcional) na organização, quando ocorre, é percebida como estimulante

e como reconhecimento da alta hierarquia do bom desempenho das tarefas por parte do servidor.

Entretanto, no serviço público, a política de valorização do servidor é restrita e, esse aspecto,

freqüentemente não é observado na prática, o que desmotiva o trabalhador.

Outro aspecto observado no serviço público ocorre quando o trabalhador não está

capacitado para exercer um novo cargo e é possível que desencadeie uma reação de temor,

resistência a mudanças, dentre outras. Segundo o Manual de Aplicação da Norma

Regulamentadora Nº 17, do Ministério do Trabalho e Emprego (2002), o conteúdo das tarefas

designa o modo como o trabalhador percebe as condições de seu trabalho: estimulante,

socialmente importante, monótono ou aquém de suas capacidades. O conteúdo das tarefas está

relacionado com os fatores psicossociais, que são as diferentes demandas do trabalho e como o

trabalhador tem capacidade de controle para resolvê-las (quantidade e volume de trabalho, pressão

do tempo, nível de atenção, interrupções imprevistas; Karasek, 1990). Os fatores organizacionais

e psicossociais são em determinadas situações idênticos, isto é, os psicossociais intrínsecos no

trabalhador são os referentes a adaptação, monotonia, fadiga, motivação, influências da idade,

sexo e deficiências físicas.

A organização do trabalho é um importante fator de adoecimento psicológico, tendo

relações com as cargas de trabalho. As cargas são produtos da capacidade do trabalhador em

responder as exigências das tarefas e a controlar os efeitos dela sobre as condições físicas e

psicológicas do organismo (Cruz, 2001). Estas cargas estão associadas à história de vida do
trabalhador, fazendo com que cada um tenha reações diferentes e modos individuais de responder,

interagir e adoecer ou não em virtude do contexto laboral. O processo de sofrimento é, por vezes,

silencioso ou invisível, embora também possa eclodir de forma aguda por desencadeantes

diretamente referentes ao trabalho. Alguns distúrbios psicológicos estão relacionados com a

modificação do humor, fadiga, irritabilidade, isolamento, distúrbios do sono e do apetite,

agressividade, tristeza, alcoolismo, tabagismo, drogadição, dores de cabeça ou no corpo, mal-estar

geral, tonturas, náuseas, sudorese, taquicardia e somatizações.

A pesquisa realizada pelo SINDISPREV-RS (2003) evidencia que as doenças do trabalho

estão relacionadas a um conjunto de danos que afetam a saúde dos trabalhadores, causados,

desencadeados ou agravados por fatores de risco presentes nas tarefas e atividades. Iniciam de

forma lenta, insidiosa, demorando certo período de tempo para aparecerem seus sinais e sintomas.

Neste sentido é um obstáculo para o estabelecimento da relação (nexo) entre as doenças e o

trabalho.

A manifestação de fatores psicossociais no trabalhador, como desempenho reduzido,

empobrecimento das relações interpessoais, altos índices de absenteísmo, rotatividade, acidentes,

deveriam levar os empregadores a considerar tanto os agravos físicos quanto os psicológicos

como responsáveis por danos ou incapacitação laboral. Esses fatores são contribuintes por danos

ou incapacitação para o trabalho são também responsáveis pelos constrangimentos nesses

contextos. Para Guimarães e cols. (2000) a influência da atividade ocupacional sobre o bem-estar

emocional do trabalhador está relacionada às transformações no desenvolvimento e nas condições

de trabalho. Afirmam que há consenso entre os pesquisadores da área que as demandas físicas de

tarefas são mais fáceis de definir e de medir do que as demandas psicológicas.

O dano psicológico associado ao trabalho, segundo Cruz e Maciel (2005), é caracterizado

pela identificação de alguns elementos ou conjunto de aspectos como: alterações do

comportamento (sono, alimentação, concentração, irritabilidade); restrição nas competências


cognitivas e relações afetivas com vivência de constrangimento e desconforto, limitando a

autonomia do sujeito; prejuízos na auto-estima, grau de insegurança, motivação com a presença

de estresse prolongado; reatividade fisiológica. O dano psicológico no trabalhador é, portanto, um

prejuízo sofrido, quando verificado algum desses elementos ou conjunto de aspectos

comportamentais, ficando caracterizada a ocorrência do fenômeno.

A equipe multiprofissional que realiza a atividade pericial, quando do aparecimento das

doenças ocupacionais ou profissionais11, precisa identificar os danos e os fatores de risco

presentes no ambiente de trabalho. O diagnóstico precoce auxilia a equipe no controle dos fatores

de risco e na realocação do trabalhador num programa de promoção à saúde, buscando a

prevenção e a diminuição da possibilidade de agravamento dos casos, além de encaminhar

aqueles que necessitam de reabilitação.

As intervenções em saúde do trabalhador, de forma mais ampliada, sobretudo na garantia

de possibilidades de prevenir as doenças precisam ser observadas por aqueles especialistas que

planejam e/ou executam políticas para a classe trabalhadora. Para compreender e administrar os

riscos encontrados pelos trabalhadores em seu dia-a-dia, bem como promover a sua saúde é

mister conhecer os riscos do trabalho a que estão submetidos os servidores públicos estaduais.

1.2 Fenômenos psicofisiológicos associados aos transtornos mentais e

comportamentais

No Brasil, a partir da década de 1980, começam a aparecer alguns estudos em relação ao

adoecimento de servidores públicos. A síntese de publicações de trabalhos científicos no serviço


público destaca aspectos de saúde mental, LTS, estresse, ergonomia, LER / DORT, sofrimento e

riscos.

França (1993, p.8) estudou e analisou ‘O Barnabé: consciência política do pequeno

funcionário público’, obra que é desdobramento de sua dissertação de mestrado, realizada na PUC

de São Paulo. Discute processos e situações das quais já tinha vivência como docente de nível

superior de universidade pública brasileira, militante do movimento de professores, então

celetistas, que passaram a compor quadro de servidores estatutários, após a Constituição Federal

de 1988. A autora é conhecedora das heterogeneidades das distintas categorias profissionais de

servidores públicos, entre o alto escalão e o que denomina de ‘soldado raso’. O livro é o resultado

de sua análise sociológica sobre o servidor público, “sua pesquisa resgata os aspectos objetivos

(condições materiais de vida) e subjetivos (da consciência em relação à coisa pública) às relações

de trabalho, à visão dos chefes, à classe operária e suas lutas e perspectivas (...).” Tentou

caracterizar o meio-ambiente cultural stricto sensu, particularmente o político, em que se move o

pequeno servidor público brasileiro.

No aspecto saúde mental, Ribeiro e Cassorla (1995) analisaram as opiniões emitidas por

um grupo de profissionais de um ambulatório de saúde mental da rede pública de saúde de São

Paulo, sujeitos de uma entrevista, em que descrevem o cotidiano do ambulatório, os problemas

enfrentados, as relações interpessoais de trabalho e do ambulatório com as esferas governamentais

as quais está subordinado. Os assuntos discutidos na entrevista centraram-se em quatro grandes

temas: cotidiano do ambulatório; política governamental; política interna; e regime de trabalho. O

trabalho foi considerado como estímulo estressor podendo causar transtornos nos trabalhadores.

Bazzo (1997) registrou em seu artigo “algumas considerações sobre a saúde mental dos

funcionários públicos” que, os 280 sujeitos pesquisados, que se aposentaram em uma instituição

pública federal, responderam a pergunta: por que você tomou a iniciativa de aposentar-se?
Responderam da seguinte maneira: 55% por desânimo, desmotivação e desilusão com os serviços

públicos; 36% para gozar desse direito; 9% por problemas de saúde.

Ribas (1997) analisou a realidade de uma instituição pública, no concernente às licenças

de saúde de natureza psicológica e/ou psiquiátrica concedidas aos servidores e a opinião dos

técnicos que os examinaram. O conteúdo foi apresentado em três partes: contextualização da

realidade estudada; questões teóricas que envolvem o tema pesquisado; o que pode ser feito para

melhorar a atuação dos técnicos na instituição e no trabalho preventivo das enfermidades

psíquicas do servidor público.

No que se refere à incapacidade permanente, Sampaio e cols. (1999) realizaram um estudo

sobre a análise retrospectiva de casos de aposentadorias por incapacidade permanente

(relacionadas ou não ao trabalho) dos servidores da Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG), no período de 1966 a 1999. As informações obtidas por meio deste estudo, associadas a

dados de morbidade da população, permitiram ao Serviço de Atenção à Saúde do Trabalhador

(SAST, Pampulha/UFMG), melhor planejar programas de promoção de saúde no trabalho.

Barbosa e Soler (1999) caracterizaram as LTS com base nos afastamentos de trabalhadores

de enfermagem de um hospital geral de ensino da cidade de São José do Rio Preto-SP, registrados

durante o ano de 1999, por meio de uma investigação epidemiológica censitária. A coleta de

dados foi efetuada por meio de consulta aos registros do Centro de Atendimento ao Trabalhador

do Hospital estudado. Foi constatado que as condições laborais da equipe de enfermagem

freqüentemente são marcadas por riscos, os quais repercutem em elevado absenteísmo e licenças-

saúde. Além disso, os resultados indicaram que, no período estudado, 333 trabalhadores

envolveram-se em 662 episódios de afastamento. As licenças-saúde ocorreram, principalmente,

por problemas geniturinário e doenças mal definidas entre enfermeiros, técnicos e auxiliares de

enfermagem e doenças dos órgãos dos sentidos, infecto-parasitárias e respiratórias entre os


atendentes de enfermagem. Os dados obtidos subsidiam a análise dessa situação nesse hospital e

intervenções para melhoria das condições de trabalho vigentes.

Freitas (2000) por meio de estudo de caso em uma instituição pública federal verificou a

carga mental de trabalho e sua interferência na qualidade de vida no trabalho, utilizando a

ergonomia, como ponto de partida, ressaltando a sua importância e o entendimento da

organização. Como conclusão e recomendações, sugeriu que cada problema detectado requeria o

desenvolvimento de estudos específicos para comprovar as variáveis relativas à origem de suas

causas, bem como, às conseqüências na saúde do trabalhador, observando sempre o homem como

um ser integral.

Lipp e Tanganelli (2002) estudaram o estresse ocupacional de Magistrados da Justiça do

Trabalho: níveis de qualidade de vida, fontes de estresse e estratégias de enfrentamento. Os

estressores mais freqüentes foram sobrecarga de trabalho e interferência na vida familiar. Setenta

e cinco juízes completaram cinco inventários, enviados por meio da associação de classe. O grupo

avaliou seu estresse ocupacional como nível 8 em uma escala de 0 a 10. Verificaram que 71% dos

juízes apresentavam sintomas de estresse. Havia mais mulheres com estresse do que homens. A

qualidade de vida foi considerada comprometida nas áreas social, afetiva, profissional e da saúde.

A estratégia mais mencionada de administrar o estresse foi conversar com o cônjuge. Os

resultados foram discutidos em termos dos possíveis efeitos negativos para os indivíduos nessa

classe ocupacional e no processo jurisdicional.

O sofrimento de trabalhadores em instituições psiquiátricas geridas pelo poder público

estadual de Santa Catarina foi estudado por Lopes (2002), em que buscou compreender o

sofrimento dos trabalhadores nessas instituições psiquiátricas sob duas dimensões investigadas: o

trabalho humano e a institucionalização da loucura.

Amador e cols. (2002) realizaram um estudo intitulado “Por um programa preventivo em

saúde mental do trabalhador na Brigada Militar”, baseados na psicodinâmica do trabalho. As


conclusões apontam para a existência de pressões e desafios nas esferas da organização prescrita

no trabalho policial e desse trabalho no cotidiano. Pressões e desafios que impõem rigorosos

limites à expressão da subjetividade dos policiais no trabalho, oferecendo-lhes escassas

possibilidades para encaminhar seu sofrimento de forma criativa. As autoras entendem a

necessidade de ações promotoras e preventivas em saúde mental do trabalhador na Brigada

Militar.

Valença (2003) estudou a ergonomia em um hospital público da cidade de Joinville.

Realizou um levantamento dos espaços de trabalho de alguns setores, ficando constatado que

problemas de projeto arquitetônico e estrutural são comuns, dificultando a prestação de serviços

assistenciais eficazes e de qualidade. Concluiu que vários fatores contribuíram para esse quadro.

O resultado do levantamento sobre a qualidade do espaço e da relação com os projetos que o

determinaram evidenciaram baixa qualidade de estruturação do projeto e o quanto à qualidade

desse espaço tem relação na saúde dos servidores. Pesquisas nessa área têm concluído que as

condições de trabalho devem observar principalmente à diminuição do esforço físico na

manipulação de pacientes. Apesar da contribuição do referido estudo, as condições de trabalho

nos hospitais públicos ainda não são as ideais. Os estudos referentes a “qualidade do espaço”

como fator condicionante de sobrecarga dos profissionais da área da saúde são inexpressivos na

realidade catarinense. A autora mostrou por um lado, que alguns aspectos importantes relativos ao

trabalho não foram considerados nos projetos, bem como que a equipe que elabora o

planejamento do projeto desconhece, muitas vezes, o conteúdo real das atividades realizadas. Por

outro, mostrou a importância da introdução de uma metodologia de projeto para a organização de

espaço na área hospitalar.

Campos (2003) estudou os DME como um dos principais problemas de saúde

ocupacional, sendo a dor lombar uma das mais evidenciadas. Concluiu que o posto de trabalho na

postura sentada constitui um dos principais causadores deste mal e acomete, principalmente, os
trabalhadores do setor de informática. Dentro desse contexto, este trabalho teve como objetivo

principal estudar a prevalência de distúrbio músculo esquelético, com ênfase especial na dor

lombar, e a sua relação com fatores sócio-demográficos, perfil profissiográfico e fatores

ergonômicos. O local da pesquisa foi o Centro de Informática e Automação do Estado de Santa

Catarina (CIASC), com a participação de 158 trabalhadores. Como instrumento de coleta de

dados foram adotados dois questionários do tipo Survey e registros fotográficos dos postos de

trabalho. O primeiro questionário foi utilizado para verificar a prevalência de DME e a

caracterização da dor lombar. O segundo, (questionário de Oswestry), avaliou as incapacidades

geradas pela lombalgia. Os dados foram tratados qualitativamente e também submetidos à análise

estatística, concluindo uma alta prevalência de DME, principalmente da região lombar, cervical e

ombros.

Torres (2003) elaborou estudo ergonômico em uma lavanderia hospitalar do setor público,

caracterizado por grave conflito entre a direção e os servidores. A etapa de análise da demanda foi

fortemente explorada porque propiciou à equipe de ergonomistas antecipar certos problemas e

construir a estratégia de intervenção. A escolha desse tema partiu da constatação de que no Brasil

a análise da demanda é pouco valorizada. O objetivo do trabalho citado foi então contribuir para a

valorização desta fase dentro da prática de análise ergonômica do trabalho. Para isso, a autora

examinou o papel da análise da demanda expondo suas principais vertentes: social, da

problemática e da estratégia de intervenção por meio da descrição do desenvolvimento desta

etapa, o que englobou a reconstituição histórica (narrativa/história) e a apresentação dos

resultados.

Em virtude da incidência de casos de Lesões por Esforços Repetitivos (LER), Pereira

(2003) avaliou as condições de Trabalho no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. O tema do

estudo: “Programas de Prevenção à Saúde do Trabalhador no Serviço Público” teve por objetivo

conhecer casos bem sucedidos de práticas preventivas de órgãos públicos visando estabelecer
modelos e parâmetros que auxiliassem na construção de uma política de prevenção à saúde para o

Setor. Inicialmente, constatou que, a Instituição para fazer frente a alta incidência de casos de

LER, formulou políticas de prevenção, resultado de anos de trabalho participativo e construção

social. Sob a coordenação/orientação de consultores externos (convênio com a Universidade

Federal de Minas Gerais), os técnicos da Instituição analisaram o trabalho de quatro setores

representativos (aprenderam fazendo), sendo emitido relatório final intitulado “Avaliação das

condições de Trabalho no Tribunal de Justiça – MG”. Esse relatório foi validado em reuniões com

servidores integrantes dos setores analisados.

Ferreira e Mendes (2003, p.145), em seu livro “Trabalho e riscos de adoecimento: o caso

de Auditores Fiscais da Previdência Social Brasileira (AFPS)” aplicam um questionário a estes

trabalhadores e analisam a inter-relação trabalho e saúde com base no diálogo interdisciplinar

entre a ergonomia da atividade e a psicodinâmica do trabalho. O processo de transformação do

prazer - sofrimento e adoecimento - dor, na gestão do trabalho, está relacionado a diferentes

elementos para demonstrar a existência deste processo. A elaboração do livro permitiu

“detalhamento da discussão dos resultados à luz do contexto e do perfil dos AFPS, possibilitou

maior visibilidade social, científica e política aos elementos do contexto de produção do trabalho

dos auditores fiscais.” A pesquisa configurou os elementos de riscos de adoecimento dos AFPS,

favorecendo a discussão ampliada com os dirigentes sindicais, a fim da busca de soluções com os

gestores do INSS para a garantia da saúde no trabalho.

Silva (2004) realizou uma pesquisa sobre as questões relativas aos afastamentos para

tratamento de saúde, no Estado de Santa Catarina, a partir de observações que denotavam, em

princípio, a descontinuidade administrativa do Estado. O estresse e outros transtornos mentais e

comportamentais foram os processos de adoecimento que mais se destacaram entre os servidores

das Secretarias de Estado da Fazenda e da Administração.


Reis (2004) tratou da análise dos resultados obtidos na intervenção ergonômica em uma

lavanderia hospitalar do serviço público estadual de Santa Catarina, com o objetivo de descrever a

relação entre o modo de funcionamento desta lavanderia e sua relação com problemas de saúde. A

lavanderia é o setor de processamento de roupas hospitalares que, possui grande importância para

o adequado funcionamento do hospital, pois tem por função distribuir a roupa higienizada com

qualidade, boa aparência e livre de agentes patogênicos. A autora realizou um estudo baseado na

Análise Ergonômica do Trabalho (AET) e, por meio dele mostrou o funcionamento da lavanderia

hospitalar que possui características específicas. Buscou compreender a prática da intervenção

ergonômica. Utilizou como metodologia a descrição da situação como um modo degradado

(profissionais que atuam em condições precárias de trabalho). Na tentativa de compreender o

funcionamento em modo degradado procurou inicialmente identificá-lo na literatura em seus

diversos aspectos, com distintas denominações, e assim procurou analisar a realidade da

lavanderia hospitalar inserida no próprio hospital, relacionando os problemas de saúde existentes.

Estes estudos avançam no conhecimento científico na esfera do serviço público com

objetivo de identificar e analisar de alguma forma os condicionantes organizacionais que

interferem na atuação e no adoecimento do trabalhador, visando a melhoria das condições

organizacionais e psicossociais do trabalho. Em países de todo mundo existem profissionais de

múltiplas áreas que dedicam sua atenção à saúde dos servidores públicos (psicólogos, médicos,

enfermeiros, engenheiros de segurança, entre outros).

Conforme consultas realizadas na literatura (Lilacs, MedLine, livros) mencionada

anteriormente, existem freqüentes pesquisas encontradas que são realizadas no serviço público

que tratam da influência do trabalho na saúde mental do trabalhador, ou seja, em aspectos

referentes aos transtornos mentais e comportamentais, bem como registros de estudos de doenças

do sistema osteomuscular.
Uma competência requerida dos profissionais que atuam em saúde e trabalho é reconhecer

sinais, sintomas, doenças e fontes de exposição relacionados com os agentes ambientais e

ocupacionais mais comuns (Mendes, 1994). A identificação de aspectos relativos à influência do

trabalho na saúde mental de servidores públicos estaduais requer que seja observada a

variabilidade11 de cada realidade. Essa relação entre doença e atividade ocupacional dos

trabalhadores envolve um conjunto de procedimentos que visam definir a existência ou não de

problemas para a saúde do trabalhador e, no caso afirmativo, estabelecer sua provável magnitude,

identificar os agentes potenciais de risco e as possibilidades de exposição (Ministério da Saúde do

Brasil, 2001). Entretanto, é preciso realizar pesquisas em cada realidade, em cada situação, pois o

trabalho ocupa lugar importante na realização pessoal do indivíduo e está na gênese de certas

doenças, como fator único ou associado a outros condicionantes sociais.

Os fenômenos saúde mental e trabalho possuem “amplos” graus de abrangência e são

estudados sob áreas distintas do conhecimento como Fisiologia, Psicologia, Medicina, Sociologia,

Direito, Ergonomia. Sato (2003) indica que o trabalho e as organizações são objetos da

investigação para a Psicologia a partir de duas perspectivas de estudo: a Psicologia do Trabalho e

das Organizações e a Saúde do Trabalhador. O ambiente de trabalho inserido no mundo

conturbado do início do século XXI exerce influência nem sempre positiva sobre a saúde dos

trabalhadores. Este ambiente, de acordo com a Norma Regulamentadora – 17 (NR-17, 1990),


precisa estar adaptado às condições psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar

um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente, a fim de não ocasionar perdas de

horas de trabalho, crescimento do número de acidentes, doenças ocupacionais, queda da

produtividade, absenteísmo, e ainda provocar outros prejuízos para o trabalhador e para a

organização. Os impactos dos avanços tecnológicos, as pressões por resultados e a concorrência

cada vez mais crescente, em geral, não vêm acompanhados de ações diretivas capazes de gerar

benefícios aos seres humanos que compõem a organização.

A realização de pesquisas referentes à influência do trabalho no aparecimento de

transtornos mentais e comportamentais no serviço público estadual poderá auxiliar na prevenção

dessas patologias. A relação que pode haver com a situação e o posto de trabalho parece permitir

o encaminhamento de recomendações para minimizar as conseqüências para o serviço público

estadual e, em particular, para a vida dos servidores.

As condições de trabalho aliadas a outras circunstâncias limitadoras da vida do trabalhador

em algumas situações desencadeiam transtornos psicológicos, como exemplo: carga horária

elevada; atividade sedentária ou leve em demasia; monotonia; trabalho robotizado; acúmulo de

pressões, atribuições e responsabilidades; solicitações sensoriais que exigem pronta resposta;

relação com a autoridade e a subserviência às normas; a convivência com o grupo de trabalho; a

adaptação ao meio cultural, aos hábitos, aos valores e à linguagem do ambiente social da

organização, entre outras.

Soares (1999) afirma que há necessidade de definir qual a interferência das condições de

trabalho e das condições de vida, no aparecimento da doença. As condições de vida incluem as

atividades sociais, econômicas, sexuais, políticas e religiosas do indivíduo, e as condições de

trabalho são relativas à adaptação ao ambiente, às tarefas realizadas e à satisfação empreendida.

Os distúrbios psicológicos que são revelados no trabalho, no entendimento deste autor, têm as

mesmas manifestações clínicas encontradas em outras patologias; e as características de


personalidade, a estrutura familiar, as condições sócio-econômicas, as experiências vividas,

enfim, todo o complexo de inter-relações do indivíduo com o meio ambiente são fatores que

determinam o surgimento dos transtornos mentais e comportamentais.

Conforme o Relatório da OMS para o ano de 2001 sobre Saúde Mental no Mundo, os

transtornos mentais e comportamentais são distúrbios definidos pela CID-10. Embora os sintomas

variem consideravelmente, tais transtornos geralmente são caracterizados por uma combinação de

idéias, emoções, comportamentos e relacionamentos anormais com outras pessoas. A

esquizofrenia, a depressão, o retardo mental e os transtornos devidos ao uso de substâncias

psicoativas são exemplos de transtornos mentais e de comportamento. O humor sofre flutuações

normais podendo alcançar estágios críticos, ou seja, caracterizando alterações psicológicas

denominadas de transtornos mentais e de comportamento.

Episódios de estresse, relações entre prazer e sofrimento no trabalho, incidência de

LER/DORT são alguns exemplos de fenômenos psicofisiológicos associados aos transtornos

mentais e comportamentais. Em episódios depressivos, segundo a Organização Pan Americana de

Saúde (OPAS, 2001), a pessoa sofre de depressão do humor (num episódio típico), havendo

redução de energia e diminuição da atividade. A capacidade de mostrar interesse, e concentração

são reduzidas. Após um mínimo esforço é comum um cansaço acentuado. O sono e o apetite são

alterados, a auto-estima e confiança em si mesmo, geralmente diminuem, aparecem idéias de

culpa e pouca valia. Dependendo do número e da gravidade dos sintomas, o episódio depressivo é

descrito como brando, moderado ou severo. Os TMC exercem consideráveis impactos sobre os

indivíduos, as famílias e as comunidades. Os indivíduos não só apresentam sintomas

inquietadores de seu distúrbio como sofrem também por estarem incapacitados de participar em

atividades de trabalho e lazer, em virtude da discriminação.

Os TMC em certas situações causam incapacidade grave e definitiva, inclusive para o

trabalho, como no caso da alienação mental. O número desses transtornos e suas implicações com
os contextos de trabalho são crescentes nas organizações. Segundo estimativas da OMS, os

chamados transtornos mentais menores acometem cerca de 30 % dos trabalhadores ocupados e os

transtornos mentais graves, cerca de 5 a 10 %. No Brasil, segundo estatísticas do Instituto

Nacional do Seguro Social/Ministério da Saúde (INSS/MS, 2001), os transtornos mentais ocupam

a 3ª posição entre as causas de concessão de benefícios previdenciários. Estes dados demonstram

que as doenças mentais estão entre as três primeiras causas de incapacitação para o trabalho dos

segurados pela Previdência Social, portanto, um ônus que toda a sociedade arca.

A Lei nº 8.080 (Sistema Único de Saúde - SUS), de 1990, no Art. 2º aduz que a saúde é

um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao

seu pleno exercício (usufruto). A Lei agrega no parágrafo único, relativo à saúde, as ações que são

destinadas à garantia de condições de bem-estar mental e social às pessoas e à coletividade. Além

disso, na área de atuação do SUS, ainda estão incluídas a execução de ações a respeito da saúde

do trabalhador e a colaboração na proteção do meio ambiente do trabalho (Art. 6º, I, “C” e V). O

entendimento do conceito de saúde do trabalhador, para fins desta Lei, como o conjunto de

atividades destinadas à promoção e proteção da saúde, visa à recuperação e reabilitação da saúde

dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho,

abrangendo: a participação, no âmbito de competência do SUS, em estudos sobre o controle dos

riscos e agravos à saúde existentes no processo de trabalho.

A inter-relação entre distúrbios psicológicos dos trabalhadores e suas situações de trabalho

representa uma tarefa que exige percepção minuciosa do pesquisador. Situações de trabalho

incluem os objetivos a cumprir, meios técnicos, organização do trabalho, regras, riscos, punições,

normas quantitativas, qualitativas, de segurança, espaço e contrato de trabalho.

Perspectivas de teóricos da França (Dejours, 1993 e Le Guillant, 1957) destacam que o

lugar do trabalho na gênese e no desenvolvimento de doenças mentais está longe de um consenso.

Entretanto, existem fortes evidências sobre a forma pela qual organizações patogênicas do
trabalho criam um ambiente propício para que apareçam distúrbios mentais graves. Lima e cols.

(2002) também referem que identificar os fenômenos psicológicos e suas relações com o trabalho

é uma tarefa complexa, isto é, implica em identificar as características do trabalho, interpretar as

evidências clínicas e entender como há interação disso com a história de vida do paciente

(trabalhador). O trabalho induz o aparecimento dos transtornos mentais e comportamentais?

Inseridos em distintas abordagens teóricas, os pesquisadores têm procurado resolver esse dilema.

A ocorrência de síndromes dolorosas associadas às condições ocupacionais está

relacionada, de certa forma, a organização da produção e do trabalho, bem como às condições em

que esse trabalho é executado (Cruz, 2004). Na revisão da literatura de estudos realizados sobre

trabalho e sua relação com os transtornos mentais e comportamentais permitem afirmar que a

dinâmica, o funcionamento, a monotonia ou a execução de tarefas repetitivas, o isolamento, o

trabalho noturno (alterando o ciclo circadiano), a organização de trabalho extremamente rígida, o

desenho, a tecnologia, o conteúdo, a hierarquia, o relacionamento entre os trabalhadores são

aspectos relevantes para o aparecimento ou não de doenças do trabalho.

A caracterização do adoecimento de trabalhadores nos locais de trabalho representa um

aspecto importante na avaliação dos processos de gestão das unidades produtivas e,

conseqüentemente, da organização como um todo. De um modo geral, os aspectos determinantes

dos afastamentos dos trabalhadores de seus locais de trabalho por adoecimento (relacionado ao

trabalho) têm relação com mobiliário, riscos ocupacionais, configuração do ambiente físico e o

modo de gestão das interações entre as pessoas.

1.3 Principais abordagens teóricas no âmbito dos agravos à saúde psicológica do

trabalhador

No final do século XX e no início do século XXI as principais abordagens no âmbito dos

agravos à saúde psicológica do trabalhador atribuem ênfase ao trabalho, ou seja, responsabilizam-


no como um dos componentes no processo do desencadeamento do adoecimento psicológico.

Estas abordagens são agrupadas por meio das ênfases de pesquisa:

A. Prazer e sofrimento no trabalho/patologia/saúde e relação psíquica com o trabalho:

Guérin e cols. (2001), Codo e Jacques (2003) afirmam que a relação entre o trabalho e a saúde

não é interpretada unicamente por meio de efeitos diretos das solicitações das tarefas enfrentadas

pelo trabalhador durante o trabalho. Ele (trabalhador) está envolvido na sua atividade com sua

própria personalidade e sua história.

B. Psicodinâmica do trabalho, custo humano e riscos de adoecimento: Dejours (1993,

1994), Mendes e Ferreira (2003). A psicodinâmica do trabalho objetiva a compreensão de como

os trabalhadores alcançam manter um certo equilíbrio psíquico, mesmo estando submetidos a

condições de trabalho desestruturantes. A psicodinâmica do trabalho enfatiza o trabalho como

central na vida dos trabalhadores; o trabalho favorece a manutenção da saúde ou o aparecimento

da doença.

Dejours, em sua publicação “A Loucura do Trabalho” (1993), estudou as psicopatologias

do trabalho, utilizando posteriormente o conceito de psicodinâmica do trabalho. Ao analisar a

inter-relação entre saúde mental e trabalho, destacou o papel da organização do trabalho no que

tange aos efeitos negativos ou positivos que a referida organização exerce sobre o funcionamento

psicológico do trabalhador. Conceitua a organização do trabalho como a divisão das tarefas (o

conteúdo das tarefas, o modo operatório, o trabalho prescrito pela organização) e a divisão dos

homens (como é estabelecida a hierarquia e as relações humanas). O descompasso entre a

organização (trabalho prescrito) e o trabalhador (trabalho real – modo operatório do trabalhador)

favorece o aparecimento do sofrimento mental, pois conduz o trabalhador à necessidade de

transgredir para executar a tarefa.

C. Estresse no trabalho, burnout, saúde mental e trabalho, esgotamento profissional,

desgaste psíquico: Souza (1992), Selligmann-Silva (1994); Soares, (1999), Dalmoro (1999),
Houtman e Kompier (2002), Lima (2002), Jacques (2003), Codo (1999, 2003), e Vasques-

Menezes (2003).

O aparecimento do estresse é resultante da interação entre o trabalhador e as condições de

trabalho. A relação entre estresse e trabalho é abordada por Dalmoro (1999) que entende que o

homem está em contínuo processo de adaptação. A situação que exige adaptação provoca um

estado de tensão denominada de estresse, que pode ser benéfico ou prejudicial. O estresse indica o

estado psicológico gerado pela avaliação de um trabalhador de sua própria adaptação às demandas

ou exigências que lhe são feitas.

O estresse ocupacional está relacionado ao reconhecimento por parte do trabalhador de sua

inabilidade ou incapacidade para enfrentar as exigências relacionadas ao seu trabalho e a

conseqüente experiência de desconforto, mal-estar e sofrimento originados por esta situação.

Pressões sofridas em decorrência de prazos cada vez menores para a execução das tarefas, das

exigências do mercado, da competição interna nas organizações e das variações econômico-

financeiras, levam os indivíduos a um estado de enrijecimento muscular e de exaustão

psicológica. Estas pressões, à medida que ocorrem de forma repetida, esgotam as reservas físicas

e emocionais desses trabalhadores.

Segundo Boas (2006), o sofrimento pelo estresse, em geral, não associado especificamente

com o trabalho, surge a partir do comportamento hiperativo (pessoa que necessita estar sempre em

atividade, não se permite o descanso). Esse estresse está muito próximo da fadiga crônica, que

pode gerar depressão por falta de cálcio, potássio e minerais e não por um processo neurológico.

Esse sofrimento é típico de uma pessoa que se encontra em constante fuga do problema real que a

aflige.

O estresse ocupacional, segundo Souza (1992), abarca pelo menos cinco grupos de fatores

reconhecidos como importantes no processo de propiciar o aparecimento de doenças: 1. fatores

internos do posto de trabalho (características ergonômicas insatisfatórias, trabalho por turnos,


trabalho excessivo, trabalho monótono ou repetitivo); 2. função da organização (ambigüidade da

função, conflito de funções, responsabilidade com respeito à segurança e à vida de outras pessoas,

gerando preocupações adicionais); 3. desenvolvimento da carreira profissional (conflitos

resultantes da ascensão precipitada ou insuficiente, aspirações insatisfeitas, descontentamento ou

permanência em um posto de trabalho, julgado inferior, sub-aproveitamento de qualificação); 4.

relações no trabalho (o apoio dos colegas, chefes e subordinados parece ser uma variável

importante para a manutenção da saúde); 5. estrutura e atmosfera institucionais (política interna

do trabalho, participação nas decisões, pressões das chefias, controle sobre o ritmo e o processo

de trabalho).

O estresse representa um alto custo para as empresas em virtude da queda na

produtividade, horas perdidas de trabalho, absenteísmo, desperdício de material de trabalho,

prejuízos na imagem da empresa e custos elevados com assistência médica (Soares, 1999). O

estresse associado ao trabalho tem relação com fatores psicossociais importantes como a

sobrecarga ou inadequação da divisão das tarefas, o despreparo do trabalhador, favorecendo o

aparecimento de problemas de saúde.

D. Distúrbios Músculo Esqueléticos (DME), Lesões por Esforços Repetitivos (LER),

Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) e Doenças do Sistema

Osteomuscular e do Tecido Conjuntivo (de acordo com a CID-10): Ramazzini (1700); Karasek &

Theorell (1990), Bongers (1994), Mendes e Dias (1994), Beirão (1999), Cherem (1999),

Daniellou (1999), Rocha e Ferreira Júnior (2000), Ferreira (2000), Cruz (2001, 2004), dentre

outros.

Os fatores biopsicossociais associados à incidência de DME são estudados por estes

autores que abordam as evidências de que o exercício de qualquer atividade profissional sem o

preparo adequado e sem condições físicas e psicológicas do trabalhador para desenvolver a função

por tempo prolongado, o expõe a esses distúrbios. Freqüentemente os distúrbios músculo


esqueléticos assumem características sugestivas de fenômenos inflamatórios que acometem

tendões, bursas, fáscias e nervos dos membros superiores (terminologia do sistema músculo

esquelético). A dor é o sintoma comum nas manifestações clínicas de fenômenos biopsicossociais.

A Norma Técnica do INSS, publicada no Diário Oficial da União nº 131, de 11 de julho de

1997, seção I, define LER como uma síndrome clínica, caracterizada por dor crônica

acompanhada ou não por alterações objetivas e que se manifesta principalmente no pescoço,

cintura escapular e/ou membros superiores em decorrências do trabalho.

Os DME englobam cerca de 30 doenças, das quais a tendinite, a tenossinovite e a bursite

são as mais conhecidas; esses distúrbios são responsáveis pela alteração das estruturas

osteomusculares – tendões, articulações, músculos e nervos. Normalmente as atividades

desenvolvidas no trabalho são as principais causas do aparecimento dessas patologias; o excessivo

uso do sistema músculo esquelético, a repetição de atividades, a postura incorreta e o exagero de

força obstruem a circulação sangüínea, impossibilitando a irrigação de estruturas importantes

como as artérias e os nervos. Quando isso ocorre, há a fibrose que desencadeia processos

inflamatórios nos músculos (Ministérios da Previdência Social e da Saúde, 2001).

Os sintomas das LER/DORT/DME são: dor, fadiga, perda da vitalidade, fraqueza,

formigamento, dormência, edema, perda da coordenação motora. O trabalhador necessita de

tratamento a fim de evitar que a inflamação comece a percorrer o corpo, restringindo-lhe os

movimentos. Existem fatores relacionados que têm a capacidade de desencadear as

LER/DORT/DME tais como: repetitividade, posturas desfavoráveis, trabalho estático, forças

excessivas, força de trabalho despreparada, cadências de trabalho, horas-extras, controle

excessivo do trabalho (tempos e movimentos: como deve ser executada a tarefa e em quanto

tempo), falta de satisfação no trabalho, desconhecimento de como funciona o corpo humano

(limites).
As LER/DORT/DME têm etiologia multifatorial, isto é, há uma combinação de fatores de

risco ligados: condições de trabalho (forças, posturas, angulações, repetitividade, dentre outros);

fatores individuais (personalidade, percepção dos indivíduos das exigências do trabalho,

capacidade funcional, hábitos ligados ao trabalho, doenças, esforço mental ou exigência

cognitiva); fatores organizacionais (estrutura organizacional da empresa, clima social). Posturas

desfavoráveis mais citadas na literatura: elevação dos ombros; flexão dos ombros com torção ou

inclinação lateral da cabeça; posturas extremas dos cotovelos (flexão, extensão, pronação e/ou

supinação), desvios (radial e/ou cubital) extremos.

Segundo o Manual de Perícia Médica do Ministério da Saúde (2005, p. 24), “nos casos de

lesões ocorridas pelo desempenho de atividades específicas, deve ser estabelecido o nexo causal

entre a atividade exercida pelo servidor e a lesão apresentada.” Esse manual define as DORT/LER

como “patologias, manifestações ou síndromes patológicas que se instalam insidiosamente em

determinados segmentos do corpo como conseqüência de trabalho realizado de forma

inadequada.” Assim, o nexo é parte indissociável do diagnóstico e se fundamenta na anamnese

ocupacional e em relatórios de profissionais que conhecem a situação de trabalho. Nesse sentido é

estabelecida uma correlação entre o quadro clínico com a atividade ocupacional que é

desempenhada pelo trabalhador, além dos aspectos emocionais envolvidos.

E. Fadiga e cargas de trabalho, adoecimento físico e mental: Wisner (1987, 1994), Leplat

(1977), Cuny (1977), Laurell e Noriega (1989), Montmollin (1990), Iida (1997), Grandjean

(1998), Cruz (2001, 2004, 2005); epidemiologia: Facchini, (1994), Mendes e Dias, (1994);

comportamentos do homem no trabalho: Santos e Fialho (1997); patologia organizacional e modo

degradado no serviço público: Daniellou (1999), Jackson Filho (2004). Estas abordagens teóricas

de pesquisas são relevantes na busca da compreensão destes fenomênos e avanço do

conhecimento científico.
Merece destaque o instrumental da Epidemiologia (outra abordagem) que ajuda a entender

os problemas de saúde do trabalhador e das possibilidades de enfrentá-los com êxito (Facchini,

1994). As relações estabelecidas entre o trabalho e o processo saúde-doença dos trabalhadores

pela epidemiologia são antigas e estão documentadas na história da Medicina. A trajetória de

estudo de grupos de trabalhadores e suas formas particulares de adoecer e morrer são provenientes

de cientistas na trajetória histórica de pesquisas sobre o trabalho humano. O desenvolvimento da

epidemiologia social abriu perspectivas para o desvelamento de agravos à saúde, decorrentes das

modificações nas formas e nos processos de trabalho (Mendes e Dias, 1994). A avaliação dos

processos de trabalho e a análise dos fatores que geram agravos à saúde do trabalhador, ao serem

identificados, possibilitam a o estabelecimento de relações entre trabalho e doença.

Os estudos de natureza epidemiológica têm mostrado associações entre as condições de

trabalho e o adoecimento psicológico. Segundo Mendes e Dias (1994), as pesquisas

epidemiológicas encontradas na literatura fornecem informações importantes à compreensão da

relação entre características do trabalho e aparecimento de doenças. Os trabalhadores buscam o

controle das condições e dos ambientes de trabalho, para torná-los mais saudáveis.

As diferentes formas de adoecimento no trabalho emergem como respostas que o ser

humano dá aos sofrimentos aos quais é submetido. A ocorrência de síndromes dolorosas

associadas às condições ocupacionais está relacionada, de certa forma a organização da produção

e do trabalho, bem como às condições em que esse trabalho é executado (Cruz, 2004). Dessa

forma é relevante conhecer as relações entre os transtornos mentais e comportamentais e o

trabalho de servidores públicos estaduais, aumentando a visibilidade do fenômeno,

proporcionando conhecimento científico aos profissionais que atuam nesta realidade de modo

crítico e comprometido.

O estudo de dados sócio-demográficos dos afastamentos dos trabalhadores e sua relação

com o serviço público estadual de Santa Catarina constituem um aspecto relevante a ser
investigado, a fim de trazer novas perspectivas para o serviço público, sob o ponto de vista de

saúde, conforto, segurança, eficiência e eficácia. A pesquisa pretende compreender a

multiplicidade das dimensões dos transtornos mentais e comportamentais e sua possível relação

com o serviço público estadual.

Os fatores determinantes dos afastamentos dos trabalhadores do trabalho por adoecimento

dependem de variáveis associadas às características do trabalhador e da natureza do trabalho.

Com base nos estudos da literatura especializada é necessário investigar a realidade do trabalho

do serviço público estadual e a relação com o adoecimento, desde o mobiliário, os riscos, a

configuração do ambiente físico, até aspectos associados ao modo de gestão, à organização e às

interações entre as pessoas.

F. Outra abordagem teórica que merece destaque é a depressão, que pode estar associada

ou não ao trabalho e que será explanada na seqüência, tendo sido amplamente estudada por

ciências que lidam com a saúde do ser humano.

Os transtornos de humor ou depressivos são distúrbios da saúde mental. Brofman 12 (1997,

p.241) define que o termo depressão abrange situações que podem expressar um sintoma, uma

síndrome ou uma doença. A depressão “pode expressar quadros curtos e abruptos com risco de

suicídio – com episódio depressivo grave – ou duradouros e menos intensos – como distimia ou

personalidade depressiva (...); pode ainda representar situações evolutivas e de amadurecimento

(...) ou mesmo reações à perda (luto patológico).” A denominação depressão, segundo o autor,

constitui-se de um quadro amplo e variado; sua principal explicação é o que define como equação

etiológica, ou seja, de que forma e com que intensidade os estados depressivos expressam uma

etiologia biológica, psicológica ou social. Essas vertentes não são estanques, mas estão fortemente

imbricadas. È possível ter um quadro com manifestações genéticas e biológicas, mas, ainda assim,
é necessário compreender e “tratar as repercussões psicológicas e sociais que a doença representa

para aquela pessoa”.

Segundo o Manual da Novarti (sem data), os transtornos de humor (ou afetivos) são

enfermidades em que existe uma alteração do humor, da energia (ânimo) e do jeito de sentir,

pensar e comportar-se. Acontecem como crises únicas ou cíclicas, oscilando ao longo da vida. Os

transtornos de humor bipolar podem manifestar-se em episódios de depressão ou de mania

(sozinhos ou sintomas mistos associados). Na depressão, a pessoa sente tristeza exagerada e

desânimo e, na mania, um aumento da energia e euforia anormal. O termo mania não significa

“mania de fazer alguma coisa” ou algum tique, é a fase de euforia da doença maníaco-depressiva.

Os sintomas de euforia e depressão podem variar de um paciente para outro, no mesmo paciente,

ao longo do tempo, trazendo confusão até aos familiares do doente. Até o início dos anos 80, o

transtorno do humor ou (afetivo) bipolar era conhecido como psicose maníaco-depressiva. Formas

mais leves de euforia, como a hipomania foram estudadas, com isso, o termo psicose, que

denotava gravidade, deixou de ser apropriado à totalidade dos pacientes.

No Manual Merck (2005), o capítulo 84 discorre sobre os distúrbios da saúde mental: a

depressão e a mania, como distúrbios do humor, ou afetivos, são consideradas doenças

psiquiátricas em que há excessivo período de depressão ou de euforia. A tristeza e a alegria fazem

parte da vida cotidiana. A tristeza pode ser uma resposta natural a uma perda, a um sofrimento e

são diferentes da depressão e da mania graves. Nos indivíduos com predisposição aos distúrbios

de humor as reações são intensas: a mania é caracterizada por uma atividade física excessiva e

sentimentos de euforia extremos. A hipomania, nesse manual, é caracterizada por uma forma leve

de mania. A mania e a hipomania são menos comuns que a depressão, corroborando com o que

foi apresentado no parágrafo anterior. Os indivíduos com mania não têm consciência de que algo

está errado em relação ao seu estado mental ou ao seu comportamento.


Os sintomas típicos da mania surgem rapidamente em poucos dias. O indivíduo tende a

sentir-se ‘melhor’ que o habitual, alegre, rejuvenescido, com mais energia e não percebe a sua

condição. É geralmente eufórico, mas pode ser também irritadiço, desagradável e mesmo hostil. A

atividade mental acelera (fuga de idéias), distrai-se facilmente, pode apresentar falsas convicções

(riqueza pessoal, poder, inventividade, genialidade), até acreditar que é ‘Deus’, ter alucinações,

ouvir e ver coisas que na verdade não existem. Seu sono diminui, envolve-se em atividades de

modo infatigável (empreendimentos comerciais arriscados, jogo ou comportamento sexual

perigoso), sem reconhecer os perigos sociais inerentes a tais atividades. Essas abordagens teóricas

(estresse e depressão) tiveram forte incidência nesta pesquisa e serão objetos de estudo de um

capítulo próprio.
CAPÍTULO II –Transtornos Mentais e Comportamentais e Características do

Trabalho de Servidores Públicos

O serviço público estadual tem especificidades e características em seus ambientes de

trabalho que se constituem enfoques a serem estudados, no sentido de averiguar quais as

interferências, efeitos ou danos psicológicos que agridem o trabalhador. O adoecimento

psicológico (transtornos mentais e comportamentais) é a resposta dos trabalhadores às situações e

condições de trabalho oferecidas, segundo Dejours, (1994). Ao estudar as características do

trabalho (ambiente, condições, organização, densidade, situação, posto e relações sociais de

trabalho) no serviço público esta pesquisa pretende conhecer essa realidade, bem como dar

visibilidade ao fenômeno e torná-lo acessível à comunidade científica com vistas à produção de

informações e conhecimento.

Os dados sobre a realidade do servidor público estadual, o aparecimento de patologias

psicológicas e a relação com a situação de trabalho são aspectos a serem conhecidos pelos

profissionais que atuam na área da saúde do trabalhador, com vistas à formulação de políticas

saudáveis. A sobrevivência das organizações depende da valorização do capital humano.

Reitera-se que segundo o modelo proposto por Karasek e Theorel (1990), a pressão – ou o

estresse – surgida no trabalho resulta da conjugação de dois fatores: alta tensão psicológica e

baixo poder de decisão. A carga psicológica do trabalho não seria prejudicial se combinada às

possibilidades, alternativas e autonomia do trabalhador para enfrentá-la. Entre as ocupações com

intenso grau de de estresse situam-se os ‘profissionais do cuidar’, ou aqueles que atuam nas áreas

da saúde, da segurança pública e da educação, nas quais se combinam elevada carga psicológica e

baixo poder de decisão.


2.1 Ambiente, situação e posto de trabalho

O ser humano dedica parte de sua vida ao trabalho nas organizações, exercendo atividades

profissionais em subsistemas específicos, tendo em vista a natureza das tarefas, os procedimentos

e as habilidades necessárias para a sua realização e o seu sustento. Uma das principais

características da organização do trabalho é a delimitação de subsistemas produtivos,

denominados de postos de trabalho13, caracterizados por Muchinski (1999) e Cruz (2001) como

ambientes construídos, em termos de recursos materiais, e definido no exercício de papéis

profissionais para cumprimento de atividades específicas (referentes ao trabalho propriamente

dito).

Características do trabalhador como sensibilidade; funções perceptivas, cognitivas, e

motoras; modo de expressão; vulnerabilidade e variabilidade humana estão relacionadas com os

fatores biopsicossociais, autonomia e relacionamentos. O trabalhador quando satisfeito atende as

demandas de produção, com qualidade, eficácia, prazer, realização pessoal, entretanto, quando

insatisfeito fica submetido ao sofrimento, processos de adoecimento ou doenças ocupacionais,

absenteísmo e acidentes. O trabalhador apresenta na sua história, condições de vida, experiência

profissional, estado momentâneo, como: fadiga, ritmos biológicos, conhecimentos, que são

fatores psicossociais relacionados a sua condição.

O conjunto dos postos de trabalho, a partir das relações de interdependência a que estão

submetidos, constitui subsistemas produtivos que, por sua vez, compõem a organização do

trabalho. Nesse sentido, é possível afirmar que um posto de trabalho de uma organização é a
estrutura desenhada para responder instrumentalmente, logisticamente e produtivamente às

necessidades da gestão do trabalho e dos trabalhadores. O estudo dos postos de trabalho, desse

modo, representa um meio instrumental para avaliar condições específicas do trabalho realizado,

bem como suas repercussões sobre o sistema produtivo e sobre os trabalhadores neles organizados

e inseridos. A expressão: “posto de trabalho” é utilizada na Psicologia, na Administração, na

Engenharia assim como na Ergonomia, é conceituado por Iida (1997) como a menor unidade

produtiva, geralmente envolvendo um homem e o seu local de trabalho. Do posto de trabalho

decorrem as seguintes características: conteúdo (rotação, ampliação e enriquecimento de tarefas),

condições do trabalho, cargo, função, hierarquia, carga física e/ou mental, conhecimentos,

habilidades, capacidade e experiência do trabalhador para desempenhar efetivamente o trabalho,

acidentes, riscos, falha humana, doenças profissionais, segurança, uso de equipamentos de

proteção individual, supervisão exercida ou recebida, tomada de decisões, responsabilidades do

posto, fluxo de informações, lay out, remuneração, entre outras.

Na revisão dos estudos realizados sobre posto de trabalho (Montmollin, 1990; Wisner,

1994; Fialho e Santos, 1997; Iida, 1997; Guèrin e cols., 2001) foi constatado que o seu conceito

está intimamente ligado a “setor ou situação de trabalho”. O posto de trabalho para um oficial de

justiça ou um comissário de menores ou um agente comunitário de saúde, por exemplo, é

considerado um espaço amplo e abrangente, pois envolve uma comunidade/sociedade. Nestes

casos exemplificados o posto abarca uma configuração de trabalho em que o trabalhador atua num

contexto abrangente e sua atividade é realizar abordagens à pessoas/famílias, fora do contexto

micro de seu posto de trabalho.

Estudiosos da ergonomia (Montmollin, 1990; Wisner, 1994; Fialho e Santos, 1997; Iida ,

1997; Guèrin e cols., 2001, Jackson Filho, 2004) mencionam na literatura pesquisada as

terminologias posto de trabalho, situação ou condições de trabalho. Inserido nesse ambiente

construído está a pessoa ou o trabalhador. O ambiente construído guarda as dimensões do


processo de trabalho e compreende a existência de cargas de trabalho (física, psíquica,

psicológica), aspectos de forte importância na literatura pesquisada.

Os termos posto, situação, condição e densidade do trabalho são citados por Wisner

(1994). O autor explana que a densidade do trabalho lhe é compreendida como uma quantidade

excessiva de tarefas, com exposição ao ruído, produtos químicos e exigências (capacidade

cognitiva, inteligência), durante o trabalho. Estes aspectos relacionados à densidade do posto

sobrecarregam o trabalhador, ocasionando fadiga, exigindo de seu ritmo cardíaco, ou de seu

cérebro, acarretando um elevado esforço físico ou mental. O efeito causado ao trabalhador é

proporcional à duração e a densidade da exposição a que ficou exposto.

A densidade do trabalho é exemplificada por Wisner (1994, p.51) como a que ocorre no

posto de telefonistas, em virtude do “intenso esforço mental necessário”, realizado na atividade,

devido o número das operações a realizar simultaneamente. Em algumas atividades a pressão e as

exigências da tarefa são acentuadas, aumentando sua densidade, como cita os “caixas de

supermercado” que terão consumido suas forças nervosas do dia, havendo probabilidade de erros,

quando aumenta a fadiga. Wisner enfatiza que “os fatores que influem na densidade da atividade

mental” (p.48), ou seja, a memória imediata, as micro-decisões provocam uma alta carga de

trabalho no posto.

As interrupções em casos principalmente de seqüências longas de tarefas, que

compreendem ao mesmo tempo solicitações à memória e numerosas micro-decisões provocam

uma alta carga, aumentando a densidade do trabalho e alterando a seqüência da tarefa. O trabalho

a realizar é aumentado no mesmo tempo ocorre uma densidade, ligada à organização do mesmo.

Há casos onde a redução de pessoal e a concentração de atividades diferentes em um único

trabalhador torna o trabalho insuportável.

O trabalho prescrito pela organização, ou seja, as atribuições a serem realizadas pelo

trabalhador, estão associadas ao seu cargo, função, jornada de trabalho, pausas, turnos, trabalho
noturno, ritmos e cadências. Enquanto, o trabalho real é considerado o comportamento do

trabalhador, sua personalidade, motivação, atenção, memória e tomada de decisão. Para a

ergonomia esta relação contribui para aumentar a densidade do trabalho.

No âmbito desta dissertação, a situação, o ambiente e o posto de trabalho serão

compreendidos como o local (o nicho/lócus) da organização em que são desenvolvidas atividades

relativamente específicas ou homogêneas, a fim dos trabalhadores alcançarem os mesmos

objetivos e resultados. As variáveis: hierarquia, desenho do posto, espaços de trabalho, ambiente

físico, postura do trabalhador, riscos de acidentes, riscos psicológicos, uso de equipamentos de

segurança, movimentos, cargas, organização do trabalho, aspectos psicossociais, conteúdo,

concepção do posto estão relacionadas às condições de trabalho e parecem auxiliar na sua

conceituação.

2.2. Análise do trabalho no serviço público

Conceitos de análise do posto de trabalho são apresentados na literatura pertinente à

ergonomia. O Instituto Nacional de Seguridade e Higiene do Trabalho – Ministério do Trabalho e

dos Assuntos Sociais da Espanha (2004) concebe a análise do posto de trabalho como o “processo

de identificação de todos os componentes do posto, desde tarefas, responsabilidades e funções, até

o estabelecimento de requisitos de capacidade que demanda sua execução satisfatória”.

Estudiosos clássicos da Ergonomia como Guérin e cols. (2001, p. 21) e Wisner (1994, p.87)

também adotam a expressão “situação, condições ou análise do posto de trabalho”.

Esse Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais da Espanha apresenta métodos para

análise do posto de trabalho por meio de Normas Técnicas de Prevenção (NTP), como a avaliação

das condições de trabalho no que diz respeito à carga postural, riscos percebidos, perfis dos

postos, entre outros. Toda a legislação vigente na área da saúde laboral da Espanha encontra

exaustivo embasamento teórico em países do primeiro mundo (da Europa), o que parece significar
a forte intencionalidade de aproximar a qualidade e precisão desses países na área do trabalho,

garantindo conforto, saúde e segurança ao trabalhador.

No trabalho ocorre a interação entre trabalhadores e seu entorno (objetos produzidos

industrialmente, instrumentos de trabalho, equipamentos, mobiliário, tecnologias, serviços) que

estão presentes no momento em que o trabalhador executa a sua tarefa. O trabalhador tem uma

função específica a realizar (tarefa ou trabalho prescrito) no seu posto de trabalho e vai executá-la

de acordo com seu comportamento (atividade ou trabalho real), seus conhecimentos, habilidades e

atitudes. A tarefa prescrita pela organização é desenvolvida por um ou mais trabalhadores. A

qualidade do ambiente de trabalho está fortemente relacionada ao comportamento do trabalhador,

aos riscos aos quais está submetido, bem como a carga de trabalho a ser assimilada. Para Cruz,

(2001), as cargas de trabalho são produtos da capacidade do trabalhador em responder as

exigências do trabalho e a controlar os efeitos dela decorrentes. O ideal seria que as cargas de

trabalho não ocasionassem ao trabalhador fadiga física ou mental recaindo em menores riscos

para a sua saúde.

No Brasil, a legislação vigente dispõe sobre a NR-17, conforme mencionado

anteriormente, que trata de norma visando melhorar as relações do trabalho com respeito à saúde,

conforto, segurança, eficácia e segurança. No serviço público estadual de Santa Catarina essa

normativa requer uma aplicação efetiva no sentido de que seja criado um serviço assegurando um

programa de ergonomia, com vistas ao estudo e as adequações necessárias e constantes aos postos

de trabalho. Como é configurado o entorno do trabalho do servidor público estadual? As

características do trabalho têm relação com o aparecimento de transtornos psicológicos nos

servidores? Os estudos nesse campo são recentes e ainda não se dispõe das respostas necessárias a

todas estas questões, sobretudo no que se refere aos aspectos psicológicos ou psicossociais do

trabalho na esfera estadual.


2.3. Adoecimento e demandas psicológicas no serviço público

Segundo o Manual de Procedimentos para os Serviços de Saúde – Doenças Relacionadas

ao Trabalho do MS (2001), o reconhecimento do papel dos trabalhadores tem implicações éticas,

técnicas e legais. Nessa perspectiva, o estabelecimento da relação entre um determinado dano ou

doença e uma dada condição de trabalho, requer identificação e controle dos fatores de risco para

a saúde nos ambientes e condições de trabalho e/ou a elaboração do diagnóstico e prevenção dos

danos, lesões, doenças provocadas pelo trabalho, individualmente e no coletivo de trabalhadores.

O nexo causal (Figura 2) entre adoecimento e situação de trabalho é um processo

complexo e específico para cada trabalhador, envolvendo sua história de vida e de trabalho. Para

estabelecer o nexo causal é fundamental a descrição detalhada da situação de trabalho, quanto ao

ambiente, à organização e à percepção da influência do trabalho no processo de adoecer.


A Resolução Nº 1.488/98 do Conselho Federal de Medicina (CFM), em seu artigo 2º,

estabelece que o nexo causal (Figura 3) entre os transtornos de saúde e as atividades do

trabalhador deve levar em conta além do exame clínico (físico ou mental), os exames

complementares, quando necessários. O médico deve considerar: a história clínica ou ocupacional

que é decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; o estudo do local de

trabalho; o estudo da organização do trabalho; os dados epidemiológicos; a literatura atualizada; a

ocorrência de quadro clínico em trabalhador exposto a condições agressivas; a identificação de

riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes e outros; o depoimento e a

experiência de trabalhadores; os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus

profissionais sejam ou não da área da saúde. O nexo causal é compreendido como o estudo da

relação de causa (s) e efeito (s), entre a conduta e o resultado.


Conforme a referida Resolução (Figura 3) o estabelecimento do nexo entre o adoecimento

e a situação de trabalho é iniciado por meio da Comunicação do Acidente de Trabalho (CAT),

emitida quando o diagnóstico evidenciar o papel da situação de trabalho como desencadeante ou

agravante do adoecimento, ou mesmo diante da suspeita do nexo etiológico. A avaliação desses

componentes (nexo e adoecimento) constitui um aspecto relevante a ser investigado. Identificar as

características das relações entre transtornos mentais e comportamentais e o trabalho de

servidores públicos é responsabilidade de cientistas e profissionais de Psicologia, a fim de avançar

o conhecimento de processos psicossociais, saúde e desenvolvimento psicológico. Os quadros de

transtornos mentais e comportamentais, segundo sua incidência e prevalência, fornecem subsídios

para estudar as relações com o conjunto populacional que apresentam esta patologia.

O nexo etiológico refere-se ao estudo das causas de cada doença e o nexo epidemiológico

é o estudo referente às inter-relações dos determinantes da freqüência e da distribuição de doenças

num conjunto populacional. A saúde do trabalhador no âmbito das políticas públicas no Brasil

tem como uma das vertentes a constituição do nexo epidemiológico a partir da Resolução nº

1.236/04 do Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS). A metodologia aprovada nesta


Resolução tem como base a 10ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) e

prevê a extinção do nexo causal individual, conforme o Quadro 2:

O CNPS aprovou em 2004 que o nexo causal seja substituído pelo nexo epidemiológico.

Esse tema está em processo de discussão e a implementação dessa mudança depende dos trâmites

burocráticos do Ministério da Previdência Social do Brasil. As demandas psicológicas (alterações

emocionais, falhas de memória) e somáticas (dor de cabeça, insônia) e a sua evolução para o

aparecimento de quadros clínicos (estresse, depressão) têm relação com a configuração do posto

de trabalho? A relação entre posto de trabalho e adoecimento constitui o nexo a ser estudado,

elucidando as interfaces das causas e conseqüências. Conhecer como está configurado o sistema

produtivo da organização (situação ambiente e posto de trabalho) auxilia na visibilidade do nexo

no trabalho. Para Cruz (2004), a doença física está relacionada com a doença psicológica, bem

como, existe uma afinidade entre decorrências físicas e psicológicas com a configuração do

trabalho.

Em serviços periciais de saúde, no atendimento do trabalhador, principalmente os médicos

peritos, têm competências de realizar a relação causal entre uma doença diagnosticada ou suspeita

e uma situação de trabalho. A comprovação do nexo causal ou etiológico deve permitir a sua

presunção, sem a existência de prova absoluta (Ministério da Saúde – Doenças Relacionadas ao


Trabalho, 2001). Porém, fugiria dos limites deste trabalho caracterizar a existência desses nexos,

para tal, seria necessário colher subsídios da história ocupacional do servidor (anamnese

ocupacional).

A Figura 4 (sistema produtivo) foi elaborada a partir de pesquisas de estudiosos do

trabalho humano. O posto, a situação e o ambiente de trabalho foram adaptados a partir de

contribuições de Guèrin e cols. (2001) e Wisner (1994), sendo representados como uma dimensão

do sistema produtivo. O posto como ambiente construído guarda as dimensões do processo de

trabalho e representa um subsistema, configurado por outros subsistemas (a organização, o

trabalhador, a tarefa, a atividade e os resultados do trabalho) expressam a natureza do processo

produtivo. Os subsistemas estão conectados e interagindo uns sobre os outros. O trabalhador

(“pessoa” na linguagem adotada por Guèrin e cols, bem como Wisner) está situado no centro do

sistema e a ele são atribuídos direitos e deveres. A organização precisa contar com um corpo

funcional hígido, ou seja, funcionar com trabalhadores saudáveis, a fim de atingir sua principal

meta que é a produtividade e qualidade.


A dinâmica e o funcionamento da organização necessitam de uma estrutura de forma a

respeitar as características psicofisiológicas do trabalhador, ou seja, adaptar o trabalho aos seus

aspectos psicológicos, biológicos e sociais. A carga de trabalho, física ou psicológica, não pode

ocasionar ao trabalhador fadiga e riscos à sua saúde. O trabalhador satisfeito em seu trabalho

atenderá a demanda da produção. Trabalhadores sadios, qualificados e motivados, identificados

com a filosofia da organização são fatores chaves para os resultados do trabalho.

O resultado do processo produtivo ou do trabalho é o produto ou o serviço, a busca da

satisfação do cliente e a qualidade. Neste resultado do trabalho é imprescindível garantir a saúde

do trabalhador, com segurança no processo produtivo. A Psicologia do Trabalho e a Ergonomia

dedicam atenção ao estudo do comportamento do trabalhador, pois a gênese do processo de

adoecimento está associada a esse comportamento, como aspecto isolado ou associado a outros

aspectos da organização do trabalho.


CAPÍTULO III – Método

A pesquisa foi elaborada com base no estudo do perfil demográfico, clínico e ocupacional

do servidor público estadual de Santa Catarina e suas relações com o adoecimento psicológico e

as características do trabalho.

3.1 Natureza do estudo

A natureza da pesquisa é exploratória descritiva e ex post-facto, na qual foi empregada a

técnica de observação indireta, por meio de estudo e análise documental (prontuários de

servidores públicos estaduais). Foi criado um Protocolo de análise de prontuários para investigar

TMC em servidores públicos estaduais (Apêndice 2), com base em um roteiro denominado

checklist de sintomas da CID 10 para transtornos mentais – versão 1.1 – Organização Mundial da

Saúde, Genebra/1994. O objetivo do emprego desse roteiro foi coletar dados a respeito da

prevalência dos TMC/comorbidades e relacioná-los com as características do trabalho do servidor

público estadual, de Secretarias Estaduais (Saúde, Segurança, Educação e Administração).

Para Cervo & Bervian (1983, p.55) “a pesquisa descritiva observa, registra, analisa e

correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los”. Visa conhecer a freqüência com

que um fenômeno ocorre, suas relações com outros fenômenos, sua natureza e características.

Segundo esses autores, a pesquisa descritiva pode assumir diversas formas, entre as quais estão

incluídos os estudos exploratórios. Segundo Rudio, (1986, p.55 e 56) na pesquisa descritiva,

experimental e ex post-facto, “o pesquisador procura conhecer e interpretar a realidade, sem nela

interferir para modificá-la (...), estando interessado em descobrir e observar fenômenos,

procurando descrevê-los, classificá-los e interpretá-los”.

O pesquisador ao estudar o fenômeno, visa: conhecer sua natureza, sua composição,

processos que o constituem ou nele se realizam, visando estabelecer relações entre duas ou mais

variáveis, sem manipulá-las. O estudo exploratório é um aspecto da pesquisa descritiva. Descrever


é narrar o que acontece, é descobrir e observar fenômenos, procurando classificá-los e interpretá-

los. A sua amostra é freqüentemente aleatória e é feita a constatação de sua manifestação a

posteriori. A pesquisa exploratória desencadeia um processo de investigação que identifica a

natureza do fenômeno e indica as características essenciais das variáveis que serão estudadas. “O

objetivo fundamental de uma pesquisa exploratória é o de descrever ou caracterizar a natureza das

variáveis que se quer conhecer.” Koche (1997, p.126).

3.2 Caracterização dos participantes

Os servidores públicos estaduais ativos, efetivos, integrantes dos quadros de pessoal das

Secretarias de Estado do Poder Executivo do Estado de Santa Catarina (Administração, Saúde,

Segurança e Educação) foram os participantes desta pesquisa. Em novembro de 2005, segundo

dados da Secretaria de Estado da Administração (SEA), o número destes servidores do Estado

estava assim configurado:

a. Polícia Militar 11. 461


b. Corpo de Bombeiros 2.034
c.Secretarias, Autarquias e Fundações . 67.081
Total 80.576
A SEA, responsável pelas diretrizes da administração dos recursos humanos de todo o

Poder Executivo, conta com o Sistema Integrado de Recursos Humanos (SIRH), conforme

mencionado no Capítulo I, sendo possível identificar que o quantitativo dos servidores das

mencionadas Secretarias corresponde, aproximadamente, a 80% da totalidade da população de

servidores públicos do Estado que integram os quadros de pessoal dessas organizações (67.081

servidores das Secretarias, Autarquias e Fundações).

O total de servidores afastados por LTS, em 2005, foi de 18.449. Desse total de

afastamentos, houve registro de 3.087 LTS por TMC, na região da Grande Florianópolis, seguido

por 2.560 de patologias do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. Por esse motivo, na

primeira etapa nesta pesquisa foi definida uma amostra desta população (das Secretarias da Saúde,
Segurança, Educação e Administração), a fim de aprofundar (por meio de pesquisa documental)

as relações entre o adoecimento psicológico e as características do trabalho dos servidores

públicos estaduais.

A amostra, evidenciada na Figura 5.1, foi determinada de forma aleatória simples, no valor

de 10%, ou seja, exigiu uma simulação por sorteio, concedendo a todos os elementos da

população, igual oportunidade de serem participantes. Os membros da população-alvo do estudo

foram escolhidos de acordo com ordem alfabética (conforme disposto no arquivo da GESAS),

aleatoriamente, conforme prevê Laville & Dionne (1999).


3.3 Caracterização das organizações pesquisadas

O Governo do Estado de Santa Catarina é comandado pelo Governador, eleito pelo povo,

contando com Secretários de Estado (primeiro escalão), Diretores (segundo escalão) e Gerentes

(terceiro escalão) para conduzir, durante quatro anos, os destinos do território catarinense. As

Secretarias de Estado da Administração (Secretaria meio, onde se define toda a política de

recursos humanos do Estado), da Segurança Pública, da Educação e da Saúde (Secretarias

finalísticas, que visam o atendimento às necessidades básicas do cidadão catarinense nas áreas de

segurança, educação e saúde), escolhidas para a pesquisa, são atuantes no âmbito do Poder

Executivo do Estado de Santa Catarina.

Estado é um ente da Federação e se constitui como uma organização formal que visa,

segundo a Constituição Federal do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988 (p. 11),

“assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade e a justiça como valores

supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (...)”. O

organograma da administração pública estadual é piramidal, hierárquico, departamentalizado e

fortemente submetido à legislação. Há excesso de burocracia, com os procedimentos, papéis,

carimbos, assinaturas. O principal objetivo do Estado é o atendimento ao cidadão, sobretudo nas

áreas de saúde, segurança e educação.

A alternância política ocorre no Governo do Estado a cada quatro anos, submetendo tanto

os servidores públicos estaduais, quanto à população em geral, a novas diretrizes e regras

administrativas. Essa alternância, embora salutar, interfere diretamente na produtividade dos

servidores públicos, torna o sistema frágil, pois há excesso de cargos comissionados, ocupados,

via de regra, por indivíduos sem formação específica para a condução dos destinos do órgão

público. Os servidores públicos efetivos (de carreira) ficam submetidos à nova administração, que

deseja imprimir sua forma de gerir os destinos do Estado, terceirizando serviços, negando, por

vezes, alguns projetos do governo anterior, imprimindo sua forma de administrar. Cada governo

visa também, subliminarmente, ‘fazer bem’ sua administração, perpetuando-se no Poder. Outros

fatores associados à administração pública são as altas cargas tributárias pagas pela

população/classe trabalhadora, e que precisa obter como retorno, serviços de qualidade, sobretudo

nas áreas de saúde, educação e segurança pública.

As diretrizes de cada novo governo são construídas de modo a denegar o que foi

executado pela administração anterior. Os recursos financeiros estaduais são repartidos de acordo

com o estilo da liderança que assumiu o escalão hierárquico (governador, secretários, diretores e

gerentes). A distribuição dos recursos orçamentários, é fixada sem a participação ou negociação

com os interessados, deixando a desejar no aspecto referente à participação dos servidores

públicos e até mesmo da população.


3.4 Caracterização das fontes de informação

As fontes documentais utilizadas na pesquisa foram: o SIRH, os prontuários de servidores

selecionados, o Diário Oficial do Estado, a legislação pertinente à saúde do trabalhador, os

relatórios estatísticos e descritivos do Governo do Estado sobre os indicadores de adoecimento de

servidores públicos estaduais. As informações foram obtidas por meio de documentos

(principalmente os prontuários), a fim de verificar as características do trabalho e as condições de

saúde do servidor público estadual. Os prontuários de servidores que apresentaram TMC ou

DME, no período de 2001-2005, foram consultados, ou seja, aqueles que usufruíram LTS em um

espaço de tempo igual ou superior a 15 dias (critério esse também utilizado pela Previdência

Social para considerar o afastamento por LTS nos trabalhadores vinculados ao RGPS).

3.5 Instrumentos de coleta de dados e procedimentos

Qualificado o projeto de pesquisa, em seguida foi elaborado instrumento de coleta de

dados dos prontuários (adaptado do checklist de sintomas da CID-10 para transtornos mentais:

Protocolo de análise de prontuários para investigar TMC em servidores públicos estaduais). Em

seguida, o projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética da UFSC e a partir de sua

aprovação foi realizado o estudo piloto. As variáveis foram avaliadas com a finalidade de corrigir

erros, esclarecer e simplificar as questões formuladas. Este estudo piloto constituiu-se de busca de

informações preenchendo-se o instrumento de coleta de dados no arquivo da GESAS, onde se

encontra o banco dos prontuários de servidores afastados em LTS. Os prontuários estão dispostos

em ordem alfabética, sendo escolhidos aleatoriamente aqueles com patologias de transtornos

mentais e comportamentais e do sistema osteomuscular, contemplando-se na amostra todas as

letras do alfabeto.
Para a observação do fenômeno (saúde/trabalho) utilizou-se esse protocolo (adaptado do

checklist da CID 10), bem como foram observadas as variáveis que o compõe. Registrou-se todos

os detalhamentos sobre saúde e trabalho constantes nos prontuários dos participantes. A

observação foi estruturada, com a elaboração de Protocolo para cada um dos participantes da

pesquisa, com base nos instrumentos referidos anteriormente, sendo realizado teste prévio (piloto

em 10 prontuários), com vistas a implementar as adequações necessárias (retirada, acréscimo ou

ajustes na semântica dos tópicos a serem coletados). Em seguida, durante quatro meses, os 300

prontuários foram estudados, sendo registrados nesse Protocolo próprio os dados dos

participantes. Ato contínuo, foi elaborado um glossário de termos (apêndice 4) dos termos

técnicos inerentes a pesquisa, para segurança da compreensão do fenômeno estudado.

O Protocolo foi construído tomando por base além do checklist, a decomposição de

variáveis que constituem o objeto de estudo, qual seja, a relação entre o adoecimento psicológico

e as características do trabalho no serviço público estadual. Com base na literatura disponível

foram identificadas três macro-variáveis (Perfil demográfico e ocupacional, Adoecimento

psicológico, Posto de trabalho).

Para cada variável foi realizado um processo de decomposição ou detalhamento, até serem

obtidas unidades de análise que correspondessem aos níveis de mensuração adequados à natureza

da variável, conforme descrito no Apêndice 1:

- Perfil demográfico e ocupacional: sexo, estado civil, escolaridade, cargo que ocupa, tempo de

serviço, renda familiar;

- Adoecimento psicológico: licenças de tratamento de saúde - características dos TMC e

comorbidades, queixas referidas pelos trabalhadores ou indicações clínicas, tempo de licenças de

tratamento de saúde concedidas, tipos de TMC (incidência e prevalência), número de casos de

invalidez temporária ou permanente de acordo com a CID-10, registros de internações em

nosocômios, realização de tratamento psicológico ou psicoterápico, uso de psicofármacos, etc.;


- Posto de trabalho: dados referentes ao trabalho dos servidores públicos estaduais. Condições,

organização e relações sociais de trabalho - levantamento dos registros nos prontuários, do ponto

de vista do perito que analisou o servidor ou do depoimento do servidor público, relacionamentos,

comunicação, informações, processos cognitivos (atenção, memória, tomada de decisão), carga de

trabalho (tarefas prescritas e atividades realizadas), estilo de vida (fumo, ingesta de bebida

alcoólica, prática de exercício físico, horas de sono, alimentação, administração do estresse).

Em data e horário previamente agendados foram estudados os prontuários elencados,

preenchendo-se Protocolo adaptado do checklist. O tempo previsto para a coleta de dados

necessitou ser ampliado (quatro meses) em virtude da quantidade de informações encontradas nos

prontuários, exigindo avaliação criteriosa, estudo de cada participante, das cópias de exames

anexados, pareceres formulados pelos peritos acerca dos processos clínicos caracterizados.

Conforme mencionado anteriormente o integrante dos quadros de pessoal dessas

organizações e que, por motivo de adoecimento, afastou-se têm arquivado em local próprio na

GESAS, identificação do servidor, seu histórico, dados do seu local de trabalho, e informações do

adoecimento, durante sua vida funcional. As informações colhidas dos participantes no estudo dos

prontuários foram sigilosas, nenhum deles foi identificado, nem mesmo o local de seu trabalho.

Alguns desses participantes não teriam condições de compreender o espírito científico da pesquisa

em virtude do seu grau de comprometimento mental (alienação, esquizofrenia, depressão).

Após a realização da pesquisa documental, providenciou-se a organização dos dados e

resultados: foram elaboradas tabelas, figuras, quadros, gráficos e as medidas da estatística

descritiva. Após o levantamento dos dados, os mesmos foram comparados com dados

epidemiológicos e clínicos oriundos de pesquisas em saúde do trabalhador, tanto em âmbito

nacional, quanto internacional. Dos 300 Protocolos preenchidos foram necessárias buscas de

outras informações no SIRH, ou mesmo no posto de trabalho, ou com o perito que avaliou o

servidor (paciente) para dirimir algumas dúvidas e esclarecer a relação saúde e trabalho. Ainda foi
necessário buscar informações relevantes na literatura para a compreensão do fenômeno estudado.

O fluxo do procedimento metodológico para caracterizar a relação saúde e trabalho está ilustrado

na Figura 5.2.

Ética na pesquisa com seres humanos

A pesquisa observou o que prescreve a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de

Saúde (CNS), que cria parâmetros éticos para as pesquisas na área da saúde. Essa Resolução

define que a pesquisa com seres humanos que o envolva direta ou indiretamente, precisa observar

rigorosamente os pressupostos da ética (sigilo, respeito). Cumpridas as exigências éticas foram

procedidos o preenchimento dos Protocolos (adaptação do checklist). Os Protocolos preenchidos

foram arquivados em pastas próprias e, paralelamente, compilados e tratada as informações. A

pesquisa foi aprovada previamente pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC.


87

3.6 Fluxograma dos procedimentos para pesquisar os TMC/DME e características do

trabalho de servidores públicos estaduais

O fluxo do procedimento metodológico que foi adotado para caracterizar TMC/DME e

características do trabalho de servidores públicos estaduais está ilustrado na Figura 5.2, com

destaque para os campos preenchidos, aspectos efetivos da realização da pesquisa.

3.7 Tratamento e análise de dados

Os dados foram organizados, tabulados e tratados, por meio do Software Statistical

Package for Social Scienses (SPSS), versão 11.0, para compilação e análise dos dados. Esse

programa foi escolhido a fim de permitir uma análise estatística dos dados coletados nos

prontuários, relacionando-os com o conjunto do estado da arte pesquisado. Os resultados do

trabalho indicam um conjunto de interpretações sobre as relações entre TMC/comorbidades e as

características do trabalho de servidores públicos estaduais.

O roteiro – Protocolo de coleta de dados foi elaborado também em categorias, baseado no

checklist da OMS e evidenciou as características dos registros típicos de TMC/comorbidades nos

prontuários dos servidores. Foi criado um banco de dados com 300 linhas e 40 colunas para serem

preenchidas de acordo com as informações de cada um dos 300 Protocolos. A partir dessa matriz

foi realizada a análise de critiva do conjunto de informações. Os dados foram tratados por meio

de estatística descritiva simples (frequência) e associação entre variáveis definidas no estudo.


3.8 Continuidade dos estudos

Está prevista uma continuação deste estudo em que será aplicado um questionário on line

para todos os servidores do Poder Executivo Estadual. A partir de 2005 foram preparados os

instrumentos da pesquisa, para, em 2006, iniciar a pesquisa propriamente dita. Todos os

servidores do Poder Executivo serão motivados durante 2006 e terão à sua disposição um

questionário on line (Apêndice 3) sobre saúde e trabalho, para responderem no link das

Secretarias do Governo do Estado, visando-se, na medida do possível, obter outras informações

das relações de saúde e trabalho no serviço público estadual.

Nesse instrumento de coleta de dados on line será observado graus de riscos para o

aparecimento de TMC ou DME no servidor público pertencente ao Poder Executivo, bem como

dados de promoção de saúde e qualidade de vida. Trata-se de um questionário elaborado de

acordo com as variáveis do fenômeno investigado (apêndice 1), verificando-se adoecimento,

trabalho e saúde. O principal objetivo é ampliar a visibilidade do fenômeno/aprofundar o

conhecimento dos fatores de risco psicossocial do contexto do trabalho, que implicações geram na

saúde psicológica dos servidores públicos de todo o Poder Executivo e qual a percepção dos

trabalhadores a esse respeito.

O questionário a ser disponibilizado on line a todos os servidores do Poder Executivo

objetiva, em síntese, a obtenção de dados acerca das características da relação saúde e trabalho.

Este questionário foi adaptado de questionários já validados, tais como, questionário do

Ministério do Planejamento do Brasil (2005) e do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

(2001). Esses questionários objetivaram avaliar a saúde dos trabalhadores do serviço público

federal e estadual, respectivamente. A partir da revisão da literatura, também foram obtidos outros

subsídios: do questionário aplicado por Ferreira e Mendes (2003) aos auditores fiscais da
Previdência Social Brasileira; da enquete de Karasek (1979, 1990, 1998) referente a um modelo

demanda-controle; do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares como medida de

morbidade (validado em 1999, em uma instituição bancária estatal em Brasília). Também foram

utilizadas como parâmetros as NR17, NTP 451.

Na continuidade da pesquisa serão realizados contatos com os Setoriais de Recursos

Humanos, em cada local de trabalho com vistas à interpretação dos objetivos da pesquisa on line,

conforme agenda prévia, com a finalidade de sensibilização e motivação para o trabalho do

pesquisador. O servidor participante deste estudo, durante os anos de 2006, manifestará a sua

anuência por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme menciona a

Resolução nº 196/96 do CNS, bem como sua opinião sobre saúde e trabalho no serviço público

estadual.

Nessa etapa ampliada, o questionário será disponibilizado via on line aos servidores da

SEA, SSP, SED, SES e demais Secretarias e órgãos do Poder Executivo. Essa etapa deverá ser

realizada em 2006, com vistas a criação de um banco de dados, bem como buscando ampliar os

conhecimentos referentes aos postos de trabalho no serviço público (a saúde dos servidores, as

condições, a organização e as relações sociais de trabalho). O banco de dados será compilado em

2007 e os resultados disponibilizados aos servidores nos links da internet das Secretarias de

Estado.
CAPITULO IV – RESULTADOS E DISCUSSÃO

Conforme ressaltando anteriormente, os TMC têm origem multifatorial, sendo o seu

aparecimento influenciado por aspectos físicos, mentais, sociais, ambientais, do trabalho, da

família e do lazer. A pesquisa documental foi realizada em 300 (trezentos) prontuários de

servidores acometidos por TMC, vinculados as Secretarias de Estado da Saúde, Educação,

Segurança Pública e Administração, tendo como focos principais a evolução da patologia (TMC),

da sintomatologia, do diagnóstico, o quantitativo de dias de afastamento, a função exercida pelo

servidor, as anotações dos peritos que avaliaram a situação de saúde e a capacidade laborativa, os

laudos e exames de serviços externos anexados ao prontuário14, as queixas somáticas, psicológicas

e do trabalho, dentre os principais aspectos. Os resultados proporcionam observar algumas

evidências de que há a relação entre adoecimento psicológico e o trabalho de servidores públicos

4.1 Perfil Sócio-Demográfico

A Tabela 4 mostra as características do perfil demográfico dos servidores pesquisados:

idade, sexo, estado civil, nível de escolaridade.

O perfil demográfico dos participantes permite afirmar que predomina a faixa etária de 41

a 50 anos (50,7 %), sexo feminino (70%), casados (53,6%) e escolaridade com curso de nível

superior (47,7%), e destes com pós-graduação 16,3%. A exigência de escolaridade mínima é

prevista em concursos públicos. Para o servidor público do quadro efetivo do Poder Executivo é

facilitado pela política de Recursos Humanos o ingresso e a freqüência dos servidores em

qualquer nível de escolaridade. Em relação ao estado civil, Ferreira e Mendes (2003, p. 98)
“mostram a predominância de casados entre os Auditores Fiscais da Previdência Social (66%)”,

corroborando com os dados desta pesquisa.

França (1993) estudou o pequeno servidor público federal, o denominado Barnabé , por

representar mais de 80% do conjunto de profissionais de nível médio no Brasil, e que realizam em

diversos cargos, serviços de escritório e/ou atendimento ao público. Encontrou forte presença de

servidores com 2º grau completo (55%) e outros 25% já possuíam nível superior e aguardavam

reclassificação de seus cargos; 10% tinham o 1º grau e outro tanto era apenas alfabetizado. A

idade predominante de sua pesquisa revelou que a faixa etária era entre 30 e 60 anos, sendo

casados (50%), solteiros (35%), e viúvos e separados (15%), corroborando com dados desta

pesquisa16.
Os dados da pesquisa realizada por Ferreira e Mendes (2003, p. 98) em Auditores-Fiscais

da Previdência Social, quanto à idade, constatam distribuição majoritária na faixa etária de 41-50

(63%); “portanto, trata-se de um grupo mais susceptível aos desgastes físicos e psicológicos”.

Apontam que os quantitativos são expressivos nas faixas acima de 50 anos (16%) e 31-40 (14%),

corroborando com dados levantados nesta pesquisa. Quanto à formação universitária dos

Auditores Fiscais, os autores indicam resultados que mostram a graduação em dois subgrupos

com freqüências mais significativas: o primeiro com uma distribuição mais homogênea, com

destaque para ciências físicas e biológicas (20%), engenharia e arquitetura (18%), direito, história,

ciências sociais e relações internacionais (16%), administração (15%); o segundo grupo chama a

atenção pelo significativo contingente de Auditores-Fiscais que possuem cursos de pós-graduação

(23%). Nesta pesquisa os dados de servidores estaduais abrangem todos os níveis de escolaridade,

mas o destaque é para a formação superior e a pós-graduação.

Amazarray (2003, p. 49), em pesquisa em uma instituição pública federal, localizada na

região metropolitana de Porto Alegre, que congrega cerca de cinco mil servidores, detectou

“elevada escolaridade, compreendendo aqueles que possuem desde formação superior incompleta

até doutorado”, corroborando com os dados levantados nesta pesquisa sobre o perfil demográfico

e a freqüência dos servidores públicos aos Cursos de Pós-graduação.

De acordo com Batista (2005, p.106), o número de professores da Secretaria de Estado da

Educação de Santa Catarina que se afastaram no período compreendido entre 2003 e 2004 para

formação continuada correspondeu a 30 servidores para Cursos de Especialização e 138 para

Cursos de Mestrado (não informou os dados em percentuais). Conclui que existe acesso a esses

cursos nesta Secretaria, visando à formação continuada e a qualificação profissional. Ressalta,

entretanto, que, “embora os professores tenham o direito legal de solicitar afastamento para

aperfeiçoarem a sua formação inicial, as dificuldades de acesso aos cursos se materializam pela

falta de leituras, de tempo, já que a jornada em sala de aula é extensa (...)”.


Herman (2005) em sua pesquisa também com professores da Secretaria de Estado da

Educação detectou alto índice de escolaridade em cursos de nível superior, o que vem corroborar

com esta pesquisa; conclui-se que os servidores, de uma maneira geral, têm buscado a formação

continuada.

4.2 Perfil Ocupacional

A Tabela 5 demonstra a distribuição dos servidores de acordo com as características do

perfil ocupacional. Foram observadas as seguintes variáveis: cargo, função17, lotação, instituição,

tempo de serviço e duplo vínculo empregatício.

A Tabela 5 indica o cargo ocupado pelos servidores, com forte incidência de ocupações

de cargo de nível superior, (47.7%). A função desempenhada pelos servidores concentra-se na

área técnica (91.7%), denotando que a área administrativa funciona como apoio operacional, uma

espécie de retaguarda.

No aspecto referente a lotação dos servidores, prevalece à incidência de servidores na

área finalística, ou seja, no atendimento ao cidadão catarinense (80%). Com relação às profissões

de nível superior foi registrada nesta pesquisa a existência de: 121 servidores na categoria de

pedagogo/professor; 9 médicos; 8 advogados; 4 enfermeiros; psicólogo, administrador/analista de

sistemas e assistente social, 1 em cada um destes últimos.


França (1993) entrevistou 60% da categoria de agentes administrativos, cargo que

congrega uma pluralidade de funções e na qual estão classificados muitos dos servidores não-

universitários da União. Em seguida, refere à presença de assistente ou auxiliar administrativo,

auxiliar operacional de serviços diversos, além de técnico, “datilógrafo”, porteiro, segurança e

serviços gerais. Registra, ainda, casos de desvio de função e que é possível que a rotina de

trabalho que se repete durante anos, seja, de alguma forma, responsável pelo desinteresse e baixa

produtividade, ou que o tempo de serviço é um dado importante para a compreensão do perfil

ocupacional do servidor. Alega que não foi possível estabelecer correlação entre tempo de serviço

e produtividade. O conjunto desses fatores é congruente com a pesquisa realizada, ainda que, não

seja possível estabelecer uma correlação direta, tal como na pesquisa de França.

Na variável tempo de serviço, Ferreira e Mendes (2003) mostram distribuição

heterogênea como resultado da pesquisa em Auditores-Fiscais, com destaque para um contingente

mais expressivo na faixa de 6-10 anos como auditor (33%), seguido por faixas de 16-20 anos e até

5 anos, ambas com 21% cada, e a faixa de 11-15 (18%), com escores também significativos e
relativamente próximos. Esses dados não vêm ao encontro da realidade desta pesquisa, pois a

maioria dos pesquisados (47.3%) possui de 21 a 35 anos ou mais de tempo de serviço.

No que se refere ao percentual de afastamento por instituição, as Secretarias de

Educação (44,3%) e Saúde (42,7%) se destacam pelos índices de LTS dos servidores por TMC, e

as características clínicas dessas licenças são doenças como depressão, estresse18, fobias,

dependência química e outras doenças associadas (comorbidade). Os servidores das Secretarias de

Saúde e Segurança Pública realizam parte de suas atividades em sistema de “plantões” que variam

de 12 horas de jornada de trabalho e 24 horas de folga (12 x 24 horas, ou 12 x 48, ou 24 x 72), ou

mesmo de “sobre aviso” (quando o servidor não cumpre diretamente o expediente, porém fica no

aguardo de um chamado dos trabalhadores de plantão para prestar alguma atividade necessária em

seu local de trabalho). Nos registros dos prontuários de servidores constam reclamações de

atividades estressantes e jornadas extenuantes de trabalho nos postos de Unidades de Terapia

Intensiva (SES), em plantões policiais e em ‘Centros Educacionais de Atendimento a

Adolescentes em Conflito com a Lei’ (autores de ato infracional). As Secretarias de Estado da

Saúde e da Segurança Pública são as que realizam plantões em alguns de seus postos de trabalho;

nesta pesquisa 117 servidores atuam profissionalmente em rodízios de plantões, correspondendo a

39% da amostra pesquisada.


Segundo Knauth (2001) e Monk (2001), o organismo do ser humano funciona em ritmos

circadianos que controlam os seus sinais vitais. O trabalho por turnos afeta esses ritmos

prejudicando a saúde do trabalhador, trazendo transtornos ao sono e à qualidade de vida. Os

ritmos circadianos19 regulam o funcionamento do organismo. Durante o plantão há necessidade do

servidor ficar desperto no trabalho; quando possível, precisa repor o sono da noite que foi

perdido, o que por vezes gera dificuldades na composição das horas necessárias para o descanso

do organismo.

Há que se destacar que, em geral, o quadro clínico de TMC verificado nos prontuários

trouxe consigo registros de transtornos de sono (insônia ou sono em demasia). Nos prontuários

(79%) constam registradas dificuldades associadas ao ciclo de sono-vigília nos servidores das

Secretarias de Estado da Saúde e da Segurança Pública, que realizam plantões e sobreaviso para o

atendimento à população. Esses plantões ocasionam transtornos no relógio biológico dos

trabalhadores, além de induzir cargas de trabalho e riscos. O trabalhador ao mudar o ciclo sono-

vigília em decorrência do trabalho noturno, induz uma dificuldade de sincronização interna dos

ritmos biológicos e circadianos, bem como favorece conflitos de ordem social (Regis Filho e Sell,

2000). Esse conflito também está relacionado à vida fora do trabalho e traz alterações à

convivência familiar e social. O grau de atenção no posto de trabalho induz conflito no servidor e

muda sua relação com o trabalho.

Sell (1999) esclarece que o trabalho em turnos e especialmente o trabalho noturno

perturbam as funções fisiológicas e psíquicas, gerando uma desordem temporal no organismo

(perturbações no bem-estar físico, psíquico e social) e são considerados fatores de risco para o

trabalhador, favorecendo a ocorrência de doenças, comprovadas estatisticamente. Destaca que a

síndrome da má-adaptação ao trabalho em turnos e noturno, “engloba um conjunto de sintomas


agudos como insônia, sonolência no trabalho, mal-estar, perturbações do humor, mais erros e

acidentes, problemas de relacionamento na família e fora dela, e sintomas crônicos como doenças

gastrintestinais, doenças cardiovasculares, desordens do sono, depressão, fadiga, absenteísmo,

ansiedade, abuso de medicamentos, divórcio” (p.86).

Nos registros e depoimentos contidos no prontuário de AJC, 47 anos, casado, ensino

médio completo, comissário de polícia, 21 anos de tempo de serviço e realiza plantões de 24x48

horas, ficou evidenciado problemas com o turno de trabalho:

Após avaliação psicológica do policial realizada por psicólogos da organização C foi


constatado quadro de estresse, proveniente principalmente do posto de trabalho.
Apresenta quadro depressivo com sintomas de irritabilidade e de baixa resistência a
frustração. Devido sua vulnerabilidade foi encaminhado ao chefe da polícia civil o
parecer psicológico com objetivo de recolhimento de sua arma, com a concordância
do mesmo. A esposa revelou que escondeu a arma do marido (policial) por precaução,
pois houve episódios de tentativa de suicídio. O servidor no momento da avaliação
psicológica apresentava quadro de extrema ansiedade e com depressão devido à sua
transferência de lotação do posto de trabalho X, para o posto Y, mesmo estando em
LTS. Em uso de Anafranil e Lexotan. Apresenta distúrbios do sono e de alimentação
(sem apetite). Não consegue se fixar em qualquer posto, criando conflitos e
dificuldades de relacionamento com colegas e chefias. Histórico da CID-10: F 43.8; F
32.1; F 33.2; F 60. Registros no prontuário em 2003 e 2004.

A intensificação da jornada de trabalho (plantões, sobreaviso) representa aumento da carga

e da fadiga ou exaustão. As cargas de trabalho são produtos da capacidade do trabalhador em

responder as exigências do trabalho e a controlar os efeitos decorrentes (Cruz, 2001). O aumento

da carga de trabalho pode trazer algumas conseqüências ao trabalhador, tais como: estresse, fadiga

e insônia.

Conforme Grandjean (1998), a palavra fadiga tem uma multiplicidade de usos, mas o autor

elabora uma distinção entre fadiga muscular e fadiga generalizada. Na fadiga muscular ocorre um

acontecimento agudo, doloroso, que o atingido sente sua musculatura sobrecarregada de forma

localizada. Na fadiga generalizada a sensação é difusa, acompanhada de indolência e falta de

motivação para qualquer atividade. A literatura indica distintas formas de fadiga, tais como:

visual, corporal, mental, crônica, a fadiga circadiana ou nictemérica, gerada pelo ritmo biológico

do ciclo de dia - noite, que se instala periodicamente e conduz ao sono. No que se refere ao tempo
de serviço, (Tabela 5) destacam-se os servidores com mais idade, perfazendo um total de 47.3%.

Estudo de Wisner (1994, p.24) aborda a imagem tradicional de processos de envelhecimento

considerando “um aumento da capacidade durante a juventude, seguida de uma longa estabilidade

durante a idade adulta e depois de um declínio a partir dos sessenta anos”.

Com o passar dos anos: - há redução do número e do valor funcional das células muito

especializadas e não suscetíveis de divisão (células do sistema nervoso, os neurônios); - há

enrijecimento progressivo das proteínas estruturais do colágeno, favorecendo o aumento da

rigidez articular, enrijecimento das paredes vasculares e a hipertensão arterial; - há limitação do

número das divisões possíveis das células não especializadas (dificuldade na cicatrização de

feridas); e, - há o esgotamento das defesas imunológicas (favorecendo o surgimento de cânceres).

O fenômeno envelhecimento traz consigo um aumento da probabilidade de redução das

capacidades, varia de um para outro indivíduo, mas, a idade por si só, não é um meio seguro de

predição da capacidade. Contudo, pode-se inferir que o final de carreira do servidor estadual tem

uma representação social de que trazem limitação de capacidade, fragilidade e propensão ao

adoecimento.

No entanto, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgados

pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2005) mostram que o percentual de

pessoas com 60 anos ou mais de idade passou de 6.4%, em 1981, para 9.8% em 2004. O aumento

da expectativa de vida do brasileiro ao nascer atingiu a marca de 71.7 anos20.

O duplo vínculo empregatício (Tabela 5) tem índice registrado de 8.6% de servidores, ou

seja, o acúmulo de função remunerada pode significar a necessidade de aumentar a renda familiar,

ou mesmo manter o status. Esse acúmulo de vínculos trabalhistas contribui para o desgaste nos

profissionais, considerando-se o aumento das exigências de trabalho. Entretanto, há registro


significativo de dedicação exclusiva ao serviço público, pois 91.4% têm esse como único

vínculo empregatício.

4.3. Características dos dados clínicos e do processo de adoecimento

A Tabela 6 refere às características do processo de adoecimento em servidores públicos

estaduais de Santa Catarina, de acordo com as LTS concedidas no período de 2001-2005, em que

estão destacados dados de: comorbidade, índice de afastamento, medicação, tipo e uso de

substância psicoativa e estressores psicossociais.

Os dados da Tabela 4 correlacionados com os dados da Tabela 6 indicam que o

adoecimento de forma geral e os TMC estão ocorrendo em servidores de média idade (41-50

anos), ou de forma precoce. Neste aspecto, as pesquisas realizadas e/ou em andamento no serviço

público estadual, citadas nesta dissertação, vêm demonstrando a incidência de adoecimento de

servidores.

Silva (2004) pesquisou sobre afastamentos de servidores para tratamento de saúde nas

Secretarias de Estado da Administração e da Fazenda vinculadas ao Poder Executivo de Santa

Catarina, no período de 1993 a 2003, concluiu pela prevalência dos TMC, seguidos das doenças

do sistema osteomuscular, indicando a possibilidade da existência de um círculo vicioso. A autora

sugeriu uma possibilidade de prevenção do estresse com exercícios de biopsicologia (respiração,

alongamento, concentração, controle da ansiedade, espiritualidade) por meio de uma Organização

Não Governamental com o objetivo de formar redes humanas, que atuem como comunidades

integradas no ambiente de trabalho.


Herman (2005) estudou o adoecimento dos professores da Secretaria de Estado da

Educação e a concessão do beneficio da readaptação21 (função possível a ser realizada pelo

professor em virtude da limitação funcional); concluiu que os TMC e a exaustão emocional

(burnout) são os que mais afastam os docentes da sua função de origem. Existem fatores que

propiciam a manutenção da vida pelo trabalho e geram desgaste emocional relacionado à natureza

do trabalho do professor e o contexto em que exerce suas atividades.

Silva e cols. (2005) realizaram pesquisa denominada “intervenções institucionais no

gerenciamento do estresse em servidores da Secretaria de Estado da Segurança Pública de Santa

Catarina”. Esta pesquisa é uma parceria da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com

um grupo de psicólogas da Academia de Polícia de Santa Catarina (ACADEPOL). A pesquisa

ainda não se encontra publicada, seu principal objetivo foi “identificar e analisar os processos de

intervenções realizadas pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa do Cidadão do Estado de

Santa Catarina e seus órgãos subordinados junto ao servidor considerado com problemas de

saúde, dando ênfase àqueles ligados ao estresse no período de 2000 a 2005.”


Tabela 6 Distribuição das características que definem o processo de adoecimento de acordo com a LTS 2001-2005 (N=300)
Esses trabalhos retratam a forte preocupação desses profissionais da saúde mental do

Estado com as repercussões do trabalho, sobretudo do estresse em servidores da Segurança

Pública. Os dados levantados por Silva (2004), Herman (2005), bem como o Grupo de psicólogas

da ACADEPOL (Silva e cols., 2005) corroboram com o que foi encontrado nesta pesquisa. Os
TMC interferem na qualidade de vida e podem agravar ou provocar o aparecimento de outros

quadros clínicos.

No aspecto comorbidade (Tabela 6), 39.3% dos servidores desta pesquisa não apresentam

grupo de patologias associadas, outros 39% registram incidência de doenças como CA, doenças

do coração, diabetes, exceto patologias do sistema osteomuscular; 13.3% apresentam outras

patologias, inclusive DME/DORT/LER; e 8.3% apresentam DME associados aos TMC.

O relato da servidora IE (contido no seu prontuário) ao Serviço Social refere uma situação

de comorbidade:

Agente de Atividades de Saúde (SES), 43 anos de idade, separada, 3 filhos (14, 17 e


20 anos), 20 anos de tempo de serviço. Trabalha no Setor de Emergência, no Hospital
B, em plantões (12x48 horas), em atividades tais como: digitar medicações prescritas
aos pacientes internados naquele nosocômio; pegar as prescrições médicas dos
prontuários, preparar e separar os medicamentos nas ‘cestas’ dos pacientes, etc.
Sente-se irritada, com prejuízo mnemônico, apática, com vontade de morrer, com
insônia. Refere problemas ortopédicos e psiquiátricos associados. Está com depressão
(sic), em uso de Fluoxetina e Tryptanol; acha que esses medicamentos não estão
fazendo efeito. Refere dores articulares generalizadas (fibromialgia?) e dor na lombar.
Chora copiosamente durante a entrevista. Para os problemas ortopédicos usa
Tandrilax e outros 2 medicamentos que não lembra o nome. Faz fisioterapia. Refere
que tem pensamentos fixos e teme ficar doente mental como uma tia, que já se
internou diversas vezes. Pensa em pedir demissão, acha que não tem capacidade de
retornar ao trabalho. Orientada sobre o quadro clínico de depressão (fornecido
material informativo); sugerido o acompanhamento com médico psiquiatra e
realização de psicoterapia. Orientada sobre o benefício da readaptação e solicitado
Relatório do Local de Trabalho. Realizado contato telefônico com a filha N (17 anos),
a fim de obter a participação mais efetiva da mesma no tratamento da servidora.
Favorável a readaptação (Data da avaliação: 21-11-05).

Ferreira e Mendes (2003, p.67 e 68) em sua pesquisa com Auditores-Fiscais da

Previdência Social consideram como indicadores de sintomas de DME/DORT/LER “dores nos

membros superiores, inferiores e nas costas, formigamento nos membros superiores, sensações de

desconforto postural”. No que se refere à vivência depressiva os autores conceituam como “um

conjunto de sentimentos relacionados às experiências negativas com o trabalho, tais como

indignidade, inutilidade e desqualificação22”. Os dados coletados pelos autores (sintomas de


DME/DORT/LER e de vivência depressiva) vêm ao encontro da realidade constatada nos

servidores públicos estaduais.

Cruz (2004, p. 242) faz reflexões acerca das características individuais, da organização e

do processo de trabalho com a ocorrência de distúrbio músculo esquelético e estresse, bem como

cargas físicas e fatores psicossociais do trabalho. Esses componentes associados geram sintomas

crônicos, absenteísmo, licenças de saúde, incapacidades físicas, uso de analgésicos e

antidepressivos. Destaca que “o diagnóstico dos distúrbios músculo esqueléticos tem-se mostrado

epidemicamente associado ao aumento do estresse ocupacional e das recidivas (aumento do risco

de recorrência da lesão) e, ao mesmo tempo, à redução do controle individual sobre o

dimensionamento do trabalho (...)”. Nesta pesquisa há fortes indícios da relação entre os DME, o

estresse e o aparecimento de TMC.

Quanto ao índice de afastamento no período de 2001 a 2005 é possível destacar na

Tabela 6 que prevaleceu o percentual de 39.7%, ou seja, de um a seis meses (31 a 180 dias) de

absenteísmo por adoecimento (TMC). No Poder Executivo de Santa Catarina não são conhecidos

dados sobre o absenteísmo por outras causas não ocupacionais, somente por adoecimento.

Com relação ao estresse pós-traumático provindo das condições sócio-econômicas, o

servidor AFC relata ao médico perito sua dificuldade:

O paciente é professor, tem 52 anos de idade e 28 anos de tempo de serviço, casado,


curso superior, apresenta quadro de estresse, ansiedade e depressão em virtude de
ameaça de morte por parte de traficantes inseridos em sua escola. Apresenta-se
ansioso e preocupado, refere exacerbação de quadro de psoríase (...). Usufruiu LTS
em 2004, quinze dias. Histórico da CID-10: F 32.9 e F 41.1.

Outra informação relevante observada na pesquisa dos prontuários é de que os tratamentos

para depressão e estresse são lentos, haja vista o tempo de afastamento em LTS, podendo levar

em média dois anos, dependendo do grau, da gravidade e da complexidade da patologia, e a

relação com os dados de comorbidade. Nos casos em que houve recidiva de TMC, a tendência foi

do quadro clínico ficar mais grave e, em certos casos, conduziu o paciente a aposentadoria por
invalidez. Os TMC são difíceis de mensurar (doença invisível), de estabelecer sua gravidade; não

há exame clínico que assegure o quadro exato em que se encontra o paciente.

A situação do servidor AD, registrada em seu prontuário, denotam um caso LTS

continuada, conduzindo à aposentadoria por invalidez em junho de 2003.

Comissário de polícia, 56 anos de idade, casado, escolaridade compatível com nível


de ensino médio, 35 anos de tempo de serviço, 40 horas semanais de trabalho, em
LTS ininterrupta desde outubro de 2000. Consta registrado no prontuário desse
servidor uma internação no Instituto de Psiquiatria, não apresenta sintomatologia de
alienação mental. Refere queixas de desânimo, apatia, déficit de memória e
concentração, desmotivação. Tendência ao isolamento. Diagnóstico: transtorno
afetivo bipolar. Uso de Carbolitium e Verotina. Histórico da CID-10: F 31.3; F 31.7;
F 31.9.

No serviço público as LTS continuadas, via de regra, conduzem a concessão da

aposentadoria por invalidez. O absenteísmo é um fator que tem forte relação com a doença

ocupacional, mas há outro fator a ser destacado que é o presenteísmo. Na literatura de saúde e

trabalho ocorre também o presenteísmo, que é o fato de trabalhar, mesmo estando doente. No

Capítulo I, o Quadro I Tabela 3 destaca um estudo numa Escola Pública da Suécia, em que o

professor está entre os profissionais que apresentam forte risco de presenteísmo por doença.

Dados dos atendimentos registrados na GESAS (2005) demonstram que o presenteísmo tem certa

ocorrência entre os professores, considerando que trabalham doentes para receberem o auxílio

denominado ‘vale-refeição’; esse valor faz parte do orçamento familiar.

No período 2001-2005, houve prevalência do uso de psicofármacos associados (55.3%),

sendo seguido por de uso de antidepressivo (20.7%). Há necessidade da realização de outras

pesquisas clínicas para se compreender e avaliar a utilização de medicação associada nesta

população, seja seus efeitos no organismo, sobretudo no cérebro e também no comportamento do

paciente. Sobre a medicação adotada pelos participantes da pesquisa são desconhecidos os efeitos

colaterais da associação dos psicofármacos e suas conseqüências específicas. Na população

estudada também não foi registrado o uso de fitoterápicos já tradicionalmente conhecidos


(Passiflorine, por exemplo) para casos de distúrbios emocionais leves (ansiedade). Segundo

Holmes (2001), o uso de psicofármacos aliado com psicoterapia revelou que essa combinação foi

mais eficaz para reduzir recaída em depressão.

No aspecto referente ao uso de substância psicoativa, o destaque é para o uso do álcool23,

cocaína e maconha, com registros de 6.9% na população estudada. Os dados sobre o uso dessas

substâncias são de pequena incidência, mas requerem outros levantamentos no contexto do

trabalho de Santa Catarina, a fim de que sejam estabelecidos confrontos de dados com o universo

de servidores públicos estaduais e de estabelecer comparações com os servidores federais, bem

como com os dados da Organização Pan Americana de Saúde (OPAS). A utilização de outras

substâncias psicoativas como merla, solventes, inalantes, alucinógenos sintéticos ou naturais,

opiáceos ou opióides, não foram registradas nos participantes desta pesquisa.

McCrady (1999), em seu estudo sobre o alcoolismo, bem como o uso de outras substâncias

psicoativas, destaca que têm sido empreendidos esforços em muitas organizações para uma

abordagem reabilitadora aos usuários de álcool. Para ser diagnosticado como dependente de

álcool, a pessoa deve preencher pelo menos três de nove critérios que se relacionam com a perda

de controle, tolerância física e abstinência, interferência do álcool no desempenho e uso de álcool

em ocasiões perigosas ou arriscadas. Os problemas com o uso de substâncias psicoativas são

provenientes de múltiplas etiologias, como os determinantes genéticos, psicológicos e ambientais,

contribuindo em diferentes graus para cada pessoa. A autora classifica a dependência do álcool e

de outras substâncias psicoativas como leve, moderada ou grave, sendo o dependente considerado

em remissão parcial ou completa. Destaca a comorbidade dos transtornos relacionados ao uso de


álcool associado a outros diagnósticos psiquiátricos, demonstrando que os abusadores ou

dependentes do álcool também sofrem de outros problemas psicológicos.

Ferreira e Mendes (2003, p.136) destacam que “o item referente ao consumo de álcool foi

avaliado abaixo da média. Isto é um indicador positivo no campo da saúde dos Auditores Fiscais

da Previdência Social (...), mas carecem de aprofundamento por meio de novos estudos”. O uso

de álcool é negado ou não observado como um problema, subentendem como o seu consumo em

caráter social. Baumer (2004) em sua pesquisa sobre fatores de risco associados ao abuso e

dependência de substâncias psicoativas no contexto do trabalho destaca que o uso do álcool nos

seus participantes (N= 125 participantes em Santa Catarina) foi de 95.2%, seguida pelo cigarro

(85%), substâncias legalizadas e facilmente obtidas no mercado formal no Brasil. Ressalta ainda

que, dentre os pesquisados, 65.6% utilizava cocaína e 62.4% maconha, em abstinência no

momento da pesquisa, com exceção do cigarro, pois todos os centros de tratamento onde foi

realizado o estudo “liberam” o fumo para os pacientes.

As pesquisas e estudos desses autores (McCrady, 1999; Ferreira e Mendes, 2003; Baumer,

2004) vêm corroborar de certa forma com os dados encontrados nesta pesquisa de prontuários de

servidores públicos estaduais. O uso de bebida alcoólica foi registrado em uma pequena parcela

dos servidores estaduais estudados, sendo considerado de baixa incidência o uso de álcool, mas

com estreita relação com os TMC de maneira geral.

Os registros de estressores psicossociais correspondem a 38.2 % do total (300) de

prontuários de servidores estaduais pesquisados. Definidas as categorias de estressores

psicossociais, de acordo com os prontuários estudados, prevaleceu a ocorrência de fatores

relativos ao luto, relacionamento amoroso, problemas familiares e conjugais (21.3 %), seguidos

por dificuldades no trabalho/carga/incapacidade (6.3%). Estressor psicossocial não informado

foi detectado em 61.6 dos sujeitos da pesquisa.


Registros de estressores psicossociais no ambiente de trabalho são definidos teoricamente

por Grandjean (1998) como sobrecarga. Assim, é possível aduzir que o desgaste físico e

psicológico relacionado por esses estressores tende a interferir na produtividade e na qualidade do

trabalho dos servidores públicos. O relato de estresse ou cansaço em função do trabalho foi

registrado nos prontuários de servidores públicos estaduais de Santa Catarina.

As sobrecargas no ambiente de trabalho são evidenciadas por Grandjean (1998), que

tipifica as condições geradoras de estresse: grau de participação do trabalhador no processo do

trabalho; apoio e reconhecimento dos superiores diminuem a predisposição ao estresse; atenção,

carga e conteúdo do trabalho; segurança no emprego; a responsabilidade pela vida e pelo bem-

estar dos outros (exemplo da pesquisa que envolve as profissões do cuidar: saúde, segurança e

educação); ambiente físico inadequado (ruído, luminosidade, espaço, clima); grau de

complexidade do trabalho (monotonia, sobrecarga).

Fugiria dos limites deste estudo analisar detidamente a carga e a sobrecarga do trabalho,

pois a pesquisa realizada foi documental; a carga e a sobrecarga estão associadas às

especificidades do trabalho, foram observadas empiricamente sem, no entanto, medi-las (Figura

6). O estresse é a manifestação da sobrecarga e são diversos os agentes que o provocam. Segundo

Oliveira (2002), de acordo com as pesquisas já desenvolvidas são os mais freqüentes agentes

estressores: tarefas repetitivas, trabalho monótono ou parcelado; sobrecarga qualitativa ou

quantitativa de trabalho; trabalho por turnos de revezamento; trabalho com exposição a riscos;

esperanças frustradas sobre salários ou gratificações; chefes intermediários sem experiência; falta

de apoio da chefia; dentre outros.


A carga de trabalho reúne variáveis que concorrem à saúde ou ao adoecimento do

trabalhador. Está relacionada, de um lado, as exigências físicas, psicológicas e sociais, e de outro

as competências para desenvolvê-las, conforme demonstra a Figura 6.

Nas organizações desta pesquisa destacam-se algumas especificidades do trabalho e que

estão relacionados a carga e a sobrecarga das tarefas; são aspectos vinculados à sua natureza e

conteúdo:

- na Saúde: o trabalho é realizado em turnos; pressão do tempo, há elevada

responsabilidade em salvar vidas humanas, há riscos de contaminação bacteriológica/vírus;

- na Segurança Pública: a natureza da tarefa envolve violência, riscos para a própria vida

ou integridade física;

- na Educação: exige permanente e intenso autocontrole emocional do professor, desgaste

na execução da tarefa, jornadas prolongadas, atenção com o manejo e a disciplina dos alunos,

enfim a missão de formar pessoas (crianças e adolescentes, ensino médio e fundamental) e;

- na Administração: postos de trabalho com características de burocracia, trabalho

repetitivo e monótono.

De acordo com Selligmann-Silva (1994, p.616) “o exame das inter-relações entre

trabalho/esfera mental evidentemente não pode deixar de lado o indivíduo, sua personalidade e a

singularidade de seu histórico pessoal de vida e trabalho”. Assim sendo, a tarefa (trabalho

prescrito) e a atividade (trabalho real) requerem que sejam “investigadas, em cada situação
particular, a nível individual, para caracterizar os riscos “psi” e sua relação com o quadro clínico”,

o que corrobora com a presente pesquisa.

Segundo estudos de Barcelos e Jackson Filho (2005), o adoecimento dos trabalhadores do

setor público não se deve apenas às precárias condições físicas de trabalho, mas também em

atender os cidadãos de forma igual e justa, e sem os meios adequados para fazê-lo. Os servidores

públicos vivem sob forte pressão, entre o Estado e os cidadãos, isto é, tendo ou não condições de

trabalho (recursos humanos, materiais e financeiros no posto) a tarefa precisa ser executada.

O destaque observado nesta pesquisa foi nos locais em que os servidores estaduais estão

atuando na “linha de frente”, em Secretarias finalísticas como a Saúde, a Educação e a Segurança

Pública. As demandas para atender ao cidadão com qualidade são intensas e há pressão temporal

para a realização de certas tarefas, sob pena de cobrança da comunidade e do próprio poder

público.

França (1993), com base em uma abordagem sociológica, refere algumas contradições,

principalmente políticas, que permeiam o trabalho do servidor público brasileiro (o pequeno, o de

classe média, de escolaridade compatível com o ensino médio e fundamental, o chamado

Barnabé). O seu estudo propõe conhecer a consciência política dos servidores públicos civis

federais de nível médio. A consciência política é entendida como “uma das formas de expressão

da consciência social e tem sido objeto de várias análises sociológicas tratando principalmente da

burguesia e do proletariado” (p.15). A consciência social diz respeito a idéias, mentalidades,

formas de pensamento, crenças, superstições, sincretismos religiosos, estereótipos raciais. A

contribuição dessa pesquisa auxilia para ilustrar, em função de que é considerado um estudo

clássico dos servidores públicos federais.

4.4. Os TMC nos prontuários dos servidores estaduais


A Tabela 7 foi elaborada em categorias baseadas no checklist da OMS e evidencia as

características dos registros típicos de TMC nos prontuários dos servidores, de acordo com a

equipe técnica da GESAS.

Há proeminência dos registros dos transtornos de humor em 73 % de casos. Não existem

mecanismos institucionais de detecção precoce dos sintomas e o devido respaldo ao tratamento. A

perícia de saúde (GESAS) acaba por referendar ou não o atestado do médico assistente

(profissional da confiança do servidor). O atestado da médica assistente (psiquiatra, não vinculada


a GESAS) sobre a servidora CMG, 57 anos, casada, 4ª série do ensino fundamental, agente de

serviços gerais, servidora da zeladoria do Hospital Y (SES), tem 27 anos e 9 meses de tempo de

serviço, ilustra a situação de TMC a que está inserida a paciente:

Atesto para fins periciais que CMG é minha paciente, com quadro depressivo grave,
com sintomas psicóticos (F 33.3), piorado por quadro de dor intensa em mão D.
Tomando ansiolítico, antidepressivo e neurolépticos. Não deve sofrer qualquer tipo de
estresse com risco de piora do quadro e retorno aos sintomas psicóticos. Solicito
afastamento por 90 dias. Os dados contidos neste documento foram autorizados pela
paciente. 12-11-05
Histórico da CID-10: F 33.9; F 33.3 e F 41.2.

Com relação ao tratamento psiquiátrico regular, 45.6% participantes referem

acompanhamento médico especializado. O acompanhamento do paciente por um profissional de

saúde (médico psiquiatra e/ou psicólogo) evita o agravamento do quadro clínico e a conseqüente

internação hospitalar. De acordo com o diagnóstico, o tratamento com psicofármacos é eficiente,

seja preventivamente, ou quando no período de crises. Os psicofármacos (antidepressivos)

corrigem o metabolismo dos neurotransmissores, não sendo calmantes, e nem estimulantes e não

gerando dependência física.

Holmes (2001, p. 228) afirma que os tratamentos fisiológicos (com drogas) são efetivos

para depressões cujas causas são provenientes de problemas psicológicos internos (depressões

endógenas). A psicoterapia é positiva para depressões decorrentes de problemas psicológicos

externos (depressões exógenas) e uma combinação de drogas e psicoterapia pode ser mais eficaz

para superar a ampla gama de sintomas que se desenvolvem com a depressão e para prevenir a

recaída. “O problema é definir que tipo de depressão sofre o indivíduo (endógena ou exógena)”.

O autor assevera que há necessidade de conhecer o histórico familiar “(um marcador para

uma base genética ou bioquímica) e se o indivíduo experimentou um forte estresse antes da

depressão (sugerindo uma causa psicológica)”. Para os defensores da intervenção psicológica a


psicoterapia é tida como a mais indicada, por não apresentar os efeitos colaterais. Os defensores

da terapia com drogas acreditam que estas “deveriam ser tentadas primeiro porque se elas forem

eficazes, provavelmente funcionarão mais rápido que a psicoterapia, (...)”, bem como seu custo é

inferior da psicoterapia. Detectado um quadro de depressão ou estresse exacerbado, o tratamento

precisa ser definido junto do profissional de saúde habilitado para tal (psiquiatra ou psicólogo) e

envolve uma questão de filosofia e pragmática.

Segundo o Manual Merck (2005) existem disponíveis diferentes tipos de medicamentos –

antidepressivos, tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina, inibidores da

monoamino oxidase psicoestimulantes. Antes de realizarem o efeito desejado no organismo, eles

demoram algumas semanas. Os efeitos adversos variam de acordo com o tipo de medicamento.

As possibilidades de um antidepressivo específico ser eficaz no tratamento de um indivíduo são

de 65%. Os efeitos colaterais variam de acordo com o tipo de medicamento. Os antidepressivos

tricíclicos com freqüência causam sedação e acarretam alterações de peso, aumento da freqüência

cardíaca, queda da pressão arterial, boca seca, confusão mental, dentre outros.

Para Holmes (2001, p.229) há fortes evidências de que o tratamento do transtorno bipolar

com lítio é eficaz para a maioria dos indivíduos que sofrem deste transtorno. “O transtorno bipolar

parece originar-se de oscilações na quantidade de neurotransmissores liberada pelos neurônios

pré-sinápticos ou de oscilações na sensibilidade dos neurônios pós-sinápticos. O lítio

provavelmente reduz os sintomas, estabilizando os processos responsáveis pela liberação de

transmissor e sensibilidade do neurônio (...)”.

O tratamento com lítio é administrado nos transtornos de humor, sendo possível sua

avaliação periódica em exames laboratoriais. O lítio pode controlar a excitação dos pensamentos e

das atividades (Botto, 2005). Esse medicamento também pode apresentar efeitos adversos, como o

tremor, os espasmos musculares, a náusea, o vômito, a diarréia, a sede, a micção excessiva e o

ganho de peso. O lítio também pode piorar a acne ou a psoríase, causar queda nos níveis de
hormônio tireoidiano, ou produzir cefaléia persistente, confusão mental, sonolência, convulsões e

arritmias cardíacas. Esses efeitos colaterais são mais prováveis em indivíduos idosos. Manual

Merck, (2005).

De forma geral, nesta pesquisa, o uso de medicamentos24 psiquiátricos foi prescrito pelo

médico assistente (freqüentemente psiquiatra) e adotado pelos pacientes (servidores), com o

destaque para o uso dos antidepressivos. Foi constatado igualmente o uso da medicação

psiquiátrica associada pelos servidores (ansiolítico, antidepressivo, antipsicótico, indutores do

sono). Além dos medicamentos, a psicoterapia foi registrada em poucos casos (25, ou 8.3%)

como uma possibilidade de enfrentamento da doença. Não foram estudados nesta pesquisa os

efeitos colaterais dos psicofármacos, a junção desses medicamentos e o tipo de reações e

alterações na química cerebral. A interação medicamentosa ou o uso de substância psicoativa

associada também não foi considerado neste estudo, bem como as reações adversas e/ou efeitos

colaterais não foram conhecidos e também sua intensidade e freqüência.

Existem diferentes tipos de substâncias usadas no tratamento do transtorno bipolar,

dependendo do estado em que o paciente se encontra: estabilizadores de humor, antidepressivos,

antipsicóticos, e tranqüilizantes. Para tratar uma crise de depressão, pode ser necessário o uso de

medicamentos, ou em casos sérios, a terapia eletroconvulsiva (TEC ou ECT) pode ser usada. Essa

terapia é geralmente eficaz e de ação rápida, mas sem dúvida causa algum dano cerebral (Holmes,

2001).

Outra ênfase destacada nesta pesquisa é o isolamento social, típico nos casos dos TMC,

com 40.3% de registros. O isolamento social é um sintoma relativamente freqüente e esse

portador vive evitando contatos sociais. A tendência da pessoa é não ter interesse em manter

contatos, pois se sente melhor quando isolada. Botto (2005) ressalta o sintoma do isolamento,
com dificuldade do paciente em estabelecer laços sociais, corroborando com esta pesquisa. Nos

outros autores pesquisados não foi ressaltado o isolamento como um sintoma importante no

quadro da depressão.

No quesito prejuízo da memória, há predominância desta ocorrência em 18.7% de casos.

Os prejuízos mnemônicos foram ressaltados na literatura consultada, vindo corroborar com esta

pesquisa: ‘fica difícil de concentrar-se, a memória falha, o raciocínio não flui’ (Manual Novarti,

sem data); há problemas com o processamento das informações e com a memória em distintas

patologias dos TMC (Holmes, 2001).

A depressão pode levar ao suicídio, como revelou alguns dados da pesquisa realizada, com

destaque para a ideação suicida ou pensamentos mórbidos em 17.3% dos casos, inclusive para a

efetiva ocorrência de tentativa de suicídio, revelado em 3.6%. O acompanhamento psiquiátrico

foi registrado pelo(s) perito(s) nos prontuários pesquisados, com 45.6% ocorrências. Realizam

acompanhamento psicológico e/ou fazem psicoterapia 8.3% da amostra pesquisada.

A ideação suicida, ou pensamento mórbido, somado a tentativa de suicídio, têm o registro

de 20.9%, corroborando no que assevera Holmes (2001), que a magnitude desse problema é em

realidade superior do que as estatísticas sugerem, pois são estimados que ocorrem pelo menos oito

a dez tentativas de suicídio para cada tentativa concluída. Barlow (1999) assevera que a visão

negativa do futuro leva, freqüentemente, a ideações suicidas e tentativas reais. Botto (2005)

afirma que a depressão é uma doença potencialmente letal, pois 15% das pessoas acometidas com

esta patologia, correm o risco de cometer suicídio.

Holmes (2001) destaca que a depressão pode ter causa exógena (estresse, meio ambiente)

ou endógena (fisiológica: histórico familiar de transtorno de humor). Afirma que a depressão

desempenha um papel importante no suicídio e muitos casos são disfarçados ou encobertos. O

suicídio é um grito de ajuda, os outros não perceberam quão perturbadas essas pessoas estavam; o

gesto concreto de suicídio é um meio de dramatizar a seriedade do problema e pedir auxílio


indiretamente. Freqüentemente é difícil distinguir entre um gesto e uma tentativa de suicídio que

falhou. Um gesto é um sinal de um problema sério e ao fazer o gesto o indivíduo poderia

acidentalmente obter êxito. Algumas tentativas de suicídio falham e trazem conseqüências sérias à

pessoa. Por exemplo, ao tomar uma overdose de uma substância psicoativa, o dano cerebral a

curto ou longo prazo fica instalado.

De acordo com esse autor o estudo dos TMC ganhou avanços, a partir do entendimento da

base fisiológica do comportamento patológico, com destaque para os que ligam baixos níveis de

serotonina na sinapse nervosa. Para este autor baixos níveis de serotonina estão associados a

comportamento agressivo e suicídio. Baixos níveis de serotonina conduzem à agressão, bem como

à depressão, e níveis normais dessa substância servem para inibir respostas agressivas ou

punitivas e quando os níveis de serotonina caem, sobe a inibição, e as respostas agressivas ou

punitivas são usadas.

Os TMC têm estreitas ligações com as alterações na química cerebral, ou seja, há menor

quantidade de neurotransmissores, como a serotonina e a noradrenalina, que agem no controle das

emoções. Fatores hormonais como a menstruação, a gravidez, o aborto, o período pós-parto, o

climatério, a menopausa, podem contribuir a uma taxa mais alta de depressão na mulher. Fatores

genéticos são apontados em pesquisas que em virtude de não haver suficiente produção desses

neurotransmissores, a mulher fica predisposta ao aparecimento dos TMC.

De modo geral, um baixo nível de serotonina provoca um aumento na depressão e uma

redução na inibição de respostas, de modo que quando a depressão conduz a pensamentos de

autodestruição, não há inibição suficiente do comportamento autodestrutivo e o indivíduo tenta o

suicídio. Sobre o que provoca a baixa nos níveis de serotonina, Holmes (2001, p. 222) afirma que

existem duas explicações: redução causada por estresse ou herança de baixos níveis de

serotonina25. “Quando animais de laboratório são expostos a estresse, seus níveis de norepinefrina
baixam, sugerindo que o estresse promove depressão reduzindo a norepinefrina”. Novas pesquisas

são necessárias, principalmente no caso do serviço público, para relacionar que componentes

relacionados anteriormente e os fatores existentes no ambiente de trabalho podem acelerar ou

desencadear os TMC.

O medo e certas sensações corporais associadas, bem como crises de pânico foram

registradas em 13 % dos servidores pesquisados. Craske e Barlow (1999, p.13) conceituam o

transtorno de pânico como ‘episódios isolados (distintos) de intensa apreensão ou medo,

acompanhados de sintomas somáticos e cognitivos”. Para os autores os ataques de pânico são

demonstrados quando pelo menos quatro dos seguintes sintomas são desenvolvidos abruptamente

no indivíduo: palpitações, taquicardia ou ritmo cardíaco acelerado; sudorese; tremores ou abalos;

sensações de falta de ar ou sufocamento; sensações de asfixia; dor ou desconforto toráxico;

náusea ou desconforto abdominal; sensação de tontura, instabilidade, vertigem ou desmaio;

desrealização (sensações de irrealidade) ou despersonalização (estar distante de si mesmo); medo

de perder o controle ou de enlouquecer; medo de morrer; parestesia (anestesias ou sensações de

formigamento; calafrios ou ondas de calor).

Segundo diferentes fontes (Holmes, 2001, Manual Novart, Botto, 2005), o tratamento

realizado para a depressão ou transtorno bipolar pode ser realizado por medicamentos, por

eletroconvulsoterapia ou psicoterapia (individual, grupal, familiar ou conjugal). O tratamento não

deve ser meramente medicamentoso; é necessário o acompanhamento psicológico e social. A

família e os amigos podem ajudar, mas o próprio paciente deve estar informado, na medida do

possível, por meio de tratamento psicológico (orientação e motivação para adesão ao tratamento),

a fim de que encontre o apoio e o esclarecimento necessários para superar os problemas que a

doença impõe.

Os dados levantados na pesquisa documental demonstram que os servidores afastados por

TMC realizaram tratamento medicamentoso, psiquiátrico, psicoterapia e, em alguns casos,


foram registradas diversas internações em nosocômios, corroborando com os dados encontrados

na literatura pesquisada. A internação psiquiátrica foi registrada em 11.3% dos servidores.

De acordo com o Manual Merck (2005), nas depressões mais leves, a ingestão excessiva

de alimentos e o ganho de peso também são comuns, para algumas pessoas há perda do apetite e a

perda do peso. Para Claudino e Borges (2002) os transtornos alimentares são síndromes

comportamentais cujos diagnósticos têm sido amplamente estudados nos últimos 30 anos. As

alterações nos indivíduos do comportamento alimentar envolvem certas características principais:

a bulimia nervosa (excesso alimentar, vômito ou uso de laxantes e diuréticos – uso de recursos

de caráter purgativo, bem como a perda do controle – compulsão); a anorexia nervosa (rejeição

aos alimentos, para não engordar ou manter a forma corporal); e, os transtornos da compulsão

alimentar periódica.

Os critérios diagnósticos da CID-10 e do DSM-IV contemplam essas duas entidades

nosológicas (bulimia e anorexia nervosa) que são classificadas separadamente, mas estão

intimamente relacionadas entre si por apresentarem psicopatologia comum (preocupação

excessiva com o peso e a forma corporal, medo de engordar). Nesta pesquisa os transtornos

alimentares foram registrados em 9.3 % dos servidores, sendo detectado risco aumentado para a

compulsão alimentar periódica, sentimentos de falta de controle em indivíduos com sobrepeso e

flutuação do peso, ímpeto para a magreza, insatisfação corporal, anorexia e bulimia nervosa.

Cordas e Claudino (2002) fazem uma breve revisão dos aspectos dos transtornos

alimentares e estabelecem correlações psicopatológicas com os conceitos diagnósticos de bulimia

e anorexia nervosa. Freitas e Apolinário (2002) descrevem os principais métodos utilizados para

mensurar os aspectos psicopatológicos gerais e específicos dos transtornos alimentares (bulimia,

anorexia e transtorno da compulsão alimentar periódica) e concluem que os distúrbios da imagem

corporal contribuem para a manutenção do transtorno e dificultam seu tratamento.


Wilson e Pike (1999) destacam a bulimia nervosa, a anorexia e o transtorno alimentar sem

outra especificação em seus estudos, mas admitem que o problema central que requer intervenção

nos transtornos alimentares não é necessariamente a compulsão periódica ou a purgação, mas as

atitudes e crenças anormais culturalmente orientadas , no tocante a forma e o peso. Na análise

documental dos prontuários existem registros de transtornos alimentares, mas não foi possível

detectar as relações deles com a imagem corporal, nem foi possível explorar os detalhamentos

dessas patologias.

Nos relatos de TMC dos prontuários foram freqüentes: sensação de tristeza, crises de

choro, autodesvalorização, sentimento de culpa, redução da capacidade de experimentar prazer

nas atividades da vida diária, fadiga ou sensação da perda de energia, dores físicas (estômago,

cabeça), negligência com a própria aparência, dificuldade de memória e concentração, alteração

no sono, alteração no apetite, redução da libido, retraimento ou isolamento social, irritabilidade ou

agressividade acentuadas, idéias de morte e suicídio. Para a OMS (2001) a depressão é

caracterizada por tristeza, perda de interesse em atividades e uma intensa queda de energia que se

manifesta em sintomas psicológicos e somáticos. Nos TMC os sintomas psicológicos e os

somáticos estão estreitamente associados, de modo que é difícil estabelecer uma linha de

separação entre eles. O sintoma tem um conteúdo de fundo psicológico e se manifesta no corpo.

Quando um sintoma perdurar por mais de duas semanas, o portador deve procurar ajuda.

Outros destaques da pesquisa dos prontuários são os registros de queixas somáticas, tais

como, transtornos do sono (insônia ou sono em demasia), fraqueza/fadiga/tontura, Hipertensão

Arterial Sistólica (HAS), taquicardia, sudorese, tremores, dores musculares, tensão, cefaléia, com

registro de 66.3 % ocorrências. Também existem os registros nos prontuários de queixas

psicológicas, como anedonia26, astenia, apatia, depressão, estresse, ansiedade ideação

suicida/tentativa, irritação, nervosismo, com 95.0% de registros de casos. A depressão manifesta-

se no corpo, assim como a apatia, o desânimo, o medo, a astenia e a anedonia. Os sintomas podem
usar uma certa variedade de formas de expressão e tornar manifesta a “doença invisível”. O

sintoma tem um sentido e uma justificativa. A depressão é um termo geral que vai de um

sentimento de abatimento até uma perda real da motivação para viver (Dethlefsen e Dahlke,

1983).

O prontuário de AMSC refere: 43 anos, sexo feminino, casada, ensino médio completo,

técnico de atividades administrativas, 18 anos de tempo de serviço, trabalhando no serviço de

radiologia do hospital Y, com carga horária semanal de 40 horas:

A paciente apresenta-se tensa durante a entrevista, tem humor alterado, sem prazer de
viver (anedonia), campo vivencial diminuído, com tendência ao isolamento social,
tem alucinações visuais, insônia, irritabilidade e crises de choro. Em uso de Sertralina
e Neozine. A servidora encontra-se em LTS continuada desde 2001. Histórico da
CID-10: F32.1; F33; F33.1; F33.9; F41.2; F43.2. Registro do Psiquiatra em
outubro de 2005.

AVS, professora, 39 anos, casada, ensino médio completo, 16 anos de tempo de serviço,

carga horária de 40 horas semanais, passou diversas vezes por Junta Médica na GESAS.

O clínico que atendeu a servidora em uma das perícias realizadas registrou: apresenta
alucinações auditivas e visuais, gastrite e enjôo, ansiedade, desânimo, insônia,
cefaléia, alterações de humor; fibromialgia, tem problemas de tendinite no punho
direito, esteve em restrição de tarefas, foi internada por três vezes no Instituto
Psiquiátrico São José, com quadro crônico depressivo. Em uso de psicofármacos
(Diazepam, Amplictil, dentre outros). Em julho de 2003 foi diagnosticado quadro
clínico de lupus eritomatoso sistêmico. Quanto ao trabalho consta que a servidora é
‘muito parada’ e não se envolve com as crianças. Ela refere que se sente incapaz de
atuar em sua função de professora. Histórico da CID-10: M 65.8; M 65. 9; M 32; D
64.9; D 50.9; F32.9; F33.9 ; F32; F33; F41.2; F43.2., etc. Registro do Clínico, em
dezembro de 2005.

A Tabela 8 demonstra a ocorrência dos TMC (patologias F) que motivaram a concessão da

LTS nos anos de 2001-2005. Os TMC compreendem uma série de transtornos mentais reunidos

pela OMS na CID –10, divididos em categorias que são considerados transtornos do

desenvolvimento psicológico e que contém os agrupamentos do Código F00-99, configurados

nessa Tabela. Os registros das ocorrências nos servidores públicos estaduais apresentaram

destaques no aparecimento da depressão e de estresse.


Nesta pesquisa procurou-se identificar referências das causas, sintomas e conseqüências

dos TMC (depressão e estresse) no servidor público. Para Holmes (2001, p. 230) a depressão leve

diminui ou desaparece sem tratamento. A redução da depressão sem tratamento é, via de regra,

denominada de remissão espontânea, mas ao invés de ser realmente espontânea, ela

provavelmente resultou de mudanças ocorridas sem o indivíduo perceber: “Os estresses em nossa

vida ou os desequilíbrios bioquímicos que inicialmente promovem as depressões são reduzidos ou

eliminados e, assim, as depressões são reduzidas ou eliminadas.” Então, a ocorrência de leves

níveis de depressão no servidor público pode ser considerada com prognóstico positivo, isto é, há

possibilidade de remissão.

Em virtude da forte incidência nesta pesquisa das categorias F30 e F40, ressalta-se o que a

OMS por meio da CID-10, em seu capítulo V define:

a) F30 – F39 Transtornos do humor (afetivos): Episódios depressivos: com três graus, leve,

moderado ou grave, o paciente apresenta rebaixamento de humor, redução de energia (astenia) e

diminuição da atividade. Há alteração da capacidade de experimentar o prazer (anedonia),

diminuição da capacidade de concentração, fadiga acentuada, alterações no sono e no apetite. A

auto-estima e autoconfiança, normalmente diminuem. O humor varia a cada dia, de acordo com a

circunstância, acompanhada, às vezes, de sintomas somáticos (perda de interesse ou prazer,

despertar matinal precoce, agravamento matinal da depressão, lentidão psicomotora, agitação,

perda de apetite, perda de peso e da libido).


Rubéola e Blanco (1999) asseveram que os sintomas da depressão variam segundo cada

pessoa, e a patologia é por eles classificada como leve, moderada ou grave, dependendo da

quantidade e gravidade de seus sintomas, corroborando com a OMS. Na ocorrência do código F

32.0 - episódio depressivo leve, dois ou três dos sintomas citados anteriormente são sentidos pelo

paciente, que sofre, mas será capaz de desempenhar quase todas suas atividades.

A CID 10 define F 43 – reações ao estresse grave e transtornos de adaptação. E o destaque

desta pesquisa foi para o código F 43.0 - reação aguda ao estresse. Este transtorno transitório

ocorre em indivíduo que não nenhum outro transtorno mental manifesto, em seguida a um

estresse físico e/ou psíquico excepcional, e que desaparece habitualmente em algumas horas ou

em alguns dias. A ocorrência e a gravidade de uma reação aguda ao estresse são influenciadas por

fatores de vulnerabilidade individuais e pela capacidade do indivíduo de fazer face ao

traumatismo. A sintomatologia é tipicamente mista e variável, e comporta de início um estado de

aturdimento caracterizado por um certo estreitamento do campo da consciência e dificuldades de

manter a atenção ou de integrar estímulos, bem como desorientação. Este estado pode ser seguido,

ou por um distanciamento (tomar a forma de um estupor dissociativo) ou por uma agitação com

hiperatividade. O transtorno é acompanhado de sintomas neurovegetativos de uma ansiedade de

pânico (taquicardia, transpiração, ondas de calor). Os sintomas são manifestados habitualmente

nos minutos que se seguem à ocorrência do estímulo ou do acontecimento estressante e

desaparecem no espaço de dois a três dias.

Nesta amostra da pesquisa, os códigos F 32.0 - episódio depressivo leve e F 43.0 - a

reação aguda ao estresse, são as primeiras causas de afastamento do trabalho. Segundo a CID-10

(1994), a depressão é uma doença recorrente e crônica, caracterizada pelo aparecimento de

sintomas, como: tristeza persistente, ansiedade, sentimentos de pessimismo, apatia, anedonia,

transtornos alimentares e do sono, irritabilidade, nervosismo, dificuldade de memorização,

cefaléia, ideação ou tentativa de suicídio, corroborando com dados desta pesquisa. A doença
crônica tem impacto em várias dimensões da vida do paciente e dos familiares: fatores físicos,

emocionais, sociais, educacionais, econômicos estão envolvidos diretamente. Os fatores

psicossociais são importantes na manifestação da depressão e não podem ser descartados. Perdas

familiares, estresse pós-traumático, problemas vivenciados no trabalho, provocam alterações

psíquicas (baixa da serotonina) que podem desencadear a depressão. Outras doenças também

podem desencadear a depressão, como um câncer, uma cardiopatia grave, um DME, que abala a

vida da pessoa, limitando-a, ou fragilizando-a.

b) F40 – F48 Transtornos neuróticos, transtornos relacionados com estresse e transtornos

somatoformes: Grupo de transtornos nos quais uma ansiedade é desencadeada exclusiva ou

essencialmente por situações nitidamente determinadas que não apresentam “atualmente” nenhum

perigo real. Essas situações são, por esse motivo, evitadas ou suportadas com temor. Palpitações,

medo de morrer, perda do autocontrole ou de ficar louco são alguns dos sintomas que podem se

manifestar.

A Tabela 9 demonstra as prevalências de ocorrências de Transtornos Mentais e

Comportamentais nas categorias F30-F40 (CID-10), que motivaram a concessão da LTS. Os

TMC nos códigos F30-F40 prevaleceram no número de registros dos prontuários pesquisados do

período de 2001-2005. A Tabela 9 demonstra que as patologias mais prevalentes nos servidores

públicos neste período são F 32.0 - episódio depressivo leve e F 43.0 - reação aguda ao

estresse, ambas com 65 ocorrências cada, representando 8.5%, seguidos do F 33.9 - transtorno

depressivo recorrente sem especificação, com 7.8% ocorrências.


O código F 32.9 - episódio depressivo não especificado aparece 59 vezes, ou seja, 7.7 %.

Na seqüência o código F 41.2 - transtorno ansioso e depressivo, com o registro de 55 vezes, ou

7.2 %. Os códigos F 33.1 - transtorno depressivo recorrente, episódio atual moderado e F 33.2 -

transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas psicóticos, ambos registram

52 ocorrências, com o percentual de 6.8%. Os outros transtornos registrados na Tabela 9 indicam

número de ocorrências inferior a 41 vezes.


Nesta Tabela ressalta-se que, os Transtornos Mentais e Comportamentais (F30-F40), têm

destaque mais significativo no agrupamento F30 - 39, denominados os transtornos de humor

(afetivos), segundo a CID-10. O agrupamento do código F40-48, de menor incidência, neste caso,

relaciona os denominados transtornos neuróticos, transtornos relacionados como o estresse e os

transtornos somatoformes.

Os dados obtidos nos prontuários mantêm as evidências de tendências presentes nas

estatísticas de que os TMC se manifestam predominante entre mulheres. Segundo dados do

Instituto de Ensino e Pesquisa – Hospital Israelita Albert Einstein (2001), as mulheres são duas

vezes mais propensas do que os homens a terem diagnóstico de TMC (sobretudo depressão), em

virtude do nível de hormônios sexuais, o estrógeno e a progesterona. A mulher tem um nível

intenso desses hormônios e os níveis mudam durante o ciclo menstrual, na gravidez, no parto e na

menopausa. A pílula anticoncepcional contém hormônios sexuais e também pode ser uma causa

da depressão. As explicações para essa prevalência são variáveis como: fatores hormonais e

fisiológicos, bem como a divisão sexual do trabalho, a realização de tarefas repetitivas,

monótonas e menos qualificadas, a entrada cada vez mais significativa da mulher no mercado de

trabalho, a dupla jornada (casa e trabalho), a responsabilidade de cuidar dos filhos, aliadas a

condições sócio-econômicas precárias.

4.5. Dados referentes ao trabalho dos servidores públicos estaduais

Os servidores públicos federais, estaduais e municipais gozam do instituto da estabilidade,

que é a garantia da sua permanência no vínculo trabalhista e da continuidade do Estado


(servidores públicos desempenham o papel do Estado, apesar das mudanças de governantes). O

trabalho do servidor público é de resistência, pois a estabilidade lhe garante a defesa do

prosseguimento das ações técnicas e administrativas no atendimento ao cidadão (população em

geral). Por ter estabilidade o servidor não abandona o serviço público.

A ocorrência da demissão do quadro de recursos humanos do poder público acontece

somente em casos extremos, quando o servidor comete infrações técnicas e/ou administrativas,

após o devido processo administrativo disciplinar e a garantia do seu direito ao contraditório

(direito à defesa). No Brasil, existe a garantia constitucional da estabilidade; mas, apesar disso, as

questões inerentes aos servidores e ao serviço público não ficam isentas de problemas como o

modo degradado de funcionamento: nas condições, nas relações sociais e na organização do

trabalho, favorecendo o aparecimento do adoecimento.

Nas questões referentes ao adoecimento do servidor público há um aparato de benefícios

gerenciados pela perícia em saúde (GESAS) que lhe garantem o tratamento e o retorno à

atividade, quando estiver em condições de desempenhar o seu trabalho. As características dos

postos de trabalho do servidor público e em que direção concorre para o adoecimento requer

aprofundamento com outras pesquisas.

A Tabela 10 demonstra as demandas do posto, queixas do trabalho, benefícios concedidos

no período (2001-2005) e gratificação percebida pelo servidor em função da especificidade da

execução de sua tarefa. As informações registradas são referentes às atividades finalísticas que se

constituem o ponto forte no atendimento ao cidadão catarinense, pois são as atividades de

execução direta.

A definição da categoria queixas do trabalho foi baseada em Ferreira e Mendes (2003),

com destaque para queixa não informada por parte dos servidores ou dos peritos da GESAS

(médico, assistente social e psicólogo), com ocorrência de 59.3% de registros. Na amostra

estudada não foram constatados os registros freqüentes de queixas referentes ao trabalho, ou a


associação do quadro clínico com a atividade executada pelo servidor público. As queixas foram

associadas ao fator individual (personalidade, características psicofisiológicas), relações sociais,

organização e condições do trabalho, sendo somado duas ou mais destas variáveis, com o registro

de 17.3% de ocorrências. As definições dos termos condições, organização e relações sociais do

trabalho permearam a presente pesquisa.


O relatório da psicóloga I, responsável pela avaliação psicológica dos servidores na

GESAS, refere relações sociais do trabalho, ou seja, o relacionamento frágil com chefia:

“MSS, Servidora da SES, com 42 anos de idade, casada, 2 filhos (19 e 12 anos),
agente de atividades administrativas, 40 horas semanais, 26 anos e 4 meses de tempo
de serviço, atua no setor N faz 15 anos, sendo que nos últimos 2 anos usufrui LTS
por quadro depressivo. A paciente refere uma série de problemas de ordem familiar
que agravam os sintomas, com antecedente materno de alcoolismo, um irmão falecido
por conta do álcool, mãe viúva, teve 7 filhos, sendo 3 óbitos. No momento queixa-se
de problemas gástricos (úlcera). Em relação ao local de trabalho a servidora diz que
existe conflito com a chefia imediata faz 2 anos. No geral gostava do setor e mantinha
bom relacionamento interpessoal. Refletimos sobre a possibilidade de retorno ao
trabalho; servidora apresenta-se apreensiva, mas receptiva, preocupada com a perda
da hora-plantão, que a chefe imediata já havia alertado que no seu retorno não teria
direito (sic). Na avaliação a servidora apresenta-se tensa, chorosa, poliqueixosa”,
lúcida, humor alterado. (...). Data da avaliação; 05-11-05. Histórico da CID-10 em
2004 e 2005: F 32.9; F 33.1; F 32.2; F 33 e M 79.

A análise do pesquisador nos prontuários também foi direcionada ao estudo da concessão

de benefícios no período para o servidor: o usufruto da readaptação, restrição de tarefas, redução

de jornada da aposentadoria, a existência de outros vínculos trabalhistas. O principal destaque foi

o benefício da readaptação, com 20.3% de ocorrências. Os benefícios concedidos têm respaldo na

Lei N° 6.745, de 28 de dezembro de 1985 - Estatuto do Servidor Público.

Quanto às gratificações, a concessão desses benefícios tem respaldo em legislação

estadual específica que garante a concessão de risco, periculosidade, penosidade e insalubridade

aos trabalhadores do serviço público. A Constituição Federal da República Federativa do Brasil

(1988), em seu Art. 7º, XXIII, também prevê adicional de remuneração para as atividades

penosas, perigosas ou insalubres. As gratificações desses percentuais variam de 32 a 64 %. Nos

prontuários somente estão registradas aquelas gratificações referentes à insalubridade, os outros

dados foram pesquisados nas legislações pertinentes (Lei Complementar Nº 81, de 10 de março de

1993, bem como a Lei Complementar Nº 93 de 06 de agosto de 1993, acrescidos dos Decretos Nº
975 de 25 de junho de 1996 e da Portaria Nº 2.466/96/SEA) e no Sistema Integrado de Recursos

Humanos (SIRH). Destaque para os professores que, apesar da carga de trabalho não dispõem

desse tipo de gratificação, e sim a ‘regência de classe’.

No aspecto referente à carga horária de trabalho, Abrahão e Santos (2004, p.228) abordam

reflexos que vêm ao encontro desta pesquisa. Para as autoras “os operadores sujeitam-se a

horários que não são compatíveis com sua vida privada. (...) Os reflexos são a degradação do

clima social, o estresse, o absenteísmo e a rotatividade”. Entretanto, nesta pesquisa as informações

das características ocupacionais e da organização do trabalho que eram associadas ao descanso e a

vigília foram explanadas com pouca intensidade nos prontuários, seja por parte do perito que

analisou o caso, seja por parte do discurso do servidor (depoimento quando da perícia em saúde

realizada na GESAS). A escassez desse tipo de informação compromete a análise mais apurada

sobre os TMC e as suas relações com o trabalho. As informações sobre as principais formas de

organização do trabalho, os plantões, sobreaviso, horário efetivo de trabalho realizado pelos

servidores, o clima social, o estresse, o absenteísmo e a rotatividade foram raramente citadas nos

prontuários.

O tipo de descanso semanal, a necessidade de vigília e as exigências físicas, intelectuais e

emocionais relacionados à atividade não ficaram suficientemente demonstrados nos prontuários

analisados. Conforme Baumer (2004) as exigências físicas são consideradas a necessidade de

deslocar objetos, de levantar peso, de transportar objetos, de manter-se numa determinada posição

por muito tempo e exigência de força física. Por exigências intelectuais a autora compreende a

necessidade de conhecimento, de memorizar dados, de concentração para a realização das

atividades e o raciocínio para entender algo. Por exigências emocionais compreende que é a

postura do equilíbrio em situações de emergência, de controlar conflitos interpessoais e de

vivenciar tensões relativas ao trabalho.


Com relação às vivências de tensões relativas ao trabalho o comissário de polícia ADS,

que realiza plantões de 12x48 horas relata o seguinte em seu prontuário:

Tenho porte de arma, vivo em constante tensão, chego a participar de atividades


sociais como um casamento, por exemplo, com a arma; minha esposa não gosta.
Acho que sou marcado pela função que exerço e a qualquer momento posso precisar
utilizar esse recurso (arma) para me defender. Afastou-se por estresse em 2001,
durante 15 dias. CID-10: F 43.0.

Para ilustrar a questão da carga horária e do comando no posto de trabalho, bem como

outras implicações delas decorrentes, há que se destacar o depoimento para o Serviço Social da

servidora X, contido no seu prontuário:

A servidora X foi encaminhada pelo médico perito ao Serviço Social, a fim de que
fossem prestadas orientações sobre o seu caso. A servidora apresentou-se bastante
emotiva e veio acompanhada de seu esposo. Disse estar em tratamento com
psicofármacos e com psicoterapia semanalmente. É administradora e analista de
sistemas da organização Y e refere que seu ambiente de trabalho está muito
conturbado, em virtude de novos trabalhadores no posto (novo comando), mudança
de diretrizes de trabalho, desrespeito para com ela que é a única técnica na área e
respondia, até então, por este Setor (8 anos de trabalho naquele posto). Está sendo
pressionada para trabalhar 8 horas diárias, enquanto houve concessão a todos os
trabalhadores para realizarem 6 horas diárias. Diz que o problema vem se ‘arrastando’
desde 2004 e começou a trazer-lhe prejuízo pessoal (alteração do sono, choro fácil,
tristeza,...). As questões da área não são observadas com o rigor técnico necessário,
pois o comando do posto de trabalho está sob a responsabilidade de um leigo (sic).
(...) – (Técnica de nível superior, depoimento registrado no seu prontuário em
setembro de 2005).

Para Ferreira e Mendes (2003) as relações sociais no trabalho são constituídas de

elementos interacionais que expressam dimensões como: interações hierárquicas, interações

coletivas intra e intergrupos e interações externas a organização. Para demonstrar o

relacionamento interpessoal frágil com chefia (hierarquia superior), transcrevemos o relatório do

Serviço Social contido no prontuário da servidora E.

Técnica de Atividade de Saúde, 46 anos, vive com um companheiro, tem dois filhos.
Possui 13 anos e 09 meses de tempo de serviço, trabalha em Unidade de Internação no
Hospital Y. Realiza plantão 12x48 horas. Emagreceu 6 kg nos últimos meses. Refere
medo, insegurança, insônia, irritabilidade, taquicardia, angústia, não consegue sair de
casa sozinha. Comparece a entrevista acompanhada do esposo (falante, demonstra
indignação com a situação de trabalho da servidora e com a postura da chefia do
posto de trabalho). A servidora está afastada do trabalho faz 2 anos e 8 meses, em
LTS continuada. Tentou retornar após o primeiro ano de afastamento e novamente
houve problemas de relacionamento com a chefia (perseguição, submeteu a servidora
a situação vexatória, discussão e agressão verbal), somado um acidente de trabalho
(queda da servidora durante o plantão, atingindo sua coluna cervical). Em uso de
medicação psiquiátrica. Chora muito durante a entrevista. Refere que gostaria de
retornar ao trabalho, gosta da atividade que realizava, mas acha que não há clima
favorável com a citada chefia. Não gosta de serviço burocrático. Orientada para
buscar tratamento (psicoterapia) para depressão, além da continuidade do uso da
medicação. (08-11-05). Será tentado o retorno gradativo ao trabalho (...) Histórico da
CID-10: F32. 9; F33.1; F33. 9; F41; F43.2; M54.2; M53.1 – data de realização da
avaliação: novembro de 2005.

No prontuário percebe-se que o conteúdo com relação ao trabalho é empobrecido e

não explorado pelo clínico perito quando de sua avaliação pericial de saúde. Via de regra o clínico

analisa o paciente (servidor público) e se há incapacidade para o trabalho. O perito diagnostica o

quadro clínico da patologia e sua relação ou não com o trabalho. A investigação da patologia e

sua relação (ou nexo) com o trabalho requerem aprofundamento com o devido rigor técnico

(indicador não relatado com freqüência nos prontuários). O olhar do perito para o trabalho é uma

prática que necessita ser fortemente explorada, auxiliando na avaliação e no investimento em

programas de promoção e prevenção dos TMC.

A avaliação pericial de saúde realizada pelo Serviço Social em maio de 2003 ilustra o grau

do comprometimento dos TMC no servidor avaliado e outras decorrências no posto de trabalho de

atendimento ao público, função precípua das Secretarias de Saúde, Educação e Segurança

Pública:

Servidor B comparece na GESAS acompanhado de sua irmã C. Casado, 4 filhos


(16,15,14 e 12 anos, respectivamente); possui o 2º grau incompleto. Trabalha faz 18
anos no Hospital T, como auxiliar de enfermagem. Refere que gostava muito de suas
atividades profissionais, mas a sobrecarga (plantões consecutivos) o deixou
estressado. Em outubro de 1999 ficou doente e permanece em LTS continuada desde
aquela época. Segundo sua irmã (reside com ele), o servidor tentou suicídio 5 vezes,
fica prostrado, tem medo de sair de casa acha que as pessoas o estão perseguindo.
Quer melhorar para voltar ao trabalho, mas não para o mesmo local. ‘Odeia esse
Hospital’, porque responde a um processo administrativo em função de conduta
inadequada com um paciente internado (relação homossexual). Após acusação
improcedente (sic) foi transferido para a enfermaria com pacientes crônicos e não
houve mais condição de trabalho. Faz uso de diversos psicofármacos. (...)
Registro no prontuário em 15-05-2003.
Esse servidor foi aposentado posteriormente em função de alienação mental,
considerado totalmente incapaz para o trabalho.
França (1993) assevera que mesmo possuindo diploma de 3º grau, de pouco vale um chefe

de setor ou seção aspirar ocupar uma chefia superior, secretaria ou coordenação, pois esses cargos

são preenchidos, em geral, por pessoas de fora do quadro de recursos humanos, via de regra sem

formação específica na área. Esse fato desestimula e frustra os servidores efetivos de carreira. O

apego ao trabalho entre os 40% que tinham mais de vinte anos de tempo de serviço, para a autora

pode significar medo da perda das relações afetivas nele construídas. A progressão funcional31

serve de alguma forma de estímulo, mas, os servidores anseiam um Plano de Cargos e Salários

(PCS) que lhes assegurem referências e reclassificação para futura melhoria de vencimentos, por

ocasião da aposentadoria.

O horário de trabalho dos servidores federais é desigual, depende de cada um órgão e da

chefia imediata. Algumas repartições exigem 8 horas, sendo os casos mais comuns à realização de

6 horas diárias e corridas de trabalho, variando a hora de início e o rigor quanto à pontualidade, de

acordo com a natureza do trabalho ali desenvolvido. Esta realidade federal abordada por França

(1993) corrobora com a situação do Estado de Santa Catarina; servidores de carreira não assumem

com freqüência cargos comissionados ou funções de confiança. Também é detectado que os

servidores estaduais cumprem carga horária conforme a natureza da tarefa, inclusive plantões e

sobreaviso, conforme já foi explanado anteriormente.

A autora destaca que houve reclamação de carência de pessoal em alguns postos do

serviço público federal, em virtude de que alguns servidores estão de férias, outros de licença,

outros aguardam a aposentadoria. A substituição de pessoal é agravada quando o servidor não

aceita aprender outros serviços além dos que já realiza. Quanto ao número de servidores estaduais

em cada posto de trabalho, o que se observa é que existem locais em que há carência de pessoal,

sobretudo naqueles locais de atendimento ao público (escolas, hospitais e delegacias). Em escolas

existe o recurso do pessoal contratado em regime provisório (denominado de ACT - Admitido em


Caráter Temporário) e nos hospitais e delegacias são necessários turnos de 24 horas e os plantões

de revezamento são os que atendem a demanda do trabalho.

No aspecto referente à remuneração, a realidade da administração estadual é da carência

de um Plano de Cargos e Salários que contemple os reajustes salariais de acordo com as taxas

anuais de inflação do Governo Federal. Desde 1994 não há reajustes salariais, mas foram criados,

em anos subseqüentes, mecanismos do tipo bônus ou vale-refeição, buscando atenuar os efeitos

das perdas salariais. Porém, vale ressaltar que em correspondência mensal enviada pelo

Governador do Estado de Santa Catarina aos servidores houve informação de que:

“(...) Em 2005, o Governo procurou contemplar as reivindicações salariais de diversas


categorias, a exemplo dos servidores da Saúde, da Educação e da Segurança Pública.
Sempre aberto a negociações, concedeu os reajustes possíveis, sem descuidar,
contudo, do equilíbrio da folha de pagamento. Os critérios adotados levaram em conta
sempre a justiça social, diminuindo as distâncias entre a maior e a menor
remuneração. (...)”

Luiz Henrique da Silveira, Gabinete do Governador – Fpolis, 30/11/2005.

França (1993) refere que não encontrou dados sobre a renda dos servidores públicos

federais, que lhe permitissem estudos comparativos, mas destaca ter havido para essa categoria

um processo de empobrecimento e proletarização, que se tornou mais agudo nos últimos trinta

anos. Entretanto, o padrão de rendimento encontrado entre os servidores federais de nível médio é

baixo e com desigualdades, vindo ao encontro dos dados desta pesquisa.

Ferreira e Mendes (2003) não detalham aspectos referentes ao vencimento do Auditor

Fiscal da Previdência Social. Os editais dos últimos concursos públicos realizados para o

preenchimento de vagas no citado cargo dão notícia de que os salários são superiores aos

praticados pelo Poder Executivo do Estado de Santa Catarina.

4. 6 Análise do discurso técnico dos peritos nos prontuários


A manifestação das doenças está circunscrita no atendimento pericial de saúde do servidor

e tem relações com sua vida e com as características de seu trabalho. Os discursos dos técnicos

que realizaram as perícias de saúde na GESAS são, em geral, padronizados e respeitam o jargão

técnico (Psicologia, Serviço Social, Psiquiatra e Clínicos). O objetivo esteve centrado na análise

da patologia ou do quadro clínico do servidor/paciente. O histórico pregresso significativo do

paciente relativo a doenças anteriores foi verificado, questionado o histórico familiar, analisado o

comportamento do paciente e o envolvimento da família no tratamento e prognóstico.

No prontuário da servidora ITS, 53 anos, divorciada, ensino médio completo, agente de

atividades de saúde, atuando na Unidade de Internação do Hospital Z, 25 anos e 2 meses de tempo

de serviço, 40 horas semanais de trabalho em regime de plantão, consta o seguinte registro por

parte do médico perito (psiquiatra) da GESAS:

Servidora com 53 anos de idade, 25 anos de tempo de serviço, auxiliar de


enfermagem. Queixa-se de labilidade emocional com crises de choro e descontrole
em pequenas situações de estresse, irritabilidade, nervosismo, insônia. Em tratamento,
fazendo uso de Fluoxetina 20 mg/dia. Ex. Psíquico: Apresenta-se adequadamente.
Emotiva, chora muito durante a entrevista. Discurso melancólico, angustiado. Humor
triste. Orientada. Juízo crítico preservado. F 32.1 10-02-03.

Histórico da CID-10: M 65.9; S 83.2; F 32.1; F 33.2; F 32; Z 76.3

Do ponto de vista psicossocial, bem como da psiquiatria são verificados ao exame do

paciente: sua apresentação, vestimenta, higiene, sua atenção, cordialidade e cooperação, sua

escolaridade, seu discurso (lacônico ou prolixo), forma de expressar-se (tem clareza ou não de

seus sintomas físicos e psicológicos), seu biótipo, se sua memória recente e remota estão

preservadas, se está orientado no tempo e no espaço, se existem distúrbios da consciência ou de

senso percepção, como está o seu pensamento (existe alterações em forma e conteúdo), existe

ausência ou presença de alterações do sistema de juízos da realidade, há certas idéias e

pressentimentos de conteúdo paranóide, ou de perseguição, se tem crítica, qual sua postura

(tranqüilidade ou tenso), seu estado de humor, dentre outros aspectos.


Com relação ao trabalho são investigadas possíveis dificuldades: como é o desempenho

desse indivíduo, a existência de problemas com colegas ou chefias; outras questões de situações

relevantes do seu posto de trabalho. É utilizado pelo perito (assistente social, médico e psicólogo)

um formulário denominado de Avaliação Pericial da Saúde do Servidor. Não há um roteiro

específico para avaliação do psicólogo ou do assistente social, cada qual realiza sua avaliação de

acordo com seu saber profissional.

Aspectos do ponto de vista da ergonomia não são freqüentemente observados, ficando ao

encargo do perito, de acordo com sua formação, visão do trabalho, instigar e aprofundar o

trabalho (organização, condições, relações sociais). Segundo o Manual de Perícia Médica (2005,

p.11), na história da doença há necessidade de “apurar em que condição ocorreu o afastamento do

trabalho e se ele é conseqüência direta ou não do estado mórbido apresentado. Deve o perito ficar

alerta para uma observação clínica criteriosa e analisar se as informações obtidas são distorcidas

ou tendenciosas”.

Os técnicos do Serviço Social procuram observar e/ou orientar o servidor sobre aspectos

sócio-econômicos, composição e dinâmica familiar, legislação em vigor nos detalhes que a

situação requer, encaminhamento à recursos comunitários, grau de capacidade laborativa, riscos

presentes no posto de trabalho, dentre outros e suas relações com o caso periciado. Os psicólogos

dentre as principais atividades realizam a avaliação do grau de comprometimento dos servidores

nos TMC/outras patologias, orientam e realizam testes, quando necessário.

A configuração do trabalho pode trazer risco de adoecimento. O servidor afastado de sua

atividade por problema de saúde traz prejuízos a si e a organização a que pertence. A GESAS,

enquanto órgão pericial de saúde do Governo do Estado, objetiva o atendimento com dignidade e

respeito ao que necessita ausentar-se do trabalho por motivo de doença. A saúde é essencial ao

conforto de qualquer pessoa. Para tanto, é necessária a adoção de hábitos saudáveis, bem como

atitude positiva diante da vida. A “prevenção é sempre o melhor remédio”. A principal diretriz a
ser perseguida pelas organizações de excelência é oferecer benefícios e preocupar-se com o bem-

estar dos trabalhadores. Oferecer condições únicas para as pessoas desenvolverem seus talentos e

serem criativas. O que importa são trabalhadores saudáveis em organizações saudáveis.


CONCLUSÃO

O objetivo desta pesquisa foi conhecer as relações entre TMC e as características do

trabalho de servidores públicos estaduais. Os resultados encontrados indicam aporte na literatura

sobre as relações entre o adoecimento (TMC e DME) com as características do trabalho no

serviço público.

Em levantamentos dos dados dos prontuários foram observadas relações entre as

condições de trabalho (modo degradado de funcionamento) e o aparecimento dos TMC em

servidores públicos estaduais. Variáveis relacionadas as condições, organização e relações sociais

do trabalho são fatores constitutivos do adoecimento psicológico ou físico desses trabalhadores: o

ritmo do trabalho, pressão para a realização das tarefas, grau de responsabilidade dos servidores,

tensão muscular, postura desconfortável, tempo de exposição ao computador, equipamentos

obsoletos, relacionamentos interpessoais frágeis com chefias e colegas, freqüência de sintomas

visuais e musculares relacionados ao estresse, insatisfação com o trabalho, fadiga física e mental,

uso de álcool e outras drogas, distúrbios do sono e alimentares, ansiedade, nervosismo e apatia.

Os TMC têm origem multifatorial e uma mesma pessoa pode ter várias crises com

sintomas diferentes em cada crise. A duração pode ser variada (episódios únicos, recorrentes,

crônicos ou breves) ou mais espaçada (com longos períodos sem crise), ou com intensidade

diferente (comprometimento no funcionamento do dia-a-dia de forma leve, moderada ou grave).

Os TMC, dos quais fazem parte todas as formas de depressão, constituem um problema de

saúde pública. Têm elevada freqüência de ocorrências na população, mas são pouco reconhecidos

(doença invisível) e quando diagnosticados, às vezes, são tratados de forma inadequada. Os DME

embora tenham evidências fortes de sua manifestação (por meio de exames clínicos), também

trazem incapacitação e prejuízo importante à vida do servidor (paciente), mas, com risco e

gravidade se destacam os quadros depressivos (algumas vezes expondo a vida: suicídio).


Com relação aos afastamentos ocorridos no período de 2001 a 2005, nas Secretarias de

Estado da Saúde, Educação, Segurança Pública e Administração foi constatada a incidência da

depressão, do estresse, e de patologias do sistema osteomuscular. Com base nos levantamentos de

dados desta pesquisa foi possível verificar as áreas que mais afastaram servidores públicos

estaduais, por ordem decrescente: psiquiatria, ortopedia e cardiologia. As patologias iniciaram de

forma silenciosa e evoluíram para quadros clínicos graves e crônicos, precipitando em certos

casos à aposentadoria por invalidez.

Entre as licenças de tratamento de saúde concedidas aos trabalhadores do serviço público

estadual de Santa Catarina, (2001-2005) tiveram destaque a ocorrência dos TMC, relacionados ou

não ao trabalho, seguidos pelos distúrbios osteomusculares, havendo, em certos casos, estreita

relação entre ambos. O servidor (de acordo com o prontuário estudado) apresentou-se com

características próprias como choro fácil, agressividade, instabilidade de humor, dificuldades no

sono e nos cuidados com a higiene pessoal, sem prazer pelas atividades da vida diária. A

intensidade e a freqüência desses comportamentos caracterizaram a ocorrência do quadro clínico

dos TMC. Em alguns dos casos estudados houve comorbidade, com destaque para os distúrbios

osteomusculares, com estreita relação com o estresse, sentimento de abandono, perda afetiva,

violência.

As exigências do trabalho, as relações interpessoais, os desmandos relacionados à

alternância do poder, a baixa remuneração, as longas jornadas de trabalho, a falta de pessoal em

setores finalísticos, entre outras variáveis, repercutem na saúde dos servidores públicos. No caso

do tratamento para os TMC foi evidenciado que é prevalente o uso da medicação psiquiátrica, da

psicoterapia e, também, de internação em nosocômio, em certos casos.

Os desrespeitos à ética e valores societais (corrupção, nepotismo, peculato) ocorrem desde

a época do Brasil Império. O Estado é lento, burocrático, muitos projetos não saem do papel e

convive-se com mensagens contraditórias, conforme afirma Chanlat (1995, p.12): “fazer bem o
que se tem que fazer, ainda que impedido de fazê-lo”. É o denominado modo degradado de

funcionamento ou a patologia organizacional. E, a cada quatro anos, a partir das eleições para o

governo do Estado, a administração estadual fica sujeita a ‘nova’ forma de administrar. Durante o

mandato de governo também ocorrem mudanças de pessoal nos quadros dos primeiros escalões da

administração pública, como na GESAS, que, no período desta pesquisa, se tornou Diretoria,

passou a Gerência, voltou a ser Diretoria, com mudanças de diretores e gerentes, acarretando

custos financeiros e formas distintas de condução dos trabalhos, com prejuízos aos servidores de

carreira (“um eterno recomeçar”).

Para Bazzo (1997) há falta de planejamento geral no interior das instituições públicas: alta

rotatividade dos chefes (nomeados de maneira política e nepotista); ausência de nexo entre a

capacitação dos funcionários e o trabalho que realmente desenvolvem; deficiência de critérios

para nomear e exonerar pessoas; assimetria entre uns funcionários e outros; falha no plano de

cargos e salários; a luta por um poder; e a prática da corrupção, freqüentemente presente nos

assuntos administrativos que envolvem dinheiro. As organizações públicas estão minadas de

ambigüidades administrativas, de irregularidades financeiras, de desvios éticos, de

comprometimentos desleais, de sigilos compartilhados. Esses componentes geram nos

trabalhadores estresse, angústia, depressão. São conflitos vividos que trazem conseqüências na

relação com o trabalho e fora dele.

O trabalho, em certos casos, é apenas o fator desencadeante desses transtornos. O

trabalhador que apresentava indicadores de neuroticismo antes de ingressar no serviço público,

acaba por sucumbir às tensas relações do trabalho, evidenciando ser a ambiência no trabalho um

aspecto interveniente ao agravamento de processos de adoecimento psicológico. Além disso,

crises sócio-políticas e até administrativas, recorrentes no serviço público estadual interferem na

sanidade mental dos servidores públicos.


Os sindicatos e associações poderiam estar à frente de um programa nacional de

conscientização dessa questão, mas parecem estar por demais preocupados com a sobrevivência

para enxergar o avanço silencioso e gradual das doenças mentais entre o funcionalismo. A saúde

mental, em que pesem seus sinais e sintomas, é negada, ou não percebida por sindicatos e

associações.

O absenteísmo do servidor do posto de trabalho, os custos diretos das LTS e indiretos

(substituição do servidor afastado) são elevados, conforme mencionado anteriormente (em torno

de 10 milhões anuais). A produtividade é prejudicada, há sobrecarga nos colegas que permanecem

no posto de trabalho. O modo degradado de funcionamento do serviço público é uma realidade

existente, isto é, seu mecanismo de atuação em condições precárias, a insuficiência de recursos

humanos, política de remanejamento de pessoal frágil, manutenção nas instalações com

dificuldades e limitações, equipamentos obsoletos, não investimento em tecnologias modernas

para a consecução dos objetivos de cada posto de trabalho. Essa realidade é vivenciada pelos

servidores da GESAS, local onde se realizou a pesquisa documental. Esse local está informatizado

precariamente e muitos dos procedimentos são realizados de forma manual, os prontuários dos

servidores não estão dispostos de forma eletrônica, tornando o trabalho moroso, com perda de

tempo na agilização do atendimento pericial de saúde. Os servidores lotados na GESAS também

estão inseridos num quadro de precarização das condições de trabalho e redução do quadro de

pessoal.

A relação entre a existência da patologia e a precarização do trabalho do servidor público

estadual, afastado em LTS, não é satisfatoriamente explorado pela equipe da GESAS. O trabalho

da equipe técnica que tem por atribuição realizar a avaliação pericial fica fortemente centrado nos

componentes da patologia. Dessa forma, nos prontuários estudados não é suficientemente visível

o contexto laboral, tais como condições, organização e relações sociais do trabalho (sobrecarga,

fadiga, jornadas extensas, ausência de pausas, acidentes, riscos, gratificações, instalações


equipamentos, estresse do trabalho, relacionamentos, ritmo e pressão temporal para a realização

das atividades, entre outros).

Em virtude da sua complexidade, o estudo partiu de diferentes enfoques e campos

disciplinares, buscando-se a articulação entre saúde e trabalho. Os TMC (depressão, estresse, uso

de substâncias psicoativas, dentre outras) e as patologias do sistema osteomuscular e do tecido

conjuntivo (artrose, lombalgia, bursite, tendinite, tenossinovite, dentre outras) associado ou não a

outras comorbidades e suas relações com as características do posto de trabalho do servidor

público estadual demonstraram que há relações entre as questões de saúde e trabalho.

Os diagnósticos de TMC e de patologias do sistema osteomuscular, demonstrados nesta

pesquisa, não enfocam o trabalho como o agente principal do desencadeamento da doença, mas

como um coadjuvante. Os antecedentes familiares, as características de personalidade, o tipo de

humor, a existência de sentimentos de culpa, pensamentos mórbidos ou idéias suicidas, alterações

do sono, o valor atribuído ao trabalho foram aspectos investigados com vistas ao conhecimento do

diagnóstico pericial de saúde do servidor com eficiência e eficácia. Houve registros de ganho

secundário e simulação de doença na amostra estudada, porém não foram significativos.

O modelo dos prontuários adotado na GESAS fornece o registro e o reconhecimento dos

dados clínicos e psicossociais, entretanto, não há uma padronização na forma da redação desses

dados por parte dos profissionais de saúde, dificultando a compreensão das informações

registradas. De certa forma, as indicações clínicas verificadas estão diretamente associadas à visão

de homem e de mundo dos profissionais de saúde, sua formação técnica, seus valores, grau de

minúcia ao analisar as condições clínicas do paciente.

Os servidores das categorias que executam plantões no atendimento à população sofrem

com a pressão temporal ou com o estresse para a realização de certas atividades (plantões em UTI

e em Delegacias de Polícia). As exigências e as características dos postos de trabalho estudados

(educação com prevalência aos cargos de professor, segurança com destaque ao policial,
profissional da saúde e do servidor que atua na área da administração) levam a concluir que o

adoecimento (estresse, depressão e DME) tem associação com o trabalho, quando gera exaustão

emocional, devido à sobrecarga e ao cansaço físico e mental. O adoecimento e tempo médio de

afastamento que prevaleceu foi de 6 meses. Esse tempo pode ser considerado alto se for

observado do ângulo da iniciativa privada.

Os riscos do ambiente de trabalho e as gratificações de insalubridade, periculosidade e

penosidade são benefícios respaldados em legislação própria e auxiliam financeiramente aqueles

trabalhadores que atuam em postos de trabalho com determinadas especificidades técnicas e/ou

riscos. Os fatores do adoecimento psicológico podem estar ou não associados ao trabalho. Fatores

associados ao estresse e questões relacionadas aos componentes genéticos do servidor podem

desencadear os TMC e outras patologias, conforme demonstrado no decorrer do estudo.

O levantamento bibliográfico apresentado no decorrer do trabalho e a relação com a

prática constatada na pesquisa demonstram que existem problemas de saúde específicos no

trabalho em cada área de atuação. Os trabalhadores da Secretaria da Educação vivenciam carga de

trabalho, como os problemas ligados à saúde vocal, manejo de numerosas turmas de alunos,

disciplina, domínio do conteúdo por parte do professor que garanta a aprendizagem, dentre outros.

A Secretaria de Saúde tem suas especificidades de plantões e problemas ligados ao risco de

doenças, associados a infecções (inclusive doenças ocupacionais e acidentes de trabalho), carga

de trabalho com ritmos acelerados e pressão do tempo para realização de algumas tarefas (como

salvar vidas em um hospital público). Os profissionais da Secretaria da Segurança Pública atuam

em situações de violência, defesa do cidadão, estando suas tarefas fortemente associadas ao risco

de vida, contato permanente com armas de fogo e com marginais. Os policiais têm contato

rotineiro com a morte e a pressão da responsabilidade no desempenho das suas tarefas são

considerados elementos do cotidiano de trabalho, causadores de danos à saúde desses

trabalhadores. O processo de trabalho na Secretaria da Administração está centrado na atividade-


meio, pois a missão desta é implantar e implementar a política de recursos humanos do Poder

Executivo, bem como gerenciar a GESAS, que foi alvo desta pesquisa e atende todos os

servidores adoecidos do Poder Executivo.

A realidade vivenciada pelo servidor público é a de retirada gradual de direitos, isto é a

Previdência não possui “fôlego financeiro” para suprir o crescente número de servidores que se

aposentam; o direito de aposentar-se com vencimentos integrais está sendo revisto no sentido de

reduzir o valor desse beneficio; o usufruto de licenças-prêmio não poderá ser incorporado com

vistas à aposentadoria por tempo de serviço; as constantes reformas e mudanças nas legislações

complementares sobre tempo de contribuição e de idade para a aposentadoria; ameaças de

mudanças com tendência a perda do 13º salário, dentre outros aspectos, que contribuem

sobremaneira para as perdas financeira/direitos, afetando a saúde mental dos servidores públicos.

Cabe ao Estado a realização de tarefas de prevenção e promoção de saúde no trabalho, a

fim da garantia de que o aparato estatal não funcione em modo degradado, possuindo os recursos

necessários à implantação e à implementação de políticas de sua responsabilidade, sobretudo nas

áreas de saúde, segurança e educação. Há necessidade de uma política de recursos humanos em

que favoreça aqueles servidores com limitações de saúde a fim de poderem exercer suas funções

em outro local de trabalho. Também são necessários equipamentos e tecnologias para a realização

das tarefas com rapidez e eficiência. Cabe ao Governo realizar com absoluta prioridade a

educação, a saúde e a segurança pública, garantindo ao cidadão condições de vida dignas.

5.1 Algumas sugestões e recomendações

Esta pesquisa buscou dar visibilidade às situações de adoecimento no trabalho e auxiliar,

de alguma forma, no desencadeamento de ações referentes à saúde do trabalhador no serviço

público. Por isso é imprescindível a investigação e a prática de novos estudos. Para a continuidade

de estudos da saúde do trabalhador faz-se necessário que seja garantida uma abordagem
interdisciplinar. As relações entre os TMC com o trabalho no serviço público são complexas, pois

suas abrangências envolvem diferentes óticas: Psicologia, Ergonomia, Direito, Administração,

Antropologia, Sociologia, Medicina, Fisiologia, dentre outras. Há necessidade de continuar a

investigação, juntamente com outros profissionais, com os servidores envolvidos, bem como com

os dirigentes do Poder Público, assegurando a execução de ações de tratamento, prevenção e

promoção de saúde.

A expectativa é de que esta pesquisa não somente colabore com o aperfeiçoamento do

conhecimento científico e da compreensão sobre TMC nos servidores públicos e suas relações

com as características do trabalho, mas especialmente na caracterização epidemiológica do

adoecimento psicológico e, num futuro próximo, possa servir aos profissionais da área a fim de

contribuírem com estudos do nexo epidemiológico de servidores públicos estaduais de Santa

Catarina. Estudos epidemiológicos merecem aprofundamento de forma comparativa com: a) a

população saudável; b) a que adoece (TMC); c) o adoecimento psicológico de outras parcelas de

servidores públicos (outros Estados, a Federação e os maiores municípios do país). Também é

necessário aprofundar o estudo das patologias do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo,

haja vista sua relação próxima com os TMC.

Ações de combate ao estresse, via de regra, não estão incluídos durante a jornada de

trabalho no serviço público estadual. Organizações modernas precisam estar atentas a programas

(sobretudo de adoção de hábitos saudáveis como a prática regular da atividade física) que

busquem atenuar os distúrbios emocionais do dia-a-dia (irritabilidade, ansiedade, insônia,

hipertensão), dessa forma, será possível evitar quadros clínicos agravados como depressão e

outras patologias da categoria F e M da CID-10.

Outra ajuda para efetuar o diagnóstico da depressão pode ser a utilização de escalas de

avaliação. Essas escalas tendem a basear-se na observação e pretendem detectar mudanças de

comportamento e o aparecimento de sintomatologias orgânicas e/ou psicológicas. Psicólogos


suficientemente capacitados e familiarizados com sua utilização podem detectar o grau do estado

depressivo e indicar possibilidades de tratamento.

Na GESAS poderá ser criado um programa educacional voltado para a população de

servidores com TMC, envolvendo o paciente e seus familiares como responsáveis pelo

tratamento. A informação poderá levar o paciente a detectar quando a ocorrência de certos

acontecimentos (estresse, baixa tolerância a frustrações) ou sintomas (irritabilidade, cefaléia,

taquicardia, ansiedade) é sinalizador da possibilidade de desencadear um quadro de TMC,

notadamente depressão.

O volume do atendimento de servidores adoecidos na GESAS é significativo devido a

falta de prevenção; são necessárias a implantação e implementação de políticas de promoção à

saúde e qualidade de vida para os servidores públicos estaduais. Outro destaque é que a população

de servidores públicos está envelhecendo; não ocorrendo investimento em prevenção e promoção

à saúde, a tendência é agravar o aparecimento do número de ocorrências de quadros clínicos de

TMC e DME.
1.INTRODUÇÃO :
Durante a execução das atividades, como acontece com qualquer trabalhador, o servidor
público federal poderá estar exposto a agentes prejudiciais à sua saúde e integridade
física, seja no trabalho executado em interambientes ou ambientes específicos.
O Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor – SIASS, instituído através do
Decreto nº 6.833, de 29/04/09, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão –
MPOG –, através do art.4º, inciso VI, parágrafo 2º, específica a preocupação do poder
executivo federal no que se refere às ações voltadas à preservação da saúde do servidor,
e à redução do absenteísmo laboral.
A saúde e a segurança no trabalho vêm se tornando, ao longo dos anos, preocupações de
extrema importância dentro das organizações. As empresas estão percebendo que a
aplicação de recursos financeiros voltados para a preservação da saúde e integridade
física de seus trabalhadores não é um custo operacional, como já se pensou. O
absenteísmo resultante de acidentes de trabalho e/ou doenças do trabalho ou
profissionais tem chamado a atenção das empresas que perdem mão-de-obra no processo
de produção, afetando desta forma sua “saúde” financeira.
Os acidentes de trabalho, as doenças profissionais e as doenças do trabalho vêm
acarretando um grandioso custo para o país, tanto de ordem social, quanto econômica.
As corporações, em certos casos, não percebem que os custos relacionados ao
afastamento laboral devido aos acidentes e doenças vão muito além daqueles visíveis e
imediatos, tais como os custos diretos no atendimento ao acidentado (REVISTA
PROTEÇÃO, nº 221, p.40). No momento em que se fala em um mundo globalizado de
grande competitividade e concorrência entre empresas, o custo relacionado aos acidentes
e doenças pode ser um diferencial entre as organizações (ALVES LIMA, SILVA e
SOUZA, 2006, p.214), ainda que a pressão por resultados e a utilização de novas
técnicas e procedimentos, possam favorecer a ocorrência de doenças e acidentes de
trabalho (OBADIA,VIDAL, MELO, 2006, p.191) .
A diversidade de atividades profissionais relacionadas à pesquisa, ao ensino e à
extensão em todas as áreas do conhecimento – pilares de sustentação das universidades
brasileiras – é, sem dúvida, bastante ampla. Durante a execução de suas funções, o
servidor público das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) está submetido a
riscos laborais semelhantes aos que se expõem os trabalhadores regidos pela
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. A grande diferença, porém, reside na
prevenção, no cumprimento da legislação e na fiscalização sobre os empregadores, que
fazem com que, no campo da SST, o amparo dado ao trabalhador celetista e o amparo
destinado ao servidor público estatutário não garantam a mesma proteção.
De uma maneira geral, é possível dizer que na realização de suas atividades laborais
diárias os servidores públicos desconhecem algumas informações e conceitos básicos
relacionados à saúde e segurança do trabalho (SST). A ausência dessas informações e
conceitos básicos pode prejudicar a formação de uma consciência prevencionista relativa
a doenças e acidentes do trabalho.
Conforme se observa, as doenças e acidentes de trabalho provocam absenteísmo e
afetam a produtividade, consequentemente, a qualidade dos serviços ofertados à
comunidade, dificultando desta forma que as instituições atinjam suas metas e alcancem
seus objetivos. Esta concepção pode ser reforçada por Lima Moreira (2004, p.9): “A
qualidade no serviço público passou a ser vista como uma necessidade, alicerçada pelo
tripé organizações, servidores e cidadãos mobilizados, todos visando a melhoria da
gestão no serviço público.”
O processo de desenvolvimento do problema de pesquisa norteou-se pelo seguinte
questionamento: que ferramenta o Serviço de Saúde e Segurança no Trabalho (SSST) de
uma IFES pode dispor para contribuir no desenvolvimento de suas atribuições em prol
da SST dos servidores públicos federais no exercício de suas competências
institucionais?

2. OBJETIVOS E METODOLOGIA
O objetivo geral da pesquisa que originou este artigo foi contribuir para o aprimoramento
da gestão da Saúde Ocupacional de uma IFES. Este artigo apresenta um resumo da
revisão bibliográfica da legislação relacionada à saúde e segurança do trabalho voltada
para os servidores das IFES, no Brasil, e também de aspectos relacionados à sua
capacitação e treinamento, em especial o Curso de Capacitação em Saúde Coletiva como
possível ferramenta aplicável à Gestão da Saúde Ocupacional da IFES pesquisada,
contribuindo para a multiplicação de agentes de boas práticas de prevenção em SST e
para a preservação da saúde e integridade física dos servidores.
A pesquisa bibliográfica foi conduzida através da legislação específica aplicável aos
servidores públicos federais. A seguir foi examinado o programa de capacitação
implementado pela área de recursos humanos da IFES foco dessa pesquisa. Dentre os
cursos de capacitação ofertados pela IFES, o Curso de Capacitação em Saúde Coletiva,
por apresentar em seu conteúdo assuntos pertinentes ao objeto de investigação, foi
escolhido como possível ferramenta de gestão da saúde ocupacional.
A investigação dessa possível ferramenta, “Curso de Capacitação em Saúde Coletiva”
oferecido pelo DDRH da IFES pesquisada se procedeu de forma exploratória e
documental, com uma abordagem não apenas quantitativa, mas também qualitativa. O
universo de sujeitos da pesquisa foi constituído pelos servidores técnico-administrativos
da IFES, representados por uma amostra de 10 servidores matriculados na Turma 231
do referido curso, durante o ano de 2010.
Inicialmente foram buscadas junto à Divisão de Treinamento e Avaliação – DTA
informações gerais a respeito dos cursos de capacitação e dos módulos ministrados no
Curso de Saúde Coletiva, oferecido pelo DDRH da IFES. Durante a realização da
pesquisa de campo, foi analisado o projeto do curso em relação a seus objetivos,
conteúdos e metodologia. A seguir, este estudo empregou um questionário, com o
objetivo de identificar conhecimentos adquiridos pelos alunos durante o Curso. Para isso,
foram realizados um pré-teste e um pós-teste com os discentes. O questionário foi
aplicado, portanto, 2 vezes. A primeira, no 1º dia de aula, objetivando registrar os
conhecimentos prévios do discente acerca de assuntos a serem abordados no curso, e a
segunda no último dia de aula, contendo as mesmas questões do 1º questionário
aplicado, visando comparar os resultados e identificar os conhecimentos agregados.
O questionário estruturado, com opções de resposta tipo múltipla-escolha, foi composto
por 30 questões, sendo cinco para cada disciplina do curso (Segurança do Trabalho e
Meio Ambiente; Biossegurança; Hábitos Alimentares e Desperdício; DST/AIDS;
Prevenção de Doenças Crônicas e Degenerativas; Relações Interpessoais). Todas as
questões apresentaram a opção “Não sei a resposta”.
As perguntas foram elaboradas com o apoio dos docentes de cada módulo, a partir dos
programas estabelecidos. A participação destes docentes foi considerada fundamental, de
modo a garantir a coerência entre o que seria avaliado e o que seria trabalhado em sala
de aula. Vale destacar também que na elaboração do instrumento de pesquisa houve o
cuidado e a preocupação em manter as questões de todas as disciplinas no mesmo nível
de dificuldade.

3. A LEGISLAÇÃO DE SST APLICÁVEL AOS SERVIDORES

PÚBLICOS DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS BRASILEIRAS


Dentre as leis relacionadas à SST é possível destacar as Leis nº 6.514/77 e 8.213/91,
além das Normas Regulamentadoras (NR) do Ministério do Trabalho e Emprego
(MTe), existentes desde a década de 1970. Com relação aos servidores estatutários, o
cumprimento da lei, porém, ainda não tem mostrado grande vigor.
Com aproximadamente 540 mil servidores espalhados por todo o País, promover
condições adequadas à proteção da SST torna-se um grande desafio para o governo
federal. Desse total, mais de 180 mil são trabalhadores técnico-administrativos em
educação, atuando nas 52 IFES que englobam as Universidades Federais, as Instituições
Isoladas e os Centros de Educação Tecnológica.
Apesar dos compromissos internacionais assumidos pelo governo brasileiro ao assinar a
Convenção 161 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), dentre outras, muito
pouco se faz em relação à SST dos servidores públicos. Mesmo tendo asseverado há
mais de duas décadas (Decreto 127, de 22/05/91) que “se compromete a instituir,
progressivamente, serviços de saúde no trabalho para todos os trabalhadores, entre os
quais se contam os do setor público e os cooperantes das cooperativas de produção, em
todos os ramos da atividade econômica e em todas as empresas;” e que “as disposições
adotadas deverão ser adequadas e corresponder aos riscos específicos que prevalecem
nas empresas” o governo brasileiro tem dedicado atenção tardia aos riscos enfrentados
por seus servidores estatutários.
A Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 instituiu, no
capítulo referente aos direitos sociais, uma série de direitos voltados aos trabalhadores.
Em seu Art. 39 (atualizado pela Emenda Constitucional 19/98), os servidores públicos
da administração direta são lembrados e a eles é assegurado, dentre outros pontos, o
constante do Art. 7º em relação ao direito à “redução dos riscos inerentes ao trabalho
por meio de normas de saúde higiene e segurança”.
A Lei nº 8.112/90 – que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores – define acidente
em serviço como “o dano físico ou mental sofrido pelo servidor, que se relacione,
mediata ou imediatamente, com as atribuições do cargo exercido”.
A Portaria nº 1.675, de 6 de outubro de 2006, instituiu o “Manual para os Serviços de
Saúde dos Servidores Civis Federais”. Esta Portaria faz referência aos procedimentos
periciais em saúde, para uso clínico e epidemiológico, em busca de uniformizar a política
de seguridade social para todos os servidores civis federais. A criação deste Manual
buscou implantar de forma efetiva um paradigma de valorização da saúde do servidor e,
ao mesmo tempo, viabilizar uma gestão mais eficiente no serviço público.
A Portaria nº 3.214/78, do Ministério do Trabalho e Emprego que aprovou as NR é
aplicável apenas aos servidores regidos pela CLT. Porém, a Portaria nº 1.675/06
recepciona no âmbito do SIPEC (Sistema de Pessoal Civil) as NR nº 07 e 09, do MTe.
A NR-7 estabelece a obrigatoriedade de elaboração e implementação do Programa do
Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO – por parte de todos os
empregadores e instituições que admitam trabalhadores como empregados. Já a NR-9
estabelece a obrigatoriedade da elaboração e implementação do Programa de Prevenção
de Riscos Ambientais – PPRA – visando à preservação da saúde e da integridade dos
trabalhadores, através da antecipação, reconhecimento, avaliação e consequente
controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no
ambiente de trabalho, tendo em consideração a proteção do meio ambiente e dos
recursos naturais.
Posteriormente, o Decreto nº 6.833, de 29/04/2009, do MPOG, revogou o Decreto nº
5.961, de 13 de novembro de 2006 (que instituía o Sistema Integrado de Saúde
Ocupacional do Servidor Público Federal) e instituiu o Comitê Gestor de Atenção à
Saúde do Servidor, integrante do SIPEC, e o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde
do Servidor – SIASS – com o objetivo de “coordenar e integrar ações e programas nas
áreas de assistência à saúde, perícia oficial, promoção, prevenção e acompanhamento da
saúde dos servidores da administração federal direta, autárquica e fundacional”,
mostrando a preocupação do poder executivo federal no que se refere às ações voltadas
à preservação da saúde do servidor e à redução do absenteísmo laboral.
De acordo com o Decreto nº 6.856, de 25/05/09, “a realização de exames médicos
periódicos tem como objetivo, prioritariamente, a preservação da saúde dos servidores,
em função de riscos existentes no ambiente de trabalho e de doenças ocupacionais ou
profissionais”. No caso de acumulação legal de cargos públicos federais, estes exames
periódicos deverão ser realizados com base no cargo de maior exposição a riscos nos
ambientes de trabalho.
As orientações para aplicação do Decreto nº 6.856, de 25/05/09, são estabelecidas pela
Portaria Normativa (PN) nº 4, de 15/09/09, que revogou a Instrução Normativa (IN) nº
1, de 03/07/08, que também tratava dos exames médicos periódicos previstos no art. 21,
Inciso II, da Portaria nº 1, de 27/12/07. De acordo com a PN nº 4, independentemente de
adesão a planos de saúde, os exames médicos periódicos dos servidores públicos
federais ativos, deverão abranger todos os servidores, além dos nomeados para cargos
em comissão e os anistiados que retornaram à administração direta.
A Orientação Normativa (ON) SRH/MPOG nº 2, de 19/02/10, estabelece orientação
sobre a concessão dos adicionais de insalubridade, periculosidade, irradiação ionizante e
gratificação por trabalhos com Raios-X ou substâncias radioativas e objetiva
uniformizar entendimentos no tocante à concessão de adicionais estabelecidos pelos
artigos 68 a 70 da Lei nº 8.112, de 11/12/90, pelo artigo 12 da Lei nº 8.270, de 17/12/91,
e pelo Decreto nº 97.458, de 15/01/89.
A PN nº 3, de 07/05/2010, estabelece orientações básicas sobre a Norma Operacional de
Saúde do Servidor – NOSS, e tem como finalidade a criação de um instrumento que
oriente a implantação de serviços e o desenvolvimento de ações inerentes às áreas de
Vigilância e Promoção à Saúde do Servidor Público Federal. A NOSS é direcionada
para os órgãos e entidades que compõem o SIPEC.
A NOSS apresenta relevantes conceitos para aplicabilidade das ações da Política de
Atenção à SST do Servidor Público Federal, no que concerne a: Acidente em Serviço,
Ambiente de Trabalho, Condições de Trabalho, Equipe Multiprofissional, Organização
do Trabalho, Prevenção, Processo de Trabalho, Promoção à Saúde do Servidor,
Proteção à Saúde, Risco e Vigilância em Saúde do Servidor. A NOSS sustenta-se na
interrelação entre os eixos de vigilância e promoção, perícia médica e assistência à
saúde do SIASS. Para tanto, as ações de treinamento e desenvolvimento dos servidores
são essenciais.
O conceito legal de acidente em serviço no serviço público federal (SPF) é definido pelo
Decreto nº 6.833, de 29 de Abril de 2009, que instituiu o Subsistema Integrado de
Atenção à Saúde do Servidor Público Federal – SIASS – e o Comitê Gestor de Atenção à
Saúde do Servidor, conforme descrito a seguir: “É aquele que ocorre com o servidor
federal, pelo exercício do cargo, função, ou emprego no ambiente de trabalho ou no
exercício de suas atividades a serviço da Administração Pública Federal, provocando
lesão corporal, perturbação funcional ou mental”.
Nesse conceito legal de acidente para o SPF, a utilização da palavra mental é um
diferencial comparado com a definição dada pela Lei nº 8.213, de 24/07/91, em seu
art.19, aplicada para trabalhadores regidos pela CLT.

4. TREINAMENTO & DESENVOLVIMENTO


A associação entre treinamento e desenvolvimento é destacada em Carvalho (1994,
p.69): “O conceito de desenvolvimento também sempre existiu na humanidade e
modernamente é impossível dissociá-lo do conceito de treinamento”.
Ao longo dos anos, a capacitação profissional foi deixando de ser um elemento técnico
para se transformar em um elemento estratégico empresarial. Isso pode ser facilmente
observado na grande concorrência e competitividade entre as empresas que precisam
estar atentas às constantes mudanças no mercado mundial. A velocidade nas
transformações é crescente, as empresas e instituições que não estiverem sensíveis às
mudanças poderão perder seu espaço no mercado.
Conforme Manual de Treinamento e Desenvolvimento da ABTD (1994, p.3),
Nosso momento histórico há uma altíssima e crescente velocidade de
transformação, que faz com que tenhamos de estar abertos e flexíveis para
questionar e modificar nossos paradigmas, para sobreviver num mundo em
transformação. Essa verdade é aplicável tanto em nível de indivíduo, como em
nível coletivo, quer seja um grupo, uma empresa, uma comunidade ou um
país.
Além de investimento em tecnologias modernas, programas de treinamento e
capacitação podem se tornar um diferencial competitivo e o aperfeiçoamento e
desenvolvimento da mão-de-obra pode se tornar uma ferramenta poderosa de
transformação, sendo um “ingrediente” essencial para o sucesso dos negócios.
Lima Moreira (2004, p.53) descreve o treinamento como um instrumento de
transformação organizacional: “o treinamento pode ser um excelente instrumento de
transformação organizacional e de mudanças de atitude pessoal a favor da melhoria dos
serviços prestados.”
Com relação ao Serviço Público Federal, ainda segundo Lima Moreira (2004, p.55), os
programas de treinamento buscam proporcionar aos servidores um melhor desempenho
de suas funções através de novos conhecimentos e habilidades adquiridos, permitindo,
desta forma, acompanhar a rápida e constante evolução tecnológica no exercício das
atividades.

4.1. Treinamento, saúde, segurança do trabalho e qualidade de vida


No exercício das atividades laborais, os trabalhadores frequentemente ficam expostos a
agentes de riscos que podem causar prejuízos à saúde. Cursos de capacitação que
apresentem em seu conteúdo assuntos voltados para a conscientização e prevenção de
acidentes poderão propiciar o desenvolvimento de competências e, desta forma,
viabilizar um trabalho conjunto entre os profissionais especializados em segurança do
trabalho e os trabalhadores participantes dos cursos, que podem se transformar em
agentes multiplicadores de boas práticas de segurança no trabalho. Este aspecto é
corroborado por Souza et all (2006, p.174), que propõe em seu modelo de gestão de
SST: “promover a educação e o treinamento necessários e apropriados dos funcionários,
para viabilizar o atendimento de metas.”
Com base nos aspectos citados anteriormente, no serviço público não poderia ser
diferente: os custos e as consequências dos acidentes e doenças relacionadas às
atividades laborais também apresentam reflexos negativos. Assim, é importante oferecer
aos servidores cursos que contemplem em seu conteúdo programático assuntos desta
natureza, procurando capacitar o servidor para o exercício de sua atividade laboral de
forma mais consciente de modo a evitar exposição a situações de risco de acidentes e
doenças.
O treinamento é, portanto, uma forma de valorização do pessoal, com um maior número
de informações agregadas a uma abrangência maior no campo do conhecimento. Como
já foi dito, o paradigma no qual as empresas enxergavam o investimento no bem-estar do
trabalhador como um custo vai se tornando coisa do passado, pois estas percebem o
“valor” do homem saudável no processo produtivo. A importância da aprendizagem, do
treinamento, da capacitação gerando um bem intangível de grande valor, o conhecimento
humano, é o diferencial competitivo que traz vantagem às organizações perante
concorrentes num mercado cada vez mais exigente, conforme está sendo apontado
através dos autores citados. No serviço público não é diferente.

4.2. O Curso de Capacitação em Saúde Coletiva


Com base em toda a legislação já citada anteriormente, a DTA da IFES pesquisada
implantou cursos de capacitação possibilitando a criação de oportunidades de
crescimento efetivo e ações voltadas ao desenvolvimento e ao bem-estar funcional dos
servidores técnico-administrativos. Desta forma, a IFES procura proporcionar maior
eficiência, eficácia e qualidade nos serviços prestados pela Instituição à sociedade.
Nesse contexto, dentre tais cursos, a DTA implantou o Curso de Saúde Coletiva em
2007, abordando em seu conteúdo programático temas relacionados a relações
interpessoais, comunicação corporativa, biossegurança, saúde integral do adulto,
segurança do trabalho e meio ambiente. Seu objetivo maior é desenvolver competências
básicas para a promoção de uma comunicação mais eficaz e competências técnicas
específicas, de acordo com cada um dos ambientes organizacionais, promovendo, desta
forma, o crescimento profissional dos servidores de forma associada ao institucional.
O Curso de Capacitação em Saúde Coletiva contempla, em seu programa, temas
relacionados à SST sob diferentes aspectos, podendo desta forma funcionar como uma
ferramenta de gestão de saúde ocupacional desta Universidade. Os temas desenvolvidos
nos módulos do curso de capacitação apresentam uma abordagem que pode contribuir na
formação de agentes multiplicadores de boas práticas de prevenção a SST e, desta forma,
contribuir também com o desenvolvimento das competências a serem desenvolvidas pelo
SSST da Instituição foco dessa pesquisa.
O SSST é subordinado à Divisão de Saúde Ocupacional – DSO – e tem como uma de
suas atribuições fazer cumprir a legislação pertinente a Segurança e Saúde do servidor no
âmbito dessa Instituição Federal de Ensino. As atribuições e ações do SSST estão
amparadas pelo Subsistema de Atenção a Saúde de Servidor – SIASS –, conforme já
citado anteriormente. O SIASS é parte integrante da Política Nacional de prevenção à
Saúde do Servidor Federal.
Durante o ano de 2010, na IFES foco dessa pesquisa, foram comunicados 79 (setenta e
nove) acidentes do trabalho, através da Comunicação Interna de Acidente de Trabalho –
CIAT. Nessa estatística não constam informações a respeito de doenças do trabalho e
profissionais. Considerando que as doenças do trabalho ou profissionais são adquiridas
pela exposição a determinado agente de risco ao longo do tempo, e que os acidentes
apresentam causa imediata, as Comunicações Internas de Acidentes de Trabalho –
CIATs ocorridas durante o ano de 2010 estão relacionadas apenas às causas imediatas.
Diante da quantidade de servidores – aproximadamente 4.000 pessoas – , desenvolvendo
as mais diversas atividades profissionais dentro de uma Universidade, em seus variados
espaços pode-se presumir que haja subnotificação, levando em consideração, inclusive, a
própria definição legal de acidente de trabalho para o serviço público. É possível
suspeitar de uma cultura na qual o próprio trabalhador acredita que só acidentes com
lesões sérias ou mesmo incapacitantes – que geram afastamento e/ou aposentadorias
precoces – é que devem ser registrados.
Oliveira (2007, p. 210) destaca a quantidade de acidentes que não são notificados:
Todavia, é grande a quantidade de ocorrências que não são notificadas, por
ignorância dos envolvidos, por receio das conseqüências ou por falta de
registro formal do trabalhador. Avalia-se que os registros só abrangem 50%
dos acidentes efetivamente ocorridos [...]
Conforme foi dito, o Curso de Capacitação em Saúde Coletiva oferecido pelo
Departamento de Desenvolvimento de Recursos Humanos, através da Divisão de
Treinamento e Avaliação, da Instituição foco dessa pesquisa, contempla em seus
módulos temas que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde e a segurança do
trabalho em seus diferentes aspectos. Além disso, os dados apresentados anteriormente
mostram que a capacitação de servidores é fundamental no cenário da SST dessa
Instituição. Para tanto, os servidores lotados no Serviço de SST da IFES pesquisada
poderiam ter uma participação mais efetiva na elaboração do conteúdo a ser abordado
durante a realização do Curso de Capacitação em Saúde Coletiva, possibilitando que o
referido Curso se tornasse uma ferramenta mais efetiva na gestão da saúde ocupacional
da Universidade.
Por outro lado, o exame documental do curso e o trabalho de campo mostraram uma
dinâmica muito teórica que poderia ser transformada, estendendo-se para atividades de
caráter prático desenvolvidas durante a realização da capacitação. Essas atividades
poderiam contribuir no desenvolvimento de competências a serem aproveitadas pelo
SSST, além de privilegiar os conhecimentos prévios dos participantes que, sendo
adultos, muito teriam a ganhar em termos de aprendizagem.
Além de uma frequência mínima em cada módulo do Curso de Capacitação (75%), o
servidor para obter o Certificado de Conclusão, deverá também apresentar um trabalho
ao final do módulo. O trabalho final poderia ser desenvolvido através de uma abordagem
voltada para a saúde ocupacional da Instituição. Desta forma, o trabalho final poderia se
transformar em uma importante ferramenta de apoio ao SSST da Instituição no
desenvolvimento de suas atribuições.

5. RESULTADOS ALCANÇADOS NO PRÉ-TESTE E NO PÓS-


TESTE
Como já descrito anteriormente, foi aplicado um questionário estruturado através de um
pré-teste e um pós-teste realizado pelos discentes no 1º dia de aula e no último dia de
aula, visando comparar os resultados e identificar os conhecimentos agregados. A seguir
é apresentado o resultado da aplicação através de tabelas e gráficos:

Pode ser observado na Tabela 01 que o menor índice inicial de erro, 10 %, ocorreu nas
disciplinas de Segurança do Trabalho e Meio Ambiente, questões 1 a 5, e na disciplina
de Prevenção de Doenças Crônicas e Degenerativas, questões 21 a 25.
O maior índice inicial de acertos ocorreu nas questões 21 a 25 referentes à disciplina de
Prevenção de Doenças Crônicas e Degenerativas, com o total de 84%. Em seguida, a
disciplina de Hábitos Alimentares e Desperdício, questões 11 a 15, apresentou o segundo
maior índice inicial percentual de acertos, 82%.
Nas questões 1 a 5, correspondentes à disciplina de Segurança do Trabalho e Meio
Ambiente, foi encontrado o maior índice inicial – 46% – de opção pela alternativa “Não
Sei a Resposta”, seguido com um valor próximo pela disciplina de Biossegurança, com
44%.. A opção pela alternativa “Não Sei a Resposta” pode trazer a idéia de ausência de
informações a respeito dos temas abordados, diferentemente das questões que foram
respondidas erradamente, caso em que o respondente parece conhecer o assunto, porém,
por algum motivo ou falta de domínio completo sobre a matéria abordada é levado ao
erro.
O que chama a atenção na ausência de informações dessa natureza é que as disciplinas
de Segurança do Trabalho e Meio Ambiente e Biossegurança, pertencentes ao módulo
específico do Curso de Capacitação em Saúde Coletiva, são disciplinas afinadas à
preocupação com a prevenção de acidentes e/ou doenças profissionais e do trabalho onde
são exercidas as atividades laborais de 70% dos respondentes ao questionário
estruturado. Estes servidores são procedentes da área da saúde, onde desenvolvem suas
competências profissionais.
As questões 11 a 15 e 21 a 25, que correspondem às disciplinas de hábitos Alimentares e
Desperdício e Prevenção de Doenças Crônicas e Degenerativas, respectivamente,
tiveram o índice percentual de 6% com respostas na opção “Não Sei a Resposta”. Na
análise do índice percentual relacionado ao pré-teste, a disciplina de Relações
Interpessoais, pertencente ao módulo básico, foi a que obteve o menor percentual de
respostas com a opção “Não Sei a Resposta”. Presume-se que tal ocorrência esteja
relacionada ao cotidiano dos respondentes e à socialização natural do dia-a-dia.
A seguir serão apresentados através da Tabela 02 os índices percentuais finais resultantes
da aplicação do pós-teste.
Pode ser observado na Tabela 02, que o índice final de erro nos intervalos de questões 1
a 5, referente à disciplina de Segurança do Trabalho e Meio Ambiente e o intervalo de 6
a 10 referente à disciplina de Biossegurança, apresentaram percentuais de 18% e 34%,
respectivamente. São índices superiores aos obtidos no pré-teste para as mesmas
disciplinas, 10% e 28%, respectivamente. Tais índices encontrados divergem de uma
abordagem lógica, considerando que após adquirir novos conhecimentos durante a
participação do programa de capacitação, os respondentes, esperadamente deveriam
obter um índice de acerto superior no pós-teste em comparação com o pré-teste. Porém,
pode ser observado que no índice final percentual da alternativa escolhida “Não Sei a
Resposta” por parte dos respondentes, ocorreu uma redução considerável de 46% para
4%, questões 1 a 5, disciplina de Segurança do Trabalho e Meio Ambiente; e 44% para
4%, questões 6 a 10, disciplina de Biossegurança.
Ou seja, os resultados dos testes mostram que os respondentes agregaram novos
conhecimentos específicos, resultado da abordagem dessas duas disciplinas, e passaram
a ter confiança em assinalar uma das opções das questões do questionário estruturado
que não correspondesse à alternativa “Não Sei a Resposta”. Consequentemente, o
número de questões assinaladas com a opção correta aumentou de 44% para 78%,
questões 1 a 5, disciplina de Segurança do Trabalho e Meio Ambiente; e 28% para 62%,
questões 6 a 10, disciplina de Biossegurança. Porém, por algum outro fator, que não
fosse a ausência de tal conhecimento, em algumas questões persistiram dúvidas, levando
à escolha de opção errada.
Este pode ser considerado um exemplo de tema a ser melhor abordado na próxima
turma, reforçando a relevância dos processos avaliativos.
Nas disciplinas de Hábitos Alimentares e Desperdício, questões 11 a 15, com índice final
percentual 10%; DST/Aids, questões 16 a 20, com índice final percentual 20% e
Relações Interpessoais, questões 26 a 30, com índice percentual 12%; ocorreu uma
redução no índice final percentual de erro no pós-teste em comparação com o obtido no
pré-teste.
A respeito das questões 21 a 25, que correspondem à disciplina de Prevenção de
Doenças Crônicas e Degenerativas, não houve variação no índice percentual de erros
encontrados, 10%, considerando pré-teste e pós-teste. Porém, o índice percentual de
acertos aumentou e o índice percentual de escolha da opção “Não Sei a Resposta”
diminuiu no pós-teste.
O Gráfico 01, apresentado a seguir mostra o resultado obtido através da análise
individual das questões que fazem parte do questionário estruturado aplicado no primeiro
dia da capacitação.

O Gráfico 01 apresenta em uma mesma coluna o resultado por questão do número de


acertos, erros e “Não Sei a Resposta”. Pode ser observado que as colunas que
representam as questões de número 13, 14, 15, 19, 23 e 27 são preenchidas totalmente
pela cor vermelha que representa o número de acertos, ou seja, todos os respondentes
acertaram essas questões durante a aplicação do pré-teste.
Ainda analisando o Gráfico 01, constata-se uma predominância da cor vermelha na parte
mais à direita do gráfico de colunas, onde pode se concluir que no pré-teste a partir da
metade final das questões que compõem o questionário estruturado, o índice de acerto
por parte dos respondentes foi maior que o índice obtido na metade inicial das questões,
que no gráfico estão localizados mais à esquerda.
No resultado obtido através da análise gráfica advinda do questionário estruturado é
observado que no pré-teste os respondentes optaram pela alternativa “Não Sei a
Resposta” em maior número nas primeiras 10 questões.
O Gráfico 02, representado abaixo, apresenta o resultado do pós-teste, com 30 questões
representadas através de 30 colunas, contendo a quantidade de acertos, erros e não sei a
resposta, representado pelas cores vermelha, azul e verde, respectivamente.

Analisando o Gráfico 02, resultado do pós-teste, comparado ao gráfico 01, resultado do


pré-teste, se percebe uma predominância da cor vermelha que representa o número de
acertos ao longo de todo o gráfico no pós-teste.
O número de colunas preenchidas totalmente pela cor vermelha, representativa dos
acertos no pós-teste, aumentou em relação ao pré-teste.
A cor verde, representativa da opção de escolha da alternativa “Não Sei a Resposta”,
muito presente no pré-teste, apareceu de forma muito reduzida no pós-teste.
O que se percebe ao final da análise comparativa entre o pré-teste e o pós-teste é que o
curso efetivamente contribui para o desenvolvimento de conhecimentos dos
participantes, mas alguns conteúdos poderiam ser suprimidos dando lugar a outros, mais
diretamente implicados na melhoria das condições de saúde e segurança dos servidores.

6. CONSIDERACÕES FINAIS
No desenvolvimento deste estudo procurou-se através da revisão de literatura pesquisas
que pudessem contribuir no levantamento de temas relacionados a SST dos servidores
públicos das Instituições Federais de Ensino, a legislação e a treinamento e capacitação.
A importância do conhecimento e da competência dos servidores técnico-administrativos
das Instituições Federais de Ensino e seu aprendizado contínuo, incorporando valores ao
serviço público federal, possibilita melhores resultados no atendimento à população.
A evolução da legislação voltada para o tema SST no serviço público federal mostra a
importância e preocupação depositada pelo governo federal ao assunto. O absenteísmo,
resultado de acidente do trabalho ou doença do profissional interfere negativamente não
apenas no desempenho institucional, mas também na vida do servidor. No entanto, os
resultados do estudo aqui sintetizado revelam que existe um grande abismo entre o que é
vivido no campo da SST por trabalhadores da iniciativa privada e servidores públicos.
Desde os exames médicos ocupacionais, passando pelos programas de controle de riscos,
até as notificações de acidentes, dentre outros aspectos, no serviço público a atenção à
saúde e segurança dos trabalhadores está longe de atingir um patamar satisfatório e, em
muitos casos, está longe até mesmo de cumprir a legislação.
O Curso de Capacitação em Saúde Coletiva, implantado pela Instituição foco da
pesquisa, ao abordar conteúdos relacionados à SST, poderia ser mais bem utilizado como
uma ferramenta da gestão de saúde ocupacional na Instituição de Ensino. O servidor da
IFES, concluinte deste programa de capacitação, poderia se tornar um agente
multiplicador de comportamentos seguros, através da socialização do conhecimento, no
que diz respeito à prevenção de acidentes e doenças profissionais.
1 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO COMO DIREITO FUNDAMENTAL

1.1 DIREITOS FUNDAMENTAIS, DIREITOS HUMANOS E DIREITOS DE


PERSONALIDADE
Cabe inicialmente distinguir referidos direitos. Os direitos
fundamentais são aqueles positivados no ordenamento jurídico interno, contendo um
conjunto de direitos e liberdades, em sentido mais preciso. Os direitos humanos
foram concebidos inicialmente como forma de defesa em face ao Estado absolutista
monárquico, e tiveram sua origem em declarações e convenções internacionais e
em patamares mínimos como a observância à dignidade, a liberdade e igualdade da
pessoa humana, e que não alcançaram estatuto jurídico positivo. Os direitos da
personalidade, ao contrário, manifestam-se numa dimensão privatista,
correspondente às faculdades exercidas normalmente pelo homem9.
A característica primeira dos direitos fundamentais realmente era
sua eficácia vertical, pois “consistem em garantias oponíveis contra o Estado, com a
finalidade de proteção do particular, para equilibrar tanto as relações entre o cidadão
e o Estado quanto as relações entre os próprios particulares, quando se diz que os
direitos fundamentais têm eficácia horizontal que impõe ao Estado o dever de eleger
o direito que prevalece no caso concreto.10 O Ministro do STF, Gilmar Ferreira
Mendes, ao analisar a temática dos direitos fundamentais e o controle da
constitucionalidade, traça a idéia central da importância dos direitos fundamentais
em nossa Constituição, seja pela sua posição topográfica (logo no início do texto),
seja pela vastidão com que foi tratada na Carta Política (do artigo 5º ao artigo 7º,
com setenta e oito incisos integrados e em continuidade só no artigo 5º), e os limites
em que o legislador pode atuar no sentido de restringi-los e conformá-los. É sob
esse prisma que se veda qualquer tentativa de solapamento de referidos direitos por
qualquer tentativa legislativa. O autor desenvolve diversas idéias secundárias a
partir desse raciocínio, dentre as quais a existência de um o núcleo essencial do
direito fundamental, que evitaria o esvaziamento dos direitos de liberdade, por meio
da doutrina das garantias institucionais:

A Constituição brasileira de 1988 atribuiu significado ímpar aos direitos


individuais. A colocação do catálogo dos direitos fundamentais no início do
texto constitucional denota a intenção do constituinte de emprestar-lhes
significado especial. A amplitude conferida ao texto, que se desdobra em
setenta e sete incisos e dois parágrafos (art. 5º), reforça a impressão sobre
a posição de destaque que o constituinte quis outorgar a esses direitos. A
idéia de que os direitos individuais devem ter eficácia imediata ressalta a
vinculação direta dos órgãos estatais a esses direitos e o seu dever de
11
guardar-lhes estrita observância.

O direito fundamental, na lição do Gilmar Mendes, pode ser objetivo


ou subjetivo. Subjetivo quando permitir ao cidadão se opor ao Estado e objetivo
quando funcionar como base do ordenamento jurídico (por exemplo, propriedade,
associação, casamento, proteção judiciária, remédios constitucionais etc.). São
direitos de defesa, uma vez que constituem o instrumento do cidadão para se opor
quando das interferências do Estado, assegurando-lhe a liberdade individual, o que,
obviamente, só pode ser realizado numa sociedade livre e democrática. Nesse
aspecto o cidadão pode exigir abstenção, revogação, anulação, de consideração, de
proteção, limitando o poder do Estado e assegurando-lhe o direito de liberdade. Mas
não basta a simples existência do direito; é mister que para a sua efetivação o
Estado disponha de meios materiais para implementar e efetivar as liberdades
fundamentais pelos particulares, tais como o direito ao processo, o direito à
igualdade. Essa atuação do Estado confere e este direito nítida natureza de
“prestação positiva”. Nesses casos, a atuação do legislador revela-se indispensável
para a própria concretização do direito. Pode-se ter aqui autêntico dever
constitucional de legislar (Verfassungsauftrag), que obriga o legislador a expedir atos
normativos “conformadores” e concretizadores de alguns direitos12:

A conformação de direitos individuais assume relevância sobretudo no


tocante aos chamados direitos com âmbito de proteção estrita ou
marcadamente normativa (rechtsnormgeprägter Schutzbereich), uma vez
que é a normação ordinária que acaba por conferir conteúdo e efetividade à
13
garantia constitucional.
Como direito fundamental para essa efetivação pelo Estado surge o
direito ao procedimento, sem o qual o direito fundamental não se materializa, sem
que, como anota Ingo Sarlet, se tenha instrumentos de como exigir do Estado a
prestação desse direito. O direito ao procedimento foi abordado por Canotilho, que
anota que o direito fundamental material tem irradiação sobre o procedimento,
devendo este ser conformado de forma a assegurar a efetividade ótima do direito
protegido. Outra peculiaridade dessas pretensões a prestações de índole positiva é
a de que elas estão voltadas mais para a conformação do futuro do que para a
preservação do status quo.14
O Ministro Gilmar Mendes aborda o direito à igualdade como direito
fundamental e a hipótese de exclusão de benefício incompatível com o princípio da
igualdade – visto tanto como exigência de tratamento igualitário, quanto proibição à
discriminação. A exclusão do benefício incompatível com o princípio da igualdade se
verifica de forma concludente quando a lei concede benefícios apenas a um grupo
específico e é explícita quando a lei outorga determinados benefícios a certo grupo e
exclui sua aplicação a outros. Fala-se em exclusão de benefício incompatível com o
princípio da igualdade quando uma norma afronta o princípio, concedendo
vantagens a determinados grupos ou segmentos apenas, podendo se dar de forma
explícita ou concludente.
Como direito objetivo, os direitos fundamentais demandam do
Estado atuação no sentido de garanti-los contra agressão também de terceiros,
competindo aos órgãos estatais conformar esses direitos, ao que se chama dever de
proteção, o que envolve ora uma atuação negativa, ora uma atuação positiva do
Estado; dever de proteção a direitos. Aqui o Estado assume papel de guardião, de
garantidor contra o arbítrio do particular. Ao contrário do que pode parecer, os
direitos fundamentais podem ser limitados. É mister, todavia, definir o âmbito dessa
proteção, por meio de definição de um núcleo ou âmbito de proteção normativa,
definindo-se o objeto dessa proteção e a criação de restrições ou limitações a esses
direitos. “Os direitos individuais, enquanto direitos de hierarquia constitucional,
somente podem ser limitados por expressa disposição constitucional (restrição
imediata) ou mediante lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria
Constituição (restrição mediata)”.15
Esse núcleo seria “a parcela da realidade que o constituinte houve
por bem definir como objeto de proteção especial”16. Isso confere ao direito de
proteção uma característica não de definitividade ou de efetividade perene, mas de
proteção nos limites previstos pelo legislador constitucional. Essas limitações são
também chamadas de conformação e restrição, técnicas pelas quais se estabelecem
limites ao âmbito de proteção, por meio de expressões como “nos termos da lei”,
“salvo nas hipóteses previstas em lei” etc.
Todavia as normas podem também completar, densificar e
concretizar direitos fundamentais. A conformação de direitos individuais assume
relevância sobretudo no tocante aos chamados direitos com âmbito de proteção
estrita ou marcadamente normativo (rechtsnormgeprägter Schutzbereich), uma vez
que é a norma ordinária que acaba por conferir conteúdo e efetividade à garantia
constitucional.
Fábio Freitas Minardi defende a aplicação da teoria da eficácia
indireta ou mediata às relações de trabalho que versem sobre direitos fundamentais,
com vistas a dar efetividade aos direitos fundamentais reconhecidos aos
trabalhadores pela Constituição Federal de 1988:

Embora já existem várias leis de cunho trabalhista (oriundas do legislador


ordinário) que determinam a aplicação concreta de direitos fundamentais
previstos na Carta Política de 1988, de forma que poderíamos afirmar que
ter-se-ia adotado como no nosso país a teoria da eficácia indireta ou
mediata (mittelbare indirekte Drittwirkunt), o fato é que, longe de discordar
com os dessa corrente, mesmo porque entenda-se que o legislador privado
deve sempre atuar em defesa do cidadão, entendo que é perfeitamente
possível e absolutamente necessário a aplicação da teoria da eficácia
imediata dos direitos fundamentais (unmittelbare direkte Drittwirkung) –
eficácia horizontal – no Direito do Trabalho brasileiro. Com efeito, se o
empregado está juridicamente subordinado ao patrão, como elemento
caracterizador da relação de emprego previsto no artigo 3° da CLT, e que,
diante dessa situação, possa vir a ser lesado em seus direitos fundamentais
previstos tanto no artigo 5°, quanto no artigo 7° d a CRFB/88 (como a sua
dignidade, integridade física, irredutibilidade de salário, etc), não se pode
negar a ele o exercício de ação ou de defesa contra o agressor.
[...].
O Brasil constitui uma nação emergente, em que o desenvolvimento
humano ainda está longe do ideal e por isso a Constituição estabeleceu os
direitos fundamentais, dentro de uma concepção solidarista oriunda do
Estado do ´bem estar social´. Acontece que de nada adianta a existência
desse preceito, se não for possível aplicá-lo. E não basta reconhecer que o
trabalhador dispõe de direitos fundamentais, que os mesmos são oponíveis
não só perante o Estado, mas também perante os particulares.
Entrementes, logicamente que o empregador também possui direitos
fundamentais, e por isso também lhe é garantido invocar tais direitos.
Contudo, no conflito de direitos fundamentais entre empregado X
empregador, devemos nos socorrer ao critério de ponderação, ou, como
afirmou JJ Gomes Canotilho, adotar ´soluções diferenciadas´, aplicando
aquele direito fundamental que é mais potencialmente valorativo, sendo
possível utilizar o critério sugerido por Luís Roberto Barroso, destacando a
relevância dos seguintes fatores no processo ponderativo: igualdade ou
desigualdade material; manifesta injustiça ou falta de razoabilidade de
critério; preferência para valores existenciais sobre os patrimoniais; e, risco,
17
principalmente, para a dignidade da pessoa humana.

Existem dois tipos de restrições: de garantia ou a garantia. Os


direitos individuais, enquanto direitos de hierarquia constitucional, somente podem
ser limitados por expressa disposição constitucional (restrição imediata) ou mediante
lei ordinária promulgada com fundamento imediato na própria Constituição (restrição
mediata).18
Se se considerar como restritiva a cláusula que obsta à
concretização de um princípio de direito fundamental, então se tem de admitir que,
do prisma ontológico, tanto aquelas restrições estabelecidas pelo legislador com
respaldo expresso na Constituição quanto essas limitações decorrentes diretamente
do texto constitucional devem ser consideradas como cláusulas de restrição de
direitos. Nos casos de estado de necessidade, poderão surgir restrições
diferenciadas. A utilização de fórmulas vagas e de conceitos indeterminados pode
configurar autêntica ameaça aos direitos individuais.19
A questão da reserva legal envolve aspectos formais, relacionados
com a competência para o estabelecimento de restrição, o processo e a forma de
realização, e com aspectos materiais, referentes ao exercício dessa competência,
principalmente no que concerne às condições das reservas qualificadas, aos limites
estabelecidos pelo princípio da proteção do núcleo essencial, à aplicação do
princípio da proporcionalidade e, com ele, do princípio da ponderação.
Sem dúvida o legislador possui competência para estabelecer
limitações aos direitos individuais, como o da liberdade, por exemplo. Esses direitos
denominam-se reserva legal simples e reserva legal qualificada. A primeira é uma
simples restrição legal imposta pelo legislador em lei. A segunda trata dos casos em
que a Constituição prevê a existência de restrições em leis, que dependem de
regulamentação. A única hipótese de criação de reserva legal, além da prevista na
Constituição, seria a existência do que Gilmar Mendes chama de “possibilidade de
colisão”, o que “legitimaria o estabelecimento de restrição a um direito não
submetido a reserva legal expressa”.
Mas essas restrições são limitadas, tratando-se de limites imanentes
ou limites dos limites em restringir direitos fundamentais, o que se faz protegendo-se
o núcleo essencial do direito fundamental, o Gilmar Mendes chama de “princípio da
proteção do núcleo essencial”. Essa fixação do núcleo essencial tem como objetivo
evitar o esvaziamento dos direitos de liberdade, através da doutrina das garantias
institucionais, segundo a qual determinados direitos concebidos como instituições
jurídicas deveriam ter o mínimo de uma essência garantido constitucionalmente. Na
esteira do “princípio da proteção do núcleo essencial” surgem as seguintes teorias:
a) teoria absoluta = o núcleo está a salvo de qualquer mudança e pela intervenção
legislativa; b) teoria relativa = mediante processo de ponderação entre meios e fins,
com base no princípio da proporcionalidade, o núcleo essencial seria aquele mínimo
insuscetível de restrição ou redução com base nesse processo de ponderação.
Segundo essa concepção, a proteção do núcleo essencial teria significado
marcadamente declaratório, ou seja, o núcleo essencial deve ser definido em cada
caso, tendo em vista a norma em sentido restritivo. Para Gilmar Mendes, ambas as
teorias têm desvantagens, uma por ser dura demais, olvidando que o direito não
consegue dar conta das demandas sociais; outra por levar ao esvaziamento pelo
excessivo poder de precarização e descaracterização dos princípios centrais do
sistema constitucional. Sem dúvida o objetivo de ambas é a proteção contra as
atividades legislativas em sentido contrário. Hesse propõe uma fórmula conciliadora,
que prega a proporcionalidade, guardado o núcleo essencial do direito; busca maior
harmonização das finalidades. Existe controvérsia doutrinária, ainda, no que se
refere à interpretação do núcleo essencial: se caberia a acepção objetiva ou
subjetiva. De qualquer sorte, visa-se à tutela do instituto.
Gilmar Mendes analisa a possibilidade de controle da
constitucionalidade a partir do princípio da proporcionalidade, a exemplo do que
ocorre no direito alemão, ou seja, quando legislador atua com excesso de poder
legislativo à violação do princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso.
Para ele, a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de
imposição de restrições a determinados direitos, se deve indagar não apenas sobre
a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada (reserva legal),
mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio
da proporcionalidade. O meio não será necessário se o objetivo almejado puder ser
alcançado com a adoção de medida que se revele a um só tempo adequada e
menos onerosa20. Entre nós, o STF utilizou-se, em casos de colisão de direitos
fundamentais, como regra de ponderação entre os direitos em conflito, o referido
princípio da proporcionalidade quando o legislador agiu com excesso de poder
legislativo.
Mas se de um lado é possível a restrição aos direitos fundamentais,
como visto, veda-se o uso de restrições casuísticas, ou seja, as restrições aos
direitos individuais devem ser estabelecidas por leis que atendam aos requisitos da
generalidade e da abstração, evitando, assim, tanto a violação do princípio da
igualdade material quanto a possibilidade de que, por meio de leis individuais e
concretas, o legislador acabe por editar autênticos atos administrativos.
Como se está falando em direitos fundamentais, em determinado
momento poderá ocorrer colisão entre esses direitos, quando forem exercidos entre
indivíduos diferentes, ambos detentores de igual proteção. Em muitos casos, trata-
se de meros conflitos aparentes, pois já são objetos de tutela específica e, portanto,
colocam-se fora do âmbito de proteção do direito fundamental. Tem-se, pois,
autêntica colisão apenas quando um direito individual afeta diretamente o âmbito de
proteção de outro direito individual. Em se tratando de direitos submetidos à reserva
legal expressa, compete ao legislador traçar os limites adequados, de modo a
assegurar o exercício pacífico de faculdades eventualmente conflitantes. E neste
caso, qual dos direitos deve ser tutelado em detrimento do outro? O uso da
hierarquia entre os direitos não parece ser a melhor técnica, sob pena de cingir-se a
unicidade da carta política. É certo que se tecnicamente o constituinte distinguiu os
direitos individuais submetidos à reserva legal expressa daqueles outros, não
submetidos a esse regime, esse fato decorreu de ter vislumbrado perigo de colisão
nos primeiros e admitido que tal se não verificaria nos últimos. Isso não significa
que, constatado o conflito, deva a questão permanecer não resolvida. Todavia, não
se há de utilizar o pretexto de pretensa colisão para limitar direitos insuscetíveis, em
princípio, de restrição. Por isso a limitação decorrente de eventual colisão entre
direitos constitucionais deve ser excepcional. A própria cláusula de imutabilidade de
determinados princípios há de servir de baliza para evitar que, mediante esforço
hermenêutico, se reduza, de forma drástica, o âmbito de proteção de determinados
direitos. O STF entende pela prevalência das clausulas pétreas que, embora não
estabeleçam hierarquia, mostram que deve sobressair o princípio da dignidade
humana. Defende Gilmar Mendes o uso de um “juízo de ponderação” para saber
qual deve prevalecer (cita exemplos da farra do boi, do teste de DNA na
investigação de paternidade, da greve de fome etc.), não olvidando que, no Direito
brasileiro, o princípio da dignidade humana assuma relevo ímpar na decisão do
processo de ponderação entre as posições em conflito. É certo, outrossim, que o
Supremo Tribunal Federal está a utilizar-se conscientemente do princípio da
proporcionalidade como “lei de ponderação”, rejeitando a intervenção que impõe ao
atingido um ônus intolerável e desproporcional. Em se tratando de dois direitos
individuais especiais, deve-se analisar a especialidade intrínseca de cada um deles.
Nesses casos de autêntica concorrência entre direitos fundamentais, portanto, tem-
se uma dupla vinculação do legislador, que deve observar as disposições da norma
fundamental “mais forte” (suscetível de restrição menos incisiva).
Antônio Augusto Cançado Trindade, citando W. P. Goemley, afirma
que: “o direito fundamental à vida, assim propriamente entendido, fornece uma
ilustração eloqüente da inter-realação e indivisibilidade de todos os direitos
humanos”.21 Na mesma obra, Cançado Trindade afirma que os membros do Comitê
de Direitos Humanos têm expressado o ponto e vista de que o artigo 6 do Pacto de
Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas requer que o Estado “tome medidas
positivas para assegurar o direito à vida, inclusive providências para reduzir o índice
de mortalidade infantil, prevenir acidentes industriais e proteger o meio ambiente”.22
Dessa feita, Gros Espiell afirma que “a atual doutrina internacional dos direitos
humanos efetivamente se inclina no sentido de aproximar o direito à vida em sua
ampla dimensão do direito de viver; Gros Espiell tem argumentado que se
encontram eles ´necessária e dialeticamente inter-relacionados e não podem ser
plenamente entendidos sem referência um ao outro`”.23
Para Cançado Trindade, tanto a Assembléia Geral das Nações
Unidas, através da Resolução 37/189A, de 1982, quanto a Comissão de Direitos
Humanos das Nações Unidas, através das Resoluções 1982/7, de 1982, e 1983/43,
de 1983, têm inequivocamente tomado posições firmes de que “todos os indivíduos
e todos os povos têm direito inerente à vida, e de que a salvaguarda desse direito
fundamental constitui condição essencial para o gozo da totalidade dos direitos civis
e políticos, assim como direitos econômicos, sociais e culturais”. Sob esse ponto de
vista não há como se fracionar os direitos fundamentais, sendo o maior deles o
direito à vida, que só pode ser obtido em sua plenitude se a totalidade dos direitos
fundamentais for observada, em sua integralidade.
No dizer de Enoque Ribeiro dos Santos: “os direitos humanos
existem para que o indivíduo possa exigi-los efetivamente do Estado. Esses direitos
devem possuir, no mundo jurídico, papel semelhante a um título executivo
constitucional que, uma vez não adimplido, propicia a seu possuidor exigir o seu
efetivo cumprimento judicialmente, mesmo que em face da expropriação ou
constrição dos bens do devedor, no caso o Estado”.24 E o direito à vida está
intrinsecamente ligado ao direito a um meio ambiente sadio. Cançado Trindade
chama atenção para o fato de o artigo 6 do Pacto de Direitos Civis e Políticos das
Nações Unidas sobre o direito fundamental e inerente à vida ser o único dispositivo
do Pacto que faz referência expressa à “inerência de um direito”, e que não só o
indivíduo, mas os povos têm direito inerente à vida. Esse raciocínio permitiu a
referido autor deduzir que o direito a um meio ambiente sadio e o direito à paz são
extensões ou corolários do direito à vida:

O caráter fundamental do direito à vida torna inadequados enfoques


restritos. Sobre o direito à vida, sem seu sentido próprio e moderno, não só
se mantém a proteção contra qualquer privação arbitrária da vida, mas,
além disso, encontram-se os Estados no dever de ´buscar diretrizes
destinadas a assegurar o acesso aos meios de sobrevivência´ a todos os
indivíduos e a todos os povos. Nesse propósito, têm os Estados a obrigação
de evitar riscos ambientais sérios à vida, e de pôr em funcionamento
´sistemas de monitoramento e alerta imediato´para detectar tais riscos
ambientais sérios e ´sistemas de ação urgente´para lidar com tais
25
ameaças.

Na visão de Fernando Barcellos de Almeida, direitos humanos têm


uma conotação de prestações negativas dirigidas ao Estado, expressas em acordos
e declarações:

Direitos humanos são as ressalvas e restrições ao poder político ou às


imposições a este, expressas em declarações, dispositivos legais e
mecanismos privados e públicos, destinados a fazer respeitar e concretizar
as condições de vida que possibilitem a todo ser humano manter e
desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade e
consciência, e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e
26
espirituais.

Informa Enoque Ribeiro dos Santos que a Unesco, em sua definição


clássica de direitos fundamentais, apresenta, de um lado, uma rede protetora de
maneira institucionalizada dos direitos da pessoa humana contra os excessos do
poder cometidos pelos órgãos do Estado, e, por outro, regras para se estabelecer
condições humanas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.27
Patryck de Araújo Ayala, em percuciente análise da jurisprudência
da Suprema Corte brasileira, notadamente do Recurso Especial n° 134.927/SP e
Mandado de Segurança nº 22.164/DF, afirma que o STF, pela primeira vez,
reconheceu expressamente características essenciais do bem ambiental.28 Nessa
análise, Ayala destaca trechos do voto do Ministro Celso de Mello, que reconhece
que a definição constitucional de direito fundamental ao meio ambiente constitui a
representação objetiva da necessidade de se proteger valores e objetivos,
associados a um princípio de solidariedade:
Trata-se (...) de um típico direito de terceira geração, que assiste de modo
subjetivamente indeterminado a todo o gênero humano, circunstância essa
que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria
coletividade – de defendê-lo e preservá-lo em benefício das presentes e
futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da
comunhão social, os graves conflitos intergeracionais marcados pelo
desrespeito ao dever de solidariedade na proteção desse bem essencial de
29
uso comum de todos quantos compõem o grupo social.

Destaca ainda Patryck de Araújo Ayala que o STF, na mesma


ocasião, reconheceu expressamente que o direito fundamental ao meio ambiente
não encerra apenas uma perspectiva de pretensões, mas materializa também a
proteção de valores indisponíveis e, sobretudo, de poderes de titularidade coletiva,
atribuídos a toda a sociedade, destacando do voto do Ministro Celso de Mello: “o
direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade
coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a
expressão significativa de um poder atribuído, não ao indivíduo em sua
singularidade, mas num sentido mais abrangente, à própria coletividade social”.30
Concluindo, afirma Ayala: “pode-se observar que, no contexto da ordem
constitucional brasileira, e nos termos da orientação definida pelo STF, o meio
ambiente é patrimônio público, não porque pertence ao Poder Público, mas porque a
sua proteção (dever de todos) interessa à coletividade, e se faz em benefício das
presentes e das futuras gerações, sendo essa a qualidade do bem ambiental
protegida pela Constituição.31
Ivette Senise Ferreira aborda o tema do meio ambiente do trabalho e
sua relação com os direitos fundamentais da pessoa humana:

Embora a moderna evolução das idéias ecológicas tenha impulsionado a


atuação do Estado no sentido de estabelecer um sistema de proteção mais
adequado e eficiente para impedir a crescente degradação da natureza e a
paulatina destruição dos bens que ela comporta, e que são essenciais à
manutenção da vida sobre a terra, o aparecimento de um complexo de
normas, princípios e técnicas destinados a essa finalidade congregou todos
os ramos da Ciência do Direito para que, com os seus instrumentos, fosse
possível proporcionar, na órbita geral da tutela jurídica, as condições de
efetivação do direito ao meio ambiente equilibrado e à sadia qualidade
de vida, não somente como um dos direitos fundamentais da pessoa
32
humana, mas também de toda a coletividade.

Essa posição restou bastante clara no Capítulo VI da CF/88, que


trata do Meio Ambiente, na perfeita dicção do artigo 225: “Todos têm direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à
sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”33 Como leciona
Américo Luíz Martins da Silva, “os princípios ambientais são regras incorporadas a
texto constitucional e as normas legais de natureza ambiental [...] não são meras
idéias filosóficas ou princípios meramente éticos, mas sim princípios que se acham
consubstanciados no direito positivo de um povo em determinado momento
histórico”.34
Tomando como base que o direito ao meio ambiente é um direito
fundamental, resta analisar se a previsão constitucional inserta no artigo 225 da
CF/88 se trata ou não de uma cláusula pétrea, ou seja, estaria referido artigo ao
abrigo de propostas legislativas visando à sua supressão, total ou parcial?
Para tanto resgata-se, com Ingo Sarlet, a noção de dignidade da
pessoa humana, como o patamar maior dos direitos fundamentais:

a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor


do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais
que assegurem à pessoa se opor contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e
35
da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Ainda, segundo Ingo Sarlet, que uma exigência inarredável da


dignidade da pessoa humana é o reconhecimento e a garantia de direitos
fundamentais, tanto quando a noção de Estado de Direito), pois os direitos
fundamentais, independentemente de sua intensidade, constituem explicitações da
dignidade da pessoa, sendo que em cada direito fundamental se faz presente um
conteúdo ou, pelo menos, alguma projeção da dignidade da pessoa.36 A partir daí,
Sarlet afirma que “um patamar mínimo em segurança (jurídica) estará apenas
assegurado quando o Direito assegurar também a proteção da confiança do
indivíduo (e do corpo social como um todo) na própria ordem jurídica e, de modo
especial, na ordem constitucional vigente”.37
A Constituição Federal de 1988 possui um “piso vital mínimo” como
forma de garantir a possibilidade de realização histórica e real da dignidade da
pessoa humana no meio social, como afirma Celso Antonio Pacheco Fiorillo.38 Para
o mesmo autor, a dignidade da pessoa humana só estará assegurada a partir do
momento em que estejam concretamente assegurados os direitos sociais previstos
no artigo 6º da CF/88, que, por sua vez, estão atrelados ao caput do artigo 225,
garantindo, dentre outros, o direito ao meio ambiente equilibrado, essencial à sadia
qualidade de vida. Assim, adotando-se a teoria do não-retrocesso, cunhada por J.J.
Gomes Canotilho39, referidos direitos, juntamente com aqueles previstos no artigo
60, §4º da CF/88, podem ser definidos como cláusulas pétreas, portanto
insuscetíveis de alteração mesmo pelo poder constituinte derivado.
Não por outra razão, Cançado Trindade afirma que a I Conferência
Européia sobre o Meio Ambiente e os Direitos Humanos, realizada em Estrasburgo,
em 1979, ressaltou que a humanidade necessitava proteger-se de suas próprias
ameaças ao meio ambiente, em particular quando tais ameaças tinham
repercussões negativas sobre as condições de existência – a própria vida, a saúde
física e mental, o bem estar das gerações presente e futuras.40 Afirma o autor que,
de certo modo, era o próprio direito à vida, em sua ampla dimensão, que acarretava
o necessário reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio, ou seja, “o direito
a um meio ambiente sadio salvaguarda a própria vida humana sob dois aspectos, a
saber, a existência física e a saúde dos seres humanos, e a dignidade desta
existência, a qualidade de vida que faz com que valha a pena viver”.41
José Afonso da Silva, a propósito, assevera que o direito à vida é a
matriz de todos os direitos fundamentais do homem:

O problema da tutela jurídica do meio ambiente manifesta-se a partir do


momento em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar,
mas a qualidade da vida humana, se não a própria sobrevivência do ser
humano [...] O que é importante é que se tenha consciência de que o direito
à vida, como matriz de todos os direitos fundamentais do homem, é que há
de orientar todas as formas de atuação no campo de tutela do meio
ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há
de estar acima de quaisquer outras considerações como as de
desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade e como as
42
de iniciativa privada.

Trazida essa idéia ao meio ambiente do trabalho, objeto da presente


pesquisa, deve-se ter a visão ampliada do referido instituto, até porque eventuais
condições inadequadas do meio ambiente laboral podem não ser detectadas de
imediato a permitir uma atuação do Estado, mas projetar os seus efeitos nos
indivíduos trabalhadores e em toda a sociedade num futuro remoto, razão pela qual
essa noção de direito fundamental à vida deva ser tomada em sua mais ampla
dimensão. Essa ampliação aqui defendida leva à análise de um meio ambiente do
trabalho livre de toda e qualquer contaminação, o que só é possível numa visão
ampliativa de seu conceito, a fim de englobar, além dos direitos humanos e
fundamentais, também o direito à personalidade, tão inato ao ser humano e
elemento formador do próprio direito à vida como visto linhas atrás.
Abordando as origens da tutela dos direitos da personalidade, Elimar
Szaniawski afirma que as mesmas remontam na hybris grega e na iniura romana43,
embora a construção de uma teoria dos direitos da personalidade seja algo recente.
Para Carlos Alberto Bittar, o grau de generalidades desses direitos tem gerado
muitas divergências e dificultado a sua positivação, salvo em alguns países:

A construção da teoria dos direitos da personalidade humana deve-se,


principalmente: a) ao cristianismo, em que se assentou a idéia da dignidade
do homem; b) à Escola de Direito Natural, que firmou a noção de direitos
naturais ou inatos ao homem, correspondentes à natureza humana, a elas
unidos indissoluvelmente e preexistentes ao reconhecimento do Estado; e
c) aos filósofos e pensadores do iluminismo, em que se passou a valorizar o
44
ser, o indivíduo, frente ao Estado.

A Constituição de 1988 albergou a tutela dos direitos da


personalidade no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I – Dos
Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, mais precisamente no artigo 5º que, em
seu caput, preconiza “a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade”. Os incisos que tratam de forma específica dos direitos
da personalidade estão nos incisos V, VI, IX, X, XI e XII, cuja redação se transcreve:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da


indenização por dano material, moral ou à imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção
aos locais de culto e a suas liturgias;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar
sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou
desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação
judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
45
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

Ives Granda da Silva Martins, ao indicar o §4º do artigo 190 da


CF/88, afirma que “o constituinte teve a preocupação de preservar direitos
fundamentais, que são cláusulas imodificáveis do texto constitucional, por
exteriorizarem aqueles direitos que nem por emenda constitucional podem ter seu
36

perfil modificado”46, e que o Código Civil, como condicionante e condicionador da


Constituição47 – embora o Código Civil seja posterior à Constituição, a Carta Política
sofreu influência do Projeto do Código Civil –, também refletiu essa preocupação do
constituinte.
Nesse sentido, a matéria está disposta no Código Civil de 2002, no
Capítulo II, que trata dos direitos da personalidade, nos artigos 11 a 21, assim
redigidos:

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da


personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu
exercício sofrer limitação voluntária.
Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da
personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a
medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente
em linha reta, ou colateral até o quarto grau.
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio
corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou
contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de
transplante, na forma estabelecida em lei especial.
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita
do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte.
Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a
qualquer tempo.
Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a
tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e
o sobrenome.
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em
publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda
quando não haja intenção difamatória.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda
comercial.
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que
se dá ao nome.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça
ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão
da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma
pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da
indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a
respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes
legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os
descendentes.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a
requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para
48
impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Dos artigos acima se podem deduzir as principais características do


direito de personalidade, dentre as quais: irrenunciabilidade, intransmissbilidade,
não-limitação, indisponibilidade, imprescritibilidade, impenhorabilidade, vitaliciedade.
Da leitura de referidos artigos deduz-se ainda que os direitos à personalidade podem
ser classificados quanto aos direitos físicos (art. 13, 14 e 15); psíquicos (art. 20 e 21)
e morais (art. 16, 17 e 18).
Assim, o uso da imagem do trabalhador pelo empregador, típico
direito de personalidade, deve ser limitado, conforme entendimento da 1ª Jornada de
Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, expresso no Enunciado nº 14:

14. IMAGEM DO TRABALHADOR. UTILIZAÇÃO PELO EMPREGADOR.


LIMITES. São vedadas ao empregador, sem autorização judicial, a
conservação e gravação, a exibição e a divulgação, para seu uso privado,
de imagem dos trabalhadores antes, no curso ou logo após a sua jornada
de trabalho, por violação ao direito de imagem e à preservação das
expressões da personalidade, garantidos pelo art. 5º, V, da Constituição.
A formação do contrato de emprego, por si só, não importa em cessão do
direito de imagem e da divulgação fora do seu objeto da expressão da
personalidade do trabalhador, nem só o pagamento do salário e demais
49
títulos trabalhistas o remunera.

Então, se na dicção do artigo 225 da CF/88, “todos têm direito ao


meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial
à sadia qualidade de vida...50”, e se o meio ambiente do trabalho está inserido no
conceito de meio ambiente (inciso VIII do artigo 200 da CF/88), pode-se dizer que, a
par de ser direito fundamental, também é direito de personalidade, na medida em
que o trabalhador, individualmente ou de forma coletiva, pode exigir, de forma
preventiva, que cesse qualquer ameaça ou lesão ao seu direito de personalidade
(artigo 12 do Código Civil), classificando-se como direito físico da personalidade se a
agressão for no aspecto das condições físicas do trabalho, ou como direito psíquico
da personalidade se a agressão for relacionada ao assédio moral, por exemplo.
Em resumo, pode-se dizer que o meio ambiente do trabalho
adequado constitui direito fundamental, humano e de personalidade, merecendo,
portanto, especial tutela do Estado e dos particulares na sua criação, manutenção e
desenvolvimento.

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Para Ivette Senise Ferreira, a Constituição Federal do Brasil


incorporou os princípios da Declaração de Estocolmo, de 1972, aprovada na
Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, destacando referidos
princípios como marco histórico do Direito Ambiental, por ter oferecido ao mundo os
critérios e princípios comuns para nortear a melhoria e a preservação do meio
ambiente nas legislações de seus países membros.51
Enoque Ribeiro dos Santos indica que a origem dos direitos
humanos remonta ao Egito e à Mesopotâmia, no terceiro milênio antes de Cristo,
quando já eram previstos alguns mecanismos para a proteção individual em relação
ao Estado, apontando ainda que o Código de Hamurábi (1.690 a.C.) foi uma das
primeiras codificações a consagrar um elenco de direitos comuns a todos os
homens, sejam eles derivados da vida, propriedade, honra, dignidade, família, e a
previsão da supremacia da lei sobre a vontade dos governantes.52 O mesmo autor
ressalta a filosófica religiosa nos direitos do homem indicando a influência de Buba,
que, em 500 a.C., já defendia a igualdade dos homens; e o marco da influência do
direito romano que primeiro estabeleceu um complexo mecanismo de interditos
visando a tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais, na lição de
Alexandre de Moraes, seria a Lei das doze tábuas, a origem dos textos
consagradores da liberdade, da propriedade e da proteção aos direitos dos
cidadãos.53 Nesse sentido, afirma Enoque Ribeiro dos Santos: “Sem dúvida que as
fortes concepções do cristianismo foram responsáveis pela consolidação e o
fortalecimento do reconhecimento dos direitos humanos. A Igreja Católica também
contribuiu para enaltecer e aprofundar a necessidade de se colocar em prática esses
princípios fundamentais”.54 Ainda sob o aspecto histórico da construção e do
desenvolvimento dos direitos humanos, tal qual os conhecemos na Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, Enoque Ribeiro dos Santos indica:

[...] a matriz suprema dessa conquista histórica, como Carta Magna


outorgada por João Sem Terra; a Petition of Rights, de 1628, o Habeas
Corpus Act, de 1679, o Bill of Rights, de 1689 [...] a Declaração de Direitos
da Virgínia, de 1776; a Declaração de Independência dos Estados Unidos
da América, de 1776, produzida por Thomas Jefferson; e a Constituição dos
55
Estados Unidos da América, de 1787.

É ainda Enoque Ribeiros dos Santos quem afirma que coube à


França, em 1789, a consagração normativa dos direitos humanos fundamentais, por
meio da Assembléia Nacional, que promulgou a Declaração dos Direitos do e do
Cidadão, com 17 artigos, com os seguintes princípios: “igualdade, liberdade,
propriedade, segurança, resistência à opressão, associação política, legalidade,
princípio da reserva legal a anterioridade em matéria penal, presunção de inocência,
liberdade religiosa e livre manifestação do pensamento”.56
A já clássica distinção das três fases de desenvolvimento concebida
por Norberto Bobbio mostra a existência de três dimensões de direito que, no
entendimento atual, não devem ser vistas de forma estanque, como se uma
suplantasse a outra, mas sim de forma sistêmica, uma complementando e
subsistindo em harmonia com a outra, num processo dialético e revolucionário de
conquistas históricas que, ao longo do tempo, foram se somando ao complexo
jurídico da humanidade. Assim, têm-se nos direitos ditos de primeira geração os
direitos de liberdade, direcionados à proteção do indivíduo contra os atos tirânicos
do Estado; numa segunda geração estariam os direitos políticos, representando uma
liberdade ampla a uma atuação positiva, ou seja, não só o direito de se opor às
tiranias do Estado mas também o de participar politicamente de suas decisões; e por
último os direitos de terceira geração, os chamados direitos sociais, dentre os quais
se destacam o direito ao bem-estar e à igualdade além da meramente formal, mas,
no dizer de Bobbio, “liberdade através ou por meio do Estado”.57
Alexandre de Moraes conceitua direito fundamental como direito de
terceira geração:

protege-se constitucionalmente como ‘direitos de terceira geração’ os


chamados ‘direitos de solidariedade ou fraternidade’, que englobam o direito
a um meio ambiente equilibrado, a uma saudável qualidade de vida, ao
progresso, à paz, à autodeterminação dos povos e a outros direitos difusos,
que são, no dizer de José Marcelo Vigiliar, os interesses de grupos menos
determinados de pessoas, sendo que entre elas não há vínculo jurídico ou
58
fático muito preciso.

Enoque Ribeiro dos Santos afirma que hoje já emergem direitos de


quarta geração, que dizem respeito à democracia, ao direito à informação e ao
direito ao pluralismo59, sendo o que Paulo Bonavides chama de democracia
positivada ou democracia direta.60
Se, como visto, os direitos humanos tiveram uma fantástica evolução
histórica, sendo reconhecidos e positivados por quase todos os povos, a luta da
humanidade ainda é a efetividade desses direitos, o que só poderá ser alcançado
quando o homem for efetivamente elevado como a “medida de todas as coisas”,
para o qual todo o esforço na busca de sua dignificação deverá ser desenvolvido,
sem o que nada mais terá sentido na face da terra. Assim, como a economia se
globalizou, é mister que os direitos humanos passem por idêntico patamar de
reconhecimento mundial. Nesse desiderato é que órgãos supranacionais como a
OIT – Organização Internacional do Trabalho – e a ONU – Organização das Nações
Unidas – desempenham importante papel, nessa, por assim dizer,
internacionalização dos direitos humanos. Como assevera Flavia Piovesan, “para
que os direitos humanos se internacionalizassem, foi necessário redefinir o âmbito e
o alcance do tradicional conceito de soberania estatal, a fim de que se permitisse o
advento dos diretos humanos como questão de legítimo interesse internacional, ao
mesmo tempo em que também seria necessário redefinir o status do indivíduo no
cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro sujeito de direito
internacional”.61 Nesse sentido o próprio conceito de soberania dos Estados deve
ser relativizado, dando guarida à recepção de uma legislação internacional protetiva,
desde que em sintonia com os primados fundamentais de cada Estado Membro, que
terá no homem e na proteção do “direito de viver” o seu objetivo maior.

1.3 COMO O ESTADO PODE GARANTIR O DIREITO AO MEIO AMBIENTE DO


TRABALHO ADEQUADO?

Se o meio ambiente, como visto, é um direito de todos e, portanto,


um direito fundamental diretamente relacionado ao direito de viver, não se pode
negar, como alerta a Professora Aldacy Rachid Coutinho, no prefácio da obra de
Sidnei Machado, a necessidade de uma novel legislação, desarraigada dos ranços e
das tradições de um Estado autoritário e focada nos novos valores da Carta Política
de 1988:

As normas regulamentadoras e a disciplina reguladora da Consolidação das


Leis do Trabalho, nascida em um modelo autoritário-burocrático, não foram
recepcionadas pela Constituição Federal de 1988. Emergente é, pois, a
edificação de uma legislação infraconstitucional disciplinadora do direito
fundamental ao meio ambiente do trabalho, apontando os novos rumos da
62
cidadania, inclusive com a participação dos atores sociais interessados.

Mais uma vez cabem as considerações da Professora Aldacy Rachid


Coutinho, no sentido de que se denota elevado nível de debate e preocupação da
sociedade quanto à preservação do meio ambiente natural e cultural, o que, sem
dúvida, merece tal preocupação, embora pouco se fale do meio ambiente do
trabalho, que é, via de regra, o local de onde as pessoas obtêm os recursos de sua
subsistência e onde se desenvolvem mais da terça parte de suas relações
vivenciais:

[...] é paradoxal que em uma sociedade centrada no trabalho, porquanto


todos ainda dependem dele para garantia de acesso aos bens e serviços
em uma sociedade de consumo, muito se tem escrito, discutido e avançado
em relação ao meio ambiente natural e cultural e no tocante ao meio
ambiente do trabalho (art. 200, inc. VIII, CF/88), de inquestionável
relevância social, que tutela a qualidade de vida humana no ambiente em
que o trabalhador desenvolve suas atividades diárias, no qual pelo menos
63
um terço do seu tempo diário é despendido, há um vazio doutrinário.

Na mesma esteira denuncia Sidnei Machado que, mesmo havendo


avanços legislativos tuitivos ao meio ambiente do trabalho, as estatísticas sobre
acidentes do trabalho causam espanto e preocupação em todo o mundo e, de forma
mais acentuada, nos países periféricos. O autor divulga dados do XV Congresso
Mundial sobre Saúde e Segurança no Trabalho, realizado pela OIT – Organização
Internacional do Trabalho – em São Paulo, em abril de 1999:

[...] Anualmente ocorrem 250 milhões de acidentes, que resultam em 355


mil mortes, e 150 milhões de trabalhadores são vítimas de doenças
profissionais, provocando 1,1 milhão de mortes. Para se ter uma noção da
dimensão social desses acidentes, a cada três minutos, em algum lugar do
planeta, uma pessoa morre por acidente de trabalho, e a cada segundo
outras quatro ficam lesionadas.
O Brasil ainda figura entre os recordistas em acidentes do trabalho.
Segundos dados oficiais, somente em 1998 foram registrados 403.532
acidentes, sendo 337.373 acidentes típicos, 3.785 óbitos, considerando-se
uma massa de segurados (com contratos formais) de pouco mais de 23
64
milhões de trabalhadores.

Assim, resta evidente que a questão exige uma tomada de decisão


por todos os atores sociais, mas que o Estado é o principal agente a atuar na
resolução dos problemas, embora, repita-se, não deva ser o único. Não há dúvidas
da efetiva necessidade da educação ambiental, aliás, conforme preconizado no
artigo 225, inciso VI da CF/8865, como incumbência do poder público: “promover a
educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para
a preservação do meio ambiente”.
Raimundo Simão de Melo aborda essa necessidade de atuação dos
agentes sociais, indicando as causas de inadequação do meio ambiente do trabalho
e o alto índice de acidentes, indicando, em seguida, as possíveis soluções:
[...] pode-se mencionar, em resumo: a) a falta de investimento na prevenção
de acidentes por parte das empresas; b) os problemas culturais que ainda
influenciam a postura das classes patronal e profissional no que diz respeito
à não priorização da prevenção dos acidentes laborais; c) a ineficiência dos
Poderes Públicos quanto ao estabelecimento de políticas preventivas e à
fiscalização dos ambientes de trabalho; d) os maquinários e implementos
agrícolas inadequados por culpa de muitos fabricantes que não cumprem
corretamente as normas de segurança e orientações previstas em lei; e e) a
precariedade das condições de trabalho por conta de práticas equivocadas
de flexibilização do Direito do Trabalho.
A solução desses problemas depende, antes de tudo, da conscientização
de todos: do Estado, da coletividade [...], das empresas, dos fabricantes,
importadores e fornecedores de máquinas e equipamentos, o que deve
66
passar antes por um processo educativo em todos os níveis.

Como dito, o Brasil é dotado de instrumentos de tutela jurídica


eficientes para a proteção ambiental, inclusive e especialmente a do trabalho, que
permitem ao Estado e aos demais agentes sociais buscar a jurisdição estatal para
esse fim, dentre os quais merecem destaque os que possuem previsão
constitucional, a seguir descritos.
a) Ação popular. Prevista no artigo 5º, inciso LXXIII, prescreve:

Art. 5º. […]


[…]
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise
a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de
67
custas judiciais e do ônus da sucumbência […].

A Constituição Federal de 1988 ampliou a tutela de referido instituto,


revitalizando a previsão trazida desde a Lei n. 4.717/65, que limitava a ação popular
à finalidade de declaração de nulidade de ato lesivo ao patrimônio público, passando
a incluir no seu escopo também a tutela da “moralidade administrativa, ao meio
ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”. Embora seja um instrumento poderoso
à disposição dos jurisdicionados, de simples e fácil utilização, a sociedade civil,
passados quase 20 anos da promulgação da Carta Política, não se atentou ainda
para o seu uso.
b) Mandado de segurança coletivo. Tem previsão expressa no artigo
5º, inciso LXX da CF/88:

Art. 5º. […]


[…]
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos
68
interesses de seus membros ou associados;

Seguindo uma tendência de coletivização de tutela, a Constituição


de 1988 ampliou sobremaneira a previsão de utilização do mandado de segurança
nas previsões insertas nas Leis nº 1.533, de 31.12.1951, e nº 4.348, de 26.6.1964.
Assim, passaram a ter legitimidade para propositura e referida ação constitucional os
partidos políticos com representação no Congresso Nacional e as organizações
sindicais, entidades de classe ou associações legalmente constituídas e em
funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros
ou associados. Abriu-se assim considerável leque de legitimados à defesa de
interesses coletivos e individuais homogêneos. Todavia, tem sido raro encontrar no
Judiciário iniciativas de referidas entidades na defesa do meio ambiente, e tampouco
parece que os sindicatos profissionais69 acordaram para essa possibilidade na
defesa e garantia de um meio ambiente de trabalho adequado aos seus sócios, uma
vez evidente que essa matéria integra o “interesse de seus membros e associados”,
trazido na dicção do aludido dispositivo.
c) Mandado de injunção. Previsto no artigo 5º, inciso LXXI, nos
seguintes termos:

Art. 5º. […]


[…]
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e
70
à cidadania;

Nesse sentido não faltou nem mesmo a regulamentação do


legislador infraconstitucional que, com a edição da Lei nº 9.265, de 12.2.1996,
regulamentou o inciso LXXVII do art. 5º da Constituição, dispondo sobre a
“gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania”, de tal sorte que, sendo
o meio ambiente do trabalho um direito fundamental, na ausência de norma
constitucional de eficácia limitada, capaz de proteger um meio ambiente do trabalho
sadio às presentes e futuras gerações, poderá encontrar no mandado de injunção o
instrumento hábil para se exigir a edição de referida lei.
d) Ação civil pública. A previsão constitucional de referida ação está
inserta no artigo que delimita a competência de atuação do Ministério Público, mais
precisamente no artigo 129:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:


[…]
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos
71
e coletivos;

Talvez este seja o instrumento mais utilizado na tutela dos direitos


coletivos e transindividuais, inclusive para a tutela do direito ambiental. Curioso
observar, no entanto, que referida legislação infraconstitucional foi introduzida entre
nós pela Lei n. 7.347/85. A ação civil pública e a ação civil coletiva, a par de
tutelarem os direitos coletivos e difusos, se prestam também à defesa do interesse
individual homogêneo. Todavia, na defesa dos interesses individuais homogêneos, a
atuação das entidades legitimadas deve estar voltada para a “relevância social” de
sua resolução, ou seja, o pedido deve trazer em si a expressão para a coletividade,
vocação natural da ação civil pública.
Alguns doutrinadores vão mais longe e não aceitam a possibilidade
de manejo da ação civil pública sem que exista a presença de interesse
efetivamente difuso. Nessa esteira está o pensamento de Paulo Emílio Ribeiro de
Vilhena, que preconiza que interesse difuso e interesse coletivo se equiparam,
sendo os únicos passíveis de proteção através de ação civil pública72. Para esse
doutrinador, o interesse difuso seria, em verdade, o centro de irradiação do campo
da tutela jurídica prevista no inciso III do art. 129 da CF. Nesse sentido, aduz ser
"imprescindível, como condição sine qua non da constituição válida de um processo
de ação civil pública, que o interesse nela inserido como objeto seja interesse
efetivamente difuso. Não configurado este, falta à ação pressuposto válido de
constituição do processo, a teor do art. 267, IV, do Código de Processo Civil, com o
anteparo do art. 5º, LIV, da Constituição Federal", pois não haveria “difuso emanado
de indivíduos identificados ou de grupos de indivíduos que se aglutinam e se
identificam sob formas contratuais preestabelecidas”.73
O Ministro Ilmar Galvão74 entende que é possível o manejo da ação
civil pública para a defesa dos direitos individuais homogêneos, mas
necessariamente atrelados à existência de relevância social para a coletividade,
quando afirma: “[...] para a admissibilidade de ação civil pública à defesa de
interesses individuais homogêneos; entretanto, desde que estes tenham expressão
para a coletividade, independentemente, por outro lado, de tratar-se de interesses e
direitos que podem, por igual, ser defendidos judicialmente pelos eventuais e
identificáveis prejudicados.”
Sem dúvida a ação civil pública presta-se à defesa de ambos os
direitos, coletivos e individuais homogêneos, até mesmo pela ausência de
instrumento processual distinto. Todavia os interesses individuais homogêneos,
ainda que circunstancialmente considerados coletivos, dão ensejo a uma pretensão
de natureza coletiva e apenas indiretamente são satisfeitos.
Na lição de Jorge Luiz Souto Maior, existe uma diferença entre a
ação civil pública e a reclamatória comum, pois: “não se busca por ela (ação civil
pública) o cumprimento da norma trabalhista específica (horas extras, por exemplo).
Busca-se, isto sim, o respeito à ordem jurídica, fundado numa pretensão de caráter
social [...]. A motivação da ação civil pública, portanto, não é o descumprimento da
lei trabalhista, mas a repercussão negativa na sociedade que essa situação gera”75.
De forma mais enfática assinala referido autor, baseando-se nas disposições do
próprio CDC, que a ação civil pública na esfera trabalhista não se pode limitar a uma
defesa coletiva dos interesses individuais:

Aplicando-se o disposto no Código de Defesa do Consumidor, verifica-se


que a ação civil pública para defesa do consumidor – incluído nesse
conceito o trabalhador – possui algumas características próprias,
principalmente no que se refere à defesa de interesses individuais
homogêneos, que não são suficientes, no entanto, para alterar a natureza
coletiva da ação. Isto é, a ação para defesa de interesses individuais
homogêneos dos trabalhadores não pode ser vista como uma simples
defesa coletiva de interesses individuais. Deve estar subjacente neste tipo
de ação, a ação civil pública, a defesa da ordem jurídica, quando esteja
76
sendo agredida de modo a repercutir no interesse social.

Aponta ainda Souto Maior que a diferenciação do interesse de um


indivíduo para o coletivo não está no ato em si, mas na fundamentação específica, e
o aspecto principal a distingui-los, a ponto de ingressar na esfera da ação civil
pública, é a existência de um: “fundamento lógico e jurídico a demonstrar a sua
repercussão no interesse social”.
Parece claro que a justiça especializada detém a competência
material para a apreciação das demandas que envolvam a tutela do meio ambiente
do trabalho. Igual opinião é a de Arion Sayão Romita, para quem seja o Ministério
Público do Trabalho, seja o Sindicato, a ação civil pública deve ser manejada para a
defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais
constitucionalmente garantidos, como o meio ambiente do trabalho adequado:

Vê-se, portanto, que a ação civil pública pode ser proposta perante qualquer
dos ramos do poder judiciário, federal ou estadual, comum ou
especializado. A competência da justiça do trabalho está expressamente
prevista pela Lei Complementar nº 75, de 20.5.1993, ao atribuir ao
ministério público do trabalho legitimidade para promover a ação civil
pública no âmbito da justiça do trabalho, para defesa de interesses
coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente
garantidos (art. 83, inciso III).
Este dispositivo deve ser interpretado em consonância com o preceito
dedicado pela Constituição, especificamente à delimitação da competência
da justiça do trabalho, a saber, o art. 114. Segundo referida norma, a
competência da justiça do trabalho não se exaure nos dissídios entre
trabalhadores e empregadores, mas se estende também a outras
controvérsias decorrentes da relação de trabalho.
Em tese, admite-se também a legitimidade do sindicato para a propositura
da ação, incluído que está no conceito genérico de associação, sendo esta
expressamente prevista pela Lei nº 7.347, de 24.7.1985 (art. 5º). Hipótese
de legitimação concorrente: são igualmente legitimados para a ação o
ministério público e o sindicato.
Qualquer que seja o autor (ministério público ou sindicato), a ação será
proposta perante a justiça do trabalho, sempre que configurar controvérsia
oriunda da relação de trabalho e tiver por objeto a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos, quando desrespeitados direitos sociais constitucionalmente
77
garantidos.

Não por acaso tem sido cada dia mais comum a propositura de
ações coletivas pelo ministério público, tanto o federal e o estadual quanto o do
trabalho, como forma de resolver, numa única ação, problemas que afligem toda
uma coletividade, com as muitas vantagens que a ação civil pública apresenta,
dentre as quais: - instituição do princípio da universalidade de acesso à justiça, uma
vez que são diversos os legitimados para propô-la – ministério público, União,
Estados, municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de
economia mista, em todas as esferas do poder, e associações de classe, na qual
obviamente se incluem os sindicatos; - permite que tanto as micro como as macro
lesões a direitos fundamentais possam com maior viabilidade ser levadas à
apreciação do judiciário, independente do valor monetário ínfimo que possa,
individualmente, representar; - torna os cidadãos mais informados e coesos na luta
por uma solução coletiva do problema, pois a entidade legitimidade poderá aglutinar
maior número de cidadãos e melhor proceder um processo educativo dos direitos
lesados; - os efeitos da sentença e seu efeito erga omnes, além de atender a uma
demanda social de todos os que se encontrarem naquela situação, diminui o
descrédito da Justiça, inclusive porque esse efeito erga omnes só ocorrerá em caso
de procedência da ação; - a possibilidade de sua utilização tanto com o intuito de
reparação do dano como de prevenção, dado ao caráter cominatório-preventivo do
artigo 13 da lei de regência.
Não restam dúvidas78 que quanto à tutela do meio ambiente do
trabalho, o objeto da ação civil pública deverá ser preventivo, já que o desejável é
que o acidente do trabalho ou a doença ocupacional não ocorram. Daí ser nítido que
a competência para o seu conhecimento e julgamento, ao teor do artigo 114 da
Constituição Federal, é a justiça especializada, pois as condições do meio ambiente
do trabalho decorrem do próprio contrato de emprego, estando, em concorrência,
tanto o Ministério Público quanto os sindicatos profissionais legitimados a propor
ditas ações. Não se perca de vista, ainda, a possibilidade de greve ambiental,
apontada por Mariella Carvalho de Farias Aires:

[...] o direito de greve ambiental teria a natureza jurídica de garantia


fundamental a serviço do trabalhador, visando à tutela de sua saúde e de
sua segurança, ou, em última análise, de sua vida. É direito secundário (o
direito de greve ambiental), utilizado para fazer valer direito primário, qual
seja, a vida.
[...] Em se tratando de direito de greve ambiental, com muito mais razão,
apenas um único trabalhador pode ser titular de direito quando se recusar a
continuar trabalhando num meio ambiente do trabalho que ofereça risco real
e grave, atual ou iminentemente à sua saúde ou à sua segurança, pois, em
última análise, ele estaria reivindicando mais do que um meio ambiente de
trabalho saudável e seguro: estaria defendendo seu direito à vida.
[...] quanto ao meio ambiente do trabalho, o trabalhador, em defesa de sua
saúde e de sua segurança (que nada mais é do que a defesa de sua vida),
poderia resistir de duas maneiras: a) direito de resistência individual; b)
direito de resistência coletivo, quando se falaria, então, em direito de
79
greve.

Mas, como dito, o grave problema dos acidentes do trabalho e das


doenças ocupacionais não ocorre por ausência de instrumentos jurídicos adequados
a esse fim, mas passa, necessariamente, por um processo de educação em todos
os níveis do tecido social. Para Enrique Leff, o processo de mudanças deverá ser
capaz de criar o que chama de “uma nova ética”, ou “racionalidade ambiental”, que
se manifesta em comportamentos humanos que estejam em harmonia com a
natureza e baseados na democracia e em valores culturais que dão significado à
existência humana, capazes de transformar as estruturas do poder e que estão
associadas à ordem econômica estabelecida, criando assim um potencial ambiental
capaz de construir uma racionalidade social alternativa”.80
O papel que o Estado deve desempenhar no sentido de garantir um
meio ambiente do trabalho adequado não está ligado a uma legislação mais rigorosa
do que a vigente, pois, em termos de legislação, tanto no nível constitucional como
no infraconstitucional, abundam e já tutelam de forma satisfatória a questão
ambiental, como visto linhas atrás. O cerne da questão está muito mais no que se
costumou a chamar no Brasil de “vontade política”, ou seja, uma intenção clara e
deliberada de resolução dos problemas, uma priorização de atuação, com políticas
de curto, médio e longo prazo, capaz de introduzir em nossa sociedade essa nova
ética da racionalidade ambiental de que fala Enrique Leff.
O só cumprimento do artigo 225 da CF/88 já poderia trazer sensíveis
melhoras à questão ambiental como um todo e, diretamente, ao meio ambiente do
trabalho. O assunto é atual, pois as pressões internacionais que o país sofre pelo
desmatamento da floresta amazônica desnudam a ausência de políticas eficazes na
proteção do meio ambiente natural, revelando a negligência ao comando dos incisos
I e II do §1º do artigo 225 da CF/88.81 Mas, atendo-se ao objeto desta pesquisa, a
atuação do Estado pode e deve ser decisiva na redução dos índices de acidentes do
trabalho e de doenças ocupacionais, e isso passa necessariamente pelo
cumprimento dos incisos IV e V do §1º do artigo 225 da CF/8882. Ora, se para a
instalação de qualquer empreendimento empresarial cumpre ao Estado "exigir, na
forma da lei [...] estudo prévio de impacto ambiental”, quer parecer que entre as
exigências para a instalação os empreendedores devessem apresentar, de forma
obrigatória, as medidas necessárias para a adequação de lay outs, equipamentos e
planos de treinamentos necessários à garantia de condições de um meio ambiente
do trabalho adequado. Da mesma forma, no quesito da publicidade de instalação de
referidos empreendimentos, expressos na dicção “a que se dará publicidade”,
agentes sociais como as ONGs e os sindicatos profissionais, devem ter participação
mais efetiva na discussão das condições de segurança pessoal e coletiva dos
trabalhadores e de toda a sociedade.
Infelizmente, o que se vê é que os Estados e Municípios da
Federação, que possuem competência concorrente na questão ambiental, atuam,
muitas vezes, sob forte pressão de lobbies de grupos econômicos, na venda à
sociedade da idéia de que a geração de empregos seja o dado mais importante.
Mas olvida-se questionar: qual é a qualidade desses empregos? Sabe-se que num
país emergente, em que o emprego é escasso, o discurso fácil da geração de
emprego, renda e impostos facilmente sobrepuja outras preocupações como a
questão da adequação ambiental do empreendimento. Isso ficou muito claro no
Brasil, no episódio recente da renúncia da Ministra do Meio Ambiente Senadora
Marina Silva, que ousou se opor ao interesse econômico, o que bem demonstrou
que entre a posição política/econômica de investimentos que atentam contra o meio
ambiente e a preocupação com a sua preservação, aquela têm preponderado. Por
outro lado, a globalização dos mercados e a transferência pelos grandes
conglomerados econômicos dos processos produtivos dos grandes centros mundiais
para os países periféricos, têm transferido os riscos inerentes dos processos
produtivos daqueles países para os países periféricos. O mesmo poder econômico
que age para que Estados e Municípios façam vistas grossas à implantação de
empreendimentos sem as necessárias cautelas é que age no sentido de exportar os
riscos inerentes à atual sociedade de consumo e, com eles, acabam por diminuir os
custos de produção, seja pela mão-de-obra mais barata, seja pela redução dos
custos de investimentos e custos legais na implantação do empreendimento que
teriam em seus países de origem, que contam com atuação mais firme do Estado.
Repita-se, não falta legislação, mas falta, sim, a efetiva presença do Estado no
cumprimento do que a Constituição lhe impôs como incumbência para assegurar a
efetividade desse direito fundamental.

1.4 VALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES ENTRE


PARTICULARES

A noção de direito fundamental advém da existência do Estado


Democrático de Direito, e este só foi possível após o reconhecimento de que o
homem é detentor de uma “dignidade” inerente à sua própria condição humana.
Assim, como marco inicial se pode citar o século XVIII como o momento histórico em
que a população passou a se opor contra o poder tirânico dos governantes da
época, implantando uma nova ordem, calcada no reconhecimento da existência de
limites aos governantes e na necessidade de leis que previssem as situações em
que o Estado poderia agir. Eis a noção primeira de Estado Democrático de Direito,
que culminou com o entendimento de que era necessário ter-se uma previsão
mínima de direitos garantidos aos cidadãos, direitos que respeitassem a dignidade.
Nasce aí a idéia de direitos humanos, que tomou sua conformação tal qual
conhecida nos dias atuais somente no século XIX quando dos horrores do pós-
guerra.
As declarações de direitos humanos, no dizer de José Afonso da
Silva, “assumiram a forma de proclamações solenes em que, em articulado orgânico
especial, se enunciam os direitos. Depois passaram a constituir o preâmbulo das
constituições, na França especialmente”83. O momento histórico em que se
reconheceu a necessidade de os Estados proclamarem solenemente em suas
Cartas Políticas a defesa dos Direitos Humanos acabou levando a uma concepção
de que estes direitos são “externos”, ou seja, reconhecidos internacionalmente, e, na
lição de José Afonso da Silva, compostos pelo pacto internacional de direitos civis e
políticos, bem como pelo pacto de direitos sociais, culturais e econômicos84.
Assim, o Estado Democrático de Direito passou a ser reconhecido
pela declaração, tendo como fundamento de sua política a obediência aos direitos
humanos mencionados. Mas isso passou a ser pouco, pois referidos direitos, a par
de serem declarados, clamavam por efetivação a fim de dar aos agentes sociais a
segurança jurídica necessária para o desenvolvimento de suas atividades sem o
temor de que o Estado pudesse intervir violentamente. Assim, da idéia de um direito
externo, de declaração solene, passou-se à idéia da necessidade de direitos
diretamente voltados aos cidadãos, como defesa contra o próprio Estado. Tem-se
aqui o surgimento da noção de direitos fundamentais que seriam voltados à ordem
jurídica interna, proclamados em cada Estado e evoluindo conforme a marcha social
de cada um. Por direitos fundamentais entenda-se: são os “que tratam de situações
jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes,
nem mesmo sobrevive” 85.
É já clássica a distinção, levando em conta o contexto histórico, em
gerações de cada um dos direitos fundamentais, feita pelo professor
constitucionalista Paulo Bonavides, e sem que isso queira dizer que uma geração
represente necessariamente a superação do direito obtido na geração anterior, mas
uma somatória de direitos que ao longo do tempo a humanidade, atenta à evolução
histórica, fora conquistando. Assim é que Paulo Bonavides indica a existência de
quatro gerações de direitos fundamentais86: a 1ª geração seria a dos direitos das
liberdades individuais que se exprimiriam na aquisição dos direitos ditos civis e
políticos; a 2ª geração, a dos direitos de igualdade, inicialmente concebidos sob a
forma de “igualdade formal”, da qual são exemplos os direitos sociais, culturais e
econômicos; a 3ª geração integra direitos de fraternidade ou solidariedade, voltados
à defesa dos direitos difusos, direito ao desenvolvimento e ao meio ambiente, direito
de comunicação; e a 4ª geração, como o direito à democracia, à informação e ao
pluralismo, reclamados pela filosofia dominante do neoliberalismo.
É mister lembrar, todavia, que esses direitos fundamentais foram
concebidos com o feito de proteção do cidadão em face do Estado, até mesmo pelo
momento histórico em que foram concebidos, crendo a doutrina tradicional
dominante do século XIX e mesmo ao tempo da República de Weimar que a mesma
se limitava à atuação estatal. Por isso inarredável que todos os Poderes e
exercentes de funções públicas estão diretamente vinculados aos preceitos
consagrados pelos direitos e garantias fundamentais.
Acontece que a evolução da sociedade trouxe outros atores sociais
que em muitas situações ocuparam o Estado, notadamente com o declínio do
Estado Providência (Welfare State), que demonstrou a incapacidade de o Estado, de
per si, dar conta das demandas sociais que a Revolução Industrial trouxe. Assim, à
medida que o Estado se tornou apenas mais um dos agentes sociais, passou a ser
impensável que num Estado Democrático de Direito pudesse, sob a égide da
doutrina da Common Law, imaginar que os direitos fundamentais fossem adstritos à
atuação estatal e exercentes de funções públicas, quando entes como a Igreja, a
família, os partidos políticos, as associações de classe e as empresas também
podem atuar de forma a não observar a efetividade desses direitos fundamentais em
seu agir. Foram essas as razões históricas que levaram ao desenvolvimento da
teoria da “validade dos direitos fundamentais nas relações entre particulares”87, cuja
forma e intensidade serão explanadas no próximo item.
A doutrina da Common Law, e mesmo da República de Weimar,
sempre defendeu que a “eficácia dos direitos fundamentais” se limitava à atuação
estatal, o que recebeu o nome de State Action . Nada mais natural que, sob a Nação
que professa como filosofia o liberalismo, se defendesse também a idéia de que a
autonomia privada poderia ser atingida se a “eficácia dos direitos fundamentais”
fosse estendida aos particulares, o que resta consignado na própria Carta Política
Norte Americana (Bill of rights), que só excetua a “escravidão” através da Emenda n°
13. Todavia, e paradoxalmente, o caso pioneiro que a doutrina aponta como uma
mitigação da State Action e a quebra do paradigma que entendia pela “eficácia dos
direitos fundamentais” restrita ao Estado foi a Suprema Corte Americana.Essa
mitigação, conforme informa Daniel Sarmento, deu-se no julgamento do caso
MARSH v. ALABAMA, julgado em 1946 pela Suprema Corte Americana, quando a
Suprema Corte Norte Americana estendeu a “eficácia dos direitos fundamentais” aos
particulares que agissem no exercício de atividades outorgadas pelo Estado, o que
se passou a chamar de Public Function Theory (Teoria da Função Pública) 88.
A partir daí passou-se a discutir de que forma e intensidade os
direitos fundamentais deveriam ser estendidos às relações entre os particulares,
surgindo desde logo as seguintes e principais teorias: eficácia indireta e mediata dos
direitos fundamentais; eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais; e teoria
dos deveres de proteção.
Na teoria da eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais na
esfera privada, desenvolvida pela doutrina alemã, tornando-se a teoria dominante no
direito germânico, adotada pela maioria dos juristas da Alemanha e pela sua Corte
Constitucional, e que se iguala a state action anteriormente vista, os direitos
fundamentais não ingressam nas relações jurídicas privadas como direitos
subjetivos que possam ser invocados por um particular frente ao outro, ou seja, ela
nega a aplicação direta dos direitos fundamentais nas relações privadas, pois isso
acabaria comprometendo a autonomia privada, retirando a autonomia do Direito Civil
e convertendo-o a uma simples conformação do Direito Civil. Para os adeptos de
referida teoria, os direitos fundamentais serviriam como princípios de interpretação
das cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados do direito privado, como os
bons costumes, a boa fé, entre outros. Assim, caberia ao legislador ordinário
proteger os direitos fundamentais na esfera privada, mas primando pela autonomia
privada. Diferentemente do que ocorre na relação direta entre o Estado e o cidadão,
na qual a pretensão outorgada ao indivíduo limita a ação do Poder Público, a
eficácia mediata dos direitos fundamentais refere-se primariamente a uma relação
privada entre cidadãos, de modo que o reconhecimento do direito de alguém implica
o sacrifício de faculdades reconhecidas a outrem.
A teoria da eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais foi
concebida por Hans Carl Nipperdy89 a partir de 1950 na Alemanha. Segundo
Nipperdy, embora alguns direitos fundamentais previstos na Constituição alemã
vinculem apenas o Estado, outros, pela sua natureza, podem ser invocados
diretamente nas relações privadas, independentemente de qualquer mediação por
parte do legislador, o que se equipara à Public Function Theory (teoria da função
pública) aplicada pela Suprema Corte Norte Americana. Defende-se que deve ser
exercido um juízo de ponderação entre o direito fundamental em jogo, de um lado, e
a autonomia privada dos particulares envolvidos, de outro.
A teoria dos deveres de proteção procura uma terceira via, pela qual
o Estado, como destinatário primeiro da “eficácia dos direitos fundamentais” tem o
dever não só de se abster de violá-los, mas de protegê-los de potenciais lesões
perpetradas por terceiros, igualando-se à teoria da eficácia indireta e mediata dos
direitos fundamentais, que também exige, para a proteção desses direitos, a mediação
do legislador. Assim, seria permitida a atuação do Judiciário através do controle da
constitucionalidade das normas de direito privado90.
Para o Ministro Gilmar Ferreira Mendes “os direitos fundamentais
não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando
também um postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma
expressão de Canaris, não apenas uma proibição do excesso (Übermassverbote),
mas também uma proibição de omissão (Untermassverbote)”91.
De notar que a Constituição Brasileira é expressa quanto à
imediatidade da aplicação dos direitos fundamentais pela dicção literal do §1º do
art. 5º92 – ou seja, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais
têm aplicação imediata”. No mesmo sentido, os itens II e III Enunciado nº 2
aprovado na 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho:

2. Direitos Fundamentais – Força Normativa


[...]
II – DISPENSA ABUSIVA DO EMPREGADO. VEDAÇÃO
CONSTITUCIONAL. NULIDADE. Ainda que o empregado não seja estável,
deve ser declarada abusiva e, portanto, nula a sua dispensa quando
implique a violação de algum direito fundamental, devendo ser assegurada
prioritariamente a reintegração do trabalhador.
III – LESÃO A DIREITOS FUNDAMENTAIS. ÔNUS DA PROVA. Quando há
alegação de que ato ou prática empresarial disfarça uma conduta lesiva a
direitos fundamentais ou a princípios constitucionais, incumbe ao
93
empregador o ônus de provar que agiu sob motivação lícita.

Embora a Constituição Brasileira não traga previsão específica


quanto à extensão da “eficácia dos direitos fundamentais” aos particulares, como
ocorre por exemplo com a Constituição Portuguesa, no art. 18, nº 1, que determina
sejam os direitos fundamentais aplicados às entidades privadas, ou do Projeto da
Comissão Especial para revisão total da Constituição suíça (art. 25) – “Legislação e
Jurisdição devem zelar pela aplicação do direito individual às relações privadas”,
quer parecer que a exegese do parágrafo único do artigo 5° da CF/88 94 deixa aberta
a possibilidade de vinculação não só aos direitos formais previstos no §1º, mas
também de direitos materiais ainda não positivados.
Para Ingo Wolfgang Sarlet95, no Brasil a “eficácia dos direitos
fundamentais” aos particulares é direta e imediata, ressalvando que é mister aplicar-
se no caso concreto o juízo de ponderação nos conflitos de interesses fundamentais.
A aplicação direta e imediata também é expressa por Daniel Sarmento96 a partir da
dicção dos artigos 6º, 7º e 8º da CF/88, que são voltados a particulares. Não olvida,
ainda referido autor, de indicar o viés social e de cidadania expresso em nossa Carta
Política. Esse juízo de ponderação se justifica, pois quando os particulares estiverem
num mesmo patamar no negócio jurídico não há que se falar em aplicação de
“eficácia dos direitos fundamentais”, sob pena de se violar o princípio da autonomia
das partes.
Esta parece ser a tendência da jurisprudência brasileira, cujo norte
parece ter sido uma decisão do Ministro do STF, Carlos Velloso:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE.
TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA
ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE
AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO.
C.F., 1967, art. 153, §1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por
não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil,
não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens
aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de
nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art.
153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A discriminação que se baseia em
atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo,
a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional.
Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. -
Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. -
R.E. conhecido e provido. STF- RE 161.243, Relator Ministro Carlos
97
Velloso, julgamento em 29/10/1996.

Não foi por acaso a escolha da decisão do Ministro do STF Carlos


Velloso, uma vez que é mister reconhecer nos particulares, a quem deve ser
endereçada também a “eficácia dos direitos fundamentais” quando um dos
contratantes estiver em posição mais frágil, a figura da empresa como importante
agente social.
A importância que as empresas assumiram no atual estágio da
humanidade era algo impensável há pouco tempo. O atual estágio de globalização
elevou as empresas a um status de definidoras de políticas transnacionais,
assumindo, em muitos casos, o vácuo de um Estado mínimo. O poder econômico
nas mãos de poderosos grupos empresariais é capaz de ditar regras, definir
tendências, criar necessidades. Nas palavras de Fábio Konder Comparato, se
quisermos indicar uma instituição social que, pela sua influência, dinamismo e poder
de transformação, sirva como elemento explicativo e definidor da civilização
contemporânea, a escolha é indubitável: essa instituição é a empresa98.
Não por outra razão, hoje se fala da função social da empresa,
partindo da idéia de função social da propriedade, aplicando-se o conceito aos
meios de produção de que é detentora a empresa ou de que dispõe seu sócio ou
gestor. Ocorre que a noção de propriedade preconizada na Constituição Federal é
muito mais ampla do que a prevista no Código Civil, como leciona o Fabio Konder
Comparato99.
Assim, na análise dos casos concretos, é mister que inicialmente se
fixem quais foram os direitos fundamentais violados, e. g., liberdade de associação:
inciso V, artigo 8º, CF/88; construção de sociedade livre: artigo 3º, inciso I, CF/88;
princípio da legalidade: inciso II, artigo 5º, CF/88; e direito de opinião e expressão:
inciso VIII, artigo 5º, CF/88, entre outros, para, num segundo momento, verificar se
na relação entre os particulares existe ou não igualdade de condições, procurando
localizar uma parte hipossuficiente, representada, por exemplo, pelo trabalhador, a
merecer a tutela estatal com a indisponibilidade dos direitos trabalhistas, de tal sorte
que o caso, então, seria de estender-se a “eficácia dos direitos fundamentais” de
forma direta e mediata ao particular, notadamente pelo perfil acima traçado, que
possuem as empresas nos dias atuais.
O instrumental de reação à referida conduta é dado pelo próprio
ordenamento jurídico, lembrando aqui das tutelas coletivas, como a ação civil
pública, num caso de abuso de direito e de flagrante usurpação de direitos
fundamentais, cabendo à referida tutela, inicialmente, na forma preventiva, para
devolver os indivíduos ao seu status quo ante, e a segunda, de forma corretiva,
compensando, pecuniariamente, os atingidos expostos a essa desvalia.
Restaria ainda a análise da eficácia desses direitos fundamentais
quando a sua agressão se desse não por terceiros que exercem um múnus público,
como um partido político por exemplo. Os partidos políticos, embora tenham
natureza jurídica de direito privado, exercem um múnus público e sua vinculação à
observância dos direitos fundamentais torna-se ainda mais exigível. Se para os
entes privados que não exercem nenhuma atividade outorgada pelo Estado já se
admite, utilizando-se o juízo de ponderação, às entidades que exercem um múnus
público, seria impensável a não aplicação da “eficácia dos direitos fundamentais”.
Paradigmático neste caso que nem mesmo a doutrina liberal da Common Law e sua
State Action deixou de aplicar a chamada Public Function Theory nos casos
previstos na própria Carta Política Norte Americana (Bill of Rights), que só excetua a
“escravidão” através da Emenda n° 13.
Cabem aqui as palavras do Ministro Carlos Mario Velloso, acima
transcritas, de que “a discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota
intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo
religioso etc. é inconstitucional”.
A base humanística da Constituição, que por si determina sejam
repelidos os atos discriminatórios, é, no entanto, reforçada por direitos fundamentais,
que se inserem no sistema de aplicabilidade imediata (§ 1º, art. 5º, CF/88). Ou seja,
são direitos e garantias fundamentais que, originando-se de uma esfera axiológica,
gozam de um estatuto proeminente em relação aos demais direitos constitucionais.
É nessa categorização que entra a inviolabilidade de crença (inciso VI, art. 5º,
CF/88), além de salvaguardar o cidadão das discriminações por motivo de crença
religiosa, ou de convicção filosófica ou política (inciso VIII, art. 5º, CF/88).
2 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: CONCEITO, HISTÓRICO E NATUREZA
JURÍDICA

2.1 Conceito de meio ambiente do trabalho

Os princípios constitucionais, dentre os quais exurge como um


sobre-princípio e fundamento da República Federativa do Brasil o princípio da
dignidade humana, exigem que a execução do contrato de emprego propiciado pelo
empregador seja o mais sadio possível, tanto sob o aspecto da salubridade, da
ergonomicidade, da periculosidade, quanto das condições sócio-psicológicas no
inter-relacionamento com os colegas de trabalho e superiores hierárquicos. A esse
conjunto de condições físico-psicológico-ambientais dá-se o nome de “meio
ambiente do trabalho”.
A preocupação com o meio ambiente do trabalho ficou patente num
dos primeiros estatutos a tratar do assunto, a Encíclica Rerum Novarum, do Papa
Leão XIII em 1891100, reafirmada pela “Carta Encíclica Centesimus Annus”, em
1991, por João Paulo II. O papa João Paulo II, no Capítulo IV da Carta Encíclica
Centesimus Annus, analisa “a propriedade privada e o destino universal dos bens”,
atualizando os conceitos históricos da Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII
e demonstrando a posição da doutrina social da Igreja nos tempos pós-modernos:

Na Rerum Novarum, Leão XIII, com diversos argumentos, insistia


fortemente contra o socialismo do seu tempo, no caráter natural do direito
de propriedade privada. Esse direito fundamental para a autonomia e o
desenvolvimento da pessoa foi sempre defendido pela Igreja até os nossos
dias. De igual modo, a Igreja ensina que a propriedade dos bens não é um
direito absoluto, mas, na sua natureza de direito humano, traz inscritos os
próprios limites.
[...]
Hoje, mais do que nunca, trabalhar é um trabalhar com os outros e um
trabalhar para os outros: torna-se cada vez mais um fazer qualquer coisa
para alguém. O trabalho é tanto mais fecundo e produtivo, quanto mais o
homem for capaz de conhecer as potencialidades criativas da terra e de ler
profundamente as necessidades do outro homem, para o qual é feito o
101
trabalho.
No plano do direito constitucional, o artigo 5º, caput, in fine, da
CRFB, é a luz a incidir sobre o cristal, criando diversos matizes infraconstitucionais
sobre o tema, já que é a diretriz à garantia da própria dignidade humana, que dá
guarida à análise conjunta do disposto no artigo 225, caput, da Carta Política, como
garantidora de direitos de terceira geração. Hodiernamente a análise parte da
cotização dos comandos magnos com a inclusão do Direito Empresarial no Livro II,
da Parte Especial do Código Civil (Lei nº 10.406 de 10.01.2002) e a análise
sistêmica desses comandos com as demais leis ordinárias (Lei nº 6.938/81),
Constituições Estaduais, Convenções da OIT e Normas Regulamentadoras
expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Guilherme José Purvin de Figueiredo aborda o surgimento do Direito
Ambiental no Brasil, salientando que antes disso seu espaço era ocupado pelo
Direito do Trabalho:

É certo que inicialmente apenas o Direito do Trabalho, enquanto disciplina


jurídica cientificamente autônoma, desenvolveu-se no terreno da proteção
da vida e da saúde dos trabalhadores nas indústrias (e, gradativamente,
também dos trabalhadores na agricultura e nos demais setores da
economia), trazendo à discussão ´coisas´ e ousando apresentar ´idéias´ que
seriam inconcebíveis antes do advento da Revolução Industrial. Com efeito,
o que hoje denominados Direito Ambiental, ramo das ciências jurídicas que
se ocupa com a qualidade do meio ambiente, inclusive com o meio
ambiente do trabalho, somente adquirirá maioridade nas décadas de 1960 e
102
1970 (notadamente a partir da Convenção de Estocolmo de 1972).

Para Raimundo Simão de Melo o “Direito Ambiental do Trabalho”


constitui direito difuso fundamental inerente às normas sanitárias de saúde do
trabalhador (art.196 da CF/88)103, e, assim sendo, estaria, inclusive, o Ministério
Público legitimado à defesa deste por meio de ações que tutelem os direitos de
forma coletiva, como a ação civil pública.
Para Ivette Senise Ferreira, o termo refere-se ao local da prestação
do serviço, que, em geral, é o estabelecimento da empresa, mas pode o conceito ser
estendido para abranger também áreas de descanso do trabalhador, aquelas
destinadas ao seu lazer ou ao recebimento de benefícios, programas profissionais,
educacionais etc.104 O meio ambiente do trabalho envolve as instalações físicas do
local (ventilação, iluminação natural ou artificial, ruídos, móveis, maquinário etc.),
que devem oferecer um ambiente saudável para a prestação do labor humano, bem
como deve ser minimizada a possibilidade de contato com qualquer agente químico
ou biológico que traga riscos à saúde do trabalhador. Um meio ambiente de trabalho
sadio proporciona a manutenção da saúde do trabalhador; por sua vez, um meio
ambiente de trabalho agressivo leva ao surgimento de doenças ocupacionais e,
conseqüentemente, à perda ou redução da capacidade laborativa do trabalhador.
Não obstante, não se deve confundir meio ambiente do trabalho com o
estabelecimento empresarial, sendo mister que se conjugue “o elemento espacial
com a ação laboral”, pois, como assevera Guilherme José Purvin de Figueiredo, “um
estabelecimento industrial que venha a ser interditado [...] continuará a ser chamado
de estabelecimento, mas não poderá mais ser chamado de meio ambiente do
trabalho”105.
Existe uma íntima conexão entre direitos humanos e meio ambiente.
O primeiro constitui-se o núcleo basilar do Estado Democrático de Direito,
posicionando-se como gênero em matéria legal de proteção aos cidadãos, e este
último como uma das espécies daqueles direitos.106
Celso Antonio Pacheco Fiorillo conceitua meio ambiente do trabalho
como “o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais,
remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na
ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos
trabalhadores, independente da condição que ostentam (homens ou mulheres ou
menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc).107
Utilizando-se da classificação das fases dos direitos do homem,
usada por Paulo Bonavides, citada anteriormente, estaria o meio ambiente do
trabalho albergado num direito de quarta geração, ou nos direitos de “solidariedade
e fraternidade”, ou no de terceira geração, se adotada a teoria de Bobbio, também já
citada, pois envolve um direito difuso, coletivo e individual homogêneo.
Paulo Bonavides explicita no que consistiriam os direitos de terceira
geração cunhados por Bobbio:

Ao se referir aos direitos fundamentais da terceira geração, Bobbio (1992, p.


6) assinala que ao lado dos direitos, que foram chamados de direitos da
segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos da terceira geração
[...] O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos:
108
o direito de viver num ambiente não poluído.

A visão necessária a esta pesquisa sobre meio ambiente do trabalho


é a de que ela não se restringe ao trabalhador, mas a todos aqueles que sofrem ou
podem sofrer as influências de um meio ambiente do trabalho inadequado, sob
todos os pontos de vista possíveis, pois a tutela ambiental não envolve nada além
do que a preservação do direito de viver, em dimensão mais ampla que o direito à
vida, pois o direito de viver há que pressupor uma vida com dignidade.

2.2 APLICAÇÃO ANALÓGICA DO CONCEITO DE POLUIÇÃO – LEI 6.938/81

O art.3º, I, da Lei 6.938/81, definiu meio ambiente como "o conjunto


de condições, leis, influências e interações de ordem física, que permite, abriga e
rege a vida em todas as suas formas”.
A Lei da Política Ambiental (Lei 6.938/81) em seu artigo 14, § 1º,
prevê expressamente a responsabilidade objetiva:

Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor


obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar
os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua
atividade.

Embora a Lei 9.605, de 12.2.98, que tutela a proteção ao meio


ambiente, não trate da responsabilidade objetiva tendo em vista o veto presidencial
ao artigo 5º da Lei em comento, referido fato ocorreu justamente pelo argumento de
que a matéria já era tratada no §1º do art. 14 da Lei 6.938, de 31.8.81, que 'Dispõe
sobre a política nacional do meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e
aplicação, e dá outras providências', deixando claro que a responsabilidade objetiva
para questões ambientais não fora revogada com o advento da Lei 9.605/98.
Assim, a atual Lei Ambiental empresta importante ferramental
protetivo do meio ambiente, sob o aspecto administrativo, civil e até penal,
possibilitando até mesmo a desconsideração da personalidade jurídica:

A citada lei ambiental prevê também inovações interessantes como a


possibilidade de condenação do diretor, administrador, membro de conselho
e órgão técnico, auditor, gerente, preposto ou mandatário de pessoa jurídica
que, sabendo da conduta criminosa de outrem prevista na lei, deixar de
impedir sua prática, quando podia agir para evitá-la (art. 2º). E ainda a
possibilidade de responsabilização administrativa, civil e penal das pessoas
jurídicas por infrações cometidas por decisão do seu representante legal ou
contratual, ou de seu órgão colegiado no interesse ou benefício da sua
109
entidade (art. 3º).

Já o artigo 3º da Lei nº 9.605/98, em que pese a argüição de


inconstitucionalidade levantada por grande parte da doutrina, traz a previsão de
responsabilização objetiva, inclusive na esfera penal:

As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e


penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração
seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de
seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo
único: A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas
físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

O princípio que vigora no Direito Ambiental é o do poluidor-pagador,


que impõe ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção, reparação e
repressão da poluição, independentemente se houve culpa ou não, bastando a
ocorrência do evento danoso para que dele resulte o dever de indenizar.
Sem dúvida a lei ambiental quebrou o paradigma vigente desde o
Código de 1916, que abraçou a responsabilidade subjetiva em seu artigo 159,
repetido na nova redação do artigo 186 do Código de 2002. Em ambos os casos os
elementos clássicos do dever de reparação se faziam presentes, pois era mister a
prova do ato doloso ou culposo, omissivo ou comissivo, cabendo ainda a alegação
de excludentes de culpabilidade, tais como o estado de necessidade, o exercício
regular de direito, a culpa exclusiva da vítima e a inexigibilidade de conduta diversa.
Embora o Código Civil de 2002 tenha mantido a redação do anterior
artigo 159, acabou por inovar no parágrafo único do artigo 927, adotando a teoria da
responsabilidade objetiva quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano implicasse, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, assunto que
será tratado especificamente no item 2.4.2. Assim, exemplificando, uma indústria
química que produza cloro, produto altamente tóxico e perigoso, e que esteja
levando uma carga de São Paulo para Curitiba e em determinada ponte venha a ser
abalroada por outro veículo desgovernado, cujo motorista estivesse embriagado,
não poderá alegar culpa de terceiro pelo sinistro, pois o simples fato de explorar
referida atividade já lhe confere a responsabilidade pelos danos que vierem a
ocorrer.
Adotou-se, assim, a teoria do risco integral, já que um acidente
ambiental é capaz de trazer danos a uma diversidade de agentes sociais e ao meio
ambiente e cujos prejuízos são, muitas vezes, incalculáveis.
Abordando essa questão, Branca Martins da Cruz exemplifica os
danos possíveis:

Uma mesma acção sobre o ambiente pode ser causadora de diferentes


danos, pessoais como patrimoniais ou ainda ecológicos. A poluição de um
rio pode causar danos na saúde dos banhistas desprevenidos, das pessoas
que bebam a água contaminada ou daquelas que consumam o peixe aí
pescado ou os produtos agrícolas cultivados nas suas margens; pode
provocar danos patrimoniais aos proprietários e aos agricultores ribeirinhos,
aos pescadores cuja subsistência dependa do rio inquinado ou aos
operadores turísticos da região; como causará igualmente danos ecológicos
traduzidos na destruição da fauna e da flora do rio, assim como a perda da
qualidade da água, necessários ao normal equilíbrio ecológico do
110
ecossistema danificado.

A Constituição Federal incluiu, dentre os direitos dos trabalhadores,


o de ter reduzido os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança (art. 7º, XXII), e determinou que no sistema de saúde o meio
ambiente do trabalho deve ser protegido (art. 200, VIII), mostrando uma moderna
posição com relação ao tema, de forma que as questões referentes ao meio
ambiente do trabalho transcendem a questão de saúde dos próprios trabalhadores,
extrapolando referida proteção para toda a sociedade.
Também a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) trata da
segurança e saúde do trabalhador nos artigos154 e seguintes do Título II, capítulo V,
e no Título III (Normas Especiais de Tutela do Trabalho), além das Portarias do
Ministério do Trabalho e da Lei Orgânica da Saúde (Lei 8.080/90). Há ainda o
Programa de Controle Médico e de Saúde Ocupacional e o Programa de Prevenção
de Riscos Ambientais, sem contar a obrigatoriedade das empresas em instituir as
CIPAs – Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (art. 163, CLT) e de
fornecer o PPP – Perfil Profissiográfico Previdenciário, tudo visando à busca da
qualidade ambiental do meio ambiente do trabalho.
Por essas imbricações dos microssistemas do Direito Brasileiro que
se pode trazer para o Meio Ambiente do Trabalho o princípio do poluidor-pagador,
visão pela qual se o dano ocorrido com o empregado advier de um meio ambiente
do trabalho poluído, seja sob o ponto de vista das condições físicas, tais como lay
out inadequado, local periculoso, insalubre, penoso ou antiergonômico; seja pelas
condições de sanidade mental, tais como local em que ocorram toda sorte de
assédios morais, discriminações e não observância de direitos fundamentais,
permite o raciocínio de aplicação da previsão específica do artigo 14, §1º, da Lei
6.938/81, atraindo a responsabilização civil objetiva ao causador do dano ambiental,
como se verá no próximo tópico.

2.3 MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: PERICULOSIDADE, INSALUBRIDADE,


HIGIDEZ ERGONÔMICA, HIGIDEZ MENTAL E TRABALHO PENOSO

Sendo desrespeitado o meio ambiente do trabalho adequado e


seguro, um dos mais importantes e fundamentais direitos do cidadão trabalhador, há
uma agressão a toda a sociedade, pois é ela quem custeia a Previdência Social,
responsável pelo SAT – Seguro de Acidentes do Trabalho.111
Todavia, não se pode olvidar que vivemos numa sociedade de
consumo, ela própria necessitando e, portanto, exigindo a fruição de alguns bens e
serviços que acabam gerando condições inadequadas de trabalho e que são,
sabidamente, prejudiciais à saúde de quem a elas se sujeita.
Não é de hoje que a sociedade se depara com o paradoxo de obter
os bens e serviços necessários à sua manutenção e relegar trabalhadores a
condições inseguras, fato apontado por Sidnei Machado:

A questão saúde-trabalho está inserida no processo de saúde-doença em


sua relação com o trabalho humano. Estudos anteriores ao advento da
Revolução Industrial já catalogavam as várias doenças dos operários,
mineiros e artesãos, desencadeadas pelo trabalho. O médico Bernardinho
Ramazzini, em livro publicado em 1700, na Itália, sob o título De Morbis
Artificium Diatriba, que recebeu a tradução em português de As Doenças
dos Trabalhadores, já denunciava, em estudos de grupos de trabalhadores,
112
as várias doenças relacionadas ao trabalho.

Não por outra razão o estudo da matéria envolve de maneira


interdisciplinar duas áreas das ciências jurídicas, como bem anotou Celso Antônio
Pacheco Fiorillo:

[...] distintos são os bens juridicamente tutelados no Direito do Trabalho e no


Direito Ambiental. Enquanto o Direito do Trabalho ocupa-se
preponderantemente das relações jurídicas havidas entre empregador e
empregado, dentro de uma relação contratual privatística, o Direito
Ambiental irá buscar a proteção do "homem trabalhador, enquanto ser vivo,
das formas de degradação e poluição do meio ambiente onde exerce o seu
labuto, que é essencial à sua qualidade de vida. Trata-se, pois, de um
113
direito difuso.

De igual sorte essa inter-relação não passou despercebida por


Sidnei Machado, que vê no aumento da discussão sobre o meio ambiente uma
evolução também para a discussão do meio ambiente do trabalho e das condições
de saúde dos trabalhadores:

A questão ambiental, em discussão nos últimos anos, produziu reflexões


importantes para a compreensão da relação entre saúde e trabalho. O meio
ambiente e o ambiente de trabalho fazem uma aproximação, alargando a
questão da saúde para relacioná-la à proteção do meio ambiente do
trabalho. Há, sem dúvida, uma estreita relação entre saúde dos
114
trabalhadores e meio ambiente, o que revela um novo paradigma.
Tanto para a questão da preservação do meio ambiente natural
como para a criação, manutenção e desenvolvimento de um meio ambiente do
trabalho adequado, o Direito Ambiental e o Direito do Trabalho parecem
entrechocar-se com a Economia e o mercado, verdadeiros totens do mundo pós-
industrial. Numa sociedade de consumo, marcada pelas pressões globais de
produção e concorrência, o risco é elemento sempre presente e aceito por todos,
como um preço a se pagar pelo acesso aos bens de consumo. O mundo vive, nos
dizeres de Maria Alice Costa Hofmeister, numa sociedade de risco: “fala-se em risco
quando o dano seja imputado a uma decisão, isto é, quando o dano deva ser
reputado como conseqüência de uma decisão. Há simplesmente o perigo quando os
danos possíveis não guardam relação com uma decisão. A casuística explica a
diferença”115.
Risco, na lição de Sidnei Machado:

a probabilidade de ocorrência de um evento causador de dano às pessoas e


ao meio ambiente de forma leve ou grave, temporária ou permanente,
parcial ou total. Para nos referirmos ao trabalho utilizamos a expressão ´fato
de risco´, que corresponde à identificação de um agente que provoca dano
116
ao trabalhador e ao meio ambiente .

Parece haver algo inconciliável entre as previsões constitucionais


tuitivas das condições de trabalho e a realidade ora desenhada. Se a Constituição
Federal preconiza já em seu artigo 1º, caput, como um dos fundamentos da
República, a dignidade da pessoa humana; no artigo 5º, caput, fala do direito à vida
e segurança; reconhece o trabalho como um direito social no artigo 6º, caput; além
de, no art. 7º, inc. XXII, consagrar como direito básico do trabalhador, a “redução
dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança”; e, em perfeita harmonia jurídica, garante a todos um meio ambiente
ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, no artigo 225,
caput, incumbindo ao Poder Público o dever de controlar a produção,
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem
risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, a previsão expressa de
qualquer atividade capaz de causar dano ao meio ambiente natural ou ao meio
ambiente artificial, como o do trabalho, parece, a primeira vista estar dissociada a
realidade de uma sociedade de risco com as determinações da Norma Maior.
Assim, muito se tem escrito e questionado sobre o que a doutrina
passou a chamar de monetarização do risco nas atividades insalubres, periculosas,
anti-hergonômicas e penosas. Todavia, como dito, a própria sociedade, no estágio
atual, não pode prescindir de bens e serviços que, por sua própria natureza, expõem
a essas condições os trabalhadores que se lançam a essas atividades, as quais
estão expressamente previstas na Consolidação das Leis do Trabalho:

a) insalubridade: o artigo 189 da CLT considera como “atividades ou


operações insalubres aquelas que, por sua natureza, condições ou métodos de
trabalho, exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites
de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo
de exposição aos seus efeitos”. Embora os artigos posteriores prevejam as medidas
para minimização de referido risco, ainda assim, os trabalhadores expostos a ele
passam a ter direito a uma remuneração extra para “pagar” os danos dessa
exposição. A quantificação deste “fato de risco” é feita no artigo 192 da CLT, que
prevê que o “exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de
tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de
adicional respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20% (vinte por cento) e 10%
(dez por cento) do salário mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus
máximo, médio e mínimo”. A coroar a mediocridade com que referida matéria é
tratada pelo legislador, até pouco tempo se discutia se o adicional deveria, na falta
do salário mínimo da região, ter a base de cálculo pelo salário mínimo ou pelo piso
salarial do empregado que está exposto a essa condição. Recentemente, com a
edição da Súmula Vinculante nº 4, do Supremo Tribunal Federal117, vedou-se o uso
do salário mínimo como base de cálculo de qualquer vantagem de servidor público
ou empregado, todavia, em decisão ainda mais recente, no dia 15.7.2008, o
Supremo Tribunal Federal deferiu liminar à CNI – Confederação Nacional da
Indústria, suspendendo a aplicação da Súmula 228 do TST na parte em que permite
a utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade.
b) periculosidade: o artigo 193 da CLT descreve como “atividades ou
operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do
Trabalho, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o
contato permanente com inflamáveis ou explosivos em condições de risco
acentuado”. Referida disposição tinha sua quantificação já diferenciada da prevista
para a insalubridade, ao asseverar que “o trabalho em condições de periculosidade
assegura ao empregado um adicional de 30% (trinta por cento) sobre o salário sem
os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da
empresa”. Ou seja, além de ser relativamente barato o pagamento de referido
“risco”, há situações que bem demonstram a hegemonia do poderio econômico em
detrimento das políticas de higiene e segurança do trabalho, pois o dito adicional
não tem incorporado em sua base outras vantagens como gratificações, prêmios ou
participações nos lucros da empresa, e só serão pagos, nos termos do artigo 194 da
CLT, até cessar a situação que lhe deu causa, com a eliminação do risco à sua
saúde ou integridade física, o que, na prática, tem sido interpretado pelos Tribunais
como o afastamento do empregado da atividade insalubre e periculosa e não como
anulação da referida situação pelo investimento em melhorias ambientais tendentes
a nulificar ditas condições.
c) higidez ergonômica: “ergonomia é o conjunto de ciências e
tecnologias aplicadas à adaptação confortável e produtiva do ser humano ao seu
trabalho; busca, basicamente, adaptar as condições de trabalho às características
dos diferentes perfis antropométricos dos seres humanos”118. Para Guilherme
Guimarães Feliciano, o conceito poderia ser mais amplo:

[...] para alcançar os parâmetros de adaptação das condições de trabalho


às características psicofisiológicas dos trabalhadores (abrangendo,
portanto, o aspecto da higidez mental), com o fim de proporcionar o máximo
de conforto, segurança e eficiência – ali, no interesse do trabalhador e aqui
no interesse da atividade econômica –, um ambiente de trabalho não está
ecologicamente equilibrado (artigo 225, caput, da CRFB) se não for dotado
de parâmetros ergonômicos adequados (item 17.1 da NR-17), de maneira
que é obrigação do empregador, inclusive em sede constitucional, garantir a
sadia qualidade de vida de seus trabalhadores, providenciando a análise
ergonômica do trabalho, notadamente nos aspectos relacionados ao
levantamento, transporte e descarga de materiais, ao mobiliário, aos
equipamentos, às condições ambientais do posto de trabalho (ambientes
ruidosos, quentes ou mal iluminados contribuem para o desgaste mental, a
119
par da própria insalubridade) e à própria organização do trabalho.

A questão das condições ergonômicas de trabalho são tratadas na


Norma Regulamentadora nº 17, que “visa a estabelecer parâmetros que permitam a
adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos
trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e
desempenho eficiente”. Nos termos do artigo 157 da CLT, cabe ao empregador
cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho (inc. I);
instruir os empregados, por meio de ordens de serviço, quanto às precauções a
tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais (inc. II); e
adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente
(inc. III), levando ao raciocínio lógico de que a referida Norma, quando cotizada com
a disposição legal, tem força cogente, como dever de agir.
É a questão ergonômica responsável pelo surgimento de centenas
de doenças ocupacionais que, ao contrário dos acidentes típicos, podem ser
silenciosas e projetar seus efeitos, inclusive de forma cumulativa, para um futuro
distante, quiçá quando o trabalhador já não mais consiga estabelecer um nexo
epidemiológico entre o seu trabalho atual e a causa da patologia que experimenta,
recaindo assim a sua assistência ao sistema público de previdência, e não aos
responsáveis pela reparação do dano.
Embora o assunto esteja devidamente regulamentado, não se tem
visto por parte do Poder Público uma atuação preventiva e muito menos corretiva na
fiscalização do atendimento de condições mínimas de ergonomicidade laboral. Mais
uma vez a ânsia pela atração de empregos tem levado os agentes políticos a não
questionar a qualidade do trabalho que se está a oferecer. Não se vê, na prática, a
exigência de um laudo ergonômico, nos mesmos moldes que se exige um REIA –
Relatório de Estudos de Impacto Ambiental – por exemplo. Parece que a
preocupação com o meio ambiente natural conseguiu um estágio mais avançado do
que a preocupação com o meio ambiente artificial, que é onde o destinatário da
proteção anterior passará boa parte de sua vida.
Não raras vezes, quando se denota preocupação com a questão
ergonômica, ela está voltada não para uma visão prevencionista, mas para a busca
de um aumento de produtividade, prejudicado pela fadiga física e mental que um lay
out inadequado do processo produtivo ou dos equipamentos pode provocar.
Empresas de maior porte têm demonstrado essa postura ao criar espaços para
descansos intrajornada; ginástica laboral; sessões de yoga, entre outras, passando
um conceito de preocupação com a saúde física e mental de seus colaboradores e,
não raro, vendendo uma imagem à comunidade de empresa cidadã e com
responsabilidade social. Essa situação não passou despercebida por Arnaldo
Süssekind:

Instalam-se as modernas fábricas com requintes de conforto, com a


cooperação até de decoradores para que o meio ambiente se torne menos
agressivo; a música funcional não é mais apenas aquele 'fundo musical'
tranqüilizante porque em certos casos comprovou-se que isso acarretava
conseqüências negativas, e as fábricas de concepção técnica mais
avançada encomendam a programadores especializados a feitura de fitas
magnéticas apropriadas ao tipo de trabalho em cujo recinto elas são
reproduzidas, tendo algumas mesmo introduzido, em determinados
intervalos, trechos musicais que quebrem a monotonia. [...] Procura-se, para
quebrar a monotonia que leva à fadiga mental, alternar até mesmo os
sistemas de trabalho, adotando algumas empresas horários facultativos
para certos setores, atendendo-se à vontade da maioria que os integram. É
também a chamada 'autonomia de tarefas' que vem sendo experimentada
para o trabalho em determinadas máquinas ou grupo de máquinas, fazendo
com que o operário e o técnico se sintam mais realizados e vejam sua
atribuição dignificada, ao invés de serem meros repetidores de gestos,
120
apertando parafusos, calcando botões, olhando painéis.

Embora a era pós-industrial nos tenha legado consideráveis avanços


tecnológicos e alterado substancialmente os modos de produção, não se pode
fechar os olhos para as conseqüências, notadamente, para países periféricos e em
desenvolvimento, do modelo atual de competição global. Na visão de Sidnei
Machado “esse modelo de globalização econômica e reestruturação produtiva das
empresas e as tendências de mercado de trabalho têm introduzido novos fatores de
riscos no ambiente do trabalho”121. Concorre globalmente, mas não se tem por aqui
a mesma consciência social e muito menos a mesma atuação estatal que os
“importadores de mão-de-obra barata” encontram em seus países de origem,
ocorrendo o fenômeno da importação do risco e dos custos sociais a eles inerentes,
em nome de uma maximização dos lucros.
A inadequação de um lay out produtivo ou mesmo de equipamentos
destinados à produção levam, invariavelmente, a quadros conhecidos de doenças
ocupacionais, sendo as mais comuns tendinites, tenossinovites, bursites, síndrome
do túnel do carpo, doenças classificadas como DORTs – Doença Osteomuscular
Relacionada ao Trabalho –, que são transtornos decorrentes de condições
inadequadas do meio ambiente e que acometem coluna cervical, vasos, ossos,
nervos, tendões e articulações, principalmente os membros superiores, cujo quadro
inflamatório pode ser desencadeado por traumas e microtraumas, produzidos por
diversos agentes, físicos, químicos, biológicos, ergonômicos, elétricos e mecânicos,
cujos sintomas são de difícil e demorado diagnóstico, tendo como principal fator
desencadeante os movimentos repetitivos.
Essas condições inadequadas, na visão de Guilherme Guimarães
Feliciano, nada mais são do que poluição do meio ambiente do trabalho:

Curial perceber, nesse passo, que um ambiente de trabalho com grande


incidência de DORT é indubitavelmente um ambiente do trabalho poluído,
eis que poluição é toda ´degradação da qualidade ambiental resultante de
atividades que direta ou indiretamente [...] prejudiquem a saúde, a
segurança e o bem-estar da população [...]´ e/ou ´(...) criem condições
adversas às atividades sociais e econômicas [...]´ (artigo 3º, III, ´a´ e ´b´, da
Lei 6.938/81 - g.n.).
Assim, as condições antropométricas e/ou psicofisiológicas inadequadas
são tecnicamente uma forma de poluição, pois comprometem a saúde e o
bem-estar da população trabalhadora em atividade no estabelecimento e
criam condições adversas à atividade social laboral (desconforto e/ou
122
insegurança) e à própria atividade econômica (ineficiência).

Atentando para as disposições do artigo 225, caput, da CF/88, a


questão poderia ser resolvida se o Estado fosse capaz de garantir a todos um meio
ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, e exigir,
na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de
significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, no
qual cabe a inclusão de exigência de laudo de adequação ergonômica, como pré-
condição de instalação de todo e qualquer empreendimento.
É inadmissível que as DRTs – Delegacias Regionais do Trabalho –
só atuem na fiscalização dos empreendimentos após sua instalação e
funcionamento. Ou seja, não há exigência de inspeção prévia das condições do
meio ambiente do trabalho como pré-condição de expedição de licença de
funcionamento, e raramente se tem notícia de autuações que envolvam a
adequação do meio ambiente do trabalho, além das condições mínimas de higiene e
segurança, na visão restritiva que se tem das Normas Regulamentadoras.
d) higidez mental: as preocupações com um meio ambiente de
trabalho adequado, nos dias atuais, devem ultrapassar os limites do tangível e
adentrar naquilo que até então as normas regulamentadoras123 e a vetusta CLT
ainda não previram de forma expressa. Além das questões já abordadas, do
trabalho em condições insalubres, periculosas e penosas, que podem ser
consideradas condições materiais e que podem ser mensuradas, outras situações
afetam a saúde do trabalhador, influenciando diretamente o seu meio ambiente do
trabalho, atingindo não só sua higidez física, mas, de forma cada vez mais
acentuada, afetando sua higidez mental. Sebastião Geraldo de Oliveira bem anota
essa situação fática dos trabalhadores hodiernos:

A força de trabalho exigida do operário está se deslocando rapidamente dos


braços para o cérebro, especialmente com o ritmo acentuado da
informatização. Com isso percebe-se que vem ocorrendo uma diminuição
efetiva da fadiga física, porém um aumento acentuado da fadiga psíquica,
cuja recuperação é muito mais lenta e complexa. Ademais, o trabalhador
dirige-se para a empresa carregando toda a carga de apreensões da
sociedade moderna em que está inserido, cujos problemas de moradia,
segurança, trânsito, além dos aspectos familiares, são fatores adicionais
124
que completam as agressões psicossociais.

Na mesma esteira está o magistério de Rodrigo Dias Fonseca, ao


analisar a questão do assédio moral no ambiente do trabalho:

Ao tempo dos movimentos sociais que deram origem ao Direito do


Trabalho, no contexto do início e desenvolvimento da Revolução Industrial
(sécs. XVIII e XXIX), o cerne da proteção laboral era a própria vida e saúde
do trabalhador, sob variados aspectos: limitação à duração de jornada e à
idade permitida para o trabalho, proteção contra trabalho insalubre e
perigoso, etc.
um segundo momento (séc XX), a tutela direcionou-se à proteção contra
abusos de ordem social e natureza econômica, quando então se buscou
amparar o trabalhador com direitos que lhe proporcionassem um patamar
mínimo de dignidade econômica, para assegurar-lhe condições de vida
dignas. Nesse sentido, desenvolveu-se uma pletora de medidas
assecuratórias do emprego e protetivas da remuneração.
Por fim, já nos estertores do séc. XX, percebeu-se que a proteção à higidez
física do empregado era insuficiente, sendo necessária a adoção de
medidas que visassem à tutela de sua saúde mental, passível de sofrer
125
abusos pela própria natureza subordinante da relação de emprego.

O trabalho no mundo pós-moderno é marcado pela competição, não


mais com o colega de trabalho que está ao lado, mas com um trabalhador de outro
país emergente ou em desenvolvimento e, via de regra, com muito mais tempo
escolar que o nacional. Os níveis de exigência de produtividade, atingimento de
metas, reestruturação do modo de produção, remuneração por produção e contratos
por prazo determinado, “têm produzido profundas alterações no processo de gestão
do trabalho e no modo de comercializar”.126 Assim, além das pressões físico-
químicas de um meio ambiente do trabalhado inadequado o trabalhador ainda tem
que enfrentar um sem número de situações capazes de abalar sua higidez mental,
destacando-se entre elas o que a doutrina passou a chamar de assédio moral ou
“acosso psíquico”127. A expressão corrente de assédio moral foi cunhada
originariamente por Marie-France Hirigoyen, na obra Le Harcèlement moral: la
violence perverse au quotidien128, que rapidamente ganhou lugar privilegiado em
livrarias de todo o mundo. A autora define assédio moral como "qualquer conduta
abusiva que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou
integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou
degradando o clima de trabalho".129 Entre nós, Martha Halfeld Furtado de Mendonça
Schmidt trata a matéria sob vários enfoques multidisciplinares:
existem várias definições que variam segundo o enfoque desejado (médico,
psicológico ou jurídico). Juridicamente, pode ser considerado como um
abuso emocional no local de trabalho, de forma maliciosa, não sexual e não
racial, com o fim de afastar o empregado das relações profissionais, através
130
de boatos, intimidações, humilhações, descrédito e isolamento.

Em referida obra a autora desnuda a proporção mundial que o


problema toma, trazendo dados que demonstram crescente número de casos de
assédio moral no ambiente laboral:

[...] segundo um relatório recente da OIT, apresentado na Conferência


Internacional de Traumas no Trabalho, sediada em Joanesburgo, nos dias 8
e 9 de novembro de 2000, 53% dos empregados na Grã-Bretanha disseram
já ter sofrido ataques oriundos de um tal comportamento no local de
trabalho, enquanto que 78% declararam que já tinham sido testemunhas de
uma tal situação. [...] Na França, 30% dos empregados declararam estar
sofrendo assédio moral no trabalho e 37% disseram ter sido testemunhas
do assédio moral de um colega. O fenômeno abrange tanto homens (31%),
quanto mulheres (29%) e tanto gerentes (35%), quanto operários (32%). E
está presente da mesma forma nas empresas privadas (30%) e nas
131
públicas (29%).

Embora no Brasil a questão não esteja ainda expressamente


regulamentada, os Tribunais vêm aplicando condenações a empregadores que
assediam moralmente seus empregados, utilizando-se, por analogia, as agressões
ao patrimônio ideal do trabalhador, tais como honra, liberdade, imagem, nome,
sendo fundamentado no art. 5º, V e X, CF, que assegura o “direito de resposta,
proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”,
e a inviolabilidade da “intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente
de sua violação”, respectivamente.
Mas uma vez cabe aqui o raciocínio de que o Estado, pelo só
cumprimento do artigo 225, da CF/88, pode minimizar essas questões,
desincumbindo-se de sua atribuição de, e.g., “promover a educação ambiental em
todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio
ambiente” (inc. VI), já que a questão passa, necessariamente, por um processo de
educação em todos os níveis possíveis, implementando o que Enrique Leff chamou
“uma nova ética”, calcada numa “racionalidade ambiental”.132
e) trabalho penoso: embora a Constituição Federal de 1988, no
artigo 67, em seu inciso II, vede ao adolescente empregado, aprendiz, em regime
familiar de trabalho, aluno de escola técnica, assistido em entidade governamental
ou não-governamental, o trabalho penoso, referida disposição não foi ainda
regulamentada a fim de que se possa, a partir do Texto Maior, deduzir sua definição.
Da mesma forma carece de regulamentação o inciso XXIII do artigo 7º da CF/88.133
Sem embargo disso, Guilherme Guimarães Feliciano define trabalho penoso como
“a condição de especial desgaste que exige do trabalhador empenho físico ou
psicológico que crie desgaste acima do normal”134. A idéia de penosidade não deve
estar atrelada somente às condições físicas de trabalho, mas deve contemplar
também as condições psíquicas do trabalho. É certo que na sociedade pós-industrial
em que vivemos existem atividades que, pelo estresse mental e pelas pressões do
cotidiano, expõem os trabalhadores a condições mentais severas, como, por
exemplo, policiais, operadores de bolsa de valores, professores, notadamente em
regiões periféricas e de nível socioeconômico reduzido, em que agressões físicas e
psicológicas têm levado muitos a abandonar as salas de aula ou a desenvolver
quadros de doenças mentais como a síndrome do pânico e a depressão, para citar
só algumas delas.
No âmbito da tutela das condições penosas de trabalho quanto às
condições físicas, cabe destacar os artigos 198 da CLT, que fixam em 60 kg o peso
máximo que um empregado (homem) pode movimentar sozinho, e, timidamente, a
previsão do artigo 190, que fixa a obrigação patronal de colocação de assentos que
assegurem postura correta ao trabalhador, capazes de evitar posições incômodas
ou forçadas, sempre que a execução da tarefa exija o trabalho sentado135, e se o
trabalho for executado em pé, aplica-se a norma do parágrafo único do artigo 199 da
CLT, que obriga o empregador a disponibilizar assentos para uso nas pausas,
normas que esbarram na total ausência de fiscalização tanto das Delegacias
Regionais do Trabalho quanto dos próprios sindicatos, como se pode constatar
facilmente das condições de trabalho dos funcionários da rede de fast food Mc
Donalds, onde, em meio à produção em massa, não se vê um único assento.
Ressalte-se ainda, quanto à normatização das condições ergonômicas de trabalho,
a NR-17 da Portaria 3.214/78 e a Ordem de Serviço nº 606, de 5.8.98, que tratam
dos distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT). Assim, uma
condição antiergonômica pode estar diretamente relacionada a uma condição
penosa de trabalho, pois “deve ser considerada penosa a atividade produtora de
desgaste no organismo, de ordem física ou psicológica, em razão da repetição de
movimentos, de condições agravantes e, em geral, de pressões e tensões próximas
do indivíduo, com a peculiaridade de não deixar sinais perceptíveis após o
descanso, a não ser por algumas seqüelas sedimentadas”.136
Se considerarmos as constantes mutações que os processos
produtivos atuais assumem a cada dia, a regulamentação das condições penosas de
trabalho devem ser as mais amplas possíveis, a fim de contemplar não só as
condições físicas de trabalho, mas as condições psicossociais de trabalho. Zeno
Simm informa que “as primeiras referências aos riscos psicossociais aparecem nos
anos 80, como em algumas propostas da OIT/OMS, sendo que no final dos anos 90
apareceram na Espanha as primeiras Notas Técnicas Preventivas a Respeito, bem
como as primeiras sentenças reconhecendo como acidente do trabalho as lesões
derivadas desses riscos”.137
As críticas de diversos doutrinadores e especialistas em segurança
do trabalho e meio ambiente são quanto à atual monetarização à exposição ao risco,
que seria uma espécie de “carta branca” aos empregadores para expor os
funcionários aos riscos, desde que pagassem por essa exposição, ou seja, na
prática, seria a aquisição de um direito de expor ao risco, e que os valores são, na
maioria das vezes, muito baixos, de tal sorte que o empreendedor não estaria,
assim, motivado a implementar medidas de criação, manutenção e desenvolvimento
de um meio ambiente do trabalho adequado, pois seria “mais barato comprar” a
exposição ao risco, pagando os aludidos adicionais. Nesse sentido, Guilherme José
Purvin Figueiredo afirma que “o Direito do Trabalho e o Direito da Seguridade Social
ainda têm optado por uma solução tímida e, na prática, de pouca eficácia na tutela
da vida e da saúde dos trabalhadores, preferindo a adoção de um sistema de
tarifação por adicionais de insalubridade e periculosidade e por aposentadorias
especiais, mercantilizando assim as fases da vida e parte do corpo dos
trabalhadores”138, no que é seguido por Amauri Mascaro do Nascimento:

os aspectos puramente técnicos e econômicos da produção de bens não


podem redundar num total desprezo às condições mínimas necessárias
para que um homem desenvolva a sua atividade dentro de condições
humanas e cercado das garantias destinadas à preservação de sua
personalidade.[...] Para que o trabalhador atue em local apropriado, o direito
fixa condições mínimas a serem observadas pelas empresas, quer quanto
às instalações onde as oficinas e demais dependências se situam, quer
quanto às condições de contágio com agentes nocivos à saúde ou de perigo
139
que a atividade possa oferecer.

Em que pese a referida afirmação ser, do ponto de vista ético,


verdade inquestionável, não é o que acontece fora do mundo das letras. Numa
realidade de desemprego estrutural, municípios e Estados da Federação têm
procurado atrair para seus limites territoriais a instalação de empreendimentos
capazes de gerar emprego e renda. Todavia, as verdadeiras guerras fiscais que são
travadas com esse desiderato ignoram por completo que tipo de empregado esses
empreendimentos estão dispostos a dar. Não se pode ignorar o comando
constitucional inserto no §1º do artigo 225, de que para assegurar o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, o Poder
Público deve estar atento à preservação desse meio ambiente, desenvolvendo
políticas públicas, preventivas, corretivas e reparadoras de danos ambientais, pois a
garantia ao direito de viver deve pressupor a vida com qualidade, o que só é
possível num local ambientalmente equilibrado.

2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR POR DANOS AO MEIO


AMBIENTE DO TRABALHO140

Responsabilidade civil é o termo genérico utilizado para indicar o


dever de reparar um dano causado. Na precisa conceituação de Rui Stoco, “a noção
de responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do
latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de
responsabilizar alguém por seus atos danosos”.141
É a idéia de recondução do sujeito que sofreu o dano ao seu status
quo ante tanto quanto seja possível. E dita responsabilidade é chamada civil, tendo
em vista que do ato ilícito podem surgir outras responsabilidades, como a penal, a
administrativa, a tributária entre outras. Ocorre que nos demais ramos do direito a
responsabilização vêm prescrita em normas ou regulamentos e sua não observância
leva o sujeito a ser subsumido à descrição legal, respondendo pela pena pecuniária
ou restritiva de direito prevista no referido diploma legal.
Diferentemente na responsabilidade civil, via de regra, é necessário
que se apure o dano para a conseqüente e justa indenização. Segundo Raimundo
Simão de Melo, a reparação civil no mundo moderno é a sucessora da antiga
possibilidade de satisfação da vítima pela vingança, pelo “olho por olho” da Lei das
XII Tábuas de Moisés.142 Os particulares deixam de buscar a vingança e o Estado-
Juiz se encarrega de determinar a indenização ou a reparação mais justa possível,
tentando devolver o indivíduo que sofreu a lesão ao status que detinha antes de
sofrê-la. Algumas situações existem, todavia, que a devolução ao status quo ante se
mostra impossível, como na mutilação, na morte ou na agressão aos direitos de
personalidade. Nesses casos seria impossível a reparação, mas não seria lícito e
nem moral que a vítima permanecesse com os danos e o infrator nada sofresse.
Assim, em casos tais em que a reparação se torna impossível, diz-se que a
responsabilização civil tem natureza jurídica de compensação.
É fato, no âmbito jurídico, que o instituto da responsabilidade civil é
um dos que evolui com maior intensidade e dinamismo, especialmente na esfera
jurisprudencial, como reflexo das exigências emanadas da realidade social, fonte
extraordinária de relações conflituosas e lesivas, imprevisíveis ao legislador nos
limites de sua falível condição humana, quando da elaboração dos dispositivos
reguladores da matéria.
Com o intuito de amenizar a defasagem entre a dinâmica da vida e a
rigidez normativa, empregou-se na redação do Código Civil de 2002 a técnica
legislativa das “cláusulas gerais”, cujo produto final resulta em normas aptas a fazer
o Direito progredir, sem a punctual intervenção legislativa, como se o próprio sistema
legislado pudesse, “[...] por si, proporcionar os meios de se alcançar a inovação,
conferindo aos novos problemas soluções a priori assistemáticas, mas promovendo
paulatinamente sua sistematização.”143
Modelo de uma cláusula geral é identificado no parágrafo único do
artigo 927 do Código Civil, ao dispor que haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem,
reservando à doutrina e à jurisprudência a intrincada tarefa de definir quais
atividades empresariais podem implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem.
Além da complexidade existente para delimitação do alcance da
cláusula geral do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, outra controvérsia
estabelecida em torno do dispositivo legal refere-se à correta resposta da seguinte
indagação: com o advento do Código Civil de 2002, a responsabilidade civil do
empregador nos acidentes de trabalho passou a ser objetiva ou continua fulcrada na
responsabilidade subjetiva?
Frente a essa problemática – indefinição quanto à incidência do
parágrafo único do artigo 927 do Código Civil nas ações indenizatórias decorrentes
de acidente de trabalho – é mister a busca de elementos doutrinários para sua
resolução, inicialmente por meio da adequada colocação do problema, da exposição
da vertente inconstitucionalista e de sua crítica, para em seguida demonstrar a
viabilidade da adoção de entendimento favorável à aplicação da responsabilidade
objetiva, ainda que com base nos métodos tradicionais de interpretação
constitucional e na recuperação do princípio trabalhista da norma mais favorável,
possibilitando avaliar a consistência das posições doutrinárias envolvendo a
temática abordada.
De longa data trava-se embate entre as teorias da responsabilidade
subjetiva e objetiva, com avanços e retrocessos históricos.
Mas a questão nodal da responsabilidade civil nos acidentes do
trabalho é saber qual das teorias deve ser aplicada: subjetiva ou responsabilidade
com culpa; ou subjetiva, responsabilidade independente da existência ou não de
culpa.

2.4.1 Subjetiva

A teoria da responsabilidade subjetiva preconiza que se configura


dito dever de reparar se a conduta for praticada com dolo ou culpa, independente do
seu grau, e se funda na inteligência do artigo 7º, XXVIII, da Constituição Federal, e
artigo 186 do Código Civil.
Assim, no campo da infortunística, se o acidente ocorreu por
imprudência da própria vítima, não poderá a empresa responsabilizar-se por culpa
exclusiva da própria vítima. Além do mais, o ônus dessa prova incumbe ao ator da
ação de reparação, o que parte da doutrina passou a chamar de “prova diabólica”,
tal a dificuldade de a vítima comprová-la em muitos casos.
Logo, sendo a culpa da própria vítima, não existe o dever da parte
que não tenha dado causa ao dano de indenizar. Nesse sentido, Martinho Garces
Neto:
Corrente doutrinária bem conhecida e, sem dúvida alguma, muito
prestigiosa, sustenta que a vítima de acidente de trabalho pode optar pela
indenização de direito comum, a ser pleiteada no juízo comum, com a
desvantagem de ter que provar a culpa ou o dolo do responsável pelo
144
evento danoso.

Na mesma esteira encontra-se a lição de José de Aguiar Dias:


“admite-se como causa de isenção de responsabilidade o que se chama de culpa
exclusiva da vítima. A tendência é para carrear à vítima as conseqüências da
culpa”.145
A doutrina sobre a responsabilidade subjetiva, forte entre nós desde
o Código Civil oitocentista, vinha a reboque do contido na Súmula nº 229 do
Supremo Tribunal Federal, que enuncia: “A indenização acidentária não exclui a do
direito comum em caso de dolo ou culpa grave do empregador”.
A aplicação ao caso concreto da Súmula do Supremo Tribunal
Federal, supra mencionada, se deu na Apelação nº 20995/81, da 5ª Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, da lavra do Desembargador Gracho
Aurélio:

Sabiamente o Colendo Supremo Tribunal Federal, ao lado da indenização


acidentária, regulada por leis específicas, passou a admitir também a ação
contra o empregador baseada no direito comum. Essa jurisprudência, já
sumariada, visou à proteção do empregado em relação ao empregador.
É de notar que a Suprema Corte teve a prudência de restringir a ação
subsidiária, fundando-se apenas no dolo ou na culpa grave, que confina
com o dolo eventual, de modo que somente os acidentes oriundos de
determinações ilegais e odiosas ficam sujeitas às regras de direito
146
comum.

Como diz Plácido E. Silva, em seu Vocabulário jurídico, "todo mal ou


ofensa que uma pessoa cause a outrem"147, é dano. Assim, o dano que alguém
sofre por sua própria culpa não deve imputar aos outros, mas a si mesmo.
Em que pese tudo indicar que o Direito moderno caminha, ainda que
a passos lentos, para a adoção da teoria da responsabilidade objetiva, entre nós é
mister reconhecer que a responsabilidade subjetiva não perdeu a prevalência que
possui desde sempre.
A discussão doutrinária na seara trabalhista tomou grande impulso,
com a alteração de competência à justiça laboral das ações acidentárias advindas
da relação de trabalho, deu novo ânimo ao debate, com diversas posições
merecedoras de reflexão, de um lado e de outro, embora, ao final, pareça que pouco
a pouco o Tribunal Superior do Trabalho venha sinalizando que a adoção da
responsabilização objetiva deve se dar em casos especiais, permanecendo a regra
geral a responsabilidade subjetiva prevista na Constituição Federal de 1988, apesar
da redação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, como se pode ver do
Acórdão proferido no Recurso de Revista nº 21/2006-012-08-00, 4ª Turma do TST,
Relator o ilustre Ministro Barros Levenhagen148, que firmou convicção, mesmo na
seara laboral, da prevalência da responsabilidade subjetiva, guardando a previsão
do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil aplicação para casos específicos,
como se poderá ver no próximo tópico.
No direito brasileiro, ambas teorias tem larga e histórica aplicação.
Exemplificando historicamente casos de normas que disciplinam a aplicação da
teoria da responsabilidade objetiva na questão acidentária, Raimundo Simão de
Melo indica como a primeira norma jurídica o Decreto Legislativo nº 3.724/1919,
regulado pelo Decreto nº 13.498/19, que, embora não incluísse as doenças
ocupacionais no conceito de acidente de trabalho, limitando-se ao acidente típico,
previa a responsabilização objetiva do empregador, adotando a teoria do risco
profissional.149 Hodiernamente convivem em nosso ordenamento jurídico diversos
diplomas que adotam a teoria da responsabilidade objetiva.
Exemplificando, a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor),
para as atividades relativas às relações de consumo, incluindo aí os serviços e
produtos das áreas bancária, financeira, creditícia, securitária, cuja responsabilidade
objetiva vem prescrita nos artigos 12, 13, 14, 18 e 20 do CDC.
A vetusta Lei n° 2.681/12 quanto à responsabilidade civil derivada de
contrato de transporte, ferroviário, marítimo, aéreo ou terrestre, e, por analogia, a Lei
6.194/74, para os acidentes em transportes coletivos e as Leis 7.565/86 (Código
Brasileiro do Ar) e 8.441/92 (seguro obrigatório de acidentes de veículos – DPVAT).
No âmbito da Constituição Federal, adotando a teoria do risco
administrativo, o §6º do artigo 37, que regula as atividades desenvolvidas por
pessoas jurídicas de direito público, ou as de direito privado prestadoras de serviços
públicos, cuja responsabilidade de seus agentes é objetiva quando causarem danos
a terceiros.
Ainda na esfera constitucional, o artigo 21, inciso XXIII, letras “b” e
“c”, para atividades envolvendo material nuclear e materiais análogos.
Na seara da infortunística, relacionadas aos benefícios
previdenciários, a Lei nº 5.316/67, o Decreto nº 61.784/67 e a Lei n. 8213/91.
Na esfera da proteção do meio ambiente (entendido aqui na sua
forma latu sensu), a Lei da Política Ambiental (Lei 6.938/81), em seu artigo 14, §1º,
que prevê expressamente a responsabilidade objetiva150; a previsão inserta no §3º
do artigo 325 da CF/88 (reparação dos danos causados ao meio ambiente); e no
Código de Mineração, no artigo 47, inciso III (danos ambientais pela lavra).
O Código Civil de 2002 também traz referida responsabilização
objetiva por ato de terceiro, guarda da coisa ou do animal, nos artigos 932, 936, 937
e 938, conforme anotado por Clayton Reis:
No caso das pessoas jurídicas de direito privado, observa-se a aplicação
das normas gerais de responsabilidade civil, havendo uma regra específica
introduzida em nosso ordenamento civil em seu art. 931, como no art. 932,
inc. III do Código Civil. No primeiro caso, o Código Civil repisou uma idéia já
consagrada nos arts. 14 e 12 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja,
a responsabilidade objetiva das empresas e empresários individuais.
portanto (sic), confirma-se, em sede do Código Civil, uma responsabilidade
independentemente de culpa, em face da teoria do risco consagrada no art.
151
927, Parágrafo único do Códex apontado.

Em que pese o vasto cabedal de diplomas que prevêem a


responsabilização objetiva, a teoria subjetiva reinou quase que de forma absoluta,
desde o século XIX e em grande parte devido à influência – que ainda se faz sentir –
do Código Napoleônico nas codificações de vários países ocidentais e da
propagação da doutrina do individualismo, vencedora na Revolução Francesa.

2.4.2 Objetiva

A aplicação ou não do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil,


em face do comando do inciso XXVIII da CF/88, tem sido motivo de dissenso entre
os mais variados doutrinadores. Entendem alguns que para não levar a pecha de
inconstitucional, deve ser interpretada segundo o método de interpretação conforme
haurido da Corte Constitucional de Karlsrhue e utilizado no Supremo Tribunal
Federal, quando em jogo controle da constitucionalidade de leis ou atos normativos.
Segundo tal método, nenhuma lei será declarada inconstitucional quando comportar
uma interpretação "em harmonia com a Constituição" e, ao ser assim interpretada,
conservar seu sentido ou significado.152
Com efeito a utilização do conceito de meio ambiente, incluindo o
meio ambiente do trabalho, sob o aspecto da proeminência da Constituição Federal,
permite a conclusão de responsabilização objetiva do empregador que, ao explorar
uma atividade produtiva, produza um “meio ambiente do trabalho poluído”. Essa
poluição pode ser sob o ponto de vista da insalubridade, da periculosidade, da
penosidade, da ergonomicidade e dos reflexos psíquicos (assédio moral, sexual
etc.).
Nessas condições em que o meio ambiente do trabalho criado,
mantido e desenvolvido pelo empregador se mostre “poluído” e, portanto, contrário à
função social do empreendimento (artigo 170, III, da CF), a responsabilização do
empregador será objetiva, pois se utiliza analogicamente do princípio “poluidor x
pagador” da Lei 6.938/81 (artigo 14, §1º). Mas note-se que, e exclusivamente, se o
infortúnio advier de um “meio ambiente do trabalho poluído”, sob pena de invalidar-
se, por norma infraconstitucional, o preceito instituído no art. 7º, XXVIII da CF/88.
Não há que se falar em inconstitucionalidade do referido dispositivo.
É mister reconhecer, todavia, que não se pode fazer leitura apressada do dispositivo
em comento, sob pena de, em assim o fazendo, incorrer em erro exegético de
monta.
Não é que o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil seja
contrário ao disposto na parte final do inciso XXVIII, do art. 7°, da Constituição. É
que o legislador infraconstitucional, atento ao comando do caput do artigo 7º da
CF/88, ampliou as situações em que a responsabilidade seria objetiva, ampliando
assim os direitos sociais dos trabalhadores, mas naquelas condições ali expressas.
Ou seja, a regra continua a ser, nos termos do caput do artigo 927
do Código Civil e do inciso XXVIII, do art. 7°, da Constituição, a responsabilidade
subjetiva. Em algumas situações especiais, entretanto, em que o risco do
empreendimento a que se lança o empreendedor é maior do que o que se entende
por risco normal, aí sim poderá haver responsabilização objetiva.
E é o próprio aludido parágrafo primeiro que dá o norte dessa
interpretação:

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente


de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem. (grifou-se).

A primeira condição será naqueles casos especificados em lei, seja


em leis já previstas, como nas Leis 6.938/81 e Lei 9.605/98, seja em futuras leis, que
prevejam em que situações a responsabilidade será objetiva.
Independente dessa situação o próprio legislador adjetivo civil já
previu que em alguns casos essa responsabilidade é objetiva, quais sejam, naqueles
89

em que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por


sua natureza, risco para os direitos de outrem.
O legislador preferiu utilizar-se de cláusula jurídica aberta quando
usou a expressão “risco”, a fim de que o juiz, na análise do caso concreto, efetue a
subsunção do comando ao fato, e isso de seu porque não é qualquer risco que leva
à responsabilização objetiva. De fato, o Código Civil vigente efetuou a quebra de
paradigma153 anterior, de um sistema fechado e, portanto, autopoiético, para um
sistema híbrido, ora fechado, ora aberto.
O uso de cláusulas gerais e de conceitos jurídicos
indeterminados é uma marca da novel legislação civilista. O exemplo aqui em
análise traz essa característica.
A norma não diz o que seja “risco excessivo”, cabendo ao operador
do direito, levando-se em consideração a preponderância dos princípios
constitucionais relevantes, no caso concreto e exercendo sua função criativa do
direito, defini-lo, já que, como leciona Eros Roberto Grau: “[...] o intérprete
desvencilha a norma do seu invólucro (o texto); neste sentido, o intérprete ‘produz a
norma”, asseverando ainda que: [...] isso não significa que o intérprete, literalmente,
crie a norma; o intérprete a expressa.154
A doutrina nacional, por grandes ícones do direito laboral, já
explicitou o que pode ser considerado como risco para os fins do parágrafo único do
artigo 927 do Código Civil.
A expressão risco excessivo tem claro liame axiológico com o
parágrafo único do artigo 927 do Código Civil e nada mais é do que Sebastião
Geraldo de Oliveira chamou de teoria do risco excepcional:

[…] justifica o dever de indenizar, independentemente da comprovação de


culpa, sempre que a atividade desenvolvida pelo lesado constituir-se em
risco acentuado ou excepcional pela sua natureza perigosa. São exemplos:
atividades com redes elétricas de alta tensão, exploração de energia
155
nuclear, materiais radioativos etc...
[...]
Então, pela responsabilidade objetiva, o dano proveniente do exercício de
qualquer atividade, gera o direito à reparação? A resposta sem dúvida é
negativa, porque o dispositivo expressamente limita a indenização àquelas
atividades que, por sua natureza, impliquem riscos para os direitos de
156
outrem.

Para Helder Dal Col Martinez “querer responsabilizar objetivamente


o empregador por qualquer acidente sofrido pelo empregado é fadar a relação de
trabalho ao insucesso, tornado-a inviável.”157 Analisada a questão sob o prisma
subjetivista, afirma ainda que cabe a ele, empregador, “a responsabilidade pela falha
na prevenção, pelo excesso da jornada imposto, pela inobservância das regras de
ergonomia, segurança e outras, que comprometem a normalidade do ambiente do
trabalho, ou das condições em que este devia ter-se realizado, ou seja, quando cria
condições inseguras para o trabalhador”158, quando se estaria então caracterizada
sua culpa numa das modalidades previstas em lei.
Não restam dúvidas de que, conforme leciona Guilherme Guimarães
Feliciano, toda e qualquer atividade que desenvolva o ser humano, por mais simples
que possa ser, o sujeita à exposição de risco, como uma condição inerente à própria
obtenção de bens e serviços:

Os riscos estão ínsitos a toda e qualquer atividade econômica, variando


conforme a sua natureza – são, pois, um fenômeno social estrutural, com
certo grau de tolerância. Além dos limites de tolerância (que podem ser
quantitativos ou qualitativos), o risco incrementado passa a caracterizar
poluição no meio ambiente de trabalho, traduzindo lesão a interesses
metaindividuais e legitimando o Ministério Público para a ação. Nesse caso,
havendo dano a terceiro derivado da poluição ambiental, o poluidor – em
geral, o empregador – é obrigado a repará-lo ou indenizá-lo,
independentemente de culpa (responsabilidade civil objetiva), consoante
artigo 14, §1º, da Lei 6.938/81. Do contrário, havendo acidente ou entidade
mórbida equivalente sem poluição ambiental, cabe ao empregado lesado
provar, em juízo, a culpa ou o dolo do empregador (responsabilidade civil
159
objetiva – artigo 7º, XXVIII, 2ª parte, da Constituição Federal) .

José Affonso Dallegave Neto entende que a regra inscrita no


parágrafo único do artigo 927 do Código Civil encerra uma cláusula geral de
responsabilidade objetiva, que prescinde de apuração de culpa pelo patrão, mas que
não se trata de uma regra; ao contrário, constitui exceção para casos envolvendo
atividade de risco:

Ademais, se é certo que no regime de responsabilidade subjetiva a


indenização acidentária está condicionada à comprovação de culpa do
empregador, não se pode negar que a regra do parágrafo único do art. 927
do novo Código Civil encerra cláusula geral de responsabilidade objetiva e
que, portanto, prescinde da apuração de culpa patronal, vez que se
constituem casos especiais em que a atividade empresarial normalmente
desenvolvida implica, por sua própria natureza, riscos aos seus
empregados. São situações especiais que refogem à regra geral de
responsabilidade subjetiva e, portanto, justificam o enquadramento na
160
responsabilidade objetiva.

Fábio Aurélio Alcure, analisando a questão acidentária sob a ótica


do meio ambiente do trabalho, afirma que “se o acidente sofrido pelo empregado
não tem qualquer relação com uma agressão ao meio ambiente de trabalho, o
empregador só tem o dever de indenizar se tiver agido com dolo ou culpa” 161. Para
exemplificar, o autor indica que, num acidente em que o empregado cai de uma
escada, se essa escada estiver em perfeitas condições, não há que se falar em
responsabilização do patrão pelo sinistro, pois ausentes quaisquer elementos de
culpa. Somente se o acidente guardar algum nexo de causalidade com uma lesão
ao meio ambiente do trabalho é que a análise do elemento culpa pode ser ignorada,
aí sim com responsabilização objetiva.162
Julio César de Sá da Rocha entende que para acidentes de trabalho
tipo, sofridos individualmente, a regra geral é a da responsabilidade civil subjetiva.
Mas se o sinistro advém da “poluição no ambiente do trabalho, desequilíbrio
ecológico no hábitat de labor, que ocasiona as doenças ocupacionais”, aplica-se,
neste caso, a regra da responsabilidade objetiva, condizente com a sistemática
ambiental, na medida em que se configura a hipótese do art. 225, §3º, que não exige
qualquer conduta na responsabilização do dano ambiental”.163
No mesmo sentido é a conclusão de Dallegave Neto, ou seja, a de
que subsistem no ordenamento jurídico, para questões acidentárias, os dois
sistemas de responsabilidade civil, sendo subjetiva “quando se tratar de acidente de
trabalho típico, com efeitos meramente individuais, e causado por empresa que não
exerce atividade normalmente de risco, aplicando-se a parte final do art. 7º, XXVIII,
164
da Constituição Federal, que exige prova de culpa patronal” , reservando-se a
aplicação da norma do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil quando “o
acidente de trabalho (ou doença ocupacional) decorra de atividade normalmente de
risco (art. 927, parágrafo único do Código Civil) ou de lesão ambiental com
repercussão coletiva (art. 225, §3º da Constituição Federal e art. 14, §1º da Lei n.
6.938/81), sendo objetiva a responsabilidade do agente”165, o que parece ser um
consenso entre os principais doutrinadores sobre infortunística trabalhista. Sebastião
Geraldo de Oliveira desvenda a expressão “risco” do parágrafo único do artigo 927,
afirmando: “se o risco a que se expõe o trabalhador estiver acima do risco médio da
coletividade em geral, caberá o deferimento da indenização, tão-somente pelo
166
exercício dessa atividade” , mas, como referida expressão, como visto, constitui
um conceito jurídico indeterminado, caberá ao juiz, no caso concreto, analisar se a
atividade a que esteve sujeita a vítima do infortúnio pode ou não ser considerada de
“risco excepcional”, sem o que a aplicação do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal
não poderá ser olvidada.

2.4.3 É inconstitucional o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil?

Na seara trabalhista, então haurida com a competência em razão da


matéria, boa parte dos magistrados passou a aplicar a teoria da responsabilização
objetiva com base na disposição do parágrafo único do artigo 927, o que gerou
pronta manifestação de corrente contrária, no sentido de que a novel disposição
estaria eivada do vício da inconstitucionalidade por afronta ao disposto no preceito
instituído no art. 7º, XXVIII da CF/88, que prevê como direitos dos trabalhadores
urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a
indenização a que está obrigado o empregador quando incorrer em dolo ou culpa,
deixando claro (por uma exegese literal) que a condição para referida indenização,
independente do seguro contra acidentes do trabalho (SAT) a encargo do
empregador, é a existência de conduta dolosa ou, no mínimo, culposa. Essa
disposição retrata, como dito alhures, o fundamento da responsabilidade subjetiva.
Essa divergência pode ser chamada de vertente
inconstitucionalista. Uma das peculiares características das normas
constitucionais, que influi diretamente no processo de interpretação de todo o
ordenamento jurídico, é a de sua superioridade hierárquica, por conferir “[...] à Lei
Maior o caráter paradigmático e subordinante de todo ordenamento, de forma tal que
nenhum ato jurídico possa subsistir validamente no âmbito do Estado se contravier
seu sentido.”167
A supremacia hierárquica do texto constitucional foi concebida por
Emmanuel Joseph Sieyès168 e difundida pela teoria do ordenamento jurídico
elaborada por Kelsen. Com o intuito de conferir unidade ao ordenamento jurídico,
este dispôs as normas em diferentes planos, condicionando a validade da norma
inferior à sua harmonização com o conteúdo da norma superior, criando assim uma
estrutura hierárquica piramidal das normas, em cujo ápice situar-se-ia a norma
fundamental, qual seja, a Constituição, da qual emanam logicamente todas as
demais169.
Com base na teoria kelseniana do ordenamento jurídico, parcela
significativa da doutrina e da jurisprudência170 aderiu à vertente contrária à
aplicação, nos acidentes de trabalho, do parágrafo único, do artigo 927, do Código
Civil de 2002, que prevê a responsabilidade civil objetiva quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para
os direitos de outrem.
Desenvolvem seu posicionamento alegando antinomia entre o citado
dispositivo do Código Civil e o inciso XXVIII, do artigo 7º, da Constituição Federal de
1988, que estipula como direitos dos trabalhadores indenização a cargo do
empregador nos casos de acidente de trabalho, quando este incorrer em dolo ou
culpa, ou seja, com base na teoria da responsabilidade civil subjetiva.
Concluem que, constatada a antinomia entre os dispositivos legais,
há que prevalecer aquele hierarquicamente superior na estrutura piramidal do
ordenamento jurídico, in casu, o texto constitucional, que expressamente prevê a
incidência da teoria da responsabilidade civil subjetiva nas hipóteses de acidente de
trabalho, com base na culpa e não na teoria da responsabilidade civil objetiva, com
base no risco.
Dentre os doutrinadores adeptos dessa corrente, destaca-se Rui
Stocco:

Na pirâmide Kelseniana em que as normas são dispostas, a Carta Magna


se sobrepõe sobranceira no seu topo, regendo e irradiando seus princípios
como orientação cogente.
Significa que seus cânones se distribuem e funcionam como verdadeiras
molduras em que os regramentos inferiores e os regulamentos subalternos
hão de se enquadrar e de se conter.”
[...]
Do que se conclui que, se esse Estatuto Maior estabeleceu, como princípio,
a indenização devida pelo empregador ao empregado, com base no direito
comum, apenas quando aquele obrar com dolo ou culpa, não se pode
prescindir desse elemento subjetivo com fundamento no art. 927, parágrafo
171
único, do Código Civil.

Não se pode, contudo, atribuir a referido posicionamento o peso


argumentativo que tentam impor os sectários da inconstitucionalidade do emprego
do parágrafo único, do artigo 927, do Código Civil, na disciplina das ações de
indenização decorrentes de acidentes de trabalho.
Irrefutáveis seriam os fundamentos e a conclusão da vertente
inconstitucionalista, não padecessem do vício do anacronismo, conseqüência da
vigorosa influência da Escola da Exegese sobre aqueles que foram doutrinados
segundo as tendências dessa escola hermenêutica, cuja propagação deve ser
superada do ordenamento jurídico presente.
A Escola da Exegese, que surgiu na França, em momento
imediatamente posterior à promulgação do Código Civil Francês de 1804, tinha
como pretensão reduzir o direito à lei172, sendo dotada, dentre outras, das seguintes
características, segundo BOBBIO173: a) rígida concepção estatal do Direito (princípio
da onipotência do legislador); b) interpretação da lei fundada na intenção do
legislador; c) culto do texto da lei (identificação do direito com a lei); d) respeito pelo
princípio da autoridade.
Referidas características refletem a influência dos jusracionalistas174
na sua conformação, de “tantos e tão profundos reflexos na fixação da noção de
sistema fechado”175, nos quais as normas jurídicas são proposições ordenadas,
completas e perfeitamente coligadas entre si. “O sistema é um ‘sistema interno’
racionalmente compreensível e racionalmente demonstrável, segundo categorias,
conceitos e definições”. Há uma racionalidade no sistema. Para cada questão dúbia
há uma solução única possível de ser demonstrada, tal como uma operação
matemática.176
Por intermédio desse sistema, o que se pretende é uma operação
estruturada sob uma racionalidade formal, como aquela posta pela estrutura
hierárquica piramidal das normas de Kelsen e cujo resultado seja uma certeza
dedutível177. O objeto (texto legal) tem um significado autônomo, que está inserido
em seu conteúdo desde sua criação, cabendo ao intérprete apenas buscar o seu
correto sentido, um sentido-em-si, não sendo possível qualquer espécie de
subjetivismo no ato de subsunção do fato a norma, através de raciocínio lógico-
dedutivo, justamente como proposto pela Escola da Exegese Francesa e posto em
prática pela vertente inconstitucionalista.
Esse modelo de produção do direito, calcado num sistema jurídico
racionalista fechado, não obstante a pretensa completude que lhe é atribuída,
traduziu-se em “[...] importante fator impeditivo/obstaculizador do Estado
Democrático de Direito e, portanto, da função social do Direito.”178
Justamente como procede a corrente inconstitucionalista que,
fulcrada nos paradigmas do sistema jurídico fechado, produz uma exegese que
retira a efetividade do texto legal, recusando o emprego da teoria da
responsabilidade civil objetiva nas ações reivindicatórias de indenização dos danos
decorrentes de acidentes de trabalho.
A crise desse sistema fechado se verifica no momento em que as
instituições incumbidas de aplicar o direito, calcadas no modo de produção liberal-
individualista-normativista179, não suprem a contento as novas demandas sociais,
como aquela concernente à reparação das vítimas de infortúnios relacionados a
atividades laborais de risco.
Com base nesse panorama de crise, Canaris diagnostica que: “as
exigências renovadas de uma ciência jurídica clara e precisa, capaz de responder a
uma realidade em evolução permanente e que tenha em conta os atuais
conhecimentos hermenêuticos e as exigências de maleabilidade deles decorrentes,
apontam para um novo pensamento sistemático”180, opinião da qual compartilha
Juarez Freitas:

sobretudo com o fim do império da razão típica do século XIX – a razão


monológica – e com o advento de novos paradigmas, mais e mais, à luz da
melhor doutrina, convém que o Direito seja visto como um sistema
caracteristicamente aberto e, pois, como potencialmente contraditório, tanto
normativa quanto axiologicamente, sem prejuízo do dever racional de se
efetuar a sua ordenação ‘desde dentro’, dado que tal função, para além das
diferentes abordagens filosóficas, é um traço comum nos conceitos
modernos de sistema jurídico, a par daquela outra conferida ao intérprete de
181
constantemente atualizar o sistema jurídico.

Esse novo pensamento sistemático pressupõe a adoção de um


sistema móvel, aberto, permeável e sensível à natural evolução dos fatos e às
constantes mutações axiológicas, sem o que não será possível afastar a
desfuncionalidade do Direito, até então imperante.
Um dos instrumentos postos à disposição dos operadores do direito,
na busca de uma abertura do sistema e purificação quanto ao espírito da Escola da
Exegese, consiste na adoção de “cláusulas gerais”, que são novos tipos de normas
que buscam o emprego de conceitos cujos termos têm significados intencionalmente
vagos e abertos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados, do que resulta,
mediante a atividade de concreção desses princípios, diretrizes e máximas de
conduta, a constante formulação de novas normas182, como a prevista no parágrafo
único, do artigo 927, do Código Civil, cuja aplicação é negada pela vertente
inconstitucionalista, no âmbito das relações do trabalho, por meio de uma leitura
isolada e literal do inciso XXVIII do art. 7º da Constituição.183
A fim de demonstrar o descompasso entre a interpretação conferida
pela vertente inconstitucionalista – embasada na pirâmide kelseniana, na visão do
sistema jurídico fechado e no retrógrado método interpretativo propugnado pela
Escola da Exegese – e a interpretação que se almeja de superação paradigmática
por meio da dimensão hermenêutica do direito – calcada numa sistemática pós-
racionalista, aberta e flexível, deixando-se de ver o legislador como exclusivo
produtor do Direito, já que “o direito é mais aplicação do que norma”184 – lança-se
mão exclusivamente dos tradicionais métodos de interpretação constitucional e dos
princípios do direito do trabalho, afastando objeção já conhecida quanto à possível
insegurança jurídica criada pelos modernos métodos hermenêuticos.
A controvérsia acerca da constitucionalidade ou não do parágrafo
único do artigo 927 do Código Civil pode e deve ser dirimida através da atividade
interpretativa da Constituição, levando em consideração os principais métodos
existentes, dentre os quais destacamos o gramatical; o lógico-dedutivo; o
sistemático; o teleológico e o histórico evolutivo.
Para Raimundo Simão de Melo185, não se pode fazer uma leitura
tópica do inciso XXVIII do artigo 7º da CF/88, desprezando-se os demais princípios e
fundamentos da Constituição, mas se deve fazê-lo através de uma visão
contemporânea evolutivo-axiológica, a fim de penetrar em seus meandros para se
entender os fins sociais e o sentido de cada um de seus dispositivos dentro do
ordenamento jurídico como um todo.186
Quando o exegeta do Direito vê-se diante do que parece ser uma
antinomia entre normas, deve buscar as ferramentas que o próprio Direito lhe
confere para tentar entender o seu verdadeiro alcance, só a desconsiderando como
norma hígida se for formalmente incompatível com os primados que todo o sistema
jurídico propugna.
Neste quartel, importante frisar, sem a pretensão de exaustão, que
os principais métodos interpretativos não se excluem e não devem ser tidos como
mais ou menos corretos ou adequados, mas analisados e utilizados de forma correta
em cada situação que se apresenta.
A maneira mais fácil, apressada e, nos dias atuais, equivocada de se
interpretar uma norma é através do método gramatical, também chamado de literal,
léxico ou filológico, pelo qual a semântica é o fator preponderante, como se uma
palavra, por si só pudesse representar um todo. É mister lembrar que referido
método teve forte influência da Escola da Exege e marcou o ensino jurídico desde o
final do século XVII ao século XIX, trazendo ainda aos dias de hoje os seus reflexos
em nosso ordenamento jurídico, pois fora a forma que as universidades passaram a
ensinar o Direito, que nada mais era do que o direito codificado, usado sob a técnica
da subsunção. Para Carlos Maximiliano:

O processo gramatical, sobre ser o menos compatível com o progresso, é o


mais antigo e retrógrado, pois o apego às palavras é um fenômeno que, no
Direito como em tudo o mais, caracteriza a falta de maturidade do
187
desenvolvimento intelectual.

A crítica voltada àqueles que interpretam o parágrafo único do artigo


927 do Código Civil é justamente essa, a de que o fazem sob um prisma meramente
gramatical, pela justaposição entre o que referida norma prevê e o previsto no inciso
XXVIII do artigo 7° da CF/88, sem levar em consider ação que as constituições são
verdadeiros organismos vivos e, por tal razão, sofrem as influências do meio social,
dos avanços tecnológicos e científicos, das novas teorias econômicas, dos costumes
e alterações do modo de viver e pensar da sociedade, de seus valores morais da
economia, com as crenças e convicções morais e religiosas, enfim, sensível aos
fatores reais do poder, usando a expressão de Ferdinand Lassalle.188
O método lógico-dedutivo se traduz numa evolução do método
gramatical, pois está voltado à busca do sentido e alcance das expressões jurídicas,
usando a lógica como se o Direito fosse uma ciência exata e não uma ciência que
necessita se adequar e evoluir com a própria sociedade, que é a sua fonte maior.
Segundo Luiz Roberto Barroso, o método lógico de interpretação possui a tarefa de:

[...] examinar a lei em conexidade com as demais leis, investiga-lhe também


as condições e os fundamentos de sua origem e elaboração, de modo a
determinar a ratio ou a mens do legislador. Busca portanto reconstruir o
pensamento ou a intenção de quem legislou, de modo a alcançar depois a
189
precisa vontade da lei.

O método sistemático é a forma de interpretação que leva em


consideração cada disposição legal com base no conjunto das normas e princípios
vigentes que formam o “sistema jurídico brasileiro”, procurando encontrar na Lei, ou
no artigo em análise, o seu sentido maior dentro desse sistema. Conforme assevera
Raimundo Simão de Mello, é contra o Direito analisar uma disposição legal sem ter
em mente o conjunto da lei, pois é mister atender à conexidade entre as partes do
dispositivo e outras prescrições da mesma lei190. Para Barroso, o método busca um
sentido harmônico no ordenamento jurídico e no Direito Constitucional, refletindo
uma “unidade interna da Lei Fundamental”191, unidade essa que não pode ser
quebrada quando da interpretação, quer de parte de seus próprios artigos, quer de
outros dispositivos infraconstitucionais. Carlos Maximiliano vai ainda mais longe,
alertando que referida interpretação deve examinar a norma por inteiro, além de
efetuar comparações do artigo analisado com outros afins com todo o Direito
daquela área e com os princípios inerentes a esse instituto.192 Referido método é um
dos que permite uma interpretação consentânea com os princípios que a própria
Constituição elegeu como fundamentos do Estado de Direito e permite buscar o
verdadeiro alcance da norma, dando ao dispositivo sob exame a interpretação mais
próxima dos princípios que a própria Carta indica como o norte a ser seguido pelo
legislador infraconstitucional.
A conjugação dos métodos acima deu origem a modernas técnicas
de interpretação, notadamente os métodos: teleológico, lógico-sistemático, histórico-
teleológico ou histórico evolutivo. Em comum, a preocupação de adequar a
interpretação da norma às mutações da sociedade, já que reconhece no Direito algo
dinâmico e que reflete a vida e mudanças da própria sociedade. Para Paulo
Bonavides, que trata referido método de científico-espiritual:

A Constituição se torna por conseqüência mais política do que jurídica.


Reflete-se assim essa nova tomada de sentido na interpretação, que
também se "politiza" consideravelmente, do mesmo passo que ganha
incomparável elasticidade, permitindo extrair da Constituição, pela análise
integrativa, os mais distintos sentidos, conforme os tempos, a época, as
circunstâncias. Graças pois a esse novo meio de interpretação, chega-se a
amoldar a Constituição às realidades sociais mais vivas. Já não se
menosprezam, em conseqüência, os chamados fatores extraconstitucionais,
que a interpretação formalista costumava ignorar por meta-jurídicos, mas
193
que têm importante lugar na operação integrativa da Constituição.

De se atentar a lição de Celso Ribeiro Bastos ao diferenciar o


método histórico do histórico-evolutivo, de que não se deve confundir ambos, já que
aquele privilegia os valores primeiros que motivaram a edição da norma e este
busca a adequação da norma à realidade em que a mesma deverá ser aplicada.194
Ao presente estudo importa demonstrar o equívoco de uma
interpretação gramatical, literal, do inciso XXVIII do artigo 7° da CF/88 e indicar a
existência de outros caminhos, mais adequados e de vanguarda, e que permitem
uma visão contemporânea evolutivo-axiológica, penetrando nos meandros da norma
para entender os fins sociais e determinar o sentido de cada um de seus
dispositivos, sem perder a visão do todo jurídico.195
A interpretação literal do inciso XXVIII do artigo 7° da Constituição
Federal olvida a evolução da sociedade, a alteração dos valores sociais e morais, a
complexidade dos contratos e dos meios de produção e as sensíveis alterações que
o trabalho sofreu desde a Revolução Industrial aos dias de hoje. O Direito Civil,
última fronteira dos liberais individualistas, se abre para uma visão
despatrimonializada e mais social, no que se costumou chamar de
“constitucionalização do direito civil”196, que nada mais é do que passar a ler as
disposições civilistas não somente sob o enfoque privado, e ler a Constituição não
somente sob o enfoque público, como se ambos estatutos não permitissem essa
leitura dupla e como se necessariamente o público e o privado tivessem que ser
vistos de forma separada, estanque. A “constitucionalização do direito civil” é, na
verdade, a “quebra do paradigma” da propriedade individualista para um novo
patamar de sublimação do destinatário maior em que todo esforço humano repousa,
qual seja, o próprio homem. A interpretação gramatical do Inciso XXVII do artigo 7°
da CF/88 pode levar a raciocínios, no mínimo, injustos aos destinatários da própria
lei. Sebastião Geraldo de Oliveira ressalta que não faz sentido a norma ambiental
(§1° do artigo 14 da Lei n° 6.938/81) proteger todo s os seres vivos e deixar apenas o
trabalhador, o produtor direto dos bens de consumo, sem a proteção adequada.197 A
situação proposta é a de uma empresa que, embora não se dedique a uma atividade
de risco, por acidente tenha um de seus insumos contaminando a natureza, as
pessoas ao redor da fábrica e os próprios trabalhadores. Nesse quadro a
responsabilidade da empresa seria, para os membros externos e para a
contaminação da natureza, objetiva, com base nas disposições do §1° do artigo 14
da Lei n° 6.938/81, e para os trabalhadores, subjet iva, com base no inciso XXVII do
artigo 7° da CF/88? O simples pensar da situação de monstra a injustiça da
conclusão e não se pode imaginar que a Lei seja injusta.198
A Constituição Federal incluiu entre os direitos dos trabalhadores o
de ter reduzidos os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança (art. 7º, XXII), e determinou que no sistema de saúde o meio
ambiente do trabalho deve ser protegido (art. 200, VIII), mostrando uma moderna
posição com relação ao tema. De outro lado, quando a própria Constituição Federal
elege como princípio fundamental, em igualdade de condições, o valor social do
trabalho e da livre iniciativa (artigo 1°, inciso I V da CF/88), acaba por demonstrar os
influxos da ideologia neoliberal que domina o mundo Ocidental e parte do mundo
Oriental.
Como foi dito, o princípio da livre iniciativa, em que pese também ser
um direito fundamental, deve encontrar limite em valores de igual ou maior
importância, utilizando-se, no caso concreto do juízo de ponderação, já que a própria
Carta Política elege, em igualdade de proeminência, outros princípios fundantes,
com especial destaque, o da dignidade da pessoa humana (inciso III do aludido
artigo), e na colisão de interesses entre ambos deverá prevalecer este em
detrimento daquele? E é justamente na interpretação e aplicação dos princípios
constitucionais e os do Direito do Trabalho que se poderá chegar à correta solução
da aparente antinomia que ora se analisa.
Para reconstrução da noção de princípio toma-se como ponto de
partida sua concepção etimológica, com raiz no grego e origem no latim principium,
com o significado de início, começo e poder 199.
Segundo o vocabulário técnico e crítico de filosofia de Lalande,
extraído da obra de Boulanger200, citado por Bonavides: “Chamam-se princípios,
dizem os filósofos, o conjunto de proposições diretivas às quais todo o
desenvolvimento ulterior se subordina.” Para Celso Antonio Bandeira de Melo:

Princípio, já averbamos alhures, é, por definição, mandamento nuclear de


um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia
sobre diferentes normas, compondo-lhe o espírito e servindo de critério para
sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a
intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por
201
nome sistema jurídico positivo.

Todos os ramos do conhecimento científico são dotados de


“verdades fundantes” consolidadas em enunciados genéricos tidos como alicerces
de condição e validade de todas as ilações componentes desse conhecimento
sistematizado, dada sua evidência ou comprovação, além de razões de ordem
prática, por auxiliar na sua compreensão, aplicação, integração e composição 202.
Ciente de sua singularidade, Canaris203, após apontar as
inconsistências das normas, dos valores, dos conceitos e dos institutos jurídicos,
sugere que o sistema jurídico será melhor formatado se composto por uma ordem
teleológica de princípios gerais do direito, por serem dotados das seguintes
características: a) não valem sem exceção e podem entrar entre si em oposição ou
em contradição; b) não têm pretensão da exclusividade; c) ostentam o seu sentido
próprio apenas numa combinação de complementação e restrição recíprocas; d)
precisam, para sua realização, de uma concretização através de sub-princípios e
valores singulares, com conteúdo material próprio.
Apresentando a evolução histórica dos princípios, Paulo
Bonavides204 informa que, ultrapassadas as fases do jusnaturalismo e do
juspositivismo, e contando com as imprescindíveis contribuições de Crisafulli, Esser,
Müller e Dworkin dentre outros, no pós-positivismo foi reconhecida pela doutrina
dominante a normatividade, a juridicidade ou positividade dos princípios, como
corroborado por Bobbio205, em cuja ótica “os princípios gerais são apenas, a meu
ver, normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais gerais. [...]
Para mim não há dúvida: os princípios gerais são normas como todas as outras.”
Com essa evolução doutrinária encerrou-se o conflito entre
princípios e normas, passando-se a reconhecer que as normas seriam o gênero do
qual o princípio e a regra seriam as espécies206, bem como se estabeleceu a
preponderância hierárquica, formal e material, dos princípios sobre as regras, na
pirâmide normativa, a ponto de sua violação consistir na mais alta infração jurídica
para Paulo Bonavides, segundo o qual “[...] quem os decepa arranca as raízes da
árvore jurídica”207, no que é acompanhado por Celso Antonio Bandeira de Mello:

Violar um princípio é muito mais grave do que violar uma regra. A não-
observância de um princípio implica ofensa não apenas a específico
mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais
grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu
208
arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Em suma, os princípios de cada ramo específico do direito, como os


relativos ao Direito do Trabalho, servem de base do sistema jurídico do trabalho, não
sendo admissível à existência de contradição entre as regras e os princípios, posto
estarem estes acima do direito positivado209, orientação que cumpre ser observada
inexoravelmente na interpretação de todo o ordenamento jurídico.
Antes de qualquer incursão doutrinária no ramo especializado do
Direito do Trabalho, é imprescindível ter-se consciência de que o espírito que
preside toda a dinâmica do direito do trabalho é o de proteção jurídica à pessoa do
trabalhador210, a ponto de Camargo211 afirmar que a proteção é o “objetivo da lei
trabalhista, que traz por finalidade precípua proteger o trabalhador”. Para Silva212
essa proteção é conferida, dentre outras, pelas seguintes razões:

De outra parte acham-se os trabalhadores em situação de debilidade


econômica em face dos empregadores, que os leva a se submeterem às
imposições destes, escudadas no seu poderio, o qual lhes permitiria fazer
valer no contrato de trabalho a lei do mais forte se não houvesse um
sistema normativo destinado a corrigir tais desigualdades com a criação de
outras desigualdades [...].

Com a pretensão de equilibrar essa desigualdade é que foi


construído o micro sistema trabalhista, por meio do qual é conferida superioridade
jurídica ao empregado, contrabalançando a superioridade econômica e hierárquica
patronal, beneficiando o trabalhador, por exemplo, ao considerar ilícita qualquer
alteração promovida nas condições de trabalho durante a sua vigência, ainda que
com o consentimento do trabalhador, quando resultar em prejuízo direto ou indireto
deste, nos moldes do artigo 468, da Consolidação das Leis do Trabalho.
E imbuído dessa tônica protetiva é que se deve analisar todo o
arcabouço do Direito do Trabalho, que tem o princípio da proteção como critério
orientador e fundamental “pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de
igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das
partes: o trabalhador.” 213
E como elemento de proteção ao trabalhador é que um dos
princípios mais relevantes do direito individual do trabalho consiste na regra da
norma mais favorável:

O sentido próprio, por outro lado, surge quando existem várias normas
aplicáveis a uma mesma situação jurídica.
[...]
Não se aplicará a norma correspondente dentro de uma ordem hierárquica
predeterminada, mas se aplicará, em cada caso, a norma mais favorável ao
trabalhador. Como disse Cessari, a aplicação deste princípio provoca uma
espécie de quebra lógica no problema da hierarquia das fontes, que altera a
ordem resultante do modelo, no qual as fontes se harmonizam em razão da
214
importância do órgão de que provêm.

Na lição de Nascimento, ao comentar o princípio da norma mais


favorável como traço distintivo do Direito do Trabalho das demais disciplinas
jurídicas:

Ao contrário do direito comum, em nosso direito a pirâmide que entre as


normas se forma terá como vértice não a Constituição Federal ou a lei
federal ou as convenções coletivas de modo imutável. O vértice da pirâmide
da hierarquia das normas trabalhistas será ocupado pela norma mais
215
vantajosa ao trabalhador, dentre as diferentes em vigor.

Inafastável, portanto, a conclusão, com fulcro no princípio da norma


mais favorável, pela plena aplicabilidade da responsabilidade civil objetiva nas ações
indenizatórias de danos oriundos de acidentes de trabalho, como previsto no
parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, posto tratar-se de norma mais
benéfica216 que o inciso XXVIII do artigo 7º, da Constituição Federal de 1988,
definição que torna insustentável a tese inconstitucionalista defendida por Rui Stoco
quando equivocadamente vaticina que se a Constituição Federal “[...] estabeleceu,
como princípio, a indenização devida pelo empregador ao empregado, com base no
direito comum, apenas quando aquele obrar com dolo ou culpa, não se pode
prescindir desse elemento subjetivo com fundamento no art. 927, parágrafo único,
do Código Civil”, sob pena de afetar-se toda a solidez do sistema jurídico trabalhista.
Muito diferente da idéia do parágrafo único do artigo 927 do Código
Civil ser contrário ao disposto na parte final do inciso XXVIII do art. 7° da
Constituição, é a idéia de que o legislador infraconstitucional, atento ao comando do
caput do artigo 7º da CF/88, ampliou as situações nas quais a responsabilidade
seria objetiva, expandindo assim os direitos sociais dos trabalhadores, mas naquelas
condições ali expressas. É o próprio artigo em exame que permite essa conclusão,
ao emitir o seguinte comando em seu caput: “[...] além de outros que visem à
melhoria de sua condição social”, ou seja, o rol de direitos sociais previstos nos
incisos do artigo 7º não é exaustivo e permite ao legislador infraconstitucional que os
amplie. A regra continua a ser, nos termos do caput do artigo 927 do Código Civil e
do inciso XXVIII do art. 7° da Constituição, a resp onsabilidade subjetiva. Em
algumas situações especiais, porém, nas quais o risco do empreendimento a que se
lança o empreendedor seja maior do que o que se entende por risco normal, aí sim
poderá haver a responsabilização objetiva.
Resta, assim, clara a intenção do legislador ordinário em ampliar o
espectro de direitos sociais dos trabalhadores, notadamente aqueles que estão
expostos a uma situação especial de risco, acima do que se pode ser tida como
normal.
A leitura do parágrafo primeiro do artigo 927 do Código Civil, se feita
a partir do comando constitucional que outorga ao legislador infraconstitucional o
dever de ampliar os direitos sociais, além do que ali previsto, é que dá o norte da
correta interpretação:

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,


independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando
a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem. (grifou-se).

Assim, em que pese a tendência jurídica de migração para a adoção


ampla da teoria objetiva, a regra no direito nacional, inclusive quanto à infortunística
laboral, continua a ser, nos termos do caput do artigo 927 do Código Civil e do inciso
XXVIII do art. 7° da Constituição, a responsabilida de subjetiva. Todavia, em algumas
situações especiais, em casos previstos em lei, e em outras nas quais o risco do
empreendimento a que se lança o empreendedor seja maior do que o que se
entende por risco normal, aí sim poderá haver a responsabilização objetiva. Com
isso não há qualquer incompatibilidade entre o parágrafo único do artigo 927 do
Código Civil e do inciso XXVIII do artigo 7° da Con stituição Federal, pois a dicção do
aludido parágrafo único deve ser feita tendo em vista o próprio comando
constitucional de que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (artigo 5º, §2º da
CF/88) e, ainda, de que os direitos previstos no artigo 7º não excluem outros que
visem à melhoria de sua condição social. Não restam dúvidas que para o
trabalhador que se submete a uma atividade que, por sua natureza, o coloca em
situação de risco, a tutela constitucional fora efetivada pela previsão do parágrafo
unico do artigo 927 do Código Civil, razão pela qual, muito ao contrário de
considerá-lo inconstitucional, deve-se vê-lo como a efetivação pelo legislador
ordinário dos comandos previstos no § 2º do artigo 5º e no artigo 7º da Constituição
Federal.

2.5 NORMAS REGULAMENTADORAS E CONVENÇÕES DA OIT – AUSÊNCIA DE


PRECISÃO CONCEITUAL

2.5.1 Normas regulamentadoras


A segurança do trabalho no Brasil tem seu fundamento na CLT, que
no seu Capítulo V trata da Segurança e Medicina do Trabalho, nos artigos 151 a
223. Interessam à presente pesquisa as disposições dos artigos 154 a 201 do
referido diploma legal. De início o artigo 154 da CLT deixa clara a concorrência da
competência em matéria de proteção entre os Estados e Municípios, incluindo as
previsões das convenções coletivas de trabalho. Em especial o artigo 155 incumbiu
ao órgão de âmbito nacional competente, em matéria de segurança e medicina do
trabalho, o estabelecimento de normas sobre a aplicação desses preceitos. Assim é
que o Ministério do Trabalho (órgão competente) expediu as Portarias de nº
3.214/78 e nº 3.067/88, nas quais estão consubstanciadas as Normas
Regulamentadoras (NRs) dos preceitos básicos do sistema de segurança e
medicina do trabalho, que pela dinâmica das condições e do modo de produção
podem ser ampliadas, revogadas e modificadas por referido órgão, conforme se
mostre necessária a adequação da proteção às novas condições laborais.
Assim é que foram expedidas, até hoje, 33 Normas
Regulamentadoras, de observância obrigatória por empregadores e empregados,
cuja finalidade precípua é possibilitar o desenvolvimento do trabalho com o menor
risco de lesões ao trabalhador e efetivar uma gama de medidas que protejam o meio
ambiente laboral, sendo as seguintes: NR-1 trata de disposições gerais; NR-2, de
inspeção prévia; NR-3 de embargo ou interdição; NR-4, de Serviços Especializados
em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT); NR-5, das
Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA); NR-06 de equipamentos de
proteção individuais (EPIs); NR-7, de Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional (PCMSO); NR-8, de edificações; NR-9, de Programa de Prevenção de
Riscos Ambientais (PPRA); NR-10, de instalações sanitárias; NR-11, de transporte e
movimentação de materiais; NR-12, de máquinas e equipamentos; NR-13, de
caldeiras e vasos de pressão; NR-14, de fornos; NR-15, de insalubridade; NR-16, de
periculosidade; NR-17, de ergonomia; NR-18, de meio ambiente da construção civil;
NR-19, de explosivos; NR-20, de líquidos combustíveis e inflamáveis; NR-21, de
trabalhos a céu aberto; NR-22, de trabalhos de mineração; NR-23, de combate a
incêndios; NR-24, de condições sanitárias e de conforto nos locais de trabalho; NR-
25, de resíduos industriais; NR-26, de sinalização de segurança; NR-27, de registro
profissional; NR-28, de fiscalização e penalidades; NR-29, de segurança e saúde no
trabalho portuário; NR-30 de segurança e saúde no trabalho aquaviário; NR-31 de
segurança e saúde no trabalho, na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração
florestal e aqüicultura, por isso mesmo denominada de NR Rural; e NR-32, de
segurança e saúde no trabalho em serviços de saúde; NR-33, de segurança e saúde
nos trabalhos em espaços confinados.
De todas as trinta e três NRs, entretanto, apenas duas delas se
utilizam da expressão meio ambiente do trabalho, sendo as de número 18 de meio
ambiente da construção civil; e a número 31 de segurança e saúde no trabalho na
agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aqüicultura, utilizando-se as
demais de nomenclatura mais reducionista de ambiente de trabalho ou ambiente
laboral ou ainda local de trabalho. Conforme leciona Guilherme José Purvin de
Figueiredo “ao optar pela conjugação de uma expressão consagrada pelo Direito
Ambiental (meio ambiente) a uma expressão conhecida no Direito do Trabalho
(ambiente do trabalho), intencionalmente aproximo os dois ramos do Direito,
evitando com isso tratar sob uma perspectiva privatística de temas ligados à
saúde”.217 De fato a carga axiológica trazida pela expressão “meio ambiente do
trabalho” traduz valores ligados a direitos fundamentais, humanos e de
personalidade, razão pela qual as novas normas a serem editadas, se atendo a esse
conceito, expressariam de forma fidedigna o seu verdadeiro intento, pois antes de
regulamentadoras são normas tutelares da higiene, medicina e segurança do
trabalho.

2.5.2 Convenções da OIT – Organização Internacional do Trabalho

A OIT – Organização Internacional do Trabalho – é um órgão da


ONU – Organização das Nações Unidas – criado em 1919 pelo Tratado de
Versailles, concebido a fim de promover padrões internacionais de condições de
trabalho e bem-estar social218. Possui, segundo a lição de Arnaldo Süssekind,
personalidade jurídica de direito internacional219. Trata-se de um órgão que procura
disseminar, entre as centenas de seus países membros, normativas relacionadas às
questões de saúde e segurança do trabalho220. Mario de la Cueva salienta que a
Convenção221 "é equivalente a um tratado celebrado pelos poderes executivos dos
Estados, e deve ser aceito ou rechaçado em seus termos, sem que possam
introduzir-se nele modificações".222 O Brasil não ratificou todas as Convenções da
OIT. Dentre as ratificadas, as que envolvem assuntos afetos a saúde, segurança e
higiene do trabalho, são as seguintes: Convenção nº 12, indenização por acidentes
do trabalho na agricultura, promulgada através do Decreto 41.721/57; Convenção nº
16, exame médico obrigatório para menores a bordo do ano de 1921/1937;
Convenção nº 29, trabalho forçado ou obrigatório de 1930/1957; Convenção nº 42,
indenização por doenças profissionais, de 1934/1937; Convenção nº 45, trabalho
subterrâneo das mulheres, de 1935/1938; Convenção nº 81, fiscalização do
trabalho, 1947/1957; Convenção nº 92, alojamento da tripulação a bordo, de
1949/1954; Convenção nº 103, amparo à maternidade, de 1952/1966; Convenção nº
105, abolição do trabalho forçado, de 1957/1966; Convenção nº 113, exame médico
dos pescadores, de 1959/ 1966; Convenção nº 115, proteção contra as radiações
ionizantes, de 1960/1968; Convenção nº 120, de higiene em comércio e escritórios,
de 1964/1970; Convenção nº 124, de exame médico de adolescentes em trabalhos
subterrâneos, de 1965/ 1970; Convenção nº 126, de alojamento a bordo de navios
de pesca, 1966/1997; Convenção nº 127, de peso máximo, de 1967/1970;
Convenção nº 134, de prevenção de acidentes do trabalho dos marítimos, de
1970/1999; Convenção nº 136, sobre o benzeno, de 1971/1994; Convenção 139,
sobre câncer profissional, de 1974/1991; Convenção 148, sobre meio ambiente do
trabalho – contaminação do ar, ruído e vibrações, 1977/1986; Convenção nº 152,
sobre segurança e higiene nos trabalhos portuários, 1979/1990; Convenção nº 155,
sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente do trabalho, de
1981/1994; Convenção nº 159, sobre reabilitação profissional e emprego de pessoas
deficientes, de 1983/1991; Convenção nº 161, sobre serviços de saúde no trabalho,
de 1985/1991; Convenção nº 162, sobre asbesto/amianto, de 1986/1991;
Convenção nº 163, sobre bem-estar dos trabalhadores marítimos no mar e no porto,
de 1987/1998; Convenção nº 167, de 1988/2006, sobre segurança e saúde na
construção; Convenção nº 174, de 1993/2001, sobre prevenção de acidentes
industriais maiores; Convenção nº 170, sobre utilização de produtos químicos, de
1990/1998 e Convenção nº 182, sobre as piores formas de trabalho infantil, de
1999/2000.
Dentre as Convenções da OIT ainda não ratificadas pelo Brasil
estão: Convenção nº 167, sobre segurança e saúde na construção; Convenção nº
171, sobre o trabalho noturno; Convenção nº 174, sobre a prevenção de grandes
acidentes industriais; e a Convenção nº 176, sobre segurança e saúde nas minas.
Em que pese a não ratificação pelo Brasil de referidas resoluções, ficou
sedimentado o entendimento de que tais Convenções podem ser usadas como
fontes do Direito do Trabalho, conforme o Enunciado nº 3 aprovado na 1ª Jornada
de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho:

3. FONTES DO DIREITO – NORMAS INTERNACIONAIS


I – FONTES DO DIREITO DO TRABALHO. DIREITO COMPARADO
CONVENÇOES DA OIT NÃO RATIFICADAS PELO BRASIL. O Direito
Comparado, segundo o art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho, é
fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Assim, as Convenções da
Organização Internacional do Trabalho não ratificadas pelo Brasil podem
ser aplicadas como fontes do direito do trabalho, caso não haja norma de
direito interno pátrio regulando a matéria.
II – FONTES DO DIREITO DO TRABALHO. DIREITO COMPARADO.
CONVENÇÕES E RECOMENDAÇÕES DA OIT. O uso de normas
internacionais, emanadas da Organização Internacional do Trabalho,
constitui-se em importante ferramenta de efetivação do Direito Social e
não se restringe a aplicação direta das Convenções ratificadas pelo país.
As demais normas da OIT, como as Convenções não ratificadas e as
Recomendações, assim como os relatórios de seus peritos, devem servir
como fonte de interpretação da lei nacional e como referência a reforçar
223
decisões judiciais baseadas na legislação doméstica.
Fábio Freitas Minardi destaca a importância da Convenção nº 155
da OIT:

Neste diapasão, não podemos olvidar que a medicina e segurança do


trabalho é um dos mais importantes aspectos do Direito do Trabalho, com
ampla proteção na legislação nacional, bem como na órbita internacional,
conquanto a OIT aprovou a importante Convenção n° 1 55 (aprovada
pela 67ª Conferência Internacional do Trabalho realizada em Genebra no
ano de 1981), ratificada no Brasil pelo Decreto Legislativo n° 2/1992, que
trata da Segurança e Saúde dos Trabalhadores, com vigência nacional
desde 18 de maio de 1993, a qual estipula que o País signatário deverá
estabelecer uma política nacional com o objetivo de prevenir os acidentes e
os danos à saúde, que forem conseqüências do trabalho, reduzindo ao
mínimo possível as causas e riscos inerentes ao meio ambiente do trabalho,
224
previsto a nível constitucional, conforme já falamos anteriormente.

Na lição de Gilmar Ferreira Mendes, as normas internacionais


constantes de tratados e convenções não possuem eficácia no Brasil senão após
sua celebração no plano internacional (artigo 84, VIII, da CRFB), após aprovação
definitiva por Decreto Legislativo (artigo 49, I, CF/88), e após sua promulgação
administrativa e conseqüente ordem de execução (decreto presidencial), para assim
adquirir executoriedade interna.225
Luiz Eduardo Gunther ressalta a importância da tutela internacional
do trabalho, quanto mais em momentos como os atuais, em que impera a doutrina
da globalização, capaz de levar à flexibilização e posterior perda de direitos
conquistados ao longo da história, como forma de fixar um parâmetro mínimo aos
Estados nacionais que visem ao atendimento do princípio da dignidade da pessoa
humana:

Não há qualquer dúvida de que a tutela internacional do trabalho é tema


importantíssimo para fazer frente à globalização/mundialização e ao
desmonte dos direitos sociais através da flexibilização/desregulamentação.
[...]
A importância frente à globalização de mercados só pode ser respondida
com um movimento jurídico em sentido igual: a mundialização de direitos. E
no que tange aos direitos trabalhistas isso só é possível através da
Organização Internacional do Trabalho, através de sua vasta experiência
226
acumulada desde sua criação em 1919.
O Direito Internacional do Trabalho, constituído pelas Convenções e
Recomendações da OIT, reforçadas em alguns aspectos por diversos
outros textos intranacionais (como as Resoluções e as Declarações),
propõem-se, mais geralmente, inspirar e estimular a adoção pelos Estados,
antigos e novos, de políticas e de legislações sociais correspondentes às
227
experiências e às aspirações do conjunto da comunidade internacional.

De fato as Convenções da OIT se revestem de papel


importantíssimo para a internalização de valores tuitivos do trabalho humano e
permitem que as grandes discussões e preocupações mundiais possam ser trazidas
para o âmbito interno, seja ingressando em nosso ordenamento de forma positiva,
como já visto, seja na ampliação das discussões de soluções internas para o grave
problema da adequação do meio ambiente laboral capaz de garantir, às presentes e
futuras gerações, a desejada sadia qualidade de vida, uma vez que “as normas da
OIT tendem, em particular, a incitar os Estados a estabelecer políticas sociais
coerentes, sublinhando a necessidade de um desenvolvimento social equilibrado”228.
Sem que isso implique em qualquer perda de soberania pelos Estados membros, as
normas internacionais “buscam a melhoria da existência humana em condições de
liberdade e dignidade, de segurança econômica e em igualdade de
229
oportunidades” , e mesmo as Resoluções que o Brasil não ratificou cumprem esse
papel como fonte do direito do trabalho, como um contraponto a essa racionalidade
econômica que vigora no mundo pós-industrial.

2.6 DIREITO INTERNO COMPARADO – CONSTITUIÇÕES ESTADUAIS

Como bem observa Raimundo Simão de Melo, várias Constituições


Estaduais tratam da proteção do meio ambiente do trabalho, nos moldes do que
emana da Carta Política de 1988230, merecendo destaque as Constituições do
Estado de São Paulo (arts. 191 e 229, 2º); do Amazonas (arts. 229 e §2º); do Pará
(arts. 269 e incisos I, III e IV, e 270, inciso XIV); da Bahia (art. 218) e de Rondônia
(art. 244, inciso III), destacando as Constituições de Rondônia e São Paulo, que
asseguram ao trabalhador o direito de recusa ao trabalho, sem prejuízo do salário,
no caso de risco grave ou iminente, até a eliminação total desse risco, assegurada
ainda, no caso de Rondônia, a permanência no emprego.231
Como já dito sobre as Normas Regulamentadoras, a expressão
“meio ambiente do trabalho” traduz com maior carga axiológica a importância da
matéria, tanto que as Convenções n º 148 e 155 da OIT assim se expressam
quando tratam do local de labor do ser humano. Expressões reducionistas de
“ambiente de trabalho” e “local de trabalho” não são signos aptos a representar todo
o conteúdo de direitos fundamentais, humanos e de personalidade que a dicção
“meio ambiente do trabalho” contempla e que está em consonância com a
expressão adotada pelo artigo 225 da CF/88, que buscou tutelar todas as formas e
aspectos do meio ambiente, incluído aí o do trabalho, pela dicção do inciso VIII do
artigo 200 da CF/88.

2.7 TRATAMENTO CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DO TEMA

No plano do direito pátrio positivado, o artigo 5º, caput, in fine, da


CRFB, é a luz a incidir sobre o cristal, criando diversos matizes infraconstitucionais
sobre o tema, já que é a diretriz à garantia da própria dignidade humana. Tal
princípio dá guarida à análise conjunta do disposto no artigo 225, caput, da Carta
Política, como garantidora de direitos de terceira geração. Hodiernamente a análise
parte da cotização dos comandos Magnos com a inclusão do Direito Empresarial no
Livro II, da Parte Especial do Código Civil (Lei nº 10.406 de 10.01.2002) e a análise
sistêmica desses comandos com as demais leis ordinárias (Lei nº 6.938/81),
Constituições Estaduais, Convenções da OIT e Normas Regulamentadoras
expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
O meio ambiente de trabalho, na visão de Guilherme Luiz Feliciano,
deve ser analisado sob a ótica de "gestalt"232:
[...] que a interpretação do objeto modifica ou condiciona a própria
experiência com o objeto e aqui em acepção fenomênica o meio ambiente
não deve ser tomado como soma de elementos a isolar, analisar e dissecar,
mas como sistema constituído por unidades autônomas, manifestando uma
solidariedade interna e possuindo leis próprias, donde resulta que o modo
de ser de cada elemento depende da estrutura do conjunto e das leis que o
regem, não podendo nenhum dos elementos preexistir ao conjunto.

O art. 3º, I, da Lei 6.938/81, definiu meio ambiente como o conjunto


de condições, leis, influências e interações de ordem física, que permite,
abriga e rege a vida em todas as suas formas.
Posteriormente, com base na Constituição Federal de 1988, passou-
se a entender também que o meio ambiente divide-se em físico ou natural,
cultural, artificial e do trabalho.233
O meio ambiente físico ou natural constitui-se pela flora, fauna, solo,
água, atmosfera etc., incluindo os ecossistemas (art. 225, §1º, I, VII).
O meio ambiente cultural constitui-se pelo patrimônio cultural,
artístico, arqueológico, paisagístico, por manifestações culturais, populares etc. (art.
215, §1º e §2º).
Meio ambiente artificial é o conjunto de edificações particulares ou
públicas, principalmente urbanas (art. 182, art. 21, XX e art. 5º, XXIII) e meio
ambiente do trabalho é o conjunto de condições existentes no local de trabalho,
relativas à qualidade de vida do trabalhador (art. 7, XXXIII e art. 200).
Meio ambiente do trabalho pode ainda ser conceituado como "o
conjunto de fatores físicos, psicossociais, climáticos ou quaisquer outros que,
interligados ou não, estejam presentes e envolvam o local de trabalho da pessoa".
Embora o conceito acima expresse, à primeira vista, uma individualização do sujeito
que sofre a influência desses fatores, a bem da verdade a proteção ao conjunto dos
trabalhadores é de suma importância, e a própria Constituição Federal impõe ao
Estado e ao empregador o dever de protegê-los, de tal modo que o conceito sai de
uma visão individualista e abrange viés de um direito transindividual e ao mesmo
tempo difuso, o que permite sua defesa pelas entidades legitimadas para as tutelas
coletivas.
José Afonso da Silva ressalta que a existência de uma unidade no
patrimônio universal só pode ser considerada em seus diferentes aspectos pelo fato
de estarem os mesmos sujeitos a regime jurídico diverso, como acontece com o
meio ambiente do trabalho que, embora possa ser inserido no conceito jurídico de
meio ambiente artificial, merece o tratamento especial que a Constituição lhe
dispensa, pela sua relevância.234 O mesmo autor conceitua o meio ambiente do
trabalho como “um complexo de bens imóveis e móveis de uma empresa e de uma
sociedade, objeto de direitos subjetivos privados e de direitos invioláveis da saúde e
da integridade física dos trabalhadores que o freqüentam. Esse complexo pode ser
agredido e lesado tanto por fontes poluidoras internas como externas, provenientes
de outras empresas ou de outros estabelecimentos civis de terceiros”.235
Inegável ainda que, a par de as empresas serem destinatárias dos
princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência, o que também
demonstra a preocupação do constituinte com a defesa da propriedade privada, ao
mesmo tempo e demonstrando o equilíbrio necessário, limitou-se essa atividade à
estrita observância a um princípio maior, qual seja, que esse direito à livre iniciativa
encontra-se limitado ao cumprimento de sua função social. Por essa razão é que a
criação, a manutenção e o desenvolvimento de um meio ambiente do trabalho, mais
do que uma obrigação contratual do empregador, devem ser vistos como poder-
dever e, portanto, estar incluídos no conceito de função social da empresa, conceito
e alcance que serão tratados no próximo capítulo.
3 FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE PRIVADA

Um dos primeiros pensadores, segundo Léon Deguit, a defender a


idéia de uma função social à propriedade, foi Augusto Comte, como contraposição à
teoria clássica da propriedade como um direito individual e natural:

Em todo estado normal da humanidade, todo cidadão, qualquer que seja,


constitui realmente um funcionário público, cujas atribuições, mais ou
menos definidas, determinam ao mesmo tempo obrigações e pretensões.
Este princípio universal deve, certamente, estender-se até a propriedade, na
qual o positivismo vê, sobretudo, uma indispensável função social destinada
a formar e administrar os capitais com os quais cada geração prepara os
trabalhos da seguinte. Sabiamente concebida, essa apreciação normal
enobrece a sua possessão sem restringir a sua justa liberdade, até fazendo-
236
a mais respeitável.

Stefano Rodotá, citado por Uadi Lamêgo Bulos, dissecou as


expressões função e social, afirmando que o termo função opõe-se ao de
estrutura, sendo o norte para a averiguação da forma pela qual o direito é
operacionalizado. Ou seja, a partir do momento em que há, pelo ordenamento
jurídico, um reconhecimento de que o direito de propriedade não pode ser exercido
de forma a satisfazer unicamente ao interesse do seu titular, mas atender a um
interesse que não atinja os direitos dos não-proprietários, acaba, assim, por
reconhecer uma nítida função social ao direito de propriedade. E por social, ainda
na doutrina de Rodotá, deve-se enxergar um padrão elástico, por meio do qual se
transferem para as órbitas legislativa e do judiciário certas exigências do momento
histórico. Logo, social é um conceito histórico-determinável, vago, elástico, no qual
se “encaixariam” os valores relevantes moralmente e eticamente à época
analisada.237 Para Cristiane Derani, função deve ser compreendida como
“conteúdo”, ou seja, o social seria algo imanente, da própria essência da
propriedade, destinado a um interesse coletivo e não a uma finalidade.238 No mesmo
sentido, Gilberto Bercovici entende que a função social é inerente à propriedade,
não como uma forma de a limitar negativamente, já que não atinge sua substância,
mas sim no sentido de substanciação dessa condição:

Quando se fala em função social, não está se fazendo referência às


limitações negativas do direito de propriedade, que atingem o exercício do
direito de propriedade, não a sua substância. As transformações pelas quais
passou o instituto da propriedade não se restringem ao esvaziamento dos
poderes do proprietário ou à redução do volume do direito de propriedade,
de acordo com as limitações legais. Se fosse assim o conteúdo do direito de
propriedade não teria sido alterado.
[...]
A mudança ocorrida foi de mentalidade, deixando o exercício de direito de
propriedade de ser absoluto. A função social é mais de que uma limitação.
Trata-se de uma concepção que se consubstancia no fundamento, razão e
239
justificação da propriedade.

Eros Grau afirma que o princípio da função social da propriedade


impõe ao seu titular um dever positivo e um dever negativo. O positivo, consistente
em obrigações de fazer, seria o exercício em benefício da coletividade; enquanto o
negativo seria uma obrigação de não fazer, consistente em se abster, no exercício
do direito de propriedade, de causar prejuízo de outrem.240
Função social, para Fernanda de Salles Cavedon é “um dever para
com a satisfação dos interesses e necessidades de uma sociedade, vinculado a um
poder cujo exercício está condicionado ao cumprimento de tal dever, e que ao
mesmo tempo fornece os meios para tanto”.241 Para José Afonso da Silva, "a função
social se manifesta na própria configuração estrutural do direito de propriedade,
pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos
modos de aquisição, gozo e utilização dos bens".242
Instigante a posição de Cyro Luiz Prestana Púperi, que analisa a
função social sob os aspectos lato e stricto sensu, indicando que no sentido stricto
deve reduzir-se a sua área de atuação exclusivamente sob o aspecto social, e no
aspecto lato, sob a ótica de função econômica243:

[...] inegável conceber que a geração de empregos tem conteúdo


econômico, mas conteúdo social predominante, pois não se trata de falar de
encargos trabalhistas – salários, encargos sociais – e sim, como fator
preponderante na observância da garantia constitucional da dignidade
humana, pois quem trabalha se sente útil – útil para si, para a sua família e
para a sociedade – se sente realizado pela possibilidade de prover
dignamente sua sobrevivência, além de possibilitar o engrandecimento pela
realização do trabalho e a perspectiva de melhorar de vida, de nível
244
intelectual, de nível econômico e social.

A doutrina mais moderna, como se vê, inclina-se para reconhecer


que a função social não é um fato limitador do exercício do direito de propriedade,
mas algo que é intrínseco de sua própria existência e ainda legitimador de seu uso.
Essa visão solidificada, notadamente a partir da Constituição de 1988, permitirá a
análise do alcance dessa função social na propriedade privada e, posteriormente, na
empresa moderna.
Como foi dito linhas atrás, Patryck de Araújo Ayala debruçou-se
sobre a jurisprudência do STF, encontrando no Recurso Especial n° 134.927/SP e
no Mandado de Segurança nº 22.164/DF importantes posições sobre ser o meio
ambiente um direito fundamental, e também sobre a função social da propriedade.
Afirma Ayala que nessas decisões, especialmente no Recurso Extraordinário nº
134.297-8, o STF afastou, expressamente, qualquer possibilidade de se estabelecer
uma relação de identidade entre a função social da propriedade e a imposição de
ônus ambientais arbitrários ao proprietário, mesmo que se tenha, como referência,
ecossistemas protegidos expressamente pela própria Constituição. Isso se deve,
afirma o autor, porque decisão considerou que o dever de proteção do meio
ambiente também é da coletividade e, assim sendo, a execução das tarefas públicas
de proteção ao meio ambiente não podem ser suportadas exclusivamente pelo
proprietário”.245
Inegável que o instituto da propriedade passou por transformações,
tendo sido concebida como instituto plural e marcado pela temporariedade, natural
do homem que era nômade e que não tinha necessidade de cumulação de bens
imóveis, mas iniciando a apropriação sobre objetos móveis necessários ao trabalho
para o seu sustento, tais como os instrumentos de caça e pesca, ainda sob um
aspecto puramente coletivo, já que o homem não tinha ainda, como afirmou Hans
Kelsen, a consciência do ser sobre seu eu.
Pode-se dizer que a apropriação dos instrumentos rudimentares e
da própria terra, ainda que sob o signo da temporariedade do nomadismo, foi a
semente para a apreensão da propriedade privada, calcada na apropriação da fatia
de terra usada para prover o sustento próprio e da família. Aliás, são a apreensão da
noção do eu sobre o ser e a noção da importância do núcleo familiar os
fundamentos da propriedade privada, na qual o homem nômade passou a
permanecer por mais tempo em posse dos instrumentos de produção e da terra que
forneciam o seu sustento e o de sua família, ainda numa visão meramente
extrativista.
Mas a visão de propriedade como algo absoluto, individual,
perpétuo, deve-se à noção que a normatização do tema tomou no Direito Romano,
pela influência da própria Igreja Católica, o que só se rompeu na Idade Média com o
feudalismo, quando essa noção deu espaço a uma propriedade desmembrada, onde
os vassalos possuíam o domínio útil (utile) e os suseranos o domínio direto
(directum), marcando o retorno da noção inicial de propriedade coletiva, visão que
dominou até a fase de pré-codificação:

Falar em propriedade significa, como ensina o mestre Paulo Grossi, recusar


a absolutização da propriedade moderna, produto histórico de uma época,
e, com isso, recusar a idéia de um fluxo contínuo e ininterrupto na história
jurídica. A propriedade, ´modelo antropológico napoleônico-pandecista´,
consagração de uma visão individualista e potestativa, é apenas uma dentre
as múltiplas respostas encontradas, nas múltiplas experiências jurídicas, do
passado e do presente, à eterna questão dos vínculos jurídicos entre o
homem e as coisas. O termo singular, abstrato, formal, é inadequado para
descrever a complexidade das múltiplas formas de apropriação da terra,
que antecedem a formulação unitária, correspondente ao período das
246
codificações .
Em nova viragem conceitual a propriedade voltou a ter natureza
individualista por influência do Código Francês de Napoleão que, em seu artigo 544,
previu: “A propriedade é o direito de gozar e dispor das coisas do modo mais
absoluto, desde que não se faça uso proibido pelas leis ou regulamentos”. Esse
modelo napoleônico-romano influenciou legisladores em todo o mundo ocidental,
inclusive no Brasil, que trouxe no artigo 524 do Código Civil de 1916 o
correspondente ao Código Napoleônico nos seguintes termos: “A lei assegura ao
proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder
de quem quer que injustamente os possua”. Essa noção de propriedade absoluta
pode ser traduzida na definição de De Plácido e Silva:

No direito de propriedade, encontram-se integrados os direitos de ser usada


a coisa, conforme os desejos da pessoa a quem pertence (jus utendi ou
direito de uso); o de fruir e gozar a coisa (jus fruendi), tirando dela todas as
utilidades (proveitos, benefícios e frutos), que dela possam ser produzidas,
e o de dispor dela, transformando-a, consumindo-a, alienando-a (jus
247
abutendi), segundo as necessidades ou a vontade demonstrada.

Nesse modelo então vigente não havia espaço para a consideração


do homem, relegado a um segundo plano, e os contratos passaram a ser vistos
como instrumentos de garantia da circulação da propriedade individual, absoluta e
eterna. Essa noção de propriedade dominou até o final do século XX, influenciando
a formação dos operadores do direito e dos legisladores constitucional e
infraconstitucional, incapazes de quebrar o paradigma vigente.
Todavia, a história parece ser cíclica e a realidade social e
econômica são bem mais dinâmicas que o direito, e malgrado a tentativa do modelo
napoleônico-romano em alterar sua natureza plural, o momento atual, pós-
positivista, demonstrou a falência do sistema vigente, que passou a não mais dar
conta das demandas sociais e da complexidade da sociedade pós-moderna. A
noção e os conceitos então vigentes passaram a ser alterados por leis especiais na
fase de pós-codificação, e o que fora feito inicialmente para adequação de situações
específicas passou a ser projetado para todos os microssistemas do direito nacional,
alterando substancialmente a noção de propriedade unitária para uma visão de um
instituto mais plural.
A dualidade de visão da propriedade pode ser vista em duas
posições que tiveram a pretensão de parecerem antagônicas, mas que trazem
pontos fortes em comum, embora acabem por concluir segundo o ideário político de
cada corrente que abraçaram à época, qual seja, o Manifesto Comunista e a
Encíclica Rerum Novarum.
O manifesto comunista foi publicado originalmente em 1848, por
Marx e Engels, com a finalidade de esclarecer os proletários e conscientizá-los da
possibilidade de rompimento com o modelo de produção capitalista então vigente:

Trata-se de um texto programático, de caráter político, teórico e sobretudo


crítico, que aponta para uma civilização do futuro, libertada dos males
históricos decorrentes do sistema de propriedade privada e mantida pela
produção dos indivíduos livres e associados.
[...]
Lançado em momento de crise do capitalismo dezenovista, o Manifesto é
uma peça reflexiva para o auto-esclarecimento dos trabalhadores. A sua
penetração no meio operário foi facilitada por vários aspectos, dentre os
quais se destacam a linguagem simples, sem vulgarismos, a crítica aos
socialismos utópicos, o diagnóstico em relação aos distúrbios sociais
provocados pelo capitalismo e o prognóstico recheado de esperanças para
o proletariado, que seria o sujeito ativo da emancipação humana. O
Manifesto, portanto, suscitou a necessidade histórica tanto de uma
consciência crítica (ver, julgar e agir) quanto da viabilidade de uma ação
transformadora capaz de servir de alternativa de mundo em relação ao
248
capitalismo.

O Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, e a Encíclica


Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, partem de um mesmo suporte fático: a
preocupação com a degradação física e psíquica dos trabalhadores, iniciada no
século XVIII e intensificada no século XIX, com o advento da Revolução Industrial.
Ambos os diplomas são históricos na discussão da visão da propriedade privada e
se constituíram em marcos cujos reflexos se fazem presentes nos dias atuais:

Enquanto referência de reflexão teórica das relações sociais, o Manifesto


foi, ao lado da Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, a maior
novidade social do século XIX, eis que reconheceu o protagonismo social
do operariado e trouxe para a cena política conceitos importantes, tais como
o de modo de produção, propriedade coletiva, classes, crises capitalistas
249
etc.
Para Giuseppe Tosi:

Somente a partir da Carta Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, de


15 de maio de 1891, é que a Igreja Católica se inseriu nos tempos
modernos, ou, melhor dizendo, viu-se cercada por mudanças substanciais
no mundo ocidental, como as reformas sociais e políticas que as revoluções
burguesas trouxeram, e também pelos novos ventos dos movimentos
250
socialistas e comunistas, e foi então repensando seu papel.

Talvez o trecho do Manifesto que mais demonstre o seu intento é o


que pode ser lido no capítulo I, Burgueses e Proletários251:

Todas as classes anteriores que conquistaram o poder procuraram proteger


uma posição já alcançada na vida, submetendo toda a sociedade às suas
condições de apropriação. Os proletários só podem conquistar as forças
produtivas sociais abolindo o seu próprio modo anterior de apropriação e
com ele todo modo anterior de apropriação. Os proletários nada têm de seu
a salvaguardar. Eles têm sim que destruir todas as garantias e seguranças
da propriedade privada até então existente.
Todos os movimentos anteriores foram movimentos de minorias ou no
interesse de minorias. O movimento proletário é o movimento autônomo da
imensa maioria no interesse da maioria imensa. O proletariado, a camada
inferior da sociedade atual, não pode levantar-se, colocar-se de pé, sem
fazer saltar pelos ares toda a superestrutura das camadas que formam a
sociedade atual.
[...]
Ao traçarmos as fases mais gerais do desenvolvimento do proletariado,
seguimos de perto a guerra civil mais ou menos oculta no seio da sociedade
burguesa vigente até ao ponto em que estala abertamente uma revolução e
o proletariado estabelece o seu domínio pela derrubada violenta da
252
burguesia.

Por outro lado, é a própria Encíclica Rerum Novarum que delimita o


seu objeto ao descrevê-lo: “A Encíclica Rerum Novarum trata principalmente da
“questão operária”. Ela teve grande ressonância para o debate sobre a ação social
da Igreja. Seu efeito foi comparado com o que foi o “Manifesto Comunista” e o
“Capital” de Karl Marx para a ação socialista, sendo esta encíclica, para a ação
social cristã”253.
Se ambas tinham como objeto a exploração desenfreada do homem
pelo sistema capitalista, potencializada pelas transformações econômicas e políticas
que eclodiram com a Revolução Industrial do Século XIX, elas se distinguem quanto
aos seus objetivos, podendo-se dizer que o Manifesto Comunista se notabilizou por
refletir um viés marcadamente ideológico e político, que ficou conhecido como
materialismo dialético, que era o suporte de toda a filosofia marxista. A doutrina
social cristã, então representada pela Encíclica Rerum Novarum, procurou refletir
uma visão humanística, de análise social daquele momento de transição de um
modelo para outro e as profundas alterações que representaram, ao passo que
também representaram uma reação da Igreja ao socialismo e à sua ideologia.
Se assim se pode resumir, o Manifesto Comunista foi marcado pela
idéia de luta de classes e pela derrubada da burguesia exploradora, a fim de que
não houvesse a exploração do proletariado pelo capital. A Encíclica pregava o
caminho da conciliação e não da luta armada, indicando que capital e trabalho não
viviam senão de forma harmônica e interdependente, e que, para a obtenção da
desejada salvação da alma, a caridade, a paciência e a paz eram os caminhos
necessários e capazes de alterar a realidade social vivenciada à época, mas
mantinha a defesa intransigente do princípio da propriedade privada – com uma
preocupação particular no patrimônio da própria igreja – relegando ao Estado o
papel de agente conciliador e garantidor da paz social e das necessidades sociais
dos cidadãos. A conclusão a que ambas as teorias chegaram é totalmente oposta.
O Manifesto Comunista acaba por concluir que a propriedade provada é a origem de
todo mau e deve ser extinta, mesmo que para isso deva se tenha que usar a força
das armas, através de uma revolução operária. Ao contrário, a Encíclica Rerum
Novarum conclui pela origem divina dos bens e que a sua posse representa uma
oportunidade para que o seu detentor possa realizar o bem ao maior número de
pessoas possíveis, como forma de bem utilizar o dom divino da riqueza.
A Encíclica Rerum Novarum, todavia, foi o ponto de partida para a
análise da propriedade, ainda que privada, sob uma visão mais humanística, mãe da
visão, hoje consolidada, de uma função social:

[...] desde Santo Ambrósio, propugnando por uma sociedade mais justa
com a propriedade comum, ou Santo Agostinho, condenando o abuso do
homem em relação aos bens dados por Deus, e Santo Tomás de Aquino,
que vê na propriedade um direito natural que deve ser exercido com vistas
ao bonum commune, até aos sumos pontífices que afinal estabeleceram as
diretrizes do pensamento católico sobre a propriedade, sempre, em todas
as oportunidades, a Igreja apreciou a questão, objetivando humanizar o
254
tratamento legislativo e político do problema.

Essa nova visão da propriedade, ainda privada, mas obrigada a


realizar uma função social, aliada à evolução social e tecnológica, acabaram por
denunciar a insuficiência dos conceitos da fase da codificação, pois se passou a
conceber a propriedade de bens incorpóreos, como o direito autoral e a propriedade
intelectual, e a noção de que tudo o que possuísse valoração econômica era
passível de ser apreendido como propriedade.
Segundo Fábio Konder Comparatto, a primeira vez255 que a noção
de que o uso da propriedade privada deveria servir também ao interesse da
coletividade foi prevista na Constituição de Weimar de 1919, com a dicção do seu
artigo 153, última alínea, dispondo: “A propriedade obriga. Seu uso deve igualmente
ser um serviço ao bem comum”256.
A partir desses marcos históricos a propriedade privada passou por
nova viragem histórica e retomou o caminho da pluralidade que marcou sua gênese.
E essa visão de uma função social da propriedade privada foi decisiva para a análise
da existência de uma função social da empresa, da qual trataremos no próximo item.

3.1 FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA MODERNA

Nas palavras de Modesto Carvalhosa pode-se perceber a


importância das empresas nos dias atuais:

Tem a empresa uma óbvia função social, nela sendo interessados os


empregados, os fornecedores, a comunidade em que atua e o próprio
Estado, que dela retira contribuições fiscais e parafiscais. [...].
Considerando-se principalmente três as modernas funções sociais da
empresa. A primeira refere-se às condições de trabalho e às relações com
seus empregados, em termos de melhoria crescente de sua condição
humana e profissional, [...]. A segunda volta-se ao interesse dos
consumidores [...]. A terceira volta-se ao interesse dos concorrentes [...]. E
ainda mais atual é a preocupação com os interesses de preservação
257
ecológica urbano e ambiental da comunidade em que a empresa atua.
Na mesma esteira, Clayton Reis ressalta o papel fundamental da
empresa no desenvolvimento de suas atividades, na qual se destaca sua função
social:

O fato da empresa desempenhar ´uma atividade econômica organizada


para a produção ou a circulação de bens e serviços´, segundo prescreve o
art. 966 do Código Civil, já destaca a sua função social. Não mais se admite
que a geração de bens e ou serviços, não tenha função social no contexto
da realidade social. Os fundamentos que justificam essa postura são
notórios, já que os bens de natureza econômica e a geração de renda
258
refletem em todos os segmentos da vida social.

Ressalve-se, entre todos, a posição contrária de Fábio Tokars, que,


analisando a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e a aplicação da
“teoria do interesse social” defendida por Waldo Fazzio Júnior, pela qual no
atendimento de obrigações públicas, sociais e de relação de consumo, poder-se-ia
mitigar o princípio da autonomia patrimonial, posiciona-se contrário à teoria do
interesse social, nos seguintes termos:

A consagração do princípio da autonomia patrimonial decorreu


primordialmente de um interesse social, consistente na redução dos riscos
impostos aos empreendedores como forma de incentivo a aplicação de
recursos na atividade produtiva, opção que gera claros benefícios de ordem
social, tais como a geração de empregos, o aumento de arrecadação
259
tributária e o alavancamento da circulação de riquezas.

O mesmo autor, ao discorrer sobre “a eficácia normativa da


determinação da função social da empresa no contexto da economia neoliberal”,
critica a ausência de sanção, não se podendo alegar sequer a obrigatoriedade de
uma atuação ética empresarial a pautar a conduta empresarial, pois o conceito de
ética, num ambiente neoliberal, seria uma ilusão vazia e alienada.260
Transparecendo sua posição antagônica à função social da empresa, Fábio Tokars
afirma:

[...] o jurista pode perceber que muitas premissas de nossa organização


constitucional não passam daquilo que a ciência política nomina de válvula
de escape psicossocial, a qual pode ser definida como instrumento de
aparente conquista social que, em realidade, acaba por atuar exatamente
de forma oposta, mantendo privilégios ou impedindo a real conquista de
interesses sociais.
[...]
Conclui-se parcialmente que, ainda que seja socialmente exigida uma
atuação empresarial que apresente preocupação social, a mera previsão
normativa não se faz capaz de garantir materialmente os interesses da
sociedade. A norma em si está colocada como bandeira de conquista social,
261
sem que, no campo concreto, tenha apresentado algo de relevante.

Sem negar a existência de uma função social à empresa moderna,


Fábio Konder Comparatto, na mesma esteira acima apontada, alerta para o risco de
a tese da função social servir como mero disfarce retórico para o abandono, pelo
Estado, de toda política social em homenagem à estabilidade monetária e ao
equilíbrio das finanças públicas262, sem que, com isso, se queira dizer que seja
impossível que a empresa moderna tenha que cumprir referida função, indicando
que essa função social não se dará de per si sem que o Estado atue como agente
regulador no domínio econômico.
Posição totalmente contrária é adotada por Dinaura Godinho
Pimentel Gomes, que vê na não observação dos princípios fundamentas da Lei
Maior o fundamento para a nulificação de atos advindos da liberdade de iniciativa,
como a demissão em massa de empregados:

A dispensa coletiva, como ato socialmente injustificado, deixa de ser


caracterizada decorrente do exercício do poder de organização, ínsito no
poder de direção do empregador, por afrontar normas constitucionais que
resguardam a dignidade da pessoa humana e condicionam o exercício da
livre iniciativa à função social da empresa, no sentido de ´assegurar a todos
existência digna, conforme ditames sociais´ (CF art. 173, caput). Assim, o
ato da dispensa coletiva não apenas causa a privação do emprego como
afasta a empresa de sua função social, proclamada e exigida pelo
ordenamento jurídico vigente, além de atentar contra a função social do
263
contrato (CC, art. 421).
Dallegrave Neto, analisando o compromisso social da empresa sob
a ótica do direito laboral, afirma que “a identidade do empregador, com a figura da
empresa, atrai, de forma sintomática, todo o arcabouço constitucional do art. 170,
mormente para a esfera dos contratos de trabalho, reforçando, pois, nesta seara, a
aplicação do solidarismo constitucional e seu quadro axiológico, máxime à função
social da propriedade”.264
Carlos Eduardo de Castro Palermo265, citando obra de autoria de
David Grayson e Adrian Hodges266, denominada "Compromisso Social e Gestão
Empresarial", defende a idéia de que uma empresa socialmente irresponsável é
economicamente inviável. Segundo os autores, a empresa vale cada vez mais pela
imagem de sua marca e os consumidores demonstram analisarem, no ato da
compra, além do preço e da qualidade, a forma como as empresas tratam o
ambiente, cuidam de seus funcionários ou valorizam a comunidade. Nesse sentido,
para a empresa moderna é contraproducente associar-se ao trabalho infantil,
desrespeito às minorias, poluição do meio ambiente etc.
Por outro lado os valores das indenizações acidentárias, as multas
ambientais dos órgãos de fiscalização, as exigências dos órgãos sanitários para a
concessão de alvarás de funcionamento e a pressão de um mercado consumidor,
interno e externo, cada dia mais preocupado com o consumo consciente, somados
ao elevado custo às empresas que têm funcionários afastados por longo período do
local de trabalho por doenças ocupacionais e/ou acidentes, têm criado um campo
fértil de estudos de aprimoramento do meio ambiente do trabalho, local, de resto,
onde as pessoas passam a maior parte de suas vidas.
Dinaura Godinho Pimentel Gomes analisa a existência de uma
função social à empresa moderna:

Com efeito, a propriedade privada teve seu conceito e seu significado


relativizados, razão porque a empresa de um modo geral não pode ser
considerada como mero direito individual, em face da finalidade econômica
que o mercado lhe atribuiu. Essa nova postura, retratada no ordenamento
jurídico brasileiro, mostra-se em sintonia com a Doutrina Social da Igreja,
inicialmente defendida na Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, e,
depois, reafirmada na Carta Encíclica Centesimus Annus, de João Paulo
267
II...

Por essas razões é que a análise da função social da empresa na


criação, manutenção e aprimoramento de um meio ambiente do trabalho adequado
tem pertinência com o tema ora estudado, e embora não se possa definir função
social da empresa, já que se trata de um princípio268, pode-se ao menos demonstrar
a forma pela qual ela pode ser atendida. Sem dúvida que quando a empresa
observa os demais princípios constitucionais estará cumprindo sua função social,
dentre os quais cabe destacar: a solidariedade (CF/88, art. 3°, inc. I); a promoção da
justiça social (CF/88, art. 170, caput); a defesa da livre iniciativa (CF/88, art. 170,
caput e art. 1°, inc. IV); a prática do pleno emprego (CF/8 8, art. 170, inc. VIII); a
colaboração na redução das desigualdades sociais (CF/88, art. 170, inc. VII); o
reconhecimento do valor social do trabalho (CF/88, art. 1°, inc. IV); e o atendimento
à dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1°, inc. III).
Para José Afonso da Silva, o princípio constitucional da função
social da propriedade "ultrapassa o simples sentido de elemento conformador de
uma nova concepção de propriedade como manifestação de direito individual, que
ela, pelo visto, já não o é apenas, porque interfere com a chamada propriedade
empresarial"269 e o "direito de propriedade (dos meios de produção principalmente)
não pode mais ser tido como um direito individual"270, e assim sendo deve atender
às necessidades da sociedade onde a empresa atua, o que demonstra o nítido
contorno de sua função social. Não por outra razão José Afonso da Silva cotiza a
função social com a análise do inciso XXII, do artigo 5º da Constituição:

O art. 170, III, ao ter a função social da propriedade como um dos princípios
da ordem econômica, reforça essa tese, mas a principal importância disso
está na sua compreensão como um dos instrumentos destinados à
realização da existência digna de todos e da justiça social. Correlacionando
essa compreensão com a valorização do trabalho humano (art. 170, caput),
a defesa do consumidor (art. 170, V), a defesa do meio ambiente (art. 170,
VI), a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII) e a
busca do pleno emprego (art. 170, VIII), tem-se configurada a sua direta
implicação com a propriedade dos bens de produção, especialmente
imputada à empresa pela qual se realiza e efetiva o poder econômico, o
271
poder de dominação empresarial.

Como foi dito anteriormente, a pessoa jurídica possuí relevante


importância no atual estágio da humanidade, e antes de se procurar meios de
minimizar a atuação desvirtuada de referido ente na vida social, é mister estudar-se
quais são os fundamentos desse atuar social do empreendimento.
A maior parte da doutrina nacional inicia o estudo da função social
da empresa, partindo da análise da função social da propriedade, mas sempre
ponderando que a aplicação da função social da propriedade aplicar-se-ia aos meios
de produção de que é detentora a empresa ou de que dispõe o seu sócio ou gestor.
Nesta esteira são traçadas considerações sobre a evolução do instituto da
propriedade desde os tempos em que o homem era nômade e não havia sentido em
“ser proprietário”, pois o uso dos bens era sempre transitório e o intento era o
simples usufruir temporário; passando à normatização romana de propriedade,
instituída nas XII Tábuas e que permitiu que na Idade Média se chegasse na prática
do feudalismo, até que a revolução burguesa representada pelo Código Napoleônico
nos outorgasse a noção de propriedade tal como a mesma era concebida no Código
Civil de 1916, cujos reflexos ainda se fazem sentir em diversas doutrinas e decisões
dos tribunais, como já abordado anteriormente.
Parte-se, na presente pesquisa, da noção de que a propriedade
preconizada na Constituição Federal é muito mais ampla do que a prevista no
Código Civil, como leciona o mestre Fabio Konder Comparato272. E o matiz
constitucional da propriedade incidindo sobre a conceituação de propriedade trazida
pelo Código Civil parece ser o caminho que permite a conclusão mais consentânea
com os princípios trazidos na Carta Política de 1988, o que logo passou a ser
chamado entre nós de “constitucionalização do direito civil”, que nada mais é do que
passar a ler as disposições civilistas não somente sob o enfoque privado, e ler a
Constituição não somente sob o enfoque público, como se ambos estatutos não
permitissem essa leitura dupla e como se necessariamente o público e o privado
tivessem que ser vistos de forma separada, estanque. A “constitucionalização do
direito civil” é, na verdade, a “quebra do paradigma” da propriedade individualista
para um novo patamar de sublimação do destinatário maior em que todo esforço
humano repousa, qual seja, o próprio homem. Na verdade nada mais se fez e se
faz (e dito agora isso parece simples) que elevar a Constituição ao seu patamar
magno, de hierarquia superior às demais legislações infraconstitucionais, de torná-
la, como afirmou Perlingieri, “o centro de uma visão unitária da ciência do Direito” 273.
Essa, por assim dizer, nova leitura do Direito Civil é feita a partir de
princípios que a Carta Política de 1988 elegeu como princípios fundantes da
República dentre os quais avultam: a Dignidade da Pessoa Humana274; a Justiça
Social e o Solidarismo275; a Diminuição das Desigualdades Sociais276; a Função
Social da Propriedade277. Em que pese o fenômeno da “constitucionalização do
direito civil”, é bem verdade que o novel Código não trouxe, e aí residem várias
críticas ao legislador infraconstitucional, previsão específica, e expressa (tão ao
gosto dos positivistas) da função social da empresa, quando inaugurou, no Livro II, o
Direito de Empresa, o que suscitou a celeuma doutrinária da existência ou não da
função social da empresa.
Os muitos escritos da doutrina nacional sobre a função social da
empresa já deram conta de fixar alguns parâmetros que parecem ser, por enquanto,
intransponíveis, tal como o de que a função social da empresa, ou, como querem
alguns, dos meios de produção que esta congrega, é algo imanente a toda e
qualquer propriedade, já que a própria Constituição tratou a função social da
propriedade de forma geral, sem excluir a empresa ou os meios de produção.
Ademais, como assevera Judith Martins Costa, embora silencie o Código Civil de
2002 ao regular o direito de empresa, não há dúvida sobre a sua base constitucional
e sistemática, pois representa a expressão da socialidade no Direito Privado,
projetando nas distintas disciplinas jurídicas a diretriz constitucional da solidariedade
social278. Para Fábio Konder Comparato, “conjugando os fatores da produção
(trabalho, capital e recursos humanos) e os agentes do processo econômico
(consumidor, trabalhador e empresário), as empresas têm, indiscutivelmente,
dimensão transindividual ou comunitária279.
Por outro lado, cabe aqui o raciocínio de que se a função social do
contrato é expressa no artigo 421280 do Código Civil, e se a própria existência da
empresa está condicionada à existência de um contrato281, indeclinável que essa
empresa se sujeitará a tal princípio, até mesmo porque esse exercício da atividade
econômica, tratado no artigo 981 do Código Civil, está acolmatado aos princípios da
ordem econômica previsto no artigo 170 da CF/88, dentre os quais se destaca a
conjunção da valorização do trabalho humano voltada à consecução de uma vida
digna e de uma sociedade justa.
Não por outra razão, Modesto Carvalhosa já afirmava, na primeira
edição de sua obra de comentários à Lei das Sociedades Anônimas, em 1977, uma
óbvia função social da empresa por meio do interesse que esta desperta em seus
empregados, fornecedores, clientes e, claro, ao próprio Estado, que tem na empresa
uma das principais fontes de arrecadação de impostos.
Feitas essas considerações, cabe buscar-se o que a doutrina
nacional entende por função social da empresa, o que pode ser feito pelos grandes
nomes do direito nacional. Para José Diniz de Moraes282, “função é a satisfação de
uma necessidade”, que pressupõe uma relação de interesse na esfera jurídica de
um sujeito. Para José Afonso283, a função social da propriedade mantém uma
relação com a utilização produtiva dos bens de produção, proporcionando
crescimento econômico e produção de riquezas na forma de um bem-estar coletivo.
Já Celso Ribeiro Bastos284 entende que função social da propriedade é o conjunto
de normas da Constituição que visa a recolocar a propriedade na sua trilha normal.
Eros Roberto Grau285 acrescenta que o princípio da função social é pressuposto
necessário da propriedade privada e, segundo ele, sua idéia é de vínculo que atribui
à propriedade um conteúdo específico que a conduz a um novo conceito. Na lição
de Fábio Konder Comparato:

Função, em direito, é um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no


interesse de outrem, jamais em proveito do próprio titular. Algumas vezes,
interessados no exercício da função são pessoas indeterminadas e,
portanto, não legitimadas a exercer pretensões pessoais e exclusivas contra
o titular do poder. É nessas hipóteses, precisamente, que se deve falar em
função social ou coletiva. A função social da propriedade não se confunde
com as restrições legais ao uso e gozo dos bens próprios; em se tratando
de bens de produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma
destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se,
quando tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em
poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa para a realização dos
286
interesses coletivos.

Se, como dito linhas atrás, é inegável que existe uma


constitucionalização do Direito Civil, que deixa de ter a idéia de uso absoluto e
individual da propriedade para sofrer os afluxos da norma constitucional que
preconiza toda uma principiologia social e solidária, não tem mais sentido a idéia de
que alguém, pelo simples fato de ser detentor, possuidor ou gestor de bens de
produção pudesse, por essa única e singular razão, usufruir egoisticamente dos
mesmos, sem levar em consideração as demandas da sociedade onde está inserida
e mesmo dos impactos que muitas vezes a sua atividade acaba causando à
sociedade. Dentro da idéia defendida por Konder Comparato, realmente se trata de
um poder-dever287 o poder de gerir seus bens, de forma que a liberdade
representada pelo comando constitucional da livre iniciativa lhe seja garantida, mas
que esse direito não seja exercido acima de todos e sobre todos, e que esse
exercício seja limitado por algo maior, qual seja, a realização de uma atividade que
permita a necessária busca pelo lucro e a concretização dos interesses coletivos
trazidos pela Carta Política, sem os quais a atividade empresarial seria inócua,
valendo repetir: a dignidade da pessoa humana; a justiça social e o solidarismo; a
diminuição das desigualdades sociais.
Inegável ainda que, a par de as empresas serem destinatárias dos
princípios constitucionais da livre iniciativa e livre concorrência, o que também
demonstra a preocupação do constituinte com a defesa da propriedade privada, ao
mesmo tempo demonstrando o equilíbrio necessário, limitou-se essa atividade à
estrita observância a um princípio maior, qual seja, que esse direito à livre iniciativa
encontra-se limitado ao cumprimento de sua função social.
Fábio Konder Comparatto aponta que em caso de conflito entre o
interesse próprio da empresa, como unidade autônoma, e o interesse geral da
coletividade, deve o empresário sacrificar o interesse empresarial em prol do bem
comum.288 Nesse sentido é que caminha o direito nacional, sob os influxos do
fenômeno da constitucionalziação do direito civil, como afirma Maria Celina Bodin
Morais, que defende a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana
através da adoção de uma cláusula geral de tutela da pessoa humana, pela qual
sempre que ocorrer um conflito entre uma situação jurídica subjetiva existencial e
uma situação jurídica patrimonial a primeira deverá prevalecer289.
Assim, cotizando-se preceitos como a função social do contrato e da
empresa, os princípios da livre iniciativa e concorrência, o princípio da boa-fé e o
supra-princípio da dignidade humana, se pode buscar em que bases a celebração
de um contrato de emprego deve ser realizado, de tal modo a não impedir ou
dificultar a execução de referidos princípios, sem que isso implique a inviabilidade do
empreendimento, que pode ser cidadão e lucrativo, vale dizer, a obediência de
padrões éticos e o investimento em melhorias das condições do meio ambiente do
trabalho devem ser encaradas pelas empresas como investimento, antes de ser uma
obrigação.

3.1.1 Função social na Constituição Federal

Desde a Constituição de 1934 houve a previsão de que a


propriedade deveria atender a uma função social. Com efeito, o artigo 134 da
Constituição Federal de 1934 menciona as dicções “interesse social ou coletivo”
como fatores capazes de limitar o direito à propriedade:

A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a


inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à
segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
17) É assegurado o direito de propriedade, que não poderá ser exercido
contra o interesse social ou coletivo, na forma que a lei determinar. A
desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da
lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo iminente, como
guerra ou comoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da
propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito à
indenização ulterior.

Como assevera Cyro Luiz Prestana Púperi, a Constituição de 1946


inseriu no ordenamento constitucional, além da restrição ao direito de propriedade,
no artigo 146, §16, a definição de função social no artigo 147, inserido no título da
Ordem Econômica e Social:

Art. 141. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros


residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à
liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 16 É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desaporpriação
por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante
prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como
guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da
propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia,
assegurado o direito à indenização ulterior.
Art. 147. O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei
poderá, com observância do disposto no art. 141, §16, pomover a justa
290
distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.
A Constituição Federal de 1967, já com a redação dada pela
Emenda Constitucional de 1969, manteve a mesma tônica anterior, inclusive quanto
à topografia, em relação à de 1946:

Art. 157. A ordem econômica tem por fim realizar a justiça social, com base
nos seguintes princípios:
[...]
291
III – função social da propriedade.

Para Fábio Konder Comparatto a Constituição brasileira trata a


função social da propriedade como uma imposição do dever positivo de uma
adequada utilização dos bens, em proveito da coletividade, o que está expresso nos
artigos 182 e 186 da Carta Política292. Na interpretação de referidos artigos e sob
enfoque de que “há funções exercidas no interesse de uma pessoa ou de pessoas
indeterminadas – como o pátrio poder, a tutela e a curatela – e funções que devem
ser desempenhadas em benefício da coletividade”, quando então e como frisa o
autor, somente nesse caso, seria mais apropriado falar em função social. O mesmo
autor aponta que os artigos 182 e 186 da CF/88 indicam a função social da
propriedade como “imposição do dever positivo de uma adequada utilização dos
bens em proveito da coletividade”.293
A amplitude da concepção constitucional sobre o direito de
propriedade, como já dito, mais amplo que o contido no direito civil, permitiria
deduzir que a proteção constitucional se voltaria para os bens em que seu titular não
exerce direito real. Fábio Konder Comparatto deduz daí a função social da empresa:

o conceito constitucional de propriedade é bem mais amplo que o tradicional


de direito civil. [...] incluem-se na proteção constitucional da propriedade
bens patrimoniais sobre os quais o titular não exerce nenhum direito real, no
preciso sentido técnico do termo, como as pensões devidas ao Estado ou
as contas bancárias de depósitos. Em conseqüência, o poder de controle
empresarial, o qual não pode ser qualificado como um ius in re, há de ser
294
incluído na abrangência do conceito constitucional de propriedade.
Para Patryck de Araújo Ayala, o STF, ao analisar a questão da
função social da propriedade, ainda que sob o enfoque exclusivamente ambiental,
notadamente no Recurso Extraordinário n° 134.927/SP , da lavra do Minsitro Celso
de Mello, afirma que: “o descumprimento dos deveres pelo proprietário (hipótese de
deficiência na execução) autoriza a intervenção do Poder Público, que ocorre na
forma de sanção. Essa sanção pelo descumprimento da função social importa
expropriação da propriedade privada nesses espaços (referindo-se à propriedade
rural que não cumpre sua função social), mas sempre mediante indenização.295

3.1.2 Função social no Código Civil de 2002

O Código Civil de 2002, fruto da interpetação constitucional do


direito civil, rompeu com o tratamento individualista que o Código de 1916 concedia
à propriedade. Nos dizeres de Cyro Luiz Prestana Púperi: “esse tratamento
individualista típico do direito moderno e das concepções trazidas pela Revolução
Francesa, situação essa mitigada pelo novo Código, que buscou a adequação aos
preceitos instituídos pela Constituição de 1988”.296
Sem dúvidas que o novo Código Civil, em especial seu art. 1.228,
ao prever, em parágrafos inovadores, a função social da propriedade, quebrou o
paradigma então vigente de domínio da teoria da propriedade individual e perpétua.
Nesse sentido o §1º estabelece que: "O direito de propriedade deve ser exercido em
consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam
preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna,
as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem
como evitada a poluição do ar e das águas." Com o mesmo espírito, o teor do §2º:
"São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou
utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem."
Para Miguel Reale, referidas disposições atendem ao princípio
constitucional da socialidade:
[...] é constante o objetivo do novo Código no sentido de superar o
manifesto caráter individualista da Lei vigente, feita para um país ainda
eminentemente agrícola, com cerca de 80% da população no campo. Hoje
vive o povo brasileiro nas cidades, na mesma proporção de 80%, o que
representa uma alteração de 180 graus na mentalidade reinante, inclusive
em razão dos meios de comunicação, como o rádio e a televisão. Daí o
297
predomínio do social sobre o individual.

A explicitação da função social da propriedade pode ser apreendida


na dicção do art. 1.228 do Código Civil de 2002, que define o direito proprietário, já
no caput, como uma faculdade e não como um direito absoluto. Vale a pena a
transcrição dessa disposição legal: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e
dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a
possua ou detenha”. Além de explicitar que se trata de uma faculdade, os §§ 4º e 5º
prevêem de forma específica que o proprietário estará sujeito à privação da
propriedade:

§ 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel


reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé,
por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela
houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização
devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o
298
registro do imóvel em nome dos possuidores.

Essa nova visão civil constitucional da propriedade privada leva a


um necessário entendimento de que ela deverá ter uma destinação social, fato
ressaltado por Cristian Derani:

Um novo atributo insere-se na propriedade que, além de privada, ou seja,


ligada a um sujeito particular de direito, atenderá a uma destinação social,
isto é, seus frutos deverão reverter de algum modo à sociedade, o que não
exclui naturalmente o poder de fruição particular inerente ao domínio, sem o
299
qual o conteúdo privado da propriedade estaria esvaziado.
Para Dinaura Godinho Pimentel Gomes, o Código Civil brasileiro
enaltece a função social do contrato haja vista as repercussões coletivas que é
capaz de gerar:

[...] o novo Código Civil brasileiro enaltece a função social do contrato, pela
repercussão coletiva, e impõe às partes contratantes a observância dos
princípios da probidade e boa-fé no exercício da autonomia (arts. 421 e
seguintes), em consonância com a Lei Maior, a condicionar a liberdade de
iniciativa e o direito de propriedade à sua função social (CF, arts. 1º, inciso
III; 170 III, 182, § 2 º, e 186). Portanto, a sociedade contratual albergada
pelo Código Civil passa a ter mais relevância nas relações trabalhistas,
principalmente porque a socialidade, já imanente no Direito do Trabalho,
´sobressai fortalecida, implicando exigir-se mais direito e menos autoridade
nos comandos patronais, no exercício do poder diretivo, nas demissões,
300
principalmente nas coletivas´, nas palavras de Francisco Meton de Lima.”

Sem dúvida, a previsão inserta no artigo 421 do Código Civil foi uma
das responsáveis pela retomada das discussões sobre a função social, uma vez que
deixa expresso que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites
da função social do contrato”, embora boa parte da doutrina critique a ausência de
previsão específica da função social da empresa, já que na esteira do entendimento
emanado da Constituição Federal o Código previu a função social da propriedade e
do contrato e, ao inaugurar no Livro II, que trata exaustivamente do Direito de
Empresa, deveria ter nele também inserto, de forma expressa, a função social da
empresa, conforme a crítica de Estevão Mallet:

A Constituição de 1988 – como é sabido – deu um passo importante


quando, rompendo concepção antiga e arraigada, relativizou o direito de
propriedade, concebido tradicionalmente como o mais absoluto de todos os
direitos, ao dispor que ele deve ser exercido de acordo com sua função
social. Seguindo a mesma linha, o Código deu um passo adiante, num
artigo muito importante, o artigo 421, fazendo referência à liberdade
contratual nos seguintes termos: "a liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social do contrato". Não é mais apenas a
propriedade que tem uma função social a desempenhar. Também o
contrato tem essa mesma função social e a liberdade contratual há de ser
exercida dentro dos limites de tal função. Pena é que, a despeito de dar
esse passo, não haja o novo Código dado o passo seguinte. Que outro
passo tenho em mente? Ora, o Código regulou extensamente o direito
empresarial. Criou mesmo todo um Livro para tratar do assunto, Livro que
não existia no Código de 1916. Lamentavelmente, porém, faltou a referência
no novo Livro à função social da empresa. Se já se reconheceu a função
social até da propriedade, direito absoluto clássico; se já se reconheceu a
função social do contrato, e o Código faz isso, por que não reconhecer
também a função social da empresa? O Código, infelizmente, não chegou a
301
tanto. Preferiu parar na metade do caminho.

Sem embargo disso, as alterações vivificadas no Código Civil de


2002, sob o influxo dos princípios indicados na Constituição Federal de 1988, como
fundamento da República Federativa do Brasil, trouxeram uma nova visão, muito
aquém da visão individualista do Código de 1916, libertando-se dos dogmas
patrimonialistas e aproximando-se da visão humanística e solidária que emana da
Carta Política de 1988. Assim é que se a empresa é formada por uma somatória de
esforços comuns para a consecução de um objetivo, que é o lucro, e se para tanto é
indispensável a conjugação de capital e trabalho, e tanto o nascimento do
empreendimento empresarial como a contratação da mão-de-obra se dão através de
contrato, é mister investigar se, daí, se pode deduzir que os contratos individuais de
trabalho também possuem função social imanente ao seu objeto, o que será tratado
no próximo item.

3.1.3 Função social dos contratos de trabalho

Se no Código Civil de 2002 a existência de uma função social do


contrato é expressa no artigo 421 e se a própria Constituição Federal de 1988, em
duas oportunidades (arts. 5º, inc. XXIII; art. 170, inc. III), determinou que a
propriedade deve cumprir sua função social, e se tanto os empreendimentos
empresariais como a mão-de-obra nascem através da celebração de contratos, é
mister investigar a existência de uma função social nos contratos de trabalho e
emprego302.
O Direito do Trabalho, por seu próprio objeto e gênese tuitiva, exerce
função social, pois é quem tutela os interesses da inter-relação entre capital e
trabalho, tanto nos dissídios individuais, em que busca dar ao trabalhador as
garantias mínimas da legislação, quanto em nível coletivo, no qual procura, com sua
atuação, atender às demandas de toda uma coletividade, visão compartilhada por
Arion Sayão Romita:

O Direito do Trabalho, entendido como o ramo do Direito que promove a


composição dos conflitos de interesses oriundos da prestação de trabalho
subordinado e a adoção de medidas que visem à melhoria da posição social
dos trabalhadores, desempenha relevante papel social, podendo ser
utilizado como instrumento da política de emprego. O Direito do Trabalho,
mais do que qualquer outro ramo do Direito, sofre influências no campo
político, por exemplo, pela instauração do regime democrático em
substituição a um regime autoritário, mas também das modificações
303
operadas no ambiente social e na situação econômica.

Para Maurício Goldinho Delgado, o contrato de emprego constitui-se


no mais importante veículo de afirmação socioeconômica da grande maioria dos
indivíduos componentes de uma sociedade capitalista, como a nossa, constituindo-
se, por essa razão, num dos mais relevantes instrumentos de afirmação da
democracia na vida social304. E como nas relações de trabalho, diferentemente das
demais, o poder está com o devedor (empregador) e não com o credor (empregado),
sendo o segundo quem detém a fonte de sobrevivência do primeiro305, é mister que
o contrato que materialize essa relação deva ser marcado pela estrita observância
da função social que deve norteá-lo e até mesmo limitá-lo.
Não se pode olvidar que os trabalhadores são detentores de direitos
fundamentais expressamente previstos no art. 7º da CF/88 e que os, por assim
dizer, sujeitos passivos de sua observância são os empregadores, de tal sorte que
na celebração do contrato de emprego deverão ser guardados os limites mínimos
que a própria Carta Política lhes outorgou, bem como a observância da função social
dos contratos, a probidade e a boa-fé dos contratantes, tal qual prevista no Código
Civil de 2002, no artigo 422.
Ana Paula Pavelski indica ainda as funções da boa fé objetiva nos
contratos individuais de trabalho, reconhecendo que, em sua interpretação, quanto
aos aspectos externos ao contrato, deve ser considerada sua função social:

A boa-fé é chamada a determinar esses comportamentos, de maneira a


viabilizar o objetivo do contrato, de sua obrigação principal. Assim, atuando
como cânone hermenêutico-integrativo, a interpretação das estipulações de
um contrato deve ser com base em seu sistema interno, ou seja, cada uma
das estipulações deve ser considerada com todo o resto do contrato, para
que possa ser encontrado seu mais amplo significado.
Depois dessa primeira análise, o todo significativo deve abranger aspectos
306
externos ao contrato, como, por exemplo, sua função social.

Para Aldacy Rachid Coutinho, as definições de contrato individual de


trabalho apontam para aspectos estritamente jurídicos, ressaltando a existência de
um acordo ou convenção pela qual uma ou várias pessoas físicas se obrigam,
mediante remuneração, a prestar serviços de natureza não eventual a outra pessoa,
sob a direção desta.307
Zeno Simm entende plenamente aplicável ao contrato individual do
trabalho a invocação dos direitos fundamentais:

[...] pela própria natureza da relação contratual, o empregado abre mão de


uma parte de suas liberdades na medida em que coloca a serviço do
empregador, subordinado a este e por ele controlado e fiscalizado. Quando,
porém, a atuação patronal extrapola os limites do razoável, do aceitável, do
necessário ao desenvolvimento das atividades empresariais, entram em
ação os direitos fundamentais do trabalhador como limitação ao poder
empresarial e como forma de limitar a perda das liberdades do empregado,
308
devendo-se buscar a conciliação dos interesses em conflito.

Logo, se a República Federativa do Brasil, que se constitui em


Estado Democrático de Direito, tem como um de seus fundamentos a cidadania, a
dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (artigo 1º, inc. II, III e IV da
CF/88), tendo ainda como objetivo fundamental (art. 3º CF/88) a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária (inc. I), que se funda na valorização do trabalho
humano (art. 170, caput, CF/88), resta claro que os contratos de trabalho e de
emprego possuem alcance maior do que o que lhes conferiu o legislador
infraconstitucional. Se nessa esfera “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao
exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou
social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (art. 187 do CC/2002), o que se dizer
daquele que não observa, na celebração do contrato de trabalho e de emprego, o
patamar mínimo de direitos fundamentais outorgados pela Constituição Federal?
Assim, se é possível concluir pela existência de uma função social
da empresa, pelas mesmas e maiores razões, é forçoso reconhecer a existência de
uma função social nos contratos de trabalho e emprego, pois é por meio deles que
os fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil se
concretizam. E parece ainda mais claro que um contrato não poderá cumprir essa
função social que lhe é imanente se na sua execução o empregador expor o
contratado a condições ambientais não adequadas, pois seria a negação, além dos
fundamentos e objetivos fundamentais anteriormente aludidos, também dos
princípios que norteiam a ordem econômica nacional (art. 170), tais como a função
social da propriedade (inc III), defesa do meio ambiente (inc. VI), notadamente pela
importância das empresas na sociedade contemporânea, assunto que será
abordado no próximo tópico.

3.2 PAPEL DAS EMPRESAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

É inegável a importância que as empresas desempenham na


sociedade contemporânea, marcada pelo signo do consumo e pela concentração da
população nos grandes centros. O potencial de geração de empregos, renda e
impostos, que permitem ao Estado atender às demandas sociais, exige das
empresas o desempenho de um papel que vai muito além da mera definição de sua
função voltada exclusivamente para o lucro. A sociedade contemporânea saiu do
campo e se aglomera nas cidades e metrópoles, e isso acaba criando demandas
sociais e impactos ambientais aos quais cabe ao Estado dar conta. Mas,
infelizmente, não é só esse ciclo virtuoso que as empresas geram para a sociedade.
Desde a Revolução Industrial o que seu viu foi um crescimento da exploração do
homem pelo homem na incrível jornada da evolução dos processos produtivos que,
na lição de Marx, sempre que mudaram acabaram alterando o modo de viver da
própria sociedade.
Destacando a importância das empresas para o próprio Estado,
Clayton Reis, reafirmando o caráter de sua função social, afirma:

[...] O Estado não pode mais prescindir dos impostos gerados com a
circulação de bens, bem como daqueles oriundos do trabalho remunerado
formal. Isso porque os programas sociais do Estado dependem
substancialmente dessas fontes de recursos. Assim, quando a atividade
empresarial no país se encontra regularmente organizada, produzindo bens
e serviços, aumentam as contribuições destinadas ao Estado. E melhora a
309
arrecadação e incrementa os programas sociais.

Dinaura Godinho Pimentel Gomes destaca a importância da


empresa numa sociedade pós-moderna, marcada pela evolução tecnológica e da
informação, que leva aos autuais problemas da exclusão social e do desemprego
estrutural:

[...] E aqui se revela a importância do papel da empresa moderna, ao


assumir, de fato, sua natureza institucional, e coloca-se mais como uma
comunidade que congrega empreendedores e empregados não só voltados
ao interesse de cada um, mas, principalmente, à satisfação de interesses
direcionados à promoção social de toda comunidade que dela depende
direta ou indiretamente. Por certo, o que se obtém afinal é uma ampla
participação econômico-social dos membros dessa coletividade, ao
materializar-se, aos poucos, na solução de questões locais, ancorada em
valores de solidariedade humana, no exercício de uma sociedade ativa em
310
prol de todos. .

A distinção entre o papel que a propriedade desempenhava ao


tempo da Encíclica Rerum Novarum e a sociedade atual é bem apreendida pelo
papa João Paulo II, no Capítulo IV da Carta Encíclica Centesimus Annus, intitulado
“a propriedade privada e o destino universal dos bens”, documento pelo qual se
pode ver a posição contemporânea da doutrina social da Igreja sobre economia e
mercado, e da qual se pode destacar:

A moderna economia de empresa comporta aspectos positivos, cuja raiz é a


liberdade da pessoa, que se exprime no campo econômico e em muitos
outros campos. A economia, de fato, é apenas um setor da multiforme
atividade humana, e, nela, como em qualquer outro campo, vale o direito à
liberdade, da mesma forma que o dever de usar responsavelmente. Mas é
importante notar a existência de diferenças específicas da sociedade atual,
e as do passado, mesmo se recente. Se outrora o fator decisivo da
produção era a terra e mais tarde o capital, visto como um conjunto de
maquinaria e de bens instrumentais, hoje o fator decisivo é cada vez mais o
próprio homem, isto é, sua capacidade de conhecimento que se revela no
saber científico, sua capacidade de organização solidária, sua capacidade
311
de intuir e satisfazer a necessidade do outro.

A elevação do homem como “medida de todas as coisas”, na lição


de Pitágoras (séc. V a.C.), foi reconhecida pela ONU – Organização das Nações
Unidas – na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, adotada pela
Resolução 41/128 de sua Assembléia Geral de 4 de dezembro de 1986, conforme
leciona Ivette Senise Ferreira, “reconhecendo que a pessoa humana é o sujeito
central do processo de desenvolvimento e que a política de desenvolvimento das
nações deveria fazer do ser humano o principal participante e beneficiário do
mesmo”312. Elenca, referida autora, que o artigo 1º de tal Resolução espelha essa
realidade:

O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do


qual toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do
desenvolvimento econômico, social, cultural e político, com ele contribuir e
dele desfrutar, no qual os direitos humanos e as liberdades fundamentais
313
possam ser plenamente realizados.

É sob essa ótica que se deve reconhecer a importância da empresa


contemporânea, pois é com a colaboração decisiva delas que o Estado pode
desempenhar seus objetivos fundamentais (art. 3º da CF/88), como a construção de
uma sociedade livre, justa e solidária (inc. I), o desenvolvimento nacional (inc. II), a
erradicação da pobreza e desigualdades sociais e regionais (inc. III), enfim, o bem
estar de todos (inc. IV). A história recente demonstrou, entretanto, que o Estado não
pode se ausentar de seu papel regulador e que a ciência econômica acabou
invadindo o direito constitucional314, sob pena de perder a própria noção da
soberania, que é inerente à própria idéia de Nação.
Os processos de globalização da economia, de competição em nível
global, bem como a evolução da ciência e da tecnologia cibernética, são desafios
aos Estados a buscar um caminho que leve ao atendimento de necessidades e
anseios de seus povos, sem abrir mão, nem permitir que a iniciativa privada abra
mão de parâmetros mínimos de ética e humanidade no desempenho de suas
atividades, buscando um caminho que permita um desenvolvimento racional e
sustentável, garantindo uma saudável qualidade de vida às presentes e futuras
gerações, através de uma nova ética socioeconômica, calcada numa exploração
equilibrada da economia e do meio ambiente, permitindo a inclusão social e a
sustentabilidade dos recursos econômicos e ambientais, que visam antes e acima
de tudo a preservar o bem maior, que é o direito do próprio ser humano em viver, e
viver com qualidade.
Por essas razões é que uma empresa contemporânea deve
desenvolver suas atividades voltadas a padrões de ética empresarial, racionalidade
ambiental e racionalidade econômica, o que permitirá não só a contratação de
pessoas, mas a inclusão de cidadãos, conferindo-lhes a necessária dignidade
inerente à pessoa humana, o que só é possível num meio ambiente de trabalho
adequado, como será tratado nos próximos itens.

3.2.1 Ética empresarial

A inclusão do Direito Empresarial no Código Civil de 2002, aliada à


interpretação sob a ótica de princípios constitucionais como o da função social do
contrato e da empresa, são o ponto de partida para a análise do princípio da boa-fé
nos contratos em geral e, de forma mais específica, nos contratos de trabalho.
Em tempos globalizantes parece paradoxal falar de ética nos
negócios ou de boa-fé nos contratos, considerando que a universalização do capital
e a internacionalização das culturas parecem mostrar um domínio dos interesses
individuais voltados à maximização dos lucros em detrimento do social, notadamente
pelo declínio do Welfare State.
A história demonstra ser cíclica, entretanto, a ponto de buscar no
seu passado valores que ao longo da caminhada histórica acabaram se perdendo. É
isso que ocorre no momento atual. Vivemos num mundo refém dos valores de
mercado em que as inter-relações nunca foram tão efêmeras, num mundo fast food
onde a família é descartável, os amigos, virtuais, o casamento uma conveniência e a
moral, um jogo de faz-de-conta.
A deterioração dos valores éticos e morais chegou a tal ponto que os
seres humanos passaram a sentir a necessidade de retomada do que, ao longo do
processo de desenvolvimento econômico ficou, por assim dizer, para trás.
Some-se a isso a desilusão com o mundo pós-industrial,
emprestando a expressão cunhada por Domenico de Masi315 ou pós-moderno, como
concebido por Boaventura de Souza Santos316, em quem se pode apreender com
maior profundidade e clareza o que é efetivamente essa crise pós-moderna.
Boaventura afirma que as promessas da modernidade não foram cumpridas e
quando o foram causaram transtornos sociais ainda maiores. Como exemplificação,
Boaventura se fixa em três promessas básicas da modernidade que não foram
efetivadas, quais sejam a igualdade; a liberdade; e a paz317.
A constatação da falência do atual sistema de produção e de Estado
tem lavado os sujeitos a um verdadeiro revival, a uma retomada de valores outrora
cultivados e que dignificavam o ser humano. Conceitos simples como a palavra
empenhada, a honra, o nome, são resgatados na atual sociedade, que se saciou e
se fastiou da novel mentalidade neoliberal que pouco a pouco destruiu esses
valores.
Esse sentimento dos indivíduos, esse clamor popular, acabou
contagiando o mundo dos negócios, onde esses indivíduos com maior intensidade
desenvolvem as suas inter-relações diárias, o que, aliado a uma maior
conscientização dos consumidores e a uma produção legisferante de caráter
protetivo e coletivo, fez com que o mundo dos negócios entendesse a necessidade
de uma “viragem moral”, que entre nós pode ser explicada pela preocupação das
empresas com a “responsabilidade social”.
Assim é que nos últimos dez anos a própria filosofia voltou-se ao
estudo da “ética empresarial”, pois, até então, “ética empresarial era um tópico sem
credenciais na filosofia mais corrente, sem conteúdo conceptual próprio. Era um
assunto demasiado virado para a prática, até para a "ética aplicada", e, num mundo
filosófico encantado por idéias transcendentes e mundos apenas "possíveis", a ética
empresarial estava demasiado preocupada com a vulgar moeda corrente das trocas
quotidianas – o dinheiro”.318
Se de um lado tem-se todo esse contexto para a retomada de
condutas éticas no meio empresarial, não se poderia deixar de incluir no momento
atual a preocupação com o meio ambiente. De forma mais voltada ao objeto de
presente pesquisa, porém, necessário focar a questão ao meio ambiente do
trabalho. Assim, sob as premissas de um mundo globalizado onde a busca do lucro
e da competitividade fez surgir novas formas de produção e de gestão dos negócios,
passou-se a fazer uma inter-relação entre a ética e o meio ambiente a partir de um
fenômeno na ciência da Administração, tão presente neste mundo pós-industrial, ou
seja, a terceirização.
É mister, assim, analisar a ética empresarial nos contratos de
terceirização e a sua influência na criação, na manutenção e no desenvolvimento de
um meio ambiente de trabalho adequado e, conseqüentemente, na sustentabilidade
do empreendimento.
Como bem argumenta Álvaro Valls, “a ética é daquelas coisas que
todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de explicar quando alguém
pergunta”319.
Ética vem do grego "ethos", e no latim "morale", que possuem em
síntese o mesmo significado, qual seja, a conduta ou o comportamento relativo aos
costumes. Parece que boa parte da doutrina entende que ética e moral são palavras
sinônimas, conclusão com a qual discorda Sylvio de Moraes Sanches, citando Srour
(2000), ao afirmar que a moral está vinculada à definição dos padrões de
comportamento, das normas de condutas, de acordo com os usos e costumes dos
agentes sociais em determinado espaço de tempo. A moral corresponderia às
representações imaginárias que dizem aos agentes sociais o que se espera deles,
quais comportamentos são bem-vindos e quais não são320. Adela Cortina,
analisando a importância da liderança dos administradores de empresas, voltada a
uma liderança ética, destaca a inter-relação entre a ética e a moral, pois “esto
significa que no debe comportarse como sabemos que nos comportamos todos; se
espera que proceda como sabemos que debemos proceder nosotros”.321
Para Carolyn Wiley a ética pode ser definida de várias maneiras,
dentre as quais a noção de que ética é justiça, incluindo princípios que todas as
pessoas racionais escolheriam para reger o comportamento social, sabendo que
eles podem ser aplicados também a si mesmos. Por meio do estudo da ética, as
pessoas entendem e são dirigidas pelo que for moralmente certo ou errado. Mas,
afinal, aquilo que é eticamente correto para uma pessoa pode ser errado para outra.
Por essa razão, a sociedade tende a definir a ética em termos de comportamento.
Por exemplo, uma pessoa é considerada ética quando seu comportamento está de
acordo com sólidos princípios morais baseados em ideais como eqüidade, justiça e
confiança. Esses princípios regem o comportamento de indivíduos e organizações,
podendo se fundamentar em valores, cultura, religião e até mesmo legislações, por
vezes mutáveis322.
Outra definição de ética parte da noção de felicidade, de algo
interno, imanente a cada ser, de busca de uma razão interior, de uma verdade. É o
que se deduz de texto de Cesar Furtado de Carvalho Bullara, que, citando Sêneca,
afirma que a felicidade consiste em algo bom não em aparência, mas de modo
consistente e duradouro. Acrescenta que uma vida feliz é aquela que está de acordo
com a própria natureza. Nisso também estão de acordo, dentre outros, Sócrates,
Platão e Aristóteles. A felicidade consiste na realização de algo que levamos dentro
e guarda uma relação direta com o nosso dia-a-dia. A este conjunto de ações
realizadas damos o nome de ética. Esta nada mais é do que a realização da
verdade na ordem prática323.
Orlando Ourives, citando Reale, define Ética como “a ciência
normativa dos comportamentos humanos". E, citando Maximiano, define a ética
como "a disciplina ou o campo do conhecimento que trata da definição e avaliação
de pessoas e organizações; é a disciplina que dispõe sobre o comportamento
adequado e os meios de implementá-lo, levando-se em consideração os
entendimentos presentes na sociedade ou em agrupamentos sociais particulares”.
Por fim, citando Ives Gandra Martins, entende-se que a definição mais adequada
para ética seria: "La Ética es la parte de la filosofía que estudia la moralidad del
obrar humano; es decir, considera los actos humanos en cuanto son buenos o
malos".324
Traçadas algumas premissas da ética, cabe o estudo do que seria a
ética empresarial.
Para Joaquim Manhães Moreira a expressão “ética empresarial” está
sendo cada vez mais aceita e utilizada na acepção de conjunto de preceitos morais
e de responsabilidade social a serem observados pelas organizações conhecidas
como empresas. Em cada uma dessas organizações, alguém (denominado
empresário) reúne os três fatores técnicos da produção – a natureza, o capital e o
trabalho – para produzir um bem ou um serviço. Esse bem ou serviço é oferecido
pela organização ao mercado, que o adquire. A organização obtém, então, da
diferença entre o preço de venda e o custo de produção, o proveito monetário
denominado “lucro”. Portanto, o desenvolvimento de uma atividade visando ao lucro
integra o conceito de “empresa”. 325
Afirma, ainda, que: “Essa característica de organização lucrativa,
gerou sempre a desconfiança da eventual impossibilidade de se conciliar as suas
práticas com os conceitos éticos”.
No século XVII, Adam Smith conseguiu demonstrar na sua obra A
riqueza das nações que o lucro poderia ser aceito como justa remuneração ao
empreendedor, e que essa parcela de valor acrescido acabava resultando em
investimentos ou consumo, os quais, por sua vez, eram responsáveis por mais
empregos remunerados. O lucro acabava operando, assim, uma função social de
melhoria do bem-estar geral, através da geração de empregos e das
correspondentes remunerações. Essa foi a primeira demonstração da possibilidade
de conciliação entre o lucro e a ética e, portanto, também entre esta última e a
empresa. Outros atos de grande repercussão foram ajudando a consolidar a noção
de que o lucro poderia e deveria se submeter a princípios éticos. São exemplos a
encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII; a lei norte-americana denominada
Sherman Act de 1890; a lei norte-americana denominada Foreign Corrupt Practices
Act (FCPA), de 1977, proibindo a corrupção de autoridades estrangeiras.326
Sem dúvida o Código Civil de 2002 deu novo alento à discussão de
ética contratual e, por conseguinte, à ética empresarial. Quem bem anotou essa
característica foi Joaquim Manhães Moreira, que demonstra a importância dada pelo
Código civilista ao tema.

Para se ter uma idéia de como o novo código valorizou a matéria, basta
verificar que a expressão boa-fé, nele citada 55 vezes, contra 30 vezes em
que era citada pelo repositório antigo, revogado. O principal dispositivo do
novo Código Civil a respeito do assunto é o que estabelece que os
contratantes são obrigados a observar a boa-fé tanto na celebração quanto
no cumprimento dos contratos (artigo 422). E o código acrescenta também
o dever da probidade, assim entendida a honestidade, ou seja, a prática de
não lesar a outrem e, em conseqüência atribuir a cada um o que lhe é
327
devido.

O mesmo autor indica ainda outros dispositivos que demonstram a


preocupação com a tutela da eticidade e da boa-fé no Código Civil vigente, que
prevê inclusive as penalidades a que estão sujeitos aqueles que descumprem os
deveres éticos:

(a) os contratos devem ser interpretados de acordo com a boa-fé e os usos


do lugar em que forem celebrados (artigo 113). Esse dispositivo deve ser
sempre aplicado em conjunto com o que determina que se deve atentar
mais para a vontade das partes do que para a literalidade das palavras com
que elas a expressam (artigo 112); (b) no caso de simulação de negócio
jurídico, ficam ressalvados os direitos dos terceiros de boa-fé em face dos
contraentes (artigo 167); (c) o titular de direito legítimo que ao exercê-lo
excede os limites dos seus fins econômicos e sociais ou da boa-fé comete
ato ilícito (artigo 187); (d) o devedor que paga a alguém julgando ser este
último o credor, baseado em fundadas razões, libera-se da obrigação,
mesmo que fique provado que faltava ao recebedor a legitimidade (artigo
309).
[...]
Em qualquer caso, a empresa que agir com má-fé, deixando de proceder de
conformidade com os princípios éticos, como regra geral fica sujeita ao
pagamento de perdas e danos, mais correção monetária e juros (artigos
389/395). As perdas e danos compreenderão os valores que a parte
prejudicada tenha perdido, mais aqueles que razoavelmente tenha deixado
de ganhar (artigos 402/405). No caso de descumprimento de obrigações de
pagamento em dinheiro, se não houver no contrato previsão de multa, o juiz
poderá arbitrar juros a serem calculados por taxa que reflita a perda real do
328
prejudicado, ou seja, aquelas praticadas pelo mercado financeiro.

Não por outra razão Roberto de Souza González informa que, após
sucessivos escândalos do mercado financeiro mundial, o mundo retomou a
discussão, com maior intensidade, da questão da ética e dos princípios morais de
conduta no mercado:

de uns tempos para cá, e em especial após a débacle da Enron e o início de


um ciclo de vacas magras para a economia mundial, vários participantes de
organizações empresariais voltaram os olhos para a França. Ali, há mais de
5 anos, pratica-se a Deontologia um segmento da Filosofia que estuda os
princípios, os fundamentos e os sistemas de moral. Já são mais de 800
empresas que possuem um deontologista, uma exigência do Conselho do
Mercado Financeiro local. O deontologista é o guardião da Ética mercantil.
Ele que analisa todo possível conflito de interesse e previne a empresa da
tomada de qualquer decisão considerada antiética. A
PriceWaterhouseCoopers francesa, por exemplo, é um exemplo para todas
as demais no Mundo, pois além de possuir um deontologista no escritório, já
desenvolveu uma cultura corporativa que estabelece ser a prática da
deontologia nas empresas que atende como primordial para o sucesso
empresarial.
[...]
A Deontologia está se tornando um elemento fundamental da gestão para o
sucesso das empresas numa nova etapa do desenvolvimento capitalista”.
Sem dúvida, esta é uma das formas de se implementar práticas de controle
329
e segurança de gestão, focadas na ética.

De outro lado, aliando-se essa retomada dos princípios éticos e


morais pelo mercado, e analisando-se a evolução do modo de produção pós-
industrial, encontram-se modos de produção que, se não forem bem geridos,
poderão dificultar essa retomada da ética empresarial. Assim, tem se tornado
comum a adoção pelas empresas de códigos de ética como parte do seu
regulamento interno, lembrando que “a imposição de códigos de conduta ética, por
si só, não garante que as empresas sejam éticas; isso só se consegue se as
pessoas que as compõem forem íntegras, isto é, possuidoras de todas as virtudes
morais”.330
Essa retomada ética também não pode limitar-se a uma apropriação
– mais uma – do mercado, a fim de “economicizar” mais um conceito e o transformar
em mera ferramenta de maximização de resultados. A ética deve ser uma opção
vivenciada de dentro para fora da empresa, começando pela alta direção nas inter-
relações com os empregados e fornecedores, estendendo-se de forma natural aos
clientes e a todo o público externo com que mantém relações. A conduta ética,
importante ferramenta para a sustentabilidade do empreendimento, evita surpresas
e riscos a que empresas que não a adotam estão sujeitas, como as autuações
advindas de fiscalização dos órgãos administrativos.

3.2.2 Sustentabilidade

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, reafirmou a Declaração de
Estocolmo de 1972, como se pode ver de seu Princípio 1: “Os seres humanos estão
no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma
vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.” Para Ivette Senise
Ferreira, a Declaração do Rio procurou avançar em relação à de Estocolmo, com o
objetivo de construir uma nova e justa parceria global por meio de estabelecimento
de novos níveis de cooperação entre os Estados, os setores-chave da sociedade e
os indivíduos.331
Enrique Leff, já no prólogo de sua obra “Racionalidade ambiental: a
reapropriação social da natureza”, deixa claro que a atual crise ambiental hoje
vivenciada é uma “crise de civilização: da cultura ocidental; da racionalidade da
modernidade; da economia do mundo globalizado”.332
Essa preocupação ambiental tem, desde então, repercutido em todo
o mundo, cabendo à imprensa papel preponderante na disseminação de tais
conceitos e na denúncia de eventuais abusos e problemas que a humanidade acaba
criando a si mesma, no atual estágio de desenvolvimento a que chegamos e
tomadas por uma ideologia de consumo desenfreado e sem responsabilidade. Assim
é que as preocupações da humanidade se voltam para as questões da preservação
dos recursos naturais e os possíveis desdobramentos para a raça humana, em
relação às alterações que isso pode implicar. A revista Isto É, em matéria jornalística
intitulada “Chegou a era do DEGELO”, na qual resume relatório da ONU, denuncia
que “a temperatura global subirá três graus Celsius e arrasará pelo menos um terço
do planeta – cerca de 10% das espécies serão extintas”.333 Neste cenário “1,1 bilhão
de pessoas sofrerão com a falta de água em 2080. China, EUA e Austrália serão os
mais afetados” e “700 milhões de pessoas enfrentarão a escassez de alimentos em
virtude da redução das áreas férteis”334. Para o Brasil as previsões também são
assustadoras, pois a “Amazônia será um deserto”, podendo a temperatura naquela
região subir até dez graus Celsius até 2070.
Conforme leciona Marta Marília Tonin, citando Liszt Vieira, a
proposta de sustentabilidade é a herdeira da noção de eco-desenvolvimento, que
teve curto período de vida útil. Baseava-se nas idéias de justiça social, eficiência
econômica, condicionalidade ecológica e respeito à diversidade cultural.335 Para
Cristiane Derani, pode-se afirmar que o desenvolvimento é sustentável quando
satisfaz as necessidades presentes sem comprometer a habilidade das futuras
gerações em satisfazer suas próprias necessidades. A expressão “desenvolvimento
sustentável” trouxe a idéia de planejamento do desenvolvimento econômico
ambiental pela WCED (World Commissiom on Environment and Development), no
ano de 1987336. Frente à multiplicidade de conceitos e interesses envolvidos no
tema, relevante apresentar a síntese dos caminhos até aqui percorridos pelos
movimentos ambientalistas, promovida por Simon Zadek337, um dos principais
executivos da organização não-governamental AccountAbility338, na qual apresenta
os reflexos desse movimento na classe empresarial em três fases distintas, não
estanques.
Para Zadek, com a emersão do movimento ambientalista nos anos
80, as empresas principiaram a discussão a respeito do meio ambiente, passando a
refletir sobre os impactos dos seus processos de produção.
Numa segunda etapa, na década de 90, como reflexo dos efeitos da
globalização econômica sobre as condições de trabalho, voltou-se a atenção para
aspectos sociais, como a fomentação de relações justas de trabalho339.
Hodiernamente, nos últimos anos, o movimento dirigiu-se para o
conceito de sustentabilidade, entendido como a capacidade de as gerações
presentes atenderem às suas necessidades sem comprometer a capacidade de as
gerações futuras também o fazerem, conceito definido pelo Relatório Brundtland, de
1987340.
Na visão de Zadek, em suma, o movimento da responsabilidade
social evoluiu de uma discussão sobre ‘o que as empresas não devem fazer’ para
uma discussão sobre ‘o que as empresas devem fazer’.341
Constatada a necessidade de agir, SCHMIDHEINY problematiza a
questão de como deve ser esse agir:
Sem dúvida é preciso agir. Mas agir como, e quando, diante das imensas
incertezas com que nos defrontamos? É um tipo de questão que o meio
empresarial enfrenta diariamente. Homens de negócios estão acostumados
a examinar tendências negativas e incertas, tomando decisões e agindo de
acordo, procedendo ajustes e assumindo custos para diminuir riscos. [...] Há
custos envolvidos, são os que as pessoas racionais se dispõe a assumir e
que as responsáveis admitem sem pesar, mesmo que as previsões nefastas
não se confirmem depois. Podemos esperar pelo melhor, mas o ‘princípio
da precaução’ continua sendo a melhor prática tanto nos negócios como em
342
outros aspectos da vida.

E parece mesmo que a noção de sustentabilidade ainda está


dissociada na noção de ética. Para exemplificar, basta ver que a ética empresarial
não é um dos critérios de aferição do ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial –
da BOVESPA (Bolsa de Valores de São Paulo) que, seguindo ainda uma tendência
mercadológica, valora apenas as ações ditas de “responsabilidade social” que nem
sempre podem ser co-relacionadas com a questão ética. Para o presente estudo,
porém, não se levará em consideração a questão da sustentabilidade sob a ótica de
gerações futuras, como a concebeu o Relatório Brundtland em 1987, mas de
sustentabilidade presente no empreendimento, atentos ao fato de que o futuro deste
passa necessariamente pela questão da sua sobrevivência no mercado atual, sem
que, com isso, se queira dizer que a sustentabilidade com vistas à garantia de
perenidade do empreendimento seja conceito que deva ser desprezado. É que a
delimitação do tema exige a análise das conseqüências para a sustentabilidade do
empreendimento, causadas pela celebração e execução de contratos sem
observância de padrões éticos, nos quais, neste contexto, a sustentabilidade não
poderá ser estudada sob a ótica de algo futuro, longínquo, pois a questão será de
sobrevivência do empreendimento no mercado.
E a noção de sustentabilidade parece mesmo estar mais atrelada à
proteção do meio ambiente em sua noção latu sensu, ou seja, dos recursos naturais,
do que o que fora preconizado pelo ECO 92, como “os seres humanos estão no
centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável”. A visão tem sido de
que a preservação do meio ambiente natural constitui garantia da sobrevivência da
raça humana, das presentes e futuras gerações. De fato, essa é uma condição
essencial, mas não se vêem políticas claras no sentido de elevar o homem ao centro
das preocupações, ou seja, o agente agressor da natureza é o próprio homem e a
proteção de todos os recursos naturais passa antes por questões relacionadas à
extinção da pobreza, da corrupção endêmica que varre o mundo e pelo acesso aos
bens de consumo e a educação343. Essa preocupação ecológica vem expressa
semanalmente em diversas matérias jornalísticas, em muitas das quais se observa
que a própria existência humana bem como o avanço da tecnologia são desafios
para a manutenção de padrões de vida saudáveis e que gerem impactos para as
futuras gerações. A avanço tecnológico, notadamente da informática, com a queda
dos preços advinda da produção mundial em escala, e do fraco desempenho do
dólar americano frente ao real, do aumento do mercado consumidor mundial, geram,
por exemplo, o problema do lixo eletrônico, movimentado pelo obsoletismo semanal
ligado à informática, com o lançamento de novas tecnologias de forma a tornar o
equipamento recém-adquirido (computador, notebook, celulares, iPode etc.) em
produtos ultrapassados tão logo saiam das lojas, tal qual denunciado por Wendy
Cole em matéria da Revista Time traduzida no Brasil pela Revista Isto É,344 o que
demonstra que pouco a pouco cresce a conscientização dos consumidores no
sentido de que quem produz o produto deve também ser responsável pela sua
destinação quando não mais for útil ao fim proposto, devendo ser o responsável pela
sua reutilização, minimizando os impactos que possa causar ao meio ambiente.
A questão da sustentabilidade passa necessariamente pela
conscientização no consumo, mas aí se tem a questão da apropriação que o
mercado faz dos conceitos de sustentabilidade, responsabilidade social e ambiental.
Como será visto no próximo tópico, o mercado procura “economicizar” a ecologia, e
a consciência da necessidade de alteração do discurso monológico do mercado,
calcado no consumo sem limites, dá lugar a um mero jogo de cena, em que as
empresas “vendem” ao consumidor uma imagem de empresas cidadãs e adeptas da
responsabilidade social e ambiental, apropriando-se dos conceitos de
sustentabilidade. Em recente pesquisa dos institutos Akatu e Ethos, intitulada
“Responsabilidade social das empresas – percepção do consumidor brasileiro”,
concluiu-se que, embora o brasileiro seja empolgado com a temática da
responsabilidade social e ambiental das empresas, ele não é engajado na hora de
comprar e essa inércia vem aumentando a cada ano, como ficou expresso em
reportagem do Jornal Gazeta do Povo, com o título “Responsabilidade social pesa
menos no consumo”345. Como bem frisou a empresária Deise Englmann, da
Consultoria Sincrony Consultoria em Gestão de Pessoas, da cidade de Joinville,
antes de se preocupar se as empresas praticam ou não responsabilidade social e
ambiental é preciso uma prática de consumo consciente:

[...]
A Simplicidade Voluntária é um movimento crescente no planeta, onde (sic)
as pessoas se propõem a simplificar as suas vidas em favor de uma boa
qualidade de vida para o sistema. De nada adianta comprar de empresas
socialmente responsáveis e comprar em excesso, pois se todos tivessem
acesso aos bens de consumo disponíveis para a classe média,
precisaríamos de vários planetas para guardar tantas coisas e daí o planeta
346
sofreria conseqüências não sustentáveis.

Trazido o conceito de sustentabilidade para dentro da empresa,


além da visão de mercado e de sua imagem junto ao consumidor, se pode concluir
que o empreendimento empresarial, além de ter de procurar ser sustentável sob o
prisma do mercado (responsabilidade social e ambiental), deve voltar-se para a
sustentabilidade interna ou endo-sustentabilidade. A visão estratégica do
empreendedor deve ser macro, de tal modo que não perca a percepção de
necessidade de viabilização de seu empreendimento, aplicando os conceitos
econômicos de qualidade, produtividade, competitividade e lucratividade, mas que
na busca de referidas metas não olvide dos riscos internos que podem tornar o
empreendimento não-sustentável. Nesse aspecto, a criação e manutenção de um
meio ambiente do trabalho inadequado, pode gerar ao empreendimento custos
elevadíssimos com indenizações por doenças ocupacionais e acidentárias347, por
autuações administrativas por órgãos como as Delegacias Regionais do Trabalho,
INSS, Vigilância Sanitária e, ainda, ações civis públicas propostas pelo Sindicato e
pelo Ministério Público do Trabalho ou Estadual. Um pequeno ou um médio
empreendimento pode simplesmente fechar as portas em caso de uma condenação
acidentária, tais são os valores que justiça tem arbitrado em casos de indenizações
por acidentes do trabalho com ou sem morte. Assim, se existe a necessidade de um
planejamento de estratégias de mercado, antes deve haver a preocupação que o
layout do negócio incorpore a necessária preocupação com o homem, em posição
ainda mais elevada do que a que se destina à produção. Essa preocupação torna-se
ainda mais premente nos dias atuais em que a linguagem hegemônica do mercado
domina todo o mundo, sendo mister que a “ordem capitalista mundializada” sofra as
benéficas influências da regulamentação internacional do trabalho, como, por
exemplo, com a adoção de um “selo” da OIT – Organização Internacional do
Trabalho, tal qual proposto por Luiz Eduardo Gunther:

A regulamentação internacional do trabalho é um instrumento poderoso


para prevenir, e proibir, abusos na utilização da mão-de-obra, contrapondo-
se a uma ordem capitalista mundializada, onde impera o livre-mercado, para
o que se torna necessário um processo de acompanhamento e fiscalização,
através de um selo social, como barreira exigível no comércio internacional,
perante todos os países, constituindo-se em garantia de adoção, e respeito,
das normas de proteção aos direitos humanos do trabalhador aprovadas
348
pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Tem aumentado a discussão sobre o que poderia se chamar de


“função social do crédito”, ou seja, as instituições financeiras cada dia mais
procuram vincular a concessão de crédito à comprovação de que o empreendimento
é socialmente justo e ambientalmente correto. O Banco Central baixou a Resolução
nº 3.545, em fevereiro deste ano, que entrou em vigor em 1º de julho, pela qual os
bancos públicos e privados restringem a concessão de crédito rural apenas a
produtores que estejam devidamente regularizados com os órgãos de fiscalização,
por enquanto restrito à área da Amazônia Legal.349 Tal Resolução provocou intensos
debates sobre a existência ou não de responsabilidade das instituições bancárias e
de crédito na avaliação prévia do risco ambiental de seus clientes. Na mesma
matéria, André Palhano informa o nível que referida preocupação tomou, a partir de
2002, quando o IFC – International Finance Corporation –, braço financeiro do
Banco Mundial, e um grupo de bancos privados lançaram o Princípio do Equador,
que definiu critérios de avaliação socioambiental exigíveis para a concessão de
créditos para empresas e projetos de infraestrutura, cujo objetivo é “evitar o
financiamento de empresas e obras potencialmente desastrosas para a sociedade e
o meio ambiente.”350
A preocupação com a sustentabilidade social e ambiental cresce a
cada dia, pois nenhuma instituição de crédito gostaria de ver sua imagem ligada a
uma empresa potencialmente poluidora ou socialmente injusta, sem levar em
consideração os riscos do insucesso de um empreendimento constantemente sujeito
a indenizações trabalhistas e multas administrativas que podem elevar em muito o
risco do empreendimento e, portanto, o risco ao agente concedente de crédito.
Se essa preocupação puder ser ampliada para a análise da endo-
sustentabilidade, se poderá pensar em concessão de crédito condicionada à
apresentação de programas de treinamento; investimentos em melhorias de layout e
equipamentos, condições ergonômicas e psicossociais de trabalho, visando à
garantia de que o empreendimento a ser financiado seja socialmente justo e
ambientalmente correto, não somente sob a ótica da preservação ambiental latu
sensu, mas também para a criação, manutenção e desenvolvimento de um meio
ambiente do trabalho adequado para aqueles que diuturnamente estarão expostos
às condições de produção que o empreendimento criar, quando então se terá o
encontro da função social do crédito com a função social da empresa, para que
ambas – como empresas que são – cumpram os princípios constitucionais insertos
em nossa Carta Política.
Quando a própria Constituição Federal elege como princípio
fundamental, em igualdade de condições, o valor social do trabalho e da livre
iniciativa (artigo 1°, inciso IV da CF/88), acaba p or demonstrar os influxos da
ideologia neoliberal que domina o mundo Ocidental e parte do mundo Oriental.
Todavia, não cabe a defesa de que por ser princípio fundamental o princípio da livre
iniciativa não deva encontrar limites, já que a própria Carta Política elege, em
igualdade de proeminência, outros princípios fundantes, dos quais exurge, com
especial destaque, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e o valor social do
trabalho (artigo 1º, inc. II, III e IV da CF/88), tendo ainda como objetivo fundamental
(art. 3º CF/88) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (inc. I), que se
funda na valorização do trabalho humano (art. 170, caput, CF/88). Aliando conceitos
como o da função social das empresas; responsabilidade social e ambiental
fundadas em desenvolvimento de atividades sustentáveis, com os princípios
constitucionais acima aludidos, pode-se caminhar para uma nova ética que procura
se opor ao discurso hegemônico do mercado, capaz de demonstrar a possibilidade
de desenvolvimento de uma sociedade mais justa, fraterna e equilibrada. A busca
dessa contra ideologia é o fundamento da racionalidade ambiental e da
ecossocioeconomia, assuntos tratados no próximo tópico.

3.2.2.1 Racionalidade ambiental e racionalidade econômica

Na esteira da noção de sustentabilidade, Enrique Leff, na crítica do


atual pocesso de globalização e economização do mundo, aponta para uma visão
de que o processo de degradação ambiental que vivencia a sociedade atual traz em
si o avanço de desigualdade social, a diminuição dos padrões de qualidade de vida,
como conseqüências desse mundo globalizado, denunciando a tentativa da
economização da ecologia pela apropriação dos conceitos socioambientais:

[...]
As estratégias predominantes do desenvolvimento sustentável avançam
para uma capitalização da natureza, da cultura e do ser humano. O
processo de globalização impõe uma “sobre-economização” do mundo, que
dissolve a singularidade das culturas para integrá-las à lei suprema do
mercado. O discurso do desenvolvimento sustentável converteu-se em
expressão de uma vontade política sem conhecimento de causa.
O resultado é o progresso rumo à destruição ecológica e à morte entrópica
do planeta – cujo sinal mais evidente é o aquecimento global – junto com a
globalização da pobreza, as crescentes desigualdades econômicas e
sociais, às quais se acrescentam a narcoeconomia e a narcopolítica, a
corrupção e a simulação, a aids e o terrorismo. Essa vontade política
condiciona a sustentabilidade a um crescimento econômico que se afirma
numa ficção, evitando incorporar os custos ecológicos e sociais do
351
desenvolvimento aos cálculos do produto interno bruto.
Na visão de Enrique Leff, o que está ocorrendo é uma
insustentabilidade do conceito de sustentabilidade, o que se dá pela apropriação dos
conceitos econômicos da noção de ecologia. A análise ambiental passa a ser feita
sob uma ótica meramente de racionalidade econômica. Para Leonardo Boff o
discurso econômico é entendido como “arte e técnica de produção ilimitada de
riqueza mediante a exploração dos ´recursos´ da natureza e da interveção
tecnológica da espécie humana. Por conseqüência, nas sociedades modernas a
economia não é mais entendida em seu sentido originário, como gestão racional da
escassez, mas como a ciência do crescimento ilimitado”352 e, portanto, divorciada de
outos valores que não o da linguagem da economia, como o custo de investimento,
o retorno e a maximização dos recursos. Sob essa ótica o desenvolvimento
sustentável converteu-se num campo político em que se expressam diversas
estratégias pela reapropriação da natureza, calcadas na reapropriação econômica
que reduz o valor dos recursos e serviços ambientais da natureza aos seus valores
crematísticos e, no outro extremo, abre-se a via de reapropriação através da
destinação de significados culturais e sociais à natureza.353 Nessa visão a
sustentabilidade do desenvolvimento não pode estar baseada nos atuais conceitos
neoliberais ambientais, mas na construção de sociedades sustentáveis fundadas em
condições de renovação e produção dos recursos naturais com foco no próprio
homem, levando em conta a igualdade social, a diversidade cultural e a criatividade
das pessoas e povos, não como algo apropriável economicamente, mas como uma
riqueza que deve ser mantida e desenvolvida. Nos dizeres de Leff, “a racionalidade
ambiental rompe, dessa maneira, com a hegemonia do mercado, revalorizando a
diversidade ecológica e cultural como base para a construção de novos sentidos
existenciais e uma convivência mais harmônica dos homens com a natureza”.354
A posição de Leff, acima aludida, não se afasta da análise de Ignacy
Sachs, no sentido de que não se deve exigir uma escolha entre “crescimento e
qualidade do meio ambiente, mas sim em tentar harmonizar objetivos
socioeconômicos e ambientais, mediante a redefinição das modalidades do
crescimento e da utilização dos recursos”.355 É preciso que o processo produtivo
leve em consideração a complexidade e riqueza das redes relacionais sociais, pois a
“sujeição da razão às normas da racionalidade econômico-tecnológica e aos efeitos
da racionalização gerada pela razão do poder levam à perpetuação do modelo
econômico atual de exploração e à globalização”356. O que se busca é, na verdade,
“uma crítica à ideologia do progresso, aos limites dessa racionalidade, inclusive à
objetivação do mundo através da ciência”, pois a “racionalidade econômica não vem
somente superexplorando a natureza, vem exterminando visões alternativas do
mundo, a diversidade cultural”357, devendo buscar-se “um saber que possa integrar
as disciplinas do conhecimento na explicação de sistemas socio-ambientais
complexos”358 que “excede as ciências ambientais e abre-se ao terreno dos valores
éticos, dos conhecimentos práticos e dos saberes tradicionais”359.
O que em síntese propõem tanto a racionalidade ambiental quanto a
ecossocioeconomia é a fixação de um novo paradigma calcado não somente na
visão economicista, de domínio da tecnologia e da ciência como forma única de
vida, mas outro desenvolvimento, nas palavras de Ignacy Sachs, mais
“autoconfiante e autocentrado do ponto de vista econômico, voltado para a
satisfação das necessidades básicas e ambientalmente corretas”.360
Sob essa nova ética empreendedora não se abriria mão da
necessidade de produção e desenvolvimento como condição de atendimento às
demandas da sociedade moderna, mas implantando uma nova racionalidade
ambiental o homem e suas inter-relações sociais com os demais agentes sociais e
povos, sua riqueza cultural e histórica, seus modos de vida e costumes, sua
criatividade e potencialidade, não seriam ignoradas pelos modelos impostos de cima
para baixo pelos países desenvolvidos detentores do capital e do domínio do
mercado. Nessa nova ordem o homem passa a ser o centro de tudo e, neste
prisma, a preocupação com o meio ambiente, inclusive o do trabalho, toma relevo.
Somente assim se poderia cumprir os princípios 1 e 8 aprovados na Declaração de
Estocolmo, de 1972, aprovada na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente
Humano:

Princípio 1: O homem tem direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao


desfrute de condições de vida adequada, num ambiente que esteja em
condições de permitir uma vida digna e de bem-estar; tem ele a grave
responsabilidade de proteger e melhorar o ambiente para as gerações
presentes e futuras. Princípio 8: O desenvolvimento econômico e social é
essencial para assegurar um ambiente de vida e de trabalho favoráveis ao
homem e para criar condições necessárias à melhoria na qualidade de
361
vida.

Aplicando-se os conceitos de racionalidade ambiental e de


ecossocioeconomia, restaria inviável se criar um ambiente do trabalho inadequado,
sob a ótica exclusiva da racionalidade econômica, pois se estaria ignorando os
enormes potenciais humanos internos, como hoje ocorre, já que o “direito ao
trabalho – à perspectiva de ganhar decentemente a vida – representa um dos mais
fundamentais dentre todos os direitos humanos”362, sendo impensável que, na busca
de tão basilar fundamento, o homem e a riqueza que traz ínsita em si continuem
sendo considerados como mais um elemento do processo produtivo dentro da visão
única de uma racionalidade econômica imposta pelo atual modelo de produção
globalizado.
Nesse contexto de racionalidade ambiental, o processo produtivo
não pode desprezar o relevante papel social que possui, por exemplo, na questão da
inclusão social, assunto que será abordado no próximo tópico.

3.2.3 Inclusão social

Levando-se em consideração a importância das empresas no mundo


pós-moderno, conforme já destacado, e a esperada função social que elas devem
desempenhar na sociedade contemporânea, em que o homem, mais do que nunca,
depende de seu trabalho não só como meio de subsistência, mas como forma de
auto-realização e identidade social, não se pode imaginar que caiba somente ao
Estado o cumprimento do papel de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais” (inc. III do art. 3º da CF/88) e de promover o
bem de todos (inc. III do art. 3º da CF/88), já que, como um dos principais agentes
sociais pós-modernos, espera-se das empresas muito mais do que uma visão
privatística de busca pura e simples do lucro. Dentre as muitas formas de
dignificação do ser humano e de inclusão ao seio da sociedade, o trabalho se
sobressai como a que pemite que o indivíduo, não como um favor Rei, mas pelos
seus próprios méritos, se integre à sociedade produtiva e participe do cíclo virtuoso
que a atividade empresarial pode gerar. Por meio do trabalho se garante a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, dado o valor social do trabalho (artigo 1º,
inc. II, III e IV da CF/88), o que permite o cumprimento dos objetivos fundamentais
da República do Brasil (art. 3º, CF/88) como a construção de uma sociedade livre,
justa e solidária (inc. I), que se funda na valorização do trabalho humano (art. 170,
caput, CF/88).
Todavia, não se pode admitir que essa inclusão seja norteada
exclusivamente pela ética do discurso, usando a concepção de Max Weber, mas de
inclusão efetiva, pois “o empresariado pode contribuir de forma positiva com o
desenvolvimento sustentável por construir uma agenda de intervenções com
objetivos amplos, que levem em consideração a defesa e a proteção dos recursos
naturais, das bases da economia e dos aspectos que se referem ao social.”363
Assim, não se pode considerar que qualquer emprego seja capaz de realizar a
desejada inclusão social, mas de um emprego cidadão, que tenha potencial efetivo
de desenvolvimento das habilidades humanas daquele indivíduo. O que se tem visto
é que Estados e Municípios têm desenvolvidos esforços no sentido de atrair
empreendimentos, concedendo infra-estrutura e incentivos fiscais como política de
desenvolvimento social e econômico, mas como bem observa Ignacy Sachs:

O crescimento pode ser considerado uma condição sem dúvida necessária,


mas de maneira alguma suficiente, do desenvolvimento. Dependendo das
circunstâncias, pode conduzir ao desenvolvimento ou ao mau
desenvolvimento, em função dos seus impactos sobre a qualidade de vida
da população. O crescimento pode coexistir com a desigualdade social,
reproduzindo um processo histórico conhecido: esta pode ser considerada
uma solução sem dúvida possível para os países em processo de
industrialização, mas uma solução que conduz ao mau desenvolvimento,
que beneficia apenas uma pequena minoria e marginaliza o restante da
população. Torna-se portanto ilusório esperar que uma estratégia a ser
implementada em duas etapas – primeiro o crescimento, e depois a
igualdade – possa vir a satisfazer por muito tempo as aspirações das
massas pobres do Terceiro Mundo de terem acesso rápido às condições de
364
vida decentes.

É inconcebível que, sob o argumento de que uma centena de


empregos serão gerados, o poder público abra mão de seu papel fiscalizador das
condições físicas, ergonômicas e psicossociais de tais postos. Trata-se de visão
estreita, pois um empreendimento inadequado pode gerar um passivo ambiental e
social incalculável, cabendo à toda a sociedade e em especial ao poder público local
arcar com os custos daí advindos. Assim, mesmo sob a ótica da racionalidade
econômica vigente, que analisa custo x benefício, referido proceder é inconcebível.
É preciso romper com o dicurso reinante de que basta a geração de emprego e
renda como fator de inclusão social. Antes é preciso se questionar que tipo de
emprego e que volume de renda se pretende gerar com referido emprendimento, e
que forma de inclusão social se pretende fazer. Se, como foi visto anteriormente, até
os bancos e agentes financeiros estão avaliando os riscos sociais e ambientais dos
créditos, o poder público não pode se omitir em efetuar a mesma e ainda mais
criteriosa avaliação, pois não estarão em jogo somente volume de recursos
financeiros empresatados, mas vidas humanas que merecem o tratamento que a
Constituição da República lhes destinou.
Se o direito ao meio ambiente, incluindo o do trabalho, é um direito
fudamental, como foi visto, a função social da empresa na inclusão social por meio
do trabalho só ocorrerá se o fizer dentro de uma ótica de uma sadia qualidade de
vida.
CONCLUSÃO

O conceito de direito de propriedade foi um dos que mais evoluiu no


Direito nos últimos séculos, até chegar à visão atual, que preconiza, tanto no plano
constitucional como no infraconstitucional, uma função social inerente à própria idéia
de propriedade privada. Passou-se a encará-la como um poder-dever, pelo qual o
atendimento à sua função social é inerente ao próprio direito do proprietário em
deter a coisa. Os influxos dos valores humanísticos da Constituição Federal
acabaram influenciando o Código Civil de 2002, quebrando a até então eterna
dicotomia público x privado, levando a uma visão que se passou a chamar de
“constitucionalização do direito privado”. Dentro dessa nova visão, a propriedade
privada não pode mais ser encarada como direito absoluto, oponível contra tudo e
contra todos, tão ao gosto da ideologia liberal, vencedora na Revolução Francesa e
expressa no Código Napoleônico que influenciou o pensamento jurídico de quase
todo o Ocidente até recentemente. Essa alteração de rumo trouxe a discussão se a
função social exigível da propriedade privada também o seria à empresa. Concluiu-
se que sim, não só porque a empresa é detentora de bens de produção, que são
propriedade em sua gênese, mas também pelo fato de se constituir através de
contrato quando a mão-de-obra, indispensável no empreendimento empresarial,
também é contratada através de contrato, sendo que este possui função social
expressa no Código Civil. Ademais, na análise do papel fundamental que as
empresas desempenham no mundo moderno, não se poderia mais admitir que um
dos principais atores sociais da pós-modernidade pudesse continuar agindo
somente sob a estreita visão de um objetivo: o lucro. Assim, passou-se a entender
que a empresa também possui uma função social que lhe é inerente. E no exercício
dessa função social, tendo em vista que o trabalho possui valor social, tal qual lhe é
atribuído pela Constituição Federal, haveria de se perquirir sobre o atendimento,
pelo particular, dos direitos fundamentais que a Carta Política outorgou aos
trabalhadores, dentre os quais o direito a um meio ambiente do trabalho equilibrado.
Para tanto, a tutela do meio ambiente do trabalho, como direito fundamental de cada
trabalhador e de cada cidadão, foi feita a partir dos comandos da Carta Política, sem
que haja prevalência de um sobre o outro. Isso quer dizer que se de um lado tem-se
uma ordem econômica marcada pela valorização da livre iniciativa, no mesmo
patamar essa ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano
(artigo 170 da CF) para que ambos, livre iniciativa (capital) e o trabalho humano
(trabalho) possam juntos construir uma sociedade igual, justa e fraterna (preâmbulo
da CF/88).
Para que isso seja possível, o Constituinte elegeu como
fundamentos do Estado Democrático de Direito a cidadania, a dignidade da pessoa
humana, o valor social do trabalho (artigo 1º, incisos II, III e IV da CF), exigindo que
o capital, no exercício de sua livre iniciativa (artigo 170 da CF), realizasse o poder-
dever de dar à propriedade uma função social (inciso III do artigo 170 da CF).
O papel das Resoluções da OIT – Organização Internacional do
Trabalho – foi analisado, seja pela sua incorporação no ordenamento nacional, seja
como fonte do Direito do Trabalho, mesmo naquelas resoluções que não foram
ratificadas pelo Brasil, como normas que ditam as tendências internacionais de
proteção e que inspiram os legisladores à produção de Normas Regulamentadoras e
demais Leis Ordinárias e Constituições Estaduais, a adoção de patamares mínimos
que visam a dar ao trabalhador condições mínimas de segurança e bem-estar, como
condição básica de reconhecimento de sua cidadania. Não se pode, todavia, falar
em cidadania, em dignidade da pessoa humana e em valor social do trabalho, se
condições adequadas para sua realização não forem garantidas. Não se pode dizer
que um trabalhador seja cidadão se diariamente seus direitos fundamentais são
violados pelo seu empregador ou pelos colegas de trabalho, sem que tenha meios
de se opor contra tal injustiça. Não se pode dizer que o trabalhador esteja sendo
tratado com a dignidade que todo ser humano possui se o seu ambiente de trabalho
lhe causa doenças ocupacionais, muitas vezes fruto de anos de exposição a
condições insalubres, periculosas, penosas ou anti-ergonômicas. Não se pode,
tampouco, falar que está sendo reconhecido o valor social de seu trabalho se o
trabalhador não recebe o treinamento necessário para realizar a sua função, se os
equipamentos que opera não possuem a proteção coletiva capaz de evitar uma
amputação ou a sua morte, pelo simples fato de que os que possuem referidos
dispositivos são mais caros e que isso implicaria em aumento do custo de produção.
Nesse sentido é mister que o discurso hegemônico da racionalidade econômica dê
lugar a uma nova ética de racionalidade ambiental, na qual o homem não seja visto
como mais um componente do custo de produção, mas, sim, dentro do complexo
que representa, de conhecimento, valores, individuais e de toda a sua coletividade,
com suas crenças, histórias, valores e criatividade.
Tão importante quanto a tutela do ecossistema, da Amazônia ou do
globo terrestre, é a tutela do ser humano, pois afinal é ele o destinatário de todo o
esforço produtivo. É para o homem que bens, serviços e tecnologia são produzidos,
o que só é possível a partir de uma visão de economia além da linguagem de
mercado, ou seja, é preciso a visão de uma ecossocioeconomia.
Assim, se a Constituição Federal garante a todos o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, e impõe
ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações (art. 225, caput), está estendendo a todos, tanto o
direito quanto o dever, e esse dever não tem como destinatário só o Estado, mas
toda a coletividade, incluindo aí, obviamente, as empresas.
Imaginar que se está dando efetividade aos valores fundamentais da
cidadania, da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho sem que se
garanta um meio ambiente do trabalho sadio é não realizar referidos comandos.
Nesse quadro, é impossível não se vislumbrar que as empresas assumiram papel de
relevo na sociedade, e que por meio do trabalho as pessoas se realizam, sentem
que são cidadãs, sentem que possuem valor, sentem-se dignas. Por essa razão a
tutela do meio ambiente do trabalho, direito difuso fundamental, deve ser efetivada
com políticas públicas pelo Estado, que visem ao tratamento adequado do mesmo,
como única forma de realizar os valores fundamentais que a própria Constituição, já
em seu preâmbulo, elegeu: sociedade igual, justa e fraterna.
A sustentabilidade do empreendimento deve ser focada não só pela
visão globalizante de produção, competição em escala mundial, produtividade e
competitividade global, linguagem racional econômica que domina os dias atuais,
mas também numa visão de endo-sustentabilidade, que privilegie o capital humano
como algo indispensável ao processo produtivo e para quem todo o esforço humano
é direcionado. Os riscos à sustentabilidade empresarial, ainda que sob o enfoque
exclusivamente econômico, são enormes, já que a tendência é a de adoção de sua
responsabilização civil objetiva aos danos causados aos seus empregados e à
sociedade, relacionados à poluição do meio ambiente do trabalho, cujas cifras têm
atingido patamares elevadíssimos, sejam nos dissídios individuais, sejam em ações
coletivas.
Se é através do trabalho que a maior parte da humanidade têm
acesso aos bens de consumo e serviços, ele deve propiciar a essas pessoas
condições mínimas de que a sua inclusão social se dê de tal forma a lhe reconhecer
a dignidade como pessoa humana e a lhe conferir a desejada cidadania. Se o
trabalho é tão fundamental para a sociedade contemporânea, ele deve ser tutelado e
receber igual ou maior proteção que o meio ambiente natural tem recebido, e isso só
pode ser atingido com a efetiva participação dos agentes sociais e da
conscientização do meio empresarial da necessidade de mudança de rumo, do
rompimento do paradigma neoliberal para uma visão mais humana, pela qual o
homem passe a ser a medida de todas as coisas. Por essa razão é que as
empresas devem cumprir a função social que lhes é exigida quando da criação, da
manutenção e no desenvolvimento de um meio ambiente do trabalho sadio às
presentes e futuras gerações de trabalhadores e a toda sociedade.
INTRODUÇÃO

A dissertação de mestrado resulta de investigação sobre o processo de


garantia de direitos sociais relacionados à saúde do trabalhador no âmbito da
previdência social, em Goiânia-GO, no período de 2009-2012. Dessa forma,
destacam-se elementos relevantes para análise das categorias trabalho, saúde do
trabalhador e previdência social.
A escolha da temática, saúde do trabalhador e garantia dos direitos sociais:
acidentes e doenças relacionadas ao trabalho na previdência social deve-se à
experiência como coordenadora técnica do Serviço Social da Gerência Executiva do
Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), em Goiânia, no período de abril/2004 a
maio/2008, responsável pelo desenvolvimento de ações do Projeto Saúde do
Trabalhador, com enfoque no acidente e doenças relacionadas ao trabalho.
Durante o período de realização e acompanhamento das atividades do projeto
e, também, dos atendimentos realizados pelo Serviço Social nas agências da
previdência social (APSs), foi possível apreender os desafios enfrentados no INSS
para garantir aos trabalhadores/segurados, em especial, o reconhecimento do “nexo
causal”1 entre trabalho executado e acidente/doença. Outro desafio refere-se às
polissêmicas interpretações legais no âmbito da previdência social que interferem na
garantia dos direitos sociais.
Constitui objetivo geral desse estudo a análise da dimensão do trabalho, a
saúde do trabalhador e a garantia dos direitos sociais na previdência social. Os
objetivos específicos afirmam-se com a intenção de desvelar a relação capital-
trabalho e suas configurações no século XXI, buscando apreender o processo
histórico, a legislação e o programa saúde do trabalhador, analisar os dados sobre
os acidentes e doenças relacionadas ao trabalho registrado na agência da
previdência social Goiânia-Centro.
As reconfigurações do mundo do trabalho inferem na vida e na saúde do
trabalhador e diversificam as demandas que tencionam o Serviço Social da
previdência.
O cotidiano profissional possibilitou conhecer e problematizar as inúmeras
demandas apresentadas pelo segurado da previdência social no que se refere à
busca de atendimento e a garantia do acesso aos benefícios acidentários.
Estudar a saúde do trabalhador e a garantia dos direitos sociais na
previdência social, com enfoque nos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho,
tornou-se relevante para possibilitar o adensamento e organização dos dados
pesquisados e informações sobre a temática em Goiás.
Analisar a relação trabalho, saúde do trabalhador e direitos sociais na
previdência social implica desvelar a relação capital/trabalho, em que o trabalhador
se reduz a mera mercadoria. O capital exerce o poder de dominação sobre o
trabalho que se apresenta de forma coercitiva, uma vez que o trabalhador trabalha
para além do necessário para garantir a sua sobrevivência (MARX, 2012). Na
atualidade, o processo de reestruturação produtiva recria mecanismos de
exploração do trabalhador e aumenta as desigualdades sociais entre os donos dos
meios de produção e o trabalhador como potencial produtivo. Nesse sentido, o
capital altera o modo de produção capitalista com base na produção flexível e na
flexibilização das relações de trabalho (ANTUNES, 2010).
Tais alterações inferem na vida e na saúde do trabalhador, em decorrência
das reconfigurações do mundo do trabalho, que priorizam os contratos temporários,
parciais, terceirizados, com a máxima exploração do trabalhador, à medida que se
intensificam os ritmos de trabalho, as extensas jornadas de trabalho e à redução de
salário. Neste contexto de desregulamentação do trabalho, o capital suga e submete
os trabalhadores a condições precárias no trabalho, tornando-se suscetíveis a
acidentes e desenvolvimento de doenças relacionadas ao trabalho (ANTUNES,
2010).
Com a reestruturação produtiva a relação-capital-trabalho fundamenta-se
“novas” formas de gestão empresarial, com a exigência de qualificação profissional e
inserção do trabalhador em atividades técnicas, polivalentes e alienantes
(ANTUNES, 2010).
Na contradição entre capital-trabalho, expressa em determinantes
econômicos, sociais, políticos e culturais, os trabalhadores enfrentam
cotidianamente os desafios para acessar os direitos sociais previstos em lei, a
exemplo dos segurados da previdência social. Neste sentido, este estudo guiou-se
pela indagação – quais os determinantes que inferem na garantia dos direitos
relacionados à saúde do trabalhador e ainda, no retardamento no acesso ao direito
social do segurado que pleiteia o auxílio-doença por acidente de trabalho.
A pesquisa é bibliográfica e documental, de natureza qualitativa, pois ocorre a
apropriação de elementos vivenciados e comprovados pela pesquisadora em sua
atividade profissional. As principais categorias apreendidas durante a pesquisa
foram: trabalho, saúde do trabalhador e política social pública. Para fundamentar tais
categorias, foram utilizadas obras de autores clássicos como Marx (2010; 2012),
Antunes (1999; 2006; 2010), Lopes (1997; 2012), Mota (2009) e Bravo (2010).
Os procedimentos metodológicos utilizados na presente dissertação
contemplam estudo teórico e documental, revisão bibliográfica, leitura de
dissertações de mestrado e teses de doutoramento disponíveis na biblioteca da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás), dentre outros.
A pesquisa referente aos processos físicos realizou-se no arquivo da Agência
da Previdência Social Goiânia-Centro por meio de fontes secundárias, mediante
consulta de solicitação de benefícios no Sistema de Agendamento da Previdência
Social, referida como Agenda SAE e no Sistema Único de Benefício (Suibe).
Os dados estatísticos sobre acidente do trabalho e doenças do trabalho foram
coletados no Sistema de Dados da Previdência Social (Dataprev), Anuário
Estatístico da Previdência Social e Sistema Único de Benefício (Suibe)
Realizou-se revisão bibliográfica e documental da legislação básica da
previdência: Constituição Federal de 1988, Leis no 8.213/1991, no 8.212/1991,
Decreto 2.172 de 05 de março de 1997, Decreto no 3.048/1999, Lei no 11.430/2006,
Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), Computador Central da
Previdência Social (CV3), Conexão com o Computador Central da previdência Social
(Plenus IP CV3), Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade (Sabi) e
Sistema de Atendimento Especializado (SAE).
O trabalho estrutura-se em três capítulos. O primeiro capítulo apresenta a
discussão sobre a relação capital-trabalho: força de trabalho como mercadoria,
exploração do trabalho, mais-valia e trabalho alienado. Discorre-se, ainda, sobre o
desenvolvimento do sistema capitalista e sua relação de dominação sobre o trabalho
e as transformações nas relações de produção e suas consequências sobre o
mundo do trabalho que inferem para o adoecimento do trabalhador no trabalho.
O segundo capítulo refere-se a seguridade social e à ampliação das políticas
de proteção social, e ainda, os mecanismos criados pelo capital em defesa da
redução do papel do Estado com objetivo de limitar o acesso dos trabalhadores aos
direitos sociais. Analisam-se os aspectos determinantes no processo saúde no modo
de produção capitalista, e ainda, apresentou-se o processo histórico da saúde e a
legislação sobre a saúde do trabalhador.
O terceiro capítulo aborda a construção da previdência social como política
social e a relação com o trabalho, em um contexto de desregulamentação dos
direitos trabalhistas, bem como a exigência de trabalho assalariado como condição
para o acesso à proteção previdenciária. E ainda, trata da legislação previdenciária
que regulamenta o acidente de trabalho como garantia de acesso aos direitos
sociais – “benefícios” acidentários e outros, por meio da análise da pesquisa
documental – comunicação de acidente de trabalho, processos físicos, programa
informatizado da previdência social.
CAPÍTULO I

O TRABALHO NA SOCIEDADE CAPITALISTA

O presente capítulo discorre sobre a relação capital e trabalho, força de


trabalho como mercadoria, trabalho alienado/estranhado, exploração do trabalho e
extração da mais-valia. Na sequência, apresentar-se-ão as configurações do mundo
do trabalho na sociedade capitalista, com ênfase aos modos de produção capitalista
e ao processo de reestruturação produtiva e às implicações no trabalho assalariado
no contexto do padrão de acumulação flexível do capital.
As discussões apresentadas neste texto contribuem para reflexão do objeto
de estudo desta dissertação – a saúde do trabalhador e a garantia dos direitos
sociais na previdência social – com enfoque nos acidentes e doenças relacionadas
ao trabalho no âmbito da Agência da Previdência Social Goiânia- Centro no período
de 2009 a 2012.

1.1 Relação capital e trabalho

O homem, por meio do trabalho, relaciona-se com a natureza e desenvolve


ações que requerem mediação, regulação e controle da sua inter-relação material
com a natureza. Por intermédio do trabalho consciente, o homem transforma e
domina a natureza, modificando os outros homens e a si mesmo (MARX, 2012).
Trata-se de atividades garantam a sobrevivência do homem, de forma consciente e
livre, revelando o caráter genérico do homem. A vida genérica para o homem
consiste no domínio da natureza inorgânica para garantia da sobrevivência. A
universalidade do homem ocorre “na universalidade que faz da natureza inteira seu
corpo inorgânico, tanto na medida em que ela é um meio de vida imediato, quanto
na medida em que é o objeto maior e o instrumento de sua atividade vital”. Assim, “a
natureza é o corpo inorgânico do homem, mas ela mesma não é corpo humano”
(MARX, 2010, p. 84).
O homem estabelece uma relação contínua com a natureza para atendimento
de suas necessidades. Por isso, a vida física e mental permanece interconectada
com a natureza que se encontra relacionada consigo mesmo, já que o homem é
parte da natureza. Dessa forma, o trabalho constitui-se em uma estratégia para
satisfação das necessidades humanas, no entanto, diferentemente do animal que
produz para satisfazer uma carência física, sua produção independe da necessidade
(MARX, 2010).
Nessa concepção, o trabalho é a atividade vital do ser humano e se constitui
em objeto da vontade e consciência do homem. O objeto do trabalho torna-se
concreto por meio da ideação e do desejo do homem, diferentemente dos animais
que realizam o trabalho de forma instintiva, pois

o homem imprime ao material o projeto que tinha conscientemente em mira,


o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de
subordinar sua vontade. Essa subordinação não é um ato fortuito (MARX,
2012, p. 212).

O trabalho condiciona-se à vontade de quem o realiza, e ainda, é orientado


por uma finalidade que exige atenção durante o processo de realização. Assim, o
interesse ou atração do trabalhador na efetivação de uma tarefa pode possibilitar
fruição ou não das próprias forças físicas e espirituais.
O trabalho do homem está condicionado a uma atividade adequada a um fim,
isto é, o próprio trabalho, a matéria a que se aplica o objeto, os meios e o
instrumental de trabalho. O desenvolvimento do trabalho, atividade desenvolvida
pelo homem por meio do instrumental de trabalho, orienta-se para uma
transformação direcionada para um fim, para chegar ao objeto, à conclusão do
produto. Assim, o objeto produzido constitui-se um valor de uso, fabricado com
matéria-prima, extraído da natureza para atender as necessidades do homem, e “o
que se manifestava em movimento, do lado do trabalhador, se revela agora
qualidade fixa, na forma de ser, do lado do produto. Ele teceu, e o produto é um
tecido” (MARX, 2012, p. 215).
O processo de trabalho em seus elementos simples e abstratos tem a
finalidade de criar valores de uso, de extrair da natureza a matéria-prima para o
atendimento das necessidades humanas. Desse modo, o trabalho é comum a
diferentes formas sociais, e de um lado, encontra-se o homem seu trabalho e de
outro, a natureza e os recursos naturais (MARX, 2012).
O trabalho como consumo da força de trabalho pelo capitalista apresenta dois
fenômenos característicos: a força de trabalho pertence ao capitalista, assim o
trabalhador exerce o trabalho sob o domínio do dono do capital que fiscaliza para
que o trabalho se realize de forma apropriada, com adequada utilização dos meios
de produção, sem desperdício de matéria prima e menos desgaste do instrumental
de trabalho (MARX, 2012).
Outro fenômeno característico do processo de trabalho que ocorre durante o
processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista é o fato de que o produto
pertence ao capitalista, e não ao trabalhador. O capitalista remunera a força de
trabalho e a utiliza como qualquer mercadoria. O uso da mercadoria pertence ao
capitalista, o trabalhador possui somente a força de trabalho e ao vendê-la, cede ao
comprador a utilização do valor de uso. Ao comprar a força de trabalho, o capitalista
incorpora o trabalho vivo aos elementos mortos constitutivos do produto. Para o
capitalista, o processo de trabalho é somente o consumo da mercadoria por ele
adquirida e que consumo da força de trabalho ocorre à medida que se lhe adicionam
meios de produção (MARX, 2012).
Nesse sentido, “o processo de trabalho é um processo que ocorre entre
coisas que o capitalista comprou, entre coisas que lhe pertencem. O produto desse
pertence-lhe do mesmo modo que o produto do processo de fermentação em sua
adega” (MARX, 2012, p. 219-220). A produção do capital ocorre com a mercadoria
que se apresenta como valor de uso. A mercadoria é uma unidade de valor de uso,
e o valor e a produção de mercadoria passam pelo processo de trabalho.
A produção de mercadoria constitui o alicerce para o desenvolvimento social,
contudo, vale lembrar que o capitalista produz determinadas mercadorias, como por
exemplo, calçados, mas não os fabricam por amor aos calçados, mas por ser e se
tratar de material que detém valor de troca. De um lado, o capitalista quer produzir
um valor de uso com valor de troca, destinado à venda, isto é, uma mercadoria. De
outro lado, quer produzir mercadoria de valor mais alto que a soma do valor das
mercadorias necessárias para produzi-la: trata-se de meios de produção mais a
força de trabalho para os quais o capitalista investiu seu dinheiro para a produção da
mercadoria. (MARX, 2012).
A mercadoria como valor de uso implica, portanto sua destinação social por
meio da troca. As mercadorias como valor de uso representam o valor material da
riqueza. As coisas só têm valor se forem úteis e consideradas mercadorias se
possuírem valor de uso e valor. Conforme Marx (2012), “o valor de toda mercadoria
é determinado pela quantidade de trabalho materializado em seu valor de uso, pelo
tempo de trabalho socialmente necessário à sua reprodução” (MARX, 2012, p. 220),
o que significa que o valor de troca ocorre com o confronto das mercadorias na troca
que transforma o valor de troca em dinheiro.
A conversão do dinheiro em mercadoria constitui-se em material de novo
produto, inserindo nesse processo a incorporação da força de trabalho vivo. O
dinheiro é uma mercadoria universal, encontra-se disponível para ser trocado por
qualquer outra mercadoria e pode ser revertido em diversas moedas nacionais. A
diferença entre o processo de produção de valor e produção de mais valia consiste
no prolongamento das horas de trabalho para além do necessário, envolve meios de
produção e força de trabalho. Nesse processo, considera-se o tempo de que o
trabalhador necessita para desenvolver o trabalho com a utilização da força de
trabalho de forma útil. Deste modo,

as mercadorias que entram no processo de trabalho não são mais vistas


como elementos materiais da força de trabalho, adequadas aos fins
estabelecidos e com funções determinadas. São consideradas quantidades
determinadas de trabalho materializado. Contido nos meios de produção ou
acrescentado pela força de trabalho, só se computa o trabalho de acordo
com a duração, em horas, dias, e assim por diante (MARX, 2012, p. 228-
229).

A diferença que se apresenta, “por meio da análise da mercadoria, entre o


trabalho que produz valor de uso e o trabalho que produz valor se manifesta em de
dois aspectos distintos do processo de produção” (MARX, 2012, p. 230). Quando a
produção envolve processo de trabalho, bem como produção de valor, considera-se
produção de mercadorias, mas quando envolve o processo de trabalho e produção
de mais-valia, torna-se produção capitalista de mercadorias (MARX, 2012).
Na criação da mais-valia, não interessa ao capitalista se o trabalho do qual
ele se apropria seja “trabalho simples, trabalho social médio, ou trabalho mais
complexo, de peso específico superior” (MARX, 2012, p. 230). Para Marx (2012), no
confronto entre trabalho social, médio e trabalho superior (complexo), o custo para
formação da força de trabalho deste último é maior, por isso, o valor da força de
trabalho torna-se mais elevado. Contudo, a utilização do trabalho superior na
produção de valor pode ser reduzida ao trabalho social médio. Portanto, pode o
capital empregar o trabalhador para realizar o trabalho simples e também trabalho
social médio.
Os inúmeros elementos constitutivos do processo de trabalho desenvolvem
diferentes funções na formação do valor dos produtos. O trabalhador, por meio do
acréscimo de certa quantia de trabalho adiciona ao objeto de trabalho novo valor e
os valores e os meios de produção utilizados na forma de consumo podem
reaparecer como partes integrantes do valor do produto. Deste modo,

o acréscimo de valor novo ao material de trabalho e a conservação dos


valores antigos ao novo produto são dois resultados totalmente diversos
produzidos pelo trabalhador ao mesmo tempo, embora execute somente um
trabalho. A dupla natureza do próprio trabalho determina a dupla natureza
de seu produto. Isto é, ao “mesmo tempo, em virtude de uma propriedade,
seu trabalho tem de criar valor e, e em virtude de outra conservá-lo, ou seja,
transferi-lo (MARX, 2012, p. 235).

No desenvolvimento do trabalho, utilizam-se meios de produção e, à medida


que se perde o valor de uso, ele é readquirido no valor de uso de outro produto.
Nessa relação, estão presentes as alterações das condições materiais e também
objetivas de trabalho. O trabalho destinado a um fim mantém valor dos meios de
produção e os transfere para o produto e em cada momento de sua operação,
constituem-se valor adicional, valor novo, valor agregado. Dessa forma, as
mercadorias contêm o valor do investimento para a compra dos meios de produção,
a força de trabalho, acrescida de da mais-valia. As mercadorias comercializadas
transformam-se em dinheiro e se convertem em capital, que se repete de forma
cíclica no processo de reprodução simples do capital e se apresenta em escala
ampliada e acumulação de mais-valia (MARX, 2012).
O capital constante corresponde à parte do capital destinado à aquisição dos
meios de produção (matéria-prima, equipamentos, meios de trabalho, dentre outros).
O capital variável é o valor utilizado pelo capital para comprar a força de trabalho e
resulta da ampliação da produção do capital. Nesse sentido, o capital, além de
reproduzir o próprio equivalente, estimula a produção do excedente, a mais-valia. No
processo de produção o capital investe determinada quantia em dinheiro para
aquisição dos meios de produção, e outra parte na força de trabalho. Durante o
processo de trabalho e na divisão social do trabalho, cada trabalhador produz um
valor para sua manutenção que, por sua vez, garante o recurso humano necessário
para a produção e reprodução das relações sociais de produção capitalista. O
trabalho excedente é apropriado pelo capital, é o sobre valor denominado mais-valia
(MARX, 2012). A jornada de trabalho é uma grandeza variável, pois varia de acordo
com a duração do trabalho excedente e ultrapassa o tempo necessário para o
trabalhador reproduzir a força de trabalho com a finalidade de garantir o próprio
sustento. Assim, a jornada de trabalho em si mesma é indeterminada, contudo
apresenta grandeza flutuante e varia obedecendo a certos limites. No modo de
produção capitalista, não há uma separação explícita entre o trabalho necessário
para prover sustento do trabalhador e trabalho excedente. Ambos confundem-se
durante o processo de desenvolvimento do trabalho (MARX, 2012).
A jornada de trabalho possui um limite máximo, pois só pode ser prolongada
até certo ponto, em decorrência de limites físicos e das condições objetivas
determinadas pelo tempo e sua mensuração em horas. Assim,

durante o dia natural de 24 horas, só pode o homem despender


determinada quantidade de força de trabalho [...]. Durante uma parte do dia,
o trabalhador deve descansar e dormir. Durante outra tem de satisfazer
necessidades físicas, alimentar-se, lavar-se, vestir-se. Além de encontrar
esse limite puramente físico, o prolongamento da jornada de trabalho
esbarra em fronteiras morais. O trabalhador precisa de tempo para
satisfazer necessidades espirituais e sociais, cujo número e extensão são
determinadas pelo nível geral de civilização. Por isso as variações da
jornada de trabalho ocorrem dentro desses limites físicos e sociais. Esses
limites são de natureza muito elásticas, com ampla margem de variação.
Encontramos jornada de trabalho de 8, 10, 12, 14, 16, e 18 horas, da mais
variada duração (MARX, 2012, p. 271).

O capitalista, ao comprar a força de trabalho, utiliza o valor de uso de


trabalho, assim o trabalhador deve trabalhar para ele durante um dia de trabalho,
que corresponde ao valor diário pago pela força de trabalho. No entanto o capitalista
tem seu próprio entendimento sobre o extremo que envolve a jornada de trabalho,
pois o “capitalista somente personifica o capital. Sua alma é o capital” (MARX, 2012,
p. 271). Nessa direção, o capital extrai a mais-valia, que se caracteriza com o lucro
do capitalista, e para tanto, se apropria o máximo possível do trabalho excedente: “O
capital é trabalho morto que como um vampiro, se reanima sugando o trabalho vivo,
e quanto mais o suga mais forte se torna” (MARX, 2012, p. 271). Assim, o capitalista
explora a força de trabalho na medida em que o trabalhador consegue exercer a
atividade laborativa.
De acordo com Marx (2012), na relação de exploração da força de trabalho
pelo capital no processo de produção, o trabalhador que estava mudo, pode, de
repente, levantar sua voz e dizer:

a mercadoria que vendo se distingue da multidão das outras, porque seu


consumo cria valor e valor maior que seu custo. Este foi o motivo que a
compraste. O que, de teu lado aparece como aumento de valor do capital é,
do meu lado dispêndio excedente de força de trabalho. Tu e eu só
conhecemos no mercado, uma lei: a troca de mercadorias. E o consumo da
mercadoria não pertence ao vendedor que a aliena, mas ao comprador que
a adquire. Pertence-te, assim, a utilização da minha força diária de trabalho.
Mas por meio de seu preço diário de venda, tenho de reproduzi-la
diariamente para poder vendê-la de novo. Pondo de lado o desgaste
material da idade, dentre outros, preciso ter amanhã, para trabalhar, a força,
a saúde e disposição normais que possuo hoje (MARX, 2012, p. 272).

A força de trabalho é uma mercadoria materializada por meio do trabalho


humano e possui natureza específica, e, por essa razão, delimita o uso da força de
trabalho. No entanto, quando o capitalista compra a força de trabalho, ele a explora
ao máximo e submete o trabalhador à extensa jornada de trabalho, e o trabalhador
luta pelo direito de limitar a duração de suas atividades a uma jornada de trabalho
compatível com os limites físicos do corpo humano. A relação entre capitalista
(comprador) e trabalhador (vendedor da força de trabalho) é contraditória, pois eles
defendem interesses opostos. A limitação da jornada de trabalho está presente na
história de luta da classe trabalhadora e se constitui em um embate entre os donos
dos meios de produção e aqueles que vivem da força de trabalho.
Em uma sociedade, em que uma parte dela detém o monopólio dos meios de
produção, o trabalhador, independentemente da condição, produz tempo de trabalho
excedente para o proprietário dos meios de produção. Mas, se a formação social de
uma sociedade tem como predominância o valor de uso do produto, o trabalho
excedente atenderá às necessidades de cada um, considerando a natureza da
produção. Na antiguidade o trabalho em excesso podia atingir limites absurdos de
horas quando apresentava risco de perda de dinheiro ou de redução de lucro para o
proprietário dos meios de produção. Portanto, o trabalho em excesso poderia levar o
trabalhador à morte, mas constituía uma exceção no mundo antigo (MARX, 2012).
De acordo com Marx (2012), nos Estados meridionais da América do Norte, o
trabalho dos negros apresentava relação patriarcal, pois as mercadorias
destinavam-se à subsistência, mas após o momento em que a produção era
destinada à exportação, intensificou-se o trabalho escravo, cuja exploração
consumia em sete anos a vida dos trabalhadores escravos que trabalhavam para
além do necessário à própria reprodução. Nesse sentido,

o trabalho excedente e o trabalho necessário se confundem. Suponha-se


que o dia de trabalho de 6 horas de trabalho necessário e 6 horas de
trabalho excedente. Nessas condições o trabalhador livre fornece ao
capitalista 6 X 6 ou 36 horas de trabalho excedente por semana. É como se
ele trabalhasse 3 dias na semana para si mesmo e os outros 3 dias
gratuitamente para o capitalista. Mas não se percebe isso à primeira vista
(MARX, 2012, p. 275).
Segundo Marx (2012), o trabalho excedente, correspondente a três dias por
semana de trabalho não resulta em nenhum acréscimo monetário para o
trabalhador, pois equivale ao trabalho semanal contratado na forma assalariada. A
ambição do capitalista pela extração da mais-valia instiga-o a prolongar a jornada de
trabalho. Qualquer tempo de trabalho excedente, seja uma hora ou cinco minutos,
resulta em lucro para o capitalista que explora trabalhador, usurpando a força de
trabalho, com a finalidade de acumulação capitalista.
Com a indústria moderna do século XVIII, a tendência do capital em prolongar
a jornada de trabalho tornou-se uma realidade, contudo, os trabalhadores ingleses
tentaram resistir à exploração capitalista, mas as conquistas obtidas não se
tornaram realidade. No período entre 1802 a 1833, o parlamento publicou cinco leis
referentes ao trabalho, mas tais leis não foram implantadas (MARX, 2012).
De acordo com Marx (2012), a legislação fabril inglesa de 1833 determinava
uma jornada de trabalho de quinze horas, com início às 5h 30m da manhã e término
às 8h 30m da noite. Em 7 de junho de 1884, surgiu a lei fabril, com vigência a partir
de 10 de setembro do referente ano, determinando a proteção às mulheres maiores
de 18 anos e estabelecendo oficialmente o controle do trabalho de pessoas adultas.
A lei de 1850 dispunha sobre o trabalho para os adolescentes e mulheres e permitia
a jornada de trabalho entre 6 horas da manhã e 6 horas da noite. Essa lei foi
complementada pela lei de 1853 que proibia a contratação de crianças pela manhã e
à noite, assim como de adolescentes e mulheres (MARX, 2012).
No processo de produção capitalista, o capital exerce o poder de dominação
sobre o trabalho, assim fornece os meios necessários para o trabalhador executar o
trabalho com dedicação e competência. Mas a relação capital e trabalho apresenta-
se de forma coercitiva, obrigando os trabalhadores a trabalharem além do
necessário para manterem a força de trabalho. O poder de dominação do capital
sobre o trabalho objetiva-se de acordo com as condições técnicas em que o capital
se encontra. O capital não opera nenhuma alteração no modo de produção. A
extração da mais-valia resulta do acréscimo do tempo de trabalho sem a
necessidade de alteração o processo de produção. O poder do capitalista sobre o
trabalho é uma relação social de exploração da força de trabalho e resta para os
trabalhadores a luta para a conquista de direitos sociais, tais como trabalho
compatível com os limites físicos e mentais do homem, salário justo, condições de
trabalho que favoreçam o desenvolvimento de atividades laborativas com segurança
à saúde dos trabalhadores.

1.2 Trabalho alienado

A condição do trabalhador no processo produtivo é a seguinte: quanto mais


riqueza produz, mais pobre se torna, o e se produzir muita mercadoria torna-se uma
mercadoria barata (MARX, 2010).
O trabalho produz mercadoria, produz a si mesmo e ao trabalhador como
mercadoria na medida em que produz mercadorias em geral. O objeto que o
trabalho produz apresenta-se como algo estranho independente do produtor. O
produto do trabalho objetiva-se no objeto, torna-se coisa, sacrifício, algo estranho e
o trabalhador não se reconhece no objeto que ele mesmo criou, pois o trabalho
efetiva-se na sua objetivação. Portanto, enquanto o “trabalho se efetiva, [...] o
trabalhador se desefetiva”. E a “objetivação se apresenta como perda do objeto e
servidão do objeto” (MARX, 2010, p. 80). Deste modo, quanto mais mercadorias o
trabalhador produzir mais estará sob o domínio do capital.
A objetivação representa a perda do objeto pelo trabalhador, sendo ele
desprovido de objetos indispensáveis à vida, bem como dos meios necessários para
desenvolver o trabalho. Assim,

a objetivação tanto aparece como perda do objeto que o trabalhador é


despojado dos objetos mais necessários não somente à vida, mas também
dos objetos do trabalho. O trabalho se torna um objeto do qual o trabalhador
só pode se apossar com os maiores esforços e com as mais extraordinárias
interrupções. A apropriação do objeto aparece como estranhamento que,
quanto mais objetos o trabalhador produz, tanto menos pode possuir e tanto
mais fica sob o domínio do seu produto, do capital (MARX, 2010, p. 81).

O trabalhador produz o objeto, mas não se reconhece nele, e o seu trabalho


transforma-se em objeto externo, alheio ao seu criador algo que está fora dele, e
apesar de o trabalhador dar vida ao objeto, ele se torna estranho ao criador. O
trabalhador necessita da natureza para criar o objeto de trabalho, por isso,
estabelece uma relação com o mundo exterior sensível. Seu trabalho efetiva-se na
natureza por meio da matéria dela extraído, e o trabalhador torna-se ativo e se
produz. A natureza oferece meios de vida, pois a existência do trabalho se relaciona
aos objetos nos quais o trabalhador exerce sua ação. Do mesmo modo, e de forma
estrita, a natureza oferece os meios de vida para o trabalhador garantir a
subsistência física. Assim, a medida que o trabalhador se apropria do mundo
externo por meio do trabalho, mais se distancia dos meios de vida de forma dupla.
De um lado, o mundo exterior sensível torna-se distante do objeto inerente ao
trabalhador, bem como um meio de vida do seu trabalho. De outro lado o mundo
exterior sensível deixa de ser um meio de vida para de atender às necessidades
imediatas do trabalhador (MARX, 2010).
A subordinação do trabalho ao capital possibilita ao trabalhador somente viver
para manutenção de sua existência física, considerando que a objetivação do
trabalho alienado retorna para o trabalhador de maneira exteriorizada e comanda a
sua forma de pensar e de agir. Isto porque o trabalho alienado supervaloriza a
criatura (objeto) em detrimento daquele que o criou. Por isso, o produto do trabalho
torna-se estranho ao trabalhador e a construção social desse processo contribui
para a alienação do trabalhador em relação a ele mesmo. O objeto do trabalho
constitui condição necessária para a existência do trabalhador como sujeito físico. A
subordinação ao objeto do trabalho determina as condições para sua existência
como sujeito físico e como trabalhador.
O estranhamento do trabalhador no seu objeto expressa-se,

pelas leis nacionais-econômicas, em que quanto mais o trabalhador produz,


menos tem para consumir; que quanto mais bem formado o seu produto,
tanto mais deformado ele fica. E ainda, quanto mais civilizado é o seu
objeto, mais bárbaro o trabalhador se torna (MARX, 2010, p.82).

O capital não reconhece a relação entre o trabalhador e a produção, por isso,


camufla a alienação na essência (particularidade) do trabalho. O capital submete o
trabalhador aos seus interesses, mediante o pagamento de salário pelo seu
trabalho, mas o salário recebido não lhe permite adquirir muitos dos produtos que
produziu. Quase sempre, o objeto como resultado do trabalho pertence ao patrão e
aos ricos. Evidencia-se, assim, a relação contraditória entre capital e trabalho que se
caracteriza pela exploração da força de trabalho, pois o trabalhador produz objetos
para garantir o bem-estar daqueles que detêm os meios de produção. O capital
supervaloriza o mundo exterior (produção de objeto) em detrimento do mundo dos
homens, e nesse processo, o que importa é a produção do objeto. Deste modo,

o trabalho produz maravilhas para os ricos, mas produz privação para o


trabalhador. Produz palácios, mas cavernas para o trabalhador. Produz
beleza, mas deformação para o trabalhador. Substitui o trabalho por
máquinas, mas lança uma parte dos trabalhadores de volta a um trabalho
bárbaro e faz da outra parte máquinas. Produz espírito, mas produz
imbecilidade, cretinismo para o trabalho (MARX, 2010, p. 82).

O trabalhador estabelece uma relação de estranhamento com o objeto do seu


trabalho, que está presente no ato da produção, na atividade produtiva, sendo o
objeto um resumo da produção que representa a exteriorização do trabalho.
Considera-se que a produção é a exteriorização ativa. O trabalho constitui condição
indispensável para a sobrevivência do trabalhador, razão pela qual ele se submete à
dominação do capital, e é obrigado a adaptar-se às condições impostas pelo patrão.
Assim, o trabalho não faz parte da natureza do trabalhador, não pertence ao seu ser,
tornou-se somente um meio para garantir a manutenção das suas necessidades
básicas (MARX, 2010).
De acordo com Marx (2010), o trabalho alienado apresenta dois aspectos
distintos: a relação do trabalhador com o produto do trabalho e a relação do trabalho
com o ato da produção. Essas duas formas alienam o trabalhador como espécie,
porque está presente a relação social na atividade produtiva (intrínseca à vida
genérica), tendo em vista que os meios necessários para proporcionar a
sobrevivência do trabalhador dependem das condições de mercado e do trabalho
(DUCLÓS, 1999). Assim, a vida individual depende da existência da vida genérica
(social), pois, somente por meio da atividade produtiva, é possível a continuação da
existência física do trabalhador. o trabalho alienado aliena o homem e a si mesmo
de sua própria função e atividade vital e aliena o homem como gênero humano.
Inicialmente, aliena a vida genérica e a vida individual e, depois, a vida individual
torna-se abstração objetiva da vida genérica igualmente na sua forma abstrata e
alienada e o trabalhador sente-se impotente diante do trabalho que desenvolve
(MARX, 2010).
O trabalho surge como atividade vital e constitui um meio para manutenção
da existência física do homem. Diferentemente do animal, o homem possui uma
atividade vital consciente, submetida á sua vontade. O animal reproduz a si mesmo,
ao passo que o homem reproduz a natureza como um todo, assim, o homem é
denominado ser genérico e, nessa perspectiva, sua vida torna-se um objeto. Nesse
sentido, o trabalho alienado (estranhado), no sistema capitalista, inverte essa
relação, e transforma a atividade vital somente em um meio para garantir a
sobrevivência do trabalhador (MARX, 2010).
A expressão do capital nacional ocorre por meio da economia-nacional e no
âmbito do ser social, como propriedade privada, isto é, a materialidade da alienação
do homem, mercadoria com a qual ele estabelece uma relação contraditória, pois
quanto mais dela se apropria, mais se afasta de si mesmo como ser genérico. Na
perspectiva capitalista, o trabalho constitui a alma da produção, mas
contraditoriamente nada se destina ao trabalhador e à propriedade privada,
concede-se tudo. Trata-se da contradição do trabalho alienado, corroborado pelo
capital que criou as leis do trabalho alienado. Nesta direção, há o reconhecimento de
que salário e propriedade privada são similares, uma vez que o salário se torna
consequência indispensável da alienação do trabalho, e ainda o trabalho manifesta-
se como servidor do salário.
O capital e o trabalho são categorias contraditórias e se apresentam em uma
relação de estranhamento entre eles. Assim, o homem torna-se somente trabalhador
e a sua natureza humana manifesta-se perante o capital de forma alienada. No
entanto, paradoxalmente sem o capital o trabalhador deixa de ter trabalho e pode
ficar sem salário, isto é, meios de garantia da sobrevivência. A existência do capital
encontra-se condicionada ao trabalhador e não ao homem. Nesse sentido, o
trabalhador necessita do capital para obter trabalho e, por meio do salário, consegue
manter e conservar a força de trabalho humana, assim, recebe salário para manter o
básico para sobreviver e se reproduzir. O salário pago ao trabalhador é uma
obrigação do empregador e um direito do trabalhador.
O capital procura conservar o trabalhador em atividade, a fim de evitar o
desaparecimento da classe trabalhadora. Assim, a força de trabalho é considerada
um instrumento de trabalho indispensável para o processo produtivo.
Embora o recebimento do salário constitua um direito do trabalhador, o valor
pago não corresponde à jornada de trabalho desenvolvida, pois o trabalhador é
submetido à exploração da força de trabalho e quase sempre obrigado a uma
jornada extensa e em péssimas condições de trabalho, à realização de movimentos
repetitivos, além de produzir objetos alheios à sua vontade, sem nenhuma relação
com ele e, por conseguinte, não tem acesso ao que produziu. A relação capital e
trabalho expressa a contradição básica do sistema capitalista, em que o trabalhador
produz para garantir o bem-estar de um grupo específico que detém o poder dos
meios de produção.

1.3 As configurações do mundo do trabalho na sociedade capitalista

A história da sociedade é marcada por lutas de classes, considerando as


contradições entre trabalhadores e o poder dominante. A partir do surgimento do
capitalismo, a sociedade dividiu-se em classes e os detentores dos meios de
produção dominam e exploram os trabalhadores possuidores somente da força de
trabalho.
O capitalismo originou-se na Europa nos séculos XI ao XV, com o fim do
feudalismo, e a política econômica, social e política passou a concentrar-se nos
centros urbanos. Assim o modo de produção capitalista substituiu o modo de
produção feudal e o capitalismo tornou-se sistema econômico predominante. As
revoluções inglesa, francesa e a independência dos Estados Unidos da América
(EUA) são consideradas revoluções sociais no período moderno e constituíram o
eixo institucional para estruturação e desenvolvimento do capitalismo, que passou
por várias fases, dentre elas, o capitalismo comercial ou pré-capitalista, o industrial e
o capitalismo monopolista (EGAS, 2008).
O capitalismo, desde sua origem, sofreu significativas transformações na
ordem econômica, política e social e, historicamente destaca-se a superação do
capitalismo concorrencial pelo capitalismo monopolista. Essa transição ocorreu no
final do século XIX e início do século XX. No capitalismo concorrencial, não havia a
preocupação com a demanda de mercado, e inúmeras indústrias apresentavam
seus produtos no mercado, concorrendo entre elas. No capitalismo monopolista,
grupos reduzidos passaram a comandar e a deter o controle da produção e da
comercialização dos produtos, com a finalidade de reduzir a concorrência. O
capitalismo monopolista modificou profundamente a dinâmica da sociedade, uma
vez que potencializou as contradições e a exploração da força de trabalho (NETO,
2011; MONTAÑO; DURIGUETO, 2010).
Coma passagem do capitalismo concorrencial para o monopolista, a
Inglaterra perdeu a hegemonia mundial cedendo lugar ao imperialismo norte-
americano. Esse período de transição foi marcado por um cenário de profundas
crises cíclicas (1887-1929), que marcou também as lutas de classes, com a
afirmação da classe trabalhadora como classe para si, classe organizada e
independente (MONTAÑO; DURIGUETO, 2010).
O capitalismo passou por inúmeras crises que culminou com a extensa
estagnação de lucros nos períodos de 1873 a 1893, 1914 a 1918, a crise de
superprodução de 1929-1933 e também as crises econômicas, políticas e sociais
após a Segunda Guerra Mundial. O capital buscou então desenvolver estratégias
para conter as crises para reverter a queda das taxas de lucros, reduzir os conflitos
sociais e, assim, ampliar a margem de lucro capitalista (MONTAÑO; DURIGUETO,
2010).
As duas guerras mundiais contribuíram para consolidar a hegemonia
imperialista dos EUA e para reverter a crise de superprodução da economia e
associação do capital ao complexo industrial militar, denominada indústria bélica que
resultou em lucratividade para o capital, e os trabalhadores passaram a defender a
guerra entre as nações em vez da luta de classe (MONTAÑO; DURIGUETO, 2010).
Assim, as duas guerras mundiais proporcionaram aos grandes monopólios
capitalistas concentração de capital e, consequentemente, o fechamento de
inúmeras microempresas. A submissão do Estado ao capitalismo monopolista
resultou, portanto, na defesa dos interesses do capital, em detrimento dos interesses
dos trabalhadores (ARAÚJO, 2007).
Com a finalidade de estabilizar a economia, a organização capitalista
monopolista criou mecanismos para aumentar o preço das mercadorias, o
crescimento das taxas de lucros, a elevação do índice de acumulação e
investimento centralizado nos grupos concorrentes e monopolizados e, ainda para a
tendência de substituição de trabalho vivo pelo trabalho morto (NETTO, 2011).
O traço principal do capitalismo monopolista é a concentração da produção e
a centralização do capital. Assim, potencializa-se a contradição entre a socialização
da produção e a apropriação privada. O desenvolvimento do capitalismo
monopolista resultou cada vez mais na exploração dos trabalhadores e no aumento
do desemprego, mas ao mesmo tempo despertou a capacidade de luta da classe
trabalhadora contra a ofensiva do capital, que por sua vez, procura conter os
movimentos de trabalhadores, recorrendo ao Estado para controlar e reprimir a luta
dos trabalhadores organizados. As funções políticas do Estado estão relacionadas
com as funções econômicas e, desse modo, busca garantir a acumulação de lucros
dos grupos de monopólios. A dominação dos grandes monopólios, no aspecto
político, resulta na submissão do Estado aos seus interesses a fim de garantir o
desenvolvimento e ampliação das taxas de lucros capitalistas (NETTO, 2011).
No capitalismo concorrencial, a intervenção do Estado sobre os trabalhadores
em situação de desemprego, de exploração da força de trabalho e do movimento de
luta dos operários ocorria de forma coercitiva para preservar a propriedade privada.
No capitalismo monopolista, o controle do Estado sobre a força de trabalho,
trabalhadores empregados e desempregados é contínuo, sempre com a
preocupação de preservar a reprodução capitalista e, sobretudo, valorizar o capital
(NETTO, 2011).
A submissão do Estado aos monopólios capitalistas tensiona cada vez mais
as contradições sociais, políticas e econômicas, tendo em vista a utilização de
recursos públicos para o atendimento dos interesses dos monopólios. Nesse
processo, estão envolvidos também a sociedade, grupos monopolistas e o Estado, e
este último desenvolve as condições necessárias para a reprodução da força de
trabalho, bem como estabelece estratégias para atender aos interesses capitalistas.
Assim, para legitimar politicamente a ordem vigente, o Estado institui políticas para a
garantia de direitos civis e sociais, com o objetivo de obter o consenso da sociedade
e, ao mesmo tempo, continuar a serviço do grande capital (NETTO, 2011).
Historicamente, o surgimento dos monopólios e as modificações no papel do
Estado contribuíram para a organização dos trabalhadores, origem de partidos
políticos no interior da classe trabalhadora e, portanto, o crescimento das
manifestações da questão social, demandas políticas e econômicas que resultaram
em conquistas de direitos de cidadania, mas sem comprometer a economia
monopolista (NETTO, 2011).
Conforme já mencionado, o Estado coloca as suas funções econômicas e
políticas a serviço do capital monopolista, contudo, a presença da classe
trabalhadora, a luta e reivindicação por direitos, exigem que o Estado utilize-se a
mediação para o atendimento dos interesses contraditórios que se manifestam
nesse processo. O tensionamento entre capital e trabalho resulta no atendimento
das necessidades da classe trabalhadora, porém não se trata de uma característica
do Estado burguês no capitalismo monopolista, tendo em vista que a sua finalidade
principal é assegurar o crescimento das taxas de lucros dos monopólios. Por isso, o
Estado concede às classes dominadas respostas fragmentadas, mas que
contribuem para a manutenção do consenso social e, sobretudo para a garantia da
ampliação da acumulação capitalista e a legitimação política do Estado burguês.
Desse modo, o Estado realiza intervenções sobre as demandas da classe
trabalhadora por meio da política social, com objetivo de conter as expressões da
questão social e, também exercer o controle sobre a força de trabalho (NETTO,
2011).
A correlação de forças entre as classes e a mobilização dos trabalhadores
são elementos relevantes para buscar nos organismos do Estado, o atendimento de
suas necessidades, muitas vezes o Estado estabelece mecanismos que antecipam
respostas às reivindicações dos trabalhadores, mas com a finalidade de exercer o
seu poder de controle e de regulação sobre o conjunto da classe trabalhadora.
Desde a origem do capitalismo, o Estado faz uso de seu poder para incentivar
o desenvolvimento do sistema capitalista. Assim, desempenha um papel de
regulação das relações sociais e de proteção da propriedade privada. No capitalismo
monopolista, amplia-se e se aprimora o papel do Estado que se torna complexo para
defender os interesses do capital (BRAVERMAN, 2012). Desse modo, o Estado
constitui aparelho que contribui para o enriquecimento de pequenos grupos, à
medida que cresce a concentração de renda nas mãos de uma minoria, em
detrimento da desigualdade social. O Estado tem o poder de

decretar impostos, regular o comércio internacional, as terras públicas, o


comércio e o transporte, a manutenção das forças armadas, e o encargo da
administração pública, tem servido como um aparelho para drenar a riqueza
para s mãos de grupos especiais, tanto por meios legais como ilegais
(BRAVERMAN, 2012, p. 242).

A intervenção do Estado na economia no período posterior à Segunda Guerra


Mundial resultou da influência do pensamento de Keynes que culminou com a
aliança entre os primeiros grupos industriais e a instituição do chamado Estado
keynesiano e, ainda nesse período, Ford propôs um modelo de desenvolvimento
para a produção industrial na linha de montagem, articulado com a produção em
massa e consumo, período denominado desenvolvimento industrial fordista que se
estruturou e permaneceu até 1973, quando se iniciou nova crise do capitalismo
(MONTAÑO; DURIGUETO, 2010).
A crise do capital alcançou os países capitalistas centrais e gerou, nas
décadas de 1980 e 1990, significativas mudanças sócio-históricas. Originou-se
assim o processo de reestruturação produtiva, cuja finalidade fundamenta-se na
constituição de um diferente modo de acumulação capitalista em escala mundial
com o objetivo de reconfigurar o mundo do trabalho com a introdução de profundas
transformações na classe trabalhadora (ALVES, 2010).
Na passagem do século XX para o século XXI, a principal característica é que
o mundo se tornou global. Na mesma proporção em que ocorre a globalização do
capitalismo aconteceu também a globalização do mundo do trabalho. O capital
impôs diferentes formas no processo de produção e, para tanto, estabeleceu a
divisão transnacional do trabalho que marcou o processo de transição do fordismo
para o toyotismo, com a constante utilização da tecnologia eletrônica, informática,
automação, robótica, e ainda, transformou o mercado mundial (IANNI, 2011). O
autor afirma que nesse processo, o trabalho adquiriu novas configurações nos
aspectos quantitativas e qualidades que influenciam formas e a dinamicidade das
forças produtivas, bem como as mudanças da composição da classe trabalhadora.
Tais mudanças inferem na estruturação social no âmbito mundial e regional.
Segundo Pinto (2010), o sistema taylorista foi elaborado no final do século
XIX e começo do século XX, por Frederick Winslow Taylor (1856-1915), jovem
estadunidense, ex-operário de uma fábrica metalúrgica, engenheiro mecânico e
autor de várias obras sobre técnicas de produção industrial, dentre as quais se
destacam Princípios de administração científica, publicada nos EUA em 1911 e
Shop management, publicado em 1910. Nessas duas obras Taylor trata em especial
da “divisão técnica do trabalho humano dentro da produção industrial, em muitos
casos dentro de uma fábrica do ramo metalúrgico, ambiente no qual trabalhava”
(PINTO, 2010, p. 27). Nesse sentido,

os princípios da Administração Científica, de F. W. Taylor – um influente


tratado que descrevia como a produtividade do trabalho podia ser
radicalmente aumentada através da decomposição de cada processo de
trabalho em movimentos componentes e da organização de tarefas de
trabalho fragmentadas segundo padrões rigorosos de tempo e estudo do
movimento (HARVEY, 1992, p. 122).

Conforme Pinto (2010), o sistema taylorista tinha como objetivo a


especialização das funções e atividades. O conhecimento dos trabalhadores era
utilizado para desenvolver, aumentar e regularizar a produção e a qualidade dos
produtos. Segundo análise do autor, esse sistema defendia a contratação de
trabalhadores especializados somente para o cargo que iria ocupar, sem extrapolar
as exigências determinadas pela empresa. A finalidade era utilizar o tempo reduzido,
em especial, a atualização e a qualificação dos trabalhadores.
A jornada diária de trabalho era definida pela empresa de acordo com o
conhecimento ou a especialização dos trabalhadores para a execução de
determinada atividade pré-definida, assim possibilitam a substituição do trabalhador,
quando necessário. O sistema taylorista, com a proposta de divisão de atividade e
especialização para cada função, expandiu-se na área industrial no início do século
XX e, nesse período Henry Ford (1862-1947), introduzia na Ford Motor Company as
inovações tecnológicas e organizacionais com a proposta de produção em série
(PINTO, 2010). Nesse sentido,

o sistema taylorista foi incorporado e desenvolvido pelos dispositivos


organizacionais e tecnológicos fordistas, na medida em que no lugar dos
homens responsáveis pelo deslocamento dos materiais e objetos de
trabalho, máquinas automáticas passaram a ser encarregar por tal, suprindo
o trabalho humano numa produção cuja cadência contínua impunha uma
concentração dos movimentos dos trabalhadores somente dentro raio de
ação que efetivamente transformava as matérias-primas em produtos
acabados (PINTO, 2010, p. 37).

Conforme Pinto (2010), o taylorismo baseava-se na racionalização e


intensificação dos ritmos de trabalho humano, cuja preocupação era o controle do
tempo de operação de forma parcial. No sistema fordista havia também a
racionalização da tecnologia, detalhamento da divisão do trabalho e, por
conseguinte, a execução de atividades pelos trabalhadores de forma mecânica e
automática (HARVEY, 1992).
A especialização elevada para o exercício de atividades de trabalho, proposto
pelo taylorismo/fordismo, tornava o operário dependente da máquina, uma vez o
trabalho era limitado e mecanizado, desenvolvido de forma fragmentada e alienada,
desconsiderando as experiências profissionais e pessoais do operariado. O sistema
taylorista/fordista desencadeou consequências como o desinteresse dos
trabalhadores de se qualificarem, o elevado índice de faltas no trabalho e
rotatividade de funcionário nas empresas, dentre outras.
O trabalhador era considerado um dos “recursos” necessários para a
produção, portanto, era de competência dos departamentos de recursos humanos a
garantia da manutenção da ordem, tanto no interior da empresa como fora. A
atenção direcionava-se para o tratamento físico, emocional e psicológico dos
trabalhadores, bem como o relacionamento familiar na garantia de condições de
ampliar a produção de mercadoria.
Na contradição capital-trabalho, o homem é criador, algoz e vítima da própria
produção tecnológica, pois a expansão e o desenvolvimento dessas inovações
contribuíram para a intensificação dos ritmos de trabalho humano, quadro reduzido
de operários e consequente exploração da força de trabalho humano e, sobretudo,
com alto índice de produtividade, garantindo, assim, ao capital, aumento de
acumulação de mais-valia mediante a redução de custo no processo produtivo.
A expansão taylorismo/fordismos, conforme Pinto (2010), ocorreu no período
posterior à segunda Guerra mundial nos países capitalistas centrais. O crescimento
econômico desses países resultou da produção em larga escala e do incentivo ao
consumo em massa que alcançou também os países periféricos, por meio da
articulação fordista com os Estados de Bem-Estar Social2, tendo em vista que o
Estado participa diretamente no processo de desenvolvimento da economia do país.
Em síntese, o taylorismo/fordismo

indica a expressão dominante do sistema produtivo e de seu respectivo


processo de trabalho, que vigorou na grande indústria, ao longo
praticamente de todo o século XX, sobretudo a partir da segunda década,
baseava-se na produção em massa de mercadorias, que se estruturava a
partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente verticalizada.
Na indústria automobilística taylorista e fordista, grande parte da produção
necessária para a fabricação de veículos era realizada internamente,
recorrendo-se somente de maneira secundária ao fornecimento externo, ao
setor de autopeças. Era necessário também racionalizar ao máximo as
operações realizadas pelos trabalhadores, combatendo o desperdício na
produção, reduzindo o tempo e aumentando o ritmo de trabalho, visando à
intensificação das formas de exploração (ANTUNES, 2009, p. 38-39).

O apogeu do taylorismo/fordismo estendeu-se até o final da década de 1960


com o crescimento de acumulação capitalista, mas, segundo Antunes (2009)
fundamentado na obra de Chesnais (1996), a partir de 1970, o capital começou a
apresentar sinais de crise estrutural em decorrência da
queda da taxa de lucro; esgotamento do padrão de acumulação
taylorista/fordista de produção, dado pela incapacidade de responder à
retração do consumo que se acentuava. Na verdade tratava-se de uma
retração em resposta ao desemprego estrutural que então se iniciava;
hipertrofia da esfera financeira; concentração de capitais graças às fusões
entre as empresas monopolistas e oligopolistas; a crise do Welfare State ou
do Estado de Bem-Estar Social e dos seus mecanismos de funcionamento,
acarretando a crise fiscal do Estado capitalista e a necessidade de
retroação dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado;
Incremento acentuado das privatizações, tendência generalizada às
desregulamentações e a flexibilização do processo produtivo, das
mercadorias e da força de trabalho entre tantos outros elementos
contingentes que exprimam esse novo quadro crítico (ANTUNES, 2009, p.
31-32).

A saturação do fordismo, bem como do keynesianismo, expressava, uma


crise estrutural do sistema capitalista, com a diminuição de lucros. Para garantir a
reprodução do sistema e recuperar a acumulação de lucro, o capital iniciou um
processo de dominação política e ideológica com respaldo na perspectiva neoliberal
e no processo de reestruturação produtiva, que resultou na reconfiguração do
mundo trabalho, bem como na tentativa de violação dos direitos trabalhistas,
privatização das empresas e órgãos públicos e redução do papel do Estado com a
delegação de suas funções para o mercado. Dessa forma,

a crise estrutural fez com que entre tantas consequências, fosse


implementado um amplo processo de reestruturação do capital, com vistas
à recuperação do seu ciclo reprodutivo, que afetou o mundo do trabalho.
Embora a crise estrutural do capital tivesse determinações mais profundas,
a resposta capitalista a essa crise procurou enfrentá-la tão somente na sua
superfície, na sua dimensão fenomênica, isto é, reestruturá-la sem
transformar os pilares essenciais do modo de produção capitalista. Tratava-
se de reestruturar o padrão produtivo estruturado sobre o binônimo
taylorismo/fordismo, procurando repor os patamares de acumulação
existentes no período anterior, especialmente no pós -1945, utilizando
novos mecanismos de acumulação (ANTUNES, 2009, p. 37-38).

A proposta do capital de acumulação flexível confronta-se diretamente com a


rigidez do fordismo que defendia a produção em grande escala. A rigidez desse
sistema passou a comprometer o planejamento da produção, e o crescimento do
mercado de consumo era presumido. A inflexibilidade do sistema fordista também
estava presente nas contratações de mão-de-obra e os mecanismos utilizados para
superar os conflitos sociais deparavam-se com a luta da classe trabalhadora contra
a ofensiva do capital monopolista no período de 1968-1972. Intensificava-se também
a pressão sobre o Estado referente aos compromissos sociais relacionados à
seguridade social, dentre outros, em um momento em que a rigidez da produção
determinava a limitação de gastos públicos. A acumulação flexível sustenta-se na
flexibilidade das formas de contratos de trabalho, no aparecimento de novos setores
de produção, no emprego de novas tecnologias microeletrônicas na produção e na
exigência de um novo tipo de trabalhador que possibilita aos patrões novo controle
sobre a força de trabalho e a subordinação do trabalho ao capital (HARVEY, 1992;
ALVES, 2010).
“O sistema toyotista de organização tinha como fundamento uma metodologia
de produção e de entrega mais rápidas e precisas, associada justamente à
manutenção de uma empresa enxuta e flexível”, afirma Pinto (2010, p. 46). Assim,
priorizava-se um produto principal com a finalidade de atender as particularidades do
mercado. A racionalização da utilização do trabalho humano, inerente ao sistema
taylorista/fordista, também é utilizado pelo toyotismo com o objetivo de atender as
necessidades de acumulação do capital. Portanto,

o toyotismo pode ser considerado como a mais radical e interessante


experiência de organização social da produção de mercadoria, sob a era da
mundialização do capital. Ela é adequada, por um lado as necessidades de
acumulação do capital na época da crise de superprodução e, por outro,
ajusta-se à nova base técnica da produção capitalista, sendo capaz de
desenvolver suas potencialidades de flexibilidade e de manipulação da
subjetividade operária (ALVES, 2010, p. 32).

Na organização do trabalho na sociedade capitalista, segundo a ótica do


sistema toyotista, os trabalhadores são submetidos a formas perversas de
exploração, além de conviverem diariamente com pressões psicológicas
provenientes de seus superiores. Com o objetivo de obter aumento da produção, o
capital utiliza-se do poder ideológico para estimular a competitividade, a
individualidade e o cumprimento de metas. A gratificação de desempenho individual
e coletiva nas empresas privadas e também nos órgãos públicos são mecanismos
utilizados como forma de reduzir os salários dos trabalhadores. No contexto da
acumulação flexível, o capital flexibiliza as relações de trabalho, explora o
trabalhador e dele a sua força de trabalho. Assim, “o complexo de reestruturação
produtiva sob a mundialização do capital”, cujo “momento predominante é o
toyotismo, tende a impulsionar, em sua dimensão objetiva a fragmentação de
classe” (ALVES, 2010, p. 65). Surgem então, o subproletário e o crescente
desemprego o que favorece o enfraquecimento e fragmentação da classe
trabalhadora.
O mercado de trabalho, no processo de reestruturação produtiva segue um
modelo de organização do trabalho com a introdução da informática e da evolução
tecnológica. Desse modo, no mundo da produção, exige-se do trabalhador um saber
intelectual que lhe possibilite manusear as máquinas informatizadas, executar das
atividades a elas transferidas. A relação entre o saber intelectual e a máquina torna
o trabalhador cada vez mais alienado (ANTUNES, 2010).
No contexto de globalização, reestruturação produtiva e flexibilização dos
contratos de trabalho, as sociedades capitalistas do mundo foram atingidas pelos
seus efeitos contraditórios, a exemplo da flexibilização do trabalho que dificulta a
regulamentação dos direitos sociais e trabalhistas historicamente conquistados.
Outro aspecto a ser considerado é a terceirização do trabalho em determinadas
áreas. Trabalhadores são contratados para prestarem serviços em outras empresas
com a tendência de intensificar a exploração da força de trabalho.
As formas de contratação da força de trabalho dificultam a estabilidade do
trabalhador no emprego. Em plena ditadura militar, foi instituído – pela Lei no 5.107,
de 13 de setembro de 1966 (BRASIL, 1966a) e regulamentado pelo Decreto nº
59.820, de 20 de dezembro de 1966 (BRASIL, 1966b) – o Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço (FGTS). Esse fundo, proveniente do depósito mensal equivalente
a 8% do salário dos trabalhadores em uma conta específica, só pode ser apropriado
determinadas situações legais. Posteriormente, a lei inicial sofre alterações pela Lei
no 8.036, de 11 de maio de 1990 (BRASIL, 1990).
De acordo com Montaño e Duriguetto (2010), os impactos das mudanças
sobre a força de trabalho são desastrosos, quando se verifica a introdução de novas
tecnologias, da mecanização e da informatização com a finalidade de substituir
trabalhadores, redefinindo as técnicas de produção. Nesse sentido, ocorrem a
redução da oferta de trabalho, o desemprego, a redução salarial, as condições
precárias de trabalho e a exploração do trabalhador que exaure a sua força de
trabalho e a própria vida. Historicamente, a situação dos trabalhadores no Brasil é
precarizada. No período de 1940 a 1970, “a cada dez postos de trabalho gerados,
oito eram empregos assalariados e sete com carteira assinada. No entanto, nos
anos 1990, a cada dez empregos criados, quatro foram assalariados” (POCHMANN,
2006, p. 61). A referência a postos de trabalho, considerava somente os centros
urbanos e ficavam fora do cálculo os trabalhadores domésticos e os lavradores.
Segundo Pochmann (2006), no decorrer da década de 1990, reduziram-se os
empregos assalariados com registros e aumentou o crescimento de empregos
assalariados sem carteira assinada. O autor assinala que, em 2003, um a cada dois
ocupados eram assalariados, ao passo que, em 1980, dois a cada três eram
assalariados. Observa-se que ocorreu uma redução da oferta de trabalho que pode
estar relacionado ao processo de industrialização e mecanização do campo, que
expulsa o trabalhador da zona rural para as cidades, o que contribui para a
aceleração do urbanismo, e ao mesmo tempo, o crescente número de trabalhadores
no mercado informal ou desempregados.
Conforme Ianni (2011), a acumulação flexível dá legitimidade ao desemprego
estrutural, com a ampliação da desvalorização dos profissionais. Nessa nova
realidade, ocorre o enfraquecimento da capacidade de luta e resistência coletiva
além da atenção aos interesses individuais. Nesta perspectiva, abrem-se espaços
para os empregadores exercerem, cada vez mais, o poder de dominação sobre os
trabalhadores no controle da força de trabalho. Dessa forma,

o padrão flexível de organização da produção modifica as condições sociais


e técnicas de organização do trabalho, torna o trabalhador polivalente, abre
perspectivas de mobilidade social, mas também intensifica a tecnificação da
força produtiva, potenciando-a. O trabalhador é levado a ajustar-se às
novas exigências da produção de mercadoria e excedente, lucro ou mais
valia. Em última instância, o que comanda a flexibilização do trabalhador é
um novo padrão de racionalidade do processo de reprodução ampliada do
capital em escala global (IANNI, 2011, p. 129).

O trabalho flexibilizado exige, conforme Montaño e Durigueto (2010), um


trabalhador “pluriespecializado” e “polivalente”, preparado para desenvolver
diferentes atividades ao mesmo tempo, disposto a defender os interesses da
empresa e por isso, concede ao capital, além da força de trabalho o seu saber
intelectual.
No processo de relação entre patrão e empregado, mesmo diante do papel
regulador do Estado, sindicatos, às vezes atrelados à classe patronal, e mesmo
trabalhadores preocupados com o desemprego, assinam acordos trabalhistas com a
prevalência do interesse do mercado. A flexibilização do trabalho causa sobre a
força de trabalho impactos perversos e pode ser entendida como

liberdade por parte da empresa para demitir uma parcela dos seus
empregados, sem penalidades, quando a produção e as vendas diminuem,
liberdade para a empresas, quando a produção assim o requer, de reduzir o
horário de trabalho ou de recorrer a mais horas, respectivamente e sem
aviso prévio; faculdade por parte da empresa de pagar salários reais mais
baixos, seja para solucionar negociações salariais, seja para que ela possa
participar de uma concorrência internacional; possibilidade de a empresa
subdividir a jornada de trabalho em dia e semana de sua conveniência
mudando os horários e as características (trabalho por turno, por escala, em
tempo parcial, horário); possibilidade de contratar trabalhadores em regime
de trabalho temporário, de fazer contratos por tempo parcial e outras formas
de trabalho atípico (MONTAÑO; DURIGUETTO, 2010, p. 202).

De acordo, com Alves (2010), o novo complexo de (re)estruturação produtiva


é comandado por corporações transnacionais, denominados agentes do capital, que
impõem mecanismos para revolucionar e transformar o processo de produção.
Assim, a reestruturação produtiva constitui-se em uma ofensiva do capital no âmbito
da produção e provoca alterações decisivas no mundo do trabalho, como as
mudanças nas formas de organização do trabalho e no processo sócio-histórico da
classe trabalhadora.
Os trabalhadores enfrentam formas de inserção no mercado pautados nos
regimes e contratos que preveem a substituição do emprego por tempo
indeterminado pelo emprego temporário, e a contratação direta entre patrão e
empregado pode ser mediada pela terceirização. Esta última forma de contratação
decorre do surgimento de empresas prestadoras de serviço que contratam
profissionais que prestam serviço a outras empresas.
De acordo com Ianni (2011), no mundo globalizado, tanto o capital e a
tecnologia, como a força de trabalho e a divisão do trabalho possibilitam o
surgimento de um novo mundo. Cresce o movimento de migração dos povos –
diferentes raças, cultura e civilizações – que ultrapassam as fronteiras e se misturam
a outros com a possibilidade de estabelecer articulação entre as nações. Nesse
processo de transformação, ocorre também a desterritorialização e
reterritorialização, com a procura de novos horizontes e espaços inevitavelmente
transforma identidades. O autor assinala que “o exército industrial de trabalhadores
atinge dimensões mundiais, mesclando, sob novas modalidades, raças, idades,
religiões, línguas, tradições, lutas, expectativas, ilusões” (IANNI, 2011, p. 132).
O excedente da força de trabalho no mundo globalizado parece não se
exaurir, pois o capital possui o poder de buscar trabalhadores nos quatro cantos do
mundo. A diversidade de trabalhadores desempregados ou inseridos no trabalho
precarizado expressa-se de forma globalizada nas determinações da questão social,
como o desemprego cíclico e estrutural, crescimento da pobreza absoluta e relativa,
intensificação da exploração da força de trabalho e todas as formas de
discriminação. O “elemento básico da questão social está presente na dissociação
entre trabalho e apropriação, ou simplesmente alienação” (IANNI, 2011, p. 135).
O desemprego tem uma relação orgânica com a questão social. Trata-se de
uma perversidade, pois, tal situação pode levar o trabalhador à perda dos direitos
sociais e trabalhistas negando-lhe a sua condição de sujeito de direitos. A fome, a
miséria, a doença, o analfabetismo, a falta de moradia e inúmeras expressões
conduzem o trabalhador às ruas, ao uso de droga, à prostituição, ao abandono dos
filhos, à promoção ou usufruto do trabalho infantil, ao roubo, ao crime, isto é, à
prática de contravenção.
De acordo com Ianni (2011, p. 141), “a questão social revela-se produto e
ingrediente da globalização do capitalismo”. Neste sentido, as múltiplas expressões
da questão social são resultantes da relação capital e trabalho que não contempla a
riqueza social produzida em escala mundial, apropriada pelo capital que concentra e
centraliza a riqueza fazendo acelerar a desigualdade social. Para ampliar a
acumulação de lucro, o capital impõe a sua própria dinâmica no processo de
produção, e, para tanto, intensifica a capacidade de produção dos trabalhadores e
introduz formas desumanizadas gerando ao mesmo tempo riqueza e miséria.
De acordo com estudo realizado por Boschetti (2012) as principais tendências
de mudanças, após as sucessivas manifestações da crise do capital que assolaram
os países capitalistas centrais e periféricos nos últimos anos, “mostram que a taxa
de desemprego na União Européia atingiu 9,7%, em 2011, maior índice registrado
no período entre 2009 e 2011” (BOSCHETTI, 2012, p. 765).
Segundo Boschetti (2012), no ano de 2011, a Espanha vivenciou um dos
maiores aumento de desemprego, 21,7%, seguido pela Grécia, 17,78%, Portugal
12,9%, e Itália, com 8,4%. Fundamentada nos dados pesquisados, a autora afirma
que os países da Europa vivenciaram o crescimento de ocupações temporárias em
relação ao total dos empregos o que representa mais um indicador da precarização
das relações de trabalho. Nesse sentido,

o que se verifica é que países como França, Alemanha, Países Baixos,


Suécia, Finlândia em que as ocupações temporárias eram residuais e que
tradicionalmente desenvolveram empregos estáveis de longa duração
protegidos e com contratos de duração indeterminada, vêem se degradar
seu mercado de trabalho com aumento combinado do desemprego de longa
duração e de empregos temporários (BOSCHETTI, 2012, p. 769).
De acordo com Boschetti (2012), uma das principais causas de
empobrecimento da classe trabalhadora é o desemprego de longa duração
associado à redução das prestações sociais em alguns países da Europa.
O crescimento do desemprego e o empobrecimento da classe trabalhadora é
uma tendência mundial e alcança, sobretudo países periféricos, como o Brasil. De
acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010), a
taxa de desocupação no país foi estimada em 6,2% em junho de 2011 e
corresponde a 1,5 milhões de pessoas desocupadas e não apresentou variações
significativas nas regiões metropolitanas pesquisadas. Assim, a taxa de
desocupação mensal em junho de 2010 foi de 7,0% e, em maio de 2011, de 6,4%
(IBGE, 2010). Em 2011, houve uma redução do índice de desemprego.
“O sistema capitalista atingiu uma fase do desenvolvimento histórico em que o
desemprego é a sua característica dominante”, afirma Meszáros (2006, p. 31). Vive-
se um momento em que o trabalhador (re)ingressar no mercado de trabalho parece
uma realidade distante. O desemprego tornou-se estrutural e as novas
configurações do mundo do trabalho dificultam o desenvolvimento de políticas para
solucionar o “problema” do desemprego.
A globalização, o complexo de reestruturação produtiva imposto pelo capital
resultou em relevantes transformações no mundo do trabalho e teve consequências
decisivas para a sociedade capitalista e para o conjunto da classe trabalhadora nos
aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais. Assim, segundo Ianni (2011),

a globalização do mundo expressa um novo ciclo de expansão do


capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório de alcance
mundial. Um processo de amplas proporções envolvendo nações e
nacionalidades, regimes políticos e projetos nacionais, grupos e classes
sociais, economias e sociedades, culturas e civilizações. Assinala a
emergência da sociedade global, como uma totalidade abrangente,
complexa e contraditória. Uma realidade ainda pouco conhecida, desafiando
práticas e idéias, situações consolidadas e interpretações sedimentadas,
formas de pensamento e vôos da imaginação (p. 11).

O capitalismo encobre a relação de exploração da força de trabalho. Os


direitos trabalhistas regulamentam os contratos de trabalho, mas formalizam também
as diferentes formas de exploração, a exemplo do trabalhador que tem a
possibilidade vender sua força de trabalho com seus próprios instrumentos, como
ocorre com as indústrias de facções de roupas, dentre outras. O trabalhador, por sua
vez, envolve-se em uma névoa que o impede de perceber a dupla exploração da
força de trabalho e dos seus instrumentos.
O discurso ideológico do modelo de gestão empresarial defendido pelo capital
trabalha na direção de racionalizar

as diversas subjetividades presentes no processo produtivo – da gerência


ao chão da fábrica – de maneira a garantir um comportamento padrão e
homogêneo facilite a introdução das inovações organizacionais e
tecnológicas necessárias à manutenção da competitividade das empresas
no quadro do capitalismo contemporâneo (WOLF, 2010, p. 308).

O capitalismo para garantir sua reprodução e sobrepujar as crises estruturais,


modifica as relações de produção e cria alternativas para superação das crises, com
a finalidade de garantir a acumulação de lucros. Nesse sentido, a materialização da
tecnologia pode constituir-se em um instrumento de dominação do capital sobre o
trabalho e de permanente controle sobre o conjunto da classe trabalhadora. Assim,
as políticas de gestão do trabalho apropriam-se da tecnologia no processo de
produção com o objetivo de exercer o poder de manipulação e exploração do
trabalhador. É a utilização da tecnologia no sentido inverso. O capital expropria a
dimensão intelectual do trabalhador e dela se apropria.
Os programas de qualidade de vida e fóruns participativos, dentre eles, a
Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) inserem-se na dimensão
organizacional desde o começo da década de 1970 e, a partir de 1990, agregam-se
a programas de qualidade total (PQT). Tais programas desenvolvem ações que
envolvem cultura, valores, comportamentos e relações sociais e apresentam
propostas que incentivam a participação de todos os trabalhadores com a discussão
de temas variados relacionados à saúde, estresses, condições de trabalho, dentre
outros (FREIRE, 2010).
Esses programas preveem promoção de uma relação harmônica e
cooperativa entre capital e trabalho (WOLF, 2010). Trata-se de um discurso
ideológico que tende a manter e intensificar a relação social de produção e sua
otimização. Esses programas têm a finalidade de moldar um perfil de trabalhador
para atender às exigências do capital, assim, como adequá-lo às inovações
tecnológicas, informática, automação, instrumentos de trabalho fundamentais para o
desenvolvimento político-econômico. Desse modo, “os programas de qualidade total
recriam estratégias e formas de dominação do trabalho” (ANTUNES, 2006, p. 21).
Quanto mais a sociedade capitalista se desenvolve, mais densa é a névoa que
encobre a relação de exploração do trabalho sobre o trabalhador.
A Cipa também se inclui na proposta de trabalho desenvolvida pelos
programas de qualidade total e passa a ser utilizada por esse modelo de gestão
administrativa referente à segurança do trabalho. De acordo com a Norma
Regulamentadora (NR) 5, a Cipa,

tem como objetivo a prevenção de acidentes e doenças decorrentes do


trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o trabalho com a
preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador (BRASIL,
1978).

Trata-se de uma comissão estratégica em que os próprios trabalhadores se


responsabilizam pelas condições de trabalho. A Cipa foi contemplada pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, nos
artigos 162 a 165, e foi oficialmente instituído pelo Decreto-lei no 7.036, de 10 de
novembro de 1944. Sua regulamentação deu-se pela lei no 6.514, de 22 de
dezembro de 1977 (BRASIL, 1977).
O modo como a reestruturação produtiva apropria-se da participação torna-se
“gerencialista, utilizada de forma limitada, dirigida e controlada segundo os
interesses imediatos da produção e fundamentada em diretrizes e práticas
funcionalistas, abstratas, idealizadas e dirigidas a um só consenso” (FREIRE, 2010,
p. 184).
Segundo Alves (2010), com o a complexo de reestruturação produtiva o
capital provoca cruciais alterações no mundo organizado do trabalho e se ampliam
as formas de exploração em relação aos trabalhadores, submetendo-os à extensa
jornada diária de trabalho, a reduzidos salários, trabalho part-time com carga horária
e salários reduzidos sem a garantia de proteção social e, em alguns casos, em
ambientes insalubres. Dessa forma, o capitalismo impõe forma sutil de exploração, e
ainda, existem mecanismos instituídos pelo sistema como a ideologização por meio
do trabalho, a competitividade, considerado estratégica para a ascensão social,
confundida com “melhoria da qualidade de vida”.
A “regulamentação da jornada de trabalho se apresenta, na história da
produção capitalista como luta pela limitação da jornada de trabalho, um embate que
se trava entre a classe capitalista e a classe trabalhadora” (MARX, 2012, p. 273).
Trata-se de uma discussão desde meados do século XVIII e, sobretudo, do século
XX. O entendimento é de que a extensa jornada afeta cotidianamente a vida os
trabalhadores, pois a vida não é só trabalho, e o trabalho deve possibilitar aos
trabalhadores viver a sua vida fora do ambiente de trabalho, com garantia da
emancipação, liberdade e justiça social.
Contraditoriamente, o capital invade os espaços da vida do trabalhador, em
especial os momentos destinados ao descanso, ao lazer, à sociabilidade com a
família e amigos. A lógica do capital compatibiliza, conforme Antunes (2010), a
relação entre capital e trabalho livre para atender às necessidades do mercado. O
capital alcança também o espaço da vida privada.
A “força de trabalho do operário assalariado só pode ser trocada por capital,
multiplicando-o, fortalecendo o poder de que ele é escravo” (MARX, 2010, p. 49).
Assim, capital e trabalho estabelecem aspectos de uma mesma relação, e um
condiciona o outro. O operário assalariado depende do capital para viver se
permanecer na condição de assalariado. O capital explora a força de trabalho e se
apropria do trabalho excedente para acumulação de mais-valia.
Segundo Marx (2010), o rápido crescimento do capital pode resultar na
competição desenfreada de trabalhadores por postos de trabalho. Para o
trabalhador, é necessário de que o sistema se desenvolva, pois, em países com
bom desenvolvimento econômico, a mão de obra passa a ser mais valorizada.
Assim, a contradição materializa-se, o crescimento do capital, responsável pela
coisificação do homem, passa a ser desejado pelos trabalhadores para ampliação
do número de postos de trabalho e valorização da força de trabalho.
Historicamente, o capitalismo passou por inúmeros períodos de depressão,
mas é possível afirmar que sempre buscou alternativas para superação das crises e
garantir a recuperação de lucros, mas com profundas transformações no mundo do
trabalho e consequências cruciais para o conjunto da classe trabalhadora. No
período posterior à Segunda Guerra Mundial, o capital criou mecanismos para
consolidação e ampliação do capitalismo monopolista, que representa a
concentração e centralização do capital com a introdução de novas formas de
organização e gerenciamento da produção e também mudanças nas formas de
regulação social (MONTAÑO; DURIGUETO, 2010).
As mudanças na produção e o desenvolvimento tecnológico provocaram
impactos relevantes na política econômica e resultaram na alteração do modo de
produção industrial, com a globalização, a mundialização e a chamada terceira
revolução industrial e tecnológica, como alternativas para superação das crises das
décadas de 1970 e 1980. Neste sentido, as transformações em curso revolucionam
os processos de trabalho com a introdução de tecnologia de ponta e a consequente
substituição do taylorismo/fordismo para o toyotismo que faz surgir um perfil de
trabalhador que atenda aos requisitos impostos pela nova gestão empresarial da
força de trabalho que requer um trabalhador qualificado, polivalente e participativo,
com envolvimento nos aspectos de interesse da empresa, com o intuito de capturar
a subjetividade dos trabalhadores em busca do consenso (KAMEYAMA, 2010).
Os efeitos da reestruturação produtiva da acumulação flexível resultam na
fragmentação da força de trabalho, no surgimento do trabalho precarizado e ainda a
utilização de novas tecnologias que favorecem o desaparecimento de algumas
profissões e a criação de outras, cuja finalidade é a transformação do perfil do
trabalhador e a manutenção de um cadastro de reserva (KAMEYAMA, 2010). Assim,
o capital busca sempre formas para superar as crises na economia e garantir a
permanente acumulação de lucros em detrimento da crescente desigualdade social.

1.4 Reestruturação produtiva no Brasil no final do século XXI

A reestruturação produtiva teve início na década de 1980 e as empresas


passaram a adotar diferentes modelos de organização social do trabalho, utilizando
tecnologia e informatização sustentada nos programas de “qualidade total” que
apresentam como proposta o envolvimento dos trabalhadores nos planos das
empresas, na perspectiva de estimular o crescimento da produção e ampliação do
lucro (ANTUNES, 2006).
O padrão de acumulação capitalista, de acordo com Nogueira (2006; 2010),
centra-se no processo de exploração do trabalhador, nesse sentido, as empresas e
órgãos públicos fundamentados nas formas de organização do trabalho exigem
profissionais “qualificados” e polivalentes, dispostos a sujeitarem-se às modalidades
do processo produtivo. Assim, as formas precárias de contratação submetem o
trabalhador à sobrecarga de tarefas e jornada de trabalho exaustiva, e, ainda
cumprimento de metas de produtividade com constante vigilância das chefias.
De acordo com Antunes (2006), na segunda metade da década de 1980 as
indústrias dos setores metal, mecânico, automobilístico, petroquímico, siderúrgico e
bancário, preocupados em recuperar a economia, investiram nas inovações
tecnológicas por meio da automação industrial e marcaram de forma decisiva a
reestruturação produtiva no Brasil.
Na lógica do capital, “quanto mais aumenta a competitividade e a
concorrência intercapitais, interempresas e interpotências políticas do capital, mais
nefastas são suas consequências” (ANTUNES, 1999, p. 19). Trata-se de uma crise
estrutural que assola a (des)socialização,

destrói-se a força humana que trabalha; destroçam-se os direitos sociais;


brutalizam-se enormes contingentes de homens e mulheres que vivem do
trabalho; torna-se predatória a relação produção/natureza, criando-se uma
monumental sociedade do descartável (ANTUNES, 1999, p. 19).

O Brasil, da década de 1990, de acordo com Antunes (2006), foi marcado


pelas configurações ocorridas no capitalismo, pois as definições no Consenso de
Washington afetaram o mundo do trabalho. O autor refere-se às transformações no
capitalismo que inferem o plano de organização socio-técnica da produção
resultante de um processo de reterritorialização e desterritorialização da produção,
dentre outros aspectos da reestruturação produtiva e da nova divisão internacional
do trabalho e do capital. Neste sentido, inúmeros segmentos da indústria foram
atingidos pela ofensiva do capital no processo produtivo.
Antunes (2006) argumenta que a reestruturação produtiva no Brasil
desenvolveu-se propriamente nos anos de 1990 quando tem início um processo de
acumulação flexível, calcado no ideário japonês que defende formas precárias de
contratação da força de trabalho e também a descentralização produtiva.
O modo de produção capitalista, conforme Antunes (2006) reflete-se no
conjunto da classe trabalhadora, com o enxugamento da força de trabalho,
flexibilização e desregulamentação de direitos sociais conquistados historicamente,
resultante das configurações do mundo do trabalho. Dessa forma, só interessa para
o capital produtivo nacional e transnacional

a mescla entre os equipamentos informacionais e a força de trabalho


qualificada, polivalente, multifuncional, apita para operá-las, porém
percebendo baixos salários, muito inferiores àqueles alcançados pelos
trabalhadores das economias avançadas, além de regida por direitos sociais
amplamente flexibilizados (ANTUNES, 2006, p. 19).

De acordo com Antunes (2006), no contexto de precarização do trabalho,


inúmeros segmentos foram afetados como, os setores calçadista, têxtil, dentre
outros. Nos dois casos, ampliam-se o trabalho em domicílio, espaço inadequados
para a produção o que pode originar um ambiente insalubre para a família. Trata-se
de outra forma de trabalho utilizado pelo capital para a acumulação de riqueza, com
o mascaramento dos direitos trabalhistas. Essa forma de trabalho externalizado não
garante aos trabalhadores o direito a férias, ao descanso semanal, ao abono
natalino, ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ao Programa de
Integração Social (PIS), ao seguro-desemprego, à proteção previdenciária, dentre
outros.
O mundo do trabalho expresso na flexibilização das relações trabalhistas
diversifica as formas de contratações, associados às precárias condições de
trabalho, à exploração da força de trabalho, à jornada de trabalho estressante, ao
crescimento do trabalho informal que inferem na proteção social, empobrecem o
trabalhador e, sobretudo, faz surgir “perfis de adoecimento no trabalho, como,
stress, doença cardíaca, gástrica, lesões por esforço repetitivo, fadiga física e
mental, dentre outras manifestações de sofrimento” (BRASIL, 2001, p.19).
O capital faz uso de novas tecnologias e da informatização para aumentar a
produção, mas, com a tendência de substituição do trabalho vivo pelo trabalho
morto, resultando no crescimento do desemprego e estímulo ao subemprego. Deste
modo o trabalhador é submetido a extensa jornada de trabalho e também sofre o
comprometimento do tempo livre, à medida que o trabalho por meio da internet
invade o espaço domiciliar e retira do trabalhador o direito ao descanso para
recomposição da força de trabalho, além de inferir nos relacionamentos da
familiares.
As estratégias propostas pelo capital para superação das crises econômicas e
políticas sempre recaem sobre a classe trabalhadora, a exemplo da flexibilização
dos contratos de trabalho, que nada mais é do que uma forma de reduzir direitos
sociais conquistados historicamente e também o emprego formal, em detrimento do
emprego temporário, parcial, dentre outros. Nesse sentido,

é com a flexibilização imposta pelas regras de eficiência das empresas que


se chega à condição de trabalho precarizado, não continuado e temporário,
na qual o trabalhador é abandonado diante de um empresário com o qual
ele tem de negociar seu salário e o tempo que vai dedicar ao trabalho
(VASAPOLLO, 2006, p. 53).

As novas condições de trabalho, tornam-no precário e sem continuidade, e do


trabalhador encontra-se imerso na incerteza do emprego formal, na ocupação
temporária e do desemprego. A incerteza no trabalho gera, sobretudo, a
instabilidade da renda familiar e das formas de garantia de sobrevivência do
trabalhador (VASAPOLLO, 2006).
CAPÍTULO II
SEGURIDADE SOCIAL E SAÚDE DO TRABALHADOR

A saúde uma das políticas públicas a serem asseguradas na seguridade


social e representa importante conquista para a sociedade brasileira. O campo da
saúde do trabalhador tem reconhecimento político, constitui um avanço para os
trabalhadores, contudo não alcança os trabalhadores na sua totalidade no que se
refere à garantia de acesso aos serviços de saúde pública tendo em vista lógica do
capital que privilegia o mercado privado dos seguros de saúde, contrapondo-se aos
princípios definidos na seguridade social e Lei Orgânica da Saúde (LOS), Lei nº
8.080, de 19 de setembro de 1990 (BRASIL, 1990).

2.1 Seguridade social

A seguridade social é uma conquista contemplada na Constituição Federal de


1988 (BRASIL, 1988), a qual inclui as políticas de assistência social, saúde e
previdência social, consideradas fruto histórico das lutas do trabalho para
atendimento às necessidades dos trabalhadores com base nos princípios de
universalidade, com o reconhecimento do Estado e do patronato.
As políticas constituem um sistema de proteção social que envolve consenso
e pactos políticos e econômicos, mas que nem sempre atendem aos interesses da
classe trabalhadora. A concepção da seguridade social abarca todas as políticas de
proteção social previstas no artigo 60 da Constituição Federal de 1988 (PEREIRA,
2000).
A seguridade social originou-se com o reconhecimento público em relação
aos riscos sociais resultantes do trabalho assalariado. A ampliação das políticas de
proteção social deu-se após a Segunda Guerra Mundial, com a finalidade de atender
aos direitos sociais dos trabalhadores, por meio de medidas assistenciais àqueles
em situação de risco social, sem condições de exercer atividade laborativa para
garantir o próprio sustento e da família, em decorrência de doenças, invalidez,
desemprego temporário, velhice, morte, dentre outros (MOTA, 2009).
O sistema de seguridade social tem como centralidade a situação de trabalho
assalariado – e do não trabalho assalariado – tendo em vista a sua subordinação ao
capital. Assim, as políticas de proteção social estão submetidas aos princípios e
valores da sociedade em relação ao trabalho assalariado, conforme as
determinações capitalistas. A investida do capital sobre o trabalho ocorreu em
especial, no período da década de 1940 até o final da década de 1970 com a
priorização do trabalho organizado, com representação sindical e política. Trata-se
de um período em que o capital criou estratégias para enfrentar a crise capitalista,
com o objetivo de recuperação de lucros, tais como reestruturação dos capitais,
mudanças nas formas de organização do trabalho com repercussão na organização
sindical dos trabalhadores, redução do papel do Estado nas questões sociais e
novas formas de interação entre Estado, sociedade e mercado (MOTA, 2009).
A seguridade social passou por redefinições para atender aos interesses do
capital e comprometeu significativamente as políticas de proteção social tendo em
vista as proposta de ajuste e reformas, sobretudo para os países periféricos, a
exemplo dos latino-americanos. Tais propostas foram estabelecidas pelos
organismos financeiros internacionais (MOTA, 2009). Deste modo, essas injunções
na política social

têm relação direta com os empréstimos externos, contratados para


implementar pacotes que em sua grande maioria já estão prontos e com as
condicionalidades definidas. Os destaques são as parcerias comunitárias
e/ou com ONGs (organizações não governamentais), a necessidade de
focalizar a aplicação dos recursos nos mais pobres, os subsídios à
demanda sem ampliação dos recursos públicos, o trabalho com a própria
comunidade e a meta de dotar as iniciativas de auto-sustentabilidade
(MOTA, 2009, p. 41).

Os mecanismos criados pelo capital para conter a crise capitalista,


contribuíram para a desregulamentação do trabalho organizado e a defesa da
redução do papel do Estado, delegando ao mercado a regulação das questões
sociais mediante iniciativas dos indivíduos e da sociedade civil que se tornam
corresponsáveis pelas políticas sociais e, sobretudo, a institucionalização do setor
privado que mercantilizam diversos serviços de competência estatal, a exemplo da
saúde, previdência, educação, dentre outros (MOTA, 2009).
A partir dos anos de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, a
sociedade brasileira tem garantido legalmente os direitos sociais, a democracia, os
direitos trabalhistas e políticos. A seguridade social brasileira apresenta pressuposto
compatível com o estado de bem-estar dos países desenvolvidos, mas,
contraditoriamente, os trabalhadores convivem com um mercado de trabalho
excludente, pobreza relativa e absoluta, concentração de renda, dentre outras,
situação que contraria a concepção de universalização da seguridade social.
A seguridade social apresenta conteúdos amplos, seguindo modelos de
países desenvolvidos que experimentaram o estado de bem-estar, diferentemente
do Brasil, onde o mercado de trabalho não absorve a demanda de trabalhadores, a
riqueza concentra-se nas mãos de uma minoria e crescem as desigualdades sociais.
O Estado não foi capaz de implementar ações para viabilizar o acesso universal às
políticas públicas em consonância com a concepção de seguridade. O acesso do
cidadão brasileiro às políticas públicas, “esbarra nos limites da democracia formal,
na medida em que o processo de socialização da esfera política não teve
equivalente na esfera da economia, isto é, do poder econômico constituído ao longo
do regime militar” (MOTA, 2009, p. 42-43).
No conjunto de estratégias definidos pelo capital para realização das reformas
no âmbito da seguridade social está presente a nova gestão pública de trabalho que
incorpora o trabalho precarizado como única alternativa, promove a subsunção do
público à iniciativa privada, constituindo formas complementares e serviços públicos
(MOTA, 2009).
De acordo com Mota (2009), o discurso do poder dominante, para justificar os
ajustes e reformas na seguridade social, envolve o financiamento e o incentivo da
participação da sociedade civil na solução das questões sociais por meio de ações
voluntárias ou de organizações não governamentais.
Convém retomar que o desenvolvimento da seguridade social após 1964,
apresentava uma característica específica relacionada à fragmentação dos serviços
públicos, bem como a sua mercantilização, tanto a saúde como a previdência
franqueava ao capital privado a prestação de serviços por meio do mercado de
seguros, que se tornou um meio de acumulação de lucros. O Estado concedia ainda
às empresas a isenção fiscal, com a alegação de que elas colaboravam na
prestação de serviços aos empregados (MOTA, 2009).
A fragmentação dos serviços da rede pública e a mercantilização da saúde e
previdência foram elementos definidores da tendência atual de seguridade social
brasileira, tendo em vista que “cria condições objetivas e subjetivas para uma
fragmentação das necessidades e dos interesses mediatos e imediatos dos
trabalhadores no que diz respeito aos mecanismos de proteção social” (MOTA,
2009, p. 44).
Segundo Mota (2009), a previdência social transformou-se em seguro social e
a saúde, embora seja um direito do cidadão e dever do Estado, tornou-se uma
mercadoria disponível no mercado dos seguros de saúde. A assistência social
historicamente desenvolveu-se, adquiriu uma ressignificação e transformou-se em
uma política estruturadora, para dar conta das demandas desencadeadas pela
ofensiva do capital sobre o conjunto da classe trabalhadora. Assim, o capital invade
a área previdenciária e, de forma camuflada, incentiva os trabalhadores a tornarem-
se proprietários/empresários/homens de negócios com o objetivo de financiar o
capital. Conforme análise da autora, tais elementos contribuem para a estruturação
da economia e da política, bem como para a restauração do projeto capitalista em
esfera mundial que, na área da seguridade social, se traduz nas seguintes
tendências presentes na conjuntura atual:

Regressão das políticas redistributivas de natureza pública Privatização e


mercantilização dos serviços sociais; Emergência de novos protagonistas,
como o voluntariado; Despolitização das desigualdades sociais de classe
em face da identificação dos chamados processos de exclusão,; Peso de
algumas políticas de seguridade social sobre o mercado de trabalho que
esvazia as medidas de enfrentamento à precarização e desproteção do
trabalho, em prol de ações pontuais e de duvidosa eficácia contra o
desemprego, geração de renda e a formação de mão-de-obra. Do ponto de
vista político, as políticas denominadas de trabalho e renda, e que
atravessam a seguridade social, podem ser a mais nova modalidade de
incorporação das necessidades do trabalho à nova ordem do capital
(MOTA, 2009, p. 46-47).

Os caminhos trilhados pela seguridade social durante a ditadura militar com a


extensão de cobertura previdenciária a algumas categorias de trabalhadores que
estavam fora do sistema contribuíram para a mercantilização de serviços sociais
denominados serviços complementares, a exemplo dos planos de saúde e da
previdência complementar. Tais medidas comprometeram sobremaneira o
desenvolvimento de políticas sociais no atendimento às necessidades da
coletividade, uma vez que a proteção social aos trabalhadores passou a ser
regulada pelo mercado, representado pelos planos e/ou programas das empresas,
seguros sociais privados. Desse modo, o contexto político do final da década de
1970, suscitou nos trabalhadores do núcleo dinâmico da economia a capacidade de
luta pelos direitos trabalhistas – melhoria salarial, direito de greve, condições de
trabalho, dentre outros – e foi também incluído na pauta de reivindicação o
atendimento às necessidades relacionadas à saúde, à previdência e à assistência
social (MOTA, 2009).
Contraditoriamente, o atendimento das reivindicações dos trabalhadores
pelas empresas contribuiu para o enfraquecimento da luta coletiva em favor do
fortalecimento das políticas públicas de proteção social e consequentemente, o
núcleo de resistência cooptado pela burguesia transformou-se em apoio ao capital
na defesa das reformas da seguridade social, cujo desdobramento recaiu no
desmonte das políticas públicas e na forma de organização do trabalho. Assim “as
armas da crítica à seguridade social brasileira foram sendo tecidas no campo da
racionalidade capitalista e das contrapartidas sociais destituídas de materialidade e
plenas de apelo moral” (MOTA, 2009, p. 48).
A concepção de seguridade social adotada pela Constituição Federal de 1988
ultrapassa a noção de seguro social e incorpora o caráter de universalidade com
vistas à garantia da cidadania, contudo, esbarra nos diversos obstáculos presentes
nos aspectos políticos e econômicos para viabilizar a estruturação das políticas
referentes à saúde, previdência e assistência social de forma a assegurar a proteção
social.
O tripé da seguridade social exige uma articulação interpolíticas, pois, trata-se
de políticas de relevância pública, com necessidade de intervenção do Estado para
implementação das ações indispensáveis à garantia dos direitos sociais. A
sociedade brasileira enfrenta inúmeras demandas de ordem social, em razão da
permanente investida do capital contra a classe trabalhadora que manifesta
inúmeras faces da questão social tendo em vista a determinação de limites para
investimento nas políticas públicas e sociais. No entanto, o Estado desenvolve
políticas setorizadas, focalizadas e seletivas como acontece com a política de
assistência social que seleciona, dentre os pobres, o miserável, para acesso aos
programas sociais, além de exigir do “beneficiário” uma contrapartida.
Historicamente, a construção da seguridade social representa um relevante
legado para a sociedade brasileira, bem como instrumento de respostas às
demandas sociais, tendo em vista a desigualdade social provocada pelas relações
econômicas e políticas que geram permanente confronto entre as classes.
Ao longo dos anos, a seguridade social, entretanto vem perdendo o caráter de
universalidade do atendimento de forma democrática e descentralizada. A efetiva
consolidação das políticas que a compõem necessita da articulação com outras
políticas sociais, além da criação de novos mecanismos que estimulem o resgate da
seguridade como sistema de proteção social.

2.2 O processo histórico da saúde do trabalhador

Ao tratar dessa temática, é necessário apreender que a “denominação saúde


do trabalhador carrega em si as contradições engendradas na relação capital e
trabalho e no reconhecimento do trabalhador como sujeito político” (MENDES;
WÜNSCH, 2011, p. 464).
A reflexão acerca da saúde do trabalhador requer um adensamento para além
dos limites da saúde ocupacional. Trata-se de uma área que envolve determinantes
econômicos, bem como expressões da questão social. Assim, o trabalho pode
determinar o processo de saúde da população, considerando os impactos
provocados, tanto no indivíduo como na natureza, em decorrência das atividades
produtivas desenvolvidas.
Conforme a Constituição Federal de 1988, a saúde do trabalhador implica

condições dignas de vida, pleno emprego, trabalho estável e bem


remunerado, oportunidade de lazer, informação e participação livre,
autônoma e representativa de classe, informação sobre todos os dados
relacionados à vida, saúde, trabalho, acesso aos serviços de saúde com
capacidade resolutiva em todos os níveis, recusa do trabalho sob condições
que desconsiderem estes e outros tantos direitos (BRASIL, 2005, p. 9).

O campo da saúde do trabalhador expande-se, alicerçado nas


reconfigurações do mundo do trabalho e, também, por ganhar visibilidade e
reconhecimento político, e tem sido contemplado nas políticas públicas e
interpolíticas graças à luta dos trabalhadores e da sociedade civil organizada.
Apresenta concepção inovadora, entendida como direito de todos e dever do Estado
(MENDES; WUNSCH, 2011).
Assim, o processo de adoecimento do trabalhador exige uma discussão sobre
as transformações do trabalho mediante a composição diversa da força de trabalho,
conforme a reestruturação produtiva que potencia a exploração do trabalhador.
No Brasil, o desenvolvimento da saúde do trabalhador representou
teoricamente a superação do modelo de medicina ocupacional, assim, torna-se
relevante apresentar brevemente a diferença entre medicina do trabalho,
ocupacional e saúde do trabalhador.
A medicina do trabalho surgiu na Inglaterra com a Revolução Industrial no
século XIX, quando os trabalhadores eram submetidos a um intenso processo de
exploração da força de trabalho, considerada desumana, exigindo do capital
respostas como forma de preservar e manter o próprio processo de produção
capitalista. Assim, criou-se, em 1930, o primeiro Serviço de Medicina do Trabalho,
cuja principal finalidade era defender os interesses dos empregadores, com a
centralização dos serviços no médico, profissional responsável para definir as
estratégias de prevenção dos danos à saúde em decorrência dos riscos do trabalho
e a ocorrência relacionada dos problemas de saúde (MENDES; DIAS, 1991). Nesta
perspectiva a medicina do trabalho tem o objetivo de

contribuir ao estabelecimento e manutenção do nível mais elevado possível


do bem-estar físico e mental dos trabalhadores , conferindo-lhe um caráter
de onipotência, próprio da concepção positivista da prática médica
(MENDES; DIAS, 1991, p. 342).

Segundo Mendes e Dias (1991), a adaptação do trabalhador ao trabalho e a


manutenção da saúde exprime uma concepção mecanicista da medicina científica,
uma vez que o trabalhador é apreendido como uma máquina e essa perspectiva
coaduna-se com a administração científica defendida por Taylor.
A ocorrência de acidentes e doenças do trabalho em virtude da sobrecarga de
trabalho a que era submetido o trabalhador, no período posterior à segunda Guerra
Mundial, gerou inquietação dos patrões pelas inúmeras vidas perdidas, mas,
sobretudo, pela perda de mão de obra e as companhias de seguros estavam
preocupadas somente com o pagamento de indenizações para trabalhadores
vitimados. Nesse período, a indústria passava por um acelerado processo de
desenvolvimento tecnológico com a introdução de novos equipamentos e exigia uma
nova divisão internacional do trabalho, mas, paralelamente ao crescimento da
indústria, crescia também os agravos à saúde do trabalhador e a medicina do
trabalho não conseguia desenvolver ações para sanar tais problemas (MENDES;
DIAS, 1991).
Assim, priorizou-se a ação médica voltada para o trabalhador e se passou a
intervir sobre o ambiente, utilizando conhecimento de outras disciplinas e profissões.
A partir de então, surgiu a saúde ocupacional nas empresas, com a finalidade de
atender aos interesses do capital relativos à produção e com o foco nas equipes
multiprofissionais com atenção centrada na higiene industrial (MENDES; DIAS,
1991). As autoras assinalam que o modelo de saúde ocupacional não atingiu os
objetivos propostos, pois:

mantém o referencial da medicina do trabalho firmado no mecanicismo; não


concretiza o apelo à interdisciplinaridade; a capacitação de recursos
humanos, a produção de conhecimento e de tecnologia de intervenção não
acompanham o ritmo da transformação dos processos de trabalho; o
modelo, apesar de focar a questão no coletivo de trabalhadores , continua a
abordá-los como objeto da ações de saúde e a manutenção da saúde
ocupacional no âmbito do trabalho, em detrimento do setor saúde
(MENDES; DIAS, 1991, p. 344).

O modelo de saúde ocupacional surgiu e se desenvolveu em um contexto


político e social complexo e não foi capaz de responder satisfatoriamente às
demandas apresentadas pelo trabalhador e, de certa forma, nem aos interesses do
capital. A saúde ocupacional apresenta características próprias que podem se refletir
de formas distintas nos diferentes contextos políticos, econômicos e sociais e nas
formas de organização do trabalho e da saúde. A insuficiência da proposta de saúde
ocupacional tornou-se evidente com o movimento social renovado que surgiu em
países como Alemanha, França, Inglaterra, Estados Unidos da América e Itália, mas
que alcançou outros países. Os trabalhadores questionavam sobre o sentido do
trabalho na vida do indivíduo, sobre a saúde, e exigia do Estado a participação dos
trabalhadores nos assuntos relativos à saúde e à segurança. Com as reivindicações
dos trabalhadores, ocorreram mudanças relevantes na legislação trabalhista e na
saúde e segurança dos trabalhadores com a introdução de leis de proteção à saúde
do trabalhador (MENDES; DIAS, 1991).
Até a década de 1970, o entendimento sobre a saúde referenciava-se em
uma “concepção positivista com ampla autonomia da medicina, estando a mesma no
mesmo nível econômico, político e educacional e a suposição de que seria possível
transformar a sociedade a partir desses vetores (MENDES; DIAS, 1991). A proposta
de saúde ocupacional recebia várias críticas por defender uma concepção positivista
da saúde com atenção voltada somente ao curativo/medicalização com forte
tendência de reproduzir os interesses do capital.
As alterações nas formas de organização do trabalho evidenciam a relevância
da relação trabalho e saúde e demonstram a necessidade de definição de
mecanismos para mudar as condições de trabalho, com objetivo de prevenir os
riscos à saúde dos trabalhadores, e, para tanto, exige uma concepção para além da
saúde ocupacional. Nesta perspectiva, após inúmeros anos de lutas e reivindicações
dos trabalhadores por meio de movimentos sociais e sindicais, vislumbra-se na
esfera das relações trabalho e saúde, a reconfiguração da saúde do trabalhador,
que representa uma área significativa no processo de elaboração da saúde pública.
Assim,

a saúde do trabalhador considera o trabalho enquanto organizador da vida


social, com espaço de dominação e submissão do trabalhador pelo capital,
mas, igualmente, de resistência, de constituição, e do fazer histórico
(MENDES; DIAS, 1991, p. 347).

Esse processo histórico permeado de relações contraditórias, os


trabalhadores como sujeitos podem contribuir para a elaboração de estratégias, com
a possibilidade de criação de políticas de proteção social à saúde do trabalhador nos
diferentes contextos políticos, econômicos, sociais e culturais nas quais está inserida
a classe trabalhadora.
O processo de saúde é a interação entre inúmeras situações sociais. A saúde
também se relaciona ao modo de vida de cada cidadão, assim condições adequadas
de moradia, alimentação, trabalho e emprego, acesso às políticas públicas e sociais
– educação, saúde, assistência social, previdência social, dentre outras – acesso
aos bens e serviços socialmente produzidos são fatores que contribuem direta ou
indiretamente para evitar o adoecimento dos trabalhadores, ao estabelecer relação
com as condições de trabalho. Deste modo,

verifica-se a existência de uma complexa interação entre aspectos físicos,


psicológicos e sociais relevantes para a compreensão daquilo que seja a
história humana, os quais não deixam dúvidas quanto ao fato de que a
saúde e o adoecimento, o viver e o morrer dos indivíduos estão diretamente
relacionados a questões que ultrapassam análises de sua causalidade e
multicausalidade (MENDES, 1999, p. 88).

A saúde do trabalhador é complexa, e o conhecimento interdisciplinar torna-


se indispensável para a intervenção do Estado, de empresas e de trabalhadores
nessa área, que é relevante para investigação e intervenção, considerando as
mudanças no mundo do trabalho que provocam consequências cruciais para os
trabalhadores. (MELO et al, 2010).
De acordo com Melo et al (2010), é possível perceber as mudanças nas
formas de adoecimento dos trabalhadores se comparados com o modo de produção
fordista, no qual incidência de acidentes de trabalho típico (morte, amputação) e as
doenças profissionais relacionadas a ramos de produção específicos, bem como
silicose, benzenismo, asbestose e hidrargerismo, os números eram significativos,
mas, na atualidade, pode-se verificar o surgimento de outras doenças relacionadas
ao trabalho com possível associação a distúrbios psíquicos e emocionais. Assim,
saúde tem relação com as condições ambientais, sociais e supera a concepção da
medicina tradicional que associava o adoecimento ao processo individual, sem
considerar a relevância do fator histórico.
De acordo com Ribeiro (2010) o processo de saúde comporta uma relação
direta com o trabalho em razão das condições materiais em que o trabalhador
desenvolve suas atividades. No entanto, o reconhecimento dessa situação pelo
Estado e patrões ocorre com certa resistência, mas a introdução da saúde do
trabalhador como política pública, prevista na Constituição Federal de 1988 e a sua
legitimação na Lei Orgânica da Saúde (LOS) foi uma resposta do poder público para
a classe trabalhadora, em virtude do contexto político, econômico, social e cultural
que se apresentava naquele momento histórico. Considera-se um desafio a
consolidação dos preceitos constitucionais de garantia da proteção ao trabalhador
nas situações de adoecimento do trabalho, no tocante as ações do Estado, que
desenvolve ações de forma isolada, setorizada, distante da universalidade de
acesso aos direitos sociais.
A política social desempenha papel fundamental para as dimensões
econômicas e sociais, como forma de garantir os interesses dos trabalhadores, em
especial, quando o Estado tende a defender os interesses privados, como no caso
da saúde, ao favorecer o mercado de seguros e o permanente incentivo dos
indivíduos para a aquisição desse tipo de serviço. A esse respeito, Vieira (2007, p.
61), assinala que “não existe direito sem sua realização e sem mediação”. Sem a
efetivação dos direitos, a política social continuará presa na legislação e irrealizada.
No tocante à política de atenção à saúde do trabalhador, torna-se necessário
ultrapassar os limites da burocracia, do tecnicismo e da intenção política para a
viabilização de ações de atenção à saúde do trabalhador. A introdução da
automação e microeletrônica nos processos produtivos tinha como finalidade
intensificar o processo produtivo com tempo reduzido e maior utilização do trabalho,
e, contraditoriamente, também contribuiu para a redução da morbidade e da
mortalidade determinadas pelas precárias condições de trabalho. As configurações
processadas no modo de produção alteraram as formas de acidentes e doenças
típicas relacionadas ao trabalho, mas desencadearam doenças consideradas
atípicas,

sem materialidade objetiva demonstrável, como as do sistema


osteomioesqueléticas, como as lesões por esforço repetitivo, , mialgias e
fibromialgias, as cardiovasculatórias, as gastroentéricas, do psiquismo e
comportamentais (RIBEIRO, 2010, p. 312).

Segundo Ribeiro (2010), a inversão da prevalência nas formas de


adoecimento deve-se à intensificação e ritmos de trabalho com ampla produção e
produtividade de cada trabalhador, bem como mudanças nos modos de trabalho e
de vida dos trabalhadores, dentre outros: A “saúde do trabalhador manifesta-se no
seu estado biopsiquico, relacionada com as condições materiais e sócio-políticos
presentes no processo e condições de trabalho e de vida do trabalhador” (FREIRE,
2010, p. 168). A concepção relativa à saúde do trabalhador é fruto do movimento
brasileiro de reforma sanitária das décadas de 1970 e 1980, que contou com a
participação de vários intelectuais preocupados com da saúde no Brasil e resultou
na construção do conceito de saúde do trabalhador, entendida como saúde coletiva
(FREIRE, 2010). Neste sentido,

a saúde do trabalhador entende o social como o determinante das


condições de saúde e, sem negar que os doentes devam ser tratados e que
seja necessário prevenirem-se novas doenças, privilegia ações de
promoção da saúde. Entende que as múltiplas causas das doenças tenham
uma hierarquia entre si, não sendo neutras e iguais, havendo algumas
causas que determinam outras (MENDES, 1999, p. 81).

O tradicional conceito de saúde do trabalhador, nos moldes da medicina do


trabalho e saúde ocupacional, envolve paradigmas produtivistas e mercantilistas dos
anos de 1930, cujo objetivo era a prevenção da doença sem considerar as relações
sociais e produtivas. O conceito de saúde do trabalhador, como “o completo estado
de bem-estar físico, psíquico e social” foi elaborado pelo comitê misto da
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e Organização Mundial de Saúde
(OMS), em Genebra, em 1950 (FREIRE, 2010).
A concepção de saúde do trabalhador implica o desenvolvimento de ações
amplas de forma que alcancem a coletividade e atribui ao trabalhador a
denominação de sujeito, cidadão de direito, que espera do poder público o
atendimento das suas necessidades, em razão da complexidade do processo de
saúde para o conjunto dos trabalhadores. Assim, “a saúde do trabalhador pressupõe
articulação entre diferentes alternativas de intervenção que contemplem as diversas
formas de determinação do processo de saúde dos trabalhadores” (MENDES, 1999,
p. 78).
De acordo com Bravo (1999), as transformações econômicas e políticas da
década de 1930 e a pressão do operariado exigiam do poder público a intervenção
no campo da saúde para o atendimento das suas necessidades básicas. A realidade
socioeconômica da década de 1930, segundo a autora, tinha como palco a dinâmica
da acumulação capitalista e a industrialização, cenário de desenvolvimento das
expressões da questão social que requisitava do Estado redefinição do seu papel de
intervenção. Neste sentido, o Estado formulou a política de saúde de âmbito
nacional, dividida em duas áreas, saúde pública e medicina previdenciária. Para
Bravo (1999), a década de 1930 foi marcada por um processo de industrialização,
cujo contexto econômico e político propiciava o surgimento da questão social e,
particularmente, da saúde. A industrialização constituíra-se em um modo de
acumulação capitalista, de crescimento da classe trabalhadora e de urbanização.
Nesse contexto surgiram inúmeras expressões da questão social dos trabalhadores,
como precárias condições de moradia, e de saúde, dentre outras.
A área de saúde pública predominou até a década de 1960 e priorizava os
serviços de atendimentos de condições sanitárias mínimas para pessoas do meio
urbano e atendia de forma restrita as populações do meio rural. A partir de 1966 a
área de medicina previdenciária passou a dominar a saúde pública. Bravo (2009),
fundamentada nos estudos de Braga e Paula (1986), afirma que as principais
alternativas adotadas para a saúde pública no período de 1930 a 1940 centravam-
se,

nas campanhas sanitárias; coordenação dos serviços estaduais de saúde


do Estado de fraco poder político e econômico, em 1937, pelo
Departamento Nacional de saúde; Interiorização das ações para as áreas
de endemias rurais, a partir de 197, em decorrência dos fluxos migratórios
de mão-de-obra para as cidades. Criação de serviços de serviços de
combate às endemias (Serviço Nacional de Febre Amarela, 1937; Serviço
de Malária da Baixada Fluminense, 1940, financiados os dois primeiros pela
Fundação Rockfeller – de origem norte-americana). Reorganização do
Departamento Nacional de Saúde em 1941, que incorporou vários serviços
de combate às endemias e assumiu o controle da formação de técnicos em
saúde pública (BRAVO, 2009, p. 91).

A política nacional de saúde formulada na década de 1930 solidificou-se no


período de 1945-1950 e, durante a Segunda Guerra Mundial, criou-se o serviço
Especial de Saúde Pública, por meio do “convênio com órgão do governo
americano” (BRAVO, 2009, p. 92).
De acordo, com Bravo (2009), o Instituto de Aposentadorias e Pensões (Iaps),
instituído na década de 1930, representava a medicina previdenciária e o seu
objetivo consistia em prestar atendimento médico e garantia de benefícios aos
trabalhadores assalariados da zona urbana, mediante contribuição, porém sem
ampliar os “benefícios oferecidos” pelos institutos.
Em relação à saúde do trabalhador, segundo Santana e Silva (2008) a
atenção estava centrada na realização de exames médicos para admissão e não
havia a preocupação com ações preventivas nesse campo da saúde.
Segundo Faleiros (2010), a literatura sobre saúde do trabalhador indica que a
Lei de 1919, proposta por Adolfo Gordo, por meio de um projeto, tornou-se a
primeira legislação social de âmbito nacional que previa a indenização para
trabalhadores nas situações de acidentes decorrentes de acidentes do trabalho. A lei
não previa ação de prevenção de acidentes no trabalho, que eram considerados
como algo natural.
De acordo com Faleiros (2010), a legislação de saúde e de segurança no
trabalho passou por algumas alterações nos anos de 1934 e 1944, durante o
governo de Getúlio Vargas, e determinavam a intervenção do Estado em
companhias de seguros contra acidentes de trabalho. Em relação ao regime de
indenização, reduziu-se a participação de companhias e seguros privados com a
perspectiva de transferir para o Estado o controle dos seguros de acidentes de
trabalho. Nesse período, não havia a preocupação preventiva referente à saúde do
trabalhador, as ações centravam-se somente no curativo e pagamento de
indenizações nos casos de danos à saúde, em decorrência de acidentes de
trabalho.
O processo de industrialização no governo de Vargas, na década de 1930
contribuiu para o aumento de acidentes de trabalho nas fábricas e empresas e
ocasionou uma reação dos trabalhadores, o que obrigou o Estado a atender às
reivindicações com relativas à segurança no trabalho.
De acordo com Faleiros (2010), o Decreto no 24.637, de 10 de julho 1934, e o
Decreto lei no 7.036, de novembro de 1944, que dispunham sobre as ações de
saúde e segurança no trabalho, consolidadas em 1955, permaneceram sem
alterações, mesmo após a queda de Vargas. Em 1960, criou-se a Lei de Previdência
Social, que regulamentava os diversos institutos de previdência. No entanto, nos
anos 1960, a política de saúde e segurança no trabalho torna-se prevenção dos
acidentes de trabalho por meio de uma legislação proposta em 1967, convertida em
lei e promulgada em 1976.
No período da ditadura militar, os trabalhadores eram impedidos de qualquer
forma de organização, sobretudo para reivindicação de direitos sociais e políticos.
Qualquer forma de manifestação podia ser considerada “ameaça à segurança
nacional”, e as pessoas envolvidas corriam o risco de serem presas, torturadas ou
mesmo executadas.
A contradição entre capital e trabalho que gera desigualdades, concentração
de renda, condições precarizadas de trabalho, dentre outras, leva os trabalhadores a
lutarem por melhores condições de trabalho, bem como exigirem implantação de
medidas de proteção à saúde e à segurança no trabalho. Por meio dos sindicatos,
mesmo sob tutela do Estado e com a repressão com relação às greves, os
trabalhadores representavam ameaça para a classe dominante e, para evitar a
pressão dos trabalhadores o “Estado intervém nos seguros contra acidentes de
trabalho e no controle das condições de trabalho” (FALEIROS, 2010, p. 24).
No o processo de industrialização, a prevenção de acidente e doenças
relacionadas ao trabalho torna-se necessário e de interesse do capital, contudo
requer a intervenção do Estado. Nessa direção, o trabalho passa a ser controlado de
forma indireta por médicos, engenheiros e supervisores de segurança e “o conteúdo
das políticas de saúde e segurança no trabalho modifica-se segundo as conjunturas
e as relações das forças em confronto” (FALEIROS, 2010, p. 24).
A política de saúde no período da ditadura representou “a afirmação de uma
tendência de desenvolvimento econômico, social e político que modelou um país
novo” (BRAVO, 2009, p. 93). Nesse contexto os “problemas” de ordem estrutural
tornaram-se cada vez mais complexos, e, enquanto o governo ditatorial procurava
amenizar os conflitos sociais por meio de uma política de repressão, também
promovia ações assistenciais, com o objetivo de legitimar o poder em atendimento
aos interesses do capital.
Os serviços de saúde prestados à população no período de 1945 a 1964 não
conseguiram reduzir os índices de morbidade e mortalidade infantil e a mortalidade
em geral e nem combater as doenças infecciosas e parasitárias. A política de saúde
implementada no Brasil naquele período era direcionada para contribuintes da
previdência social. Aqueles que dispunham de recursos financeiros buscavam
assistência médica privada, e os pobres, desempregados e miseráveis, estavam
sujeitos à ação das Santas Casas de Misericórdia (BRASIL, 2005).
No sistema capitalista, a saúde torna-se uma mercadoria, regulada pelo
mercado e desenvolvimento da medicina previdenciária, em detrimento da saúde
pública. As ações referentes à medicina previdenciária centravam sua atenção em
práticas curativas sob comando do setor privado. O Ministério da Saúde executava
as ações de caráter coletivo, dissociado do atendimento individual. Tais ações
limitavam-se a campanhas e programas relativos à prevenção, bem como,
vacinação, doenças específicas e endemias (BRASIL, 2005).
Convém retomar que, a partir de 1966 o governo promoveu a unificação dos
institutos de aposentadorias e pensões (Iaps), sob o controle do Estado e atribuiu
aos trabalhadores o papel de financiar a previdência. Assim, a saúde pública, bem
como a medicina previdenciária, priorizavam a medicalização. Esta última, a partir de
sua reestruturação, em 1966 desenvolveu-se, em detrimento da saúde pública
(BRAVO, 2009).
Bravo (2009), fundamentada nas obras de Oliveira e Teixeira Fleury (1986, p.
207), afirma que, no contexto da década de 1960, o governo implantou o modelo
que privilegiava o produtor privado, conforme as características a seguir:

extensão da cobertura previdenciária de forma a abranger a quase


totalidade da população urbana, incluindo, após 1973, os trabalhadores
rurais, empregados domésticos e trabalhadores autônomos; ênfase na
prática médica curativa, individual, assistencialista e especializada, e
articulação do Estado com os interesses do capital internacional nas
indústrias farmacêuticas e de equipamento hospitalar; interferência estatal
na previdência, desenvolvendo um padrão de organização da prática
médica orientada para a lucratividade do setor saúde, propiciando a
capitalização da medicina e privilegiando o produtor privado desses
serviços; organização da prática médica em moldes compatíveis com a
expansão do capitalismo no Brasil, com a diferenciação do atendimento em
relação à clientela e das finalidades que esta prática cumpra em cada uma
das formas de organização da atenção médica (BRAVO, 2009, p. 94).

Em relação à saúde do trabalhador, segundo Santana e Silva (2008), na


década de 1970, as ações desenvolvidas centravam-se na assistência médica e
concessão de benefícios sociais por meio do Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), instituído pelo Decreto Lei no 72/1966. Em 1967, criou-se o Instituto Nacional
de Assistência Médica e Previdência Social (Inamps), responsável pela prestação de
serviços médicos aos trabalhadores contribuintes.
Conforme Santana e Silva (2008), o atendimento médico aos trabalhadores
era realizado pelo próprio instituto e por meio de contratos e convênios firmado com
o Inamps. A proteção social aos trabalhadores vítimas de acidentes e/ou doenças
relacionadas ao trabalho ocorria por meio da concessão de benefício, como forma
de substituição de renda. Naquele período, instituiu-se também o Centro de
Reabilitação Profissional para atender aos trabalhadores com incapacidade
laborativa.
As políticas de saúde, em geral, bem como as de saúde e segurança no
trabalho desenvolvem-se conforme a dinamicidade dos fatos em diferentes
contextos históricos, em consonância com as forças em confronto, ou seja, as
formas de enfrentamento entre capital e trabalho.
A política de atenção à saúde desenvolvida até 1988 excluía do acesso à
saúde à maioria da população brasileira, tendo em vista a exigência da relação de
emprego formal para atendimento na medicina previdenciária e a fragilidade da
política de saúde pública era decorrente do acirramento das expressões da questão
social, em especial, a saúde dos cidadãos (BRASIL, 2005).
De acordo com Bravo (2009) e Correia (2009), o Brasil nas décadas de 1970
e 1980, passou por um processo de redemocratização, após vinte anos de ditadura
militar e foi relevante a participação dos movimentos sociais. Paralelamente ao
processo de redemocratização, surgiu o Movimento de Reforma Sanitária, que
contou com a adesão de entidades sindicais, trabalhadores, intelectuais e partidos
de esquerda que, juntos lutaram pela defesa do direito à saúde na perspectiva de
superação do modelo de assistência médica privada para a criação de um sistema
de saúde pública universal.
“A saúde do trabalhador somou-se a outras respostas institucionais, diante
dos diversos movimentos sociais que reivindicavam entre outras questões a saúde
como direito universal” (BRASIL, 2005, p. 55). O movimento de reforma sanitária
defendia as seguintes propostas:

universalização do acesso à saúde; a concepção de saúde como direito


social e dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do
sistema Unificado de Saúde, visando um profundo reordenamento setorial
com um novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização
do processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento
efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de
gestão – os conselhos de saúde (BRAVO, 2009, p. 96).
No contexto de luta pela universalização do acesso à saúde como direito,
defendido pelo movimento de reforma sanitária, incluiu-se também o debate sobre a
saúde do trabalhador. Assim, o movimento pela saúde do trabalhador, que teve
início no final da década de 1970,

apresentava como proposta o desenvolvimento de ações de defesa do


direito ao trabalho digno e saudável; participação dos trabalhadores nas
decisões quanto à organização e gestão dos processos produtivos e na
busca da garantia da atenção integral à saúde para todos (HOEFEL et al
2005, p. 73).

A década de 1980, do ponto de vista político e ideológico, foi relevante para a


consolidação da luta dos trabalhadores e da sociedade brasileira pela democracia,
que culminou com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (LACAZ, 2005, p.
145), e a garantia de direitos de cidadania contidos na Constituição de 1988 e
representou uma resposta do Estado para o conjunto da classe trabalhadora. No
entanto, constituiu-se também em mecanismos para manutenção da hegemonia do
poder dominante, que inverte o sentido da democracia, apresentando-a como valor
estratégico para fortalecimento do poder político e também econômico, o que
compromete sobremaneira o desenvolvimento e a efetivação da cidadania, conforme
preceitos constitucionais.
Conforme Bravo (2009), a VIII Conferência Nacional de Saúde (CNS)
realizada em março de 1986, em Brasília-DF, tornou-se um marco na história da
saúde no Brasil e com os principais temas abordaram a saúde como direito inerente
ao cidadão, a reformulação do sistema nacional de saúde e o financiamento setorial
(BRAVO, 2009).

A VIII Conferência Nacional de Saúde, segundo Bravo (2009), constituiu um


espaço das expressões históricas de representação social da sociedade civil e
contou com a participação popular, bem como sindicatos, partidos políticos,
moradores, associações de profissionais e parlamentares que discutiram a questão
da saúde em uma perspectiva de totalidade, com propostas para além do Sistema
Único de Saúde (SUS). Assim, VIII CNS abriu espaço para a discussão da saúde do
trabalhador, e em 1987, aconteceu a I Conferência Nacional de Saúde do
Trabalhador (CNST), com a proposta de estruturação dessa política (LACAZ, 2005).
A Constituição Federal de1988 introduziu avanços relevantes para o conjunto
da sociedade brasileira, como a universalização de direitos para todos os cidadãos.
As desigualdades sociais existentes no país eram evidentes, por isso limitava-se o
acesso da classe trabalhadora às políticas públicas, pois imperava o caráter
privatista (BRAVO, 2009). A autora assinala que, no entanto, o texto constitucional
contemplou inúmeras reivindicações do movimento popular e, busca fundamentação
em Teixeira (1989: 50-51) e apresenta os principais aspectos aprovados na
Constituição de1988:

o direito universal à saúde e o dever do Estado; As ações e serviços de


saúde passaram a ser considerados de relevância pública; Construção do
Sistema único de Saúde, integrando todos os serviços públicos em uma
rede regionalizada, descentralizada e de atendimento integral da
comunidade; a participação do setor privado no sistema de saúde deverá
ser complementar, sendo vedada a destinação de recurso público para sua
subvenção às instituições com fins lucrativos; os contratos com entidades
privadas prestadoras de serviços far-se-ão mediante contrato de direito
público; proibição da comercialização de sangue e seus derivados
(BRAVO,2009, p. 97).

A Constituição Federal incorporou várias reivindicações do movimento


sanitário, mas algumas propostas não foram contempladas no texto constitucional
por contrariarem os interesses do capital. Portanto, em relação à saúde, “não
garantiu ao trabalhador o direito de recusar-se a desenvolver suas atividades em
ambientes de trabalho prejudicial a saúde e não assegurou o acesso à informação
sobre produtos tóxicos” (BRAVO, 2009, p. 98).
No artigo 200, a Constituição Federal determina que “ao sistema de saúde
compete [...] executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica bem como
as de saúde do trabalhador” (BRASIL, 1988), e a saúde do trabalhador tornou-se
responsabilidade do Sistema Único de Saúde (SUS). As ações referentes a essa
área são complexas e necessitam de uma intervenção multiprofissional e
interdisciplinar e se tornou fundamental a participação da previdência social, trabalho
e emprego, meio ambiente, justiça, educação e outros órgãos que estabelecem
articulação com a saúde do trabalhador e também o envolvimento permanente do
trabalhador nesse processo (BRASIL, 2005).
A implantação do SUS representou avanço significativo para o cidadão
brasileiro por reconhecer o direito de acesso de todos às ações de atenção integral a
saúde, assim como da participação dos trabalhadores na gestão de saúde pública
por meio do controle social. O direito de todos ao acesso à saúde é dever do Estado,
assegurado no artigo 196 da CF/1988 e ao SUS compete garantir a equidade na
oferta dos serviços, dentre os quais o de atendimento à saúde do trabalhador de
forma que satisfaçam as necessidades dos trabalhadores (BRASIL, 2005).
A saúde do trabalhador compõe o campo das políticas públicas e a discussão
do processo saúde perpassa necessariamente a categoria trabalho. Deste modo, no
debate referente às relações de trabalho deve-se considerar as políticas sociais e as
“as condições de existência, moradia, alimentação, meio ambiente, lazer, autonomia,
cidadania, conjunto de fatores que constitui no conceito ampliado de saúde
aprovado na VIII CNS” (HOEFEL, 2005, p. 79).
Segundo Hoefel (2005), historicamente, a previdência social, o meio ambiente
e emprego caracterizam-se por desenvolver ações de forma fragmentada o que
compromete a resolutividade das ações. No entanto, “a saúde do trabalhador
pressupõe uma interface entre diferentes alternativas de intervenção que
contemplem as várias formas de determinação do processo de saúde-doença dos
trabalhadores” (MENDES; WÜNSCH, 2011, p. 468).
As múltiplas configurações nos processos de trabalho e a contradição na
relação capital trabalho podem contribuir para o surgimento de doenças e acidentes
do trabalho, em decorrência de ambientes de trabalho insalubres, prejudiciais à
saúde dos trabalhadores. Para Mendes e Wünsch (2011), o diagnóstico e o
tratamento constituem estratégias relevantes, mas torna-se fundamental o
desenvolvimento de ações com a finalidade de modificar os ambientes de trabalho,
para eliminar ou reduzir os riscos à saúde dos trabalhadores.
“Os avanços no campo político e teórico sobre a saúde do trabalhador não
podem prescindir da construção de uma base legal e normativa que contemple as
diretrizes políticas para atenção da saúde do trabalhador”, afirmam Mendes e
Wunsch (2011, p. 468). Assim, as portarias federais do Ministério da Saúde no 1.679,
de 19 de setembro de 2002, e no 2.437, de 7 de dezembro de 2005 e a de n o 2.728,
de 29 de dezembro de 2009, são responsáveis pela criação, ampliação e
implementação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador
(Renast), que “tem a finalidade de garantir o desenvolvimento de ações de atenção
à saúde dos trabalhadores em cumprimento às determinações da Constituição
Federal de 1988 e da Lei Orgânica da Saúde” (BRAGA JR., 2005, p. 97).
Essa lei consolida o SUS e dispõe sobre as orientações básicas,
procedimentos e as formas de execução das ações e serviços em saúde do
trabalhador, contemplando assistência, vigilância, promoção, informação, ensino e
pesquisa (BRASIL, 1990).
A área da saúde do trabalhador garantida constitucionalmente, conforme já
mencionado neste estudo, continuou alvo de debates por trabalhadores, entidades
sindicais, instituições de saúde, dentre outros. Desse modo, em 1994, realizou-se a
II CNST, no período de 13 a 16 de março de 1994 em Brasília-DF cujo tema central
foi “Construindo uma política de saúde do trabalhador”, naquela conferência
defendia-se também a priorização das ações de promoção e prevenção em saúde
do trabalhador.
Após quase onze da realização da II CNST, foi realizada a III CNST, em
novembro de 2005, com tema central “Trabalhar sim, adoecer não”, orientada em
três eixos temáticos: a) como garantir a integralidade e a transversalidade da ação
do Estado em saúde dos trabalhadores; b) como incorporar a saúde dos
trabalhadores na política de desenvolvimento sustentável no país? c) como efetivar
e ampliar o controle social em saúde dos trabalhadores? (HOEFEL et al, 2005, p.
72).
A III CNST teve como finalidade discutir as diretrizes para atuação transversal
e inter-setorial no campo da saúde, previdência social e trabalho com a participação
dos sujeitos sociais (HOEFEL et al, 2005).
Historicamente, o campo da saúde do trabalhador obteve avanços
significativos relacionados à interpretação dos agravos à saúde e às formas de
intervenção na área da assistência e, também, melhoria das condições de trabalho.
A denominação saúde do trabalhador supera e transcende a tradicional medicina do
trabalho e da saúde ocupacional (LACAZ; GOMES, 2005). A concepção de saúde
do trabalhador entende o social como

determinante das condições de saúde sem negar que o adoecimento deve


ser tratado e que é necessário prevenir novas doenças, privilegiando ações
de promoção da saúde. Tal concepção entende que as múltiplas causas
dos acidentes e as doenças do trabalho têm uma hierarquia entre si, não
sendo neutras e iguais, havendo algumas causas que determinam outras
(MENDES; WÜNSCH, 2011, p. 467).

Com base na nova concepção de saúde, entende-se que o processo saúde e


trabalho apresenta relação direta com as determinações sociais que fazem emergir
demandas sociais e exigem do Estado respostas concretas para satisfação das
necessidades dos trabalhadores na realidade social objetiva. A proteção social à
saúde do trabalhador está imersa nas mediações que se apresentam entre Estado e
classes sociais, na perspectiva de assegurar o atendimento à saúde tendo em vista
as perdas sofridas decorrentes da força demolidora do capital e, sobretudo, a
garantia de outros direitos conquistados historicamente (MENDES, 2011).
A efetivação do SUS, conforme preceitua a legislação, torna-se fundamental
para que o Estado cumpra sua função social de garantir o acesso universal de todos
à saúde e assegurar aos trabalhadores o direito de desenvolverem suas atividades
laborativas em ambientes de trabalho saudáveis que preservem a sua saúde e
integridade física e mental (HOEFEL, 2005).
A discussão sobre o trabalho possibilita entender que a saúde do trabalhador
é resultado das relações sociais da sociedade capitalista (MENDES, 2011). A perda
da saúde, em consequência da exploração do da força de trabalho torna evidente a
contradição capital e trabalho e, nesse processo, pode suscitar enfrentamento dos
trabalhadores para obtenção do reconhecimento de direitos e atendimento das
necessidades, inúmeras vezes negadas quando solicitadas.
A proteção social à saúde do trabalhador requer a intervenção do Estado, por
meio de implementação de políticas públicas, como forma de reconhecer o
adoecimento no trabalho e dar visibilidade a esse fenômeno que tende a se ampliar,
em razão das transformações do mundo do trabalho que favorecem o adoecimento
do trabalhador, pois o capital, além de apropriar-se da força de trabalho, degrada e
destrói a saúde e a vida do trabalhador.

2.3 Legislação e a política de saúde do trabalhador

O Sistema Único de Saúde (SUS) possui princípios e fundamentos definidos


na Constituição e na Lei Orgânica da Saúde (LOS), ambas pautadas na concepção
de universalidade de acesso aos serviços de saúde – integralidade e igualdade de
assistência à saúde – desenvolvida na forma regionalizada e hierarquizada nas três
esferas de governo, com a participação da comunidade, por meio do controle social.
Deste modo, o SUS constitui-se em um instrumento relevante para o
desenvolvimento de ações que efetivem a promoção e a proteção da saúde dos
trabalhadores (BRAGA JR., 2005; FERREIRA, 2011).
De acordo com a Lei no 8.080/1990, artigo 2o, “a saúde é um direito
fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis
ao seu pleno exercício” (BRASIL, 1990).
A saúde, reconhecida como política pública pela seguridade social,
representa relevante conquista da sociedade brasileira. O SUS incorporou as ações
em saúde do trabalhador, e a sua criação, fortaleceu a discussão para a implantação
e implementação de uma Política Nacional de Saúde do Trabalhador (PNST), com o
envolvimento dos diferentes ministérios, como Ministério da Saúde (MS), Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério da Previdência Social (MPS).
A necessidade da criação de uma política nacional de saúde do trabalhador
motivou a retomada do debate na II CNST/1994, um dos pontos centrais da
conferência que busca também a articulação inter-setorial, em consonância com os
princípios e diretrizes do SUS (LACAZ, 2010).
Segundo Lacaz (2005), a proposta de implantação de uma política nacional
de saúde do trabalhador também foi alvo de debate na III CNST/2005, uma vez que,
até aquele ano, o poder público não havia efetivado uma PNST, conforme as
diretrizes e estratégias do SUS para atender ao trabalhador vítima de acidente e/ou
doença relacionada ao trabalho.
Para Lacaz (2010), o principal obstáculo para a concretização da PNST deve-
se a disputa de poder entre os ministérios diretamente ligados ao campo da saúde
do trabalhador. As propostas dos três ministérios para o desenvolvimento de ações
para área da saúde do trabalhador apresentam distinta concepção e diferente
entendimento político e técnico. Historicamente, a implantação de ações e serviços
voltados para a saúde dos trabalhadores, em consonância com os princípios e
diretrizes do SUS, encontra-se engendrada por determinantes políticos, econômicos
e sociais. Nesse sentido, trabalhadores, representantes sindicais e diversos
profissionais preocupados com a defesa de uma política pública para todos em
especial, no campo da saúde do trabalhador, permanecem na luta para alcançar a
efetivação do SUS.
De acordo com Lacaz (2010), a criação da Norma Operacional de Saúde do
Trabalhador Nost/SUS), por meio da Portaria no 3.908, de 30 de outubro de 1998, do
Ministério da Saúde (MS) constituiu-se em um instrumento relevante para defesa da
PNST. A norma em referência tem como objeto “auxiliar os Estados e municípios na
implantação das ações de saúde do trabalhador no SUS em busca de melhores
condições de saúde dos trabalhadores” (BRASIL, MS, 1998).
A referida norma prevê a realização de ações em saúde do trabalhador,
conforme as diretrizes do SUS, que contemplem os trabalhadores urbano e rural,
observando as diferenças de gênero, pelos municípios, Distrito Federal e estados,
norteados pelos pressupostos básicos do SUS. Suas ações visam:

Universalidade e equidade; Direito à informação sobre a saúde, sobretudo


relacionado aos riscos; Participação e controle social; Regionalização e
Hierarquização das ações de saúde do trabalhador; Utilização do critério
epidemiológico e de avaliação de riscos à saúde no planejamento e
avaliação das ações no estabelecimento de prioridades e na alocação de
recursos; Configuração da saúde do trabalhador como um conjunto de
ações de vigilância e assistência, visando à promoção, à proteção, à
recuperação e à reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos a
riscos e agravos advindo do processo de trabalho (BRASIL, 1998).

A mesma portaria determina que aos municípios, Distrito Federal e estados


competem a execução das ações na área da saúde do trabalhador, ao considerar a
condição de gestão de cada esfera pública: gestão plena de atenção básica e
gestão plena do sistema municipal.
A gestão plena da atenção básica, no tocante à saúde do trabalhador assume
as seguintes ações em saúde do trabalhador,

garantirá o atendimento ao acidentado do trabalho e do suspeito ou


portador de doença profissional ou do trabalho; realizar ações de vigilância
aos ambientes e processos de trabalho; notificar os agravos à saúde e os
riscos relacionados com o trabalho; estabelecer prática rotineira de
sistematização e análise dos dados gerados no atendimento aos agravos à
saúde relacionados ao trabalho, de modo a orientar as intervenções de
vigilância, a organização dos serviços e das demais ações em saúde do
trabalhador (BRASIL, 1998, p. 2-3).

A gestão plena do sistema municipal é responsável, além das já previstas


pela condição de gestão plena da atenção básica, pelas seguintes ações em saúde
do trabalhador:

realizará a emissão de laudos e relatórios circunstanciados sobre os


agravos relacionados com o trabalho ou limitações (seqüelas) deles
resultantes; criar e operacionalizar um sistema de referência para o
atendimento ao acidentado do trabalho, e ao suspeito ou portador de
doença profissional ou do trabalho; realizar sistematicamente ações de
vigilância aos ambientes e processo de trabalho; criar e manter atualizado
cadastro das empresas classificadas nas atividades econômicas
desenvolvidas no município; utilizar os dados gerados nas atividades de
atenção à saúde do trabalhador, com vistas a subsidiar a programação e
avaliação das ações neste campo, e alimentar os banco s de dados de
interesse nacional (BRASIL, 1998, p. 3).

A portaria em referência recomenda a criação de um Núcleo de Referência


Técnico Operacional de Saúde do Trabalhador para o cumprimento das ações e
serviços em saúde do trabalhador (BRASIL, 1998).
De acordo com Hoefel et al, (2005, p. 73), a institucionalização das ações de
saúde do trabalhador no SUS no final da década de 1990, organizadas em modelos
de centro de referência instalados em vários municípios dos estados brasileiros
possibilitou a produção de experiências dos centros de referências com apoio das
secretarias municipais de saúde, hospitais universitários e ações sindicais. O
estabelecimento de estratégias para garantia das ações assistenciais, de vigilância
em conformidade com os princípios do SUS, em especial, o da universalidade
“pressupõe a responsabilidade do SUS sobre todos os trabalhadores, independentes
de seu grau de inserção na economia ou tipo de vínculo trabalhista” (BRASIL, MS,
2006, p.16).
Deste modo, com a finalidade de promover a atenção integral à saúde do
trabalhador no SUS, a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador
(Renast), constitui-se a principal estratégia do SUS para o desenvolvimento de
ações para o atendimento à saúde do trabalhador (LACAZ, 2010).
A publicação da Portaria GM/MS no 2.437, de dezembro de 2005 (BRASIL,
2005), representou a ampliação da Renast e a institucionalização da saúde do
trabalhador como política de Estado e estabeleceu as condições necessárias para
sua execução. O entendimento acerca de um modelo integral à saúde do
trabalhador pressupõe a necessidade de

qualificar as práticas de saúde, envolvendo o atendimento dos acidentados


do trabalho, dos trabalhadores doentes das urgências e emergências às
ações de promoção e proteção da saúde e de vigilância, orientados por
critério epidemiológico. Para que isso ocorra de forma efetivo, se faz
necessário abordagem interdisciplinar e a utilização de instrumentos,
saberes, tecnologias originadas de diferentes áreas do conhecimento,
colocadas a serviço das necessidades dos trabalhadores (BRASIL, 2005, p.
19).

“A denominação saúde do trabalhador carrega em si as contradições


engendradas na relação capital e trabalho e no reconhecimento do trabalhador como
sujeito político”, afirmam Mendes e Wunch (2011, p. 464). A relação saúde e
trabalho exigem respostas políticas, teóricas e sociais, uma vez que sua essência
está no desvelamento do significado do trabalho, e sua transformação apresenta
consequências na vida e na saúde dos trabalhadores.
A Renast, considerada uma política de Estado fundamental para efetivação
das ações em saúde do trabalhador, caracteriza-se como “uma rede de atenção
integrada à saúde do trabalhador no SUS, estruturada a partir dos centros de
referência, das unidades e dos municípios sentinelas, organizada em torno de um
dado território” (HOEFEL, 2005, p. 74).
Para a implementação da Renast, definiu-se como estratégia a organização
de municípios sentinelas e núcleos sentinelas responsáveis pelo processo
metodológico, o que pressupõe a organização do fluxo de atendimento dos
trabalhadores vítimas de acidentes ou doenças relacionadas ao trabalho em todos
os níveis de atenção do SUS, assim como “rede básica, média e alta complexidade
em articulação com as vigilâncias sanitária, epidemiológica e ambiental” (HOEFEL et
al, 2005, p. 74).
A Renast tem como principal objetivo articular a rede de serviços do SUS
relativos à assistência e à vigilância pra o desenvolvimento de ações de saúde do
trabalhador e deve priorizar a promoção e a vigilância da saúde, diagnóstico,
tratamento e reabilitação, bem como notificação. À Renast compete também
estabelecer articulação com a previdência social, desenvolver capacitação
continuada dos trabalhadores da área da saúde, colaborar para a produção de
conhecimento e propiciar a participação da sociedade por meio do controle social
(BRASIL, 2006).
O artigo 1o da Portaria 2.728, de 11 de novembro de 2009 dispõe que a
Renast deve

ser implementada de forma articulada entre o Ministério da Saúde, as


Secretaria de Saúde dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com
envolvimento dos órgãos de outros setores dessas esferas executoras de
ações relacionadas com a saúde do trabalhador, além de instituições
colaboradoras nessa área (BRASIL, 2009).

De acordo com o artigo 1o, § 1o da mesma portaria, as ações em saúde do


trabalhador “deverão ser desenvolvidas de forma descentralizada hierarquizada em
todos os níveis de atenção do SUS e inclui as de promoção, prevenção, curativas e
de reabilitação” (BRASIL, 2009). Essa portaria estabelece no artigo 1 o, § 2o, que “a
Renast integra a rede de serviços do SUS, voltados à promoção, assistência e a
vigilância para o desenvolvimento das ações de saúde do trabalhador” (BRASIL,
2009). Nesse sentido, no § 3o do artigo 1o, estabelece que a implementação da
Renast deve ocorrer por meio da,

estruturação da rede de Centros de Referência em Saúde do Trabalhador –


CEREST; Inclusão das ações de saúde do trabalhador na atenção básica
por meio da definição de protocolos, estabelecimento de linhas de cuidado e
outros instrumentos que favoreçam a integralidade; Implementação das
ações de promoção e vigilância e saúde do trabalhador; Instituição e
indicação de serviços de saúde do trabalhador de retaguarda, de média e
alta complexidade já instalada (rede de serviços de sentinela em saúde do
trabalhador); Caracterização de Municípios sentinela em saúde do
trabalhador (BRASIL, 2009).

Conforme o artigo 6o da Portaria 2.728/2009, “as ações em saúde do


trabalhador deverão estar inseridas expressamente nos Planos de Saúde Nacional,
estadual, distrital e municipal e nas respectivas programações anuais” (BRASIL,
2009).
O artigo 7o da Portaria 2.728/2009, determina que o Centro de Referência em
Saúde do Trabalhador (Cerest) tem por “função dar subsidio técnico para o SUS nas
ações de promoção, prevenção, vigilância, diagnóstico, tratamento e reabilitação em
saúde dos trabalhadores urbanos e rurais” (BRASIL, 2009). A abrangência do Cerest
pode ser de âmbito estadual, regional e municipal.
De acordo com a Portaria 2.437/2005, aos Cerests Regionais, unidades
especializadas de retaguarda para o desenvolvimento das ações de saúde do
trabalhador, competem,

atuar como agentes facilitadores na descentralização das ações intra-


setorial de saúde do trabalhador;Realizar e auxiliar na capacitação da rede
de serviços de saúde; Ser referência técnica para as investigações de maior
complexidade; Dispor de delegação formal da vigilância sanitária; Propor e
assessorar a realização de convênios de cooperação técnica com órgãos de
ensino, pesquisa e instituições públicas; Realizar intercâmbios com
instituições que promovam aprimoramento dos técnicos dos CERESTs para
que estes tornem agentes multiplicadores; Subsidiar a formulação de
políticas públicas e assessorar o planejamento das ações junto aos
municípios; Assessorar o poder legislativo em questões de interesse
público; Contribuir no planejamento e na execução da proposta de formação
profissional da rede do SUS e nos pólos de capacitação; Facilitar o
desenvolvimento de estágios, trabalho e pesquisa com as universidades
locais, as escolas e os sindicatos, entre outros; Contribuir nos projetos das
demais assessorias técnicas municipais; Fomentar as relações
interinstitucionais; Articular a vigilância em saúde do trabalhador como
proposta de municípios saudáveis, dentre outras ações, conforme determina
a Portaria em referência. (BRASIL, 2005).
A Rede Nacional de Atenção à Saúde do Trabalhador, estruturada conforme
determinam as portarias números 1.679/2002, 2.437/2005 e a de 2.728/2009, para
prestar atendimento aos trabalhadores em situação de adoecimento no trabalho em
decorrência dos processos de produção, requer o desenvolvimento de ações
preventivas, bem como de promoção da saúde do trabalhador, para superar o
tradicional serviço médico centrado apenas no individual e de caráter curativo.
As ações da Renast e dos Cerests constituem estratégias para execução das
atividades em saúde do trabalhador. A concepção de saúde do trabalhador extrapola
os conhecimentos específicos da medicina do trabalho e se apresenta de forma
dialética entre capital-trabalho, na qual saúde e acidente de trabalho expressam
diversas manifestações sociais desencadeadas pela relação de conflito entre
trabalhadores e os donos dos meios de produção.
Historicamente, houve avanços significativos nos aspectos político e teórico
com relação á saúde do trabalhador, mas conforme análise de Mendes e Wünsch
(2011), esses avanços não podem prescindir da construção de uma base legal que
contemple diretrizes políticas para a atenção e a promoção da saúde do trabalhador.
A criação da Renast representa a garantia do desenvolvimento de ações para a
atenção à saúde dos trabalhadores em conformidade com as determinações
previstas na Constituição Federal e das eis orgânicas da saúde, respectivamente Lei
nº 8.080/1990 e nº 8.142/1990.
A proposta de implantação de uma política nacional de saúde do trabalhador
defendida na II CNST em 1994, e na III CNST, realizada em 2005, conforme o
disposto do Decreto 7.602 de 7 de novembro de 2011, no artigo 1o que dispõe sobre
a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), tem como objetivo,

a promoção da saúde e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a


prevenção de acidentes e de danos à saúde advinda e relacionada ao
trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação ou redução
dos riscos nos ambientes de trabalho (BRASIL, MS, 2011).

A PNSST está pautada nos seguintes princípios: “Universalidade, prevenção,


precedência das ações de promoção, proteção e prevenção sobre as de assistência,
reabilitação e reparação; diálogo social e integralidade” (BRASIL, 2011).
De acordo com o Decreto nº 7.602/2011,

a PNSST deverá ser implementada por meio de articulação continuada das


ações de governo no campo das relações de trabalho, produção, consumo,
ambiente e saúde, com a participação voluntária das organizações
representativos de trabalhadores e empregadores (BRASIL, MS, 2011).

As diretrizes para o desenvolvimento das ações no âmbito da PNSST devem


constar do Plano Nacional de Segurança de Saúde no Trabalho e deverá ser
desenvolvidas por meio da participação

de todos os trabalhadores brasileiros no sistema nacional de promoção e


proteção da saúde; Harmonização da legislação e a articulação das ações
de promoção, prevenção, assistência, reabilitação e reparação da saúde do
trabalhador; Adoção de medidas especiais para atividades laborais de alto
risco; Estruturação de rede integrada de informações em saúde do
trabalhador; Promoção da implantação de sistemas e programas de gestão
da segurança e saúde nos locais de trabalho; Reestruturação da formação
em saúde do trabalhador e em segurança no trabalho; Promoção de agenda
integral de estudos e pesquisas em segurança e saúde no trabalho
(BRASIL, MS, 2011).

De acordo com o Decreto no 7.602/2011, aos ministérios do Trabalho e


Emprego, Saúde e da Previdência Social competem implementação e a execução a
política nacional de saúde e segurança no trabalho e, nesse processo, deverá
garantir a participação de outros órgãos e instituições que possuem interface com a
área da saúde do trabalhador para o desenvolvimento das ações (BRASIL, 2011).
A criação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador, por meio do Decreto
no 7.602/2011, representa a evolução da política de saúde pública e significa uma
das reivindicações da classe trabalhadora organizada para proteção social em
relação aos acidentes e adoecimento no trabalho. Contudo, não basta criar leis,
decretos e normas, é fundamental a materialização da política de proteção social,
por meio de mecanismos que garante o acesso dos trabalhadores aos direitos
sociais e o atendimento das necessidades básicas, pois a instituição de leis
pressupõe o direito de o cidadão desfrutar plenamente dos direitos sociais, quando
solicitados. Nogueira (2002, p. 10) assinala que “o direito à saúde, nos novos
encaminhamentos, se aproxima de um enquadramento individual, perdendo o
caráter social que fundamenta a cidadania plena, um dos ideais igualitários do
século XX”.
É possível observar a exclusão de indivíduos do acesso à saúde, em especial
do atendimento à saúde do trabalhador, contrariando a Carta Constitucional que
universaliza o direito à saúde e garante a todos o pleno acesso aos serviços de
saúde pública. Assim, a forma como a política de atenção à saúde do trabalhador
vem sendo materializada contraria os princípios definidos pelo SUS, pois evidencia-
se um acentuado incentivo aos serviços privados de saúde em detrimento da saúde
pública, privilegia as relações de mercado que favorecem o desenvolvimento
econômico e consequentemente, o crescimento das desigualdades sociais. As
reconfigurações do trabalho, como resultado da reestruturação do capital, suscita
um, contexto político, econômico e social que contribui para apreensão das
demandas sociais com repercussão no campo da saúde do trabalhador, mediante a
emergência de outras formas de adoecimento no trabalho. Assim,

a concepção de proteção social precisa ser compreendida como mecanismo


central e histórico de garantia de acesso aos meios de produção e de
reprodução da vida material e social, que incorpora, por conseguinte, os
mecanismos de proteção social (MENDES; WUNSCH; CAMARGO, 2011?,
p. 5).

As determinações históricas e também contemporâneas da saúde do


trabalhador estão relacionadas ao complexo de reestruturação produtiva que propõe
uma nova forma de organização social da produção e também do trabalho com
vistas à garantia da acumulação capitalista (MENDES; WUNSCH; CAMARGO,
2011?); (ALVES, 2010). Diante do exposto, a concretização da política de atenção à
saúde do trabalhador requer o estabelecimento de mecanismos de proteção social
que viabilizem o acesso dos trabalhadores à saúde e à sua preservação.
As transformações no mundo do trabalho diante da descentralização
produtiva e da terceirização tendem a expandir e a diversificar as formas de
trabalho, como o emprego precarizado, dentre outros. Neste sentido, a proteção
social à saúde do trabalhador está relacionada às formas de relação capital-trabalho
e pressupõe a articulação entre a política econômica e social para a construção de
mecanismos que extrapolem a concepção de saúde do trabalhador para além de um
entendimento limitado, para que se alcance o reconhecimento da saúde como direito
social, direitos de todos e dever do Estado.

2.4 O programa saúde do trabalhador em Goiânia-GO

Com objetivo de atender às determinações relativas à saúde do trabalhador,


conforme preconiza a Constituição Federal de 1988 e a Lei no 8.080, de 1990 em
consonância com a portaria no 2.437, de 7 de dezembro de 2005, art. 4º, § 1º, o
Cerest3 tem a função de prestar atendimento de retaguarda técnica para o Sistema
Único de Saúde nas ações de prevenção, promoção, diagnóstico, tratamento,
reabilitação e vigilância em saúde dos trabalhadores (BRASIL, 2005).
O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, criado pelo Ministério da
Saúde, por meio da Portaria no 1.679/2002 é um serviço do SUS ligado à Secretaria
Municipal de Goiânia, com abrangência regional, com a função de

funcionar como pólo irradiador de conhecimento; prover suporte técnico


adequado às ações de saúde do trabalhador; Implantar sistema de
notificação dos agravos relacionados ao trabalho; prevenir, promover,
diagnosticar e reabilitar a saúde dos trabalhadores urbanos e rurais;
realizar coleta sistemática da história da saúde do trabalhador para o
estabelecimento da relação do adoecimento com o trabalho; promover
ações para melhorar as condições de trabalho e a qualidade de vida do
trabalhador por meio de prevenção e vigilância (BRASIL, 2012).

O Cerest Goiânia presta atendimento a todos os trabalhadores que


desenvolvem atividades laborativas, independentemente do vínculo empregatício,
seja no mercado formal ou informal, e, em especial, aos trabalhadores que se
encontram em situação de desemprego involuntário (MACEDO, 2007).
O Centro de Referência em Saúde do Trabalhador em Goiânia conta com a
atuação dos seguintes profissionais: médico do trabalho, otorrinolaringologista,
toxicologista, enfermeiro do trabalho, assistente sociais, farmacêutico, auxiliar de
enfermagem, técnico de enfermagem e de apoio administrativo (MACEDO, 2007).
A Introdução do campo da saúde do trabalhador no texto Constitucional e a
sua regulamentação com a Le no 8.080/1990, apresenta o conceito de saúde do
trabalhador, que constitui relevante conquista histórica, resultante do enfrentamento
dos trabalhadores contra a ofensiva do capital. Nesta perspectiva, convém destacar
que, de acordo com a Lei no 8.080, de 1990, art. 6o, § 3o,

entende-se por saúde do trabalhador para fins desta lei um conjunto de


atividades que se destina por meio de ações de vigilância epidemiológica e
vigilância sanitária à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores,
assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores
submetidos aos riscos e agravos advindos do trabalho, abrangendo;
Assistência ao trabalhador vítima de acidentes do trabalho ou portador de
acidentes do trabalho, portador de doenças profissional e do trabalho
(BRASIL, 1990).
É significativo o arcabouço jurídico que legitima a criação e a implantação das
ações de saúde do trabalhador, por meio da Renast, do Cerest e da Política
Nacional de Atenção à Saúde e Segurança no Trabalho, em consonância com os
princípios do SUS. No entanto, a lei por si só torna-se inócua. Assim, é necessário, a
sua efetivação e a garantia do pleno acesso do indivíduo à proteção social à saúde
do trabalhador. Dessa forma, compete ao Estado o reconhecimento e a legítima
garantia de direitos sociais de forma sistemática e desmercadorizada referente a
bens e serviços sociais básicos inerentes à condição humana de todo cidadão.
O município de Goiânia e os demais municípios do estado de Goiás também
sofrem os reflexos da reestruturação produtiva do capital e seus efeitos nas formas
de organização do trabalho são cruciais com mudanças significativas nas relações
sociais e do trabalho que potencializam a exploração do trabalhador, diante de “um
novo e precário mundo do trabalho” (ALVES, 2010, p. 349) e dissemina as inúmeras
formas de contratação da força de trabalho – temporário, parcial, terceirizado, dentre
outras e submete o trabalhador a exposição de fatores de riscos que podem
comprometer a sua saúde.
A discussão sobre a saúde do trabalhador é relevante, sendo necessário, a
inclusão na agenda política e governamental, o debate relativo à política de proteção
social à saúde do trabalhador e a sua efetivação. Trata-se de um tema instigante e
amplo que revela a presença de interesses divergentes que dificultam a
consolidação da saúde do trabalhador como direito de todos e dever do Estado.
Neste sentido, o debate que envolve diferentes sujeitos pode contribuir para a
construção de programas e ações que viabilizem o acesso universal e equânime dos
trabalhadores aos serviços de saúde pública.
CAPÍTULO III
PREVIDÊNCIA SOCIAL E DIREITOS SOCIAIS

O presente capítulo tem como objetivo refletir sobre o marco legal da


previdência social, a luta dos trabalhadores por proteção social expressa nas
diversas manifestações da questão social, bem como a origem da previdência social
como resposta às reivindicações da classe trabalhadora e a consolidação da
previdência social na seguridade social, como política de relevância pública.
Destaca-se, ainda, a relação da previdência social com o trabalho assalariado como
condição de acesso do trabalhador aos direitos sociais previdenciários.
Trata-se de uma breve reflexão sobre política social e a garantia de acesso
dos cidadãos aos direitos sociais como efetivação da garantia legal. E, por último,
apresenta-se a análise dos dados da pesquisa documental sobre acidentes e
doenças relacionadas ao trabalho, o reconhecimento do nexo causal, a garantia e
indeferimento nas solicitações de auxílio-doença acidentário na Agência da
Previdência Social Goiânia-Centro.
De acordo com Vieira (2007), inúmeros autores separam direitos sociais
subordinados ao Estado como resultantes da ação estatal de direitos sociais
subordinados à sociedade, derivados dos movimentos sociais. Aqueles que
defendem os direitos sociais subordinados ao Estado são denominados estadistas,
ao passo que os outros são nominados de não estadistas. Segundo Vieira (2007),
não há diferença entre os direitos sociais conquistados na sociedade e os direitos
sociais previstos pelo Estado, contudo, pode haver supremacia de um em relação ao
outro.
A corrente filosófica que separa direitos sociais subordinados ao Estado e
direitos sociais subordinados à sociedade objetiva a sua realização, bem como a sua
superação. Assim, é fundamental analisar se “a política social envolve direitos ou
não envolve direitos, pois se trata de uma questão que ultrapassa as simples
definições de política” social (VIEIRA, 200, p. 12). Explicar a natureza da política
social não é uma tarefa fácil, tendo em vista que, o conjunto de política social

tem sido ligada ao funcionamento do mercado, à capacidade de compensar


as falhas deste, à ação e aos projetos dos governos, aos problemas sociais,
à reprodução das relações sociais, a transformação dos trabalhadores não
assalariados em trabalhadores assalariados, ao abrandamento dos conflitos
de classe, etc. Políticas sociais meramente descritivas ou não, seu estudo
implica muito esforço e enormes embaraços, até para quem não pretenda
estrita definição do conceito. Porém, a questão de saber se as políticas
sociais contêm direitos e elementos de justiça, ou não contém nenhum
deles, excede aos limites das suas definições (VIEIRA, 2007, p. 13).

Ao desconsiderar a totalidade humana, desvincula-se o singular do particular


e do universal, assim, tanto os direitos quanto os elementos de justiça são
equivalentes e se transformam em direitos relativos; ambos possuem os mesmos
valores (VIEIRA, 2007).
As desigualdades sociais reproduzem-se continuamente, e, nesse sentido,
expandem-se de forma infinita as necessidades humanas, mas, mesmo assim,
podem existir direitos e elementos de justiças superiores a outros. Os direitos sociais
e os elementos de justiça não apresentam igual relevância, considerando-se que a
sociedade é dinâmica e as manifestações da questão social expressam-se em
diferentes contextos políticos, sociais, econômicos e culturais. Deste modo, as
desigualdades sociais e as necessidades humanas de cada indivíduo e da
coletividade podem apresentar-se de formas diferenciadas. A viabilização de direitos
sociais, por meio da política social, adquire amplitude e relevância distintas,
conforme as particularidades de cada um, pois, torna-se fundamental a garantia da
equidade social.
As desigualdades humanas não são homogêneas. Elas apresentam
diferentes determinações sociais, e o valor de justiça social passa por modificações
nas dimensões singulares, particulares e universais, portanto, não podem ser
relativizadas na sua essência no processo de transformação. No âmbito da política
social, existem aqueles que relativizam os direitos e os elementos de justiça
(VIEIRA, 2007).
Os direitos e os elementos de justiça social podem avançar ou retroceder,
assim, em determinados momentos históricos, algumas conquistas podem ser
duradouras. Alguns países, por meio de organizações jurídicas, procuram
estabelecer sistema dinâmico de relações com a finalidade de proporcionar
transformações sociais; por exemplo, a constituição de um país pode estabelecer as
bases da organização social e apresentar os princípios para efetivação do direito. A
constituição representa um instrumento contra a arbitrariedade, tirania, dentre outros
(VIEIRA, 2007).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, dispõe sobre os Direitos Sociais no
capítulo II, art. 6o e determina: “são direitos sociais a educação, a saúde, a
alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (BRASIL,
1988).
De acordo, com Vieira (2007), o mundo moderno e contemporâneo busca, de
forma insistente, a universalidade em matéria de direito e de justiça, mesmo diante
da contumaz aplicação do relativismo no âmbito jurídico, que, às vezes, não
estabelece a relação entre o singular, o particular e o universal e impede a
superação entre os limites do singular e do universal e compromete o entendimento
acerca da totalidade humana. O particular é a mediação entre o singular e o
universal, e essa relação é fundamental para a garantia da efetivação dos direitos e
justiça social no âmbito da política social. Nesse sentido, “os campos dos direitos e
da política social não se apresentam diferentemente. Assim, as realizações sociais,
são seres singulares e seres universais, que se desenvolvem por intermédio de
particularidades históricas e por mediações” (VIEIRA, 2007, p. 60).
Tais particularidades históricas estão relacionadas ao reconhecimento das
determinações de espaço e tempo e as mediações tornam obrigatória a relação
entre as áreas dos direitos e da política social. No entanto,

não existe direito sem sua realização e sem suas mediações. Do contrário,
os direitos e a política social continuarão presa da letra da lei irrealizada, do
direito positivo, do niilismo de valores; ou então do direito natural, histórico
ou não, do apriorismo dos princípios e das leis, que estão sempre onde não
são esperados (VIEIRA, 2007, p. 61).

Portanto, existe uma intrínseca relação entre o singular, universal e o


particular, e essas dimensões constituem a totalidade do humano, fundamental para
a emancipação humana. Assim, para efetivação dos direitos e dos elementos de
justiça social na área da política social, deve-se considerar a totalidade humana,
pois a sua fragmentação resulta na relativização e compromete a universalização
dos direitos sociais. A garantia de direitos e justiça social ganha sentido se
desfrutados de forma efetiva. Nesse sentido, “sem justiça e sem direitos, a política
social não passa de ação técnica, de medida burocrática, de mobilização controlada
ou de controle da política” (VIEIRA, 2007, p. 59).
3.1 A Previdência Social e sua relação com o trabalho

Conforme Silva (1997, p. 29), o período entre 1883 e 1945 representa a


expansão do capitalismo, bem como as crises sociais no mundo. A proteção social
surgiu na forma de legislação previdenciária e trabalhista, com características
seletivas e focalistas, que, no entanto, constituem as primeiras iniciativas de
proteção social aos trabalhadores e dependentes. Na Alemanha, o chanceler Otton
Von Bismark por meio do Parlamento, aprovou, em 1883 Lei do Seguro Doença e
posteriormente, em 1884 a Lei do Seguro Acidente e, em 1889, a Lei do Seguro de
Invalidez e Velhice. Tais leis foram resultantes das lutas e pressões da classe
trabalhadora organizada na Alemanha.
As primeiras iniciativas de organização da previdência social no Brasil
ocorreram no final do século XIX, no período de 1889 a 1930, ainda na República
Velha. Nesse período, a base econômica do país centrava-se na agro-exportação da
monocultura do café, com dependência do capital internacional. No século XX, a
política social não havia sido estruturada pelo Estado para atendimento das
necessidades básicas dos trabalhadores. A definição de política de proteção social
efetivou-se com as lutas e reivindicações de categorias de trabalhadores
organizados considerados indispensáveis para a economia do país (SILVA, 2012).
Segundo Silva (1997), em 1888, criou-se a Caixa de Socorro para os
trabalhadores da Estrada de Ferro do Estado com o objetivo de conceder aos
empregados ajuda de custo nas situações de doença e morte. Em 1889, foi criado o
Fundo de Pensão para os funcionários da Imprensa Nacional e, no mesmo ano, os
servidores em abastecimento d’água da capital federal foram contemplados com o
direito de gozarem quinze dias de férias e, logo após, os ferroviários também
passaram a ter direito à férias correspondentes a quinze dias.
Em 1904, o jurista Medeiro de Albuquerque apresentou ao Congresso
Nacional um projeto de lei que dispunha sobre os acidentes ocorridos com operários
no exercício de suas profissões e respectivas indenizações. Esse projeto de lei
dispunha sobre a instituição do seguro acidente de trabalho, mas não foi aprovado
pelo Congresso Nacional, pois patrões e parlamentares, representantes das
oligarquias cafeeira, que dominavam politicamente o país naquele período,
resistiram a aprovação do referido projeto (SILVA, 1997).
Segundo Silva (1997), o Deputado Graccho Cardoso apresentou, em 1908,
um Projeto de Lei no Congresso Nacional, com a proposta de obrigatoriedade de
concessão de indenização aos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho, que
também foi reprovado pelos parlamentares e provocou a reação dos trabalhadores
que se organizaram para a formação de sindicatos livres e autônomos e que
travaram uma luta reivindicando a criação de leis trabalhista e previdenciária. A
origem da previdência social no Brasil ocorreu no período entre 1920 e1970 em um
contexto marcado pela (re)estruturação do mercado de trabalho, em decorrência da
atuação do capitalismo, que buscava alternativas de superação da crise e
recuperação de lucros (SILVA, 2012).
O cenário de desigualdades e injustiças sociais favoreceu o surgimento de
grupos organizados em sindicatos, partidos políticos, dentre outros, dispostos a
lutarem para a implantação de políticas sociais que atendessem às necessidades
básicas dos trabalhadores (SILVA, 1997).
A previdência social estruturou-se como respostas às reivindicações dos
trabalhadores por proteção social e se constituiu em uma estratégia de suporte ao
“novo” modelo de acumulação do capital, sustentado no modo de produção
capitalista de base urbano-industrial, que substituiu o modo de acumulação com
base nas atividades econômicas agrário-exportadoras que predominaram até a
terceira década do século XX no Brasil (SILVA, 2012).
A estruturação da previdência social representa um dos mecanismos de apoio
às exigências de ampliação do capital, com objetivo de contribuir para a reprodução
da força de trabalho, com redução de gastos financeiros para os patrões. Outro
elemento relevante refere-se ao suporte que a previdência infere no controle do
trabalho, “no ajuste do trabalhador à indústria nascente; e assegurando ao Estado o
uso de seu fundo-reserva para o financiamento direto da infra-estrutura necessária
ao capital, a exemplo da construção Belém-Brasília” (SILVA, 2012, p. 126).
Segundo Silva (1997), o processo de desenvolvimento do capitalismo
industrial, no final do século XIII e começo do século XIX, foram marcados pelo
liberalismo econômico com consequente aumento de produção e concentração de
riqueza. Assim, a industrialização e a urbanização resultaram no agravamento das
desigualdades sociais, desemprego, pobreza, concentração de renda, dentre outros.
Esses determinantes foram incisivos para o processo de fortalecimento dos
trabalhadores, que de forma organizada, lutavam contra o poder da burguesia que,
além do poder econômico e político, controlava também o Estado. Outros países,
dentre eles, o Brasil, passaram por situações semelhantes ao considerar o
desenvolvimento do capitalismo e a realidade do país. As crises decorrentes do
capitalismo agudizaram as expressões da questão social, e os trabalhadores
exigiam do poder público respostas para o enfrentamento das inúmeras situações
sociais, tais como,

a garantia de proteção social ao trabalhador diante dos constantes


acidentes e riscos. A greve generalizada de 1919 requeria a ratificação e
regulamentação do Tratado de Versalles, que previa a criação de uma
legislação social trabalhista em todo os países que entraram na guerra para
negociar a paz, inclusive o Brasil (SILVA, 1997, p. 33).

De acordo, com Silva (1997), o acidente de trabalho foi regulamentado em


1919, por meio do Decreto-lei no 3.724, que responsabilizava o patrão pelos
acidentes ocorridos no trabalho e competia às empresas a cobertura dos gastos. A
princípio, o sistema garantia ao trabalhador acidentado do trabalho uma
indenização, a qual posteriormente, se tornou um seguro, com a incorporação à
previdência social por meio da Lei no 5.316, de 14 de setembro de 1967. A
regulamentação do acidente de trabalho representou relevante conquista para os
trabalhadores, mas, ao mesmo tempo, constituía uma estratégia do capital para
conter os conflitos sociais.
Segundo Silva (2012), as Caixas de Aposentadorias e Pensões (Caps) para
os empregados em empresas ferroviárias foram criadas por meio do Decreto-lei no
4.682, de 24 de janeiro de 1923, proposto pelo Deputado Eloy Chaves. Em 20 de
março de 1923, criou-se também a Caixa de Aposentadorias e Pensões para os
funcionários da Great Western do Brasil e marca o início da instituição do sistema
previdenciário no Brasil. A Lei no 5.109, de 20 de dezembro de 1926 determinou a
extensão da Lei Eloy Chaves aos trabalhadores portuários e marítimos, extensivo
aos trabalhadores federais com a fundação do Instituto de Previdência, em 20 de
dezembro de 1926.
A partir de 1928, outras categorias profissionais organizadas passaram a ter
cobertura do regime de caixas de aposentadorias e pensões, a exemplo dos
empregados dos serviços de telégrafos e radiográficos, serviços de força, luz e
bondes, da área de mineração e aeroviários. Do ponto de vista político e econômico
esses trabalhadores eram considerados relevantes para o Estado (SILVA, 1997).
Ao lado da conquista do direito previdenciário restrito a determinadas
categorias profissionais ocorreu também a ampliação de direitos trabalhistas, como
a estabilidade dos trabalhadores no emprego a partir de dez anos de serviço. A
política voltada para a extensão do direito ao acesso ao regime de caixas de
aposentadorias e pensões e ampliação de direitos trabalhistas aconteceram no
cenário político do Brasil na década de 1920, em um contexto de “insatisfação [da]
classe média, crise econômica, pressão dos setores organizados junto a patrões e
Estado, expansão do movimento sindical, manifestações de contestação [...] ao
modelo econômico vigente” (SILVA 1997, p. 34).
Para além dos fatores já mencionados, o Brasil da década de 1920 iniciou um
modelo de produção capitalista com o início do processo de industrialização no país.
O trabalho assalariado passou a ter centralidade no sistema capitalista, contudo, o
surgimento de atividades voltadas para a área da indústria expunha o trabalhador
aos riscos de acidente do trabalho. Consciente de seus direitos, os trabalhadores
lutaram pela implantação de políticas de proteção social sob a responsabilidade do
Estado.
Nesse sentido, Silva (1997) assinala que, no governo de Getúlio Vargas, na
década de 1930, por meio do Decreto no 19.433, de 26 de novembro, instituiu-se o
Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, com a finalidade de orientar e
supervisionar a previdência. A política de trabalho e previdência relacionam-se e o
acesso à previdência demonstrava uma condição necessária de relação de trabalho
assalariado. Assim, a criação do Ministério do Trabalho propiciou o surgimento do
Instituto de Aposentadorias e Pensões (Iaps) com disseminação pelo país, no
período entre 1933 e 1938.
Em 1934, os trabalhadores comerciários e bancários foram contemplados
com Iaps próprios e, em 1940, o Decreto-lei no 3.724, que dispunha sobre o acidente
de trabalho foi substituído pelo Decreto no 24.637, que determinava cobertura aos
trabalhadores da indústria, comércio, agricultura, pecuária e os de natureza
doméstica. O valor da indenização era equivalente à gravidade do acidente (SILVA,
1997).
O debate acerca do surgimento da previdência social no Brasil requer uma
breve contextualização histórica sobre o processo de desenvolvimento do
capitalismo industrial no final do século XIII e começo do século XIX. Esse período
foi marcado pelo liberalismo econômico que gerou inúmeros “problemas” sociais,
consequência da contradição entre o grau de pobreza dos trabalhadores residente
na zona urbana das grandes cidades, aumento da produção e concentração de
riqueza (SILVA, 2012).
De acordo com Silva (1997), os trabalhadores manifestavam diversas
expressões da questão social, em especial, as demandas sociais relacionadas ao
trabalho assalariado, por constituir-se em um espaço de produção da vida social. O
contexto político, econômico e social que se apresentava ampliava o
descontentamento dos trabalhadores e acirrava as pressões nos países como
Inglaterra, França e Alemanha. Essa realidade social provocou a reação dos
trabalhadores que se organizaram para a formação de sindicatos livres e autônomos
e travaram uma luta reivindicando a criação de leis trabalhista e previdenciária.
Segundo Silva (1997), em 1938, instalaram-se três institutos de
aposentadorias e pensões para atendimento dos industriários, empregados em
transportes de cargas e estivas e os servidores estaduais, regime de previdência
que permaneceu sem alteração até 1966. A expansão da indústria e o crescente
número de trabalhadores assalariados representaram elevação do índice de
segurados cobertos pelo regime de previdência e a inadimplência do governo com o
sistema desencadeou sinais de crise da previdência social, em 1948.
Em 1945, ocorreu o fim do Estado Novo e do primeiro governo Vargas,
imbricados por dimensões políticas, retomada da democracia e do movimento
organizado de trabalhadores, eleições diretas, aspectos importantes que ficaram
subsumidos durante a gestão de governo populista e autoritário de Vargas. Assim, a
previdência social voltou a ser um assunto relevante de debate nacional (SILVA,
1997).
Silva (1997) assinala que o Conselho Superior de Previdência Social foi
instituído por determinação do Decreto-lei no 8.738, de 19 de dezembro de 1946, e o
Departamento Nacional da Previdência Social, por meio do Decreto-lei no 8.742, de
19 de junho de 1946. Diversos projetos, com o objetivo de reformulação do regime
de previdência vigente foram enviados ao Congresso Nacional, mas as discussões
acerca do tema não resultaram em alterações significativas no regime
previdenciário. Os fatos políticos ocorridos na realidade social brasileira, em
especial, nos governos de Gaspar Dutra, segundo governo de Getúlio Vargas e
começo do governo de Juscelino Kubistchek, foram relevantes para a história do
país, no entanto, não interferiram de forma significativa na previdência social, exceto
a extensão da cobertura previdenciária aos profissionais liberais por meio do
Decreto no 32.667, de 1o de maio de 1953, e a instituição da Caixa Única dos
Aposentados, ferroviários e funcionários de serviços públicos, por meio do Decreto
no 34.586, de 12 de novembro de 1953.
Segundo Silva (1997), no período posterior à Segunda Guerra, compreendido
entre 1945 e 1954, cresceu a crise econômica no Brasil, o que contribuiu para o
surgimento e agravamento da questão social, diante do desemprego, alto índice da
inflação, arrocho salarial, dentre outros. Tais acontecimentos despertaram nos
trabalhadores de diferentes categorias a capacidade de luta, levando-os a
organizarem grandes manifestações. O movimento grevista reivindica a implantação
de política social para atendimento das necessidades básicas. Em relação à
previdência social, com a pressão popular, ocorreu aprovação da Lei Orgânica da
Previdência Social (Lops), no 3.80, de 26 de agosto de 1960, que tinha a finalidade
de uniformizar as contribuições e prestações relativas aos institutos e a equivalência
dos benefícios e serviços oferecidos pela previdência. A Lops representou uma
conquista significativa para os trabalhadores, ao garantir o

início do processo de unificação da previdência social, uniformizando


procedimentos, normas, critérios de concessão de benefícios e prestação
de serviços. Houve ainda, uma grande ampliação de benefícios e serviços
prestados à população. Em sua versão original, como, a reafirmação do
direito à aposentadoria por tempo de serviço a todas as categorias,
aposentadoria especial por atividades insalubres, penosas e perigosas,
cálculo de benefícios pelas 12 últimas prestações, dentre outras, porém
continuaram excluídos os domésticos, rurais e autônomos e o sistema
permaneceu sob forma de Iaps (SILVA, 1997, p. 41).

O Estado, preocupado em controlar o avanço do movimento dos


trabalhadores, provocou mudanças relevantes na previdência social e, para tanto,
determinou a criação de uma Comissão Interministerial para sugerir alterações no
sistema previdenciário. Dentre as propostas de reformulação da previdência,
destacou-se a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), por meio
do Decreto no 72, de 21 de novembro de 1966, com vigência a partir de 10 de janeiro
de 1967. O INPS objetivava a racionalização de gastos e a centralização do regime
de previdência, e nesse sentido houve a incorporação das Caps, Iaps e a
Superintendência dos Serviços da Previdência Social. Mediante “tantas
transformações a previdência se submete ao absoluto controle estatal, essa foi
acionada como poupança interna governamental, pois se tornou desde a criação do
INPS, a segunda receita da União” (SILVA, 1997, p. 44).
Como forma de financiar a ampliação do capital industrial, o governo
desenvolveu uma política que visava reduzir o número de acessos e valores dos
benefícios. São recursos da previdência poderiam ser desviados para outros fins,
tais como construção de rodovias, pontes, dentre outros, o que desencadeou a crise
financeira do sistema previdenciário que se agravou e perdurou no período entre o
final dos anos de 1970 e começo dos anos de 1980 (SILVA, 1997).
Até final da década de 1960, o INPS funcionava como poupança mobilizadora
e investia parte da sua arrecadação em projetos habitacionais, mas essa função foi
delegada ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), em 1967, e em
1970, para o Programa de Integração Social e Programa de Formação do
Patrimônio do Servidor Público (Pasep). Em decorrência da crise financeira
enfrentada, o instituto passou do regime de capitalização para o sistema de
repartição simples. Objetivava-se utilizar a receita previdenciária para pagamentos
de benefícios, contudo, a alteração na forma de operacionalizar o sistema, favoreceu
ao governo militar a utilização dos recursos arrecadados de forma indevida, e
originando a dívida do governo com a previdência social (SILVA, 1997).
Conforme assinala Silva (1997), os movimentos dos trabalhadores resultaram
na extensão da cobertura previdenciária aos trabalhadores rurais, a partir de 1971.
Em 1972, a Lei no 5.859, de 11 de dezembro, determinava a inclusão dos
trabalhadores domésticos no sistema como contribuintes obrigatórios e, em 1973, a
Lei no 5.890, estabeleceu a participação dos trabalhadores autônomos ao regime de
previdência social.
Ocorreram alterações no sistema de previdência social, e em 1974, o governo
instituiu o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) e, no mesmo ano
criou a Empresa de Processamento de Dados da Previdência Social (Dataprev),
com a finalidade de agilizar os serviços e controlar a operacionalização do sistema
contra possíveis fraudes (SILVA, 1997).
A crise financeira da previdência social desencadeada no final da década de
1940, com intensificação nos anos 1970, tornou-se evidente para a sociedade
brasileira no final da década de 1980, com o surgimento de diversas manifestações
sociais, econômicas, dentre outros. Nesse sentido, no aspecto financeiro,
divulgaram-se os altos valores dos déficits da previdência social, possivelmente com
a intenção de justificar a morosidade na garantia de benefícios. A autora assinala
ainda que, administrativamente, percebia-se a

ineficácia na fiscalização e cobrança de débitos, falhas e caduquice da


legislação, falta de auditorias, estrutura burocrática e desorganizada,
gigantescas filas, poucos postos de atendimento, reduzido número de
funcionários, etc. Nos aspectos ético e político, as denúncias constantes de
fraudes e corrupção demonstraram um sistema moldado para favorecer a
corrupção e o clientelismo, um sistema incapaz de atender um mínimo de
dignidade aos seus usuários (SILVA, 1997,p. 49).

Na década de 1980, registraram-se inúmeros acontecimentos de ordem


econômica, política, social e cultural que despertaram nos trabalhadores
organizados, sindicatos, intelectuais partidos políticos a necessidade de articularem-
se e se mobilizarem, com o objetivo de obterem do Estado respostas às suas
reivindicações, tais como implantação de políticas públicas para a garantia de
direitos sociais relativos à educação, saúde, trabalho, habitação, previdência social,
dentre outros (SILVA, 1997).
Em 1o de fevereiro de 1987, foi instalada a Assembléia Nacional Constituinte
com a finalidade de discutir e elaborar o texto constitucional e, em 5 de outubro de
1988 promulgou-se a Constituição Federal (BRASIL,1988).
A Constituição Federal de 1988 introduziu significativas mudanças no sistema
de proteção social, tornando-a instrumento de garantia de direitos sociais extensivo
ao conjunto da sociedade brasileira. O artigo 194 trata da seguridade social,
entendida como “um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos
e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à Saúde, à Previdência
e Assistência Social” (BRASIL, 1988).
No capítulo da seguridade social, seção III, a Constituição Federal trata da
previdência social e, no artigo 201, estabelece que

a Previdência Social será organizada sob a forma de regime geral, de


caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que
preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a
cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
proteção à maternidade, especialmente à gestante; proteção ao trabalhador
em situação de desemprego involuntário; salário-família e auxílio-reclusão
para os dependentes dos segurados de baixa renda; pensão por morte do
segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes,
o
observado o disposto no § 2 (BRASIL,1988).

Houve durante os governos Collor e Cardoso, a tentativa de desconstruir o


conceito de seguridade social conquistado na Constituição Federal com a extinção
do Ministério da Previdência e Assistência Social e a instituição do Ministério do
Trabalho e Previdência Social (MTPS), por meio da Lei no 8.029, de 12 de abril de
1990 e posteriormente a criação do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por
meio do Decreto no 99.350, de 27 de abril de 1990. Nesse sentido, a política adotada
pelo governo em relação à previdência social compromete o conceito de seguridade
social como sistema de proteção social, pois transforma a previdência em seguro,
que perde o caráter de tripé da seguridade social (SILVA, 1997).
Em 1991, foram aprovadas as leis de regulamentação da previdência social, a
Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, que institui o Plano de Custeio da Previdência
Social e a Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991 que cria o Plano de Benefício da
Previdência Social (SILVA, 1997).
Segundo Silva (2012), “a organização da previdência social sob forma de
regime geral e de filiação obrigatória e a atribuição do seu custeio a toda sociedade
direta ou indiretamente”, conforme determina a Constituição Federal nos respectivos
artigos 201 e 195 (BRASIL, 1988) e pode ser comparada a um contrato social4.
As alterações no sistema previdenciário com o seu reconhecimento pela
Constituição Federal de 1988 e sua incorporação na seguridade social estende para
o conjunto da sociedade a responsabilidade pelo financiamento do sistema.
A previdência social, uma política integrante da seguridade social, resultou em
inúmeras mudanças relativas ao custeio. Nesse sentido, o artigo 195 da constituição
federal determina que

a seguridade social financiada por toda a sociedade, de forma direta e


indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos
da União, dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes
contribuições sociais: do empregador, da empresa e da entidade a ela
equiparada na forma da lei, incidente sobre: I – a folha de salários e demais
rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa
física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; a receita ou
faturamento; o lucro; II – do trabalhador e dos demais segurados da
previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão
concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;
III – sobre a receita de concursos de prognósticos. IV – do importador de

4
“Fundamentada na ordem e na legitimidade sociopolítica (republicana ou democrática) resulta de
um pacto ou contrato social em quem cada um coloca a sua pessoa e todo o seu poder sob a
suprema direção da vontade geral. Significa que cada indivíduo se aliena totalmente e sem reserva,
com todos os seus direitos, à comunidade. Assim, o contrato social repousa numa noção e num
critério básico que é a ’vontade geral’. A vontade geral é entendida como o que traduz o que há de
comum nas vontades individuais e não a simples soma de vontades particulares ou da maioria. O
que dá suporte à vontade geral é, pois, o interesse comum, que é entendido como o interesse de
todos e de cada um enquanto componentes do corpo coletivo. É com base no interesse comum que
a sociedade deve ser governada” (MONTAÑO; DURIGUETO, 2010, p. 29).
bens e serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar (BRASIL,
1988).

A Emenda Constitucional no 20, de 1998, dispõe sobre os benefícios da


previdência social que passam a ser pagos com os recursos provenientes da folha
de pagamento, a principal fonte de recursos financeiros para o custeio do referido
sistema. Oficialmente, a previdência social adota o regime de repartição simples,
“apoiado na solidariedade intergeracional entre membros da classe trabalhadora,
uma vez que a geração que trabalha, em tese, sustenta a que está em gozo de
benefício previdenciário” (SILVA, 2012, p. 150).
Para a autora, a concepção limitada do governo e de alguns estudiosos sobre
o financiamento da previdência social considera-a como um contrato social. Nesse
sentido, o Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Sócio-econômicos (Dieese), afirma que a

previdência social, como parte do Sistema de Proteção Social, é uma das


dimensões que estruturam um novo contrato social através de um acordo
que estabelece compromissos entre gerações para viabilizar o pleno acesso
ao bem-estar após a vida de trabalho (LÚCIO, 2007, p. 1).

Do ponto de vista dos governantes, a previdência social equivale a um


contrato social, mediante exigência de garantia de benefícios conforme as
contribuições realizadas pelo segurado para o regime previdenciário, a exemplo do
Plano Simplificado de Previdência Social (PSPS), cujo percentual corresponde a
11% em relação ao salário mínimo vigente, no entanto, restringe o acesso do
contribuinte aos benefícios, cujo valor limita-se ao salário mínimo. Neste sentido,

sob a tônica liberal “da justiça com equidade”, o benefício assume a feição
de um direito proporcional á contribuição efetuada e/ou ao trabalho
realizado para alcançá-lo, pois sob essa ótica que tem presidido a ação dos
dirigentes da previdência social no Brasil, a cada um deve ser dado,
conforme a sua contribuição e não conforme à sua necessidade. Assim,
esse direito que parece ser igual e justo (por ser proporcional à
contribuição), na realidade deveria ser um direito desigual para um trabalho
desigual, que gera rendimentos desiguais (SILVA, 2012, p. 166).

A Constituição Federal de 1988 delega ao Estado a responsabilidade de


organizar a seguridade social brasileira, para tanto estabelece os critérios básicos e
determina filiação obrigatória ao sistema previdenciário e faculta a todo cidadão o
direito de filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), a partir do 16
anos. Deste modo,
a diversidade de fontes de financiamento são elementos que aproximam o
modelo desenhado de previdência social da concepção de contrato social
rousseauniana. Trata-se, evidentemente, de uma aproximação no plano
teórico e no plano da concepção política, por não ter sido efetivado como
tal. A solidariedade no custeio do sistema é o elemento central nessa
ligação. É ela que dá consistência ao pressuposto do compromisso coletivo
da sociedade em defesa do direito de proteção a todos, da igualdade entre
os membros da sociedade em relação aos direitos de proteção ao trabalho.
Um compromisso que deve estar sob a guarda do Estado, porém sob
controle da sociedade, da vontade geral. Para fazer uma analogia com o
sentido rousseauniano de contrato social, poderíamos dizer que o
financiamento plural e solidário da seguridade social, como expressão do
compromisso coletivo e da vontade geral dos que financiam, possibilitaria a
intervenção do Estado para assegurar igualdade entre os cidadãos no
acesso aos direitos previdenciários (SILVA, 2012, p. 175).

A seguridade social, conforme Constituição Federal apresenta uma


concepção compatível com a beverigiana e a OIT que orienta o Estado a organizar
um sistema de proteção social com a finalidade de garantir direitos na saúde,
previdência e assistência social, e assegurar o exercício da cidadania. Para tanto,
torna-se indispensável uma fonte de financiamento/orçamento único para ser
aplicado nas três políticas de forma democrática, transparente e de acesso universal
à população.
A previdência social, uma das políticas que integra o tripé da seguridade
social, se realizada conforme previsto em lei, resultaria em redistribuição de renda e
diminuição das desigualdades sociais. Porém, para a sua efetivação seria
necessário

um contexto econômico e político em que a correlação de forças favorável


aos trabalhadores impelisse a sua implementação, inclusive a partir da
reorientação das diretrizes macroeconômicas atualmente vigente e de um
controle rigoroso democrático da sociedade sobre as políticas de
seguridade social (SILVA, 2012, p. 175).

O contexto político, econômico e social que se apresenta não garante a


realização da previdência social conforme os princípios da seguridade social e da
Lei no 8.213/1991. Ainda que legalmente seja determinada sua gestão democrática,
constitui-se, no entanto, em um princípio que “une a visão de previdência social
democrática (idealmente desejável) à concepção de contrato social em Rousseau”
(SILVA, 2012, p. 175). Neste sentido, para a concretização da previdência social nos
termos da lei, torna-se fundamental uma sociedade civil verdadeiramente autônoma
perante o Estado e, sobretudo um “cenário econômico e político efetivamente
democrático, diferente do que se apresenta” (SILVA, 2012, p. 175).
Outro aspecto que marcou a história da previdência social no Brasil é a
relação de trabalho assalariado formal como condição para o acesso à proteção
social. Coma instituição da seguridade social, em 1988, a previdência social adquiriu
estatuto de política pública, de relevância para a classe trabalhadora, no entanto, a
partir de 1990, com a criação do INSS, o sistema de proteção social previdenciária
passou a ter caráter de seguro e perde de vista a concepção ampliada de proteção
social (SILVA, 2012).
Segundo Silva (2012), nos países capitalistas, considera-se o trabalho
assalariado como condição para obter acesso ao sistema de proteção social. Tal
concepção fundamenta-se no fato de que, embora o trabalho apresente profundas
transformações a partir da metade dos anos de 1970, continua a exercer um papel
relevante no desenvolvimento das atividades humanas e na organização das
relações sociais.
A autora argumenta que “os sistemas de proteção social que compuseram o
Estado Social tiveram a seguridade social como eixo central e o trabalho como o
ponto de conjugação entre assistência social e os seguros sociais” (SILVA, 2012, p.
94).
De acordo com Silva (2012), o acesso dos trabalhadores à proteção social
nos países desenvolvidos, ocorreu por meio dos seguros sociais, com a obrigação
de contribuição prévia, e a assistência social destinava-se ao atendimento das
necessidades básicas dos ‘incapazes’. Os desempregados com capacidade
produtiva não possuíam nenhuma cobertura previdenciária ou assistencial. Nesse
sentido, percebe-se a exigência do trabalho assalariado como critério de acesso à
proteção social.
Conforme o Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA, 2007), a previdência social
brasileira, desde sua criação, fundamenta-se nos princípios bismarckianos que
estabelecem a obrigatoriedade do vínculo contributivo para acessar os benefícios
previdenciários. Assim, só terá direito à cobertura previdenciária nas situações de
riscos sociais temporários ou permanentes o contribuinte e seus dependentes.
Nesse sentido, a Lei no 8.213/1991, artigo 18, determina que

o Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes


prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente
de trabalho, expressas em benefícios e serviços, quanto ao segurado:
aposentadoria por invalidez; aposentadoria por idade; aposentadoria por
tempo de contribuição; aposentadoria especial; auxílio-doença; salário-
família; salário-maternidade; auxílio-acidente. II – quanto ao dependente:
pensão por morte; e auxílio-reclusão; III – quanto ao segurado e
o
dependente: (revogada pela Lei n 9.032, de 28/04/1995; Serviço Social; e
Reabilitação profissional) (BRASIL, 1991).

A seguridade social possibilitou a extensão da cobertura previdenciária para


os trabalhadores com base no princípio da universalidade, mediante contribuição,
conforme dispõe o artigo 1o da Lei no 8.213/1991. Contudo, “a hegemonia política,
econômica e ideológica do neoliberalismo prevalecentes nas décadas subseqüentes
inibiu o desenvolvimento da seguridade social, conforme concebida” (SILVA, 2012,
p. 106).
Embora a Constituição Federal e a Lei no 8.213/1991 assegurem o direito
universal nos planos de participação previdenciários a ampliação desta cobertura
aos trabalhadores encontra-se

estreitamente ligada à dinâmica de crescimento econômico do país e à


estrutura de mercado de trabalho. Em períodos de baixo crescimento
aumentam o desemprego e a quantidade de trabalhadores inseridos
informalmente no mercado de trabalho (IPEA, 2007, p. 48).

A previdência social possui inúmeras fontes de arrecadação de financiamento


para a manutenção do sistema previdenciária, no entanto, ainda depende das
contribuições dos trabalhadores assalariados e empregados (SILVA, 2012).
Tratar a previdência social e o trabalho exige apreender outras dimensões
que envolvem a classe trabalhadora. Ao atentar para um dos objetivos desse
estudo, destacam-se elementos imbricados no cotidiano do trabalhador, em
especial, o acidente de trabalho.

3.2 Previdência Social e o acidente de trabalho

A Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991 (BRASIL, 1991) e o Decreto no 3.048,


de 6 de maio de 1999 (BRASIL,1999), dentre outros atos normativos, asseguram ao
trabalhador empregado, proteção social nas situações de perda temporária ou
permanente da capacidade laborativa, em decorrência de acidente de trabalho.
O acidente de trabalho é aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a
serviço da empresa, que provoca lesão corporal ou perturbação funcional
permanente ou temporária, que cause a morte, perda ou redução da capacidade
laborativa (BRASIL, 1991).
O parágrafo 1o do artigo 19 da Lei no 8.213/1991 estabelece que “a empresa é
responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e
segurança da saúde do trabalhador” (BRASIL, 1991). E, ainda, segundo o mesmo
artigo da referida lei, parágrafos 2o e 3o determina-se:

o
§ 2 Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de
cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho;
§ 3º é dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os
riscos da operação a executar e do produto a manipular (BRASIL,1991).

Considera-se também acidente de trabalho a doença profissional e


ocupacional, bem como aquele ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a
causa única, contribuiu diretamente para a ocorrência de lesão, Assim como
acidente sofrido pelo segurado no local e no horário de trabalho, a doença
proveniente de contaminação, acidente do empregado no exercício de sua atividade
e, ainda, o acidente sofrido a serviço da empresa ou no trajeto entre a residência e o
local de trabalho (BRASIL, 1991). A Lei no 8.213/1991, artigo 18, alínea a, dispõe
que

o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) compreende as seguintes


5
prestações , devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente
de trabalho, expressas em benefícios e serviços: I – quanto ao segurado:
aposentadoria por invalidez; auxílio-doença; auxílio-acidente; II – quanto ao
dependente: pensão por morte. III – quanto ao segurado e dependente:
Serviço Social; e Reabilitação profissional (BRASIL, 1991).

Até o ano de 1999, vigorava o Decreto no 2.172, de 5 de março de 1997


(BRASIL,1997), que, no capítulo III, tratava especificamente do acidente do trabalho,
distribuído em seções e subseções - do campo da aplicação, do acidente do
trabalho e da doença profissional, da comunicação do acidente, da caracterização
do acidente, das prestações, da aposentadoria por invalidez, da pensão por morte,
do auxílio-acidente, das disposições diversas relativas ao acidente de trabalho.
O Decreto no 2.172/1997, em consonância com a Lei no 8.213/1991 (BRASIL,
1991), tratava o acidente de trabalho com centralidade, as agências da previdência
social ofereciam ao segurado em situação de acidente e/ou doença relacionada ao
trabalho atendimento especializado em respostas às suas demandas.
O Decreto no 3.048/1999, que revogou os termos do Decreto no 2.172/1997 e
as prestações relativas ao acidente de trabalho são tratadas no livro VI – das
Disposições Gerais condensadas nos artigos 336 e 337. No entanto, considera-se
que o redimensionamento legal assumido pelo governo dificulta o acesso às
informações previdenciárias aos trabalhadores e aos segurados com incapacidade
para o trabalho em decorrência de acidente e/ou doença.
A solicitação do auxílio-doença acidentário na Agência da Previdência Social,
conforme a Lei no 8.213/1991 determina a obrigatoriedade da comunicação do
acidente de trabalho (CAT), que pode ser emitida pela empresa, sindicato da
categoria, ou pelo próprio segurado.
Em relação à proteção social, é relevante refletir que o poder público tem a
responsabilidade de organizar a seguridade social – previdência, saúde e
assistência social – com base nos objetivos de universalidade e da cobertura e do
atendimento, uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços prestados às
populações urbanas e rurais (BRASIL, 1988).
O sistema de proteção social prevê garantias fundamentais para melhoria das
condições de vida e seguranças sociais. No caso da previdência social, essa
concepção de proteção social deveria alcançar dimensão para além da concessão
do benefício na situação de perda da capacidade laborativa, concepção contrária à
ideia de seguro. “A insistência da política governamental na predominância da lógica
do seguro é sem dúvida, um dos elementos dificultadores da ampliação e da
consolidação da seguridade social pública” afirma Boschetti (2003, p. 70).
As múltiplas expressões da questão social quanto às dimensões econômicas,
sociais, culturais que envolvem a vida dos trabalhadores, como partícipes de um
processo de (re) produção da vida social, de bens e serviços permeados de
conflitos, desafios cotidianos, adoecimento no trabalho, impõem a necessidade da
implementação de políticas públicas por meio de programas sociais com qualidade,
equidade, resolutividade e justiça social.
A Constituição Federal e as leis previdenciárias, de saúde, trabalhistas, dentre
outras, garantem os direitos dos trabalhadores vítimas de acidente do trabalho e
obrigam as empresas a desenvolverem ações para prevenção de acidentes, na
perspectiva de assegurar a melhoria das condições de trabalho.
A divulgação restrita da legislação previdenciária e as constantes alterações
dificultam o acesso do trabalhador aos direitos sociais. Neste sentido, quando o
trabalhador não registra no INSS a comunicação do acidente de trabalho pode
enfrentar dificuldades para comprovar o nexo causal entre o acidente/doença e o
trabalho desenvolvido na empresa.
Algumas empresas não emitem a CAT, sobretudo quando se trata de
doenças relacionadas ao trabalho. O auxílio-doença acidentário (espécie 91) garante
ao trabalhador acidentado um ano de estabilidade no emprego, após a cessação do
benefício, Lei no 8.213/1991, artigo 118 (BRASIL, 1991). Para evitar a permanência
do trabalhador na empresa após a alta da perícia médica do INSS, alguns
empregadores não registram a CAT como estratégia para demitirem o funcionário
após alta da perícia médica do INSS no caso de auxílio-doença previdenciária –
espécie 316.
De acordo com portaria interministerial no 800, de 3 de março de 2005, “a
saúde dos trabalhadores é condicionada por fatores sociais, econômicos,
tecnológicos e está relacionada a fatores de risco de natureza física, química,
biológica e ergonômica, presente nos processos de trabalho” (BRASIL, 2005).
O perfil de morbimortalidade dos trabalhadores no Brasil, atualmente,
caracteriza-se pela coexistência de agravos relacionados às condições de trabalho,
como os acidentes típicos, as doenças relacionadas ao trabalho e as doenças que
não têm relação de causa com o trabalho, mas condicionam a saúde dos
trabalhadores (BRASIL, 2005).
Mediante a inconsistência das informações sobre a real situação de saúde
dos trabalhadores, torna-se desafiante a definição de prioridades para as políticas
públicas, bem como o planejamento e implementação de ações relativas à saúde do
trabalhador, com o objetivo de garantir as condições de vida e trabalho. De modo
geral, as informações disponíveis referem-se somente aos trabalhadores
empregados e cobertos pelo Seguro de Acidente de Trabalho da Previdência Social,
representando 1/3 da população economicamente ativa (BRASIL, 2005).
Segundo estudo epidemiológico de amostragem domiciliar realizado pela
Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista, em Botucatu-SP, com
padrão de vida e índice de desenvolvimento Humano (IDH) superiores à média
nacional de 4,0 de acidentes de trabalho na população, somente 22,4% tinham
registro previdenciário, o que indica que de cada quatro pessoas acidentadas no
trabalho naquele município, 0,9 tiveram registro previdenciário. A Organização
Mundial de Saúde (OMS) na América Latina estima que somente, 1% a 4% das
doenças do trabalho são notificadas (BRASIL, 2005).
As informações indicam a gravidade do problema, mas os registros não levam
em consideração as subnotificações dos acidentes de trabalho, em suas múltiplas
determinações, como ausência de vínculo empregatício, não caracterização do
acidente de trabalho ou doença ocupacional pelo profissional de saúde e pelo INSS,
inexistência de registros dos acidentes sem afastamento do trabalho e as
implicações que podem levar à não efetivação do direito previdenciário e trabalhista
(BRASIL, 2005).
A descaracterização da doença como acidente de trabalho, doença
profissional ou ocupacional significa a falta de reconhecimento dos direitos do
trabalhador, conforme determina a legislação previdenciária. Até 2006, o trabalhador
enfrentava inúmeros desafios para caracterização do nexo causal entre doença e
trabalho, em especial, quando a comunicação do acidente de trabalho era emitida
pelo segurado ou pelo sindicato da classe, no caso de recusa da empresa, conforme
determina a Lei no 8.213/1991 (BRASIL, 1991) e Decreto no 3.048/1999(BRASIL,
1999). Assim, competia ao segurado a obrigação de comprovar, perante a
previdência social, que o acidente ou doença possuía nexo causal com o trabalho
desenvolvido.
Com a Medida Provisória no 316/2006 convertida na Lei no 11. 430/2006,
criou-se o Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP), que modifica o sistema de prova do
acidente de trabalho. Acrescentado à Lei no 8.213/1991 o artigo 21-A e determina
que a

perícia do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da


incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico
entre o trabalho e o agravo, decorrente de relação entre a atividade da
empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na
Classificação de Doenças (CID), em conformidade com o que dispuser o
regulamento (BRASIL, 1991).

Considera-se “agravo como sendo a lesão, a doença, o transtorno de saúde,


o distúrbio, a disfunção ou a síndrome de evolução aguda, subaguda ou crônica, de
natureza clínica ou sub-clínica, inclusive morte, independente de latência” Decreto no
6.042/2007, artigo 37, § 3o (BRASIL, 2007).
O § 1o do artigo 21, da Lei no 8.213/1991 estabelece que “a perícia médica do
INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência
do nexo de que trata o caput deste artigo”.
De acordo com o § 2o do artigo 21-A da Lei no 8.213/1991, “empresa poderá
requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá
recurso com suspensivo, de empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da
Previdência Social”.
O Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) realiza o cruzamento
das informações de código da Classificação Internacional de Doenças (CID),
nominado de CID/10 e de código da Classificação Nacional de Atividades
Econômica (CNAE) que aponta a existência de uma relação entre a lesão ou agravo
e a atividade desenvolvida pelo trabalhador. A utilização do NTEP fundamenta-se
em estudos científicos vinculados a dados estatísticos e epidemiológicos. A perícia
médica da previdência social conta com mais um instrumento relevante para
subsidiar a análise para conclusão sobre a incapacidade para o trabalho que pode
ser de natureza previdenciária ou acidentária (BRASIL, 2012).
Conforme o Anuário Estatístico da Previdência Social (Aeps), a identificação
de ocorrência de Nexo Técnico por Doença Equiparada ao Trabalho (NTDEAT),
“implica na análise individual do caso, mediante o cruzamento de todos os
elementos levados ao conhecimento do médico-perito da situação geradora da
incapacidade e anamnese” (BRASIL, 2011).
O NTEP foi implantado nos sistemas informatizados do INSS, para concessão
de benefícios, a partir de abril de 2007, promove mudança no perfil da concessão de
benefícios previdenciários e acidentários e pode contribuir para redução da
subnotificação de acidentes e doenças do trabalho (BRASIL, 2012).
Segundo dados constantes do Anuário Estatístico da Previdência Social
(Aeps), a partir da implantação do NTEP, não há mais a exigência da vinculação da
CAT a um benefício para a caracterização do acidente de trabalho. No entanto, o
registro da CAT continua sendo uma obrigação legal da empresa, mediante o fim da
exigência da CAT para a concessão de benefícios acidentários, o que altera os
dados estatísticos, uma vez, que os benefícios acidentários garantidos em
decorrência de acidente de trabalho inexistiam na CAT registrada.
Com o NTEP, a caracterização de doenças relacionadas ao trabalho, a
exemplo de doenças ocupacionais, evolui de uma dimensão individual e assume
caráter coletivo, à medida que se consideram os índices estatísticos epidemiológicos
e análises de vários determinantes que interferem na disseminação de doenças
sobre determinada população (NETO, 2007).
Assim, neste estudo, utilizou-se no processo de análise e apreensão dos
dados relacionados aos acidentes de trabalho, e a pesquisa bibliográfica e
documental por meio da coleta de dados registrados no Sistema da Previdência
Social.
Nesse sentido, a análise da realidade social referente à vida dos
trabalhadores relacionada aos acidentes de trabalho requer um estudo e
organização de informações e dados, em especial, constantes no Sistema de
Processamento de Dados (Dataprev), no Anuário Estatístico da Previdência Social
(Aeps), nos processos concedidos e indeferidos de auxílio-doença, aposentadoria
por Invalidez, a comunicação de acidente de trabalho (CAT) existentes na Agência
da Previdência Social (APS) Goiânia-Centro. E ainda, foram coletados dados gerais
sobre acidentes de trabalho no Sistema Único de Informação de Benefício (Suib) da
Gerência Executiva do INSS em Goiânia no período de 2009/2012, tais como:
a) acidentes de trabalho registrados no INSS no Brasil nos anos de 2009, 2010 e
20117.
b) acidentes de trabalho registrados no INSS em Goiás no período de 2009 a 2011.
c) comunicação de acidente de trabalho (CAT) registrado na APS Goiânia-Centro;
d) número de auxílios-doença acidentários urbanos ativos na APS Goiânia-Centro.
e) número de aposentadorias por invalidez concedidos e ativos na APS Goiânia-
Centro.
Com o número de benefício localizaram-se os processos no arquivo da
Agência da Previdência Social Goiânia-Centro. Assim, mediante autorização do
Gerente Executivo do INSS em Goiânia foi possível acessar os processos físicos
para análise.

3.3 Caracterização da agência da Previdência Social Goiânia-Centro

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) foi criado em 27 de junho de


1990, por meio do Decreto no 99.350, coma fusão do Instituto de Administração
Financeira da Previdência Social (Iapas) e Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), e se transformam em uma autarquia vinculada ao Ministério da Previdência
Social (MPS) (BRASIL, 2012).
O INSS caracteriza-se como uma organização pública, prestadora de serviços
previdenciários para a sociedade e tem como objetivo preservar a integridade da
qualidade do atendimento à população. E ainda, “compete ao INSS à
operacionalização do reconhecimento dos direitos da clientela do Regime Geral de
Previdência Social” (BRASIL, 2012).
O INSS garante aos segurados três serviços – perícia médica, Serviço Social
e reabilitação profissional, bem como atendimentos diversos sobre benefícios e
arrecadação. A partir de 1998, o governo iniciou um processo de reestruturação do
INSS. Dessa forma, em 2002, foram criadas as gerências executivas do INSS e as
agências da previdência social (BRASIL, 2012). As gerências executivas são
unidades administrativas loais jurisdicionadas por uma Gerência Regional e
responsáveis pelas agências da previdência social (APS) de cada abrangência
(MPS).
Às gerências executivas competem gerenciar, supervisionar, organizar e
comandar a execução das ações da agências da previdência social e assegurar o
controle social, em especial, por meio da manutenção dos conselhos da previdência
social. No âmbito das procuradorias, representa judicial ou extrajudicialmente o
INSS e as instituições de que seja mandatário ou com as quais mantenha convênio.
A Gerência Executiva do INSS em Goiânia é composta por vinte e duas agências de
previdência social no interior do estado de Goiás, e seis na capital.
A Agência da Previdência Social (APS) uma unidade de atendiemento ao
trabalhador previdenciário e tem como competência proceder ao reconhecimento
inicial, manutenção, recurso e revisão de direitos ao recebimento de benefícios
previdenciários e assistenciais e a opercionalização da compensação previdenciária.
A Agência da Previdência Social subordina-se à Gerência Executiva do INSS em
Goiânia (BRASIL, 2012).
A Agência da Previdência Social Goiânia-Centro é considerada uma agência
central, localizada Av. Goiás no 351, Setor Central, Goiânia-GO, para acesso da
população. A APS realiza aproximadamente 600 (seiscentos) atendimentos diário ao
segurados, o que totaliza 15 mil e seiscentos atendimentos mensais.
A partir de 2006, o governo implantou o “novo” modelo de atendimento
programado com o direcionamento do atendimento presencial realizado nas
unidades fixas e móveis para os canais remotos de atendimento – Internet e Central
de Tele Atendimento. Os pedidos de requerimentos de aposentadorias, perícia
médica, auxílios doença, acidente, pensão e reclusão, recurso, dentre outros,
passaram a ser realizados por meio de agendamentos, com hora marcada.

3.4 Acidentes e doenças relacionadas ao trabalho

O objetivo é analisar os dados obtidos na pesquisa documental. Deste modo,


são trabalhadas as categorias referentes sexo, estado civil, agente causador do
acidente, os acidentes/doenças/CID-108, ramo de atividade e as modalidades de
acidentes.
Por meio de pesquisa realizada no Anuário Estatístico da Previdência social,
constatou-se, que em 2009, foram registrados no INSS 723,5 mil acidentes do
trabalho; e em relação a 2008, houve uma queda de 4,3% no número de acidentes.
Do total de acidentes com comunicação de acidentes do trabalho (CAT) registrados,
apresentou-se uma redução de 4,1% em comparação com 2008. Nas modalidades
de acidentes típicos9, trajeto10 e doenças do trabalho11 o percentual foi de 79,7%,
16,9% e 3,3% respectivamente. Os segurados do sexo masculino representaram
77,1% nos acidentes típicos, 65,3% em acidentes de trajeto e 58,4% doenças do
trabalho, e as do sexo feminino participaram nos acidentes típicos, trajeto e doenças
do trabalho com percentuais de 22,9%, 34,7% e 41,6%% do universo de acidentes
registrados com CAT. A faixa etária com maior incidência do total de acidentes
típicos, trajeto ocorreu com segurados de 20 a 29 anos com os índices 34,7% e
37,8% e, nas doenças do trabalho a faixa etária com maior participação foi a de 30 a
39 e representou 33,9% (Aeps, 2009).
Do total de acidentes registrados com CAT no INSS, a indústria representou
48,0%, e o setor de serviços 47,6%. Nos acidentes típicos, o comércio e reparação
de veículos automotores participou com 12,3%, e produtos alimentícios e bebidas
com 11,3%. Nos acidentes de trajeto o comércio e a reparação de veículos
automotores tiveram o índice de 19,2%, e o setor de serviços, 14,3%. Quanto às
doenças do trabalho os subsetores atividades financeiras e comércio e reparação de
veículos automotores tiveram percentual de 11,6% e 11,0%, respectivamente (Aeps,
2009).
De acordo com Aeps (2009), do total de acidentes do trabalho registrados,
dentre os 50 códigos de CID com maior índice nos acidentes, os que tiveram maior
ocorrência foram ferimento do punho e da mão (S61) com 10,6%, fratura ao nível do
punho e da mão (S62) 6,5%, e dorsalgia (M54), 6,4%. Em relação às doenças do
trabalho, os CID com maior participação foram lesões no ombro (M75) que
representou 19,7%, sinovite e tenossinovite (M65) com 17,2%, e dorsalgia com
7,6%.
Em 2010, foram registrados no INSS, 701,5 mil acidentes do trabalho,
ocorrendo uma queda de 4,3% em relação ao ano de 2009 e ainda houve uma
diminuição de 1.7% do total de acidentes registrados com CAT no período de 2009
para 2010. Os acidentes típicos, totalizaram 79,0% os de trajeto, 18,0% e as
doenças do trabalho, 3,0%. Dos acidentes típicos, 76,5% ocorreram com segurados
do sexo masculino, e 23,5%, do sexo feminino. Nos de trajeto, o índice foi de 65,0%
para pessoas do sexo masculino e de 35,0% para o sexo feminino; nos acidentes
relativos às doenças do trabalho, o percentual correspondeu a 57,8% e 42,2%,
sexos masculino e feminino. Nos acidentes típicos e de trajeto, a faixa etária com
maior incidência de acidentes foi entre jovens de 20 a 29 com percentual de 37,6% e
40,7% respectivamente, e nas doenças de trabalho, o índice foi de 32,3% na faixa
etária de 30 a 39 anos (Aeps, 2010).
Segundo o Aeps (2010), em 2010, 49,9% dos acidentes registrados com CAT
no INSS, ocorreram na indústria, e 47,3%, no setor de serviços. O comércio e
reparação de veículos automotores foram os subsetores com maior incidência de
acidentes típicos, com 12,2% e saúde e serviços sociais apresentaram 10,3%. Nos
acidentes de trajeto, o comércio e reparação de veículos automotores também
apareceram com maior participação com índices de 18,8% e 13,9% do total de
acidentes registrados. Nos acidentes relacionados às doenças do trabalho, comércio
e reparação de veículo automotor e produtos alimentícios e bebidas representaram
12,5% e 11,0%.
Dentre os 50 códigos de Classificação Internacional de Doença (CID),
ferimento do punho e da mão (S61), fratura ao nível do punho ou da mão (S62) e
dorsalgia apareceram com maior incidência com os índices de 10,4%, 7,1% e 5,7%.
Quanto às doenças do trabalho os CID mais incidentes foram lesões de ombro
(M75) com 20,0%, sinovite e tenossinovite 15,5% e dorsalgia 7,4%.
De acordo com o Anuário Estatístico da Previdência Social (Aeps), durante o
ano de 2011 foram registrados no INSS aproximadamente 711,2 mil acidentes do
trabalho. Em relação ao ano de 2010, houve um acréscimo de 0,2%. A quantidade
de acidentes registrados com comunicação de acidente de trabalho aumentou em
1,6% no período de 2010 para 2011. Os acidentes típicos alcançaram 78,6%, os de
trajeto, 18,6%, e as doenças do trabalho, 2,8%. Quanto à ocorrência dos acidentes
típicos, trajeto e doenças do trabalho, os segurado do sexo masculino
representaram 75,3%, 63,9% e 61,0%, e as do sexo feminino, 24,7%, 36,1% e
39,0%, respectivamente. A maior incidência nos acidentes típicos e de trajeto
ocorreu com jovens entre 20 e 29 anos, sendo 36,5% e 39,9% do número de
acidentes registrados. Os acidentes envolvendo doenças do trabalho a incidência
deu-se na faixa etária de 30 a 39 anos, com 32,8% dos acidentes registrados na
previdência social.
Segundo o Aeps (2011), na distribuição por setor de atividade econômica, a
Indústria apareceu com 47,1% e serviços, com 48,3% do total de acidentes
registrados com CAT. Nos acidentes típicos, comércio e reparação de veículos
participaram com 12,4%, e saúde e serviços sociais, com 10,9% da quantidade geral
de acidentes registrados. Nos acidentes de trajeto, o comércio e reparação de
veículos automotores representaram 18,9% e o setor de serviços apareceu com
13,8% e nas doenças do trabalho o subsetor atividades financeiras participou com
13,0% e comércio e reparação de veículos automotores com 11,1%.
Conforme o Aeps (2011), dentre os 50 códigos de Classificação Internacional
de Doenças (CID) com maior incidência nos acidentes de trabalho os ferimentos de
punho e da mãe (S61) representaram 10,1%, fratura ao nível do punho e da mão
(S62) apareceu com 7,1%, e dorsalgia (M54), 5,4% do total de acidentes registrados
com CAT. Em relação às doenças do trabalho, a maior participação de acidentes
ocorreram com lesões no ombro (M75), com 20,2%, sinovite e tenossinovite (M65),
14,2%, e dorsalgia (M65), 7,7% do total dos acidentes de trabalho.
Ressalte-se que, o Aeps (2011), revelou que no período de 2009 a 2011
foram registrados no INSS em Goiás 30.689 acidentes típicos, 9.192 acidentes de
trajeto e 671 acidentes em decorrência de doença do trabalho.
Observe-se o alto índice de acidentes típicos e de trajeto tendo como vítimas
os jovens entre 20 e 29 anos, prováveis trabalhadores da indústria, comércio e
serviços o que significou o reflexo de vários determinantes presentes no modo de
produção capitalista que exige do trabalhador agilidade, desenvolvimento de várias
atividades, produtividade, cumprimento de metas, exigências quase sempre
incompatíveis com a resistência física humana e, também, a violência no trânsito,
que pode desencadear acidentes típicos e de trajeto. Nas doenças do trabalho, a
maior incidência ocorreu nos segurados entre 30 e 39 anos, no entanto, o
reconhecimento da doença como acidente do trabalho apresentou percentuais
significativamente menores se comparados com os acidentes típicos e de trajeto, o
que demonstra a dificuldade que o segurado enfrenta para obter o reconhecimento
do nexo causal entre a doença e a atividade desenvolvida. Com a introdução da
tecnologia, praticamente em todos os ramos de atividades houve redução do
número de trabalhadores nas fabricas, empresas, dentre outros, e
consequentemente, o aumento da sobrecarga de trabalho. Com a informatização, o
trabalho dos operários, em especial os da indústria, tornou-se menos pesados, mas
em algumas atividades, permanece a mesma situação das antigas fábricas inglesas:

o próprio trabalho, facilitado foi levado ao extremo da monotonia. Ele não


permite ao operário nenhuma possibilidade de atividade espiritual e, no
entanto, absorve-lhe a atenção a ponto de impedi-lo de pensar em qualquer
outra coisa. A condenação a semelhante trabalho, que toma do operário
todo tempo disponível, que mal o deixa comer e dormir, que não lhe permite
fazer exercícios físicos e desfrutar da natureza, sem falar da ausência de
atividade intelectual (ENGELS, 2010, p. 158).

Aos trabalhadores, restam-lhes aceitar as investidas do capital e atender aos


seus interesses ou resistir contra a dominação a que são submetidos e lutar pela
garantia de direitos sociais, incluindo o de desenvolver suas atividades em locais de
trabalho com adequações que preservem a saúde dos trabalhadores e com carga
horária compatível com a resistência física e mental do ser humano.
Ressalte-se que uma das exigências da legislação previdenciária para o
acesso aos benefícios acidentários é a condição de filiação do segurado como
empregado. De acordo com pesquisa realizada no Sistema de Benefício (Suib) da
Gerência Executiva do INSS em Goiânia, todos os casos de acidentes declarados
na comunicação de acidente de trabalho (CAT) na Agência da Previdência Social
Goiânia-Centro indicam afastamento do trabalho, portanto, não houve atraso e
omissão em relação à comunicação do acidente. No período entre 2009 a 2012,
foram registrados 668 comunicações de acidentes do trabalho.
Do universo de 668 segurados vítimas de acidente de trabalho, 115 eram do
sexo feminino, e 553, do sexo masculino, 461 tinham menos de 50 anos de idade,
320 segurados eram solteiros, 313 casados, 32 divorciados/separados judicialmente
e três viúvos (tabelas 1, 2 e 3, anexas). Registre-se ainda, que a maior incidência de
acidentes do trabalho ocorreu no comércio, sendo 521 acidentes no período
pesquisado (tabela nº 4 em anexa).
Dentre os principais agentes causadores de acidentes figuram os
equipamentos/ferramentas/máquinas e outros, mas o destaque são acidentes que
envolveram meios de transportes, sendo 18 provocados por bicicletas, 97 por
veículos e 73 por motos (tabela 5 em anexa).
Em relação às modalidades de acidentes os dados da pesquisa revelaram
que o acidente típico ocupava o primeiro lugar com 479 registros, seguidos pelo de
trajeto 168 e as doenças relacionadas ao trabalho totalizam 21 acidentes (figura 1).
O programa de informatização da previdência social que alimenta as
informações e dados, conforme critérios definidos previamente, consolida a
indicação de garantia do auxílio-doença acidentário ao reconhecer a incapacidade
temporária para o trabalho, com a possibilidade de transformação para
aposentadoria por invalidez, mediante comprovação por meio do exame médico
pericial que ateste a incapacidade permanente.
A concessão do auxílio-doença, conforme previsto na Lei no 8.213/1991
(BRASIL, 1991) indica o reconhecimento do nexo causal entre o acidente/doença e
a atividade desenvolvida pelo segurado a serviço da empresa. Assim, representa a
garantia e a efetivação do direito social. No entanto, para o trabalhador seja casado
ou solteiro, ainda em idade produtiva, sem condições de exercer atividade
laborativa, bem como participar da vida social e comunitária infere nas condições
econômica e social, sobretudo, comprometer as relações sociais, familiares,
conjugais, dentre outros. No que se refere à dimensão econômica, o auxílio-doença
e a aposentadoria por invalidez podem resultar na redução da renda familiar, em
razão o limite do teto máximo da previdência social e o critério de média aritmética
para calcular o salário de benefício.
Conforme tratado neste trabalho, as formas de organização do trabalho –
precarização, subemprego, dentre outros – submetem o trabalhador a intenso ritmo
de trabalho e ainda à negligência do empregador em relação ao cumprimento da
legislação que determina a prevenção de acidentes e doenças relacionadas ao
trabalho. Essa situação favorece a ocorrência de acidentes e doenças relacionadas
ao trabalho, podendo desencadear no trabalhador a incapacidade laborativa.
De acordo com os dados apresentado nesse estudo, o ramo de atividade com
ampla ocorrência de acidentes de trabalho foi o comércio: 525
segurados/comerciários foram acometidos de acidentes/doenças relacionadas ao
trabalho o que apresenta uma realidade preocupante (figura 2).
Trata-se de uma realidade que exige atenção do Estado por meio dos órgãos
competentes – Ministérios do trabalho, Ministério Previdência Social, Ministério da
Saúde, dentre outros – que desenvolvem ações conjuntas. Portanto é fundamental
identificar o que provoca a prevalência e alto índice de acidentes/doenças no ramo
do comércio e assim, garantir planejamento e implementação de ações referentes à
saúde do trabalhador, para assegurar ações preventivas.
Destaque-se que o ramo da indústria no período pesquisado ocupa o
segundo lugar na ocorrência de acidentes de trabalho, com 87 trabalhadores
empregados vítimas de acidentes. Assim, como, no comércio, são necessárias
vigilância e medidas de prevenção de acidentes do trabalho. O ramo da indústria
está ligado à fabricação de produtos diversos, com utilização de ferramentas,
máquinas, andaimes dentre outros. Nesse sentido, o trabalhador encontra-se
suscetível aos acidentes em especial, os denominados típicos, que, de acordo com
Neto (2010, p. 1), caracteriza-se como um “acidente único, súbito e imprevisto e bem
configurado no espaço e no tempo”.
A industrialização favorece o desenvolvimento acelerado, a revolução
tecnológica, as exigências no modo de produção capitalista e o consumismo
desenfreado. Desse modo, “na maior parte dos ramos da indústria, a atividade do
operário reduz-se a uma miserável e mecânica manipulação, que se repete, minuto
a minuto, ano a ano” (ENGELS, 2010, p. 158).
No capitalismo, o trabalhador é considerado uma mercadoria, e desse modo,
o que interessa para o capital é a utilização da sua força de trabalho com objetivo
principal de acumulação de mais-valia. Assim, quando o trabalhador com redução da
capacidade para o trabalho, nos casos de acidentes típicos com mutilação de
membros – braço, mão, dedos, dentre outros – pode ser “descartado” pelo capital
como um objeto qualquer, por não ter mais utilidade para o sistema.
Em relação às modalidades de acidentes, o acidente típico ocupa o primeiro
lugar com 479 acidentes, seguidos pelo de trajeto com168 acidentes e 21 acidentes,
em decorrência de doenças relacionadas ao trabalho.
No que se refere aos acidentes de trajetos, ocorreram 168 acidentes no
período pesquisado, envolvendo motos, veículos e bicicletas. Trata-se de uma
necessidade de garantia de um redirecionamento na engenharia do trânsito na
cidade de Goiânia, para desenvolvimento de ações educativas com condutores,
transporte urbano de qualidade, e ainda, o enfrentamento radical da lógica
capitalista que incentiva a produção desenfreada automobilística, o consumismo, a
corrida contra o tempo, o que exige do trabalhador o pronto atendimento dos
interesses do “cliente”, dentre outras.
Os trabalhadores que utilizam carros, motos e bicicletas, se, no exercício da
profissão a serviço do empregador, forem vítimas de acidentes, a ocorrência será
caracterizado, como acidente de trabalho.
A ocorrência de lesão com trauma, ferimento, fratura do punho, da mão e
dedos dentre outros (tabela 6, anexa), foram provocadas por equipamentos,
ferramentas manuais sem força motriz e ferramenta portátil com força motriz,
máquinas, dentre outros (tabela 5, anexa).
A modalidade de acidente considerado típico não apresenta dificuldade para o
reconhecimento do nexo causal entre o acidente e a atividade desenvolvida pelo
segurado na empresa. Nesse sentido, explica-se o número significativo de auxílio-
doença acidentário em decorrência de acidentes típicos.
Quanto às doenças relacionadas ao trabalho, identificou-se um quantitativo de
21 auxílios-doença acidentários no universo de 668 comunicações de acidente de
trabalho. De acordo com a Classificação Internacional de Doença (CID: 10), indicado
na CAT, identificaram-se doenças relacionadas ao trabalho decorrentes de síndrome
do túnel do carpo, sinovites e tenossinovites e a concessão de auxílio-doença
acidentário em decorrência de doença mental, assim como episódio depressivo
grave, sem sintoma psicótico e episódio depressivo com grave sintoma psicótico.
As doenças depressivas representam um avanço na história da perícia
médica da previdência social, pois tratam-se de doenças com características que
dificultam o reconhecimento do nexo causal com a atividade desenvolvida pelo
trabalhador. Elas são provocadas pelas transformações societárias, em especial, no
âmbito das relações sociais e do trabalho engendradas no modo de produção
capitalista.
Deste modo, os trabalhadores que desenvolvem atividades de caráter
repetitivo podem ser submetidos a um ritmo de trabalho intenso e à pressão dos
gestores, para o cumprimento de exigências de cotas de produção por unidade de
tempo (ASSUNÇÃO, 2006). Assim, “o trabalho repetitivo seria aquele em que os
componentes de trabalho se repetem mais de quinze vezes por minuto e que
mobilizam mais de um sétimo da massa muscular corporal” (ASSUNÇÃO, 2006, p.
269).
A análise dos elementos constantes na CAT expressa um número restrito de
concessão de auxílio-doença em decorrência de doença do trabalho na Agência da
Previdência Social Goiânia-Centro, no período pesquisado. Essa realidade permite
refletir que no tocante a doenças relacionadas, ao trabalho o segurado depara-se
com a dificuldade do reconhecimento do nexo causal pela perícia médica da
previdência social.
No entanto, a criação do Nexo Técnico Epidemiológico (NTEP) viabiliza o
cruzamento das informações com objetivo de assegurar a prova do acidente de
trabalho, bem como as doenças relacionadas ao trabalho. Mesmo assim, persiste a
resistência da equipe de trabalho da previdência social no reconhecimento do nexo
causal relacionado às doenças do trabalho.
Conforme pesquisa no Sistema de Informação (Suib) no período de 2009 a
2012 foram concedidos na Gerência Executiva do INSS em Goiânia 9.715 auxílios-
doença em decorrência de acidente de trabalho e 300 aposentadorias por invalidez
acidentária.
Mediante pesquisa no Sistema de Informação de Benefício (Suib), constatou-
se que, no período de 2009 a 2012, na Agência da Previdência Social Goiânia-
Centro, foram concedidos12 62 aposentadorias por invalidez acidentária, 3
indeferimentos de solicitações de Auxílio-doença acidentária e 4 pedidos de
aposentadorias por invalidez acidentária foram indeferidos. Em relação aos
benefícios ativos13 identificaram-se 288 auxílios-doença acidentários ativos e 360
aposentadorias por invalidez em decorrência de acidente do trabalho.

3.5 Garantia e indeferimento de auxílio-doença acidentário na Agência da


Previdência Social Goiânia-Centro

As informações constantes na comunicação de acidente do trabalho (CAT)


revelam que os segurados da previdência social da Agência Goiânia-Centro
possuem acesso aos benefícios de auxílio-doença em decorrência de acidentes
típicos e de trajeto, conforme estabelece a Lei no 8.213/1991 (BRASIL, 1991). Assim,
um dos desafios refere-se às doenças relacionadas ao trabalho, no período
pesquisado, pois as doenças relacionadas ao trabalho sem o reconhecimento do
nexo causal pode ser garantido o auxílio-doença previdenciário sem relação com
doença do trabalho. Mediante protocolo na Agência da Previdência Social, o pedido
de benefício por incapacidade não caracteriza a espécie do auxílio-doença
acidentário que somente é definido por meio da avaliação médico-pericial.
O instrumento para o agendamento da solicitação do benefício por
incapacidade não possui a opção para indicar a espécie do benefício de auxílio-
doença previdenciário, espécie 31, auxílio-doença acidentário, espécie 9114, o que
dificulta o acesso aos processos indeferidos de acidente de trabalho em fase
recursal.
Na previdência social, inexiste um sistema que permita acessar os processos
indeferidos de acidentes de trabalho, e, portanto, a análise dos processos encontra-
se prejudicada. Após inúmeros enfrentamentos, foi possível obter acesso aos
processos de acidentes de trabalho típicos, de trajeto, de doença do trabalho,
indeferidos e cessados por motivo de limite médico em fase de recurso.
Em relação aos processos de acidentes típicos e acidentes de trajeto, duas
modalidades de acidentes, mediante informações constantes na CAT, o
reconhecimento do nexo causal entre o acidente e a atividade desenvolvida na
empresa ocorre de imediato no exame médico-pericial realizado por médicos da
previdência social. O auxílio-doença por acidente do trabalho é garantido com data
limite definida pela perícia médica. Caso o segurado não recupere a capacidade
para o trabalho poderá solicitar um pedido de prorrogação do benefício que será ou
não deferido pela perícia médica.
O reconhecimento do nexo causal de uma doença como transtorno de
adaptação como doença desenvolvida no trabalho, representa um avanço na perícia
médica da previdência social e, ao mesmo tempo, exige ir além da aparência, com o
objetivo de alcançar a dimensão da essência que envolve a realidade social do
trabalhador, no atendimento às novas demandas que se apresentam, em razão das
atuais configurações do mundo do trabalho que interferem nas formas de relações
de trabalho e, que nesse processo, alteram também as formas de adoecimento no
trabalho. Quanto aos processos de recursos analisados nesse estudo apreende-se o
que se segue.
São inúmeros os desafios enfrentados pelo trabalhador – a incapacidade para
o trabalho e a dificuldade de acesso aos serviços de saúde da rede pública. Nesse
sentido, exige-se do trabalhador o enfrentamento das barreiras, realidade que
contraria os princípios previstos na Lei no 8.080/1990, artigo 2o, o que determina que
“a saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as
condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (BRASIL, 1990). Trata-se de
demandas que tensionam o cotidiano do profissional de Serviço Social na
previdência. Assim, compete ao assistente social contribuir para a garantia de
acesso à proteção social, previdenciária e aos direitos sociais.
O benefício cessado por motivo de limite médico evidencia-se que a equipe
de perícia médica da previdência não atenta para inúmeros determinantes –
extensão da jornada, condições econômicas, éticas, técnicas, físicas, sociais do
exercício do trabalho, escolaridade, dificuldade de exercer outra atividade,
exploração, precarização, dentre outros.
A perda parcial da capacidade laborativa exige a mudança de função, e o
trabalhador defronta-se com a resistência do empregador, que ignora o que
estabelece a lei.
Os recursos contra as decisões periciais médicas representam para o
trabalhador uma possibilidade de garantia da proteção social, e se trata de um
instrumento significativo para o Serviço Social que atua na previdência. Assim,
compete ao profissional orientar, esclarecer, informar o trabalhador sobre as
alegações do recurso, em consonância com a legislação previdenciária, pautado em
princípios éticos fundamentais, em especial, a defesa dos direitos sociais, as
condições sociais e econômicas que podem interferir no processo de recuperação
da saúde do trabalhador, representando a dominação do capital sob o trabalho. O
assistente social deve atentar que a relação que se estabelece nesse processo é a
de comprador (proprietário/capitalista) e mercadoria (trabalhador). Assim, o resultado
esperado pelo capital é a mais-valia, extraído do trabalho excedente (MARX, 2010).
Destaque-se ainda, as abordagens teóricas presentes na legislação
previdenciária, que explicitam uma concepção positivista na utilização de inúmeras
terminologias – auxílio-doença, benefício, concessão, dentre outras – que
expressam conotação de benesse, em detrimento da garantia de direito social
previsto constitucionalmente. Essa realidade evidencia como se processa a relação
capital/trabalho. O trabalhado, sem condições objetivas de produzir, é descartado
pelo capital como um objeto.
Diante do exposto, os desafios enfrentados pelos trabalhadores na luta pela
garantia de acesso aos direitos sociais, requerem um compromisso com os
interesses mais gerais da classe trabalhadora. Trata-se de desafios que pressupõem
a radicalidade materializada no cotidiano do assistente social na previdência de
confrontar as contradições, as divergências, as tensões, dentre outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A necessidade de investigar a saúde do trabalhador e a garantia dos direitos


sociais perpassou pelo estudo do acesso dos trabalhadores ao conjunto de política
social ofertada no âmbito da previdência social. A saúde é, constitucionalmente, um
direito fundamental do ser humano. Assim, o trabalho é o meio para garantir a
sobrevivência do homem, já dizia Marx (2012). Nesse sentido, a saúde e o trabalho
relacionam-se dialeticamente.
O estudo ora apresentado nesta dissertação possibilitou identificar que são
inúmeros os determinantes que condicionam a saúde do trabalhador, presentes nas
dimensões – sociais, econômicos, políticas e culturais – no contexto da relação
capital-trabalho.
Em relação à previdência social, o segurado, vítima de acidente ou doença do
trabalho também tem o acesso aos benefícios acidentários de forma restrita. O
direito à cobertura universal ocorre mediante contribuição. Assim, o acesso ao
sistema previdenciário está condicionado ao trabalho assalariado e a vinculação do
trabalhador à previdência, por meio de contribuição.
O trabalho constitui um determinante da saúde do trabalhador, que se
encontra condicionado pelas relações sociais de produção no sistema capitalista.
Embora as leis vigentes garantam a proteção do trabalhador no trabalho, os
acidentes e adoecimentos ocorrem com frequência.
O acesso aos direitos sociais, em especial, à previdência, é a garantia
mediante políticas públicas, sociais e econômicas. A legislação favorável ao
trabalhador encontra-se regulamentada, no entanto, a relação entre o arcabouço
legal e o direito ao acesso é contraditório, uma vez que não alcança a todos.
A pesquisa realizada revela que um dos desafios do segurado refere-se ao
reconhecimento das doenças do/no trabalho pela previdência social, ao relacionar
com o quantitativo de auxílio-doença por acidente de trabalho nas modalidades,
típicos e de trajeto. Dessa forma, expressam-se a contradição da relação capital e
trabalho, pois o trabalhador é submetido à exploração no trabalho, com exigência de
cumprimento de metas, intensificação e ampliação da produção com a redução do
tempo para produtividade, extensa jornada diária de trabalho, sob ameaça constante
de perda do emprego.
Assim, os dados da pesquisa sistematizados sobre os acidentes e doenças
relacionadas à saúde do trabalhador, no âmbito da previdência social, e a garantia
dos direitos previdenciários, com enfoque nos acidentes e doenças relacionadas ao
trabalho, permitiu apreender que o capital apodera-se da saúde do trabalhador. Por
outro lado, o conjunto de leis vigentes, relacionadas à proteção social e ao trabalho,
não garantem por si só o acesso aos direitos sociais.
A proteção social da integridade física, psíquica e mental do trabalhador
requer garantia legal de direitos e acesso às políticas, mediante a prevalência social
e política, com a superação do trabalho “coisificado”, alienado, estranhado,
subjugado ao capital, pois “o capital viola os limites extremos, físicos e morais da
jornada de trabalho. Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao
desenvolvimento e à saúde do corpo. Rouba o tempo necessário para se respirar ar
puro e absorver a luz do sol” (MARX, 2012, p. 306).
1 INTRODUÇÃO

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vem passando por processos de mudança

em toda a sua administração, tendo em vista a obrigação desse Órgão de assumir a

responsabilidade por uma cultura organizacional adequada para a motivação de seus

funcionários, a fim de melhorar o desempenho destes nos serviços, elevando o grau de satisfação

com a sua qualidade de vida e tornando-os partícipes numa reestruturação organizacional. A

valorização do servidor público, seu reconhecimento, a preocupação com a sua saúde física e

mental e a melhoria dos serviços públicos prestados à sociedade devem ser prioridades da

Instituição.

Um ponto em comum em diversas organizações é a promoção de ações e programas de

qualidade de vida eficientes, que fazem com que os níveis de satisfação com o trabalho

aumentem e os problemas de saúde diminuam, melhorando as condições de bem-estar pessoal e

profissional de cada um.

Aos funcionários do Poder Judiciário do Rio de Janeiro e dos demais órgãos desse Estado,

que tenham apresentado problemas de saúde no decorrer de sua vida profissional, é concedido o

direito de exercer função mais compatível com suas atuais limitações funcionais, através da

readaptação funcional, conforme disposto no Decreto nº 2479, de 8 de março de 1979. É um

direito do servidor público nos casos previstos em norma legal e, consequentemente, uma

obrigação da Administração Pública a condução do devido processo administrativo. A intenção

do legislador foi a de criar um mecanismo legal de proteção ao servidor, que lhe proporcionasse

condições de retornar ao trabalho, evitando assim longos períodos de licença médica ou até

mesmo a aposentadoria por invalidez.


Tendo em vista uma readaptação funcional bem feita, seguindo a linha de preocupação com

a saúde e o bem-estar do funcionário e a fim de sensibilizar os gestores para as questões

relacionadas às condições de trabalho, o que permitiria ao servidor cumprir e exercer bem o seu

papel como profissional e cidadão, há que se abordar a seguinte questão: Como reintegrar ao

trabalho no ambiente dos cartórios judiciais os servidores readaptados para exercerem funções

compatíveis com a limitação que tenham sofrido em sua capacidade física ou mental durante o

curso de sua vida profissional?

O objetivo do presente trabalho é identificar processos de acompanhamento e orientação

aos servidores readaptados, analisar suas limitações frente às atividades funcionais, apontar as

dificuldades de lotação adequada, as quais envolvem as condições de ambiente, bem como

avaliar a necessidade de estabelecimento de formas de atuação conjunta entre as diferentes partes

envolvidas no processo: o chefe imediato, o Assistente Social, o Psicólogo e o Serviço Médico

competentes.

Para a apresentação do presente trabalho, foi realizado um estudo de campo, focalizando os

servidores lotados em cartórios judiciais. Foram objeto de estudo somente os servidores lotados

nos cartórios judiciais, subordinados à gestão da Corregedoria Geral da Justiça, Órgão com

funções administrativas de fiscalização e disciplina, exercida pelo Corregedor-Geral da Justiça.

A metodologia utilizada foi a coleta de dados relevantes através de entrevistas, a fim de

obter um conhecimento direto dessa realidade. Foi possível constatar que à medida que os

próprios funcionários informavam sobre suas dificuldades, necessidades, comportamentos e

relacionamentos com os colegas, a investigação aproximava-se mais e mais da situação real.


Foram feitas outras entrevistas com gestores, profissionais da área de serviço social e

pessoal da área de saúde, servidores do Poder Judiciário, para obter informações sobre

ocorrências que motivaram a readaptação, bem como para identificar as dificuldades de lotação

adequada.

O interesse pela realização desse estudo nasceu da constatação de que a reintegração ao

trabalho nas atividades cartorárias não é uma tarefa simples, pois necessário se faz observar as

limitações físicas ou mentais e tentar ajustá-las às atividades envolvidas, de acordo com as

necessidades de pessoal e atribuições da serventia na qual o servidor vier a ser lotado.

Dar importância a esses casos, a fim de reconhecer suas dificuldades e adequar as

limitações, habilidades e perfis de cada um às tarefas a serem realizadas, é estimular o

desenvolvimento, o crescimento profissional, elevando, assim, o grau de satisfação do

funcionário com a sua atividade e com a organização.

No momento atual, em que pessoas portadoras de deficiência (PPD’s), pessoas com

necessidades especiais, capacitadas para o mercado de trabalho e aproveitadas em diversas

organizações, privadas e públicas, trabalhando em funções adequadas às suas limitações, vêm

apresentando um desempenho eficiente, rendendo tanto ou até mais que outros empregados, não

há por que não contar com a força de trabalho daqueles que se encontram em situação de

readaptação funcional. Todos podem ser produtivos e desenvolver um trabalho de qualidade.

O presente trabalho foi elaborado com o objetivo de constituir-se uma reflexão que permita

uma melhor integração dos servidores que se encontram em situação de readaptação.


2 A READAPTAÇÃO FUNCIONAL

2.1 Os aspectos legais

A readaptação funcional é um direito do servidor público estadual estável, garantido pelo

Regulamento do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Poder Executivo do Estado do Rio

de Janeiro, Decreto n° 2479, de 08 de março de 19791, que lhe permite atuar em função mais

compatível com seu estado atual de saúde, em caráter temporário ou definitivo, depois de

constatada por junta médica oficial do órgão competente a limitação de suas atividades

funcionais, em decorrência de doença ou deficiência física e/ou mental.

A readaptação pode ser provisória, quando for constatada incapacidade parcial e temporária

para o exercício do cargo/função, ou definitiva, quando for constatada a incapacidade

permanente.

O legislador, ao criar o dispositivo legal, valorizou o servidor no sentido de proporcionar-

lhe a oportunidade de retornar ao trabalho, evitando longos afastamentos, licenças para

tratamento de saúde, ou sua aposentadoria por invalidez (caso não seja ele considerado incapaz

em caráter definitivo para o serviço público), mantendo-o não só presente e ativo, como útil e

produtivo. Essa é, também, uma medida necessária para a recuperação temporária de determinado

problema de saúde de um servidor, evitando atividades funcionais que possam prejudicar ainda

mais seu estado de enfermidade.


A matéria está disciplinada na Seção IV (Da Readaptação) do Capítulo III, do Título II, do

citado Regulamento.

Dispõe o primeiro artigo da respectiva Seção:

“Art. 49 – O funcionário estável poderá ser readaptado ex-


officio ou a pedido em função mais compatível, por motivo de saúde
ou incapacidade física.”

O artigo refere-se ao funcionário estável; sendo assim, só poderá ser aplicado aos servidores

estaduais que tenham completado três anos de efetivo exercício no cargo, uma condição

constitucional temporal necessária para a estabilização do vinculo com o Estado (art. 41, caput,

da Constituição Federal). Entende-se que o servidor ainda no estágio probatório não poderá gozar

deste direito, caso venha a sofrer restrições médicas para a execução de algumas atividades,

decorrentes de um problema de saúde; terá que contar apenas com a compreensão e sensibilidade

de sua chefia, por não apresentar plenas condições de realizar todas as suas funções. Caso

contrário, poderá ser dispensado.

O princípio da legalidade, no direito Administrativo, traduz a idéia de que a Administração

Pública somente poderá fazer o que estiver previsto legalmente. Portanto, não poderá o agente

público fazer o que não estiver expressamente previsto na lei. Ele deve basear-se no cumprimento

restrito da previsão legal pela Administração Pública, e o administrador estará sujeito aos

mandamentos da lei e às exigências do bem comum sob pena de responsabilidade.

Compete, entretanto, aos gestores uma melhor discussão sobre o dispositivo legal estadual,

que data de 26 anos atrás, pois é de se questionar se vale mais não aproveitar o funcionário em
estágio probatório ou lhe estender tal direito, preservando sua saúde e seu bem-estar físico e

mental e obter ao final seu comprometimento com um bom desempenho funcional.

Excluídos tais casos, garante a referida norma aos demais servidores a oportunidade de

continuar a trabalhar, exercendo outras atividades de acordo com o que foi determinado pelos

profissionais da área de saúde.

O servidor pode ser readaptado ex-officio, isto é, sem que seja de sua própria iniciativa,

apenas por determinação dos médicos, quando for constatada de imediato a necessidade de

reconduzi-lo ao trabalho após períodos de licença para tratamento de saúde. Ele pode, ainda, a

qualquer tempo, requerer a readaptação junto ao órgão de saúde oficial competente, apresentando

um parecer médico com justificativas, devendo ser submetido a outra inspeção, sujeitando-se a

perícia por junta médica para obter o deferimento do pedido.

O papel da junta médica oficial é o de auxiliar diretamente a Administração Pública no

exercício de suas obrigações, atuando como um instrumento pericial. É responsável pela

veracidade dos fatos atestados e pelo conteúdo das informações, devendo indicar a necessidade

ou não da readaptação funcional e restrições das atividades laborais.

Determina a norma em seu artigo 50:


"Art. 50 – A readaptação de que trata o artigo anterior se fará
por:
I – redução ou cometimento de encargos diversos daqueles que
o funcionário estiver exercendo, respeitadas as atribuições de séries
de classes a que pertencer, ou do cargo de classe singular de que for
ocupante;
II – provimento em outro cargo.

§ 1° - A readaptação dependerá sempre de prévia inspeção


realizada por junta médica do órgão oficial competente.

§ 2° - A readaptação referida no inciso II deste artigo não


acarretará descenso nem elevação de vencimento.”
No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, é o Departamento de Saúde da

Diretoria Geral de Gestão de Pessoas o órgão oficial competente para se pronunciar com um

exame pericial nos processos de readaptação funcional de todos os seus funcionários.

Ainda que continuem constando do Decreto o inciso segundo do citado artigo bem como o

parágrafo segundo, estes não são mais aplicados devido à Constituição Federal de 1988, que

declara, em seu art. 37, inciso II, que a investidura em cargo ou emprego público se dá através de

aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações

para os cargos em comissão. O servidor permanece em seu cargo mesmo sendo a readaptação

funcional definitiva e, sendo assim, terá direito à integralidade de seu vencimento.

O dispositivo legal não faculta ao funcionário em readaptação a redução da jornada de

trabalho ou qualquer flexibilidade de horário. Ele trabalha com restrições na execução de

algumas atividades funcionais, cumprindo a mesma carga horária dos demais servidores, cuja

jornada de trabalho é de oito horas diárias. Mas há que se discutir a necessidade de uma redução

de carga horária em determinados casos clínicos, tais como os de depressões, pânico e outras

doenças psicossomáticas ou em casos de retorno ao trabalho, após um afastamento prolongado de

licença médica, que deveria ser gradativo, a fim de que a pessoa venha a se adequar aos poucos à

sua nova condição.


2.2 Os aspectos processuais

O processo administrativo de readaptação funcional dos servidores lotados na 1ª Instância,

isto é, nas serventias que compreendem as comarcas da entrância especial, da 1ª entrância e da 2ª

entrância2, é formalizado pelo competente Núcleo Regional da Corregedoria – NURC, órgão de

desconcentração das atividades administrativas da Corregedoria Geral de Justiça e com

atribuições afins, distribuído pelo Estado em onze Núcleos Regionais.

Caso o pedido seja de iniciativa do interessado, este deverá apresentar e protocolar o

requerimento junto ao seu NURC, mencionando seu problema de saúde e anexando o laudo, o

parecer fundamentado e conclusivo de médico particular. O pedido, devidamente instruído e

autuado, será encaminhado, preliminarmente, a um Assistente Social integrante do respectivo

NURC para que este proceda a uma avaliação do servidor e a um posterior relatório informando

sobre suas atuais atribuições, ambiente de trabalho, dificuldades apresentadas e outras

informações que julgar importantes. Será, em seguida, encaminhado ao Departamento de Saúde,

onde os médicos se pronunciarão após a realização de um exame pericial do servidor, observando

o discriminado naquele relatório e emitindo, em seguida, o laudo oficial, devidamente assinado

pela junta médica, com as devidas informações sobre as atividades que ele poderá exercer ou que

estará impedido de exercer.

Quando um funcionário estiver em licença médica por um período prolongado, pode vir a

ser convocado a realizar perícia para avaliação das modificações de seu estado físico e/ou mental,
sendo eventualmente proposta a ele a readaptação funcional, por iniciativa do próprio

Departamento de Saúde. Nada o impede, na mesma situação, de procurar pelo referido setor para

um possível retorno ao trabalho. Ele passará, também, por uma avaliação de um Assistente Social

integrante do referido Departamento. O processo que se formalizar nesse setor conterá os dados,

demais sugestões, orientações e determinações referentes à necessidade de adoção da medida

proposta.

Findos os procedimentos iniciais, sendo a readaptação de iniciativa do interessado ou não,

os autos retornam ao NURC para proposição de lotação do servidor em outra serventia ou

permanência no seu atual local de trabalho, conforme cada caso. O Juiz de Direito Dirigente do

NURC defere o pedido de readaptação, se for recomendado, com base no laudo médico e de

acordo com os dispositivos legais do Decreto n° 2479/79. E, no próprio despacho, mantém o

servidor na mesma serventia onde se encontrava lotado ou manda lavrar um ato de mudança de

lotação, em busca de um lugar mais adequado à limitação física ou mental do servidor.

Uma vez deferida a readaptação e permanecendo lotado na sua serventia, o servidor se

apresenta ao Escrivão, gerente do cartório, ou, na sua ausência, ao Responsável pelo Expediente

ou ainda diretamente ao respectivo Juiz de Direito, dependendo do seu cargo, comunicando suas

restrições de atividades e funções. Precisa agora esclarecer, fazer entender, que suas limitações

não implicarão também na redução de sua competência, assunto que será objeto de análise mais

adiante.

Durante o período de readaptação não há, no entanto, de modo geral, acompanhamento feito

por pessoas qualificadas, para constatar inadaptação às novas atribuições, descumprimento das

orientações médicas ou propor uma reavaliação no rol de atividades e afinidades profissional.


Uma reavaliação é prevista para o final do período da readaptação, quando temporária, para o

caso de uma prorrogação.

2.3 Os aspectos de lotação

Para abordar os aspectos de lotação de servidor nas serventias judiciais, antes é necessário

conhecer o funcionamento e a composição dos NURCs que, entre outras, têm a atribuição de

lotar, remover e colocar à disposição funcionários vinculados às respectivas regiões.

Os NURCs foram criados em 1997, através do Provimento nº 05 do Corregedor-Geral da

Justiça, inicialmente em número de cinco, como uma medida organizacional e com funções de

executar parte das atividades administrativas da Corregedoria Geral da Justiça, objetivando

colocar os processos decisórios mais próximos dos servidores destinatários dos serviços,

assegurando maior rapidez no atendimento e minimizando as dificuldades de acesso causadas

pela distância de algumas comarcas.

As suas atribuições foram delimitadas no Provimento nº 35 do mesmo ano, permanecendo

centralizadas na Secretaria da Corregedoria Geral da Justiça todas as atividades normativas, de

controle, de formulação de políticas e diretrizes.

São dirigidos e coordenados por um Juiz de Direito, que é supervisionado pelo Gabinete do

Corregedor-Geral da Justiça - tendo sob sua administração um Quadro de Lotação de servidores,

composto por um Setor de Pessoal, um Setor de Fiscalização e Disciplina, um Serviço Social e

uma Secretaria – e que é encarregado da administração dos recursos humanos que lhe são afetos e

da orientação e fiscalização das serventias das comarcas que lhe são pertinentes.
Mais tarde, diante da necessidade de redimensionar as regiões, os NURCs foram

desmembrados3 - com exceção do 1º, que abrange toda a comarca da Capital do Estado (Fórum

Central e Varas Regionais) - em mais cinco, totalizando hoje 11.


Nos Setores de Pessoal de cada NURC, onde são também processados os pedidos de

readaptação funcional, as lotações em geral acontecem de forma que os servidores sejam

alocados em cartórios conforme a urgência em suprir sua necessidade e carência de pessoal ou,

segundo a conveniência da administração, através de solicitação dos respectivos magistrados ou

determinação do Corregedor-Geral da Justiça e, por delegação, de seus Juízes Auxiliares

dirigentes.

Quando o servidor com determinação para readaptação funcional é apresentado a um Setor

de Pessoal com orientação médica competente para uma mudança de lotação, para trabalhar em

outro cartório, surge um problema: Onde lotá-lo?

Os dirigentes administrativos dos NURCs observam alguns critérios de avaliação no

momento de proceder a sua lotação, como uma breve análise das estatísticas da movimentação

processual das serventias, ou de suas atribuições, que poderiam receber tal servidor, para saber se

o volume de trabalho é intenso ou não.

Especificamente no que diz respeito às competências e qualificações desse servidor e em

como ele poderá continuar contribuindo e se sentir produtivo, não há critérios definidos de

avaliação.

É necessário ressaltar que não existe, ainda, um setor de recursos humanos ou gestão de

pessoal moderno vinculado aos NURCs ou à própria Corregedoria Geral da Justiça que proceda a

tal diagnóstico e a outras análises relevantes a fim de identificar e gerir inteligentemente o


conhecimento e as competências destes servidores, observando e respeitando suas limitações e

valorizando sua capacidade de contribuição.

Sem levar em conta as devidas observações, uma lotação mal feita pode gerar um

desconforto para o próprio funcionário e para o gerente da unidade cartorária ou para o

magistrado. Aquele pode ter seu desempenho prejudicado por condições desfavoráveis de

ambiente, se sentir frustrado, desrespeitado e desencantado com a organização e, por outro lado,

pode se tornar um estorvo para a chefia e para os outros colegas lotados na serventia. E, na pior

situação, uma inadequada lotação poderá comprometer o estado de saúde do servidor,

prejudicando o seu quadro clínico.

É necessário ressaltar que o bom ambiente de trabalho é aquele onde os funcionários sentem

que são reconhecidos por sua competência profissional e tratados com respeito e atenção por seus

superiores.

Sabemos que as pessoas possuem competências, habilidades e expectativas diferentes umas

das outras e se fossem bem orientadas para o trabalho, para o exercício de suas funções, se

tornariam mais comprometidas com a organização. E esta, por sua vez, evitaria o desperdício de

talentos, experiências e conhecimentos e ganharia a plena satisfação de seus funcionários.

Pode-se perceber hoje em dia, em diversas empresas, que cada vez mais as pessoas são

selecionadas por suas competências e não por aquilo que está descrito no cargo que elas ocupam.

São muito valorizados e bem aproveitados os empregados cujas características pessoais

propiciam o desenvolvimento e a realização de um bom trabalho, que têm destacadas suas

competências. Dessa forma, os empresários, através de seus gestores de recursos humanos evitam

que pessoas sejam colocadas em locais de trabalho sem estar devidamente qualificadas,
habilitadas, sem os atributos necessários ao serviço. São direcionadas, então, para locais

adequados ao seu perfil. Tanto a empresa como os funcionários são beneficiados por tal seleção.

As competências individuais dos servidores subordinados à Corregedoria, aos NURCs, não

estão, mas poderiam estar, devidamente organizadas, formalizadas, relacionadas e disponíveis em

sistema informatizado próprio, em um banco de dados, a fim de que a organização, ao se utilizar

desse recurso, pudesse melhor ajustar as competências e habilidades solicitadas pelos diversos

setores e serventias.

Existem hoje disponíveis em sistema informatizado apenas os dados cadastrais referentes ao

histórico funcional do servidor, tais como seus registros de qualificação, lotação, promoção,

benefícios adquiridos, títulos, afastamentos e penalidades, que servem para bem identificá-lo.

Porém, não há dados como competências pessoais, inerentes a cada profissional e tampouco está

esse sistema relacionado a outro sistema ou banco de dados que identifique as necessidades de

pessoal de uma serventia.

Um projeto de identificação e relação de competências vem sendo desenvolvido e

experimentado pela Diretoria Geral de Gestão de Pessoas do Tribunal de Justiça, através de seu

recente órgão Departamento de Desenvolvimento de Pessoas. Segundo informações obtidas em

entrevista com a Diretora do Departamento, o referido projeto tem por objetivo formar um banco

de talentos, onde estão sendo mapeadas as competências dos servidores subordinados à

administração do Tribunal de Justiça para identificar o perfil de cada um. O trabalho se resume

em analisar as competências pessoais, a experiência e a formação profissional e confrontá-las

com as competências requeridas, o que possibilitará aos gestores responsáveis pelos recursos

humanos avaliar as necessidades de formação e treinamento profissional das pessoas, bem como
propor cursos de capacitação. Além disso, possibilitará também destacar o funcionário com

competência a mais para exercer outras atividades, identificar talentos com potencialidade para

um desenvolvimento superior.

Disponibilizar para a Corregedoria Geral, para os setores responsáveis pela administração

de pessoal dos NURCs, um programa semelhante, de gerenciamento das competências dos

servidores e das necessidades do cartório e do perfil do cargo, contendo um banco de dados

preciso e periodicamente atualizado, ou a extensão das atribuições desse novo Departamento para

toda a 1ª Instância do Poder Judiciário, auxiliaria os gestores a tomar decisões mais adequadas e

coerentes de lotação do readaptado, bem como dos demais funcionários.

Há que se ressaltar, ainda, a dificuldade em proceder à lotação quando há recusa das chefias

em receber ou deixar permanecer um servidor readaptado em cartório, alegando não poder contar

com sua força de trabalho nas atividades ali desenvolvidas. E, muitas vezes, por não conseguirem

encontrar e ajustar uma lotação, devido à incompreensão e à falta de habilidade por parte desses

gerentes/chefes para administrar tal situação, os dirigentes dos NURCs se vêem obrigados a

colocar o servidor executando tarefas administrativas na sua própria secretaria ou em um dos

setores existentes, excedendo o seu quadro de pessoal.

2.4 Atribuições dos cartórios e dos funcionários

Os cartórios judiciais do Estado do Rio de Janeiro (serventias/varas) são unidades de

diferentes atribuições (empresarial, cível, criminal, família, infância e juventude etc.), que

possuem atividades variadas, tais como atendimento ao público interno e externo (através do
balcão de atendimento, telefone e até correio eletrônico) e processamento de feitos judiciais,

tendo como integrantes o Escrivão, à frente da serventia, ou um Técnico Judiciário designado

Responsável pelo Expediente na sua ausência, subordinados ao Juiz de Direito da Vara e demais

auxiliares da Justiça, compondo o quadro de funcionários.

Existem hoje no Estado do Rio de Janeiro 714 serventias judiciais instaladas e em

funcionamento e aproximadamente 11.000 mil serventuários efetivos e ativos lotados nos

cartórios judiciais das Comarcas da Capital e do Interior do Estado, 1ª Instância do Tribunal de

Justiça, assim distribuídos por NURCs:

A maioria dos cartórios funciona com um acúmulo de trabalho muito grande, devido ao

aumento crescente da demanda de processos, especialmente nos Juizados Especiais Cíveis, nas

Varas da Infância e da Juventude e nas de Família, contando quase sempre com um número

insuficiente de funcionários.

O Poder Judiciário do Estado, visando a uma padronização das estruturas organizacionais

dos cartórios e aperfeiçoamento dos procedimentos, para prestar um serviço com celeridade e de

qualidade, implantou a prática do modelo de Gestão de Processamento Integrado nas serventias

judiciais, com foco na formação de equipes e participação de todos os funcionários nas diversas

atividades da unidade cartorária, com específicas atribuições, nas quais se revezam num rodízio

trimestral ou semestral. Esse trabalho acaba com a figura do “escrevente dono do processo” -
funcionário que tinha em seu poder o controle processual dos feitos que lhe fossem distribuídos -

e faz com que o serviço de processamento seja realizado por toda a equipe cartorária e assegura

ainda um tratamento isonômico entre os advogados.

Essa norma foi instituída em 2002, sendo implantada, gradativamente, em todos os serviços

judiciais, encontrando-se disciplinada nos arts. 182 e 183 da Consolidação Normativa da

Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Os objetivos do processamento integrado se constituem resumidamente em:

unificação da metodologia de trabalho;

simplificação do processamento das ações;

capacitação dos servidores para desempenho das diversas etapas do processamento

integrado, face ao sistema de rodízio;

fortalecimento da função de chefia e liderança do Escrivão e aperfeiçoamento do

processamento;

implantação de uma lotação padrão de pessoal nos cartórios que apresentem os mesmos

dados estatísticos, competências, atribuições e condições físicas.

A estrutura organizacional de cada serventia foi constituída da seguinte forma: uma

Gerência Cartorária com as Equipes de Preparação, de Processamento, de Digitação e de Apoio

Logístico, juntamente com a Equipe Administrativa nas Varas de Família e Varas da Infância e

da Juventude e a Equipe Interprofissional, somente nessa última.


Tais equipes têm suas atribuições bem definidas nos Provimentos do Corregedor-Geral da

Justiça nos 7 a 15, de 2003. As atribuições básicas de cada equipe, respeitando as peculiaridades

de cada tipo de serventia, de forma geral, podem ser assim resumidas:

A Gerência Cartorária, exercida pelo Escrivão ou Responsável

pelo Expediente, deve montar e coordenar as equipes, promover o rodízio, suprir faltas e

exercer e cumprir as obrigações inerentes ao cargo, conforme disciplinado nas diversas

legislações.

A Equipe Administrativa e a de Preparação, com funções

semelhantes, recebem, separam, autuam e cadastram as petições ingressadas em

cartório, distribuem os trabalhos entre as equipes envolvidas e certificam e registram em

sistema de informática as publicações.

A Equipe de Processamento, devendo zelar pelo regular

andamento do processo, é a responsável por toda a movimentação processual que se

fizer necessária, como certificar atos, registrá-los em sistema e cumprir prazos e

determinações judiciais.

A Equipe de Digitação faz os demais e necessários

lançamentos/cadastramentos de dados do processo para controle, andamento e posterior

consulta dos interessados e confecciona todas as diligências a serem extraídas de

sistema informatizado próprio.

A Equipe de Apoio Logístico é responsável por efetuar a

ligação entre as demais equipes e os diversos setores judiciais, pelo recebimento e

entrega de correspondências e pelo arquivamento/desarquivamento de autos.


A Equipe Interprofissional, está direcionada para o apoio ao

processamento e atendimento aos menores. É composta pelos Comissários de Justiça da

Infância e da Juventude Efetivo, Colaboradores Voluntários, Assistentes Sociais e

Psicólogos.

A proposta é de que as equipes, apesar de independentes entre si, devam colaborar umas

com as outras, objetivando o bom desenvolvimento dos trabalhos executados e o perfeito

funcionamento do processamento integrado.

Os funcionários participantes desse rodízio, que são os Técnicos Judiciários I e II, até há

pouco tempo denominados Auxiliar Judiciário e Técnico Judiciário Juramentado, são distribuídos

nas equipes conforme a necessidade de trabalho de cada uma delas e, através de escala

promovida pelo gerente, fazem, ainda, atendimento ao público, conhecendo, assim, todas as

etapas dos processos, do início ao fim.

Mas a norma não pode ser aplicada com rigidez. Ao ser lotado em uma serventia onde já

está funcionando o processamento integrado, deverá o servidor readaptado ficar excluído do

rodízio onde as atividades forem contrárias as recomendações médicas até a sua total reabilitação

ou, permanentemente, se for a readaptação definitiva. Com flexibilidade e bom senso pode-se

ajustar a situação com um remanejamento entre as equipes, nas outras etapas do processamento,

de acordo com as limitações dos funcionários, assim como ocorre nos casos de afastamento por

motivo de férias ou licença, para que não haja qualquer prejuízo para a execução de todo o

serviço.

Os demais servidores do cartório, os Oficiais de Justiça Avaliadores, Assistentes Sociais,

Psicólogos e Comissários da Infância e da Juventude Efetivos, com suas atribuições próprias,


exercendo, também, atividades externas, deslocando-se para vários lugares para cumprir

diligências, mandados, ordens e prestar atendimento a servidores nas suas serventias ou

domicílio, conforme a natureza de cada cargo, não são incluídos nos rodízios entre as equipes.

Quando na condição de readaptação funcional, contam com a colaboração de seus pares na

impossibilidade de executar algumas tarefas, pois o número de funcionários ocupantes desses

cargos em cartório é reduzido. A previsão legal de lotação em cada serventia se dá através de

levantamentos estatísticos dos feitos judiciais, de acordo com a competência de cada

especialidade e a natureza do cargo. Quando as atividades laborais contra-indicadas forem

práticas de serviços externos, os servidores passam a desempenhar as funções em serviços

internos inerentes ao cargo.


2.5 O ambiente físico e a importância da Ergonomia

Atualmente, percebe-se nos gestores de diferentes organizações a preocupação constante

com o bem-estar geral dos funcionários, estimulando seu pessoal à prática de atividades voltadas

para a saúde física e mental. Desenvolvem projetos, adotam programas, associados às técnicas

modernas de gestão de pessoal, para obter equipes comprometidas, motivadas, satisfeitas e

dispostas a trabalhar mais, pois sabem que pessoas com boa saúde física e mental apresentam

bom rendimento profissional. Na visão desses administradores, essa é a era da valorização das

pessoas, fator fundamental para a organização manter-se competitiva.

De forma semelhante posiciona-se o Tribunal de Justiça ao priorizar o bem-estar de seus

servidores, uma vez que vem demonstrando nos últimos tempos esta preocupação, através de

ações do seu Departamento de Saúde, realizando campanhas de prevenção a doenças e

divulgando informações de como se deve cuidar melhor da saúde.

Por outro lado, analisando os aspectos ambientais e as condições de trabalho nas

dependências internas de cada Fórum, principalmente das comarcas mais distantes da Capital do

Estado, apesar das iniciativas do Tribunal em reformar, reestruturar ou criar novos locais de

trabalho, verifica-se a necessidade de levantar alguns problemas, que vão de encontro com a

proposta de priorizar a saúde do servidor, tais como:

a existência de alguns cartórios em ambientes antigos e sem conservação, poluídos por

aparelhos de ar condicionado muitas vezes sem manutenção, provocando contacto com

agentes agressivos à saúde;


Espaços físicos insuficientes para comportar mobiliário, equipamentos de informática,

armazenamento de volumosos processos e para bem acomodar os funcionários;

mobiliário mal selecionado, que se torna inadequado para uma correta postura dos

servidores.

Quanto às condições de trabalho, pode-se observar que as atividades judiciais a que são

submetidos os funcionários diariamente, por serem muitas vezes burocráticas e executadas com

repetições mecânicas de procedimentos, exigem a permanência contínua em atitudes exaustivas e

em posições anti-fisiológicas.

Um ambiente de trabalho mal estruturado fisicamente coloca em risco a capacidade de

rendimento profissional dos funcionários. Não há como negar que os desgastes à que essas

pessoas estão submetidas no dia-a-dia são fatores que podem originar algumas doenças

ocupacionais, decorrentes da exposição a esses riscos ambientais ou ergonômicos e, para aqueles

que já se encontram enfermos, podem se tornar um agravante ao estado de saúde.

Solucionar estes problemas não é tarefa simples, requer investimento em novos mobiliários

e materiais, revisão dos processos de trabalho e conhecimento especializado para dar maior

atenção ao serviço a ser executado e ao ambiente físico em que funciona a serventia.

É preciso observar nos cartórios diversos fatores, como o conforto térmico, acústico, as

horas trabalhadas ininterruptamente, a exigência física e postural, dentre outros associados às

atividades executadas, e procurar estabelecer boas práticas dentro do princípio básico da

Ergonomia. Isso é imprescindível para uma melhor recuperação e para um bom desempenho do

servidor em readaptação.
Mas o que é Ergonomia? Entende-se que é um conjunto de regras e estudos que procura

adaptar as condições de trabalho às características do ser humano, visando a um ambiente de

trabalho saudável e produtivo, assegurando às pessoas a possibilidade de trabalhar com conforto,

segurança e eficiência.

A definição internacional de Ergonomia, aprovada pelo Conselho Científico da

International Ergonomics Association, (IEA, 2000) é assim descrita:

“Ergonomia (ou Fatores Humanos) é a disciplina científica que


trata da compreensão das interações entre os seres humanos e outros
elementos de um sistema, e a profissão que aplica teorias, princípios,
dados e métodos, a projetos que visam a otimizar o bem-estar
humano e a performance global dos sistemas.

Os praticantes da Ergonomia, ergonomistas, contribuem para o


planejamento, projeto e a avaliação de tarefas, postos de trabalho,
produtos, ambientes e sistemas para torná-los compatíveis com as
necessidades, habilidades e limitações das pessoas.”

Segundo Vidal (2002):

“A Ergonomia é uma disciplina da vida, que se aplica aos


nossos momentos produtivos de diversas maneiras. Basta uma pessoa
estar em atividade profissional e um estudioso de Ergonomia saberá
apontar uns quantos aspectos ergonômicos daquela atividade.” (p.
26)

É necessário abordar neste trabalho a importância da utilidade das regras e procedimentos

da Ergonomia, que propõem soluções que possibilitem maior conforto ao trabalho. Através de um

estudo elaborado sobre a realidade cartorária, realizado por um especialista em parceria com os

funcionários e gestores, mudanças nos sistemas de trabalho podem ser feitas, adequando a

atividade às características, habilidades e limitações funcionais das pessoas.

Dessa forma, podem-se evitar energias consumidas inutilmente pelos funcionários, fadigas

físicas e mentais, além dos afastamentos, das prolongadas licenças médicas. E com algumas
recomendações sugeridas e um trabalho integrado por equipes de profissionais competentes,

adequando mobiliário e procedimentos, pode-se alcançar os objetivos propostos de promover o

conforto dos funcionários.

A prevenção das doenças ocupacionais chamadas LER (Lesão por Esforço Repetitivo) e

DORT (Distúrbio Ósteo-muscular Relacionado ao Trabalho), geradoras de muitas readaptações,

encontra-se baseada em estudos para análise ergonômica do trabalho e na adoção de algumas

medidas técnicas, que podem ser adotadas por qualquer organização.

No Brasil, a Norma Regulamentadora nº 17, de 1990, do Ministério do Trabalho, exige que

no seu local de trabalho a organização seja adequada às características psico-fisiológicas dos

trabalhadores e à natureza da atividade. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a Lei Estadual de

03/07/1996 estabelece normas de prevenção das referidas doenças e critérios de defesa da saúde

dos trabalhadores em relação às atividades que possam desencadear lesões por esforço repetitivo.

Ao trabalhador deve ser garantido o máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente.

Conforme informações obtidas junto ao pessoal da área de saúde do Tribunal, ressalta-se a

incidência dessas doenças ocupacionais nos servidores do Poder Judiciário, que acabam por

determinar muitas readaptações, sem contar com outros funcionários que não comunicam suas

queixas de dores e outros sintomas ao Departamento de Saúde, devido à distância de algumas

comarcas, pois o referido órgão funciona no Foro Central da Capital, ou até mesmo por

desconhecimento de seus direitos, ou por temerem ser discriminados por colegas e chefia.

Nos estágios iniciais da doença, se critérios de conforto fossem aplicados, evitariam o

agravamento da enfermidade e os períodos de faltas, licenças e os de readaptações seriam,

consequentemente, menores.
Um ergonomista, através de estudos e avaliações, poderia apresentar soluções ergonômicas

e alterações no processo e organização do trabalho nos ambientes internos de cada Fórum, com

orientação técnica, a fim de obter resultados cada vez melhores para o conforto das pessoas, tais

como:

introdução de pausas para descanso e/ou redução do tempo de trabalho na atividade

geradora de LER/DORT;

diminuição da sobrecarga muscular gerada por gestos e esforços repetitivos e

diversificação das tarefas;

adequação de mobiliários e equipamentos de trabalho às características fisiológicas dos

funcionários;

orientação ao funcionário sobre práticas corretas do trabalho e de exercícios posturais

ergonômicos.
3 AS RELAÇÕES DO READAPTADO COM AS CHEFIAS E COM OS SETORES
ENVOLVIDOS NO PROCESSO

3.1 Relações com as chefias

Como já mencionado, o Escrivão do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro e, na sua

ausência, o Responsável pelo Expediente atuando como gerentes da unidade cartorária estão

sujeitos às normas do Judiciário, com suas atribuições técnicas e legais disciplinadas no Capitulo

X (Dos Escrivães), do Título I (Dos Serventuários Titulares), do Livro III (Das Serventias

Judiciárias e das Atribuições dos Serventuários e Funcionários da Justiça), da Resolução n°

05/1977 e em numerosos artigos dos Códigos de Processo Civil e Processo Penal e demais

atribuições gerais dispostas no art. 4° da Lei Estadual n° 3.893/2002.

O gerente tem seus deveres disciplinados nos 35 incisos do art. 26 da Consolidação

Normativa da Corregedoria Geral da Justiça deste Estado, tais como: exercer a chefia direta da

serventia, organizando, comandando e supervisionando todos os seus serviços e atividades,

sempre em obediência às instruções gerais baixadas pela Corregedoria Geral da Justiça; exercer a

administração do seu pessoal subordinado, zelando pela manutenção da disciplina, da ordem e da

hierarquia; zelar pela boa imagem da justiça, prestigiando e estimulando a probidade, a

produtividade, a celeridade e a qualidade dos serviços; responsabilizar-se pela preparação técnica

e constante aperfeiçoamento dos seus subordinados, mediante supervisão e orientação pessoal,

além de indicação para curso e treinamento oficiais e exercer demais atribuições e tarefas que lhe

sejam ordenadas pelo Juiz ao qual estiver subordinado.


Na administração do cartório, o gerente deve atender aos objetivos impostos no art. 182 da

citada Consolidação, observando os princípios da legalidade e da eficiência e organizando o

trabalho segundo o padrão do processamento integrado.

Somando-se a tudo isto, ele precisa, ainda, atuar como agente arrecadador e fiscalizador

quanto aos valores, custas e taxas judiciárias4 a serem recolhidos ao Fundo Especial do Tribunal

de Justiça, órgão que tem por finalidade a captação de recursos necessários ao processo de

modernização e reaparelhamento do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro.

É imprescindível orientar seus subordinados para a observação do correto recolhimento

desses valores, feito pelas partes e advogados, arrecadado mediante uma guia de pagamento

(Guia de Recolhimento de Receita Judiciária – GRERJ) que, face à complexidade da tabela de

custas, da norma jurídica que as regulamenta, provoca dúvidas quanto ao preenchimento dos

reais valores, do devido pagamento. A cobrança indevida ou excessiva pode acarretar prejuízos

para as partes envolvidas em um processo e até mesmo causar penalidades para o servidor que

deixou de proceder à correta verificação. Logo, o Escrivão necessita acumular conhecimentos

específicos sobre a matéria e aprender constantemente sobre novos procedimentos a serem

adotados, a fim de prestar informações precisas para toda sua equipe.

Esse servidor tem grandes responsabilidades como gestor imediato do cartório, pois, como

relatado, coordena diversas atividades importantíssimas de natureza judicial e administrativa. Ele

administra toda essa realidade funcional, bem como os recursos humanos que lhes são afetos e,

para fazer isso bem feito, precisa desenvolver também suas habilidades comportamentais.
Motta (2003) afirma:

“O aprendizado gerencial é o processo pelo qual um indivíduo


adquire novos conhecimentos, atitudes e valores em relação ao
trabalho administrativo; fortalece sua capacidade de análise de
problemas; toma consciência de alternativas comportamentais;
conhece melhor seus próprios estilos gerenciais e obtém habilidades
para uma ação mais eficiente e eficaz em determinados contextos
organizacionais.” (p. 28)

O Escrivão não contava, até então, com um treinamento para o exercício dessa gerência ao

assumir a serventia; chegava ao referido cargo através de promoção por antiguidade, possuindo

apenas o direito de escolha quanto ao tipo de cartório em que iria trabalhar.

A partir da Resolução nº 11/2003 do Conselho da Magistratura, torna-se obrigatório para

todos que já ocupavam o referido cargo e para aqueles que estavam para ser promovidos fazer um

curso de preparação para assumir a serventia, com duração de 100 horas/aula, realizado pela

Escola de Administração do Tribunal de Justiça – ESAJ, Órgão da Secretaria de Gestão de

Pessoas do Tribunal de Justiça voltado para promoção do desenvolvimento profissional e pessoal

dos servidores do Poder Judiciário.

O curso, denominado Curso de Qualificação Gerencial, aborda temas como chefia e

liderança, administração de talentos, motivação, identificação de aptidões, entre outros. Pretende

atingir todos os indivíduos que estão para serem promovidos e virão a ocupar o cargo.

Contudo, esse profissional encontra-se hoje muito preocupado em atender à crescente

demanda de processos e cumprir as diversas tarefas judiciais que lhe são impostas, exercendo

papéis de controlador e disciplinador, conforme determinado pelas diversas normas. Deixa, então,
por muitas vezes, de trabalhar suas habilidades pessoais como as de orientador, apoiador e

facilitador, inerentes a uma boa liderança.

Devido à falta de informação dos demais servidores e, muitas vezes, do próprio gerente

sobre as limitações de funções do readaptado, surgem problemas de relacionamento no ambiente

cartorário. O readaptado é visto com freqüência como um funcionário numa condição

privilegiada, pois é excluído de algumas obrigações e tarefas, não podendo a equipe contar com

a sua participação em todos os processos de trabalho. Isso ocorre com freqüência quando se

trata de portador de doença como LER/DORT, uma “doença invisível”. O readaptado é recebido

com desconfiança pelos colegas de trabalho e muitas vezes pela própria chefia, por não

acreditarem na sua dor e sofrimento, passando ele, então, a se sentir discriminado.

É preciso que essas pessoas sejam mais bem informadas e orientadas sobre a necessidade

da adoção da medida, para que seja combatida qualquer forma de discriminação. Há registros de

Escrivães em readaptação funcional, o que permite constatar que ninguém está livre de ser

acometido por alguma doença, até mesmo a própria chefia, podendo encontrar-se no futuro em

igual situação e necessitar dos mesmos cuidados e atenção por parte de toda a equipe.

No dia-a-dia cartorário, é necessário que o gerente crie condições para manter uma relação

participativa com todos os servidores subordinados, incentive e apóie o crescimento profissional

de cada um, buscando preparação técnica, o constante aperfeiçoamento e incentivando o trabalho

em equipe.

A motivação para um servidor readaptado pode implicar em atitudes do gestor como

incentivar, reconhecer seus esforços, seu trabalho realizado e aceitar seus limites, reafirmando-

lhe seu valor como ser humano, pois este precisa sentir-se objeto de atenção.
Conforme explica Motta (2004, p. 207): “Todas as pessoas possuem habilidades e

capacidade de contribuição. Estímulos à iniciativa e à cooperação fazem todos se sentirem mais

úteis e aprimorarem a possibilidade de contribuir.”

A boa comunicação também tem um importante papel para que o gerente administre melhor

seu cartório, mantendo a integração do readaptado e um bom relacionamento profissional com

todos os seus funcionários.

Pode-se esperar um elevado nível de satisfação no ambiente cartorário como em qualquer

outro, quando existir um canal eficiente de comunicação entre chefes e subordinados. O que

significa, na verdade, saber ouvir, escutar e transmitir com clareza e precisão.

Com base na percepção, deve o gerente orientar o servidor com restrições de algumas

atividades para exercer outras compatíveis com seu estado de saúde atual, aproveitando seus

conhecimentos e experiências e acompanhar seu desenvolvimento profissional, considerando

suas necessidades, estimulando e desenvolvendo suas competências, comprometendo-o com os

objetivos a serem alcançados. O importante é criar um ambiente de trabalho que o faça sentir-se

evolvido e não excluído.

Diante do exposto, pode-se afirmar que o Escrivão, ou, em sua ausência, o Responsável

pelo Expediente, com todas as suas atribuições e responsabilidades e mais a administração de seu

pessoal, possuem um papel central na motivação, na integração e no reconhecimento dos esforços

do funcionário em readaptação e devem utilizar todas as ferramentas de que dispõem para buscar

fazer do reconhecimento um instrumento legítimo de valorização deste servidor.

É essencial que projetos de aperfeiçoamento dediquem maior atenção aos Escrivães e a

quem quer que se encontre à frente da serventia, desenvolvendo incentivos para aprimorar suas
habilidades, a fim de melhor atenderem às necessidades de seus funcionários e exercerem o papel

de um bom líder.

Acima do gerente, hierarquicamente, se encontra o Juiz de Direito e, como autoridade

administrativa que é, deve zelar pelo bom funcionamento de sua unidade cartorária e ser

possuidor de iguais habilidades desejadas no trato com seu pessoal subordinado.

3.2 Relações com os profissionais da área de saúde

Para o atendimento aos servidores de todo o Estado do Rio de Janeiro, o Departamento de

Saúde do Tribunal dispõe de Médicos, Psicólogos e Assistentes Sociais, bem como, de grupos de

profissionais na área de odontologia e enfermagem, totalizando, aproximadamente, 50

profissionais. Uma estrutura, que se pode afirmar pequena em relação ao número de servidores

existentes, montada para atendimento no Foro da Capital do Estado.

Na página oficial do Tribunal de Justiça na Internet, o Departamento de Saúde oferece

informações sobre campanhas de saúde, atendimento médico, direitos e procedimentos e um

sistema de correio eletrônico, recurso ideal para contato com pessoas com as quais é difícil de se

conseguir falar ao telefone e que é considerado hoje em dia como o meio mais rápido e barato de

se comunicar. Esse serviço, conhecido hoje como “Fale Conosco”, se for direcionado para

aproximar e estreitar a relação médico-paciente, possibilitará a todos os servidores, em especial

aos lotados em regiões mais distantes, esclarecer dúvidas, agendar consultas e, no caso dos

readaptados, prestar informações sobre o atual desempenho, se estão cumprindo ou não as

recomendações médicas e outras mais que julgarem importantes relacionadas ao seu estado de

saúde, sem precisarem se ausentar do serviço.


Mas é preciso ressaltar que não se pretende aqui ferir qualquer código de ética, pois a

informação ou orientação fornecida pelos profissionais de saúde não deverá ser vista como

substituta de uma consulta. A troca de informações seria apenas mais um espaço para a

comunicação e uma forma de relacionamento e acompanhamento à distância, que o pessoal da

saúde poderia bem contemplar, levando em conta outras vantagens como a velocidade de

chegada das informações/solicitações ao destino, com possibilidade de resposta imediata.

Com a recente estrutura organizacional do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro,

aprovada pela Resolução nº. 15/2004 do Órgão Especial e consolidada pela Resolução nº

19/2004, as atribuições do Departamento de Saúde foram ampliadas, e foram criados novos

setores, dentre os quais a Divisão de Saúde Ocupacional, que tem como objetivo promover e

preservar a integridade física do funcionário e cuja especialidade médica está voltada para as

relações entre a saúde das pessoas e seu trabalho, visando a desenvolver ações de saúde

ocupacional e campanhas de prevenção de doenças. Essa Divisão pretende executar atividades de

diagnóstico, tratamento e prevenção das doenças relacionadas ao trabalho, dando assistência,

acompanhamento e orientação a todos os servidores do Poder Judiciário do Estado.

É imprescindível a existência de uma unidade médica voltada para essas questões em

qualquer organização, visto que as condições de ambiente e saúde no trabalho podem ser

compreendidas nos dias atuais como garantia de boa qualidade de vida das pessoas, o que implica

em um melhor desempenho.

É esperado que tal órgão dê continuidade às ações de promoção da saúde, desenvolvidas ao

longo dos tempos, como propor programas para contemplar as grandes necessidades, baseados

em diagnósticos de saúde, visando a melhorar o ambiente de trabalho e o bem-estar de todos. Um


bom exemplo são os programas de ação ergonômica, que permitem a implantação de uma cultura

de Ergonomia no Judiciário, face ao grande número de servidores portadores de distúrbios

músculo-esqueléticos.

Um grupo de trabalho formado pelo pessoal de saúde e por profissionais da área

administrativa de pessoal do Tribunal de Justiça elaborou, recentemente, um projeto sobre

readaptação funcional, visando a padronizar procedimentos de rotina, obter celeridade na

tramitação dos processos e proporcionar uma perfeita integração de seus funcionários na

Instituição.

O projeto usado no Tribunal de Justiça não foi extensivo aos funcionários subordinados à

gestão da Corregedoria Geral, devido a possíveis impedimentos burocráticos. Tal fato representa

um ponto negativo, visto que o projeto demonstra um comprometimento com a constituição de

uma proposta de readaptação que sensibilize profissionais atuantes em área responsável pelos

recursos humanos no que diz respeito a questões importantes como uma lotação bem estruturada,

sobre a qual o presente trabalho pretende alertar.

Com a preocupação desses profissionais em realizar procedimentos de readaptação bem

sucedidos, um trabalho em continuidade vem sendo desenvolvido, em parceria com o

Departamento de Desenvolvimento de Pessoas, a fim de reverter o quadro de desinformação das

pessoas envolvidas na aceitação do servidor. Pretende-se realizar um trabalho educativo, através

de realizações de palestras e outros meios de divulgação, para reverter a imagem negativa que

muitas vezes é vinculada a tais pessoas.

É importante destacar também que uma preocupação do Departamento de Saúde é a

inclusão das pessoas portadoras de deficiência (PPDs), as quais também esperam pela aceitação
de sua capacidade laborativa, com respeito às suas qualificações. Em diversas instituições

observa-se um excelente desempenho da força de trabalho dos deficientes em atividades e

ambientes adequados às suas limitações.

“Todas as pessoas portadoras de deficiência têm uma atividade


que lhes é possível exercer, desde que haja uma adequação do
ambiente de trabalho à sua necessidade. O atendimento dessa
necessidade permite que essas pessoas sintam-se completas, úteis e
iguais às demais, não obstantes as diferenças”. (Ferreira, 2004, p. 6.)

Logo, havendo respeito, podemos contar com essa força de trabalho e também é possível

contar com a dos readaptados, fazendo-os sentirem-se produtivos.

Espera-se, com a implantação da nova estrutura organizacional, que medidas como essas,

uma vez adotadas em um órgão, sejam também direcionadas para outro, pois o Poder Judiciário é

um só. É necessário que haja a unificação dos procedimentos administrativos no Tribunal de

Justiça e Corregedoria Geral da Justiça e a integração entre os órgãos atuantes na gestão de

pessoal, a fim de proporcionar para todos os servidores igual atenção.


4 ANÁLISE DOS DADOS

O presente estudo baseia-se em entrevistas que foram estruturadas de modo a permitir a

coleta de dados a fim de obter informações dos readaptados lotados em serventias de diferentes

atribuições. Tais informações são referentes ao ambiente de trabalho, adaptação, integração,

relacionamento e competência. As entrevistas foram realizadas a partir de um questionário

previamente elaborado para levar os servidores a melhor explicarem sua situação de

readaptados.5

A pesquisa foi realizada com 15 indivíduos em readaptação funcional definitiva e não

definitiva, nos seus locais de trabalho. As visitas foram previamente agendadas e as entrevistas

realizadas durante o horário de expediente normal.

A maioria dos entrevistados demonstrou interesse pela pesquisa e ainda colaborou com

sugestões de melhorias no ambiente de trabalho, tais como a necessidade de aquisição de

equipamentos de informática (teclado e mouse) adequados e/ou mesas que possam melhor

acomodar os computadores e os numerosos processos e que permitam regular a altura dos

monitores, para evitar qualquer desconforto.

Os indivíduos com distúrbios músculo-esqueléticos afirmaram que nem sempre conseguem

seguir integralmente as recomendações sobre as atividades de trabalho contra-indicadas no laudo

médico pericial, assim dizendo: “é constrangedor solicitar ajuda dos colegas para pegar algum

processo mais pesado” e “é difícil não permanecer além do tempo desejado em função de

digitação quando se tem muito trabalho”.


Em alguns depoimentos, acrescentaram que “lidar com a desconfiança e a falta de apoio dos

colegas e dos superiores é muito difícil”. Devido às suas limitações físicas e eventuais ausências

por motivo de licença médica, a equipe parece acreditar que eles não somam esforços para

atender às necessidades de trabalho da serventia e que, ainda, sobrecarregam os colegas de

serviço.

A preocupação de todos os envolvidos na serventia é a de cumprir de maneira imediata as

tarefas que são muitas e agregar o maior número possível de pessoal para redistribuir nos

rodízios. E alguns cartórios com uma movimentação de processos maior do que outros são mais

carentes ainda de pessoal e de força de trabalho. Por isso, seus responsáveis e equipes não vêem

com bons olhos a inclusão de um servidor em readaptação no quadro de lotação.

Alguns readaptados não se encontram motivados a ser produtivos e desenvolver o seu

potencial profissional. Consideram o trabalho monótono, pois acreditam não estar

desenvolvendo tarefas e atividades em conformidade com suas competências e sentem

necessidade de mudar de lotação, manifestando o desejo de trabalhar em outro tipo de cartório

com atribuições com as quais tenham mais afinidades ou em setores da 2ª Instância. Aqueles

mais insatisfeitos tomam a iniciativa de procurar pelo Assistente Social do NURC competente, de

quem esperam uma colaboração na reavaliação de sua lotação.

Em alguns cartórios, estímulos estressores podem surgir diante da sobrecarga de trabalho,

da cobrança por uma produtividade maior e pelo cumprimento dos prazos, da carga horária

excessiva que muitos servidores acabam por cumprir para dar conta do serviço e, até mesmo, por

não desempenharem tarefas de cunho intelectual desejado. Algumas pessoas podem apresentar

uma capacidade enorme para suportar situações de estresse como essas no dia-a-dia, porém
outras, ao contrário, podem entrar em um processo de crise que, no nosso entender, pode levá-las

a ter um baixo rendimento profissional e até prejudicar o seu estado clínico. As doenças

provocadas pelo estresse são doenças do mundo moderno - causadas por diversos fatores como a

pressão do dia-a-dia, frustração, ansiedade, rotinas e sobrecarga de trabalho, etc. – e estão

presentes nos indivíduos readaptados.

A partir das informações e observações obtidas, podemos tirar algumas conclusões como o

desejo da maioria dos servidores por um acompanhamento dos profissionais competentes que

procedam a uma avaliação criteriosa do desempenho e do estado atual de cada um e que prestem

o devido apoio e orientação nos casos de insatisfação quanto à atual lotação, a fim de se obter um

melhor aproveitamento de sua capacidade laborativa.

Conforme registros de readaptação funcional em sistema informatizado existente, pode-se

contar um total de 87 pessoas trabalhando hoje na condição de readaptados na 1ª Instância. A

tabela abaixo apresenta este número distribuído por NURCs:


Alguns NURCs não contam com nenhum servidor readaptado e outros apresentam um

número inexpressivo. É claro que, por conter um número maior de servidores do que os demais, o

1º NURC apresenta uma diferença acentuada em relação aos outros quanto ao total de

readaptados. Mas há que se questionar sobre outros fatores que podem acarretar certas

discrepâncias. A distância é uma delas, uma vez que a pessoa para ser submetida à perícia médica

oficial precisa se deslocar até o Departamento de Saúde, com atendimento na Capital. Ou, ainda,

considerar o convívio mais informal no ambiente de trabalho, entre os servidores que trabalham

no interior do Estado, onde um funcionário que venha a apresentar problemas de saúde física ou

mental poderia permanecer numa situação informal de readaptação, pois acabaria encontrando

maior compreensão e apoio dos colegas, deixando então de formalizar tal condição.

Quase 50% do total desses servidores que atuam na 1ª Instância foram readaptados em

caráter definitivo, conforme dados do referido Sistema SHF e a prevalência dos motivos dessas

readaptações definitivas são em grande maioria decorrentes de doenças músculo-esqueléticas.

Segundo informações obtidas junto ao Departamento de Saúde, essas doenças e os transtornos

mentais (doenças psiquiátricas mais graves ou menos graves) somados, totalizam até o momento

atual quase 90% dos motivos de todas as readaptações. Figuram como as doenças que mais

preocupam os profissionais de saúde do Tribunal, pois a primeira conclusão médica é de que o

paciente ainda tem condições de trabalho, mas não se sabe se ele terá condições de se adaptar às

necessidades de trabalho do Tribunal de Justiça. Por vezes, a readaptação não dá certo e, julgado

incapaz para o serviço público, ele será, então, aposentado por invalidez.
As ocorrências de doenças profissionais, as chamadas LER e DORT, síndromes

generalizadas em todo o mundo, estão presentes em várias organizações e são decorrentes dos

diversos processos de trabalho e atividades, principalmente dos informatizados. Elas se

manifestam com diferentes quadros clínicos e apresentam sinais e sintomas diferenciados nos

pacientes, conforme a atividade que desempenham. Seus fatores determinantes são diversos:

repetitividade de movimentos, esforço físico intenso, manutenção de posturas inadequadas por

tempo prolongado, pressão mecânica sobre determinadas partes do corpo.


O funcionário com seqüelas graves resultantes de patologias ortopédicas, neurológicas,

pulmonares, cardiológicas, etc., não tem condições de desenvolver atividades que necessitem de

grande esforço físico, empenho de força muscular, coordenação motora, assim como pessoas com

quadro clínico de fobias, pânico e depressão não podem executar certas funções em ambientes

externos ou prestar atendimento ao público em determinado setor, daí a importância do

cumprimento integral das restrições médicas impostas no laudo pericial. Caso contrário, de nada

valerá a readaptação funcional.


5 CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES

O objetivo do presente trabalho era identificar processos de acompanhamento e orientação

aos servidores readaptados, visando a uma readaptação bem feita e para isso, constatou-se,

inicialmente, a necessidade de uma cultura de gestão eficaz dos recursos humanos na

Corregedoria Geral da Justiça e nos seus Núcleos Regionais, com uma integração entre estes. O

gerente ao qual o servidor ficará subordinado, o Assistente Social, os profissionais competentes

da área de saúde e o Departamento de Desenvolvimento de Pessoas do Tribunal de Justiça,

deveriam formar um só grupo de trabalho para estabelecer formas de atuação conjunta.

Os resultados da pesquisa evidenciam a necessidade de se promover a assistência e o

acompanhamento periódico dos funcionários, minimizando as ocorrências de não adaptação ou

inadequação funcional. De que forma isso pode ser feito? Algumas sugestões da autora podem

ser assim apresentadas:

propostas para a divulgação e entendimento do trabalho de readaptação e promoção da

saúde aos funcionários devem ser concretizadas, mobilizando todos os servidores em

relação à importância do reingresso dessas pessoas no ambiente de trabalho, destacando

que o servidor precisa ser respeitado pelas suas diferenças, se sentir-se produtivo e

integrado ao ambiente, às equipes e ao processo de trabalho, para superar suas

dificuldades e tornar-se comprometido com a organização;

preparar os gestores de cada unidade cartorária para uma gestão de pessoas eficaz, através

de programas de aprendizado, a fim de buscar um melhor aproveitamento da capacidade

de trabalho do servidor readaptado;


verificar e avaliar a adoção de posturas e ritmos de trabalho adequados, as condições do

ambiente físico de cada unidade cartorária, como estrutura, mobiliários e equipamentos,

iluminação, para saber se estão de acordo com as características fisiológicas do

funcionário, registrando os problemas existentes e sensibilizar a administração para as

ações ergonômicas devidas;

os órgãos envolvidos nesse processo devem também juntar esforços para incrementar o

valor da grande rede de computadores, a Internet, disponível em todas as comarcas. E

aqui se incluem os Assistentes Sociais de cada NURC, que poderiam se utilizar do mesmo

serviço “Fale Conosco”, prestando a assistência que lhes couber. O serviço de correio

eletrônico economiza tempo e dinheiro, como já mencionado, e é fácil de operar. Basta ter

alguém encarregado de acessar as informações e fazer a devida triagem dos e-mails,

redirecionando dúvidas, reclamações e depoimentos para médicos ou demais servidores

competentes envolvidos na questão da readaptação e retornar com as respostas e

orientações devidas, providenciando o que for necessário, a fim de atender com mais

rapidez às necessidades de saúde e conforto dos servidores.

Alguns pontos foram levantados, com a finalidade de chamar atenção para a importância de

se observarem alguns critérios. Um bom exemplo seria examinar se o perfil do funcionário está

de acordo com o desejado pela serventia, considerando as limitações daquele e as atribuições e

ritmo de trabalho do cartório e sensibilizando os gestores para questões relacionadas à lotação

adequada, à integração entre os órgãos envolvidos para as devidas práticas neste setor, de modo

articulado e permanente e com responsabilidades e interesse no assunto.


Cabe, por fim, ressaltar que os resultados da pesquisa evidenciaram a necessidade de

colocar em prática todos os projetos em andamento, a fim de recuperar a capacidade laborativa,

aumentar o conforto e reduzir o índice de afastamentos, minimizar qualquer constrangimento e

melhorar a auto-estima tanto pessoal quanto profissional desses funcionários. Programar ações

integradas visando à valorização pessoal, profissional e conseqüente bem-estar do servidor

incentiva e favorece seu reconhecimento e possibilita alcançar os objetivos da organização.


CAPÍTULO II – PROTEÇÃO AO TRABALHADOR E O MEIO
AMBIENTE DO TRABALHO

Uma pessoa contínua a trabalhar porque o trabalho é uma forma de


diversão. Mas temos de ter cuidado para não deixarmos a diversão
tornar-se demasiado penosa (Friedrich Nietzsche).

Depois da abalizada reflexão acerca dos direitos sociais e sua aplicabilidade no


âmbito do Direito do Trabalho, bem como um estudo aprofundado sobre os princípios
que regem a relação de trabalho e emprego, parte-se o estudo para a análise sobre a
proteção do trabalhador e reflexões acerca do meio ambiente laborativo.
Destaca-se primeiramente a frase atribuída a Friedrich Nietzsche, que retrata
em suma a essência do capítulo aqui apresentado. O Direito do Trabalho visa assegurar
o prazer ao obreiro, de modo que o mesmo realize as suas atividades de forma segura,
prazerosa e com dignidade. Assim, justifica-se o título aqui estampado, visto que cabe
ao empregador assegurar ao trabalhador a proteção básica para o exercício das relações
juslaborais, dentro de um meio ambiente salubre.
Assim, o objetivo geral do presente capítulo é de apontar quais são as formas
protetivas que o ordenamento jurídico dispõe ao trabalhador e o que é o meio ambiente
do trabalho.
Ademais, de forma específica, serão apresentados os conceitos de segurança e
medicina do trabalho, os meios de proteção existente segundo as leis vigentes, a teoria
acerca do meio ambiente do trabalho, e também o que é salubridade laboral, ginástica
laboral e seus efeitos e finalizando com o direito ao lazer e as reflexões doutrinárias
sobre tal tema.
Mais uma vez para a produção do presente tópico, valeu-se do método de
investigação hipotético-dedutivo, onde o trabalho consistiu na construção de uma tese a
partir de análises doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas, e que foram apresentadas
a sua efetividade a partir de testes já realizados nos casos concretos, de modo que se
pode confrontar a teoria com os casos reais, de maneira que se buscou a perfeição
teórica.
As questões que envolvem a Proteção ao Trabalhador referem-se à matéria de
ordem pública, não podendo ser derrogada pela vontade do empregador ou empregado,
bem como qualquer outra parte, sendo inclusive uma das principais causas
justificadoras do princípio da “indisponibilidade dos direitos trabalhistas”, conforme já
estudado anteriormente.
Pelo fato da proteção ao trabalhador ser matéria de ordem pública, conforme já
mencionado, deve-se fazer uma análise minuciosa dos meios que o Estado Democrático
de Direito tem feito para garantir a efetividade dos direitos fundamentais do homem,
nos casos aqui expostos, na figura do trabalhador.

2.1 Direito do Trabalho Preventivo

A proteção do trabalhador dentro de um contexto laboral contribui para o


exercício do chamado “Direito do Trabalho Preventivo”.
Tal direito na realidade, nada mais é que a aplicação das normas de direito do
trabalho de forma preliminar, de modo que nas relações laborais haja o real
cumprimento da legislação, evitando consecutivamente os litígios trabalhistas.
Muito se critica inclusive as administrações das empresas, vez que na maioria
dos casos, preocupa-se em realizar planejamentos econômicos, societários, logísticos e
tributários, não se atentando porém ao planejamento oriundo das relações trabalhistas.
Todavia, o planejamento tributário faz com que haja diminuição do número de
reclamações trabalhistas, evitando-se, portanto as perdas, o que causa um benefício para
as partes, e principalmente para o Estado, já que embora seja muitas vezes considerada
célere, a Justiça do Trabalho é também acarretada de inúmeros processos e litígios.
Neste seara, a existência de um planejamento trabalhista faz também com que
o gestor adquira segurança de que as relações laborais dentro de sua empresa , fazendo
assim, com que se pense neste setor, da mesma forma que em todas as áreas, não
deixando com que o direito do Trabalho seja invocado apenas no caso de violação
É certo que o direito do trabalho preventivo traz enormes ganhos a empresa,
visto que se reduz custas com litígios, melhora as condições laborais dos obreiros, e
contribui para a real efetivação da função social do trabalho.
Ademais, levando-se em conta os princípios de Direito do Trabalho, é de se
aplicar ainda a primazia da realidade, de modo que os documentos da empresa devem
ser analisados em cima da verdade, com a realidade existente, e também em
consonância com as fontes formais do direito trabalhista, visto que estas trazem diversos
meios de reduzir custos, sem uma exposição a riscos. “
Sob essa ótica, pode-se concluir, portanto, que o objetivo de agir de forma
preventiva e estratégica é a redução dos custos trabalhistas, aliada à implementação de
soluções, no sentido de os gestores serem alimentados de informações trabalhistas pelas
áreas operacionais de suas empresas.

2.2 Segurança e Medicina do Trabalho


A segurança e saúde no âmbito laboral têm cada vez mais se tornado objeto de
estudos e preocupações da literatura jurídica, visto que as condições básicas dos
obreiros referem-se à questão de ordem pública.
Assim, ao se tratar de matéria de ordem Pública, emerge do Estado o Direito de
intervir nas normas regulamentadoras, objetivando a pacificação dos conflitos e
diminuições das lides.
Além do mais, as estatísticas apontam para dados alarmantes no que concerne
os acidentes ocorridos no âmbito do trabalho. Mesmo com a atual regulamentação legal,
os índices se demonstram preocupantes.
Segundo dados oficiais, no ano de 2011 foram registrados o total de 711.164
acidentes do Trabalho. Destes, 538.480 houve expedição de CAT – também chamado
de Comunicação de Acidente de Trabalho, que é a comunicação feita junto ao Instituto
Nacional de Seguridade Social (INSS), para fins sociais, previdenciários e trabalhistas
(PREVIDÊNCIA SOCIAL, 2011, p.561)
Neste contexto protecionista, a Constituição Federal atual se preocupou através
de seu artigo 7º, XXII, em regulamentar os Direitos que visem “a redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (BRASIL,
1988).
A Constituição Federal da República promulgada no ano de 1988 buscou a
implantação de forma prioritária, meios que versassem sobre a proteção dos riscos
produzidos no ambiente laboral, já que se trata de questão de saúde pública. Para isso,
se valeu em regulamentação e implantação de medidas que envolvesse normas de saúde,
higiene e segurança.
Por outro lado, as Constituições e normas jurídicas passadas buscaram esboçar
meios que protegessem o trabalhador. A Constituição Federal de 1934 regulou a questão
de assistência médica e sanitária (art. 121, §1º, h). Por sua vez, a Constituição de 1937
dispôs sobre a assistência médica e higiênica a ser dada ao trabalhador (art. 137, l). Já a
Carta Magna do ano de 1946, por meio do artigo 1937, VIII, expôs que os trabalhadores
“teriam direito à higiene e segurança do trabalho”.
Em 1966, a Lei nº 5.161 criou a Fundação Centro Nacional de Segurança,
Higiene e Medicina do Trabalho. Em 1967, a Carta Constitucional reconheceu este
direito, por meio do art. 158, X.
Já a Lei n° 6.514 de 1977 deu nova redação aos artigos 154 a 201 da
Consolidação das Leis do Trabalho, alterando o Capítulo V, sendo nomeado como “Da
Segurança e da Medicina do Trabalho”. No ano seguinte, a Portaria do Ministério do
Trabalho e Emprego de nº 3.214, do dia 08 de Junho de 1978, aprovou a criação de
Normas Regulamentadoras, também conhecidas como NR, declarando as atividades
insalubres e perigosas do Trabalhador.
Posteriormente, a Constituição Federal promulgada no ano de 1988, conforme
exposto, direcionou-se para a implantação de caráter prioritário, que objetivassem a
proteção contra riscos ambientais como medida de saúde pública.
No âmbito do Direito Internacional, ressalta-se que as maiores forças de
proteção as condições de Trabalho se dá por meio da Organização Internacional do
Trabalho (OIT). Dentre as Convenções por ela realizadas, destaca-se a de n° 12 de
1921, que dispôs sobre acidentes de trabalho na agricultura; a de nº 13 de 1921, que
versou sobre a proibição do emprego de menores de 18 anos; a Convenção de n° 115 de
1960, que dispôs sobre a proteção contra radiações; a de nº 127, que especificou o peso
máximo de cargas para transporte humano; a de n° 155 de 1981, que dispôs sobre regras
para a segurança e saúde dos trabalhadores e meio ambiente de trabalho; a convenção de
n° 161 de 1985, que versou sobre os serviços de saúde do trabalho; e em 2006, a
Convenção de n° 187, que visa à promoção da melhoria continua da segurança e da
saúde no trabalho, de modo que se institua uma cultura de prevenção ininterrupta,
visando reduzir as estatísticas acidentárias; ambas ratificadas pelo Brasil.
Dada às inúmeras regulamentações jurídicas que envolvem o Capítulo da CLT
acerca da Segurança e da Medicina do Trabalho, entende a literatura jurídica que
diversas são as obrigações dos empregadores na relação de emprego, visto que cabe a
eles cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, assim
como expedir instruções que visam à precaução quanto aos acidentes; e também facilitar
o exercício das fiscalizações. Em sentido oposto, cabe aos trabalhadores cumprir as
normas de segurança e medicina e colaborar com a aplicação das normas (PAULO;
ALEXANDRINO, 2009, p.302).
A necessidade de se cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho é
de suma importância na esfera trabalhista, a ponto de que seu descumprimento
caracterizar falta grave pela parte violadora, a ponto de que a rescisão do contrato
laboral ocorra por justa causa, conforme explícito no artigo 158 da CLT.
Cabem as Delegacias do Trabalho a promoção da fiscalização do cumprimento
das normas de segurança e medicina do trabalho, nos limites da jurisdição, adotando
inclusive medidas que se tornem exigíveis, obrigando os empregadores repararem as
necessidades para o bom ambiente de trabalho, e impor penalidades no seu
descumprimento (BRASIL, 1943).
A Constituição Federal prevê ainda em seu artigo 200, a necessidade do
Sistema Único de Saúde (SUS) em colaborar com a proteção ao meio ambiente, nele
compreendendo o do trabalho, conforme redação do inciso VIII.
O Meio Ambiente do Trabalho, por sua vez, refere-se ao conjunto de condições
existentes no local de trabalho, relativos à qualidade de vida do trabalhador, e que será
estudado em sua essência, no tópico seguinte.

2.3 A Importância de um Bom Ambiente de Trabalho

A Constituição Federal, aliada a doutrina jurídica atual, tem constantemente se


utilizada da expressão “meio ambiente do trabalho”. Para tanto, merece destaque a
conceituação doutrinária sobre a temática ilustrada:

Meio ambiente do trabalho é o local onde as pessoas desempenham


suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio
está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que
comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores,
independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres,
maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos,
autônomos, etc.) (FIORILLO, 2000, p. 21).

No que concerne o estudo do meio ambiente, o ambiente de trabalho merece


destaque, porque é nele que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja
qualidade está totalmente relacionada ao ambiente de trabalho. A educação ambiental
no trabalho deve ser propiciada a todas as pessoas e, tal qual a educação ambiental,
praticada em todos os níveis de ensino, a fim de influenciar na conscientização de todas
as categorias envolvidas, nos mais variados setores.
Costuma-se dizer que o ambiente de trabalho é o canteiro onde irão germinar
as sementes da boa convivência, onde proliferarão boas idéias, e crescimento mútuo
acontecerá naturalmente.
A literatura jurídica entende que os ambientes de trabalho, em regra, podem ser
definidos sob a forma de três realidades: negativo, indiferente e positivo.
O ambiente de trabalho “negativo” pode ser detectado na grande maioria dos
locais onde os empregados se dedicam à prática laboral: os trabalhadores estão
permanentemente insatisfeitos, os temas de discussão nos corredores, refeitórios, e
rodas de conversas se prendem a comentários envolvendo a vida alheia, os defeitos dos
chefes, enfim: fofocas em geral. Em geral os assuntos relacionados à empresa e ao
empregador são abordados com pessimismo e negativismo, pois sente-se prazer em
afirmar que determinado projeto não vai dar certo, que uma tomada de iniciativas deu
errado, que o empregador ou qualquer superior hierárquico se deu mal. O foco é sempre
direcionado para os pontos negativos da empresa e das pessoas que a dirigem, e para os
empregados, assumir uma tarefa que não seja sua obrigação está fora de cogitação.
Já o ambiente de trabalho “indiferente” é aquele que não chama a atenção dos
empregados, e não importa para eles se as coisas estão caminhando para melhor ou para
pior, desde que os reflexos da condução do negócio não os atinjam. Os trabalhadores
têm por meta realizar o mínimo, e ninguém se preocupa em se destacar ou realizar algo
mais do que é esperado dele, até mesmo sob pena de, em assim agindo, ser motivo de
piadas e chacotas por parte dos colegas.
Por fim, no ambiente “positivo” se percebe claramente que as pessoas têm
prazer de manter um bom relacionamento entre si. O objetivo principal é o bem comum,
todos se dedicando para o sucesso da empresa, mesmo que haja necessidade de se
empreender algum tipo de sacrifício. Esse compromisso decorre do reconhecimento de
que, se a empresa vai bem, os seus empregados também irão bem, vez que serão
atingidos pelos reflexos do sucesso do empreendimento. Neste tipo de ambiente não se
afigura necessário “tomar conta” das pessoas, pois o interesse em realizar um bom
trabalho, cumprir as obrigações, e envidar esforços para que um bom desempenho seja
atingido, supera a intenção de burlar os interesses do negócio, ou de trapacear o
empregador. Sob essa ótica, a vontade de fazer cada vez melhor e apresentar resultados
cada vez mais excelentes se transforma num desafio próprio para cada colaborador,
deixando de ser apenas mais uma tarefa enfadonha, ou uma reles obrigação.
A empresa que persegue como meta um ambiente positivo, e faz desse conceito
um ideal a ser atingido, o papel do superior hierárquico também se diferencia, pois ele
deixa de ser um mero fiscal de produtividade, para ser o agente de busca a novos
horizontes e novas oportunidades.

Questão é essencial porque revela importância e o impacto que os


gerentes e supervisores exercem na equipe no que refere a um bom
desempenho no trabalho. Eles estão sempre procurando maneiras de
estimular os colaboradores e, assim, aumentar seu entusiasmo e
comprometimento com a empresa e seus objetivos (BRUCE, 2006,
p.08).

Muito se fala, atualmente, a respeito de como as empresas devem tratar seus


empregados. No cenário hodierno, o cumprimento dos direitos trabalhistas e respeito a
benefícios constitucionalmente previstos, como a participação nos lucros e resultados
(PLR), já não são mais a garantia de trabalhadores felizes, e não bastam para que se
observe um sorriso na face de cada colaborador. Nos dias de hoje, preocupação salutar
se relaciona ao ambiente de trabalho, questão de suma importância para a satisfação dos
empregados nas empresas.
Muitas empresas que se destacam no quesito “responsabilidade social” têm
investido consideráveis somas na qualidade do ambiente de trabalho de seus
empregados, direcionando sua atenção e recursos financeiros para as instalações por
eles utilizadas, para os móveis, enfim, para todos os setores diretamente relacionados
com a prestação de serviço e o desenvolvimento da mão-de-obra. Além disso,
flexibilizam-se os horários de trabalho (chegando, algumas, até mesmo a permitir o
desenvolvimento de tarefas, pelos empregados, em seus próprios lares), promovem-se
atividades interativas, objetivando a que os empregados se sintam cada vez mais
estimulados nos locais onde prestam seus serviços. Essas práticas só contribuem para a
melhoria do ambiente de trabalho, resultando no maior rendimento dos profissionais e,
consequentemente, em sucesso para as empresas.
Como se observa da atividade empresarial, notadamente nos grandes centros,
não se constitui em exagero afirmar que os empregados passam mais tempo no trabalho
do que em suas próprias casas, com seus familiares: longas jornadas de trabalho, horas
extras, reuniões intermináveis, estipulações e metas e cobranças de resultados.
Obviamente, diante dessas circunstâncias, não há como deixar de reconhecer que o
ambiente de trabalho influi no senso de humor dos empregados, nas suas condições
físicas e psicológicas.
O ambiente de trabalho pode ser encarado sob três vertentes: o ambiente físico,
o ambiente social e o ambiente psicológico.
O ambiente físico, sem sombra de dúvidas, é demasiadamente importante para
se atingir bons resultados da atividade empresarial. Boa iluminação, condições sonoras
adequadas, circulação de ar, espaço suficiente, todos esses elementos influenciam
diretamente no comportamento e na produtividade dos empregados.
Nesse particular, verifica-se que, com base no artigo 157, da CLT, as empresas
têm por obrigação: (a) cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do
trabalho; (b) instruir os empregados, por meio de ordens de serviço, quanto às
precauções a tomar para evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais; (c)
adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; (d)
facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.
Idêntica importância, não obstante, deve ser atribuída às condições sociais que
o ambiente impõe, ou seja, as condições do relacionamento com as pessoas que
compõem a organização.
As relações interpessoais dentro de uma empresa assumem posição
fundamental para uma boa integração e trabalho em conjunto. Ouve-se dizer que as
pessoas são produtos do meio em que vivem, e tem necessidade de serem aceitas
socialmente. Elas têm emoções, sentimentos e agem de acordo com o conjunto. As
empresas devem levar esse aspecto em consideração, promovendo o bem-estar social
dos seus empregados.
Por fim, as relações psicológicas no trabalho afetam diretamente a vida do
trabalhador, ora que os constantes abusos cometidos pelo empregador, muitas vezes
geram distúrbios, o que por si acarretam doenças sérias.

2.4 Meio Ambiente do Trabalho Saudável, Constituição Federal e


Proteção ao Trabalhador

Um dos aspectos mais relevantes do meio ambiente, por vezes desprezado


pelos estudiosos e doutrinadores da seara jurídica, é o meio ambiente do trabalho, cuja
tutela específica pode ser retirada do caput, do artigo 225, da Constituição Federal, in
verbis:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Interpretando o dispositivo legal supra transcrito, verifica-se que a literatura


jurídica tem se valido de meios que busquem a preservação do meio ambiente laboral,
conforme transcrição seguinte:

A Constituição Federal de 1988 consagrou como obrigação do Poder


Público a defesa, preservação e garantia de efetividade do direito
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (DE
MORAES, 2003, p.221).

Evidentemente que os bens jurídicos tutelados pelo Direito do Trabalho e pelo


Direito Ambiental são distintos. Enquanto o Direito do Trabalho se ocupa das relações
jurídicas havidas entre empregador e empregado, dentro de uma relação contratual de
cunho eminentemente privado, o Direito Ambiental irá buscar a proteção do "homem
trabalhador, enquanto ser vivo, das formas de degradação e poluição do meio ambiente
onde exerce o seu labor, que é essencial à sua qualidade de vida.
O artigo 1º, caput, da Constituição Federal de 1988, prevê, como um dos
fundamentos da República, a dignidade da pessoa humana. Já o caput do artigo 5º cuida
do direito à vida e à segurança, enquanto que o caput, do artigo 6º, qualifica como
direito social o trabalho, o lazer e a segurança. De seu turno, no artigo 225, caput,
garante a Carta Magna a todos um meio ambiente ecologicamente equilibrado, sendo
que, no inciso V, preceitua-se incumbir ao Poder Público o dever de controlar a
produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.
Procedendo-se a uma análise cuidadosa desses dispositivos da Constituição
Federal supra aduzidos, dessume-se que o poder público não deverá admitir atividade
laborativa que ponha em risco a vida, a integridade física e a segurança dos indivíduos.

A segurança e a medicina do trabalho são o segmento do Direito


Tutelar do Trabalho incumbido de oferecer condições de proteção à
saúde do trabalhador no local de trabalho, e da sua recuperação
quando não estiver em condições de prestar serviços ao empregador.
A segurança do trabalho terá por objetivo principal prevenir as
doenças profissionais e os acidentes d trabalho no local laboral
(MARTINS, 2008, p.180).
Sob outra vertente, a Consolidação das Leis Trabalhistas discorre, nos artigos
189 a 197, sobre os adicionais de insalubridade e periculosidade, regulamentando sua
existência, sua fiscalização e sua eliminação.
O artigo 189 define “atividades insalubres” como aquelas que, por sua
natureza, condições ou métodos de trabalho, exponham os empregados a agentes
nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da
intensidade do agente e do tempo de exposição aos seus efeitos. O artigo 192, por sua
vez, fixa que o exercício de atividade insalubre, acima dos limites de tolerância
estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, garante o recebimento de adicional de
quarenta por cento, vinte por cento e dez por cento do salário mínimo, segundo se
classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo. O mesmo diploma legal, no seu
artigo 193, define periculosidade como contato permanente com inflamáveis ou
explosivos em condições de risco acentuado e que o trabalho nessas condições assegura
a percepção de um adicional de trinta por cento sobre o salário.
À primeira vista se teria uma colisão entre a previsão legal e a previsão
constitucional, pois enquanto a Carta Magna garante o direito à vida, saúde, segurança e
integridade física, a legislação ordinária admite uma espécie de troca, chamada nos
meios jurídicos de “monetarização da segurança e da saúde”, vez que se ocupa o
legislador ordinário de propor e regulamentar uma indenização ao trabalhador por sua
exposição a riscos.
O que necessita ser observado, nesse momento, é que o legislador não pode
ignorar a realidade da sociedade para a qual legisla, sendo certo que, ao mesmo tempo
em que se deve defender a saúde do trabalhador, a exposição a riscos é indissociável a
certas profissões, no atual estágio de desenvolvimento tecnológico em que a sociedade
se encontra. Exemplifica-se esse quadro quando se analisa a situação de um trabalhador
contratado para laborar numa usina de energia nuclear: sempre haverá um risco inerente
à atividade por ele desenvolvida, sempre estará o mesmo sujeito a alguma espécie de
ameaça de nível diferenciado daquelas a que se sujeita um trabalhador comum. Não há
como dissociar o risco do exercício da atividade profissional escolhida pelo trabalhador.
Em outras palavras, pode ser dito que todos os trabalhadores estão sujeitos a
riscos, porém em algumas profissões o risco é indiscutivelmente maior. O risco à vida
existe não só em atividades industriais, mas também em muitas das tidas como
essenciais à sociedade.
Outros exemplos de profissões sujeitas a riscos são os eletricitários,
diuturnamente expostos ao perigo para que todos tenham o conforto do fornecimento de
energia elétrica, inclusive em setores da economia que não admitem a interrupção na
prestação dos serviços (funcionamento normal de hospitais e ambulatórios). Policiais
também estão expostos a uma série de riscos em decorrência de seu trabalho, porém é
impossível o oferecimento de segurança pública e proteção em face de sinistros, sem as
atividades por eles desenvolvidas. Os médicos, enfermeiros e analistas de laboratórios
clínicos arriscam-se ao contágio das mais variadas doenças, sempre em prol da saúde da
população.
O certo é que existe uma lista bastante expressiva de profissões envolvidas em
reflexos de insalubridade e perigo, de modo que se afigura impróprio ao legislador, de
forma simplista, proibir o exercício de tais atividades, ignorando o fato de que certos
produtos e serviços são imprescindíveis para a implementação do disposto no próprio
artigo 225, caput, da Constituição Federal. Sob outra vertente, igualmente não pode o
mesmo legislador ser conivente com a livre agressão à saúde dos empregados.
A previsão contida nos artigos 189 a 197, da Consolidação das Leis do
Trabalho, evidentemente foi recepcionada pela Constituição Federal, haja vista o
disposto no artigo 7º, incisos XXII e XXIII da Carta de 1988, garantindo direitos dos
trabalhadores urbanos e rurais, voltando especialmente à preocupação com a redução
dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança e a
percepção do adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou
perigosas, na forma da lei.
A conclusão que pode ser extraída desse posicionamento é que ao mesmo
tempo em que se destacam as várias previsões constitucionais garantindo o direito à
vida, à segurança e à integridade física, em contrapartida cuidou o legislador
constitucional de fixar uma previsão que garanta ao trabalhador, como compensação
pecuniária pela exposição ao risco no trabalho, a percepção dos adicionais na forma da
“lei”. Essa lei, no caso, é a Consolidação das Leis do Trabalho, em seus artigos 189 a
197, bem como as inúmeras Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho, com
atribuição para isso.
De boa medida ainda destacar que a OIT - Organização Internacional do
Trabalho – se ocupou de atribuir relevância, entre todos os assuntos inerentes à sua
missão no mundo atual, a quatro principais estratégias de prevenção do acidente de
trabalho, quais sejam: eliminação dos riscos; eliminação da exposição do trabalhador
aos riscos; isolamento do risco; e proteção da pessoa submetida à situação de risco.
O objetivo principal da organização ligada às nações Unidas, portanto, é atingir
a eliminação do risco. Na impossibilidade dessa meta ser alcançada, atuar com vistas a
evitar a exposição do trabalhador ao risco. Infrutíferas as duas tentativas anteriores,
isolar o trabalhador da situação de risco. E, por fim, na impossibilidade do cumprimento
das proposições anteriores, resta apenas proteger o trabalhador. Esta última tem sido a
opção principal do modelo legal brasileiro.
O capítulo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que versa sobre esse
tema engloba os artigos 154 a 201, e trata das condições ambientais de salubridade, dos
equipamentos de proteção, dos órgãos de fiscalização e das providências legais
obrigatórias visando preservar a saúde e a integridade física do trabalhador.
Esses artigos são regulamentados pela Portaria nº 3.214/78, do Ministério do
Trabalho, que aborda especificamente questões atinentes à medicina e segurança do
trabalho, insalubridade e periculosidade.
A normatização dessa previsão legal atribui ao empregador obrigações como
cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho, instruir os
empregados, mediante expedição de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no
sentido de evitar acidentes no trabalho ou doenças profissionais, adotar as medidas que
lhes sejam determinadas pelo órgão regional do Ministério do Trabalho e pelos órgãos
estaduais e municipais, facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente e
constituir a CIPA – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, dando-lhe condições
de funcionamento (cf. artigos 163 e seguintes, da CLT).
A organização da CIPA é obrigatória nas empresas com mais de vinte
empregados, competindo a ela desenvolver atividades necessárias para prevenir
acidentes de trabalho. A fim de garantir a participação dos empregados nessa comissão,
atribui-lhes a lei estabilidade provisória, do que decorre o descabimento da despedida
imotivada (FÜHRER; FÜHRER, 2005, p.170).
Ademais, expõe-se que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias –
ADCT, por meio de seu artigo 10, II, prevê que fica vedada a dispensa arbitrária ou sem
justa causa do empregado eleito para o cargo de direção de comissões internas de
prevenção de acidentes, desde o registro da candidatura até um ano após o final de seu
mandato.
A par desses compromissos exigíveis dos empregadores, constituem
obrigações do empregado: observar todas as espécies de normas de medicina e
segurança do trabalho, colaborar com o empregador quanto à observação dessas
normas, e fazer uso dos equipamentos de proteção individual fornecidos pela empresa.
O empregado que não se atenta para essas recomendações do empregador, sobre
medicina e segurança do trabalho, ou se recusa a usar os equipamentos de proteção
comete ato faltoso, passível de advertência e suspensão (cf. artigo 158, da CLT).
A empresa é obrigada a fornecer aos empregados, gratuitamente, equipamentos
de proteção individual adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e
funcionamento, sempre que as medidas de ordem geral não ofereçam completa proteção
contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados. Todo estabelecimento
deve estar equipado com material necessário à prestação dos primeiros socorros
médicos.
Nos anos que se seguiram à publicação do texto originário da CLT, portanto,
inúmeras disposições legais acabaram sendo editadas e passaram a compor o mundo
jurídico, de modo a acompanhar a evolução das rotinas trabalhistas dentro das fábricas e
empresas, sempre com o intuito de garantir a indispensável proteção ao trabalhador.

2.4.1 Direito do Trabalhador ao Lazer


A formação de um meio ambiente do trabalho saudável compreende também o
exercício regular dos direitos do obreiro, de forma que os mesmos sintam-se respeitados
e protegidos.
Diferentemente do que ocorre com a máquina, o corpo humano depende de
períodos de descanso, lazer e recreação. São direitos sociais consagrados pela Carta
Magna Nacional, e também previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
que prevê o Direito ao repouso e lazer, limitação de horas de trabalho e férias
remuneradas de forma periódica (ONU, 1948).
Assim, a legislação nacional e internacional assegura a todo trabalhador o
direito de possuir um determinado tempo livre para exercer atividades que achar
necessário para sua vida, de forma que se garanta o prazer em algo que não possui
relação com o emprego. Nestes moldes, todo trabalhador possui direito de recreação, de
estar com a família e amigos, etc. Conforme já exposto, o homem não é igual a uma
máquina, que basta ligar, e a mesma já funciona.
O direito ao lazer compreende também ao exercício da integridade física e
psíquica do obreiro, de forma que não se viole o Direito Fundamental a Dignidade da
Pessoa Humana.
A Constituição Federal prevê o limite da jornada de trabalho, assim como
prevê o Direito a férias, descanso semanal remunerado, entre outros. Por outro lado, nas
relações de trabalho, cabe ao empregado exercer suas atividades atribuídas. Neste modo,
o direito ao lazer, que engloba o descanso e a recreação, tenta equilibrar a aplicação dos
direitos fundamentais, de forma que o obreiro não extrapole os limites ao lazer, assim
como o empregador não abuse do trabalhador.
Não se pode comparar o direito ao lazer como uma atividade de “luxo”, uma
vez que se trata de necessidades básicas do homem, já que se refere aos aspectos
biológicos, sociais e existenciais, conforme disposto a seguir:

O lazer é uma necessidade básica do ser humano sob três aspectos:


biológico, na medida em que consideramos os aspectos físicos e
psíquicos do ser humano, pois que é através do lazer que mente e
corpo descansam e "recarregam" as energias despendidas durante um
período de trabalho; social, pois que é no momento de lazer que o
trabalhador tem oportunidade de conviver com familiares e amigos,
participando ativamente da vida em comunidade; existencial, uma vez
que o trabalho em excesso aliena o indivíduo, impedindo-o de pensar
em sua própria vida e de buscar para ela um rumo melhor do que
aquele em que se apresenta (TRINDADE, 2011).

Não obstante, inúmeros estudos comprovam que a violação ao direito ao lazer


acarreta consigo consequências negativas, pois o trabalhador labora desmotivadamente,
muitas vezes com acumulo de cansaço e estresse, o que faz com que sua atenção seja
reduzida, contribuindo para que inclusive aconteça acidentes de trabalho.
Neste aspecto, estudos apontam que a sobrecarga de trabalho é um dos
principais motivos causadores de acidente de trabalho em todo o mundo. Quanto mais
elevada à carga de trabalho por horas no dia, mais os índices de acidentes laborais. O
contrário ocorre também, quando se respeita a jornada de trabalho (COLETA, 1989,
p.50).
Destarte, o direito ao lazer compreende a necessidade do empregado se
desconectar de seu ambiente laboral, para que possa usufruir e gozar de uma boa saúde
física e mental. O direito ao lazer se mostra fundamental para que se tenha o
cumprimento dos direitos constituídos na segunda geração.
Ademais, é evidente que qualquer supressão ao direito fundamental ao lazer do
trabalhador, constitui causa para que se possa reivindicar por meio de tutela judicial,
através de indenização. Esta indenização que a supressão ao direito ao lazer produz, não
se confunde com o adicional de horas extras, que se dá por meio de remuneração sobre
o labor da jornada (TRINDADE, 2011).
Portanto, a partir do exposto, tecem-se as considerações de que o direito ao
lazer representa uma necessidade para satisfação e garantia do princípio fundamental do
Direito, que é a Dignidade da pessoa Humana. Pelo fato de se tratar de um direito
fundamental, sua violação representa uma afronta a todo o Estado Democrático.
Nestes moldes, o direito ao lazer, classificado como Direito Social pela
Constituição Federal, é de extrema necessidade para a formação do homem enquanto
ente que vive em uma comunidade, pois contribui para o descanso psíquico, físico e
intelectual, que ao se renovar, estará mais apto para novos exercícios laborativos.

2.4.2 Ginástica Laboral Como Forma de Obter um Meio Ambiente de


Trabalho Saudável

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) adota como um de seus


principais ditames “a elevação dos níveis de vida e a proteção adequada da vida e da
saúde dos trabalhadores em todas as ocupações”.
Esse objetivo pode ser alcançado, também, partindo das considerações abaixo
apresentadas, tendo por objeto a Fisioterapia do Trabalho.

A Fisioterapia do Trabalho é uma especialidade da fisioterapia que


atua na prevenção, resgate e manutenção da saúde do trabalhador,
abordando os aspectos da ergonomia, biomecânica, exercícios laborais
ou cinesioterapia laboral ou fisioterapia laboral ou ergoterapia, e a
recuperação de queixas ou desconfortos físicos, sob o enfoque
multidiprofissional e interdisciplinar, com o propósito de melhorar a
qualidade de vida do trabalhador, evitando a manifestação de queixas
músculo-esqueléticas de origem ocupacional ou por atividades de vida
diária, com consequente aumento de bem-estar, desempenho e
produtividade (BAÚ, 2002, p.17)

Um dos recursos que vem sendo muito utilizada hodiernamente, com vistas à
melhoria das condições de trabalho e, consequentemente, obtenção de um meio
ambiente de trabalho salutar para os empregados, é a, ginástica laboral, que contribui
também na efetividade do direito ao lazer.
A ginástica laboral constitui um conjunto de práticas de exercícios físicos
realizados no ambiente de trabalho (daí a origem da expressão qualificativa “laboral”),
com a finalidade de preparar cada trabalhador de uma equipe ou de um grupo de
trabalho para o bom desempenho das atividades diárias. Geralmente, a atividade física
relacionada à ginástica laboral baseia-se em técnicas de alongamento, distribuídas pelas
várias partes do corpo, dos membros, passando pelo tronco, à cabeça, sendo, vistas de
regra e necessariamente, orientadas ou supervisionadas por um fisioterapeuta ou
profissional ligado à educação física.
As técnicas de desenvolvimento da atividade relacionada à ginástica laboral
vêm sendo encaradas como uma importante colaboradora na redução de despesas
decorrentes de licenças para tratamento médico, relacionadas a acidentes e lesões de
trabalho. Atividades dessa natureza acabam por contribuir para a melhoria na imagem
da empresa perante os empregados e, até mesmo, para despertar um senso de admiração
na sociedade em que o empreendimento está inserido, em vista dos enfoques de
modernidade e atualidade que acompanham esse tipo de iniciativa. Sem falar, é claro, na
criação de canais que acabam por aumentar a produtividade e a qualidade do resultado
apresentado pelos trabalhadores.
Como já registrado em tópico anterior deste trabalho, os avanços tecnológicos
e a globalização da economia conduziram a um incremento na capacidade produtiva das
fábricas, a que somam-se a busca pela melhoria da qualidade com redução de custos e
tempo despendido na atividade manufatureira. Esse quadro culminou com o
crescimento dos riscos no ambiente de trabalho.
O benefício trazido pela prática constante da ginástica laboral pode ser
constatado, por exemplo, numa linha de montagem de uma fábrica, em que os operários
precisam constantemente de exercícios específicos para aquele conjunto muscular
utilizado insistentemente, a fim de que se evitem lesões musculares por utilização
demasiada ou lesões de esforços repetitivos.
Outro bom exemplo da contribuição que a ginástica laboral traz para a
qualidade de vida no local de trabalho pode ser vislumbrado em relação àqueles que
obram em escritórios, com atividades administrativas (digitadores, secretárias,
atendentes), frequentemente acometidos por problemas musculares, de posturas, ou
tantos outros. Sob essa ótica, um bom programa de atividades para tais pessoas
certamente os ajudará a diminuir lesões decorrentes de atividades repetitivas.
Frise-se que a prática relacionada à ginástica laboral igualmente vem se
mostrando como um dos grandes aliados para a prevenção e reabilitação de doenças
ocupacionais e acidentes ocorridos no ambiente de trabalho, reduzindo as despesas que,
tanto os empregadores como os órgãos públicos e privados ligados à saúde, necessitam
suportar em face desse tipo de ocorrências.
Informações de indiscutível importância, extraídas do site “Saúde em
Movimento” dão conta dos inúmeros benefícios que acompanham a prática da ginástica
laboral na esfera fisiológica, psicológica, sociais e empresariais.
Os benefícios fisiológicos referem-se na provocação do aumento da circulação
sanguínea em nível da estrutura muscular, melhorando a oxigenação dos músculos e
tendões e diminuindo o acúmulo do ácido lático; melhora a mobilidade e flexibilidade
músculo articular; diminuição as inflamações e traumas; melhora a postura; diminui a
tensão muscular desnecessária; diminui o esforço na execução das tarefas diárias;
facilita a adaptação ao posto de trabalho; melhora a condição do estado de saúde geral;
diminui o risco de acidentes no trabalho; previne a LER e DORT's; melhora a
produtividade com menor desgaste físico; redução da sensação de fadiga no final da
jornada; melhora a circulação do sangue; e melhora a produtividade com menor
desgaste físico.
No tocante aos benefícios psicológicos, destacam-se o favorecimento da
mudança da rotina; reforça a auto-estima; mostra a preocupação da empresa com seus
funcionários; melhora a capacidade de concentração no trabalho; e desenvolve o
conhecimento corporal.
Os benefícios sociais referem-se à desperta do surgimento de novas lideranças;
favorece o contato pessoal; promove a integração social; favorece o sentido de grupo –
sentem-se parte de um todo; e melhora o relacionamento da equipe.
Por fim, os benefícios empresariais concernem-se redução dos gastos com
afastamento e substituição de pessoal; diminuição de queixas, afastamentos médicos,
acidente e lesões; melhoria da imagem da instituição junto aos empregados e sociedade,
contribuindo para a elevação da produtividade.

2.5 Proteção ao Trabalhador em Face do Atual Contexto Jurídico


Brasileiro e Flexibilização das Normas Trabalhistas

A intervenção Estatal nas mais diversas áreas sociais sempre foi motivo de
imenso questionamento na ciência jurídica. No direito do trabalho, o Regime Estatal se
mostra atuante. Porém, correntes apontam que cabe a este mesmo Estado se mostrar
mais firme nas relações juslaborais, ao mesmo tempo em que correntes jurídicas
apontam à necessidade do Estado ser menos intervencionista nos contextos jurídicos
trabalhistas, e haver uma maior flexibilização das normas, como ocorrem, por exemplo,
nos casos de acordo coletivos.
A mesma corrente que aponta a um papel mais atuante das flexibilizações nas
normas por meio de convenções, acredita que na relação laborativa deve haver a
efetivação de outro princípio de Direito do Trabalho conhecido como “autonomia da
norma privada coletiva”, em que se busca o afastamento das desregulamentações das
relações de empregado e empregador, assegurando os direitos mínimos e fundamentais
da parte operária.
Por outro lado, a efetividade do princípio da autonomia da norma privada
coletiva confronta-se em alguns aspectos com o princípio já estudado chamado como o
da proteção. Ambos buscam assegurar à proteção a parte hipossuficiente nas relações de
trabalho, porém o direito ainda discute os modos pelo qual ocorre esta proteção. Por
exemplo, no primeiro princípio aqui mencionado, o Estado transfere o seu poder
regulamentador aos entes de natureza privada, responsável pela criação das Convenções
e Acordos Coletivos; e o princípio da proteção, cabe ao Estado aplicar a norma jurídica
mais favorável ao caso concreto. A discussão suscitada inclusive já fora apontada em
outros estudos, conforme a seguir:

Não há dúvidas quanto à juricidade das discussões, não se trata da


defesa de interesses pessoais, de indiferença quanto à exploração dos
homens, nem, tampouco, implica o paternalismo ou o tratamento do
trabalhador como incapaz. O cerne de toda discussão se encontra na
construção de uma concepção de igualdade coerente com o nosso
contexto social e político (MARTINS, 2010, p.63).

É certo que o direito se origina a partir de inúmeras interpretações a casos


concretos que muitas vezes emergiram-se de abusos. Por outro lado, independente da
forma pelo qual ocorre a proteção ao obreiro, tanto decorrente do princípio da proteção
ou do princípio da autonomia da norma privada coletiva, é certo que cabe ao aplicador
da lei se valer de uma perspectiva coerente, que abranja os valores morais, fatos sociais,
e analise o atual contexto social em que os acontecimentos acontecem.
A análise do conflito entre princípios expostos remete ao estudo da chamada
“flexibilização” das normas trabalhistas, que segundo posicionamento doutrinário, as
normas de direito do trabalho são rígidas, porém pode haver renúncia das mesmas
garantias, como forma de garantir a relação trabalhista.

Do ponto de vista sociológico, a flexibilização é a capacidade de


renúncia a determinados costumes e de adaptação a novas situações.
Prefiro dizer que a flexibilização das condições de trabalho é o
conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos
tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica,
tecnológica, política ou social existentes na relação entre o capital e o
trabalho (MARTINS, 2009, p.13).

Neste aspecto, a partir da flexibilização das normas trabalhistas, o contrato de


trabalho em determinados momentos poderia violar o princípio da irrenunciabilidade e
indisponibilidade dos direitos trabalhistas, para assegurar a manutenção da relação
laborativa.
Critica-se a implantação da flexibilização das normas trabalhistas no contexto
jurídico atual, visto que as presenças de negociações coletivas seriam cada vez mais
constantes nas relações laborativas. Não há que se falar que um acordo ou convenção
seja ruim, porém muitas vezes o mesmo acaba sendo influenciado pelas partes que o
elaboram, sendo de um lado o poder patronal expressando seus interesses, de modo que
prevaleça a sua própria economia, e se diminua os lucros e vantagens que poderiam ser
desprendidas em favor do operário.
Por outro lado, esta incansável busca pela proteção ao trabalhador também é
criticada por parcela da hermenêutica, que entende que não é missão do direito do
trabalho a proteção apenas ao trabalhador, cabendo esta tutela ocorrer por meio de outra
legislação específica. O direito do trabalho deve se preocupar em fazer valer o seu
caráter sinalagmático (MARTINS, 2010, p.67).
A mesma corrente que defende uma menor proteção aos direitos trabalhistas,
defendem também que a imensa intervenção do Estado contribui para uma queda da
produtividade das atividades laborativas, e que reflete também na redução das
remunerações pagas.
Todavia, a corrente doutrinária que critica a proteção a apenas uma das partes
do contrato é equivocada, visto que cada vez mais no ordenamento jurídico o Direito
tem se preocupado em realizar esta proteção específica, como ocorre, por exemplo, no
Direito do Consumidor.
Neste Direito mencionado, por exemplo, o próprio nome já remete a uma
proteção a determinada parte do contrato, que também se mostra mais hipossuficiente,
no caso sendo o consumidor de determinado produto.
Adota-se a posição que cabe ao Poder Público se mostrar participativo na
elaboração e efetivação das normas trabalhistas, visto que a flexibilização muitas vezes
se mostra como um meio de mascarar o cumprimento das obrigações trabalhistas do
empregador por parte do empregado. Ademais, mesmo que pequena, a flexibilização já
ocorre em diversos momentos na relação de trabalho e emprego, ora que em própria
audiência trabalhista, o trabalhador acaba por muitas vezes em transigir seu direito,
como forma de garantir o recebimento imediato, vez que se faz necessário o imediato
recebimento das verbas, que possui natureza alimentar.
Por fim, observa-se que a aplicação do princípio da flexibilização das normas
trabalhistas contribuiria para que o poder patronal interviesse cada vez mais nas normas
laborativas, o que poderia por si só fazer com que houvesse meios de “fraudar” a
legislação vigente em face dos interesses particulares.
É notório que o trabalhador exerce um papel absolutamente incapaz na relação
de trabalho emprego, já que o mesmo labora na condição de receber uma remuneração,
e a parte incumbida em pagar tal prestação, é o poder patronal. Dessa forma, os abusos
ocorrem justamente pelo fato do trabalhador necessitar do pagamento de uma
determinada quantia, como condição de sobrevivência. Portanto, não é devido à
ocorrência de uma flexibilização das normas trabalhistas no contexto do direito
material, ora que os direitos juslaborativos são também direitos fundamentais do
homem.
CAPÍTULO III – MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SALUBRE

O terceiro capítulo do estudo supra, analisará de forma ampla, o que venha a


ser o meio ambiente do trabalho salubre.
Este estudo se pautou em responder o seguinte objetivo geral: O que é meio
ambiente do Trabalho Salubre? De forma específica, os objetivos se pautam em uma
análise acerca dos fatores físicos, químicos e biológicos; aspectos psicológicos no meio
laboral; conceito acerca de acidente de trabalho; doença ocupacional, uma análise
acerca das indenizações em decorrência a acidentes e doenças do trabalho; e por fim,
uma análise acerca da finalidade do ambiente laboral salubre.
Mais uma vez o estudo se fundou no meio de investigação metodológica
hipotético-dedutivo, pelo qual consistiu na construção das mais variadas conjecturas, e
que foram submetidas a testes a partir de casos concretos, e interpretado a situação
sobre a realidade fática, e o modelo social existente atualmente.
Sendo assim, parte-se da análise conceitual e doutrinária de meio ambiente do
trabalho salubre.
Primeiramente, verifica-se que na sociedade atual, muito se tem difundido os
conceitos de meio ambiente, sustentabilidade, equilíbrio e até mesmo ecologia. Fala-se
muito nas transformações climáticas, e mudanças no meio ambiente em geral.
Neste sentido, o próprio ordenamento jurídico passou a regular tal
conceituação, de modo que por meio da lei 6938/81, no disposto do artigo 3°, definiu o
meio ambiente como sendo “o conjunto de condições, leis, influências e interações de
ordem física, que permite, abriga, e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL,
1981).
Posteriormente, a própria Constituição Federal se preocupou em definir o que
seria o meio ambiente, conforme preconizado na redação de seu artigo 225, §§1º e 2º.
E se não bastasse, por advento dos artigos 7º, XXXIII e 200, VIII, da
Constituição Federal, o ordenamento jurídico brasileiro introduziu os conceitos de meio
ambiente do trabalho, que de forma implícita, prevê garantias básicas nas relações
trabalhistas, e direitos fundamentais, como acesso a saúde (BRASIL, 1988).
A Carta Magna, através do artigo 170, assegura que a ordem econômica se
funda na valorização do trabalho humano, e na garantia de uma existência digna,
devendo haver a defesa do meio ambiente. Por meio do artigo 225, assegura o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado, de modo que se promova inclusive esta
educação ambiental, visando à preservação (BRASIL, 1988).
A doutrina jurídica classifica o meio ambiente do trabalho, como sendo o
conjunto dos fatores físicos, climáticos, ou qualquer outro interligado, e que envolve o
local de trabalho e o empregado.
Diante de ampla previsão constitucional, não restam dúvidas que o meio
ambiente do trabalho faz parte do amplo leque de direitos fundamentais humanos, sendo
condição fundamental e necessária para todo trabalhador.
O meio ambiente do trabalho é um direito que deve ser respeitado, e nele
compreende um local sadio, saudável, confortável, equilibrado, seguro, e que haja
promoção de todas as formas de qualidade de vida.

Quando a Constituição Federal, em seu art. 225, fala em meio


ambiente ecologicamente equilibrado, está mencionando todos os
aspectos do meio ambiente. E, ao dispor, ainda, que o homem para
encontrar uma sadia qualidade de vida, necessita viver nesse ambiente
ecologicamente equilibrado, tornou obrigatória também a proteção do
ambiente no qual o homem, normalmente, passa a maior parte de sua
vida produtiva, qual seja, o trabalho (PADILHA, 2002, p. 32).

O meio ambiente do trabalho está sem dúvida inserida no meio ambiente geral.
Ou seja, trata-se de um sub-ramo, que entende não ser possível haver qualidade de vida,
se no ambiente laboral não haver as condições mínimas necessárias para o exercício das
atividades laborativas, de modo que as atividades ocorram de forma salubre e segura a
todos.
Insta expor também, o conceito apresentado pelo ilustre autor:

O meio ambiente do trabalho é, exatamente, o complexo máquina-


trabalho: as edificações do estabelecimento, equipamentos de proteção
individual, iluminação, conforto térmico, instalações elétricas,
condições de salubridade ou insalubridade, de periculosidade ou não,
meios de prevenção à fadiga, outras medidas de proteção ao
trabalhador, jornadas de trabalho e horas extras, intervalos, descansos,
férias, movimentação, armazenagem e manuseio de materiais que
formam o conjunto de condições de trabalho, etc. A matéria é
trabalhista porque o meio ambiente do trabalho é a relação entre o
homem e o fator técnico, disciplinado pela lei acidentária, que trata de
nexos causais em situações consumadas, muito menos pela lei de
defesa ambiental, que dispõe sobre direitos difusos não trabalhistas,
mas pela Consolidação das Leis do Trabalho (NASCIMENTO, 2010,
p.835).
O conceito de meio ambiente do trabalho se mostra de forma ampla no
ordenamento jurídico vigente. Trata-se de todos os meios que envolta a relação de
emprego. Não se fala em apenas um simples conceito, mas sim da introdução à
proteção, à segurança, medicina e saúde na esfera laboral.
Neste diapasão, sempre que não são oferecidas as condições vitais ao obreiro,
demonstra-se uma clara violação a Constituição Federal. Deste modo, a ausência de
fatores físicos, químicos e biológicos, assim como os de ordem psicológica, acarreta
lesão ao direito líquido e certo.

3.1 Insalubridade, Periculosidade e Penosidade no Ambiente


Laborativo

No atual contexto social, o meio ambiente do trabalho muitas vezes se mostra


inerte em oferecer as condições mínimas necessárias para assegurar a integridade física
do obreiro. Tal afirmativa se justifica a partir dos inúmeros agentes agressivos possíveis
de se encontrar nos locais das prestações de serviço, além da ausência ilegal de
oferecimento de equipamento de proteção individual, também chamado de EPI’s.
Somado a tais considerações, no ambiente corporativo há ainda inúmeros
fatores responsáveis em expor o trabalhador a acidentes, doenças ocupacionais e do
trabalho, assim como distúrbios físicos e psicológicos.
Por estas razões, as normas de higiene e segurança do trabalho desempenham
uma função vital na proteção do meio ambiente laboral, ora que estes regulamentos de
natureza pública visam evitar acidentes de trabalho, e que sempre geram reflexos na
Ordem Econômica Nacional.
Ademais, nenhuma atividade laborativa pode colocar em risco a saúde do
obreiro, independentemente da existência de subordinação jurídica entre as partes, razão
esta pelo qual se emerge a obrigação de proteger o trabalhador dos riscos que uma
atividade pode apresentar.
Todavia, estas condições inesperadas nas relações laborais têm previsão na
legislação vigente, de forma que se prevê o pagamento dos adicionais devidos, tais
como o de insalubridade, periculosidade e penosidade, com fundamentos na
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em seu Título II, capítulo V, seção XIII, e na
lei 6.514 de 22/12/1977, que alterou a CLT no tocante a Segurança e Medicina do
Trabalho, e também na Portaria 3.214, através das chamadas Normas Regulamentadoras
ou NR’s.
No tocante a insalubridade, destaca-se que a mesma emerge-se a partir do
desenvolvimento de atividades que expõe o obreiro a condições ou métodos de trabalho
nocivo à saúde, em limite de tolerância anteriormente determinado pelo texto legal, em
razão da natureza, intensidade, ou até mesmo do agente, e ou até mesmo da exposição
que seus efeitos são capazes de gerar.

Insalubre é o que dá causa a doença. Insalubridade, atributo ou


qualidade de insalubre, que gera perigo à saúde. Insalubridade no
trabalho é a que resulta, segundo o art. 189 da CLT, de "atividades ou
operações... que, por sua natureza, condições ou métodos de trabalho,
exponham o empregado a agentes nocivos à saúde, acima dos limites
de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente
e do tempo de exposição aos seus efeitos (FELIPPINI, 2013).

As atividades insalubres estão também caracterizadas através das Normas


Regulamentadoras n° 15 (NR-15), e aprovada pela Portaria n° 3214/78, e que descreve
os agentes químicos, físicos ou biológicos prejudiciais à segurança e saúde do
trabalhador (BRASIL, 1978).
Justifica-se a insalubridade a partir do ultrapasse dos limites de Tolerância
previsto na Norma Regulamentadora exposta. Ademais, quando isso ocorre, é devido
também o recebimento de respectivo adicional.
Ademais, a NR-15 abaliza os agentes considerados nocivos à saúde do
empregado, tais como os de ordem física, química e biológica.
Os de ordem física são os trabalhos que expõe a sensações de calor, frio,
pressão, radiações ionizantes, etc., como no caso, por exemplo, do trabalhador que se
expõe ao calor, trabalhando perto de uma chama ou fogueira, ou aquele que trabalha em
uma câmara fria.
Na ordem química, englobam-se todas as atividades que envolvem poeira e
gases, como por exemplo, na construção, a exposição junto ao cimento e demais
materiais.
Por fim, os de ordem biológica envolvem aquelas atividades que expõe o
trabalhador ao contato com bactérias, fungos, vírus e bacilos. Um exemplo clássico
refere-se aos profissionais da saúde, tais como médico, enfermeiros, etc., que
constantemente lidam com pacientes contaminados com vírus e bactérias.
Segundo posicionamento jurisprudencial e doutrinário dominante, a
insalubridade somente será atestada por meio de perícia realizada por médico do
trabalho, ou engenheiro do trabalho, com devido registro no Ministério do Trabalho e
Emprego.
As condições insalubres de trabalho acima do tolerado enseja no direito ao
recebimento de respectivo adicional, conforme exausta o artigo de Lei da CLT a seguir
apresentado:
Art . 192 - O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos
limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho,
assegura a percepção de adicional respectivamente de 40% (quarenta
por cento), 20% (vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário-
mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio
e mínimo. (Redação dada pela Lei nº 6.514, de 22.12.1977) (BRASIL,
1943).

Além de prever os percentuais devidos ao obreiro nas situações que ensejam o


adicional de insalubridade, o artigo de Lei supramencionado prevê ainda que a base de
cálculo do respectivo adicional será o salário mínimo, sendo inclusive esta a posição
adotada pelo Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, por meio da redação da Súmula n°
228.
No tocante a periculosidade, importante se faz mencionar, a Lei n°
12740/2012, que alterou a redação do artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho,
e que passou a ter a seguinte redação:

Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na


forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho,
impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do
trabalhador a:
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades
profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma
natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo
coletivo. (NR)

Assim, a doutrina a classifica como sendo as atividades ou operações perigosas


e que implique no contato permanente com inflamáveis, explosivos e a elétricos, em
condições de risco acentuado, de acordo com a regulamentação dada pelo Ministério do
Trabalho e Emprego. Se não bastasse, a lei inovou, incluindo também como situação de
periculosidade, aquelas em que há roubos ou outras espécies de violência física nas
atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
Nestas situações, a periculosidade assegura ao empregado o adicional de 30%
sobre o salário, sem acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações
em lucros da empresa. Sua regulamentação encontra-se também na Norma
Regulamentadora n° 16.
Igual ocorre nos casos de insalubridade, a caracterização da periculosidade se
dá por meio de perícia também realizada por Engenheiro do Trabalho ou Médico do
Trabalho, ressaltando que tais profissionais sempre desenvolverão suas atividades a
partir do preenchimento de requisitos técnicos específicos e registro no Ministério do
Trabalho.
Além da insalubridade e da periculosidade, o ordenamento jurídico prevê ainda
a penosidade, como causa que enseja o pagamento de respectivo adicional, conforme
previsão do artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal Brasileira.
Trata-se do adicional devido em casos que embora não cause dano efetivo à
saúde do trabalhador, torna-se a sua atividade laboral mais sofrida, e não é devido ao
mesmo outro adicional, como por exemplo, trabalhadores que se sujeitam ao sol ou
chuva; trabalhadores expostos a odores desagradáveis, etc. Assim classifica a literatura
jurídica:
Entende-se por adicional de penosidade, aquele pago ao trabalhador a
título de indenização, devido à realização de uma atividade penosa
que causa pena, trabalho árduo, que embora não cause efetivo dano à
saúde do trabalhador, possa tornar sua atividade profissional mais
sofrida (VIANNA, 2009).

Ainda no que se refere à situação de extremo desconforto ao trabalhador, e que


tenha uma previsão no texto Constitucional, não há regulamentação legal expressa que
assegure a efetividade e aplicação dos referidos dispostos. A própria Constituição expõe
que o adicional de periculosidade se fundará em legislação específica, que não ocorre.
No atual contexto jurídico, cabe aos acordos e convenções coletivas sanar tal
omissão.

3.2 Acidente de Trabalho

O referido tópico busca de forma aprofundada traçar um estudo sobre os


acidentes de trabalho que ocorrem nas relações de emprego, no ordenamento jurídico
brasileiro, bem como demonstrar os meios que o Direito tem se valido para evitar que
tais estatísticas se prolonguem e aumentem no decorrer do tempo, assim como reparar
os danos ocasionados a aqueles que sofrem de tal mal.
Para tanto, primeiramente, é de se conceituar o que venha a ser um acidente de
trabalho, ou acidente laborativo. A lei 8.213/91, também conhecida como a Lei que
dispõe sobre os planos de benefícios da Previdência Social e de outras providências, por
meio de seu artigo 19 apresenta a definição ora mencionada, conforme reprodução in
verbis:
Acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a
serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados
referidos no inciso VII do art. 11 desta lei, provocando lesão corporal
ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,
permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho (BRASIL,
1991).

Indo além, o artigo 20 da lei disposta, apresenta ainda os conceitos de doença


profissional e doença de trabalho, que será discorrido posteriormente. Por sua vez, o
artigo 21 apresenta as situações em que há equiparação a acidente de trabalho, conforme
a seguir:
Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos
desta Lei:
I - o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa
única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para
redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido
lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;
II - o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho,
em consequência de:
a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou
companheiro de trabalho;
b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de
disputa relacionada ao trabalho;
c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou
de companheiro de trabalho;
d) ato de pessoa privada do uso da razão;
e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou
decorrentes de força maior;
III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado
no exercício de sua atividade;
IV - o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário
de trabalho:
a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade
da empresa;
b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe
evitar prejuízo ou proporcionar proveito;
c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando
financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da
mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado,
inclusive veículo de propriedade do segurado;
d) no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para
aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de
propriedade do segurado.
§ 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião
da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho
ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.
§ 2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do
trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe
ou se superponha às consequências do anterior (BRASIL, 1991).

Os acidentes de trabalho são eventos que causam repercussões em todo o


Direito, vez que em períodos inferiores a 15 dias do afastamento do obreiro, cabe ao
empregador arcar com os custos econômicos da relação empregatícia, bem como ficar
sem sua mão de obra, o que gera um prejuízo empresarial.
Se não bastasse, nos casos de acidente de trabalho em que o obreiro fica
afastado de suas atividades por mais de 15 dias, cabe ao Instituto Nacional do Seguro
Social administrar a prestação dos benefícios.
Cada acidente de trabalho que ocorre numa relação de emprego gera inúmeros
impactos em todo contexto social, conforme exposto. Economicamente, tanto o Estado
como a empresa acabam por ser lesados pelo ato negativo ocorrido. Ao mesmo tempo, o
acidente de trabalho causa grande abalo e transtorno ao psicológico da vítima e até
mesmo das pessoas ao seu redor, tais como familiares e amigos.
Como forma de proteção ao obreiro, de imediato menciona-se a Constituição
Federal Brasileira, por meio da redação de seu artigo 7º, inciso XXVIII, que prevê o
Direito dos trabalhadores urbanos e rurais, seguro contra acidente de trabalho, a cargo
do empregador sem excluir a indenização pelo qual está obrigado, nos casos de
ocorrência de dolo ou culpa (BRASIL, 1988).
Ademais, a própria lei da Previdência Social ou também chamada de 8213/91,
conforme redação de seu artigo 118 expõe o direito à estabilidade provisória
acidentária, pelo qual visa se garantir a manutenção de emprego pelo prazo mínimo de
doze meses, contado da cessação do benefício previdenciário de auxílio-acidente.
Acerca do acidente de trabalho, importante esclarecer a necessidade de se fazer
a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), para que assim possam ser prestadas
todas as assistências ao acidentado. A Lei 8213/91, segundo a redação de seu artigo 22,
§2º, expõe a possibilidade do próprio acidentado ou dependente, assim como sindicato
formalizar o CAT, na inércia da empresa a qual a obrigação recaía.
O acidente de trabalho apresenta consequências no seara trabalhista,
previdenciário e até mesmo criminal, ora que inúmeros são os efeitos que ocasionam no
Estado Democrático de Direito, conforme lecionado a seguir:

a) Efeitos trabalhistas: interrupção do contrato de trabalho nos


primeiros 15 dias do acidente; suspensão do contrato após 15º dia de
afastamento; garantia de emprego de 12 meses após a alta médica do
INSS; reintegração no emprego em caso de despedida ilegal do
trabalhador acidentado; direito a readaptação do empregado
acidentado; registro do acidente na CTPS do empregado; contagem do
tempo de serviço e recolhimento do FGTS do período de afastamento,
inclusive para fins de férias.
b) Efeitos previdenciários: emissão da Comunicação de Acidente de
Trabalho – CAT; concessão de auxílio-doença acidentário ou
aposentadoria por invalidez; Concessão de auxílio-acidente; pensão
por morte; ação regressiva da previdência em face do empregador para
reembolso das despesas com o acidentado; possibilidade do aumento
da alíquota do Seguro de Acidente de Trabalho – SAT (em razão do
Fator Acidentário de Prevenção – FAP).
c) Efeito criminal: o empregador será responsável criminalmente pelo
descumprimento das normas de proteção ao trabalhador, nos termos
do artigo 19, § 2º, da Lei 8.213/91), e possível caracterização de dolo
eventual (CABRERA, 2013).

É sabido, portanto, que o acidente de trabalho repercute em todo o Estado


Democrático de Direito. Se não bastasse o dano que causa ao obreiro acidentado, os
prejuízos ultrapassam a esfera econômica.
Assim, cada vez mais a legislação trabalhista deve-se valer de métodos
preventivos, que visem o combate às estatísticas acidentárias que cada vez mais se
mostra alarmante, assim como deve punir as empresas que não se atentam as questões
de segurança, higiene e medicina laborativa.

3.3 Doença Ocupacional

A Organização Mundial da Saúde aponta que no ano, milhões de pessoas


morrem em decorrência de doença ocupacional, que se originou muitas vezes pelo mau
uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), ou até mesmo pelas condições
insalubres e perigosas pelo qual o obreiro se sujeita.
A doença ocupacional é conceituada também pela legislação previdenciária
vigente, mais especificadamente, na Lei 8213/91, por meio do artigo 20, incisos I e II, a
seguir:
Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo
anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I - doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada
pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e
constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho
e da Previdência Social;
II - doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada
em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com
ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no
inciso I (BRASIL, 1991).

No contexto que engloba as doenças ocupacionais, percebe-se que a ciência


jurídica subdivide e equipara as doenças ocupacionais como sendo doença profissional
do trabalho e doença do trabalho.
As doenças profissionais recebem o nome de tecnopatias, e são causadas por
fatores próprios da atividade laboral.
Já as doenças do trabalho também são chamadas de mesopatia ou moléstias
profissionais atípicas, e emergem-se das condições de agressividade existentes no
ambiente laboral, e que contribui para agir, bem como acelerar, eclodir ou agravar a
saúde do profissional (COSTA, p.83).
Dentre as doenças ocupacionais mas comuns, destaca-se a asma ocupacional,
que é causada pela inalação de substâncias que causam alergias; a PAIR, que é a perda
auditiva induzida por ruído; e a LER, que é a lesão por esforço repetitivo.
Considera-se como sendo acidente de trabalho, os casos em que o obreiro
padecia de uma doença antes mesmo de iniciar o pacto laboral, mas que em consonância
com o ambiente laborativo, houve agravo.
As doenças ocupacionais sempre serão consideradas como acidente de
trabalho, no que dispõe sobre os fins previdenciários e na responsabilidade do
empregador.
O Decreto 3048 de 06 de Maio de 1999, também conhecido como
Regulamento da Previdência Social, por meio do anexo II, traz o quadro geral das
doenças ocupacionais. Não se trata de uma classificação exaustiva, de acordo com a
previsão do próprio artigo 20, de acordo com o §2º.
Para se comprovar a doença ocupacional, basta demonstras o nexo de
causalidade entre o ambiente juslaboral e a doença. Por exemplo, em tese, não há que se
falar em doença ocupacional em um problema de desgaste das pernas, se a pessoa
trabalha sentada.
Para fins previdenciários, não existe distinção entre doença profissional e
doença do trabalho, tendo em vista que todos os seus efeitos serão iguais, não havendo
distinção no tocante a estabilidade, benefícios, etc.

3.3.1 Análise de Caso

Após expor as situações em que ocorrem o dano moral trabalhista, cumpre a


seguir tecer comentários acerca da ementa transcrita, referente a julgado do Tribunal
Regional do Trabalho da 6º Região, referente um determinado Recurso Ordinário
interposto em face de uma sentença, cujo relator é o Ministro Acácio Júlio Kezen
Caldeira.

DANO MORAL. DOENÇA OCUPACIONAL. CONFIGURAÇÃO -


É devida a reparação pecuniária ao empregado sempre que restar
comprovado que o empregador concorreu, por ação ou omissão, para
desencadeamento de uma doença ocupacional (artigo 5º, X, da
Constituição Federal e no artigo 186 do Código Civil), diante da
ausência de adoção, por parte da empresa, de uma política de
prevenção da mesma. (TRT-6 - RO: 166300732007506 PE 0166300-
73.2007.5.06.0014, Relator: Acácio Júlio Kezen Caldeira, Data de
Publicação: 28/04/2011)

O referido acórdão entendeu ser devido a indenização por dano moral, em


decorrência da comprovação de uma doença ocupacional oriunda de ação ou omissão do
empregador.
Tais ações ou omissões muitas vezes emergem-se pela não observância de
Equipamentos de Proteção Individual necessário, pelo estresse causado aos
colaboradores, ou até mesmo pela não atenção aos fatores psicológicos.
Ademais, a legislação vigente no atual ordenamento jurídico tem se
posicionado no sentido de ser devida a ação regressiva do Estado contra o empregador
que deu causa para a doença ocupacional do obreiro.
Neste modo, se o trabalhador sofre com uma doença em decorrência de suas
atividades profissionais, e se vale do tratamento público para curar de seu problema, ou
também requere por benefícios previdenciários, provada a culpa do empregador, é
perfeitamente cabível a ação regressiva do Estado em face dos prejuízos a ele causados
pelo evento.
Indo além, se demonstrada também a negligência do empregador em face da
segurança de seu empregado, é devido também a responsabilidade penal, tipificada no
Código Penal Brasileiro, conforme previsão no artigo 18, inciso II.

3.4 Indenizações em Decorrência a Acidentes e Doenças do Trabalho

A preocupação com a segurança e a saúde do empregado tem amparo


constitucional, assegurando a vigente Carta Magna que o empregado tem direito a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança, conforme estabelece o artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal.
Com a Revolução Industrial, o mundo passou a estar diante de uma nova
realidade no que diz respeito aos riscos de danos à saúde decorrentes do trabalho. Com
o processo industrial e a consequente mecanização dos procedimentos, aumentaram
esporadicamente os acidentes no âmbito do trabalho, a maioria mutilante e
incapacitante, com grandes consequências para o trabalhador e seus dependentes,
aumentando ainda mais a quantidade e a variedade de moléstias profissionais.
Diante dessa realidade, surge a necessidade de tratar das espécies de danos
ou prejuízos que o acidente de trabalho pode provocar.
Na esfera da responsabilidade civil, verificado que a pessoa tenha sofrido
algum tipo de dano, este é condição indispensável para recorrer ao judiciário a fim de
pleitear algum tipo de indenização. O dano nesse caso é elemento essencial para a
responsabilidade civil. Porém, há de ressaltar os casos em que a responsabilidade é
objetiva, ocorrendo assim às hipóteses de indenização sem culpa.
A definição de dano engloba qualquer lesão a um bem tutelado pelo Direito,
tanto moral, estético ou patrimonial.
Para obter a indenização decorrente de algum acidente de trabalho é
imprescindível comprovar que houve dano ou prejuízo ao direito da vítima, pois
somente o comportamento ilícito isoladamente não produz efeitos no âmbito da
responsabilidade civil.
Todavia, para auferir indenização ao trabalhador que sofreu algum tipo
acidente de trabalho se faz necessário verificar alguns requisitos da responsabilidade
civil, quais sejam: o dano, o nexo causal e a culpa do empregador.
No entanto, não são todos os acidentes de trabalho que geram direito a
indenização, ainda que presente a culpa do empregador e o nexo causal. A indenização
só ocorrerá se o acidente de trabalho vier causar algum tipo de dano ao trabalhador,
pode ser na esfera moral, material e estético.
É certo que algumas modalidades de acidente de trabalho como a invalidez,
a perda parcial da capacidade de labor, o afastamento prolongado e inclusive os
chamados acidentes fatais provocam danos reparáveis. Mas existem alguns acidentes do
trabalho que não deixam danos e, portanto são insuscetíveis de indenização, tendo como
exemplo uma pequena torção, arranhão ou qualquer outro constrangimento que não
afaste o empregado das suas atividades rotineiras.
Ocorre que a Constituição federal em seu artigo 7º, XXVIII, estabelece
indenização para todo tipo de acidente do trabalho, uma vez que não fez qualquer
distinção. Entretanto, tal argumento não se aplica, uma vez que não existe dever de
reparar o dano quando não há prejuízo. Obviamente que o acidente de poucas
proporções pode vir a causar algum aborrecimento ou desconforto, mas o dano é tão
irrelevante que sua mensuração é inviável.
Todavia a jurisprudência, através do instituto do Ativismo Judicial, vem
equiparando a doença ocupacional ao acidente de trabalho, proporcionando ao
trabalhador o direito a indenização, seja por danos morais ou matérias.
Tanto é que o presente trabalho traz a baila, o estudo de caso, no qual o
Tribunal Superior do Trabalho, nos autos do Recurso de Revista nº. TST-RR 37500-
11.2006.5.01.0011, equipara a doença ocupacional do reclamante (disacusia neuro-
sensorial bilateral – perda da audição) ao acidente de trabalho, ratificando o direito de
indenização do trabalhador.
A seguir, expõe-se de forma minuciosa, um estudo sobre dano moral e dano
material na Justiça do Trabalho.

3.4.1 Dano Material Trabalhista


Em sua maioria, os acidentes de trabalho ou as situações similares podem
ocasionar danos de natureza material, moral e estética. Nesse tópico vamos concentrar
apenas nos danos materiais, também chamados de danos patrimoniais.
O dano material é nada mais que um prejuízo em desfavor da vítima,
ocasionando consequentemente uma subtração em seu patrimônio, avaliável
monetariamente. De acordo com Theodoro Junior (2003, p.36) “o dinheiro é a forma e o
padrão natural de dimensioná-lo e o instrumento idôneo para bem repará-lo”.
Podemos ilustrar o conceito de dano material, através do seguinte trecho:

O dano patrimonial mede-se pela diferença entre o valor atual do


patrimônio da vitima e aquele que teria, no mesmo momento, se não
houvesse a lesão. O dano, portanto, estabelece-se pelo confronto entre
o patrimônio realmente existente após o prejuízo e o que
provavelmente existiria se a lesão não se tivesse produzido (DINIZ,
2007, p. 66).

O novo Código Civil Brasileiro dispõe em seu artigo 402 que o ressarcimento
dos danos abrange parcelas de duas naturezas: o que a vítima efetivamente perdeu o que
deixou lucrar. Na quantificação do que o lesado efetivamente perdeu é chamado de
danos emergentes, já na avaliação do que deixou de ganhar é chamado de lucros
cessantes.
As doenças ocupacionais e os acidentes de trabalho na maioria dos casos têm
provocado tanto os danos emergentes, ocasionando a diminuição no patrimônio do
trabalhador. Esta diminuição é também chamada de lucros cessantes, decorrente do
dano emergente.
O dano emergente é nada mais que aquele prejuízo mensurável e imediato, que
decorre em razão do acidente do trabalho, causando um prejuízo no patrimônio do
trabalhador. Nada mais é que as despesas médicas para o tratamento decorrente do
acidente do trabalho, tais como: medicamentos, sessões de fisioterapias, aparelhos
ortopédicos, e nos caso de óbito, os gasto com o funeral, remoção do corpo etc.
O Código Civil em seus artigos 948 e 950 mencionam as despesas de
tratamento até o fim da convalescença ou os desembolsos com o funeral e o luto da
família, mas assegura outras indenizações caso a vítima prove haver sofrido outros
prejuízos. Desta forma cabe ao empregado, vítima do acidente de trabalho, ou seus
familiares, relacionar quaisquer outras despesas de corrente do acidente, a fim de se
obter a recomposição integral do seu patrimônio.
O trabalhador que sofreu algum tipo de acidente de trabalho além das perdas
efetivas dos danos emergentes, também pode ficar privado, mesmo que
temporariamente de ganhos futuros. O Código Civil em seu artigo 402 destaca o
cômputo dos lucros cessantes, determinando-se como tais aquelas parcelas cujo
recebimento dentro de uma razoabilidade seria correto esperar, auferir.
Esse critério de razoabilidade previsto no Código Civil induz que apuração
da indenização decorrente do acidente de trabalho deve ser norteada pelo bom senso
daquilo que normalmente aconteceria. Com esse parâmetro é correto prever que o
empregado acidentado, continuaria no seu emprego recebendo seus vencimentos
integralmente, com as devidas correções alcançadas pela categoria profissional.
Nesse diapasão, leciona Alvim (1972, p. 189) “o credor deverá lucrar aquilo
que o bom senso diz que lucraria. Há nesse caso, uma presunção de que os fatos se
desenvolveriam dentro do seu curso formal, tendo em vista os antecedentes”.
Desta forma, se o empregador tiver um plano de carreira prevendo
promoções por antiguidades, o valor da indenização deve respeitar essa hipótese diante
da razoável certeza do fato.
Para melhor explicar recorremos ao exemplo dado pelo doutrinador
Sebastião Geraldo de Oliveira a que assim dispõe:

Se a vítima que se tornou inválida, por exemplo, tiver sido aprovada


em um concurso público, a partir do momento em que for nomeado o
candidato que figure em seguida a sua classificação o valor dos lucros
cessantes deverá contemplar os seus vencimentos (OLIVEIRA 2009,
p. 210).

Quando ocorre um acidente de trabalho, a partir do décimo sétimo dia o


trabalhador fica privado dos seus salários e demais vencimentos que é o caso dos lucros
cessantes.
Importante deixar claro que o valor pago pelo INSS, a título de auxílio doença,
não pode servir de compensação dos lucros cessantes.
Desta feita, importante ressaltar que de acordo com os artigos 948 e 949 do
Código Civil, são indenizáveis outras reparações ou prejuízos que o empregado possa
haver sofrido. Para melhor exemplificar socorremos ao exemplo Sebastião Geraldo de
Oliveira que assim dispõe:

Pode ocorrer a hipótese de a vítima ter um segundo emprego ou


exercer habitualmente outras atividades remuneradas e em razão do
acidente fique impedida de auferir os rendimentos respectivos, o que
caracteriza prejuízo indenizável (OLIVEIRA, 2009, p.210).

Por fim, em se tratando de lucros cessantes, sempre será necessário demonstrar


que o dano tem relação de causalidade direta e imediata com o acidente de trabalho,
conforme dispõe o Código Civil em seu artigo 403.
3.4.2 Dano Moral Trabalhista

O dano moral pode se dizer que sempre existiu, todavia a sua possibilidade de
indenização foi adquirida com progresso da sociedade. No ordenamento jurídico havia
certa recusa, diga-se, constrangimento em aceitar que um sofrimento fosse compensado
por valores monetários, chegando a ser questionada moralmente a ideia de indenização
por danos morais. Entretanto, não se pode mais, ignorar o dano moral, provocado por
ato ilícito, que, tem maior repercussão do que o prejuízo material sofrido pela vítima.
Com o tempo, o dano moral passou a ser matéria importante na sociedade, de
modo que a respectiva indenização impede-se a aplicação de imposto de renda,
conforme abalizado a seguir:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA.


UNIÃO. ACORDO HOMOLOGADO. CONTRIBUIÇÕES
PREVIDENCIÁRIAS. DISCRIMINAÇÃO DE PARCELAS DE
NATUREZA INDENIZATÓRIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NÃO-INCIDÊNCIA
DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. DECISÃO
DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. Não incide contribuição
previdenciária sobre a indenização por dano moral pleiteada, em face
da natureza jurídica manifesta da parcela, na qualidade de
reparação/compensação - isto é, indenização - pelo dano ao
patrimônio intelectual, psicológico, emocional e de imagem da pessoa
humana trabalhadora, não significando, por consequência, retribuição,
remuneração, ganho ou acréscimo patrimonial do ser humano
indenizado. De par com isso, não incide contribuição previdenciária
sobre o valor total do acordo homologado em juízo se neste constam
apenas parcelas de natureza indenizatória devidamente discriminadas.
Sendo assim, não há como assegurar o processamento do recurso de
revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os
termos da decisão denegatória, que ora subsiste por seus próprios
fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.(TST - AIRR:
1013000920095120041 101300-09.2009.5.12.0041, Relator:
Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 01/06/2011, 6ª
Turma, Data de Publicação: DEJT 10/06/2011) (BRASIL, 2011)

Para melhor entendermos o que é dano moral citamos Savatier, que assim
conceitua:
É qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda
pecuniária, e abrange todo atentado à reputação da vítima, à sua
autoridade legitima, ao seu pudor, à sua segurança e tranquilidade, ao
seu amor próprio estético, à integridade de sua inteligência, a suas
afeições (SAVATIER, 2008 p. 136).

Já o Professor Yussef Said Cahali, conceitua dano moral na seguinte forma:


É a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo
na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a
liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a
honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em
dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação,
etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor,
tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou
indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano
moral puro (dor, tristeza, etc.) (CAHALI, 2005, P. 22-23).

O artigo 5º da Constituição Federal assegura o direito de resposta, proporcional


ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou a imagem. Já inciso X do
mencionado artigo diz que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e
imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e moral.
Esses dois dispositivos previstos na Constituição Federal de 1998, encontram
respaldos no princípio da dignidade da pessoa humana, que constitui fundamento um
dos fundamentos básico da República.
No estudo do dano moral em razão do acidente de trabalho deve se observar
que a República Federativa do Brasil, constitui-se em Estado democrático de Direito e
tem com fundamentos a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho. Além
disso, o princípio constitucional de que a saúde é direito de todos e dever do estado,
adaptado para o campo do Direito do Trabalho, indica que a saúde é direito do
trabalhador e dever do empregador. Desta forma, a Constituição garantiu no artigo 7º,
XX, II, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene
e segurança.
O dano moral é muito acentuado quando decorre de um acidente de trabalho,
porquanto o trabalhador é atingido na sua integridade psicobiofísica, o que na maioria
das vezes significa um abalo no projeto de vida e cerceando sonhos de uma vida mais
digna.
Como já dito, a indenização por danos matérias em alguns casos pode até
alcançar a recomposição do prejuízo através da simples matemática. Entretanto, a dor da
exclusão, a tristeza da inatividade, a solidão do abandono na intimidade familiar, o
vexame de mutilações expostas, o constrangimento da dependência permanente de outra
pessoa, a perda de uma pessoa querida, não tem dinheiro no mundo que se faça reparar.
Contudo, se a reparação não é atingível, cabe pelo menos uma compensação
monetária, um remédio, que possa oferecer ao empregado outro bem que possa
amenizar a sua tristeza e revolta. Na se trata de estabelecer um valor para a dor, mas
criar possibilidades para que o trabalhador lesado pratique novas atividades, para
superar as recordações indesejáveis e superar o sofrido.
No tocante a prova do dano moral, alguns juízes vêm entendo que não é devida
a indenização por danos morais se o trabalhador suporta bem as ofensas ou se a doença
ocupacional ou acidente de trabalho não afetaram de forma substancial o psicológico.
Todavia, data vênia, encontra-se equivocado este entendimento, que coloca
como pressuposto para a indenização a prova que o trabalhador passou por um período
de dor, humilhação, depressão, sofrimento. De acordo com o artigo 334, I do código de
Processo Civil, é desnecessário demonstrar o que normalmente acontece (fatos
notórios). Se fosse necessário provar esses danos, o resultado poderia variar de pessoa
pra pessoa, uma vez que os acidentados mais sensíveis e emotivos teriam direito a
indenização já os mais resignados teriam seu pedido negado. A despeito do assunto
discorre Rui Stoco:

A afirmação de que o dano moral independe de prova decorre muito


mais da natureza imaterial do dano do que das quaestionis facti.
Explica-se: Como o dano moral é, em verdade, um ‘não dano’, não
haveria como provar, quantificando, o alcance desse dano, como
resuma óbvio. Sob esse aspecto porque o gravame no plano moral não
tem a expressão matemática, nem se materializa no mundo físico e,
portanto, não se indeniza, mas apenas se compensa, é que não se pode
falar em prova de um dano que, a rigor, não existe no plano material
(STOCO, 2007, p. 1714-1715).

Diferentemente como ocorre nos materiais, para a condenação compensatória


do dano moral decorrente do acidente de trabalho não é imprescindível à produção de
prova das repercussões que o acidente de trabalho tenha causado, basta o mero
implemento do dano injusto pra surgir à presunção dos efeitos negativos na esfera
subjetiva do acidentado. Sobre o tema, a doutrina de Sérgio Cavalieri:

O dano moral esta ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do


ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a
concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em
outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente
do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto
está demonstrado o dano moral a guisa de má presunção natural, uma
presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência
comum (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 86).

Ainda que o trabalhador tenha suportado bem a doença ocupacional ou o


acidente de trabalho, continua presente a necessidade de condenação, pois a indenização
por danos morais tem uma finalidade pedagógica, já que ensina para o empregador e
para a sociedade a punição exemplar em decorrência do desrespeito às regras da
segurança e saúde no local de trabalho. Nesse sentido, a doutrina de Carlos Alberto
Bittar:
Não se cogita, em verdade pela melhor técnica, em prova de dor, ou
de aflição, ou de constrangimentos, porque são fenômenos ínsitos na
alma humana como reações naturais agressões do meio social.
Dispensam, pois, comprovação, bastando, no caso concreto, a
demonstração o resultado lesivo e a conexão com o fato causador,
para a responsabilização do agente (BITTAR, 1993, p. 145).

Por fim, pode ocorrer interesse do trabalhador em demonstrar a extensão dos


danos morais, com as singularidades do caso concreto, podendo as provas influenciar no
valor da indenização, o que vem acontecendo nos casos mais complexos, acima do que
a simples presunção sugere. A prova dos danos morais não se exige como pressuposto
para condenação, mas no decorrer da instrução processual podem ser colhidos
elementos importantes que auxiliem o magistrado no arbitramento do valor
indenizatório.
Quanto ao arbitramento da indenização, não existe ainda, dispositivo legal
estabelecendo parâmetros objetivos quanto ao valor pelo dano moral decorrente de
acidente de trabalho, sendo arbitrado pelo juiz de acordo com cada caso.
O arbitramento do montante pelo Judiciário propicia ao magistrado fixar com
mais precisão a justa indenização, sem as amarras normativas padronizadas, de modo a
poder dosar, após análise equitativa, o valor da condenação, com análise específica do
caso concreto.
Nesse sentindo o professor Fernando Noronha que assim dispõe:

A reparação de todos os danos que não sejam suscetíveis de avaliação


pecuniária obedece em regra ao princípio da satisfação compensatória:
o quantitativo pecuniário a ser atribuído ao lesado nunca poderá ser
equivalente a um ‘preço’, será o valor necessário para lhe
proporcionar um lenitivo para o sofrimento infligido, ou uma
compensação pela ofensa física ou a integridade física (NORONHA.
2003, p. 539).

Para Caio Mario:

A vítima deve receber uma soma que lhe compense a dor ou


sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de
cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal
do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de
enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva
(PEREIRA, 2002, p. 60).

Analogicamente pode ser invocado o dispositivo previsto no artigo 953,


parágrafo único, do Código Civil, que estabelece: “Se o ofendido não puder provar
prejuízo material, cabe ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na
conformidade das circunstâncias do caso”.
O valor da indenização por danos morais decorrente de acidente de trabalho
não segue os mesmos critérios de pagamento aplicado nos casos de danos materiais. Ao
invés de estabelecer um valor mensal na forma de pensão, deve se arbitrar uma
indenização, cujo pagamento deve ser imediato, em uma única parcela, a fim de
melhorar a vida da vítima e consequentemente minimizar seu sofrimento.
Se tratando de dano moral, o valor da indenização deve ser suficiente para que
a parte ofendida tenha uma supressão de sua dor, mas não pela quantificação do valor
arbitrado em si, mas sim para que as suas condições de sobrevivência após o evento
danoso proporcionem uma vida digna, e que possa se adaptar as novas condições.
A condenação por dano moral deve oferecer um caráter pedagógico também,
de modo que a parte que deverá indenizar sinta o “valor” do dano causado, e que tal fato
possa ser utilizado até mesmo de exemplo para outras partes, a fim de que se evitem
novos danos.
Por fim, podemos dizer que, por enquanto, não há limites ou parâmetros
normativos para estipular o valor da indenização por danos morais decorrente de
acidente de trabalho, ficando a cargo do magistrado a sua fixação, diante das
especificidades do caso concreto.
Os presentes requisitos para o deferimento da reparação por danos materiais, é
cabível também a indenização por danos morais.
Desta forma, mesmo quando se adota como fundamento da reparação a
responsabilidade civil objetiva, ou seja, aquela que independe de culpa do causador do
dano, não há qualquer impedimento para a condenação relativa aos danos morais.
Entretanto, nessa hipótese, serão necessários alguns ajustes no momento da fixação do
valor indenizatório.
Na hipótese em que o deferimento da indenização tem como fundamento tão
somente a teoria do risco, especialmente quando ausente qualquer prova de culpa do
empregador no acidente, parece não haver espaço para considerar o efeito punitivo da
indenização. Sem dúvida a finalidade de compensar a vítima continua; todavia, se não
foi à conduta culposa do réu que gerou o acidente, mas sim um risco inerente à
atividade, é pelo menos questionável o aspecto da condenação com propósito punitivo-
pedagógico.
Deve-se observar que o grau de culpa do empregador no acidente de trabalho é
relevante para o arbitramento da indenização pelo dano moral, tanto que o artigo 944,
parágrafo único, do Código Civil, dispõe que “Se houver excessiva desproporção entre
a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente a indenização”.
Todavia, diante desse preceito cumpre-se fazer a seguinte indagação: quando não
houver culpa do empregador, mas apenas condenação pela teoria do risco, a redução
equitativa da indenização é também cabível?
Para responder a indagação acima exposta recorremos ao doutrinário Roger
Silva Aguiar:
O quatum a ser indenizado – se a obrigação de indenizar envolverá a
reparação integral, parcial ou mesmo se aproximar de zero – é uma
questão a ser decidida à luz dos dispositivos contidos no Capitulo II,
dos quais sobressai o art. 944, parágrafo único. O aludido dispositivo é
inegavelmente a válvula reguladora da norma contida no art. 927,
parágrafo único, importante ressaltar de imediata sua construção
também sob bases valorativas: poderá o juiz reduzir, equitativamente,
a indenização. O art. 944, parágrafo único, desempenha o papel de
complementar o trabalho valorativo do aplicador do direito quando
este se inicia no art. 927, parágrafo único. A possibilidade de calibrar
o valor da indenização, segundo a participação do agente na origem do
dano, apresenta-se como peça chave na construção de uma solução
equitativa na distribuição do ônus de arcar com o prejuízo (AGUIAR,
2007, p. 90).

Nesse sentido Sebastião Geraldo de Oliveira:

Convém ressaltar neste passo o papel de cada vez mais importante


que a doutrina e o legislador estão atribuindo à equidade para
dimensionar a justa reparação do dano, principalmente de quando se
trata de dano moral. Aliás, em mesmo havendo o dano, conforme
previsto no artigo 928, parágrafo único, do Código de Civil
(OLIVEIRA, 2009, p. 232).

Desta forma, no campo das indenizações por acidentes de trabalho o


magistrado dispõe de um poder discricionário mais elastecido para proferir julgamento,
em razão das peculiaridades e consequências de cada caso, que não podem ser
esquecidos.
3.4.3 O Dano Estético
Além das indenizações por danos morais e materiais, pode ser cabível também
a indenização por dano estético, quando a gravidade da lesão em razão do acidente de
trabalho compromete ou pelo menos altera a condição física do trabalhador.
O dano estético é qualquer alteração morfológica da vítima, como por
exemplo, a perda de um membro, por menor que for, uma cicatriz, ou qualquer mudança
corporal que cause constrangimento.
O dano estético é uma espécie do gênero dano moral, pois o prejuízo estético
não caracteriza, a rigor, um terceiro gênero de dano, mas representa uma especificidade
destacada do dano moral, ainda mais quando não produz repercussão de natureza
patrimonial como ocorre nos casos em que a vítima depende da aparência corporal para
trabalhar.
A indenização por dano estético surgiu no Brasil bem antes da reparação por
danos morais. O Código civil de 1916, em seu artigo 1.538, previa que o valor da
indenização seria duplicado se o ferimento resultasse aleijão ou deformidade.
A despeito do tema discorre a Ilustre doutrinadora Maria Helena Diniz:

O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além


do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e
defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto
um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante
ou num permanente motivo de exposição ridículo ou de complexo de
inferioridade, exercendo ou não influência na sua capacidade
laborativa (DINIZ, 2007, p. 80).

Mesmo estando o dano estético compreendido no gênero dano moral, a


doutrina e a jurisprudência evoluíram para deferir indenizações distintas quando esses
danos forem passiveis de apuração em separado, com causas inconfundíveis. O dano
estético está ligado ao sofrimento pela deformação com sequelas permanentes, de fácil
percepção, já o dano moral esta vinculado ao sofrimento e todas as demais
consequências provocadas pelo acidente.
Desta forma, o dano estético materializa-se no aspecto exterior da vítima,
enquanto o dano moral reside nas entranhas dos seus dramas interiores.
O Código Civil de 2002 em seus artigos 948 e 949 indica genericamente outras
reparações ou prejuízos que o ofendido prove haver sofrido, deixando espaço
indiscutível para a inclusão do dano estético, conforme o caso concreto. Assim, o
empregado que sofreu acidente de trabalho que, acarretou alguma deformação
morfológica permanente tem direito a indenização por danos morais cumulado com o
dano estético, desde que fique alguma sequela.

3.5 Acidente de Trabalho e o Ativismo Judicial

A definição de ativismo pode ser empregada com mais de uma acepção. No


âmbito da ciência do Direito, ele é utilizado pra designar que o Poder Judiciário está
extrapolando os limites que lhe são conferidos pela ordem pública.
Para Luis Roberto Barroso, o ativismo judicial é uma atitude, uma escolha
do magistrado no modo de interpretar as normas constitucionais, expandindo o seu
sentindo e alcance e normalmente está associado a uma retração do Poder Legislativo.
Na verdade a ideia do ativismo judicial está ligada a uma participação mais
ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com
maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.
A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem
a aplicação direta da constituição a situações não expressamente contempladas em seu
texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário e imposição de
condutas ou de abstenções ao Poder Público.
É preciso destacar que existem duas espécies de ativismo judicial: o ativismo
judicial inovador, pelo qual o juiz cria uma nova norma, um novo direito. E há o
ativismo judicial revelador, onde o magistrado com base nos valores e princípios
constitucionais ou a partir de uma regra lacunosa, complemente o direito ou a norma.
Para melhor compreensão do instituto, trazemos a baila os fundamentos da
decisão do acórdão do Colendo Tribunal do Trabalho, que ao julgar o recurso de
Revista nº. TST-RR 37500-11.2006.5.01.0011, decidiu que equipar a doença
ocupacional ao acidente de trabalho, garantindo o direito de indenização ao empregado.
Vejamos parte do acórdão:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DOENÇA


OCUPACIONAL EQUIPARADA A ACIDENTE DE TRABALHO.
O Eg. Tribuna Regional consignou que a perícia do INSS foi no
sentido da confirmação da doença e inexistência de incapacidade pra
o trabalho, e que o laudo médico, existentes nos autos, relatam a
existência de “disacusia neuro-sensorial bilateral”, adquirida em
função da atividade desempenhada na reclamada. Desse modo,
evidenciada culpa da empregada, a demonstração do dano sofrido
pelo autor e o nexo da causalidade, deve ser mantida a condenação ao
pagamento de indenização por danos morais da forma como fixado
pelo Eg. Tribunal Regional. Recurso de Revista não reconhecido.

Desta feita podemos dizer que a decisão do Egrégio Tribunal corresponde ao


denominado Ativismo Revelador, pois diante de uma lacuna, viu-se obrigado o
magistrado a equipará a doença ocupacional ao acidente de trabalho, no intuito de
garantir ao trabalhador o direito de indenização, seja por dano moral, seja por dano
material.

3.6 Importância do Meio Ambiente do Trabalho Salubre

O local de trabalho, para a maioria dos empregados, muitas vezes acaba por se
tornando o lugar onde se dispõe da maior parte do tempo. É evidente que o empregado
passa um maior período no seu emprego, do que na sua própria residência.
Por se tratar de um local de extrema importância para a vida social, o senso
comum remete-se ao pensamento de que o emprego não pode ser um ambiente de
desgostos ao obreiro, e sim de alegrias e motivos que por si só enseja o desejo e a
vontade de estar desempenhando tais funções.
O meio ambiente do trabalho salubre, conforme já estudado, compreende a
todo o espaço em que acontecem as atividades laborais. Nestes moldes, as questões
atinentes à segurança medicina e saúde do operário devem ser tratadas como medidas
essenciais para a manutenção do contrato de trabalho. Não há razões para validade de
uma relação de emprego se o local da prestação oferece risco à integridade física e
psíquica do obreiro.
Ademais, as consultorias, departamento de recursos humanos, e outros estudos
sobre gestão de pessoas apontam de forma unânime para as vantagens e benefícios que
um ambiente de trabalho dentro dos padrões de “normalidade” oferece, ora que de todos
os valores existentes, o mais importante é o humano.
Primeiramente, antes de expor as questões jurídicas, evidencia-se que as
relações interpessoais no emprego também contribuem para a formação de um ambiente
de trabalho justo e concreto. Exemplo muito comum, é no tocante as divergências entre
os obreiros, onde um pode ser mais produtivo que o outro, e este se preocupar mais com
o serviço alheio, do que com o próprio.
Entre os empregados, atitudes simples podem contribuir para a prevenção de
conflitos, tais como o exercício da cordialidade, o respeito ao próximo; chamar os
outros funcionários pelo nome e não por apelido; falar palavras como: obrigado, por
favor, licença; respeito às normas internas; participar dos objetivos empresariais;
aperfeiçoamento técnico; etc.
Se não bastasse, o bom ambiente de trabalho proporciona e oferece condições
na qualidade do emprego, tais como melhorias nas metas e resultados empresariais,
produção de estímulo e inovação, solução imediato e proativo de problemas, redução de
custos, queda da rotatividade de empregados, aumento dos lucros e funcionários
motivados.
Em relação à segurança, conforme amplamente discorrido ao longo do estudo,
é de extrema importância e necessidade que as normas estejam de acordo com os
dispostos legais no ordenamento jurídico.
Ademais, fica evidente que a empresa que busca a preservação do meio
ambiente laboral de forma saudável, contribui também para a não ocorrência dos litígios
trabalhistas, uma vez que funcionários motivados geram lucros.
Em decorrência de sua alteridade em face do empregado, cabe ao empregador
oferecer o ambiente de trabalho justo e adequado. O cumprimento da legislação
trabalhista e o respeito à dignidade da pessoa humana que não se tratam de uma
qualidade do empregador, e sim de uma obrigação trabalhista que muitas vezes não é
observada.
CONCLUSÃO

Não há dúvidas que o Trabalho é uma relevante forma de promoção da


Dignidade da Pessoa Humana. Trata-se de um valor fundamental do homem, e que
contribui para que este possa se desenvolver como ente social, vez que a sua principal
finalidade é de receber determinada contraprestação onerosa, e acessoriamente há
promoção das relações interpessoais, desenvolvimento intelectual e psicológico de
forma saudável e segura.
Por outro lado, a partir do momento em que o labor deixa de estar em
consonância com os conceitos de segurança, proteção e respeito, caracteriza-se indícios
de violação ao texto Constitucional Brasileiro, já que o trabalho é um direito
fundamental do homem, e qualquer violação aos direitos fundamentais deve ser
reparada de forma imediata.
Ademais, o Direito do Trabalho, Direito Trabalhista, ou até mesmo chamado
de Direito Laboral é um ramo do ordenamento jurídico que dispõe acerca das relações
laborativa existentes na sociedade moderna, abrangendo todos os princípios, regras e
institutos atinentes ao labor, de forma que assegure as melhores condições de trabalho,
em detrimento às medidas de proteção que lhe são destinadas.
Entretanto, para se chegar à atual legislação trabalhista vigente, o homem se
deparou com inúmeras lutas e conflitos. Neste seara, a dialética doutrinária remete-se as
dimensões de Direito, que nada mais é que uma classificação dada a determinados
momentos históricos, em que a sociedade esteve mais engajada na tutela de
determinados direitos específicos de acordo com o contexto em que viviam. Tal
classificação contribuiu na tutela e na prestação jurisdicional do Estado, que então tem
por referência os acontecimentos passados para se valer na solução dos litígios
presentes.
Assim, a partir do estudo sobre as dimensões de Direitos, emerge-se a
classificação dada aos direitos da segunda geração, que busca a tutela protecionista aos
direitos sociais, culturais e econômicos, além dos direitos coletivos. Deste modo, ao se
falar em direitos sociais, consecutivamente se remete em direitos do trabalhador, e que
só foi possível chegar ao atual modelo de Direitos, graças às lutas do passado e que se
emergiram por conta de lesões as garantias líquidas e certa de obreiros, que não
receberam salários justos, possuíam cargas de trabalho excessivas, e muitas vezes
tinham suas atividades equiparadas a condições análogas a escravos.
Com a evolução de todo contexto social no âmbito trabalhista, verificou-se que
o trabalho tem como pressuposto o exercício da igualdade, motivo pelo qual justifica a
faculdade da pessoa humana ganhar a vida por meio de uma atividade laboral, de modo
que em contrapartida ao exercício de determinada função, ocorre o recebimento de
determinada remuneração que deve se valer de valores que promovam a dignidade,
proporcionalidade e compatibilidade à sua atividade, e que consubstancie em uma renda
que proporcione a promoção e manutenção das suas garantias vitais e de sua família,
devendo inclusive ser protegido pelo Estado em caso de dispensa injusta.
Por se tratar de Direito Constitucional, a legislação vigente no atual Estado
Democrático tem assegurado meios para que a tutela aos Direitos ocorra de forma
rápida, em consonância ao princípio da celeridade processual. Neste aspecto, ressalta-se
que o acesso à jurisdição trabalhista ocorre de forma mais simples do que em outras
áreas do Direito, como por exemplo, no caso do “jus postulandi”, que é a possibilidade
do autor de uma demanda trabalhista ingressar em juízo sem a presença de um
advogado constituído, bem como os ritos processuais não exigirem todo o rigor e
formalidade.
Entretanto, a violação ao Direito Constitucional não ocorre apenas no momento
em que há fundada violação na relação de trabalho entre empregado e empregador. Esta
violação pode ser praticada pelo próprio Estado, em situações em que o índice de
desemprego supera a margem de pessoas ativas no mercado.
Contudo, tal consideração deve ser analisada com ressalvas, já que em
determinadas situações o desemprego por parte de um ser individual não qualificado, e
que não busca recolocação no mercado de trabalho, não deve ser visto como
responsabilidade do Estado, desde que este ofereceu meios de profissionalização do
obreiro.
A garantia do exercício dos direitos laborais ocorre também por meio da
aplicação de princípios de direito, cuja natureza especial no ramo aqui tratado, baseia-se
na proteção, e fundamentam-se na efetiva aplicação da norma jurídica.
Trata-se da origem do Direito do Trabalho, já que ambos se fundamentam na
Constituição Federal, e remete-se ao liame de respeito e proteção às necessidades vitais
do homem enquanto ente social. Exercem ainda a garantia de proteção aos demais
princípios existentes.
Sempre que mencionado a proteção às garantias laborais, remete-se também ao
estudo da dignidade humana. A partir do fundamento constitucional que se emergiu a
ideia de equilíbrio entre as partes participantes de uma relação de trabalho, que ao longo
da história, e até mesmo nos dias atuais, ocorre de forma desigual.
Dentre todos os princípios, destaca-se o exercício da dignidade da pessoa
humana como postulado, ora que este é a razão tutelar nas relações sociais, com
roupagem de preceito assecuratório do direito a vida digna erga omnes. Se não bastasse,
esta dignidade é responsável em demarcar a importância da carga valorativa dos
princípios em geral, sendo suficientemente necessários para afastar a superioridade
comum no emprego, uma vez que há distinção entre empregador e empregado.
Mais uma vez ressalta-se a importância de se tutelar o Direito do Trabalho, e
todas as suas formas de proteção, visto que as matérias referem-se à questão de ordem
pública, não podendo ser derrogada pela vontade das partes, já que neste meio jurídico,
muitas vezes a renúncia do empregado a uma garantia está acompanhada de uma coação
por parte do empregador.
Dentro dos limites de estudo do Direito juslaborativo, existe ainda o ramo
denominado como sendo o meio ambiente do trabalho. Este é classificado como sendo
todo o meio em que o trabalhador desenvolve suas atividades, seja de forma remunerada
ou não, e que o equilíbrio esteja baseado na salubridade do meio e na ausência de
agentes que comprometam a saúde nas questões físicas, químicas e até mesmo
psicológicas, independente das condições que os mesmos ostentam, tais como homens,
mulheres, maiores ou menores, etc.
O meio ambiente do trabalho é absolutamente atrelado ao estudo da segurança,
saúde e medicina laborativa, sendo, portanto a grande questão da ordem pública, vez
que engloba por si só todo o Interesse da Ordem Econômica e Social. Além disso, nele
que ocorre todas as formas de relações interpessoais dentro de uma empresa, razão pelo
qual se justifica o entendimento de que as pessoas são produtos do meio em que vivem,
e tem necessidade de serem aceitas socialmente.
A Constituição Federal Brasileira abrange ainda o direito do trabalhador e de
todo cidadão ao lazer. A partir da análise doutrinária apresentada, atrelado ao senso
comum, observa-se que o homem necessita de períodos de descanso e lazer, uma vez
que não pode ser equiparado a máquinas, conforme ocorrera no passado. Assim, o
direito positivo tem a missão de tutelar aquilo que encontra-se fundado também na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que prevê o Direito ao repouso e lazer,
limitação de horas de trabalho e férias remuneradas de forma periódica.
O direito ao lazer compreende também ao exercício da integridade física e
psíquica do obreiro, de forma que não se viole o Direito Fundamental a Dignidade da
Pessoa Humana. Dentre as soluções apresentadas como alternativas em que o
empregador possa contribuir para a melhoria de seus empregados dentro do ambiente
laboral, refere-se à prática de ginástica laboral, que segundo estudos, a mesma tem se
apresentado como grande aliada para a prevenção e reabilitação de doenças
ocupacionais e acidentes laborativos, visto que inclusive enseja o empregador à
obrigação de indenizar.
É dever de todo o Direito, em especial ao do trabalho, em se valer de métodos
preventivos, que visem o combate às estatísticas acidentárias que cada vez mais se
mostra alarmante, assim como deve punir as empresas que não se atentam as questões
de segurança, higiene e medicina laborativa.
Após todas as justificativas apresentadas, no atual contexto social, esclarece
que o direito do trabalhador ainda que tenham alcançado avanços, exerce um papel
absolutamente incapaz na relação de trabalho emprego, já que o mesmo labora sob a
necessidade de se receber uma remuneração, e a parte incumbida em pagar tal prestação
estabelecendo-se o poder patronal.
Diante desta celeuma, os abusos ocorrem justamente pelo fato do trabalhador
necessitar do pagamento de uma determinada quantia, como condição de sobrevivência.
Portanto, não é devido à ocorrência de flexibilização das normas trabalhistas no
contexto do direito material e também processual, ora que as garantias
juslaborativas são também direitos fundamentais do homem.
INTRODUÇÃO

A sadia qualidade de vida é o objetivo maior de todo ser humano, que não deve poupar
esforços para alcançá-la.
Contudo, apenas uma pequena parcela deste esforço fica ao encargo de cada indivíduo,
sendo que a parte maior está fora de sua esfera de influência, já que cabe ao Estado e à toda a
sociedade adotarem práticas de abstenção e, ao mesmo tempo pró-ativas, sempre no sentido de
respeitar e maximizar a qualidade de vida de cada pessoa.
Na vida adulta do ser humano, o trabalho representa o comprometimento continuado por
aproximadamente 35 anos, com esta obrigação. E ainda, somados os deslocamentos, as pausas e
as horas efetivamente trabalhadas, chega-se facilmente a 12 horas diárias, ou seja, cada
trabalhador despende 50% dos dias úteis, apenas e tão somente ao trabalho.
Neste sentido, ao empregador, enquanto partícipe da sociedade, cabe o dever jurídico de
assegurar que o meio ambiente do trabalho seja sadio e hígido, de tal maneira que reste
plenamente assegurara e preservada a saúde física e mental e o bem estar de cada empregado.
Ora, o empregador ao admitir o empregado se assegura de que este seja possuidor de
respeitável patrimônio no tocante à perfeita saúde física, psíquica e social e, por conseguinte, ao
usar a força de trabalho desta pessoa, tem a obrigação de propiciar meio ambiente do trabalho
sadio, sem poder comprometer este patrimônio do empregado, até mesmo por respeito ao
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Muitos são os riscos que pairam sobre os ombros dos trabalhadores e
exemplificativamente vão desde a duração excessiva da jornada, passando pelo trabalho noturno
e em turnos ininterruptos de revezamento, bem como aqueles realizados sob condições de
insalubridade, penosidade e periculosidade, chegando àquelas atividades que pelas suas
condições peculiares expõem a risco a própria psíque do empregado, comprometendo desta
maneira o chamado bem estar no trabalho.
Ao Poder Judiciário cabe não somente “dizer o direito” aplicável a cada demanda que
lhe é submetida à apreciação, mas antes de mais nada, sinalizar claramente para toda a sociedade
como devem ser interpretados e ponderados os incontáveis instrumentos jurídicos, em particular
aqueles atinentes ao meio ambiente do trabalho.
As decisões judiciais sobre o meio ambiente do trabalho devem estar calcadas sobre
sólidos argumentos jurídicos regidos pelos Princípios Constitucionais, servindo de paradigma
para novas decisões, bem como tendo cunho nitidamente pedagógico para toda a sociedade.
O presente estudo visa precipuamente a análise crítica da jurisprudência quanto à
aplicação ou não dos Princípios Constitucionais Ambientais, sempre que o objeto da decisão
envolver o meio ambiente do trabalho e por consequência, a própria saúde do trabalhador.
No Capítulo I foi dada ênfase à abordagem dos Princípios e Regras de Direito de âmbito
geral. Este mesmo enfoque mereceu o Capítulo II sobre os Princípios Fundamentais do Trabalho,
a Dignidade da Pessoa Humana e o Valor Social do Trabalho.
No Capítulo III o exame focou especificamente o Meio Ambiente do Trabalho, com os
Princípios da Sadia Qualidade de Vida, da Precaução, da Prevenção e do Poluidor-Pagador.
Abordou ainda o Ambiente do Trabalho Saudável e os Riscos à Saúde dos Trabalhadores, com as
diversas implicações quanto às jornadas de trabalho excessivas, às horas extras, ao trabalho
noturno e em turnos ininterruptos de revezamento, bem como àquele em condições insalubres,
penosas e perigosas, dando igualmente destaque para os riscos à psíque e ao bem estar no
trabalho e finalmente enfatizando a monetarização do risco.
No Capítulo IV foram destacados alguns acórdãos judiciais sobre o meio ambiente do
trabalho. A análise crítica teve como enfoque os Princípios Constitucionais Ambientais que
serviram de supedâneo para mencionadas decisões.
CAPÍTULO 3 - MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

3.1 Princípios específicos do meio ambiente

Os princípios norteadores do Direito Ambiental, segundo Raimundo Simão de Melo


“têm como objetivo fundamental proteger o meio ambiente e garantir melhor qualidade de vida a
toda coletividade”111. Qualidade de vida que há de ser propiciada pelo empregador a todo o
ambiente de trabalho onde se desenvolvem as múltiplas atividades empresariais.
Os doutrinadores inserem o meio ambiente do trabalho como uma das espécies em que
se subdivide o meio ambiente.
Celso Antonio Pacheco Fiorillo define o meio ambiente do trabalho como:
Constitui meio ambiente do trabalho o local onde as pessoas desempenham suas
atividades laborais relacionadas à saúde, sejam remuneradas ou não, cujo
equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que
comprometam a incolumidade física-psíquica dos trabalhadores, independente
da condição que ostentam (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade,
celetistas, servidores públicos, autônomos, etc.). 112

O meio ambiente do trabalho caminha lado a lado com a saúde e a dignidade do


trabalhador, como destaca Flávia de Paiva Medeiros de Oliveira:
O direito ao meio ambiente e o direito à saúde laboral devem ser encarados
como duas faces de uma mesma moeda, a dignificação do homem, que somente
se realiza quando ele tem acesso a um trabalho que lhe permite auferir os meios
indispensáveis à sua subsistência e desfrutá-lo em um ambiente adequado.113

O meio ambiente do trabalho na Constituição de 1988 é tutelado de forma imediata e de


forma mediata.
A tutela de forma imediata se encontra plasmada no art. 200 “caput” e inciso VIII e no
art. 7º, inciso XXII. No “caput” do art. 200 consta que “Ao sistema único de saúde compete,
além de outras atribuições, nos termos da lei”, enquanto no inciso VIII do art. 200 consta:
“colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”. No inciso XXII do
art. 7º consta: “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança”.
A tutela de forma mediata se encontra no “caput” e no inciso V do § 1º do art. 225 da
C.F. No “caput” consta que todos têm o direito “ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
[...] e essencial à sadia qualidade de vida [...]” e no inciso V do § 1º incumbe ao Poder Público
controlar a produção, comercialização ou o emprego de técnicas e métodos que “comportem risco
para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.
De se notar que por muito tempo prevaleceu apenas e tão somente a visão “civilista” de
que o meio ambiente era res nullius (coisa sem dono), já que além de não ter um titular definido,
também não representava um valor apreciável em dinheiro. Porém, com a Constituição de 88 , o
meio ambiente foi elevado à categoria de bem e mais ainda, de bem de toda a coletividade (art.
225 da C.F.). Portanto, o meio ambiente não mais pode ser encarado como coisa sem dono e
tampouco, pode ser suscetível de comércio.
O direito ambiental é disciplinado por diversos princípios peculiares a este ramo de
atividade, porém, para o presente estudo (princípios aplicados à saúde do trabalhador), têm
especial relevância apenas quatro destes princípios, quais sejam: o princípio da sadia qualidade
de vida, o princípio da precaução, o princípio da prevenção e o princípio do poluidor-pagador, os
quais serão abordados a seguir.

3.1.1 Princípio da sadia qualidade de vida

Os doutrinadores não são concordes quanto à nomenclatura deste princípio de direito


ambiental. Paulo Affonso Leme Machado adota “princípio do direito à sadia qualidade de vida”,
enquanto Paulo de Bessa Antunes prefere “princípio da dignidade da pessoa humana” e Luís
Paulo Sirvinskas adota “princípio do direito humano”.
O princípio da sadia qualidade de vida do trabalhador está respaldado na Declaração de
Estocolmo de 1972, onde constou que o homem tem direito fundamental a “[...] adequadas
condições de vida, em um meio ambiente de qualidade [...]” (Princípio nº1), bem como constou
na Declaração do Rio de 1992 que os seres humanos “tem direito a uma vida saudável” (Princípio
nº 1).
Paulo Affonso Leme Machado afirma que:
Não basta viver ou conservar a vida. É justo buscar e conseguir a “qualidade de
vida”. A Organização das Nações Unidas – ONU anualmente faz uma
classificação dos países em que a qualidade de vida é medida, pelo menos, em
três fatores: saúde, educação e produto interno bruto. 114

Paulo de Bessa Antunes prefere a nomenclatura “princípio da dignidade da pessoa


humana” porque entende que o art. 225 da Constituição de 1988 está fundado no princípio da
dignidade da pessoa humana e “somente nele encontra a sua justificativa final”. 115
Luís Paulo Sirvinskas anota que há fortes críticas ao princípio de direito ambiental que
coloca o homem como o centro das atenções, visto que esta visão puramente “antropocêntrica”,
não se coaduna com a “visão biocêntrica” que norteia o direto ambiental: “Há forte crítica desse
princípio, pois o acesso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser preservado para
todas as formas de vida e não só a humana.” 116
Quando aborda especificamente a “tutela do meio ambiente do trabalho”, Luís Paulo
Sirvinskas deixa patente que um dos fins do “meio ambiente equilibrado” é a “qualidade de vida
do trabalhador”. Destaca este autor que “O meio ambiente equilibrado nas relações de produção
significa prevenção aos acidentes, benefícios à sociedade e aumento no nível de qualidade de
vida de cada trabalhador”.117
Fábio de Assis F. Fernandes, após proceder à análise dos dispositivos legais relativos ao
meio ambiente do trabalho e da dignidade do trabalhador, conclui afirmando que: “não há como
negar que o meio ambiente saudável e equilibrado é um dos direitos fundamentais humanos, na
medida em que ligado de forma intrínseca com a dignidade da pessoa humana”.118
O direito ambiental, desde 1972, com a Declaração de Estocolmo vem deixando patente
que ao homem não basta apenas viver, mas tem que viver com “sadia qualidade de vida”. E para
se atingir este desiderato, o meio ambiente, em especial o meio ambiente do trabalho, tem que ser
sadio, onde a saúde física, psíquica e moral do homem, sejam amplamente respeitadas e não
agredidas.
3.1.2 Princípio da precaução

Conforme destaca Édis Milaré, o princípio da precaução deve ser aplicado “quando a
informação científica é insuficiente, inconclusiva ou incerta” e aquela atividade possa provocar
riscos ainda desconhecidos “sobre o ambiente, a saúde das pessoas ou dos animais ou da
vegetação” e conclui este autor afirmando que “a incerteza científica milita em favor do
ambiente”.119
Ainda segundo Édis Milaré “Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do latim
prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados com o desconhecido”. 120
O princípio da precaução deve funcionar como mediador dos conflitos, que surgirão
frente a situações de riscos incertos, entre a Ciência (que ainda não tem certezas sobre muitos
aspectos importantes das novas tecnologias) e o Direito (o direito ambiental que busca evitar ou
minimizar a ocorrência de danos à saúde humana e ao meio ambiente).
O princípio da precaução deve ter como diretriz básica, “atitudes orientadas pelas idéias
de prudência e responsabilidade, de forma a evitar que a presente geração ameace a existência da
vida no planeta”.121
Os pesquisadores e demais trabalhadores que estão envolvidos no desenvolvimento de
novos saberes científicos e tecnológicos, como por exemplo os relativos à engenharia genética,
aos organismos geneticamente modificados e a clonagem, estão expostos a incontáveis riscos
para a sua saúde, os quais, em grande parte ainda são desconhecidos pela ciência. Portanto, estes
riscos ainda desconhecidos se inserem nos argumentos de ordem hipotética, ou seja, no campo
das possibilidades.
Ao abordarem o chamado risco zero, também conhecido como regra de abstenção, com
a aplicação da máxima: na dúvida abstenha-se, o que inviabilizaria qualquer atividade humana,
Joana Setzer e Nelson Gouveia, propõem um meio termo entre a proibição total e a liberação
total:
[...] a ausência de conhecimento sobre a totalidade dos riscos decorrentes de um
empreendimento ou atividade não justifica a sua proibição até que tal certeza se
concretize. A ciência é incapaz de provar que substâncias, atividades ou ações
são absolutamente seguras e a utilização do princípio da precaução não equivale
a um risco zero.[...] Não existe um comportamento isento de risco. [...] riscos
que no presente são incertos podem deixar de sê-los somente em razão do
aumento do conhecimento e informação. 122

No âmbito internacional, a Europa tem avançado nos estudos sobre a aplicação do


princípio da precaução. Assim, em fevereiro de 2000, a Comissão Européia divulgou a
Comunicação da Comissão relativa ao princípio da precaução a qual estabelece diretrizes gerais
e “o texto pretende auxiliar a tomada de decisões não discriminatórias, transparentes e coerentes
sobre as medidas de controle dos impactos de determinadas atividades ao meio ambiente e à
saúde humana”.123
No âmbito trabalhista, os trabalhadores são surpreendidos a miúde com novos
equipamentos tecnológicos, novas máquinas e, por conseguinte, ficam submetidos a novos riscos
ambientais, sem que antes, tenha sido realizada a competente e demorada análise da gestão destes
riscos.
Se o princípio da precaução, de um lado não pode servir para bloquear o
desenvolvimento de novas tecnologias, tampouco pode ser aplicado como justificativa para que o
setor econômico relegue a plano secundário os riscos de sua atividade. Como não há risco zero, a
melhor solução é aquela que aceita o risco razoavelmente controlado, tendo como parâmetro que
os benefícios sociais por ela gerados sejam superiores aos eventuais riscos dela decorrentes.
O Princípio 15 da Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento, em 1992, estabelece na sua segunda parte que “Em caso de risco de danos
graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para
procrastinar a adoção de medidas efetivas visando a prevenir a degradação do meio ambiente”.
Este princípio deixa patente a obrigação da adoção de medidas acautelatórias, mesmo que a
ciência ainda não tenha o pleno conhecimento das consequências do risco daquela atividade.
Exemplo contundente da não observância do princípio da precaução é descrito por
Rachel Carson em Primavera Silenciosa, em solo americano, no pós segunda guerra mundial, no
final da década de 40, o governo americano, com o propósito inicial de controlar determinadas
ervas daninhas e insetos, passou a despejar milhares de toneladas de mais de 200 substâncias
químicas, através de pulverizações aéreas, sobre vastas áreas de seu território.
A poluição ambiental se mostrou catastrófica, visto que, além de não atingir o intento
inicial de controlar e erradicar as “pestes” e “pragas”, ainda, atingiu o ciclo essencial da vida na
natureza, provocando a mortandade de milhares de outros insetos, de aves, de peixes, de
mamíferos e demais seres vivos, bem como provocou a poluição das pastagens dos animais
domésticos, das hortas e lavouras e atingiu os rios, lagos e nascentes. Em suma, a poluição
indiscriminada da natureza acabou por provocar o envenenamento do ar, da água, da terra e dos
alimentos de que se serve o homem e finalmente cobrou um alto tributo com o aparecimento de
sérias doenças e mortes por distúrbios para os quais sequer os médicos estavam preparados para
diagnosticá-las.
O título da obra de Rachel Carson, Primavera Silenciosa, é na verdade a constatação de
que a vida na natureza havia sido atingida tão seriamente, a ponto de na estação do ano da
primavera, não se ouvir o gorjear de sequer, um só pássaro, visto que todos haviam morrido. Na
abertura desta obra, a autora cita uma frase de Albert Schweitzer: “O homem perdeu a sua
capacidade de prever e de prevenir. Ele acabará destruindo a Terra”. 124
Sempre que um novo projeto pareça exageradamente arriscado, a sociedade como um
todo e em particular ao Estado cabe o dever de impor medidas redobradas de prudência, até que o
conhecimento científico esteja mais bem informado sobre as consequências danosas desta
empreendimento. Assim agindo estar-se-á observando os ritmos do homem, da natureza e o das
gerações presentes e futuras.

3.1.3 Princípio da prevenção

Prevenção em direito ambiental tem o sentido de se adotar medidas para evitar ou


minorar o risco já conhecido daquela atividade. Portanto, adota-se medidas prévias em função
dos riscos que a atividade pode e muito provavelmente irá gerar. O risco da atividade é previsível
e de amplo conhecimento da ciência.
Explicita Édis Milaré: “Prevenção é substantivo do verbo prevenir (do latim prae = antes
e venire = vir, chegar), e significa ato ou efeito de antecipar-se, chegar antes”. 125
Para Celso Antonio Pacheco Fiorillo, o princípio da prevenção “é preceito fundamental,
uma vez que os danos ambientais, na maioria das vezes, são irreversíveis e irreparáveis” e
prossegue aduzindo que na Conferência de Estocolmo, em 1972, este princípio foi “içado à
categoria de megaprincípio do direito ambiental”. 126
Como já se conhecem os riscos daquela atividade, é de todo conveniente que se adotem
tecnologias limpas sempre que possível, porquanto, os recursos ambientais são escassos e de uso
comum do povo.
A prevenção trabalha com o risco certo e com o perigo concreto.
Na linguagem de Édis Milaré:
Na prática, o princípio da prevenção tem como objetivo impedir a ocorrência de
danos ao meio ambiente, através de imposição de medidas acautelatórias, antes
da implantação de empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou
potencialmente poluidoras”.127

E se houver poluição, o Estado tem o dever de punir o infrator, ponderando sempre que
o valor da punição deverá ser alto o suficiente para que o lucro obtido com a atividade degradante
não seja compensador economicamente. O Estado tem o dever de desestimular a poluição.
A prevenção tanto pode ocorrer no tocante aos riscos ambientais, como se referir
especificamente aos riscos laborais. Neste mesmo sentido, Flávia de Paiva Medeiros de Oliveira:
[...] tanto a prevenção do risco laboral, como a defesa ambiental, tutelam direitos
coletivos em sentido amplo. No primeiro, um interesse coletivo propriamente
dito. No segundo, um interesse difuso. [...] A prevenção de riscos laborais
impede que o processo produtivo desmedido lesione a integridade física do
trabalhador, enquanto a defesa ambiental impede que o processo produtivo
coloque em risco os recursos necessários à manutenção da vida humana. 128

3.1.4 Princípio do poluidor-pagador

Todo empreendedor que explora atividade econômica visa obter lucro e para perseguir
tal intento se vale da força de trabalho de diversas pessoas, do uso da propriedade, de instalações,
de maquinários, da transformação de produtos, e de diversos outros meios.
Este empreendedor somente obterá lucro se o valor que obtiver da venda dos produtos
for superior ao valor investido para produzí-los. Como não existe risco zero em qualquer
atividade e na eventualidade de ocorrerem danos ambientais que afetem os trabalhadores, outras
pessoas ou até o meio ambiente natural, este empreendedor por força do princípio do poluidor-
pagador, tem o dever de pagar pelos danos causados.
Este custo gerado pela poluição do empreendimento deverá ser suportado
exclusivamente pelo causador do dano, no que se convencionou chamar de internalização dos
custos, visto que pelo princípio do poluidor-pagador, mencionados custos não podem ser
transferidos para toda a sociedade, já que impensável se externalizar os custos da poluição.
Édis Milaré, nesta mesma linha de raciocínio, afirma que não pode haver a “privatização
de lucros e a socialização de perdas” e logo a seguir destaca que a interpretação correta do
princípio do poluidor-pagador é no sentido de que se “polui, paga os danos” e não se “pagou,
então pode poluir”. “O princípio não objetiva, por certo, tolerar a poluição mediante um
preço”.129
O parágrafo 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio
Ambiente) estabelece: “[...] é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade
[...]”. No tocante à obrigação da reparação do dano, resta patente a responsabilidade objetiva do
poluidor, não apenas em relação ao meio ambiente, mas também quanto ao conjunto de pessoas
afetadas, sejam elas seus empregados ou terceiros estranhos ao empreendimento.
3.2 Primórdios do direito do trabalho

Nas civilizações da antiguidade, como a grega e romana, o trabalho manual era


basicamente desempenhado pelos escravos. Na idade média, o trabalho era voltado para as
atividades agrícolas e de subsistência, com exceção das corporações de ofícios. Portanto, para o
presente estudo, o trabalho como era realizado nas civilizações gregas e romanas e na idade
média, não tem grande relevância.
O trabalho individual e subordinado, como é conhecido na atualidade, passou a ter
significativa importância a partir da revolução industrial desencadeada no século XVIII.
O Brasil manteve o regime da escravidão dos africanos por três séculos e com exceção
dos raros e escassos serviços autônomos e outros ligados à atividade comercial, apenas nas
poucas cidades existentes, não se conhecia o trabalho livre e assalariado até meados do século
XIX.
Em meados do século XIX, com o regime de escravidão já mostrando sua exaustão e
com o amplo e rápido crescimento das fazendas de café, necessitando de vasta mão de obra, o
Senador Vergueiro implantou o contrato de parceria agrícola, trazendo milhares de famílias de
europeus.
Mencionado regime de parceria agrícola consistia na “contratação” de todos os membros
de determinada família de europeus, aos quais competia cuidarem de 4.000 pés de café (os tratos
culturais e a colheita eram realizados manualmente), sendo que ao final de cada ano agrícola
recebiam como paga 50% do valor apurado na venda do café.
Como os fazendeiros estavam habituados apenas e tão somente a tratarem com os
escravos e desconheciam o trabalho de pessoas livres, houve toda sorte de desmandos e
arbitrariedades em detrimento dos “colonos-parceiros”, o que culminou com a revolta dos
colonos suíços da Fazenda Ibicaba, em Limeira-SP, de propriedade do Senador Vergueiro.
Esta revolta é descrita por um destes colonos suíços, Thomas Davatz, na obra Memórias
de um colono no Brasil, que revela que as reivindicações relativas ao cumprimento das
condições trabalhistas mínimas tinham que passar pela aquiescência do próprio fazendeiro, posto
que, na época (1.857) sequer havia um órgão autônomo e independente com esta atribuição. E
pior, as autoridades locais mantinham estreito vínculo de subordinação em relação aos
fazendeiros empregadores. De se notar a passagem em que Davatz relata que os colonos evitavam
reclamar às autoridades locais (na época Juízes de Paz), posto que já tinham experiência de que
“mesmo com carradas de razão, (aquele que) decide recorrer aos juízes de paz locais, não só não
retira disso a menor vantagem como acaba ainda mais prejudicado do que antes”. 130
No Brasil, o trabalho braçal e individual, durante 300 anos, basicamente foi realizado
pelos escravos africanos e somente após a libertação destes, já no apagar das luzes do século
XIX, o país passou a ter a experiência do trabalho livre. Lentamente, o Estado se deu conta de
que precisava legislar sobre esta nova matéria “o trabalho”, a fim de impedir a exploração
material e até mesmo a sujeição pessoal dos trabalhadores.

3.2.1 Direito do trabalho na revolução industrial

No século XVIII com a revolução industrial (originada na Inglaterra), surge uma nova
modalidade de trabalho, qual seja, o trabalho livre e assalariado, trazendo consigo significativas
mudanças no modo de vida das pessoas. Até então a população se concentrava basicamente no
campo, sendo que a nascente indústria passou a absorver imensos contingentes de trabalhadores e
em jornadas que não raro chegavam a 18 horas por dia, o que obrigou estas pessoas a residirem
nas cidades. Houve um crescimento vertiginoso da população das cidades industriais, eis a
primeira grande mudança na sociedade.
A segunda mudança provocada pela revolução industrial se concentrou nos
estabelecimentos industriais, com o desenvolvimento de novas máquinas, novos métodos de
produção e novas formas de propulsão, inicialmente com o uso da água como força motriz, a
seguir com o uso do vapor e posteriormente com o uso da energia elétrica.
As indústrias alocavam centenas de máquinas em um mesmo estabelecimento e
necessitavam de milhares de trabalhadores para manter estes equipamentos produzindo, não
havendo na época qualquer preocupação com as condições do meio ambiente do trabalho e muito
menos, com as condições dos trabalhadores, já que a mão de obra era abundante e barata. Daí
decorriam números alarmantes de doenças relacionadas ao trabalho, bem como incontáveis e
graves acidentes do trabalho.
A indústria têxtil aderiu em larga escala a este novo método de produção. Segundo Júlio
Cesar de Sá da Rocha, “em 1733, John Kay inventou a lançadeira. Em 1765, James Hargreaves
inventou o fiador mecânico. Em 1785, Edmund Cartwrigt inventou e construiu o tear mecânico”.
131

As condições do ambiente do trabalho eram péssimas, sob todos os aspectos. Havia a


concentração do maior número possível de máquinas e equipamentos, no menor espaço
disponível, sem a observância de qualquer critério relativo a ergonomia. Havia ruído em níveis
muito acima do máximo aceitável na atualidade de 85 decibéis; poeira de algodão, em particular
na indústria têxtil, sendo que todos os trabalhadores permaneciam diariamente por até 18 horas
inalando este poluente; calor gerado pelas máquinas a vapor e manuseio de cargas com pesos
excessivos, quer por adultos, quer por crianças e mulheres.
No início, o Estado não interferia nas relações de trabalho, já que estas eram firmadas
“livremente” entre os patrões (capitalistas) e os trabalhadores (mão de obra). Contudo, esta
liberdade de contratação era somente aparente, visto que prevaleciam todas as condições que
eram impostas pelo industrial, sem que o empregado tivesse a garantia da observância de
quaisquer dos direitos fundamentais mínimos.
Após sucessivos movimentos operários, que de início eram considerados como atos
criminosos pelos patrões, o Estado progressivamente foi se dando conta de que precisava
disciplinar minimamente a relação de trabalho (conflitos entre capital e trabalho). Após marchas
e contramarchas, ora se permitindo os movimentos operários, ora se impedindo a atuação
sindical, foram sendo fixados parâmetros mínimos relativos à jornada de trabalho, ao trabalho dos
menores, ao descanso semanal, ao trabalho noturno de menores, dentre outros.
O Estado, que antes era um mero expectador, paulatinamente foi se dando conta de que
teria que interferir na autonomia plena de que gozavam patrões e trabalhadores e além de definir
normas protetivas, também se encarregou do seu cumprimento.
A Igreja Católica, que gozava de grande influência e prestígio na sociedade, em 1891,
através da Encíclica “Rerum Novarum”, de autoria do Papa Leão XIII, pela primeira vez, se
posicionou no tocante às condições precárias e degradantes de trabalho que eram praticadas.
A precariedade das condições de trabalho desaguavam na ocorrência de acidentes do
trabalho de toda ordem, os quais além de provocarem graves lesões muitas vezes levavam o
trabalhador à morte.
Além dos acidentes do trabalho típicos (aqueles que provocavam lesões imediatas),
ainda havia o fantasma das “doenças do trabalho”, em particular para os trabalhadores mineiros e
metalúrgicos.
As relações de trabalho eram disciplinadas pelos mesmos regramentos dos demais
contratos de natureza civil e sequer havia o balizamento legal de quais deveriam ser as condições
mínimas aceitáveis do ambiente de trabalho. Portanto, imperava a “lei do mais forte”, somente
havendo igualdade “meramente formal” dos contratantes.
3.3 Ambiente saudável

O homem tem o direito de viver em um ambiente saudável, entendendo-se como tal,


aquele ambiente natural e artificial que propicie as condições ideais para o pleno
desenvolvimento da pessoa.
O ambiente de trabalho, bem como as demais condições a que é submetido o
trabalhador, devem obrigatoriamente se traduzir em ambiente e condições que propiciem um plus
com respeito a limites mínimos aceitáveis, em especial no tocante à saúde, abaixo dos quais o
desenvolvimento do trabalho se mostra inaceitável, já que ofende ao princípio da dignidade
humana.
Norma Sueli Padilha, ao estudar o “direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado”,
destaca que é o local onde o homem “interage” e onde “se desenrola boa parte de sua vida”. 132 E
conclui cunhando a expressão “habitat laboral” para o local de trabalho 133. Aos quais são
acrescentados os elementos essenciais da “saúde” e “segurança do trrabalhador”, consoante explicitam
135
João José Sady (134) e Sidney Guerra e Sérgio Guerra ( ).
A todo e qualquer trabalhador deve ser assegurada a condição mínima que garante não
apenas a sua sobrevivência biológica, mas também um trabalho que se mostre digno a começar
por uma justa remuneração.
A OIT, visando o ambiente saudável, tem se empenhado em garantir a igualdade no
trabalho, com a aplicação de seus princípios e direitos fundamentais pelos países membros.
Contudo, na Conferência Internacional do Trabalho da OIT, em sua 100ª reunião no ano
de 2011, em Genebra-Suiça restou patente que ainda há desigualdade no trabalho decorrente do
sexo, raça, origem étnica, migrantes, religiosa, opiniões políticas, por casta social, portadores de
deficiência, soropositivos para AIDS, por idade, por orientação sexual, estilo de vida (obesidade e
136
tabagismo) e por assédio sexual.
O verdadeiro significado do trabalho é aquele que atende às condições essenciais de
proteção à dignidade da pessoa humana, voltado à vida e à saúde do trabalhador.
Sob a dimensão objetiva, o trabalho humano é tomado como produto da força criativa do
homem, o qual domina a natureza, explorando a terra e as suas riquezas. Já sob a dimensão
subjetiva, o resultado do trabalho não existe sem a pessoa que o realiza. Sob a dimensão
subjetiva, o homem passa a ser sujeito de direito, daí se podendo concluir que o trabalho possui
um valor ético.
A sociedade é dinâmica e por conseguinte está sempre se movimentando no sentido de ir
agregando outros valores e fundamentos àqueles já sedimentados havendo por vezes uma
completa ruptura, com a substituição dos valores antigos pelos novos. No mundo do trabalho,
estas mudanças se fazem sentir de imediato e com mais intensidade, visto que afetam o modus
vivendi das relações juslaborativas, até então aplicadas e aceitas como válidas pelos trabalhadores
e empregadores.
A qualidade do trabalho é essencial não só para a pessoa do trabalhador, mas, também
para toda a sociedade. A Agenda Hemisférica do Trabalho Decente para o período 2006-2015, da
OIT, adotada pelos países das Américas deixou assentada a frase impactante que: “la calidad del
trabajo define la calidad de una sociedad” (A qualidade do trabalho define a qualidade de uma
sociedade), frase esta que “repercutiu profundamente durante mencionada conferência”. 137
A desagregação do valor relativo à profissão do trabalhador é algo inusitado, que
certamente provoca uma ruptura daquilo que até então estava sedimentado. Descreve o sociólogo
alemão Ulrich Beck que as pessoas ao travarem os primeiros contatos com um desconhecido,
fazem a pergunta “o que você é?”, sendo que em resposta o interlocutor declina a sua profissão e
sabendo a profissão, “acreditamos saber quem ele (ela) é. A profissão serve de parâmetro mútuo
de identificação” e isto, embora possa parecer curioso, acaba por produzir “a equivalência da
pessoa com a sua profissão”.138
Até o início da década de 90, o trabalhador tinha uma padronização rígida quanto ao
local de trabalho, bem como quanto à sua jornada, num sistema socioindustrial organizado de
modo fabril, havendo nítida separação entre o local de trabalho e a vida privada do empregado.
Contudo, com o amplo uso da informática, estas “fronteiras entre trabalho e ócio se tornam
fluidas” e inúmeras formas de flexibilização (como trabalho em período parcial, temporário, sob
encomenda, trabalho compartilhado, a domicílio, etc) e subemprego ganharam corpo, com a
transferência para o trabalhador dos encargos quanto a sua saúde, ou seja, há “uma privatização
dos riscos que o trabalho oferece à saúde física e psicológica”, já que estas novas relações
trabalhistas são vulneráveis e desorganizadas.139
Com a informática, seja nos escritórios ou em outros locais é “o colega computador que
alivia o trabalho”, segundo Ulrich Beck. 140
Além destas modificações acima, há que se ressaltar que com os avanços do
microprocessamento em eletrônica, a automação chegou para se apossar de forma definitiva do
seguimento que antes era conhecido como trabalho manual ou meramente burocrático. Ficou
mais barato substituir o homem pela máquina e houve uma mudança radical no local de trabalho.
Pedro Paulo Teixeira Manus destaca que a automação deve ser vista como algo positivo,
a qual permite inclusive que o homem seja deslocado para atividades “de maior importância, com
mais comodidade e menor sacrifício”( 141).
Os ciclos econômicos por que sempre passa a sociedade têm demonstrado que em
algumas ocasiões os direitos sociais e fundamentais, que foram conquistados após longos e
custosos processos reivindicatórios pela classe trabalhadora, acabam por ser corroídos pelo poder
econômico, que busca o lucro imediato.
Neste sentido, descreve Vicente de Paula Maciel Júnior:
O homem é visto pelo Mercado apenas em função do que produz ou pode
produzir e não no que representa enquanto ser humano. Cada homem tem seu
preço e alguns não têm valor econômico nenhum, porque pouco ou nada
produzem pelo aspecto econômico.142

A Constituição Federal consagrou a prevalência dos valores sociais do trabalho e a


manutenção da dignidade da pessoa humana (ar. 1º, III e IV) e ainda assegurou no art. 6º o direito
à saúde. Saúde envolve o bem estar do corpo, da alma e da mente.
Como destaca Antonio Herman Benjamin: “No Brasil, como em todo o mundo, o direito
à saúde ocupa patamar máximo no arcabouço constitucional e legal. Perante ele, são limitados e
até inteiramente afastados outros direitos constitucionais [...]”.143
Saúde há que ser entendida como sendo não apenas a ausência de doença, mas envolve
também o bem estar social daquela pessoa. Para a OMS (Organização Mundial da Saúde):”saúde
é o estado de mais completo bem-estar físico, psíquico e social do ser humano”.
No tocante ao aspecto físico, é o mesmo conceito tradicional de saúde, no sentido do
bom funcionamento do corpo humano.
Quanto ao aspecto psíquico, se refere ao bem-estar mental do indivíduo.
Por último, no aspecto social, se refere ao bem-estar da pessoa no tocante aos seus
semelhantes.
A Convenção nº 155 da OIT de 11.08.83, que entrou em vigência no território nacional
em 18.05.93, ao tratar do tema relativo à Segurança e Saúde dos Trabalhadores, definiu no seu
art. 3, letra “e” a saúde da seguinte forma: “o termo saúde, com relação ao trabalho, abrange não
só a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos físicos e mentais que afetam
a saúde e estão diretamente relacionados com a segurança e a higiene do trabalho”.
A Lei Orgânica da Saúde, Lei nº 8.080/90 em seu art. 3º define saúde da seguinte forma:
“A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a
moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o
lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais: os níveis de saúde da população expressam a
organização social e econômica do País" (original sem grifos).
A era de informatização rompeu o frágil equilíbrio entre corpo e mente do ser humano.
O homem se tornou escravo da máquina, sendo por ela dominado e se submetendo ao ritmo por
ela imposta. Como descreve Ercílio A Denny: “enquanto o seu corpo adquiriu um poder
prodigioso, a mente humana permanece a mesma”. 144
De há muito foi deixado para traz o conceito cartesiano da chamada máquina corporal,
com o organismo sendo comparado a uma máquina. Mas, mesmo para Decartes esta máquina
corporal não era apenas um corpo, já que vinha com uma alma a ela incorporada. O termo alma,
neste contexto tem o significado do conjunto de sentimentos positivos e negativos, de desejos,
aspirações, de relações familiares sociais, dentre outros que são próprios de cada pessoa
trabalhadora. Portanto, a alma na máquina, para o filósofo Gilbert Ryle era “o fantasma na
máquina”.145
O conceito de saúde tem caminhado no sentido da vinculação estreita com a denominada
qualidade de vida, que inclui obrigatoriamente, não apenas a ausência de doença, mas o de bem-
viver com abundância de vida.
A fim de que o trabalhador desfrute de saúde e qualidade de vida, mister se faz que
receba um salário digno, isto é, em valor que seja compatível, para que possa manter a si e a sua
família com o mínimo indispensável com dignidade ( Salário mínimo:Inciso IV do art. 7º da
Constituição).

3.3.1 Condições de risco para a saúde do trabalhador

Grande número de condições de trabalho interferem na qualidade de vida e na saúde do


trabalhador. Vão desde aquelas que agridem o seu corpo, bem como aquelas que causam
perturbação em seu psiquismo, até aquelas que, de forma indireta, interferem de forma negativa
no seu convívio familiar ou social.
O trabalho há que ser visto como um meio de se “ganhar a vida” e não de “perdê-la”. O
trabalho não pode se tornar um fim em si mesmo e tampouco há que prevalecer o conceito
econômico em detrimento da saúde e bem-estar do trabalhador.
Ao traçar um paralelo entre o “meio ambiente do trabalho e a dignidade da pessoa do
trabalhador”, Norma Sueli Padilha destaca que:
O respeito à dignidade do trabalhador, cuja força é utilizada nos meios de
produção na busca do desenvolvimento econômico, é direito fundamental, que
deve ser preservado.
A valorização do meio ambiente do trabalho implica uma mudança de postura
ética, ou seja, na consideração de que o homem está à frente dos meios de
produção.146
Conforme Edith Seligmann-Silva:
Assim, paralelamente ao desenvolvimento técnico e ao crescimento econômico
de muitos países, começa a surgir também o questionamento do que vem
acontecendo nos contextos de trabalho e em relação ao meio ambiente: a
dominância de princípios e lógicas econômicas que contrariam prioridades de
ordem ética como o respeito à dignidade e à saúde humana.147

Deve haver um equilíbrio entre a atividade econômica, a qual busca o lucro para poder
se manter e continuar investindo e o trabalho, que necessita de regramentos mínimos a fim de
proteger a parte mais fraca nesta relação que é a pessoa do trabalhador. A busca deste equilíbrio
deve ser permanente, sob pena de a parte mais forte que é o capital impor suas condições e aí não
haverá qualquer respeito pela dignidade da pessoa do trabalhador.

3.3.1.1 Duração do trabalho

O número de horas de trabalho diário, semanal e mensal tem profunda implicação na


saúde do trabalhador, interferindo de forma direta e indireta no seu convívio familiar e social.
Assim é que após séculos de lutas operárias, fixou-se a jornada diária máxima em 8
horas para cada trabalhador, com base inicial não em critério científico, mas tão somente naquele
que dividiu por três as 24 horas do dia. Na Inglaterra, dizia-se na quadrinha: “8 horas de trabalho,
8 horas de descanso e 8 horas de sono”.
Portanto, qualquer acréscimo às 8 horas diárias deve ser visto como exceção à regra e
assim deve ser tratado, já que é fator manifesto de fadiga física-mental do trabalhador,
interferindo diretamente na sua saúde, na qualidade de vida e ainda, sendo considerado como
agravante ao risco a que fica exposta a pessoa a sofrer acidente do trabalho.
Os limites máximos das jornadas diárias e semanal foram elevados à condição de norma
constitucional a partir de 1988. O inciso XIII do art. 7º estipula a jornada diária máxima de 8
horas e a semanal de 44 horas, enquanto o inciso XIV do mesmo art. 7º fixa a jornada diária de 6
horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento.
Cada ser humano tem direito ao seu tempo, entendida a expressão seu tempo como
sendo o seu ritmo. O trabalho continua sendo o principal vetor de integração e da dignidade do
trabalhador, mas, também pode se tornar fator de indisponibilidade da pessoa para o mundo, se
em excesso e não respeitar o tempo reservado ao indivíduo.
Como destaca Francois Ost: “[...] as crescentes tensões que se estabelecem entre os
diferentes tempos sociais: tempo de trabalho e tempo do não trabalho (o primeiro torna-nos
“indisponíveis ao mundo”, o segundo, “excluídos do mundo”). 148
Jornadas de trabalho excessivas levam a uma sobrecarga da pressão psicológica a que
está rotineiramente submetido aquele empregado. Assim, a pessoa que fica conectada ao serviço
durante todo o período em que se encontra acordada, seja através do celular, do notebook ou
outro meio, certamente terá notório prejuízo em sua vida, posto que não está sendo respeitada
sua dignidade.

3.3.1.2 O trabalho noturno e em turnos de revezamento

O trabalho realizado no horário noturno e em turnos de revezamento é muito mais


gravoso do que aquele realizado no horário diurno. Provoca alterações no chamado relógio
biológico do trabalhador, também conhecido como ritmo circadiano. Descreve Sebastião Geraldo
de Oliveira:
[...] o organismo humano está sujeito a diversos ritmos biológicos, que se
repetem em intervalos uniformes, sendo que o ritmo de 24 horas ou
periodicidade diária passou a ser denominado “ritmo circadiano”. Ao longo de
um dia, podem ser acompanhados vários ritmos circadianos: o ritmo vigília-
sono; o ritmo da variação da temperatura oral e cutânea; o ritmo da produção
hormonal; da secreção de sucos gástricos; volume urinário e outros. 149

O trabalho noturno e em turnos de revezamento afeta o sono do trabalhador, que ao


invés de dormir na escuridão e quietude da noite, tem que inverter seu relógio biológico e dormir
durante o dia, com a claridade solar e o burburinho efervescente da sociedade.
Afeta igualmente o apetite, o humor e os relacionamentos familiares e sociais do
trabalhador, provocando sensível perturbação em sua saúde física e mental, tornando-o mais
propenso a desenvolver diversas doenças.
O distúrbio do sono pode levar o trabalhador a se tornar dependente de medicamentos
para conseguir dormir e de outros medicamentos para se manter acordado. Destaca Christophe
Dejours que o pessoal de determinada fábrica, com “problemas de sono”, fazia uso de
medicamentos psicotrópicos: “ansiolíticos durante o dia, soníferos à noite e psicoestimulantes
pela manhã”. 150
Ao descrever as “pausas do trabalho”, Flávio Allegretti de Campos Cooper, inicia sua
explanação da seguinte forma:
Um sábio escreveu que a mente humana é como o arco, não pode estar retesada
o tempo todo ou perderá sua elasticidade. Trabalho excessivo ininterrupto causa
stress com prejuízo acentuado não só à saúde do laborista mas à própria
produção. [...] Yacoca conta que certo diretor da empresa lhe disse trabalhar tão
intensamente que não tinha tempo para férias, ao que pensou: “_ idiota! Para que
ganhar tanto dinheiro se não pode gastá-lo com quem ama?. 151

Estes trabalhos que se mostram desgastantes e que levam à fadiga do trabalhador


poderiam ser realizados em jornadas cada vez mais reduzidas. Porém, o empregador que visa o
lucro de seu empreendimento, não tem interesse em remunerar mais por menos tempo de
trabalho.
Neste sentido, Christiani Marques aduz que esta redução da jornada “evitaria o
agravamento dos problemas físicos e psíquicos ligados ao trabalho, particularmente o aumento
das doenças de sobrecarga como ocorre no stress, burn-out, etc”.152
O trabalho noturno de forma continuada e aquele realizado em turnos de revezamento,
além dos transtornos do sono, pode desencadear um quadro de ansiedade, falta de concentração,
perda gradativa da memória, descontrole e cansaço excessivo, sem que estes sintomas estejam
relacionadas diretamente ao desenvolvimento de alguma doença.
3.3.1.3 Trabalho extraordinário

O trabalhador que após ter cumprido integralmente sua jornada diária, ainda é
convocado para continuar trabalhando em regime de horas extras, fica exposto à fadiga física e
mental, o que aumenta consideravelmente a possibilidade da ocorrência de acidente do trabalho,
além do que este tempo extra dedicado ao trabalho lhe é subtraído do tempo destinado ao
convívio familiar e social, bem como do necessário e recomendável lazer e descanso. Portanto, as
horas extras trazem repercussão direta na saúde do trabalhador.
O inciso XVI do art. 7º da Constituição Federal penaliza o empregador com o acréscimo
de pelo menos 50% para os trabalhos realizados em regime de horas extras.
Contudo, a jornada extraordinária não pode e não deve ser realizada de forma habitual e
constante, sob pena de se desvirtuarem os limites máximos previstos para a jornada diária e
semanal (incisos XIII e XIV do art. 7º da Constituição), bem como de se atentar contra o
princípio insculpido no inciso XXII do art. 7º da C.F., que estipula o dever de se procurar reduzir
os riscos inerentes ao trabalho. Ora, se a jornada extraordinária aumenta os riscos de acidente,
posto que trabalho excessivo gera fadiga, torna-se óbvio que o instituto das horas extras somente
deva ser tolerado se praticado de forma esporádica e não habitual.

3.3.1.4 Trabalho insalubre, perigoso e penoso

Há trabalhos que pela sua natureza, ou pelas condições ambientais ou ainda pelos tipos
de produtos e materiais que devem ser produzidos, interferem significativamente na saúde e até
mesmo na vida do trabalhador.
Incontáveis produtos e substâncias se mostram nocivos à saúde do ser humano, enquanto
outros produtos representam risco iminente para a própria vida, e finalmente, determinadas
profissões ou trabalhos interferem na condição física e psíquica do empregado, tornando o labor
extremamente penoso.
a) Trabalho insalubre

O trabalho realizado em condições insalubres vai paulatinamente minando a saúde do


trabalhador, já que, a cada dia, a pessoa recebe mais uma dose de poluente, que irá se somar
àqueles já recebidos nos dias e meses anteriores.
O Ministério do Trabalho classifica os agentes insalubres em três grupos:
b- agentes físicos – como exemplo tem-se o ruído, o calor, o frio, a umidade, as
radiações, e as vibrações;
b- agentes químicos – como a poeira, os gases e vapores, névoas e fumos;
c- agentes biológicos – como os vírus, bactérias e microorganismos.
Está a se tutelar apenas e tão somente as agressões sofridas pelo físico do trabalhador,
não se podendo deixar de consignar que os três grupos dos agentes insalubres podem também
minar a psique do trabalhador e aí se estaria diante do que Sebastião Geraldo de Oliveira cunhou
como “insalubridade psíquica”. Contudo, a legislação ainda não contempla esta última forma de
insalubridade.
O trabalhador que ficou exposto a condições insalubres por décadas, certamente ao final
de sua carreira profissional conseguiu duas coisas: perdeu a saúde e ganhou a velhice.

b) Trabalho Perigoso

Os fatores geradores da periculosidade têm efeitos instantâneos sobre o organismo


humano, oferecendo risco à própria vida.
Assim, todo trabalhador que fique por exemplo exposto ao risco de produtos
inflamáveis, explosivos, bem como aos relativos a energia elétrica, dentre outros, pode a
qualquer momento ser vítima de acidentes de proporções imprevisíveis, os quais não raro
atingirão sua própria vida.
Diferentemente da insalubridade que em doses pequenas, mas constantes, vai minando a
saúde do trabalhador, no caso da periculosidade é a vida da pessoa que está em risco.
Quando o evento danoso ocorre, como por exemplo numa explosão, incêndio ou
choque elétrico, traz consequências imediatas e na maioria das vezes de proporções destruidoras
para a vida do trabalhador, podendo levar à morte ou deixar sequelas gravíssimas.
c) Trabalho Penoso

Apenas a Constituição de 1988 estabelece no inciso XXIII do art. 7º que o trabalho


penoso deva receber um adicional. Contudo, já decorridos mais de 22 anos da promulgação da
Constituição, o legislador ordinário ainda não disciplinou esta matéria, em que pese tenham
tramitado incontáveis projetos no Legislativo.
Na prática, apenas a Previdência Social tem reconhecido o trabalho penoso para efeitos
de benefícios previdenciários, já que há total ausência de legislação trabalhista no tocante ao
tema.
Christiani Marques conceitua o trabalho penoso da seguinte forma:
Como aquele relacionado à exaustão, ao incômodo, à dor, ao desgaste, à
concentração excessiva e à imutabilidade das tarefas desempenhadas que
aniquilam o interesse, que leva o trabalhador ao exaurimento de suas energias,
extinguindo-lhe o prazer entre a vida laboral e as atividades a serem executadas,
gerando sofrimento, que pode ser revelado pelos dois grandes sintomas:
insatisfação e a ansiedade.153

Ainda em Christiani Marques se encontram exemplos de atividades que se enquadram


no perfil do trabalho penoso, como a dos motoristas e cobradores do transporte público, os
motoristas de táxi, bancários, telefonistas e assemelhadas, metroviários, altos executivos,
professores, operadores do mercado financeiro, piloto de avião de caça, além de todos aqueles
que trabalham em turnos ininterruptos de revezamento.
Evidentemente que nesta relação não poderiam faltar os cortadores de cana, profissão
amplamente disseminada no centro-sul do país, que durante a safra (7 a 8 meses em cada ano)
exercem sua atividade a céu aberto, desferindo diariamente milhares de golpes com o facão de
corte, respirando poeira e fuligem da queimada da cana, com movimentos do corpo que levam à
exaustão física e psíquica.
3.3.1.5 Riscos à psíque e ao bem-estar

O empregado passa a maior parte do dia no local de trabalho e por conseguinte além de
estar em constante processo de interação com as pessoas e o meio ambiente, também recebe
destes uma grande carga de influência, a qual poderá ser positiva ou negativa.
São situações que fazem parte daquele ambiente do trabalho, bem como da chamada
cultura daquela unidade laborativa, com as quais o empregado é obrigado a conviver e em geral
nada pode fazer para alterar aquele quadro. Parte destas pode afetar o aspecto psicológico e
outras afetam de imediato apenas o bem estar físico do indivíduo trabalhador.

a) Riscos à psíque

São as ações ou omissões do superior hierárquico ou de colegas de trabalho que podem


representar um risco ao elemento psicológico do trabalhador, colocando-o em determinadas
situações constrangedoras, humilhantes, degradantes, enfim, que o exponham ao ridículo perante
as demais pessoas.
Assim, o superior hierárquico que constantemente fica cobrando o atingimento de metas
ou estabelece volume absurdo de tarefas a serem cumpridas, que trata os trabalhadores com
rispidez ou com uso de palavrões ou ainda, que trata as pessoas com “apelidos” pejorativos, que
ofende as pessoas, dentre outros tantos comportamentos inadequados ao ambiente de trabalho,
está atingindo o elemento psicológico do empregado. O linguajar popular rotulou este superior
hierárquico de “chefe tóxico”.
Ainda sobre o “chefe tóxico”, pode-se afirmar que é aquele superior hierárquico que
acaba desrespeitando seus subordinados quer seja no tom de voz, no discurso, na centralização
excessiva, que sempre “é o dono da verdade”, mau humorado, rancoroso, inseguro, que põe a
culpa nos outros, arrogante, que faz críticas destrutivas, que toma decisões desastrosas, ou seja,
em suma ultrapassa a linha tênue da pressão por resultados e acaba por desrespeitar a dignidade
da pessoa humana;
As gerências que procuram adotar apenas os conceitos econômicos, em geral, estimulam
e exacerbam a competição entre os empregados, superexplorando a força de trabalho, levando
fatalmente ao aumento do cansaço pela intensificação das tarefas, com danos à saúde mental dos
trabalhadores. Ainda como desdobramento desta busca por eficiência econômica, as gerências
também incentivam o aumento da produtividade. Ao final, a grande vítima deste gerenciamento
desgastante é a saúde do trabalhador.
Edith Seligmann-Silva, ao abordar o tema relativo à precarização das relações de
trabalho e seus reflexos, afirma que “a saúde sofre os impactos decorrentes da desregulamentação
e da flexibilização do trabalho” e que com esta mudança de paradigma, aqueles princípios, nos
quais sempre se assentou a sociedade, são minados em seus alicerces e conclui aduzindo que “o
que era sólido se desmanchou no ar”.154
Na era da informática e robotização das tarefas, há uma parcela significativa dos
trabalhadores que se sentem inúteis e frustados ante estas máquinas. Também o trabalho
repetitivo é fonte de insatisfação e por conseguinte porta de entrada para a doença. Neste sentido,
Christophe Dejaurs ao abordar o “tema da indignidade operária” descreve:
Sentimento experimentado maciçamente na classe operária: o de vergonha de ser
robotizado, de não ser mais que um apêndice da máquina, às vezes de ser sujo,
de não ter mais imaginação ou inteligência, de estar despersonalizado etc. É do
contato forçado com uma tarefa desinteressante que nasce uma imagem de
indignidade. A falta de significação, a frustração nascísica, a inutilidade dos
gestos ...155

Christiani Marques, ao estudar as diversas transformações por que já passou o mundo do


trabalho, descreve que após “a substituição do trabalho humano por máquinas”, ainda surgiram
“novas formas de controle” por parte do empregador, tais como:
Pressões exercidas a partir da própria clientela; autovalorização; prestígio;
esperanças de ascensão na carreira; leis do mercado; sofisticação tecnológica;
formas de controle de qualidade; harmonização dos sentimentos de aspiração,
idealização, gratidão, lealdade e valores dos empregados com os objetivos da
produção, gerando papel importante na identificação do trabalhador e da
empresa.156

O trabalhador, como ser humano, é portador de projetos, esperanças e desejos, os quais


não devem ser ignorados pelo seu empregador, sob pena de se bloquear a saudável relação
homem-trabalho.
Toda esta mudança brusca de paradigma nas relações de trabalho, com as significativas
mudanças tecnológicas, em que as pessoas não conseguem acompanhar o excesso de informações
a que são bombardeadas diariamente através dos e-mails, celulares, internet, além dos outros
meios de informação já existentes, chega-se ao ponto do trabalhador se sentir fatigado, ansioso e
impotente, mesmo estando fora do trabalho.
Alain Supiot se reporta ao termo ubiquidade para constatar que as referências ao tempo
(de trabalho e fora do trabalho) e de lugares (do trabalho e fora do trabalho) restam erodidas, já
que estas fronteiras, que antes eram bem delimitadas, agora “transportam o Homem para um
mundo virtual onde não há dia, nem noite, nem distância” e que enquanto as “faculdades mentais
do homem são transportadas” o “seu corpo biológico fica ali, sentado atrás de um monitor de
vídeo ou pendurado num celular, indisponível para as trocas com seu meio ambiente
imediato”.157
Neste novo contexto, o homem tem que estar disponível em todo tempo e em todo lugar
para trabalhar, já que o serviço pode ser realizado indistintamente na empresa, em casa, no metrô
ou em qualquer outro local, havendo por conseguinte uma inversão de paradigma, com a
adaptação do homem ao trabalho.
A porta está inicialmente aberta para a instalação do “stress”, do mobbing (terror
psicológico no trabalho) e do burnout (síndrome do esgotamento profissional) e a seguir para a
manifestação de doenças cardíacas, derrame, enfarte, obesidade e úlceras, dentre outras. É a
saúde do trabalhador acenando que não consegue suportar este ritmo avassalador. Há uma
inversão de paradigma, e nesta insensata rotina, a “carreira profissional” vem antes da “família e
da saúde”.
O trabalho passa a ser o motivo do conflito que se instala entre o indivíduo tomado em
sua singularidade de pessoa humana e o ser trabalhador, que necessita trabalhar para prover o
próprio sustento. Há a ruptura do princípio geral de que o trabalho deve ser adaptado ao homem
As empresas não estão preparadas para resolver este conflito, o qual tampouco é mediado pelo
sindicato dos empregados e desagua no Judiciário Trabalhista.
E, no caso acima, cabe ao Judiciário Trabalhista observar as normas jurídicas, sejam elas
regras ou princípios, conforme destaca Edinilson Donisete Machado: “[...] a única forma de se
evitar que haja efetivamente um desvio na decisão judicial para o campo da política [...] é a
observância do ordenamento, por via das regras e princípios”. 158 A decisão judicial visa recompor
o equilíbrio rompido, interpretando e aplicando os princípios constitucionais ante o caso
concreto, tendo por escopo estender os seus efeitos ao meio ambiente do trabalho e também ao
campo social.
Se durante a Revolução Industrial, o Direito do Trabalho surgiu para se interpor entre a
máquina e o corpo do trabalhador, agora, ante a avassaladora invasão tecnológica o perigo se
desloca do corpo físico para a integridade intelectual do empregado.

b) Riscos ao bem-estar

Há incontáveis situações em que o ambiente ou a unidade de trabalho, embora, não


possa ser classificado como insalubre, penoso ou perigoso, apresenta condições e elementos que
tornam o trabalho mais cansativo, tedioso, moroso, irritante, estressante, gerando desconforto e
gravame, as quais não são previstas e tampouco punidas pela legislação.
O local de trabalho que se mostre, por exemplo, com temperaturas ambientes torna a
permanência por longas horas extremamente desconfortável, nos dias em que houver calor ou frio
excessivos, embora todos estejam à sombra, o que influi no bem estar dos trabalhadores e
compromete sensivelmente o rendimento dos mesmos.
Ainda, o local que apresente vibrações ou ruídos constantes, sejam do sistema de ar-
condicionado, dos ventiladores, do trânsito intenso ou de outras máquinas e equipamentos,
embora, abaixo dos limites de tolerância, também se caracteriza como uma condição irritante
para o desempenho das atividades cotidianas.
Há as atividades que por si só apresentam maior risco para a integridade física do
trabalhador, como é o caso, por exemplo, da construção civil, das atividades em alto-mar, dos
trabalhos em escavação em profundidades. Por conseguinte, o corpo do empregado fica exposto a
maior risco de acidente do trabalho com ferimento, fratura, asfixia, queimadura, afogamento e até
mesmo a morte.
Igualmente, as instalações que fabricam ou manipulam produtos químicos, sem que
sejam adotadas as mais completas medidas de proteção, poderão servir como causa ou concausa
das doenças que só se manifestarão a longo prazo, como os casos de câncer ou de envelhecimento
precoce, por exemplo.
Situação peculiar de risco ao bem-estar dos trabalhadores de determinada organização
empresarial se dá no tocante à chamada “política de pessoal” adotada pela empresa.
Assim, de forma exemplificativa, a “política de pessoal”, que no momento de promover
algum funcionário, procura valorizar o que se denomina de “capital erótico” das mulheres em
detrimento do universo masculino e daquelas outras trabalhadores que embora pertençam ao sexo
feminino, não foram aquinhoadas pela natureza com este mesmo “capital erótico”.
No exemplo acima, evidentemente que aquelas mulheres que se destacam pela beleza,
pela atratividade sexual, pela aparência, pelo comportamento, pela malícia, pela forma de se
trajar, pelo bom humor e habilidade social, no momento de buscarem uma promoção funcional
estarão em franca vantagem na concorrência com as outras colegas de trabalho que não reunam
estes atributos (“capital erótico”), bem como com os colegas do sexo masculino.
Normalmente, esta “política de pessoal” é feita de forma dissimulada, velada, oculta e
não de forma aberta e procura justificar a escolha final da candidata, apenas e tão somente
respaldada em supostos critérios técnicos. Evidentemente que há uma discriminação com os
demais trabalhadores e com o passar dos anos certamente gerará um ambiente do trabalho
desconfortável, desestimulante e propício ao desenvolvimento de doenças, em especial aquelas
relacionadas ao sistema nervoso.
Ainda que provar esta discriminação seja tarefa árdua, em sua defesa, os homens
poderão invocar a Constituição Federal no tocante a “igualdade de direitos e obrigações” inserta
no inciso I do art. 5º e a “proibição de diferença de salário ou de exercício de função” prevista no
inciso XXX do art. 7º, enquanto as demais mulheres privadas do “capital erótico” argumentariam
com a norma inserta no inciso IV do art. 3º, o qual proíbe “outras formas de discriminação”.

3.3.2 Monetarização do risco

Convive-se pacificamente com a monetarização do risco, através do pagamento de


adicionais de insalubridade e periculosidade, ao invés de se buscar a transformação do meio
ambiente do trabalho, a fim de que sejam preservadas a vida e a saúde do trabalhador.
Ainda hoje, em geral, os salários são baixos frente às crescentes necessidades dos
trabalhadores, o que leva estes últimos a aceitarem e a desejarem de bom grado o pagamento dos
adicionais decorrentes das atividades insalubres e perigosas. Igualmente, os trabalhadores
engordam seus salários com os adicionais de horas extras e noturnos.
Ressalte-se que nas atividades penosas não há previsão legal para o pagamento de
qualquer adicional e, portanto, estes trabalhos são realizados sem que o empregador seja onerado.
Estas tarefas são realizadas como se fossem plenamente salubres e em nada afetassem a vida
física, psíquica e social do empregado.
Para Edith Seligmann-Silva, o dinheiro passa a ser valorizado como “entidade contábil”
e o trabalhador, mesmo “quando entram em questão” a sua “saúde e integridade física e mental”,
pelo sistema de dominação capitalista, acaba por ser “levado a aceitar que as condições de
insalubridade, os riscos de vida (periculosidade) e a própria penosidade do trabalho sejam pagos
em dinheiro, em vez de exigir a transformação das condições de trabalho”. 159
Para diversos doutrinadores, se aceito o paradigma de que os valores da preservação da
vida e da saúde humana têm um preço, estaria configurada uma questão de ordem ética de difícil,
senão impossível solução.
E a ética no trabalho passa obrigatoriamente pela ética empresarial, a qual deve estar
voltada na busca do bem comum do empresário, do trabalhador e do consumidor. O Prof. da
UNIMEP, Ercílio A Denny afirma que “O fim da empresa, [...] consiste em satisfazer as
necessidades humanas com qualidade, criando riquezas”, para logo a seguir destacar que “a
lógica da empresa é necessariamente ética”. 160
Neste mesma linha, Giovanni Caso e Lafayette Pozzoli ao analisarem a ética social e em
particular a ética empresarial, no tocante “à vida interna a empresa”, afirmam que: “espera-se
que os ritmos, as modalidades e os ambientes de trabalho respeitem a dignidade da pessoa do
trabalhador, que a produção sirva ao ser humano e às suas necessidades reais, que a empresa
seja uma verdadeira comunidade de pessoas.”161
Para aqueles trabalhos que não podem ser eliminados, em razão da importância que
apresentam para o conjunto produtivo, há que necessariamente haver uma compatibilização
visando minimizar os riscos daí decorrentes.
Christini Marques descreve que, em face da existência de determinadas atividades que
geram risco para a saúde do trabalhador, não há que atribuir ao empregador a condição de vilão:
A monetarização do risco pode levar a crer que a saúde tem um preço quando
realizado o pagamento de um adicional. Ressalta-se novamente que não se está
dizendo ser o empregador o grande vilão da história da humanidade, pois
existem inúmeras atividades que não possuem condições de eliminação total dos
riscos gerados pelos agentes agressivos. 162

Vicente de Paula Maciel Júnior, se referindo ao empregador, aduz que “É muito mais
caro e trabalhoso tomar medidas de eliminação dos riscos gerados por agentes agressivos à saúde
do que simplesmente pagar os adicionais estabelecidos em lei”, e conclui citando uma expressão
do professor de medicina do trabalho francês Camille Simonin para quem o adicional de
insalubridade é um “adicional do suicídio”.163
O princípio constitucional insculpido no inciso XXII do art. 7º prevê expressamente a
“redução dos riscos inerentes ao trabalho ...”. Por conseguinte, para que se dê fiel cumprimento a
este princípio, o empregador tem o dever de adotar medidas coletivas que eliminem ou reduzam
drasticamente os riscos da atividade laboral, com a mudança do maquinário e dos processos
produtivos, com a adoção de medidas preventivas de âmbito coletivo, para só então, como última
etapa, fornecer os EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) e pagar os adicionais de risco.
Por força da aplicação do princípio constitucional da “redução dos riscos inerentes ao
trabalho”, o pagamento do risco consubstanciado nos adicionais seria exceção à regra, visto que
toda a atividade e o correspondente meio ambiente do trabalho deveriam ser salubres e totalmente
voltados à manutenção da vida sadia.
A se manter a confortável posição empresarial, como flagrante desrespeito ao Inciso
XXII do art. 7º da Constituição Federal, haveria a inversão do paradigma atual que consagra a
ideologia utilitarista com a monetarização do risco, para o da humanização das relações de
trabalho.
3.4 Das decisões judiciais

Ao Poder Judiciário compete dirimir todas as controvérsias decorrentes do meio


ambiente do trabalho, sejam elas de natureza individual, coletiva e que visem assegurar direitos
subjetivos ou difusos.
Se anteriormente os Princípios eram aplicados apenas de forma complementar e
assessória, com o advento da Constituição Federal de 1988, as decisões judiciais foram sendo
forjadas com uma leitura mais aberta e abrangente e os valores insertos nos Princípios
Constitucionais, quer de per si, ou como Regras, pouco a pouco, foram se firmando como a base
de sustentação de todo o ordenamento jurídico.
Um mesmo e único ser humano, se tomado de forma segmentada, pode figurar em
múltiplos e variados papéis sociais. Assim, por exemplo, uma mulher pode ser esposa e mãe no
seio familiar, motorista no trânsito, sócia e atleta de um clube esportivo, aluna em escola de arte
e também, acumular a função de arquiteta em empresa construtora, dentre outras tantas
atividades.
O interesse do presente estudo é voltado para a condição de arquiteta empregada,
tomada de forma individual ou coletiva em seu “habitat laboral” e de forma reflexa, quais as
consequências que este trabalho causa na pessoa física como ser humano, bem como os
desdobramentos que pode implicar nos demais papéis por ela desempenhado fora do ambiente de
trabalho.

3.5 Conclusão do capítulo III

O meio ambiente do trabalho se encontra inserto na Constituição de forma mediata e de


forma imediata.
De forma mediata estabelece o “caput” do art. 200 a competência do sistema único de
saúde, enquanto o inciso VIII do mesmo artigo fixa a proteção ao meio ambiente, nele
compreendido o do trabalho. E o art. 7º, XXII impõe a obrigatoriedade do empregador adotar
medidas visando a redução dos riscos inerentes à sua atividade.
Enquanto que de forma imediata, o art. 225 “caput” e § 1º, V determina a busca por uma
sadia qualidade de vida em meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O meio ambiente do trabalho não pode ser equiparado a uma coisa sem dono (“res
nullius”) e tampouco pode ser objeto de comércio, dada a sua importância para saudável
qualidade de vida dos trabalhadores.
O trabalho funciona como importante condição de integração do homem na sociedade,
mas, há que ser um trabalho digno, que respeite a dignidade da pessoa do trabalhador.
Na relação capital x trabalho, o paradigma a ser observado deve enfocar a pessoa do
trabalhador e não simplesmente o resultado do trabalho, para que se atinja a sadia qualidade de
vida.
Ao empregador, acima de qualquer outro, cabe o dever legal de adotar todas as
providências possíveis e necessárias a fim de eliminar ou reduzir drasticamente as condições de
riscos inerentes ao trabalho. Não há como buscar tão somente o lucro imediato.
Estas providências envolvem tanto os riscos já conhecidos, conforme estipula o
princípio ambiental da prevenção, como os riscos ainda desconhecidos pela ciência, consoante
estabelece o princípio ambiental da precaução.
Pelo princípio ambiental do poluidor-pagador, como em qualquer atividade humana, não
há “risco zero”, se advierem danos, ao empreendedor caberá arcar diretamente com as
indenizações correspondentes, não lhe sendo lícito transferir este encargo para toda a sociedade.
Aplica-se a internalização dos prejuízos e não a sua externalização.
De longa data, os estudos das condições físicas, psíquicas e morais dos trabalhadores
tem comprovado que determinadas situações presentes no ambiente do trabalho servem como
causa ou concausa para incontáveis transtornos na saúde dos empregados.
O ambiente do trabalho ou o “habitat laboral” deve proporcionar o bem estar da pessoa
do trabalhador e nunca ser fator de risco à vida e saúde do empregado.
Saúde, que deve ser tomada em seu sentido amplo e não apenas no conceito restrito de
ausência de enfermidade, consoante estabelecem o art. 6º da Constituição e a Convenção nº 155
da OIT, já que deve se pautar sempre pela busca da sadia qualidade de vida.
Aos agentes sociais, em particular ao empregador, cabe adotar todas as providências
para eliminar e reduzir os riscos e somente como última medida deverá adotar a monetarização
do risco. O paradigma deve ser o de prevenir para não pagar e não o pagar para não prevenir.
CAPÍTULO 4 - ANÁLISE CRÍTICA DA JURISPRUDÊNCIA

4.1 Supremo Tribunal Federal - STF

4.1.1 O Princípio da Precaução no Direito Ambiental

4.1.1.1 - Acórdão na Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.540-1/DF do


S.T.F., da relatoria do Ministro Celso de Mello e julgado em 01.09.2005:
E M E N T A: MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA
INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR
SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA
GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O
POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE
A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA
COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS
TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III)
- ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES
PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL
DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS,
AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES
NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE
RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS
JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES
ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA
(CF, ART. 225) - COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS
DE SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES
CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS DIREITOS BÁSICOS DA
PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU
DIMENSÕES) DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) - A QUESTÃO DA
PRECEDÊNCIA DO DIREITO À PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE:
UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À ATIVIDADE
ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) - DECISÃO NÃO REFERENDADA -
CONSEQÜENTE INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA
CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO
AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO
FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À GENERALIDADE DAS PESSOAS. -
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um
típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo
o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria
coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das
presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter
transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é
irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da
coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito
ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem
essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A ATIVIDADE
ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS
PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO
MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser
comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações
de índole meramente econômica, ainda mais se tiver presente que a atividade
econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada,
dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio
ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções
de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial
(espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos
de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva
do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe
são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde,
segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves
danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto
físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF,
ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE
DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO
DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS
DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de
impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte
legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e
representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia
e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando
ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma
condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo
essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à
preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade
das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O
ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.166-
67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE
PRESERVAÇÃO PERMANENTE. - A Medida Provisória nº 2.166-67, de
24/08/2001, na parte em que introduziu significativas alterações no art. 4o do
Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados
no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que
permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito
das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e
lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama
proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o
texto constitucional, pelo diploma normativo em questão. - Somente a alteração
e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente
protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da
Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. - É lícito ao
Poder Público - qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione
na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios)
- autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de
serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que,
além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente
estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que
justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção
especial (CF, art. 225, § 1º, III). (ADI 3540 MC, Relator(a): Min. CELSO DE
MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2005, DJ 03-02-2006 PP-00014
EMENT VOL-02219-03 PP-00528)

Análise crítica do acórdão:


A Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (Proc. nº 3.540-1/DF) foi
interposta pelo Ministério Público Federal, visando a declaração de inconstitucionalidade da nova
redação atribuída ao art. 4º, caput, e §§ 1º a 7º, da Lei nº 4.771/65 (Código Florestal), por força
da Medida Provisória nº 2.166-67 de 24.08.01.
Em apertada síntese, a Medida Provisória nº 2.166-67 passou a permitir que o Poder
Público (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), através de singelo procedimento
administrativo, e nos casos de utilidade pública ou de interesse social, autorizasse o corte da
vegetação da área de preservação permanente, inclusive para exploração econômica, sem que
houvesse necessidade de edição de lei específica para esta finalidade. O Ministério Público
aduziu que a nova redação vulnerava o disposto no art. 225 da Constituição Federal, que protege
o meio ambiente.
Durante as férias forenses de julho de 2005, o Ministro Nelson Jobim, na condição de
Presidente do STF e ad referendum do Pleno, suspendeu cautelarmente a eficácia da nova
redação atribuída ao caput e aos §§ 1º a 7º do art. 4º da Lei nº 4.771/65, sob o argumento de que
“a extração de minério causa danos irreparáveis e irreversíveis ao meio ambiente [...]” e que “A
Constituição Federal impõe ao Poder Público o dever de defender e proteger o meio ambiente
para as presentes e futuras gerações (art. 225, caput, da C.F.)”. Na sessão de julgamento, o
Ministro Nelson Jobim modificou o seu entendimento e acompanhou o voto do Ministro Relator.
O voto do Ministro Relator, Celso de Mello, no sentido da constitucionalidade da nova
redação, por restar incólume o princípio da precaução, foi seguido pelos demais Ministros, com
exceção dos Ministros Marco Aurélio e Ayres Britto, que apresentaram divergência no sentido de
declarar a inconstitucionalidade dos dispositivos legais ora questionados.
Embora o acórdão não mencione o princípio da precaução de forma expressa, restou
patente a sua aplicação no voto do Ministro Relator, ao compatibilizar o desenvolvimento
econômico com a preservação do meio ambiente, ressaltando que não seria viável a edição de lei
para cada árvore que fosse cortada e, por conseguinte, ante o princípio constitucional da
proporcionalidade, a Medida Provisória nº 2.166-67, ao permitir que o órgão Público passasse a
autorizar a exploração econômica, por simples procedimento administrativo, não violaria a
Constituição Federal.
O acórdão analisou e ponderou o alegado conflito existente entre os Princípios
Constitucionais do Desenvolvimento Nacional (art. 3º, II da CF) e da Ordem Econômica (art. 170
da CF), com a Defesa do Meio Ambiente (art.170, VI da CF) e o Princípio da Precaução na
defesa do meio ambiente (art. 225 da CF), bem como cotejou a legislação infraconstitucional.
A alteração legislativa implementada pela Media Provisória nº 2.166-67, ao abolir a
exigência de lei em sentido formal e permitir que a União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, através de singelos procedimentos administrativos, pudessem autorizar a exploração
econômica nas áreas de preservação permanente, inclusive com a supressão da vegetação
existente, trouxe consigo a justa preocupação do Ministério Público Federal de que, a partir de
então, o meio ambiente ficaria vulnerável aos caprichos da atividade econômica. Esta
preocupação com o “futuro incerto” quanto ao risco que estaria correndo o meio ambiente,
insere-se exatamente no conteúdo do Princípio da Precaução.
A maioria dos Ministros, após valorarem os diversos dispositivos sopesados, concluíram
que a nova legislação não era portadora da “preocupação” alardeada pelo Ministério Público e,
por conseguinte, a mesma não era violadora do Princípio da Precaução. Entretanto, há que se
enfatizar que o acórdão não menciona expressamente o Princípio da Precaução.
No acórdão, resta patente a aplicação do Princípio Constitucional da Proporcionalidade
quando os Ministros afastaram a necessidade de lei em sentido formal para o corte de cada uma
das árvores da área de preservação permanente.
A contrário sensu, se prevalecesse a exigência de lei específica para o corte de cada
árvore, evidentemente restaria violado o Princípio da Proporcionalidade com o uso abusivo do
poder de polícia atribuído ao Estado. Oportuna a máxima de Fleiner: “não é dado ao Estado
abater com um fuzil um pardal”. 164
Com o devido respeito que merecem os ilustres e cultos Ministros divergentes, a melhor
solução foi sem dúvida aquela encontrada pelo Ministro Relator, posto que sopesou os diversos
valores e institutos jurídicos envolvidos, buscando a maior otimização possível com a aplicação
dos princípios da ponderação, da proporcionalidade e da precaução, sem permitir que fossem
sacrificados quaisquer destes princípios.
Os dois votos divergentes tomaram o princípio da precaução de forma insular e
meramente conceitual, partindo da premissa de que o meio ambiente é intocável e, por
conseguinte, o princípio constitucional que assegura a atividade econômica (art. 170, inciso VI da
CF) deve ceder ante o princípio maior da preservação do meio ambiente (art. 225 da CF).
Se levada ao extremo a interpretação elaborado pelos dois Ministros divergentes, restaria
seriamente abalada a unicidade e harmonia dos diversos princípios insculpidos na Constituição
Federal, já que o princípio da atividade econômica foi descartado, a priori, sem que tivesse
havido sequer a aplicação da ponderação de princípios.
À luz da hermenêutica constitucional, os votos divergentes não buscaram a
proporcionalidade na ponderação destes valores e, portanto, a atividade econômica foi
“aniquilada” do Direito Constitucional.
O STF concluiu no acórdão que a nova legislação estava em perfeita harmonia com os
Princípios Constitucionais, em especial com o Princípio que garante a preservação do meio
ambiente, sendo que o Poder Público deveria sempre observar o Princípio da Precaução ao
analisar as atividades econômicas que se pretendam instalar nas áreas de preservação permanente,
sem, contudo, impedir o desenvolvimento econômico e a livre iniciativa.
4.2 Superior Tribunal de Justiça - STJ

4.2.1 O princípio da prevenção no meio ambiente do trabalho

4.2.1.1 Recurso Especial nº 171.927 – SC (1998/0029750-2) - Relator: Ministro Herman


Benjamin (Julgado em 06.02.2007)

ADMINISTRATIVO. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. PENALIDADE


ADMINISTRATIVA IMPOSTA AO EMPREGADOR POR ÓRGÃO DE
FISCALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO. EMENDA
CONSTITUCIONAL 45/2004. EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO
INDIVIDUAL - EPI. FORNECIMENTO E USO OBRIGATÓRIOS.
CONTROLE DO USO. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. ART.
19, § 1º, DA LEI 8.213/91. ARTS. 157, 158, 200 E 632, TODOS DA CLT.
NORMA REGULAMENTAR NR 6 DO MINISTÉRIO DO TRABALHO.
PODER DISCIPLINAR E PODER CONTROLADOR DO EMPREGADOR.
AMPLA DEFESA ASSEGURADA. CULPA IN VIGILANDO
COMPROVADA. INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL NO
PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO. INUTILIDADE DA PROVA
PRETENDIDA.
1. Compete ao Superior Tribunal de Justiça julgar recurso envolvendo
penalidade administrativa imposta aos empregadores por Órgão de fiscalização
das relações de trabalho, quando houver sentença de mérito proferida antes da
promulgação da Emenda Constitucional 45/2004. Precedentes do STF e do STJ.
2. É cabível a aplicação de sanção administrativa ao empregador que, embora
coloque EPI à disposição do empregado, deixa de fiscalizar e fazer cumprir as
normas de segurança, aí incluído o controle do uso efetivo do equipamento.
3. No campo da segurança do trabalho, por força da sistemática do Estado
Social, ao empregador impõe-se a obrigação primária de zelar, de forma ativa e
insistente, pela saúde e segurança do trabalhador.
4. A obrigação primária de zelo pela saúde e segurança do trabalhador compõe-
se de um conjunto de obrigações secundárias ou derivadas, organizadas em
modelo pentagonal, dotadas de conexidade recíproca e qualificadas como de
ordem pública e interesse social: obrigação de dar (=fornecimento do EPI, troca
incontinenti na hipótese de avaria, e manutenção periódica), obrigação de
orientar (= dever de educar, treinar e editar as necessárias normas internas, bem
como de alertar sobre as conseqüências sancionatórias da omissão de uso),
obrigação de fiscalizar (= dever de verificar, sistemática e permanentemente, o
uso correto do equipamento), obrigação de punir (= dever de impor sanção
apropriada ao empregado que se recuse a usar ou use inadequadamente o EPI), e
obrigação de comunicar (=dever de levar ao conhecimento dos órgãos
competentes irregularidades no próprio EPI e no seu uso).
5. Eventual culpa concorrente do trabalhador não exclui, nem mitiga, a
reprovabilidade social da conduta do empregador-infrator. Inocorrência,
ademais, de responsabilidade administrativa objetiva, pois na hipótese dos autos
está plenamente demonstrada a culpa in vigilando da empresa.
6. No que se refere às exigências de EPI, o empregador, para dizer-se em plena
sintonia com o espírito e conteúdo do ordenamento jurídico de tutela do
trabalhador exposto a riscos, precisa cumprir, de maneira cumulativa e
simultânea, as obrigações de dar, orientar, fiscalizar, punir e comunicar.
7. Não contraria o princípio constitucional da ampla defesa ato da autoridade
administrativa que indefere requerimento para produção de prova testemunhal
em que se pretendia comprovar o fornecimento de EPI e a edição de norma
interna obrigando o seu uso pelos empregados. Prova incapaz de derrubar a
autuação, alicerçada em imputação diversa daquela a que se relaciona a
pretensão probatória.
8. Reconhecimento da legalidade da autuação lavrada pela DRT – Delegacia
Regional do Trabalho.
9. Recurso Especial conhecido e provido.

O acórdão trata do meio ambiente do trabalho saudável e seguro, ante os princípios da


prevenção e da dignidade da pessoa humana insculpidos na Constituição Federal (art. 1º, inciso
III, art. 6º caput e art. 7º, inciso XXII) e na legislação infraconstitucional (art. 157 e 158 da CLT,
NR 6, itens 6.6 e 6.7 da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho).
E como reforço de argumentação, o acórdão aborda o princípio constitucional da
solidariedade (art. 3º, inciso I), ressaltando ser este um dos “objetivos” da República Federativa
do Brasil e que, por conseguinte, “No caso específico da proteção da saúde e segurança do
trabalhador, a solidariedade exprime um sentido de dever, que recai sobre o empregador, mas que
aproveita a este e a toda sociedade”. Este dever representa na atualidade “uma verdadeira
obrigação social”.
De forma cristalina e pertinente, o v. acórdão foi buscar o esquecido e pouco citado
princípio constitucional da solidariedade apenas para reforçar na sedimentação da interpretação
efetuada ao caso sub judice.
Em apertada síntese, o empregador foi autuado pelo órgão de fiscalização das relações
de trabalho por irregularidades no uso dos EPIs (Equipamentos de Proteção Individual) por parte
dos trabalhadores.
É pública e notória a consequência dos acidentes do trabalho advindos do não uso dos
EPIs. O acórdão menciona ser tripla a relevância desta matéria.
Em primeiro, porque os acidentes do trabalho causam distúrbios na vida individual e
portanto, atingem a qualidade de vida do trabalhador;
Em segundo, porque externalizam os prejuízos provocados pelos acidentes do trabalho,
com a transferência do encargo para o Estado;
Em terceiro, porque “atingem frontalmente a dignidade da pessoa humana, que é
atributo do cidadão”. E conclui citando Christophe Sauvat para quem “o direito à saúde é um
direito humano, uma das aspirações fundamentais dos indivíduos e da sociedade moderna”. Aqui,
novamente, o v. acórdão ressalta o Princípio Constitucional da Dignidade Humana.
Mas, a ênfase maior é dada ao Princípio Ambiental da Prevenção, posto que as normas
que estabelecem obrigações na seara da saúde e segurança do trabalhador e dentre estas o uso
obrigatório dos EPIs, “apresentam um saudável e necessário caráter preventivo”.
O acórdão deixa patente que o empregador não tem apenas e tão somente a “obrigação
primária de zelo pela saúde e segurança do trabalhador”, mas, quanto ao EPI, e de forma
secundária, deverá observar cinco obrigações, quais sejam, de dar o EPI, de orientar quanto ao
uso, de fiscalizar, de punir o não uso e, finalmente, de comunicar eventuais irregularidades nos
EPIs aos órgãos competentes. Todas estas obrigações, que são conexas e recíprocas, inserem-se
no âmbito do Princípio da Prevenção, que visa precipuamente impedir ou minorar os efeitos
danosos da atividade laboral sobre a saúde, a integridade física e psíquica e até mesmo sobre a
vida daquele trabalhador.
No caso, o acórdão deixa consignado que o Princípio da Prevenção somente cumprirá
integralmente seu papel se o empregador além de fornecer os EPIs e orientar os seus empregados,
ainda, fiscalizar e punir o não uso. Não basta apenas entregar o EPI. Os empregados têm que
efetivamente fazerem uso destes equipamentos.
O Ministro Relator Hernan Benjamin reúne os atributos jurídicos do cargo ao de
renomado jurista de Direito Ambiental, daí resultando o acórdão com abordagens e
enquadramentos corretos e atuais. Com a devida venia, a única crítica jurídica a ser atribuída ao
v. acórdão é a de que este não usou a expressão “Princípio da Prevenção”, optando pelo verbo
“prevenir” e “caráter preventivo”, contudo, restou patente a aplicação do Princípio da Prevenção.

4.2.1.2 Recurso Especial nº 1.014.848 – DF (2007/0298877-9) - Ministro Relator: Luis Felipe


Salomão (Data do julgamento: 23.03.2010)

ACIDENTE DO TRABALHO. FILMAGEM DE MINISSÉRIE VEICULADA


EM MÍDIA TELEVISIVA. AFOGAMENTO DE ATOR FIGURANTE EM
INTERVALO INTRAJORNADA. CULPA CONCORRENTE. DEVER DE
INFORMAÇÃO E DE PREVENÇÃO DE ACIDENTES DESCUMPRIDO.
PENSÃO. DIREITO DE ACRESCER. AUSÊNCIA DE PEDIDO. OFENSA
AOS ARTS. 128 E 460 DO CPC.
1. Não há ofensa ao art. 535 do CPC quando o acórdão, de forma explícita,
rechaça todas as teses do recorrente, apenas chegando a conclusão desfavorável
a este.
2. A permissão para que o empregado, no intervalo das filmagens, ingressasse
em rio, sem a devida segurança oferecida pelo empregador e
sem informação acerca da periculosidade do local, acabou por criar um risco
desnecessário, acarretando a morte da vítima, exatamente na contramão do
preceito constitucional que prevê como direito do trabalhador a "redução dos
riscos inerentes ao trabalho" (art. 7º, inciso XXII).
3. É irrelevante o fato de o infortúnio ter ocorrido em intervalo intrajornada,
dedicado às refeições dos empregados, porquanto é dicção literal do art. 21, § 1º,
da Lei n.º 8.213/91, a equiparação a acidentes do trabalho os ocorridos "nos
períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de
outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este".
4. A autora, mãe da vítima, ajuizou ação de reparação de danos, vindo a
sagrar-se vitoriosa no pleito, sem, contudo, deduzir nenhum pedido de que a
indenização fosse paga, em caso de seu falecimento, também ao esposo, que não
figurou na lide como litisconsorte.
5. Vulnera os arts. 128 e 460 do CPC a concessão de direito de acréscimo de
pensão por ato ilícito, sem pedido nos autos, em favor da autora, mãe da vítima,
e em caso de seu falecimento também ao marido, pois este não é beneficiário da
pensão porque não figurou no processo como litisconsorte ativo.
6. Recurso especial conhecido em parte, e, na extensão, provido.

O acórdão trata do caso do ator de 18 anos, contratado para participar de minissérie da


TV Globo, filmada às margens do Rio Paranã, que veio a falecer por afogamento no rio durante o
intervalo das filmagens. Na apuração do acidente do trabalho restou patente a culpa concorrente
de ambas as partes, da empregadora por negligência, ao deixar de adotar o Princípio Ambiental
da Prevenção e do empregado ao agir com imprudência e desafiar a forte correnteza para nadar
no Rio Paranã (Município de Alto Paraíso – GO).
Houve consenso na interpretação quanto ao Princípio da Prevenção e da aplicação da
culpa concorrente, nas três instâncias da justiça (Vara Cível, Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e STF).
No presente caso o ator, que veio a falecer durante o intervalo das filmagens, tinha
permissão da empregadora para nadar no rio, com a única ressalva de que “não estragasse a
maquiagem”.
O v. acórdão deixou assentada a culpa da empregadora, por negligência, ao não observar
o Princípio da Prevenção, posto que esta descurou-se do seu dever de proteção ao não alertar os
empregados quanto a periculosidade do rio. Ficou consignado que a obrigação de proteção
envolve todo o local onde se encontram os empregados à sua disposição e não apenas e tão
somente as barrancas do rio onde se davam as filmagens. O Princípio da Prevenção encontra
respaldo no art. 7º, Inciso XXII da C.F., art. 157 da CLT, NR nº 6 da Portaria Ministerial nº
3214/78.
O acórdão do TJ-DF aduziu com clareza o Princípio da Prevenção, sem contudo nomeá-
lo, ao afirmar que: “restando patente a violação do dever de cuidado, consistente na conduta
negligente da ré, porquanto presente a possibilidade de acidentes em circunstâncias tais que não
observadas as condições do local”.
Igualmente agiu com culpa, na modalidade imprudência, o empregado de 18 anos de
idade que, sem a cautela e prudência exigida para a situação, adentrou no rio mesmo com forte
correnteza, sendo arrastado e vindo a falecer por afogamento.
Por conseguinte, ante a culpa patronal por falta de observância do Princípio da
Prevenção e da culpa do empregado, ao ser imprudente, restou patente a chamada culpa
concorrente ou também conhecida como culpa recíproca. No v. acórdão, foi adotada tão somente
a tese da culpa subjetiva dos agentes, nada sendo abordado quanto a possibilidade ou não da
aplicação da tese da culpa objetiva.
O Princípio Constitucional relativo a “redução dos riscos inerentes ao trabalho” (art. 7º,
XXII da C.F.) se dirige a todos os empregadores, aos quais cabe velar pela saúde e segurança das
pessoas envolvidas nas suas atividades profissionais. No caso em exame, a empregadora se
limitou tão somente a recomendar que “não estragassem a maquiagem”, denotando a
preocupação apenas com as filmagens e nada informando, recomendando ou vigiando quanto a
integridade física e a própria vida dos seus atores que nadavam no rio.
A empregadora se descuidou da sua obrigação básica que é manter seguro o local de
trabalho, e prevenir-se contra acidentes que pudessem afetar a vida de seus empregados.
Desrespeitou frontalmente o Princípio Ambiental da Prevenção.
O v. acórdão, em nenhum momento, usa a expressão Princípio da Prevenção, contudo,
em diversas passagens se vale dos termos “prevenção”, “prevenir”, “cautela”, “cautelosa”,
“prudente” e “precaução”, deixando patente que adotou integralmente este Princípio.
4.3 Tribunal Superior do Trabalho – TST

4.3.1 O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

4.3.1.1 Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 137940-94.2007.01.0038 - Ministro


Maurício Godinho Delgado (Julgado em 01.12.2010)

O Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº 137940-94.2007.5.01.0038 de


01.12.2010, da lavra do Ministro Maurício Godinho Delgado trata da limitação do uso do
banheiro durante a jornada de trabalho, caracterizando a violação da intimidade, em “meio
ambiente do trabalho intimidador, hostil, degradante, humilhante e ofensivo”, atingindo a saúde
do empregado através da agressão psicológica e fisiológica, restando patente o desrespeito ao
Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III da C.F.).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LIMITAÇÃO


AO USO DO BANHEIRO - DANO MORAL - DESRESPEITO AO
PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. A conquista e afirmação da
dignidade da pessoa humana não mais podem se restringir à sua liberdade e
intangibilidade física e psíquica, envolvendo, naturalmente, também a conquista
e afirmação de sua individualidade no meio econômico e social, com
repercussões positivas conexas no plano cultural – o que se faz, de maneira
geral, considerado o conjunto mais amplo e diversificado das pessoas, mediante
o trabalho e, particularmente, o emprego. O direito à indenização por danos
moral e material encontra amparo no art. 186, Código Civil, c/c art. 5º, X, da CF,
bem como nos princípios basilares da nova ordem constitucional, mormente
naqueles que dizem respeito à proteção da dignidade humana e da valorização
do trabalho humano (art. 1º, da CR/88). Na hipótese, restou consignado pelo
Regional que houve ofensa à dignidade da Reclamante, configurada na situação
fática de restrição ao uso do banheiro, já que: a) era necessária uma autorização
para o uso; b) os empregados dispunham de somente sete minutos para ir ao
banheiro (se ultrapassado tal limite, poderiam sofrer punições). A empregadora,
ao adotar um sistema de fiscalização que engloba inclusive a ida e controle
temporal dos empregados ao banheiro, ultrapassa os limites de atuação do seu
poder diretivo para atingir a liberdade do trabalhador de satisfazer suas
necessidades fisiológicas, afrontando normas de proteção à saúde e impondo-lhe
uma situação degradante e vexatória. Essa política de disciplina interna revela
uma opressão despropositada, autorizando a condenação no pagamento de
indenização por danos morais. Ora, a higidez física, mental e emocional do ser
humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade,
de sua auto-estima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra.
São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição
Federal (artigo 5º, V e X). Agredidos em face de circunstâncias laborativas,
passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Carta Magna, que se
agrega à genérica anterior (artigo 7º, XXVIII, da CF). Desse modo, não há
como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de
instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da decisão denegatória,
que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento
desprovido.

A empresa Claro restringiu o uso do banheiro, criando duas regras a que deveriam se
submeter os funcionários. A primeira regra era a de que o trabalhador somente poderia usar o
banheiro após obter autorização de sua chefia e a segunda regra consistia no tempo máximo de 7
minutos para o uso do banheiro e se ultrapassado este limite, o empregado poderia sofrer punição.
Ao estabelecer estas restrições, a empregadora deixou de observar que as pessoas têm
necessidades fisiológicas diferentes umas das outras e, por conseguinte, criou incômodos
desnecessários, ao impor maior tempo de espera àquelas pessoas mais sensíveis ao uso do
banheiro. Patente a agressão psicológica e fisiológica imposta a estes trabalhadores.
A empregadora não se limitou apenas e tão somente a restringir o uso do banheiro, mas
foi além, fiscalizando e eventualmente punindo os empregados que não se sujeitassem a esta
imposição.
A conduta da empregadora é manifestamente abusiva, já que atentatória à integridade
física, psíquica e a própria dignidade da pessoa humana, criando um meio ambiente do trabalho
hostil, intimidador, degradante, humilhante e ofensivo.
A restrição ao uso do banheiro afronta as normas de proteção à saúde e impõe ao
trabalhador uma situação degradante e vexatória perante todos os demais colegas de trabalho,
aumentando os riscos de acidente de forma desnecessária.
A um só tempo, a restrição ao uso do banheiro atenta contra o Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana (art. 1º, III da C.F.), contra o Princípio do Valor Social do Trabalho (art. 1º, IV
da C.F.), contra a intimidade de cada pessoa (art. 5º, X da C.F.) e contra a obrigatoriedade da
redução dos riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII da C.F.).
A empregadora ao invés de caminhar no sentido que lhe determina a Constituição
Federal (art. 7º, XXII), procurando reduzir os riscos inerentes ao trabalho, adotou postura
contrária, tornando o meio ambiente do trabalho degradante.
O v. acórdão, de forma lapidar, assentou que: “a higidez física, mental e emocional do
ser humano são bens fundamentais de sua vida privada e pública, de sua intimidade, de sua auto-
estima e afirmação social e, nessa medida, também de sua honra”. Ora, a restrição ao uso do
banheiro viola todos estes valores, devidamente tutelados pelo ordenamento jurídico.
Embora estivesse em sede de Agravo de Instrumento, o v. acórdão analisou de forma
exaustiva a matéria meritória e, neste aspecto, manteve as bem lançadas razões constantes no
acórdão do TRT da 1ª Região (Rio de Janeiro), da relatoria da Desembargadora do Trabalho
Aurora de Oliveira Coentro.
O v. acórdão, ao analisar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, deixou de citar o
dispositivo legal (art. 1º, III da C.F.), bem como ao mencionar o desrespeito ao Princípio dos
Valores Sociais do Trabalho, também não indicou o dispositivo legal (art. 1º, IV da C.F.).
Em suma, com a restrição ao uso do banheiro, os trabalhadores tiveram violada a sua
saúde (em sentido amplo), ante o abuso de direito perpetrado pela empregadora que tornou o
meio ambiente do trabalho hostil.

4.3.2 Princípio Ambiental da Prevenção

4.3.2.1 Acórdão RR 41400-74.2003.5.03.0100, da relatoria do Ministro Barros Levenhagen, de


17.05.2006.

Empregado de companhia de saneamento, portador de hipertensão grave e diabetes


descontrolado, trabalhando sozinho e em local ermo veio a falecer de morte natural, sem contar
com qualquer assistência médica. Ante a previsibilidade do infortúnio e por não ter a Reclamada
remanejado o empregado, manifesta a negligência patronal ante o Princípio da Prevenção (art. 7º,
XXII da C.F. e das cláusulas 16ª e 23ª da Convenção Coletiva de Trabalho). Morte natural
equiparada a acidente do trabalho (art. 21 da Lei nº 8.213/91).
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL PROVENIENTE DE ACIDENTE
DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DO JUDICIÁRIO TRABALHISTA. I
- Compete ao Judiciário do Trabalho o julgamento das ações indenizatórias de
danos moral e material, provenientes de infortúnios do trabalho. II - Precedente
do Supremo Tribunal Federal no julgamento do conflito de competência nº
7204/MG. Recurso não conhecido. PRELIMINAR DE NULIDADE POR
CERCEAMENTO DE DEFESA. I - Inviável o conhecimento da preliminar
em apreço, porque deveria estar amparada na violação ao artigo 5º, inciso LV,
da Constituição Federal, que cuida do direito ao contraditório e à ampla defesa,
ao passo que o inciso V, suscitado pelo recorrente, resguarda o direito de
resposta e a indenização daí decorrente, questão não discutida nos autos. II - Os
arestos desabilitam-se à cognição desta Corte, por não citarem a fonte oficial ou
o repositório autorizado em que foram publicados, nem haver a recorrente
estabelecido o conflito analítico de teses, nos termos da Súmula 337 do TST. III
- Recurso não conhecido. DANO MORAL. CARACTERIZAÇÃO DO
ACIDENTE DE TRABALHO E DA CULPA SUBJETIVA DO
EMPREGADOR. I - O Regional concluiu que a morte natural do autor nas
dependências da empresa estaria equiparada ao acidente de trabalho, nos termos
do artigo 21 da Lei 8.213/91, tendo em vista que, embora não tenha falecido em
decorrência de acidente do trabalho, a sua morte ocorreu no local de labor e,
apesar de não terem sido a causa principal do óbito, as condições em que
laborava contribuíram para o seu falecimento, por impossibilitarem que pudesse
ser socorrido prontamente. II - O Tribunal local entendeu que, sendo de
conhecimento da empresa que o autor sofria de hipertensão grave e diabetes
descontrolado, seria previsível a possibilidade de vir a se sentir mal durante a
jornada de trabalho, inspirando o seu estado de saúde cuidados permanentes, e
que o fato de trabalhar sozinho e em local ermo, constituiria grave obstáculo em
caso de necessidade de socorro urgente. Acrescentou, ainda, que o empregador,
mesmo diante das graves doenças do autor, não o remanejou. III - Ao rés desse
universo fático-probatório, extraiu a culpabilidade do empregador da negligência
em tornar efetivas as medidas de segurança, higiene e saúde do trabalhador,
visando a diminuição dos riscos inerentes ao trabalho, como disposto no artigo
7º, XXII, da Constituição Federal, e em prestar a assistência social, bem como a
minimização dos impactos e efeitos nas condições de trabalho do reclamante
quanto à prestação de serviços em áreas isoladas, conforme entabulado nas
cláusulas 16ª e 23ª da CCT constante dos autos. IV - Com tais e marcantes
matizes fático-probatórios, refratários, aliás, à cognição extraordinária do TST, a
teor da Súmula 126, descarta-se a pretensa afronta ao artigo 7º, XXVIII, da
Constituição Federal, em razão da equiparação feita pelo Regional da hipótese
dos autos ao acidente de trabalho e da extração da culpa subjetiva do
empregador. V - Recurso não conhecido. VALOR DA CONDENAÇÃO. I -
Não há citação da fonte oficial ou do repositório autorizado em que foi
publicado o julgado paradigmático, tampouco estabeleceu a recorrente o
confronto analítico de teses, em franca contravenção ao item I, alíneas "a" e "b",
da Súmula 337. II - Recurso não conhecido.

Embora o v. acórdão não mencione o Princípio da Prevenção, tendo optado pelo uso do
termo “previsível”, adotou integralmente este princípio ao atribuir a culpabilidade ao empregador
na modalidade da negligência.
No caso em estudo, o v. acórdão referendando as conclusões da Vara do Trabalho e do
E.TRT, de forma cristalina deixou assentado que “sendo do conhecimento da empresa que o
autor sofria de hipertensão e diabetes descontrolado, seria previsível a possibilidade de vir a se
sentir mal durante a jornada de trabalho” (original sem grifos). Restou patente a aplicação do
Princípio Ambiental da Prevenção.
O v. acórdão tomando como fundamento o Princípio de que cabe ao empregador tomar
as medidas efetivas no âmbito da segurança, higiene e saúde, visando a diminuição dos riscos
inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII da C.F.), além do disposto nas cláusulas 16ª e 23ª da
Convenção Coletiva de Trabalho, que determinavam “a minimização dos impactos e efeitos nas
condições de trabalho, quanto à prestação de serviços em áreas isoladas”, concluiu pela culpa
patronal na modalidade negligência. (original sem grifos).
O empregador ciente de que o empregado, mercê de seu delicado estado de saúde,
necessita de cuidados médicos permanentes e, mesmo assim, o mantém trabalhando sozinho em
local ermo, ao invés de remanejá-lo, incorre em negligência, visto ser previsível que este
empregado venha a passar mal em serviço.
O v. acórdão ratificou a forma correta com que procederam a Vara do Trabalho e o
E.TRT, ao aplicarem o Princípio Ambiental da Prevenção na solução do caso. E ponderou os
diversos dispositivos legais aplicáveis, optando pela solução que estabelecia a obrigação da
empresa em zelar e resguardar a saúde do trabalhador. Como a previsibilidade da morte do
empregado era evento do amplo conhecimento patronal e esta deixou de adotar as medidas de
cautela que lhe eram exigidas, há que arcar com as consequências reparatórias daí advindas.
As demais questões abordadas no v. acórdão, relativas a competência da Justiça do
Trabalho, a nulidade por cerceamento de defesa, bem como se a morte natural pode ou não ser
equiparada a acidente do trabalho refogem ao presente estudo acadêmico.
4.4 Tribunais Regionais de Trabalho - TRTs

4.4.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana – Pausas no Trabalho – Trabalho Penoso

4.4.1.1 Acórdão do E.TRT/15, nº 0022200-28.2007.5.15.0126, relator Desembargador do


Trabalho Dagoberto Nishina de 06.04.2011 que manteve integralmente a sentença de origem da
Juíza do Trabalho Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa de 19.08.2010.

Ante a ausência de ementa no v. acórdão, segue abaixo apenas a parte dispositiva da


sentença da 2ª Vara do Trabalho de Paulínia, da lavra da Juíza Maria Inês Corrêa de Cerqueira
César Targa:
Isto posto, decido:
1)apreciando o PROCESSO 0022200-28.2007.5.15.0126, em que
são autores o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – PROCURADORIA
REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO, ACPOASSOCIAÇÃO DE
COMBATE AOS POPS, INSTITUTO “BARÃO DE MAUÁ” DE DEFESA DE
VÍTIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES POLUIDORES E MAUS
FORNECEDORES e ATESQ – ASSOCIAÇÃO DOS TRABALHADORES
EXPOSTOS A SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS e rés SHELL BRASIL LTDA. E
BASF S.A.:
a) extinguir o feito sem análise de seu mérito, porque incompetente a Justiça do
Trabalho para apreciá-lo, quanto aos trabalhadores que se ativaram nas Chácaras
do entorno do Recanto dos Pássaros e quanto aos familiares dos trabalhadores;
b) julgar a ação parcialmente procedente, para condenar as demandadas,
solidariamente:
b.1. ao pagamento da indenização por dano moral coletivo reversível ao Fundo
de Amparo do Trabalhador, no valor de R$ 622.200.000,00, com juros e
correção monetária computados a partir da propositura desta ação (valor que
importa, na data de prolação desta sentença, em R$ 761.339.139,37);
b.2. a custear previamente as despesas com assistência médica, por meio de
entidades hospitalares, clínicas especializadas e consultórios médicos,
psicológicos, nutricionais, fisioterapêuticos e terapêuticos da cidade de São
Paulo e da Região Metropolitana de Campinas, para atendimento médico,
nutricional, psicológico, fisioterapêutico e terapêutico, além de internações, aos
ex-trabalhadores, empregados da Shell Brasil S/A, da Basf S/A ou das empresas
por elas contratadas, prestadores de serviços autônomos e dos filhos desses
obreiros nascidos no curso ou após tais contratações, consoante suas
necessidades, devendo os beneficiários se habilitar no prazo de 90 (noventa)
dias, contados de 30/8/2010, sob pena de preclusão, na página da rede mundial
de computadores do Ministério Público do Trabalho, decisão a ser cumprida de
imediato, independentemente do trânsito em julgado;
b.3. a constituir, às suas expensas, comitê gestor do pagamento indicado no item
b.2., que esteja em funcionamento e conferindo o direito até 30/9/2010, sob pena
de pagamento, cada qual das rés, de multa diária ora fixada em R$ 100.000,00,
decisão a ser cumprida de imediato, independentemente do trânsito em julgado;
b.4. a conferirem ampla divulgação à notícia, entre 19h00 e 21h00 horas, nas
TVs de maior audiência, a saber, Globo e Record, em duas oportunidades,
observado o interregno de dois dias, com a finalidade de que sejam os
beneficiários concitados a se habilitar, devendo a primeira divulgação ocorrer,
no mais tardar, 05 dias após o proferimento desta sentença, sob pena de multa
diária ora fixada em R$ 100.000,00 para cada uma das rés, decisão a ser
cumprida de imediato, independentemente do trânsito em julgado;
b.5. a pagarem R$ 64.500,00 a cada trabalhador e a cada dependente nascido no
curso da prestação dos serviços ou em período posterior, indenização
substitutiva da obrigação de fazer, e que se refere ao período compreendido
entre a data da propositura da presente ação até 30/9/2010. Este valor será
acrescido de juros e correção monetária a partir do proferimento desta sentença e
de mais R$ 1.500,00 por mês, caso não promovido o reembolso mensal das
despesas nos meses vindouros e, finalmente, b.6. determinar que a Basf
divulgue, nos dois domingos posteriores ao proferimento desta sentença, o
comunicado inserido na última audiência realizada, devidamente adaptado à sua
situação e aos termos da presente sentença, nos mesmos periódicos lá indicados,
concitando os trabalhadores a se habilitarem ao recebimento dos direitos ora
deferidos, sob pena de pagamento de multa diária ora fixada em R$ 100.000,00
por dia de atraso, decisão a ser cumprida de imediato, independentemente do
trânsito em julgado.
2) apreciando os pedidos realizados nos autos do PROCESSO 0068400-
59.2008.5.15.0126, em que são autores a ATESQ – ASSOCIAÇÃO DOS
TRABALHADORES EXPOSTOS À SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS e o
SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DOS RAMOS
QUÍMICOS, FARMACÊRUTICOS, PLÁSTICOS, ABRASIVOS E
SIMILARES DE CAMPINAS E REGIÃO e rés as empresas SHELL BRASIL
LTDA. e BASF S.A., julgo-os procedente, em parte, e defiro a cada um dos
trabalhadores (ou a seus sucessores) que, como empregados, prestadores de
serviços ou autônomos se ativaram para as demandadas, reparação do dano
moral ora arbitrada em R$ 20.000,00 por ano trabalhado, ou fração superior a
seis meses, valor que será corrigido e acrescido de juros de mora a partir da data
do proferimento desta sentença.
As verbas deferidas têm, nas duas ações, natureza indenizatória e sobre elas não
incidem contribuições fiscais ou previdenciárias Determino que seja conferida
ciência da presente sentença, por meio eletrônico:
1. ao Exmo. Sr. Dr. Ministro Milton de Moura França, Mui Digno Presidente do
Colendo Tribunal Superior do Trabalho, tendo em vista a decisão proferida nos
autos do Processo TST-Pet-41661-85.2010.5.00.0000;
2. à Exma. Sra. Desembargadora Helena Rosa Mônaco S. L. Coelho, requerendo
que Sua Excelência a receba comoinformações nos autos do MS 0012571-
15.2010.5.15.0000 e consigne seu proferimento nos autos do processos TRT
0005200-34.2009.5.15.0000, ficando esta magistrada à disposição para prestar
informações adicionais, que possam ser tidas como pertinentes e/ou relevantes;
3. ao Sr. Edson Santos da Silva, em face de seu requerimento juntado à fl.
10.246, para que fique cientificado da incompetência da Justiça do Trabalho
quanto ao seu pedido de inclusão de sua esposa como beneficiária dos direitos
deferidos na presente ação;
4. ao Jornal Estado de São Paulo, em face do requerimento juntado à fl. 10.333,
no qual declina o interesse pela veiculação do edital, consignando-se a
impossibilidade de atendimento de seu pleito, neste caso. Anoto, entretanto, que
incluo o conceituado periódico na lista daqueles para os quais serão remetidas
publicações, em casos futuros. O Ministério Público do Trabalho modificará a
sua página na rede mundial de computadores para consignar “Habilitação
Shell/Basf”.
Em face das determinações exaradas na presente sentença, que requerem
cumprimento imediato, as partes não deverão utilizar o protocolo integrado
(como já consignado em ata de audiência, anteriormente).
Arbitro à condenação o valor de R$ 1.100.000.000,00, fixando as custas
processuais em R$ 22.000.000,00, a cargo das rés.
Sentença publicada na forma da S. 197, do C. TST.
Paulínia, 19 de agosto de 2010.
MARIA INÊS CORRÊA DE CERQUEIRA CÉSAR TARGA
Juíza do Trabalho

Na Ação Civil Pública (Proc. nº 222/2007) foi apensada a ação de nº 0068400-


59.2008.5.15.0126 sendo que inicialmente foi concedida antecipação de tutela, a qual restou
modificada parcialmente pelo E.TRT/15 ao apreciar o Mandado de Segurança interposto pelas
empresas Shell e Basf. Relatou o Mandado de Segurança a Desembargadora do Trabalho, Helena
Rosa Mônaco da Silva Lins Coelho, com julgamento em 07.04.2010. Ao prolatar a sentença em
19.08.2010, a 2ª Vara do Trabalho de Paulínia incorporou as razões de decidir proferidas no
Mandado de Segurança.
Para melhor compreensão, faz-se necessário um breve relato do caso sob análise.
No início dos anos 70, após ter o seu registro cassado nos EUA para a produção e
comercialização de pesticidas, entre eles aldrin, dieldrin e endrin, a empresa Shell se estabeleceu
em Paulínia-SP e iniciou a produção dos compostos químicos organoclorados e organofosforados
no ano de 1977. Já no ano de 1979, os órgãos ambientais constataram a poluição decorrente de
operações de incineração de baldes e tambores com resíduos de pesticidas.
Em 1995, parte da área foi vendida à Cyanamid, sendo que na época, renomada auditoria
internacional constatou a contaminação do solo e do lençol freático, o que obrigou a Shell a
reconhecer mencionada contaminação por aldrin, endrin, dieldrin, cromo, vanádio, zinco e óleo
mineral.
No ano de 2000, a Cyanamid foi adquirida pela Basf, que continuou produzindo
pesticidas no local até 2002, quando o estabelecimento industrial foi interditado pelos auditores
do Ministério do Trabalho e Emprego.
A maioria dos trabalhadores que permaneceu trabalhando para a Basf até o fechamento
da indústria em 2002 vieram da Cyanamid, que por sua vez vieram da Shell.
Na planta industrial de Paulínia, as três empresas produziram ou manipularam, por
aproximadamente 25 anos, compostos químicos como aldrin, endrin, dieldrin, pentaclorofenol,
DDT e seus isômeros (DDA, DDD e DDE), toxafeno, triclorometano, 1,1-dicloroetano,
diclorometano, benzeno, etilbenzeno, arsênico, chumbo, cádmio, níquel e manganês, substâncias
que acarretam sérios danos à saúde dos trabalhadores, além de poluirem o ar, a água e o solo.
Alguns destes produtos químicos, como o benzeno e o dicloroetano, são cancerígenos. Já
os inseticidas organofosforados (aldrin e endrin) provocam o envenamento da pessoa, com
sintomas de dor de cabeça, tontura, náusea, vômito, confusão mental, convulsão, coma e
finalmente a morte. A intoxicação crônica desencadeia consequências nos filhos dos
trabalhadores, que sofrem mutação genética, tudo decorrente dos compostos químicos produzidos
pelas três empresas. E finalmente, parte destes produtos químicos provocam anormalidades
neurológicas, cardiológicas, hepatotoxidade, renais e gastrointestinais.
Para os produtos químicos que sabidamente provocam câncer, a sentença e o Mandado
de Segurança, entre outros dispositivos, escudaram-se na Convenção nº 139 da OIT (norma
internacional sobre a proteção contra as substâncias ou agentes cancerígenos).
Restou sobejamente demonstrado nas mais de 10.000 folhas dos autos, que a saúde dos
trabalhadores, dos terceirizados e autônomos, bem como a de seus familiares foi atingida, com a
exposição reiterada das suas vidas, integridade física e psíquica aos produtos químicos.
As empresas químicas ignoraram o Princípio Ambiental da Prevenção, já que
conheciam os danos potenciais à vida e à saúde dos trabalhadores que ficariam expostos a cada
um destes produtos químicos e se limitaram tão somente a fornecer EPIs e alegar que possuíam
as autorizações legais para o funcionamento da indústria. Aqui se está ressaltando tão somente os
riscos de danos já conhecidos sobre a vida e saúde das pessoas, tomando-se os agentes químicos
de forma isolada.
Igualmente, as empresas deixaram de observar o Princípio Ambiental da Precaução, no
momento em que expuseram os trabalhadores, por longos anos, a um verdadeiro coquetel de
produtos químicos. Como se não bastasse, a ciência ainda desconhecia quais seriam os
verdadeiros riscos à vida e à saúde das pessoas. Há que se ressaltar, ainda, a existência de
incontáveis produtos organoclorados que reagem entre si, formando novos compostos, com
consequências imprevisíveis para a saúde e a vida humana.
Meio ambiente do trabalho saudável e a preservação da vida, saúde, bem-estar e
segurança dos trabalhadores, além da redução dos riscos inerentes ao trabalho, consoante
determina a C.F., respectivamente nos arts. 225, Inciso IV do art. 1º, art. 5º, art. 6º e inciso XXII
do art. 7º) certamente não fizeram parte do objetivo das três empresas químicas durante os 25
anos de atividade.
Ante a inobservância dos Princípios Ambientais da Prevenção e da Precaução, a decisão
judicial, acertadamente aplicou com notável saber e desenvoltura o Princípio Ambiental do
Poluidor-Pagador (§ 3º do art. 225 da C.F. e art. 14 da Lei nº 6938/81). E deixou assentado que
no caso tinha inteira aplicação a responsabilidade objetiva estipulada pelo parágrafo único do art.
927 do Código Civil, ante o risco iminente decorrente da atividade desenvolvida pelas empresas
químicas.
A decisão judicial também se reportou a Convenção nº 155 da OIT, ratificada pelo
Brasil em 1993, que determina a observância em toda atividade econômica, das normas de
segurança e saúde do trabalhador no meio ambiente do trabalho, bem como fez rápida menção ao
Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana (Inciso III do art. 1º da C.F.).
De se ressaltar que no caso, o Princípio Ambiental da Prevenção se refere aos riscos já
conhecidos e provados pela ciência e tecnologia, à saúde do trabalhador no tocante aos produtos
tóxicos e aos agrotóxicos que vinham sendo produzidos pelas indústrias muito antes delas se
instalarem em Paulínia. Portanto, as empresas deixaram de adotar as medidas de precaução
visando evitar ou diminuir estes riscos e consequentemente comprometeram de forma irreversível
o meio ambiente do trabalho ao ignorarem completamente o direito fundamental à sadia
qualidade de vida, inserto na Constituição Federal.
O Princípio Ambiental da Precaução, que é a base do direito ambiental trabalhista e visa
precipuamente a convivência da atual sociedade de risco, com seus novos riscos, para os quais a
ciência e a tecnologia ainda não encontraram respostas certas e seguras, também foi
peremptoriamente ignorado pelas empresas químicas. Nenhuma ação de gerenciamento foi
adotada pelas empresas que fossem voltadas para o futuro, no sentido de medidas antecipatórias
ante o desconhecido, que visassem à segurança social e tampouco à saúde de seus trabalhadores.
As empregadoras deixaram de agir com cautela e prudência.
O decisão da Vara do Trabalho e o v. acórdão do TRT/15ª (Campinas) após exaustiva e
profunda interpretação/ponderação das normas pertinentes ao caso, aplicou os Princípios
Ambientais da Prevenção e da Precaução, bem como analisou de forma exemplar os “danos
eventuais”, que são aquelas lesões na saúde dos trabalhadores e de seus filhos, que se manifestam
apenas a longo prazo.
No caso em estudo, o “habitat laboral” que segundo Norma Sueli Padilha é “onde o ser
humano trabalhador passa a maior parte de sua vida produtiva, provendo o necessário para a sua
sobrevivência e desenvolvimento, por meio do exercício de uma atividade laborativa”, foi
completamente desfigurado pelas empresas químicas, tornado hostil e inóspito à sadia qualidade
de vida.165
E na análise das consequências advindas do manifesto desrespeito aos Princípios
Ambientais da Prevenção e da Precaução, bem como sendo patentes os “danos eventuais” e ante
a irreversibilidade dos danos à saúde dos trabalhadores e familiares, a decisão judicial trabalhista
de forma exemplar e paradigmática aplicou o Princípio Ambiental do Poluidor-Pagador e fixou o
valor do dano moral coletivo em R$ 761.339.139,37 (superior da 761 milhões de reais) e
finalmente arbitrou o valor total da condenação em R$ 1.100.000.000,00 (um bilhão e cem
milhões de reais).
A condenação bilionária, fixada pela Justiça do Trabalho deixou assentada que a
sociedade não quer e não suporta pagar pela poluição alheira, ou seja, não se admite a
externalização dos prejuízos com a transferência para todos aqueles que pagam impostos,
devendo àquelas que poluiram arcarem com as indenizações correspondentes, já que não é
possível ao retorno ao status quo.
Este julgamento se valeu da aplicação/ponderação dos Princípios Constitucionais
Ambientais para a solução de uma demanda trabalhista, tomando como direito fundamental o
parâmetro “da sadia qualidade de vida do trabalhador”, com a observância do Princípio
Constitucional norteador da “dignidade da pessoa humana”.
4.4.2 Princípio Ambiental da Precaução

4.4.2.1 Acórdão nº 0034900-72.2009.5.15.0156, relator Desembargador do Trabalho Luiz José


Dezena da Silva, assinado em 30.05.2011. Pausas de 10 minutos a cada 90 minutos trabalhados
para os cortadores de cana.

RECURSO ORDINÁRIO – CANAVIEIRO – INTERVALOS DE


REPOUSO DURANTE A JORNADA – NR 31 DO MINISTÉRIO DO
TRABALHO – NÃO-CONCESSÃO – APLICAÇÃO ANÁLOGA DO
ARTIGO 72 DA CLT – POSSIBILIDADE.
É de conhecimento geral que o trabalho no corte da cana é um dos mais
penosos e extenuantes serviços existentes. Tampouco é segredo o alto índice
de mortalidade existente entre os cortadores de cana, dadas as condições
agressivas e extenuantes em que o labor é realizado. Logo, diante desse
quadro, a concessão das pausas previstas na NR – 31 do MTE não pode ser
tratada como mero assunto administrativo, mas sim como instrumento voltado
a assegurar a eficácia e efetividade plenas do princípio da dignidade da pessoa
humana, em todos os seus quadrantes, visto que a inexistência das pausas para
descanso afronta a higidez do trabalhador, que é protegida
constitucionalmente. E sob esse prisma, todas as normas infraconstitucionais
devem ser interpretadas de modo a garantir a extração do maior potencial dos
direitos e garantias ofertadas pela Carta Magna. Nesse passo, a impositividade
do cumprimento da NR – 31 do MTE atende plenamente ao princípio da
máxima efetividade, fazendo com que a matriz constitucional tenha seus
efeitos práticos realizados no plano material. E ainda que não exista
regulamentação específica sobre os intervalos previstos na NR – 31 e sobre as
conseqüências de sua não-concessão, com arrimo no permissivo contido no art.
8º da CLT, devem-se aplicar, por analogia, os intervalos previstos no art. 72 da
CLT, que também se referem a atividades de natureza penosa. A utilização da
analogia para solução da lacuna existente no ordenamento jurídico constitui
instrumento apto para assegurar a eficácia e a efetividade plenas das normas
constitucionais, notadamente os arts. 1º, III, 7º, XXII, e 196 da CF/88. E
exatamente por existir previsão legal ao uso da analogia, para fins de
colmatação do ordenamento jurídico, é que a decisão em tela não viola o inciso
II do art. 5º da CF/88.
Recurso ordinário desprovido no particular.

A NR nº 31 da Portaria Ministerial nº 3214/78 estabeleceu que nas atividades que forem


realizadas em pé, devem ser garantidas pausas para descanso (item 31.10.7), bem como que, nas
atividades que exijam sobrecarga muscular estática ou dinâmica, deve haver pausas para
descanso e outras medidas que preservem a saúde do trabalhador (item 31.10.9). Original sem
grifos.
Porém, mencionado dispositivo legal nada disciplinou quanto a frequência e a duração
das mencionadas pausas e não há qualquer outra norma legal regulando a matéria relativa ao
serviço realizado em pé e tampouco com sobrecarga muscular.
A fim de dar efetividade aos itens 3.10.7 e 3.10.9 da NR 31, o v. acórdão, de forma
criativa e pioneira, valeu-se do estatuído no art. 8º da CLT, que permite a analogia em caso de
omissão legislativa, e determinou a aplicação do art. 72 da CLT que estabelece a pausa de 10
minutos a cada 90 minutos trabalhados para os mecanógrafos e assemelhados.
Os trabalhadores do corte manual de cana exercem atividade penosa dadas as condições
agressivas, sob as intemperies (sol, calor, poeira, fuligem da cana queimada, barro, chuva, vento,
frio e neblina) e extenuantes (em pé durante toda a jornada, com milhares de movimentos
vigorosos do facão de corte) em que o trabalho é realizado, enquanto que o serviço de
mecanografia e assemelhados é realizado em escritórios protegido das intemperies, em posição
sentada, com o dispêndio de pouca energia corporal.
O v. acórdão faz uma ponderação entre as duas atividades (cortador de cana e
mecanógrafo) e conclui, sem rebuços, que havendo pausa de 10 minutos a cada 90 minutos de
trabalho para o mecanógrafo (art. 72 da CLT), com muito mais razão, no mínimo, esta pausa de
10 minutos deveria ser estendida aos cortadores de cana, que além de exercem atividade penosa,
tiveram reconhecida a pausa para descanso na NR 31.
De forma correta, o v. acórdão aborda a matéria sob a ótica da afronta a higidez do
trabalhador no corte da cana. Neste sentido, são destacados o art. 196 da C.F. que estabelece que
a saúde é um direito de todos, bem como o Inciso XXII do art. 7º da C.F.(redução dos riscos
inerentes ao trabalho) e que, portanto, por força do Princípio Constitucional da Dignidade da
Pessoa Humana(Inciso III do art. 1º da C.F.) e ainda atento ao princípio da máxima efetividade,
todas as normas infraconstitucionais devem ser interpretadas de modo a garantir a concretude do
maior potencial dos direitos ofertados pela Carta Magna.
A saúde do trabalhador é o foco principal da análise elaborada pelo v. acórdão que,
através da analogia, procurou assegurar ao cortador de cana, intervalo remunerado de 10 minutos
a cada 90 minutos trabalhados, mesmo ante a ausência de norma expressa a respeito desta
matéria.
Embora não seja objeto de abordagem pelo v. acórdão, restou aplicado ao caso o
Princípio Ambiental da Precaução, no momento em que são relatadas as severas condições de
trabalho dos cortadores de cana, a qual acaba por contribuir com o alto índice de mortalidade
existente entre estes trabalhadores. Nesta atividade, ainda se desconhece qual o limite suportável
pelo ser humano, a partir do qual o risco de vida passa a ser iminente, daí a razão pela qual
muitos trabalhadores que são submetidos a estas condições agressivas e extenuantes acabam
falecendo.
O acórdão, de forma indireta, aplica o Princípio Ambiental da Precaução ao determinar a
pausa obrigatória de 10 minutos, a cada 90 minutos trabalhados, visando precipuamente a higidez
do trabalhador se socorrendo também do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Mesmo ante a atualidade e o inusitado da decisão, no âmbito do E.TRT da 15ª Região
(Campinas) há outro acórdão no mesmo sentido (Nº 0036600-83.2009.5.15.0156 – Relator
Desembargador do Trabalho Lorival Ferreira dos Santos – DJe 19.11.2010.
4.4.2.2 Acórdão nº 00209-2008-057-15-00-8 – Relatora Juíza Maria Inês Corrêa de Cerqueira
César Targa – assinado em 27.10.2009

EMENTA: DANO MORAL COLETIVO. DESCUMPRIMENTO


REITERADO, PELO EMPREGADOR, DE NORMAS DE ORDEM
PÚBLICA QUE SE DESTINAM À PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE
DO TRABALHADOR E DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO.
VALOR DA INDENIZAÇÃO. O art. 1º da Constituição Federal não deixa
dúvida: a República Federativa do Brasil elegeu, entre seus mais relevantes
pilares, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho. O
empregador que reiteradamente descumpre normas de ordem pública que têm
como foco a mantença da saúde física e mental do trabalhador e a adequação do
ambiente de trabalho, desrespeita esses fundamentos eleitos pela sociedade e, em
decorrência, causa-lhe dano, que deve ser reparado. Com o desrespeito reiterado
a seus princípios fundamentais e a normas de ordem pública, a comunidade
também é submetida, com frequência superior, a maior incidência de acidentes
do trabalho, costumeiros nas localidades em que o trabalhador não usufrui, só
para citar exemplos das inúmeras transgressões ocorridas, pausas entre as
jornadas, intervalo para refeição, descanso semanal e não tem, apesar da longa
jornada, sequer condições de utilizar sanitários, ou seja, é exposto a condições,
muitas vezes, análogas ao trabalho escravo. Mas não é só. Aquele que
descumpre normas legais tão relevantes e básicas tem que ser instado a
modificar o seu comportamento, o que, numa sociedade capitalista, só ocorre
quando pesadas indenizações lhe são imputadas.

A Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho da 15ª Região
(Campinas) em 2.008 trata das questões ambientais do trabalho envolvendo centenas de
cortadores de cana, na região do Pontal do Paranapanema.
O v. acórdão do E.TRT/15ª, assinado em 27.10.2009, manteve na íntegra a sentença de
origem da lavra do Juiz do Trabalho Mercio Hideyoshi Sato, que resultou na determinação para
que a empresa agrícola fosse obrigada a adotar diversos comportamentos e práticas no tocante às
condições ambientais do trabalho, que envolvem diretamente a saúde física e mental dos
cortadores de cana.
A empregadora foi autuada diversas vezes pela fiscalização do trabalho e mesmo após a
intervenção do Ministério Público do Trabalho se mostrou recalcitrante em adotar práticas
ambientais saudáveis e consentâneas com a legislação vigente.
A fiscalização do trabalho apurou que a empregadora rural não concedia o DSR,
prorrogava a jornada diária além das 2 horas, não observava o intervalo mínimo de 11 horas entre
duas jornadas, não realizava exames médicos periódicos, as instalações sanitárias eram precárias,
não fornecia vestimentas, as luvas atendiam apenas parte dos trabalhadores, a água potável não
era disponibilizada em condições higiênicas, bem como o transporte estava irregular.
Quanto aos Princípios Constitucionais, o v. acórdão, embora tenha analisado as diversas
implicações fáticas e legais relativas ao descumprimento das inúmeras normas básicas e
essenciais, relativas ao meio ambiente do trabalho, se limitou ao enquadramento no Princípio da
Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III da C.F.) e do Valor Social do Trabalho (art. 1º, IV da
C.F.)
Constou que as condições a que estavam submetidos os cortadores de cana, eram
degradantes e atentatórias à saúde física e mental destes trabalhadores e ainda, favoreciam o
aumento do risco de acidentes do trabalho, ao invés de diminuí-lo ou atenuá-lo, segundo o
preceito constitucional inserto no Inciso XXII do art. 7º.
O v. acórdão se valeu das expressões “proteção ao meio ambiente do trabalho” e
“preservação da integridade do trabalhador e do meio ambiente do trabalho”, mas, em nenhum
momento mencionou o Princípio Ambiental da Prevenção, em que pese o tenha aplicado à
exaustão ao caso concreto.
Ora, todas as irregularidades perpetradas pela empregadora caminham no sentido
inverso do que prescreve o Princípio Ambiental da Prevenção, qual seja, de que o meio ambiente
laboral deve ser seguro e hígido a fim de assegurar condições ideais para a mantença da saúde
física e mental dos trabalhadores, já que as consequências pelo seu descumprimento são de amplo
conhecimento da ciência.
Em suma, a empregadora, de forma contumaz descumpriu o Princípio Ambiental da
Prevenção, bem como o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e ainda deixou de dar
efetividade ao Princípio Inerente à Redução dos Riscos de Acidentes do Trabalho, infringindo
dispositivos constitucionais e infraconstitucionais, ao ser negligente no tocante ao cumprimento
da legislação básica de proteção ao meio ambiente do trabalho.

4.4.2.3 Acórdão nº 0048300-49.2005.5.02.0062 – TRT/2ª Região (Grande São Paulo) – Relator


Desembargador do Trabalho Valdir Florindo

O v . acórdão aborda a doença ocupacional DORT/LER desenvolvida pelo bancário,


ante as condições inadequadas do meio ambiente do trabalho.
O v. acórdão não foi ementado.
O acórdão em estudo não é apenas recente, mas, acima de tudo continua atual, já que
aplicável às milhares de ações em curso na Justiça do Trabalho, onde o trabalhador após longos
anos de atividade na digitação, em condições não ergonômicas e quase sempre sem as pausas e
exercícios fisioterápicos recomendados, acaba por desenvolver a doença ocupacional
DORT/LER, com sério comprometimento de sua saúde física e reflexamente na sua psique.
A doença ocupacional DORT/LER, praticamente desconhecida dos trabalhadores até a
década de 1980, passou a ser a principal moléstia que atingiu a quase totalidade dos bancários e
digitadores. Posteriormente, passou a ser constatada em diversas outras atividades que implicam
em grande número de movimentos repetitivos durante a jornada diária.
De forma resumida, os estudos médicos comprovaram que a DORT/LER compromete
os tendões, nervos, músculos e ligamentos dos braços e ombros do trabalhador, provocando
“formigamento nas mãos”, dores crônicas que não cedem ante a medicação, limitação dos
movimentos, além da perda da força muscular. E mesmo após passar por cirurgia e longo
tratamento de fisioterapia, parte considerável das pessoas, permanece com sequelas permanentes.
Inicialmente, a Vara do Trabalho embora houvesse reconhecido que o trabalhador
bancário foi acometido de doença ocupacional, rejeitou as pretensões sob o argumento de que “a
patologia adquirida, em decorrência dos esforços repetitivos é risco inerente à atividade para a
qual o Reclamante foi contratado”. O v. acórdão, ao reformar a sentença de Vara, apenas trilhou a
atual doutrina e jurisprudência sobre a matéria.
No processo, restou provado que o Banco havia desrespeitado o Princípio Ambiental da
Prevenção, já que durante os 21 de trabalho, não teve “preocupação com o meio ambiente do
trabalho”, impondo condições ambientais inadequadas, deixando por conseguinte, de propiciar ao
empregado “ambiente seguro e saudável”, gerando evidente dano à integridade física de seu
colaborador.
O v. acórdão prossegue afirmando que o Banco foi “inerte” no tocante às condições da
atividade de bancário com esforços repetitivos, agindo com “descaso” ao não adotar as condições
ergonômicas adequadas e não propiciar pausas e exercícios fisioterapêuticos e, por portanto,
deixou de “zelar pelo respeito às garantias fundamentais do trabalhador”.
Em nenhum momento o v. acórdão usou a expressão “Princípio Ambiental da
Prevenção” ou “Princípio da Prevenção”, optando por ausência de “preocupação com o meio
ambiente de trabalho”, por “deixou de propiciar ao autor ambiente seguro e saudável”, por
“descaso do reclamado com seus empregados”, por “inadequadas condições de trabalho”. O v.
acórdão de forma reiterada deixou consignado que o empregador (Banco) deixou de observar o
Princípio Ambiental da Prevenção, embora, sem usar o termo “Princípio”.

4.4.2.4 Acórdão nº 0000431-83.2011.5.03.0149 do TRT/3ª Região (Minas Gerais) – Ação Civil


Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho visando que a empresa (frigorífico)
adequasse o seu meio ambiente do trabalho, em especial no tocante o seu setor de caldeira e dos
reservatórios de amônia.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IRREGULARIDADE CONSTATADA NAS


NORMAS DE SEGURANÇA DO TRABALHO Restando pacificado que as
agressões ao meio ambiente do trabalho se traduzem em ofensa à dignidade da
pessoa humana e aos valores sociais do trabalho e envolvem interesses difusos e
coletivos, é inegável a possibilidade de condenação à indenização por dano
moral, mesmo que o dano ainda não tenha se concretizado.

O Auditor Fiscal do Trabalho ao constatar irregularidades graves na Casa de Caldeiras e


em dois reservatórios de amônia proibiu o uso destes equipamentos. O frigorífico descumpriu
esta proibição e continua a usá-los sem providenciar qualquer reparo.
O Ministério Público do Trabalho ajuizou a Ação Civil Pública obtendo êxito na
concessão da liminar para interdição destes equipamentos, ante o risco iminente a que se
encontravam expostos os trabalhadores da empresa.
O v. acórdão interpreta, pondera e aplica o Princípio Ambiental da Prevenção, ante os
riscos sobejamente conhecidos a que ficaram expostos os empregados do frigorífico.
Embora o acórdão não mencione expressamente o Princípio da Prevenção, ao elencar a
sua fundamentação jurídica o faz com base em diversos dispositivos constitucionais decorrentes
diretamente deste Princípio:
Art. 170 da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e que deve
assegurar a todos existência digna, bem como no inciso VI deste mesmo artigo que trata da
defesa do meio ambiente(grifos no original);
Inciso VIII do art. 200 que estabelece a competência do sistema único de saúde no
tocante a colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho(grifos
no original);
Art. 225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual deve
ser preservado para as presentes e futuras gerações (grifos no original).
E ainda, complementa a fundamentação jurídica no descumprimento por parte da Recda
de norma infraconstitucional (Item 13.7.2 da NR 13 da Portaria do Ministério do Trabalho nº
3214/78).
O v. acórdão deixa patente que a empresa ao expor os trabalhadores ao risco iminente,
ante o desrespeito aos diversos dispositivos constitucionais e a NR 13 estaria em última análise
ofendendo a dignidade da pessoa humana. Conquanto não mencione expressamente o desrespeito
ao Princípio Ambiental da Prevenção, é com base neste Princípio que se fundamenta e
desenvolve toda a argumentação do caso em estudo.
O Princípio Ambiental da Prevenção obriga o empregador a dotar o meio ambiente de
trabalho de todas as condições necessárias e suficientes, para torná-lo sadio e equilibrado, a fim
de que os trabalhadores possam exercer suas atividades com a certeza de que terão preservadas
sua saúde e integridade física.
O v. acórdão, na sua fundamentação, deixou de mencionar o disposto no Inciso XXII do
art. 7º da C.F., o qual determina que o empregador deve adotar sempre uma conduta pró-ativa no
sentido de reduzir os riscos inerentes ao trabalho, embora tenha declinado em diversas passagens
“o risco iminente a que foram expostos os empregados”. Interpretou e aplicou corretamente este
dispositivo constitucional, sem contudo decliná-lo expressamente.
CONCLUSÃO

Após análise da doutrina dominante sobre os Princípios Constitucionais abrangendo a


interpretação e a ponderação dentro dos limites de cada um dos Princípios aparentemente
aplicáveis ao mesmo e único caso e tomando como valor maior o Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana e em particular a sadia qualidade de vida do trabalhador no seu ambiente de
trabalho, constata-se que as decisões judiciais têm se mostrado em sintonia com estes ditames
jurídicos.
De fato, o STF, o STJ, o TST e os diversos Tribunais Regionais do Trabalho têm
aplicado os Princípios Constitucionais Ambientais, em larga escala.
Ressalte-se que em diversas decisões, embora a fundamentação se embase nos
Princípios Ambientais, contudo, o eminente relator prefere tão somente mencionar as Regras de
Direito, fazendo referência implícita aos Princípios através do uso de expressões que denotam
claramente o Princípio decisivo para o deslinde da controvérsia.
Os diversos acórdãos selecionados para o presente estudo tratam do meio ambiente do
trabalho e suas implicações na saúde do trabalhador. Em várias decisões é aplicado o Princípio da
Prevenção, em outras o Princípio da Precaução e ainda o Princípio da Dignidade da Pessoa
Humana, mas, todos têm em comum o Princípio da Sadia Qualidade de Vida do empregado.
Sem demérito de nenhum destes acórdãos, há que se fazer referência ao mencionado no
item 4.4.1.1 (Acórdão TRT/15ª - Campinas – nº 0022200-28.2007.5.15.0126) sobre a poluição e
degradação do meio ambiente do trabalho, na cidade de Paulínia-SP. Nesta decisão judicial restou
patente que as indústrias químicas descumpriram durante 25 anos os Princípios Fundamentais da
Prevenção, da Precaução e da Dignidade da Pessoa Humana, tornando letra morta o Princípio da
Sadia Qualidade de Vida dos Trabalhadores e que teve reflexos diretos em seus familiares.
A pesquisa apurou que o Poder Judiciário, e em particular o Ramo Trabalhista, vem
aplicando com desenvoltura os Princípios Constitucionais Fundamentais que tutelam a Sadia
Qualidade de Vida dos Trabalhadores, determinando que os empregadores cumpram de forma
preventiva e reparativa, quando constatada a infringência às Normas Legais.
A saúde do trabalhador, embora elencada como Princípio Fundamental, ainda não vem
merecendo o respeito e o cumprimento por parte expressiva dos empregadores, consoante se
denota das decisões judiciais tomadas por amostragem no Capítulo IV desta pesquisa.
E em reforço a esta constatação, no recente Seminário de Prevenção de Acidentes do
Trabalho, promovido pelo C.TST nos dias 20 e 21 de outubro de 2.011, foi editada a CARTA DE
BRASÍLIA, onde os seus participantes deixaram consignado no item 1 a “perplexidade e
preocupação com o número acentuado e crescente de acidentes e doenças relacionadas ao
trabalho no País, que atingem diretamente a dignidade da pessoa humana, ...” e seguiram
ressaltando no item 5 que “o meio ambiente do trabalho deve ser seguro, saudável e
ecologicamente equilibrado” e afirmaram no item 4 que não deve ser priorizada a monetarização
do risco em detrimento do ambiente laboral saudável e seguro.
Em suma, há um descompasso entre o que deve ser observado pelo empregador e o que
de fato ocorre na prática cotidiana. O maior desafio a ser vencido está em diminuir este hiato e
aproximar todos no tocante ao efetivo cumprimento das Normas Ambientais do Trabalho.
ANEXO B
Acórdão do E.TRT/15, nº 0022200-28.2007.5.15.0126, relator Desembargador do Trabalho
Dagoberto Nishina de 06.04.2011 que manteve integralmente a sentença de origem da Juíza do
Trabalho Maria Inês Corrêa de Cerqueira César Targa de 19.08.2010.

PROCESSOS TRT/CAMPINAS Nº 0022200-28.2007-5.15.0126 e


00684-59.2008.5.15.0126 (APENSADOS)

RECURSOS ORDINÁRIOS
1º RECORRENTE : SHELL BRASIL LTDA.

2º RECORRENTE : BASF S/A

3º RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO –


PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHADO DA
15ª REGIÃO

RECORRIDOS : ACPO ASSOCIAÇÃO DE COMBATE AOS POPS,


INSTITUTO BARÃO DE MAUÁ DE DEFESA DE
VÍTIMAS E CONSUMIDORES CONTRA ENTES
POLUIDORES E MAUS FORNECEDORES,
ASSOCIAÇÃO DOS TRABALHADORES EXPOSTOS A
SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS – ATESQ e SINDICATO DOS
TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DOS RAMOS
QUÍMICOS, FARMACÊUTICOS, ABRASIVOS,
PLÁSTICOS E SIMILARES DE CAMPINAS E REGIÃO
ORIGEM : 2ª VARA DO TRABALHO DE PAULÍNIA

Ascendem as rés a este Regional para que seja reexaminada a r. Sentença de fls.
10.339/10.387, que foi complementada pelas decisões proferidas em embargos de declaração, fls.
10.580/10.581 e 10.595/10.596, e que concluiu pela procedência parcial das pretensões.

A empresa SHELL levantou preliminares de incompetência da Justiça do Trabalho;


carência de ação por inadequação da via eleita pelos autores e por ilegitimidade ativa; julgamento
extra petita em face de decisão diversa do pedido e por conferir indenizações de ofício;
cerceamento de seu direito de defesa; litispendência parcial; prescrição e questões de mérito (fls.
10.604/10.737).
Cópias de comprovantes de recolhimento das custas e depósito recursal (fls.
10.738/10.739).
A empresa BASF alegou inépcia da petição inicial;
ilegitimidade passiva, inexistência de sucessão; inexistência de grupo econômico e
responsabilidade solidária; incompetência absoluta da Justiça do Trabalho, não cabimento da
ação civil pública e ilegitimidade do Ministério Público e das associações, cerceamento de
defesa, ofensa a princípios gerais de processo, prescrição e razões de mérito (fls. 10.740/10.870).

Comprovou recolhimento de custas e depósito recursal (fls.


10.875 e 10.876).

O Ministério Público do Trabalho recorreu, adesivamente,


antecipando-se a eventual acolhimento dos recursos das Reclamadas (fls. 11.025/11.106).

Contrarrazões a fls. 10.885/10.929, da BASF, ao recurso da SHELL; fls. 10.964/10.987,


da SHELL ao recurso da BASF; fls. 11.206/11.216, da BASF ao recurso do MP e fls.
11.217/11.225, da SHELL, ao recurso do MP.

É o que de relevante cumpria relatar.


Eis meu V O T O:

O Ministério Público recorre e informa, no prólogo de suas


razões, que não pretende modificar a Sentença, apenas antecipa-se a eventual nulidade da decisão
por julgamento extra petita.

Considero incabível o apelo uma vez que não há insurgência contra desfecho
favorável e não há previsão legal para interposição de recurso preventivo contra resultado
aleatório (Artigo 500, do Código de Processo Civil).

Tempestivos e revestidos das formalidades legais pertinentes à espécie, conheço dos


recursos interpostos pela reclamadas SHELL e BASF S/A.
PRELIMINARES

Aprecio, em separado, as preliminares lançadas em cada um dos recursos das


Recorrentes e, em conjunto, as matérias comuns.

SHELL

As preliminares de incompetência absoluta, inadequação da via eleita e iIegitimidade


ativa serão analisadas conjuntamente com o recurso da BASF, dada a identidade das matérias.

1. Nulidade – Decisão extra petita

Tema pertinente ao cerne da controvérsia cujo enfoque virá com a apreciação do mérito.

2. Outra indenização de ofício

A Recorrente alega que, mesmo não tendo havido qualquer pedido


dos autores na ação civil pública em apenso, houve condenação no importe de R$ 64.500,00 para
cada trabalhador e seus filhos, nascidos no curso do contrato ou após isso, o que considera
julgamento extra petita, afirmando que o valor foi considerado aleatoriamente pela MMª Juíza,
configurando-se condenação rixosa.

Não se trata de julgamento extra petita, a MMª Juíza apenas


calculou a indenização substitutiva da obrigação de fazer, no período compreendido entre a
propositura da ação até a prolação da sentença, para repor o direito ao custeio das despesas com
saúde/plano de saúde, direito que as rés retardaram.

O valor não foi fixado aleatoriamente, corresponde ao que deveria


ser despendido pela Recorrente desde o início da demanda até a sentença.
Não há falar em condenação rixosa, a conversão da obrigação de
fazer em indenização está prevista nos artigos 247 e 248, do Código Civil.

3. Cerceamento de defesa pela negativa de prova oral

A empresa alega ter sido cerceada em seu direito de defesa quando impedida de ouvir
três testemunhas, com cujos depoimentos pretendia demonstrar a ausência de irregularidades nas
atividades dos trabalhadores em seu parque industrial, disponibilização de equipamentos de
proteção individual e coletiva, aptos a minimizar ou neutralizar qualquer tipo de exposição dos
empregados e que os níveis de substâncias ali encontradas não implicavam em risco à saúde dos
empregados.

A prova foi rejeitada já que considerada desnecessária pela MMª Juíza que presidiu a
instrução.

Como desfiou a MMª Juíza, a fls. 10.203 verso, foram juntados documentos que
demonstram o fornecimento de equipamentos de proteção individual e coletiva e licenças
ambientais, tornando inócuo qualquer depoimento testemunhal no tocante à proteção fornecida
pela empresa aos empregados, porquanto o que se discute é a ineficiência da proteção voluntária,
o que foi apurado através de documentos e laudos periciais.

Não houve qualquer cerceamento do direito de defesa da Recorrente, a MMª Juíza


apenas rechaçou prova inútil, desnecessária e protelatória, pois eventuais informações prestadas
por testemunhas em nada mudariam o panorama delineado pelas demais provas. Os fatos que a
Recorrente pretendia inserir com os depoimentos já estavam nos autos (documentos relativos aos
EPIs e normas gerais de segurança) e nos laudos (os produtos manuseados ou emanados das
atividades da empresa e sua influência nos organismos das pessoas).

4. Outro cerceamento de defesa

Renova, a Recorrente, o argumento anterior alegando que seu direito de defesa foi
cerceado pela decisão da MMª Juíza em reunir, a este, o processo contido nos autos nº 684/2008.
A Recorrente admite que há conexão entre os feitos, mas não concorda com a decisão
que não reconheceu da litispendência e a consequente extinção do processo anexado, insistindo
que foi alijada do direito de requerer eventuais provas em relação ao feito reunido.

O argumento é injustificado.

A reunião de ações conexas é um mecanismo processual do qual o Juiz pode lançar mão,
de ofício, para evitar julgamentos díspares para situações propensas à mesma solução.

Se, no caso, houve repetição de pedidos, a Sentença há de ter aparado o excesso e, se


não o fez, uma vez apontado no recurso, deverá ser considerado, porém, em campo próprio, que
não é do cerceamento de defesa, porquanto, repita-se, a própria Recorrente admite que as ações
reunidas são conexas.

A reunião dos processos ocorreu quando da instrução do principal (0022200/2007),


ocasião em que a Recorrente apenas manifestou a intenção de produzir prova testemunhal, sem
nenhuma intenção de apresentar defesa específica ou apontar deficiência em relação ao processo
apensado (fls. 10.203/10.204).

A reunião dos feitos não incidiu em qualquer mácula à defesa da Recorrente, o


reconhecimento da litispendência está longe disso e será examinado ou reexaminado em sede de
mérito, em conjunto com as demais questões de fundo.

As provas necessárias foram produzidas e, como já decidido, nos temas até agora
revolvidos não foi detetada qualquer limitação defensiva, resultando no rechaço das alegações de
cerceamento do direito de defesa.

5. Litispendência parcial
A Recorrente argumenta que as pretensões aqui deduzidas são idênticas às das ações
civis públicas - processos nº 829/2002 e 2.409/2001 - ainda em tramitação na 1ª Vara Distrital de
Paulínia, propostas pelo Sindicato de Trabalhadores nas Indústrias dos Ramos de Químicos,
Farmacêuticos, Plásticos, Abrasivos e Similares de Campinas e Região, Ministério Público do
Estado de São Paulo e pela Associação dos Moradores do Bairro Recanto dos Pássaros, esta
última superada pela Sentença recorrida, que reconheceu a incompetência da Justiça do Trabalho
para resolver as questões postas pela Associação de Moradores.

Segundo a Sentença, o processo nº 829/2002 foi extinto e, quanto ao remanescente, a


pretensão deduzida no feito civil atém-se à indenização à coletividade, que residia em torno da
empresa, excetuando-se, evidentemente, os trabalhadores, cujo foro competente é aqui, o que
certamente não escapará à argúcia do Magistrado Estadual que a decidirá.

BASF

1. Inépcia da petição inicial

As poucas e episódicas menções a seu respeito, no dizer da Recorrente, não implicam na


inépcia do libelo.

O sucinto é sempre uma qualidade, a loquela nem sempre.

A inépcia, capaz de por fim ao processo sem resolução do mérito, deve ser de tal ordem
que apresente um aleijão na descrição dos fatos e dedução das pretensões, impedindo que se
depreenda a causa e o pedido.

Não é o caso, na petição inicial estão descritos minudentemente os fatos. No que diz
respeito à BASF está claro que os autores alegam que a empresa integrou um parque industrial,
de cujos produtos químicos advieram enfermidades aos que participaram, direta ou indiretamente,
dos procedimentos fabris, responsabilizando-a em consórcio com as demais empresas que com
ela atuaram no local.
Sucinta, porém não lacunosa, a petição inicial é hígida, formal e corretamente deduzida,
à luz do disposto no Artigo 840, da CLT.

2. Ilegitimidade

Novamente a Recorrente equivoca-se, agora confundindo silêncio eloquente com


omissão.

Claro e límpido, o reconhecimento de um grupo empresarial dispensa extensiva e


excessiva fundamentação, trata-se de uma figura conhecida e reconhecida por todos os iniciantes
no estudo do direito do trabalho.

3. Sucessão e responsabilidade solidária

Tema pertinente ao cerne da controvérsia, cujo enfoque virá com a apreciação do mérito.

4. Cerceamento do direito de defesa

Esta argumentação está arrimada em indeferimento de perícia técnica, requerida com


objetivo de provar nexo de causalidade, tendo em vista que, no entender da Recorrente, os laudos
apresentados são unilaterais (ausência de contraditório) e não avaliaram a ligação entre as lesões
causadas e as atividades da BASF.

Parece-me que o procedimento em curso não foi bem compreendido pela Recorrente,
repetindo, trata-se de ação coletiva, na qual investiga-se se a contaminação ambiental causou
danos aos trabalhadores, aqui representados coletivamente, cujas especificidades serão apuradas,
determinadas e definidas na liquidação, ocasião em que, se necessárias provas, por exemplo
perícias específicas, poderão ser realizadas para estabelecer nexo de causalidade e a extensão dos
danos sofridos individualmente.
Não há como realizar perícia específica para estabelecer nexo de causalidade individual
na fase de instrução da ação coletiva, onde o objeto da investigação é geral, abrangente,
impessoal, universal.

O processo trabalhista utiliza-se das bases estabelecidas no Código de Processo Civil,


adotando-se o sistema de persuasão racional, na qual compete ao autor estabelecer o limite do
pedido (Artigos 128 e 282, IV) e, ao réu, os limites da controvérsia (Artigo 302).

Ao Juiz, conforme o Artigo 130, do mesmo Códex, cabe, exclusivamente, a direção do


processo, determinando, de ofício ou atendendo requerimento das partes, as provas que serão
produzidas.

No caso, a MMª Juíza presidiu com maestria a instrução processual, formando um


conjunto probatório suficiente para o conhecimento e deslinde do que foi posto sub lite, não
havendo o menor resquício de cerceamento do direito de defesa.

Como já decidido, quando enfocado o recurso da litisconsorte SHELL, a prova


testemunhal não teria qualquer utilidade para a instrução processual, que, conforme as razões
recursais, objetivava demonstrar a inexistência do nexo de causalidade e que jamais foram
manipulados os produtos nocivos mencionados.

Os depoimentos de testemunhas em nada contribuiriam ou alterariam o panorama


evidenciado pelas demais provas, que são hábeis para demonstrar quais eram os produtos
manipulados e a toxicidade das misturas processadas nas empresas.
A MMª Juíza delimitou corretamente a produção das provas, indeferindo as inúteis e
impróprias, nos limites que lhe permite o Artigo 130, do Código de Processo Civil, não havendo
falar em cerceamento de defesa.

5. Ofensa aos princípios gerais do processo


A Recorrente digressiona perigosamente, critica a isenção da Magistrada, ultrapassando
o debate processual.

A presidência do processo foi exercida dentro das normas


processuais aplicáveis, isenta de qualquer interferência de cunho sentimental da Magistrada em
seu manejo, não havendo ínfimo fundamento que ampare as insinuações lançadas no recurso.

O desiderato velado é inadequado, intempestivo, ilegítimo e, por isso, os parágrafos que


ora lhe são dedicados esgotam o tema espúrio que a Recorrente tentou incluir.

PRELIMINARES COMUNS

Incompetência absoluta, Impropriedade da via eleita e IIegitimidade ativa

O debate fulcral está na eclosão de doenças causadas por produtos químicos utilizados
pelas Reclamadas.

Os litigantes são, irrefutavelmente, personagens típicos das relações litigiosas de cunho


trabalhista - empregados e empregadores. O embate é nitidamente laboral e só mesmo a Justiça
do Trabalho tem a competência material para deslindá-lo (Artigo 114, da Constituição), inclusive
para apreciação do pedido de extensão das indenizações e amparo aos descendentes dos
trabalhadores contaminados, já que, se o nexo for detetado, estará abrangido pela decisão desta
Especializada, posto que decorrente do mesmo fato gerador – contaminação ambiental que
atingiu a saúde dos trabalhadores – que produzirá danos sequenciais, presentes e futuros.

Os substitutos processuais, Sindicato de Trabalhadores e Associação de Empregados,


encaixam-se no modelo definido no Artigo 6º, do Código de Processo Civil, estão autorizados
por lei e, com base nisso, pleiteiam direitos que irão beneficiar os trabalhadores que representam.
A Associação de Trabalhadores e o Sindicato contam com legitimação especial para agir
coletivamente em nome dos que os instituíram, como previsto no Artigo 5º, inciso XXI, da
Constituição, Artigos 81 e 82, do Código de Defesa do Consumidor e Artigo 5º, da Lei nº
7.347/85.

O Ministério Público está autorizado a promover a ação civil pública, em defesa de


direitos difusos e coletivos, concorrendo com outras instituições, porém sem que uma exclua a
outra (Artigo 129, inciso III e parágrafo 1º, da Constituição).

Por outro lado, os substituídos formam um conglomerado de pessoas com um liame


comum e fatídico, foram atingidos pelos produtos químicos manipulados pelos empregadores,
cujas consequências lhes autorizam a demandar, concomitantemente, visando receber da Justiça
uma resposta uniforme.

O efeito do ato danoso foi concêntrico, atingindo um grupo de pessoas, com mais ou
menos intensidade, que, representados por instituições civis legítimas, simultaneamente
apresentaram ao Judiciário pedido de reparação individual, mas com a mesma gênese. A isto a
moderna processualística denomina ação coletiva, de caráter civil, que nasce genérica, com
indicação do fato gerador e pedido abrangente ao grupo, a ser individualizado na fase de
liquidação, momento apropriado para se identificar os beneficiários.

Este é o traço que distingue a ação civil pública, em sua fase cognitiva debate-se uma
conduta da qual irradiou uma miríade de efeitos, que atingiu um grupo de pessoas ou um bem
coletivo, identifica-se o beneficiário ou beneficiários, estabelecendo-se a responsabilidade de
cada réu e demarcando-se as condições para posterior liquidação.

Como a filiação ou associação dos trabalhadores em sindicato ou associações não é


obrigatória, como garante o Artigo 8º, inciso V, da Constituição, sua representação processual
pode ocorrer pelo Ministério Público do Trabalho, instituição oficial legitimada para defender
direitos difusos, coletivos e homogêneos, assim como por uma associação especialmente criada
para a defesa de causa específica, como no caso.
Patente a competência da Justiça do Trabalho para a apreciação das questões postas sub
lite, já afastadas aquelas que refogem a sua competência; os postulantes são legítimos; o meio
processual eleito (ação civil) é adequado; e as pretensões, em tese, são juridicamente possíveis,
não havendo, na composição autoral, nenhuma irregularidade capaz de impedir a marcha do
processo.

PREJUDICIAL DE MÉRITO

Prescrição

A prescrição é um instituto jurídico concebido em nome da pacificação do espírito do


devedor, que, segundo os seus criadores, não pode ser assombrado indefinidamente, como Jean
Valjean, personagem central de Victor Hugo em “Os Miseráveis”.

A inércia do credor corroeria seu direito e desobrigaria o devedor, após um lapso


tabelado pela lei.

A questão que causa consumição nos espíritos inquietos de alguns juristas é o início da
contagem da prescrição. Indagam-se, incessantemente: desde quando o direito é atingido pela
prescrição, isentando o devedor, que, livre da obrigação, poderá repousar tranquilo?

Não deveria ser tão tormentoso, o tema se resume na simples premissa – a partir do
momento em que o direito pode ser reclamado é disparado o prazo consumativo, definido em lei,
conforme o valor social do bem ou obrigação.

Na espécie, processa-se um embate no qual inicialmente propôs-se a discussão do direito


daqueles que, segundo o Ministério Público e uma Associação, foram contaminados por produtos
e procedimentos utilizados pelas empresas nas quais trabalhavam, com os quais tiveram contato
direta ou indiretamente, provocando lesões que já eclodiram ou poderão eclodir.
O objeto do processo, numa primeira perspectiva, é o estabelecimento de um liame entre
os materiais utilizados pelas empresas e efeitos perniciosos que causaram, causam ou causarão à
saúde dos trabalhadores e que já podem ser detetados ou que eclodirão futuramente, pois podem
ter sido introduzidos na constituição biológica, inseridos na carga genética, na forma de um
legado para a descendência dos trabalhadores atingidos.

Renovando, não se individualiza o direito na ação coletiva, a prestação jurisdicional irá


esgotar-se na definição da lesão e sua conexão com ato ou omissão do réu, previamente definido,
enquanto que os beneficiários, credores da reparação material, só serão identificados
posteriormente, na fase da liquidação, quando também se mensurará a extensão do dano material
e a reparação adequada.

Na substituição processual, o substituído, titular do direito vindicado, obrigatoriamente


não participa nem intervém nos debates cognitivos, haverá casos em que não terá sequer
consciência disso, pois, biso e friso, primeiramente discute-se o direito para depois se identificar
quem será agraciado.

Se o credor de uma obrigação não tem sequer conhecimento do seu direito, não poderá,
enquanto não concretizado através do reconhecimento judicial, reclamá-lo. É lógico.

Não incide prescrição no caso em tela, pois a obrigação que gerará a reparação pessoal
dos substituídos (o direito individual) ainda não está definida, isto só ocorrerá quando,
inapelavelmente, for determinada por decisão judicial cabal, trânsita.

MÉRITO

SHELL

A estupefação, constatada nas expressões lançadas pela Recorrente contra a Sentença e a


Juíza que a proferiu, como por exemplo: “teratológica” (repetida à fadiga), “razoabilidade
estropiada e de proporções deletérias”, “despudor”, “espírito de vendeta”, “transe emocional”,
“dano quimérico e especulativo”, “demiurga”, “teatro de horror”, “absurdo”, “aberrante”,
“assombroso” e “anedótico”, é justificável.

É da natureza do ser humano o assombro diante do desconhecido, do imponderável,


daquilo que vai além dos seus conhecimentos.

No caso, observando mais atentamente, vê-se que a Recorrente exagerou, o cenário a


que se refere como um “teatro de horrores” nada mais é do que uma ação civil pública, movida
por duas entidades, cuja atribuição legal é pleitear, em nome de uma parcela da sociedade,
direitos individuais homogêneos, cuja causa seria, em tese, propagação de danos materiais e
morais, passíveis de mensuração coletiva e, posteriormente, individualizadas.

O enfeixamento de pedidos, inicialmente de forma genérica, é possível quando não há


como previamente identificar as consequências do ato ou evento do qual originou a
reivindicação, isto não deveria causar tamanho espanto, pois há muito está previsto no Artigo
286, do Código de Processo Civil.

As ações civis públicas já deixaram de ser uma inovação processual, tornaram-se


comuns, com elas convivemos há tempos e não deviam causar pesadelos.

A reivindicação coletiva constitui a forma ideal de resolução de conflitos, por ter a


capacidade de concentrá-los num só procedimento ao invés de irradiar inúmeros litígios,
submetidos a diversos Juízes, cujas decisões podem ser distintas e conflitantes.

Dito isto, passo a analisar, cartesianamente, o conteúdo da demanda, destrinchando


particularidades, para enfeixar o resultado final:

A Recorrente foi condenada a pagar indenização por dano moral coletivo, reversível ao
Fundo de Amparo do Trabalhador; custear despesas com assistência médica, por meio de
entidades hospitalares, clínicas especializadas e consultórios médicos, psicológicos, nutricionais,
fisioterapêuticos e terapêuticos da cidade de São Paulo e da região metropolitana de Campinas,
para atendimento médico, nutricional, psicológico, fisioterapêutico e terapêutico, internações aos
ex-trabalhadores, seus empregados e da co-ré BASF, prestadores de serviços autônomos e seus
filhos nascidos no curso e após as contratações; constituir um comitê para gerir estes
atendimentos; divulgar na imprensa a decisão, a fim de atrair os beneficiários; indenizar cada
trabalhador e filho nascido durante a prestação de serviço, substituindo a obrigação de dar-lhes
assistência (obrigação de fazer) e pagar indenização individual por dano moral a todos os
trabalhadores e sucessores que prestaram serviços como empregados, prestadores de serviços ou
autônomos, representados e substituídos pelas entidades autoras da ação: Ministério Público,
Associação de Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas e Sindicato de Trabalhadores nas
Indústrias Químicas, Farmacêuticas, Plásticos, Abrasivos e Similares.

O inconformismo inicia-se com a rejeição a uma solução generalizante, defendendo a


heterogenia das reparações porventura devidas aos ex-empregados acometidos por moléstias
ocupacionais, cujas definições deveriam, no entender da Recorrente, ser objeto de ações
separadas, com aferição individual do nexo de causalidade e o dano.

A ação coletiva, como já afirmado, é o meio adequado para a solução de casos


envolvendo direitos individuais maculados por um evento concêntrico.

É certo que cada um dos ofendidos foi atingido com intensidades diversas, conforme
tempo de exposição, propensão, idade, proximidade com o agente, mas a causa é comum, no
caso, a nocividade advinda dos insalubres a que foram expostos.

Contudo, apurar-se a causa e as consequências do dano coletivamente e depois avaliar,


individualmente, os prejuízos sofridos por cada indivíduo não é teratológico, como afirma a
Recorrente.

A plausibilidade da investigação geral e a particularização posterior está prevista


fartamente na nossa legislação, inclusive, é incentivada como modelo de pacificação de diversos
litígios com um único remédio jurídico – a ação civil pública.
A reparação pode ser intuito personae, heterogênea, individual, mas o meio para
alcançá-la é o processo coletivo, desde que o fato gerador possa ser encerrado num perímetro
definido, identificado pela irradiação de seus efeitos, biso e friso, concentricamente.

O custeio do tratamento médico ao trabalhador e seus filhos, nascidos na constância do


contrato de trabalho ou após, não será concedido indiscriminadamente, como afirma a
Recorrente. As situações particulares serão analisadas e avaliadas por um comitê, como
especifica o item “b.2” do dispositivo da Sentença: “custear previamente as despesas com
assistência médica, por meio de entidades hospitalares, clínicas especializadas e consultórios
médicos, psicológicos, nutricionais, fisioterapêuticos e terapêuticos da cidade de São Paulo e da
Região Metropolitana de Campinas, para atendimento médico, nutricional, psicológico,
fisioterapêutico e terapêutico, além de internações, aos ex-trabalhadores, empregados da Shell
Brasil S/A, da Basf S/A ou das empresas por elas contratadas, prestadores de serviços
autônomos e dos filhos desses obreiros nascidos no curso ou após tais contratações, consoante
suas necessidades...”(fls. 10.385, frente e verso - grifo meu).

As necessidades de cada trabalhador ou filho serão definidas na liquidação, por uma das
formas previstas no Artigo 879, da CLT: arbitramento, através do comitê gestor a ser constituído
por representantes das partes, conforme determinado no item “b.3” ou artigos, quando houver
necessidade de provar algum fato imprescindível para a definição, por exemplo perícia para
estabelecer o nexo causal e sua repercussão. Simples e claro!

Não se trata de indenização por mera cautela, simples precaução e por puro risco, não há
nada de absurdo na conclusão da Sentença, como alegado, o dispositivo citado prevê a hipótese e
estabelece as formas de conversão da condenação ilíquida, portanto, se há previsão legal,
logicamente haverá situação fática que nela se encaixe, não podendo, por isso, ser tachada de
taratológica.

A obrigação de contratar plano de saúde vitalício com cobertura de consultas, exames,


tratamento médico, psicológico, fisioterápico, terapêutico e internações, determinada pela MMª
Juíza em antecipação da tutela, foi modificada por decisão da SDI-1 deste Regional, em Mandado
de Segurança impetrado pela Recorrente, nos termos do Voto da Excelentíssima Relatora,
Desembargadora Helena Rosa Mônaco S. L. Coelho, que a converteu em obrigação de custear
previamente as despesas com assistência médica, por meio de entidades hospitalares, clínicas
especializadas e consultórios médicos, psicológicos, nutricionais, fisioterápicos e terapêuticos, o
que foi mantido na Sentença, adotando os fundamentos da Relatora do Mandado de Segurança,
conforme transcrito na fundamentação (fls. 10.374 a 10.378).

Não ocorreu julgamento extra petita, como alega a Recorrente, conforme fundamento do
Voto lavrado no Mandado de Segurança citado acima; impôs-se à ré uma obrigação de fazer
diversa do pedido, mas com resultado prático factível e equivalente, eliminando-se terceiro
(empresa de planos de saúde) e estabelecendo-se um liame direto entre a empresa e o
beneficiário, como previsto no Artigo 461, cabeça e parágrafos 3º e 5º, do Código de Processo
Civil.

A Recorrente ainda não se deu conta da modernização da atividade jurisdicional, além


de aterrorizar-se por desconhecer ação civil pública, também parece desconhecer o princípio da
fungibilidade da concessão da tutela, segundo o qual o Juiz pode converter uma obrigação em
outra, para assegurar o resultado prático equivalente ao adimplemento originariamente
pretendido, como primorosamente ensinou a Desembargadora Helena em seu voto.

Como se constata, a forma de indenização a que foi condenada a Recorrente não proveio
apenas do convencimento único da MMª Juíza que proferiu a Sentença, contribuíram outros
Magistrados, componentes de uma Seção Especializada deste Tribunal. Serão todos demiurgos,
legisladores caprichosos, inventores de outra modalidade de reparação civil?

O que não atinou, a Recorrente, é que o Juiz não é mais aquele ser inerte, que só agia
quando provocado, a direção do processo modernizou-se, tornou-se proativa.

O Juiz Trabalhista há muito impulsiona, de ofício, a execução (Artigo 878, da CLT) e a


legislação processual civil prevê mecanismos que também podem ser manejados para garantir a
efetividade de suas decisões, como ocorre com a antecipação da tutela definitiva e as astreintes
(Artigo 273 e 461, do Código de Processo Civil), dos quais a MMª Juíza valeu-se para acelerar a
tutela, desde que constatou a presença dos requisitos que ensejavam sua antecipação, a
premência, urgência e verossimilhança das alegações contidas na postulação.

A condenação da Recorrente não está fundada em mera presunção de dano, mas em


estudos, laudos, parecer do Ministério Público do Estado de São Paulo, pela confissão da empresa
que, em 1966 e em 2000, celebrou acordos com a Promotoria de Paulínia para descontaminação e
recuperação do solo, atingido em nível tão profundo que abrangeu inclusive o aquífero.

Como asseverado, minudentemente, na Sentença, os métodos e equipamentos utilizados


pela Recorrente não foram eficazes para conter ou impedir a emissão de poluentes e a
contaminação do meio ambiente, incluindo solo, ar, água e organismos dos seus empregados.

A prevalecer a tese defendida pela Recorrente a Sentença se constituirá numa


indulgência à empresa, pois nenhum trabalhador ficou, está ou estará doente, portanto, nenhum
beneficiário será identificado.

As medidas de antecipação da tutela, consistentes em custear imediatamente as despesas


com tratamento médico dos trabalhadores que se apresentassem, não foram cumpridas, o que
levou a MMª Juíza a converter aquela obrigação de fazer em indenização, a fim de compensar os
prejudicados não assistidos durante o lapso decorrido entre a ordem e o seu cumprimento.

Não houve julgamento além do pedido, a antecipação dos efeitos da tutela pretendida foi
pleiteada pelos autores na petição inicial, acolhida e as Reclamadas negaram-se a cumprí-la,
atraindo reparação retroativa à data em que deveriam ter atendido à determinação judicial.

A obrigação de fazer, na espécie, assistir os trabalhadores, iniciou-se com o ajuizamento


da ação e como não foi cumprida até a data do julgamento, corretamente foi convertida em
pecúnia, suficiente para reparar o tempo da desobediência.
Não é a criação de uma pena, apenas a conversão legal de uma obrigação de fazer que se
inviabilizou, por culpa da recalcitrância das Recorrentes, como previsto nos Artigos 247 e 248,
do Código Civil. Não há nada de absurdo.
O dano moral coletivo não é uma teratologia, intolerável pelo ordenamento, nem se
constitui em “super multa”, como alega a Recorrente.

Os tempos são outros, não mais se admite que alguém fira a dignidade de uma
comunidade, de um grupo de pessoas, de um bairro, de uma cidade, de um País e permaneça
incólume.

O patrimônio moral não é unicamente individual, espraia-se e pode pertencer a grupos,


tribos, comunidades restritas ou amplas, formadas por indivíduos, cujo bem-estar, a saúde e a
incolumidade somam-se e podem sofrer danos abrangentes.

Este patrimônio coletivo é facilmente identificado nos objetivos constitucionais


fundamentais da nossa República Federativa, precipuamente uma sociedade justa, livre, solidária,
com garantia de desenvolvimento social, erradicação da pobreza, redução das desigualdades
sociais, promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos (Artigo 3º, da Carta Magna), com
direitos fundamentais de religiosidade, intimidade, honra, imagem (Artigo 5º) e redução de riscos
no trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança (Artigo 7º, inciso XXIII) etc.

Não há antijuridicidade na imposição de indenização por dano moral coletivo, é


absolutamente plausível e mensurável o temor, a angústia do conjunto de trabalhadores da
empresa, que sofrem com a expectativa de desenvolver sintomas de contaminação ou de
transmitir a seus descendentes anomalias através do legado genético.

A decisão está em consonância com julgado recentíssimo do TST:

“A Volkswagen do Brasil Ltda. foi condenada ao pagamento de indenização por dano moral
coletivo a empregados que foram levados a desistir de ação judicial para que pudessem se
beneficiar de bolsas de estudos e promoções funcionais oferecidas pela empresa. A Quinta
Turma do Tribunal Superior do Trabalho manteve a decisão regional que estipulou o valor da
condenação em R$ 3 mil por empregado, cujo total deverá ser revertido ao Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT).

A coação foi comprovada em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do
Trabalho. A empresa defendeu seu critério de seleção, mas o Tribunal Regional da 2ª Região
(SP) confirmou a sentença do primeiro grau e ressaltou que a própria empregadora confessou a
adoção de critérios ilícitos para a concessão dos referidos benefícios aos empregados.

Para a VW, “nada mais natural que a empresa prefira investir em trabalhadores que
demonstrem satisfação com o emprego e pretendem continuar trabalhando, em detrimento
daqueles que, de uma maneira ou de outra, passem a impressão de que estão prestes a sair da
empresa”, noticiou o acórdão regional.

Contrariamente, o relator do recurso da Volkswagen na Quinta Turma


do TST, ministro João Batista Brito Pereira, destacou que o reprovável
critério de seleção adotado pela empresa para conceder os benefícios a
seus empregados foi atestado por robusta prova no acórdão regional.
Qualquer decisão contrária à do TRT demandaria novo exame de fatos e
provas, o que é vedado nesta instância recursal, informou o relator.

Quanto à condenação, o ministro ressaltou que os incisos VI e VII do artigo 6º do Código de


Defesa do Consumidor asseguram que são direitos do consumidor a prevenção e a reparação de
danos patrimoniais e morais, sejam individuais, coletivos ou difusos. O relator acrescentou que,
para o TST, “a coletividade detém interesse de natureza extrapatrimonial, que, violado, gera
direito à indenização por danos morais”.

O voto do ministro Brito Pereira foi aprovado por unanimidade. A Quinta Turma, então, não
conheceu do recurso de revista da Volkswagen, que entrou com embargos declaratórios e
aguarda julgamento.” (RR-162000-51.2005.5.02.0046/Fase atual: ED-RR – Notícias do Tribunal
Superior do Trabalho – sítio oficial – 23/02/2011)

O valor pleiteado pelos autores e acolhido pela MMª Juíza é módico, foi fixado em 3%
(três por cento) do lucro das empresas, segundo notícias veiculadas na internet (fls. 2.119/2.120),
considerando que o número de trabalhadores afetados pode chegar a mil, mas já há estimativas
confiáveis de que atingirá um número bem maior de pessoas, conforme divulgado em
11/07/2008, pelo jornal Folha de São Paulo
(http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u421691.shtml ).

O valor da indenização pode parecer vultosa (R$ 761.339.139,37), mas representa um


percentual mínimo do lucro das reclamadas, que auferido com atos gerenciais perniciosos, ainda
lhe sobraram 97% em troca das vidas que colocou em risco, impingiu sofrimentos e cerrou
horizontes.
Tal fato pode ser comprovado em notícia divulgada em 03/02/2011, no site de economia
http://economia.ig.com.br/empresas/shell+planeja+investimento+de+r+267+bilhoes+no+brasil/n
1237981966764.html, do Portal IG, no qual a própria empresa SHELL declarou que “No quarto
trimestre do ano passado a companhia teve um lucro líquido de US$ 6,79 bilhões, um
crescimento de 246% em comparação com o resultado de US$ 1,96 bilhão verificado no mesmo
período em 2009.”

Em 29/07/2010, o site da Globo, em Economia & Negócios, também divulgou os lucros


da companhia SHELL, do teor seguinte: “A companhia petroleira anglo-holandesa Royal Dutch
Shell alcançou lucro de US$ 4,393 bilhões no segundo trimestre, 15% acima do ganho apurado
no mesmo período de 2009 (US$ 3,822 bilhões). No primeiro semestre, a companhia acumulou
lucro de US$ 9,874 bilhões, marcando alta de 35% sobre o resultado líquido dos seis primeiros
meses de 2009”. (Vide: http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/07/lucro-da-shell-
sobe-15-no-trimestre-para-us-439-bilhoes.html

Sob estes prismas, a considerar tais informações, no que concerne ao lucro auferido pela
Recorrente, bem assim o número estimado de pessoas atingidas, o valor fixado não se mostra
excessivo, nem mesmo satisfaz, apenas ameniza.

O Fundo de Amparo ao Trabalhador é órgão indicado pelo Ministério Público, autor da


demanda, para receber a indenização por dano moral coletivo, é legítimo e adequado para a
destinação do recurso, dada sua finalidade institucional: promover programas de atendimento a
todos os trabalhadores nacionais, empregados e desempregados, incluindo, certamente, aqueles
que foram prejudicados pelas ações danosas das Recorrentes.
A MMª Juíza determinou a constituição de um comitê, integrado por representantes dos
litigantes, inclusive, das Recorrentes, sem, evidentemente, abdicar de sua função jurisdicional,
certamente presidirá e fiscalizará os procedimentos, decidindo as questões e estabelecendo
parâmetros, como já dito, trata-se de liquidação de sentença, impossível de ser comandada
exclusivamente pela Magistrada.
A Recorrente não deve se amedrontar ante as inovações, apenas conscientizar-se que, na
direção do processo, o Juiz determina a forma adequada para entrega da prestação jurisdicional,
conforme a peculiaridade do processo, não há cartilhas para fazê-lo, não se pode uniformizar as
decisões como em bulas, com posologia, indicações, porções e medidas predeterminadas.

A assessoria permitida ao órgão gestor favorece a Recorrente, serão técnicos, peritos,


profissionais especializados, sem os quais não há como definir e enquadrar as diversas situações
que surgirão.
As custas processuais não se resumem ao recolhimento do percentual incidente sobre o
valor da condenação, abrange todos os recursos necessários para a resolução do processo. Por
isso, foram impostos à empresa o custeio do funcionamento do comitê e as despesas necessárias
para a liquidação. E a quem mais caberiam?

A constituição e funcionamento do comitê não é teratológica (mais uma vez) como alega
a Recorrente, tanto que a decisão primígena foi mantida pelo Ministro Carlos Alberto Reis de
Paula (fls. 11.165/11.170).

A correção monetária e os juros foram fixados corretamente, no que diz respeito ao


pleito certo e determinado, deduzido na peça de ingresso, iniciam-se com o pedido e, quanto às
indenizações que foram fixadas na sentença, a partir da data de sua prolação.

A contaminação causada pelas Reclamadas perduraram por longo tempo e, certamente,


milhares de trabalhadores já se mudaram e a única forma de dar-lhes conhecimento é através da
imprensa, não havendo qualquer violação aos artigos 5º, Inciso IV e IX e 220 da CF e artigo 94
do Código de Defesa do Consumidor.

BASF

A Recorrente BASF alega que foi vítima da contaminação ambiental provocada pela
SHELL e não teve nenhuma participação na poluição do meio ambiente, não havendo um único
dispositivo legal que lhe seja aplicável.
Vã tentativa, como definido na Sentença, a BASF é sucessora da Cyanamid, empresa
que compartilhava o parque industrial com a SHELL, admitindo os empregados desta empresa e
dando continuidade aos empreendimentos, atraindo a responsabilidade solidária, como previsto
expressamente no Artigo 2º, parágrafo 2º, da CLT - é este o dispositivo legal que lhe é aplicável.

A sucessão é incontroversa, foi admitida pela própria empresa em


seu site, conforme notícia veiculada em 20/08/2010, a qual pode ser confirmada no endereço
eletrônico: http://www.basf.com.br/?id=6119

Em se tratando de responsabilidade solidária, decorrente de previsão legal expressa, não


cabe decidir no processo trabalhista a cota de cada empresa, a solidariedade apanha todos os
devedores em relação à indenização do credor, conforme previsto no Artigo 942, do Código
Civil, cabendo a eles (devedores solidários), estabelecerem em ação própria a proporcionalidade
de suas responsabilidades, nos termos do Artigo 930, do mesmo Códex.

Os demais argumentos da Recorrente coincidem com os da empresa SHELL, mantendo-


se os fundamentos desfiados em relação ao apelo de sua litisconsorte.

O RELEVANTE E O REALMENTE DECISIVO

A contaminação ambiental provocada pelas empresas SHELL (de 1977 a 1995),


America Cyanamid (de 1995 a 2000) e BASF (de 2000 a 2002), está demonstrada no parecer
técnico de fls. 1.674/1.719, no qual historia-se e detalha-se a evolução da atividade industrial
desde a década de 1970, ressaltada na Sentença, na decisão proferida pela Desembargadora
Helena Rosa Mônaco da Silva Lins Coelho (fls. 10.357 verso e 10.358)
A divulgação dessa contaminação se expandiu a partir de 2001, conforme se constata na
informação prestada no site no Greenpeace, segundo o link:
http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Noticias/o-mar-de-lama-da-shell-em-paul/

O Ministério Público do Estado de São Paulo, fls. 1.674/1.719, fez vistorias e, com base
em fotografias, entrevistas, documentos da CETESB e da Prefeitura de Paulínia, concluiu pela
correlação entre os produtos manuseados, formulados e sintetizados pela SHELL, que poluíram o
meio ambiente interno e externo, devido a instalações e procedimentos impróprios.

A consultoria ambiental forneceu ao Ministério da Saúde o laudo de fls. 1.721/1.774, no


qual concluiu pela negligência, imprudência e imperícia da SHELL e das empresas que a
sucederam, que causaram contaminação do solo e águas subterrâneas da empresa e de todo o
bairro onde estava instalado o seu parque industrial.
Nos termos do acordo de ajustamento de conduta (fls. 271/288) e na escritura de
assunção de obrigação com preceito cominatório (fls. 303/304), lavrada em 09/01/1996, a
SHELL confessou, espontaneamente, a contaminação do lençol freático em suas instalações, de
proporções tão graves, que atingiu o aquífero e comprometeu-se a adotar medidas para evitar a
migração do dano às propriedades vizinhas.

Indubitável o dano ao meio ambiente causado pela nefasta atuação das Recorrentes, que
gerou o dever de reparar todos os prejuízos dele decorrentes, do qual não se pode dissociar o
trabalhador, dado os males causados a sua saúde, seja em sua composição atual ou em eventual
alteração genética, a se considerar os danos físicos presentes e futuros, nem tampouco se pode
afastar a culpa inicial da SHELL, que evoluiu para o dolo quando deu prosseguimento aos
mesmos métodos de industrialização de componentes químicos, sabidamente danosos.

E não há falar em limitação dos danos à pessoa do trabalhador.

A partir da “Evolução das Espécies” de Charles Darwin (1859), passando pela


formulação das leis fundamentais da hereditariedade, com base nos experimentos de Gregor
Mendel (1865); depois com a elaboração do primeiro rascunho da sequência do genoma humano,
publicado em 1999 até o “Projeto do Genoma Humano”, que sequenciou 99% do nossos
componentes genéticos (2003), tornou-se possível o estudo da herança transmitida aos
descendentes, incluindo as anomalias causadas por produtos químicos.

A BASF atuou no mesmo parque industrial, ocupou conscientemente o imóvel e


instalações contaminadas pela empresa SHELL e Cyanamid, não havendo qualquer dúvida
quanto à sucessão em relação a esta empresa e consórcio com a SHELL, configurando grupo
empresarial e atraindo para si a responsabilidade solidária, na forma dos Artigos 2º, parágrafo 2º,
10 e 448, da CLT e Artigos 927 e 942, parágrafo único, do Código Civil.

A Sentença é exauriente, tanto na análise dos argumentos das partes, quanto no exame
das provas e fundamentos possíveis sobre o caso, cabendo, em seu reexame, apenas confrontar as
razões recursais, abundante em ataques pessoais à Magistrada, mas pobre na sustentação jurídica.

Não apontaram as Recorrentes uma só prova de sua inocência, não comprovaram que o
que produziram, manipularam ou industrializaram, quer em suas formulações originárias, quer na
composição por elas desenvolvida, fossem benéficos, faltaram-lhes argumentos jurídicos para
afastar de si a culpa e a obrigação de assistir a todos que foram atingidos em sua integridade
física, mental e moral.

Não há nada mais a acrescentar à nobilíssima Sentença, sem correr o risco de repetição
infinda e desnecessária, os fatos, atos e consequências foram analisados minudentemente, atando
as empresas ofensoras aos danos provocados e as indenizações foram estabelecidas em valores
módicos, condizentes com o valor do bem ofendido (a vida), não comportando qualquer
modificação.
DIANTE DO EXPOSTO, decido não conhecer do recurso interposto pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, conhecer dos recursos interpostos por SHELL
BRASIL LTDA. e BASF S/A, não os prover e manter integralmente a Magistral Sentença
recorrida.
Para começo
de conversa...
C
aro aluno, esta é a primeira aula da disciplina Segurança do Trabalho I. Nesta
disciplina, vamos introduzir conceitos básicos relacionados ao curso que você
escolheu para se profissionalizar. Nesse aspecto, para que você possa começar
a entender o que é segurança do trabalho, observe a letra de uma música bastante
conhecida que exemplifica a consequência da falta de segurança no trabalho.

[...] E flutuou no ar como se fosse um pássaro


E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego [...]
(Construção – letra e música de Chico Buarque de Holanda).

A música do compositor Chico Buarque (1971) narra a vida cotidiana de um trabalhador


da construção civil e o episódio em que sofre um acidente. O autor considera sua
música como um simples jogo de palavras – “Não passava de experiência formal,
jogo de tijolos...” (Status, 1973 entrevista a Judith Patarra) – mas na época em que
foi gravada, retratava a situação de descaso em que viviam nossos trabalhadores da
construção civil.
A revista on line Evidência, em sua edição 105, escreve:

“Arte é... vidência: A arte como forma de retratar o sentimento de um povo em toda a
sua essência, com suas cores e traços únicos [...]”

Referindo-se ao pintor Cândido Portinari, brasileiro, como aquele que

[...] Com o passar dos anos, a obra de Cândido transformou-se: de uma arte
revolucionária surgiu uma obra preocupada socialmente com a condição brasileira,
com a gente que forma esse país rico e miserável, com a exploração do trabalho
operário, com a dor pela falta do pão de cada dia [...], [cuja afirmação está retratada
na obra Operário]. (O ENIGMA..., 2009, extraído da Internet, grifos nossos).

O cotidiano
do trabalhador
Analisando a distribuição das 24 horas de um dia, teremos 8 horas reservadas para o
trabalho. As 16 horas restantes são utilizadas no ambiente da sua comunidade, onde 8
horas são para o descanso e as outras 8 horas para outras atividades, tais como lazer,
estudo, necessidades básicas, etc.

O que podemos
encontrar nesses dois
tipos de ambientes?
O ambiente ocupacional é aquele em que o trabalhador exerce sua atividade laboral.
Esse espaço físico é preparado para receber o trabalhador nas mais diversas atividades:
fabricação de móveis, construção de edifícios, prestação de serviços, extração de
minério, dentre outras. Assim, nesses ambientes, podemos encontrar: ferramentas
manuais (alicates, facas etc), máquinas (prensa hidráulica, serra circular etc); ruído
intenso; fontes de calor e frio; produtos químicos potencialmente tóxicos – gases,
poeiras, névoas, etc.
O ambiente da comunidade é constituído pelo meio ambiente que nos envolve e pelas
modificações impostas pelo ser humano. Essas mudanças, cujo objetivo é satisfazer
o homem, geram, dentre outras, situações de risco à população. Podemos elencar a
poluição das águas e do ar, a utilização de agentes químicos potencialmente tóxicos nos
cosméticos, aditivos em alimentos – agrotóxicos e afins – drogas, agentes de limpeza
– produtos químicos, etc.

Desse modo, é de responsabilidade do próprio homem e do poder público zelar pela


segurança no ambiente da comunidade, procurando viver em harmonia com a natureza,
construindo e exigindo edificações seguras. No ambiente laboral, essa responsabilidade
passa a ser do empregador. Ele prepara o ambiente para receber o trabalhador de forma
a preservar sua saúde e segurança no desenvolvimento das atividades.
Afinal, o que é
Segurança do Trabalho?

A segurança do trabalho pode ser entendida como os conjuntos de medidas que são
adotadas visando a minimizar os acidentes de trabalho, doenças ocupacionais, bem
como proteger a integridade física e a capacidade de trabalho do trabalhador.

Como exemplo, podemos citar o trabalho realizado nos portos, onde o trânsito de carga
e descarga de materiais exige planejamento nas vias de movimento de carga, seja ele
efetuado por meio de cargas suspensas ou transporte viário, no sentido de se evitar
os acidentes.
Medidas preventivas também devem ser observadas no transporte e levantamento de
cargas realizados por trabalhadores, objetivando evitar lesões na coluna vertebral e
dores musculares.

Como podemos atingir a meta de saúde e


segurança no ambiente de trabalho?
Para atingir esta meta é necessário que a engenharia, nas diversas áreas, em conjunto
com a medicina, possam agir.

Dessa forma, a segurança do trabalho estuda diversas disciplinas como Introdução


à Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho, Prevenção e Controle de Riscos em
Máquinas, Equipamentos e Instalações, Psicologia na Engenharia de Segurança,
Comunicação e Treinamento, Administração aplicada à Engenharia de Segurança, O
Ambiente e as Doenças do Trabalho, Higiene do Trabalho, Metodologia de Pesquisa,
Legislação, Normas Técnicas, Responsabilidade Civil e Criminal, Perícias, Proteção
do Meio Ambiente, Ergonomia e Iluminação, Proteção contra Incêndios e Explosões e
Gerência de Riscos.

Como a segurança do trabalho atua no âmbito


da empresa?

Aparentemente, algumas atividades laborais parecem inofensivas, como é o caso de


uma fábrica de chocolates. Apesar do produto final ser apreciado em quase todo o
mundo, o processo de fabricação requer cuidados com a segurança dos trabalhadores
por meio da implantação de programas de saúde e segurança através de uma equipe
multidisciplinar composta por Técnico de Segurança do Trabalho, Engenheiro de
Segurança do Trabalho, Médico do Trabalho e Enfermeiro do Trabalho. Estes profissionais
formam o que chamamos de Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e
Medicina do Trabalho (SESMT). Também os empregados da empresa contribuem para
a promoção da saúde e bem estar do trabalhador ao constituírem a Comissão Interna
de Prevenção de Acidentes (CIPA), composta por representantes do empregador e
representantes dos empregados, que tem como objetivo a prevenção de acidentes e
doenças decorrentes do trabalho, de modo a tornar compatível permanentemente o
trabalho com a preservação da vida e a promoção da saúde do trabalhador.

O que é Medicina
do Trabalho?
É
o ramo da Medicina que visa à preservação da saúde do trabalhador, melhorando
as condições de sua atividade, bem como corrigindo as consequências dela
advindas que são prejudiciais ao homem. Ela atua no monitoramento da saúde
do trabalhador, desde a entrada na empresa com os exames admissionais, até o
término de seu contrato de trabalho com os exames demissionais e intervenções para
melhorar a saúde do trabalhador durante sua vida laboral.

A quem cabe a
responsabilidade pela
Segurança do Trabalho?
A
responsabilidade pela segurança do trabalho é tripartite: poder público,
empregador e empregado. Assim, cabe ao poder público a criação e fiscalização
das normas e leis que versam sobre segurança e saúde no trabalho, cabe ao
empregador fazer cumprir essa legislação, podendo ser punido em caso de desrespeito
às exigências e cabe ao trabalhador cumprir as exigências de saúde e segurança
nos locais de trabalho, obedecendo às normas e leis específicas, contribuindo para
a manutenção das condições de trabalho saudáveis, uma vez que é para ele que o
ambiente é adaptado.
Até aqui, vimos o que é segurança do trabalho e como podemos implantá-la no ambiente
de trabalho em benefício do trabalhador. Como foi despertado esse interesse no
ambiente de trabalho? Qual foi o marco da Segurança do Trabalho? Para responder a
esses questionamentos, passaremos a descrever um pouco da História da Segurança
do Trabalho ao longo do desenvolvimento da sociedade.

Histórico
As atividades laborativas nasceram com o homem. Pela sua capacidade de raciocínio
e pelo seu instinto de se agrupar, o homem conseguiu, através da história, avanços
tecnológicos que possibilitaram sua existência no planeta. Partindo da atividade
predatória (caça), evoluiu para a agricultura e o pastoreio, alcançou a fase do artesanato
e atingiu a era industrial.
Apesar do trabalho ter surgido com o primeiro homem, as relações entre trabalho
e doenças profissionais, bem como entre trabalho e acidentes só começaram a ser
estudadas há cerca de 300 anos. Mesmo assim, esses estudos tratavam apenas de
observações individuais que não formavam um corpo comum.

Contudo, têm-se notícias de que Aristóteles – 384-322 a.C. – estudou as enfermidades


dos trabalhadores nas minas e, principalmente, a forma de evitá-las. Hipócrates – 460-
375 a.C. – pai da Medicina, quatro séculos antes de Cristo, estudou a origem das
doenças das quais eram vítimas os trabalhadores que exerciam suas atividades em
minas de estanho.

O marco da segurança
e saúde no trabalho!
O marco da segurança do trabalho se deu em 1700, na Itália, com a publicação da obra
“De Morbis Artificium Diatriba”- As Doenças dos Trabalhadores, de autoria do médico
Bernardino Ramazzini (1633-1714) que, por esse motivo, é considerado o “Pai da
Medicina do Trabalho”. Nessa obra, o autor descreve uma série de doenças relacionadas
a 50 profissões.
Com a invenção da máquina a vapor, nasce na Inglaterra a Revolução Industrial
(1760/1830). Assim, galpões, estábulos e velhos armazéns eram rapidamente
transformados em fábricas, colocando-se no seu interior o maior número possível de
máquinas de fiação e tecelagem.

Os ambientes improvisados destinados às fábricas mantinham em seu interior


temperatura elevada, não tinham ventilação suficiente para a renovação do ar respirável
e a umidade era constante. As máquinas ofereciam constante risco de acidentes aos
trabalhadores, uma vez que não foram desenvolvidas levando-se em consideração
seu usuário.

A improvisação das fábricas e a mão-de-obra constituída por homens, mulheres e crianças,


sem qualquer processo seletivo quanto ao seu estado de saúde e desenvolvimento físico,
culminaram em doenças e mortes. Diante dessa situação, reivindicações trabalhistas
foram feitas pelo povo, e os órgãos governamentais tiveram que intervir para que as
fábricas oferecessem um ambiente laboral mais digno.
A evolução da
segurança do trabalho
no mundo!
E
m 1802, o Parlamento Britânico aprovou a primeira lei de proteção dos
trabalhadores: a “Lei de Saúde e Moral dos Aprendizes” estabelecia o limite de 12
horas de trabalho por dia, proibia o trabalho noturno, obrigava os empregadores
a lavar as paredes das fábricas duas vezes por ano e tornava obrigatória a ventilação
do ambiente (MIRANDA, 1998, p. 2).

Em 1830, o proprietário de uma fábrica inglesa procurou Robert Baker, médico inglês,
pedindo-lhe conselho sobre a melhor forma de proteger a saúde dos trabalhadores.
Baker, conhecedor da obra de Ramazzini, aconselhou-o a contratar um médico da
localidade em que funcionava a fábrica para visitar diariamente o local de trabalho e
estudar a possível influência das instalações sobre a saúde dos operários, dessa forma,
os operários deveriam ser afastados de suas atividades profissionais tão logo fossem
notados que estas estivessem prejudicando a saúde dos trabalhadores. Surgia, assim,
o primeiro serviço médico industrial em todo o mundo. (NOGUEIRA, 1979, p. 11)

A produção fabril expõe os trabalhadores a diferentes situações de riscos, tais como


estresse, fadiga, devido a períodos prolongados de trabalho, doenças respiratórias
relativas à qualidade do ar que se respira, assim como pode ser um ambiente propício
à proliferação de doenças contagiosas. Nesse aspecto, esse foi o primeiro ambiente
laboral a ser amparado por lei.

Em 1833, foi baixado o “Factory Act” – Lei das fábricas, que foi considerada como a
primeira legislação realmente eficiente no campo da proteção ao trabalhador. Aplicava-
se a todas as empresas têxteis onde se usasse força hidráulica ou a vapor; proibia o
trabalho noturno aos menores de 18 anos e restringia as horas de trabalho destes a
12 horas por dia e 69 por semana; as fábricas precisavam ter escolas que deveriam ser
freqüentadas por todos os trabalhadores menores de 13 anos; a idade mínima para o
trabalho era de 9 anos, e um médico deveria atestar que o desenvolvimento físico da
criança correspondia a sua idade cronológica (NOGUEIRA, 1979, p. 11).

Em 1919, após a Primeira Guerra Mundial, na Conferência da Paz, foi criada a


Organização Internacional do Trabalho (OIT) fundamentada no princípio de que a paz
universal e permanente só pode basear-se na justiça social, sendo a única das Agências
do Sistema das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual os representantes
dos empregadores e dos trabalhadores têm os mesmos direitos que os do governo.

“No Brasil, a OIT tem mantido representação desde 1950, com programas e atividades
que têm refletido os objetivos da Organização ao longo de sua história.” (OIT, 2009,
extraído da Internet).
A evolução da
Segurança do Trabalho
no Brasil
O Brasil possui uma legislação relativamente recente em matéria de Segurança do
Trabalho. Até o início do século XX, a economia era baseada no braço escravo e na
agricultura, porém isso não significa dizer que, nessa época, não havia acidentes
decorrentes do trabalho.

Somente após a Primeira Guerra Mundial - 1919, resultante de tratados internacionais,


como o Tratado de Versalhes, medidas legislativas foram cogitadas no país, visando à
proteção dos trabalhadores, que começavam a se concentrar nas cidades.

No Brasil, podemos fixar por volta de 1930 a nossa Revolução Industrial e, embora
tivéssemos já a experiência de outros países, em menor escala, é bem verdade,
atravessamos os mesmos obstáculos, o que fez com que se falasse, em 1970, que o
Brasil era o campeão mundial de acidentes do trabalho.

Em 1966, foi criada oficialmente a FUNDACENTRO cuja missão é a produção e difusão


de conhecimentos que contribuam para a promoção da segurança e saúde dos
trabalhadores, visando ao desenvolvimento sustentável, com crescimento econômico,
equidade social e proteção do meio ambiente.
Embora o assunto fosse pintado com cores muito sombrias, podemos observar na
tabela a seguir (Tabela 1 - Número de acidentes do trabalho ocorridos no período de
1971 a 1996) a crescente preocupação com a segurança do trabalho evidenciada pela
diminuição gradativa do número de acidentados que só foi possível devido o esforço
conjunto de todos os envolvidos: trabalhadores, empresários e governo.
Cronologia da
Segurança do Trabalho
no Brasil
N
o Brasil, a evolução da segurança do trabalho se deu de forma mais tardia do que
na Europa, uma vez que a nossa revolução industrial começou por volta de 1930.
Nessa época, o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas, iniciou o processo de
direitos trabalhistas individuais e coletivos com a criação da CLT, em 1943. A partir daí,
outras medidas foram realizadas em benefício dos trabalhadores, como a criação da
Lei 8213, em 1991, que regulamentou os Planos de Benefícios da Previdência Social,
incluindo os benefícios dos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho.

Vejamos que fatos marcaram o desenvolvimento da segurança do trabalho no Brasil,


onde podemos observar a crescente preocupação por parte do poder público em garantir
melhores condições de saúde e segurança no ambiente de trabalho:

De 1919 a 1988
1919 – Criada a Lei de Acidentes do Trabalho, tornando compulsório o seguro contra o risco profissional.
1920 – Em Tatuapé/SP, surge o primeiro médico de empresa.
1923 – Criação da Caixa de Aposentadorias e Pensões para os empregados das empresas ferroviárias, marco
da Previdência Social brasileira.
1930 - Criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, atual TEM.
1933 – Surgiram os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP), entidades de grande porte, abrangendo os
trabalhadores agrupados por ramos de atividades. Tais institutos foram o IAPTEC (para trabalhadores em trans-
porte e cargas), IAPC (para os comerciários), IAPI (industriários), IAPB (bancários), IAPM (marítimos e portuários)
e IPASE (servidores públicos).
1934 – Criada no Ministério do Trabalho a Inspetoria de Higiene e Segurança do Trabalho que, ao longo dos anos,
passou a Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho (DSST), em nível federal, e Superintendência Regional
do Trabalho e Emprego (SRTE), em nível estadual.
1943 – Criada a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que trata de segurança e saúde do trabalho no Título
II, Capítulo V do Artigo 154 ao 201.
1966 – Unificação dos Institutos com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, atual Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS.
1966 – Criação da Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho – FUNDACENTRO, que
atua em pesquisa científica e tecnológica relacionada à segurança e saúde dos trabalhadores.
1972 a 1974 – Programa Nacional de Valorização do Trabalhador.
1978 – Criação das Normas Regulamentadoras Urbanas – NR´s (regulamentação da CLT, art. 154 a 201).
1988 – Promulgação da Constituição Federal (art. 7º, inciso XXII) e criação das Normas Regulamentadoras Ru-
rais – NRR.

Importância da
segurança do trabalho
Vários são os aspectos relacionados à implantação de programas de segurança e saúde
do Trabalho no âmbito da Empresa:

a) Aspectos Sociais – O ônus pelo acidente do trabalho reflete-se em toda a nação; é


ela que paga, através da arrecadação de impostos, ao incapacitado ou à família da
vítima de um acidente fatal o seguro social a que tem direito. É expressivo o número
de brasileiros aposentados por invalidez, que ficam à espera apenas do seu irrisório
salário, quando poderiam estar produzindo e, consequentemente, contribuindo para
o desenvolvimento do país.
b) Aspectos Humanos – Embora não se possa representar em números, o aspecto humano
é o mais importante, pois não há dinheiro que pague o preço de uma vida, assim como
não há indenização que corresponda ao valor de uma mão, de um braço ou de qualquer
parte do corpo mutilada em um acidente. Não dá para mensurar o significado, para os
familiares, de um indivíduo que saiu para trabalhar e não voltou, vítima de um acidente
do trabalho que poderia ter sido evitado. Outro fator não quantificável são os traumas
que um acidente acarreta para os companheiros do acidentado.

c) Aspectos Econômicos – A queda na produção de uma empresa e da nação como um


todo, decorrente de acidentes de trabalho, é um aspecto que deve ser considerado,
pois, além do custo final dos produtos, o acidente acarreta gastos com atendimento
médico, transporte, remédios, indenizações, pensões, etc.
Caro aluno, nesta aula você participou do início da nossa jornada de conhecimentos com
o nascimento da Segurança do Trabalho, uma conquista de trabalhadores, empregadores
e governo, pois todos saem lucrando. Na próxima aula, você conhecerá as causas e
fatores que levam aos acidentes de trabalho e como evitá-los. Até breve!
INTRODUÇÃO

O meio ambiente do trabalho saudável, com o advento da Constituição da


República Federativa do Brasil, passou a ser considerado um direito fundamental
pertencente a todos os trabalhadores. Com isso, devem todos os empregadores
respeitar as normas que versam sobre saúde e segurança em tal aspecto do meio
ambiente, sob pena de serem compelidos, pela via judicial, a observarem-nas,
mediante a imposição de multa pela sua inobservância.
Apesar disso, anualmente, em virtude de reiterados descumprimentos da
legislação concernente à higidez do meio ambiente laboral, são apuradas inúmeras
ocorrências de acidentes de trabalho, os quais, na maioria das vezes, acarretam ou
na perda/redução da capacidade de trabalho dos trabalhadores acidentados ou, até
mesmo, no seu óbito. É para se evitar que isso ocorra que os empregadores são
obrigados por lei a adotar medidas suficientes para, no mínimo, reduzir o número de
eventos fatídicos.
No âmbito das empresas privadas, acidentes do trabalho têm sido evitados
por meio das extenuantes fiscalizações empreendidas pelos auditores-fiscais do
Ministério do Trabalho e Emprego, os quais, quando diante de situações de trabalho
caracterizadas por risco grave e iminente aos trabalhadores, promovem o embargo
ou a interdição do local, notificando as empresas para que adotem as medidas
necessárias para garantir a segurança dos empregados, bem como aplicam-lhes
pesadas multas administrativas.
Ocorre que, em grande parte das empresas, as multas administrativas são
insuficientes para fazer com que mudem as suas posturas, motivo pelo qual, nessas
hipóteses, as entidades que possuem legitimidade para defender os interesses
coletivos dos trabalhadores são instadas a ingressar com ações judiciais perante a
Justiça do Trabalho, com o intuito de fazer com que todas as normas assecuratórias
da higidez do meio ambiente de trabalho sejam efetivamente cumpridas por tais
empregadoras.
Hodiernamente, é pacífico, tanto na doutrina quanto na jurisprudência que a
Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as demandas judiciais que
tenham por escopo a tutela coletiva do meio ambiente de trabalho dos trabalhadores
que possuem vínculos de emprego.
!

Diferente é a situação vivenciada pelos trabalhadores da Administração


Pública, haja vista que, diante da recusa do ente público em respeitar as normas
jurídicas protetivas, bem como diante da impossibilidade de serem autuados pelo
Ministério do Trabalho e Emprego, não resta outra alternativa senão intervir
judicialmente.
Ocorre, contudo, que a legitimação das instituições que têm por escopo fazer
valer os preceptivos legais que tratam da segurança do meio ambiente de trabalho
ainda não está plenamente definida, uma vez que ainda remanescem, na doutrina e
jurisprudência, entendimentos divergentes sobre qual seria a justiça competente
para resolver os conflitos que envolvam o meio ambiente de trabalho dos servidores
públicos.
De um lado, há o entendimento de que seria a Justiça Comum a competente
para compor tais lides, haja vista tratar-se de conflitos envolvendo o Poder Público e,
de outro, tendo em vista serem conflitos que envolvam matéria pertinente à Justiça
do Trabalho, seria esta justiça especializada a competente para conhecer de tais
demandas.
Destarte, a presente monografia busca perquirir por que razão é necessária a
tutela do meio ambiente de trabalho dos servidores públicos, verificar qual a
legislação aplicável à tutela de tal aspecto do meio ambiente e compulsar a evolução
da doutrina e da jurisprudência no que concerne à competência para tutelar o meio
ambiente de trabalho, para, ao final, apurar qual é a justiça competente para julgar
as ações que versam sobre a tutela do meio ambiente de trabalho na Administração
Pública.
Para tanto, emprega-se, neste trabalho, com o fito de atingir o seu objetivo
geral, o método dedutivo, por intermédio do qual serão analisados os entendimentos
jurisprudenciais e doutrinários, à luz do texto constitucional, com o escopo de
deduzir qual é a justiça competente para julgar o tema posto sob análise. Além
disso, utilizam-se, na elaboração da pesquisa, os métodos de procedimento histórico
e monográfico, sendo o primeiro visando a apontar a evolução doutrinária e
jurisprudencial no que se refere à competência para julgar ações versando sobre a
temática proposta e o segundo com o intuito de analisar a doutrina e a jurisprudência
no que concerne às diferentes competências para compor os conflitos que abordem
o meio ambiente de trabalho na Administração Pública.
!

A pesquisa, portanto, encontra-se dividida em dois capítulos, sendo o primeiro


necessário à contextualização da temática proposta, sobretudo no que tange à
verificação de por que é imprescindível a tutela do meio ambiente de trabalho dos
servidores públicos e qual é a legislação aplicável a tal proteção e o segundo um
exame direcionado à apuração de qual é a justiça competente para impor ao Poder
Público a aplicação das normas explicitadas no capítulo anterior.
Por fim, imprescindível destacar a importância do presente trabalho, a qual se
encontra evidenciada no fato de ser necessária a delimitação da competência para
julgar as ações que versem sobre a tutela do meio ambiente de trabalho na
Administração Pública e, assim, poderem as instituições legitimadas para defendê-lo
promover demandas judiciais que indubitavelmente serão solucionadas em tempo
mais célere e, dessa forma, serão evitados incomensuráveis acidentes de trabalho.
1 DA NECESSIDADE DE TUTELA DO MEIO AMBIENTE DE
TRABALHO DOS SERVIDORES PÚBLICOS

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em cinco de


outubro de 1988, determina, em seu artigo 225, que o meio ambiente
ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, devendo a coletividade, conjuntamente com o Poder Público,
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, haja vista ser um
direito resguardado a todos.
O meio ambiente pode ser conceituado como “o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e
rege a vida em todas as suas formas”, conforme preconiza o artigo 3º, inciso I, da lei
que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, Lei nº 6.938/81.
Raimundo Simão de Melo afirma que tal definição é

[...] ampla, devendo-se observar que o legislador optou por trazer um


conceito jurídico aberto, a fim de criar um espaço positivo de incidência da
norma legal, o qual está em plena harmonia com a Constituição Federal de
1988 que, no “caput” do art. 225, buscou tutelar todos os aspectos do meio
1
ambiente .

Ainda, o mencionado autor assevera que tal conceituação abrange dois


objetos da tutela ambiental, quais sejam, a qualidade do meio ambiente em todos os
seus aspectos e a saúde, segurança e bem-estar do cidadão, os quais estão
expressos nos conceitos de “vida em todas as suas formas” e “qualidade de vida”.2
Malgrado seja o conceito de meio ambiente unitário, a doutrina, visando a
facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido3,
tem-no classificado em quatro aspectos, a saber: natural, artificial, cultural e do
trabalho.
!

O primeiro, também denominado meio ambiente físico, “é constituído pelo


solo, água, flora e fauna, representando o equilíbrio dinâmico entre os seres vivos na
terra e o meio em que vivem”4.
O meio ambiente artificial caracteriza-se como sendo o espaço urbano
habitável, produto das edificações feitas pelo homem, ligando-se estritamente ao
conceito de cidade5. Consoante Celso Antonio Pacheco Fiorillo, o vocábulo “urbano”,
não está empregado em contraste com o termo “campo” ou “rural”, uma vez que
objetiva qualificar algo que se refere a todos os espaços habitáveis, possuindo,
assim, natureza ligada ao conceito de território6.
O terceiro, meio ambiente cultural, refere-se à história, formação e cultura de
um povo. Segundo José Afonso da Silva, é integrado pelo patrimônio histórico,
artístico, arqueológico, paisagístico e turístico7.
Por fim, o meio ambiente do trabalho, concebido como parcela do meio
ambiente artificial, consiste no “local em que se desenrola boa parte da vida do
trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso mesmo, em íntima dependência da
qualidade daquele ambiente”8.

1.1 Meio ambiente do trabalho

Para Mônica Maria Lauzid de Moraes, o meio ambiente laboral é o

[...] local onde o homem realiza a prestação objeto da relação jurídico-


trabalhista, desenvolvendo atividade profissional em favor de uma atividade
econômica, englobando o espaço físico, as condições existentes no local de
trabalho, dentre estas ferramentas, máquinas, equipamentos e meios de
9
proteção

Prossegue a referida autora aduzindo que o conceito de meio ambiente de


trabalho pode ser concebido de forma ampla e de forma restrita. Na forma ampla,
este abrangeria não só as condições físicas em que se desenvolvem as atividades
do trabalhador, mas também os locais nos quais se dá a prestação de serviços e,
!

ainda, aqueles em que vierem a se encontrar os empregados a mando do patrão.


Restritivamente, afirma que seria o “local onde são efetuadas as prestações
laborais, onde o trabalhador deve ficar ou onde tenha de estar, a mando do
empregador”10.
Celso Antônio Pacheco Fiorillo o vê como o local onde as pessoas
desempenham suas atividades laborais remuneradas e sustenta que o equilíbrio
está calcado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a
incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da condição
que ostentam, sejam eles homens ou mulheres, maiores ou menores de idade etc.11
Hugo Nigro Mazzilli afirma que o conceito de meio ambiente do trabalho

ultrapassa os meros limites das questões ecológicas do local do trabalho e


alcança até mesmo questões ligadas ao desatendimento das exigências da
legislação trabalhista que possam interferir na saúde, segurança, higiene e
bem-estar das condições de trabalho (equipamentos de segurança e
proteção, intervalos de descanso, irregularidades ou exploração de mão de
obra de detentos, revistas abusivas ou vexatórias em empregados, trabalho
12
escravo etc.)

Para João José Sady, o meio ambiente laboral consiste no “conjunto de


condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que
permite, abriga e rege a vida das pessoas nas relações de trabalho”13.
Arremata Cláudio Brandão com o seguinte conceito:

é, portanto, o conjunto de todos os fatores que, direta ou indiretamente, se


relacionam com a execução da atividade do empregado, envolvendo os
elementos materiais (local de trabalho em sentido amplo, máquinas, móveis,
utensílios e ferramentas) e imateriais (rotinas, processos de produção e
14
modo de exercício do poder de comando do empregador)

Portanto, pode-se conceber o meio ambiente de trabalho como sendo o


conjunto de condições e interações de ordem psíquica, física, biológica e química
que incidem nas relações de trabalho.
!

1.2 A tutela do meio ambiente do trabalho no ordenamento jurídico pátrio

A Constituição Federal, em seu bojo, elevou o meio ambiente de trabalho


hígido à condição de direito fundamental dos trabalhadores. Chega-se a tal
conclusão, partindo-se da premissa de que o direito fundamental preponderante,
quando em conflito com os demais, é o direito à vida, conforme se infere do caput do
artigo 5º da Magna Carta, uma vez que, consoante Alexandre de Moraes, tal direito
“é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à
existência e exercício de todos os demais direitos”15.
Prossegue o ilustre jurista aduzindo que, tendo em vista que a Constituição
Federal proclama o direito à vida, cabe ao Estado assegurá-lo em sua dupla
acepção, sendo a primeira concernente ao direito de permanecer vivo e a segunda
de se ter vida digna quanto à subsistência16.
Logo, conjuntamente com o direito à vida, caminha o princípio da dignidade
da pessoa humana que, conforme o artigo 1º, inciso III, do Texto Constitucional, foi
elevado ao status de fundamento da República Federativa do Brasil.
Segundo Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino,

A dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa


do Brasil consagra, desde logo, nosso Estado como uma organização
centrada no ser humano, e não em qualquer outro referencial. A razão de
ser do Estado brasileiro não se funda na propriedade, em classes, em
corporações, em organizações religiosas, tampouco no próprio Estado
17
(como ocorre nos regimes totalitários), mas sim na pessoa humana .

Deste fundamento republicano decorrem vários valores constitucionalmente


assegurados, tais como, dentre outros, o direito à vida, o que faz com que se chegue
à ilação lógica de que o direito à vida com dignidade é o direito fundamental que
possui a maior valorização no ordenamento jurídico pátrio, preponderando em face
de qualquer outro direito que venha a ser declarado seja no âmbito nacional, seja no
internacional.
Uma vida digna somente é alcançada quando são atendidas as necessidades
vitais básicas do indivíduo, as quais se encontram previstas no artigo 7º, inciso IV,
da Constituição Federal, que estatui ser assegurado a todos os trabalhadores um
!

salário mínimo, nacionalmente unificado, que seja capaz de atender a todas as suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, educação, saúde,
alimentação, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social.
Todas essas necessidades podem, também, ser vislumbradas na redação do
artigo 6º do Texto Magno, o qual estabelece rol exemplificativo dos direitos sociais
que devem ser assegurados a todos os indivíduos pelo Estado. Dentre esses
direitos, merece especial atenção o direito à saúde, o qual, conforme o comando
inserto no artigo 196 da Magna Carta, deve ser garantido mediante políticas sociais
e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos.
A redução do risco de doença é um dos direitos dos trabalhadores urbanos e
rurais que se encontra explícito no artigo 7º da Constituição Federal, mais
especificamente no seu inciso XXII, que dispõe que é direito de tais trabalhadores a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança, visto que somente será saudável o indivíduo que laborar em um
ambiente que também seja saudável.
Além disso, como se não fosse suficiente a ilação a que se chegou acima,
convém consignar que o já mencionado artigo 225 da Magna Carta é claro ao dispor
que o meio ambiente saudável é direito de todos e, conjugado com o artigo 200, VIII,
também da Constituição Federal, pode-se inferir que o meio ambiente do trabalho,
por estar inserido no conceito de meio ambiente, é um direito fundamental dos
trabalhadores.

1.2.1 Proteção conferida pela Consolidação das Leis Trabalhistas

Logo, por ser um direito fundamental de todos os trabalhadores, o meio


ambiente de trabalho saudável recebe especial atenção do legislador
infraconstitucional, o qual elaborou diversas normas prevendo a sua proteção.
Merece relevante destaque a Consolidação das Leis Trabalhistas que, no Capítulo V
do seu Título II, prevê, minuciosamente, de que forma deve ser realizada a proteção
à saúde dos trabalhadores.
Já num dos primeiros preceptivos legais do citado capítulo, o artigo 160 da
CLT, o legislador infraconstitucional, em atendimento ao disposto no supracitado
inciso XXII do artigo 7º da Constituição Federal, determinou que, antes de iniciar as
suas atividades, todas as instalações de todos os estabelecimentos devem passar
!

por prévia inspeção e aprovação pela autoridade regional competente em matéria de


segurança e medicina do trabalho.
Ainda, no dispositivo subsequente, artigo 161 da CLT, conferiu à mencionada
autoridade o poder de, diante da constatação de grave e iminente risco para os
trabalhadores, interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou
equipamento, ou embargar obra, até que sejam adotadas as providências
necessárias à prevenção de infortúnios de trabalho.
Vale destacar, também, a previsão, no artigo 166 da CLT, de que o
empregador, sempre que as medidas de ordem geral não oferecerem a completa
proteção contra os riscos de acidentes e danos à saúde dos empregados, é
obrigado a fornecer-lhes, gratuitamente, equipamentos de proteção individual
adequados ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento.
Ainda, no mesmo contexto, no artigo 157 da CLT, o legislador, preocupado
com a possibilidade dos trabalhadores deixarem de utilizar os equipamentos de
proteção individual e/ou coletiva e, assim, submeterem-se aos riscos peculiares às
atividades por eles desenvolvidas, estatuiu que os empregadores, além de instruir os
seus trabalhadores sobre as precauções que devem ser tomadas para evitar os
infortúnios, devem cumprir e fazer com que sejam cumpridas todas as normas de
segurança e medicina do trabalho, sob pena de eventual penalidade a ser atribuída
pelos fiscais do trabalho.
Outra norma cuja importância merece destaque é a inserida no artigo 168 da
CLT, a qual determina que o empregador deve submeter os seus trabalhadores a
exames médicos, a partir da admissão, periodicamente durante o contrato de
trabalho e até a sua dispensa, de modo a identificar o início de eventual doença do
trabalho e, assim, poder adotar medidas suficientes para evitar com que esta se
agrave.

1.2.2 Proteção conferida pelas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho


e Emprego

Ainda, considerando que muitos dos aspectos pertinentes à temática


apresentam enfoque demasiadamente técnico, o legislador infraconstitucional, ao
redigir o art. 200 do diploma legal em comento, atribuiu ao Ministério do Trabalho e
Emprego a responsabilidade de estabelecer disposições complementares às normas
!

previstas na CLT, mais especificamente no Capítulo V do Título II do citado conjunto


normativo18.
O aludido órgão governamental, então, em junho de 1978, por meio da
Portaria n. 3.214, em atendimento ao preceptivo legal supramencionado, aprovou
vinte e oito Normas Regulamentadoras do Capítulo V, Título II, da Consolidação das
Leis do Trabalho, relativas à Segurança e Medicina do Trabalho.
Tais normas, consoante o disposto no item 1.1 da NR-1, são de observância
obrigatória pelas empresas privadas e públicas e pelos órgãos públicos da
administração direta e indireta, bem como pelos órgãos dos Poderes Legislativo e
Judiciário, que possuam empregados regidos pela Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT.
Portanto, não há dúvidas de que às relações de trabalho regidas pela CLT
são plenamente aplicáveis as normas regulamentadoras elaboradas pelo Ministério
do Trabalho e Emprego.
Ocorre, contudo, que, conforme se demonstrará mais adiante, no âmbito da
Administração Pública, laboram trabalhadores regidos por legislações diversas da
celetista e, portanto, os administradores públicos advogam a tese de que não lhes
seria aplicável tal conjunto normativo.

1.3 Aplicação das normas relacionadas à saúde e à segurança do trabalho aos


servidores públicos

Inicialmente, antes de adentrar na análise de quais normas relacionadas à


saúde e à segurança do trabalho são aplicáveis aos servidores públicos, visando a
proporcionar uma melhor compreensão acerca da temática proposta, a conceituação
de alguns elementos faz-se necessária.
A Administração Pública, segundo Alexandre de Moraes,

[...] pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata


que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos e
subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais
19
a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado .
!

O conceito de Administração Pública adotado pelo ordenamento jurídico


brasileiro é o subjetivo ou formal, o qual, nas palavras de Vicente Paulo e Marcelo
Alexandrino, é o conjunto de órgãos, pessoas jurídicas e agentes que a lei identifica
como Administração Pública20. Assim, a Administração Pública é formada pelos
responsáveis por desempenhar as funções atreladas à execução das políticas
públicas formuladas pelos órgãos de governo.
Evidentemente que, para poder exercer tais funções administrativas, o Estado
necessita de pessoas naturais que possuam poderes para manifestar a sua vontade,
ou seja, para agir em seu nome. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, os
sujeitos que servem como instrumentos da vontade do Poder Público, ainda que
ocasional ou episodicamente, são denominados agentes públicos21.
Na concepção de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “agente público é toda
pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração
Indireta”22.
Ainda, consoante a lição da eminente jurista, perante a Constituição Federal
de 1988, com as alterações promovidas pela emenda constitucional nº 18/98, é
possível afirmar que são quatro as categorias de agentes públicos, a saber: a)
agentes políticos; b) militares; c) particulares em colaboração com o Poder Público;
e d) servidores públicos23.
Os primeiros, agentes políticos, são, segundo Celso Antônio Bandeira de
Mello, “os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja,
ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema
fundamental do Poder”24. Consagrou-se na doutrina que são agentes políticos
apenas os Chefes dos Poderes Executivos Federal, Estadual e Municipal, com os
seus respectivos vices, os seus auxiliares imediatos, bem como os integrantes dos
Poderes Legislativos dos três entes federativos25.
!

Contudo, hodiernamente, conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro, há uma


tendência a incluir no rol supramencionado os membros da Magistratura e do
Ministério Público. A citada doutrinadora, com relação aos primeiros, afirma que

é válido esse entendimento desde que se tenha presente o sentido em que


sua função é considerada política; não significa que participem do Governo
ou que suas decisões sejam políticas, baseadas em critérios de
oportunidade e conveniência, e sim que correspondem ao exercício de uma
parcela da soberania do Estado, consistente na função de dizer o direito em
26
última instância .

Ainda, no que concerne aos segundos, prossegue a ínclita doutrinadora


aduzindo que a sua inclusão tem sido justificada pelas funções que desempenham,
haja vista exercerem o controle dos Poderes Públicos, notadamente pela atribuição
que lhes foi conferida pela Constituição Federal de que devem zelar pelo efetivo
respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados pela Magna Carta, por meio da promoção das medidas necessárias à
sua garantia27.
Os militares, por sua vez, “formam uma categoria à parte entre os agentes
políticos na medida em que as instituições militares são organizadas com base na
hierarquia e disciplina”28. Entram nessa categoria os membros das Polícias Militares
e Corpos de Bombeiros dos Estados, Distrito Federal e Territórios e os membros das
Forças Armadas29, os quais se ligam ao ente político por meio de vínculo estatutário,
sujeito a regime jurídico próprio, diverso, portanto, dos demais indivíduos que
prestam serviços ao Poder Público30.
Os terceiros, particulares em colaboração com a Administração Pública,
também conhecidos como agentes honoríficos, são pessoas físicas que prestam
serviços ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração31.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, reconhecem-se nesta tipologia: a) os
requisitados para prestação de atividade pública, como, por exemplo, a de jurado; b)
os que, em momento de emergência, espontaneamente, assumem a gestão da
coisa pública; c) os contratados por locação civil de serviços específicos; d) os
concessionários e permissionários de serviços públicos; e e) os delegados de função
!

ou ofício público, que se distinguem destes últimos pelo fato de desempenharem


atividades jurídicas, e não materiais32.
Por último, mas não menos importantes, estão os servidores públicos,
“pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração
Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres
públicos”33, e serão objeto de análise mais detalhada no tópico subsequente.

1.3.1 Servidores públicos: conceito e espécies

Como dito, os servidores públicos são uma espécie que integra o gênero dos
“agentes públicos”34 e, como se pode depreender da Constituição Federal,
consistem em todos os indivíduos que entretêm relação de trabalho, de natureza
profissional e caráter habitual sob vínculo de dependência, com o Estado e com as
pessoas de Direito Público da Administração Indireta35.
Tais trabalhadores, segundo a classificação sugerida por Maria Sylvia Zanella
Di Pietro, podem ser divididos em empregados públicos, servidores temporários e
servidores estatutários36.
Os empregados públicos são os trabalhadores admitidos pela Administração
Pública sob o regime da legislação trabalhista, principalmente pela já mencionada
Consolidação das Leis Trabalhistas, ostentando, assim, emprego público37.
Distinguem-se dos demais empregados que atuam na área privada, pelo fato de se
submeterem “a todas as normas constitucionais referentes a requisitos para a
investidura, acumulação de cargos, vencimentos, entre outras previstas no Capítulo
VII, do Título III, da Constituição”38, que trata da Administração Pública em geral.
Os servidores temporários são os indivíduos que, por força do artigo 37, IX,
da Constituição Federal, ligam-se à Administração Pública de forma temporária, sob
o fundamento de se atender à necessidade temporária de excepcional interesse
!

público, sem estarem vinculados a cargo ou emprego público39. Modernamente, a


caracterização de tal relação gera grande polêmica na doutrina e na jurisprudência
pátria.
Por fim, há os servidores públicos propriamente ditos, os quais possuem uma
relação jurídico-estatutária com o Poder Público. Inexiste contrato que os vincula, e
sim uma lei específica, elaborada por cada uma das unidades da federação e
unilateralmente modificável, desde que respeitados os direitos já adquiridos pelo
servidor, que rege todos os trabalhadores assim denominados40. O ingresso nesta
situação jurídica previamente definida dá-se com a nomeação, que, consoante Celso
Antônio Bandeira de Mello, consiste no provimento de um servidor no cargo
público41. Ainda, de acordo com os ensinamentos do ilustre jurista, a submissão à
situação jurídica supracitada somente ocorre com a posse, pois

[...] não basta a nomeação para que se aperfeiçoe a relação entre o Estado
e o nomeado. Cumpre que este tome posse, que é o ato de aceitação do
cargo e um compromisso de bem-servir e deve ser precedida por inspeção
médica. Com a posse ocorre a chamada “investidura” do servidor, que é o
42
travamento da relação funcional .

Além disso, diferentemente do que acontece com os empregados públicos,


“não há possibilidade de qualquer modificação das normas vigentes por meio de
contrato, ainda que com a concordância da Administração e do servidor, porque se
trata de normas de ordem pública, cogentes, não derrogáveis pelas partes”43.
Os servidores públicos, segundo os ensinamentos de Marcelo Alexandrino e
Vicente Paulo, podem ser divididos entre os titulares de cargos públicos de
provimento efetivo e os de provimento em comissão44.
Os primeiros, servidores titulares de cargos públicos de provimento efetivo,
são selecionados por meio de concurso público para ocupar cargos públicos, tendo
vinculação de natureza estatutária, e adquirem estabilidade após se sujeitarem a um
!

estágio probatório cuja duração é de três anos, conforme dispõe o artigo 41 da


Constituição Federal45.
Já os servidores titulares de cargos públicos de provimento em comissão,
popularmente conhecidos como “cargos de confiança”, são os indivíduos que, por
meio de ato discricionário, são nomeados para, conforme o disposto no artigo 37,
inciso V, da Constituição Federal, exercer as atribuições de chefia, assessoramento
e direção. Por serem acessíveis sem concurso público, bem como por serem de livre
exoneração, não são suscetíveis de estabilidade46.
Como já dito no tópico precedente, todos os trabalhadores que são regidos
pela Consolidação das Leis Trabalhistas veem o seu direito ao meio ambiente de
trabalho saudável garantido, o que se dá sobremaneira por meio do respeito às
Normas Regulamentadoras expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, em
complemento ao texto normativo consolidado.
Ocorre que os demais trabalhadores, ligados à Administração Pública por
meio de vínculo jurídico-estatutário, muito embora inexista expressa previsão nos
diplomas normativos elaborados pelo órgão governamental, também têm direito ao
meio ambiente de trabalho hígido, o qual, de igual forma, deve ser tutelado.

1.3.2 Necessidade de tutela do meio ambiente do trabalho dos servidores públicos

Pois bem, consoante mencionado previamente, todos os trabalhadores,


independentemente da forma de vinculação com o Poder Público, possuem o direito
ao meio ambiente de trabalho hígido, pois, ainda que se venha a afirmar que tal
direito pertenceria tão somente aos trabalhadores que possuem vínculo
empregatício diverso do jurídico-estatutário, não se pode olvidar que o parágrafo
terceiro do artigo 39 da Constituição da República é claro ao estender o direito em
comento a todos os trabalhadores que se vinculam à Administração Pública, in
verbis:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão


conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado
por servidores designados pelos respectivos Poderes.
[...]
!

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art.


7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX,
podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a
47
natureza do cargo o exigir .

Evidentemente que, por remeter ao artigo 7º, XXII, da Constituição Federal,


imprescindível que, para se chegar à conclusão de que o direito ao meio ambiente
de trabalho hígido foi estendido aos servidores públicos, impõe-se transcrever o
preceptivo constitucional aludido, verbo ad verbum:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que
visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
48
saúde, higiene e segurança .

Destarte, o direito ao meio ambiente saudável, que é um direito fundamental,


como já explicitado, é um direito difuso que compreende a todos os cidadãos que
desempenham atividades laborativas, independentemente da natureza jurídica que
venha a ser atribuída à relação entre eles e o seu tomador de serviços.
Portanto, o ente público, assim como os demais empregadores, tem a
obrigação de cumprir e fazer cumprir as disposições legais a respeito dos deveres
de cuidado com a segurança e medicina do trabalho, haja vista tais condições não
serem “algo que possa ser relegado a segundo plano, à espera de decisões políticas
e administrativas a serem tomadas com base na conveniência do administrador
público”49.
Conforme alhures abordado, não há, no ordenamento jurídico nacional, leis
que prevejam tantas normas garantidoras da higidez do meio ambiente de trabalho,
tão específicas quanto as normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho e
Emprego, combinadas com a Consolidação das Leis do Trabalho, que sejam
aplicáveis, explicitamente, ao Poder Público.
!

Tal abstenção gera divergências entre os órgãos que almejam a aplicação


analógica das normas destinadas aos trabalhadores regidos pela Consolidação das
Leis do Trabalho e a Administração Pública, que busca se eximir do cumprimento
dessas disposições sob o fundamento de que não lhe são destinadas.
Não se pode olvidar, contudo, que os servidores estatutários são também
trabalhadores, visto que se trata de pessoas físicas que despendem suas forças de
trabalho em prol da realização de serviços públicos, beneficiando toda a coletividade
e o próprio Estado50.
E, nas palavras de Fábio Goulart Villela,

[...] como qualquer trabalhador, tendo em vista a aplicação da ampla e


integral proteção albergada no artigo 225, caput, da Constituição da
República, bem como do próprio princípio isonômico previsto no artigo 5º,
caput, do mesmo Texto Constitucional, também a ele deve ser assegurada
a tutela do seu meio ambiente do trabalho, sendo-lhe aplicáveis todas as
normas de saúde e de segurança ocupacionais que sejam compatíveis com
51
as peculiaridades que envolvam a prestação dos respectivos serviços .

Logo, até que sejam editadas leis que venham a contemplar, de modo mais
efetivo e adequado, este direito fundamental, não restam dúvidas que, em sendo
compatíveis com as leis de regência dos servidores públicos, os preceitos celetistas
de higiene, saúde e segurança do trabalho, devem ser aplicados aos servidores
públicos estatutários52. Do contrário, estar-se-ia fazendo letra morta a disposição
contida no supracitado parágrafo terceiro do artigo 39 da Constituição Federal53.
Ainda, frisa o procurador do trabalho Fábio Goulart Villela que não é incomum
que, em um mesmo local de trabalho, laborem, lado a lado, servidores celetistas e
servidores estatutários, além de outros trabalhadores, e, caso não adotada a tese
em comento, chegar-se-ia à paradoxal conclusão de que somente os trabalhadores
submetidos ao regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho seriam
tutelados pelas normas de saúde e de segurança do trabalho, em cristalino atentado
ao princípio da igualdade ou da não discriminação e à própria indivisibilidade ínsita
!

ao conceito de meio ambiente54. Alessandro Santos de Miranda, também procurador


do trabalho, corrobora o entendimento supramencionado, aduzindo que

[...] diante dos Princípios da Igualdade perante a Lei e da Isonomia de


Tratamentos, a atual e corriqueira coexistência de trabalhadores de
diferentes regimes jurídicos (servidores públicos, celetistas, terceirizados,
temporários, entre tantos) prestando serviços no mesmo ambiente de
trabalho exige que lhes sejam assegurados direitos idênticos quanto à
55
proteção ao meio ambiente, à saúde e à segurança laborais .

Neste mesmo sentido, é a Orientação n. 07 da Coordenadoria Nacional de


Defesa do Meio Ambiente do Trabalho do Ministério Público do Trabalho, que dispõe
serem plenamente aplicáveis as normas regulamentadoras do Ministério do
Trabalho e Emprego ao Poder Público, haja vista cuidarem de direitos sociais dos
servidores, ainda que exclusivamente estatutários56.
O entendimento acima esposado, por meio do qual devem ser utilizadas, por
analogia, as normas aplicáveis aos trabalhadores regidos pela Consolidação das
Leis do Trabalho, é o que vem predominando, atualmente, na doutrina e na
jurisprudência.
Ocorre que, segundo Alessandro Santos de Miranda, grande parte dos
servidores públicos das diferentes esferas do governo não veem o seu direito à
higidez do meio ambiente de trabalho em que desempenham as suas atividades
laborativas sendo garantido, uma vez que alguns órgãos insurgem-se contra a
aplicação das aludidas normas, argumentando ser necessária a previsão, em
legislação específica, das medidas assecuratórias do ambiente laboral sadio57.
Assim, diante da recusa por parte do Poder Público em aplicar os preceitos
supracitados, não resta outra alternativa aos órgãos interessados no cumprimento
da legislação protetiva dos trabalhadores senão o ingresso nas vias judiciais, por
meio das quais pleiteiam o seu efetivo cumprimento.
!

Ocorre, todavia, que, muitas vezes, tais órgãos deparam-se com magistrados
declarando-se incompetentes para dirimir essas lides, visto também existirem
polêmicas quanto a qual órgão jurisdicional seria competente para apreciar as
demandas que versam sobre a aplicação das normas responsáveis por resguardar a
higidez do meio ambiente do trabalho no âmbito da Administração Pública.
2 COMPETÊNCIA PARA JULGAR AS AÇÕES QUE VERSEM SOBRE
A TUTELA DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO NA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Como visto, ainda remanescem dúvidas acerca de qual ramo do Poder


Judiciário é competente para solucionar os conflitos existentes entre o Poder Público
e os órgãos legitimados para lhe impor o cumprimento da legislação que visa a
assegurar a saúde e a segurança do meio ambiente de trabalho.
Antes de se ingressar no estudo de qual justiça é competente para conhecer
de tais demandas, visando a uma melhor compreensão da temática proposta, mister
se faz o delineamento de alguns conceitos pertinentes à competência e de que
forma esta é delimitada.

2.1 Jurisdição e competência: Conceitos e formas de definição da competência

A competência, segundo Renato Saraiva, consiste na “medida da jurisdição,


ou seja, a determinação da esfera de atribuições dos órgãos encarregados da
função jurisdicional”58. Tal conceituação também é apresentada por Leone Pereira, o
qual menciona que competência “é a medida, o limite, o fracionamento da jurisdição;
é a divisão dos trabalhos perante os órgãos encarregados do exercício da função
jurisdicional, cujo objetivo é a composição da lide e a pacificação social”59.
Freddie Didier Jr. aduz que

A competência é exatamente o resultado de critérios para distribuir entre


vários órgãos as atribuições relativas ao desempenho da jurisdição. A
competência é o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos por
lei. É o âmbito dentro do qual o juiz pode exercer a jurisdição. É a medida
60
da jurisdição .

A jurisdição, por sua vez, é conceituada como sendo o “poder/dever do


Estado de prestar a tutela jurisdicional a todo aquele que tenha uma pretensão
!

resistida por outrem, aplicando a regra jurídica à celeuma”61. Segundo Leone


Pereira, “a palavra jurisdição, por meio de uma análise etimológica, significa ‘dizer o
direito’ (juris = direito/ dictio = dizer)”62.
Logo, para o citado autor, a jurisdição é tida como “o poder, o dever, a função
ou a atividade do Estado (representado pela pessoa física de um juiz – Estado-juiz)
de, imparcialmente, substituindo a vontade das partes, aplicar o direito material ao
caso concreto para resolver a lide”63. Conclui o autor em comento que “enquanto a
jurisdição é um todo, a competência significa uma fração dele”64.
Freddie Didier Jr., ao analisar a jurisdição, assevera que esta consiste na

[...] função atribuída a terceiro imparcial [...] de realizar o Direito de modo


imperativo [...] e criativo [...], reconhecendo/efetivando/protegendo situações
jurídicas [...] concretamente deduzidas [...], em decisão insuscetível de
65
controle externo [...] e com aptidão para tornar-se indiscutível .

Do conceito retrotranscrito, depreendem-se diversos elementos que compõem


a jurisdição, a saber: a) heterocomposição; b) imperatividade; c) atividade criativa; d)
técnica de tutela de direitos mediante um processo; e) atuação em situações
concretas; f) impossibilidade de controle externo; e g) aptidão para a coisa julgada
material.
A jurisdição é técnica de solução de conflitos por heterocomposição, ou seja,
um terceiro, desinteressado e estranho ao conflito, substituindo a vontade das
partes, determina qual a solução que deve ser adotada ao problema que lhe é
apresentado66. A jurisdição é imperativa porque, ao lado da função legislativa e da
função administrativa, a função jurisdicional compõe o tripé dos poderes estatais e,
por isso, consiste na manifestação de um Poder pertencente ao Estado67, e é
criativa porquanto o terceiro estranho à lide, ao decidir qual é a melhor solução a ser
aplicada, cria um norma jurídica específica para o caso que lhe é apresentado68.
!

A jurisdição é, também, uma das mais importantes técnicas de tutela de


direitos, pois tem a função específica de proteger as situações jurídicas que lhe são
postas sob exame69. Segundo Freddie Didier Jr.,

A tutela dos direitos dá-se ou pelo seu reconhecimento judicial (tutela de


conhecimento), ou pela sua efetivação (tutela executiva) ou pela sua
proteção (tutela de segurança, cautelar ou inibitória). A tutela jurisdicional
dos direitos ainda pode ocorrer pela integração da vontade para a obtenção
70
de certos efeitos jurídicos .

Como já foi alhures abordado, a jurisdição sempre atua em uma situação


concreta, que pode ser um conflito de interesses (lides), uma situação de lesão a
direitos, situações jurídicas relacionadas exclusivamente a um sujeito etc., não se
podendo restringir tão somente a um tipo de situação concreta, como a lide71.
A impossibilidade de controle externo da atividade jurisdicional e a aptidão
para a coisa julgada material significam que a função jurisdicional é responsável por
produzir a última decisão sobre a situação concreta deduzida em juízo, isto é, o
Direito é aplicado à situação sem que se possa submeter a decisão ao controle de
nenhum outro poder. Dito isso, pode-se afirmar que a jurisdição é controlada pela
própria jurisdição, e tão somente por ela72.
Portanto, é possível dizer que, tão logo submetido o caso concreto ao poder
jurisdicional, a decisão que vier a ser tomada não será suscetível de alteração por
qualquer outro poder e tornar-se-á imutável ao longo do tempo.
Assim, é imprescindível que, para se tornar imperativa e imutável às partes
litigantes, a decisão seja tomada pelo Estado-juiz, terceiro alheio à situação concreta
que lhe é posta sob apreciação, competente para tanto.
A competência é aferida por meio de critérios estabelecidos pelo legislador
constituinte e, na sua omissão, por intermédio de leis processuais e de organização
judiciária, além da distribuição interna da competência nos tribunais, a qual é feita
pelos seus regimentos internos73.
Segundo Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, “o Código de
Processo Civil Brasileiro filia-se à corrente dominante no direito comparado, que
!

utiliza o critério tripartite para disciplinar a competência”74. Assim, a doutrina, ao


buscar a sistematização dos critérios de fixação de competência, dividiu os mais
variados critérios em três, a saber: critério territorial, critério funcional e critério
objetivo, critérios esses que devem ser observados em todas as causas.
O primeiro, critério territorial, tem por parâmetro a porção territorial conferida
ao magistrado para que ele exerça a sua jurisdição e, assim, solucione os
respectivos conflitos de interesses75. Tal regra determina em qual localidade a causa
deve ser processada.
O critério funcional, por sua vez, guarda relação com a natureza das funções
exercidas pelo magistrado no processo76. Tal critério, segundo Luiz Guilherme
Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart,

Tem em vista a natureza própria e as exigências específicas das funções


atribuídas a cada um dos magistrados que participam de um dado processo.
Cogita-se da função desempenhada pelo magistrado, repartindo-se,
exemplificativamente, essa competência em competência de 1º grau,
competência recursal, competência para a execução, competência para
julgamento etc. Assim, o juiz de 1º grau não tem competência revisional
(recursal) de seu julgado, da mesma forma que o juízo recursal não tem
poder para examinar a causa diretamente, suprimindo a atividade do
77
primeiro .

Por fim, “o critério objetivo é aquele pelo qual se leva em consideração a


demanda apresentada ao Poder Judiciário como o dado relevante para a distribuição
da competência”78. Segundo Freddie Didier Jr., “é fundamental o conhecimento dos
elementos da demanda para a correta compreensão deste critério: partes, pedido e
causa de pedir”79, visto ser a distribuição da competência baseada nesses
elementos. Sobressaem-se, assim, três subcritérios objetivos de distribuição da
competência: em razão do valor da causa, em razão da pessoa e em razão da
matéria.
!

O subcritério que tem em conta o valor da causa é definido a partir do valor do


pedido, um dos elementos da demanda, e é responsável por estabelecer o rito
processual a ser observado ao longo da tramitação do processo80.
O segundo subcritério, pertinente à pessoa, leva em consideração a
qualidade das partes envolvidas na relação jurídica controvertida81.
Por último, o subcritério relacionado à matéria, determina, a partir da aferição
da natureza da relação jurídica controvertida, definida pelo fato jurídico que lhe dá
causa, qual é o órgão judicante competente para processar e julgar a controvérsia.
Pois bem, apresentados os conceitos retro, é importante salientar que o texto
originário da Constituição da República Federativa do Brasil, que foi promulgado aos
cinco dias do mês de outubro de 1988, ao distribuir as competências das justiças
federais, no que tange à da Justiça do Trabalho, continha a seguinte norma:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios


individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os
entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta
dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da
lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os
litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças,
82
inclusive coletivas .

No que concerne à competência da Justiça Comum Federal, o Texto Magno


assim dispôs:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:


I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública
federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou
oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas
à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e
Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;
III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado
estrangeiro ou organismo internacional;
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de
bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou
empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência
da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando,
iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no
estrangeiro, ou reciprocamente;
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados
por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
!

VII - os "habeas-corpus", em matéria criminal de sua competência ou


quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam
diretamente sujeitos a outra jurisdição;
VIII - os mandados de segurança e os "habeas-data" contra ato de
autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais
federais;
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a
competência da Justiça Militar;
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a
execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença estrangeira,
após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a
respectiva opção, e à naturalização;
83
XI - a disputa sobre direitos indígenas .

Por fim, no que toca à Justiça Comum Estadual, tendo em vista que a
Constituição Federal muito pouco dispôs, de forma específica, sobre a sua
competência, Pedro Lenza, ao examiná-la, afirma que, “residualmente, compete à
Justiça Estadual tudo o que não for de competência das Justiças especiais ou
especializadas, nem da Justiça Federal”84, isso porque “para ela sobejam as causas
que não estejam reservadas a um dos órgãos especializados”85.
Logo, tudo o que não se enquadrar nas competências exaustivamente
atribuídas pelo legislador constituinte às justiças federais (compreendem-se neste
conceito a Justiça Eleitoral, a Justiça do Trabalho, a Justiça Militar e a Justiça
Comum Federal), será, por exclusão, objeto de apreciação da Justiça Comum
Estadual.
Considerando que o objeto do presente trabalho monográfico diz respeito à
tutela do meio ambiente de trabalho na Administração Pública, o que interessa no
comando constitucional inserido no supratranscrito artigo 109 da Constituição da
República é tão somente a regra encerrada no inciso primeiro do citado dispositivo
que, vale repisar, determina serem os juízes federais competentes para processar e
julgar:

[...] as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública


federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou
!

oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas


86
à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho .

Extrai-se do dispositivo constitucional que, com exceção das causas sujeitas


à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho, bem como as causas de falência e as de
acidentes de trabalho, a Justiça Comum Federal é competente para processar e
julgar todas as demais demandas que envolvam a Administração Pública Federal.
Demais disso, tendo em conta o caráter residual da Justiça Comum Estadual,
é possível afirmar que, salvo as causas sujeitas Justiça Eleitoral e à Justiça do
Trabalho, esta possui competência para dirimir os litígios que envolvam a
Administração Pública Estadual e a Municipal.
Pois bem, com base em todas as considerações previamente analisadas, é
possível dizer que, no momento da promulgação da Constituição da República
Federativa do Brasil, o critério de delimitação da competência da Justiça do Trabalho
era eminentemente pessoal, uma vez que somente cabiam a tal justiça
especializada as causas em que figurassem empregados e os seus respectivos
empregadores. Se a lide não se enquadrasse em tal hipótese, seja por força do
artigo 109, I, da Magna Carta, seja por força do caráter residual da Justiça Comum
Estadual, esta competiria indubitavelmente à Justiça Comum.

2.2 A competência para a tutela do meio ambiente do trabalho

Antes de se adentrar na atual competência para julgar as ações que tratam da


tutela do meio ambiente do trabalho, por meio das quais se busca o efetivo
cumprimento das normas relacionadas à saúde e à segurança no meio ambiente
laboral, interessante observar a evolução histórica de tal instituto.

2.2.1 Breve histórico

Tão logo promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, foi


levado ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável por
decidir os casos em que há conflitos de competência entre quaisquer tribunais, com
exceção dos demais Tribunais Superiores, bem como entre tribunal e juízes a ele
!

não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos, o Conflito de


Competência n. 2.804.
Neste, o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, diante de conflito negativo de
competências entre os juízos estadual e federal para julgar ação cautelar proposta
pelo Ministério Público Estadual, por intermédio da qual pleiteava a interdição das
atividades de empresa violadora das normas de proteção ao meio ambiente de
trabalho, conheceu do conflito e declarou a justiça estadual competente para dirimir
o conflito, sob o fundamento de que “o simples fato de a questão versar sobre
segurança e medicina do trabalho não desloca a competência para a Justiça
Federal”87.
Ulteriormente, o Ministério Público do Estado de São Paulo, buscando afastar
danos físicos a empregados da empresa Ford Indústria e Comércio Ltda., em razão
desta não observar as normas relacionadas à saúde e à segurança dos
trabalhadores, ingressou com ação civil pública em face da indústria de veículos.
A empresa, insurgindo-se contra a legitimidade do Parquet Estadual, interpôs
o Recurso Especial de n. 207.336, cuja relatoria foi distribuída ao mesmo ministro
que proferiu o voto acima referido. Neste, alegou, dentre outros argumentos, que a
competência para apreciar a ação coletiva seria da Justiça do Trabalho, o que, de
imediato, foi afastado pelo citado ministro, o qual, remetendo ao conflito de
competência antes analisado, aduziu que “esta Corte já decidiu pela competência da
Justiça Estadual”88. O julgador ainda esclareceu que “a justiça especializada não é a
competente para apreciar a presente ação, como salientado pelo eminente Ministro
Carlos Alberto Menezes Direito no voto proferido no Resp 58.682”89.
!

No julgado acima ventilado, consignou o Ministro Carlos Alberto Menezes


Direito, ao prover recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de
Minas Gerais, que

[...] o direito positivo brasileiro agasalhou a legitimação ativa do Ministério


Público para ajuizar ação civil pública em defesa de direitos individuais
homogêneos, desde que esteja configurado interesse social relevante. E,
sem sombra de dúvida, a situação dos trabalhadores submetidos a
condições insalubres, acarretando danos à saúde, configura direito
individual homogêneo revestido de interesse social relevante a justificar o
90
ajuizamento da ação civil pública pelo Ministério Público .

Portanto, infere-se que, no período em que promulgada a Constituição da


República Federativa do Brasil, era pacífico na jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça que as ações em que se buscava a tutela do meio ambiente de trabalho,
independentemente da relação havida entre empregador e trabalhador, eram de
exclusiva competência da Justiça Comum.
Corrobora tal conclusão Hugo Nigro Mazzilli, que, ao analisar a competência
para dirimir as lides em que envolvida a tutela do meio ambiente de trabalho, afirmou
que

[...] sustentavam outros que, assim como cabia à Justiça estadual comum
processar e julgar as ações movidas contra o INSS, que versassem a
reparação de danos provocados por acidentes de trabalho, nada impediria e
sim tudo recomendaria que a Justiça comum também decidisse as ações
civis públicas que visassem à prevenção desses mesmos acidentes. Em
outras palavras, se a Justiça comum estadual tinha competência para
processar a julgar as ações reparatórias de danos acidentários, seria ilógico
91
que não a tivesse para as ações que visassem a evitá-los .

Evanna Soares, ao apreciar diversas decisões emanadas pelo Superior


Tribunal de Justiça, asseverou que a jurisprudência dessa Corte Superior vinha se
firmando no sentido de ser competente a Justiça Comum Estadual e que a sua
fundamentação estava calcada no argumento de que tal Justiça, por ser competente
para as causas de acidente de trabalho, seria competente para julgar tudo o que lhe
!

dissesse respeito, seja a adoção de medidas preventivas, sejam as indenizações por


acidentes consumados92.
Apesar de, à época, encontrar-se a matéria pacificada na jurisprudência
pátria, diversas causas em que a aludida Corte Superior declarava a competência da
Justiça Comum Estadual, isto é, deliberava no sentido supramencionado, foram
levadas ao Supremo Tribunal Federal, haja vista entenderem as partes prejudicadas
por tais decisões que as lides pertinentes à tutela do meio ambiente de trabalho
competiriam exclusivamente à Justiça do Trabalho e, por esse motivo, suscitaram
que as decisões tomadas pelo Superior Tribunal de Justiça afrontariam preceitos da
Constituição Federal, notadamente o alhures transcrito artigo 114.

2.2.2 Súmula n. 736 do Supremo Tribunal Federal

Dentre essas causas, encontrava-se o Recurso Extraordinário n. 206.220-1,


procedente do estado de Minas Gerais, levado ao conhecimento do Supremo
Tribunal Federal no ano de 1999. Neste, o Banco do Estado de Minas Gerais,
conjuntamente com outras instituições financeiras, insurgiu-se contra decisão
proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, sob o argumento de que o artigo 114 da
Carta Política da República havia sido violado.
Salientou, nas suas razões, que o aludido preceptivo constitucional
determinaria que o julgamento de demanda envolvendo pedidos atinentes à
prevenção de lesões oriundas do trabalho competiria exclusivamente à Justiça do
Trabalho, e não à Justiça comum, conforme entendeu a corte superior ao julgar
conflito de competência instaurado entre a 4ª Junta de Conciliação e Julgamento de
Juiz de Fora e o Juízo de Direito da Fazenda Pública de Belo Horizonte.
Ao analisar o feito mencionado, o relator, Ministro Marco Aurélio, assentou
que
[...] a competência, na espécie, é definida no artigo 114 da Constituição
Federal, valendo notar estar em jogo o meio ambiente do trabalho, direitos
coletivos indisponíveis e, portanto, direito substancial dos próprios
empregados, tudo a pressupor relação jurídica empregatícia, ou seja, liame
regido pela Consolidação das Leis do Trabalho. [...] Repita-se que em jogo
tem-se ação civil pública visando à preservação do meio ambiente
!

trabalhista, do respeito irrestrito às normas de proteção do trabalho e para


93
ela é competente a Justiça do Trabalho .

Diante disso, foi dado provimento ao recurso extraordinário e determinada a


remessa dos autos do processo à Junta de Conciliação e Julgamento competente
para conhecer da demanda.
Posteriormente, na sessão plenária do dia 26 de novembro de 2003, a
Suprema Corte, tomando como precedente a decisão supracitada, após reiteradas
decisões versando sobre a temática nela envolvida, aprovou o enunciado de súmula
número 736, que recebeu a seguinte redação: “Compete à Justiça do Trabalho julgar
as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas
trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores”.94
Com isso, o entendimento até então pacificado no Poder Judiciário sucumbiu,
dando lugar à novel interpretação da Constituição Federal, por meio da qual caberia
ao Poder Judiciário Trabalhista dirimir as controvérsias envolvendo a tutela do meio
ambiente laboral, uma vez que a causa de pedir atrairia a competência de tal ramo
do Poder Judiciário.

2.2.3 Emenda Constitucional n. 45/2004

Ocorre que, no ano seguinte à aprovação do aludido verbete sumular, mais


especificamente no dia 17 de novembro de 2004, o Congresso Nacional promulgou
a Emenda Constitucional n. 45, a qual, por promover uma grande mudança no Poder
Judiciário, passou a ser denominada Reforma do Poder Judiciário.
Dentre as inúmeras alterações promovidas pela Reforma do Poder Judiciário,
as quais, nas palavras de Leone Pereira, representaram um verdadeiro “divisor de
águas” no estudo das competências material e em razão da pessoa na Justiça do
!

Trabalho95, pode-se destacar a significativa ampliação da competência da justiça


especializada, por meio da novel redação do artigo 114 da Magna Carta, in verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: !!


I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito
público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;!
II - as ações que envolvam exercício do direito de greve;!
III - as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos
e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;!
IV - os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o
ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;!
V - os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista,
ressalvado o disposto no art. 102, I, o;!!
VI - as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da
relação de trabalho;!
VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos
empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;!
VIII - a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I,
a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da
96
lei.

Leone Pereira, ao analisar a significativa ampliação da competência da


Justiça do Trabalho, promovida pela Emenda Constitucional n. 45/2004, aduz que

[...] a Reforma do Judiciário trouxe importante alteração no estudo da


competência da Justiça do Trabalho, pois antes era direcionado à pessoa
envolvida na relação jurídica submetida à apreciação jurisdicional, e agora
97
voltado para a própria relação jurídico-processual .

Tal conclusão é corroborada por Mauro Schiavi, o qual, ao apreciar a citada


alteração de competência, refere que “o critério da competência da Justiça do
Trabalho, que era eminentemente pessoal, ou seja, em razão das pessoas de
trabalhadores e empregadores, passou a ser em razão de uma relação jurídica, que
é a de trabalho”98.
Portanto, o principal critério de fixação da competência da Justiça Obreira
passou a ser o subcritério relacionado à matéria, haja vista tomar como relação
jurídica base a relação de trabalho, conforme se infere do disposto nos supracitados
incisos I e IX do artigo 114 da Constituição Republicana99.
!

Ao apreciar as inovações trazidas pela Emenda Constitucional em comento,


Renato Saraiva sustenta que, seguramente, a mais importante “foi a ampliação da
competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações oriundas das
relações de trabalho”100, prevista no retrocitado inciso primeiro do artigo 114 da
Carta Magna.
A relação de emprego, anteriormente utilizada na fixação da competência da
Justiça Especializada, consiste em relação jurídica de natureza contratual,
estabelecida entre empregado e empregador, por intermédio da qual aquele, pessoa
física determinada, de maneira habitual, desempenha atividades de trabalho,
cumprindo ordens provenientes deste, mediante o pagamento de salário.
A relação de trabalho, por outro lado, tem caráter genérico, contemplando,
inclusive, a relação de emprego. Consoante Maurício Godinho Delgado, a expressão
“relação de trabalho”

[...] refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua


prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada
em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de
trabalho humano modernamente admissível. A expressão relação de
trabalho englobaria, desse modo, a relação de emprego, a relação de
trabalho autônomo, a relação de trabalho eventual, de trabalho avulso e
outras modalidades de pactuação de prestação de labor (como trabalho de
estágio, etc.). Traduz, portanto, o gênero a que se acomodam todas as
formas de pactuação de prestação de trabalho existentes no mundo jurídico
101
atual .

Nas sintéticas palavras de Renato Saraiva, a relação de trabalho


“corresponde a qualquer vínculo jurídico por meio do qual uma pessoa natural
executa obra ou serviços para outrem, mediante o pagamento de uma
contraprestação”102.
Prossegue o aludido autor afirmando que, “quando se fala, portanto, em
relação de trabalho, incluem-se a relação de emprego, a relação de trabalho
autônomo, eventual, avulso, voluntário, estágio e a relação de trabalho
institucional”103.
!

Portanto, a partir do comando constitucional inserido no inciso primeiro do


artigo 114 do Texto Magno, passou-se a entender que qualquer relação de trabalho,
isto é, “qualquer relação jurídica por meio da qual uma pessoa física (natural)
assuma a obrigação de prestar um serviço ou de realizar uma obra em favor de uma
pessoa física ou jurídica”104 estaria contemplada na nova competência da Justiça
Laboral.
Dentre as relações de trabalho atraídas à competência da Justiça do
Trabalho, não há dúvida que a mais comentada pela doutrina é a inclusão de toda e
qualquer relação de trabalho envolvendo pessoa física e a Administração Pública,
mencionada na parte final do dispositivo sob apreço.
Antônio Álvares da Silva, ao abordar a temática, salientou que o legislador
constituinte, ao usar

[...] a palavra “ente” em relação à Administração Pública, quis dizer que a


competência da Justiça do Trabalho é plena para julgar as ações em que
sejam partes todo e qualquer servidor que ocupe cargo, emprego ou função
105
na Administração Pública da União, dos Estados e dos Municípios .

Prossegue o ilustre jurista afirmando que a Justiça do Trabalho, a partir da


Reforma Judiciária, passou a ser competente para julgar os conflitos envolvendo os
servidores públicos e o Poder Público, “não só em razão da abrangência da palavra
‘ente’, como também por causa da relação de trabalho que mantêm com o
Estado”106, pois “qualquer restrição, de ordem doutrinária ou por razões de
conveniência, limitaria o texto e, por via de conseqüência, violaria a Constituição”107.
Logo, consoante os ensinamentos de Cláudio Mascarenhas Brandão, o
alcance da expressão “relação de trabalho” atinge indubitavelmente os servidores
públicos em sentido amplo, pois “independentemente da natureza do vínculo criado
com a administração pública, de natureza estatutária ou não, inexistem dúvidas no
que toca ao objeto da relação jurídica mantida: o trabalho, a execução de um
serviço”108.
!

Raimundo Simão de Melo, que entendia que, após a edição da alhures citada
súmula n. 736 do STF, a Justiça Especializada seria sempre competente para
apreciar as ações que tratassem da tutela do meio ambiente de trabalho109, teve o
seu posicionamento reforçado pela promulgação da Emenda Constitucional em
comento, haja vista que

Com a EC n. 45/04, que alterou o art. 114 da Constituição (caput e inciso I),
ampliando a competência da Justiça do Trabalho para apreciar as
demandas decorrentes das relações de trabalho lato sensu,
consequentemente, a legitimação ativa do MPT aumentou. Assim, poderá
este ou qualquer outro legitimado ativo levar à apreciação do Judiciário
trabalhista todas as questões que digam respeito aos riscos à saúde do
trabalhador em geral [...], não somente em face dos empregadores e
tomadores de serviços, mas também em relação a outras pessoas que
direta ou indiretamente pratiquem atos infringentes das normas de
segurança, higiene e medicina do trabalho, colocando em risco o meio
110
ambiente do trabalho e a saúde do trabalhador .

Portanto, com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004, à Justiça


do Trabalho foram atribuídas novas competências, dentre as quais, reconhecida não
só jurisprudencialmente, mas também constitucionalmente, a de julgar todas as
ações que versassem sobre a tutela do meio ambiente de trabalho.

2.2.4 ADIn n. 3395

Ocorre, contudo, que a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004,


mais especificamente no que concerne à ampliação da Justiça Especializada para
dirimir as controvérsias decorrentes das relações de trabalho mantidas com a
Administração Pública, fez com que a AJUFE – Associação dos Juízes Federais do
Brasil, no dia 25 de janeiro de 2005, ingressasse com uma ação direta de
inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, contra o dispositivo
constitucional em comento, uma vez ter entendido essa entidade de classe que o
texto aprovado pelo Congresso Nacional encontrar-se-ia, no seu ponto de vista,
eivado pelo vício de inconstitucionalidade.
Aduziu, de início, que a proposta de se modificar o funcionamento do Poder
Judiciário, visando a uma prestação jurisdicional mais célere e eficaz, teve início no
!

ano de 1992, mediante a apresentação da Proposta de Emenda Constitucional n.


96/1992, pelo então deputado federal Hélio Bicudo.
Asseverou que, oito anos depois da proposta inaugural, a deputada federal
Zulaiê Cobra apresentou relatório à Câmara dos Deputados, que, então, aprovou,
em dois turnos, a referida proposta. À época, no que concerne ao inciso objurgado,
este previa que a Justiça do Trabalho seria competente para processar e julgar “as
ações oriundas da relação trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e
da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios”111.
Afirmou que, regularmente aprovado o texto da PEC n. 96/1992 pela Câmara
dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição foi enviada à apreciação do
Senado Federal. Salientou que, nesta casa legislativa, foi tombada sob o número
29/2000 e submetida à relatoria do senador José Jorge.
Destacou que, na Casa Revisora, também foi aprovada a redação sugerida,
com exceção da inserção de uma expressão restritiva da competência da Justiça do
Trabalho, por meio da qual excluiria da previsão do dispositivo, de forma expressa,
“os servidores ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em
comissão, de tais entes e de suas autarquias e fundações públicas”112 e, por
conseguinte, afastaria a competência da Justiça Obreira. Referiu que essa redação
foi devidamente aprovada em dois turnos no Senado Federal, retornando, então, à
Câmara dos Deputados para apreciação da alteração.
Discorreu que, de forma surpreendente, foi promulgada a já abordada
Emenda Constitucional n. 45/2004, por meio da qual foi desconsiderado o texto
integral aprovado pelo Senado Federal, gerando, assim, um inciso primeiro mais
genérico e sem o esclarecimento acrescido pela Casa Legislativa.
Inferiu que tal procedimento afrontou diretamente a previsão do artigo 60,
parágrafo 2º, da Carta Constitucional, o qual determina que as propostas de emenda
constitucional devem ser votadas, em dois turnos, em cada Casa do Congresso
!

Nacional, considerando-se aprovadas se obtiverem, em ambos os turnos, três


quintos dos votos dos respectivos membros das casas legislativas. Com isso,
entendeu ter se caracterizado a incidência da inconstitucionalidade formal do texto
aprovado pelo poder constituinte derivado ante a violação ao processo legislativo
constitucional.
Diante disso, requereu ao Supremo Tribunal Federal a concessão de medida
cautelar, inaudita altera parte, para o fim de sustar os efeitos do inciso vergastado,

[...] ressalvando sua inaplicabilidade para qualquer exegese que pretenda


dar aplicabilidade ao dispositivo impugnado para incluir na competência da
Justiça do Trabalho a relação da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios com os seus servidores ocupantes de cargos criados por lei, de
provimento efetivo ou em comissão, incluídas as autarquias e fundações
113
públicas, de cada ente da Federação .

Ao final, requereu a procedência da demanda para os fins de declarar a


inconstitucionalidade formal do inciso impugnado ou, subsidiariamente, declarar a
inconstitucionalidade da interpretação que inclua na competência da Justiça Obreira
as relações de caráter jurídico-administrativas estabelecidas entre os entes políticos,
incluídas as suas autarquias e fundações, e os seus servidores.
Na época, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson
Jobim, salientou que a Corte Suprema, na ação direta de inconstitucionalidade n.
492, já havia entendido que “a expressão ‘relação de trabalho’ não autorizava a
inclusão, na competência da Justiça trabalhista, dos litígios relativos aos servidores
públicos”114, pois para estes o regime é o estatutário e não o contratual trabalhista.
Destacou, ainda, que o Senado Federal, ao apor o acréscimo alhures
abordado, “meramente explicitou, na linha do decidido na ADI 492, o que já se
!

continha na expressão ‘relação de trabalho’, constante da parte inicial do texto


promulgado”115.
Entendeu, portanto, não ser o caso de inconstitucionalidade formal, pois a
inclusão do enunciado acrescido pela Casa Revisora em nada alteraria a proposição
jurídica contida na regra promulgada e que, mesmo que se entendesse no sentido
de ter ocorrido a inconstitucionalidade formal alegada, remanesceria vigente a
redação do dispositivo constitucional na parte em atribuiria à Justiça Obreira a
competência para dirimir conflitos envolvendo as relações de trabalho, com exceção
das de direito administrativo.
Apesar disso, entendeu ser possível que se estabelecessem conflitos entre a
Justiça Federal e a do Trabalho, motivo pelo qual concedeu a liminar pleiteada para
o fim de suspender, ad referendum, toda e qualquer interpretação dada ao inciso I
do artigo 114 da Carta Política, que inclua, na competência da Justiça Laboral, a
apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus
servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter
jurídico-administrativo.
Como a decisão proferida pelo Ministro Nelson Jobim sujeitava-se à posterior
aprovação do Plenário do Supremo Tribunal Federal, haja vista ter sido prolatada
sob tal condição, aos cinco dias do mês de abril do ano de 2006, tal órgão colegiado
reuniu-se para deliberar acerca do referendo.
Após relatar o caso, o Ministro Cezar Peluso, a quem foi distribuída a relatoria
do feito, entendeu estarem presentes os requisitos para a concessão e manutenção
da liminar, visto que “a necessidade de se definir a interpretação do art. 114, inc. I,
acrescido pela Emenda Constitucional nº 45/2004, conforme à Constituição da
República, é consistente”116. Referiu, em seu voto, que o Supremo Tribunal Federal,
no julgamento da ADI n. 492, já havia decidido
!

[...] ser inconstitucional a inclusão, no âmbito de competência da Justiça do


Trabalho, das causas que envolvam o Poder Público e seus servidores
estatutários. A razão é porque entendeu alheio ao conceito de “relação de
trabalho” o vínculo jurídico de natureza estatutária, vigente entre servidores
117
públicos e a Administração .

Concordou com o Ministro Nelson Jobim que o argumento de


inconstitucionalidade formal perderia força diante da interpretação conforme à
Constituição, porquanto, tendo em conta que somente visaria a explicitar a regra de
competência anteriormente definida pelo Pretório Excelso, a redação dada pelo
Senado Federal à norma e suprimida à promulgação em nada alteraria o âmbito
semântico do texto definitivo. Diante disso, votou no sentido de referendar a decisão
liminar. Após, por maioria, acompanhando o voto do ministro relator, o Pleno do
Supremo Tribunal Federal referendou a liminar concedida pelo Ministro Nelson
Jobim.
Portanto, a partir desta decisão, tornou-se a Justiça do Trabalho incompetente
para julgar as ações envolvendo os servidores públicos estatutários, cabendo à
Justiça Comum dirimir as controvérsias instauradas entre o Poder Público e os seus
respectivos servidores estatutários.
Indubitavelmente, tal decisão causou polêmica, visto que, nas palavras de
Antônio Álvares da Silva, “o erro é enorme e o STF manteve jurisprudência anterior,
firmada com base na redação anterior do art. 114, não atentando para a nova
redação dada pela EC n. 45 e a profunda alteração que trouxe o citado artigo”118.
Prossegue o ilustre autor, aduzindo que

O que a Constituição fez não foi equiparar a relação de serviço público com
a trabalhista, nem se pode confundir os campos diversos em que se situam:
a primeira, no Direito Público, e a segunda, no Direito Privado. O que se
pretendeu, a exemplo das demais hipóteses de ampliação, foi trazer para o
processo do trabalho questões que, pelo seu significado social, precisam de
119
julgamentos rápidos, imediatos e objetivos .
!

Ainda, ao criticar a decisão oriunda do Pretório Excelso, o jurista afirma que “a


relação do servidor público pode até ser concebida ainda, como foi no século
passado, como de natureza estatutária e unilateral. Mas, antes disso, é uma relação
de trabalho” e, por essa razão, deveriam as controvérsias existentes entre o Poder
Público e os seus trabalhadores ser julgadas pela Justiça Especializada.
Reginaldo Melhado, perfilhando a corrente que entende ser uma relação de
trabalho o vínculo existente entre o servidor público e a Administração Pública, aduz
que tal entendimento já havia sido adotado, inclusive, na Constituição de 1969,
antecessora da atual Carta Magna120, que, em seu artigo 110, dispunha que:

Os litígios decorrentes das relações de trabalho dos servidores com a


União, inclusive as autarquias e as empresas públicas federais, qualquer
que seja o seu regime jurídico, processar-se-ão e julgar-se-ão perante os
juízes federais, devendo ser interposto recurso, se couber, para o Tribunal
121
Federal de Recursos .

Como se pode observar, tal dispositivo constitucional reconhecia existir


relação de trabalho entre o Poder Público e o servidor público, independentemente
do regime jurídico adotado no vinculo jurídico que os uniria.
Por fim, Leone Pereira, também concebendo que há relação de trabalho entre
os servidores públicos estatutários e a Administração Pública, afirma que

Com o devido respeito aos entendimentos em sentido contrário, a nosso ver


a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações
oriundas da relação de trabalho, abrangendo tanto o regime celetista quanto
o regime estatutário na Administração Pública direta e indireta de qualquer
122
dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios .

Pois bem, apesar de inúmeras outras críticas desferidas por renomados


juristas, o entendimento adotado pela Corte Suprema foi o de que inexiste relação
de trabalho entre o servidor público estatutário e a Administração Pública e, por essa
razão, a Justiça do Trabalho é incompetente para julgar eventuais controvérsias que
venham a existir entre eles.
!

Com isso, segundo Raimundo Simão de Melo, para quem, como já dito, o
Poder Judiciário Trabalhista seria competente para julgar todas as ações que
versassem sobre a tutela do meio ambiente de trabalho, alterou o seu entendimento,
incluindo, na genérica afirmação, a ressalva de que não poderia ser tutelado,
perante este ramo do Poder Judiciário, o meio ambiente do trabalho dos servidores
públicos estatutários, “enquanto perdurar a liminar concedida na ADIn n. 3395”123.
Assim, inúmeros juízes do trabalho, quando diante de demandas coletivas,
por intermédio das quais se pleiteava a aplicação de normas de proteção ao meio
ambiente de trabalho na Administração Pública, em virtude de existirem servidores
estatutários naqueles ambientes, declararam-se incompetentes para dirimir tais
pretensões.
Para ilustrar, cita-se, como exemplo, a decisão proferida pelo Meritíssimo Juiz
da 5ª Vara do Trabalho de Porto Velho nos autos da ação de execução de termo de
ajuste de conduta n. 0104300-76.2006.5.14.0005, proposta pelo Ministério Público
do Trabalho em face do Município de Porto Velho, em virtude de ter sido constatada
a violação das obrigações assumidas pela municipalidade, compromissos esses que
cuidavam da observância das normas garantidoras da higidez do meio ambiente de
trabalho.
O Juízo, sob o fundamento de que, até que fosse julgado o mérito da Ação
Direta de Inconstitucionalidade supracitada, encontrar-se-ia afastada qualquer
interpretação do artigo 114 da Constituição Federal no sentido de emprestar
competência à Justiça do Trabalho para processar e julgar os feitos em que se
discute relação jurídica entre servidor público e a Administração Pública, julgou-se
incompetente para dar continuidade à execução intentada pelo Parquet do
trabalho124.

2.2.5 Reclamação n. 3303/PI


!

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal deparou-se com a reclamação


constitucional tombada sob o número 3.303-1, proposta pelo Estado do Piauí, contra
decisão proferida pelo Juiz da 2ª Vara do Trabalho de Teresina, nos autos de ação
civil pública aforada pelo Ministério Público do Trabalho.
Nesta, pretendia o Parquet do Trabalho que o ente político observasse as
normas de saúde, higiene e segurança do trabalho no âmbito do Instituto de
Medicina Legal do Estado. O réu, em sua defesa, argumentou que a Justiça do
Trabalho, em virtude da decisão tomada pelo Pretório Excelso na Ação Direta da
Inconstitucionalidade antes analisada, seria incompetente para julgar a ação
proposta.
O juízo, ao considerar-se competente para apreciar a demanda, fez com que
o ente federativo, inconformado, ingressasse com a ação reclamatória, reiterando o
argumento de que a Justiça obreira seria incompetente para julgar a ação civil
pública e que a decisão por ela tomada ofenderia a autoridade da decisão prolatada
nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.395-MC. Assinalou, ainda,
que não existiriam no Estado do Piauí servidores contratados pelo regime da CLT
que justificariam a competência da Justiça especializada.
A demanda foi distribuída ao Ministro Carlos Ayres Britto, o qual, ao analisar o
pleito formulado pelo ente político, aduziu que a ação civil pública teria por escopo
exigir o cumprimento, pelo Poder Público piauiense, das normas trabalhistas
relativas à higiene, segurança e saúde dos trabalhadores.
Mencionou que, na decisão cuja autoridade supostamente estaria sendo
violada, assentou-se o entendimento de que compete à Justiça comum processar e
julgar as causas instauradas entre a Fazenda Pública e seus servidores estatutários,
o que, a toda evidência, faria com que o caso posto sob análise em nada ofenderia a
sua autoridade. Sob esse fundamento, votou pela improcedência do pedido
formulado pelo Estado piauiense.
Após debate iniciado pela Ministra Cármen Lúcia acerca da natureza do
vínculo estabelecido entre o ente público e os seus trabalhadores, o Ministro Celso
de Mello asseverou que a causa de pedir da ação coletiva

[...] estaria a sugerir, longe de qualquer debate sobre a natureza do vínculo


(se laboral, ou não, se de caráter estatutário, ou não), que se pretende, na
realidade, e numa perspectiva de metaindividualidade, provocada pela
iniciativa do Ministério Público, saber se as normas referentes à higiene e à
!

saúde do trabalho estariam sendo observadas, ou não, por determinado


125
ente público .

Em complemento, o Ministro Menezes Direito esclareceu que o que se estava


examinando na ação constitucional era tão somente o fato de ser a Justiça do
Trabalho competente, ou não, para julgar uma ação civil pública relativa à higiene do
trabalho, motivo pelo qual o relator não enfrentou a questão do vínculo existente
entre o ente político e os seus trabalhadores. O relator, Ministro Ayres Britto,
completou o pensamento, aduzindo que a Justiça do Trabalho seria a competente
para apreciar o caso em desate. Com isso, o Tribunal, à unanimidade, julgou
improcedente a reclamação.
Indubitavelmente, o Supremo Tribunal Federal, ao chancelar o entendimento
acima mencionado, reforçou o posicionamento adotado pelo Tribunal Pleno ao
aprovar o enunciado de súmula n. 736, uma vez que, também neste, salientou que a
causa de pedir seria o critério delimitador da competência e que, no caso de esta se
referir ao descumprimento de normas trabalhistas pertinentes à segurança, higiene e
saúde dos trabalhadores, caberia à Justiça do Trabalho dirimir o conflito.
Ocorre que, malgrado tenha o Pretório Excelso superado a discussão acerca
da natureza do vínculo, definindo que, independentemente do regime adotado pelo
Poder Público, caberia à Justiça do Trabalho dirimir todos os conflitos que tratam da
tutela do meio ambiente de trabalho, inúmeros entes públicos, bem assim juízes do
trabalho, em razão de ainda não ter sido julgado o mérito da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 3395, têm advogado a tese de que tal ramo do Poder
Judiciário seria incompetente para julgar as ações em que o vínculo estatutário dos
servidores encontra-se presente.
A título exemplificativo, tal foi o entendimento adotado pelo Juízo da 2ª Vara
do Trabalho de Araguaína nos autos da ação civil pública n. 0000869-
02.2010.5.10.0812, que foi proposta, em litisconsórcio ativo, pelo Ministério Público
do Trabalho e pelo Ministério Público Estadual em face do Estado de Tocantins, a
fim de que este adequasse o meio ambiente de trabalho no sistema carcerário do
!

Município de Araguaína. Segundo a procuradora do trabalho Bruna Iensen


Desconzi, oficiante no processo judicial em apreço, ao declarar-se incompetente
para dirimir a controvérsia, o Juízo

[...] se valeu da decisão do Recurso Extraordinário nº 573202, com


repercussão geral, que por sua vez se baseou na decisão da ADI 3395, em
que foi afastada a competência da Justiça do Trabalho para julgar causas
126
entre o Poder Público e seus servidores .

Há pouco tempo, o Tribunal Superior do Trabalho, diante de caso análogo, no


qual havia o Tribunal Regional do Trabalho da 23ª Região se declarado
incompetente para julgar ação civil pública visando impor a órgão público o
cumprimento de normas voltadas à preservação do meio ambiente do trabalho, em
sede de recurso de revista, salientou que

O fundamento do acórdão regional que negou a competência da Justiça do


Trabalho para julgar a presente Ação Civil Pública tem por base a decisão
tomada pelo Supremo Tribunal Federal na ADI n. 3.395-6. Contudo, o caso
analisado naquela decisão de controle concentrado de constitucionalidade
127
não se identifica com a quaestio juris contida na presente demanda .

Ocorre que, conforme a relatora do processo, Ministra Maria de Assis Calsing,


esse tipo de demanda não discute a natureza do vínculo empregatício, o que é
irrelevante para o objeto da ação, mas sim o cumprimento pelo ente público das
normas relativas à proteção do meio ambiente de trabalho, objeto este que não foi
alcançado pela decisão do Supremo Tribunal Federal na ação direta de
inconstitucionalidade citada e, portanto, tornaria inabalável o enunciado de súmula
que esclarece ser a Justiça do Trabalho competente para julgar tais ações.
Ao final, destacou a ministra relatora não ser raro que, no meio ambiente de
trabalho dos órgãos públicos, convivam pessoas ligadas ao Poder Público por
diferentes vínculos e, como as condições de segurança, saúde e higiene afetam a
!

todos os trabalhadores indistintamente, seria inviável definir a competência para


apreciar ações versando sobre a tutela do meio ambiente laboral tendo como dado a
condição jurídica individual de cada trabalhador, a denotar a impropriedade de se
utilizar a natureza do vínculo trabalhista como parâmetro de definição de
competência128.
Nesse sentido, confirma-se que, embora ainda haja divergência, atualmente,
predomina na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que,
independentemente do regime a que estão submetidos os trabalhadores vinculados
à Administração Pública, o ramo do Poder Judiciário competente para processar e
julgar as ações que envolvam a tutela do meio ambiente de trabalho na
Administração Pública é o da Justiça do Trabalho.
CONCLUSÃO

A higidez do meio ambiente de trabalho, com o advento da Constituição da


República Federativa do Brasil de 1988, passou a ser considerada um direito
fundamental de todos os trabalhadores. Nesse sentido, classificado como cláusula
pétrea, é considerado um dos elementos base para a configuração da vida digna
dos trabalhadores, uma vez que o labor em um meio ambiente insalutífero acarreta
em prejuízos à saúde e, por conseguinte, à vida digna.
Assim, o legislador infraconstitucional, preocupado em resguardar a saúde de
todos os trabalhadores, editou inúmeras normas, de observância obrigatória pela
integralidade dos empregadores, por meio das quais estabelece incontáveis
medidas que devem ser implementadas nas suas dependências, a fim de, no
mínimo, reduzir os riscos de acidentes de trabalho.
Os entes públicos, almejando eximir-se da responsabilidade de adequar o seu
meio ambiente de trabalho, argumentam que essas normas não lhes são aplicáveis.
Contudo, conforme se demonstrou no primeiro capítulo desta pesquisa, as razões
apresentadas pelo Poder Público não são suficientes para afastar o seu dever,
constitucionalmente previsto, de adotar as medidas de saúde, higiene e segurança
adequadas à redução dos riscos de acidentes de trabalho, visto que, diante da
lacuna normativa pertinente à temática, aplicam-se, por analogia, as regras atinentes
aos empregadores privados.
Portanto, o objetivo desta pesquisa, após salientar que as normas aplicáveis
aos empregadores privados, são, por analogia, também de observância obrigatória
pelo Poder Público, foi o de demonstrar que, diante da controvérsia doutrinária e
jurisprudencial, qual seria o ramo do Poder Judiciário competente para dirimir os
conflitos envolvendo a tutela do meio ambiente de trabalho.
Observou-se que, inicialmente, predominava na doutrina e na jurisprudência o
entendimento de que a Justiça Comum Estadual seria a competente para conhecer
das demandas que tratassem de qualquer matéria envolvendo acidentes de
trabalho, seja as indenizações deles decorrentes, seja a sua prevenção.
Constatou-se, posteriormente, que tal entendimento foi modificado, em virtude
dos recursos interpostos por inúmeros empregadores que se diziam prejudicados
pelas decisões proferidas pelo Poder Judiciário Estadual, uma vez que entendiam
serem os feitos de competência exclusiva da Justiça Especializada.
!

Apurou-se que, tão logo alterado o entendimento acerca da matéria, o


Supremo Tribunal Federal, com o fito de pacificar a polêmica, em razão de
reiteradas decisões no sentido de que competiria à Justiça do Trabalho julgar as
ações que tivessem como causa de pedir a observância das normas de saúde,
higiene e segurança do trabalho, editou o enunciado de súmula n. 736.
Evidenciou-se, depois, que a Emenda Constitucional n. 45/2004 ampliou
drasticamente a competência da Justiça do Trabalho, o que teria chancelado o
entendimento de que este ramo do Poder Judiciário seria competente para julgar
qualquer causa que envolvesse as relações de trabalho, incluindo-se as prestadas
no âmbito da Administração Pública.
Demais disso, vislumbrou-se que, menos de um ano da promulgação do texto
modificativo da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal deparou-se com
ação direta de inconstitucionalidade, por meio da qual se pleiteava a suspensão de
toda e qualquer interpretação que incluísse na competência da Justiça do Trabalho a
possibilidade de julgar as ações envolvendo o Poder Público e os seus servidores
estatutários, o que foi deferido liminarmente pelo Tribunal Pleno daquele órgão
judiciário.
Com essa decisão, viu-se que passaram os entes públicos a advogar a tese
de que toda e qualquer demanda que envolvesse o Poder Público e os seus
servidores estatutários, inclusive as que tratassem sobre a tutela do meio ambiente
laboral, deveria ser apreciada pela Justiça Comum, sob pena de afronta à
autoridade daquele julgado, entendimento este que foi acatado por muitos
magistrados.
Ademais, a partir de decisões tanto do Supremo Tribunal Federal quanto do
Tribunal Superior do Trabalho, inferiu-se que a declaração da competência da
Justiça do Trabalho para compelir a Administração Pública a observar as normas
pertinentes à saúde e à segurança dos trabalhadores em nada afrontaria a
autoridade da decisão emanada pela Corte Suprema, haja vista não estar envolvida
na causa de pedir dessas demandas a natureza jurídica do vínculo estabelecido
entre o servidor público e o Poder Público.
Portanto, partindo-se das premissas de que a causa de pedir não envolve o
vínculo jurídico existente entre o Poder Público e os seus trabalhadores, bem como
de que, tendo em conta ser indivisível, não é possível que o meio ambiente laboral
seja tutelado tão somente para os servidores regidos pela legislação trabalhista,
!

constata-se que, apesar de ainda não ter sido julgado o mérito da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 3395, a Justiça do Trabalho é o ramo do Poder Judiciário
que detém a competência para processar e julgar os processos que versem sobre a
tutela do meio ambiente de trabalho na Administração Pública.
1 INTRODUÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Serviço Social da


Universidade Federal do Rio Grande do Sul, constitui-se enquanto produto do processo
acadêmico de construção profissional. Busca contribuir com a discussão acerca das temáticas
de “Trabalho”, “Saúde do Trabalhador” e “Serviço Público”, inseridos na materialidade das
contradições advindas da relação capital-trabalho em uma sociedade capitalista, aonde o
trabalho é o meio para satisfação da vida social.
Nesse sentido, propõe a análise acerca da atenção à saúde dos servidores públicos
municipais e da estrutura organizacional da Prefeitura Municipal de Porto Alegre no que
tange seus programas, áreas, ações, projetos, recursos etc. Definido, enquanto problema do
trabalho de conclusão de curso: “Como se configura, na gestão pública municipal de Porto
Alegre, a atenção à saúde do servidor mediante a estrutura histórica-contemporânea de gestão
de pessoas, bem como o acompanhamento dos processos de saúde/doença dos servidores?”.
Iniciar-se-á, este estudo, com uma análise das categorias trabalho e saúde e suas
implicações na sociedade capitalista sob os modos de produção atuais, seguidas do
reconhecimento das lutas, avanços e retrocessos inscritos historicamente no processo de
defesa da construção de uma política de Saúde do Trabalhador e suas refrações no serviço
público. Nesse sentido, dar-se-á destaque à Política Nacional de Segurança e Saúde no
Trabalho (PNSST), de caráter interministerial e à Política Nacional de Saúde do Trabalhador
e da Trabalhadora (PNST) vinculada ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Após situar o marco legal que ampara e rege a saúde do trabalhador e o conceito
ampliado de saúde, busca-se compreender de que forma isso se materializa e atinge os
trabalhadores do serviço público vinculados à Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Nesse
sentido, aporta-se na pesquisa em documentos gestores como a Lei Orgânica do Município de
Porto Alegre, no Plano Plurianual do Município de Porto Alegre, nos Portais de
Transparência do Município e dos Eixos de Gestão, bem como do Estatuto do Servidor
Público Municipal, Manual do Servidor, de Secretarias específicas, entre outros.
Destaca-se que a proposta deste estudo é dar enfoque aos processos que atravessam a
gestão de pessoas e que possibilitam ou dificultam a elaboração e promoção de políticas
voltadas à atenção à saúde dos servidores, em consonância com a concepção de saúde do
trabalhador, especialmente a partir da Gerência de Acompanhamento Funcional, subordinada
à Supervisão de Recursos Humanos da Secretaria Municipal de Administração. Foi a partir da
inserção em Estágio Curricular em Serviço Social desenvolvido nesse setor, que permitiu a
aproximação com a temática do acompanhamento dos processos de saúde e adoecimento dos
trabalhadores desta instituição.
Esta aproximação, aliada a estudos de absenteísmo realizados na PMPA, bem como
outros estudos, permitem a construção de uma análise sobre as principais expressões da
questão social que estão latentes nesse espaço de reprodução da vida social, dando luz aos
processos de precarização e precariedade do trabalho, das formas de organização dos
processos de trabalho e das diversas dimensões da apropriação da saúde e sua relação
intrínseca e indissociável com o trabalho.
Por fim, após a verificação de todas essas dimensões da Saúde do Trabalhador inscrita
em processos de gestão de pessoas no serviço público, buscar-se-á articular com o Projeto
Ético-Político do Serviço Social enquanto profissão vinculada a um projeto societário de
superação da ordem capitalista e vinculado em suas três dimensões da categoria profissional à
teoria social-crítica. Nesse sentido, procura-se destacar o Projeto de Trabalho do assistente
social enquanto uma possível ferramenta para o enfrentamento das contradições gravadas
nesse espaço socioocupacional.
2 TRABALHO, SAÚDE DO TRABALHADOR E SERVIÇO PÚBLICO

Para propor uma discussão acerca de trabalho na sociedade brasileira, aporta-se na


leitura da realidade apreendida através da teoria social-crítica. Nesse sentido, considera-se que
nenhuma realidade é um todo acabado e estanque, mas que se constitui de conjuntos de
processos inacabados, mutáveis e atravessados por diversos determinantes. Ressalta-se que,
para compreender a realidade através da teoria social-crítica é imperativo analisar as formas
de produção burguesa a relação do capital com o trabalho. Sob esta lógica, emprega-se a
necessidade de compreender que todos os elementos que compõe esta relação são dotados de
uma totalidade que materializa a as condições da vida social (NETTO, 2009), aonde:

Para Marx, a sociedade burguesa é uma totalidade concreta. Não é um “todo”


constituído por “partes” funcionalmente integradas. Antes, é uma totalidade concreta
inclusiva e macroscópica, de máxima complexidade, constituída por totalidades de
menor complexidade. (NETTO, 2009, p. 27).

Sobre essa realidade, compreende-se que, em uma sociedade capitalista burguesa, a


partir de Marx, as relações sociais são diretamente ligadas às forças produtivas desenvolvidas
pelos homens. José Paulo Netto (2009) ao introduzir o estudo do método da teoria social-
crítica, dá luz a essa centralidade do trabalho a partir da análise das obras de Marx e Engels,
afirmando que

O ser social – e a sociabilidade resulta elementarmente do trabalho, que constituirá o


modelo da práxis – é processo, movimento, que se dinamiza por contradições, cuja
superação o conduz a patamares de crescente complexidade e novas contradições
impulsionam a outras superações. (NETTO, 2009, p. 13).

Este movimento dinâmico pauta as relações sociais a partir do desenvolvimento de


capacidades produtivas, suas alterações irão alterar, também, as formas de relações impressas
na sociedade.
Na obra “O Capital”, em seu Volume I, Marx (1974) determinará o processo de
trabalho humano enquanto uma ação movida pelo homem a qual impulsiona, regula e controla
uma troca material com a natureza, quando considerado independente de qualquer forma
social determinada. Esse processo é constituído por três elementos: “A atividade adequada a
um fim, isto é, o próprio trabalho; a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; os
meios de trabalho, o instrumental de trabalho.” (NETTO, 2009, p.16). Dessa forma, Marx
difere o trabalhado humano do trabalho animal, ao implicar o seu sentido teleológico.
Porém, ao considerar-se trabalho inscrito na forma social de produção capitalista,
depara-se com a apreensão deste processo de trabalho pelas forças detentoras do capital. Marx
(1974) aponta que nesse processo “O produto é propriedade do capitalista, e não do produtor
direto, do trabalhador.” (MARX, 1974, p. 304). Nessa relação, o trabalhador equivale-se a
qualquer outra mercadoria, aonde sua força de trabalho é propriedade do detentor dos meus de
produção. Dessa forma, o próprio trabalho sofre metamorfose, passando a ser um pedaço da
mercadoria, aonde: “O processo de trabalho é um processo entre coisas que o capitalista
comprou, entre coisas que lhe pertencem. O produto desse processo lhe pertence de modo
inteiramente igual ao produto do processo de fermentação em sua adega.” (MARX, 1974, p.
304).
Indo ao encontro a essa realidade, Alves (2007) nos revela a alienação do trabalhador
em relação ao processo de trabalho, de forma em que:

[...] poderíamos dizer que, sob o modo de produção capitalista propriamente dito, da
máquina e do sistema de máquinas, que instaura a grande indústria, o trabalho perde,
pela primeira vez, o seu lugar como agente social ativo do processo de produção. De
termo inicial, o trabalho vivo torna-se mero termo intermediário subsumido à
máquina. (ALVES, 2007, p. 32).

O autor citado ressalta que ao falar-se de processo de trabalho na sociedade capitalista


deve-se considerar que o mesmo é, acima de tudo, processo de produção de mais-valia e de
capital. Caracteriza essa sociedade enquanto “Sociedade do Trabalho” (ALVES, 2007), que
tem características próprias e diferem do trabalho enquanto processo humano intrínseco à vida
social, aonde o processo de trabalho capitalista “[...] não se volta à produção de objetos que
satisfaçam a necessidades humanas, valores de uso, mas sim a produção de valores.”
(ALVES, 2007, p. 33) e que no interior de seu próprio processo ocorrem mudanças
importantes, em função do desenvolvimento das forças produtivas do trabalho social.
Nessa relação, o processo de trabalho, em sua forma natural, é negado em si e para si e
o homem trabalhador “[...] é deslocado do processo de trabalho, deixando de ser elemento
ativo e torna-se meramente elemento passivo, mero suporte do sistema de máquinas.”
(ALVES, 2007, 34).
Sobre essa realidade dialética da sociedade capitalista, o trabalhador inserido nas
relações enquanto vendedor de sua força de trabalho, produtor das riquezas sociais e
excluídos da apropriação social das mesmas, estabelece uma relação intrínseca de sua saúde
com os processos de trabalho, quando se considera a saúde em seu conceito ampliado e,
portanto, abrange todas as dimensões da vida social e compreende-se a sociabilidade enquanto
um resultado do trabalho.
Essa relação indissociável entre saúde e trabalho nos exige pensar sobre a
materialidade em que os modos de produção capitalista impõem uma noção de risco aceitável
sobre a apropriação da vida humana e sua saúde. Nesse sentido, compreende-se a concepção
de saúde do trabalhador, “[...] como campo de conhecimento e intervenção, requer o
reconhecimento da construção social do processo de saúde/doença e das necessidades sociais
decorrentes dos agravos produzidos por esse processo.” (WÜNSCH; MENDES, 2011, p.
164). As autoras citadas ressaltam que essa condição de degradação da saúde em função do
trabalho exige um conjunto de respostas, que serão materializadas através de um sistema de
proteção social aos trabalhadores, garantindo seus direitos. Para compreender essa concepção
e garantir sua defesa e garantia de direitos, é necessário compreender de que forma o trabalho
se estrutura atualmente e como ele materialmente atravessa todas as dimensões da vida dos
trabalhadores, inclusive sobre sua subjetividade, uma vez que “As determinações sociais que
incidem sobre a saúde, demonstram o lugar da organização da produção capitalista e suas
implicações no modo de viver e adoecer do trabalhador.” (WÜNSCH; MENDES, 2011, p.
167).
Em um cenário de restruturação produtiva se expressa através de novas determinações
para o processo de saúde/doença, o qual pode ser representado pela: [...] sobresolicitação do
trabalho, resultantes das formas de organização e gestão do trabalho, cada vez mais
intensificadas e planificadas em metas e prazos, ajustados à exigência de uma produtividade
sem limites. (WÜNSCH; MENDES, 2011, p. 167).
Essa realidade revela a importância da inserção de concepções de Saúde do
Trabalhador no âmbito da gestão de pessoas e políticas institucionais voltadas aos seus
trabalhadores. Nesse sentido, Wünsch e Mendes (2011) ressaltam que esse campo da saúde do
trabalhador revela múltiplas expressões da questão social, definida enquanto:

O conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que


tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se
mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada,
monopolizada por uma parte da sociedade. (IAMAMOTO, 1998, p. 27).

A centralidade do trabalho na realização da vida social, que nessa sociedade capitalista


que se apropria particularmente da riqueza socialmente produzida, através dos detentores dos
meios de produção, manifesta-se através da constante contradição que permite a desigualdade
social, a apropriação do capital sobre a saúde dos trabalhadores, etc., que se expressam em
todos os âmbitos da vida dos mesmos, e materializam a luta de classes, aonde o Estado
cumpre um papel mediador entre a resistência dos trabalhadores e os avanços do capital, de
forma a garantir a manutenção do status quo e do ideário capitalista hegemônico. As autoras
reforçam que a “[...] denominação saúde do trabalhador carrega em si as contradições
engendradas na relação capital e trabalho e no reconhecimento do trabalhador como sujeito
político.” (WÜNSCH; MENDES, 2011, p. 464). Destacam que, no âmbito da relação
indissociável entre saúde e trabalho, a saúde do trabalhador representa:

O esgotamento de um modelo hegemônico que atravessou décadas, e por que não


dizer séculos, circunscrito num arcabouço legal e conservador que reconhecia um
risco socialmente aceitável e indenizável à lógica do capital dos acidentes de
trabalho. (MENDES; WÜNSCH, 2011, p. 464).

Dessa forma, pensar em saúde do trabalhador é reconhecer as lutas historicamente


inscritas pelos trabalhadores a favor da “construção do conhecimento e da compreensão das
múltiplas determinações que constituem o processo saúde/doença que incorporaram a relação
dialética entre o capital e o trabalho na explicitação do conjunto de manifestações no corpo e
na mente dos indivíduos.” (MENDES; WÜNSCH, 2011, p. 464).
As autoras revelam que para os profissionais de Serviço Social está posta essa
realidade contraditória que expõe, de um lado, as expressões da questão social advindas da
divisão sócio técnica do trabalho aonde o mesmo corresponde a um espaço concreto de
exploração, e por outro, que revela a possibilidade de construção de um processo contra
hegemônico através da concepção de saúde do trabalhador e da participação dos mesmos, e
que se colocará enquanto desafio aos assistentes sociais no cotidiano do seu trabalho, que
exigirá deste profissional um conjunto de competências e exigências, em um contexto em que:

A configuração do trabalho no sistema capitalista tem apresentado, em seus vários


ciclos, sistemas gerenciais com evolução crescente da produção, da qualificação
profissional, do ritmo de trabalho e da fragmentação do processo produtivo. O
contexto é de precarização, flexibilização, trabalho parcial, polivalência de funções,
redução dos postos de trabalho, aceleramento no ritmo da produção e das ações
somado ao desemprego estrutural, à implementação de novas tecnologias, com
salários em declínio e/ou instáveis. (MENDES; WÜNSCH, 2011, p. 465).

Aos assistentes sociais cabe, fundamentalmente, realizar a apreensão crítica da


totalidade dessa realidade, de forma a aliar-se ao campo da Saúde do Trabalhador indo ao
encontro de seu projeto ético-político, de forma a:
Traduzir um conjunto de elementos que contribuem para o desocultamento e ao
mesmo tempo para o enfrentamento do processo de saúde/doença por meio da
identificação das necessidades de proteção social nele presentes e que são
fundamentais para compreender o conceito de saúde do trabalhador. (MENDES;
WÜNSCH, 2011, p. 470).

Essa realidade descrita até o momento não se distancia da vivida pelos trabalhadores
do serviço público, os servidores públicos, que a partir de sua forma de denominação já
desvelam uma relação marginalizada da condição de trabalhadores, vinculados a uma relação
servil de seu processo de trabalho, junto ao Estado e à prestação de serviços e políticas
prestadas pelos mesmos.
Este servidor, atravessado pelas contradições de subordinado ao Estado, de uma
valoração negativa e de uma responsabilidade enquanto “guardião da coisa pública", é tocado
também pelas contradições da relação capital X trabalho, que são refletidas tanto nas questões
citadas acima como nos processos de trabalho instituídos no interior da administração pública.
Nesse sentido, o modo de trabalho cotidiano do serviço público também favorece o
adoecimento, seja por repetição de tarefas, sedentarismo, alienação, seja pelo contrário, a
sobrecarga, assédio moral, burocratização do Estado, etc.
Este rebatimento nos trabalhadores do Estado da divisão social do trabalho, da
restruturação produtiva e da exploração da classe trabalhadora, justifica-se, não unicamente,
mas também, pelo fato de que a centralidade do trabalho nos modos de viver da sociedade
capitalista está impresso em todos os âmbitos da vida social e, desta forma, abrange também a
esfera estatal e seus trabalhadores.
Dessa forma, torna-se imperativo compreender as formas de enfrentamento desta
expressão maior da contradição advinda da relação capital X trabalho, buscando na Saúde do
Trabalhador e na inserção do profissional de Serviço Social nos espaços públicos de gestão
uma forma de resistência ao avanço do capital sobre a apropriação da vida dos trabalhadores.

2.1 SAÚDE DO TRABALHADOR: CONCEPÇÕES E LUTAS

As configurações do trabalho, no contexto mundial e, em particular no tange a


sociedade brasileira, sofreram mudanças ao longo do tempo, que se manifestaram,
fundamentalmente, a partir na segunda metade do século XX. Verifica-se que houve avanços
e retrocessos em termos de direitos, condições e na organização do trabalho, num processo
dialético marcado pelas condições históricas próprio do desenvolvimento das sociedades
capitalistas, aonde o trabalho é o centro das relações sociais e de sobrevivência humana.
Nesse contexto, a saúde e o trabalho estão implicados dialeticamente. Assim, numa
breve retrospectiva, é possível identificar diferentes modelos de atenção à saúde dos
trabalhadores, partindo-se da relação saúde-trabalho nas décadas de 1950 e 1960, as quais
foram marcadas pelo industrialismo Desenvolvimentista o qual sustentava a presença de
serviços médicos nas empresas a partir da promoção de estudos de causas de absenteísmo,
seleção de pessoal e análise de acidentes ocupacionais. Em 1970, regida pelo Regime Militar,
é adotada política que cria os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e
Medicina do Trabalho, delegando para as empresas o cuidado com a saúde dos trabalhadores.
Concomitante a isso, na América Latina, há a emergência de uma nova formulação teórico-
conceitual acompanhada de uma visão sanitária que retorna ao social para apreender a
determinação dos agravos à saúde dos trabalhadores, incorporando categorias do marxismo.
Estes períodos históricos são fortemente marcados por distintas concepções de saúde
que dialogam com a organização do trabalho podendo destacar a “Medicina do Trabalho” e a
“Saúde Ocupacional”. Enquanto, conforme Mendes e Oliveira (1995), a Medicina do
Trabalho ocupara-se dos processos individuais e biológicos das doenças, a Saúde Ocupacional
pode ser representada pela tríade “Agente-Hospederio-Ambiente” uma vez que compreende o
corpo enquanto uma máquina exposta a agentes externos e fatores de riscos. Desta forma
ocupa-se em formular estratégias que proponham a adequação dos ambientes de trabalho aos
homens, bem como destes homens ao ambiente de trabalho. Assim, atua sobre os indivíduos
privilegiando o diagnóstico e o tratamento dos problemas de natureza orgânica, a partir da
visão empirista e positivista trazida da clínica.
A Saúde Ocupacional organizou-se historicamente de forma em que um determinado
grupo formula e define um leque de respostas possíveis, o que limita a eventualidade de
discutir sua eficácia e limites bem como de absorver a contribuição, conhecimento e
reivindicações dos trabalhadores.
Estas diferentes concepções que atravessam o campo da saúde do trabalhador são
claramente sistematizados por Mendes e Oliveira (1995), na figura a seguir.
As lutas dos trabalhadores desempenham um papel importante nesse retrospecto tendo
em vista que impulsionaram avanços no âmbito de políticas, concepções, conquista de
direitos. Destaca-se, na discussão de saúde e trabalho no Brasil, o movimento pela Reforma
Sanitária, uma vez que:

Contribuiu para formular o projeto do SUS, conforme prescreveu a VIII Conferência


Nacional de Saúde, de 1986, cujo relatório final apontava que o trabalho em
condições dignas, o conhecimento e controle dos trabalhadores sobre processos e
ambientes de trabalho, é um pré-requisito central para o pleno exercício do acesso à
saúde. A 1a Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador1 incorpora a proposta do
SUS, que deve englobar ações e órgãos de Saúde do Trabalhador, na perspectiva da
saúde como direito, conforme tendência internacional de universalização do direito.
(LACAZ, 2007, p. 762).

E é nesse cenário da reforma sanitária que se tem o marco histórico da denominação


“saúde do trabalhador” (MENDES; WÜNSCH, 2011), o qual é decorrente de uma perspectiva
de saúde coletiva.
Desta forma, a saúde do trabalhador passa a compor os determinantes de saúde e as
ações a serem alçadas à condição de direito social e cidadania e para, além disso, define sua
abrangência através da intersetorialidade que articula, especialmente, os campos da saúde,
trabalho e previdência. Ainda, na década de 1980 é promulgada a Constituição Federal
Brasileira em 1988 aonde os direitos sociais se ampliam, sendo instituída a Seguridade Social,
que contempla níveis de proteção social que atingem os trabalhadores e abrangem a
Previdência Social, Assistência Social e Saúde, trazendo um conceito ampliado de saúde que
supera uma noção de saúde enquanto ausência de doenças e compreende a relação
indissociável do trabalho com os processos de saúde e adoecimento. Este conceito ampliado
estará presente, então, em 1990 na lei 8.080, que promulga o Sistema Único de Saúde
Brasileiro, o SUS, e norteada seus princípios e diretrizes. Ainda na Lei 8.080 a concepção de
saúde do trabalhador é definida no 6º artigo, inciso terceiro, enquanto:

Um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância


epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos
trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos
trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho.
(BRASIL, 1990).

Pode-se identificar, então, a consolidação de um saber científico, político, marcado


pelas lutas travadas com os trabalhadores, que apresenta uma ideia de trabalhador que:

[...] difere frontalmente da anterior: passiva, como hospedeiro ou paciente;


apreendendo-o como agente de mudanças, com saberes e vivências sobre seu
trabalho, compartilhadas coletivamente e, como ator histórico, ele pode intervir e
transformar a realidade de trabalho, participando do controle da nocividade; da
definição consensual de prioridades de intervenção e da elaboração de estratégias
transformadoras. (LACAZ, 2007, p. 760).

A saúde do trabalhador dá luz à análise dos processos de trabalho como determinante


para a compreensão da relação saúde-doença-trabalho, aportando-se no conceito ampliado de
saúde, e buscando superar apenas as ações de cunho preventivo, introduzindo a lógica de
promoção de saúde, resgatando dimensão do humano no trabalho e sua capacidade protetora
de agravos à saúde dos trabalhadores. Nesse sentido, analisa-se a determinação social do
processo saúde/doença inserido numa sociedade capitalista e frente às contradições da relação
capital-trabalho. Dessa forma, prevê a participação e sua construção parte dos próprios
trabalhadores. Aonde:

A configuração do campo Saúde do Trabalhador constitui-se por três vetores: a


produção acadêmica; a programação em saúde na rede pública e; o movimento dos
trabalhadores, particularmente a partir dos 1980, quando seu discurso assume caráter
mais propositivo junto ao Estado. (LACAZ, 2007, p. 758).

A participação social foi uma dos principais diretrizes do Movimento de Reforma


Sanitária e pauta da I Conferência Nacional em Saúde do Trabalhador, que permitiram que, a
partir da implementação do SUS, uma gama de ações voltadas à saúde do trabalhador e da
trabalhadora fosse construída, mesmo que de forma lenta e gradual. As principais ações
referem-se à implementação dos Centros de Referência em Saúde dos Trabalhadores (CRST)
e à implementação de uma Política Nacional de Saúde do Trabalhador. Porém, apenas após de
mais de vinte anos que há a promulgação da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da
Trabalhadora, (PNST) do SUS, através da portaria nº 1.283 de 23 de agosto de 2012
(BRASIL, 2012b). E, anterior a esta política, que em 2011 é promulgada a Política Nacional
de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), decreto nº 7.602, de 7 de novembro de 2011, a
qual é um resultado das lutas sindicais travadas nos cenários de diminuição do Estado
brasileiro na década de 1990 (BRASIL, 2011a). A PNSST é resultante de uma agenda de
Conferências da Saúde do trabalhador que tinha enquanto luta a constituição, conforme já
referido, de uma política de saúde do trabalhador desde a década de 1980, marcando o
reconhecimento da concepção de saúde do trabalhador. Esta política constitui-se de natureza
interministerial, diferentemente da PNST, a qual é vinculada diretamente ao SUS, tendo como
responsáveis para sua execução os Ministérios do Trabalho, Saúde e Previdência. Portanto,
caracteriza-se enquanto política intersetorial, a qual tem como objetivos a promoção da saúde
e a melhoria da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e de danos à
saúde relacionados ao trabalho por meio da eliminação ou redução dos riscos nos ambientes
de trabalho.
Por fim, no que tange aos marcos legais e históricos da saúde do trabalhador, foi
realizada, mais recentemente, pelo Ministério da Saúde, a partir dos objetivos da Política
Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, a promoção da 4ª Conferência Nacional
de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, ocorrida no ano de 2014 (BRASIL, 2015). Em
seu documento orientador apresenta como o segundo sub-eixo estratégico o fortalecimento da
participação dos trabalhadores e trabalhadores, da comunidade e do controle social nas ações
de saúde do trabalhador.
Conclui-se, conforme Minayo-Gómez (2013), que em termos de políticas e
consolidações de direitos arduamente reivindicados e conquistados pelos trabalhadores, pode-
se falar em um caminho de avanços no que tange a saúde do trabalhador, porém, conforme
revela o autor:

[...] deparamo-nos hoje com um terreno árduo de aplicação das diretrizes e com
problemas de gestão para implementação de ações efetivas. Temos para frente uma
tarefa coletiva, que demanda empenho de todos os atores no estabelecimento de
pactos entre instituições públicas, centros acadêmicos e instâncias organizativas da
sociedade civil de tornar realidade prática uma política que construímos.
(MINAYO-GÓMEZ, 2013, p.24).
Nesse sentido, destacam-se neste estudo, os desafios que ainda estão postos para a
consolidação de práticas e políticas de saúde do trabalhador, sendo que estes desafios se
intensificam, quando observadas no âmbito da gestão pública, pois se constata que ainda,
nessa esfera permanecem muito à margem das discussões. Para tal, na sequencia deste
trabalho, busca-se identificar e problematizar as lacunas no âmbito da saúde do servidor
público.

2.2 LACUNAS HISTÓRICAS DAS POLÍTICAS DE SAÚDE AO SERVIDOR PÚBLICO

A partir do Regime Jurídico Único, Lei 8.112 de 11 de dezembro de 1990, define-se


enquanto servidor público a pessoa investida em cargo público, que seja de nacionalidade
brasileira, maior de 18 anos, que esteja em situação de quitação com as obrigações militares e
eleitorais, sob o gozo dos direitos políticos e de aptidão física e metal. Refere, em seu artigo
3º (BRASIL, 1990), que o cargo público é o conjunto de atribuições e responsabilidades
previstas na estrutura organizacional que devem ser cometidas a um servidor.
Nesse sentido, observamos que o servidor público é o agente, o profissional que
executa e administra o aparato do Estado e das Políticas Públicas, onde as ações efetivas do
Estado ocorrem tão somente pelo seu trabalho. Desta forma, este trabalhador insere-se na
contradição de ser prestador e destinatário de sua ação.
No âmbito do Estado, vale ressaltar, há uma diversidade de vínculos empregatícios
que prestam serviços ao estado, sendo, como ressalta Silva (2013), um dos vínculos onde:

Se encontram, principalmente, a precarização do trabalho, bem como a metamorfose


do mundo do trabalho, como a terceirização de limpeza, vigilância, a contratação de
serviços temporários, a prestação de serviços de consertos e manutenção de
equipamentos, etc. (SILVA, 2013, p. 57).

A autora citada ressalta que o entendimento indissociável do servidor público ao


Estado, por parte das representações midiáticas e sociais, o associa cada vez mais a
valorização negativa de seu trabalho, aonde esses trabalhadores são associados à “coisa
pública que não funciona”, marcados pela incompetência, pelo autoritarismo e clientelismo
político. Porém, revela que o tema do “servidor público” não é tão simples, negativo ou
homogêneo.
Enquanto tidos pela sociedade como funcionários de nível médio, com traços de
burocratas, Silva (2013) problematiza a heterogeneidade desses trabalhadores, em níveis de
formação, com uma divisão de classes própria dentro da categoria profissional, que está
constantemente inserida na arena de disputas do Estado em uma situação institucional
transitória aonde “[...] estão inseridos cortes de verbas, redução de investimentos, como
também o mau uso dos bens públicos, dos recursos, de administração eficaz sem uma
explícita direção social das ações voltadas ao bem comum.” (SILVA, 2013, p.37).
As prioridades estabelecidas por cada governo vão incidir diretamente no trabalho do
funcionalismo público, pois provocam alterações nas funções e estrutura burocrática, além da
opção por projetos políticos que vão alterar o cotidiano dos serviços de acordo com os
interesses em pauta.
Nesse contexto, os servidores públicos encontram-se em um espaço de contradição
entre sua relativa autonomia de poder construir práticas que favoreçam não somente seu
trabalho profissional, mas a promoção de garantia de direitos aos cidadãos por um lado, e de
estarem constantemente atravessados pela transitoriedade dos interesses em jogo, por outro.
Dessa forma, valoriza-se a politização deste conjunto de trabalhadores, que, apesar de constar
no Regime Único Geral os princípios de impessoalidade, responsabilidade, compromisso e
zelo, que estes não sejam confundidos como uma apreensão acrítica de neutralidade e
utilizados como instrumentos de pressão do Estado sobre os trabalhadores, mas como
ferramentas para sua autonomia e defesa dos direitos sociais. Nesse sentido, Silva (2013, p.
42) afirma que “[...] é nas relações sociais, no trabalho, que o servidor expressa sua
consciência social relacionada aos usuários de sua ação, que pode estar caracterizada com
compromisso, ética e responsabilidade no cotidiano, ou, ao contrário.” Dessa forma, a autora
considera que o Estado não é neutro e, portanto, reflete a dimensão teleológica da ação dos
servidores públicos.
E nessa perspectiva é fundamental pensar o direito a saúde do servidor implicada na
concepção de saúde do trabalhador, apesar de sua histórica marginalização frente às políticas
voltadas a essa temática.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, que reúne legislação referente
à proteção ao trabalhador, organização sindical, previdência social e justiça do trabalho, etc. e
que vai, em 1978, incluir a relação com a saúde no trabalho dispondo sobre as normas de
regulamentação de segurança e medicina do trabalho, não atinge os trabalhadores do serviço
público, uma vez que se dirige aos trabalhadores com regimes de trabalho celetistas. O passar
das décadas, até a Constituição Federal de 1988 é marcado por avanços e retrocessos, por uma
ditadura militar que centralizou políticas e silenciou sindicatos, aonde o direito à saúde
permanece relacionado ao contrato formal de trabalho e a previdência mais voltada ao
financiamento da atenção médica no setor privado. Em meados da década de 1970 pode-se
identificar uma retomada das pautas trabalhistas por meio dos movimentos sociais, dessa
forma a saúde do trabalhador entra em pauta e apresenta-se como nova área de análise e luta,
diferenciando-se da Medicina do Trabalho e da Saúde Ocupacional, conforme já referenciado.
A Saúde do Trabalhador passa a ter nova definição a partir da Constituição Federal de 1988
que a e relaciona ao direito à saúde, com essa conquista. Atribui-se ao SUS a responsabilidade
pela Saúde do Trabalhador, através da assistência ao trabalhador, promoção de pesquisas,
controle de riscos e agravos, etc. Nota-se que, até o momento, nenhuma das legislações
direciona-se especificamente ao trabalhador do serviço público, conforme dão luz os autores:

Chamamos a atenção, no entanto, para o fato de que as políticas públicas


direcionadas à saúde do trabalhador tendem a ter como foco principal os
trabalhadores vinculados às organizações privadas, deixando uma importante lacuna
na atenção à saúde para os servidores públicos. (NARDI; RAMMIGER, 2007, p.
217).

Estes autores irão propor, ainda, uma análise sobre os discursos presentes nas
conferências nacionais de saúde do trabalhador, no que tange a primeira e segunda
conferência, e revelar uma ênfase que sempre esteve na formação e na justa remuneração do
servidor público, sem priorizar a relação entre saúde e trabalho (NARDI; RAMMIGER,
2007). Atentando-se também à acusação de haver escassa bibliografia que aborde a relação do
servidor público e a saúde do trabalhador.
Os autores concluem que existe uma:

[...] extrema vulnerabilidade das ações voltadas à atenção da saúde do servidor


público que, definitivamente, não integram uma política pública, mas ficam à mercê
dos diferentes governos [...]. Por outro lado, o servidor público, como trabalhador,
não tem merecido investimento, apenas controle, em consonância com um longo
histórico de desvalorização de sua atividade. (NARDI; RAMMIGER, 2007, p.223).

Percebe-se que a discussão dos autores acima referidos corresponde a uma realidade
em que as políticas voltadas à saúde do trabalhador, eram mais incipientes do que se pode
observar atualmente. Os avanços contemporâneos referem-se à promulgação de ambas
politicas, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) e Política
Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), com seu consequente Plano Nacional
de Segurança e Saúde no Trabalho (PLANSAT) (BRASIL, 2012a), conforme mencionadas
anteriormente. Nelas podemos identificar a inserção da ação em saúde do trabalhador pensada
para o serviço público, ainda que superficialmente. Ambas as políticas mencionam estes
trabalhadores e os trazem inclusos em suas ações, diretrizes e planos. Destacando-se a
“Estratégia 1.2” (BRASIL, 2011a) que define a elaboração e aprovação de dispositivos legais
em SST para os trabalhadores do serviço público, nas três esferas de governo.
Porém, nota-se que ainda essas diretrizes não se efetivam na gestão pública, através de
ações que respondam às demandas dos servidores públicos, no que tange a atenção à saúde.
Uma vez que existe uma relação de dependência da gestão da saúde do servidor público com
os projetos de governo vigentes no âmbito do Estado, que seguem uma natureza contraditória
e transitória, conforme veremos a seguir.

2.3 A SAÚDE DO SERVIDOR NA GESTÃO MUNICIPAL EM PORTO ALEGRE:


ASPECTOS LEGAIS E INSTITUCIONAIS

A Prefeitura Municipal de Porto Alegre – PMPA – é regida pela Lei Orgânica do


Município de Porto Alegre, datada de 04 de abril de 1990, que estabelece sua autonomia
político-administrativa, composta pelo Executivo Municipal e Legislativo Municipal (Câmara
Municipal dos Vereadores), e constitui-se enquanto instituição de natureza pública. Em seu
capítulo IV dispõe sobre os servidores municipais e para tal estabelece que o regime jurídico
dos servidores da administração centralizada, das autarquias e fundações instituídas pelo
município, será único e estabelecido em estatuto, através de lei complementar (PORTO
ALEGRE, 1990), conforme previsto na Constituição Federal. A lei orgânica prevê ainda no
capítulo IV, uma série de direitos do servidor público, como licença maternidade, participação
em reuniões, garantia de estabilidade, etc., aonde aponta para questões normativas da
organização e condição de trabalho, as quais se podem identificar em incisos que dialogam
sobre o direito à “[...] recusa de execução do trabalho quando não houver redução dos riscos a
ele inerentes por meio de normas de saúde, higiene e segurança, ou no caso de não ser
fornecido o equipamento de proteção individual.” (PORTO ALEGRE, 1990, p. 19).
A referida legislação prevê, também, o adicional para atividades penosas e insalubres,
o repouso semanal remunerado, remuneração do trabalho em finais de semana e acima da
carga horária, livre acesso à associação sindical, direito a provimento integral em
aposentadoria por invalidez decorrente de acidente de trabalho e “moléstia profissional”,
dever do município de manter entidade de assistência à saúde e previdência aos servidores e
seus dependentes, etc.
O Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Porto Alegre, lei complementar
nº 133 de 31 de dezembro de 1985, regula o regime jurídico entre município e seus
servidores. Para os efeitos do estatuto, o servidor público é a pessoa legalmente investida em
cargo público municipal e estes cargos são criados por lei, em número certo e com
denominação própria, consistindo em conjuntos de atribuições (PORTO ALEGRE, 1985). O
Estatuto dispõe sobre questões referentes a provimento, recrutamento e seleção, concurso
público, nomeação, posse, regime de trabalho, exercício, lotação, estágio probatório,
estabilidade, progressão, função gratificada, férias, concessões, adicionais, licenças, regime
disciplinar e uma série de outros requisitos para o exercício do trabalho no serviço público.
Cabe, neste trabalho, dar destaque aos aspectos que revelam a gestão da saúde dos
servidores nesta lei normalizadora da relação município e seus trabalhadores as quais compõe
a gama de condições de trabalho que incidem e atravessam a relação intrínseca entre saúde e
trabalho.
O Estatuto abrange a assistência ao funcionário, firmada como dever do município em
promover a previdência e a assistência médica, cirúrgica, hospitalar, odontológica e social aos
funcionários, inativos e seus dependentes. Destaca-se, no que abrange as atribuições que
cabem ao município, a “organização de programas de prevenção contra acidentes de trabalho”
e o “tratamento dos funcionários acidentados no serviço” (PORTO ALEGRE, 1985). Prevê-
se, ainda neste capítulo, o afastamento de pai e mãe de pessoa com deficiência e a prestação,
por parte do município, das assistências acima referidas, através das entidades de classe ou
por meio de convênios e contratos de prestação de serviços.
São apresentados os direitos às licenças, nas quais está presente a licença para
tratamento de saúde e a licença por acidente de trabalho, a qual compõe a LTS. Prevê-se a
retribuição pecuniária integral ao trabalhador em licença para tratamento de saúde, a
comprovação detalhada da ocorrência, no caso de acidente de trabalho e a rigorosa
caracterização da doença em laudo médico quando se tratar de “moléstia profissional”. O
Estatuto prevê, ainda, a readaptação, que acontecerá quando se verificar que o funcionário
tornou-se inapto, em virtude de modificações de seu estado físico ou psíquico, para o
exercício do cargo ocupado (PORTO ALEGRE, 1985).
A Lei Complementar nº 478 de 26 de setembro de 2002 dispõe sobre o Departamento
Municipal de Previdência dos Servidores Públicos do Município (PREVIMPA) e disciplina o
Regime Próprio de Previdência Social. Aponta como objetivo deste regime assegurar aos seus
beneficiários meios de subsistência nos eventos de incapacidade, maternidade, idade
avançada, tempo de serviço, encargos familiares, e prisão ou morte daqueles de quem
dependiam economicamente (PORTO ALEGRE, 2002).
Dispõe, também, sobre os benefícios previdenciários, tais como aposentadoria,
auxílio-doença, salário-maternidade, pensão por morte, salário-família e auxílio-reclusão.
Quando fala sobre o acidente de trabalho o caracteriza como aquele ocorrido no exercício do
cargo ou que se relacione direta e indiretamente com as atribuições do mesmo. Refere que
será considerado, também, o acidente ligado ao serviço que não tenha gerado a doença ou
morte, mas que tenha contribuído diretamente ao seu agravo.
Define, enquanto moléstia profissional, aquela produzida ou desencadeada pelo
exercício de trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação
elaborada pelo Ministério da Previdência e Assistência Social (PORTO ALEGRE, 2002). No
que tange o auxílio-doença, as perícias serão realizadas por inspeção médica, ou por junta
médica.
Em suas disposições gerais, o PREVIMPA se coloca como participe, junto com a
administração centralizada, na definição e implementação de políticas de saúde e segurança
dos servidores municipais (PORTO ALEGRE, 2002).
Através da Lei Municipal nº 1.516, de 02 de dezembro de 1955, foi promovida nova
reestruturação geral na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, ocasionando alterações no, até
então, Departamento de Administração (DA) para Secretaria Municipal de Administração. A
Secretaria Municipal de Administração (SMA) é hoje o órgão central responsável pelo
sistema de pessoal e desenvolvimento de recursos humanos, organização de processos de
trabalho, qualidade de vida no trabalho e serviços, no âmbito da Administração Centralizada,
dialogando e prestando serviço aos servidores municipais vinculados à mesma. Em 2005,
buscando alavancar projetos de concepção mais acentuadamente focados para a qualificação
da administração com vistas a absorver atribuições ordinárias e projetos específicos da área
dos Recursos Humanos, a SMA reativou a Supervisão de Recursos Humanos - SRH, ao qual
está vinculada a Gerência de Acompanhamento Funcional. A secretaria trabalha na proposta
de eixos de gestão integrada, que se estruturam através dos eixos de Gestão de Pessoas,
Gestão Estratégica, Gestão de Serviços e Gestão de Modernização Administrativa, tendo
como missão o desenvolvimento e implementação de políticas de gestão estratégica de
pessoas e promover a melhoria organizacional e administrativa da PMPA (PORTO ALEGRE,
2011), conforme consta no caderno de planejamento SMA. Dentre os objetivos da SMA,
destacam-se os que se referem à redução de licenças médicas, a consolidação das informações
do sistema de RH em um único banco de dados (Sistema Integrado de RH), criação de
condições e mecanismos para aperfeiçoar as relações de trabalho nas questões de interesse da
PMPA e servidores, capacitação de servidores para atendimento dos programas, projetos e
ações de interesse de governo, melhoria da qualidade de vida dos servidores no trabalho
através do aprimoramento de infraestrutura, segurança no trabalho, integração, bem estar e
saúde dos servidores, entre outros (PORTO ALEGRE, 2011).
Como já citado, dentro da estrutura institucional da SMA encontra-se a Gerencia de
Acompanhamento Funcional, GEAF, a qual enquanto gerência existe desde 2005, e sua
equipe técnica é composta por psicólogos, assistentes sociais, técnicos administrativos e
estagiários de nível superior e médio. A GEAF tem como missão, conforme Manual de
Procedimentos Gerência de Acompanhamento Funcional, “[...] Promover o desenvolvimento
e a saúde do servidor através de políticas e ações de Recursos Humanos que qualifiquem a
organização do trabalho, visando a excelência dos serviços públicos prestados à comunidade.”
(PORTO ALEGRE, 2014b, p. 60).
Para contemplar sua missão, a gerência elaborou uma série de objetivos para serem
alcançados através de propostas de intervenção da área, aonde se destacam:

Estimular o protagonismo do trabalhador, qualificar as relações e a organização do


trabalho, viabilizar o acesso à rede de serviços e promover a saúde e segurança no
trabalho; Melhorar o aproveitamento da capacidade laboral dos servidores com
adoecimento; diminuir os índices de afastamento por licença-saúde e aposentadorias
prematuras e maximizar a segurança no trabalho; Qualificar o gerenciamento de
pessoas na PMPA, promover melhoria no clima organizacional, qualificar o
gerenciamento de conflitos; Estimular a autonomia para a resolução de conflitos nas
equipes de trabalho; qualificar o trabalho em equipe; diminuir o absenteísmo, os
acidentes de trabalho, as licenças-saúde e o presenteísmo; melhorar a eficiência das
equipes e a satisfação com o trabalho; Oferecer um espaço de elaboração coletiva
para questões temáticas. (PORTO ALEGRE, 2014, p. 7).

No que tange à Prefeitura Municipal de Porto Alegre, ainda, o Decreto 18.158 de 8 de


janeiro de 2013, institui as Comissões de Saúde e Segurança no Trabalho, pressupondo a
existência de uma comissão em todas as secretarias, autarquias e departamentos do município,
abrangendo todos os servidores públicos municipais, tanto da administração centralizada
quanto da descentralizada, que acolhe as fundações e autarquias (GUEX, 2015)2.
Prevê a constituição dos componentes de cada comissão a partir do número de
servidores públicos municipais que compõe o quadro de cada um desses espaços, sendo
definida a seguinte proporção:
O segundo artigo do Decreto Municipal, Lei 18158/2013, institui que a CSST tem por
função, “[...] o desenvolvimento de atividades de prevenção de doenças e acidentes no
trabalho e de melhoria das condições ambientais de trabalho, indistintamente a todos os
servidores públicos municipais.” (PORTO ALEGRE, 2013).
Constata-se a dificuldade das Comissões de Saúde e Segurança no Trabalho da PMPA
em se articularem entre si, com as políticas públicas, de gestão, de saúde, etc., revelando ainda
uma falta de protagonismo desta representação frente às demandas dos trabalhadores públicos
da Prefeitura de Porto Alegre e a construção e implantação de ações voltadas à atenção da
saúde dos mesmos.
Até o presente ponto, destacou-se aqui, os órgãos, legislações e políticas de gestão da
saúde dos servidores, especialmente no que tange a administração centralizada da prefeitura
municipal de Porto Alegre. É importante salientar a opção por descrever a Secretaria
Municipal de Administração como órgão responsável por essa atribuição em detrimento da
Secretaria Municipal de Gestão, pois a segunda tem a finalidade básica de promover a gestão
geral do governo visando à garantia da eficiência dos serviços prestados à comunidade e não
especificamente à gestão da atenção à saúde dos servidores.
Dentro da estrutura organizacional da Secretaria Municipal de Saúde, encontra-se, no
que tange à gestão da saúde dos servidores, a Gerência de Saúde do Servidor Municipal -
GSSM, a qual é responsável pela coordenação, execução e controle das atividades relativas à
Saúde do Servidor Público Municipal, conforme decreto municipal 15.293/2006. É na GSSM
que são realizados os exames médicos periciais e emissão de pareceres médicos para
concessão de licenças e afastamento de servidores. Compete a ela, também, verificar
condições e ambientes de trabalho, providenciar medidas preventivas, realizar perícias e
emitir laudos referentes à insalubridade e periculosidade dos postos de trabalho, bem como
promover treinamento e capacitação na área de engenharia de segurança às CSSTs. É
composta pelas equipes de Apoio Administrativo (EAA), Atenção à Saúde (EAS), Equipe de
Perícia Médica (EPM) e Equipe de Perícia Técnica (EPT), além dos Núcleos de Atenção à
Saúde do Servidor (NASS).
Observa-se, após analisar as diferentes formas de gestão e concepções de saúde no
trabalho que atravessam a organização pública do município de Porto Alegre, que ainda nos
deparamos com uma realidade contraditória que ao mesmo tempo em que fragmenta suas
ações e parte de uma concepção de medicina do trabalho ainda muito vinculada à prevenção
de doenças e acidentes e centrada no saber médico. Por outro lado, muito vinculado aos
objetivos da GEAF, encontram-se espaços de pensamento propositivo e de participação dos
trabalhadores no desenvolvimento de ações e políticas voltadas para a atenção à saúde dos
servidores. Para dar luz a essas e outras políticas, propõe-se, a seguir, o estudo mais atento a
essa temática, no que se refere à estrutura institucional, buscando desvelar seu direcionamento
no âmbito do planejamento das ações voltadas à atenção à saúde dos servidores.

2.3.1 Atenção à saúde do servidor dentro da estrutura e políticas institucionais

A Prefeitura Municipal de Porto Alegre, no que toca sua estrutura organizacional e


relação entre as esferas de governo, divide seu “Eixo Gestão” entre três aspectos: “Cidade
Participação”, “Gestão Total” e “Você Servidor”.
O Eixo “Você Servidor” é um programa estratégico sob a responsabilidade da
Secretaria Municipal de Planejamento Estratégico e Orçamento – SMPEO, porém este
programa estratégico é desenvolvido a partir de diversas ações sob responsabilidade de grande
parte das secretarias da prefeitura, conforme descrito no portal de gestão da prefeitura
(PORTO ALEGRE, 2016a), vinculado ao “Portal da Transparência” (PORTO ALEGRE,
2016c). A partir destes dados construiu-se a “Figura 3” em formato de tabela para facilitar a
visualização, conforme segue abaixo:
Esta tabela reúne alguns dos principais programas e ações que contemplam este eixo
da gestão, aonde se percebe grande atribuição de responsabilidade sobre os mesmos para a
Secretaria Municipal de Administração, aonde se situa a Gerência de Acompanhamento
Funcional. Destaca-se que a Secretaria Municipal de Educação é a única que conta com um
programa especificamente direcionado à “Saúde do Servidor”.
O eixo, “Você Servidor”, tem como objetivo:

Qualificar e modernizar as políticas de atração e retenção de pessoal por meio da


elaboração e gestão de um plano de carreira que priorize o desenvolvimento de
servidores profissionais com competências, habilidades e atitudes alinhadas às
estratégias da Prefeitura e demandas da sociedade. (PORTO ALEGRE, 2013, p.10).

E o mesmo é encontrado no Plano Plurianual de Porto Alegre 2014-2017, com as


respectivas definições das ações voltadas ao servidor, e sob a seguinte justificativa:
“Desenvolver ações que permitam manter o quadro de servidores motivados, capacitados e
comprometidos com a melhoria da prestação de serviços para a sociedade.” (PORTO
ALEGRE, 2013, p.11).
Conforme expostos no portal de transparência do município, este programa estratégico
conta com os seguintes indicadores: Absenteísmo (motoristas e cobradores; Adesão dos
Servidores ao Plano de Saúde; Afastamento do Trabalho por Licenças Saúde na PMPA;
Gestão da Despesa de Pessoal na PMPA (Limite Prudencial - LRF); Satisfação no Trabalho
dos Servidores Municipais da PMPA; Tempo de Concessão de Aposentadoria; e Tempo de
Concessão e Pagamento de Pensão.
Dentro deste Eixo existem ações voltadas à atenção à saúde dos trabalhadores, aonde
se destacam as ações intituladas, respectivamente, de “Atendimento à Saúde do Trabalhador”
e “Programa de Atenção à Saúde do Trabalhador”.
A primeira ação está voltada para a implementação de uma política municipal de
atendimento à saúde do trabalhador, baseada na integralidade da atenção, tendo como
finalidade: “Possibilitar o bem-estar da saúde do servidor municipal, com prevenção e
atenção integral da saúde, com uma linha de cuidado específica ao trabalhador e a sua
qualidade de vida.” (PORTO ALEGRE, 2013, p.226). A este programa, no que se refere ao
PPA 2014-2017, é destinado um recurso total de R$ 71.137.135.
A segunda ação, referente ao PASS, se destina à execução de um programa de estudos
permanentes e projetos para proposição de ações de saúde, de segurança no trabalho e de
recursos humanos que atuem na promoção, prevenção e cuidado dos servidores municipais,
priorizando a disponibilização de plano de saúde e sua manutenção, tendo como finalidade:
“Conjunto de estudos e projetos para análise, proposição e implementação de ações que visem
a promoção da saúde e segurança no trabalho, a prevenção de agravos à saúde, redução de
afastamentos do trabalho e de aposentadorias precoces.” (PORTO ALEGRE, 2013, p.234).
Ao PASS é destinado um total geral de R$ 17.260.000.
Analisando o Plano plurianual 2014-2017 do município de Porto Alegre (PORTO
ALEGRE, 2013), percebe-se que a direção dos gastos voltados ao eixo de gestão que
abrangem os servidores estatutários está majoritariamente voltada à folha de pagamento, aos
benefícios previdenciários, bem como troca de sede de órgãos da Prefeitura, entre outros.
A partir da tabela de “Despesas por Categorias Econômicas” que compõe o PPA, é
definido que o Programa Você Servidor, no qual está incluído o grupo Pessoal e Encargos
Sociais é o programa ao qual se destinam os maiores montantes de recursos, sendo
contemplado com R$ 11,6 bilhões, compondo o item de despesas “Correntes”.
Nesse sentido, ao analisarmos a magnitude destes gastos percebe-se que, dentro destes
R$ 11,6 bilhões, a ação “Atendimento à Saúde do Trabalhador” dispõe de R$ 71.137.135
deste recurso e o “Programa de Atenção à Saúde do Servidor” de R$ 17.260.000 representam
respectivamente apenas 0,61% e 0,14% do recurso destinado ao eixo.
A Lei Orçamentária do Município de Porto Alegre referente ao ano de 2015 no que se
refere ao capítulo intitulado “Você Servidor”, que versa sobre questões referentes à qualidade
de vida dos professores, capacitação dos servidores, saúde vocal e reconhecimento,
desenvolvimento profissional, etc., versa sobre a atenção à saúde dos servidores e prevê o
alcance de suas ações a 100% dos servidores (PORTO ALEGRE, 2015).
Ao analisar as leis orçamentárias neste estudo, compreende-se que:

Na prática, o orçamento público tem sido reflexo da forte relação entre a conjuntura
política do país e as ações de governo, que se consubstanciam por meio de planos,
programas e projetos prioritários. Nele rebatem as crises e os momentos de
prosperidade, os contextos ditatoriais e democráticos, as pressões ou ausência de
pressões resultantes do jogo de forças sociais e políticas na sociedade. (TEIXEIRA,
2009, p.18).

No que tange à Secretaria Municipal de Saúde, a mesma direciona uma “Política em


Saúde” específica à saúde do trabalhador, que promove ações:

[...] voltadas à formulação e implementação de políticas de proteção à saúde,


visando à redução e eliminação do adoecimento e morte resultantes das condições,
dos processos e dos ambientes de trabalho, bem como o aprimoramento da
assistência à saúde dos trabalhadores. (PORTO ALEGRE, 2016).

Porém, as ações e serviços previstos pela SMS, para além daqueles previstos pela
Gerência da Saúde do Servidor Municipal, referem-se especificamente àquelas já
preconizadas e previstas pelo SUS, que abrangem todos os trabalhadores, não revelando a
existência de programas, políticas, ações, etc., voltadas especificamente aos trabalhadores da
própria Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Percebe-se, ao finalizar este capítulo, que quando se fala de saúde do trabalhador no
que tange os trabalhadores do serviço público, encontra-se uma realidade ainda muito frágil
de políticas e programas de atenção à saúde desses trabalhadores, especialmente quando se
procura identificar a presença de concepções de saúde do trabalhador na organização de
prioridades de governos, organização institucional, políticas de gestão, etc. Indo ao encontro
deste cenário que revela uma espécie de abandono dos servidores públicos, está a Prefeitura
Municipal de Porto Alegre, a qual, conforme apresentado até o momento, dispõe de uma
estrutura institucional fragmentada, com concepções múltiplas de promoção de saúde sendo
disseminadas nos espaços de trabalho e com previsão de construção e implementação de
políticas que efetivamente não dialogam entre si, de forma intersetorial. É nesse cenário que
este trabalho busca localizar o papel, os desafios e possibilidades das áreas de gestão frente à
promoção da atenção à saúde dos trabalhadores, com ênfase ao trabalho do Serviço Social
nesse espaço sócio ocupacional.
3 ATENÇÃO À SÁUDE DO SERVIDOR SOB A LÓGICA DO ACOMPANHAMENTO
FUNCIONAL

Em termos de serviços, políticas e áreas de promoção de saúde aos servidores públicos


municipais do município de Porto Alegre, a organização institucional dos mesmos se
materializa estrutural e legalmente através do “Manual do Servidor” (PORTO ALEGRE,
2005), e serve como instrumento de orientação desses trabalhadores. Neste documento,
encontram-se capítulos voltados diretamente às “atividades, ações e serviços voltados ao
servidor municipal”, bem como à “saúde e desenvolvimento dos servidores” (PORTO
ALEGRE, 2005), dentre outras tantas informações sobre a vida funcional dos mesmos.
Quando dispondo sobre a saúde e desenvolvimento dos servidores, define enquanto
área de atuação a área de avaliação funcional, a qualidade de vida do servidor municipal, a
formação profissional do servidor municipal, o “programa de atenção à saúde do servidor
(PASS)”, a gerência de saúde do servidor municipal, a unidade médico-pericial previdenciária
do PREVIMPA (UMPP) e, por fim, situa o acompanhamento funcional.
Sob a análise organizacional dos serviços expostos nestes capítulos, percebe-se que 10
(dez) deles estão vinculados à Secretaria Municipal de Administração, 2 (dois) vinculados à
Secretaria Municipal de Saúde e 1 (um) ao PREVIMPA. Destes, o “Programa de Atenção à
Saúde do Servidor” está definido enquanto responsabilidade de ambas SMA e SMS, com
indicação para parceira com as Comissões de Saúde e Segurança no Trabalho (CSSTs) e
demais órgãos municipais. Dentro desta estrutura encontra-se, no Manual do Servidor
(PORTO ALEGRE, 2012) o Acompanhamento Funcional, aonde são definidas suas
atividades enquanto:

Acompanhamento individual e coletivo de servidores, administração e


acompanhamento de questões relativas a estágio probatório, avaliação laboral
(readaptação, delimitação de atribuições), inserção no trabalho, entrevista
psicológica de ingresso, seleção interna do servidor municipal, assim como
assessoria a gestores e equipes. (PORTO ALEGRE, 2012, p.10).

Em diálogo com isto, o Manual de Procedimentos da Gerência de Acompanhamento


Funcional (PORTO ALEGRE, 2014), área designada ao desenvolvimento das ações acima
citadas, define este serviço prestado aos trabalhadores como:
Modalidade de atendimento ao trabalhador que constitui um espaço de escuta,
desenvolvimento, problematização, contextualização e busca conjunta de
alternativas para as dificuldades enfrentadas no cotidiano de trabalho. Pode,
também, constituir-se em um espaço de mediação de conflitos no trabalho. (PORTO
ALEGRE, 2014b, p. 9).

E baliza seus objetivos no estímulo ao protagonismo do trabalhador, qualificação das


relações e a organização do trabalho, viabilização do acesso à rede de serviços e promoção da
saúde e segurança no trabalho (PORTO ALEGRE, 2014b).
Percebe-se, após a análise destes seguimentos, que a saúde do trabalhador na estrutura
municipal ora situa-se no campo da política de saúde, ora no campo da administração e gestão
de pessoas, conforme chama atenção Carneiro (2006, p.26):

A administração pública vive constantemente a questão de onde localizar a área


responsável pela perícia médica, pela assistência e por ações de prevenção de
doenças e promoção de saúde do servidor, se no quadro da saúde ou no da gestão de
pessoas, razão pela qual é constante a movimentação da estrutura entre as secretarias
de saúde e as de administração/gestão.

Esse cenário se coloca enquanto espaço sócio-ocupacional do Serviço Social, inserido


na contradição das relações de poder entre as demandas dos trabalhadores e da instituição, que
neste espaço diz respeito ao próprio Estado. Portanto, este capítulo destina-se a identificar e
analisar as possibilidades e desafios postos à promoção de saúde do trabalhador no âmbito da
gestão da atenção à saúde dos servidores, especialmente no que diz respeito à Gerência de
Acompanhamento Funcional, local de inserção de estágio em Serviço Social, sob supervisão
de campo e acadêmica.

3.1 GEAF COMO ESPAÇO DE ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL

O Serviço Social, inserido na divisão sócio técnica do trabalho, instaura um lugar


específico para si, a partir das competências e atribuições privativas da profissão e da
apreensão crítica das dimensões ético-políticas, técnico-operativas e teórico-metodológicas do
trabalho, aonde intervém nos processos e mecanismos de enfrentamento da questão social, em
suas múltiplas manifestações. Neste contexto, o Estado situa-se enquanto a arena contraditória
de disputas por projetos societários e espaço socioocupacional do Serviço Social, o qual é:
[...] determinado pela dinâmica contraditória que emerge do sistema estatal em suas relações
com as classes sociais e suas distintas funções, e que transforma as sequelas da questão social
em objeto de intervenção continuada e sistemática por parte do Estado. (RAICHELIS, 2009,
p.3).
Este espaço de trabalho do assistente social, na esfera estatal, revela relações
antagônicas e recíprocas entre Estado e sociedade civil, os quais não são separados, bem
como da relação não sinônima entre Estado e governo. Por isso, é importante ressaltar que a
reflexão sobre as possibilidades e desafios para a profissão em qualquer espaço sócio-
ocupacional, em especial no Estado, requer:

Um exercício intelectual e profissional legítimo e necessário. Porque, por um lado,


ninguém pode ter dúvidas de que o período histórico em que estamos situados
marca-se por transformações societárias que afetam diariamente o conjunto da vida
social e incidem fortemente sobre as profissões, suas áreas de intervenção, seus
suportes de conhecimento e de implementação, suas funcionalidades etc. E porque,
por outro lado, tal reflexão é imprescindível para estabelecer, em face dessas
transformações, estratégias sócio-profissionais minimamente adequadas para
responder às problemáticas emergentes. (NETTO, 1999, p.15).

Este cenário de transformações societárias revela um Estado detentor da centralidade


na execução de políticas sociais, não a reduzindo somente a ele. A partir de sua contra
reforma representa, de um lado, a diminuição dos direitos em detrimento do mercado,
embasadas pelo ideário neoliberal que rebatem na restruturação produtiva e agravam a
questão social e, por outro, se expressa enquanto via de consolidação da proteção social.
Nesse sentido, o Serviço Social se coloca enquanto possível resposta às expressões da
questão social frente ao capitalismo contemporâneo, no âmbito da gestão da atenção à saúde
dos trabalhadores, pois: “Tem-se na teoria social crítica a apropriação e a possibilidade da
mediação da realidade que perpassa as duas categorias centrais e vitais, que são a saúde e o
trabalho.” (MENDES; WÜNSCH, 2011, p. 469).
Desta forma, situa-se o Serviço Social na Gerência de Acompanhamento Funcional
como importante agente na defesa dos direitos dos trabalhadores da Prefeitura Municipal de
Porto Alegre, aonde é imprescindível:

Ampliar a busca pela compreensão das transformações sociais para ressignificar a


realidade vivenciada pelos profissionais e pelos sujeitos vinculados à sua ação e,
acima de tudo, para compreender como e onde se produz o processo de
saúde/doença. Além disso, é preciso, identificar quais as necessidades produzidas
por ele e como se dá o processamento do trabalho nessa área. (MENDES;
WÜNSCH, 2011, p. 470).
Em concordância com a necessidade de compreender as transformações sociais e as
formas de produção dos processos de saúde e doença, ancora-se no conceito ampliado de
saúde balizado pela Lei 8.080:

Art. 3o Os níveis de saúde expressam a organização social e econômica do País,


tendo a saúde como determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a
moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a
atividade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais.
(Redação dada pela Lei nº 12.864, de 2013). (BRASIL, 1990).

Dessa forma, destaca-se a importância de aliar a essa postura crítica a compressão do


espaço institucional no qual este assistente social está inserido. Desta forma, se busca
identificar os parâmetros de atuação da GEAF para a promoção de atenção à saúde dos
servidores, bem como sua identificação com um projeto societário e de saúde do trabalhador e
quais as implicações dos mesmos para o trabalho do assistente social.
Neste intuito, destaca-se enquanto um desses parâmetros, a missão da Gerência de
Acompanhamento Funcional, que versa sobre a promoção e o desenvolvimento da saúde do
servidor através de políticas e ações de Recursos Humanos que qualifiquem a organização do
trabalho, visando a excelência dos serviços públicos prestados à comunidade (PORTO
ALEGRE, 2014a) em um paralelo com os objetivos do Acompanhamento Funcional, já
citados, que trazem questões referentes a protagonismo, qualificação da organização de
trabalho, promoção de saúde e segurança no trabalho e viabilização de acesso à rede,
enquanto sua descrição dispõe sobre ações vinculadas especialmente ao acompanhamento
individual e direto com os servidores, vinculados a ações de reflexão e problematização, tendo
a mediação com as chefias enquanto uma possibilidade e não um requisito. Identifica-se, desta
forma, que a orientação do acompanhamento funcional ainda vincula-se a um projeto
conservador de ajustamento de condutas indesejadas dos trabalhadores, busca por sanar
pontualmente suas necessidades imediatas, a qual: “Não reconhece o adoecimento como
resultante da organização do trabalho e das condições de vida, tendendo à individualização do
fenômeno, em detrimento da sua dimensão social.” (WUNSCH; MENDES, 2011, p.7).
É a partir dessa compreensão do processo de saúde-doença-trabalho, que as
contradições são percebidas no contexto institucional, uma vez que, as atribuições definidas à
GEAF vêm destituídas dessa relação. Desta forma, é atribuído ao acompanhamento funcional,
diversos ângulos de atuação, ao realizar a readaptação, delimitação, acompanhamento,
assessoria, etc., aos servidores públicos municipais, porém não se prevê a construção coletiva
de uma análise dos demais determinantes desse processo. Assim o direcionamento da
profissão é fundamental para fortalecer este espaço sócio ocupacional enquanto uma área de
promoção de saúde amparada na concepção de saúde do trabalhador.

3.2 APROXIMAÇÕES COM OS PROCESSOS DE SAÚDE/DOENÇA DOS SERVIDORES


MUNICIPAIS

O curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vinculado


ao Instituto de Psicologia e aprovado em 17 de julho de 2009, através da Decisão 259/2009
pelo Conselho Universitário da UFRGS.
Através da Política de Estágio Supervisionado para o Curso de Serviço Social,
legitima o exercício da atividade de estágio curricular, apresenta suas diretrizes e define:

O estágio supervisionado no curso de Serviço Social da UFRGS apresenta como


uma de suas premissas oportunizar ao (a) estudante o estabelecimento de relações
mediatas entre os conhecimentos teórico-metodológicos e o trabalho profissional, a
capacitação técnico operativa e o desenvolvimento de competências necessárias ao
exercício da profissão. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL,
2011, p.3).

Esta inserção em estágio curricular permite ao estagiário o desenvolvimento e


acompanhamento de atividades próprias do Serviço Social inserido em cada área e política.
No caso da inserção no campo de estágio da GEAF, é possível ao estagiário vincular-se em
diversas atividades, definidos pelos eixos de acompanhamentos de pessoas,
acompanhamentos gerenciais, processo de avaliação da capacidade laborativa e seleção de
pessoas, aonde cada eixo apresenta uma gama diferenciada de ações.
Aliado a isto, o Estágio Curricular em Serviço Social da UFRGS prevê a construção e
execução do chamado de “Projeto de Intervenção em Serviço Social”, o qual foi desenvolvido
e executado no último semestre de 2014 e primeiro semestre de 2015 junto à GEAF, com o
título “Conhecendo a temática do retorno ao trabalho: Servidores Municipais em processo de
avaliação laboral e a perspectiva de retorno após afastamento” (APÊNDICE B), e que definiu
como seu objetivo: “Contribuir com o acolhimento e acompanhamento ao servidor público
municipal em processo de reinserção ao trabalho, com vistas à concretização de uma
perspectiva de atenção integral à saúde do servidor.” (GUEX, 2015, p.12).
Este projeto acompanhou o retorno de 10 servidores municipais, após definição de
parecer de avaliação laboral, a qual define a aplicação de delimitações nas atribuições dos
trabalhadores em função de processo de saúde/adoecimento, ou opta pelo processo de
readaptação de tarefas, que sob a mesma análise de capacidade laboral, define novo cargo aos
trabalhadores. Destes 10 (dez) servidores, apenas 3 (três) servidores foram contemplados
pelas três etapas previstas para intervenção. Essas três etapas de aproximações referem-se aos
períodos de pré-retorno, após retorno recente e após período de um mês de retorno,
pressupondo a participação das chefias, articulação com a rede institucional da administração
centralizada da Prefeitura Municipal de Porto Alegre e a articulação intersetorial, com vistas a
promover atenção integral à saúde dos trabalhadores.
O desenvolvimento do Projeto de Intervenção e das demais atividades proporcionadas pelo
Estágio Curricular junto à GEAF explicitou uma realidade fragmentada de ações voltadas à
atenção à saúde dos servidores que revela o impacto das expressões da questão social
inseridas no contexto estatal que também é rebatido pela restruturação produtiva, pela
precariedade e precarização do trabalho, pelo gerencialismo, entre outros fatores que incidem
em um perfil de adoecimento próprio dos servidores municipais, mas que se insere num
contexto sócio histórico da sociedade capitalista contemporânea.

3.2.1 Perfil de Adoecimento

Para analisar o “Perfil de adoecimento” dos servidores, ampara-se nos resultados do


referido “Projeto de Intervenção em Serviço Social”, em diálogo com outros dados advindos
de pesquisa documental e bibliográfica e na apreensão crítica da experiência vivenciada no
exercício do Estágio Curricular em Serviço Social junto à GEAF.
Primeiramente, no que tange o “Projeto de Intervenção em Serviço Social”, o mesmo
estipulou a sua abrangência através da definição de período, o qual comtemplou de meses de
fevereiro a maio de 2015, a partir das reuniões técnicas de definição dos processos de
“avaliação laboral”, totalizando 7 reuniões. Definiu o público enquanto todos os servidores
que obtivessem definição de resultado de seus processos nas referidas reuniões, porém com o
critério de estar o servidor em “Licença para Tratamento de Saúde”. Nestas reuniões foram
definidos os pareceres finais de 67 servidores municipais estatutários, dos quais 16 se
encontravam em Licença para Tratamento de Saúde (LTS) no período desta definição,
representando 24% do total de servidores.
Dos 16 servidores que compunham o perfil do projeto, 10 participaram da primeira
etapa, 4 solicitaram reavaliação do resultado do processo, 1 necessitou de reavaliação do
resultado do processo por ocorrência de novo adoecimento e 1 não compareceu aos
atendimentos agendados para ciência e execução do projeto. Dos 10 servidores vinculados à
primeira etapa, apenas 3 servidores contemplaram as fases de projeção do projeto, pois
somente os mesmo obtiveram parecer favorável do órgão previdenciário para retorno ao
trabalho.
Quando se analisa o perfil dos servidores, levando em conta os 16 servidores
inicialmente aptos ao retorno ao trabalho, percebe-se um perfil caracterizado por ser maioria
mulheres, vinculados às secretarias municipais de educação e saúde, nos cargos de monitores
e professores, por completarem entre 20 e 25 anos de serviço na Prefeitura Municipal de Porto
Alegre e terem permanecido um período entre 1 e 2 anos de licença. Estes dados são
ilustrados a partir das figuras abaixo, os quais caracterizam o perfil da demanda atendida 4.
Enquanto proposta de análise deste trabalho busca-se articular os dados apreendidos a
partir da vivência de estágio com o Portal da Transparência do Município de Porto Alegre.
Porém, ao pesquisar-se o quadro funcional da prefeitura, não existem dados referentes a
afastamentos de qualquer natureza. Dessa forma, optou-se por contribuir com essa discussão a
respeito das particularidades dos processos de saúde e doença e como as mesmas incidem
sobre os trabalhadores públicos da PMPA, através da pesquisa bibliográfica em repositórios
digitais. Nesse sentido, na construção desses dados que compõe esse estudo, dialoga com o
Trabalho de Conclusão de Curso de Serviço Social da UFRGS, da Assistente Social Eliana
Belini (2015) que trata do perfil de licenças para tratamento de saúde na Prefeitura Municipal
de Porto Alegre, a partir dos dados concedidos pelo órgão previdenciário desta prefeitura,
correspondentes ao período de maio de 2008 a maio de 2013.
Para compor essa proposta de reflexão acerca dos determinantes comuns ao processo
de adoecimento na PMPA, aporta-se neste estudo, que evidencia que ambas as licenças, as
LTS e as LAT, concedidas para tratamento de saúde somadas atingem quase 86% de todas as
licenças concedidas aos servidores municipais ativos no período referenciado, aonde as LATs
representam apenas 5,8% dos afastamentos, conforme ilustra a Figura 8:

No tocante da proporção existente entre o número total de servidores e o número


daqueles a quem foi concedida licença, Belini (2015) apresenta a existência de uma
quantidade significativa de servidores afastados em função de adoecimento ou acidente de
trabalho. Aqueles afastamentos que abrangem a Administração Centralizada e, portanto,
compõe este estudo, apontam que 51% (6.857) dos servidores estiveram em LTS enquanto
para a LAT o percentual alcança 9 % dos servidores municipais ativos (BELINI, 2015, p. 45).
Quanto às doenças mais recorrentes e que motivaram o afastamento ao trabalho,
classificadas e notificadas no sistema informatizado, Belini (2015) revela as duas causas
majoritárias de adoecimento sendo 20% (16.203) doenças do sistema osteomuscular e do
tecido conjuntivo e 17% (13.520) transtornos mentais e comportamentais. Esses dados vão ao
encontro do que já foi evidenciado na apresentação dos resultados do Projeto de Intervenção,
desenvolvido durante o estágio curricular.
Por fim, a autora dá destaque aos afastamentos dos servidores vinculados a duas
secretarias componentes da Administração Centralizada da PMPA, ou seja, a Secretaria
Municipal de Educação (SMED) e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS). No que tange a
SMED, 57% (2.926), dos 5.112 servidores, utilizaram a LTS. Segundo Belini (2015), a
prevalência de ocorrência está localizada nos grupos do Código Internacional de Doenças
(CID) F (Transtornos mentais e comportamentais), com 21% (5.504) das licenças, CID M
(Doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo), com 19% (4.864) das licenças,
entre outros. Em relação à SMS, esta possui uma média de 4.265 servidores ativos, 44%
(1.889) com notificação de LTS no período da amostra, das quais há a prevalência de
notificações nos grupos de classificação do CID M (Doenças do sistema osteomuscular e do
tecido conjuntivo), com 2.553 licenças; Código F (Transtornos mentais e comportamentais.),
com 2.291 licenças. Código Z (Fatores que influenciam o estado de saúde e o contato com os
serviços de saúde), com 2.072 licenças, entre outros (BELINI, 2015, p. 54).
Relacionando os dados analisados no Projeto de Intervenção com os da autora,
percebe-se uma realidade comum aos servidores municipais de alta necessidade de exercício
de Licenças de afastamento do trabalho por motivo de saúde, de trabalhadores com um
extenso tempo de trabalho na instituição, com grande expressividade nas secretarias de
educação e saúde, com relação a doenças do sistema osteomuscular e transtornos mentais.
Após a elucidação destes dados propõe-se compreender de que forma os servidores
vinculados à intervenção em estágio trazem a organização do trabalho e gestão da atenção à
saúde em relação a seus processos de saúde e doença.

3.2.2 O processo de saúde/doença sob a ótica dos servidores e chefias

O processo de acompanhamento aos servidores envolveu o desenvolvimento de


entrevistas, visitas institucionais, contatos com a rede institucional e articulação intersetorial
com outras políticas, etc. Durante seu desenvolvimento, foram elucidadas questões trazidas
por estes trabalhadores, as quais foram organizadas, através da análise do “Projeto de
Intervenção” sob a identificação de categorias.
As categorias previamente, elencadas a partir da primeira fase de acompanhamento
dos servidores foram: motivo da licença; tempo em licença; socialização da informação sobre
retorno; relação do adoecimento com trabalho; preparação para retorno e a relação das áreas
de Recursos Humanos e chefias com processo.
A partir destas categorias pode-se perceber que dos servidores atendidos, dois
servidores relataram terem mantido contato com área de Recursos Humanos de suas
secretarias, outros dois de não terem tido quaisquer contatos com área de recursos humanos
ou definição de sua lotação e os demais relataram manter contato com as chefias imediatas de
suas lotações, porém sem nenhum contato com RH.
No que diz respeito a sua percepção quanto à relação do adoecimento ao trabalho,
todos os servidores afirmaram perceber tal relação, sendo que um dos servidores teve
processo de nexo causal deferido pelo protocolo administrativo municipal e outro servidor
tem registro funcional de “Licença Acidente de Trabalho (LAT)”. Sobre esse aspecto, as
principais questões que os mesmos avaliaram serem determinantes para o processo de
adoecimento são a “sobrecarga de trabalho”, a consequente necessidade de “postergar o
tratamento”, devido a grandes demandas ou pelo motivo que referem ser a “falta de pessoal”.
Dois destes servidores relacionaram o adoecimento com a relação direta com a realidade
social dos usuários dos serviços prestados pela prefeitura municipal de Porto Alegre, referindo
que a relação com a mesma gera sentimentos de frustração e impotência.
Para além destas questões, emergiram fatores relacionados diretamente com a natureza
do trabalho, tais como “manuseio de computador”, “peso de pacientes”, etc.
No que diz respeito à categoria que levanta a questão da socialização da informação
pelos órgãos responsáveis, diferentes foram os relatos, dentre servidores que relatam terem
sido satisfatoriamente informados por todas as áreas as quais foram atendidos a partir dos
protocolos do processo e do afastamento, daqueles que informaram não terem obtido
quaisquer tipos de informações em nenhum dos espaços e dos que relataram terem recebido
algum tipo de informação, ressaltando a falta de diálogo entre as áreas e atendimentos
objetivos sem aprofundamento de explicação sobre as questões funcionais e de saúde que
perpassam o processo.
Por fim, os servidores apontaram pontos importantes para a sua relação e definição
com o retorno ao trabalho, os quais se identificam e se classificam nas seguintes subcategorias
como a “proximidade do trabalho com a residência”, que surgiu na fala da metade dos
servidores, através de avaliação que passam a identificação com a comunidade, o transporte,
etc., uma necessária “mudança de hábitos no trabalho”, trazendo questões como a distribuição
do tempo para desenvolver as atividades, a alternância de posição (sentado e em pé),
realização de intervalo, entre outros.
Dos servidores que participaram da primeira etapa, a maioria relatou permanecer em
tratamento de sua questão de saúde e perceber ser importante realizar acordos para sua
permanência após o retorno, tais como troca de horário de trabalho, reorganização em função
do impacto na organização pessoal e familiar dos mesmos após o afastamento.
Como forma de ilustrar os resultados da primeira fase de acompanhamento dos
servidores e tendo como referência as categorias já elencadas, organizou-se o quadro abaixo
apresentado (Figura 9)5, que discorre sobre duas das situações já reveladas:
A segunda etapa do “Projeto de Intervenção” previu a realização de visitas aos locais
de trabalho aos quais os servidores foram lotados, buscando uma maior aproximação como
esses setores, para a efetivação do acompanhamento. Para tal foi prevista a realização de
entrevista com as chefias imediatas destes servidores. Nessa esta etapa foram consideradas,
previamente, para análise as seguintes categorias: Permanência no mesmo local de trabalho;
Orientação disponibilizada às chefias sobre o retorno dos servidores; Providências necessárias
para adaptar o espaço /processos de trabalho, mobilizadas pela reinserção dos servidores;
Como as equipes recebem e auxiliam os servidores e o grau de impacto dos resultados dos
processos na organização do trabalho.
Conforme já elucidado, dos 10 (dez) servidores vinculados a primeira etapa de
intervenção do projeto, apenas 3 (três) retornaram ao trabalho no período previsto para
execução do “Projeto de Intervenção”, os demais tiveram sua Licença para Tratamento de
Saúde renovada pelo órgão previdenciário, PREVIMPA, durante este período.
Foi possível a execução da segunda etapa prevista pelo projeto com a totalidade dos
servidores que retornaram. Para tal, foram realizadas visitas institucionais a três locais de
trabalho distintos da PMPA. Destes servidores, os servidores vinculados, a maioria dos
servidores já desempenhavam suas funções na lotação para a qual retornaram e um deles foi
designado a uma nova lotação.
Sobre a orientação disponibilizada às chefias, as três vinculadas relatam que foram
orientadas por algum órgão da prefeitura, sendo que, destes, a maioria referiu receber
orientação de técnicos da GEAF.
As chefias avaliaram que a organização dos processos de trabalho e adaptação dos
espaços se deu facilmente e as necessidades de adaptação foram mais pontuais, tais como a
definição de novas dependências, horários ou atividades. Concluindo que os processos de
trabalho não sofreram impactos negativos com a delimitação e readaptação dos servidores,
sendo as mesmas de caráter positivo e condizente com as demandas do espaço, porém
ressaltam que o maior impacto vem do afastamento dos servidores, devido à realidade de
equipes muito enxutas que atualmente compõe os quadros dos serviços da prefeitura
municipal de Porto Alegre.
No que diz respeito à acolhida, as chefias avaliam que as equipes foram acolhedoras e
não dispõe de estigmas a respeito de colegas delimitados e readaptados, respeitando suas
delimitações e contribuindo na organização dos processos de trabalho.
A terceira etapa diz respeito ao acompanhamento do processo de retorno efetivo dos
servidores ao trabalho no mês subsequente ao mesmo. Foram definidas as seguintes categorias
de análise: designação de profissional para acompanhamento ao retorno; orientações sobre as
atividades; organização da manutenção do tratamento; clareza do resultado do processo;
relação de contemplação das necessidades pelo processo; percepção dos servidores quanto a
sua capacidade laboral.
Os três servidores vinculados a segunda etapa foram, também, vinculados a terceira e
última etapa do acompanhamento.
Dois servidores identificaram ter sido acolhidos logo de início pela equipe, aonde
foram definido colegas que os auxiliariam nesse processo de reinserção. Os três servidores
foram orientados sobre as atividades a serem desenvolvidas e todos mantinham tratamento,
com algumas alterações de horário e periodicidade que foram necessárias à organização do
trabalho e vida cotidiana.
Todos os servidores avaliaram ter clareza sobre o resultado do processo e acreditavam
que este os tenha contemplado, porém, ressaltaram que o principal determinante para as
melhorias de saúde foi a organização que permitiu a vinculação ao tratamento, muitas vezes
impossibilitado anteriormente pelas rotinas de trabalho. Neste aspecto, estes trabalhadores
refletem terem sido “cuidados” e “olhados” a partir de sua Licença para Tratamento de Saúde
e processo de avaliação laboral. Os três servidores municipais percebem-se “produtivos” e
com múltiplas capacidades e possibilidades para o trabalho.
Portanto, destaca-se que, este capítulo buscou trazer um panorama da atenção à saúde
dos servidores, dentro dos processos institucionais de gestão, de atenção à saúde e
previdência, a partir da vivência de estágio e a possibilidade do desenvolvimento de um
projeto de intervenção em serviço social. Compreende-se que diz respeito a um universo
muito pequeno tendo em vista todo o coletivo de servidores e processos de saúde e doença
presentes na Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Porém, a partir de uma apreensão crítica
desses processos ancorada no projeto ético-político do Serviço Social, é possível apreender as
particularidades dos processos em diálogo com o contexto de totalidade e universalidade e
buscar alternativas de atuação que garantam processos mais democráticos e participativos
que, a partir do conhecimento da realidade, possam contribuir com a promoção de uma
cultura e política de Saúde do Trabalhador dentro da gestão de pessoas no serviço público
municipal de Porto Alegre. E isso só é possível a partir do conhecimento das demandas
advindas dos trabalhadores.
4 GESTÃO PARA QUE(M)? AS CONTRADIÇÕES E POSSIBILIDADES DO
TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL NO ESPAÇO SÓCIO OCUPACIONAL DE
ACOMPANHAMENTO DE PESSOAS

Este capítulo busca dar visibilidade aos desafios e possibilidades postos ao trabalho do
assistente social e demais profissionais nas áreas de gestão de recursos humanos,
especialmente no que tange à Prefeitura Municipal de Porto Alegre, propondo uma análise
sobre os modelos de gestão vigentes e sua relação com a totalidade de um cenário de
contrarreforma do Estado, sob ótica neoliberal da sociedade capitalista que gera refrações
neste Estado de diversas questões que se materializam em expressões da questão social e
atravessam a vida dos trabalhadores.
Com a contrarreforma do Estado, na década de 1990, passamos a lidar com uma
realidade que desenvolve uma reestruturação produtiva, marcada pela acumulação flexível,
pelas novas exigências aos trabalhadores, pela terceirização, advento feroz das tecnologias e
que, no âmbito da administração, também gera impactos e necessidades, aonde:

O que antes era chamado de ‘Administração de Recursos Humanos’ passa a ser


chamado de ‘Gestão de Pessoas’. Atentemos ao fato de que não significa apenas
uma mudança de nomenclatura [...] surge predominantemente como uma estratégia
dos proprietários dos bens de produção para conseguir maior engajamento dos
trabalhadores. (ARAUJO, 2011, p. 487).

Esse maior engajamento que se refere a autora, ressalta a tendência das empresas de
passarem a dar ênfase ao seu potencial humano, para, em troca, solicitar um maior
engajamento de seu pessoal. A autora destaca, ainda, que a opção pelo uso do referido termo
constitui uma escolha de transformar os trabalhadores de seu papel de recursos da instituição,
para um lugar de “parceiro” desta instituição, porém, esta transição não desfaz as contradições
próprias da relação capital/trabalho as quais permanecem na realidade material das vidas dos
trabalhadores.
A opção pela transição de nomenclatura é acompanhada, também, por uma adoção de
novas formas de administrar a máquina pública Estatal, o que já acontecia na iniciativa
privada, uma vez que, conforme apontam os documentos do Ministério da Administração
Federal e Reforma dos Estados - MARE (1995) e a partir do artigo de Bresser-Pereira (2007),
que fala sobre a burocracia e a reforma gerencial, elucida-se que esta reforma se deu, em
umas de suas justificativas, pois identificava-se que burocratizou-se tanto o Estado que se
tornou incapaz de trabalhar em favor da população. Teixeira (2009) afirma que a burocracia é
um produto da sociedade burguesa neoliberal, onde, com o surgimento do Estado Neoliberal
burguês, surge o modelo de “Administração Pública Burocrática”, cujos princípios seriam “A
profissionalização, a ideia de carreira, a hierarquia funcional, a impessoalidade, o formalismo,
os controles rígidos de comando, enfim, o poder racional-legal.” (TEIXEIRA, 2009, p. 11).
Porém, não podemos deixar de compreender que o processo e o discurso de
rompimento com a Administração Burocrática se dá em um momento de enxugamento do
Estado. Neste cenário abre-se espaço, então, para uma “Administração Pública Gerencial”, a
qual surge como uma resposta à expansão das funções econômicas e sociais do Estado, por
um lado, e, por outro, como resposta à globalização da economia, ao desenvolvimento
tecnológico, à necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços (TEIXEIRA,
2009).
A autora define, a partir de características, o que seria essa chamada Administração
Gerencial, as quais são:

a) a definição precisa dos objetivos que o administrador público deve atingir em sua
unidade; b) a garantia da autonomia do administrador na gestão dos recursos
humanos, materiais e financeiros; c) a cobrança a posteriori dos resultados; d) a
descentralização; e) a permeabilidade aos anseios da sociedade; f) a eficiência e a
qualidade na prestação dos serviços públicos; g) a ênfase nos resultados alcançados,
mais do que nos processos internos. (TEIXEIRA, 2009, p.11).

Estas características são visíveis na atual forma de gestão na administração pública


municipal de Porto Alegre, muito pela doutrina de produtividade, metas, gratificações aos
trabalhadores baseadas em índices de alcance de redução de recursos materiais, financeiros e,
inclusive, humanos. Porém, indo ao encontro com Teixeira (2009) que aponta que essa
reforma da administração não se constituiu um avanço em relação à Administração
Burocrática, pois se conserva, embora flexibilizando, alguns dos seus princípios
fundamentais, como a admissão segundo rígidos critérios de mérito, a existência de um
sistema estruturado e universal de remuneração, as carreiras, a avaliação constante de
desempenho, o treinamento sistemático, entre outros aspectos, aonde a burocratização dos
processos permanece intrínseca ao serviço público, e dessa forma, muito presente nos
processos de gestão de pessoas.
Reforça-se que a diferença fundamental entre a Administração Burocrática e a
Administração Gerencial, aonde se percebe a nova lógica da Gestão de Pessoas, está na forma
de controle, que deixa de se basear nos processos para se concentrar nos resultados. Embora
traga como perspectiva alguma democratização da gestão pública, pode ser apropriada por
diferentes projetos políticos-ideológicos. Nesse sentido, ressalta que, no cenário de opção pela
Administração Gerencial, nos deparamos muito com os Projetos, Planos e Programas
Estratégicos de Gestão, aonde se institui o planejamento estratégico em todas as esferas da
administração pública, seja no âmbito da gestão de pessoas, das políticas, do orçamento, etc.
A autora dá luz à importância do planejamento estratégico e reforça que o mesmo sempre será
um projeto político e ideológico posto em questão, pois:

Sabe-se que a categoria “estratégia”, além de conferir um sentido político para a


gestão pública e para o planejamento, resgata a noção de combate. A partir dela,
pode-se reconhecer as instituições como trincheiras específicas de luta,
naturalmente, com mediações. (TEIXEIRA, 2009, p. 6).

Porém, é necessário compreender que nem sempre os projetos políticos em questão


vão ao encontro das demandas da classe trabalhadora, o que se coloca como um desafio aos
Assistentes Sociais inseridos na gestão, enquanto profissão comprometida com a superação da
ordem societária hegemônica capitalista, tendo em vista que inserir-se na arena de disputa
pela formulação de políticas sociais no capitalismo neoliberal significa “[...] enfrentar
poderosas forças sociais sempre em luta para assegurar no Estado a consolidação de seus
interesses e privilégios, os quais investem contra direitos sociais.” (TEIXEIRA, 2009, p. 8).
É possível visualizar as constantes investidas do projeto hegemônico capitalista em,
por um lado apropriar-se do Estado e inscrever-se em seu formato de gestão e administração
e, por outro, de fragilizar sua imagem e hostilizar tanto as políticas públicas, quanto a classe
trabalhadora que se insere nesse contexto, ao:

[...] justificar a subsunção das Políticas Públicas do governo às pressões dos


organismos internacionais, transferir aos servidores públicos a responsabilidade pelo
sucateamento da coisa pública, ocultar os determinantes da retração de verbas e de
pessoal, e ainda os gargalos dos serviços públicos como se fossem “problemas
gerenciais”, e não da política governamental sob o ideário neoliberal. (TEIXEIRA,
2009, p. 10).

Essa realidade explicitou-se durante todo o exercício do Estágio Curricular junto à


Gerência de Acompanhamento Funcional. Ainda que instituída enquanto área que busca o
“desenvolvimento” dos servidores e a promoção de saúde no trabalho, a GEAF encontra-se
envolta no cenário de uma administração “modernizadora” e “estratégica”. Vemos, na
realidade, que esses princípios, na gestão municipal, dialogam muito mais com a redução de
gastos, diminuição do absenteísmo, com o enquadramento dos trabalhadores e mediação de
conflitos pessoais, do que numa perspectiva democrática, participativa e de saúde do
trabalhador.
Nesse cenário, encontra-se o Assistente Social, atravessado pelas demandas
institucionais que, muitas vezes, vai de encontro com seu projeto ético-político, e também,
enquanto trabalhador desta instituição aos quais recaem as formas de gestão vigentes.
Percebe-se, então, que a necessidade deste profissional em estar amplamente alinhado com
seu projeto ético-político, com clareza das dimensões teórico-metodológica, técnico-operativa
e ético-política, sempre amparada pela lei que regulamenta a profissão e o código de ética
profissional, é imperativa ao trabalho. No caso da gestão de pessoas, afirma-se que a
promoção da saúde e defesa dos direitos, participação, democracia, enfim, dos princípios que
norteiam a profissão, só poderão ser contemplados a partir de uma defesa da saúde do
trabalhador enquanto direito dos servidores públicos e política institucional. Porém, não
podemos, aqui, ignorar o cenário posto a estes profissionais, o qual se baseia em uma gestão
estratégica muito mais voltada a resultados do que à promoção de saúde, dessa forma,
acredita-se no potencial do assistente social em processar teórica, política e eticamente as
demandas sociais, inscrevendo-as no processo de planejamento e gestão, orientando a sua
formatação e execução.
Dessa forma, utilizar-se da gestão estratégica revertendo seu sentido produtivo (no
âmbito de recursos, resultados, metas) para um sentido democrático, entendendo que a gestão
pública democrática rompe com as rígidas hierarquias e processos, rompendo com a
democracia unicamente representativa evoluindo a uma democracia efetivamente participativa
ou direta, conforme aponta Teixeira (2009).
Nesse sentido, promover uma gestão pública democrática é promover, também, saúde
do trabalhador, tendo como princípios a promoção de saúde, a integralidade e a participação.
Este é um desafio aos assistentes sociais inscritos na gestão de pessoas da Prefeitura
Municipal de Porto Alegre, a qual ainda corresponde a um papel de ajustador de sujeitos, com
vistas aos resultados e entende a saúde em perspectivas que transitam pelas práticas de
Medicina do Trabalho e Saúde Ocupacional, conforme revela Carneiro (2006, p. 25): “Essa
imagem é reforçada por uma concepção existente na sociedade atual de que cada indivíduo
pode e deve ser responsável pela sua saúde, já que é um produto adquirível ao alcance de
todos.”
Por outro lado, reforça-se, a partir das lutas dos trabalhadores, a defesa dos políticas de
saúde do trabalhador já mencionadas e do compromisso do Serviço Social com a garantia de
direitos, defendendo que: “As questões relativas à saúde do servidor dizem respeito,
fundamentalmente, à gestão de pessoas e devem incorporar práticas e concepções de saúde
pública, principalmente de saúde do trabalhador.” (CARNEIRO, 2006, p. 26).
É nesse cenário que se inscrevem as disputas pelos diferentes projetos voltados à
atenção à saúde dos servidores públicos no âmbito da gestão das políticas na Prefeitura
Municipal de Porto Alegre e que irão incidir diretamente em seus processos de saúde e doença
conforme veremos a seguir.

4.1 PROBLEMATIZAÇÃO SOBRE A ATENÇÃO À SAÚDE DOS SERVIDORES E A


GESTÃO DE PESSOAS

Considerando a contextualização realizada no capítulo anterior, propõe-se a análise da


atenção à saúde dos servidores públicos municipais de Porto Alegre nesse contexto de
reforma gerencial do Estado neoliberal capitalista, em que os trabalhadores assumem novas
funções, são alvo de novas relações e exigências e contam com um processo de precarização
do trabalho.
Ao focar na atenção à saúde dos trabalhadores na gestão de pessoas na Prefeitura
Municipal de Porto Alegre, deparamo-nos com uma gestão que não se pode afirmar que se
vincula ao projeto de Saúde do Trabalhador.
Por um lado ainda encontramos os traços impostos por uma administração burocrática
que limita as possibilidades de atuação dos profissionais inscritos na gestão de pessoas,
aonde: “A gestão burocrática que predomina nas instituições, obstruindo ao Serviço Social dar
vazão às potencialidades criadoras e transformadoras de seu projeto éticopolítico
profissional.” (TEIXEIRA, 2009, p. 10).
Nesse sentido, o trabalho do Assistente Social na área de gestão de pessoas é
atravessado por múltiplas exigências metodológicas que correspondem a uma burocratização
dos processos, os quais se caracterizam pela demora de execução, por protocolos extensos e
fragmentados, por diversas plataformas de registro, que muitas vezes não dialogam entre si,
etc.
Por outro lado, como já se afirmou anteriormente, a administração gerencial também
imprime suas características na forma de olhar para os trabalhadores, mais especificamente no
âmbito da GEAF/SMA, são impostas metas e exigências de resultados que se vinculam a uma
modernização tecnológica e não necessariamente dos processos humanos. A presença de
gratificações específicas nas secretarias literalmente pressupõe a diminuição dos gastos, os
quais incluem as licenças, os estagiários, etc. Percebe-se nitidamente a administração por
resultados e não por processos qualificados.
Esse cenário engloba também uma realidade de legislações desatualizadas que não
acompanham os avanços conquistados e defendidos pelos movimentos sociais, pelas políticas
públicas, pela classe trabalhadora e, pode-se afirmar com segurança, pelo Serviço Social,
aonde a prática de atenção à saúde dos trabalhadores atualmente reproduzem uma lógica de
individualização dos processos de saúde e doença, aonde:

Esse caráter de direito individual se constituiu sobre a lógica securitária da proteção


desde o século XIX, atravessando o século XX e permanecendo, no tempo presente,
alheio às mudanças processadas na esfera do trabalho. (MENDES; WUNSCH, 2011,
p. 169).

Um exemplo dessa não identificação com a saúde do trabalhador, é o decreto 6.490


que institucionaliza os processos de avaliação laboral datado de 5 de dezembro de 1978, o
qual institui um processo realizado até os dias de hoje, definindo a o que chama de aptidão
dos servidores para o exercício de seus cargos, a partir de parâmetros de saúde, e permanece
intocado desde sua promulgação. Isso demonstra uma vinculação a um conceito de saúde
anterior ao inscrito nas lutas da reforma sanitária, conquistados e promulgados pelo Estado
Brasileiro através da Lei Orgânica da Saúde. Desta forma, defender a Saúde do Trabalhador
nesse espectro da gestão de pessoas, a qual é componente deste processo, se faz muito
distante, tendo em vista que o mesmo aponta uma concepção de saúde ainda vinculada a
parâmetros biopsicossociais ao atribuir a perícia do processo aos profissionais de Serviço
Social, Psicologia e Medicina, conforme segue:

Art. 99 - Concluídos os estudos sob o ponto de vista médico, psicológico e social, os


pareceres serão encaminhados a AT-CCR, a fim de integrarem o prontuário do
funcionário, devendo ser reproduzidos no parecer conclusivo, de formas sintéticas,
que permita sua perfeita identificação. (PORTO ALEGRE, 1978).

Desta forma, evidencia-se uma lacuna entre o saber histórico e socialmente produzido
pelos movimentos sociais e pelas políticas públicas no âmbito nacional, e as concepções e
práticas voltadas à atenção da saúde dos servidores parte da gestão pública municipal de Porto
Alegre, a qual se aporta, nos dias atuais, em um decreto condizente com concepções
conservadoras e que negam a totalidade e a integralidade dos sujeitos. Indo ao encontro do
que Lacáz (2007) discorre sobre uma perspectiva epidemiológica presente nas bases da saúde
ocupacional e que propõe uma visão a-histórica e descontextualizada das relações
econômicas, político-ideológicas e sociais que influem nos nexos entre trabalho e
saúde/doença (LACÁZ, 2007).
Evidencia-se, analisando os documentos orçamentários, a atribuição de
responsabilidades para as secretarias, a missão das gerências, dos programas, etc., que é difícil
definir a qual concepção de saúde e trabalho a administração pública municipal se aporta.
Vemos diferentes concepções perpassarem esses documentos e práticas, identificando uma
escolha muito subjetiva por parte dos profissionais e de programas de governo, do que uma
cultura institucional bem definida e comprometida. Nesse sentido, é possível perceber que há
uma fragmentação das ações e responsabilidades no âmbito da atenção à saúde dos servidores.
Ao estudar os diferentes programas, as diferentes áreas e processos que conformam a atenção
à saúde dos servidores, é possível perceber uma distribuição de responsabilidades entre áreas
e secretarias como a Saúde, Administração, Previdência, Gestão e Planejamento, etc. Poderia
se considerar que essa pluralidade de responsáveis fosse uma característica de uma política
intersetorial, porém a falta de diálogo entre essas áreas e programas demonstra o contrário,
uma fragmentação dos processos e dos próprios trabalhadores.
A intervenção realizada no período de estágio possibilitou a compreensão dessa
afirmação, uma vez que se evidencia uma dificuldade de diálogo entre o processo de
avaliação laboral e o acompanhamento pericial dos servidores em questão. Uma vez que ao
serem definidas as delimitações e readaptações, os servidores são tidos, conforme
estabelecido no decreto 6.490, como aptos ao retorno ao trabalho. Porém, a realidade que se
apresentou não condisse com essa determinação, dos servidores aptos para o retorno em
definição pelo processo de avaliação laboral, apenas uma minoria foi considerada apta ao
retorno ao trabalho pelo instituto pericial da Prefeitura Municipal de Porto Alegre, o que
incide diretamente na vida dos trabalhadores em questão, que muitas vezes sentem-se
desinformados, confusos e desorientados quanto a sua vida funcional, o que, com certeza,
reflete em todos os âmbitos de sua vida e saúde. Mendes e Wunsch (2011) afirmam que a
fragmentação do trabalhador e de sua classe social é compreendida como resultante da
combinação de processos sociais em curso, que se fazem acompanhar das formas fetichizadas
em que o capital se apresenta. Nesse sentido, esse trabalhador pouco é visto em sua totalidade,
há um afastamento entre os profissionais que o acompanham, uma distribuição territorial dos
serviços que acaba por dificultar o acesso dos mesmos e afasta as áreas de perícia, gestão,
previdência, etc., entre si.
Para além dessa fragmentação da concepção de saúde e sua relação intrínseca com o
trabalho, há uma construção social de descrédito e “culpabilização” dos servidores públicos,
conforme aponta Carneiro (2006) faz parte de uma prática vinculada ao projeto hegemônico
neoliberal, aonde:

Responsabilizar os servidores pelas mazelas do serviço público e, ao mesmo tempo,


identificá-los como detentores de privilégios é parte da estratégia construída para
fazer a máquina pública desacreditada, a fim de melhor viabilizá-la como
administradora de serviços e garantidora da liberdade do mercado ou, melhor
dizendo, dos ganhos do capital. (CARNEIRO, 2006, p. 29).

Muitas vezes, a gestão de pessoas é colocada no centro dessa relação de


individualização dos determinantes de saúde, que são reduzidos a práticas inadequadas dos
servidores, à desorganização pessoal, inclusive à atribuição de valoração aos maus e bons
trabalhadores. Nesse âmbito, a GEAF muitas vezes é solicitada enquanto área de ajustamento
e enquadramento dos servidores e esse trabalho é exigido dos assistentes sociais trabalhadores
desse espaço de gestão. Por isso é importante sempre ter a clareza do Projeto Ético Político do
Serviço Social, para garantir que não se reproduza a opressão e cerceamento dos direitos
desses trabalhadores, muitas vezes exigidas pela instituição.
Por outro lado, identificam-se possibilidades postas à gestão de pessoas para vincular-
se a um projeto político mais alinhado com a Saúde do Trabalhador, a partir da apreensão
crítica dos planos orçamentários e diretrizes de governo atuais. Apesar de compreender a
baixa representatividade orçamentária vinculada aos programas de atenção à saúde dos
servidores, é a partir de seus objetivos e justificativas, que claramente apontam princípios de
promoção de saúde, que se encontram possibilidades estratégicas de tencionamento político
dentro da administração pública. Fazer-se valer desses objetivos para a promoção de novas
ações sob uma perspectiva de Saúde do Trabalhador é uma alternativa posta ao Serviço Social
vinculado à gestão de pessoas, uma vez que programas como o Programa de Atenção à Saúde
dos Servidores, o ”PASS”, constitui responsabilidade conjunta da administração, saúde e
gestão, possibilitando a inserção dos assistentes sociais neste âmbito.
Por fim, compreende-se que a realidade material do trabalho dos assistentes sociais no
âmbito da gestão pública da atenção à saúde dos servidores é um campo contraditório
atravessado pelas expressões da questão social que historicamente colocam a classe
trabalhadora no seio das refrações dos processos de exploração, desigualdade, apropriação da
riqueza socialmente produzida, etc., o qual revela uma demanda institucional muito mais
vinculada aos interesses do projeto neoliberal do que com a garantia dos direitos dos
trabalhadores e luta pela superação do projeto hegemônico. Porém, há nesse cenário, também,
espaço para a defesa do projeto ético-político do Serviço Social alinhado ao direito à Saúde do
Trabalhador, e esses espaços se constituem enquanto arenas de interesses nas quais o
assistente social tem o compromisso de estar inserido e utilizar-se de suas competências
profissionais e da clareza das dimensões da categoria profissional para garantir que os
mesmos sejam apropriados a favor dos interesses das classes trabalhadoras, enquanto espaços
de resistência, luta e garantia de direitos.

4.1.1 O percurso da (des)atenção

O posicionamento político e crítico a favor da saúde do trabalhador e tudo que ela


representa leva à compreensão de que os processos de adoecimento dos servidores públicos
municipais nada mais é do que a apropriação clara do capital sobre a vida, a saúde e a
subjetividade dos trabalhadores em todos os níveis de sociabilidade, seja na vida privada, no
trabalho, na relação com o público, etc. Dessa forma, entende-se que, ao compreender a saúde
em seu sentido ampliado, a partir de determinantes sociais, de uma noção de integralidade e
de uma responsabilidade intersetorial das políticas, há um abandono deste servidor no que diz
respeito à promoção de saúde do trabalhador, que se materializa através de diversas
expressões da questão social que atingem esses servidores e os levam ao adoecimento.
Propõe-se uma análise de quais são essas expressões da questão social que incidem
nos processos de saúde e adoecimento desses trabalhadores e que nitidamente reafirmam a
relação indissociável de trabalho e saúde numa sociedade capitalista que centraliza no
trabalho os meios para inserção social e reprodução da vida e da subsistência no trabalho,
aonde o ser humano é socializado para se inserir no sistema de produção, porém a apropriação
da riqueza produzida não é apropriada por esse trabalhador, isso produz um conjunto de
desigualdades sociais que se colocam enquanto demandas à profissão.
O cotidiano de trabalho na GEAF desvela diversas demandas postas ao Serviço social,
que são a materialização dessas expressões da Questão Social oriundas da organização social
do trabalho na sociedade capitalista, a qual estabelece uma relação de exploração das classes
trabalhadoras, aonde se inclui o trabalhador estatutário.
A relação “Capital X Trabalho” está presente em todos os processos de trabalho nesta
sociedade e um de seus produtos é a Alienação. Esta organização conforme Wünsch e Mendes
(2011, p. 167) “[...] cumpre funções ideológicas e políticas que destituem o trabalhador de sua
condição de produtor da riqueza socialmente produzida, fazendo-o passar para a condição de
‘colaborador’ da riqueza individualmente apropriada”, desta forma o trabalhador não se
reconhece no produto do seu trabalho o que resulta em uma perda de sentido deste trabalho.
Outra expressão da questão social se dá através da precarização e precariedade do
trabalho, entendendo aqui que:

Ao dizermos precariedade, tratamos de uma condição sócio-estrutural que


caracteriza o trabalho vivo e a força de trabalho como mercadoria, atingindo aqueles
que são despossuídos do controle dos meios de produção das condições objetivas e
subjetivas da vida social. [...] Por outro lado, o conceito de precarização diz respeito
a um modo de reposição sócio-histórica da precariedade. Se a precariedade é uma
condição, a precarização é um processo que possui uma irremediável dimensão
histórica determinada pela luta de classes e pela correlação de forças políticas entre
capital e trabalho. (ALVES, 2007, p. 113).

Essa precariedade e precarização do trabalho expressam-se, dentro do espaço público


através do alto índice de terceirização dos serviços e contratações que deveriam estar a cargo
do Estado e são transferidas para a iniciativa privada, por espaços e ambientes de trabalho
insalubres e com baixa manutenção das estruturas, bem como excesso de demandas de
trabalho atribuídas aos servidores, que a cada dia são exigidos a desempenhar mais funções,
com metas de produtividade cada vez maiores, com um cíclico adoecimento causado pela
escassez de pessoal atribuída ao número de licenças para tratamento de saúde altíssimo, que
gera novas LTS, entre outros. Este processo de precarização e precariedade do trabalho se
evidenciam, pois:
A precarização do trabalho incide, também, no serviço público em discrepantes formas
de assalariamento e regimes de gratificações, bem como a disponibilidade e autorização de
horas-extras, que não são estabelecidas por um padrão e ocorrem de formas diferentes em
determinados espaços de trabalho e Secretarias e incide, também, nas relações e condições de
trabalho. Estas questões trazem consequências diretas ao enfraquecimento da identidade de
classe. Isso é perceptível através da dificuldade de mobilização desta categoria, as lutas e
demandas são diluídas através da concessão de gratificações, aumentos, etc., a alguns e não à
totalidade dos trabalhadores, aonde:

Percebe-se, que a fragilidade atual do movimento sindical, aliada à postura pouco


engajada da academia e ao desenvolvimento de políticas públicas reducionistas,
constrói um quadro de retrocesso no campo da Saúde do Trabalhador que é preciso
combater, a partir do resgate dos pressupostos do campo e da crítica aos
reducionismos. (LACAZ, 2007, p. 764).

A dificuldade de articulação entre as áreas de gestão de pessoas e Comissões de Saúde


e Segurança no Trabalho - CSST das secretarias, que acabam se limitando ao
desenvolvimento de ações paliativas e não são legitimadas na produção de políticas de
promoção de saúde. Carneiro (2006) evidencia que existe um vácuo de responsabilização
legal pelo não cumprimento da legislação de saúde e segurança do trabalho a qual favorece
um contínuo postergar no cumprimento de legislações trabalhistas para os servidores
estatutários, o que afirma fazer os órgãos de fiscalização, na prática, sentirem dificuldade para
obrigar as unidades públicas ao cumprimento da legislação .
No caso dos servidores municipais estatutários do município de Porto Alegre, apesar
de contar com um regime próprio estabelecido através do Estatuto dos Funcionários Públicos
do município de Porto Alegre, Lei Complementar nº 133/85, os trabalhadores tem diversas
realidades sociais, salariais, níveis de formação, entre outros aspectos que os diferem, são
unificados enquanto categoria, mas os fatores de precarização do trabalho e organização
social do mesmo, conforme já citados acima, os enfraquecem em sua identidade, por construir
uma gama muito diversa, e compor demandas diversas de intervenção também 6. Carneiro
(2006) explicita que:

[...] compõe-se de integrantes de muitas ocupações e profissões (regulamentadas ou


não), dos mais diversos níveis sociais de educação e renda, mas que tem em comum
o fato de ter (pelo menos) um vínculo de trabalho (temporário ou permanente) com
algum órgão do governo. (CARNEIRO, 2006, p. 28).

Outras expressões da questão social que atravessam a vida dos trabalhadores e


apresentam-se enquanto demandas aos profissionais da gestão, em especial da GEAF,
explicitam diversas formas de vulnerabilidade social que se materializam através do alto
índice de alcoolismo presente e relacionado com o cotidiano de trabalho, com a dificuldade de
acessar os serviços e rede, endividamento, depressão, entre outros.
Identifica-se, de forma geral, um adoecimento muito expressivo dos servidores
estatutários municipais. Esta perda de saúde seja expressa da maneira que for, é identificada
por Mendes e Wuncsh (2011) como uma forma de apropriação do capital sobre o trabalho e a
vida do trabalhador. Referem ainda que se constata uma dimensão subjetiva da precarização
do trabalho (MENDES; WÜNCSH, 2011).
A aproximação com a temática de retorno ao trabalho possibilitou a elucidação de
outros fatores que também contribuem para o adoecimento, conforme os relatos dos
trabalhadores acompanhados. Estes ressaltam principalmente a falta de pessoal é um
determinante crucial para o adoecimento e diretamente ligado à sobrecarga de trabalho.
Em um contexto de desinvestimento Estatal na promoção e qualificação das políticas
sociais, o investimento em recursos humanos se torna uma realidade bastante escassa, com
baixo índice de concursos, atraso na revisão da legislação interna (a qual define, por exemplo,
o número de professores e monitores por crianças na Educação Infantil), baixa existência de
políticas de promoção de saúde no trabalho, etc. Aliado a isso a modernização do mundo do
trabalho nem sempre vem para facilitar os processos, muitas vezes, impõe novas metas de
trabalho que exigem e aumentam as atribuições dos servidores municipais, que sobrecarregam
mais ainda os trabalhadores. Nesse sentido, a reestruturação produtiva associa-se diretamente
aos processos de trabalho precarizados, imprimindo consequências diretas na saúde dos
trabalhadores, pois:

Tem acarretado novas determinações para o processo de saúde/doença representado


pela sobresolicitação do trabalho, resultantes das formas de organização e gestão do
trabalho, cada vez mais intensificadas e planificadas em metas e prazos, ajustados à
exigência de uma produtividade sem limites. (WÜNSCH; MENDES, 2011, p. 167).

Por fim, a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, enquanto órgão público de gestão no
âmbito municipal, presta serviços à população de Porto Alegre e, muitas vezes, a demais
municípios do estado do Rio Grande do Sul. Aos trabalhadores, isso significa o contato direto
com a população usuária do serviço público, que revelam uma realidade social, muitas vezes,
de vulnerabilidade, violação dos direitos sociais, extrema pobreza, entre outras expressões da
questão social, as quais os servidores vinculados ao “Projeto de Intervenção” identificaram
enquanto um dos fatores que impactam no adoecimento, frente aos sentimentos de fragilidade
e impotência que emergem da relação de prestadores de serviços dentro de uma organização
Estatal que cada vez mais se desresponsabiliza e afasta-se da defesa da universalidade frente
aos direitos, conforme destacado:

Um novo dado histórico é o fim dos milagres econômicos e a transformação do


papel do Estado, com cortes nos gastos sociais, aumento do desemprego e
subemprego, como decorrência da reestruturação produtiva – tecnológica e
globalização da economia, com fortes influências sobre as lutas sindicais. (LACAZ,
2007, p. 763).7

Todas essas características da organização dos processos, da condição e das relações


estabelecidas no trabalho junto à Prefeitura Municipal de Porto Alegre, são fatores
determinantes aos processos de adoecimento dos servidores municipais. Reflete-se que, a
partir de uma perspectiva de promoção de saúde, de participação e de gestão democrática, o
adoecimento dos servidores poderia ser evitado e/ou diminuído. Infelizmente, sem a
superação do modo de produção capitalista, que impõe o risco aceitável dos danos do trabalho
sobre a vida dos trabalhadores, a apropriação da saúde desses servidores sempre estará posta
ao trabalho, porém através de uma perspectiva de ações mais interdisciplinares, intersetoriais,
coletivas, propositivas, em diálogo com a classe trabalhadora, se vislumbra a possibilidade de
evitar esse caminho de desproteção dos servidores que os leva ao adoecimento temporário e
permanente, comprometendo todas as dimensões de sua vida.

4.1.2 O projeto profissional frente aos processos de atenção à saúde dos servidores em
um espaço de gestão

Diante de toda a discussão trazida neste estudo, que justamente buscou identificar: os
processos de atenção à saúde dos servidores; sua organização na estrutura institucional; a qual
concepção de saúde corresponde os processos, políticas e organização do trabalho; etc. Busca-
se, agora, apresentar uma alternativa aos desafios postos à saúde do trabalhador e à garantia
de direitos dos trabalhadores no âmbito da gestão pública municipal, e essa alternativa emerge
diretamente da presença do Serviço Social nestes espaços sócio-ocupacionais a partir da
materialização de seu Projeto Ético-Político através da construção de um projeto profissional,
pois há espaço para a defesa do projeto profissional em qualquer local, público ou privado, em
que o assistente social é requisitado a intervir (COUTO, 2009).
Considerar o Projeto Ético-Político do Serviço Social enquanto uma alternativa para a
efetiva promoção de Saúde do Trabalhador é afirmar que o nosso projeto, sustentado pela Lei
8.662 de 1993, que regulamenta a profissão e o Código de Ética de 1993 (BRASIL, 2011b),
defende os mesmos princípios sustentados pelas lutas em prol da Saúde do trabalhador, ao
defender ampliação da cidadania, a garantia dos direitos civis, sociais e políticos das classes
trabalhadoras, a defesa do aprofundamento da democracia enquanto socialização da riqueza
socialmente produzida, posicionamento a favor da equidade social, empenho na eliminação de
todas as formas de preconceito, a garantia do pluralismo a articulação com os movimentos de
outras categorias profissionais, o compromisso com a qualidade dos serviços prestados, o
exercício da profissão sem discriminar e, principalmente, a “Opção por um projeto
profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária, sem
dominação-exploração de classe, etnia e gênero.” (CFESS, 2011, p. 24).
Aliados a isso e à defesa de um conceito ampliado de saúde, o Serviço Social, ainda
que não homogeneamente, constitui-se enquanto profissão filiada teoricamente à teoria social-
crítica, aonde defende a superação da sociedade capitalista e da exploração do trabalho pelo
capital. Por isso, com clareza podemos afirmar que o Serviço Social vai ao encontro das
demandas dos trabalhadores sobre sua saúde, enquanto profissão interventiva que busca
mudar a realidade social.
Porém, não podemos deixar de compreender que a superação da ordem societária
hegemônico ainda não está posta ao assistente social, o qual está inscrito no centro das
contradições das relações de trabalho na sociedade capitalista, por ser ele próprio um
trabalhador, aonde:

Embora os princípios norteadores do projeto profissional estejam fundados na


perspectiva da construção de outra sociedade, é nos parâmetros do capitalismo que
se materializa a profissão, e o assistente social é chamado a prestar serviços que
podem corroborar o status quo ou atuar para criar outras formas de sociabilidade,
que problematizem a organização da sociedade. Para que isso ocorra, é necessária
uma sólida formação teórica e técnica. (COUTO, 2009, p. 2).

Dessa forma, a defesa da construção e imposição de um projeto profissional em


qualquer área de atuação do Serviço Social, especialmente na Saúde do trabalhador, é
imprescindível para a legitimação das competências e atribuições do assistente social e para
evitar a reprodução de conhecimentos pragmáticos, desconectados das demandas da
sociedade, que podem levar à culpabilização dos sujeitos, ao determinismo e à resposta
imediata às demandas institucionais.
O Projeto profissional permite que o assistente social vislumbre soluções para além
dessas demandas institucionais, apresentadas em versões burocratizadas e de senso comum,
aonde poderá imprimir claramente as dimensões ético-política, teórico-metodológica e técnico
operativa, aonde essas dimensões acolhem a totalidade da prática profissional e auxiliam na
definição teleológica do fazer, entendendo que:

Os membros da sociedade, homens e mulheres, sempre atuam teleologicamente –


isto é: as ações humanas sempre são orientadas para objetivos, metas e fins. A ação
humana, seja individual, seja coletiva, tendo em sua base necessidades e interesses,
implica sempre um projeto que, em poucas palavras, é uma antecipação ideal da
finalidade que se pretende alcançar, com a invocação dos valores que a legitimam e
a escolha dos meios para lográ-la. (NETTO, 1999, p.2).

Dessa forma, o projeto profissional é uma ferramenta para o trabalho em sua dimensão
teleológica, posto que é um instrumento de afirmação do projeto de trabalho do assistente
social em determinada política e, também, do seu projeto ético-político.
Couto (2009) reforça que para a construção do projeto de trabalho é necessário que o
assistente social esteja ciente daquilo que lhe compete dentro das demandas de trabalho,
aonde o projeto da instituição compõe o arsenal de conhecimento deste profissional, mas não
se restringe a ele. Ressalta também que o projeto de trabalho é um importante instrumento
para o trabalho com outros profissionais. No caso da gestão de pessoas, essa realidade está
posta em todos os âmbitos, seja da composição mais livre – entendendo que diversos
profissionais são aptos ao trabalho junto à gestão de pessoas-, aonde:

Mostra também a necessidade de o assistente social adquirir novas funções e


competências [...] visto que predominantemente na área de recursos humanos não é
requerido, em sua maioria, atribuições privativas do assistente social. [...] em sua
maioria são requeridas competências para a intermediação e gerenciamento de
conflitos, conhecimentos legais no âmbito trabalhista, capacidade de negociação,
estratégias no trato de facilitar a educação permanente dos trabalhadores. (ARAUJO,
2011, p. 490).

Seja pela defesa da promoção de saúde do trabalhador a partir da atuação intersetorial


das áreas e políticas. De qualquer forma, seja pela interdisciplinaridade, ou pela simples
presença de outros profissionais nos espaços de gestão, é exigida do assistente social, a
capacidade de articular-se com as demais categorias profissionais e, ao mesmo tempo,
legitimar seu espaço de atuação, seu projeto político e suas atribuições privativas, aonde: “Ao
apresentar o projeto de trabalho, o assistente social estabelece parâmetros importantes da
relação profissional dentro da instituição que trabalha.” (COUTO, 2009, p. 3).
O projeto de trabalho, para além da legitimação da profissão no campo de trabalho,
deve contribuir para a viabilização da participação efetiva dos trabalhadores, democratizar as
informações e o acesso aos programas, projetos, políticas, etc., e ser, essencialmente um ponto
de agregação das demandas dos trabalhadores.
É, também, uma ferramenta importante para a constante avaliação e análise de seu
próprio trabalho.
A adoção do projeto de trabalho é o reconhecimento da necessidade de buscar na
teoria uma consistência para a ação, o que irá garantir a qualidade interventiva (COUTO,
2009), aonde:

Esse profissional, atento às demandas contemporâneas, compreende o arsenal


técnico-operativo como expressão de sua opção teórica, materializando o seu uso
com o propósito de garantir a execução de seu trabalho na direção da construção de
relações democráticas e emancipadoras, pressupostos básicos do projeto ético-
político do Serviço Social. (COUTO, 2009, p. 6).

Porém, a autora reforça uma dimensão da construção do projeto de trabalho que não
pode ser esquecida: ele deve ser escrito. Ressalta que a materialização do projeto de trabalho é
fundamental para que ele possa ser acessado, acompanhado, entendido e legitimado,
preocupando-se com a garantia do controle social, aonde os trabalhadores possam acessar esse
projeto e que seus resultados sejam sempre destinados ao conhecimento dos mesmos, bem
como a sua formulação seja advinda de uma apreensão crítica das demandas trazidas
principalmente pela classe trabalhadora, sendo “O reflexo do compromisso com a
emancipação dessa população e da negação do papel de controle e tutela das classes.”
(COUTO, 2009, p. 8).
A autora reforça, também, que a pesquisa é um elemento fundamental ao trabalho,
aonde é necessário que o assistente social esteja respaldado por dados da realidade que
assegurem a legitimidade de sua proposta, conhecendo as legislações específicas no campo da
política, as demandas institucionais e principalmente a dos trabalhadores.
No que tange a gestão de pessoas a pesquisa toma proporções muito desafiadoras e
ricas, umas vez que, no caso da gestão pública municipal de porto alegre, os dados funcionais
dos servidores estão ao alcance de todos os profissionais vinculados às áreas de gestão de
pessoas, saúde, previdência e planejamento. Esse lugar de trabalho do assistente social
favorece a prática investigativa e propositiva, dando visibilidade à totalidade dos processos de
saúde e doença na PMPA.
A partir da adoção do projeto de trabalho como um instrumento que deve constituir
potente impacto sobre a realidade, percebe-se que a definição do mesmo dentro da área da
gestão é imprescindível, bem como se materializa enquanto uma alternativa para vincular-se
mais às perspectivas de saúde do trabalhador e delimitar sua atuação frente às demandas
institucionais de enquadramento e individualização dos processos de adoecimento dos
servidores, levando a um processo de ruptura com o papel de executor terminal de política,
materializando uma identidade profissional que responde com produção de conhecimento
(COUTO, 2009).
É importante ressaltar que a aproximação da temática da gestão de pessoas enquanto
um objeto de intervenção do Serviço Social, sob a ótica da Saúde do Trabalhador, é um
processo também necessário à formação acadêmica:

Faz-se necessário reafirmar a importância de que desde a academia haja uma


aproximação teórico/prática de estudantes não só com áreas tradicionalmente mais
empregadoras do Serviço Social, mas também com a área de gestão de pessoas,
visto que traz inúmeras questões que podem ser trabalhadas pelo Serviço Social.
(ARAUJO, 2011, p. 494).
No desenvolvimento do estágio curricular foi possível aproximar-se dessa temática e
compreender a totalidade dos processos que atravessam a saúde do trabalhador no serviço
público. Atravessados por essa realidade estão, também, os assistentes sociais trabalhadores
dessa instituição que se veem muitas vezes em situações contraditórias entre seu projeto ético-
político e o projeto da instituição. Nesse sentido, se engrandece a função do projeto de
trabalho enquanto ferramenta para a consolidação do projeto ético-político e do
direcionamento político, teórico e metodológico do trabalho do assistente social.
O projeto de trabalho, como forma de materialização do projeto ético-político, não é
somente uma possibilidade, como uma necessidade essencial ao trabalho do assistente social.
Na gestão de pessoas ele se coloca como aliado à ruptura com o pragmatismo individual que
busca capturar o trato da questão social.
Contudo, também se entende que as requisições desse trabalho confrontam-se com a
condição de trabalhador assalariado, resultando numa contraditória relação dessa condição
com o projeto ético-político da profissão, considerando que estão presentes, nessa realidade:

As condições objetivas para exercer o trabalho, os limites colocados pelos órgãos


empregadores, pelas relações de poder, pelo estatuto político-legal e recursos
programáticos e financeiros, entre outras determinantes que interferem nas
atribuições profissionais. A concretude do trabalho profissional oscila entre o
reconhecimento do trabalhador, o impacto de suas ações sobre a saúde e o trabalho e
os limites resultantes de múltiplas determinações sobre o processo de trabalho em
que se insere o assistente social. (MENDES; WÜNSCH, 2011, p. 478).

Dessa forma, compreende-se que a organização da administração e gestão das políticas


de forma fragmentada compõe a produção e reprodução ideológica e material do trabalho no
capitalismo, aonde o serviço social é solicitado para atuar frente em um contexto de:

Complexificação da questão social e seu tratamento por parte do Estado,


fragmentando-a e recortando-a em questões sociais a serem atendidas pelas políticas
sociais, instituiu-se um espaço na divisão sócio-técnica do trabalho para um
profissional que atuasse na fase terminal da ação executiva das políticas sociais,
instância em que a população vulnerabilizada recebe e requisita direta e
imediatamente respostas fragmentadas através das políticas sociais setoriais.
(GUERRA, 2007, p. 7).

Como resposta a isso, a autora defende ainda a atuação teleológica do serviço social,
através de sua instrumentalidade, ancorada no projeto ético-político, entendida como “Uma
mediação que permite a passagem das ações meramente instrumentais para o exercício
profissional critico e competente.” (GUERRA, 2007, p. 12).
Assim, compreende-se que através da instrumentalidade do Serviço Social, que
transcende uma noção de instrumentos e ferramentas, mas que viabiliza a articulação entre as
dimensões ético-políticas, teórico-metodológicas e técnico-operativas, são a força da profissão
em defesa de seu projeto frente às demandas institucionais e para legitimação do espaço do
assistente social.
Porém, é necessário compreender que o assistente social se depara com uma realidade,
que é denunciada por Iamamoto (2004) no que se refere à regressão de direitos e destruição
do legado de conquistas históricas dos trabalhadores em nome da defesa do mercado e do
capital, aonde crescem as desigualdades sociais e destituição de direitos civis, políticos e
sociais. Nesse sentido, a autora revela que o Serviço Social Latino-americano tem sido um
ponto de esperança na resistência às investidas do projeto neoliberal, de modo em que os
assistentes sociais são detentores de uma rebeldia “[...] que rejeita o conformismo e a derrota,
contradizendo a cultura da indiferença, do medo e da resignação que conduz à naturalização
das desigualdades sociais, da violência, de preconceitos de gênero, raça e etnia.”
(IAMAMOTO, 2004, p. 6).
Esse profissional tem seu trabalho inscrito na tensão contraditória das exigências
institucionais, enquanto trabalhador assalariado e atravessado também pela organização do
trabalho, bem como pelas demandas que emergem das lutas sociais, dos trabalhadores, aonde:

As condições de trabalho e relações sociais em que se inscreve o assistente social


articulam um conjunto de mediações que interferem no processamento da ação e nos
resultados individual e coletivamente projetados, pois a história é o resultado de
inúmeras vontades projetadas em diferentes direções que têm múltiplas influências
sobre a vida social. (IAMAMOTO, 2004, p. 23).

Conclui-se, então, que a inscrição do Serviço Social em um espaço fragmentado de


gestão, espaço sócio-ocupacional este, que permeou toda a construção desse estudo, está
atravessada pela condição de trabalhador, de um lado, e executor e gestor de políticas de
outro, no âmbito do Estado. O Assistente Social tem um campo desafiador e contraditório
aonde se confrontam diferentes projetos de sociedade, assim é imperativo que, através de seu
projeto de trabalho, fique instituído o direcionamento de sua atuação teleológica,
compreendendo que: “Os projetos profissionais são indissociáveis dos projetos societários que
lhes oferecem matrizes e valores e expressam um processo de lutas pela hegemonia entre as
forças sociais presentes na sociedade e na profissão.” (IAMAMOTO, 2004, p. 24).
Têm-se, assim, no Serviço Social a esperança, não concebida como atribuição única da
profissão, mas como forma de reconhecer suas competências técnicas, teóricas e éticas para
construir espaços democráticos de gestão da saúde do trabalhador. Para tal, é fundamental
promover a participação, buscando mecanismos de controle social, defendendo a equidade e,
principalmente, a resistência frente ao projeto hegemônico da sociedade capitalista, e assim
criando possibilidades de enfrentar as refrações deste sistema no processo de saúde/doença
dos trabalhadores.
5 CONCLUSÕES

A construção deste trabalho de conclusão de curso buscou compreender de que forma


a estrutura organizacional pública do município de Porto Alegre promove a atenção à saúde
de seus trabalhadores. Para tal, retoma-se a análise sobre a natureza exploratória do trabalho
nas sociedades capitalistas, aonde o mesmo corresponde tanto à satisfação da vida social
quanto à apropriação de todas as dimensões da vida do trabalhador e, portanto, de sua saúde.
Inseridos nessa contradição encontram-se os trabalhadores do serviço público,
atravessados pelas expressões da questão social, próprias do avanço do capital e da
reestruturação produtiva e das especificidades de serem trabalhadores “em nome” do Estado,
responsáveis pelo andamento da “coisa pública”. E desta forma as refrações deste contexto
estão “invisibilizadas” no processo de saúde/doença desses trabalhadores.
Os Assistentes Sociais inscritos em diversos espaços institucionais de diferentes
políticas, enquanto executores e alvo das mesmas, bem como de projetos e programas,
especialmente no tocante das políticas de gestão de pessoas, inserem-se no centro dessa
relação entre o objeto (trabalhador) e formulador das ações.
No que diz respeito à gestão de pessoas da administração centralizada da Prefeitura
Municipal de Porto Alegre, os modelos de gestão de pessoas são majoritariamente vinculados
a uma perspectiva de desenvolvimento, cumprimento de metas e resultados que se confundem
com uma, ainda presente, administração burocratizada, que revela processos demorados,
duros, fragmentados etc. Dessa forma, ao procurar desvelar as concepções e formas de
atenção à saúde dos trabalhadores desta instituição não se pode afirmar que exista um gestão
alinhada com a concepção de saúde do trabalhador. Percebe-se que há um avanço a partir de
documentos gestores da administração pública em situar a atenção à saúde dos servidores,
mas em comparação com as demais políticas promovidas, o direcionamento de gastos, tempo
e pessoal para as ações voltadas à promoção de saúde no trabalho tem uma expressividade
muito baixa.
Para além do pouco investimento em políticas de Saúde do Trabalhador, constata-se a
existência de uma fragmentação das mesmas, não ficando claro todas as vezes que os órgãos
responsáveis pelos processos de promoção de saúde, de cuidado da saúde do trabalhador e
seus processos de trabalho, etc. Para, além disso, há uma localização majoritária das ações
voltadas à atenção à saúde dos servidores sob responsabilidade da Secretaria de
Administração, o que revela ainda uma concepção gerencial da questão saúde e trabalho,
aonde não se contempla uma noção ampliada de saúde, tampouco de intersetorialidade,
legitimando práticas conservadoras de individualização dos processos de saúde e doença sob a
responsabilização dos próprios trabalhadores.
Compreende-se que é através de práticas vinculadas à concepção de saúde do
trabalhador que o Assistente Social inserido nesses espaços de gestão de pessoas poderá dar
viabilidade a seu projeto ético-político. Porém, reforça-se que, mesmo dentro dos avanços e
conquistas inscritas na luta dos trabalhadores pela construção e legitimação de um campo de
saber e política de saúde do trabalhador, que pressuponha a participação dos mesmos, o
controle social, a promoção de saúde a partir de seu conceito ampliado, etc., não há um
espaço definido para os trabalhadores do serviço público, os quais ainda estão muitos à
margem das ações desenvolvidas nessa política. Dessa forma, os desafios de efetivação de
uma política de atenção à saúde dos servidores públicos municipais, sob a orientação da saúde
do trabalhador, são acentuados.
A realidade compreendida através deste estudo expõe uma atenção fragmentada, sem
definição de responsáveis para além dos próprios trabalhadores sobre sua qualidade de vida,
promoção de saúde, organização e vigilância dos processos de trabalho etc. É uma realidade
que fragmenta não somente as políticas de atenção à saúde como a própria categoria dos
trabalhadores públicos, regidos por diferentes regimes de trabalho e pelo discurso de
responsabilização por seu adoecimento e pela lógica meritocrática de sucesso, que os coloca
uns muito afastados dos outros, quando não contra. Essa estratégia do capital de fragilização
do coletivo de trabalhadores também se coloca como um desafio à efetivação da saúde do
trabalhador, por ser pensada principalmente a partir da construção coletiva do conhecimento.
Portanto, reforça-se que só é possível a promoção de ações em saúde do trabalhador a partir
da participação dos trabalhadores, da construção de espaços democráticos de escuta e
formulação de programas, projetos, políticas, etc. Atualmente, não é essa a realidade
vivenciada pelos servidores públicos municipais, aos quais são voltadas ações pontuais de
prevenção em saúde, ainda muito vinculadas a uma concepção biológica e centrada nas
patologias, que vê o trabalhador tanto como hospedeiro de doenças como de ações verticais
impostas pelo empregador.
Hoje, o servidor público municipal do município de Porto Alegre transita por
processos de saúde e adoecimento relacionados com a sobrecarga de trabalho, falta de
pessoal, assédio moral, altas exigências e carga horária, más condições de trabalho, etc.
Porém, diante desse cenário de múltiplos desafios existem, também, espaços de
resistência e é nesse espaço que se destaca o projeto ético-político do assistente social. Sua
inserção nas áreas de gestão não se dá enquanto um atributo privativo dessa profissão, sendo o
espaço socioocupacional dividido com diversos outros profissionais. Mas é nessa inscrição
interdisciplinar que o projeto de trabalho do assistente social ganha uma importância muito
relevante. Dentre suas atribuições e competências, cabe ao assistente social elaborar, executar
e avaliar políticas, programas, projetos, dentre outras diversas competências, enquanto alia-se
a isso seu código de ética que defende a ampliação da cidadania, a defesa intransigente dos
direitos humanos, o posicionamento a favor da equidade, etc., conformando seu projeto ético-
político que articulará as três dimensões da competência profissional, aliando a capacidade
teórico-metodológica à técnico-operativa e à ético-política, materializadas através do projeto
de trabalho.
É através deste instrumento, o qual materializa seu projeto ético-político, que o
Serviço Social encontra uma forma de enfrentamento a essas expressões da questão social que
atravessam a vida dos trabalhadores do serviço público, incluindo a ele mesmo, opondo-se à
ordem societária hegemônica capitalista e à lógica de exploração do homem pelo capital. O
assistente social tem nesse instrumento uma fonte de legitimação e defesa de seu espaço de
atuação e das concepções de saúde, trabalho e sociedade que orientam seu trabalho e que
permitem a construção de resistências junto aos trabalhadores e que promovam saúde no
trabalho e, consequentemente, em todas as dimensões da vida social.
3. JUSTIFICATIVA

O Estatuto do Servidor Público Municipal disserta a respeito dos deveres, responsabilidades,


direitos, vantagens e proibições do servidor público municipal, a serem observados no
exercício das suas atividades, conforme a Lei Complementar nº 133/85.

Estão entre seus direitos os benefícios previdenciários relativos ao gozo/exercício de


Licenças, que podem ser concedidas por diversos fatores estabelecidos. Dentre tais benefícios
os seguintes apresentam questões relacionadas à saúde do servidor:

“Licença para Tratamento de Saúde – LTS” -Quando o servidor estiver impossibilitado de


comparecer ao trabalho por motivo de doença regularizado através da Licença para
Tratamento de Saúde (LTS). Referência Legal: Artigo 43 ao 51 da Lei Complementar nº
478/02; OS nº 013/95 alterada pela OS nº 001/2000;

“Licença por Acidente de Trabalho” - Se ocorrer acidente de trabalho, agressão provocada


no exercício das atribuições ou doença profissional, o servidor deverá solicitar, junto ao seu
local de trabalho, dentro das vinte e quatro horas (24h) subseqüentes deverá realizar o
preenchimento dos devidos formulários e notificações, e dirigir-se ao NASS da Secretaria
Municipal da Saúde (NASS/SMS), para regularizar os primeiros 15 dias de afastamento.
Referência Legal: art. 148 da Lei Complementar nº133/85; Lei Complementar nº478/02;

Avaliação da capacidade laborativa - Busca adequar as atribuições de trabalho do servidor


municipal às suas condições de saúde, de acordo com o que determinam os artigos 57 e 60 da
lei complementar n° 133, de 1985 (Estatuto do Servidor).

Parte do processo de Avaliação da capacidade laborativa caracteriza-se enquanto atribuição da


Gerência de Acompanhamento Funcional, no que diz respeito à realização de avaliações
psicológicas e sociais, que buscam adequar as atribuições de trabalho às condições de saúde
do servidor, de acordo com a legislação vigente.

A ocorrência de adoecimento dos servidores vinculados a este processo se caracteriza


enquanto importante demanda, pois, de acordo com relatório extraído de dados que integram a
“Tabela de Processos 2014/GEAF”, a qual armazena todos os processos de avaliação da
capacidade laborativa em andamento no ano de 2014, apontam a existência, no dia 04 de
novembro de 2014 – data da extração dos dados – de 143 processos em andamento
(consideram-se aqueles que ainda não obtiveram parecer final), destes servidores vinculados
ao processo de avaliação da capacidade laborativa, 47 encontram-se, nesta data, em Licença
para Tratamento de Saúde ou Licença por Acidente de Trabalho, correspondendo à 32,86%
dos servidores com processos em andamento.

Identifica-se, neste sentido, a necessidade da inserção da temática do “retorno ao trabalho” a


este processo, no que diz respeito à intervenção realizada pela Gerência de Acompanhamento
Funcional, uma vez que têm como missão, conforme inscrito em seu Manual de
Procedimentos “promover o desenvolvimento e a saúde do servidor através de políticas e
ações de Recursos Humanos que qualifiquem a organização do trabalho, visando a excelência
dos serviços públicos prestados à comunidade”, entendendo o processo de acompanhamento
ao retorno dos servidores às atividades laborais enquanto uma ação de prevenção e promoção
em saúde. Isto porque se parte da perspectiva de que um dos motivos para o adoecimento
relacionado ao trabalho é intrínseca à relação entre capital, trabalho e alienação, que produz a
perda da identidade social do trabalhador, gerando o estranhamento. Entende-se aqui o
trabalho enquanto:

“processo dinâmico, que representa para o trabalhador sua


história individual e também coletiva. A centralidade do
trabalho (Antunes, 1999) nas vidas das pessoas é repleta de
antagonismos e contradições, pois ao mesmo tempo em que
propiciados de qualidade de vida, de satisfação das
necessidades básicas, pode também representar o seu anverso,
devido às condições destrutivas da organização do trabalho
na lógica do capital, que pode determinar a produção de
doenças e mortes”. (MENDES; WUNSCH, 2011, p.464).

Essa necessidade explicita-se no número de servidores que, após o afastamento decorrente do


adoecimento e do período necessário para o tratamento, não recebem auxílio ou
acompanhamento durante o processo de retorno ao trabalho, voltando, muitas vezes, a
afastarem-se outra(s) vez(es) pelos mesmos motivos anteriores.

Através dessa evidência, percebe-se uma vulnerabilidade na gestão dos recursos humanos em
receber estes servidores, com suas demandas específicas, através de espaços institucionais
adaptados a essas demandas, de forma a criar ambientes que promovam a saúde. Não havendo
uma rotina estabelecida para o acolhimento e reinserção destes trabalhadores, esse momento
se dá de forma não assistida, a inserção dos servidores no espaço de trabalho, podendo ser o
mesmo ou nova lotação, é automática e não gradual, não permitindo a construção de
estratégias para recebê-lo.

Conforme as Diretrizes para o Trabalho do Serviço Social na GEAF/2014, que identificam a


GEAF enquanto: “espaço de intervenção, que além da preocupação com a saúde do individuo
– leia-se saúde como a definição que ultrapassa a concepção de ausência de doença, incluindo
os fatores do contexto social no qual o sujeito esta inserido busca o fortalecimento da
autonomia dos sujeitos, ao mesmo tempo, a capacidade de reproduzir-se na complexidade da
historicidade e da cotidianidade das mediações de poder e das energias e recursos próprios e
de representar-se criticamente na recusa da alienação, da tutela e do controle”, entende-se esta
demanda como objeto de intervenção do Serviço Social na busca pela superação da alienação,
e por uma construção de ambientes de trabalho com acolhimento e práticas humanizadoras e
saudáveis, que contribuam para o desenvolvimento dos trabalhadores e sua identificação com
o processo de trabalho e seu produto, considerando que, conforme Iamamoto (1999) é pelo
trabalho que as necessidades humanas são satisfeitas.

As expressões da relação capital, trabalho, alienação e expressões da questão social corroboram a


necessidade de inserção da temática do acompanhamento ao retorno enquanto objeto de
intervenção do serviço social e da Gerência de Acompanhamento funcional, enquanto área de
gestão de recursos humanos que preconiza a promoção da saúde no trabalho.
7

INTRODUÇÃO

Este estudo dedica-se ao exame da hipótese de aplicação das normas de


saúde, segurança e higiene laborais previstas na Consolidação das Leis do Trabalho e legislação
esparsa aos servidores públicos, inclusive aos vinculados à Administração Pública por típica
relação estatutária, tendo em vista a interpretação sistemática dos arts. 6º, 7º, inc. XXII, 39, § 3º,
196 e 225, § 1º, inc. V, da Constituição da República.

Ao se tratar da implementação de normas atinentes ao meio ambiente de


trabalho, está a se cuidar, em verdade, do direito à vida e à saúde dos trabalhadores, direitos os
quais foram elevados ao status de fundamentais, garantidos constitucionalmente a todos aqueles
que prestam serviço, independentemente de discussão acerca da natureza desta relação de
trabalho.

Para consolidar o que se pretende defender neste trabalho, o Supremo


Tribunal Federal, nos autos da Reclamação nº 3303, proferiu decisão em que se confirmou o
entendimento de que compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar causas que tenham como
objeto o cumprimento de normas relativas à saúde, segurança e higiene do trabalho, inclusive de
Ente Público eventualmente transgressor. Na decisão, foi ainda salientado que se tratava de
objeto onde se buscava a observância de normas públicas e cogentes que dizem respeito à tutela
da vida e da saúde dos trabalhadores, e não demanda direta de Estado com seu servidor.

Posto isto, este trabalho monográfico, sob a utilização do método dedutivo


de pesquisa acadêmica, limitar-se-á ao estudo das normas relativas ao meio ambiente de trabalho
– normas de saúde, segurança e higiene do trabalho - no que toca ao seu histórico, conceito,
normas jurídicas, órgãos principais fiscalizadores, bem como sua necessária aplicação a todos os
trabalhadores, inclusos os servidores públicos integrantes da Administração Pública Direta
(União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e Indireta (Autarquias, Fundações, Empresas
Públicas e Sociedades de Economia Mista).

O primeiro capítulo discorrerá sobre os aspectos históricos considerados


8

mais relevantes acerca da saúde e segurança ocupacionais no que diz respeito ao âmbito
internacional, bem como ao Brasil. Ainda, será abordada a tutela conferida pelo ordenamento
jurídico pátrio – Constituição Federal, Consolidação das Leis do Trabalho, Legislação Estadual,
Portarias do Ministério do Trabalho e Emprego – ao meio ambiente laboral e à saúde do
trabalhador.

No segundo capítulo, por sua vez, discorrerar-se-á a respeito do singular


papel dos órgãos fiscalizadores do ambiente de trabalho, que sejam o Ministério do Trabalho e
Emprego, os Sindicatos e o Ministério Público do Trabalho, e as principais atribuições deste e
daquele no que concerne à proteção e prevenção da saúde dos trabalhadores. Tecer-se-á, ainda,
breves anotações acerca dos instrumentos de tutela do meio ambiente de trabalho, como o Estudo
Prévio do Impacto Ambiental, a Ação Civil Pública, a Ação Popular Ambiental, o Mandado de
Segurança Individual e Coletivo e o Inquérito Civil Público.

O terceiro e último capítulo adentrará na questão a qual este trabalho se


propõe a defender: a aplicação das normas de saúde, segurança e higiene laborais aos servidores
públicos, sejam de vínculo contratual, sejam os vinculados por relação estatutária. Em um
primeiro momento, serão expostas, de um modo geral, as atuais condições de trabalho em que se
encontram os servidores públicos, bem como a estrutura normativa a que estão sujeitos. Adiante,
analisar-se-ão os notáveis efeitos e consequências da decisão exarada pelo Supremo Tribunal
Federal, nos autos da Reclamação nº 3303, no tocante à obrigação dos Entes Públicos de observar
as normas de preservação do meio ambiente do trabalho. Comentar-se-á, por derradeiro, sobre a
possibilidade de atuação do Ministério Público do Trabalho e do Ministério do Trabalho e
Emprego em face de entes públicos a fim de verificar o cumprimento das normas de saúde,
segurança e higiene do trabalho.
1 SAÚDE E SEGURANÇA NO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

1.1 Breve histórico

As primeiras escritas envolvendo a relação entre trabalho e saúde


remontam à civilização grega, a qual as transferiu aos romanos, que por sua vez elaboraram os
primeiros trabalhos no campo científico, ainda que incipientes, acerca da saúde ocupacional.

Há registro de estudos, por volta dos séculos XVI ao XVIII, de doenças


ocupacionais envolvendo mineiros e metalúrgicos, destacando-se os seguintes: Monografia de
Paracelso, de 1567; a obra do italiano Bernardino Ramazziini, intitulada, após tradução, de “As
doenças dos Trabalhadores”, do ano de 1700. Segundo Laura Martins Maia de Andrade, esta obra
constitui marco da Medicina Preventiva, preponderando até meados do século XIX, quando então
adveio a Revolução Industrial.

No final do século XVIII, desencadeou-se, na Europa, o processo


denominado Revolução Industrial, o qual se caracterizou, principalmente, por marcantes
alterações no que tange às relações de trabalho e ao modo de produção. A respeito dessa época,
Sebastião Geraldo de Oliveira pondera, in verbis:

Contando com a sorte ou com o instinto de sobrevivência, cabia ao próprio trabalhador


zelar pela sua defesa diante do ambiente de trabalho agressivo e perigoso, porque as
engrenagens aceleradas e expostas das engenhocas de então estavam acima da saúde ou
da vida “desprezível” do operário. Segundo as concepções da época (o laissez-faire), os
acidentes, as lesões e as enfermidades eram subprodutos da atividade empresarial e a
prevenção era incumbência do próprio trabalhador.

A nova ideologia – liberalismo, a busca incessante pelo aumento de


capital, a quase nula interferência estatal nas relações trabalhistas, entre outros fatores,
propiciaram uma crise geral na saúde dos trabalhadores, ensejando, por decorrência, as primeiras
regulamentações de proteção da saúde no ambiente do trabalho: a Lei da Saúde e Moral dos
Aprendizes, na Inglaterra, em 1802, que, entre outras restrições, proibiu o trabalho noturno e
estabeleceu o limite de trabalho de 12 horas diárias; a Factory Act, na Inglaterra, em 1833,
aplicável às empresas têxteis, a qual proibiu o trabalho noturno aos menores de 18 anos e
restringiu as horas de trabalho a 69 semanais.

Juntamente ao capitalismo, despontaram-se diversos problemas, tanto de


ordem natural, tais como o aumento de poluição, esgotamento de recursos naturais, entre outros,
como de âmbito social, tendo em vista as novas relações de trabalho a partir dele instituídas.

Neste contexto – de globalização da economia – torna-se cada vez maior


a preocupação com o ambiente em que está inserido o trabalhador, considerando-se que a mesma
empresa que degrada o ambiente externo do local de trabalho, prejudicando toda a sociedade,
primeiro o faz internamente, atingindo a coletividade que ali labora.

Cristiane Derani comenta que “(...) produção social refere-se não apenas
à produção de bens, mas a toda relação e comportamento do homem em sociedade, numa
perspectiva de mediação com a natureza. Trabalho, lazer, produção, consumo são atividades em
sociedade e com a natureza, e é nessa relação que se localiza o campo de ação do direito
ambiental.”

No que se refere ao Brasil, o período denominado de Brasil Colônia


caracterizou-se pelo que se conhece como “Estado Paternalista”, cujos trabalhadores, em sua
maioria escravos, só podiam contar com a ajuda voluntária de seus patrões, uma vez que
inexistiam direitos trabalhistas à época.

Já na República Velha, advinda com a promulgação da República no


Brasil, em 1889, marcada pela concentração do poder econômico nas mãos de grandes
proprietários rurais, a simples dispensa de trabalhadores doentes ou acidentados era vista como
legítima, tendo sido promulgada a primeira lei de acidentes do trabalho (Decreto nº 3,724) tão
somente em 1919, a qual obrigou os empregadores a segurar acidentes do trabalho em suas
empresas.

A Constituição Federal de 1934 foi a primeira a prever indenização por


decorrência de acidente do trabalho, a cargo do Estado e/ou do empregador.

Também no ano de 1934, já no Estado Novo, surgiu o Decreto nº 24.637,


o qual equiparou, pela primeira vez, as doenças profissionais a acidentes de trabalho.

A Consolidação das Leis do Trabalho - CLT (Decreto – Lei nº 5.452, de


01.05.43) representou importante marco para a proteção do meio ambiente laboral, ainda que
num primeiro momento tenha introduzido de forma principiante normas de prevenção de
acidentes, de saúde e de higiene no trabalho.

Ainda, o Decreto – Lei nº 7.036/44, que introduziu alterações na CLT,


equiparando à acidente do trabalho aquele ocorrido no trajeto do trabalho, além de criar a CIPA
(Comissão Interna de Prevenção de Acidente).

Foi a partir da Portaria nº 3.214, de 1978, instituidora das NR's (Normas


Regulamentadoras), que houve melhor regulamentação do tema.

Contudo, há críticas sobre a produção legislativa da época, porquanto esta


ocorreu no momento histórico em que os interesses econômicos – maior produtividade eram os
maiores propósitos, restando marginalizada a “voz” trabalhista. Sobre isso Sidnei Machado
assevera, in verbis:

É perceptível, neste processo histórico, que a instituição do modelo de prevenção e


reparação de acidentes do trabalho e doenças profissionais não teve a participação dos
trabalhadores, desenvolvendo-se na lógica do modelo de acumulação do capital nacional,
numa perspectiva de regulação da mão-de-obra. No último período, a introdução do
modelo de prevenção de acidentes a cargo das empresas visou atender aos reclamos de
maior produtividade, quando o Brasil se inseria na fase do capital monopolista. Teve
importância, ainda, a repercussão negativa do país no exterior devido aos altos índices de
acidentes de trabalho. A legislação protetiva da CLT, portanto, representa o legado do
Estado corporativista (1930-1945), depois autoritário e burocrático (1964-1985).8

No mesmo sentido, Raimundo Simão de Melo ressalta que, no que diz


respeito à estrutura legislativa relativa à proteção da saúde nos locais de trabalho, o Brasil se
destaca sobremaneira em termos de completude, todavia, a prática, na visão do Procurador,
revela-se diferente, preponderando interesses meramente econômicos aos aspectos sociais e
humanos.

Mais adiante, o autor conclui ser de responsabilidade do Estado Brasileiro


o abismo que se revelou entre os direitos positivados e a realidade mostrada, uma vez que aquele
não se ocupa em criar uma “dinâmica social nova e abrangente”.

Outrossim, consoante Sebastião Geraldo de Oliveira observa, é


insuficiente a pura elaboração de normas jurídicas acerca do meio ambiente do trabalho, quando
preponderantemente interesses econômicos do empregador estarão em jogo, sem falar na
impossibilidade de se fiscalizar satisfatoriamente todos os estabelecimentos, que são em número
gigante. É necessário, por isso, que haja a participação ativa dos trabalhadores, de modo a
viabilizar negociações diretas com o Estado, que é o que já ocorre em outros países modelos de
melhora no que tange às questões ambientais do trabalho.

A OIT (Organização Internacional do Trabalho), criada através do


Tratado de Versalhes, em 1919, surgiu em resposta aos abusos, de âmbito internacional, advindos
com o capitalismo.
Ao longo de sua existência, a OIT editou diversas Recomendações e
Convenções a respeito da prevenção e proteção do meio ambiente do trabalho, a fim de se
preservar a integridade físico-psíquica do trabalhador. A Convenção nº 155/81, adotada pelo
Brasil, foi a primeira a tratar especificamente da saúde do trabalhador, cujo foco foi o
reconhecimento da necessidade de se adotar nacionalmente uma política de preservação do meio
ambiente do trabalho.

No Brasil, vigoram também as seguintes Convenções da OIT relacionadas


ao meio ambiente do trabalho: Convenção nº 103, sobre o amparo à maternidade; Convenção nº
115, que dispõe acerca da proteção contra as radiações ionizantes; Convenção nº 136, que trata da
proteção contra os riscos de intoxicação provocada pelo benzeno; Convenção nº 139, relativa à
prevenção e controle de riscos profissionais causados pelas substâncias ou agentes cancerígenos;
Convenção nº 148, sobre a proteção dos trabalhadores contra os riscos devidos à contaminação
do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho; Convenção nº 152, relacionada à segurança e
higiene nos trabalhos portuários; Convenção nº 159, tratando da reabilitação profissional e no
emprego de pessoas deficientes; Convenção nº 161, que trata da proteção da saúde e segurança
dos trabalhadores, primordialmente nos serviços da saúde; Convenção nº 162, sobre a utilização
segura do asbesto, mineral usado como matéria-prima na maioria das indústrias e em mais de
70% das residências brasileiras.

Em termos de ONG's (Organizações Não Governamentais), as primeiras


de foco nitidamente ligado à proteção ambiental do trabalho surgiram em meados da década de
60.

Outro acontecimento de destaque foi a Conferência da ONU


(Organização das Nações Unidas) realizada no Brasil, em 1992, no Rio de Janeiro, a qual
elaborou um importante documento sobre o tema meio ambiente e desenvolvimento sustentável,
a denominada Agenda 21, a qual relaciona estes com qualidade de vida, fazendo referência
expressa ao meio ambiente do trabalho, mormente no que diz respeito à segurança na
manipulação de substâncias químicas. A Agenda tem sido observada, inclusive, nos documentos
da OIT.
Em termos de MERCOSUL, no que tange ao meio ambiente laboral, há
grupos de estudos sobre o tema, sendo relevante a “Declaração Sócio – Laboral do Mercosul”, de
1998, inspirada na Declaração da OIT (Organização Internacional do Trabalho) acerca dos
princípios e direitos fundamentais do trabalho, do mesmo ano. Sobre esses, em que pese a não
vinculação dos países ligados ao MERCOSUL, destaca a preocupação deles na proteção do meio
ambiente do trabalho sadio e seguro.

Recentemente, foram promulgadas a Convenção nº 174 da OIT e a


Recomendação nº 181, de 1993, acerca da prevenção de acidentes industriais maiores, adotadas
pelo Brasil através do Decreto nº 4.085/2002. Destaca-se, nos referidos instrumentos normativos,
a previsão de obrigatoriedade aos empregadores em controlar os prestadores de serviço e os
trabalhadores temporários no local da instalação (art. 9º, c).

1.1.2 O papel da globalização na defesa do meio ambiente laboral

Não se pode analisar a situação contemporânea relativa à saúde e


segurança do trabalho sem relacioná-la com o processo de globalização em que está inserida,
sendo que esta, sobretudo em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, impõe seus
ditames mundialmente, restringindo a soberania dos Estados, de modo que valores sociais, éticos
e morais são deixados de lado quando o maior interesse, a incansável busca pelo aumento de
capital, é colocado em xeque.

Acerca da questão, Raimundo Simão de Melo salienta que quando se trata


de Direito do Trabalho, no Brasil, as principais consequências são “o desemprego, a
informalidade do trabalho e a precarização das condições em que esse trabalho é desenvolvido,
mão-de-obra desqualificada, leis trabalhistas inadequadas, estrutura sindical ultrapassada, Justiça
do Trabalho emperrada, educação precária, entre outros fatores não menos importantes.”
É papel dos atuadores do Direito fazer frente aos avanços desenfreados
próprios do processo de globalização em que se vive, retomando as conquistas de outro século-
denominado Estado do Bem-Estar Social, a fim de que se possa concretizar os princípios
constitucionais fundamentais relacionados ao trabalho: o valor social do trabalho e a dignidade da
pessoa (arts. 1º e 170 da CF).

1.2 PROTEÇÃO JURÍDICA AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

1.2.1 Proteção Constitucional conferida ao meio ambiente do trabalho

A Lei nº 6.938/81, que trata da política do meio ambiente, em seu art. 3º,
inc. I, conceitua o meio ambiente como sendo o “conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as
suas formas.”

Assim, temos que, consoante a referida Lei, o conceito de meio ambiente


abarca as interações sociais existentes nos locais e processos que regem a vida.

A vigente Constituição da República recepcionou grande parte da Lei nº


6.938/81, tratando do meio ambiente no Capítulo VI, onde dispõe em seu art. 225, caput:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Consoante referido dispositivo, é assegurado a todos o direito ao meio


ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
preservá-lo e defendê-lo. Com efeito, o meio ambiente abrange o meio ambiente laboral, sendo
que não se pode dissociar um do outro, logo a ambos se confere proteção.
No que diz respeito ao Poder Público, incumbe-lhe a promoção da
educação ambiental e a conscientização para a sua preservação, bem como a adoção de medidas
eficazes em termos de defesa. Observa-se que ao falar em Poder Público de modo amplo, a CF
quer dizer os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e o Ministério Público.

A proteção de que trata o art. 225 coaduna-se com o princípio da


dignidade insculpido no art. 1º, inc. III, da CF, na medida em que tem como foco a pessoa
humana e sua qualidade de vida em todos os sentidos, e é estabelecida como sendo de
responsabilidade e obrigação de toda a sociedade organizada, bem como do Poder Público.

Tem-se, portanto, que o bem jurídico central tutelado


constitucionalmente, no caput do art. 225, corresponde ao direito à sadia qualidade de vida,
consequência de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Desta feita, interpretando-se de
forma conjugada as tutelas conferidas à vida e à saúde, verifica-se que a proteção dada, pela
Constituição, ao bem jurídico da vida demonstra, mais, a sua fruição com equilíbrio do estado
físico/mental do indivíduo.

Sobre o tema, Laura Martins Maia de Andrade bem coloca que “(...) se
sobre o local, em que se realiza o trabalho, incide tutela imediata, esta visa à proteção da saúde
humana, objeto de sua dignidade, indissociável de seu direito fundamental à vida, mediatamente
tutelada pelas normas de proteção ambiental.”

Celso Antônio Pacheco Fiorillo considera que o meio ambiente recebe


duas tutelas: mediata e imediata. No que toca ao meio ambiente do trabalho, a tutela mediada
corresponde à incerta no art. 225 da CF, enquanto a imediata faz-se presente nos arts. 196 e
seguintes, os quais tutelam a saúde, somando-se ao art. 7º e seus dispositivos referentes à tutela
da saúde no meio ambiente do trabalho.
Faz-se oportuno lembrar que a Carta Magna vigente conferiu natureza
difusa a inúmeros direitos, inclusive o bem ambiental, de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, cuja titularidade é de toda a coletividade, ou seja, de um número
indeterminado de pessoas ligadas por circunstâncias de fato, tratando-se, dessa forma, de direito
de natureza transindividual e indivisível. Ademais, conforme ressalta o Professor Celso Antônio
Pacheco Fiorillo, não se confundem com bens públicos ou mesmo privados, vez que transcendem
os interesses meramente particulares, tendo como foco a preocupação com toda a coletividade.

Em arremate, o Professor mostra que o conceito unitário de meio


ambiente, em verdade, subdivide-se em quatro elementos: meio ambiente natural, meio ambiente
cultural, meio ambiente artificial e meio ambiente do trabalho.

Desse modo, não se pode olvidar que o conceito de meio ambiente


abrange o meio ambiente laboral, tendo em vista que o trabalho humano interage sobremaneira
com os outros elementos daquele – de ordem natural, cultural, histórica. Assim, a Carta Magna
reservou importante proteção ao meio ambiente do trabalho, tutelando a saúde do trabalhador,
conforme interpretação dos arts. 200, inc. VII, c/c art. 225, parágrafos e incs.

Destarte, a inobservância das normas atinentes ao meio ambiente laboral


corresponde à espécie de degradação ambiental, onde o empregador pode ser visto como agente
degradador ou poluidor. Assim, o meio ambiente do trabalho deve estar apto a preservar a
integridade física e psíquica do trabalhador.

A respeito do assunto, pontua Christophe Dejours:

Se a violência da organização do trabalho pode, mesmo na ausência na nocividade do


ambiente de trabalho (por exemplo, nos empregos de escritório), criar doenças somáticas
e não apenas psíquicas, é porque o aparelho mental não é um compartimento do
organismo, simplesmente justaposto à musculatura, aos órgãos sensoriais e às vísceras. A
vida psíquica é também um patamar de integração do funcionamento dos diferentes
órgãos. Sua desestruturação repercute sobre a saúde física e sobre a saúde mental.

Tem-se, dessa forma, que a proteção ao meio ambiente laboral é direito


constitucional fundamental que veio corroborar a atenção ao direito à dignidade da pessoa
humana, tendo como bem jurídico a saúde do trabalhador, ao acautelar o local de trabalho em
seus métodos, interações, higidez e organização da atividade produtiva, a fim de se garantir a
sadia qualidade de vida ao homem-trabalhador.

1.2.2 Direito à saúde

O cerne da proteção dos direitos é a própria vida, sendo o direito a ela


aquele que dá sentido para a proteção dos demais direitos, e diga-se, por oportuno, que a proteção
diz respeito à vida em toda sua dignidade, não bastando a mera sobrevivência. Acerca disso,
pontua Antônio Augusto Cançado, in verbis:

O direito à vida é hoje universalmente reconhecido como um direito humano básico ou


fundamental. É básico ou fundamental porque o gozo do direito à vida é uma condição
necessária do gozo de todos os demais direitos humanos. 21

O direito à saúde está inserido entre os direitos tidos como sociais, sendo
que é bem indissociável do direito à vida, bem como do direito à dignidade da pessoa humana. O
art. 196 da CF disciplina este direito, onde prescreve:

Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Mais uma vez, a titularidade do bem jurídico em foco é de toda a
coletividade, não comportando exceções. Implica, por conseguinte, na prestação positiva do
Poder Público de medidas adequadas e efetivas para promoção do direito assegurado
constitucionalmente, seja através de políticas preventivas, ou mesmo assistenciais, mas que, de
fato, sejam aptas a eliminar ou então reduzir os riscos à saúde em sua completude.

Observada a natureza difusa da tutela dirigida à saúde, tendo em vista que


é direito de uso comum do povo, tem-se, desta feita, que é bem insuscetível de apropriação,
sendo vedada sua disponibilidade.

Ademais, conforme ditame constitucional, é direito de todos que deve ser


garantido obrigatoriamente pelo Estado, cabendo ao SUS (Sistema Único de Saúde), além de
outras atribuições, executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, assim como as de
saúde do trabalhador.

1.2.3 Direito constitucional dos trabalhadores à saúde

Os arts. 6º e 7ºda CF prescrevem as garantias mínimas e os direitos


sociais dos trabalhadores urbanos e rurais. Trata-se, pois, de rol não taxativo, já que ao final da
redação do último a Constituição prevê a possibilidade de outros que visem à melhoria de sua
condição social. Vale dizer que a outros direitos e garantias, os quais assegurem melhores
condições de vida aos trabalhadores, também será dado o tratamento àqueles já previstos em sede
constitucional, que seja a garantia de indisponibilidade e de obrigatoriedade.

Laura Martins Maia de Andrade, ao discorrer acerca da origem dos


direitos sociais dos trabalhadores, preconiza que os direitos constantes nos arts. 6º e 7º, com
exceção daqueles previstos nos incisos VI, XIII e XIV, são todos de natureza cogente e
indisponível.
Por seu turno, no Capítulo que tutela a saúde, há consignação expressa,
dentre as atribuições do Sistema Único de Saúde, da necessidade deste colaborar na proteção do
meio ambiente, inclusive o meio ambiente do trabalho (art. 200, inc. III, da CF).

Sob a ótica da OIT, o conceito de saúde abrange não somente o estado de


ausência de enfermidades, mas sobremaneira os elementos físicos e mentais que prejudicam de
certo modo a saúde e que estão relacionados de forma direta com a higiene e segurança no
trabalho.

1.3 REDUÇÃO DOS RISCOS AMBIENTAIS

1.3.1 Previsão Constitucional

Inserem-se como princípios fundamentais gerais da atividade econômica,


entre outros, o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa, conforme prescrito no art. 170 da
CF.

A Constituição da República, em seu artigo 7º, inc. XXII, alçou a


proteção ao meio ambiente do trabalho à posição de norma social de caráter fundamental,
criando-se, a partir disso, normas públicas de observância obrigatória a todos os setores onde se
exija mão-de-obra humana, tanto quanto diretrizes na elaboração da legislação
infraconstitucional.

Sendo assim, a Constituição da República consagrou o direito de todos os


trabalhadores de terem os riscos inerentes ao trabalho reduzidos, por intermédio de normas de
saúde, segurança e higiene do trabalho. Importante, aqui, salientar o uso, pela CF, da palavra
“trabalhadores”, o que significa que a todo aquele que executa qualquer tipo de trabalho é
conferido o direito de redução dos riscos inerentes ao trabalho, sejam laboradores da iniciativa
privada ou até mesmo do setor público.
O inc. XXIII do art. 7º da CF prevê a qualificação do trabalho humano, na
medida em que o classifica em, eventualmente, insalubre, perigoso e penoso, sendo devido, na
forma da lei, pagamento de adicional de remuneração para essas atividades.

A Constituição da República, ainda, preceitua o direito dos trabalhadores


a seguro contra acidente de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que
este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (art. 7º, inc. XXVIII).

Ainda em sede constitucional, o já mencionado dispositivo referente à


saúde, o qual identifica no conceito de meio ambiente o meio ambiente laboral, cuja proteção se
coaduna com a concretização dos direito à saúde, bem como à vida no sentido qualificado.

Raimundo Simão de Melo lembra que alguns fatores próprios da


atualidade têm contribuído sobremaneira no aumento dos riscos ambientais do trabalho, como o
processo de globalização da economia, a flexibilização das normas de Direito do Trabalho e a
terceirização das atividades, visto que se utilizam dessas situações para se esquivar da proteção
do meio ambiente laboral, inclusive degradando a atuação dos órgãos fiscalizadores.

1.3.2 Proteção conferida pela CLT

Diversas são as normas de proteção ao ambiente laboral e, por


conseguinte, à vida e saúde dos trabalhadores, destacando-se o Decreto – Lei nº 5.452, de 1943 -
CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), acrescido pela Lei nº 6.514/1977, recepcionados pela
Constituição Federal de 1988, o qual dedica diversos artigos à segurança e medicina do trabalho,
sendo que reserva um capítulo ao tema, o V, prescrevendo em seu art. 154:

Art. 154. A observância, em todos os locais de trabalho, do disposto neste Capítulo, não
desobriga as empresas do cumprimento de outras disposições que, com relação à matéria,
sejam incluídas em código de obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios
em que se situem os respectivos estabelecimentos, bem como daquelas oriundas de
convenções coletivas de trabalho.
Assim, nos arts. 154 e seguintes da CLT, há normas expressas referentes à
saúde e segurança do trabalhador, sem contar na obrigatoriedade das empresas em constituir as
Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (CIPA), de acordo com o art. 163 da CLT, as
quais traduzem relevante instrumento de proteção do meio ambiente do trabalho.

Vale mencionar o art. 10 das ADCT (Ato das Disposições Constitucionais


Transitórias), que garante a estabilidade do cipeiro, na medida em que veda a dispensa arbitrária
ou sem justa causa de empregado eleito para o cargo de direção, desde o registro de sua
candidatura até um ano após o fim do mandato, preservando-se, desse modo, sua eficaz e
independente atuação. Desse modo, é garantida a estabilidade no emprego, até um ano após a
extinção do mandato, aos representantes dos empregados, podendo ser demitidos somente se
comprovada falta grave, nos termos da lei trabalhista.

Cumpre às CIPA's o zelo por adequadas e seguras condições de trabalho,


relatando eventuais riscos observados, bem como requerendo ao empregador a adoção de
medidas que os eliminem e, quando não possível, diminuam-nos. Ainda, merece realce o papel
educador da Comissão, porquanto também é seu dever orientar os trabalhadores quando à
prevenção e aos riscos do trabalho, a fim de se evitar a ocorrência de acidentes e doenças.

Relativamente ao trabalho insalubre, a CLT define ser aquele que “por


sua natureza, condições ou métodos de trabalho exponham os empregados a agentes nocivos à
saúde, acima dos limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e
do tempo de exposição aos seus efeitos” (art. 189).

Já no que tange à atividade perigosa, dispõe que é aquela que por sua
natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com inflamáveis ou
explosivos de risco acentuado (art. 193).

Norma Sueli Padilha assevera acerca da fundamental diferença entre


periculosidade e insalubridade, posto que esta afeta continuamente a saúde do trabalhador,
enquanto perdurar, já aquela é relacionada a um risco, o qual, se concretizado, atinge a
integridade física do trabalhador, podendo levá-lo ao óbito.

Mais adiante, a autora atenta para a questão de que a insalubridade só


existe, juridicamente, após constatação pelo Ministério do Trabalho e Emprego, conforme o que
dita o art. 190 da CLT, a Súmula nº 460 do STF e o Precedente Normativo nº 4 da Seção de
Dissídios Individuais.

Cumpre lembrar que, no que diz respeito ao trabalho penoso, previsto na


CF, não há, por enquanto, regulamentação legal. Contudo, encontramos conceituações de cunho
doutrinário, como a seguinte:

Penosidade é área avara em doutrina, não sendo fácil esmiuçar seu significado, embora
comuns as funções onde presente. Pode ser considerada penosa a atividade produtora de
desgaste no organismo, de ordem física ou psicológica em razão da repetição de
movimentos, condições agravantes, pressões e tensões próximas do indivíduo...Tem a
peculiaridade de, em muitos casos, não deixar sinais perceptíveis, e desaparecerem os
efeitos após descanso, restando apenas seqüelas sedimentadas.26

Mister observar que, consoante entendimento de Sebastião Geraldo de


Oliveira, referidos adicionais previstos na CF devem ser vistos como instrumentos transitórios,
constituindo espécie de remuneração compensatória enquanto o meio ambiente insalubre, penoso
ou perigoso se adequa até se transformar em um meio ambiente ecologicamente equilibrado, não
se constituindo, desse modo, em instrumento de “monetização da saúde”.

1.3.3 Legislação Estadual

Em razão da competência concorrente da União, Estados e Distrito


Federal para legislar sobre meio ambiente (arts. 24 e 30 da CF), incluído o ambiente do trabalho,
é possível encontrar-se, na legislação estadual, normas de proteção do meio ambiente laboral, tais
como os Códigos de Saúde, Códigos Sanitários etc.28

Diversos Estados, em suas Constituições, preveem normas atinentes à


proteção do meio ambiente do trabalho, na busca de ações de preservação da saúde.

Com efeito, o art. 200, §1º, da Constituição Estadual de São Paulo,


estabelece que as ações e serviços de preservação de saúde abrangem o meio ambiente natural, os
locais públicos e de trabalho, enquanto o 191 prescreve:

Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a


preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural,
artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais em harmonia com o
desenvolvimento social e econômico.

Na mesma linha seguem as Constituições Estaduais dos Estados do: Rio


de Janeiro (art. 290); Espírito Santo (arts. 159, 160, 164); Minas Gerais (arts. 186, 190); Goiás
(arts. 152, 153); Amazonas (arts. 163, 182, 185, 229, 233); Amapá (art. 262); Tocantins (arts. 5º,
146, 152); Pará (art. 269); Bahia (arts. 218, 239, 240); Sergipe (arts. 193, 199); Ceará (art. 248);
Pernambuco (art. 166); Piauí (art. 203).

As Constituições dos Estados do Amazonas, do Pará e da Bahia fazem


referência expressa ao meio ambiente do trabalho. Merecendo destaque, ainda, as Constituições
Estaduais dos Estados de Rondônia e São Paulo, em cujos dispositivos encontra-se permissivo
legal para que o trabalhador, o qual se encontra em condições de risco no meio ambiente do
trabalho, recuse-o até a eliminação ou adoção de proteção desse.

1.3.4 Portarias e Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego


Segundo o art. 200 da CLT, incumbe ao Ministério do Trabalho e Emprego a regulamentação das
questões atinentes à saúde e segurança do trabalho, mediante a edição de Portarias, tendo em vista
as peculiaridades de cada atividade ou setor e trabalho.

Com fulcro na lei, foram editadas Portarias pelo MTE, cabendo ressaltar a
de nº 3.214/77 e suas posteriores modificações, que tratam de normas específicas relativas à
segurança, higiene e medicina do trabalho urbano, enquanto a Portaria nº 3.303/89, por seu turno,
dirigem-se às mesmas questões, mas no trabalho rural. Ressalte-se que estas Portarias devem ser
respeitadas pelas empresas contratantes e contratadas, tendo em vista que possuem o dever legal
de cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho.

Merecem destaques as NR's (Normas Regulamentadoras) 05, 06, 07, 09 e


17, que tratam da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), EPI (Equipamentos de
Proteção Individual), PCMSO (Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional) e Exames
Médicos, PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) e Ergonomia, respectivamente,
por constituírem relevantes instrumentos que, se bem observados, tem o condão de adequar o
meio ambiente do trabalho impróprio. Vejamos cada uma das NR's mencionadas:

A NR-05, que trata da CIPA, dispõe-se a regulamentá-la, impuntado-lhe o


dever de observar os riscos atinentes ao ambiente laboral, para que então solicite do empregador
medidas para eliminá-los, diminuí-los ou neutralizá-los. A Comissão compõe-se de
representantes do empregador e dos empregados, variando conforme o grau de risco da atividade.
À CIPA, ainda, compete a elaboração anual de Mapa de Riscos Ambientais, em conjunto com o
SESMT (Serviços Especializados em Segurança e Medicina do Trabalho), devendo tal
instrumento reunir todas as informações essenciais ao estabelecimento do diagnóstico da situação
de segurança e medicina do trabalho.

Previsto na NR-06, bem como na CLT, em seu art. 166, o EPI é definido
como todo dispositivo ou produto, de uso individual, destinado à proteção de riscos suscetíveis de
ameaçar a segurança e a saúde do trabalhador. Contudo, conforme recomenda a NR-04, item
4.12, b, a utilização de EPI só cabe quando for impossível a eliminação total do risco. Nesse
diapasão, o c. TST editou a Súmula nº 289, onde admite que “o simples fornecimento de
aparelho de proteção pelo empregador não o exime do pagamento do adicional de insalubridade,
cabendo-lhe tomar as medidas que conduzam à diminuição ou eliminação da nocividade, dentre
as quais as relativas ao uso efetivo do equipamento pelo empregado.”

A NR-07, por sua vez, visa à prevenção de doenças, bem como a


promoção da saúde dos trabalhadores, através inclusive da realização de exames médicos
(admissional, periódico, de retorno ao trabalho, de mudança de função e demissional), dos quais
será emitido o ASO (Atestado de Saúde Ocupacional). Outrossim, existindo constatação ou
suspeita de doença profissional ou do trabalho, deve ser emitida a CAT (Comunicação de
Acidente do Trabalho) devida. Portanto, o PCMSO tem caráter preventivo, cabendo-lhe indicar a
eventual presença de doenças profissionais, como também outros danos à saúde dos
trabalhadores. A elaboração do PCMSO, contudo, somente é exigida de empresas que apresentem
considerável risco.

O papel principal do PPRA, previsto na NR-09, é o monitoramento dos


riscos ambientais presentes no meio em que é desenvolvido o trabalho, por meio de avaliação de
agentes físicos, biológicos, ergonômicos e químicos (poeira, gases etc). A execução do PPRA é
de responsabilidade do empregador, cabendo a este manter os trabalhadores informados dos
riscos a que estão expostos, de modo que possam colaborar na sua implementação.

A NR-17, que cuida da questão da ergonomia, estabelece parâmetros que


“permitam a adaptação das condições de trabalho às características do trabalhador, de modo a
proporcionar o máximo conforto, segurança e desempenho aos trabalhadores”. Ela prevê, ainda,
que as empresas devem elaborar uma análise ergonômica do local de trabalho, para que, a partir
disso, sejam apontadas e corrigidas as inadequações.

2 FISCALIZAÇÃO E MECANISMOS DE PROTEÇÃO DA SAÚDE E SEGURANÇA NO


MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

2.1 O fundamental papel da inspeção do trabalho para a proteção da saúde dos


trabalhadores

No capítulo anterior, viu-se que a proteção da saúde e da segurança do


trabalhador foi alçada a status de norma fundamental na Constituição da República, constituindo,
pois, objeto de tutela em diversos textos legais, tais como a Consolidação das Leis do Trabalho,
as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, Instruções Normativas, Leis
Ordinárias, Portarias, Leis Complementares etc, haja vista a importância do tema.

Com efeito, a previsão e regulamentação legal da proteção do meio


ambiente do trabalho é de suma relevância, porquanto o bem jurídico tutelado de forma imediata
é a própria vida dos trabalhadores, observando-se, mais, que o objetivo é a existência desta de
forma digna

Contudo, faz-se mister analisar o aspecto prático de todo o arcabouço


jurídico relativo à proteção da saúde e segurança dos trabalhadores, a fim de se abordar a
efetividade e eficiência dessas normas na busca do equilíbrio ambiental no trabalho
constitucionalmente assegurado.

Norma Sueli Padilha ressalta a importância da proteção e fiscalização do


direito à saúde e segurança do trabalhador, observando que traduzem ações indissociáveis para a
efetividade das leis relativas ao tema, através principalmente da realização de inspeções do
trabalho.29

Sobre a inspeção do ambiente do trabalho, Nelson Mannrich preleciona


ser ela o instrumento perante o qual o Estado, através de seus agentes, torna efetivo o
ordenamento jurídico trabalhista e previdenciário, por meio da prevenção e coação, de forma a
orientar os parceiros sociais, bem como impor sanção aos infratores quando transgredida a ordem
jurídica.
Destarte, é dever do Estado fazer cumprir as normas de saúde, segurança,
higiene e medicina laborais, garantindo-se, assim, condições sadias e seguras aos trabalhadores.

Por outro lado, consoante pontuado em item acima, observa-se que, no


que diz respeito aos seus servidores públicos de vínculo estatutário, logo regidos por estatutos
próprios, o Estado (considerando a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios), por
vezes, nega-se a cumprir as normas de saúde, segurança e higiene do trabalho, argumentando
para tanto estarem tais normas previstas na CLT ou nas NR's do MTE, e, por isso, não aplicáveis
a seus servidores de regime estatutário.

As normas de saúde, segurança e medicina do trabalho, entretanto, são de


caráter público e observância obrigatória, não correspondendo a tutelas específicas dos
empregados, mas de qualquer ser humano que exerça atividades, seja em ambiente privado, seja
público. Assim, é inadmissível o argumento apresentado pelos entes públicos para se isentar da
obrigação em observar as normas de proteção ao ambiente do trabalho de seus servidores,
cabendo, outrossim, a fiscalização deste local a fim de se averiguar as condições de saúde,
segurança e higiene do trabalho.

Por fim, cumpre atentar para o papel preventivo prestado pela ação fiscal,
já que enquanto através da tutela jurisdicional só é possível modificar a situação jurídica e de fato
para a parte, aquela possibilita exigir a adequação do meio ambiente do trabalho, beneficiando a
toda a coletividade que ali labora.

2.1.1 Direito Administrativo do Trabalho

A ciência jurídica constitui unidade em termos teóricos, entretanto,


didaticamente é dividida em ramos, sendo um destes o Direito do Trabalho, o qual, como se sabe,
possui autonomia, regras e princípios próprios.
Todavia, para a fiscalização e aplicação de penalidades no âmbito
trabalhista, exige-se a atuação da Administração Pública, a qual, por meio de seus órgãos e
agentes, atua em atendimento ao interesse público, que no caso, traduz-se na proteção da vida e
saúde dos trabalhadores.

No dizer de Octavio Bueno Magalhães a respeito do Direito


Administrativo do Trabalho, in verbis:

Referindo-se o Direito Administrativo à atividade desenvolvida pelo Estado, por meio de


seus órgãos, para a consecução do interesse público, pode-se concluir que todas as
normas de proteção ao trabalho concernentes à medicina e segurança do trabalho e ao
regulamento das profissões, bem como o aparelhamento montado para as fazer observar
(Departamentos e Delegacias Regionais do Trabalho) constituem objeto do Direito
Administrativo. Costuma-se, aliás, estudar o assunto sob o rótulo de Direito
Administrativo do Trabalho.31

Assim, para se alcançar os fins para o qual foi criada, a inspeção do


trabalho exige o manejo de mais um ramo do Direito, que seja o Direito Administrativo,
conjugando-se, pois, regras deste com os “preceitos da legislação trabalhista e, ainda, com os
recursos técnicos da higiene, segurança, medicina e saúde no trabalho, exigindo apreciação
multidisciplinar.”32

Cabe salientar que, sendo regulada pelo Direito Administrativo, a


inspeção do trabalho deve atender aos fins do interesse público, primando pelos princípios que
regem a administração pública, que sejam a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a
publicidade e a eficiência, já que deve atuar em função da supremacia do interesse público e em
prol da justiça social.33

Outrossim, o Estado, como ocorre quando em exercício de qualquer


atividade pública, deve agir conforme os ditames da lei, sendo esta que estabelece os parâmetros
de sua atuação, inclusive na utilização do poder de polícia, cujos limites “são controlados pela
cláusula 'due process'”34, de modo a se evitar abusos.

Por outro lado, há de se observar a posição dos bens jurídicos em foco, a


saúde e vida, o que reflete diretamente no alcance que devem as medidas protetivas alcançarem.
A respeito disso, Paulo de Bessa Antunes assevera que em se tratando de matéria de direito
ambiental, não se pode utilizar os conceitos tradicionais de Direito Público Administrativo, sob
pena de ineficácia, sendo essencial considerar a fundamentabilidade do direito em questão.35

Dessa forma, a Administração Pública, por meio do poder de polícia de


que é dotada, exerce controle sobre a atividade do particular que se mostre de algum modo
inconveniente ao bem-estar da coletividade. A respeito disso, Hely Lopes Meirrelles observa que
se trata de um mecanismo de frenagem do Estado para conter eventuais abusos do direito
individual.36

O CTN (Código Tributário Nacional) apresenta conceito acerca do poder


de polícia, fixando em seu art. 78:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando
ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de
fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos
costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas
dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou
ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Conclui-se, portanto, que, em sendo a defesa do meio ambiente (que,


como se viu, inclui o do trabalho) obrigação legal do Estado lhe imposta pela Constituição da
República, a utilização do poder de polícia na conquista da efetividade desse dever faz-se, mais
do que necessária, indispensável.
2.1.2 Ação preventiva e fiscalizadora do Ministério do Trabalho e Emprego

Infere-se do art. 21, inc. XXIV, da Constituição da República, a


competência da União para executar a inspeção do trabalho, cuja realização se dá por intermédio
do Ministério do Trabalho e Emprego, através de servidores investidos na carreira de auditor-
fiscal do trabalho, que são regulados pela Lei nº 10.593/2002.

Ressalte-se a Convenção nº 81 da OIT, adotada pelo Brasil, relativa à


inspeção do trabalho na indústria e no comércio, e em cujas disposições há previsão da
colaboração de inspetores do trabalho qualificados, técnicos em medicina, mecânica, eletricidade
e química, de forma que melhor sejam aplicadas as normas de saúde, medicina, higiene e
segurança do trabalho (art. 9º).

Ainda, segundo o art. 31 da referida Convenção, constituem objetivos do


sistema de proteção do trabalho:

a) Assegurar a aplicação das disposições legais relativas às condições de


trabalho e à proteção dos trabalhadores no exercício da sua profissão, tais
como as relativas à duração do trabalho, salários, segurança, higiene,
bem-estar, emprego de menores e outras matérias conexas, na medida em
que os inspetores de trabalho estejam encarregados de assegurar a
aplicação das disposições referidas;
b) Fornecer informações e conselhos técnicos aos patrões e aos
trabalhadores sobre a maneira mais eficaz de observar as disposições
legais;
c) Chamar a atenção da autoridade competente para as deficiências ou
abusos que não estejam especialmente previstos nas disposições em vigor;
d) No caso de serem confiadas outras funções aos inspetores de trabalho,
estas não deverão constituir obstáculo ao exercício das funções principais
dos inspetores, nem causar qualquer prejuízo à autoridade ou
imparcialidade necessárias nas suas relações com os patrões e
trabalhadores.

Aos auditores-fiscais do trabalho competem funções de cunho preventivo,


bem como repressivo, cabendo-lhes, assim, posição singular no que concerne à observância da
ordem jurídica laboral, inclusive no âmbito da segurança, higiene e medicina do trabalho.

Desse modo, a CLT, ao discorrer acerca do processo administrativo de


multas, dispõe:

Art. 626. Incumbe às autoridades competentes do Ministério do Trabalho, ou àqueles


que exerçam funções delegadas, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de
proteção ao trabalho.

No capítulo relativo às normas de saúde, segurança e medicina do


trabalho, a CLT prevê inúmeros artigos destinados à redução dos riscos inerentes ao trabalho, em
coadunância à previsão incerta na CF (art. 7º, inc. XXII), e, para tanto, encarrega o MTE da
regulamentação, através da edição de normas regulamentadoras, da matéria de segurança e
medicina do trabalho (art. 155), bem como lhe confere a função de orientar, coordenar,
supervisionar e fiscalizar as atividades relativas ao tema (arts. 155 e 156).

Outrossim, de acordo com o previsto no art. 155, inc. III, de referido


diploma legal, incumbe “ao órgão de âmbito nacional competente em matéria de segurança e
medicina do trabalho...conhecer, em última instância, dos recursos, voluntários ou de ofício, das
decisões proferidas pelos Delegados Regionais do Trabalho, em matéria de segurança e medicina
do trabalho”.

Ainda em sede de CLT, in verbis:

Art. 160. Nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspeção e
aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional competente em matéria de
segurança e medicina do trabalho.
§ 1º Nova inspeção deverá ser feita quando ocorrer modificações substancial nas
instalações, inclusive equipamentos que a empresa fica obrigada a comunicar,
prontamente, à Delegacia Regional do Trabalho.
§ 2º É facultado às empresas solicitar prévia aprovação pela delegacia Regional do
Trabalho, dos projetos de construção e respectivas instalações.

Merece relevo, ainda, o art. 161 da CLT, que trata da interdição da


empresa ou de setor, máquina ou equipamento desta, bem como do embargo da obra, quando, em
função de laudo técnico do serviço competente, reste demonstrado grave e iminente risco para o
trabalhador. A respeito disso, a NR-03, em seu subitem 3.1.1, define “grave e iminente risco”
como sendo “toda a condição ambiental de trabalho a doença profissional com lesão grave à
integridade física do trabalhador”.

Celso Antônio Pacheco Fiorillo preleciona que mencionados arts., 160 e


161 da CLT, gozam de proteção constitucional, uma vez que as medidas ali previstas têm o
condão de, no mínimo, efetivar a redução dos riscos inerentes ao trabalho.37

Por consequência das inspeções in locu, se for o caso, podem os


auditores-fiscais do trabalho lavrarem autos de infração junto ao relatório de fiscalização, dentre
outras medidas, os quais gozam de presunção de veracidade e legitimidade, em decorrência da fé
pública concernente aos documentos firmados por servidores públicos no exercício de sua
atividade. Verifica-se, pois, singular importância nessa previsão de legitimidade e veracidade,
mormente no que tange à possibilidade de utilização pelo Ministério Público do Trabalho no
ajuizamento de ações coletivas.

Por outro turno, é de se ressaltar o dever dos agentes de inspeção em


observar a legalidade e proporcionalidade dos seus atos, sobretudo quando se utilizam do poder
de polícia, já que, como em todo ato administrativo, a tais requisitos estão vinculados, e caso
assim não procedam, poderão incorrer em excessos a dar ensejo à responsabilização
administrativa e criminal pela prática de abuso de autoridade, nos moldes da Lei nº 4.898/65, que
regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e
Penal, nos casos de abuso de autoridade.
Faz-se oportuno mencionar a visão de muitos doutrinadores de que há um
quadro de insuficiência no tocante à previsão de inúmeros instrumentos de proteção do meio
ambiente do trabalho que detém a Administração Pública, quando, na verdade, “sua adequada
atuação depende de outros fatores, alheios à seara jurídica.”38

Na visão de Nelson Mannrich, há grande descompasso entre a quantidade


de agentes de inspeção e locais a serem fiscalizados, bem como, segundo o doutrinador,
inobstante os cursos específicos de treinamento, não existe motivação suficiente para verificar o
cumprimento de outras normas.39

Nesse diapasão, Raimundo Simão de Melo assevera que, embora seja


função do Poder Público, atribuída pela CF, a tutela do meio ambiente do trabalho, esta não tem
se procedido de modo a contentar, porquanto não há aparelhamento suficiente para as
fiscalizações, sem contar na pouca quantidade de Auditores Fiscais na área de segurança e
medicina do trabalho.

O autor ainda atenta para a problemática trazida pelos conflitos internos,


resultantes do entendimento de alguns agentes fiscais de que são os únicos competentes para
atuar na área, o que impede muitas vezes a realização de um trabalho em conjunto com o SUS
(Sistema Único de Saúde) e com os CEREST’s (Centros de Referência de Saúde do Trabalhador)
Municipais.40

2.1.3 Ação preventiva e fiscalizadora por parte dos Sindicatos

Como negociadores de interesses de classe ou categoria de trabalhadores,


consoante lhes foi atribuído pela Constituição da República, em seu art. 8º, inc. III, cabe relevante
papel aos sindicatos na defesa do meio ambiente do trabalho.
Outrossim, ao estabelecer que cabe à coletividade defender o meio
ambiente, a CF quer se referir a essa de modo organizado, o que vale dizer que, no âmbito das
relações trabalhistas, incumbe também aos Sindicatos a proteção do meio ambiente laboral.

Sebastião Geraldo de Oliveira destaca a grande vantagem em se utilizar as


normas resultantes das negociações coletivas, que é a obtenção das mesmas em maior
consonância com as peculiaridades da categoria, ou mesmo de cada empresa, por meio do acordo
coletivo de trabalho, o que inclusive possibilita melhor solução quanto às questões da saúde.41

Por sua vez, Raimundo Simão de Melo ressalta que, no Brasil, a


negociação de assuntos ambientais do trabalho ainda é incipiente. Entretanto, destaca o autor
algumas ressalvas, como a negociação nacional tripartite sobre a prevenção e exposição
ocupacional ao benzeno, em 1995, que resultou na assinatura das Instruções Normativas ns. 1 e 2.

O doutrinador também preleciona acerca do tímido avanço dos sindicatos


na área judicial para defesa da saúde dos trabalhadores, não obstante sejam legitimados pela CF
(arts. 8º, inc. III, e 129, § 1º) e pela Lei nº 7.347/85 (art. 5º), visto que preferem, muitas vezes,
representar perante o Ministério Público do Trabalho, ao invés de propor em juízo ação
coletiva.42

Oportuno mencionar o art. 24 da Constituição da OIT, que confere


prerrogativa aos sindicatos de proceder a Reclamações à Repartição Internacional do Trabalho,
em casos de desrespeito, por parte de Estado-Membro da OIT, à convenção desta ratificada e não
cumprida. Tem-se, com isso, outro importante instrumento na defesa do meio ambiente do
trabalho e da saúde dos trabalhadores.

Outrossim, é facultado aos sindicatos discutirem em juízo a insalubridade


ou periculosidade, na condição de substituto processual, conforme prescrevem o art. 8º, inc. III,
da CF e o art. 195, § 2º, da CLT. A respeito disso, Sebastião Geraldo de Oliveira defende a
possibilidade de extensão dessa prerrogativa, para que os sindicatos possam requerer
judicialmente também a eliminação ou neutralização dos agentes insalubres ou periculoso, a fim
de evitar o dano, e não apenas repará-lo.43

Ainda, consoante o art. 19, § 4º, da Lei nº 8.213/91; o art. 54 da


Convenção nº 148 da OIT; e o item 1.7, d, da NR-01, os sindicatos têm direito ao
acompanhamento das ações fiscais, bem como podem provocá-las por intermédio da formulação
de denúncias.

Em arremate, têm os sindicatos direito de acessar registros de PPRA de


empresa, e constatando risco iminente para a vida ou saúde dos trabalhadores, podem requerer ao
MTE a interdição da máquina, de setor ou de todo o ambiente do trabalho (art. 161, § 2º, da CLT;
art. 6º, § 3 º, inciso VIII, da Lei nº 8.080/1990).

2.2 Responsabilidade do poder público em casos de omissão no dever de fiscalização

A defesa do meio ambiente, incluído o do trabalho, consoante visto em


tópico anterior, consiste em um dos deveres do Estado. Cumpre, pois, ao Poder Público, por meio
inclusive da utilização do poder de polícia ambiental, garantir a efetividade na prevenção e
preservação do meio ambiente do trabalho.

Resta saber o que ocorre quando este poder-dever, que seja a fiscalização
das atividades nocivas ao meio ambiente do trabalho, não é cumprido pelo Estado, e, mais, se é
caso de responsabilização desta por omissão.

A respeito dessa questão, Nelson Nery Junior afirma que “o Poder


Público pode sim figurar no pólo passivo de qualquer demanda dirigida à reparação do bem
coletivo violado: se ele for responsável por ter ocasionado diretamente o dano, através de um de
seus agentes, o será ao menos solidariamente, por omissão no dever que é só seu de fiscalizar e
impedir que tais danos aconteçam.”44

Nesse diapasão, Sebastião Geraldo de Oliveira pondera que o poder


administrativo de que dotam os inspetores do trabalho traduzem, mais do que uma simples
faculdade, um dever, posta a indisponibilidade do interesse público, sob pena de se inferir em
responsabilidade por omissão.

Adiante, defende o doutrinador ser caso, ainda, de responsabilidade


subsidiária do Estado, na hipótese de o empregador não dispor de patrimônio suficiente para arcar
com a indenização, posto que teria se omitido no dever de fiscalizar as normas de proteção do
ambiente do trabalho.45

Nesse ponto, José Rubens Morato Leite assevera não caber o uso
ilimitado da regra da solidariedade do Estado pelo dano ambiental, já que, indiretamente, é a
própria sociedade que arca com esse ônus. Devem os juízes verificar, no caso concreto, se há
omissão do poder-dever específico.46

Ademais, a responsabilidade em análise encontra fundamento em diversas


disposições normativas, tais como o art. 626 da CLT, que prevê a incumbência das autoridades
competentes para fiscalizar o trabalho; o art. 160 da mesma, que trata da necessidade, no início de
qualquer atividade econômica, da inspeção prévia e aprovação das instalações pelo MTE; o art.
19, § 4º, da Lei nº 8.213/91, onde trata de acidente do trabalho. Saliente-se, por fim, o art. 628 da
CLT, que prescreve para o agente de inspeção a obrigatoriedade em lavrar auto de infração
quando concluir durante a ação fiscal pela existência de violação legal.
Raimundo Simão de Melo defende a ideia de que, em casos de omissão
pelo Poder Público no dever de fiscalizar, prepondera a teoria da responsabilidade subjetiva,
fundamentada na culpa. O autor cita, a título de defensores da mesma tese, os doutrinadores
Nelson de Freitas Porfírio Júnior, Celso Antônio Bandeira de Mello, cujas ideias se baseiam no
fato de que, se o Estado não é o autor direto do dano, cabe a ele a imputação de responsabilidade
por descumprir o dever legal de evitar o dano, por meio de fiscalização.

O autor também analisa a questão da praticidade da teoria de


responsabilização do Estado por omissão, considerando que há pouco conhecimento do assunto,
principalmente por parte dos trabalhadores, embora assentada a tese, inclusive com vasta
fundamentação legal, em razão do dever do Estado em orientar, fiscalizar e proteger o meio
ambiente do trabalho.47

2.2.1 A responsabilidade do Estado em casos de acidente do trabalho envolvendo servidor


público

Acidentes do trabalho, doenças ocupacionais, doenças do trabalho e todos


os outros infortúnios ligados a ambientes laborais degradantes são males que podem atingir a
qualquer espécie de trabalhador, o que, por evidente, alcança a classe de servidores públicos, os
quais constituem grande parcela da massa de trabalhadores.

Diversos são os motivos que levam os trabalhadores a afastamentos ou


até mesmo à incapacidade por decorrência de doenças ou acidentes do trabalho. Resta saber,
aqui, se existe, e em qual modalidade se encaixa, a responsabilidade do Poder Público, quando os
danos são causados a seus servidores públicos no meio ambiente do trabalho.

No que toca à responsabilidade civil do Estado perante terceiros, hoje se


tem como majoritária a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva, fundada no risco
administrativo, a qual se embasa, no dizer de Raimundo Simão de Melo, in verbis:
... na idéia de publicização da responsabilidade e coletivização dos prejuízos causados
aos particulares, não mais se perquire sobre a falta do serviço e culpa do agente público,
surgindo a obrigação de indenizar a vítima pela Administração Pública. Basta, para
tanto, que a vítima demonstre o fato danoso e injusto causado por ação ou omissão do
Poder Público. O seu fundamento está no risco que a atividade pública gera para os
particulares e na possibilidade de lhes causar dano, pelo que, para compensar a
desigualdade pelo maior ônus suportado por aqueles perante a Administração, esta
responde, em nome de todos os componentes da coletividade, através do erário.

Ainda, o autor observa que a consagração da teoria em análise, no Direito


Brasileiro, leva em conta os fundamentos do risco, da solidariedade social e da ideia de justiça,
mormente em razão da desigualdade que há entre o particular e o Estado.48

A teoria da responsabilidade objetiva do Estado foi recepcionada pela


vigente Constituição Federal, que prescreve que “as pessoas de direito público e as de direito
privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa
qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos
de dolo ou culpa” (art. 37, § 6º). Sendo assim, as únicas excludentes dessa responsabilidade do
Estado, são os casos de culpa exclusiva da vítima ou de terceiro, cabendo à Administração provar
a existência das excludentes.

No que tange à obrigatoriedade do Poder Público de reparar o dano,


independente de dolo ou culpa, ou seja, aplicando-se a teoria da responsabilidade objetiva, nos
casos de acidentes do trabalho envolvendo os seus servidores públicos, há certa divergência
doutrinária. Raimundo Simão de Melo defende essa aplicação como sendo a solução mais lógica
e jurídica, em razão, principalmente, de dois motivos ligados à desigualdade que justifica a
responsabilidade objetiva, seja ser o servidor público, como outra pessoa qualquer, em primeiro
lugar cidadão, e, em segundo, pela situação dele de inferioridade na posição de trabalhador.
Outrossim, não se mostra justa a ideia de que como particular não precisa provar a culpa do
Estado, mas quando serve a este, sim.
O STF, ao julgar o AR 473381, corroborou o entendimento de que
descabe ao intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo terceiro contido no § 6º do art. 37 da
CF, senão veja-se:

EMENTA: - CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE


TRÂNSITO. AGENTE E VÍTIMA: SERVIDORES PÚBLICOS.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: CF, art. 37, § 6º. I. - O
entendimento do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que descabe ao
intérprete fazer distinções quanto ao vocábulo "terceiro" contido no § 6º do art. 37
da Constituição Federal, devendo o Estado responder pelos danos causados por seus
agentes qualquer que seja a vítima, servidor público ou não. Precedente. II. - Agravo
não provido.49 (grifou-se)

Em arremate, o art. 39, § 3º, da CF, que dispõe acerca de direitos


expressos em alguns incisos do art. 7º que devem ser respeitados no exercício público, omite a
aplicação do inciso XXVIII, que prevê a obrigatoriedade do seguro contra acidentes de trabalho e
da indenização de direito comum, no caso de dolo ou culpa do empregador. Com isso, vale dizer
que não houve interesse em se excluir a responsabilidade objetiva, nos casos de acidentes do
trabalho, disposta no § 6º do art. 37. Acerca disso, Raimundo de Melo preleciona, in verbis:

Realmente não havia motivo para a Constituição tratar diferentemente o servidor público
e o particular com relação à responsabilidade civil do Estado pelos danos a eles
causados, mesmo em se tratando de acidente de trabalho, porque, neste caso, é maior
ainda a razão da existência da responsabilidade objetiva, que desde o seu nascedouro,
como já demonstrado, fundamentou-se exatamente nos infortúnios do trabalho, pelo
risco criado ou risco-proveito, pela hipossuficiência do trabalhador e pela dificuldade
(ou mesmo impossibilidade em certos casos) deste em comprovar a culpa do
empregador. Depois o servidor público, como qualquer trabalhador, tem o direito de
trabalhar em ambiente adequado e seguro, como estabelece o inciso XXII do art. 7º da
Constituição, incluindo-se na proteção dos princípios da dignidade humana e dos valores
sociais do trabalho consagrados nos arts. 1º e 170 da Carta Magna. 50

Posto isso, é de se concluir que, em havendo comprovação de dano e


nexo causal, advém a obrigação do Estado em indenizar o acidente de trabalho ocorrido com
servidor público, em virtude da responsabilidade objetiva. Todavia, cabe a eventual
comprovação, por parte do Poder Público, das hipóteses de excludentes de responsabilidade.
2.3 Instrumentos de tutela do meio ambiente do trabalho

São diversos os instrumentos destinados à defesa e proteção do meio


ambiente do trabalho previstos na legislação esparsa, bem como na própria Constituição Federal.
Raimundo Simão de Melo elenca como principais os seguintes: Programa Internacional para
Melhoramento das Condições e do Meio Ambiente do Trabalho (PIACT); Estudo Prévio de
Impacto Ambiental (EPIA); Negociações Coletivas; Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
(CIPA); Embargo e Interdição; Greve Ambiental; Programa de Prevenção de Riscos Ambientais
(PPRA); Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO); Serviços
Especializados em Segurança e Medicina do Trabalho (SESMT); Equipamentos de Proteção
Individual (EPI’s); Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP); Inquérito Civil Público (ICP);
Termo de Ajustamento de Conduta (TAC); Audiência Pública; Recomendações; Ação Civil
Pública Ambiental; Ação Popular; Mandado de Segurança Coletivo; Mandado de Injunção;
Dissídio Coletivo.51

Sobre alguns dos instrumentos mencionados, já foram tecidos breves


comentários em tópicos anteriores, e relativamente a outros, que foram considerados mais
relevantes para o que se propõe neste trabalho, serão explicitados nos próximos subitens.

2.3.1 O Estudo Prévio de Impacto Ambiental como instrumento de resguardo do meio


ambiente laboral

A Resolução nº 01/86 (e suas alterações posteriores) trata das diretrizes


gerais para uso e implementação do EPIA, enquanto a Lei nº 6.938/81 prevê a possibilidade de
uso deste como instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente.

Observa-se que, consoante o art. 5º, inc. II, de mencionada Resolução,


uma das funções do EPIA é “identificar e avaliar sistematicamente os impactos ambientais
gerados nas fases de implementação e operação da atividade.”
Por conseguinte, tem-se que o instrumento ora em análise abrange
também o estudo dos impactos no meio ambiente laboral. É a opinião, inclusive, da doutrinadora
Norma Sueli Padilha, que defende a possibilidade de participação popular no EIA/RIMA, a fim
de se permitir melhor defesa dos interesses dos trabalhadores, por intermédio, inclusive, dos
sindicatos.52

Compartilha dessa opinião Celso Antônio Pacheco Fiorillo, que destaca,


in verbis:

...o questionamento que se faz neste tópico é para se saber porque ainda existe uma
atávica associação do EIA/RIMA com o meio ambiente natural, como se somente os
elementos encartáveis nesse 'tipo' de meio ambiente é que pudessem ser vítimas de
impactos ambientais significativos. Assim, por que não se questiona, por exemplo, a
necessidade de se fazer um EIA no meio ambiente do trabalho de uma empresa? Se o
meio ambiente compreende, também, aspectos de saúde (sadia qualidade de vida), não
nos parece correto, sequer constitucional, limitar a existência desse instrumento aos
casos de meio ambiente físico ou natural. Ou se trata de um direito ambiental ou de um
direito ecológico. Justamente porque não temos dúvida de se trata do primeiro, pensamos
que, 'de lege data', portanto, também nos casos de meio ambiente do trabalho, deve ser
utilizado, 'mutatis mutantis', o instrumento da avaliação de impacto ambiental, que
estaria protegendo e preservando a saúde e a qualidade de vida no meio ambiente do
trabalho, que também é objeto de guarnecimento do direito ambiental. 53

A Constituição da República, por seu turno, no art. 225, § 1º, inc. IV,
prescreve o dever ao Poder Público de exigir, na forma da lei, EPIA (Estudo Prévio de Impacto
Ambiental), a que se dará publicidade, nos casos de instalação de obra ou atividade
“potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”, objetivando, assim,
assegurar a efetividade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

2.3.2 Defesa coletiva de interesses ligados à proteção do meio ambiente do trabalho

Nos países democráticos, como o Brasil, os cidadãos dotam de


instrumento próprio na tutela de seus interesses, é o chamado direito de ação, cuja concretização
se dá por meio da exigência de prestação jurisdicional por parte do Estado. José Manoel de
Arruda Alvim Neto assim define o direito de ação, in verbis:

...o direito constante da lei cujo nascimento depende da manifestação de nossa vontade,
tendo por escopo a obtenção da prestação jurisdicional do Estado, visando, diante da
hipótese fático-jurídica, nela formulada, a aplicação da lei.54

As tutelas difusas e coletivas se prestam a satisfazer interesses que


transcendem os meramente individuais, atingindo, portanto, um nível pluri-individual, sendo que
a tutela judicial de tais interesses prestigia a passagem de uma ordem jurídica individualista,
típica do Estado Liberal, para uma social, característica do Estado de Bem-Estar Social, o que
provoca uma mudança radical tanto no plano formal quanto no material da nova ordem jurídica.55

Laura Martins Maia de Andrade leciona que as tutelas coletivas surgiram


no momento em que se tornaram demasiado complexas as relações sociais, sendo que, em
diversas situações, resta impossível individualizar os titulares do direito material lesado ou
ameaçado de lesão. Ademais, constata a doutrinadora que em outras tantas situações, a
indivisibilidade do bem jurídico requer tutela específica, não harmônica à de natureza individual.

A autora verifica, ainda, no tocante às tutelas coletivas, a não


correspondência do titular do direito discutido em juízo com o autor, o que ao contrário de violar
o princípio do devido processo legal, reforça-o, na medida em que os interesses daqueles estão
adequadamente representados, em coadunância com a ordem jurídica.56

Luís Paulo Araújo Filho preleciona que a judicialização das questões de


interesses coletivos tem sido objeto de enfoque em vários países, mormente nos de regime
democrático, visto que, nestes, a participação popular é mecanismo de exigência para a
sobrevivência do próprio regime.57

Posto isso, verifica-se que a tutela coletiva pode se dirigir a toda a


coletividade, ou a grupos ou classes, ligados por uma relação jurídica em comum, ou então a
indivíduos, de origem comum. São esses os denominados direitos difusos, coletivos e individuais
homogêneos, respectivamente, cuja previsão legal está nos incisos I, II e III, do art. 81, do
Código de Defesa do Consumidor, a saber:

Art. 81 - A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser
exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único - A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os
transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e
ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os
transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de
pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica-base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de
origem comum.

Faz-se mister ressaltar que referidas disposições consumeiristas também


se aplicam à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível,
previstos na Lei da Ação Civil Pública, conforme preceitua o art. 117 do CDC, que introduziu o
art. 21 nesta Lei, in verbis:

Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no
que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do
Consumidor.

Ou seja, aplicam-se todas as normas processuais do CDC, na medida do


possível, às ações civis públicas para a defesa de qualquer interesse difuso, coletivo ou individual
homogêneo, incluídos aqueles decorrentes das relações de trabalho.
Constituindo o meio ambiente do trabalho equilibrado um dos direitos
tidos como fundamentais, necessário se faz sua efetivação por meio de tutelas próprias. No dizer
de Celso Bastos, letras mortas seriam tais direitos, se junto a eles não houvesse a previsão de
ações judiciais que lhes confiram eficácia plena.58

No que concerne ao meio ambiente do trabalho, a partir da Constituição


Federal de 1988, foi dada relevante atenção a ele, sobretudo relativamente aos acidentes de
trabalho e sua prevenção e reparação, bem como novas atribuições foram dadas ao Ministério
Público, que a partir disso pôde, por meio de ação específica – ação civil pública, buscar
judicialmente o cumprimento das normas de saúde, segurança e higiene do trabalho.

Entretanto, conforme pontua João José Sady, tais mudanças no tocante ao


meio ambiente do trabalho iniciaram-se já na década de 50 com a redação dada ao parágrafo
único do artigo 872 da CLT, segundo a qual é autorizado aos sindicatos de trabalhadores a
possibilidade de reclamar salários previstos em sentenças normativas, independentemente de
outorga de seus associados, de modo que possa proceder à defesa coletiva destes, e
posteriormente com a norma incerta no § 2º do art. 195 da CLT, que legitimou os sindicatos para
reclamar os adicionais de insalubridade e periculosidade em prol dos trabalhadores.59

Segundo Celso Bastos, as garantias constitucionais são direitos de ordem


processual de ingressar em juízo a fim de obter resultados não passíveis de se alcançar por meio
de ações comuns. O autor ressalta que, na Constituição Federal vigente, há previsão de cinco
garantias constitucionais: a ação civil pública, a ação popular, o mandado de segurança
(individual e coletivo), o habeas corpus e o mandado de injunção.

2.3.2.1 Ação Civil Pública


Com o advento do instituto da ação civil pública, observa-se que o direito
de ação passou a tutelar, de um modo geral, também os interesses públicos – difusos, coletivos e
individuais homogêneos, com o intuito de se coibir danos ou ameaça de danos, assim como
responsabilizar os agressores.

A respeito disso, Celso Bastos verifica a singular distinção entre direitos e


garantias, na medida em que referidas ações judiciais de cunho coletivo têm a capacidade de
garantir a efetivação de direitos fundamentais, enquanto garantias fundamentais que são, já que
previstas constitucionalmente.60

A Lei nº 7.347/85 é a que disciplina “a ação civil pública de


responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor
artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências”.

Ainda, de acordo com o art. 5º e incisos da Lei acima referida, são


legitimados para propor a ação civil pública: o Ministério Público; a Defensoria Pública; a União,
os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; as autarquias, empresas públicas, fundações e
sociedades de economia mista; as associações que estejam constituídas há pelo menos um ano
nos termos da lei civil e possuam, entre suas finalidades, a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, histórico,
turístico e paisagístico.

Destarte, a CF, em seu art. 129, onde dispõe acerca das funções do
Ministério Público, legitima este a “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a
proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos.” (inciso III).

Lembrando-se que, na Lei n º 6.938/81 (Lei da Política Nacional do Meio


Ambiente), em seu art. 14, §1º, já havia previsão expressa de legitimidade do Ministério Público
da União e dos Estados para propor ação de responsabilidade ambiental.

Com efeito, no que comporta ao meio ambiente do trabalho, tem o


Ministério Público do Trabalho plena legitimidade ativa para ajuizar a ação civil pública na
defesa daquele.

Há quem defenda que junto a esta legitimidade concorre a dos sindicatos


de trabalhadores, é a posição de Julio Cesar de Sá da Rocha, que, para tanto, fundamenta-se no
art. 8º, inc. III, da CF, afirmando que os sindicatos podem propor ação civil pública ambiental,
em face de danos causados ao meio ambiente do trabalho que prejudiquem de alguma forma a
saúde, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores associados.61

Nessa esteira de entendimento, Celso Antônio Pacheco Fiorillo afirma


haver fundamento constitucional para inclusão dos sindicatos na defesa do meio ambiente do
trabalho, qual seja o art. 8º, inc. III, que legitima expressamente essas entidades para o uso das
ações coletivas na defesa de seus associados.62

É, portanto, a Ação Civil Pública instrumento essencialmente processual,


efetivador de direitos amplamente assegurados na Constituição Federal e em diversos diplomas
legais, observando-se, outrossim, que aqueles não se restringem a bens e direitos materiais, como
também fazem parte os puramente imateriais, a exemplo o dano material.63

2.3.2.2 Ação Popular Ambiental


A ação popular é instrumento singular nos modernos estados
democráticos, já que se tem, por intermédio dela, efetiva participação dos cidadãos, na defesa e
proteção de coisas de que são os próprios titulares. Ela está prevista na Constituição Federal, que
em seu art. 5º, inc. LXXIII, dispõe:

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular
ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade
administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor,
salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; (grifou-
se)

Esse mecanismo constitucional de prevenção e proteção é regido pela Lei


nº 4.717/65, que possibilita ainda o acompanhamento pelo Ministério Público, a fim de atuar
como fiscal da lei, podendo impulsionar a produção de provas, ou mesmo vir a assumir a
condição de titular da ação nos casos expressamente permitidos.

Com efeito, a ação popular ambiental visa precipuamente a impugnar atos


administrativos que causem danos ao meio ambiente, inclusive laboral, ou ameacem causá-los,
bem como objetiva a averiguação de responsabilidade dos infratores, primando-se, desse modo,
ao direito do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Na lição de Raimundo Simão de Melo, é plenamente cabível a tutela do


meio ambiente do trabalho por meio de Ação Popular, relativamente a ato comissivo ou omissivo
do Poder Público, na qualidade de empregador poluidor do meio ambiente laboral. O autor
também afirma ser plausível a legitimidade passiva das pessoas físicas ou jurídicas, de natureza
privada, independentemente de agirem na qualidade de agentes públicos (tomadores de serviço e
empregadores, por exemplo).

Quanto à competência para apreciar e julgar a ação popular ambiental,


segundo o doutrinador supra referido é de juiz de primeiro grau do local da ameaça ou do dano
ambiental, sendo que, quando se tratar de degradação ao meio ambiente do trabalho, será de Juiz
do Trabalho, consoante se depreende da interpretação do art. 114 da CF, bem como da Súmula nº
736 do STF. 64

2.3.2.3 Mandado de Segurança Individual e Coletivo

O mandado de segurança é instrumento previsto entre os direitos e as


garantias fundamentais na Constituição da República, cujo art. 5º, inciso LXIX prevê, in verbis:

LXIX - conceder-se-á Mandado de Segurança de segurança para proteger direito liquido


e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela
ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no
exercício de atribuições do Poder Público.

Quando se tratar desse mecanismo na modalidade coletiva, consoante reza


o art. 5º, inc. LXX, serão legitimados ativamente partido político com representação no
Congresso Nacional e “organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associado”.

Observe-se que na impetração de mandado de segurança coletivo por


entidade de classe, em favor dos associados, faz-se imprescindível a autorização destes, em
respeito à Súmula nº 629 do STF.

A Lei nº 1.533/51 regula o procedimento do mandado de segurança, onde


define sua natureza processual, de “ação civil sumária”. Desse modo, constitui procedimento
caracterizado pela sumariedade, não se admitindo dilação probatória, porquanto se exige prova
pré-constituída já no ato de impetração.65
Tem-se, pois, inobstante os empecilhos apresentados pela Carta Magna
(prova pré-constituída do direito), mecanismo singular para a proteção e preservação dos direitos
sociais e concretização do Estado democrático de direito, o que inclui o meio ambiente, e logo o
meio ambiente laboral.66

Evanna Soares atesta que, embora seja passível de se utilizar o mandado


de segurança, tanto individual quanto coletivo, na prática não se tem notícias do seu emprego
para proteção do meio ambiente do trabalho perante a Justiça Trabalhista.

Na opinião da autora, podem os trabalhadores de quaisquer espécies


subordinados à Administração Pública se valerem do mandado de segurança individual a fim de
desfazer ato de autoridade que esteja a degradar o meio ambiente laboral, mormente quando em
desrespeito às normas de saúde, higiene e segurança do trabalho.

Do mesmo modo, portanto, podem agir os Sindicatos para proteger direito


líquido e certo, relativo ao meio ambiente do trabalho, da coletividade de trabalhadores
subordinados ao Estado que constituam seus representados. 67

2.4 O papel do Ministério Público do Trabalho na prevenção e proteção do ambiente do


trabalho

Desde o advento da vigente Constituição da República, há relevante


discussão se seria o Ministério Público (MP) um quarto poder, mormente em razão de sua função
custos legis. A respeito disso, o que se pode certamente afirmar é que a instituição goza de
autonomia funcional e administrativa (art. 127, § 2º), bem como lhe foi concedida unidade e
indivisibilidade. Sobre o tema, Francisco Antônio de Oliveira preleciona:

O Ministério Público desatrelou-se do Poder Executivo, ganhando autonomia na função


de custus legis. Sua vinculação ao Poder Executivo era prejudicial e neutralizava a sua
verdadeira vocação, já que era de alguma forma obstado em suas iniciativas. Tem
autonomia funcional e administrativa (art. 127, § 2º, CF/88).68

As atribuições constitucionais do MP estão previstas no art. 127 da CF,


incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis.

A Carta Magna faz menção expressa ao Ministério Público do Trabalho


(MPT), relacionando-o à parte integrante do Ministério Público da União (MPU), consoante art.
128, I, b. Com efeito, como órgão especializado do MPU, o MPT aproveita de todas as garantias,
prerrogativas e vedações àquele conferidas pela CF e pela legislação esparsa.

Por seu turno, a Lei Complementar nº 75 (Estatuto do Ministério Público


da União ou Lei Orgânica do Ministério Público da União - LOMPU), de 20 de maio de 1993,
dispõe acerca da organização, atribuições e do Estatuto do MPU, cujo Capítulo II do Título II
dedica-se exclusivamente ao Parquet trabalhista.

2.4.1 Atribuições do Ministério Público do Trabalho

De forma sintética, conforme se infere da CF (arts. 127 e 129) e da


LOMPU (arts. 83 e 84), há duas formas de atuação do MPT, a judicial e a extrajudicial. Esta se
realiza no âmbito administrativo, de onde eventualmente resultará a primeira, enquanto aquela se
traduz na intervenção em processos judiciais, seja como parte (autor ou réu), seja como fiscal da
lei.69

No que concerne à atuação judicial do MPT, assim dispõe a LOMPU, in


verbis:
Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições
junto aos órgãos da Justiça do Trabalho:
I - promover as ações que lhe sejam atribuídas pela Constituição Federal e pelas leis
trabalhistas;
II - manifestar-se em qualquer fase do processo trabalhista, acolhendo solicitação do juiz
ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse público que justifique a
intervenção;
III - promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de
interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente
garantidos;
IV - propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo
coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os
direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores;
V - propor as ações necessárias à defesa dos direitos e interesses dos menores, incapazes e
índios, decorrentes das relações de trabalho;
VI - recorrer das decisões da Justiça do Trabalho, quando entender necessário, tanto nos
processos em que for parte, como naqueles em que oficiar como fiscal da lei, bem como
pedir revisão dos Enunciados da Súmula de Jurisprudência do Tribunal Superior do
Trabalho;
VII - funcionar nas sessões dos Tribunais Trabalhistas, manifestando-se verbalmente
sobre a matéria em debate, sempre que entender necessário, sendo-lhe assegurado o
direito de vista dos processos em julgamento, podendo solicitar as requisições e
diligências que julgar convenientes;
VIII - instaurar instância em caso de greve, quando a defesa da ordem jurídica ou o
interesse público assim o exigir;
IX - promover ou participar da instrução e conciliação em dissídios decorrentes da
paralisação de serviços de qualquer natureza, oficiando obrigatoriamente nos processos,
manifestando sua concordância ou discordância, em eventuais acordos firmados antes da
homologação, resguardado o direito de recorrer em caso de violação à lei e à Constituição
Federal;
X - promover mandado de injunção, quando a competência for da Justiça do Trabalho;
XI - atuar como árbitro, se assim for solicitado pelas partes, nos dissídios de competência
da Justiça do Trabalho;
XII - requerer as diligências que julgar convenientes para o correto andamento dos
processos e para a melhor solução das lides trabalhistas;
XIII - intervir obrigatoriamente em todos os feitos nos segundo e terceiro graus de
jurisdição da Justiça do Trabalho, quando a parte for pessoa jurídica de Direito Público,
Estado estrangeiro ou organismo internacional. (grifou-se)

Já a atuação extrajudicial encontra-se prevista no art. 84 do mesmo


diploma legal, in verbis:

Art. 84. Incumbe ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito das suas atribuições,
exercer as funções institucionais previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I,
especialmente:
I - integrar os órgãos colegiados previstos no § 1º do art. 6º, que lhes sejam pertinentes;
II - instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis,
para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores;
III - requisitar à autoridade administrativa federal competente, dos órgãos de proteção ao
trabalho, a instauração de procedimentos administrativos, podendo acompanhá-los e
produzir provas;
IV - ser cientificado pessoalmente das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, nas
causas em que o órgão tenha intervido ou emitido parecer escrito;
V - exercer outras atribuições que lhe forem conferidas por lei, desde que compatíveis
com sua finalidade. (grifou-se)

A atuação do MPT na investigação de irregularidades trabalhistas se


inicia de duas maneiras: ou de ofício, a partir da ciência de eventuais transgressões; ou mediante
provocação, que são as representações de quaisquer particular, sociedade civil (pessoa física ou
jurídica) ou ente público.70

Carlos Henrique Bezerra Leite aponta ainda outra função extrajudicial do


MPT, a de “agente de articulação social”, em harmonia ao caput do art. 127, da CF. Nessa
posição, o órgão atua de forma imediata, por intermédio de orientações aos setores
governamentais e não-governamentais a respeito de políticas públicas de relevante interesse
social, como ocorre nas audiências públicas, palestras etc.71

2.4.2 O Ministério Público do Trabalho na defesa do meio ambiente laboral

Entre as metas do MPT, destaca-se sobremaneira a busca pela


observância das normas de saúde, segurança e higiene do trabalho, porquanto constituem a
melhor maneira de dar efetividade ao direito do meio ambiente do trabalho ausente de riscos à
saúde e à vida dos trabalhadores.

A fim de dar maior enfoque à proteção do meio ambiente laboral, frente


ao bem jurídico em jogo, que seja a saúde e a própria vida dos trabalhadores, o MPT criou um
núcleo especializado: CODEMAT (Coordenadoria Nacional de Defesa do Meio Ambiente do
Trabalho), cujo principal objetivo, segundo o Procurador do Trabalho Alessandro Santos de
Miranda, é a conjugação de esforços para harmonizar as ações do Ministério Público do Trabalho
na defesa e proteção do meio ambiente laboral, sobretudo no relacionamento com outros órgãos e
entidades.

O Procurador do Trabalho observa que se fez necessária a criação da


Coordenadoria referida principalmente em virtude do aumento constante da quantidade de
acidentes do trabalho em todo país, o que inclui as doenças profissionais, que são equiparadas a
acidentes do trabalho por força da Lei nº 8.213/91, em seu art. 19. Ele também assevera que a
finalidade mor “é priorizar e estabelecer políticas de combate a todas as formas de trabalho
degradantes, com ênfase no combate e na prevenção efetiva de doenças profissionais e acidentes
do trabalho, visando ao respeito e à dignidade do trabalhador, precipuamente no que se refere às
boas condições de segurança, saúde e higiene do trabalho”. 72

2.4.3 Inquérito Civil Público

O Inquérito Civil Público – ICP é inovação trazida com a promulgação da


LACP (Lei da Ação Civil Pública), a qual prevê a possibilidade de instauração deste pelo
Ministério Público, que, segundo o art. 8º, § 1º, pode ainda requisitar de qualquer organismo
público ou particular as diligências necessárias à investigação, dentro do prazo que assinalar.

A Constituição da República recepcionou esse mecanismo de


investigação, dispondo em seu art. 129, III, que é função institucional do MP, entre outras, a
promoção de inquérito civil, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e
de outros interesses difusos e coletivos.
Hugo Nigro Mazzilli preceitua que o ICP será instruído nos moldes do
inquérito policial no que comporta às regras de instauração, coleta de provas, perícias, intimações
etc, com exceção daquilo que contenha regras próprias.73

2.4.4 Termo de Ajustamento de Conduta

A Lei nº 8.079/90 – CDC acrescentou o § 6º ao art. 5º da LACP, o qual


autoriza aos órgãos públicos legitimados para a ação civil pública a possibilidade de firmarem
com os interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, mediante
cominação de multas, tendo eficácia de título executivo extrajudicial.

Ainda, com o advento da Lei nº 9.858/2000, foi alterado parcialmente o


art. 876 da CLT, cujo dispositivo passou a incluir como título executivo os TAC's (Termos de
Ajustamento de Conduta) firmados perante o Ministério Público do Trabalho.

José dos Santos Carvalho Filho define o TAC como sendo ato jurídico,
pelo qual a parte reconhece sua conduta irregular, assumindo, pois, o compromisso em reverter a
situação ofensiva através da sua adequação à ordem jurídica.74

Dessa forma, é facultado ao MPT, no curso da investigação em inquérito


civil público ou procedimento preparatório, colher dos inquiridos ou investigados termo de
ajustamento de conduta, com cominação de multas e valendo como título executivo extrajudicial,
para o caso de descumprimento.

2.4.5 Legitimidade – Ação Civil Pública

Uma das atribuições do MPT é a promoção de ação civil pública no


âmbito da Justiça Trabalhista, na defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os
direitos sociais constitucionalmente garantidos (art. 83, inciso III, da Lei Complementar nº
75/93).

Sendo assim, cumpre ao MPT, mediante a propositura de ACP, a defesa


de quaisquer interesses coletivos, quando verificar agressão a direito social expresso na
Constituição da República.

Com efeito, em sendo o meio ambiente do trabalho direito social


constitucionalmente previsto como garantia dos trabalhadores (art. 7º, inc. XXII), é dever do
MPT a sua defesa, na preservação do direito dos trabalhadores à saúde e a própria vida, mediante
inclusive a propositura de ação civil pública perante a Justiça do Trabalho.

3 NORMAS DE SAÚDE, SEGURANÇA E HIGIENE DO TRABALHO: APLICAÇÃO


AOS SERVIDORES PÚBLICOS

3.1 Meio ambiente do trabalho – entes públicos

Considerando o tema abordado neste trabalho, faz-se relevante tecer


algumas breves considerações a respeito do conceito apresentado pela doutrina majoritária acerca
dos vínculos jurídicos de natureza celetista e de natureza estatutária, dos trabalhadores ligados
aos diversos setores da Administração Pública direta e indireta.

3.1.1 Servidor público com vínculo contratual (celetista) versus servidor público com
vínculo estatutário

De acordo com a Constituição Federal, existem dois tipos de servidores


públicos: os titulares de cargos públicos, com vínculo estatutário/institucional, providos por meio
de concurso público de prova ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em
comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, regidos por leis/estatutos próprios de
cada esfera (federal, estadual e municipal); e os servidores ocupantes de emprego, com vínculo
contratual e sob a égide da CLT, também providos por meio de concurso público.
A Seção II, do Capítulo II, do Título III, da CF, dispõe sobre os
“Servidores Públicos”, cujo art. 39, § 3º, determina quais os direitos sociais elencados no art. 7 º
que são também aplicáveis aos servidores públicos, tal como a redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, segurança e higiene laborais, entre diversos outros
direitos.

Ao discorrer acerca da diferenciação das espécies de servidores públicos,


Celso Antônio Bandeira de Mello ensina que, nas relações contratuais, as disposições contratuais
são unilateralmente imutáveis e passam a integrar de imediato o patrimônio jurídico das partes,
enquanto o mesmo não ocorre nas relações públicas, porquanto o Estado dota do poder
legislativo de alterar as disposições constantes no regime jurídico de seus servidores, excetuando-
se nas hipóteses em que é impedido por força constitucional.75

As atividades típicas de Estado devem ser exercidas por servidores


ocupantes de cargos públicos e, portanto, as pessoas jurídicas de Direito Público (Administração
direta, autarquias e fundações de Direito Público), a princípio, devem estar munidas desse tipo de
servidor, com exceção dos casos de serviços que não guardam relação com as funções típicas do
ente público (funções subalternas), as quais podem ser exercidas por trabalhadores de regime
celetista. Tarso Cabral Violin defende que as Agências Reguladoras também se inserem nas
pessoas jurídicas de Direito Público que devem ter, em seu quadro de laboradores, servidores
vinculados a ela sob o regime estatutário.76

Por sua vez, as pessoas jurídicas de Direito Privado, que são as empresas
públicas, sociedades de economia mista e fundações de Direito Privado instituídas pelo Poder
Público, têm seus trabalhadores ligados ao regime celetista ou contratual – denominados
servidores celetistas. A respeito desse tipo de trabalhador, José Carlos Carvalho dos Santos
discorre, in verbis:

As características desse regime se antagonizam com as do regime estatutário.


Primeiramente, o regime se caracteriza pelo princípio da unicidade normativa, porque o
conjunto integral das normas reguladoras se encontra em um único diploma legal – a CLT.
Significa que, tantas quantas sejam as pessoas federativas que adotem esse regime, todas
elas deverão guiar-se pelas regras desse único diploma. Neste caso, o Estado figura como
simples empregador, na mesma posição, por conseguinte, dos empregados de modo
geral.77

3.1.2 Condições de trabalho dos servidores públicos

A questão da saúde dos servidores públicos vem preocupando cada vez


mais os órgãos representativos do setor, tendo em vista o aumento gradativo de aposentadorias
precoces, bem como afastamentos em decorrência de doenças profissionais, LER (Lesões por
Esforços Repetitivos) e DORT (Distúrbios Osteomoleculares Relacionados ao Trabalho),
consoante constatado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MP. 78

Observa-se que, no Brasil, são milhares os servidores públicos


estatutários distribuídos nas diversas esferas públicas (federal, estadual e municipal), expostos à
situação de risco, visto que há carência de legislação específica para essa classe de trabalhadores.

Na opinião de Débora Miriam Raab Glina, doutora em psicologia social,


ergonomista e professora colaboradora do Departamento de Medicina Legal, Ética Médica e
Medicina Social e do Trabalho da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo),
“Os servidores convivem com falta ou precariedade de infra-estrutura, engessamento ou
morosidade pelo excesso de regras políticas de recursos humanos que não permitem adequada
gestão das pessoas e distorções salariais”. Ainda, ela aponta como alvos de condições precárias
os servidores da área da saúde, segurança e educação.79

Cleonice Caetano Souza, secretária nacional de saúde e segurança do


trabalho da UGT (União Geral dos Trabalhadores), atribui à ausência de políticas públicas
adequadas, voltadas à qualidade de vida no trabalho dos servidores públicos, como principal
motivo das normas de saúde e segurança do trabalho não terem alcançado ainda as repartições
públicas.80

Ainda, consoante pesquisa realizada, no ano de 2003, por José Delfino


Lima, técnico do SISOSP (Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor Público
Federal), verifica-se um elevado índice de aposentadoria precoce dos servidores públicos
federais, em torno de 14%, em contrapartida à média do privado, em torno de 2%, o que pode ser
caracterizado principalmente pelo descaso às condições de trabalho. Constatou-se ali que aqueles
com mais de quinze anos de carreira são mais afastados por motivo de doença e, neste caso, o
peso da idade não é o único fator determinante, mas preponderantemente o desgaste pelas
condições de trabalho. 81

Alessandro Santos Miranda destaca os graves problemas gerados a partir


da violação e descaso com as normas de saúde, segurança e higiene no serviço público,
asseverando, in verbis:

“(...) O cenário tem gerado graves casos de adoecimento destes profissionais, que cada vez
mais aumentam as estatísticas de afastamentos do trabalho por motivos de adoecimento
ocupacional. Frise-se que os trabalhadores são parte integrante do referido meio ambiente,
haja vista que sua força de trabalho, principalmente na esfera do Poder Público, é o
principal meio de produção à disposição do administrador.” 82

O Procurador do Trabalho acima referido pontua também outros


empecilhos à implementação das normas relativas ao meio ambiente laboral, na Administração
Pública, voltadas a políticas internas veiculadas à qualidade de vida do servidor, como as
alegadas dificuldades orçamentárias e de gestão para adquirir mobiliários e equipamentos de
proteção adequados. Soma-se a isso o déficit de informação acerca da situação da saúde dos
trabalhadores no âmbito da Administração Pública, tal como identificação e avaliação dos riscos
presentes no meio ambiente do trabalho.

3.1.3 Estrutura normativa

Por força de mandamento constitucional, incerto no art. 39, § 3º, tem-se


que é direito social indisponível estendido aos servidores ocupantes de cargos públicos “a
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança” (art.
7º, inc. XXII, da CF).

Nota-se que principalmente pelo fato das normas de saúde, segurança e


higiene do trabalho estarem previstas na CLT, que trata em sua maioria de questões atinentes à
relação de emprego, bem como nas NR's, os órgãos públicos têm se recusado a observá-las.

Contudo, tendo em vista que o meio ambiente do trabalho constitui


questão de interesse concomitante do Direito do Trabalho, do meio ambiente em geral e ainda do
SUS, verifica-se que a matéria transcende a esfera das relações específicas de emprego,
abarcando toda e qualquer atividade onde se exija mão-de-obra humana. Portanto, é plenamente
aceitável que toda e qualquer legislação que trate do assunto meio ambiente do trabalho seja
aplicada a qualquer espécie desse, inclusive o meio ambiente laboral público.
Na Lei nº 8.112/1990, direcionada aos servidores públicos federais de
vínculo estatutário, ainda que de modo principiante, é possível se encontrar disposições de caráter
nitidamente ambientais, como as de percepção de adicional de insalubridade, periculosidade e
penosidade.

Ademais, não obstante algumas poucas medidas pontuais tenham sido


tomadas, como, por exemplo, a criação do SISOSP (Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do
Servidor Público), o setor carece de legislação específica de saúde, segurança e medicina do
trabalho, o que resulta na precariedade das condições de trabalho dos servidores públicos, fato
que gera situações de risco para a saúde e a própria vida destes.

De outro lado, observa-se que alguns Municípios já vêm instituindo em


suas Constituições e Leis Municipais normas protetivas da saúde de seus servidores, como o
Município de São Paulo, que estabeleceu a obrigatoriedade de constituição de CIPA (Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes) a diversas repartições da Administração Pública municipal,
através da Lei nº 13.174/2001.

Merece destaque a Instrução Normativa nº 001/2004 do Governo do


Pará, que dispõe sobre princípios e normas ético-profissionais aplicáveis aos servidores públicos
estaduais componentes do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo do Estado do Pará,
que prevê o direito a estes de trabalhar em ambiente adequado, que atenda a preservação física e
mental da saúde (art. 4º, V).

Vale mencionar também a Portaria nº 1.675, de 13 de novembro de 2006,


do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, cujo art. 2º prevê, in verbis:

Art. 2º Fica recepcionada no âmbito do SIPEC, as Normas Regulamentadoras do Trabalho


de nº 07, 09, criadas pela Portaria 3.214, de 08 de junho de 1978 do Ministério do
Trabalho, com o objetivo de orientar as ações abrangidas pelo art. 1º.

Ou seja, a partir da entrada em vigor de referida Portaria, os serviços


públicos, de âmbito federal, devem passar a observar o quanto previsto nas NR's que tratam do
PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) e do PCMSO (Programa de Controle
Médico de Saúde Ocupacional), já exigidos do setor privado.

Outra importante contribuição instituída por meio da Portaria em análise,


foi a criação do “Manual para os Serviços de Saúde dos Servidores Civis Federais”,
consubstanciado em seu Anexo I, que deve ser observado em todos os procedimentos periciais
em saúde, bem como em usos clínicos e epidemiológicos.

Ainda, a Lei nº 8.270/1991, que dispõe sobre o reajuste na remuneração


dos servidores públicos e dá outras providências, prevê o adicional de periculosidade, para
servidores públicos federais que exerçam suas atividades em contato com irradiação ionizante,
bem como a gratificação por trabalhos com Raio-X.

Mister salientar, na mesma linha, a criação dos CPR's (Comitês


Permanentes Regionais), com a instituição da NR-32, que trata da Segurança e Saúde no
Trabalho em Serviços de Saúde, aplicável também aos serviços públicos de saúde.

Na opinião de Ivo Eugênio Marques, é preferível uma reforma na


legislação infraconstitucional, onde se confira autorização ao Ministério do Trabalho e Emprego
para a produção de normas de proteção do meio ambiente laboral, em qualquer espécie de
trabalho, enquanto ao Ministério da Saúde nas relações entre servidores públicos e a
administração pública. O Procurador ressalta ainda que o interessante seria a edição de leis que
impusessem obrigações expressas, bem como permissivos no que concerne à fiscalização
daquelas relações de trabalho não abarcadas pela CLT, as quais constituem considerável parcela
no trabalho do país.83

3.2 Entes públicos devem observar as normas de saúde, segurança e higiene laborais
Observou-se acima que a classe dos servidores públicos de vínculo
estatutário é uma das que mais sofre no que tange às condições de trabalho, já que não contam
com legislação específica acerca do tema.

Viu-se também que os Entes Públicos, por vezes, recusam-se a observar


as normas de saúde, segurança e higiene do trabalho dispostas na CLT, nas NR's do MTE e
outras prescritas na legislação esparsa, sob o argumento de que estas seriam direcionadas aos
trabalhadores vinculados à CLT – celetistas e, sendo assim, não aplicáveis aos seus servidores de
vínculo estatutário.

Depreende-se daí duas situações:

Como proceder nas hipóteses em que há servidores de vínculo contratual


(público-celetistas, terceirizados, temporários) com o ente público laborando no mesmo meio
ambiente em que outros servidores de regime estatutário?! Nesse caso, resta evidente e
indiscutível o dever da Administração Pública Direta (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios) e Indireta (Autarquias, Fundações, Empresas Públicas e Sociedades de Economia
Mista) observar as normas de saúde, segurança e higiene laboral presentes na legislação esparsa,
inclusive em sede de CLT ou NR's, em harmonia com os princípios constitucionais da “Igualdade
perante a Lei” e da “Isonomia de Tratamento”.

A outra hipótese gera maior discussão e posições adversas, tanto na


doutrina como na jurisprudência pátrias, que é a verificação da possibilidade de se exigir a
aplicação das normas de saúde, segurança e higiene do trabalho por parte de ente público que
tenha em seu quadro de trabalhadores exclusivamente servidores ligados por típica relação
estatutária, e que logo seriam regidos por estatuto próprio (no âmbito federal, a Lei nº 8.112/1990
e, no âmbito estadual, as respectivas leis estaduais). E mais, qual seria, nesse caso, a Justiça
competente para apreciar e julgar?!

No que tange ao último caso, é de se salientar que o direito à redução dos


riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, segurança e higiene do trabalho é
direito dos servidores públicos (incluídos os estatutários) constitucionalmente garantido,
consoante expressamente consignado no art. 7º, XXII c/c art. 39, § 3º.

Relativamente à questão da competência, a recente decisão da Suprema


Corte, nos autos da RCL 3303, findou a polêmica, na medida em que ao mesmo tempo em que
confirmou o entendimento de que compete à Justiça Comum apreciar e julgar as causas
envolvendo o poder público e seus servidores estatutários, assentou a tese de que compete à
Justiça do Trabalho apreciar e julgar as questões relativas às normas de saúde, segurança e
higiene do trabalho, independentemente de debate acerca da natureza do vínculo dos
trabalhadores, em consonância ao disposto na Súmula nº 736 da mesma Corte.

Posto isso, ver-se-á nos próximos subitens os principais fundamentos para


a aplicação das normas de proteção ao ambiente do trabalho a todos os trabalhadores, inclusive os
servidores públicos estatutários, bem como a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e
julgar demandas decorrentes dessa questão.

3.2.1 Direito à saúde e à vida como garantias fundamentais de todos os trabalhadores,


incluídos os servidores públicos estatutários

Nos tópicos anteriores, buscou-se demonstrar a importância de que dotam


as normas relativas ao meio ambiente laboral na busca pela efetividade dos direitos à saúde e à
vida dos trabalhadores, em consonância ao disposto nos arts. 6º, 7º, XXII, 196 e 225, §1º, V, da
CF, que estabeleceram a saúde, segurança e higiene do trabalho como garantias fundamentais e
direitos sociais indisponíveis de todos os trabalhadores urbanos e rurais, o que representou um
marco no que toca à legislação amparadora dos servidores públicos.

Faz-se oportuno ressaltar que a Carta Magna não faz distinção sobre a
natureza jurídica da relação de trabalho quando impõe ao empregador a obrigação em reduzir os
riscos inerentes ao trabalho, já que não trata de “empregados” e sim “trabalhadores”. Acerca
disso, Fiorillo preleciona, in verbis:
O local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou
não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que
comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da
condição que ostentem - homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas,
servidores públicos, autônomos etc.84 (grifou-se)

Todos os trabalhadores, desta feita, são titulares dos direitos fundamentais


à vida e à saúde, exigindo-se do Estado prestação positiva a fim de concretizá-los, seja através do
seu poder-dever em fiscalizar o meio ambiente do trabalho, seja na implementação das normas de
proteção deste. Neste ponto, seria no mínimo injusto não garantir as mesmas prerrogativas à
espécie de trabalhadores denominados estatutários, exclusivamente por essa natureza.

Reinaldo César Rossagnesi pondera que os direitos sociais são


fundamentais para se garantir inclusive a vida digna da pessoa humana, sendo que, sem a
observação deles, “a pessoa humana não se realiza, não convive de forma harmoniosa e, às vezes,
nem mesmo sobrevive”, daí surge a extrema importância de sua efetivação.85

Outrossim, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de


normas de saúde, segurança e higiene do trabalho é direito dos servidores públicos
expressamente consignado na Constituição da República, senão vejamos:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de


política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados
pelos respectivos Poderes.
...
§ 3º - Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII,
VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei
estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o
exigir.”(grifou-se)

Tendo em vista a suma importância dos bens jurídicos tutelados: a vida e


a saúde dos trabalhadores, bem como a obrigação e interesse do Estado em protegê-los, através
de medidas que, de fato, amparem seus servidores, torna-se indispensável a defesa dos direitos
difusos e/ou coletivos a um meio ambiente laboral hígido, seguro e saudável.86

Saliente-se, outrossim, que com natureza de garantia fundamental, o


direito à saúde, por meio das normas de saúde e segurança laborais, deve ter aplicação imediata
(§ 1º, do art. 5º, da CF).

À propósito, as normas de saúde, segurança e higiene do trabalho são de


ordem pública e observância obrigatória em todos os setores que se utilizem de mão-de-obra
humana, sendo vinculantes, portanto, às entidades privadas e públicas, que incidirão em grave
violação constitucional em caso de desrespeito.

3.2.2 Princípio da dignidade da pessoa humana

A partir das transformações sociais advindas pós-capitalismo, já


mencionadas no primeiro capítulo, observou-se o surgimento de um Estado mais intervencionista,
cujo princípio da livre iniciativa na ordem econômica passou a ser limitado pela proteção
ambiental, inclusive do meio ambiente do trabalho, conforme se infere do art. 170 e incisos da
CF.

No entendimento de Raimundo Simão de Melo, é decisivo o tratamento


da dignidade da pessoa humana como valor ou como princípio jurídico, mormente na sociedade
democrática atual, quando se busca definir o papel dos intérpretes, bem como dos aplicadores da
lei. Mais, tal aplicação deve ser orientada sob o enfoque da normatividade e cogência, não sendo
o caso da simples manifestação de bons propósitos, donde resulta a atenção que merecem os
instrumentos de efetivação dos direitos garantidores da dignidade da pessoa, aqui,
especificamente do homem-trabalhador.87
O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana encontra-se
expressamente previsto na CF, em seu art. 1º, inc. III, constituindo, pois, um dos fundamentos do
Estado Democrático de Direito em que se vivencia. A respeito, José Afonso da Silva assevera que
a constitucionalização desse princípio se expressa como um “valor supremo da ordem jurídica”.88

Celso Antônio Pacheco Fiorillo observa que a concretização do princípio


da dignidade da pessoa humana se verifica a partir da realização dos direitos sociais previstos no
art. 6º, donde se conclui estar o preenchimento do conceito de dignidade intimamente relacionado
ao direito à saúde, ao trabalho e à segurança.

Em arremate, infere-se do art. 170, caput, da CF, que o princípio ali


insculpido, o do valor social do trabalho, está estritamente relacionado ao princípio da dignidade
do homem-trabalhador.

A respeito do princípio da dignidade da pessoa humana no que concerne


ao meio ambiente do trabalho, Kátia Magalhães Arruda ensina que, in verbis:

A proteção do trabalho implica condições dignas de trabalho, o que deflui ambientes


saudáveis, nos padrões exigidos pelas normas de higiene e segurança do trabalho, além de
pactos relativamente harmônicos, ou pelo menos equilibrados, sob pena de o princípio da
dignidade da pessoa humana restar absolutamente inerte em face de sua dissonância com
a realidade especial.89

Isso posto, devem os operadores do direito contribuir na criação, bem


como na aplicação das normas, a fim de que a todo aquele que executa qualquer tipo de atividade
seja respeitada sua condição de sujeito de direito, em toda a sua dignidade, sendo irrelevante a
natureza do vínculo trabalhista deste – se estatutário, se contratual ou se temporário, porquanto o
bem maior em jogo é a própria vida – dignidade do trabalhador.
3.2.3 Princípio da igualdade perante a lei

O princípio da igualdade perante a Lei está preconizado no caput do art.


5º, da CF, o que revela a importância que lhe foi conferida pelo constituinte, na medida em que o
alçou à posição de pressuposto de entendimento do restante dos direitos individuais.

Com efeito, observa-se que é princípio norteador, que dá diretrizes e ao


mesmo tempo condiciona o restante das normas jurídicas, donde conclui-se que o intérprete
jurídico deve se valer dele na aplicação da lei.

Da simples leitura do art. 196, da CF, observa-se que a tutela


constitucional da saúde foi originada à luz do princípio da igualdade, porquanto é garantido o
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

O princípio da igualdade perante a lei vem corroborar o que se pretende


defender neste trabalho, ou seja, sendo o direito à saúde e à vida direito dos trabalhadores, por
meio de normas que lhe garantam a redução dos riscos inerentes ao trabalho, é dever de todos
aqueles que se aproveitam de mão-de-obra humana a observação e implementação de normas de
saúde, higiene, medicina e segurança do trabalho a todos seus trabalhadores, sob pena de se
transgredir o princípio ora em análise.

3.3 A decisão do STF nos autos da Reclamação n° 3303 e a competência material da Justiça
do Trabalho

Em recente decisão nos autos da RCL (Reclamação) 3303, o STF, por


unanimidade e sob a relatoria do Exmo. Ministro Carlos Britto, ao mesmo tempo em que firmou
o entendimento de que compete à Justiça Comum processar e julgar as demandas instauradas
entre o Poder Público e seus servidores a ele vinculado por típica relação estatutária (servidores
públicos investidos em cargos públicos efetivos ou em comissão) ou de caráter jurídico-
administrativo, assentou a tese de que compete à Justiça do Trabalho apreciar e julgar as causas
que tratam do meio ambiente do trabalho – normas de saúde, segurança, higiene e medicina do
trabalho.
Tratou-se de Reclamação proposta pelo Estado do Piauí, em face de
decisão proferida por Juiz do Trabalho daquele Estado, nos autos da Ação Civil Pública nº
2004.002.22.00-6, que versava como autor o Ministério Público do Trabalho.

O Estado do Piauí, na Reclamação, alegou ofensa ao quanto decidido na


ADI 3.395-MC, visto que a ação civil pública em foco tem por objeto exigir o cumprimento das
normas trabalhistas atinentes à higiene, segurança e saúde dos trabalhadores, e desse modo, no
seu entendimento, não seria a Justiça do Trabalho competente para apreciar a causa e tampouco o
Ministério Público do Trabalho legitimado para propor a ação.

O Exmo. Ministro Relator conclui não ter sido contrariada a decisão nos
autos da ADI 3.395-MC, tendo em vista que o objeto da ação civil pública é diverso, na medida
em que não se visa dirimir litígio direto entre servidor estatutário e o Poder Público e sim exigir,
por parte do Poder Público Piauiense, a observância das normas relativas ao meio ambiente do
trabalho, independente de discussão acerca da natureza do vínculo jurídico dos trabalhadores com
o Estado.

Nesse diapasão, observou o Ministro Celso de Mello, in verbis:

O fato é que essa “causa pretendi” estaria a sugerir, longe de qualquer debate sobre a
natureza do vínculo (se laboral, ou não, se de caráter estatutário, ou não), que se pretende,
na realidade, e numa pura perspectiva de pura metaindividualidade, provocada pela
iniciativa do Ministério Público, saber se as normas referentes à higiene e à saúde do
trabalho estariam sendo observadas, ou não, por determinado ente público. 90

Logo adiante, o Exmo. Ministro Menezes Direito explicou que,


exatamente pelo exposto acima, não se enfrentou a questão do vínculo, na decisão, porquanto
importava indagar qual a Justiça competente para apreciar causas relativas à higiene do trabalho,
que é a Justiça do Trabalho.91
Os Exmos. Ministros, no debate, observaram ainda ser legítima a atuação
do MPT, em razão da competência que lhe foi atribuída pela Constituição Federal de verdadeiro
“defensor do povo”, insculpida no inciso II do art. 129 da CF.

A respeito disso, o Exmo. Ministro Celso de Mello destacou estar entre os


direitos de essencialidade inquestionável o direito à saúde, constituindo prerrogativa e poder-
dever do Ministério Público o zelo desse direito “em face dos poderes públicos eventualmente
inadimplentes, em ordem a viabilizar o respeito e a integridade dos serviços públicos essenciais,
como aquele que concerne ao direito à saúde e à higiene no trabalho.”92

Destarte, é certo que, a partir dessa decisão tida como paradigmática, será
possível uma melhor e mais eficaz atuação dos órgãos responsáveis pela proteção e fiscalização
do meio ambiente do trabalho em face dos entes públicos, que devem observar as normas de
saúde, segurança e higiene do trabalho a todos os trabalhadores que lhes prestam serviço
(estatutários, contratuais-celetistas, terceirizados e temporários), sob pena de violação, no
mínimo, do direito à saúde e à vida.

3.3.1 Competência material da Justiça do Trabalho

Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, houve sensível


mudança na estrutura do Poder Judiciário Brasileiro, destacando-se a dilação da competência
material da Justiça do Trabalho, que passou a ser efetivamente, nas palavras de Mauro Schiavi, a
“Justiça do Trabalhador”.93

Inicialmente, o inciso I do art. 114 da CF apresentava redação segundo a


qual se incluía na competência da JT as ações em que versavam como parte entes da
Administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Entretanto, na decisão prolatada nos autos da ADIN nº 3395-1/DF, de
relato do Exmo. Ministro Cezar Peluso, a Suprema Corte suspendeu qualquer interpretação ao
inciso I do art. 114 da CF que inclua na competência da Justiça do Trabalho causas entre o Poder
Público e seus servidores públicos vinculados ao regime estatutário ou jurídico-administrativo.

No entendimento de Mauro Schiavi, não há motivos que justifiquem o


afastamento da competência da JT no caso supra referido, considerando que os servidores
estatutários preenchem, no seu entendimento, os mesmos requisitos elencados nos arts. 2º e 3º da
CLT (pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade), ainda que regidos por
regime próprio – administrativo.94

De todo modo, tendo em vista a decisão exarada nos autos da RCL 3303
pelo STF, permanece inarredável a competência da Justiça Comum para as causas envolvendo o
Poder Público e seus servidores públicos estatutários, restando inquestionável, contudo, que a
Justiça Trabalhista é a competente para apreciar e julgar as questões atinentes ao meio ambiente
laboral, inclusive quando desrespeitadas por ente público que tenha em seu quadro de
trabalhadores apenas servidores públicos ligados a ele por vínculo jurídico estatutário ou
administrativo, visto que o objeto alcançado é a pura observância, pelo agressor, de normas
públicas e cogentes que dizem respeito à tutela da vida e da saúde de trabalhadores, e não
contenda direta do Estado com seu servidor .

Outrossim, faz-se mister observar que antes mesmo da postura adotada na


RCL 3303, a Suprema Corte já havia se posicionado quanto à competência material da Justiça
Laboral para causas ligadas ao meio ambiente do trabalho, consoante se verifica na ementa
abaixo, in verbis:

COMPETÊNCIA - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONDIÇÕES DE TRABALHO. Tendo a


ação civil pública como causas de pedir disposições trabalhistas e pedidos voltados à
preservação do meio ambiente do trabalho e, portanto, aos interesses dos empregados, a
competência para julgá-la é da Justiça do Trabalho. (RE/206220, Rel. Ministro Marco
Aurélio, DJ 17/09/1999).
Em arremate, a Súmula nº 736 do STF já reconhecia a competência
material da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar as demandas que tenham como causa de
pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos
trabalhadores, cujo teor se transcreve, in verbis:

Súmula nº 736 do STF. Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como
causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e
saúde dos trabalhadores. Legislação: CF-88, art. 114; CLT-43, art. 643. Julgados: Pet
2260, UF-MG Relator-Ministro Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, Data do julgamento-
18.12.2001, DJU-01.03.2002. RE 206220, UF-MG Relator-Ministro Marco Aurélio, 2ª
Turma, Data do julgamento-16.03.1999, DJU-17.09.1999. RE 213015, UF-DF Relator-
Ministro Néri da Silveira, 2ª Turma, Data do julgamento-08.04.2002, DJU-24.05.2002. CJ
6959, UF-DF Relator-Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, Data do julgamento-
23.05.1990, DJU-22.02.1991.

De outro lado, é de se ver que a Justiça do Trabalho é sobremaneira


melhor equipada para apreciar e julgar questões relativas ao meio ambiente do trabalho, o que é
irrefutável por sua natureza de justiça especializada justamente nessas causas.

3.3.2 Jurisprudência

A polêmica decisão do STF na RCL 3303 servirá, conforme já se


observou, como paradigma a outros julgados, inclusive no que se concerne à legitimidade ativa
do Órgão Ministerial Trabalhista em face de entes públicos eventualmente transgressores das
normas de saúde, medicina, higiene e segurança do trabalho.

Com efeito, nesse sentido se pronunciou o e. TRT da 14ª Região, nos


autos do Agravo de Petição nº 00375.2005.004.14.00-1, interposto pelo Ministério Público do
Trabalho, em face de decisão que declarou a incompetência da Justiça do Trabalho para executar
Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o Estado de Rondônia, reconhecendo, mais do
que a legitimidade ativa do MPT, a competência da Justiça Laboral.
A MM. 2ª Turma fez referência expressa, na decisão supra mencionada,
ao julgado do STF nos autos da RCL nº 3303, bem como à Súmula nº 736 desta Corte.
Fundamentou-se, também, no art. 7º, inc. XXII, c/c art. 39, § 3º, da CF, ressaltando, in verbis:

Não remanesce, pois, à Justiça Ordinária o julgamento das questões de descumprimento de


normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, quando os trabalhadores forem
servidores públicos estatutários. Até porque, vale ressaltar, é indiscutível que a Justiça do
Trabalho se encontra melhor aparelhada para apreciar e julgar questões dessa natureza,
haja vista que é história a experiência em questões típicas do âmbito do trabalho, ou seja,
é o mesmo que dizer o óbvio, pois são justamente as questões inerentes às relações e
trabalho que são objeto de existência deste segmento especializado do Judiciário
brasileiro.95 (grifou-se)

Nessa esteira de entendimento, a MM. Turma também decidiu no RO


01167.2006.004.14.00, em que também versavam como partes o MPT e o Estado de Rondônia.
Concluiu-se, na decisão, ser a Justiça Trabalhista competente, como também certa a aplicação das
normas de saúde, segurança e higiene do trabalho aos servidores públicos estatutário, a saber, in
verbis:

Logo, não restam dúvidas sobre a necessária aplicação, aos servidores ocupantes de
cargos públicos, da norma que trata da redução dos riscos inerentes ao trabalho, não
importando o regime jurídico que os vinculam ao serviço público respectivo, se
estatutário ou celetista.

Segue abaixo a ementa de mencionado julgado:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. NORMAS DE SEGURANÇA E MEDICINA DO


TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Restando evidenciado
que o objeto da ação civil pública diz respeito às condições de segurança, higiene, saúde
dos trabalhadores e medicina do trabalho, mesmo no âmbito do Corpo de Bombeiros
Militar do Estado de Rondônia, a competência para julgá-la é da Justiça do Trabalho.
Inteligência da Súmula STF n. 736. Recursos oficial e voluntário desprovidos.
3.4 Possibilidade de atuação do MPT e do MTE, em face de entes públicos, no que tange à
observação das normas de saúde, segurança e higiene do trabalho

3.4.1 Ação fiscalizatória quanto ao meio ambiente do trabalho de servidores públicos

Havia grande divergência acerca da possibilidade de fiscalização do meio


ambiente de trabalho nos entes públicos, mormente quando munidos exclusivamente de
servidores públicos ligados por vínculo estatutário ou de caráter jurídico-admininistrativo

Contudo, a partir da decisão do STF supra examinada, torna-se possível


um espectro maior de atuação por parte dos auditores-fiscais do trabalho nos entes públicos, a fim
de se verificar o fiel cumprimento das normas laborais, sobretudo às ligadas ao meio ambiente do
trabalho (saúde, segurança, higiene e medicina do trabalho).

Ademais, a Lei nº 10.593/2002, em seu art. 11, inc. I, prevê a ação fiscal
não só da relação de emprego, como também a de trabalho. Logo, corroborando o quanto exposto
acima, os ambientes públicos de trabalho podem e devem ser fiscalizados, porquanto ali se
encontram trabalhadores, não importando serem estes empregados, servidores públicos
estatutários ou terceirizados.

3.4.2 Competência do Ministério Público do Trabalho para verificar junto aos entes
públicos o cumprimento de normas de saúde, segurança e higiene laborais

Alessandro Santos de Miranda assinala, entre as principais questões


jurídicas discutidas pela COODEMAT, a situação do meio ambiente laboral público, que, por
vezes, possui trabalhadores registrados pela CLT, e em outras unicamente servidores públicos
vinculados ao regime estatutário, o que gera grande controvérsia acerca da possibilidade de
atuação do MPT, principalmente na última hipótese.

Na visão do Procurador do Trabalho, é plenamente cabível a atuação do


Parquet em face de entes da Administração Direta e Indireta, no tocante às áreas de medicina e
segurança do trabalho, por força da nova competência atribuída à Justiça do Trabalho e também
da unicidade do meio ambiente do trabalho, ainda que neste laborem somente servidores públicos
estatutários.

Outrossim, no que se refere à última situação, o autor afirma não ser o


caso, antes de uma investigação prévia, de enviar o procedimento para outro ramo do Ministério
Público.

No que se refere aos servidores públicos ligados ao Estado por típica


relação contratual (celetistas), é consolidado, na doutrina e jurisprudência, o entendimento de que
a eles são aplicáveis as normas de medicina, saúde e segurança do trabalho dispostas nas NR’s do
MTE.

Nunca restou, portanto, resquício de dúvida a respeito da competência do


MPT para atuar nas questões de meio ambiente de trabalho público quando havendo servidores
sob à égide da CLT.

De todo modo, tendo em vista a citada decisão da mais alta Corte do país,
na RCL 3303, fixou-se o entendimento de que o Ministério Público não só pode, como deve atuar
em face de entes públicos, a fim de se exigir o cumprimento das normas de saúde, segurança e
medicina laborais, independentemente do vínculo jurídico com seus servidores.

Sobre a questão, assim se manifestou o Exmo. Relator, Ministro Carlos


Britto, in verbis:

O Ministério Público tem a prerrogativa e o poder-dever de fazer prevalecer esse direito


em face dos poderes públicos eventualmente inadimplentes, em ordem a viabilizar o
respeito e a integridade dos serviços públicos essenciais, como aquele que concerne ao
direito à saúde e à higiene do trabalho.99

Por seu turno, asseverou o Exmo. Ministro Celso de Mello:


Na realidade, o próprio fundamento constitucional da pretensão aduzida pelo Ministério
Público do Trabalho, em sede de ação civil pública, reside no inciso II do art. 129 da
Constituição. Ora, esse dispositivo, ao dispor sobre as funções institucionais do
Ministério Público, qualifica o “Parquet” como verdadeiro defensor do povo, ao
estabelecer que cabe, ao Ministério Público, “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes
Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta
Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia.
(...)
Na realidade, o Ministério Público, legitimado ativamente ao ajuizamento da ação civil
pública, invoca a proteção jurisdicional a direitos e a interesses transindividuais, com
apoio numa cláusula da Constituição que lhe assegura uma das mais relevantes funções
institucionais: a de atuar como verdadeiro defensor do povo.

Depreende-se da decisão que o foco da discussão, longe de qualquer


debate acerca da natureza do vínculo dos trabalhadores com o Poder Público, relaciona-se
diretamente à verificação de competência da Justiça do Trabalho e legitimidade do MPT para
questões atinentes às normas de saúde, segurança e higiene do trabalho, cujas hipóteses foram
confirmadas pela Suprema Corte.

Vale dizer, o Parquet trabalhista pode e deve atuar junto aos órgãos da
Administração Direta e Indireta a fim de verificar o fiel cumprimento das normas atinentes ao
meio ambiente laboral, garantindo-se, dessa forma, condições sadias, seguras e hígidas aos
trabalhadores que prestam serviço público.
CONCLUSÃO

O direito ao meio ambiente de trabalho equilibrado, inserto no art. 7º c/c


art. 225, § 1º, da Constituição da República, está intimamente relacionado com o direito à vida e
à saúde, porquanto estes são os bens jurídicos os quais visa a tutelar de forma imediata. Constitui,
então, direito fundamental de todos os trabalhadores.

Ademais, infere-se dos arts. 7º, inc. XXII, e 196 da Constituição Federal
que o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho encontra-se diretamente ligado à política
social preventiva e de recuperação da saúde. Assim, a questão da saúde dos trabalhadores deve
ser encarada com a mesma seriedade depositada nas políticas nacionais de prevenção e promoção
de saúde, tendo em vista o principal bem jurídico em atenção: a própria vida.

À vista da saliência do tema, o primeiro capítulo observou que há, no


ordenamento jurídico brasileiro, diversos mecanismos de ordem contitucional ou mesmo
infraconstitucional direcionados à defesa da saúde do trabalhador especificamente ou de forma
genérica. O meio ambiente de trabalho deve, pois, estar adequado, de modo a ser preservada a
integridade física e psíquica do trabalhador.

Diante disso, conforme pontuado no capítulo 2, revela-se de singular


importância a atividade exercida pelos órgãos fiscalizadores das condições de trabalho –
Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho, a fim de se dar efetividade à
lei, por meio de ações de prevenção e coação aos infratores. Mister ressaltar o dever
constitucional do Estado de fazer cumprir as normas de saúde, segurança e higiene laborais (art.
21, inc. XXIV, da CF).

Por outro lado, ao mesmo passo em que é atribuição do Poder Público


exigir a observância das normas atinentes ao meio ambiente de trabalho, observa-se que muitos
entes públicos se negam, por vezes, a cumprir as mesmas normas, alegando para tanto o fato de
estas estarem previstas na Consolidação das Leis do Trabalho e/ou nas Normas
Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego e, desse modo, não aplicáveis aos seus
servidores regidos por estatuto próprios.

Aliado a isso, salientou o terceiro capítulo a carência de produção


legislativa designada exclusivamente à redução dos riscos do meio ambiente laboral dos
servidores públicos, mormente os de natureza tipicamente estatutária, o que tem provocado,
muitas vezes, precárias condições de trabalho nas repartições públicas.

Inobstante a falta de normas específicas, por força da interpretação


conjugada dos arts. 39, § 3º, e 7º, inc. XXII, da Constituição Federal, não resulta senão o
entendimento de que é direito social indisponível dos servidores públicos “a redução dos riscos
inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.

Outrossim, é inaceitável que sejam suprimidos direitos mínimos de saúde e


segurança a uma espécie de trabalhadores unicamente pela condição que ostentam de servidores
da Administração Pública, quando esta posição mereceria ser somada às razões em que se
fundamenta o intérprete na aplicação do direito em discussão, sob pena, inclusive, de
transgressão dos princípios constitucionais da igualdade e dignidade.

Para corroborar o que se pretendeu defender, neste trabalho, tem-se a


recente decisão exarada nos autos da Reclamação nº 3303, pelo STF, a qual foi oportunamente
analisada no capítulo 3. No julgado, o Pleno do Supremo assentou a tese de que compete à Justiça
Trabalhista apreciar e julgar as causas que tenham como objeto exigir o cumprimento das normas
relativas a saúde, segurança e higiene laborais, longe de debate acerca da natureza da relação
trabalhista.

Assim, considerando a paradigmática decisão da Suprema Corte, resta


inquestionável a competência material da Justiça do Trabalho nas causas que versem sobre as
condições de trabalho, no que toca à saúde e segurança dos trabalhadores, ainda que seja
exclusivamente o ambiente de trabalho de servidores públicos de vínculo estatutário. Do mesmo
modo, passa a ser evidente e indiscutível o dever dos entes públicos de observar as normas de
redução dos riscos inerentes ao trabalho.

Desta feita, a conclusão mais razoável a que se pode chegar é que somente
através de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico pátrio será possível a inclusão
de todos os trabalhadores no que tange às normas de segurança, saúde e higiene do trabalho, sob
pena de se perpetuar o grave quadro de acidentes e doenças do trabalho existentes.

De outro ângulo, faz-se importante pontuar que a observância das normas


em debate, pelos entes públicos, deve ser encarada não somente como atendimento obrigatório à
legislação, mas primordialmente como iniciativas oportunizadoras de melhores quadros de
eficiência e gerência.

Impende ressaltar, por fim, a busca por um meio ambiente de trabalho mais
seguro e sadio a todos os trabalhadores, o que incluem os servidores públicos, por meio de
normas de saúde, segurança e higiene do trabalho já existentes, e de outras que virão a surgir,
coaduna-se com o progresso, na medida em que a prevenção de acidentes e outros males no
ambiente laboral tende a permitir melhores condições de vida e satisfação, e, logo, maior
produtividade.
Stress e Qualidade de Vida em Magistrados da Justiça do
Trabalho: Diferenças entre Homens e Mulheres

Os mecanismos de ação do stress no funcionamento jornalistas (Proença, 1998), médicos (Lipp, Sassi & Batista,
humano têm recebido a atenção de pesquisadores em 1997) entre outros. No entanto, pouco se conhece do
nível internacional (Everly, 1995; R. S. Lazarus & B. N. stress em juízes. O número de estudos nesta área é mínimo
Lazarus, 1994; Wright & Cropanzano, 2000) que identificaram e a maioria se refere à realidade americana. Por exemplo,
conseqüências negativas no funcionamento físico (Di Martino, Showalter e Martell (1985) estudaram características da
1992; Mancia & Parati, 1987) e no mental (Myers, 1995; personalidade de juízes, Zimmerman (1981) analisou o
Teicher, Ito, Glod, Schiffer & Gelbard, 1996), na medida conflito enfrentado pelos juízes gerado pelo que seria o
em que o stress pode contribuir para a ontogênese de várias ideal em um caso e a realidade da esfera legal e Eells e
doenças físicas e psiquiátricas. Há também indicação de que Showalter (1994) analisaram o nível de stress em juízes de
um estado prolongado de stress possa interferir com o bem- tribunal e seu impacto na habilidade de tomar decisões
estar psicológico e a qualidade de vida das pessoas (Kaplan, judiciais. No Canadá, Rogers, Freeman e LeSage (1991)
1995; Lipp, 1997). publicaram o primeiro levantamento sistemático sobre o
As pesquisas na área de stress têm incluído o estudo stress ocupacional de juízes naquele país e identificaram a
dos efeitos negativos do stress no que se refere à profissão. solidão e isolamento da atividade judicante como uma das
Muitas ocupações têm recebido atenção, sendo que, no maiores fontes de stress na profissão. No Brasil, encontra-se
Brasil, já se encontram trabalhos sobre o stress ocupacional o trabalho de Vianna, Carvalho, Melo e Burgos (1997)
de policiais militares (Romano, 1989), executivos (Soares, intitulado “Corpo e alma da magistratura brasileira” que,
1990), de psicólogos (Covolan, 1989), bancários (Silva, embora não direcionado para o estudo do stress, revela várias
1992), atletas (Maciel, 1997), professores (Reinhold, 1997), características e fontes de stress na Magistratura.
A atividade judicante encontra-se entre as mais
conceituadas e respeitadas universalmente, mas ao mesmo
tempo, ela envolve uma responsabilidade de grande
monta pelo seu impacto na sociedade no geral e uma solidão arteriosclerose, distúrbios no ritmo cardíaco, enfarte e
pronunciada que envolve o ato de julgar. A estes fatores, derrame cerebral. Outras doenças que podem ocorrer em
acrescentam-se uma carga grande de processos a serem função do stress são diabetes, câncer (em face de diminuição
julgados e o peso emocional do julgamento, além das da imunidade), úlceras, gastrites, doenças inflamatórias,
expectativas da comunidade quanto a um comportamento colites, problemas dermatológicos (micoses, psoríase, queda
e um viver absolutamente exemplar por parte das pessoas de cabelo), problemas relacionados à obesidade e problemas
que a exercem. O próprio ato de julgar já foi identificado sexuais como impotência e frigidez entre outros. Além das
por Rogers e colaboradores (1991) como um estressor de patologias físicas e mentais que podem ocorrer, há também
grande impacto. No que se refere à sobrecarga dos uma queda na habilidade de se concentrar e de pensar de
processos, Zimmerman (1981) verificou em uma pesquisa modo lógico com conseqüente queda de produtividade.
que envolveu entrevistas extensas com juízes americanos que Lipp, Romano, Covolan e Nery (1986) e Fontana (1991)
quando os processos a serem julgados se acumulam, surge descrevem os efeitos do stress excessivo na produtividade:
uma sensação de falta de controle, desalento e angústia ocorre um decréscimo da concentração e atenção
mesmo nos mais competentes e dedicados dos juízes. aumentando a desatenção diminuindo os poderes de
O stress pode ser definido como uma reação muito observação. As memórias de curto e longo prazo
complexa, composta de alterações psicofisiológicas que deterioram-se, reduzindo-se a sua amplitude e o
ocorrem quando o indivíduo é forçado a enfrentar reconhecimento, mesmo de aspectos familiares, diminui. A
situações que ultrapassem sua habilidade de enfrentamento velocidade da resposta torna-se imprevisível, aumentam os
(Lipp, 1997). A função destas respostas é a adaptação do índices de erros, perdem-se os poderes de organização e o
indivíduo à nova situação, gerada pelo estímulo desafiador. planejamento em longo prazo. Aumentam as tensões e os
O stress pode produzir efeitos negativos como a fadiga, distúrbios de pensamento. Ocorrem mudanças nos traços
tensão muscular que podem aparecer não só quando ocorre de personalidade e crescem os problemas já existentes.
uma experiência trágica, como a morte de algum amigo ou Enfraquecem-se as restrições de ordem moral e emocional
parente, mas também em outras situações diversas, como e aparecem a depressão e a sensação de desamparo. A auto-
mudanças de emprego, trabalho com excesso de tarefas estima diminui. Adicionalmente, podem aumentar ou
que devem ser realizadas em curto espaço de tempo, pressão aparecer os problemas de articulação verbal, diminuir o
constante no trabalho, exigências ocupacionais exageradas e interesse e o entusiasmo pelo trabalho, aumentando o
outros fatores (Everly, 1995). A natureza do estressor pode número de faltas. Os níveis de energia ficam reduzidos,
ser negativa, como perdas ou dificuldades familiares ou rompem-se os padrões de sono e o uso de drogas pode
positiva, como um reconhecimento profissional, um se instalar. É comum ocorrer o cinismo em relação aos
aumento salarial, conforme mencionado por Selye (1956) e colegas ou a própria clientela e uma tendência a ignorar
Holmes e Rahe (1967). O que determina se sintomas de novas informações resolvendo os problemas de forma
stress vão ocorrer é a capacidade do organismo de atender cada vez mais superficial.
às exigências do momento, independentemente destas serem Além disto, o desgaste causado pelo stress pode levar
de natureza positiva ou negativa. A resistência aos desafios a pessoa ao estado de burnout termo popular nos Estados
enfrentados é também influenciada consideravelmente pelas Unidos, nos últimos 10 anos, que descreve uma realidade
estratégias de enfrentamento, ou coping, presentes no de stress crônico em profissionais cujas atividades exigem
repertório da pessoa. Folkman e Lazarus (1988), Nacaratto um alto grau de contato com as pessoas (Perlman &
(1995), Savoia, Santana e Mejias (1996) e Zakir (2001) Hartman, 1982). É caracterizado por sintomas e sinais de
tem enfatizado o conceito de coping como fator mediador exaustão física, psíquica e emocional que ocorrem quando
entre o estímulo desafiador e o desenvolvimento da reação as tarefas intelectuais exigem grande qualificação intelectual,
do stress. Antoniazzi, Dell’ Aglio e Bandeira (1998) fazem decisões importantes e têm um peso emocional muito
uma revisão sobre o conceito de coping, que mostra a intenso (França, 1987).
necessidade de se considerar a mediação de fatores internos A relação entre stress e qualidade de vida tem recebido
na ação de eventos os quais podem ser interpretados como atenção dos pesquisadores brasileiros, como Curcio (1991),
estressantes ou não por pessoas diferentes. Malagris (1992) e Silva (1992). Qualidade de vida é um estado
O processo do stress se divide em três fases: alerta ou de bem-estar físico, mental e social e não só a ausência de
alarme, resistência e exaustão, sendo que os sintomas se doenças. As pessoas que se consideram felizes atribuem sua
diferenciam dependendo da seriedade do s t r e ss . felicidade ao sucesso em quatro áreas (social, afetiva, saúde
Pesquisadores mencionam inúmeras complicações que e profissional). O stress ocupacional, segundo Couto (1987),
podem surgir como parte de reações a situações estressantes: interfere na qualidade de vida modificando a maneira como
o indivíduo interage nas diversas áreas da sua vida. Dessa prioridades, o nível de autoridade e de autonomia, a
forma, na área familiar pode ocorrer alta incidência de incerteza quanto ao futuro, o convívio com colegas
desajustamentos. O pouco tempo dedicado à família em insatisfeitos são fatores estressantes relacionados ao stress
função do alto investimento no trabalho acarreta a falta de ocupacional.
suporte e apoio quando necessário. Na área social, podem No que se refere às fontes de stress identificadas nos
ocorrer o isolamento e a conseqüente falta de amigos. juízes, os poucos trabalhos existentes nos EUA e no Canadá
Culturalmente, pode ocorrer rigidez comprometedora do apontam para fatores como: sobrecarga de processos
desempenho em função da grande resistência a mudanças (Zimmerman, 1981), solidão do ato de julgar (Rogers &
desenvolvida. A criatividade fica prejudicada e um cols., 1991), conflitos entre valores profissionais e pessoais
empobrecimento de valores pode ocorrer, principalmente (Eells & Showalter, 1994) e determinadas características de
se a pessoa assume uma forte tendência a buscar ou a se personalidade(Showalter & Martell, 1985; Suran, 1982).
manter no poder. Nenhum trabalho foi encontrado enfocando
Torna-se claro que os efeitos do stress excessivo e contínuo especificamente as fontes de stress ocupacional do juiz
não se limitam ao comprometimento da saúde. O stress brasileiro.
pode, além de ter um efeito facilitador no desenvolvimento A carreira de juiz é especialmente difícil, por exigir
de inúmeras doenças, propiciar um prejuízo para a qualidade muitos sacrifícios de ordem pessoal e uma clareza das
de vida e a produtividade do ser humano, o que gera um limitações impostas. Por outro lado, o juiz não se mantém
interesse grande pelas causas e pelos métodos de redução indiferente e imperturbável diante dos múltiplos problemas
do stress. e situações que se lhe apresentam. O juiz, no seu papel de
Segundo Lipp (1984), o stress pode ser originado de intérprete e distribuidor de justiça, deve ter a permanente
fontes externas e internas. As fontes internas estão preocupação de bem aferir as desigualdades sociais, o que
relacionadas com a maneira de ser do indivíduo, tipo de pode gerar um considerável nível de stress (Zimmerman,
personalidade e seu modo típico de reagir à vida. Muitas 1981).
vezes, não é o acontecimento em si que possa ser
estressante, mas a maneira como é interpretado pela Perfil do Magistrado Brasileiro
pessoa. Os estressores externos podem estar relacionados Vianna e colaboradores (1997) traçaram o perfil do
com as exigências do dia-a-dia do indivíduo como os juiz brasileiro como se descreve a seguir. No Brasil, a
problemas de trabalho, familiares, sociais, morte ou idade média dos juízes concursados em atividade é de
doenças de um filho, perda de uma posição na empresa, 42,4 anos. As diferenças no perfil etário da magistratura
não concessão de um objetivo de trabalho, perda de dinheiro são significantes quando considerados alguns Estados. Rio
ou dificuldades econômicas, notícias ameaçadoras, assaltos Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco têm,
e violências das grandes cidades, etc. Muito freqüentemente, respectivamente, 51%, 54% e 56% dos juízes com até 40
o stress ocorre em função da ocupação que a pessoa exerce. anos de idade, distinguindo-se do Rio de Janeiro, cujo
Kyriacow e Sutcliffe (1981) definem o stress ocupacional índice é de cerca de 33,7%. A Justiça Federal e a Justiça
como um estado emocional desagradável, pela tensão, do Trabalho apresentam um perfil etário mais jovem.
frustração, ansiedade, exaustão emocional em função de Quanto à participação feminina, as regiões Norte e Sul
aspectos do trabalho definidos pelos indivíduos como assinalam índices superiores a 20%, sendo que o Rio de
ameaçadores. O stress ocupacional agrava-se quando há Janeiro conta com cerca de 30% de mulheres nos quadros
por parte do indivíduo a percepção das responsabilidades da magistratura.
e poucas possibilidades de autonomia e controle. As No que diz respeito à formação universitária, a idade
dificuldades em adaptar-se a essas situações levam ao média de ingresso no curso de Direito é de 21,8 anos,
stress. Dessa forma, a adaptação de um indivíduo a uma situando-se a mediana em 25 anos. A duração média do
nova situação requer um investimento de recursos que curso é de 5,3 anos. Observa-se, ainda que a trajetória
vai depender do seu tipo de comportamento, suas crenças universitária do magistrado é significativamente dependente
e expectativas frente ao mundo. de suas origens familiares: o ingresso tardio no curso de
Para Albrecht (1988), os estressores podem ser Direito associa-se a um perfil familiar de escolaridade mais
classificados em três fatores, na situação de trabalho: baixa e de ocupações menos qualificadas. Com relação ao
físicos, sociais e emocionais. Para R. S. Lazarus e B. N. ingresso na magistratura, o intervalo médio entre a graduação
Lazarus (1994), a sobrecarga de trabalho, causada pela em Direito e o concurso à magistratura é de 5,9 anos,
designação de muitas tarefas com prazos curtos para sua situando-se a mediana em 5 anos. Este fato sugere que a
execução, e com muitas interrupções, a ambigüidade de opção pelo concurso público é majoritariamente precoce,
observando-se, ainda, uma tendência ao ingresso mais rápido Os poucos estudos encontrados na área do stress
na magistratura entre aqueles que se graduaram mais cedo. ocupacional de juízes além de se referirem a outros países,
A trajetória típica de um juiz inclui a passagem por abrangem todos os tipos de juízes, não averiguando as
um período probatório de 2 anos – em geral, em juízo diferenças entre as várias funções por eles exercidas. Por
único, antes de adquirir vitaliciedade. No estágio inicial exemplo, não se encontrou nenhum estudo que
de sua carreira, o juiz experimenta uma significativa especificamente abordasse o stress do Magistrado do
mobilidade: cerca de 60% dos magistrados permaneceram Trabalho.
um tempo inferior a 5 anos no órgão em que adquiriram A presente pesquisa visou suprir esta lacuna estudando
vitaliciedade. Quanto ao tempo de permanência na carreira, o stress ocupacional de juízes do trabalho no Brasil. Os
71,9% dos juízes aposentados à época da pesquisa exerceram objetivos principais foram averiguar a incidência e
suas atividades por mais de 10 anos, com um tempo médio sintomatologia de stress bem como o nível de qualidade
de 17,6 anos. de vida nas áreas social, saúde, profissional e afetiva de
O juiz de primeiro grau da Justiça Comum – bem Magistrados do Trabalho. Adicionalmente, pesquisou-se
como dos demais ramos da Justiça – inicia sua carreira as fontes de stress relacionadas a atividade judicante para
como juiz não vitalício, cumprindo um período melhor se conhecer as variáveis que possam vir a ocasionar
probatório de 2 anos, usualmente em uma comarca de dificuldades nesta classe ocupacional. Investigaram-se
menor importância situada no interior do estado. Nessas também as estratégias mais tipicamente utilizadas por juízes
condições, ele se encontra exposto a uma multiplicidade do trabalho em uma tentativa natural de lidar com o
temática, exercendo judicatura penal, cível, administrativa, stress excessivo.
e, em alguns casos menos freqüentes, matérias federal e Método
trabalhista – 65,5% dos juízes adquiriram vitaliciedade
em juízos únicos, onde são julgados feitos de toda natureza. Participantes
Sua confirmação como juiz vitalício depende, pelo menos A amostra foi composta por 75 Magistrados da Justiça
em tese, da aferição do seu bom desempenho durante esses do Trabalho da 15ª Região que aceitaram participar
dois primeiros anos de atividade. Especialmente nessas anonimamente da pesquisa. Este número representa um
pequenas comarcas, mais do que viver um processo solitário retorno espontâneo de 53% dentre os 140 Magistrados
em que ele internaliza os papéis descritos e esperados da sua para quem os questionários foram enviados, não tendo
profissão, o juiz tem a sua experiência dramatizada pelo havido qualquer insistência adicional por parte da
desenraizamento e pelo isolamento cultural e social – 49,4% Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da
adquiriram vitaliciedade em comarcas de primeira estância. 15a. Região (AMATRA XV) quanto à devolução dos
Para os juízes de segundo grau concursados, o tempo médio instrumentos, além da solicitação inicial.
de permanência como juiz vitalício de primeiro grau situa-
se em 16,3 anos. Materiais e Instrumentos
Há uma elevada mobilidade no início da carreira do A coleta de dados utilizou um questionário de
magistrado, cujo primeiro patamar o retém por muito identificação elaborado com a finalidade de se obter
pouco tempo, ao estilo da carreira militar. O juiz transita informações gerais sobre os participantes como o sexo,
rapidamente pelos estágios iniciais da carreira, permanecendo estado civil, tempo de profissão, cargo ocupado, dados
estacionado por um longo período nas principais estâncias, do cônjuge e filhos. Incluía também uma questão sobre a
aguardando uma eventual promoção para os tribunais de fase da carreira quando o stress foi percebido como mais
segundo grau. A grande concentração dos juízes no patamar intenso e solicitava-se que incluíssem outros dados que
intermediário da carreira consiste em um elemento estrutural eles considerassem relevantes. O nível de stress e sua
que tenciona o sistema, incentivando entre eles uma sintomatologia foram avaliados através do uso do
competição, cujas regras se tornam evidentes apenas quando Inventário de Sintomas de Stress (ISS) elaborado com
o critério de promoção está referido à antigüidade. base nos conceitos de Selye e validado por Lipp e
A dinâmica de trabalho dos juízes, profissionais cuja rotina Guevara (1994). O ISS é composto de três quadros cada
implica em excesso de tarefas com tempo escasso para a um se referindo a uma das fases do processo de stress, de
sua realização, responsabilidade por estar diante de tomada acordo com o modelo trifásico de Selye (1956). Permite
de decisões sobre a vida do outro e falta de reconhecimento avaliar os sintomas de stress tanto ao nível cognitivo como
são alguns do estressores que podem comprometer a saúde ao nível somático e possibilita ainda identificar a fase de
física e psicológica se estratégias adequadas e suficientes não stress em que o indivíduo se encontra. O respondente é
forem utilizadas. solicitado a indicar se tem tido o sintoma de stress
especificado em cada quadro em 24 horas, 1 semana ou 1 enfrentamento. Algumas das estratégias utilizadas segundo
mês. Os dois primeiros quadros, que se referem às fases de as respostas dos participantes foram: “peço ajuda a Deus,
alarme e resistência respectivamente, contam com 15 itens converso com o cônjuge, pratico exercícios físicos, vou
cada e o terceiro quadro, que permite o diagnóstico do ao cinema”, entre outras.
stress já em fase de exaustão, possui 23 itens. A avaliação é
feita em termos das tabelas percentuais do teste. Procedimentos
A fim de verificar qual a percepção que os juízes tinham Cento e quarenta juízes, dos quais 75 responderam,
quanto ao stress ocupacional que o exercício da Magistratura foram contatados por carta enviada pela Associação dos
do Trabalho envolve, foi solicitado que cada respondente Magistrados da Justiça do Trabalho da 15 ª Região
desse uma nota de 1 a 10, sendo 10 a nota indicadora de (AMATRA XV) na qual o presidente da associação solicitava
“Extremamente estressante” e 1 “Pouco estressante” ao a colaboração dos juízes em responderem aos questionários.
stress ocupacional da sua atividade. Esta escala de avaliação Uma carta das pesquisadoras foi incluída explicando os
do stress foi utilizada pelo Instituto de Ciência e Tecnologia objetivos da pesquisa e fornecendo informações sobre o
da Universidade de Manchester em 1992 em um estudo sigilo e a liberdade em optar pela participação ou não no
que comparou 19 profissões quanto ao nível de stress estudo. Os instrumentos que compõem a bateria de testes
ocupacional envolvido em cada uma (University of organizada especificamente para a avaliação do nível de stress
Manchester, 1987). do juiz do trabalho foram anexados. Os inventários foram
O Inventário de Qualidade de Vida (IQV), publicado por enviados à AMATRA XV em envelopes fechados para
Lipp e Rocha em 1995, foi utilizado com o objetivo de serem preenchidos e, posteriormente, devolvidos fechados
identificar indicadores do nível de qualidade de vida dos às pesquisadoras, sendo depois analisados. Deste modo,
participantes. O IQV é composto por questões referentes a somente as pesquisadoras e sua equipe tomaram contacto
aspectos da vida referentes aos quadrantes: profissional, com as respostas dos participantes o que garantiu o sigilo
saúde, social e afetivo. O conjunto de respostas dadas aos das respostas.
quadrantes indica o nível de qualidade de vida da pessoa
avaliado pela presença de indicadores de problemas nestas Resultados e Discussão
áreas de funcionamento. Não pretende identificar a presença
real de doenças, mas sim de indicadores que poderiam Análise de dados
eventualmente contribuir para o desenvolvimento de Primeiramente, a amostra foi caracterizada em termos
problemas de saúde. Verifica, por exemplo, se a pessoa faz percentuais quanto a sexo, idade, estado civil, número de
ou não relaxamento regularmente; se pratica esportes com filhos e tempo de exercício de Magistratura. O período
regularidade e se consume uma alimentação saudável. do exercício da ocupação considerado mais estressante
A fim de se identificar as causas do stress ocupacional foi analisado em percentagens dos que indicaram cada
do grupo, utilizou-se o Inventário de Fontes de Stress de período de tempo como mais tenso. Os dados coletados
Juízes (IFSJ), que aparece no Anexo A, especialmente foram analisados também percentualmente quanto à
elaborado para esta pesquisa com base em um estudo- prevalência do s t r e ss e qualidade de vida entre os
piloto do qual fizeram parte 4 juízes As principais fontes respondentes em geral e por sexo. O teste t foi utilizado
de stress por eles mencionadas foram relacionadas a para analisar as diferenças quanto ao stress de juízes por
dificuldades na vida familiar em função das exigências sexo e a prova do Qui quadrado foi aplicada para se avaliar
do trabalho, a sobrecarga, a falta do reconhecimento do o nível de associação entre sintomas de stress e níveis de
seu trabalho e a dificuldades no relacionamento com os qualidade de vida. Um nível de significância de p=0,05
colegas de trabalho. As respostas foram então classificadas foi pré-determinado.
em categorias de eventos segundo a área das dificuldades
apontadas. Entre eles citam-se os eventos econômicos; Caracterização da amostra
eventos que indicam insegurança, eventos que envolvem Cinqüenta e três por cento dos magistrados contatados
sentimentos de impotência e fracasso, eventos ligados ao responderam à solicitação para participarem da pesquisa.
relacionamento no trabalho, e outros. Este índice de resposta pode ser considerado satisfatório
Como parte do estudo-piloto, coletou-se dados que considerando-se que esta classe ocupacional possui uma
permitiram a elaboração do instrumento Inventário de quantidade grande de processos aos quais necessita analisar
Estratégias de Manejo do Stress dos Magistrados (IESM) dentro de prazos determinados, o que poderia interferir
utilizado. O IESM foi também baseado nos conceitos com a disposição para responder aos vários questionários
de Girdano e Everly (1979) quanto às estratégias de da pesquisa. A análise dos dados revelou que a amostra
espontânea era constituída de 51% de mulheres e 49% amostra apresentavam sintomatologia típica de um quadro
de homens com 47% do total na faixa etária entre 30 e de stress. Observe-se também que 1,3% se encontravam
39 anos. Embora esta predominância tenha sido na fase de exaustão do stress, que é a fase mais adiantada
encontrada tanto para juízes de um sexo como do outro, quando doenças graves já estão presentes. Somente 29%
identificou-se mais mulheres com menos de 29 anos, ou não tinham sintomas de stress. A incidência de stress nos
seja, 18% de mulheres e 11% de homens. Revelando uma juízes do trabalho foi a mais alta encontrada nas pesquisas
tendência mais recente da entrada de mulheres na nacionais sobre o stress ocupacional, quando se compara
Magistratura, como já encontrado por Vianna e policiais militares com 65% (Romano, 1997); jornalistas
colaboradores, em 1997. Somente 12% da amostra total com 62% (Proença, 1998), enfermeiras com 60% (Villar,
tinham mais de 50 anos, revelando o rejuvenescimento da 1992) e executivos com 41% (Proença, Bortoletto & Lipp,
Magistratura. No que se refere ao estado civil, 57 dos 75 1996). O alto nível de stress encontrado confirma a avaliação
respondentes eram casados, notando-se uma incidência de realizada pelos próprios juízes quanto ao fato de ser a
somente quatro divorciados na amostra, sendo três mulheres profissão altamente estressante, comparando-se com dados
e um homem. Sessenta e três por cento da amostra total da literatura internacional com o stress de trabalhadores de
havia ingressado na Magistratura há menos de 5 anos e apenas minas e maior do que o de pilotos de avião (University of
11% há mais de 10 anos o que se explica pela idade bastante Manchester, 1987).
jovem da maioria dos respondentes. Quarenta e um por
cento dos juízes estavam casados há mais de 10 anos e tinham
dois filhos. Do total, 30% residia com mais três pessoas em
casa e somente um juiz residia sozinho.

Época de maior stress


Quase metade da amostra considerou que o primeiro
ano do exercício da carreira havia sido a mais estressante,
31% considerou que o stress ocupacional do juiz tem caráter
cíclico e 20% alegou que o stress tende a se acumular,
aumentando com o tempo. O alto nível de stress expe–
rimentado no primeiro ano aponta para a necessidade de
uma melhor iniciação e de apoio dos colegas mais experientes
no início da carreira de Magistrado da Justiça do Trabalho. A avaliação dos sintomas mais freqüentemente
O caráter cíclico e cumulativo do stress através dos anos mencionados pelos juízes revelou que 71% deles tinham
torna clara a necessidade de um treinamento especializado uma sensação de desgaste físico constante, 60% sofriam
no manejo do stress que possa evitar o impacto aversivo do de tensão muscular e 52% apresentavam irritabilidade
s t r e ss em uma população tão jovem e de tanta excessiva. Considerando-se as exigências habitualmente
responsabilidade perante a sociedade. colocadas nesta classe ocupacional quanto à paciência que
é necessária na análise e julgamento dos processos e à
Percepção do stress ocupacional sobrecarga de trabalho habitual, há de se considerar a
A média da nota aferida pelos juízes à sua atividade seriedade da alta incidência do stress e da sintomatologia
profissional, no geral, foi a de 8 com desvio-padrão de 2, encontrados. A fim de desenvolver suas atividades de
indicando que o grupo considera o exercício da atividade modo produtivo e preciso, pessoas com nível tão elevado
da Magistratura do Trabalho como altamente estressante. de s t r e ss precisariam estar despendendo um esforço
A nota de 8,3 aferida pelos juízes foi semelhante a que o extraordinariamente alto. Sabe-se que o stress excessivo
estudo do Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade interfere com o raciocínio lógico, a memória e a habilidade
de Manchester (University of Manchester, 1987) obteve para de decisão (Lipp & Malagris, 1995), deste modo, torna-
as pessoas que trabalham em minas (8,3), maior do que a se de grande importância para a sociedade que trabalhos
de policiais (7,5), piloto de avião (7,5) e bombeiros (6,3). de prevenção do stress excessivo sejam realizados com
os juízes da Justiça do Trabalho a fim de se garantir
Incidência de stress e sintomatologia mais freqüente julgamentos que não reflitam as complicações do stress
A Figura 1 mostra as percentagens de juízes com e sem ocupacional. Qualquer profissão que seja capaz de criar
stress podendo-se verificar que aproximadamente 71% da tais níveis de stress em quem a exerça exige uma atenção
especial por parte de profissionais da saúde e também significando que o stress é maior em juízas em função da
por parte das associações de classe a fim de que o bem- ocupação exercida. Este dado, que tem inclusive implicações
estar não só destes profissionais seja preservado, mas para o bem-estar das famílias, aponta para a necessidade de
também para que a sociedade possa ser protegida das um melhor preparo emocional e treinamento em prevenção
conseqüências que o stress excessivo pode acarretar. Há do stress para o exercício da Magistratura do Trabalho. Isto
de se considerar a necessidade de uma avaliação profunda é especialmente importante considerando-se que, de acordo
e identificação de possíveis mudanças das demandas que com Vianna e colaboradores (1997), a maior concentração
se inserem na Magistratura a fim de que melhores condições de juízas se encontra na Justiça do Trabalho. As diferenças
de trabalho sejam alcançadas por esta classe ocupacional. em gênero encontradas merecem atenção em que não só
Que condições ambientais sejam reestruturadas dentro das a ocupação de juiz do trabalho poderia estar gerando
organizações foi sugerido por Wright e Cropanzano (2000) um alto nível de stress para as mulheres entrevistadas, mas
e N. Warren, Dillon, Morse, Hall e A. Warren (2000) como também as condições sociais que as levam a ter que
um modo de se reduzir o stress ocupacional a um nível não- despender um esforço maior para lidarem com as exigências
tóxico. No caso presente, ficou clara a necessidade de uma da vida diária, quer no seio da família, quer no seu ambiente
análise detalhada quanto a que condições ocupacionais de trabalho. Dentre estes fatores contribuintes para um nível
poderiam ser modificadas para garantir uma vida menos de stress patológico pode se apontar o que é conhecido como
estressante para os juízes do trabalho. a jornada tripla de trabalho que ocasiona uma redução no
número de horas do sono e que, conseqüentemente, pode
Comparação entre o nível de stress de juízes e juízas acarretar uma série de problemas de saúde (Lipp, 2001).
A grande maioria do entrevistados se encontravam na A jornada tripla de trabalho se refere ao fato de que
fase de resistência do stress (68%). Esta fase, a intermediária muitas mulheres além das funções regulares de esposa /
no processo do stress, se caracteriza pelo cansaço físico e mãe, exercem posições profissionais de destaque e após
mental, dificuldades com a memória e uma maior a família ir descansar ou dormir elas iniciam uma terceira
vulnerabilidade a que doenças geneticamente programadas jornada, cuidando de projetos ou tarefas que trouxeram
ou infecciosas ocorram devido à baixa no funcionamento para terminar em casa e que não puderam concluir até
do sistema imunológico. A produtividade pode também tarde por terem de cuidar da família. A terceira jornada
ser reduzida devido aos sintomas que aparecem. Se o se constitui em uma sessão de trabalho que se estende até
organismo não consegue reverter o processo, a pessoa entra altas horas da noite, em cujo caso a pessoa deixa de
na fase de exaustão quando ela fica quase que impossibilitada dormir o número de horas necessário para seu bem-
de exercer suas funções. estar e pode entrar em um processo de agravamento do
Analisou-se a diferença entre juízes de acordo com o stress já existente ou desencadeamento do stress em si.
sexo e verificou-se, como pode ser visto na Figura 2, que
Avaliação da qualidade de vida
Na análise dos dados quanto à qualidade de vida,
torna-se importante considerar que o instrumento utilizado
(IQV) tem por objetivo avaliar as condições atuais do
respondente em cada uma das quatro áreas pesquisadas
(social, afetiva, profissional e saúde) que poderiam
eventualmente levar a problemas mais sérios. O IQV não
objetiva diagnosticar problemas de saúde, por exemplo,
mas sim as condições básicas que, se mantidas, poderão
eventualmente favorecer o aparecimento de doenças. A
Figura 3 revela que aproximadamente 80% dos avaliados
mostraram indicações de dificuldades quanto à qualidade
aproximadamente 82% das juízas e 56% dos juízes do de vida na área da saúde, 41% na área afetiva, 39% na
sexo masculino apresentavam stress mostrando uma área profissional e 36% na área social. No total, o IQV
diferença significativa entre os sexos (t= 2,24, p=0,02). indicou que a amostra de juízes pareceu se encontrar
Pesquisas recentes tem revelado uma maior incidência bastante prejudicada em termos de qualidade de vida, o
de stress em mulheres brasileiras do que em homens (Lipp, que é de se esperar considerando a alta incidência de stress
Pereira, Floksztrumpf, Muniz & Ismael, 1996), mas a verificada no grupo. É preocupante, no entanto, verificar
diferença encontrada na amostra de juízes é muito grande que a Magistratura, órgão de tal importância para a sociedade
no geral, esteja sendo exercida por profissionais que, devido correpondem às responsabilidades, ao desgaste e à
às próprias pressões ocupacionais, se encontrem tão importância do cargo (95%), 3) falta de tempo para
altamente prejudicados na área da saúde e na sua qualidade atualização (93%) e 4) sacrifício do tempo dedicado à vida
de vida, no sentido mais amplo. Os dados da presente familiar e social (92%). As fontes de stress mencionadas mais
pesquisa apontam para a necessidade premente de se avaliar freqüentemente pelos juízes avaliados fazem parte daquelas
as condições de trabalho tão difíceis com as quais se identificadas por R. S. Lazarus e B. N. Lazarus (1994) como
confrontam aqueles que atuam na área da Magistratura. algumas das mais intensas na criação do nível de stress
Enquanto as condições atuais persistirem seria desejável que ocupacional. A importância da sobrecarga de processos a
os componentes desta classe ocupacional recebessem
serem julgados, como uma poderosa fonte estressora, já
treinamento no manejo adequado do stress emocional, a
havia sido ressaltada no tocante a juízes americanos por
fim de que seus efeitos negativos possam ser reduzidos.
No quadrante social, um número maior de mulheres (Nalimi, 1992; Zimmerman, 1981). Outras fontes
(71%) tinha uma qualidade de vida boa em comparação mencionadas foram solidão do ato de julgar, conflitos entre
valores profissionais e pessoais. Existe evidencia na literatura
de que estas fontes estão também presentes em Magistrados
de outros países, conforme mencionado por Eells e
Showalter (1994) quanto a conflitos de valores de juízes
americanos e por Rogers e colaboradores (1991) quanto à
solidão do ato de julgar nos juízes canadenses.

Estratégias de enfrentamento mais utilizadas


Foi interessante verificar que a estratégia mais comumente
utilizada por 69% dos juízes para fazer frente ao stress alto
que experimentam no exercício de sua profissão é conversar
com o cônjuge ou alguém com quem esteja afetivamente
ligado. Pensar nos filhos foi outra estratégia assinalada pelos
juízes casados (36%) e passear foi a segunda mais escolhida
com homens (58%). Em todas as outras áreas os dados se pelos solteiros (53%). A grande maioria (73%) alegou não
invertem, e encontra-se sempre um número menor de
ter feito ou estar fazendo no momento psicoterapia, o que
mulheres usufruindo uma qualidade de vida adequada em
poderia ter sido considerada uma escolha como modo de
comparação com o número mais elevado de homens com
qualidade de vida melhor na área afetiva, na qual 67% dos lidar com a tensão do trabalho. Os dados revelam a
juízes do sexo masculino parecem ter uma qualidade de importância de um vínculo afetivo na minimização do stress
vida boa em comparação com 50% das mulheres. No uma vez que conversas com alguém significativo é uma
quadrante profissional 70% dos homens tinham boa estratégia freqüentemente utilizada pelos juízes. Naturalmente
qualidade de vida em comparação com 55% das juízas. Na isto também aponta para um possível nível elevado de stress
área da saúde, tanto homens quanto mulheres apresentaram em cônjuges de juízes, uma vez que o stress de uma pessoa
hábitos de vida comprometedores de sua qualidade, sendo pode criar níveis elevados de stress nas outras com quem
que enquanto a situação dos homens era ruim, com somente convive.
28% apresentando sucesso, apenas 16% das mulheres
revelaram ter boa qualidade de vida neste setor tão Correlação entre níveis de stress e qualidade de vida
importante do funcionamento humano. As maiores áreas A influência do stress nos quadrantes da qualidade de
de dificuldades quanto à qualidade de vida se referiam à vida foi avaliada através do uso da estatística Qui-quadrado.
percepção de falta de segurança oferecida pelo trabalho, a Verificou-se existir uma correlação significativa entre ter
não fazer uso de técnicas de relaxamento ou de exercícios stress e o nível de qualidade de vida nas áreas da saúde
físicos para controlar a tensão física e mental e sentir que (Qui-quadrado = 6,63, p<0,01) e afetiva (Qui-quadrado= 6,10,
não havia tempo suficiente para se dedicar à família. p<0,01). Considerando-se que a estratégia mais utilizada
pelos juízes para lidar com o stress é a conversa com
Fontes de stress da atividade judicante
alguém afetivamente importante, conclui-se que essas
No levantamento das causas do stress observado, quatro
itens foram mencionados por quase a totalidade dos pessoas que dão apoio enfrentam uma situação difícil,
respondentes. Eles foram: 1) número de feitos a julgar, pois além de darem o apoio não estão recebendo em
assinalado por 96% dos juízes; 2) salários que não troca a atenção e o tempo de convivência agradável com
os parceiros, uma vez que o stress parece estar afetando a profissionais da área da saúde a fim de que um trabalho de
qualidade do relacionamento afetivo dos participantes. análise e mudança das condições de trabalho nesta ocupação
possam ser implementadas. Acrescente-se a esta
Conclusão preocupação humanista, outra, mais abrangente, que é o do
impacto que tal nível de stress poderia, se não controlado,
O presente trabalho revelou que os juízes da Justiça do causar nos processos trabalhistas a serem julgados. Uma
Trabalho avaliados percebiam sua profissão como uma das ação preventiva em forma de um treinamento na
mais estressantes, semelhante ao de trabalhadores de minas administração do stress é de fundamental importância para
e maior do que os de pilotos de avião. A porcentagem dos aqueles que se encontram no exercício da Magistratura da
juízes com sintomas significativos de stress foi muito alta Justiça do Trabalho.
(71%), sendo que o número de juízas com stress era
significativamente maior do que o de seus colegas do sexo
masculino exercendo as mesmas funções. Indicações foram
levantadas de que a qualidade de vida dos respondentes
talvez estivesse muito prejudicada em vários aspectos,
principalmente nas áreas da saúde e afetiva. Os níveis de
qualidade nestas duas áreas estavam significativamente
correlacionados com o nível alto de stress detectado. A fonte
de stress mais freqüentemente mencionada foi o número
excessivo de processos a julgar e a estratégia mais
comumente utilizada para lidar com a tensão era a de
conversar com o cônjuge ou alguém afetivamente
importante. Os sintomas de stress mais encontrados foram
sensação de desgaste e cansaço e tensão muscular. Só uma
minoria fez ou fazia terapia, praticava exercícios físicos ou
fazia uso de técnicas de relaxamento. Considerando o alto
nível de stress do grupo e sua qualidade de vida aparentemente
prejudicada, uma das estratégias para lidar com a situação
seria justamente a busca de uma terapia especializada em
stress que lhes garantisse a aquisição de estratégias de
enfrentamento. Porém, as medidas centradas no
autodesenvolvimento, utilizadas como única estratégia para
lidar com o stress, não são suficientes, pois os dados indicam
uma necessidade grande de uma ação mais ampla de
modificação das condições de trabalho a fim de se promover
uma redução dos estressores ligados ao exercício da
Magistratura. Ações preventivas, de caráter mais amplo, são
também indicadas no que se refere às juízas, uma vez que as
condições estressantes inerentes ao seu cargo possivelmente
sofram um efeito somatório com as condições sociais às
quais estão sujeitas no seu dia-a-dia.
Os dados obtidos revelam um quadro preocupante no
que toca a uma classe ocupacional que exerce a função
fundamental de julgar processos trabalhistas quando a
capacidade de raciocínio, o poder da lógica, a memória
e a paciência são qualidades absolutamente imprescindíveis
para o adequado desenvolvimento dos processos e
tomada de decisões justas. A saúde e a qualidade de vida
desta classe trabalhista estão sofrendo o impacto de um
nível de stress excessivamente alto e isto, por si só, já mereceria
uma atenção especial das associações de classe e de
Psicologia: Reflexão e Crítica, 2002, 15(3), pp. 537-548
A RESPONSABILIDADE OBJETIVA POR DANOS
DECORRENTES DE ACIDENTES DO
TRABALHO NA JURISPRUDÊNCIA DOS
TRIBUNAIS: CINCO ANOS DEPOIS

V
inte e nove de junho de 2005. Essa data é especialmente importante
para a Justiça do Trabalho. Nesse dia, em julgamento histórico, o
Supremo Tribunal Federal, ao decidir o Conflito de Competência nº
7.204, em que foi Relator o Ministro Carlos Britto, firmou a competência do
Judiciário Trabalhista para conhecer e julgar as ações propostas por empregados
cujo objetivo consiste na reparação de danos causados em virtude de acidentes
do trabalho ou doenças ocupacionais 1, embora tenha estabelecido regra de
direito intertemporal que manteve sob a apreciação da Justiça Comum estadual
as causas em que já houvesse sido proferida sentença de mérito.
A importância dessa decisão reside não apenas no tema que a envolve,
mas porque representou a mudança de posicionamento que o mesmo Tribunal
houvera proclamado três meses antes, por meio de precedente em sentido
contrário2. Um a um, os Ministros do Supremo manifestaram a sua adesão à
tese do Relator e alguns deles chegaram a ressaltar o equívoco cometido
anteriormente.
Posteriormente, o STF editou a Súmula Vinculante nº 22 e, definitiva-
mente, espancou quaisquer dúvidas a respeito do tema 3.
Em outra oportunidade e em não menos importante decisão, a Corte
Maior estendeu a competência também para as ações movidas por dependentes
do empregado falecido fundamentadas em direito próprio, de maneira a
complementar o ciclo de possibilidades de apreciação das ações que busquem
o ressarcimento dos danos provocados pelo infortúnio laboral 4.
Desde então, o cenário que se descortina diariamente perante os
magistrados do trabalho de todas as instâncias tem sido marcado por novas e
instigantes questões.
As ações trabalhistas, não raras vezes, passaram a conter pedidos que
envolvem complexos debates referentes à caracterização do acidente; nexo de
causalidade; extensão das lesões sofridas pelas vítimas; natureza das obrigações
impostas ao empregador relacionadas ao cumprimento das normas de medicina
e segurança do trabalho; critérios de fixação das indenizações dos danos
materiais e morais; pensionamento; obrigatoriedade de constituição de renda
para garantia de cumprimento da sentença; avaliação da qualidade da prova
pericial; compensação da pensão devida pelo empregador com a paga pela
previdência social, etc.
Em muitos desses casos nota-se certa tendência jurisprudencial em de-
terminada direção; noutros, o debate ainda continua intenso com posiciona-
mentos diversos ou ainda escassos, a exemplo da definição do prazo
prescricional ou a competência para a ação regressiva previdenciária.
Ainda persiste o acolhimento da tese da responsabilidade subjetiva
amparada em atitude culposa ou dolosa do empregador como fundamento do
dever de reparação, mesmo porque é muito comum o descumprimento de
normas de segurança e medicina do trabalho, mas aos poucos a tese da
responsabilidade objetiva, que tantas resistências causou e ainda causa em
certos segmentos da jurisprudência, vai ganhando corpo sobretudo diante da
óbvia constatação de que, em determinados setores da atividade empresarial
ou em algumas tarefas desempenhadas pelos empregados, a potencialidade
danosa encontra-se em patamar muito acima daquelas em que se encontram os
demais empregados ou mesmo da coletividade em geral.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA COMO CLÁUSULA GERAL E O RISCO
DA ATIVIDADE COMO CONCEITO JURÍDICO INDETERMINADO
Esse debate diz respeito, por conseguinte, às possibilidades de acolhi-
mento da tese da responsabilidade objetiva em determinadas atividades que
geram habitualmente risco acentuado, prevista no art. 927, parágrafo único, do
Código Civil, cuja transposição para o contrato de trabalho tem sido alvo de
contestações na jurisprudência laboral, sobretudo diante do posicionamento –
equivocado, friso –, no sentido de que o art. 7º, XXVIII, da Constituição Fede-
ral, limitaria as possibilidades de reconhecimento do dever de ressarcimento a
cargo do empregador apenas quando fosse decorrente de dolo ou culpa 5.
Nesse contexto, mostra-se importante analisar o posicionamento adotado
pelos tribunais nos últimos cinco anos em torno da caracterização das hipóteses
que tipificam essa forma de responsabilização, diante do papel atribuído à
jurisprudência no sentido de densificar os valores encampados na regra jurídica,
em face do conteúdo aberto que a caracteriza.
Impõe-se, em primeiro lugar, destacar que o citado parágrafo único do
art. 927 do Diploma Civil trata de cláusula geral e pode ser compreendida
como o uso intencional de uma fattispecie (tipificação completa e rigorosa),
repita-se, caracterizada pela sua natureza vaga e incompleta; possui definição
aberta, o que também pode ser exemplificado com as noções de boa-fé e da
função social do contrato.
O real significado da expressão cláusula geral ainda não é pacificado
em sede doutrinária. Busca-se o estabelecimento de um traço que lhe seja
específico e permita diferenciá-la das espécies de normas que, como ela,
possuem na generalidade uma de suas características, o mesmo ocorrendo com
o caráter polissêmico de sua linguagem e com a vagueza do seu conteúdo, em
maior ou menor grau. As normas não possuem um significado único àqueles a
quem se destinam.
O que a particulariza, portanto, é o fato de serem adotados, propositada-
mente, ao definir -se a fattispecie, elementos de conteúdo vago e assim se
mantêm quando de sua aplicação e os perdem somente mediante a análise das
circunstâncias no caso específico.
Judith Martins-Costa6 prefere correlacioná-la à intencional imprecisão
dos termos da hipótese fática que possui grande abertura semântica e permite
DOUTRINA

a construção das respostas aos problemas cuja solução se dá por meio da


jurisprudência.
Remete, pois, o juiz à valoração, sem dar lugar, contudo, à discriciona-
riedade, na medida em que, ao fazê-lo, enseja a possibilidade de circunscrever,
em determinada hipótese legal (estatuição), uma ampla variedade de casos
cujas características específicas serão formadas pela via jurisprudencial, e não
legal. Indica, como exemplo fértil de sua atuação, a regra da responsabilidade
civil prevista no art. 159 do Código Civil de 1916, que não definia, com preci-
são, os conceitos de “dolo” ou “culpa”, vastamente utilizados 7.
Ainda de acordo com a mencionada autora, a sua principal característica
é a utilização intencional de expressões ou termos vagos no delineamento da
fattispecie ou mesmo a permissão para que o juiz possa dar concretude às
consequências normativas que busca alcançar , não sendo, necessariamente,
nem gerais, nem genéricas, nem ambíguas 8.
Do ponto de vista da técnica legislativa, porém, conceitua-a como:
“(...) uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado,
uma linguagem de tessitura intencionalmente ‘aberta’, ‘fluida’ ou ‘vaga’,
caracterizando-se pela ampla extensão de seu campo semântico, a qual
é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato (ou competência)
para que, à vista dos casos concretos, crie, complemente ou desenvolva
normas jurídicas, mediante o reenvio para elementos cuja conceituação
pode estar fora do sistema; estes elementos, contudo, fundamentarão a
decisão, motivo pelo qual, reiterados no tempo os fundamentos da
decisão, será viabilizada a ressistematização destes elementos
originariamente extra-sistemáticos no interior do ordenamento jurídico.”9
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, a partir da lição de
vários autores, as consideram “normas orientadoras sob forma de diretrizes,
dirigidas precipuamente ao juiz, vinculando-o ao mesmo tempo em que lhe
dão liberdade para decidir”. São:
“(...) formulações contidas em lei, de caráter significativamente
genérico e abstrato, (...) cujos valores devem ser preenchidos pelo juiz,
autorizado para assim agir em decorrência da formulação legal da própria
cláusula geral, que tem natureza de diretriz.” 10
DOUTRINA

Alberto Gosson Jorge Júnior, com respaldo em Karl Engisch, destaca o


aspecto de contraposição à elaboração casuística das hipóteses legais como o
ponto a ser destacado na definição das cláusulas gerais e reafirma a conceituação
do autor citado como “uma formulação de hipótese legal que, em termos de
grande generalidade, abrange e submete a tratamento jurídico todo um domínio
de casos”11.
São normas que não prescrevem uma certa conduta, mas, simplesmen-
te, definem valores e parâmetros hermenêuticos que se tornam referencial
interpretativo para o aplicador do Direito, notadamente o juiz na elaboração
das normas de decisão, oferecendo critérios axiológicos e limites para a inci-
dência das demais disposições normativas 12.
Permitem ao juiz preencher os claros com os valores designados para o
caso concreto, para que encontre a solução que lhe pareça mais correta, ou
seja, “concretizando os princípios gerais de Direito e dando aos conceitos legais
indeterminados uma determinalidade pela função que têm de exercer no caso
concreto”13.
São normas com alto teor valorativo, dotadas de mobilidade e possuem
a função de municiar o jurista de princípios que possibilitem o exercício do
seu papel criador e transformador do sistema, para que possa assumir uma
postura ativa capaz de adaptar o Direito às mudanças sociais em virtude do
caráter complexo das numerosas relações sociais.
Carregam uma “(...) amplitude semântica ou valorativa maior do que a
generalidade das disposições normativas (...)” com a tarefa de funcionar como
elementos de conexão entre as regras presentes no interior do sistema jurídico,
caracterizando-se, fundamentalmente, por propiciarem o ingresso de valores
situados fora dele por meio da atividade jurisdicional 14.
José Augusto Delgado, após valer-se das lições de Nelson Nery Junior e
Rosa Maria de Andrade Nery, formula várias conclusões em torno da utilização
DOUTRINA

de cláusulas gerais no Código Civil, dentre as quais se destacam a mitigação


de regras mais rígidas e fechadas; a relevância atribuída ao papel do juiz, a
quem considera o agente responsável pela sua instrumentalização, para
possibilitar a constante atualização do dispositivo, em função das exigências
sociais do momento em que esteja sendo aplicada; é norma jurídica, isto é,
fonte criadora de direitos e obrigações; não constituem princípio, nem regra de
interpretação; são fatores de mobilidade do sistema jurídico.
Aponta a presença em vários dispositivos, dentre os quais os arts. 421
(função social do contrato), 186 (ato ilícito), 187 (abuso de direito) e o parágrafo
único do art. 927 (responsabilidade objetiva pelo risco da atividade), nesse caso
compreendendo a expressão “atividade normalmente desenvolvida pelo autor”.
Ainda com apoio nos autores mencionados, identifica na expressão
“risco”, contida no mesmo dispositivo, a presença de um conceito jurídico
indeterminado, por ele definido como:
“(...) palavras ou expressões indicadas na lei, de conteúdo e
extensão vagos, imprecisos e genéricos (...) entregam ao intérprete a
missão de atuar no preenchimento dos claros, permitindo que ele extraia
da norma, para o caso concreto em evidência, o que, realmente, ela
pretende.”15
Judith Martins-Costa salienta o caráter impreciso e aberto dos termos
utilizados pelo legislador como sua característica, o que os faz aproximar das
cláusulas gerais, ambos marcados pelo alto grau de vagueza semântica,
entendida como imprecisão de significado.
Diferenciam-se, contudo, entre si em função do grau de indeterminação
da fattispecie, que se apresenta mais limitado, permitindo, com isso e em virtude
do caráter vago mencionado, a discricionariedade por quem deles se utilizar .
Resume:
“Enquanto nos conceitos indeterminados o juiz se limita a reportar
ao fato concreto o elemento (vago) indicado na fattispecie (devendo,
pois, individuar os confins da hipótese abstratamente posta, cujos efeitos
já foram predeterminados legislativamente), na cláusula geral a operação
intelectiva do juiz é mais complexa. Este deverá, além de averiguar a
possibilidade de subsunção de uma série de casos-limite na fattispecie,
DOUTRINA

averiguar a exata individuação das mutáveis regras sociais às quais envia


a metanorma jurídica. Deverá, por fim, determinar também quais são os
efeitos incidentes ao caso concreto, ou, se estes já vierem indicados,
qual a graduação que lhes será conferida no caso concreto, à vista das
possíveis soluções existentes no sistema.” 16
Importante frisar esses aspectos característicos das cláusulas gerais,
sobretudo no contexto dos elementos essenciais à responsabilidade civil:
definem valores e parâmetros hermenêuticos e constituem referencial
interpretativo para o aplicador do Direito, os quais servirão de parâmetro para
que o juiz possa deles se valer para torná-los concretos.

A DEFINIÇÃO DE ATIVIDADES DE RISCO

As assertivas lançadas exigem, portanto, a definição do que seja


efetivamente atividade de risco, uma vez que, numa concepção ampla, todo e
qualquer trabalho envolve, em maior ou menor grau, a possibilidade de um
dano à saúde ou integridade física, ou seja, um risco, embora se adote como
parâmetro de discussão a temática relacionada ao contrato de trabalho.
Sérgio Cavalieri Filho destaca a amplitude e abrangência da regra legal
e a necessidade de precisar -se o seu real alcance, para que não se chegue ao
absurdo de ser interpretada como a abranger toda e qualquer atividade de risco
desenvolvida, pois, na sociedade moderna, todas ou quase todas as atividades
implicam algum risco 17.
Caio Mário da Silva Pereira admite tratar-se de vocábulo polissêmico e
enumera várias de suas acepções; informa, contudo, que, em termos de
responsabilidade, tem sentido especial e por muito tempo correspondeu à noção
do dano não causado por culpa alheia, comparável ao acontecimento fortuito,
e que deveria ser suportado por quem o sofresse, o qual tem sido objeto de
estudo da doutrina civilista, com a finalidade de elevá-lo ao fundamento do
dever de reparação em oposição à culpa 18.
Se risco é probabilidade de dano e, na perspectiva do contrato de trabalho,
à saúde do empregado, o conceito pode ser construído a partir de diversos enfoques:
DOUTRINA

a) O primeiro deles, que está relacionado com a própria redação do


dispositivo, molda-se à natureza da atividade econômica desenvolvida pelo
empregador, ou seja, aquela em que há a presença de agentes causadores de
risco, mas isso deixaria de fora algumas atividades que, embora sejam exercidas
em setores empresariais que não são marcados por tal característica, propiciam
uma larga incidência de acidente do trabalho e/ou doenças ocupacionais, como
a atividade permanente de digitação no setor bancário.
b) Como o empregado está subordinado ao poder de comando do
empregador, que tem a prerrogativa de definir as condições em que o trabalho
deverá ser executado, o segundo parâmetro se volta ao labor por ele
desempenhado. O risco, então, será medido não em função da atividade
empresarial, mas do tipo do serviço executado, que o tornará, em maior ou
menor grau, sujeito à ocorrência do prejuízo.
c) Outro balizamento que se pode adotar vem doEnunciado nº 38, emitido
na Jornada de Direito Civil realizada pelo Centro de Estudos do Conselho da
Justiça Federal, que fundamenta a responsabilidade objetiva quando “a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada
um ônus maior do que aos demais membros da coletividade”, o que, para
Sérgio Cavalieri Filho, é pouco esclarecedor e não ajudará muito.
Não se vê no enunciado a definição do ponto nevrálgico do debate: o
que se pode considerar como risco normal suportável pela comunidade, a partir
do qual estaria autorizada a incidência da nova regra. De qualquer modo, a
“coletividade” aqui corresponderá ao grupo de trabalhadores, diante dos limites
vinculados ao contrato de trabalho.
O parâmetro é objetivo e complexo, pois tem início na avaliação do
risco em função do trabalho executado – parâmetro individual – e se conclui
comparando-o com o coletivo, para se atribuir o critério valorativo (“maior do
que os demais membros da coletividade”).
d) Quando se tratar de danos causados ao meio ambiente de trabalho, a
responsabilização também encontra fundamento na interpretação sistemática
dos arts. 7º, XXVIII, 200, VIII, 225, § 3º, da Constituição Federal, e do art. 14,
§ 1º, da Lei nº 6.938/81 19.
DOUTRINA

Atividade de risco, portanto, consiste na situação em que há


probabilidades mais ou menos previsíveis de perigo; envolve toda a atividade
humana que exponha alguém a perigo, ainda que exercida normalmente 20.
A CLT convive com esse referencial e também pode servir de funda-
mento, quando, ao estabelecer o conceito de empregador,o vincula ao exercício
de atividade de natureza econômica e remete, mais uma vez, à noção de práti-
ca de atos empresariais executados de forma continuada e com o objetivo de
possibilitar a produção ou circulação de bens e serviços.
Mas, na mesma CL T, o conceito foi mais elástico, para alcançar o
desenvolvimento de atividades onde o lucro não fosse o objetivo final, quando
identificou, no § 1º do art. 2º, o denominado “empregador por equiparação”, a
exemplo dos profissionais liberais, as instituições de beneficência, as
associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, desde que
admitam trabalhadores como empregados.
O caráter continuado e habitual da prática de atos profissionais ou
empresariais de forma or ganizada, concatenada, caracteriza a noção de
atividade, que não pode, por isso, ser confundida com a realização de atos
isolados.
No que diz respeito à natureza do risco, observa Sílvio de Salvo Venosa
que deve resultar da “atividade costumeira do ofensor e não atividade esporádica
ou eventual, qual seja, aquela que, por um momento ou por uma circunstância,
possa ser um ato de risco”21, ilação que extrai a partir da expressão “atividade
normalmente desenvolvida” inserida no dispositivo em foco.
Coincide com o pensamento de Pablo S tolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho, que salientam a intenção do legislador de referir -se “a todos
os agentes que, em troca de determinado proveito, exerçam com regularidade
atividade potencialmente nociva ou danosa aos direitos de terceiros”, sendo
necessariamente vinculada à “busca de determinado proveito, em geral de
natureza econômica, que sur ge como decorrência da própria atividade
potencialmente danosa (risco-proveito)” 22.
É a atividade que, embora lícita, apresenta maior probabilidade de
ocasionar danos. A prevalecer raciocínio diverso, dizem os citados autores:
DOUTRINA

“poder-se-á transformar em regra o que o legislador colocou como exceção”, e


justificam a sua assertiva com a situação de o condutor de um automóvel
atropelar um transeunte, situação que seria inconcebível assentar -se na
responsabilidade pelo risco.
Contudo, a doutrina merece comentários. Isso porque toma como
parâmetro de aferição o resultado da atividade desenvolvida – proveito –, ao
passo que o dispositivo legal atrela a responsabilidade à sua natureza, em nada
se referindo ao que dela pudesse resultar.
Um hospital pertencente a entidade de natureza filantrópica que presta,
com exclusividade, serviços a pessoas carentes, não desenvolve atividade
lucrativa, não obtém proveito econômico, ainda que, num conceito abrangente,
desenvolva atividade econômica. O mesmo ocorre com clubes de lazer , voltados
unicamente para os seus sócios. Em ambos os casos, pode haver atividades
que sejam normalmente desenvolvidas e que estejam marcadas pela presença
habitual do risco, que, por isso mesmo, autorizarão o reconhecimento da
responsabilidade com base na teoria objetiva.
Pode-se, assim, afirmar que a introdução da regra da responsabilidade
civil de natureza objetiva representou um importante passo na superação do
dilema entre a necessidade da prova da culpa do agente causador do dano e o
reconhecimento do dever de reparação, a ponto de ser vista por Carlos Roberto
Gonçalves como a:
“(...) mais relevante inovação introduzida no atual Código Civil,
na parte atinente à responsabilidade civil. Antes, a responsabilidade in-
dependentemente de culpa somente existia nos casos especificados em
lei, ou seja, em alguns artigos esparsos do Código Civil e em leis espe-
ciais. Atualmente, mesmo inexistindo lei que regulamente o fato, pode
o juiz aplicar o princípio da responsabilidade objetiva, independente-
mente de culpa, baseando-se no dispositivo legal mencionado quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar , por
sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Desse modo, toda vez que sur gir uma atividade nova, resultante
do progresso, poderá o Judiciário, independentemente de sua regula-
mentação em lei especial, considerá-la perigosa, se, por sua natureza,
implicar risco para os direitos de outrem, responsabilizando objetiva-
mente, os que, exercendo-a, causarem danos a terceiros.” 23
DOUTRINA

Sílvio de Salvo Venosa também a qualifica como a mais importante


inovação em matéria de responsabilidade no Código, embora registre que exigirá
um cuidado extremo da nova jurisprudência diante do alar gamento do seu
conceito e por representar norma aberta.
Para que possa ser caracterizada, representa transferir para a jurispru-
dência a tarefa de conceituar o que seja atividade de risco no caso concreto e a
torna, ainda segundo o seu pensamento, de discutível conveniência.
Para ele, melhor seria que se mantivesse nas rédeas do legislador a
definição das situações em que fosse cabível a aplicação da referida teoria, que
privilegia os aspectos de causalidade e reparação do dano, em detrimento da
imputabilidade e da culpabilidade 24.
Essa mesma preocupação é externada por Álvaro Vilaça de Azevedo,
que não vê com bons olhos a abertura dada à jurisprudência para definir o que
seja a atividade de risco. Além de considerá-la muito genérica, pondera que o
aplicador da lei deverá analisá-la de forma restrita, a fim de evitar -se, tanto
quanto possível, a criação de hipóteses de responsabilidade objetiva, na medida
em que entende ser tarefa que deveria estar expressamente reservada à lei,
evitando-se o comprometimento à segurança aos interessados 25.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho tecem crítica à maneira
como foi previsto o modelo e formulam diversos questionamentos em torno
do seu alcance e das dificuldades que, na prática, sur girão para a aquilatação
dos seus limites.
Após qualificarem o dispositivo como um dos mais polêmicos do Código
Civil, destacam a sua característica de conceito jurídico indeterminado, o que
elevará excessivamente os poderes do magistrado na definição do que seja
atividade de risco, núcleo central da regra inovadora, ampliam em demasia o
papel da jurisprudência e reconhecem a possibilidade de gerar uma inicial
insegurança nas relações jurídicas 26.
Ainda que pudessem os citados autores ter razão na ponderação que
fazem, tornar-se-ia extremamente difícil ao legislador prever, de forma expressa,
todas as hipóteses de responsabilidade objetiva, diante da variedade de situações
DOUTRINA

no dinâmico processo da relação de emprego capazes de gerar riscos para o


executor da atividade, no caso o empregado.
Numa sociedade em transformação, marcada pela multiplicidade das
relações sociais e pelo seu caráter mutável, em ambientes caracterizados pelos
rápidos avanços proporcionados pela tecnologia, que tornam obsoleto amanhã
o que hoje é novidade, não se pode pretender que seja possível ao legislador
traçar toda a sua regulamentação por meio de normas caracterizadas pelo
conteúdo preciso e definido, albergando valores que por elas são influenciados
e também as influenciam.
No campo específico da proteção à saúde, a cada dia são inseridas no
processo de produção novas matérias-primas, tecnologias e modificados os
processos de fabricação, que criam um ambiente propício para a inserção das
cláusulas gerais no sistema jurídico, a fim de tornar possível a sua preservação
efetiva, razão pela qual agiu acertadamente o legislador quando previu de forma
genérica a regra da reparação.
Remete, também de forma correta, à jurisprudência a tarefa de definir
os seus limites e contornos, o que não se fará de forma livre, mas segundo os
valores adotados no sistema jurídico, dentre os quais sobreleva destacar a
dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho, a proteção ao meio
ambiente do trabalho, a redução dos riscos do trabalho e o direito à plena
reparação dos danos ocasionados à pessoa do empregado.
É de Álvaro Vilaça de Azevedo exemplo elucidativo, ao propor a imagem
de uma empresa em funcionamento, onde existirão empregados praticando
múltiplos atos, com movimento intenso de entrada e saída de mercadorias,
todos sujeitos a uma variedade de riscos decorrentes, de forma natural, do
próprio processo produtivo 27.
Identifica, contudo, Caio Mário da Silva Pereira uma evolução na teoria
da responsabilidade, consistente no seu alar gamento, especialmente no que
toca aos acidentes do trabalho e doenças profissionais, marchando no sentido
de abranger indenização a novas eventualidades de origem não profissional,
por já se considerar insuficiente a responsabilidade civil.

A JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS


Traçadas essas premissas, resta, finalmente, analisar o panorama da
jurisprudência nesses cinco anos desde a definição da competência pelo STF ,
DOUTRINA

afastadas, de logo, as decisões voltadas para a sua afirmação, porque superadas


pela Súmula Vinculante nº 22, como ressaltado.
De início, merecem destaque os julgados, especialmente do Tribunal
Superior do Trabalho, que afirmaram a possibilidade de ser adotada, como
fundamento do dever ressarcitório, a tese da responsabilidade objetiva, nos
moldes delineados no Código Civil. Isso porque, ao exercer o papel de unificar
a divergência jurisprudencial, o TST sinaliza para os tribunais regionais a
tendência interpretativa e, mais, a uniformização da jurisprudência,pois assume
relevante papel na construção e renovação do Direito doTrabalho. A sua função
integrativa encontra-se devidamente reconhecida no art. 8º do próprio diploma
consolidado.
Entre muitos, destaca-se julgado da lavra do Ministro Maurício Godinho
Delgado que a entende possível a partir de dois parâmetros: a atividade
empresarial e a dinâmica laborativa:
“RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. ACIDENTE DE
TRABALHO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA (ART. 927, PARÁ-
GRAFO ÚNICO, CC). INEXISTÊNCIA DE CULPA EXCLUSIVA DA
VÍTIMA (FATO DA VÍTIMA). A regra geral do ordenamento jurídico,
no tocante à responsabilidade civil do autor do dano, mantém-se
com a noção da responsabilidade subjetiva (arts. 186 e 927, caput,
CC). Contudo, tratando-se de atividade empresarial, ou de dinâmica
laborativa (independentemente da atividade da empresa), fixadoras
de risco acentuado para os trabalhadores envolvidos, desponta a
exceção ressaltada pelo parágrafo único do art. 927 do CC, tornan-
do objetiva a responsabilidade empresarial por danos acidentários
(responsabilidade em face do risco). Noutro norte, a caracterização
da culpa exclusiva da vítima é fator de exclusão do elemento do
nexo causal para efeito de inexistência de reparação civil no âmbito
laboral quando o infortúnio ocorre por causa única decorrente da
conduta do trabalhador, sem qualquer ligação com o descumprimento
das normas legais, contratuais, convencionais, regulamentares, téc-
nicas ou do dever geral de cautela por parte do empregador. Se, com
base nos fatos relatados pelo Regional, se conclui que a conduta da
vítima do acidente não se revelou como causa única do infortúnio,
afasta-se a hipótese excludente da responsabilização da empregado-
ra pelo dano causado. Recurso conhecido e provido.” (RR-850/2004-
021-12-40.0, 6ª T., Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DJ
12.06.2009)
DOUTRINA

Segue, portanto, a linha da doutrina traçada, entre outros, por Carlos


Alberto Bittar e Carlos Alberto Bittar Filho 28, para quem a definição de
atividades perigosas pode fundamentar-se em critérios naturais ou jurídicos.
No primeiro caso, estão albergadas aquelas em que o perigo decorre da
sua própria natureza (periculosidade intrínseca), como no transporte de valores,
abastecimento de aeronaves, fabricação de explosivos e de produtos químicos,
ou em virtude dos meios utilizados (substâncias, aparelhos, máquinas e
instrumentos perigosos) – tomados no sentido dinâmico, postos em ação, como
meios, nas mãos dos homens –; no segundo, as consagradas nas práticas
legislativas e reconhecidas como tais pela jurisprudência.
No mesmo sentido, elucidativo acórdão do TRT da 3ª Região da lavra
do Des. Jor ge Berg de Mendonça, em que, de modo didático, delineia os
elementos caracterizadores da responsabilidade objetiva:
“ACIDENTE DO TRABALHO. RESPONSABILIDADE
OBJETIVA. A responsabilidade objetiva, também chamada teoria do
risco, consagrada no art. 927, parágrafo único, do novo CCB não tem
aplicação ampla e irrestrita a todos os casos de acidente do trabalho. Ela
tem espaço quando as atividades normalmente desenvolvidas pela
empresa colocam o empregado em situação de risco além do normal já
sofrido por qualquer cidadão. Por exemplo, com a violência urbana,
hoje em dia, pode-se dizer que todos nós estamos sujeitos a ser vítimas
de assaltos. Porém, uma empresa que tem como objeto o transporte de
valores acaba colocando seus empregados em situação de risco mais
elevada. Assim, o simples desenvolvimento dessa atividade autoriza a
aplicação da teoria da responsabilidade objetiva. É diferente, contudo, a
situação de um professor que sofre queda na escola em que leciona.
Todos nós estamos sujeitos a uma queda, tropeção, escorregão, etc., nas
mais diversas atividades que desenvolvemos em nosso dia a dia. Porém,
a atividade escolar não coloca o professor em situação de risco mais
elevado, de modo que esteja mais propenso a sofrer quedas. Assim, não
tem lugar a aplicação da teoria do risco, sendo necessário demonstrar
que o empregador contribuiu com culpa para a ocorrência do sinistro.
Não havendo essa prova, descabe falar -se em indenizações por danos
morais e materiais decorrentes de acidente do trabalho. Recurso
desprovido.” (RO 01163-2007-055-03-00-6, 6ª T., DJ 13.12.2008)
DOUTRINA

Outro importante fundamento consagrado na jurisprudência do TST


refere-se à aplicação do princípio da boa-fé objetiva, que significa a consagração
da existência de deveres outros oriundos do contrato de trabalho, ainda que
não explicitados29:
“INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACI-
DENTE DO TRABALHO. CARACTERIZAÇÃO. RESPONSABILI-
DADE OBJETIVA E SUBJETIVA. Concebendo o dano moral como a
violação de direitos decorrentes da personalidade, estes entendidos como
‘categoria especial de direitos subjetivos que, fundados na dignidade da
pessoa humana, garantem o gozo e o respeito ao seu próprio ser , em
todas as suas manifestações espirituais ou físicas’ (BELTRÃO, Sílvio
Romero. Direitos da Personalidade. São Paulo: Atlas, 2005. p. 25), a
sua ocorrência é aferida a partir da violação perpetrada por conduta ofen-
siva à dignidade da pessoa humana, sendo dispensada a prova de prejuí-
zo concreto, já que a impossibilidade de se penetrar na alma humana e
constatar a extensão da lesão causada não pode obstaculizar a justa com-
pensação. ‘Depois de restar superada a máxima segundo a qual não há
responsabilidade sem culpa, tendo-se encontrado na teoria do risco um
novo e diverso fundamento da responsabilidade, desmentido se vê hoje,
também, o axioma segundo o qual não haveria responsabilidade sem a
prova do dano, substituída que foi a comprovação antes exigida pela
presunção hominis de que a lesão a qualquer dos aspectos que com-
põem a dignidade humana gera dano moral’ (MORAES, Maria Celina
Bodin de. Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos
danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 159-60). Dispensa-se a
prova do prejuízo para demonstrar a ofensa à moral humana, já que o
dano moral, tido como lesão à personalidade, ao âmago e à honra da
pessoa, por sua vez é de difícil constatação, haja vista os reflexos atingi-
rem parte muito própria do indivíduo – o seu interior (REsp 85.019, 4ª
T., Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 10.03.1 998, DJ
18.12.1998). A análise dos pleitos relativos à indenização por danos
morais e materiais em virtude de acidente de trabalho ou doença ocupa-
cional se dá à luz da responsabilidade objetiva, bastando se comprovar,
de acordo com a teoria do risco da atividade, o dano e o nexo de causa-
lidade entre este e o trabalho desempenhado pela vítima. Segundo o
princípio da boa-fé objetiva, os direitos e deveres das partes não se limi-
DOUTRINA

tam à realização da prestação estipulada no contrato. O que encontra-


mos, na realidade, é a boa-fé impondo a observância também de muitos
outros deveres de conduta, formando assim uma relação obrigacional
complexa. Assentado no acórdão regional que o reclamante foi afastado
do serviço em razão de lesão na coluna vertebral e que, apesar das reco-
mendações médicas – expostas nos atestados juntados aos autos – para
que o autor não trabalhasse em atividades que demandassem muita for-
ça física, a reclamada reconduziu o obreiro às suas funções habituais –
manutenção de peças de tratores –, resulta indubitável a existência do
nexo causal entre o dano e o trabalho desempenhado, devendo respon-
der a reclamada pelo pagamento de indenização por danos morais de-
correntes do acidente de trabalho. Recurso de revista integralmente
não-conhecido.” (RR 136800-71.2005.5.15.0081, Re lª Minª Rosa Ma-
ria Weber, DJ 16.12.2009, 3ª T., Data de Publicação: 05.02.2010)
Surgida com o advento do Código de Defesa do Consumidor, a cláusula
geral de boa-fé objetiva no Direito brasileiro se dirigia, fundamentalmente,
aos contratos marcados pela hipossuficiência de um dos contratantes, como
naquela legislação.
É vista como “(...) regra de valoração da conduta das partes como honesta,
correcta, leal”30 e é caracterizada por “(...) uma função auxiliar da realização
positiva do fim contratual e de protecção à pessoa ou aos bens da outra parte
contra os riscos de danos concomitantes” 31.
Para Judith Martins-Costa, é “(...) modelo de conduta social, arquétipo
ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta
a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade,
lealdade, probidade”32.
Corresponde à “(...) regra de conduta fundada na honestidade, na retidão,
na lealdade e, principalmente, na consideração do conjunto social que é
juridicamente tutelado”. Relaciona-se à confiança depositada em outrem.
É importante ressaltar a observação feita por Carlos Alberto da Mota
Pinto no sentido de não ser elemento da relação contratual e, menos ainda, de
conteúdo determinado e em número fixo.
DOUTRINA

O seu surgimento, melhor, a sua concretização, depende da verificação


de pressupostos variáveis que, à luz do fim do contrato, adquirem essa eficácia.
E não só o seu aparecimento: também o seu conteúdo interno, intensidade e
duração dependem das circunstâncias atuais 33.
Para Gustavo Tepedino e Anderson Schreiber, representa cláusula geral
de lealdade e colaboração, consagrada no art. 1 13 do Código Civil, para o
alcance dos fins contratuais ou aquela que, assumindo diferentes funções, impõe
às partes o dever de colaborarem mutuamente para a consecução dos fins
perseguidos com a celebração dos contratos.
Possui, ainda segundo os autores mencionados, tríplice função:
(i) função interpretativa dos contratos;
(ii) função restritiva do exercício abusivo de direitos contratuais; e
(iii) função criadora de deveres anexos ou acessórios à prestação
principal, como o dever de informação e o de lealdade.
Na primeira, alude-se à boa-fé como critério hermenêutico e se exige
que a interpretação das cláusulas contratuais privilegie sempre o sentido mais
conforme à lealdade e à honestidade entre as partes. Proíbe-se, assim, a
interpretação que dê a uma disposição contratual um sentido malicioso ou de
qualquer forma dirigido a iludir ou prejudicar uma das partes em benefício da
outra34.
Baseados nos quatro critérios enunciados, aos poucos, a jurisprudência
consolida-se no reconhecimento de risco especial em determinadas atividades,
que autorizam a proclamação da responsabilidade objetiva.
O que outrora parecia inaplicável ao contrato de trabalho, cada vez mais
encontra guarida nos julgados tanto do TST quanto dos Regionais, dos quais
serão destacados, entre muitos outros, aqueles que indicaram atividades típicas
do risco especial e o respectivo agente causador.Assim, podem ser relacionados:
– vigilância e segurança patrimonial: assaltos (E-RR 1538/2006-009-
12-00.7, SBDI-1, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DJ 13.02.2009;
RR 106900-46.2006.5.03.0015, Relª Minª Rosa Maria Weber, j.
16.12.2009, 3ª T., Data de Publicação: 05.02.2010; E-RR 153800-
INTRODUÇÃO

As estatísticas oficiais sobre os acidentes do trabalho no Brasil, que apontaram para uma
média superior a quarenta trabalhadores por dia que não retornaram mais ao trabalho em razão de
invalidez ou morte em 2008, além de outros quase 1.800 que diariamente tiveram que se afastar
de suas atividades laborativas em razão de incapacidade temporária decorrente do trabalho1,
evidenciam o desleixo de muitos responsáveis pelo cumprimento do dever constitucional de
manter ambientes de trabalho seguros e salubres, acarretando danos à saúde e à integridade física
e psíquica dos trabalhadores e à sociedade como um todo. Esse cenário exige o desenvolvimento
de instrumentos legais que obriguem o contratante da mão de obra a atender ao direito
fundamental dos trabalhadores urbanos e rurais à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por
meio de normas de saúde, higiene e segurança. A ação regressiva acidentária (ARA), prevista no
art. 120 da Lei n° 8.213/91, na qualidade de ferramenta utilizada pela Previdência Social para
recuperar os valores pagos em prestações decorrentes de acidentes do trabalho causados por
negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a
proteção individual e coletiva, visa a auxiliar nessa importante missão. Objetiva-se com o
presente estudo, portanto, analisar se a ARA pode ser considerada um instrumento capaz de
trazer melhorias ao meio ambiente do trabalho (MAT) e, em caso positivo, como ocorre essa
qualificação.
Observando os levantamentos oficiais sobre a infortunística laboral em nosso país, no
período de 1975 a 2003, aparentemente, houve melhorias, já que em 1975, quase 15% dos
trabalhadores formais se acidentaram, enquanto que em 2003, menos de 1,5% dos trabalhadores
registrados foram vítimas de infortúnios laborais.2 Em 2007, todavia, primeiro ano em que o
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) registrou acidentes do trabalho independentemente da
correspondente emissão da Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), a partir da
identificação do infortúnio por meio de um dos possíveis nexos: Nexo Técnico
Profissional/Trabalho, Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) ou Nexo Técnico
por Doença Equiparada a Acidente do Trabalho, esse percentual teve um ligeiro aumento,
passando a 2,2%3, o que também escancara a problemática da subnotificação, mesmo entre os
trabalhadores do mercado de trabalho formal.
Alguns dados das estatísticas de acidentes do trabalho de 2008 evidenciam que os
acidentes do trabalho não se tratam de eventos imprevisíveis, mas de consequência das condições
inadequadas do meio em que é exercido o trabalho, com a manutenção de ambientes insalubres e
inseguros, como é o caso das doenças do trabalho, que tiveram na ocupação dos escriturários e no
subsetor das atividades financeiras e de seguros, a maior incidência, com participação de 13,7% e
12,8% do total, respectivamente4, dado que não representa nenhuma surpresa, sendo de
conhecimento geral que a lesão por esforços repetitivos (LER) ou doenças osteomusculares
relacionados com o trabalho (DORT) afetam, principalmente, esses trabalhadores.
O trabalho é definido por Arendt, como a única atividade útil que resta ao ser humano5,
motivo pelo qual precisa ser valorizado, o que só pode ocorrer se realizado em condições dignas,
em ambientes que não comportem riscos à saúde e à integridade física e mental do trabalhador.
Contudo, diferentemente disso, no Brasil e no mundo, o trabalho tem ceifado a vida de
milhões de trabalhadores6 no auge de sua capacidade produtiva, o que fez com que o Diretor-
Geral da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Juan Somavia, qualificasse a situação
como “a tragédia humana” do trabalho inseguro7. Assim, o trabalho que deveria garantir a vida,
tem tirado-a ou tornado-a indigna de ser vivida.
Diante dessa realidade, a sociedade exige ações coordenadas para mudar a situação,
providências que garantam na prática o direito fundamental ao trabalho digno e constitucional à
redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.
A legislação brasileira dispõe de diversos instrumentos direcionados à manutenção de
ambientes do trabalho seguros e salubres, que vão desde normas constitucionais, institutos
tributários, atos de fiscalização e toda uma gama de normas regulamentadoras (NRs) do
Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Contudo, esse ferramental não tem sido utilizado de
forma eficaz, o que tende a agravar os números envolvendo os acidentes do trabalho no país.
Assim, além de criar esses instrumentos, é preciso desenvolvê-los e aperfeiçoá-los, a fim de que
efetivamente sejam capazes de auxiliar nessa difícil incumbência de fornecer a todos os seres
humanos trabalhadores a possibilidade de desenvolverem suas atividades laborais em ambientes
dignos, que lhe garantam a vida.
Dentre esses instrumentos, a Lei n° 8.213/91, desde sua redação originária, prevê a ação
regressiva acidentária (ARA), a ser proposta (não se trata de prerrogativa, mas de obrigação) pela
Previdência Social contra os responsáveis nos casos de negligência quanto às normas padrão de
segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva.
Tal instituto vinha sendo praticamente ignorado até bem pouco tempo pela Previdência
Social, que havia ajuizado apenas 602 ações até 2008 (cerca de 35 ações por ano). Essa situação,
no entanto, tem mudado, a partir de um trabalho realizado pela Procuradoria-Geral Federal
(PGF), órgão da Advocacia-Geral da União (AGU), na qualidade de representante judicial do
INSS, que assentou a ARA entre suas ações prioritárias, na defesa direta do Erário e indireta da
saúde e da vida dos trabalhadores, tendo sido ajuizadas, apenas no ano de 2009 (até 07/10/2009),
398 ações, ou seja, 66% do número que havia sido atingido em 17 anos de existência do
instrumento8. Em 23/07/2010, o total de ARAs ajuizadas já alcançava a marca de 1.400
processos, que buscam o ressarcimento de aproximadamente R$ 100 milhões9.
Tratando-se de iniciativa recente, imprescindível a análise das peculiaridades da ARA e
de suas reais condições de ajudar nessa árdua missão de melhorar o ambiente laboral, ou seja, se
pode, além de resgatar o dinheiro público gasto em decorrência do acidente de trabalho, prezar
pela tutela do MAT, cumprindo com a finalidade pedagógica de estimular a observância, pelos
responsáveis, das normas de saúde e segurança no trabalho (SST).
A presente pesquisa fundamenta-se na dogmática jurídica e na sociologia do direito, tendo
sido realizada com a utilização dos métodos analítico e dedutivo, partindo de conhecimentos
gerais acerca dos assuntos relacionados para obtenção de resultados específicos ao seu conteúdo,
análise pragmática e o uso das técnicas de pesquisa bibliográfica, legislativa e jurisprudencial.
No primeiro capítulo trata-se do conceito de MAT, da sociedade mundial do risco, a partir
das ideias de Ulrich Beck, dos riscos ambientais laborais, do MAT como um dos aspectos do
meio ambiente garantido como direito fundamental pela Constituição Federal de 1988 (CF/88),
do direito fundamental ao trabalho, da origem do trabalho e da sua importância para a satisfação
da dignidade da pessoa humana, do direito fundamental à redução dos riscos inerentes ao trabalho
e da inconstitucionalidade do procedimento de monetarização dos riscos.
Ainda, abordam-se os princípios que norteiam a questão ambiental, em especial, os da
prevenção e da precaução, com foco na proteção do bem ambiental laboral, além de se tratar da
suposta colisão entre os princípios ambientais e os que guiam a ordem econômica. A
concretização do direito fundamental ao MAT seguro e salubre requer a utilização de
instrumentos de tutela adequados, motivo pelo qual são especificados os agentes responsáveis
pelo equilíbrio do ambiente laboral, entre eles a OIT, o MTE, o MPS, o MS, o MPT, o
empregador, o empregado e os sindicatos; as normas aplicáveis à tutela do MAT (Constituição,
Convenções da OIT, Leis, NRs); e os meios de efetivação dessa tutela, com a apresentação acerca
das formas e dos estágios da tutela, dos meios de tutela preventiva e repressiva, da inspeção do
trabalho, da ação civil e penal pública, além de uma abordagem inicial sobre a ARA.
O segundo capítulo detém-se no estudo da incidência da responsabilidade civil nos casos
de danos decorrentes das condições ambientais do trabalho, sendo realizada, inicialmente, uma
incursão no instituto da responsabilidade civil, com o tratamento de questões como a sua divisão
em objetiva e subjetiva, contratual e extracontratual, da responsabilidade aplicável à proteção do
meio ambiente em geral e ao MAT e das causas de exclusão do nexo causal, aplicáveis inclusive
nos casos de responsabilidade objetiva, quando não se tratar de hipótese de risco integral. Em
seguida, trata-se da diferença entre os riscos inerentes ao trabalho e os riscos criados ou
adquiridos, sobre o dever de segurança que incumbe ao mantenedor do ambiente, enquanto
definidor das formas como o trabalho é desenvolvido, dos danos decorrentes das condições
inseguras e/ou insalubres do MAT (doenças ocupacionais) e de atos inseguros (acidentes do
trabalho típicos) e da forma de incidência da responsabilidade civil em cada situação.
Na sequência, o estudo centra-se na responsabilidade civil objetiva do INSS, enquanto
segurador público, e nas prestações previdenciárias/acidentárias cabíveis (auxílio-doença,
aposentadoria por invalidez, auxílio-acidente, pensão por morte, habilitação e a reabilitação
profissional e o serviço social). A responsabilidade civil do mantenedor do ambiente laboral, em
especial, do empregador, com uma abordagem inicial da responsabilidade frente ao trabalhador e
na sequência, perante a Previdência Social, é enfrentada a seguir, tratando-se da alegação de bis
in idem, das hipóteses de responsabilização e de corresponsabilização em razão das novas e
diferentes relações de trabalho (terceirização, trabalho cooperativado, teletrabalho, trabalho
subordinado e continuado executado por pessoa física travestida de jurídica) e da possibilidade de
contratação de seguro privado de responsabilidade civil para arcar com eventual condenação, seja
em ARA, seja em ação de indenização trabalhista.
O capítulo terceiro é dedicado ao estudo dos fundamentos jurídicos, especialmente da
constitucionalidade, e da aplicabilidade da ARA, ao conhecimento do custo social dos acidentes
do trabalho, do seguro de acidente do trabalho (SAT), do dever de segurança e proteção quando
da existência de meios e da diferença dos riscos inerentes ao trabalho e dos riscos criados para
definição das hipóteses de cabimento da ARA. Ao abordar as situações em que cabível o
ajuizamento da ação, são analisadas questões como a necessidade da qualidade de segurado no
momento da eclosão da doença ocupacional incapacitante, a possibilidade de responsabilização
da empresa em caso de inexistência de registro do funcionário, as situações de culpa exclusiva ou
concorrente da vítima pelo infortúnio, os riscos efetivamente abrangidos pelo SAT e os
infortúnios ocorridos com terceirizados, cooperativados, teletrabalhadores e pessoas físicas
travestidas de jurídicas.
Em seguida, os aspectos processuais da ARA são objeto de estudo, como a análise das
questões da justiça competente para processar e julgar as ações, especialmente em razão da nova
redação do art. 114 da CF/88, dada pela Emenda Constitucional (EC) n° 45, de 2004; da
prescrição e seu marco inicial; da avaliação das indenizações regressivas; da possibilidade da
condenação determinar a constituição de capital; entre outras. A ainda restrita jurisprudência dos
tribunais10 acerca das ARAs ampara o estudo dos tópicos desse capítulo.
No quarto capítulo trata-se da ARA como um dos instrumentos de tutela do MAT, a partir
do caráter pedagógico-punitivo, já que os responsáveis pela manutenção do meio laboral tenderão
a cumprir as normas relacionadas com a SST para evitar a formação de um passivo patológico e o
desgaste da imagem da empresa junto à sociedade. A questão dos impactos da ARA nas pequenas
e microempresas também é enfrentada, sendo que essas têm menos obrigações com relação às
questões que envolvem a SST, mas, por outro lado, é nelas a maior incidência de acidentes do
trabalho, justamente pela ausência de investimentos nessa área. Todavia, tais empresas
dificilmente conseguirão arcar com uma condenação em sede de ARA, sendo que se tenta
encontrar uma forma de lidar com essa questão que não seja a mera desconsideração dos
infortúnios nelas ocorridos, mas talvez uma cobrança parcial ou uma condenação sem obrigação
de pagar, mas com obrigação de fazer (investimentos em SST).
A ARA e as políticas públicas de prevenção e de incentivo ao MAT seguro e salubre é o
tema final do estudo, a partir da análise da Política Nacional de Segurança e Saúde do
Trabalhador (PNSST), do fator acidentário de prevenção (FAP) e da possibilidade de os valores
recuperados com as ARAs serem utilizados em políticas públicas de melhoria do equilíbrio do
MAT, enfim, da real efetividade da ARA, enquanto instituto jurídico, na obtenção de progressos
na qualidade do ambiente laboral.
1 A DEFESA DO DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
EQUILIBRADO NA SOCIEDADE DO RISCO

1.1 NOÇÕES CONCEITUAIS SOBRE O MEIO AMBIENTE DO TRABALHO E A


SOCIEDADE MUNDIAL DO RISCO

1.1.1 O conceito de meio ambiente do trabalho

A Lei n° 6.938/81, conhecida como Política Nacional do Meio Ambiente, define meio
ambiente, enquanto gênero, em seu art. 3°, inciso I, como o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida
em todas as suas formas. Assim, partindo do pressuposto de que o meio ambiente do trabalho
(MAT) é uma das perspectivas de análise do meio ambiente, a formação do conceito daquele
decorre desse. O MAT, enquanto espécie, portanto, é o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química, biológica e psíquica (acréscimo indispensável por envolver
relações humanas), que permite, abriga e rege a vida dos trabalhadores, ou seja, a conjunção de
todos os fatores que interferem no bem-estar do obreiro.
Fiorillo e Brandão assim definem o MAT:

Constitui meio ambiente do trabalho o local onde as pessoas desempenham suas


atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na
salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-
psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou
mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos
etc.).11

[...] o conjunto de todos os fatores que, direta ou indiretamente, se relacionam


com a execução da atividade do empregado, envolvendo os elementos materiais (local de
trabalho em sentido amplo, máquinas, móveis, utensílios e ferramentas) e imateriais
(rotinas, processos de produção e modo de exercício do poder de comando do
empregador).12

A Convenção n° 155 da OIT, que dispõe sobre a SST e o MAT, ratificada pelo Brasil e
inserida no ordenamento jurídico nacional pelo Decreto Legislativo n° 2, de 17/03/1992,
promulgado pelo Decreto n° 1.254, de 29/09/1994, publicado no Diário Oficial da União em
30/09/1994, seguida da Recomendação n° 164, conceitua o local de trabalho como sendo “todos
os lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm que comparecer, e que estejam
sob o controle, direto ou indireto do empregador”. Essa Convenção também arrola os fatores
considerados determinantes para a verificação das condições no ambiente do trabalho, quais
sejam, os agentes químicos, biológicos, físicos, as operações e processos, a organização do
trabalho, equipamentos, ferramentas, e outros que possam causar danos à saúde do trabalhador;
além de explicar que o termo saúde, em relação com o trabalho, abrange não somente a ausência
de afecções ou de doença, mas também os elementos físicos e mentais que afetam a saúde e estão
diretamente relacionados com a segurança e higiene no trabalho (art. 3°, alínea e).
Tal definição, todavia, restringe o conceito de MAT, o qual, na realidade, reflete todos os
espaços e contornos em que se desenvolvem atividades de trabalho humanas, sendo a mão de
obra empregada apenas uma delas, motivo pelo qual o empregador também não é o único
responsável pelo ambiente laboral. MAT não é sinônimo de fábrica ou empresa, sendo esses
somente dois aspectos desse ambiente, que são complementados por quaisquer outros espaços
artificiais (urbanos, periféricos ou rurais) ou naturais (preservados ou não) em que se
desenvolvem atividades laborais.
Moraes destaca que diante das mudanças socioeconômicas, o sentido da expressão MAT
alcança paradigmas ilimitados:

Nesse enfoque global, não só o posto de trabalho (local da prestação), mas


todos os fatores que interferem no bem-estar do empregado (ambiente físico, onde estão
os agentes responsáveis à verificação das condições insalubres e perigosas), e todo o
complexo de relações humanas na empresa, a forma de organização do trabalho, sua
duração, os ritmos, os turnos, os critérios de remuneração, as possibilidades de progresso
etc., servem para caracterizar o meio ambiente do trabalho.13

O ambiente externo em que vive e convive o trabalhador também deve ser considerado no
conceito de MAT:

O operário que ganha mal, inevitavelmente, alimenta-se mal e mora mal, sem
descanso satisfatório. Como ganha pouco, é obrigado a estabelecer residência nas
regiões periféricas, distantes dos locais de trabalho, o que adiciona, ainda, o desgaste do
longo período diário em deslocamento incômodo, subtraindo o tempo que poderia ser
aproveitado no repouso e lazer. Conseqüentemente, esse operário terá desgaste acelerado
(por não repor as calorias que despende no trabalho), baixa produtividade, menos
resistência, mais doenças e mais ausências no trabalho, continuando, por tudo isso, a
ganhar mal, sem perspectivas de promoção, tendo de se conformar com as tarefas mais
pesadas e desqualificadas, quando não perde o emprego, prosseguindo assim, o ciclo
vicioso e tormentoso da pobreza.14

O MAT, portanto, é qualquer local em que o homem exerce uma atividade laboral, em
que sua força de trabalho se converte em fator de produção, motivo pelo qual, até mesmo a
residência do trabalhador, que foi transformada em lugar de trabalho em razão de algumas
atividades trabalhistas modernas, envolvendo as inovações tecnológicas (teletrabalho), ou mesmo
outras tarefas, tidas por inferiores (como os serviços terceirizados de costura de sapatos, por
exemplo), deve ser considerada no estudo do MAT.
Para Rocha, “o meio ambiente do trabalho representa todos os elementos, inter-relações e
condições que influenciam o trabalhador em sua saúde física e mental, comportamento e valores
reunidos no locus do trabalho”. Contudo, o autor adverte que a noção de MAT não pode ser
imutável, em razão das frequentes mudanças pelas quais têm passado o mundo do trabalho e suas
relações, devendo o conceito adequar-se a fim de refletir as evoluções sociais e técnicas que
constantemente se aprimoram.15
A preocupação com o MAT advém da presença humana, sendo justamente ela que o
transforma em ambiente laboral, enquanto o comportamento humano é que faz surgir os riscos
que ele representa. Nesse sentido, diante de determinadas decisões tomadas pelo empregador ou
seus prepostos, passa a existir uma perspectiva sobre os resultados maléficos e benéficos ao MAT
que delas podem decorrer. Logo, para Rocha, não é nenhuma surpresa que possa ocorrer
contaminação de trabalhadores petroquímicos pelo benzeno (substância cancerígena) quando ele
é utilizado no processo produtivo, sendo que tal resultado é presumível para o empregador,
mesmo que de forma remota16.
Verificada a amplitude do conceito de MAT, que praticamente trata-se da soma de todas
as demais perspectivas do conceito meio ambiente (natural, artificial ou cultural), já que em todas
elas é possível perceber a presença do trabalho humano, bem como constatado que são os riscos
envolvidos no ambiente laboral que o tornam fruto de preocupações, merecem destaque os
estudos acerca do risco, especialmente os desenvolvidos por Beck, de quem partiu a conclusão de
que hoje se vive na catastrófica sociedade mundial do risco.
1.1.2 A sociedade mundial do risco

Os riscos presentes no MAT são também reflexo da chamada sociedade mundial do risco
que, segundo Beck, sociólogo alemão criador da expressão, é a sociedade da insegurança e do
medo, especialmente diante da invisibilidade de muitos perigos e da impossibilidade de se
conhecer a extensão dos riscos antes de, faticamente, deparar-se com eles. Escreve o autor: “A
sociedade do risco é uma sociedade catastrófica. Nela, o estado de exceção ameaça converter-se
no estado de normalidade” (tradução nossa) [grifo do autor].17
A sociedade mundial do risco não surgiu de repente, como explica Beck, sendo fruto de
uma transição da sociedade industrial, iniciada ao final do século XX; da mesma forma que, no
final do século XIX, a modernização industrial pôs fim à sociedade agrária da época.
Leite e Ayala explicam, com base nos ensinamento de Beck, que os riscos diferem dos
perigos porque identificam uma fase do desenvolvimento da modernidade em que a interpretação
das diversas ameaças a que a sociedade sempre esteve exposta ao longo da história passa a ser
realizada (modernidade reflexiva), permitindo a compreensão de que elas são condicionadas
diretamente à atividade humana e o consequente abandono da leitura que as associava aos
destinos coletivos.18
Os riscos, portanto, estão sempre agregados às decisões humanas, o que explica o fato de
o MAT ser um espaço propício ao desenvolvimento de riscos, tendo em vista sua caracterização
decorrer justamente da presença do homem.
O catastrofismo da sociedade de risco de Beck é explicável pelo sentimento de total
imprevisibilidade com que se convive hoje, que deixa o futuro inadministrável. Para Leite e
Ayala, a segurança, nesse meio, deixa de ser um resultado possível para se converter em um dado
que somente é aferível concretamente mediante a demonstração, cujos efeitos são intoleráveis e
socialmente inaceitáveis. Os autores ainda referem:

O risco representa o próprio desconhecimento, a indisponibilidade, a


insuficiência ou a incerteza sobre as bases de conhecimento associadas aos
comportamentos ou atividades, não sendo possível, portanto, aferir-se sob essas
condições a verossimilhança de dano ou de violação à regra jurídica, havendo
simplesmente um estado de risco e de indefinição cognitiva, que, por si só, já autoriza a
instauração de processos de proteção. [grifos dos autores] 19

O convívio com o risco e a impossibilidade de se negá-lo para enfrentá-lo, fez Giddens


classificar o novo perfil de risco, específico à modernidade, da seguinte maneira: a) globalização
do risco no sentido de intensidade (guerra nuclear, por exemplo); b) globalização do risco no
sentido da expansão da quantidade de eventos contingentes que afetam todos ou, ao menos,
grande quantidade de pessoas no planeta; c) risco derivado do meio ambiente criado (natureza
socializada); d) o desenvolvimento de riscos ambientais institucionalizados afetando as
possibilidades de vida de milhões; e) consciência do risco como risco (as “lacunas de
conhecimento” nos riscos não podem ser convertidas em “certezas” pelo conhecimento religioso
ou mágico); f) a consciência bem distribuída do risco; e g) a consciência das limitações da
perícia. As primeiras quatro principais formas de riscos alteram a distribuição objetiva dos riscos,
enquanto as demais alteram a vivência do risco ou a percepção dos riscos percebidos.20
A sociedade de risco descrita por Beck é ainda mais temível quando ela nega a existência
dos riscos, seja pelo estado público de ignorância social que se instalou na sociedade, seja pela
sonegação de informações sobre os riscos ou pela credibilidade em uma ciência que, quando se
manifesta, costuma ser para avalizar a majoração dos limites de tolerabilidade e das margens de
segurança sobre a suportabilidade dos produtos tóxicos, deixando que cada vez mais riscos sejam
produzidos.21
É por isso que a evolução quanto ao estado de consciência do risco com que se convive é
uma constatação importante de Giddens, pois quanto mais se nega a existência dos riscos ou se
ocultam seus efeitos, mais riscos se acumulam e/ou são sistematicamente produzidos. Para Beck,
“recusar-se a tomar consciência do que está acontecendo fora da porta de casa e não aceitar
expor-se ao risco do novo não pode ser um modo eficaz de preparar-se para o futuro”, sendo
preciso aceitar que “há atrás da esquina novas ameaças que ninguém está preparado para
enfrentar”, mas que “os desafios poderão ser vencidos se conseguirmos produzir mais e melhores
23

tecnologias, mais e melhor desenvolvimento econômico, mais e melhor diferenciação


funcional”22.
Em complemento às ideias de Beck, importa referir outro sociólogo alemão, Luhmann23,
que também foi um grande estudioso do risco24, não com a visão catastrófica de seu conterrâneo,
mas lançando um importante olhar sobre a evolução da sociedade a partir dos riscos, que ele
chamou de contingências.
Para Luhmann, a sociedade é complexa, sendo que essa complexidade gera incertezas
quanto às decisões, levando às pessoas a terem a necessidade de se anteciparem, como forma de
prever o futuro e prevenir os riscos. Essa antecipação, que são as expectativas, evita ou minimiza
as frustrações. Tais expectativas podem ser cognitivas ou normativas, sendo o Direito o principal
instrumento das últimas, que minimizam efetivamente as frustrações, ou seja, previnem os
riscos.25
Dessa lição de Luhmann, conclui-se que as pessoas sentem necessidade de conhecerem os
riscos, como forma de se antecipar a eles e prevenir frustrações, o que, entretanto, não seria
possível na calamitosa sociedade do risco de Beck, muito mais caracterizada pela invisibilidade e
consequente impossibilidade de gestão dos riscos. Entretanto, contrapondo tal visão catastrófica,
retira-se da lição de Giddens a ideia de um novo perfil de risco, adaptável à teoria das
expectativas de Luhmann, ensejando a possibilidade de olhar para o futuro com mais otimismo.
A sociedade do risco, segundo Beck, também se caracteriza pela dependência da ciência e
da tecnologia. Ocorre que os resultados científicos têm demonstrado com clarividência os riscos;
todavia, a sociedade, para o autor, estaria preferindo manter-se inclinada a negar, ocultar ou
dissimular os riscos ao invés de assumi-los26, não precisamente porque quer, mas porque, como
explica Morin, o desenvolvimento da big science leva a um saber anônimo que não mais é feito
para ser incorporado nas consciências, nas mentes e nas vidas humanas, mas para ser depositado
nos bancos de dados e para ser usado de acordo com os meios e segundo as decisões das
potências27.
Assim, no entender de Morin, há três conjugações contraditórias: progresso inédito dos
conhecimentos científicos, paralelo ao progresso múltiplo da ignorância; progresso dos aspectos
benéficos da ciência, paralelo de seus aspectos nocivos ou mortíferos; e progresso ampliado dos
poderes da ciência, paralelo à impotência ampliada dos cientistas a respeito desses mesmos
poderes.28
A explanação de autor representa um retrato consciente (e não apenas catastrófico) da
sociedade do risco, da qual o ambiente de trabalho faz parte como um dos grandes vilões, já que,
com a tecnologia, inventam-se modos de manipulação novos e muito sutis que, exercidos sobre
as coisas, implicam a subjugação dos homens pelas técnicas de manipulação. As máquinas,
supostamente feitas para servir ao homem, acabam por ter os homens a seu serviço, sob o
pretexto de libertá-lo.29
A gravidade dos riscos modernos, especialmente aqueles relacionados à questão
ambiental, em todas as suas perspectivas, tendo em vista a inexistência de fronteiras para barrar a
degradação ecológica, fez Bachelet admitir a mitigação de um dos mais importantes princípios do
Direito Internacional, qual seja, o da soberania, vindo a refletir acerca da possibilidade de
ingerência internacional e dos seus limites, pois, segundo o autor, “a crescente
internacionalização das relações humanas reclama que o dever de ingerência faça parte das
obrigações dos Estados”30, sendo que não se trata de ir ao encontro dos interesses de um país,
decidindo aquilo que é bom ou mau para o seu desenvolvimento, mas sim de intervir quando o
perigo é suficientemente grave relativamente aos meios de que ele dispõe para gerir o risco,
evitando a sua concretização, ou assegurando o regresso à normalidade quando a catástrofe se
produziu, já que “a única soberania admissível é a do próprio ambiente, pois este reina
verdadeiramente sobre todos os dados que condicionam a própria existência do homem”31.
Essa tese, entretanto, somente pode ser defensável se não for instituída para atender aos
interesses das grandes potências, ou seja, desde que não sejam essas que tenham o poder de
definir onde e por que intervir, bem como não tenham, pela sua força econômica, possibilidade
de impedir que quem de direito intervenha nelas quando acusadas de violentarem o ambiente.
Diante da dificuldade de se assegurar tal imparcialidade, a sugestão, por ora, não parece ser a
mais aconselhável.
Mas afinal, onde se encontra essa sociedade mundial do risco preconizada por Beck? Da
forma como se apresenta, ela está em todo o lugar, em todos os segmentos da sociedade, ela é a
única sociedade que se tem na atualidade, pelo simples fato de ser sociedade, ou seja, de contar
com a presença do ser humano. Todos os ambientes em que o homem está inserido, disposto a
tomar decisões em prol do desenvolvimento/crescimento econômico, compõem a sociedade
mundial do risco, porque tal elemento será admitido (ou negado veementemente, segundo os
catastrofistas) por ser encarado como uma oportunidade ou estratégia de mercado (ainda que os
riscos não se alastrem apenas em ambientes de concorrência acirrada), sendo por isso que o meio
ambiente laboral tornou-se um dos principais concentradores de riscos.

1.1.3 Os riscos ambientais laborais

Diante dos riscos que o ambiente do trabalho comporta, a preocupação de melhorar a sua
ecologia é de suma importância, porque

o homem passa a maior parte da sua vida útil no trabalho, exatamente no período da
plenitude de suas forças físicas e mentais, daí por que o trabalho, normalmente,
determina o estilo de vida, interfere na aparência e apresentação pessoal e até determina,
muitas vezes, a forma da morte.32

Silva Filho explica que se consideram riscos ambientais laborais os agentes existentes nos
locais de trabalho, que, em função de sua natureza, concentração ou intensidade e tempo de
exposição, são capazes de causar dano à saúde do trabalhador. Segundo a legislação brasileira,
classificam-se em agentes químicos, físicos, biológicos, ergonômicos e mecânicos (acidentes),
sendo que os agentes químicos, por exemplo, contribuem de forma muito particular para a
insalubridade do ambiente ocupacional, já que a produção, o transporte, a estocagem e o uso de
produtos químicos podem apresentar, ainda que em condições normais, riscos à saúde de
trabalhadores (população controlada), da população em geral, ao meio ambiente e ao patrimônio
empresarial ou comunitário.33
A OIT identifica, aproximadamente, 40.000 substâncias químicas com certo potencial de
toxicidade ao ser humano, enquanto a NR nº 15 do MTE elenca, apenas, cerca de 140 agentes
químicos como causadores do direito ao adicional de insalubridade.34
Isso representa um risco imenso, já que a tendência é que a maioria das exposições de
trabalhadores a agentes químicos ocorra sem o devido conhecimento dos perigos envolvidos. De
todo modo, importa realçar que a legislação, em geral, não consegue prever todos os riscos
abarcados por todas as atividades, o que é perfeitamente compreensível, como explica Brandão:

Numa sociedade em transformação, marcada pela multiplicidade das relações


sociais e pelo seu caráter mutável, num ambiente de rápidos avanços proporcionados
pela tecnologia, tornando obsoleto amanhã o que hoje é novidade, não se pode pretender
que seja possível ao legislador traçar toda a sua regulamentação por meio de normas
caracterizadas pelo conteúdo preciso e definido, albergando valores que por elas são
influenciados e também as influenciam.35

É evidente que a lista de profissões insalubres e perigosas é infindável, já que todas as


atividades profissionais tendem a abranger alguns riscos, especialmente porque esses vão sendo
adquiridos pela forma como são exercidas. Todavia, o legislador não pode, simplesmente, proibir
tais atividades, ignorando o fato de que certos produtos e serviços são imprescindíveis para a
implementação do disposto no próprio art. 225, caput, da CF/88. Mas, em contrapartida, alertam
Figueiredo e Ferreira, “ele não pode ser conivente com a livre agressão à saúde do trabalhador”36.
Os métodos de organização do trabalho chamados de taylorista e fordista buscam
aumentar a produção, sendo apelidados por Leonardo Boff de performancismos37.
Especificamente quanto ao modelo taylorista, cujas características são a divisão rígida do
trabalho, hierarquia, submissão, controle de tempo e ritmo do trabalho, Machado refere que
trouxe grandes repercussões para a saúde dos trabalhadores, pois a divisão do trabalho concebida
impõe, além do controle e poder político sobre os trabalhadores, uma nova identidade do
trabalhador, agora visto como um soldado do trabalho38.
Com base nesses modelos, as empresas têm aumentado as práticas de remuneração
vinculada ao resultado da produção. Assim, quanto maior a produção, maior o salário. O
cumprimento das metas é que determina a quais bens de consumo vitais ou não o trabalhador
poderá ter acesso ao final do mês. Tal prática pode levar muitos trabalhadores atuantes em
atividades de risco a desprezar os instrumentos de prevenção de acidentes, deixando de usar os
equipamentos de proteção individual (EPIs), por exemplo, apenas para ter um melhor resultado
em sua atividade, já que é sabido que alguns EPIs provocam grande desconforto, inclusive
diminuindo os reflexos do trabalhador39.
Rifkin refere que a introdução da energia a vapor e, mais tarde, da elétrica, aumentou
muito o ritmo do processo de transformação e de produção de bens e serviços, criando uma rede
econômica cuja velocidade de operação está cada vez mais em desigualdade com o ritmo
biológico mais lento do corpo humano, representando um sério risco. Isso é evidente diante da
atual cultura do computador, que opera em uma medida de tempo de nanossegundo, uma unidade
de duração tão minúscula que nem mesmo pode ser experimentada pelos sentidos humanos.40
Rocha adverte que os riscos no MAT não podem ser considerados individualmente, mas
sempre globalmente, pois somente essa percepção geral, de todos os elementos é que possibilitará
a prevenção dos infortúnios e a eliminação (ou pelo menos redução) dos riscos.41
O risco representado pelo MAT está diretamente associado ao tipo de atividade exercida.
Assim, aquele que possui a livre iniciativa e detém os meios de produção é que acaba por
selecionar os riscos que o ambiente de trabalho oferecerá aos seus colaboradores, devendo
também responsabilizar-se por eles, e a tendência é que, quanto mais complexo o mundo do
trabalho, maiores serão os riscos a serem suportados pelos trabalhadores42, muitas vezes sem
sequer saberem dessa mortal incumbência.
A forte concorrência que marca a sociedade moderna e pós-moderna exige que os
comportamentos sejam líquidos, como explica Bauman, referindo-se à necessidade da leveza, da
fluidez, da redução de tamanho em tudo, que, invariavelmente, gera riscos, sendo que a
competição pela sobrevivência não é apenas o destino dos trabalhadores, já que ela domina de
alto a baixo a empresa obcecada com a “dieta do emagrecimento”: os gerentes devem reduzir o
tamanho de setores que empregam trabalhadores para continuar vivos; a alta gerência deve
reduzir o tamanho de seus escritórios para merecer o reconhecimento das bolsas, ganhar os votos
dos acionistas e garantir o direito aos cumprimentos quando completar a rodada de corte.43
Esse processo de enxugamento pelo qual as empresas têm se obrigado a passar para o
mercado não as “engolir” vivas é um dos principais responsáveis pelos riscos gerados no
ambiente de trabalho, pois as faz deixar de investir para reduzir ou eliminar os riscos conhecidos,
bem como de pesquisar para conhecer os riscos envolvidos nas novas tecnologias, tudo para
reduzir custos e enquadrar-se nesse novo modelo exigido pelo mercado.44
A sociedade mundial do risco admite que tais riscos façam parte do MAT, pois o objetivo
é crescer a qualquer custo e obter os maiores lucros possíveis. A modernidade traz em si alguns
riscos relativamente novos, em razão das novas tecnologias introduzidas no meio laboral, como é
o caso da informática, que vem ocasionando doenças psicológicas e osteomusculares sem
precedentes na história, ou mesmo da transgenia, que obriga os trabalhadores a terem contato
com ela sem conhecerem seus reais perigos. Todavia, em razão da superioridade dos interesses
econômicos, também velhos riscos se mantêm presentes.
Segundo Fernandes, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indica que os maiores
desafios para a saúde do trabalhador são: os problemas de saúde ocupacional, associados às novas
tecnologias de informação e automação; as novas substâncias químicas e irradiações físicas; as
novas biotecnologias e as transferências de tecnologias perigosas; o envelhecimento da população
trabalhadora e problemas especiais de grupos vulneráveis (doenças crônicas e deficientes físicos),
incluindo os migrantes e desempregados; os problemas relacionados com a crescente necessidade
de mobilidade dos trabalhadores, que passam a residir mais distantes dos seus locais de trabalho;
e o surgimento de doenças ocupacionais de diversas origens.45
Machado lembra que os antigos métodos de produção também causavam estresse, em
razão da monotonia das tarefas repetitivas, enquanto os novos modelos gerenciais produzem
estresse pela fragilização (medo da incompetência, de não saber lidar com as novas tecnologias),
insegurança e competição. Além disso, as novas tecnologias, segundo o autor, dão a aparente
sensação de que o trabalho está mais humanizado, que liberou o homem do trabalho penoso que
lhe exigia grande esforço físico, mas, na verdade, esse novo ambiente de trabalho não passa de
um símbolo, pois os riscos à saúde decorrentes das condições adversas prosseguem e, em alguns
casos, tornam-se mais ameaçadores.46
No ambiente de trabalho rural, pela importância e incidência de intoxicações, importa
referir a grave ameaça dos agrotóxicos, assim descrita por Vaz:

No ambiente de trabalho rural, em razão do uso indiscriminado e sem as


medidas legais de precaução, tanto para a saúde do trabalhador, como para o meio
ambiente, temos uma grande incidência e casos de intoxicação, com trabalhadores sendo
submetidos a doenças fatais ou irreversíveis, como lesões hepáticas e renais, esterilidade
masculina, hiperglicemia, hipersensibilidade, carcinogênese, fibrose pulmonar, redução
da imunidade, distúrbios psíquicos e outras patologias .47

Outro risco envolvendo o ambiente do trabalho no Brasil é a manutenção do pagamento


dos adicionais de insalubridade e periculosidade, além da previsão constitucional do de
penosidade, até hoje não regulamentado. A monetarização dos riscos, claramente, atenua o
combate às condições inseguras de trabalho, tanto por parte do empreendedor, que prefere
despender essa quantia, que é quase simbólica, ao invés de investir na melhoria das condições
ambientais laborais; como por parte do trabalhador, que inclusive procura tais atividades, por
serem melhor remuneradas, sem se preocupar com as consequências danosas à saúde, até porque,
em muitos casos, só se manifestam após longos anos de exposição, além de se esquecer de que
esse acréscimo ínfimo não será capaz de lhe recuperar a integridade e/ou a saúde física e/ou
mental diante de um acidente do trabalho ou de uma doença ocupacional.
Através da análise do Direito do Trabalho comparado, Oliveira observou que o legislador
adotou três estratégias básicas diante dos agentes agressivos: aumentar a remuneração para
compensar o maior desgaste do trabalhador, que se trata da alternativa mais cômoda, mas menos
inteligente; proibir o trabalho, que é a hipótese ideal, mas nem sempre possível; ou reduzir a
duração da jornada, que vem a ser o ponto de equilíbrio. O Brasil adotou a primeira opção em
1940 e não dá sinais de que tenha percebido o erro, apesar de vários países do mundo, que
também aderiram a essa alternativa inicialmente, já terem verificado sua inadequação, sendo que
a tendência moderna de combate ao trabalho em condições insalubres, perigosas ou penosas
converge para a terceira alternativa, qual seja, a da redução da jornada para essas atividades,
conjugada com a exigência de melhorias contínuas no ambiente do trabalho, com atenção
prioritária para a eliminação do agente agressivo.48
A preferência nacional pela neutralização do risco (mais cômoda e barata, mas menos
eficiente), através do uso de EPIs, ao invés da eliminação ou até mesmo do uso de medidas
coletivas de neutralização, que são mais eficazes, demonstra uma escolha perigosa, em que se
aceita, coniventemente, conviver com um agente agressor à saúde. No caso do ruído, por
exemplo, um dos agentes nocivos à saúde mais presentes nos ambiente de trabalho, a eliminação
poderia ocorrer através de técnicas como o isolamento ou o enclausuramento das máquinas, mas
o uso de protetores auriculares é a forma mais comum de prevenção, apesar de apenas
neutralizarem o risco, e muitas vezes de forma precária, já que a perda auditiva pode ocorrer
ainda assim, em caso de combinação de fatores agressivos, tempo prolongado de exposição ou
uso inadequado do EPI.
Os adicionais ainda levam a outras três discussões, que representam graves riscos: a
inexigência de pagamento nos casos de ausência de previsão legal do agente nocivo, a
impossibilidade de pagamento cumulativo dos adicionais e a questão dos limites de tolerância.
Apenas uma quantidade mínima de agentes nocivos está expressamente prevista na
legislação, como já se verificou anteriormente, sendo que mesmo que outros agressores sejam
detectados no ambiente do trabalho, os trabalhadores não são remunerados com o adicional
diante da falta de previsão legal. Tal situação despertou a crítica de Melo às decisões judiciais
que não condenam ao pagamento dos adicionais por falta de previsão dos agentes nocivos nas
portarias do MTE:

[...] se os adicionais de insalubridade, de periculosidade e por trabalho penoso


têm por fim “indenizar” o trabalhador pelos danos e riscos à sua saúde em razão do
contato com os respectivos agentes, não tem cabimento isentar o empregador-poluidor
do pagamento correspondente, quando constatada a existência de tais agentes, apenas
porque o Ministério do Trabalho não os enquadrou por meio de uma norma burocrática
(Portaria), que estaria se sobrepondo ao comando maior da Constituição Federal!
Ademais, tal entendimento leva ao enriquecimento ilícito do empregador em detrimento
do prejuízo do trabalhador.49

A não cumulatividade dos adicionais, seja de espécies diferentes ou da mesma espécie,


como no caso do de insalubridade, pode levar à inação do mantenedor do ambiente de trabalho,
visto que, na impossibilidade de tratar um dos agentes nocivos, fato que lhe obriga ao pagamento
do adicional, pode preferir manter todos os demais, já que todos estarão compensados pelo
pagamento de um.
Nesse ponto, cumpre registrar que o empregador se beneficia duas vezes dessa situação, já
que, por mais que seja o responsável pelo custeio do SAT, o cálculo da alíquota também não leva
em consideração a quantidade de agentes nocivos existentes no MAT, motivo pelo qual deixa de
ser interessante para o empregador atuar para eliminar alguns, se outros são inerentes ou não
conseguem ser reduzidos a níveis toleráveis. Essa grave situação, de todo modo, tende a ser
minimizada com a regulamentação e implementação do FAP50.
Os limites de tolerância são outro grave fator de risco ocupacional, pois, em geral, são
fixados isoladamente e sem exigências quanto à necessidade de consideração da condição
individual do operário; enquanto que, na prática, normalmente, tem-se a presença simultânea de
diferentes agentes nocivos no mesmo ambiente de trabalho e reações distintas ao contato de
acordo com aspectos pessoais dos trabalhadores.
Os valores limites de tolerância, segundo Beck, são um conceito-chave diante do
desconhecimento do trato com os riscos, todavia, alerta: “quem limita a poluição também a
consente [...] Ainda que os valores limite de tolerância queiram evitar o pior, representam uma
‘carta branca’ para envenenar um pouco à natureza e ao homem” (tradução nossa) [grifo do
autor].51
Para Brandão, o direito garantido aos trabalhadores de redução dos riscos não pode
significar o direito de exposição a agente comprovadamente nocivo à sua saúde, sob o pretexto de
estar dentro dos limites de tolerância, pois tal realidade implica negação pura e simples do direito
à preservação da vida e à promoção da saúde do trabalhador.52
Para que se tenha um efetivo controle sobre as situações de risco no Brasil, Grott
apresenta cinco atitudes possíveis para acabar com a preferência pelo pagamento dos adicionais
ao efetivo controle dos riscos: aumentar a remuneração para compensar o maior desgaste do
trabalhador, tornando assim, verdadeiramente oneroso para o empregador expor seu funcionário a
tais situações; proibir o trabalho de forma efetiva em situações de risco iminente, saindo do papel
o poder de fiscalização, embargos e interdição para o campo real e a triste realidade dos
trabalhadores; reduzir a jornada de trabalho; mudança no processo produtivo e eliminação do
risco; e maior taxação tributária a empresas que não investem em segurança ou exponham seus
trabalhadores a condições de risco.53
Na realidade, com bem destacado por Rossit, há no Brasil uma falsa ideia de que a
manutenção de condições adequadas de trabalho traz maiores despesas e, portanto, gera mais
crise econômica, quando se sabe que o bem-estar no trabalho pode justamente contribuir para o
aumento da produção.54
Por fim, importa referir que algumas dessas discussões acerca dos adicionais, acrescida da
questão da base de cálculo do adicional de insalubridade, que tem sido alvo frequente de
discussão na jurisprudência, representam, na realidade, grave risco, já que o debate se concentra
em acessórios aos adicionais, quando o foco deveria ser a efetiva eliminação dessa forma de
remuneração do sistema.
Há muito que se compreendeu que os adicionais deixaram de ser uma sanção temporária
ao mau empregador, que lhe incentivasse na busca de melhorias das condições inseguras ou
insalubres no ambiente de trabalho, para se tornar uma vantagem, já que, aparentemente, é mais
econômico pagá-los do que eliminar os riscos, motivo pelo qual a sua manutenção representa
cada vez maiores riscos aos trabalhadores, exigindo mudança de foco para garantir os direitos
fundamentais à saúde e ao meio ambiente equilibrado.

1.2 O DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO EQUILIBRADO

1.2.1 A evolução do significado do trabalho: de tortura a elemento indispensável para


concretização da dignidade da pessoa humana

Na Antiguidade, o trabalho era sinônimo de escravidão, de tarefa realizada por aqueles


que se enquadravam como subespécie humana. Trabalhava aquele que não tinha algo mais
importante para fazer em prol da humanidade, como pensar. Não por acaso, a origem da palavra
trabalho costuma ser associada ao termo tripalium, que denomina antigo instrumento de tortura.
Todavia, apesar dessa imagem totalmente negativa agregada ao trabalho nas lembranças
mais remotas, trata-se de atividade de importante significado na vida do homem, pois, segundo
Engels, foi o fator decisivo na sua formação, ou melhor, na transformação do macaco em homem:

Toda riqueza provém do trabalho, asseguram os economistas. E assim o é na


realidade: a natureza proporciona os materiais que o trabalho transforma em riqueza.
Mas o trabalho é muito mais do que isso: é o fundamento da vida humana. Podemos até
afirmar que, sob determinado aspecto, o trabalho criou o próprio homem.55

Para justificar sua afirmação, Engels relata a evolução do macaco, sua relação com o
desenvolvimento de atividades, como a fabricação de utensílios, e o consequente aprimoramento
da mão, que não é apenas um órgão do trabalho, mas também produto dele. Explica ainda que o
convívio dos macacos em grupos (laços societários) gerou a necessidade da comunicação, dando-
se o nascimento do órgão vocal humano. Assim, “o trabalho primeiro, depois a palavra
articulada, constituíram-se nos dois principais fatores que atuaram na transformação gradual do
cérebro do macaco em cérebro humano”.56
Hoje, segundo Santos, a capacidade de produzir, de trabalhar torna o homem uma forma
de vida sui generis dentro da natureza, diferenciando-o, efetivamente, das demais formas de
vida.57
Na lição do Papa João Paulo II, exposta na Carta Encíclica Laborem Exercens, assim
restou estabelecida a importância do trabalho na vida do ser humano:

o trabalho é um bem do homem - é um bem da sua humanidade - porque, mediante o


trabalho, o homem não somente transforma a natureza, adaptando-a às suas próprias
necessidades, mas também se realiza a si mesmo como homem e até, num certo sentido,
‘se torna mais homem’. [grifos do autor] 58

Grott explica que na sociedade pré-industrial havia a predominância da escravidão, em


que o trabalhador era tratado pela lei e pela sociedade como um objeto de direito de propriedade,
sem qualquer espécie de direito trabalhista; na sociedade industrial, a escravidão da Antiguidade
passa a ter outra concepção: a escravidão do capitalismo; e com a Revolução Industrial propagou-
se um ritmo mais acelerado para o trabalho, com a expansão da indústria e do comércio e a
substituição do trabalho escravo, servil e corporativo pelo trabalho assalariado em larga escala, ao
mesmo tempo em que as fábricas substituíam as manufaturas, criando as linhas de produção.59
A industrialização surgida na Inglaterra no século XVIII alterou significativamente os
ambientes de trabalho, em razão da inserção das máquinas e de ritmos mais acentuados de
produção, com vistas à obtenção de excedente. Nesse período ocorreu a ruptura entre local de
trabalho e moradia e um novo tipo de acidente do trabalho, muito mais fatalístico, por envolver
gigantescas máquinas. Na atualidade, com as novas formas de trabalho, envolvendo as modernas
tecnologias, identifica-se uma reaproximação, representada pelo temível risco da impossibilidade
de se separar o trabalho da vida pessoal, passando aquele a ocupar todo o tempo do ser humano.
Marx e Engels apontam o trabalho, ou melhor, a exploração dele e a consequente miséria
dos trabalhadores decorrente da desigual distribuição de renda, como principal propulsor da luta
de classes. O formato do trabalho decorrente do desenvolvimento da burguesia, isto é, do capital,
é criticado pelos autores, pois o proletariado, a classe dos operários modernos, surgido nesse
processo, só vive enquanto têm trabalho e só têm trabalho enquanto esse aumenta o capital.60
Marx e Engels tinham a perfeita noção de que, mudando as condições de vida dos homens, as
suas relações sociais, a sua existência social, mudariam também as suas representações, as suas
concepções, os seus conceitos, enfim, a sua consciência, por isso a luta contra a burguesia, para
que o proletariado pudesse melhorar de vida, para que o trabalho voltasse a ser fonte de vida.
Vale ressaltar que na sociedade comunista, o trabalho é obrigatório para todos, ou seja, o poder
político pode até mudar, mas o trabalho continua sendo o elemento essencial para a evolução e
continuidade da sociedade.61
Harvey explica que o capitalismo sempre foi orientado para o crescimento. Logo, para
atingi-lo, pouco importam as consequências sociais, políticas, geopolíticas ou ecológicas. Há
crise quando há falta de crescimento e o crescimento se apóia na exploração do trabalho vivo na
produção, sendo que “a desvalorização da força de trabalho sempre foi a resposta instintiva dos
capitalistas à queda de lucros”.62
Robortella destaca que entre os valores sociais fundamentais trazidos pela Revolução
Francesa inclui-se o direito ao trabalho, axiologicamente associado ao dever de trabalhar: “direito
e dever se combinam, de modo a constituir obrigação exigível à sociedade enquanto direito, e ao
indivíduo enquanto dever, atribuindo dignidade e realização pessoal ao ser humano”.63
Para Bobbio, “foi algo óbvio que, na sociedade dos países da primeira revolução
industrial, quando entraram em cena os movimentos operários, o direito do trabalho tivesse sido
elevado a direito fundamental”, pois “a conexão entre mudança social e mudança na teoria e na
prática dos direitos fundamentais sempre existiu; o nascimento dos direitos sociais apenas tornou
essa conexão mais evidente”.64
No âmbito da atividade humana, o trabalho possui o significado de agente transformador,
podendo ser definido, em termos sintéticos, como energia humana empregada para fins
produtivos65. Ocorre que, segundo Busnello:

Na sociedade capitalista a força de trabalho é uma mercadoria igual a qualquer


outra. Concorre como todas as demais no mercado, só que [...] as demais mercadorias
são trabalho morto, enquanto que a força de trabalho é trabalho vivo [...]. Como todas as
mercadorias, contudo, apesar desta diferença, a força de trabalho tem um valor de uso e
um valor de troca. O primeiro consiste naquilo para o que é útil, e o certo é que para
aquele que a compra, para o capitalista, a força de trabalho é útil somente para produzir
mais-valia, objetivo único do capital. O valor da troca, por sua vez, consiste na
quantidade de mercadorias necessárias para reproduzir a vida do trabalhador.66
Para Duguit, todavia, todo homem tem uma função social para preencher e por
consequência, tem o dever social de desempenhá-la; tem o dever de desenvolver, tão
completamente quanto lhe seja possível, sua individualidade física, intelectual e moral para
cumprir essa função da melhor forma e nada pode prejudicar esse livre desenvolvimento, motivo
pelo qual são socialmente reprimidos os atos contrários e protegidos e garantidos aqueles
direcionados ao fim proposto. Contudo, o homem não tem o poder de permanecer inativo, de
prejudicar o livre desenvolvimento de sua individualidade. Se isso ocorrer, os governantes podem
intervir para impor-lhe o trabalho, pois nesse caso, não fazem mais do que lhe impor a obrigação
de realizar a função social que lhe cabe, já que, quando o indivíduo deixa de cumprir sua função
social, toda a sociedade sofre um prejuízo, o que gera desordem. Assim, na visão do autor,
expressando a máxima importância do trabalho como valor social, o homem não tem o direito de
ser livre, mas o dever social de trabalhar, de desenvolver sua individualidade e de cumprir com
sua missão social.67
No Brasil, o trabalho, como valor social, foi considerado um dos fundamentos da
República, ao lado da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores da
livre iniciativa e do pluralismo político (art. 1° da CF/88), além de ter sido tratado como direito
social (art. 6°). No caminho da demonstração do significado do trabalho em nossa Constituição,
ainda cabe expor a determinação de que a ordem econômica esteja apoiada na valorização do
trabalho humano (art. 170), que a ordem social tenha como base o primado do trabalho (art. 193),
e que a educação vise ao pleno desenvolvimento da pessoa e à sua qualificação para o trabalho
(art. 205), tanto que o plano nacional de educação deverá conduzir à formação da pessoa para o
trabalho (art. 214, IV).
De acordo com Fiorillo, o trabalho, entendido como toda e qualquer atividade humana
vinculada à transformação dos recursos ambientais visando a satisfazer determinadas
necessidades da pessoa humana, integra-se à ordem econômica capitalista68 enquanto fator de
produção, sendo, por via de consequência, elemento indispensável de referido processo
produtivo. Ocorre que, pelo fato de nossa Constituição ter agregado à referida atividade humana
seus denominados valores sociais, passa a haver a exigência de se observar uma série de
parâmetros assecuratórios do conteúdo da dignidade da pessoa humana no seu
69
desenvolvimento.
Para Beck, a importância adquirida pelo trabalho com o advento da sociedade industrial
não tem parâmetro na história, sendo que essa importância não está, ou pelo menos não
essencialmente, no trabalho considerado em si mesmo, tendo a ver, primeiramente, com o fato de
que o trabalho é a base para a sobrevivência e, por sua vez, para um tipo de vida individualizada.
Assim, segundo o autor, o trabalho produtivo e a profissão, na época industrial, converteram-se
no eixo da existência do ser humano.70
O trabalho desenvolvido, enfim, a profissão de alguém, há muito tempo, tem permitido
identificar esse alguém. Antes mesmo de se perguntar de que família uma pessoa provém,
pergunta-se o que ela faz, onde ela trabalha e, com isso, é possível dizer que se conhece
razoavelmente a pessoa, pois o seu trabalho ou profissão evidencia a adesão a determinados
valores, o que não deixa dúvidas acerca da importância desse elemento na vida do ser humano.
O trabalho está associado diretamente com a possibilidade de sobrevivência. Assim,
quando uma pessoa busca se inserir no mercado de trabalho está tentando satisfazer sua
necessidade de continuar a viver, de poder, com o resultado econômico da sua atividade, ter
acesso aos bens de consumo e manter a si e a sua família, motivo pelo qual, não há como ignorar
o impacto direto e perigoso do trabalho no processo vital do ser humano, que, muitas vezes,
premido pela necessidade de sobrevivência, aceita submeter-se às piores e mais degradantes
condições de trabalho, de modo algum aceitáveis como ensejadoras de uma vida digna.
Para Rossit, o conceito de trabalho envolve o direito à vida, porque é através dele que a
vida se realiza em toda a sua plenitude, mas do trabalho em condições dignas, em condições que
propiciem o desenvolvimento do ser humano em todos os seus aspectos.71
Arendt enfatiza que a era moderna trouxe consigo a glorificação teórica do trabalho, o que
resultou na transformação efetiva de toda a sociedade em uma sociedade operária. A sociedade
que está, hoje, para ser libertada dos grilhões do trabalho é uma sociedade de trabalhadores, uma
sociedade que já não conhece outras atividades em benefício das quais valeria a pena conquistar
essa liberdade. O que se nos depara, portanto, é a possibilidade de uma sociedade de
trabalhadores sem trabalho, isto é, sem a única atividade que lhes resta. Certamente, segundo a
autora, nada poderia ser pior.72
O receio de Arendt quanto à iminência de uma sociedade de trabalhadores sem trabalho,
explica-se pela evidência de esse fator, em geral, estar fundado apenas sobre o labor, que
corresponde ao processo biológico do corpo humano, e o trabalho strictu sensu, que
correspondente ao artificialismo da existência humana, ou seja, apenas duas das três atividades
humanas fundamentais, que são complementadas pela ação, que corresponde à condição humana
da pluralidade, designando o que a autora chama de “vita activa”.73
Assim, esse trabalho, tão imprescindível para a vida do homem, também é o genitor da
maioria de seus medos e desventuras, em razão do vínculo inseparável que ele mantém com o
poder econômico.
Forrester critica o poder da economia, pelo estrago que vem fazendo no ser humano,
criando uma sociedade de excluídos, porque, segundo ela, os desempregados são chamados de
excluídos, mas, na realidade, eles estão “incluídos até a medula” nessa sociedade baseada no
trabalho em que o mercado de emprego está perecendo, em que o desemprego virou um campo
de atuação política.74 A autora explica que “a supressão de empregos tornou-se um dos modelos
de administração mais em voga, a variável de ajuste mais segura, uma fonte prioritária de
economia, um agente essencial do lucro”.75 Diante disso, não vê sentido em se continuar
massacrando tantos destinos com o único objetivo de construir a imagem de uma sociedade
desaparecida, baseada no trabalho e não na sua ausência.76
Todavia, o efetivo fim da sociedade do trabalho não parece tão próximo, pois, como
referiu Chiarelli, “na História, até agora transcorrida, a vida social, quaisquer que sejam suas
formas, apenas podia ser uma vida que incluísse o trabalho. Somente idéias paradisíacas do país
das maravilhas fantasiam uma sociedade sem trabalho”. É por isso que o autor defende a ideia do
reposicionamento do trabalho, que, segundo Albuquerque, é o crescimento de um pólo (o do
trabalho intelectual) em detrimento de outro (o do trabalho manual).77
Atestada a continuidade da sociedade do trabalho, todas as preocupações que ele gera,
especialmente quando abordados seus impactos sobre o ambiente equilibrado e os consequentes
danos à saúde do ser humano, como é o caso do presente estudo, são extremamente pertinentes.

1.2.2 O meio ambiente do trabalho como um dos aspectos do meio ambiente

A CF/88 elencou entre os direitos fundamentais do ser humano o de viver em um meio


ambiente ecologicamente equilibrado, o qual restou definido no caput do art. 225 como um bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, além de impor, em razão da
essencialidade do bem garantido, ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e de
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Silva admite que a expressão “meio ambiente” denota certa redundância, todavia, explica:

O ambiente integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e


culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que se vive. Daí por que a
expressão “meio ambiente” se manifesta mais rica de sentido (como conexão de valores)
do que a simples palavra “ambiente”. Esta exprime o conjunto de elementos; aquela
expressa o resultado da interação desses elementos.78

Segundo Derani, a contribuição para a construção da liberdade é um indício de que um


direito conferido constitucionalmente seja um direito fundamental. É por isso que o direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, porque é uma prerrogativa
individual prevista constitucionalmente, cuja realização envolve uma série de atividades públicas
e privadas, produzindo não só a sua consolidação no mundo da vida como trazendo em
decorrência disto, uma melhora nas condições de desenvolvimento das potencialidades
individuais, bem como uma ordem social livre.79
A fim de facilitar o estudo do meio ambiente, costuma-se dividi-lo em aspectos, sendo
que essa divisão, segundo Fiorillo:

busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido.


Não se pode perder de vista que o direito ambiental tem como objeto maior tutelar a vida
saudável, de modo que a classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em
que valores maiores foram aviltados. E com isso encontramos pelo menos quatro
significativos aspectos: meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho.80
Percebe-se a necessidade de fundamentar a inserção do MAT no meio ambiente geral com
base em uma norma jurídica, motivo pelo qual o art. 200, inciso VIII, da CF/88, tem servido ao
intento. Ocorre que não há como viver uma vida digna e com qualidade se uma das atividades
mais importantes da vida do homem não for desenvolvida em um ambiente equilibrado. Logo,
não há como se pensar em cumprir o comando constitucional do art. 225 ignorando o MAT.
A OIT afirma que 95% dos danos ambientais causados aos mais diversos ecossistemas
naturais se originam no microambiente do trabalho, motivo pelo qual a variável ambiental
trabalhista também deve ser levada em conta nos estudos de viabilidade dos empreendimentos e
nas ações estratégicas do setor público e privado que impliquem interferências no meio ambiente
como um todo. Trata-se de internalizar a variável ambiental nos diversos setores da atividade
humana para dar guarida à transversalidade da questão ambiental.81
As mais diversas substâncias tóxicas utilizadas nos processos produtivos das empresas,
antes de serem lançadas no ar ou despejadas na água ainda com capacidade de causar prejuízos
ao meio ambiente, são colocadas, no auge de sua ação nociva, em contato muito próximo com os
trabalhadores, podendo lesar a sua saúde em razão da contaminação do ambiente laboral.
Assim, não há como desprezar o laço que une o ambiente do trabalho e o sistema meio
ambiente. Grandes desastres ambientais, como os ocorridos em Chernobil, na Ucrânia e em
Bhopal, na Índia, evidenciam esse contato, já que se originaram, justamente, em ambientes de
trabalho. As consequências ecológicas desses eventos foram calamitosas, todos os seres vivos
foram profundamente afetados em razão da contaminação do meio ambiente geral, sendo que,
para aqueles que trabalhavam nesses locais, sem sombra de dúvida, foram ainda mais brutais,
pela proximidade dos agentes agressivos e exposição a níveis de concentração e intensidade
muito mais letais.
Chiarelli ensina que é fundamental entender-se que meio ambiente saudável é instrumento
de equilíbrio socioeconômico, de qualidade de vida, sendo que:

O ímpeto de submeter a natureza a prioridades imediatistas de projetos


econômicos sem a contrapartida de uma avaliação dos prejuízos ao ecossistema e, como
tal, à sociedade (hoje ou num amanhã próximo) é visão estreita de uma política de
quantidades, de consumismo voraz, de enriquecimento da funcionalidade e logicidade da
cadeia natural da vida. A própria economia, no depois de amanhã, ficará fragilizada com
tal insensatez.82
O fato é que não há atividade econômica que não exerça influência no meio ambiente.
Todavia, a manutenção das bases naturais da vida é essencial à continuidade da atividade
econômica. Esse relacionamento da atividade humana com o seu meio, conforme Derani, deve
ser efetuado de modo tal que assegure a existência digna a todos. Existência digna, em termos de
meio ambiente, é aquela obtida quando os fatores ambientais contribuem para o bem-estar físico
e psíquico do ser humano.83
Tal conclusão se aplica com perfeição ao MAT, já que somente um ambiente laboral
salubre e seguro contribui para um completo estado de bem-estar físico e psíquico ao cidadão-
trabalhador, uma verdadeira vida digna, corroborando a conclusão acerca da condição do MAT
equilibrado como direito fundamental em razão do disposto no art. 225, da CF/88.

1.2.3 A essência do direito fundamental ao meio ambiente do trabalho seguro e salubre

O trabalho representa um direito fundamental tanto quanto a saúde, dando azo ao direito
fundamental de exercício das atividades laborais em ambientes seguros e salubres.
A relação saúde-trabalho, segundo Oliveira, foi se aperfeiçoando com o passar dos anos, o
que se percebe pela própria designação: por volta de 1830, iniciou-se a primeira etapa, conhecida
como medicina do trabalho, a qual evoluiu para saúde ocupacional, em torno de 1950 e para
saúde do trabalhador, na década de 70 do século XX.84
O conceito de saúde, durante muito tempo, foi negativo, apontando para a ausência de
doença e enfermidade. Todavia, com a constituição da OMS, em 1946, o conceito passou a ter
uma concepção positiva, definindo-a como o estado de completo bem-estar físico, mental e
social. Esse conceito, como bem lembra Oliveira, ao mencionar o completo bem-estar social,
acabou por consagrar as interferências do ambiente social na saúde do ser humano85.
No Brasil, a CF/88 assegura, através do art. 196, que a saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação. E não poderia ser diferente, se se pensar que o direito à saúde
é indissociável do direito à vida.
Também a Lei n° 8.080/90, denominada de Lei Orgânica da Saúde, dispõe em seu art. 3°,
que a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a
moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o
lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; sendo que os níveis de saúde da população
expressam a organização social e econômica da nação. Em complemento, o parágrafo único
prevê que dizem respeito também à saúde as ações que se destinam a garantir às pessoas e à
coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.
No Brasil, a CF/88 também foi fundamental para a concretização da etapa da saúde do
trabalhador no ordenamento jurídico, visto que considerou a saúde como direito social e garantiu
aos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,
higiene e segurança. Todavia, a previsão constitucional ainda não foi suficiente para consagrar o
direito, cujo cumprimento é percebido em distintos níveis: sem desmerecer as empresas que
investem em qualidade de vida nos ambientes de trabalho, há também aquelas que não sabem
sequer o que vem a ser medicina do trabalho, cabendo aos próprios trabalhadores a incumbência
de se tratarem quando os agentes agressivos a que se submetem, em prol do lucro do
empreendedor, lhe causam danos à saúde.
Antunes alerta que “o bem jurídico meio ambiente não deve ser confundido com o bem
jurídico saúde pública”86. Todavia, não parece possível pensar em proteger um, sem se perceber a
necessidade de atentar para o outro. Claro que são bens jurídicos distintos, mas de concretização
mútua, já que são considerados bens ambientais todos aqueles essenciais à sadia qualidade de
vida, ou seja, que garantam o bem jurídico saúde. Disso, conclui-se que a tutela ambiental
constitucional tem dois objetivos: a qualidade do ambiente em si e a saúde, a integridade física e
o bem-estar do cidadão.
Saúde, higiene e segurança, portanto, devem ser compreendidas no sentido amplo, uma
vez que o trabalhador também é destinatário do direito ao meio ambiente do trabalho
equilibrado.87 Além disso, qualquer que seja o conceito de meio ambiente que se adote, ele
engloba o homem e a natureza, com todos os seus elementos, por isso, se ocorrer uma danosidade
ao meio ambiente, essa se estende à coletividade humana, considerando tratar-se de um bem
difuso interdependente.88 Assim, importa registrar o pensamento de Santos:

A proteção do meio ambiente do trabalho dá suporte à proteção do meio


ambiente unitário, e como o fim do direito é a vida do homem, proteger a saúde do
trabalhador é atender a esse caráter protetivo do direito ao meio-espaço ambiente laboral
seguro. Trata-se de proteção setorizada como estratégia ao cuidado com o ambiente em
geral.89

Rocha explica que o meio ambiente laboral, quando considerado como interesse de todos
os trabalhadores em defesa de condições da salubridade do trabalho, ou seja, o equilíbrio do
MAT e a plenitude da saúde do trabalhador, constitui direito essencialmente difuso, inclusive
porque sua tutela tem por finalidade a proteção da saúde, que, sendo direito de todos, caracteriza-
se como um direito eminentemente metaindividual.90
O enquadramento do direito ao MAT equilibrado como difuso é defensável porque, ainda
que os atingidos por determinado evento danoso advindo das inadequadas condições ambientais
do trabalho sejam identificáveis por integrarem determinado grupo, categoria ou classe que se
liga com a parte contrária (agressor/mantenedor do ambiente) por uma relação jurídica base
(relação de trabalho), o que caracterizaria o direito como coletivo stricto sensu, nos termos do
inciso II, do parágrafo único, do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90)91,
o interesse envolvido, relacionado com o direito à saúde e à vida vai muito além dessa relação,
alcançando toda a coletividade, que se une por circunstâncias de fato.
Assim, enquanto direito de todos os trabalhadores, o exercício das atividades profissionais
em ambientes salubres e seguros condiz com um direito difuso. Entretanto, visto pela ótica do
responsável pela manutenção do MAT, em que prevalece a relação jurídica base, a classificação
como direito coletivo stricto sensu parece ser mais indicada. De todo modo, trata-se de direito
coletivo lato sensu, a ser tutelado por e em prol de toda a sociedade, podendo o enquadramento
em determinada categoria de defesa coletiva ocorrer diante da análise do caso concreto.
A necessidade de adequação do MAT, segundo Rossit, decorre do fato de os danos a esse
ambiente não se circunscreverem à questão da saúde, mas produzirem risco potencial ou concreto
de ofensa ao próprio trabalho, principal elemento produtor das condições de existência da
humanidade.92
Nalini lembra que o espaço do trabalho vem a ser o local onde as pessoas permanecem o
maior tempo de suas existências, sendo que esse ambiente precisa ser necessariamente hígido. As
más condições do trabalho são inúmeras, seja pela insalubridade que muitas atividades
comportam, seja pela nocividade dos produtos manejados, derive mesmo da cupidez do capital,
empenhado em maximizar o lucro, à custa do desconforto do trabalhador.93
Oliveira aponta que, em nosso país, as normas legais para proteger a saúde dos
trabalhadores nem sequer chegaram a ser aplicadas de fato e já começam a ser questionadas como
excessivas, burocratizadas, rígidas. Contudo, defende ele, uma questão deve ficar bem clara: “o
direito à saúde é o complemento imediato do direito à vida e não pode ser objeto de qualquer
negociação, já que se trata de direito fundamental indisponível, garantido pela Constituição da
República e pelos tratados internacionais ratificados pelo Brasil”.94
Ninguém questiona a dignidade da pessoa humana como direito fundamental, sendo
exatamente nisso que reside todo o debate acerca da fundamentalidade do direito ao trabalho em
um ambiente sem riscos ou com os riscos minimizados por todos os meios possíveis, já que o
direito fundamental máximo da dignidade da pessoa humana só se realiza plenamente quando
aquele também é cumprido, sendo que violações daquele implicam em restrições deste.
Rossit destaca que “não há dúvida de que dignidade é um conceito imaterial, inerente ao
ser humano, que pode ser traduzido como toda condição que permita o mínimo para o homem
possa se desenvolver”, sendo que nessas condições entram a saúde, entendida como bem-estar
físico e psíquico; as condições de trabalho, porque permitem (ou que deveriam permitir) o
desenvolvimento humano; e a proteção ao meio ambiente, porque é ela que garante o direito à
vida, para as presentes e futuras gerações.95
Importa colacionar Romita, quando explica que direitos fundamentais são aqueles que são
contemplados por normas jurídicas positivas e que, em dado momento histórico, fundados no
reconhecimento da dignidade da pessoa humana, asseguram a cada homem as garantias de
liberdade, igualdade, solidariedade, cidadania e justiça. A dignidade da pessoa humana, portanto,
é o fundamento dos direitos humanos, constituindo-se os direitos fundamentais em manifestações
da dignidade da pessoa, a qual resta ofendida quando algum dos direitos fundamentais, qualquer
que seja a família a que pertença, é violado. As normas que garantem direitos fundamentais
asseguram as condições da dignidade, a qual, todavia, mesmo com eventual violação da norma,
resta preservada, porque se trata de um valor intangível. Assim, conclui o autor: “a dignidade não
se esgota nos direitos fundamentais, entretanto, só terá sua dignidade respeitada o indivíduo cujos
direitos fundamentais forem observados e realizados”. 96
Sarlet define dignidade da pessoa humana como:

a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo
respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido,
um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra
todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as
condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em
comunhão com os demais seres humanos.97

A dignidade, portanto, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e


inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser
destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular
de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade.98
O direito a uma vida digna é o principal direito do cidadão, sendo que, não se permitindo
seja alcançada essa existência digna pelo cidadão enquanto ser humano, de nada adianta que se
lhe reconheçam outros direitos, de natureza civil ou política, cujo pleno exercício supõe,
certamente, um mínimo de dignidade.99
Para Grott, há uma preocupação universal com a saúde e a dignidade da vida humana, não
sendo possível falar em meio ambiente ecologicamente equilibrado, sadia qualidade de vida, vida
saudável e produtiva, sem condições de trabalho adequadas. Refere o autor que não há como
buscar condições mínimas à dignidade humana sem uma ambiência laboral adequada, já que o
homem passa a maior parte da sua vida útil dentro do ambiente fabril, buscando o sustento de si
próprio e de sua família. E segue:

Falar de qualidade do meio ambiente de trabalho, portanto, não é apenas pensar


na poluição química, física ou biológica nas indústrias, nos hospitais ou na agricultura,
mas também na qualidade de vida dos que trabalham em escritórios ou mesmo em casa.
Para tanto há que se adotar uma visão holística do ser humano, que é parte integrante de
um todo organizacional, com múltiplas dimensões em sua vida social.100

A preocupação com o meio ambiente como um todo tem tudo a ver com a busca da vida
humana saudável e produtiva. Salvar o meio ambiente significa antes de qualquer outra coisa,
salvar o ser humano, garantindo-lhe uma vida digna, nesse particular.
É por isso que tanto o trabalho quanto o MAT equilibrado tratam-se de direitos
fundamentais, mas, explica Melo, o MAT adequado “não é um mero direito trabalhista vinculado
ao contrato de trabalho, pois a proteção daquele é distinta da assegurada ao meio ambiente do
trabalho, porquanto esta última busca salvaguardar a saúde e a segurança do trabalhador no
ambiente onde desenvolve as suas atividades”.101
Para Moraes, é dos princípios de valorização do trabalho e dignidade da pessoa humana
que surge o direito ao MAT saudável que, por sua vez, decorre do próprio direito à proteção do
meio ambiente geral. Para ela, “respeitar o meio ambiente geral (gênero) é elemento
imprescindível para a proteção e segurança do meio ambiente do trabalho (espécie)”. Logo, há
qualidade de vida quando há respeito à saúde e segurança no meio ambiente e, em consequência,
a proteção ao meio ambiente geral reflete na proteção ao MAT.102
E nesse trilhar, importa referir ensinamento de Romita, no sentido de que a
disponibilidade dos direitos dos trabalhadores por meio da negociação coletiva encontra limite
nos seus direitos fundamentais, que são direitos indisponíveis em caráter absoluto, insuscetíveis
de renúncia mesmo em sede coletiva, como é o caso da saúde e segurança do trabalho e do direito
ao ambiente de trabalho saudável.103
A proteção ao MAT se inscreve entre os direitos fundamentais do trabalhador, porque
mediatamente visa a assegurar a este a saúde e integridade física. Como direito fundamental, e
por isso direito humano constitucionalizado, torna-se uma finalidade do próprio Estado e eixo do
respeito à dignidade humana do trabalhador.104
No exercício de suas atividades laborais, o trabalhador compromete sua saúde e
integridade física e mental, enfim, sua vida. É por isso que ele precisa ser protegido, através de
normas que garantam o desenvolvimento do trabalho em ambientes seguros e salubres, livres de
riscos, especialmente daqueles criados em razão do modo como a atividade é exercida e que é
determinada pelos interesses econômicos do mantenedor do meio laboral.
Segundo Machado, o direito fundamental da pessoa humana à redução dos riscos
inerentes ao trabalho pode ser integralmente compreendido e exercitado sem a intervenção
legislativa. A expressão “por meio de normas de saúde, higiene e segurança” apenas representa a
possibilidade de ampliação do direito mediante a intervenção legislativa, conferindo uma maior
concreção à norma. Não havendo necessidade de lei regulamentadora, a intervenção do
Legislativo fica vinculada a uma maior concretização da norma, o que significa que a lei que
disciplinar normas de saúde, higiene e segurança não pode atuar restringindo a norma
fundamental. Já o empregador fica totalmente vinculado à norma de direito fundamental, sendo
que o não atendimento autoriza o Judiciário, primando pela interpretação que confere maior
efetividade dos direitos fundamentais, a reconhecer e dar concretude à norma.105
Alexy admite que os direitos fundamentais, como direitos de hierarquia constitucional,
podem ser restringidos, desde que por normas de hierarquia constitucional ou em virtude delas.106
Todavia, é preciso ser explicitado que, na realidade, essa relativização dos direitos
fundamentais somente deveria acontecer com o fito de preservar o valor maior da dignidade da
pessoa humana, motivo pelo qual também os aparentes conflitos de direitos fundamentais na
prática se resolvem garantindo aquele que preserva, em maior grau, a dignidade humana.
Assim, ao prever o pagamento dos adicionais, a CF/88, na realidade, está se balizando
pelo princípio da dignidade da pessoa humana, já que está admitindo que há atividades
inerentemente perigosas, mas que precisam ser desenvolvidas para estender o próprio direito
fundamental da dignidade da pessoa humana ao maior número de pessoas possível. Logo, a fim
de compensar o esforço do trabalhador que compromete sua saúde pelo bem de todos, lhe é
garantido o pagamento do adicional. Essa lógica, entretanto, não se aplica quando o interesse
maior envolvido for apenas o econômico. O pagamento dos adicionais só se justifica quando o
objetivo é a concretização do maior bem-estar possível ao maior número de cidadãos.
Figueiredo e Ferreira seguem o mesmo entendimento:

A prevalência da norma constitucional especial sobre a geral não soluciona a


questão. Como entender o fato do mesmo legislador garantir o direito à integridade física
admitir o trabalho insalubre e perigoso? Já foi dito que algumas profissões apresentam
risco muito grande aos trabalhadores e, apesar disto, dada sua extrema relevância, não
podem ser proibidas ou abolidas. São profissões necessárias para assegurar o direito de
toda a população a uma vida saudável e confortável.107

O núcleo essencial do direito ao MAT equilibrado é a não danosidade irreversível à saúde


e à integridade física e psíquica do trabalhador, sendo que, segundo Santos, isso é possível
assegurando-lhe o trabalho decente e a observância das normas de proteção à saúde e segurança
do trabalhador, motivo pelo qual eventual conflito aparente de normas entre o direito ao
desenvolvimento e o direito à saúde do trabalhador, por exemplo, deve ser ponderado para que
não reste fulminado o mínimo que é a garantia da saúde e integridade física do obreiro.108
Tal entendimento, contudo, tratando-se de direito fundamental decorrente do princípio
basilar da dignidade da pessoa humana, precisa ser ampliado, pois não é somente a danosidade
irreversível à saúde e à integridade física e psíquica do trabalhador que busca ser evitada pelas
normas de proteção do MAT, mas também os danos reversíveis, pois, por maior que seja o
número de mortes e mutilações decorrentes das condições inseguras e insalubres de trabalho, as
doenças e as lesões reversíveis ocorrem em muito maior número e comportam, além dos altos
custos econômicos com saúde e seguro social, os custos sociais, muitas vezes imensuráveis.

1.3 O PAPEL DOS PRINCÍPIOS AMBIENTAIS NO CONTROLE DOS RISCOS LABORAIS


E A COMPATIBILIZAÇÃO COM OS PRINCÍPIOS DA ORDEM ECONÔMICA

1.3.1 Os princípios de interpretação ambiental e o controle dos riscos


A complexidade da questão ambiental e dos riscos que a envolvem exige um tratamento
jurídico diferenciado, muito mais baseado em princípios do que em normas, tendo em vista a
multiplicidade de temas que se discutem e diariamente renovam o rol de problemas a serem
resolvidos nessa área. Mesmo a interpretação das normas existentes, em muitos casos, demanda
uma releitura a partir desses princípios, a fim de permitirem sua efetiva aplicabilidade prática.
Alexy nos apresenta os conceitos de princípios e regras, espécies do gênero normas.
Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das
possibilidades jurídicas e fáticas existentes, ou seja, são mandamentos de otimização,
caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida
de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades
jurídicas, cujo âmbito é determinado pelos princípios e regras colidentes. Já as regras são normas
que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas, contendo determinações no âmbito daquilo que é
fática e juridicamente possível; motivo pelo qual, sendo válidas, exigem que se faça exatamente o
que prevêem; nem mais, nem menos. A distinção entre regras e princípios, portanto, é qualitativa,
e não de grau. 109
Os bens ambientais são essenciais à concretização do direito à vida digna, por isso que sua
tutela deve abranger regras, mas também princípios, pois garantirão a realização e proteção
desses bens na maior medida plausível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes,
enquanto que as regras limitariam tal salvaguarda, já que seriam cumpridas apenas dentro da
exigência legal, nem mais, nem menos, até porque é próprio das regras que não se cometa
excessos dentro de suas definições. A principiologia otimiza a questão ambiental, permitindo a
concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado sob quaisquer
circunstâncias fáticas ou jurídicas.
Os princípios da prevenção e da precaução são elementares nesse âmbito, impregnado de
perigos e exemplo significativo da sociedade mundial do risco caracterizada por Beck. Diante dos
riscos conhecidos, seja quanto às causas, seja quanto às consequências, reina o princípio da
prevenção, de modo que sejam tomadas providências capazes de afastá-los satisfatoriamente,
enquanto a suspeita fundamentada da ocorrência de riscos exige a aplicação do princípio da
precaução, de natureza cautelar.
Para Freitas, a diferença entre o princípio da prevenção e o da precaução reside no grau
estimado de probabilidade da ocorrência do dano: enquanto em um o dano é certo, no outro há
uma verossimilhança de dano, sendo que a forte verossimilhança milita no sentido de que, não
obstante a episódica ausência de certeza científica, o dano poderá ocorrer. Logo, a motivação
compensa a insegurança da dúvida circunstancial e em nada prejudica a coerência aberta e
compatível com o exercício hábil do princípio em tela.110
A investigação (avaliação dos riscos) é pressuposto relevante para o procedimento de
aplicação do princípio da precaução, mas a justificação de medidas precaucionais não pressupõe
que a investigação tenha sido exaustiva e conclusiva no sentido de identificar, demonstrar e
caracterizar todos os riscos e seus efeitos. A aplicação do princípio da precaução, portanto, é feita
a partir do princípio da proporcionalidade, pelo qual se entende que as medidas ou decisões
tomadas pelas autoridades devem ser não apenas as suficientes, mas as necessárias e adequadas a
permitirem que o nível de proteção desejado seja atingido, sendo que, a princípio, não podem ser
consideradas adequadas orientações decisórias que indiquem o caminho do non facere em
atenção a uma pretensão de risco zero.111
O exercício do princípio da precaução, portanto, não pode ser fruto de temores excessivos
ou desarrazoados, pois isso, segundo Freitas, trata-se de quebra igualmente agressiva do princípio
da proporcionalidade, que veda demasias e omissões. Além disso, a insuficiência reticente e a
dose exagerada de precaução, cada uma a seu modo, conduzem à idêntica inviabilidade do
desenvolvimento equilibrado e sustentável constitucionalmente pretendido.112
Para Giddens, a precaução se justifica por ser a presença do ser humano, em qualquer
projeto, sinônimo de presença de risco. Entretanto, nem os defeitos de projeto nem a falha do
operador (consequências inesperadas) são os elementos mais importantes a produzir o caráter
errático da modernidade. As duas influências mais significativas são as consequências
involuntárias (muito mais do que defeitos de projeto ou falha do operador, pois não importa o
quão bem um sistema é projetado nem o quão eficiente são seus operadores, as consequências de
sua introdução e funcionamento no contexto da operação de outros sistemas e da atividade
humana em geral, não podem ser inteiramente previstas, em razão de sua complexidade) e a
reflexividade ou circularidade do conhecimento social (o conhecimento novo não torna
simplesmente o mundo social mais transparente, mas altera sua natureza, projetando-a para novas
direções).113
No ambiente laboral, Fernandes explica que a efetividade do princípio da prevenção, além
de poupar vidas, transfere os custos da variável ambiental trabalhista da sociedade e do Estado,
que financiam a seguridade social, para as empresas:

Trata-se da aplicação do princípio da internalização das externalidades, ou seja,


uma vez que é o empregador quem assume os riscos do empreendimento, é dele a
responsabilidade pelas despesas tendentes ao fornecimento de um ambiente de trabalho
sadio aos trabalhadores e, por isso, os custos dessa atuação a ele pertencem de forma
exclusiva e não devem ser suportados pelo sistema de proteção estatal.114

A aplicação eficaz dos princípios da prevenção e da precaução exige a disseminação de


políticas de educação ambiental e a concretização dos princípios da participação e da informação,
pois somente com a participação de todos e com uma coletividade consciente dos riscos
envolvidos em suas atividades cotidianas é que se poderá obter atuação pró-ativa em prol do
ambiente.
O Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EPIA) está previsto na CF/88 (art. 225, § 1°, VI)
e é um dos mais importantes instrumentos de realização dos princípios da participação e da
informação, motivo pelo qual sua concretização é indispensável nas atividades potencialmente
causadoras de significativa degradação do meio ambiente, aí incluído o ambiente laboral, cuja
análise deveria ser inserida no estudo de forma mais detida.
Fernandes aduz que o direito à informação é um dos instrumentos de efetivação do
princípio da participação e, ao mesmo tempo, de controle social do Poder, permitindo a atuação
consciente e eficaz da sociedade, no desenvolvimento e na implementação das políticas públicas
direcionadas à área ambiental.115
A Política Nacional de Educação Ambiental (Lei n° 9.795/99) refere em seu art. 3° que,
como parte do processo educativo mais amplo, todos têm direito à educação ambiental,
especificando no inciso V, que incumbe às empresas, entidades de classe, instituições públicas e
privadas, promover programas destinados à capacitação dos trabalhadores, visando à melhoria e
ao controle efetivo sobre o ambiente de trabalho, bem como sobre as repercussões do processo
produtivo no meio ambiente.
O combate aos riscos ambientais do trabalho somente conseguirá ser efetivo se contar
com a participação de todos os envolvidos, especialmente dos trabalhadores, enquanto principais
interessados na proteção do meio. O conhecimento, sem dúvida, é o melhor e mais eficiente EPI
que se pode fornecer ao trabalhador!
O direito à informação é amplamente garantido na área ambiental laboral, sendo citado
pela maioria das Convenções da OIT. Assim, todos os trabalhadores devem ser informados dos
riscos envolvidos no exercício do seu trabalho, sendo obrigação do empregador prestar as
informações acerca de quaisquer malefícios à saúde possivelmente decorrentes da atividade.
Além disso, tanto empregados quanto empregadores devem informar aos serviços de saúde no
trabalho quaisquer suspeitas de agravos à saúde do trabalhador no ambiente laboral, inclusive
para melhorar a atuação desses setores na prevenção e na avaliação de eventuais doenças.
Oliveira destaca que, constatado que a norma jurídica, por si só, não mudava as condições
do ambiente de trabalho; que o empregador está preocupado apenas com o resultado econômico
de sua atividade; e que a fiscalização do trabalho não consegue atender a contento toda a
demanda; a partir da década de 70 do século XX, começou-se a perceber que o caminho “para
tornar efetiva a proteção legal era exatamente por intermédio da participação dos destinatários
diretos da tutela jurídica: os trabalhadores e seus representantes”, mas que para o sucesso dessa
participação também se exigia formação adequada ao trabalhador.116
Muitas vezes, as empresas buscam justificar a ocorrência de infortúnios no ambiente do
trabalho como consequência de erros humanos. Contudo, esses decorrem, na maioria dos casos,
da falta de formação técnica dos trabalhadores, que são postos a trabalhar com máquinas
modernas e, algumas vezes, com defeitos embutidos; e de falhas ou dificuldades na comunicação.
Diante desse quadro, nota-se mais uma vez que a atitude preventiva trata-se da ferramenta mais
segura no que se refere ao MAT.
Para Nalini, o trabalhador também precisa conhecer os riscos advindos de inadequada
exploração do ambiente, ou de trabalhar em espaço não propício à sua higidez, pois como sujeito
e objeto da poluição, também ele pode colaborar para uma nova consciência ecológica.117
A Agenda 21 é o principal documento oriundo da Conferência das Nações Unidas sobre o
Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992 (ECO 92 ou RIO
92). Trata-se de um programa de ação formulado pelos países participantes da conferência para a
efetivação do desenvolvimento sustentável no século XXI. Tal documento refere expressamente
vários dos princípios ambientais, não sendo diferente com o direito à informação, que é abordado
em diversos pontos, inclusive nos relacionados com a questão ambiental laboral.118
O desenvolvimento sustentável é outro princípio ambiental, o qual exige a
compatibilização dos interesses econômicos e sociais com a variável ecológica. Laboralmente
falando, tal princípio apresenta-se na medida em que há necessidade de se fazer o contraponto
entre o desenvolvimento da atividade econômica e produtiva e a sustentabilidade (salubridade e
segurança) dos ambientes de trabalho, sendo que o primeiro não pode ser dissociado do segundo,
pelo contrário, o aprimoramento dos processos de trabalho deve objetivar, além do aumento da
produção, a melhoria da qualidade de vida e do bem-estar do trabalhador.
O princípio do poluidor-pagador propõe que se pague para não poluir, ou seja, que se
invista tanto quanto for necessário para que as atividades potencialmente lesivas ao meio
ambiente sejam detidas na fonte, trata-se, assim, de repercussão dos princípios da prevenção e da
precaução. Todavia, em não se obtendo tal controle e se concretizando o dano ambiental, todos
que contribuíram para a poluição devem responsabilizar-se pela sua reparação integral.
É por isso que Melo cita que do princípio do poluidor-pagador decorrem três aspectos: o
da responsabilidade civil objetiva, da prioridade da reparação específica do dano ambiental e o da
solidariedade para suportar os danos causados ao meio ambiente.119 Todos esses aspectos são de
natureza punitiva, somente aplicáveis, portanto, em caso de desrespeito ao princípio de natureza
preventiva, que é o do poluidor-pagador.
Para Grott, o princípio da responsabilidade é o que não admite que a sociedade toda arque
com os custos da recuperação de um ato lesivo ao meio ambiente, causado por um poluidor
identificado.120
Fernandes ainda destaca o princípio da indisponibilidade do interesse público na proteção
do meio ambiente, o qual impossibilita o Poder Público e a coletividade de disporem do meio
ambiente ecologicamente equilibrado, por se tratar de um bem transindividual e indivisível, que
impede qualquer transação. Em razão disso, não se pode deixar de punir alguém que causou dano
ambiental com a justificativa de que o dano é irreparável, devendo ser imposta obrigação de
cumprir outra prestação substitutiva, mas a compensação ambiental somente será levada a efeito
quando não for possível a reparação in natura, sendo a ordem preferencial em relação à defesa do
meio ambiente a seguinte: prevenção, reparação in natura, compensação nas suas duas
modalidades: pagamento de indenização ou a elaboração e execução de projeto substitutivo de
prevenção em outra área.121
O princípio da proteção plena ao trabalhador é referido por Rocha122, apresentando-se
importante diante das novas formas contratuais de trabalho (terceirização, temporários,
teletrabalho etc.), sendo o empregador ou tomador de serviços, enfim, aquele que se beneficia
com o resultado da atividade produtiva, o responsável pela saúde dos trabalhadores, quer exerçam
atividade na unidade fabril ou no ambiente residencial e independentemente da forma que se
apresente o regime de prestação do serviço.
O princípio da solidariedade transgeracional ou intergeracional é outro de extrema
relevância na ótica ambiental, já que a proteção ambiental não cabe apenas em prol das gerações
presentes de determinado país. O bem ambiental exige atenção e cuidado internacional pelo bem-
estar das presentes e futuras gerações, pois interessa a todos, independentemente da
nacionalidade ou da época em que passará por este mundo.
O equilíbrio ambiental capaz de garantir uma vida saudável e digna às presentes e futuras
gerações, além da própria vida a todas as formas de vida, depende da observância prática de
todos esses princípios e de outros correlacionados. O controle dos riscos só se materializa com
ações direcionadas, sobretudo, pelos princípios da prevenção e da precaução.

1.3.2 A compatibilização do direito/dever ao meio ambiente ecologicamente equilibrado


com os princípios da ordem econômica

A CF/88 dispõe em seu Título VII sobre a ordem econômica e financeira, especificando
no Capítulo I, composto pelos arts. 170 a 181, os princípios gerais da atividade econômica. O
caput do art. 170 fundamenta a ordem econômica constitucional brasileira na liberdade de
iniciativa e na valorização do trabalho humano, com o objetivo de alcançar justiça social e
assegurar a todos uma existência digna. Para tanto, estabelece a observância aos seguintes
princípios gerais: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre
concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades
regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno
porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Segundo Fonseca, a Constituição econômica tem seu quadro contextual no todo da
Constituição, cujos princípios devem traçar os parâmetros para aquela, não podendo haver
conflito entre os princípios estabelecidos pela Constituição econômica e os adotados pela
Constituição enquanto carta maior dos princípios de um povo.123
Logo, os princípios estabelecidos como reguladores da ordem econômica brasileira devem
se harmonizar com os demais princípios propostos pela Carta Magna, de modo que nenhum seja
eliminado integralmente, mas sempre garantida a máxima concretização do princípio basilar da
dignidade da pessoa humana.
Alexy explica que “um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz
em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das
regras for declarada inválida”124. Com os princípios, entretanto, é diferente. Não há necessidade
de afastamento de nenhum deles do ordenamento jurídico e nem previsão expressa de cláusula
que solucione eventual confronto: os princípios conseguem ser ponderados de modo a resolver o
conflito do caso concreto sem que nenhum deles seja totalmente eliminado.
Nesse contexto de harmonização de princípios, Freitas explica que o Estado sempre deve
se direcionar a sacrificar o mínimo para preservar o máximo dos direitos fundamentais:

Em nenhuma circunstância, um direito fundamental deve suprimir inteiramente


outro na colisão de exercícios. Apenas deve preponderar topicamente. A razão disso está
em que os princípios e direitos fundamentais nunca se eliminam legitimamente, à
diferença do que sucede com as regras antinômicas e, ainda assim, por preponderância
principiológica. O agente público, dito de outro modo, está obrigado a sacrificar o
mínimo para preservar o máximo dos direitos fundamentais. Esta máxima revela-se
decisiva em sede de responsabilidade do Poder Público, se se quiser que o Estado
assegure a proteção efetiva do núcleo indisponível dos direitos fundamentais de todas as
dimensões.125

A ordem econômica costuma conflitar com a questão ambiental quando o debate traz, de
um lado, o princípio da livre iniciativa, e de outro, o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, que, em diversas situações, se mostra afetado pelas atividades desenvolvidas sob o
manto do primeiro princípio.
Ocorre que o princípio da livre iniciativa, por mais que seja também considerado
fundamento da ordem econômica, é apenas um entre os elencados pelo art. 170, motivo pelo qual
não pode ser aplicado isoladamente, em oposição, até mesmo, com os objetivos dessa mesma
ordem de alcançar justiça social e assegurar a todos uma existência digna, até porque, são esses
objetivos que promovem o vínculo da ordem econômica com a questão ambiental, já que o
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado visa, justamente, aos mesmos
objetivos, especialmente, ao de garantir uma sadia qualidade de vida, que nada mais é do que
uma vida digna.
A compatibilização dos bens ou direitos constitucionalmente protegidos que se encontrem
em colisão é realizada com base em alguns princípios, a partir dos quais serão interpretados e
ponderados esses direitos ou bens, vindo um deles a preponderar, sem que o outro seja totalmente
desconsiderado, mas apenas tornado menos importante no caso concreto. Trata-se de um
balanceamento que objetiva manter o equilíbrio entre as normas constitucionais.
Dentre esses princípios, merecem destaque o da unidade da Constituição, que prevê que
todas as normas constitucionais devem ser interpretadas de tal modo que contradições com outras
normas constitucionais sejam evitadas126, sendo também chamado de princípio da unidade
hierárquico-normativa, já que todas as normas contidas numa constituição formal têm igual
57

dignidade, o que obriga o intérprete a considerar a constituição em sua globalidade,


harmonizando os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar127.
Há também o princípio da concordância prática ou da harmonização, que exige a
coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de
uns em relação aos outros128, sendo também chamado de princípio da cedência recíproca129, já
que a todos os bens ou direitos colidentes devem ser traçados limites proporcionais, para que
todos possam chegar à eficácia ótima130.
Tais princípios dão suporte a outros, como o da máxima efetividade ou da eficiência ou da
interpretação efetiva, que significa que a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido
que maior eficácia lhe dê131, solucionando-se aparentes conflitos de forma conciliatória,
reduzindo-se, proporcionalmente, o alcance jurídico de ambos132; e o princípio da
proporcionalidade ou da proibição do excesso, que dispõe sobre a necessidade de o legislador
editar leis menos restritivas às garantias fundamentais e que os ônus relativos à norma expedida
devem ser suportados proporcionalmente por todos os membros da comunidade política133.
Por fim, o princípio da força normativa da Constituição prevê que, entre as interpretações
possíveis, deve ser adotada aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade e permanência das
normas constitucionais134, pois, conforme nos ensina Hesse, necessitando a Constituição ser
atualizada, mas sendo mutantes as possibilidades e condições históricas dessa atualização, impõe-
se, na resolução de problemas jurídico-constitucionais, que se dê preferência àqueles pontos de
vista que, sob os respectivos pressupostos, proporcionem às normas da Constituição força de
efeito ótima135. A força normativa da Constituição, todavia, não reside, tão-somente, na
adaptação inteligente a uma dada realidade, mas na sua força ativa, que se faz presente quando
existe na consciência geral, não só a vontade de poder, mas também a vontade de Constituição,
pois, embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas, que são
efetivamente realizadas se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem
nela estabelecida e vontade de concretizar essa ordem136.
Acerca dos princípios da ordem econômica, cumpre referir que o justiçado socialmente,
segundo Del Masso, é aquele que possui os mesmos direitos e oportunidades de usufruir os bens
para a satisfação de suas necessidades básicas, sendo a justiça social que faz o homem digno. A
busca da justiça social deve considerar de antemão que o desenvolvimento econômico não indica
necessariamente o desenvolvimento social. Dessa maneira, o Estado deve fomentar o
desenvolvimento econômico cujos frutos são aproveitados socialmente de forma justa. A
previsão da justiça social como um ditame da ordem econômica, segundo o autor, vem trazendo
uma série de benefícios sociais, como por exemplo, a participação dos empregados em fatia dos
lucros da empresa, técnicas de governança que garantem aos acionistas maior segurança nos
investimentos e preocupações com a qualidade de vida do trabalhador.137
Como se vê, a justiça social está intimamente vinculada à existência digna da pessoa
humana, tanto que ambas aparecem como objetivos maiores da ordem econômica constitucional
brasileira. Somente é socialmente justiçado aquele que vive em condições dignas e apenas vive
em tais condições aquele que vive e trabalha em ambientes seguros e salubres, protegido dos
riscos ambientais e daqueles inerentes ao exercício de quaisquer atividades econômicas, espaços
que privilegiam o bem-estar do ser humano durante o exercício de sua atividade laboral e que
permitam, efetivamente, que o trabalhador trabalhe para viver uma vida digna de ser vivida.
Por outro lado, o princípio da valorização do trabalho humano e o fundamento do valor
social do trabalho, segundo Grau, importam em conferir ao trabalho e seus agentes (os
trabalhadores) tratamento peculiar, visando a assegurar-lhes existência digna.138
A liberdade de iniciativa no campo econômico é constituída pela liberdade de trabalhar
(incluídos o exercício das mais diversas profissões) e de empreender (incluindo o risco do
empreendimento: o que produzir, como produzir, quanto produzir, qual o preço final), conjugada
com a liberdade de associação, tendo como pressupostos o direito de propriedade, a liberdade de
contratar e de comerciar139, devendo ser ressaltado que “como produzir” significa, inclusive, em
que condições, ou seja, a definição do ambiente do trabalho em que é desenvolvida a atividade
econômica e que implicará no bem-estar dos trabalhadores, bem como as interferências que a
atividade econômica gerará no ambiente externo, afetando ou não, o equilíbrio ambiental
garantido pela Constituição como direito fundamental de todos os cidadãos para a salvaguarda de
uma vida digna e saudável.
Assim, segundo Toledo, a livre iniciativa pressupõe o exercício da liberdade, que também
exige a assunção das responsabilidades pertinentes, além de algumas condições de ordem
política, como o pluralismo, a democracia e a propriedade privada, que garantirão a liberdade de
produzir e de consumir em um ambiente de concorrência livre.140
A capacidade de assumir as responsabilidades decorrentes do exercício da livre iniciativa,
portanto, é requisito primordial para o efetivo uso dessa prerrogativa constitucional, não se
tratando de violação do direito de livre iniciativa o impedimento decorrente da impossibilidade,
independentemente dos motivos, de cumprir as exigências legais impostas àqueles que desejam
empreender, que envolvem, inclusive e especialmente, a primazia do princípio da dignidade da
pessoa humana em todos os atos que decorram do exercício da atividade.
Del Masso destaca que a livre iniciativa garante a liberdade de empreender, o que não
induz a possibilidade de empreender, que depende também de outros fatores, sendo que a livre
iniciativa pode induzir o intérprete a uma noção falsa de total liberdade de exploração econômica,
o que não é verdade, pois outros princípios a limitarão, como os da justiça social e dos direitos
dos consumidores. Além disso, o acesso ao mercado é livre, mas a permanência do agente
econômico demandará o cumprimento de regras de controle do mercado.141
Diante disso, a empresa que não tiver condições de cumprir com suas responsabilidades
sociais e obrigações legais, nelas incluído o dever de manter um ambiente de trabalho sem riscos
aos trabalhadores, com o intuito de valorizar o trabalho humano, bem como de não gerar
externalidades negativas ao ambiente em geral, a fim de garantir o bem-estar de todos os seres
humanos, não poderá entrar ou manter-se em funcionamento, sendo que isso não violará o
princípio da livre iniciativa, que só se justifica como fundamento da ordem econômica se
utilizado em consonância com os demais princípios constitucionais dessa ordem e com os direitos
fundamentais, ou seja, se exercido sem abusos.
No que se refere ao princípio da garantia da propriedade privada dos bens de produção,
Grau assegura que a sua inclusão entre os princípios da ordem econômica tem o condão de não
apenas afetá-los pela função social, mas, também, de subordinar o exercício dessa propriedade
aos ditames da justiça social e de transformar esse mesmo exercício em instrumento para a
realização do fim de assegurar a todos existência digna.142
Assim, segundo Dantas, um ponto deve ser ressaltado na atual definição da propriedade
em uma perspectiva do Estado Social: o interesse público. Sobre esse, o Estado, deixando de lado
o interesse individual ou privado, opta pela utilização do instituto com o fim de assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, tal como se encontra prescrito no caput
do art. 170 da vigente Constituição brasileira.143
Brandão destaca que o exercício de uma atividade econômica, para que tenha legitimidade
e encontre amparo na órbita também da Constituição Federal, deve estar calcada nos princípios
estabelecidos no seu art. 170, dentre os quais sobrelevam a valorização do trabalho humano; a
garantia da existência digna para todos, inclusive e especialmente os trabalhadores, na medida em
que participam diretamente, com o seu esforço e não raras vezes pagando o preço de sua própria
vida, do processo produtivo, sendo que o princípio significa garantir a vida com qualidade, o que
equivale ao direito do empregado em desenvolver o seu labor em condições seguras e salubres; a
defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação, ou, o que
significa o mesmo, de acordo com o risco da atividade desenvolvida pela empresa.144
Os princípios da ordem econômica brasileira estão intimamente ligados entre si, motivo
pelo qual não há como exercer uma atividade econômica fundante apenas nos princípios da
liberdade de iniciativa, da propriedade privada e do tratamento favorecido para as empresas de
pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País
em prol da soberania nacional e da busca do pleno emprego, já que seu exercício somente será
regular e estará de acordo com os reais objetivos dessa ordem (alcançar justiça social e assegurar
a todos uma existência digna) se atender também, em maior ou menor grau, o princípio-
fundamento da valorização do trabalho humano, da função social da propriedade, da livre
concorrência, da defesa do consumidor, da defesa do meio ambiente e da redução das
desigualdades regionais e sociais.
Ampliando a esfera de atuação econômica, Maréchal refere que, no que respeita ao
comércio internacional, a sua liberdade deveria ser sujeita ao respeito por cláusulas sociais e
ambientais, respeito que se traduziria pela cobrança de direitos compensatórios sobre os produtos
provenientes de países pouco respeitosos das condições de vida dos trabalhadores, assim como da
qualidade de um ambiente que, aliás, não é apenas o seu, mas o de todo o planeta. Todavia,
sugere que, a fim de evitar um protecionismo dissimulado, o montante dessas cobranças seja
depositado em fundos especiais, nacionais ou regionais, que os investiriam em projetos
educativos, sociais (reforma, doença, desemprego) ou ambientais. Nessa perspectiva, conclui:

De facto, se uma empresa for a única a recusar, por razões éticas, sujeitar-se à
lógica do mercado, põe a sua sobrevivência em perigo. Em contrapartida, se os lares
decidirem boicotar as firmas pouco respeitosas do seu pessoal e do ambiente, o próprio
jogo do mercado conduzi-las-ia quer a desaparecerem, quer, por interesse,
evidentemente, a adoptarem uma conduta moral. 145

O desenvolvimento da economia de modo sustentável é possível, mas exige a participação


de todos, movidos pelo objetivo maior de viver dignamente, alcançável com o aprimoramento
dos princípios ambientais, especialmente os da prevenção e da precaução, principais
controladores dos riscos modernos e com a concordância prática dos princípios da ordem
econômica para além da livre iniciativa e do lucro, esse que, apesar de não ser um princípio,
costuma sobrepor-se aos demais. O interesse meramente econômico, diga-se, o lucro, só tem
razão de ser se for obtido sem o afastamento de nenhum dos princípios que regem as ordens
econômica e ambiental, bem como se for capaz de promover o princípio basilar da dignidade da
pessoa humana.

1.4 AGENTES E INSTRUMENTOS DE TUTELA DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO

1.4.1 Agentes responsáveis pela tutela do meio ambiente do trabalho

O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado conferido a todos


pela CF/88 inclui a garantia do exercício das atividades laborais em ambientes seguros e salubres.
Os danos decorrentes da má conservação desse meio afetam diretamente os trabalhadores, mas
também toda a sociedade, que, afinal, arca com a conta da saúde e da previdência social em nosso
país. É justamente por isso que a responsabilidade pela proteção do MAT deve ser dividida entre
diversos agentes, desde o Poder Público, através dos seus diferentes entes, passando pelos
empreendedores, em geral responsáveis diretos pela manutenção dos espaços laborais, pelas
associações, em defesa dos interesses de suas categorias e pelos próprios trabalhadores, como
principais interessados pela melhoria das condições ambientais de trabalho, apesar de muitas
vezes não compreenderem a exata dimensão e influência desse direito em suas vidas,
especialmente quando o seu atendimento lhes impõe redução remuneratória em razão da exclusão
dos adicionais de risco de seus contracheques.
Assim, a proteção jurídica ao MAT é essencialmente coletiva, pois quando se objetiva a
melhoria das condições desse meio, seu resultado refletirá em aumento da qualidade de vida e de
trabalho de todos aqueles que laboram naquele local. Contudo, seus caracteres também podem
atingir uma visão difusa, pois a busca de melhorias no MAT visa à defesa do direito de todos os
trabalhadores de exercerem suas atividades laborais em ambientes seguros e salubres.
OIT: esforço internacional em prol do meio ambiente do trabalho
A criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pela Sociedade das Nações,
em 1919, através do Tratado de Versailles, é fruto do agravamento das condições a que eram
submetidos os trabalhadores desde o início da primeira Revolução Industrial, no século XVIII.
Tem por objetivo promover a justiça social e valorizar o trabalho, sendo a única das Agências do
Sistema das Nações Unidas que tem estrutura tripartite, na qual os representantes dos
empregadores e dos trabalhadores têm os mesmos direitos que os do governo. Dentre os seus
programas, a proteção dos trabalhadores contra as doenças e os acidentes de trabalho através da
eliminação dos riscos é dos mais relevantes.
Acerca do papel da OIT, refere Grott:

A Organização Internacional do Trabalho visa à universalidade da Justiça


Social e à valorização do trabalho. No ponto de vista econômico, busca o nivelamento,
tanto quanto possível, dos custos sociais a fim de evitar a concorrência desleal entre
Estados. Um país que não protege adequadamente seus trabalhadores tem um custo de
produção menor, podendo assim, pôr seus produtos no mercado internacional com
melhor preço. No campo jurídico, tem como objetivo uniformizar, tanto quanto possível,
as normas sociais e trabalhistas.146
Süssekind ressalta que a ação da OIT tem se notabilizado no terreno da proteção contra os
acidentes de trabalho e as doenças profissionais pela atividade normativa, consubstanciada em
inúmeras convenções147 e recomendações; por estudos permanentes, investigações, cursos e
seminários, além de publicações e guias destinados a orientar técnicos, empresários e
trabalhadores; e pelo PIACT (Programa Internacional para Melhorar as Condições de Trabalho e
Meio Ambiente de Trabalho), que executa em sintonia com o PNUMA (Programa das Nações
Unidas para o Meio Ambiente). Aprovado em 1976, ele dá ênfase especial à segurança e
medicina do trabalho, desenvolvendo, nesse campo, intenso programa de cooperação técnica aos
Estados-membros.148
Os objetivos do PIACT são: a proteção contra os efeitos desfavoráveis de fatores físicos,
químicos e biológicos no local de trabalho e no meio ambiente imediato; a prevenção da tensão
mental resultante da duração excessiva, do ritmo, do conteúdo ou da monotonia do trabalho; a
promoção de melhores condições de trabalho, visando à distribuição adequada do tempo e do
bem-estar dos trabalhadores; e a adaptação das instalações e locais de trabalho à capacidade
mental e física dos trabalhadores, mediante aplicação da ergonomia.
Assim, vê-se que a OIT, na qualidade de organismo internacional, vem desenvolvendo as
atividades previstas, voltadas à tutela dos direitos do homem, que são consideradas sob três
aspectos, segundo Bobbio: promoção, controle e garantia. Promoção no sentido de induzir os
Estados a introduzi-los ou aperfeiçoá-los; controle no sentido de verificar se as recomendações
estão sendo acolhidas e as convenções respeitadas e atividades de garantia que se referem à
organização de uma autêntica tutela jurisdicional de nível internacional.149
Todavia, o aprimoramento dessas atividades, especialmente as de controle e garantia,
ainda precisa ser reforçado, precipuamente com a finalidade de evitar que interesses diversos,
inclusive os de outras organizações internacionais, como a Organização Mundial do Comércio
(OMC), se sobreponham aos de proteção da saúde e da vida da classe trabalhadora.
O direito ao exercício das atividades profissionais em ambientes seguros e salubres, que
zelem pela integridade e saúde física e mental dos trabalhadores, é garantido expressamente pelas
Convenções da OIT, dentre as quais, destacam-se três, devidamente ratificadas pelo Brasil: a
Convenção n° 148, sobre o MAT, abordando contaminação do ar, ruído e vibrações; a
Convenção n° 155, sobre segurança e saúde dos trabalhadores; e a Convenção n° 161, sobre os
serviços de saúde do trabalho.
Além dessas, ainda importa referir a Convenção nº 170 (segurança no trabalho com
produtos químicos), que não se restringe apenas à proteção da saúde do trabalhador no local de
trabalho, como destacado por Fernandes, mas também ao resguardo do meio ambiente externo e
da saúde da população do entorno e até de lugares mais distantes, haja vista a possibilidade da
ocorrência de acidentes cujos danos podem atingir o meio ambiente e pessoas localizadas a
milhares de quilômetros do foco central do sinistro e com efeito retardado ao longo do tempo.150
Por meio dessas convenções, a OIT estabelece diretrizes mínimas em matéria de
segurança e saúde dos trabalhadores, que devem ser buscadas pelos Estados interessados na
proteção e preservação do seu mais importante fator de produção: o ser humano trabalhador.
Poder Público: Estado nacional e seus agentes
A CF/88 estabelece como atribuição comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios a de proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas
(art. 23, VI), assim como cuidar da saúde (art. 23, II). Outrossim, determina ser da União a
competência de organizar, manter e executar a inspeção do trabalho (art. 21, XXIV), cujo
principal papel é a fiscalização do cumprimento das normas de proteção ao trabalho, a fim de
garantir ao trabalhador condições de segurança e salubridade em seu MAT.
Apesar da restrição do art. 21, XXIV, a proteção do MAT e da saúde dos trabalhadores
trata-se de competência comum, tendo em vista o MAT integrar o conceito de meio ambiente,
nos termos do art. 200, VIII, da CF/88; bem como diante da impossibilidade de se pensar em
cuidar da saúde, sem atentar para o bem-estar dos trabalhadores.
Registre-se que, de acordo com Fernandes, a competência da União para organizar,
manter e executar a inspeção do trabalho não concede exclusividade ao Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE) para a atividade que menciona, pois não afasta a possibilidade de a inspeção do
trabalho ser feita também por outro órgão da União, como é o caso dos órgãos descentralizados
do Ministério da Saúde.151
Ocorre que, em matéria de ambiente laboral, os órgãos estatais não têm demonstrado
interesse e nem aptidão para trabalhar juntos, fato que precisa ser mudado com urgência em prol
do interesse maior da proteção do ser humano trabalhador.
Essa falta de unidade na atuação do Estado para solucionar os problemas relacionados
com a saúde do trabalhador é criticada por Oliveira, que apresenta tal dispersão como um dos
principais problemas atuais nessa área. Segundo o autor, “as responsabilidades estão distribuídas
entre vários órgãos distintos, praticamente sem comunicação entre si, acarretando visões parciais
do problema, com esforços desarticulados”.152
Cairo Júnior também censura a falta de empenho conjunto, referindo que o ordenamento
jurídico pátrio afastou do órgão responsável pelo pagamento das indenizações (INSS) as
atividades de prevenção de acidentes, reservando-as ao MTE, por intermédio da Secretaria de
Segurança e Saúde no Trabalho (SSST) em âmbito nacional e das Delegacias Regionais do
Trabalho (DRTs) em âmbito regional, o que frustra os resultados pretendidos em relação à
prevenção, acreditando fosse mais coerente que as tarefas de reparação e prevenção estivessem
incumbidas a um único ente, sendo que seria do maior interesse do segurador obrigatório (INSS)
instituir e estimular a adoção de medidas preventivas, pois isso reduziria as despesas com o
pagamento das indenizações devidas.153
A comunicação entre os órgãos é imprescindível, pois só essa junção permitirá uma
reflexão capaz de gerar mudanças. Enquanto cada órgão trabalhar apenas em prol de sua
especialidade, a tendência é que o principal destinatário desses esforços, o trabalhador, continue
sofrendo com o descaso, pois as ações não serão efetivas. É nesse sentido que Morin reflete:

O que acontece é que a reflexão só pode se fazer na comunicação dos pedaços


separados do quebra-cabeça, mas o especialista não pode nem mesmo refletir sobre sua
especialidade e, é claro, proíbe os outros de nela refletirem. Isso faz com que ele
condene a si mesmo ao obscurantismo e à ignorância do que é feito fora da sua
disciplina e condena o outro, o público, o cidadão a viver na ignorância. Isso é o
obscurantismo, o ignorantismo generalizado.154

Grott sugere que no âmbito do Sistema Nacional do Meio Ambiente, deve o CONAMA
buscar em conjunto com as entidades, como a SSST, Fundacentro e DRTs, novas diretrizes de
políticas governamentais para o MAT, sobre normas e padrões compatíveis com a matéria e
essenciais à sadia qualidade de vida da grande massa de trabalhadores.155 Todavia, segundo
Freitas, é inegável que há disputa de poder entre órgãos ambientais, fazendo com que,
normalmente, mais de um atribua a si a mesma competência legislativa e material, além de haver
uma controvérsia histórica que jamais desaparecerá: o poder central está distante e desconhece os
problemas locais; o poder local está próximo dos fatos, porém é influenciado e envolvido nos
seus próprios interesses.156
Não obstante tais dificuldades, o Estado não pode abrir mão de ser intervencionista e atuar
de fato, pois, do contrário, a força dos interesses econômicos tende a prevalecer sobre os aspectos
que envolvem o bem-estar do ser humano e o seu direito de viver uma vida digna. Tal
constatação tem especial relevância no Brasil, onde, diante da ausência do instituto da
estabilidade, os trabalhadores tendem a recuar e manter-se em condições de trabalho inadequadas
frente à constante ameaça de desemprego.
Franco Filho opina que o aumento da intervenção do Estado não é recomendável, mas que
assegurar o mínimo para a dignidade do trabalhador sempre será o seu papel; entende que o
Estado deve afastar-se, tanto quanto possível, das relações entre trabalhadores e empregadores, de
forma a permitir que as negociações coletivas sejam amplas. Contudo, para isso, também é
“imperioso que as entidades sindicais e as categorias econômicas assumam postura
verdadeiramente negocial, despedidas de interesses menores, e dispostas a propugnar pela
superação conjunta das dificuldades que toda a sociedade está atravessando”.157
O Ministério da Saúde (MS) também é fundamental na vigilância da saúde do trabalhador,
especialmente através de seus serviços estaduais e municipais de vigilância sanitária e
epistemológica, pois mesmo os trabalhadores do mercado informal, diante de eventuais danos à
saúde decorrentes das condições laborais, inevitavelmente serão atendidos nessa esfera.
A Lei n° 8.080/90, em seu art. 6°, inclui no campo de atuação do Sistema Único de Saúde
(SUS), entre outras: a execução de ações de saúde do trabalhador; a colaboração na proteção do
meio ambiente, nele compreendido o do trabalho; e a participação no controle e na fiscalização
da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e
radioativos. Por saúde do trabalhador, entende a Lei (§ 3° do art. 6°) ser um conjunto de
atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e sanitária, à promoção
e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos
trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo,
entre outros, a assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença
profissional e do trabalho; a avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde; a
informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de
acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações,
avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os
preceitos da ética profissional; e a revisão periódica da listagem oficial de doenças originadas no
processo de trabalho, tendo na sua elaboração a colaboração das entidades sindicais.
Como se vê, as ações que incumbem ao MS, através do SUS, são de extrema relevância e
não podem se concretizar individualmente, mas em parceria com o MTE e com o MPS.
Porém, o mais importante é que de fato tais ações se materializem, sob pena de
responsabilização civil do próprio Estado por omissão, não se estando a exigir dele uma atuação
além de suas condições financeiras, mas a adoção de uma postura que não seja a de se manter
inoperante. O princípio da proporcionalidade exige um meio-termo, pois assim como os
administrados precisam compreender que aquilo que está além das possibilidades econômicas
não pode ser cumprido, nada os obriga a suportar as consequências de uma omissão que não se
justifica sob nenhuma ótica.
O princípio constitucional da proporcionalidade, segundo Freitas, determina que o Estado
não deve agir com demasia, tampouco de modo insuficiente, na consecução dos seus objetivos,
pois desproporções (para mais ou para menos) caracterizam violações ao princípio e, portanto,
antijuridicidade, sendo que a responsabilidade, mesmo por omissão, pode ser objetiva, sem que,
para isso, tenha-se de acolher a indenização de qualquer dano que não se enquadre como
antijurídico e desproporcional, afastando, por inteiro, a conversão absurda e bizarra do Estado em
segurador universal.158
O Estado brasileiro, portanto, tem o dever de zelar pela eficácia direta e imediata dos
direitos fundamentais, por meio de todos os seus órgãos, preferencialmente através de ações
conjuntas, que tendem a ser muito mais efetivas, devendo as omissões injustificadas serem
punidas, até mesmo com a responsabilização direta dos agentes públicos (ir)responsáveis.
Ministério Público do Trabalho (MPT)
O MPT é o órgão estatal incumbido da defesa do MAT (espécie do gênero meio ambiente
geral), nos termos do art. 129, inciso II, da CF/88 c/c art. 5°, inciso III, alínea d, da LC n° 75/93.
Melo explica que ao MPT cabe a tutela dos direitos relacionados com o MAT, como a
saúde e integridade física e psíquica dos trabalhadores, sendo que o papel desse órgão a cada dia
ganha importância, processual e extraprocessualmente, na solução dos conflitos sociais na área
trabalhista, sobretudo em momentos de crise, quando os sindicatos, como legitimados mais
vocacionados à defesa dos interesses trabalhistas, estão fragilizados diante das rápidas
transformações no mundo do trabalho e do fantasma do desemprego que inibe trabalhadores e
suas entidades representativas na busca de novas conquistas e manutenção de condições
adequadas de trabalho.159
Fernandes destaca que pouca ou nenhuma importância é dispensada aos efeitos do
empreendimento em termos de degradação do MAT e da saúde do trabalhador e, nesse contexto,
defende a participação do MPT no procedimento de licenciamento ambiental, fazendo-se
presente nas audiências públicas de discussão dos Estudos Prévios de Impacto Ambiental (EPIA)
e Relatório do Impacto Ambiental (RIMA), procurando assegurar a higidez ambiental desde o
nascedouro do empreendimento, dando-se, com isso, plena concreção ao megaprincípio da
prevenção no MAT.160
Empregador: o mais importante mantenedor do MAT
A manutenção de ambientes de trabalho seguros e salubres, aptos a garantir o bem-estar
do trabalhador, cabe, essencialmente, aos empreendedores, representados, na ótica do direito do
trabalho, pelos empregadores.

158
FREITAS, Juarez, op. cit., p. 171-172.
159
MELO, Raimundo Simão de, op. cit., 2004, p. 90-91.
160
FERNANDES, Fábio, op. cit., p. 99-100.
Moraes explica que o empregador possui o dever legal de oferecer condições mínimas de
segurança àquele que emprega a força física na execução do contrato de trabalho, implementando
as medidas de proteção e, principalmente, promovendo a prevenção das doenças e acidentes
ocupacionais. Para isso, entende que a prevenção dos agravos à saúde e segurança do trabalhador
brasileiro deve ser vista como investimento na qualidade e produtividade da empresa e defende
que há muito mais redução de custos em proporcionar a qualidade de trabalho, do que remediar
os danos emergentes das situações de risco, sendo que a conscientização do empresariado é o
primeiro passo na defesa do MAT.161
Aos empregadores incumbe a detecção e avaliação dos riscos decorrentes do
desenvolvimento de suas atividades, sejam inerentes, sejam adquiridos pelo modo de produção
escolhido; a atuação preventiva e cautelar voltada ao tratamento dos riscos; a implementação de
equipamentos de proteção coletiva (EPCs) e o fornecimento, em último caso, de EPIs, com a
devida orientação e fiscalização da sua efetiva utilização pelos empregados; a informação aos
trabalhadores acerca dos riscos a que estão expostos e o treinamento para o desenvolvimento da
atividade de modo a reduzir os riscos e, por último, a programação de medidas de urgência para
serem utilizados diante de eventual ocorrência de danos individuais ou coletivos.
A responsabilidade social das corporações constitui um novo conceito no mundo dos
negócios e tem sido definida como a política de planejamento e atuação empresarial com todos os
setores envolvidos e/ou afetados por sua atividade, como por exemplo, os trabalhadores, a
comunidade e o meio ambiente. Tratam-se de códigos de conduta, adotados voluntariamente,
inicialmente por grandes multinacionais, em que elas se comprometem a elevar padrões de
proteção de direitos, assumindo responsabilidade social em caráter global.162
Na realidade, tais condutas são apenas aparentemente voluntárias, pois como regras gerais
constam da legislação. Contudo, a adesão a tais conceitos em muito é resultado das pressões
públicas sofridas por essas empresas em razão de práticas abusivas ou legalmente questionáveis,
principalmente por parte de suas filiais e fornecedores instalados em países em desenvolvimento.
Além disso, a partir do momento em que a empresa passa a ter o “rótulo” da responsabilidade
social, tende a ter maior aceitação no mercado, do que se conclui que a adoção do modelo
transformou-se também em uma técnica de marketing. Diante desse panorama, necessário que as
comunidades e trabalhadores supostamente beneficiados por essa responsabilidade social,
efetivamente fiscalizem a sua colocação em prática e denunciem a empresa no caso de não ser
esse o retrato da realidade, como fizeram os atingidos pela empresa Vale, uma das maiores
transnacionais brasileiras e a maior mineradora do mundo163.
Na área ambiental, a adoção da ISO 14000 tem sido uma dessas formas de demonstrar a
responsabilidade social da empresa com a gestão do meio ambiente. Também a ISO 9000,
modelo de gestão da qualidade para organizações em geral e a norma ISO 18000, voltada para a
gestão da saúde e segurança ocupacional, são utilizados nesse âmbito.
Na visão de Machado, a gestão da saúde dos trabalhadores pelas normas ISO não é
indicada, em razão da racionalidade das empresas estar voltada para a competição e o lucro. Para
o autor, a implantação dos modelos voluntários não representa uma mudança de paradigmas, mas
apenas um reposicionamento no processo de reestruturação industrial. Outro problema apontado
na gestão voluntária é a sua autorregulação pelas empresas, uma vez que é negada qualquer
forma de participação do Estado, dos trabalhadores, dos sindicatos e da sociedade.164
Para Brandão, a proteção ao MAT vem sendo imposta como uma exigência de natureza
econômica, imprescindível para a ampliação dos lucros, por ser um dos fatores responsáveis pelo
incremento da produção. Por isso, a adoção dessas certificações é importante, ainda que não
tenha decorrido de uma efetiva conscientização quanto ao dever de proteção ao empregado como
destinatário principal do processo de qualificação da atividade produtiva, uma vez que não se
pode falar em qualidade do produto desprezando quem o fabrica.165
Assim, a instituição dos modelos de responsabilidade social das corporações tende a
beneficiar os trabalhadores, desde que eles percebam, juntamente com suas representações, as
vantagens que podem obter a partir deles e ativamente cobrem sua implantação.
Sindicatos
As entidades sindicais possuem importante papel para a prevenção e fiscalização do
MAT, sendo que esse papel ganha relevância diante da tendência recente de valorização da
autonomia privada coletiva, com a expansão da definição das condições de trabalho por meio de
negociação. Sobre a importância dessa atuação, escreve Rocha:

A problemática dos riscos ambientais e em especial das doenças ocupacionais


precisa ser enfrentada de forma bastante contundente. As entidades sindicais devem
compreender a importância de sua atuação muito além da defesa das cláusulas
econômicas. Os sindicatos têm condição de intervir decididamente em defesa da
humanização do trabalho, resgatando a finalidade do trabalho como espaço de
construção de bem-estar, construção da identidade e da subjetividade daquele que labora.
A entidade sindical tem, ainda, uma gama imensa de atribuições em defesa da saúde dos
trabalhadores, indo, por exemplo, da requisição de interdição ou embargo, passando pela
emissão da CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho e chegando até os
movimentos paredistas (greve) e de negociação coletiva.166

Diante da impossibilidade fática de o MTE fiscalizar todas as empresas, a atuação do


sindicato profissional ganha importância no combate às agressões à saúde dos trabalhadores, já
que pode provocar a fiscalização do ente público, formulando denúncias e, podendo, inclusive,
acompanhar as diligências, nos termos do previsto, entre outros dispositivos, no § 4º do art. 19 da
Lei n° 8.213/91.
A Constituição da República e a CLT também trazem regras importantes acerca da função
dos sindicatos. O art. 8°, inciso III, da CF/88 prevê que cabe ao sindicato a defesa dos direitos e
interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou
administrativas, enquanto o § 2º do art. 195, da CLT, admite que o sindicato possa arguir em
juízo, em favor de grupo, a insalubridade ou periculosidade. Diante desses dispositivos, não resta
dúvida acerca da possibilidade de os sindicatos postularem em juízo a eliminação ou a redução
das condições inseguras do MAT, fazendo-o em nome de todos os empregados, até para não
deixá-los em situação desconfortável diante do empregador.
Contudo, infelizmente, a atuação dos sindicatos tem sido muito mais perceptível em ações
que visam ao mero recebimento dos adicionais de insalubridade e de periculosidade do que para
exigir dos empregadores a adequação do MAT, com a eliminação dos riscos.
Na posição de juiz do trabalho, Oliveira critica essa forma de atuação sindical e dos
próprios advogados dos empregados, ressaltando que a busca do Judiciário tem se restringido a
condenações de obrigações de pagar, quando muito poderia ser feito pela segurança e salubridade
do MAT por meio de obrigações de fazer. Contudo, o fato dessas últimas não implicarem em
valores patrimoniais tem gerado o desestímulo dos advogados e sindicatos em patrociná-las.167
E o papel dos sindicatos ainda tende a enfraquecer diante das novas tecnologias, pois,
segundo Robortella, “o vínculo social básico, que está na essência do grupo, será perturbado pela
diluição dos trabalhadores em locais de trabalho geograficamente distintos e em tarefas
tecnologicamente díspares”.168
A despeito disso, a Agenda 21 prevê, no Capítulo 29, o fortalecimento da atuação dos
trabalhadores e de seus sindicatos, atribuindo a estes a função de assegurar que os trabalhadores
possam participar de auditorias do meio ambiente nos locais de trabalho e das avaliações de
impacto ambiental; de participar das atividades relativas ao meio ambiente e ao desenvolvimento
nas comunidades locais e promover ação conjunta sobre problemas potenciais de interesse
comum; e de desempenhar um papel ativo nas atividades de desenvolvimento sustentável das
organizações internacionais e regionais, particularmente dentro do sistema das Nações Unidas.169
Trabalhador
O trabalhador possui diversas alternativas jurídicas diante de situações de agressão à sua
saúde e integridade em razão das condições insalubres e inseguras do MAT, todavia, o mais
relevante, é que se conscientize efetivamente acerca da importância de trabalhar em ambientes
equilibrados, que garantam a preservação do seu bem-estar, afastando de vez sua preferência
(forçada pelas condições econômicas) de atuar em ambientes com condições desfavoráveis, a fim
de perceber os criticáveis adicionais de risco. É por isso que a abolição da monetarização como
meio de combate aos riscos ambientais laborais é uma providência necessária, que inclusive
estimulará os trabalhadores a lutarem com maior entusiasmo pela eliminação dessas ameaças.
Juridicamente falando, Oliveira elenca cinco possibilidades de atuação dos trabalhadores:
a) reclamar perante a CIPA e/ou SESMT; b) apresentar denúncia da irregularidade ao órgão local
do Ministério do Trabalho; c) requerer judicialmente as providências para a eliminação ou
neutralização do agente agressivo; d) interromper a prestação dos serviços; e) considerar o
contrato de trabalho rescindido com apoio no art. 483 da CLT.170
O papel do trabalhador em prol de melhorias nas condições ambientais de trabalho
também é destacado por Moraes:

o dever legal do empregado quanto às normas de proteção no meio ambiente do trabalho,


cresce na proporção direta de sua conscientização, isto é, quanto mais informado sobre
os riscos na prestação da atividade, mais prevento e exigente ficará quanto à aplicação,
fiscalização e cumprimento das normas de segurança. Além disso, não obstante a
responsabilidade do Estado, do empregador, bem como dos interessados na proteção da
vida do trabalhador, o empregado é quem executa a prestação laboral e sofre as
conseqüências das agressões ao meio ambiente do trabalho, logo, caracteriza-se como o
sujeito de maior interesse na proteção e efetividade das normas de saúde e segurança.171

Também cabe aos trabalhadores fazerem o seu sindicato agir, pressionando-o e mantendo-
o informado acerca das condições em que o trabalho é desenvolvido, de modo que a entidade atue
em nome de todos, evitando represálias individuais.

1.4.2 Normas aplicáveis à tutela do meio ambiente do trabalho

Dentre o turbilhão normativo destinado à tutela do MAT, destacam-se: a CF/88; as


Convenções da OIT; a CLT; a Lei n° 8.080/90, que, ao dispor sobre a saúde, em diversos de seus
dispositivos menciona a tutela e colaboração na proteção do MAT e da saúde do trabalhador (art.
6°, I, c; 6°, V; 6°, § 3°; 6°, § 3°, I; 6°, § 3°, V; 13, II e VI; 16, II, a e c; 16, V; 17, VII, e 18, III); a
Lei nº 8.213/91, ao tratar dos conceitos de acidente e doença do trabalho, das prestações
infortunísticas e da ação regressiva acidentária; e as Normas Regulamentadoras (NRs) do MTE.
Da CF/88 extraem-se os princípios que regem a matéria, abordados, ainda que
sucintamente, no item 1.3 deste trabalho, em especial, os da prevenção e da precaução. Também
os fundamentos da República Federativa do Brasil, dispostos no art. 1° da Carta Magna, em
especial os da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho são substanciais
na defesa do meio ambiente laboral. Vários dos direitos sociais, previstos nos arts. 6° e 7° e no
capítulo da seguridade social (arts. 194 a 204), inserido no título da ordem social, também
reforçam a importância da tutela ambiental laboral.
A CLT traz um capítulo específico sobre segurança e medicina do trabalho172 (arts. 154 a
223), com disposições gerais sobre os mais variados temas relacionados à tutela do ambiente do
trabalho e da saúde do trabalhador.
Segundo Fernandes, a CLT prevê, desde 1977, mecanismos de Avaliação de Impacto
Ambiental com terminologia peculiar (inspeção prévia), mas dentro da mesma concepção no
sentido do prévio conhecimento dos riscos, da viabilidade do empreendimento e de medidas para
mitigar os efeitos adversos sobe o ambiente do trabalho, a saúde e a vida do trabalhador,
entendendo que o MTE seja o órgão competente para elaborar o estudo de impacto ambiental do
projeto ou atividade no meio ambiente do trabalho.173
A CF/88 e a CLT apresentam normas gerais sobre saúde e segurança no trabalho, as quais
são regulamentadas pelas NRs do MTE, de cumprimento obrigatório, nos termos do art. 154 da
CLT, que expressamente declara que a observância das disposições sobre segurança e medicina
do trabalho, previstas na Consolidação, não desobriga as empresas da implementação de outras
disposições relativas à matéria, cabendo destacar a referência expressa aos códigos de obras ou
regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios em que se situem os respectivos
estabelecimentos, bem como daquelas oriundas de convenções coletivas de trabalho.
Quanto à força normativa das NRs, Dallegrave Neto alerta:

Não se duvide da força normativa dessas NR’s, pelo simples fato de serem
portarias do MTE e, portanto, meros atos regulamentares do Poder Executivo. De uma
adequada exegese do sistema normativo, verifica-se que tanto a lei (art. 200, da CLT)
quanto a Constituição Federal (art. 7°, XXII) referendam as NR’s do MTE, conferindo-
lhes autêntica normatividade.174

Dentre as NRs, destacam-se a NR 02 e a 03, que disciplinam, respectivamente, a inspeção


prévia e o embargo ou interdição; a NR 04, que trata dos Serviços Especializados em Engenharia
de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT); a NR 05, que regulamenta a Comissão
Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA); a NR 06, que trata dos Equipamentos de Proteção
Individual (EPI); a NR 07, que disciplina os Programas de Controle Médico de Saúde
Ocupacional (PCMSO); a NR 09, que trata dos Programas de Prevenção de Riscos Ambientais
(PPRA) e diversas outras que regulamentam as condições de trabalho em diferentes atividades
laborais.175

1.4.3 Meios de tutela do meio ambiente do trabalho

Os instrumentos jurídicos disponíveis no Brasil aos agentes interessados e responsáveis


pela salvaguarda do MAT são inúmeros, indo dos preventivos aos repressivos, cabendo apenas
que cada um dos atores efetivamente desempenhe seu papel, deles utilizando-se corretamente.
A tutela do MAT, segundo Rocha, enquadra-se em três modelos ou paradigmas: o
primeiro deles, conhecido como paradigma tradicional, visa à proteção por meio de medidas de
segurança e o uso de equipamentos de proteção individual; o segundo, chamado de modelo em
transição, em uso no Brasil, começa a implantar tutelas preventivas; enquanto o terceiro, que é o
paradigma preventivo emergente, incorporou a tutela preventiva e implementou legislações que
tratam efetivamente do MAT como um todo.176
Para comprovar o extenso rol de instrumentos de prevenção e tutela do MAT à disposição
dos interessados em nosso país, Melo apresenta o seguinte elenco, que quase esgota o alfabeto: a)
Programa Internacional para Melhoramento das Condições e do Meio Ambiente do Trabalho –
PIACT; b) Estudo Prévio de Impacto Ambiental; c) Negociação Coletiva; d) Comissões Internas
de Prevenção de Acidentes – CIPAs; e) Embargo e Interdição; f) Greve Ambiental; g) Programa
de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA; h) Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional – PCMSO; i) Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina
do Trabalho – SESMT; j) Equipamentos de Proteção Individual – EPIs; k) Perfil Profissiográfico
Previdenciário – PPP; l) Inquérito Civil instaurado pelo Ministério Público; m) Termo de
Ajustamento de Conduta – TAC; n) Audiência Pública; o) Recomendações do Ministério
Público; p) Ação Civil Pública Ambiental; q) Ação Popular; r) Mandado de Segurança Coletivo;
s) Mandado de Injunção; t) Dissídio Coletivo.177
Dentre os meios de tutela repressiva, o Código Penal brasileiro conta com um tipo penal
introduzido pelo legislador com o fim primordial de prevenir e combater acidentes do trabalho,
conforme se depreende da Exposição de Motivos (item 46 do art. 132), mas que vem sendo
esquecido pela sociedade, principalmente, por quem deveria agir em seu nome. O tipo penal do
art. 132 trata da exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo direto e iminente, prevendo
pena de detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave, aumentada,
conforme dispõe o parágrafo único, de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de
outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em
estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.
Contudo, importa realçar que os acidentes do trabalho também podem caracterizar outros
tipos penais, inclusive com penas mais graves, como o homicídio ou lesões corporais, decorrentes
de condutas culposas ou dolosas. No que se refere às condutas culposas, ainda merece destaque o
aumento de pena previsto para o caso de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou
ofício, situação facilmente identificável no MAT.
A Lei n° 8.213/91, em seu art. 19, § 2º, dispõe que constitui contravenção penal, punível
com multa, a empresa deixar de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho,
enquadrando nesse conceito de normas, inclusive as regulamentadoras relacionadas na Portaria n°
3.214/78 do MTE. Contudo, tal dispositivo não vem tendo aplicação prática.
Apesar do arcabouço legal existente, as condições de trabalho no nosso país, em geral,
não são adequadas e, em alguns casos chegam mesmo a ser degradantes, especialmente porque as
multas administrativas têm valores baixos e em muitos casos nem são cobradas; por outro lado,
só em poucas situações os empregadores são acionados civil e criminalmente.178
Juntamente com a inspeção prévia, na condição de Estudo Prévio de Impacto Ambiental
na esfera trabalhista, o inquério civil, o termo de ajustamento de conduta, a ação civil pública e a
ação popular, essa prevista como direito fundamental no inciso LXXIII do art. 5° da CF/88, são
os instrumentos preventivos mais relevantes na proteção do MAT.
A legitimidade para instauração do inquérito civil é exclusiva do Ministério Público (art.
129, III da CF/88 e art. 8°, §1° da Lei n° 7.347/85), tratando-se de procedimento administrativo
importante porque permite a apuração do perigo de dano e a rápida solução por meio da
assinatura de um termo de ajustamento de conduta pelo inquirido, no qual se compromete a
afastar os riscos causadores do desequilíbrio ambiental antes da concretização do dano.
A ação civil pública (ACP) pode ser proposta pelo Ministério Público, Defensoria
Pública, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações e
sociedades de economia mista, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e
associações que, concomitantemente, estejam constituídas há pelo menos um ano nos termos da
lei civil e incluam, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico (art. 5° da Lei n° 7.347/85), que vêm a serem os objetos de
proteção da referida ação.
Visa a ACP a obrigar o degradador ambiental a adequar o meio, tornando-o equilibrado e
capaz de satisfazer o direito fundamental a uma vida digna e sadia (obrigação de fazer ou não
fazer) ou imputar um ressarcimento monetário (individual, coletivo ou difuso) quando os danos já
estiverem concretizados (condenação em dinheiro).
Os valores decorrentes das cominações genéricas fixadas pelo Judiciário nas ACPs são
destinados a um fundo federal ou estadual para reconstituição dos bens lesados, segundo
disposição do art. 13 da Lei n° 7.347/85 que, no âmbito trabalhista, por ora, é o Fundo de
Amparo ao Trabalhador – FAT, conforme entendimento assentado na doutrina e na
jurisprudência.179
Por fim, no tocante à ACP, importa registrar que podem constar no polo passivo quaisquer
pessoas físicas ou jurídicas que sejam causadoras ou potenciais causadores, por ação ou omissão,
de danos a interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, motivo pelo qual inclusive o
Estado possui legitimidade passiva, seja como responsável direto pela degradação ambiental ou
indireto180, inclusive por falha na fiscalização, quando essa for desproporcional e injustificável.
2 DANOS DECORRENTES DAS CONDIÇÕES AMBIENTAIS DO TRABALHO E A
INCIDÊNCIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

2.1 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL E O MEIO AMBIENTE DO


TRABALHO

2.1.1 Responsabilidade civil: evolução e aplicação na esfera ambiental

A responsabilidade civil é o instituto jurídico que obriga o causador do dano a repará-lo,


independentemente de ter sido ocasionado por conduta específica consciente ou inconsciente
(ação ou omissão advinda de obrigação contratual ou extracontratual) ou pelo exercício habitual
de atividade geradora de riscos incontroláveis (teoria do risco integral) ou de riscos controláveis
sem a utilização da técnica disponível para minimizá-los ou neutralizá-los.
Dallegrave Neto define responsabilidade civil como:

a sistematização de regras e princípios que objetivam a reparação do dano patrimonial e


a compensação do dano extrapatrimonial causados diretamente por agente – ou por fato
de coisas ou pessoas que dele dependam – que agiu de forma ilícita ou assumiu o risco
da atividade causadora da lesão.181

Cavalieri Filho explica que o dever de reparar o dano (assumir a responsabilidade civil) é
um dever jurídico sucessivo, que surge para recompor o prejuízo decorrente da violação de um
dever jurídico originário, que é aquele que corresponde a um direito absoluto, como por exemplo,
o dever jurídico de respeitar a integridade física do ser humano. Assim, tanto na responsabilidade
extracontratual como na contratual há a violação de um dever jurídico preexistente, sendo que a
distinção está na sede desse dever, havendo responsabilidade contratual quando o dever jurídico
violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver no contrato; e extracontratual se o dever
jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas na lei ou na ordem jurídica.182
Há dissenso na doutrina acerca do enquadramento do dever de manter a integridade física
e a saúde do trabalhador no ambiente laboral como responsabilidade contratual ou
extracontratual. Melo defende tratar-se de responsabilidade contratual por entender ser através do
contrato de trabalho que o trabalhador vende a sua força de trabalho e o empregador
responsabiliza-se pela assunção, entre outras obrigações, de manter a integridade física e psíquica
daquele em função do trabalho e do contrato que os une, sendo essa a mais importante cláusula
inserida implicitamente no contrato de trabalho, que enseja, inclusive, a presunção da culpa,
porque há um dever positivo de adimplemento do objeto do contrato.183 Por outro lado, Oliveira
posiciona-se pelo enquadramento da indenização por acidente do trabalho ou doença ocupacional
como responsabilidade extracontratual porque decorre de algum ato ilícito do empregador, por
violação dos deveres previstos nas normas gerais de proteção ao trabalhador e ao meio ambiente
do trabalho, sendo que essa responsabilidade não tem natureza contratual porque não há cláusula
do contrato de trabalho prevendo a garantia de integridade psicobiofísica do empregado.184
Todavia, independentemente da origem contratual ou extracontratual do dever, o fato é
que a responsabilização civil decorre do mero descumprimento do dever legal de afastamento dos
riscos para prevenção da ocorrência de danos.
O instituto da responsabilidade civil sempre visou ao ressarcimento à vítima dos prejuízos
sofridos em razão do descumprimento de um dever jurídico absoluto que atingiu um seu direito
absoluto, além de sancionar o causador do dano e coibir a repetição (individual, ou seja, do
mesmo agente em questão; ou social, isto é, de potenciais causadores de danos similares).
Ao instituir o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial
à sadia qualidade de vida, e o direito dos trabalhadores à redução dos riscos inerentes ao trabalho,
por meio de normas de saúde, higiene e segurança, a CF/88, respectivamente, no art. 225, caput e
no art. 7°, inciso XXII, impõe deveres jurídicos originários, que, se violados, farão surgir o dever
jurídico sucessivo de reparação do dano, ou seja, a responsabilidade civil, sendo o direito ao
seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, previsto no art. 7°, inciso XXVIII,
notadamente quanto ao direito dos trabalhadores, um mero direito intermediário, do qual o
trabalhador somente fará uso na hipótese de não cumprimento do dever principal.
Para Dias, “o interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano
é a causa geradora da responsabilidade civil”.185 Antes de punir, portanto, a responsabilidade civil
visa ao restabelecimento do equilíbrio social perdido com a ocorrência do dano.
Tradicionalmente, o fato gerador da responsabilidade civil é um ato ilícito. A partir dessa
conclusão, Cavalieri Filho explica que a ilicitude possui dois aspectos: o objetivo, em que a
conduta (ou o fato em si mesmo) contrária à norma jurídica merece a qualificação de ilícita ainda
que não tenha origem numa vontade consciente e livre, sendo a ilicitude marcada pela violação
do dever jurídico; e o subjetivo, que ocorre quando o comportamento objetivamente ilícito for
também culposo, ou seja, quando permite formular um juízo de valor sobre o ato e um sobre o
seu agente.186
O ato ilícito gerador da responsabilidade civil fundamentado na culpa foi por muito tempo
o único permissivo legal para a incidência do dever de reparar, todavia, aos poucos, a ilicitude do
ato deixou de depender da análise subjetiva da intenção do agente, ressaltando o próprio art. 187,
do Código Civil de 2002, que também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes. Logo, mesmo que o agente esteja exercendo um direito absoluto, se houver
caracterização de abuso do direito (deliberado ou não) restará evidenciado o ato ilícito e a
incidência da responsabilidade civil objetiva, ou seja, independentemente de culpa, nos termos do
art. 927, caput, do Código Civil. Por exigência das novas relações sociais decorrentes da
evolução científica e tecnológica, especialmente a partir da Revolução Industrial, o instituto da
responsabilidade civil passou a conceber o dever de reparar pelo mero desempenho de atividade
de risco, explicitado no Brasil, de modo geral, no parágrafo único, do art. 927, do Código Civil,
ou seja, haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Nas hipóteses em que a culpa decorre da violação de uma norma legal, tem-se o que
Oliveira denomina de “culpa contra a legalidade”, visto que o dever transgredido resulta de texto
expresso de alguma norma jurídica. A mera infração da norma, quando acarreta dano, já é fator
que desencadeia a responsabilidade civil, pois cria a presunção da culpa, confirmando a
negligência, incumbindo ao réu o ônus da prova em sentido contrário. O descumprimento da
conduta legal prescrita, portanto, já é a confirmação da negligência do agente, a ilicitude objetiva
ou culpa contra a legalidade.187
Além disso, lembra Oliveira que no caso de danos decorrentes das condições ambientais
do trabalho, a culpa do empregador também pode surgir sem que tenha ocorrido violação legal ou
regulamentar de forma direta. Isso porque as normas de SST, ainda que bastante minuciosas, não
alcançam todas as inúmeras possibilidades de condutas do empregado e do empregador na
execução do contrato de trabalho. Por isso é que se exige um dever fundamental do empregador
de observar uma regra genérica de diligência, uma postura de cuidado permanente, a obrigação
de adotar todas as precauções para não lesar o empregado que, na eventualidade de não ser
observada, caracteriza a culpa por violação do dever geral de cautela.188
Segundo Cavalieri Filho, a evolução da responsabilidade subjetiva para a objetiva passou
pelos seguintes estágios: primeiramente, os tribunais começaram a admitir uma maior facilidade
na prova da culpa, extraindo-a, por vezes, das próprias circunstâncias em que se dava o acidente e
dos antecedentes pessoais dos participantes. Depois, admitiu-se a culpa presumida, na qual há a
inversão do ônus da prova (o causador do dano, até prova em contrário, presume-se culpado,
cabendo-lhe elidir essa presunção). Ampliaram-se os casos de responsabilidade contratual até
admitir-se a responsabilidade sem culpa, em que provados o dano e o nexo causal, ônus da
vítima, exsurge o dever de reparar, independentemente de culpa, sendo que o causador do dano
só se exime do dever de indenizar se provar alguma das causas de exclusão do nexo causal.189
A presunção da culpa trata-se de uma maneira de suavizar a incumbência que cabe à
vítima no tocante à produção da prova da culpa na esfera da responsabilidade civil subjetiva, pois
se passa a exigir, do suposto causador do dano, a prova negativa de sua responsabilidade, a partir
da demonstração do cumprimento de todos os deveres legais e contratuais que lhe eram impostos.
Para Oliveira, “a presunção de culpa do empregador poderá representar um ponto de
consenso ou de trégua entre os defensores da teoria do risco e os adeptos da responsabilidade
subjetiva”.190
A responsabilidade civil objetiva e a presunção de culpa191, todavia, são institutos
distintos, estando essa relacionada com a responsabilidade subjetiva, em que apenas se inverte o
ônus da prova. Apesar disso, para Dias, a presunção da culpa é mero reconhecimento da
necessidade de admitir o critério objetivo, embora o não confessem os subjetivistas.192
A responsabilidade civil objetiva também se trata de uma presunção, todavia, não de
culpa, especificamente porque tal elemento não integra a definição do instituto, mas do nexo de
causalidade entre o dano e a atividade do agente, pelo risco que comporta ou pelo mero
descumprimento do dever legal.
Lemos explica que em se tratando de dano ao meio ambiente, pode ser difícil a
demonstração do nexo de causalidade, motivo pelo qual se entende suficiente que o risco da
atividade tenha exercido influência causal decisiva para a ocorrência do dano: são as presunções
de causalidade ou presunções iuris tantum do nexo.193 Ferraz reforça a necessidade de atenuação
do relevo do nexo causal em matéria de responsabilização ambiental, não devendo haver uma
grande preocupação em relacionar a atividade do agente com o prejuízo, bastando que,
potencialmente, a atividade do agente possa acarretar prejuízo ecológico, para que se inverta o
ônus da prova e imediatamente se produza a presunção da responsabilidade, reservando para o
eventual acionado o ônus de procurar excluir sua imputação.194
Ainda da lição de Cavalieri Filho, extrai-se importante distinção no sentido de que a
responsabilidade civil subjetiva continua fulcrada no ato ilícito stricto sensu, representado pelas
expressões “ação” ou “omissão”, previstas no art. 186 do Código Civil, que normalmente
decorrem de uma conduta individual, isolada e, justamente por isso, também se aplicam nas
relações interindividuais; enquanto que a objetiva requer como fato gerador um ato ilícito em
sentido amplo, tendo a legislação se utilizado da expressão “atividade”, tratando-se da atividade
como conduta reiterada, habitualmente exercida, organizada de forma profissional ou empresarial
para realizar fins econômicos, tendo por campo de incidência as relações entre o indivíduo e o
grupo (Estado, empresas etc.).195
As origens da responsabilidade civil objetiva reportam-se, sem dúvida, à época da
Primeira Revolução Industrial, período em que, segundo Rizzardo, as injustiças sociais e a
exploração do homem pelo homem levaram à inspiração de ideias de cunho social, favorecendo o
aprofundamento e a expansão da teoria da responsabilidade objetiva decorrente do risco, com
vistas a atenuar os males decorrentes do trabalho e a dar maior proteção às vítimas de doenças e
da soberania do capital.196
Além dos perigos da vida contemporânea, aumentados especialmente a partir da
Revolução Industrial, Melo elenca como fundamentos da responsabilidade objetiva, em todos os
ordenamentos jurídicos mundiais:

os feitos tecnológicos e multiplicação dos eventos danosos; a facilitação para a vítima


poder ser indenizada; a hipossuficiência desta, sobretudo nos acidentes de trabalho; os
princípios de eqüidade, de justiça social e de socialização do Direito e, finalmente, a
necessidade de reequilíbrio dos patrimônios afetados pelo evento danoso, o que justifica
a função social da responsabilidade objetiva.197

Para Freitas, a importância da responsabilidade objetiva vem crescendo à medida que a


vida moderna apresenta inúmeras situações em que a indenização individual, baseada no conceito
de culpa, não fornece solução aos problemas, como é o caso dos acidentes do trabalho que, desde
1944, através do Decreto-Lei n° 7.036, prevêem a responsabilidade objetiva do empregador,
porque no interior das fábricas era impossível ao empregado provar a culpa do patrão, já que seus
colegas se recusavam a depor, receosos de perder o emprego.198
A responsabilidade civil objetiva baseada na teoria do risco admite diversas modalidades
de risco, dentre as quais, as mais comuns são o risco integral, que não aceita qualquer forma de
exclusão do nexo causal, persistindo em qualquer situação o dever de indenizar o dano decorrente
da atividade; o risco administrativo, aplicável frente às atividades exercidas pela administração
pública ou com finalidade pública, regulamentado no Brasil, atualmente, pelo art. 37, § 6º da
CF/88, que prevê que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras
de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”; o
risco profissional, aplicável nas hipóteses de prejuízos decorrentes do exercício da atividade
profissional da vítima, modalidade que teve sua origem no amparo das vítimas de acidentes do
trabalho; o risco-proveito, que dispõe que o dever de reparar o dano deve ser suportado por
aquele que obtém vantagem econômica da atividade de risco ensejador de dano, aplicável sem
maiores exigências probatórias quando a atividade de risco tiver finalidade econômica, ou seja,
quando se tratar de um empreendimento com fins lucrativos, quando o proveito é presumido; e o
risco criado, que se trata de um desenvolvimento da teoria do risco-proveito, já que não se exige
mais a prova da vantagem obtida com a atividade, sendo responsáveis pelos danos todos aqueles
que, em razão do exercício de suas atividades ou profissões, criaram riscos ou perigos capazes de
gerar danos, sem que tenham sido utilizados todos os meios para evitá-los.
Josserand explicava e defendia a teoria do risco criado referindo que “aquele que executa
uma ação qualquer deve sozinho suportar todas as consequências, felizes ou nefastas; quando
uma força é posta em movimento deve ser suportada por aquele que a desencadeou e não pelo
terceiro que a sofreu”.199
A teoria do risco foi fortemente criticada em sua origem, sendo que, até hoje ainda não foi
completamente digerida pela ala que defende o crescimento econômico a qualquer custo. Lima
referiu que os críticos da teoria do risco a qualificavam como “a estagnação da atividade
individual”, já que paralisava as iniciativas e arrastava o homem à inércia, pois de nada valem a
prudência, a conduta irreprovável, as precauções e cautelas, porquanto o agente deverá assumir a
responsabilidade de todos os danos que possam resultar das suas ações lícitas e necessárias.
Todavia, na visão do autor:

a objeção não procede porquanto o que vemos e assistimos desmente a alegação. A


despeito da aplicação dos princípios da teoria do risco, quer nos casos comuns já
estudados, quer nos inúmeros casos de aplicação de leis especiais, como sejam as
referentes às estradas de ferro, às aeronaves, aos automóveis e outras, não se arrefeceu o
desenvolvimento econômico, sob todos os seus aspectos, cada vez mais crescente. As
grandes empresas, que comumente exploram tais serviços, além de preverem as
possibilidades dos acidentes, para diminuí-los, levam à conta de seu passivo os
prováveis danos a serem ressarcidos.200

Ferraz ressaltava, ainda na década de 70 do século XX, ser necessário encarar com certa
ousadia a questão da responsabilidade objetiva no que se refere ao dano ecológico, disparando:

Creio que, em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra


colocação que não seja a do risco integral. Não se pode pensar em outra malha, senão a
malha realmente bem apertada que possa, na primeira jogada da rede, colher todo e
qualquer possível responsável pelo prejuízo ambiental. É importante que, pelo simples
fato de ter havido omissão, já seja possível enredar agente administrativo e particulares,
todos aqueles que de alguma maneira possam ser imputados ao prejuízo provocado para
a coletividade.201

No Brasil, a Constituição define a responsabilidade civil pelos danos ambientais (meio


ambiente cultural, artificial, do trabalho e natural) como objetiva, independente de culpa ou dolo
do poluidor, tendo sido assumida pela regra do art. 225, § 3° a definição constante do art. 14 da
Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n° 6.938/81).
Estabelecida pela nossa Lei Maior a responsabilidade civil objetiva para os danos
ambientais, nenhuma justificativa razoável existe para afastá-la nos casos em que os seres
humanos são afetados por esses danos, inclusive quando concretizados no MAT, cuja proteção
está expressamente inserida na do meio ambiente pelo art. 200, VIII. Além disso, a presença do
ser humano nesse ambiente decorre da necessidade de trabalhar para sobreviver, motivo pelo
qual, a sua exposição a riscos poderia caracterizar-se como uma espécie de emboscada, o que não
é admissível num sistema jurídico orientado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
Dallegrave Neto202 e Melo203 defendem a incidência da responsabilidade civil objetiva em
matéria ambiental trabalhista com base no art. 2° da CLT, que conceitua o empregador como a
empresa, individual ou coletiva, que assume os riscos da atividade econômica. Desse modo, para
os autores, não há dúvida que ao preconizar a assunção do risco pelo empregador, a CLT está
adotando a teoria objetiva, não para a responsabilidade proveniente de qualquer inexecução do
contrato de trabalho, mas para a responsabilidade concernente aos danos sofridos pelo empregado
em razão da mera execução regular do contrato de trabalho.
Todavia, para Garcia, há diferença entre a regra trabalhista, referente a correr o
empregador os riscos da atividade econômica, e a civilista, que impõe a responsabilidade objetiva
quando a atividade, por sua natureza, envolve risco aos direitos de terceiros, afinal, embora o
empregador sempre corra o risco de seu empreendimento, a sua atividade não necessariamente
oferece risco à sociedade, no sentido de ser considerada perigosa aos direitos alheios. Assim, para
o autor, o risco da atividade econômica, previsto na CLT, está relacionado com o sucesso, ou não,
da atividade empresarial, sendo que o resultado de nenhuma forma poderá atingir o empregado,
que somente entra com sua força de trabalho. Os riscos que geram dano não estão relacionados
com o insucesso da atividade empresarial, mas com a forma como ela é exercida.204
Ocorre que a questão ambiental exige uma releitura do instituto da responsabilidade civil.
A palavra responsabilidade significa “responder por”, ou seja, assumir a obrigação de responder
pelas consequências dos próprios atos, de suportar as implicações das próprias ações (isoladas ou
reiteradas). Disso se depreende que qualquer ação (comissiva ou omissiva) pode gerar
responsabilidade, motivo pelo qual cabe ao agente atuar no sentido de identificar as
consequências previsíveis, possíveis ou prováveis das suas ações a fim de evitá-las. Trata-se de
uma nova visão do conceito de responsabilidade, a partir de uma concepção antecipatória
preventiva: responder pela ação e não pela consequência. Abandonar a ideia da responsabilidade
civil como sanção/pena é fundamental em matéria ambiental, porque nenhuma indenização é
suficiente para reparar o desequilíbrio ambiental e os danos decorrentes ao ser humano.

2.1.2 O afastamento da responsabilidade civil pela exclusão do nexo causal

Não sendo o patrimônio maior o mero patrimônio econômico, mas o patrimônio de


sobrevivência, como bem destacado por Ferraz205, o poder econômico, gerador do instituto
tradicional da responsabilidade civil, não pode prevalecer quando está em jogo a sobrevivência
da espécie, só que não a mera sobrevivência, mas a vida com dignidade.
Isso não justifica, todavia, que o instituto da responsabilidade civil em matéria ambiental
seja aplicado ignorando o plano da realidade de modo a não admitir qualquer hipótese de
excludente de nexo causal, enfim, de responsabilidade.
Nesse sentido, Baracho Júnior explica que admitir tais excludentes é fundamental,
inclusive quando se trata da responsabilidade objetiva por dano ambiental, “isso porque o
instituto da responsabilidade civil por dano ao meio ambiente não pode pretender absorver o
mundo da vida, dinâmico e sempre mais rico do que o mundo do discurso por definição.” E
continua:

A idéia de risco, não obstante a sua audaciosa pretensão de tornar objetivas as


situações em que se pode imputar responsabilidade a alguém, parece não absorver toda a
complexidade dos modernos problemas ambientais. O problema não se resume à
definição clara de quem deve responder pelo dano ao meio ambiente, mas porque deve
responder. 206

Uma concepção de responsabilidade civil tão abrangente não se coaduna com um sistema
de direitos e garantias fundamentais como o nosso, no qual é preciso garantir a unidade da
Constituição, harmonizando, na prática, os bens jurídicos em conflito, de modo a permitir a
máxima efetividade a cada um, mas também impedir que um deles seja totalmente sacrificado em
favor do outro, prevalecendo o princípio da proporcionalidade na satisfação de todos direitos em
prol da dignidade da pessoa humana.
Em razão disso, Baracho Júnior entende que:

Válidas no plano constitucional, as normas definidoras dos direitos e garantias


fundamentais requerem a sua concretização adequada nos casos concretos, o que poderá
levar ao reconhecimento de situações nas quais, apesar da existência do fato dano
ambiental, não haja a imputação de responsabilidade em razão do princípio da
adequabilidade recomendar, no caso, a aplicação de norma que garanta outro direito
fundamental.207

Também é por isso que Pereira ressalta que cabe não levar ao extremo de considerar que
todo dano é indenizável pelo fato de alguém desenvolver uma atividade, sendo ainda relevante,
como elemento básico, a relação de causalidade entre o dano e a atividade criada pelo agente
causadora do prejuízo.208
Como causas de exclusão do nexo causal e consequente isenção de responsabilidade têm-
se as hipóteses de caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima, fato exclusivo de terceiro e
a cláusula de não indenizar, devendo, de imediato, ser ressaltado que essa última não é aplicável
nos casos de danos decorrentes das condições ambientais, seja do ambiente em geral, seja do
trabalho, tendo em vista o patrimônio maior da sobrevivência envolvido na proteção dessa esfera,
além da hipossuficiência do bem ambiental frente ao poder econômico, além da função social da
empresa, prevista no art. 170, III, da CF/88, que deixaria de ser respeitado se fosse admitida tal
cláusula nas negociações envolvendo a proteção ambiental e da saúde humana.
O art. 188 do Código Civil destaca ainda como hipóteses de exclusão de ilicitude ou do
nexo causal, por não constituírem atos ilícitos, aqueles praticados em legítima defesa ou no
exercício regular de um direito reconhecido, desde que exercido dentro dos limites, sem abuso;
ou a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão à pessoa, a fim de remover perigo
iminente, ou seja, uma espécie de estado de necessidade, que pode ser exemplificado pelo caso de
um trabalhador que empurra outro que teria o braço decepado por uma máquina, vindo este
apenas a quebrar um dedo.
Oliveira refere que está sedimentado o entendimento de que os acidentes do trabalho
ocorrem em razão de uma rede de fatores causais, cujas variáveis são controladas, em sua maior
parte, exclusivamente pelo empregador, motivo pelo qual, muitas vezes, a culpa patronal absorve
ou mesmo neutraliza a culpa da vítima, em razão das diversas obrigações preventivas que a lei
atribui às empresas.209
Todavia, se o infortúnio teve como causa o dolo do próprio acidentado ou sua
desobediência às ordens expressas do empregador, ou ainda à verificação de força maior não
proveniente de fenômenos naturais determinados ou agravados pelas instalações do
estabelecimento ou pela natureza do serviço, é cabível o afastamento do dever de indenizar.210
As hipóteses de exclusão da causalidade na área ambiental trabalhista ocorrem quando os
motivos do acidente não têm relação direta com o exercício do trabalho nem podem ser evitados
ou controlados pelo empregador. Assim, exemplifica Oliveira, se o empregado, numa atitude
inconsequente, desliga o sensor de segurança automático de um equipamento perigoso e
posteriormente sofre acidente por essa conduta, não há como atribuir culpa em qualquer grau ao
empregador, pelo que não se pode falar em indenização.211
Assim, o fato exclusivo da vítima tem o condão de romper o liame causal, situação
admitida pela própria Lei n° 6.453/1977, que fixou em seu art. 4°, a responsabilidade civil
objetiva pela reparação de danos causados por acidentes nucleares, ou seja, independentemente
da existência de culpa, mas em seu art. 6º cogitou que, “uma vez provado haver o dano resultado
exclusivamente de culpa da vítima, o operador será exonerado, apenas em relação a ela, da
obrigação de indenizar”.
Todavia, tendo em vista o dever geral de cautela que cabe ao empregador, se restar
comprovado que havia técnicas disponíveis que impediriam que o empregado tivesse acesso a tal
dispositivo de segurança de modo a evitar que pudesse ser desligado sem o conhecimento do
responsável técnico, o liame causal poderá não restar, efetivamente, rompido, sendo mantido o
dever de indenizar o dano.
Importa realçar que a questão do uso de toda técnica para evitar os danos decorrentes da
atividade pressupõe que ela exista, ou seja, trata-se de aplicação do princípio da prevenção.
Quando a atividade não tiver sido suficientemente estudada de modo que se saiba e/ou conheça
todos os riscos envolvidos e, consequentemente, se apliquem técnicas de controle ou mesmo que
se conheçam tais técnicas, não é passível o afastamento da responsabilidade civil com base nessa
alegação, especialmente se havia algum receio fundamentado de dano, mesmo que não
específico, pois nessa situação, há a necessidade de aplicação do princípio da precaução, sendo
que a responsabilidade pelo risco do desenvolvimento de uma nova atividade é de quem a criou.
Mendes e Wünsch destacam que uma questão sempre atual diz respeito à concepção
adotada quanto às causas dos acidentes de trabalho, sendo que a mais frequente indica que os
acidentes de trabalho são resultantes dos chamados atos inseguros praticados pelo próprio
trabalhador. Contudo, ressaltam que se sabe que mesmo aqueles acidentes que ocorrem pelo
descuido do trabalhador, muitas vezes são condicionados por diferentes determinantes, tais como
o cansaço provocado pelas horas extras, estafa crônica, horas não dormidas, alimentação e
transporte deficientes, precárias condições ambientais, manuseio de máquinas e equipamentos
que requeiram atenção redobrada, intensificação do ritmo de trabalho, exigências de um
trabalhador polivalente e más condições de vida e de trabalho, entre outras causas.212
O fato exclusivo da vítima ou de terceiro, portanto, somente excluem o nexo de
causalidade e o dever de indenizar do empregador-poluidor se restar comprovada a inexistência
da responsabilidade indireta, ou seja, de que foram tomadas todas as cautelas preventivas que lhe
cabiam enquanto responsável pelo ambiente em geral e do trabalho, especialmente em razão da
definição do poluidor instituída pelo art. 3°, inciso IV, da Política Nacional do Meio Ambiente.
A Lei n° 8.213/91, em seu art. 21, equipara ao acidente do trabalho o infortúnio sofrido
pelo segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de ato de agressão, sabotagem
ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho (alínea “a” do inciso II) ou de
desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior (alínea
“e”), bem como o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho no
percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de
locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado, também conhecido como acidente de
trajeto (alínea “d” do inciso IV). Tais situações, apesar de se caracterizarem como acidentes do
trabalho para fins previdenciários, podem evidenciar o rompimento do liame de causalidade,
afastando o dever de indenizar do empregador pela ocorrência de fato exclusivo de terceiro, de
força maior e de caso fortuito ou de fato exclusivo da vítima.
No tocante à força maior e ao caso fortuito, cumpre destacar o previsto no art. 501, caput
e § 1º da CLT, que dispõe entender-se como força maior todo acontecimento inevitável, em
relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou
indiretamente, sendo que a sua imprevidência exclui a razão de força maior. Assim, para que a
força maior (entendimento extensível ao caso fortuito) seja causa de exclusão do nexo causal e,
consequentemente, do dever de indenizar, é imprescindível que o empregador comprove a adoção
de todas as cautelas disponíveis no atual estágio tecnológico para o afastamento dos riscos
advindos de força maior e caso fortuito previsíveis como potenciais causadores de acidentes.
A falta de previdência do empregador, portanto, caracteriza mesmo a sua culpa no
acidente, como esclarecido por Oliveira, ficando também reconhecido o nexo de causalidade do
evento com a sua conduta omissiva. Logo, se o fato for imprevisível, mas as consequências
evitáveis, cabe ao empregador adotar as medidas para tanto, sob pena de restarem configurados
os pressupostos do nexo causal e da culpa patronal, tornando viável a responsabilização.213
A adoção da teoria da responsabilidade civil objetiva tem como consequência a
irrelevância da demonstração da licitude e/ou legalidade do ato ou da atividade. Logo, não se
trata de hipótese de exclusão do nexo causal e, consequentemente, da responsabilidade civil, a
alegação de que a atividade ou o ato foram realizados em estrito cumprimento de um direito
previsto em licença administrativa ou extraído da lei.
A atividade danosa ecologicamente quebra o princípio do equilíbrio dos cidadãos, sendo
que, sempre que alguém é designadamente sobrecarregado com um ônus ambiental, tem direito a
uma reparação, e se responsabiliza quem quer que tenha concorrido, para o particular
desequilíbrio.214 Assim, “nem mesmo a existência de uma licença pode funcionar como ‘salvo-
conduto’ para as atividades desenvolvidas por determinada empresa, já que o próprio agente pode
verificar se sua atividade é ou não prejudicial ao meio ambiente”.215
Nessa linha, Mirra refere que até mesmo a atividade realizada de acordo com as normas
que estabeleceram certo limite de tolerabilidade não vincula o julgador, pois, uma vez provado
que o meio ambiente não conseguiu absorver e reciclar as agressões que ele sofreu, haverá dano
e, por via de consequência, reparação.216
A demonstração da legalidade do ato, especificamente pelo fato de existir autorização
para o funcionamento da atividade, por si só, evidentemente, não é suficiente para eximir o
causador do dano de indenizá-lo. Todavia, a demonstração da legalidade do agir, com a
comprovação pelo agente (em razão da inversão do ônus da prova) de que à época em que
ocorreu o dano cumpria todas as normas legais e havia implementado todas as medidas
disponíveis para reduzir ou elidir os riscos inerentes ou criados pela forma como desenvolvida a
atividade, exceto nas hipóteses de risco integral, previstas em lei, é relevante, permitindo o
afastamento do dever de reparar.
Assim, se uma empresa que desenvolve normalmente atividade que implica, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem, tiver licença de funcionamento, mas não estiver
cumprindo todas as normas legais relacionadas ao modo de desenvolvimento de sua atividade e
nem houver implementado todas as medidas disponíveis para reduzir ou elidir os riscos inerentes
ou criados pela forma como desenvolvida a atividade, será responsabilizada, independentemente
de culpa, pela reparação dos danos eventualmente causados por sua atividade, sendo-lhe inócua a
licença de funcionamento como meio de afastamento de tal responsabilização. Entretanto, se a
mesma empresa, além de ter o funcionamento de sua atividade amparado por uma licença, estiver
cumprindo a legislação e implementando todos os meios técnicos disponíveis para reduzir ou
elidir os riscos, poderá ser isenta de responsabilização.
Admitida, portanto, a incidência da responsabilização civil objetiva nas hipóteses de
danos decorrentes das condições ambientais do trabalho, tanto quanto dos decorrentes das
condições ambientais em geral, bem como o seu afastamento em determinadas situações em que
reste comprovada a exclusão do nexo causal, cabe destacar o dever de segurança, de extrema
relevância na esfera laboral, detalhar quais são os riscos existentes nesse ambiente e a
caracterização dos diferentes tipos de danos deles advindos.

2.2 O DEVER OBJETIVO DE REPARAÇÃO DOS DANOS DECORRENTES DAS


CONDIÇÕES AMBIENTAIS DO TRABALHO

2.2.1 O dever de segurança e os riscos ambientais laborais inerentes e adquiridos

Cavalieri Filho aponta que o risco, por si só, ainda que inerente, não basta para gerar a
obrigação de indenizar, porque risco é perigo, é mera probabilidade de dano. Ninguém viola
dever jurídico simplesmente porque exerce uma atividade perigosa, mormente quando
socialmente admitida e necessária. A responsabilidade surge quando o exercício da atividade
perigosa causa dano a outrem, ou seja, tenha violado um dever jurídico, o dever de segurança,
que se contrapõe ao risco. Assim, quem se dispõe a exercer alguma atividade perigosa terá que
fazê-lo com segurança, de modo a não causar dano a outrem, sob pena de ter que por ele
responder independentemente de culpa.217
O contrato de trabalho é composto por obrigações principais, secundárias e deveres de
conduta anexos ou acessórios. Esses últimos têm origem na boa-fé, subdividindo-se em: a)
deveres de proteção, que visam a elidir danos mútuos nas pessoas e nos patrimônios físicos e
psíquicos, materiais e morais dos contratantes; b) deveres de esclarecimento, que obrigam as
partes a se informarem mutuamente de todos os aspectos do vínculo, bem como os efeitos que da
execução contratual possam advir; e c) deveres de lealdade, que impõem aos contratantes
absterem-se de comportamentos que possam falsear o objetivo do contrato ou causar
desequilíbrio acerca da comutatividade das prestações.218
O descumprimento do dever anexo de proteção, refletido pelo não afastamento dos riscos,
é o estopim da responsabilização civil, especialmente em matéria ambiental trabalhista, na qual
compete ao empregador atender às normas legais, adotando todas as medidas de prevenção e/ou
proteção indicadas para elidir ou reduzir os riscos, mantendo a segurança e a salubridade do meio
e, consequentemente, a integridade física e a saúde do trabalhador.
Todas as atividades profissionais importam em algum risco, sendo alguns mais
acentuados que outros. Todavia, a forma como o trabalho é exercido, normalmente determinada
pelo empreendedor, pode incrementar os riscos inerentes ou, até mesmo, criar outros riscos.
Assim, se estará diante dos riscos adquiridos pela atividade, cujos danos decorrentes são de
inteira responsabilidade de quem os criou, tendo em vista também ser de sua responsabilidade a
total eliminação de tais riscos.
Os riscos adquiridos pelas atividades evidenciam que o ser humano tornou-se uma
variável de impacto determinante na definição dos danos decorrentes das condições ambientais,
reforçando a conclusão de Ost no sentido de que “a humanidade tornou-se uma “variável física”
que “pesa”, como um interveniente global, nos ciclos biológicos, físicos, climáticos, e no
ambiente em geral”219.
Os riscos inerentes, por sua vez, exigem redução aos limites permitidos pelo atual estágio
da técnica, somente isentando o mantenedor do ambiente de trabalho dos prejuízos pessoais,
materiais e sociais decorrentes da atividade quando efetivamente comprovado o cumprimento do
dever de segurança. Entre as atividades com riscos inerentes estão as tipicamente perigosas, ou
seja, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem o contato permanente com
inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado, tais como a geração e distribuição de
energia elétrica e a exploração de minas em subsolo.
Rizzardo explica que existem atividades geradoras de riscos, ou que contêm, pela simples
prática, risco de prejuízos inerentes e inafastáveis. Apesar das providências que se adotam para a
proteção daqueles que as executam, não afastam ou eliminam a potencialidade de risco ou perigo,
sendo permanente a viabilidade de dano, como é o caso das minas de minérios, especialmente
carvão, fábrica de explosivos, plataforma de extração de petróleo, base de fabricação e
lançamento de foguetes, engenhos de transmissões elétricas etc.220
Para exemplificar o que se qualificou de risco adquirido pela atividade, em razão da forma
como é exercida, menciona-se a utilização de agrotóxicos na agricultura, atividade que poderia
ser exercida sem contato com esses agentes químicos, popularmente chamados, não por acaso, de
“venenos”. Todavia, havendo a opção por parte do empreendedor pelo seu uso,
independentemente das vantagens econômicas decorrentes, cabe a ele, enquanto mantenedor do
ambiente de trabalho e responsável direto pela preservação da vida dos trabalhadores, adotar
todas as medidas de prevenção e proteção disponíveis para evitar contaminações e danos à saúde
de quem atua nessa atividade, exercendo-a do modo determinado.
No mesmo ramo de atividade, Melo cita o caso dos patrões inconsequentes que têm
colocado em risco a saúde e segurança de milhares de bóias-frias catadores de laranja,
“pulverizando-os”, antes de entrarem nas fazendas, com um agrotóxico chamado “quatermon”, a
fim de que não “contaminem” a produção.221
Ora, que risco inerente poderia haver na atividade de catar laranjas? A princípio, nenhum.
Mas quando o mantenedor do ambiente de trabalho decide que as laranjas só podem ser catadas
por trabalhadores que tenham passado por prévio processo de “desinfestação”, estes passam a
suportar um risco criado pelo empreendedor, em razão do modo escolhido para o exercício da
atividade, motivo pelo qual terá que arcar integralmente com as consequências (benéficas e
maléficas) dessa opção. Como consequências da escolha feita por esse empreendedor, pode-se
referir o surgimento do dever de adotar medidas preventivas e de proteção para afastar o risco
criado ou, não o fazendo adequadamente, suportar o dever de indenizar que lhe será imposto na
eventualidade de esse risco causar danos ao ambiente e à saúde dos cidadãos-trabalhadores.
Registre-se que o cumprimento do dever de adotar medidas de prevenção e de proteção
não se resume a fornecer EPIs, seja porque já houve estudos que demonstraram que os EPIs
utilizados na agricultura, além de não protegerem integralmente o trabalhador contra o
agrotóxico, ainda agravam os riscos e perigos, pois podem se tornar fontes de contaminação222;
mas principalmente porque, conforme orientação da OIT, o fornecimento de EPIs e a
implementação de meios para garantir a sua utilização e manutenção, trata-se de medida de
proteção derradeira, ou seja, aquela a ser utilizada onde os riscos ou perigos não podem ser
controlados através de medidas coletivas (eliminação; controle na fonte, através do uso de
técnicas de engenharia ou medidas organizacionais; ou minimização, através de projetos de
sistemas de trabalho seguro, que incluem medidas administrativas de controle)223.
Todo dano injusto, definido por Godoy como aquele “que o lesado não deveria
experimentar e cujos efeitos não deve, por isso, suportar”224, merece reparação,
independentemente da possibilidade de individualização do lesado. O risco criado ou induzido,
sempre será injusto, pois, segundo o autor, “amplia o espectro da responsabilização, porquanto
mesmo atinente a atividades que não são essencialmente perigosas”225. Por outro lado, o dano
decorrente de um risco inerente ao desenvolvimento de determinada atividade, na extensão que
não permite o afastamento dentro do atual estado da técnica, não pode ser considerado um dano
injusto, tendo em vista o cumprimento do dever de segurança dentro dos limites exigíveis.
Leite explica que pelo fato de o homem só desenvolver sua atividade em sociedade, em
íntima relação com o meio ambiente, é lógico que sua ação pode ser fonte de perturbações. A
questão que se coloca, diante disso, é a definição do limite de tolerabilidade, ou seja, quais as
agressões que efetivamente causam prejuízo, lesando ou limitando o pleno desenvolvimento da
personalidade social e individual, por atentarem contra a moral e os bons costumes,
demonstrando desconhecerem o dever de solidariedade; pois se “verificado um dano tolerável, de
acordo com as condições do lugar, não fará surgir a responsabilidade e, por conseguinte, não
haverá um dano ambiental reparável”226, constituindo-se dano ambiental uma “expressão
ambivalente, que designa, certas vezes, alterações nocivas ao meio ambiente e outras, ainda, os
efeitos que tal alteração provoca na saúde das pessoas e em seus interesses”227.
Para Brandão, se o risco é probabilidade de dano e, na perspectiva do contrato de trabalho,
à saúde do empregado, o conceito de atividades de risco pode ser construído a partir de diversos
enfoques: o primeiro está relacionado com a natureza da atividade econômica desenvolvida pelo
empregador, ou seja, aquela em que há a presença de agentes causadores de risco; o segundo, do
risco não em função da atividade empresarial, mas do tipo do serviço executado, que o tornará,
em maior ou menor grau, sujeito à ocorrência do prejuízo; e o terceiro, da situação em que a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causa a determinada pessoa um ônus
maior do que aos demais membros da coletividade, sendo que a coletividade, quando se trata de
meio ambiente do trabalho, refere-se ao grupo de trabalhadores.228
Machado refere dúvida sobre a possibilidade de se falar em riscos “inerentes ao trabalho”:
“Será que o risco não é decorrente da atividade econômica à qual o trabalho serve? Afinal, quem
nasceu primeiro? A organização da empresa, o trabalho ou o risco?”.229
De todo modo, ainda que inerentes, os riscos devem ser eliminados sempre que tal
providência seja possível, apesar da norma constitucional do art. 7°, inciso XXII, referir apenas o
direito dos trabalhadores à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança. Ressalte-se que, por serem inerentes à própria atividade,
normalmente tais riscos não conseguem ser suprimidos, mas apenas reduzidos. Todavia, tratando-
se de riscos criados, a regra é a da eliminação, sob pena de assunção da responsabilidade sobre
todos os danos decorrentes, já que os riscos adquiridos pelas atividades em razão do modo como
são exercidas devem ser suportados integralmente por quem escolhe os meios de seu
desenvolvimento.
Santos entende que a obrigação de eliminar todo e qualquer acidente, sem levar em
consideração os custos de prevenção, por exemplo, inviabiliza o exercício da atividade
econômica, já que na vida em sociedade, ninguém está disposto a evitar acidentes a qualquer
custo, motivo pelo qual, o art. 7°, inciso XXII, da CF/88 determina não a eliminação, mas a
redução dos riscos dos acidentes do trabalho.230
Esse entendimento, contudo, é equivocado. O fato de a CF/88 comandar a redução e não a
eliminação, conforme já referido, decorre do fato de os riscos inerentes ao trabalho, abordados
pela Carta Magna, a princípio, não comportarem eliminação. Os riscos criados em função do
modo de produção escolhido pelo empreendedor, diante da liberdade de iniciativa que possui,
devem ser eliminados, sob pena de afronta ao dever jurídico de segurança.
Para Machado, a eliminação do risco está contida implicitamente na norma constitucional,
não comportando restrição em norma infraconstitucional, sendo que, quando não for possível a
eliminação do risco devido às limitações fáticas, deve-se reafirmar o direito do trabalhador a não
suportar o risco supostamente inerente ao trabalho, na maioria das vezes artificialmente
produzido por máquinas barulhentas, ambientes insalubres e organizações de trabalho
opressivas.231 Diante disso, afirma:
Quando a eliminação dos fatores geradores dos adicionais (condições insalubres
e perigosas) se revelam possíveis pela adoção de tecnologia, alteração de funções,
mudanças na organização do trabalho, a mesma se torna imperativa, afastando-se a
norma que determina o pagamento do adicional respectivo. Essa solução fundamenta-se
pelo resultado da ponderação (peso) de bens entre as normas concretizadoras do
princípio da proteção da vida, saúde e integridade física do trabalhador (dignidade da
pessoa humana) e o direito à remuneração.232

Os adicionais de remuneração pelo exercício de atividades de risco (periculosidade,


insalubridade e penosidade), portanto, somente são devidos diante da impossibilidade absoluta de
eliminação ou redução máxima das fontes de dano (que deve ser aferida individualmente, de
modo a averiguar se eventual atingimento dos limites de tolerância definidos pela legislação
efetivamente afasta os riscos no caso específico) na sua origem (inerente à atividade ou adquirido
pelo modo como exercida), inexistindo qualquer direito do empregador, em razão de seus
interesses econômicos, de optar pelo controle dos riscos ou pelo pagamento do adicional, que
sempre deverá ter caráter transitório, ou seja, somente será devido enquanto não existirem os
meios de ser afastado o risco.
Em algumas atividades, o risco é inerente ao trabalho, sendo inevitável do ponto de vista
fático, como explica Santos. É o caso dos motoristas que trabalham no transporte de explosivo ou
combustível ou dos empregados expostos à radiação ionizante, apesar de esses trabalhadores
também terem o direito de trabalharem em condições de segurança e preservação da saúde. Por
outro lado, ponderando esse direito com os daqueles que necessitam de tais produtos, é razoável
aceitar que alguém execute o trabalho mesmo exposto a riscos: “fa-lo-á, entretanto, resguardado
por alguma compensação financeira e por todas as medidas de segurança que possam reduzir a
incidência dos riscos, no atual estado da técnica, ainda que não haja certeza científica da eficácia
das medidas de segurança (precaução)”.233
O pagamento do adicional, todavia, não extingue o risco, motivo pelo qual também não
desobriga o empregador do dever de buscar meios eficazes para a sua diminuição, já que a ordem
constitucional brasileira, conforme lecionam Figueiredo e Ferreira, não se compadece com as
atividades econômicas que, a um só tempo, exijam a realização de trabalho em condições de
insalubridade ou periculosidade e, ainda assim, não sejam indispensáveis para assegurar à
população o direito à vida com qualidade, sendo que o livre exercício de qualquer atividade
econômica previsto no parágrafo único do art. 170 da CF/88 está diretamente condicionado à
observância dos princípios elencados em seu caput, dentre eles a função social da propriedade e a
defesa do meio ambiente.234

2.2.2 A responsabilidade civil ambiental trabalhista objetiva

O acidente do trabalho é elemento de análise indispensável na questão da ambiência


laboral e dos riscos que comporta, sendo conceituado, no art. 19 da Lei n° 8.213/91, como sendo
o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos
segurados especiais, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a
perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho. O dispositivo
seguinte refere que também se consideram como infortúnio laboral a doença profissional, assim
entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada
atividade e a doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de
condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente.
O § 1º do art. 19, da supracitada Lei, impõe às empresas a responsabilidade pela adoção e
uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador, o que
atende ao direito social fundamental dos trabalhadores, previsto na CF/88, no inciso XXII do art.
7°, de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança. O cumprimento dessa obrigação pela empresa também acolhe o dever fundamental,
previsto no caput, do art. 225, da Carta Magna, de preservar um meio ambiente (nesse caso o do
trabalho) saudável, essencial à sadia qualidade de vida, e garantidor do princípio maior da
dignidade da pessoa humana.
Além do disposto no inciso XXII do art. 7°, a CF/88 elencou entre os direitos sociais dos
trabalhadores urbanos e rurais, o seguro contra acidentes de trabalho (SAT), a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou
culpa (inciso XXVIII). O art. 121 da Lei n° 8.213/91 complementou esse direito, estabelecendo
que o pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidente do trabalho não exclui a
responsabilidade civil da empresa ou de outrem.
Assim, incidindo dolo ou culpa do empregador no acidente do trabalho, este responderá
civilmente pela reparação dos danos decorrentes, pois o pagamento do SAT não o desobriga do
dever de reduzir os riscos existentes no meio ambiente laboral, respeitando normas de segurança
e higiene em prol do bem-estar do trabalhador.
A referência do constituinte ao instituto da culpa ocorreu sem qualquer graduação; logo,
mesmo diante de infortúnios causados por culpa leve do empregador ou de seus prepostos será
possível acionar aquele para responder civilmente pelo dano ocorrido, até porque a extensão do
dano também é elemento a ser analisado nas hipóteses de responsabilização civil.
A CF/88, ao garantir aos trabalhadores o direito de redução dos riscos inerentes ao
trabalho, admitiu que diversas atividades, mesmo que perigosas, são necessárias ao
desenvolvimento econômico do país e ao bem-estar da população, motivo pelo qual sua prática é
permitida. Todavia, aquele que se dispõe a exercer serviços que possuem riscos intrínsecos, deve
fazê-lo com segurança, adotando todos os meios disponíveis para reduzi-los, a fim de evitar
causar danos, além de pagar o SAT, de modo que, se mesmo assim ocorrer algum infortúnio, este
será coberto pelo seguro social. O dolo ou culpa do empregador restarão caracterizados diante do
exercício de atividades tipicamente perigosas quando não tiverem sido tomadas as cautelas
necessárias para a redução dos riscos inerentes.
Duguit refere que a lei deve proibir todos os jogos perigosos aos quais o homem expõe
sua vida sem proveito social. A vida do indivíduo é um valor social e não se pode permitir sua
exposição senão em razão de um interesse social. Certos trabalhos são perigosos, mas
absolutamente indispensáveis. Nesse caso, o legislador deve intervir para impor todas as medidas
necessárias para reduzir o perigo ao mínimo. Fazendo-o, não faz mais do que proteger o valor
social que representa a vida humana, sendo que deve intervir não apenas quando o trabalhador
presta seus serviços para outro, mas também quando trabalha para si mesmo.235
Mas, por que o constituinte não determinou a eliminação dos riscos? Porque, em se
tratando de atividades perigosas por natureza, tal providência é praticamente inviável, sendo
exigida, no entanto, a máxima redução possível diante do atual estado da técnica. As situações
em que a eliminação dos riscos é possível estão associadas, em geral, aos riscos criados ou
adquiridos pelas atividades, em razão do modo como elas são exercidas. Nesses casos, sequer
mencionados diretamente pelo constituinte, aplicam-se os direitos fundamentais da dignidade da
pessoa humana e da segurança, previstos no art. 1º, inciso III e no art. 6°, respectivamente, ou
seja, não há um dever de redução desses riscos, mas de supressão, sendo os eventuais danos
causados pelos riscos não eliminados de inteira responsabilidade de quem os criou.
O direito de os trabalhadores exercerem as suas atividades em ambientes seguros e
salubres lhes garante que somente existirá o dever de se exporem a riscos decorrentes das
atividades normalmente desenvolvidas na medida em que o atual estágio tecnológico não
disponha de meios para reduzir ou eliminar tais riscos e desde que sejam atividades
indispensáveis ao bem-estar da população em geral. Tal direito, portanto, corresponde a um dever
daquele que é responsável pelo ambiente laboral de atuar nesse sentido, motivo pelo qual surge
para este a obrigação de reparar eventuais danos que decorram de omissão ou atuação negligente,
simplesmente porque esse modo de agir, ou seja, sem reduzir ao máximo os riscos advindos do
exercício das atividades normalmente desenvolvidas, manteve alguém (o trabalhador,
normalmente) exposto a um risco maior do que aquele que tinha o dever de suportar.
Desse modo, a presença ou não de riscos no MAT, em razão da atividade habitualmente
exercida, é que definirá se a responsabilidade do mantenedor do ambiente laboral será objetiva ou
subjetiva, sendo que será admitida como excludente de responsabilização, inclusive na
modalidade objetiva, a comprovação do uso de todos os meios de controle dos riscos colocados à
disposição pela ciência.
A referência constitucional aos conceitos de dolo e culpa no tocante à responsabilidade
civil residual do empregador, aparentemente, permite concluir que a responsabilidade nesses
casos é subjetiva, ou seja, dependente da análise da intenção do agente em provocar o dano.
Contudo, somente diante de atividades sem riscos inerentes e que não criam riscos pelo modo
como são desenvolvidas é que será possível admitir a aplicação da responsabilidade subjetiva,
bem como naqueles casos em que os infortúnios, apesar de terem ocorrido com trabalhadores de
atividades de risco, não tiverem qualquer nexo com o exercício da atividade, como no caso dos
acidentes do trabalho equiparados, já referidos anteriormente.
A ocorrência de danos em atividades de risco, sejam eles inerentes ao trabalho ou
adquiridos pelo modo como são desenvolvidas as atividades, requer a aplicação da
responsabilização objetiva, que somente poderá ser afastada se houver prova cabal de que o
mantenedor do ambiente laboral cumpriu adequadamente as normas de SST, oferecendo um
ambiente de trabalho seguro e salubre para os seus colaboradores.
Tal modo de responsabilização não representa nenhuma ofensa à norma constitucional
disposta no inciso XXVIII do art. 7°, pois todo aquele que criar riscos em razão da sua conduta,
deve responder por eles independentemente de culpa diante da ocorrência de danos, sendo que
essa conclusão pode ser defendida em razão da responsabilidade objetiva ambiental prevista no §
3º do art. 225 da CF/88, que também pode ser aplicado na proteção do MAT, já que esse está
incluído no conceito de meio ambiente, por força da previsão constitucional do art. 200, inciso
VIII, que refere competir ao SUS, além de outras atribuições, colaborar na proteção do meio
ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Entretanto, a disposição do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, no sentido de que
haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei,
ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem, é o amparo mais consistente para a incidência da
responsabilidade objetiva na espécie, sem acarretar, repita-se, violação ao inciso XXVIII do art.
7° da CF/88, tendo em vista que esse dispositivo estabelece apenas um piso no que se refere aos
direitos dos trabalhadores, nos termos do caput da mesma norma constitucional.
Cavalieri Filho236, Beltran237 e Rizzardo238 estão entre os autores que se manifestam pela
impossibilidade da responsabilização objetiva do empregador em razão da regra geral do Código
Civil prevista no parágrafo único do art. 927, por força do princípio da hierarquia, que manteria
intacta a regra que estabelece a responsabilização residual do empregador somente com base no
dolo e na culpa, prevista no art. 7°, XXVIII, da CF/88.
Em sentido favorável à tese defendido no presente trabalho, posiciona-se Dallegrave
Neto, ao registrar que o parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil não ofende a parte final
do art. 7°, XXVIII, da CF/88, especialmente porque o caput do próprio art. 7° assegura ao
trabalhador um regramento mínimo de direitos, sem prejuízo de outros que visam melhor
condição social ao trabalhador.239 Ainda que concorde com o entendimento de Dallegrave Neto,
Garcia sugere um aperfeiçoamento do art. 7°, XXVIII, no seguinte sentido: “seguro contra
acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado,
conforme as regras da responsabilidade civil, inclusive de natureza objetiva”.240
Cairo Júnior também defende a aplicação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil,
tendo em vista tratar-se de norma mais favorável para o trabalhador.241 Godoy vai pelo mesmo
caminho, ressaltando que a interpretação a ser dada à questão deve levar a um resultado coerente,
que preserve a unidade do ordenamento, fato que não se verificará se ainda se adstringir a
responsabilidade comum do empregador, por acidente havido com o empregado, à culpa ou dolo,
por conta do preceito do art. 7°, XXVIII, da CF/88, negando-se possível aplicação do parágrafo
único do art. 927 do Código Civil.242
Melo destaca que a expressão constante do caput do art. 7° da CF/88, “outros direitos que
visem à sua melhoria”, deixa claro que nenhum dos direitos encartados nos seus incisos é de
conceito e conteúdo fechados e imutáveis, motivo pelo qual, qualquer direito integrante do rol do
dispositivo pode ser alterado pelo legislador ordinário visando à melhoria da condição dos
trabalhadores.243 Nesse sentido também se manifesta Nascimento:

A Constituição deve ser interpretada como um conjunto de direitos mínimos e


não de direitos máximos, de modo que nela mesma se encontra o comando para que
direitos mais favoráveis ao trabalhador venham a ser fixados através da lei ou das
convenções coletivas. Ao declarar que outros direitos podem ser conferidos ao
trabalhador, a Constituição cumpre tríplice função. Primeiro, a elaboração das normas
jurídicas, que não deve perder a dimensão da sua função social de promover a melhoria
da condição do trabalhador. Segundo, a hierarquia das normas jurídicas, de modo que,
havendo duas ou mais normas, leis, convenções coletivas, acordos coletivos,
regulamentos de empresa, usos e costumes, será aplicável o que mais beneficiar o
empregado, salvo proibição por lei. Terceiro, a interpretação das leis de forma que, entre
duas interpretações viáveis para a norma obscura, deve prevalecer aquela capaz de
conduzir ao resultado que de melhor maneira venha a atender aos interesses do
trabalhador.244

Brandão também defende a aplicação da responsabilidade civil objetiva contra o


empregador em prol do trabalhador em razão da exceção contida no caput do art. 7° da CF/88, a
partir da qual o legislador constituinte quis assegurar ao trabalhador um catálogo mínimo de
direitos, sendo que a possibilidade de criação de outros direitos por meio do legislador
infraconstitucional foi expressamente sufragada pelo STF, ao indeferir, liminarmente, Medida
Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade cujo objetivo consistia na supressão da eficácia
do art. 118, da Lei n° 8.213/91, que consagra a estabilidade ao empregado que sofre acidente do
trabalho e fica incapaz temporariamente para o trabalho.245
Já Oliveira ressalta que seria absurdo não admitir a responsabilidade objetiva do
empregador perante o empregado quando o acidente ocorrido tiver por causa os riscos da
atividade desenvolvida, visto que perante terceiros o empregador responderia objetivamente,
justamente em razão do parágrafo único do art. 927 do Código Civil.246 Negar a responsabilidade
objetiva como um direito do trabalhador na situação ora em análise, como bem assinala Melo,
seria mesmo um verdadeiro e inexplicável paradoxo247, motivo pelo qual inimaginável para
Pamplona Filho que, provados os três elementos essenciais para a responsabilidade civil e
ausente qualquer excludente, ainda tenha o trabalhador lesionado de provar a culpa do
mantenedor do ambiente laboral, visto que o dano ocorrido já era potencialmente esperado248.
Na visão de Santos, sob um sistema de responsabilidade objetiva, como a indenização
será sempre devida independentemente de culpa, a prevenção de acidentes é estimulada, para o
fim de evitar o pagamento de futuras indenizações.249
Lima faz importante referência em defesa da incidência da responsabilidade objetiva em
matéria de acidentes do trabalho destacando que a obrigação/reparação de perdas e danos
decorrente do infortúnio jamais se justifica perante os princípios da teoria da culpa, já que a
responsabilidade exsurge exclusivamente do fato.250
A culpa e o dolo caracterizam-se pela eventualidade, enquanto o não cumprimento das
regras de SST costuma ser uma ação contínua, acarretando a responsabilização objetiva pelo
mero descumprimento do dever legal e da exposição dos trabalhadores a riscos sem o devido
controle.
Para Brandão, decorrem, na realidade, três espécies de responsabilidade do acidente do
trabalho:
a) a primeira, de natureza objetiva, prende-se à cobertura genérica dos riscos a que está
sujeito o empregado, na execução do seu labor cotidiano, a cargo de seguro específico custeado
exclusivamente pelo empregador e que afasta qualquer outra forma de responsabilização, como
se vê no art. 7°, XXVIII, da CF/88. Uma vez efetuada a cobertura acidentária por meio dos
benefícios previdenciários próprios, portanto, o empregador tem cobertos os riscos específicos
gerados pelo desenvolvimento da atividade laboral;
b) a segunda, na modalidade subjetiva e amparada pelo mesmo dispositivo constitucional,
resulta do fato causador do dano, que deve ser originado de ato doloso ou culposo do
empregador, cujo ônus da prova permanece a cargo do empregado. Independentemente da
anterior, se o acidente houver sido provocado por dolo ou culpa do empregador, devidamente
comprovada, ficará ele sujeito a reparar os danos causados que ultrapassarem os limites postos
pela legislação previdenciária, seja quanto ao valor, seja quanto à espécie de indenização, seja
quanto à natureza do dano, propriamente dito;
c) a terceira espécie é de natureza objetiva e decorre da previsão no parágrafo único do
art. 927 do Código Civil, e tem como origem o acidente causado pelo desenvolvimento de
atividade de risco, que, na perspectiva do contrato de trabalho, deve corresponder ao risco
específico acentuado, uma vez que aquele gerado pela simples atividade de trabalhar é alcançado
pelo seguro previdenciário.251
Para melhor elucidar seu entendimento, o autor exemplifica com o caso de uma
queimadura sofrida por empregado que trabalha num escritório de uma fábrica, desenvolvendo
atividades de natureza administrativa. Os danos que lhe tenham sido causados serão alcançados
pelo seguro previdenciário e somente poderá ele reivindicar indenização em face do seu
empregador se tiver havido dolo ou culpa na origem do infortúnio, incumbindo àquele o ônus da
prova respectiva. Por sua vez, se ele executasse o serviço de abastecimento de veículos, atividade
perigosa e, portanto, geradora de risco habitual e inerente, o limite da prova a seu encargo
restringe-se tão-somente ao nexo causal, já que não se cogitará de discussão a respeito da culpa,
inexistente na responsabilidade objetiva.252
A questão do nexo causal na responsabilidade civil objetiva pela incidência da teoria do
risco é ainda referida por Dallegrave Neto, que explica que não basta ao empregado provar que a
empresa contém áreas ou setores de risco, devendo restar demonstrado que o dano emergiu em
uma dessas áreas especiais. Assim, por exemplo, um empregado que foi vítima de uma explosão
no trabalho terá que provar a culpa patronal (responsabilidade subjetiva) ou que o sinistro estava
dentro da área de risco previsível (responsabilidade objetiva).253
Segundo Moraes, as condições de salubridade são aquelas que se relacionam com a saúde
do trabalhador, pela observância de seu bem-estar físico, mental e social. Então, quando
prejudicadas essas condições, diz-se da existência de MAT insalubre, com a exposição dos
trabalhadores a agentes físicos, químicos, biológicos e psicológicos nocivos à saúde acima dos
limites de tolerância fixados em razão da natureza e da intensidade do agente e do tempo de
exposição aos seus efeitos (art. 189, CLT).254
As condições insalubres são as causadoras das doenças ocupacionais, normalmente
identificáveis após um período de exposição (de duração variável de acordo com o agente nocivo
presente no ambiente de trabalho), enquanto que as condições inseguras determinam a ocorrência
dos acidentes do trabalho, de impacto instantâneo.
Para Melo, nas hipóteses de doenças ocupacionais (profissionais e do trabalho)
decorrentes dos danos ao MAT, a responsabilidade pelos prejuízos à saúde do trabalhador é
objetiva, com supedâneo no § 3° do art. 225 da CF/88 e § 1° do art. 14 da Lei n° 6.938/81,
aplicáveis de forma harmônica com o inciso XXVIII do art. 7° da Carta Magna. Esse
entendimento também se aplica em relação aos acidentes, mesmo típicos, decorrentes de danos
ambientais gerais, pois sendo o MAT um aspecto integrante do meio ambiente geral (arts. 200,
VIII e 225 da CF/88), toda e qualquer lesão decorrente dos desequilíbrios ambientais atraem as
regras da responsabilidade objetiva. Em contrapartida, a responsabilidade subjetiva de que trata o
inciso XXVIII do art. 7° da CF/88 aplica-se somente aos acidentes que não decorram das
atividades de risco ou de ato ou fato de terceiro.255
Todavia, é de ser ressalvado que mesmo nas hipóteses de acidentes ou doenças laborais
que não decorram das atividades de risco é possível a incidência da responsabilidade objetiva,
tendo em vista algumas atividades, apesar de não comportarem riscos inerentes, serem de alto
risco em razão dos riscos adquiridos pelo modo como são desenvolvidas, por decisão do
empreendedor.

2.
A condição insegura, segundo Melo, diferentemente da atividade de risco256, é passível de
neutralização ou correção por meio de adequada prevenção a cargo do empregador, como
cláusula obrigatória do contrato de trabalho. Assim é que constitui atividade de risco o trabalho
em contato com corrente elétrica; já as instalações elétricas mal feitas ou improvisadas com fios
expostos etc., constituem condição insegura.257
Pela disciplina da Lei n° 8.213/91, o acidente do trabalho trata-se de gênero que comporta
diferentes espécies, como bem analisado por Dallegrave Neto: o acidente do trabalho típico (art.
19), que tem por característica a instantaneidade da causa e o resultado imediato; a doença
ocupacional (art. 20), que leva em conta a progressividade e a mediatidade do resultado; os
acidentes caracterizados por concausa (art. 21, I), que tem no trabalho uma de suas causas diretas,
porém não exclusiva (apenas concorrente); e os acidentes com causalidade indireta (art. 21, II a
IV), que tem no trabalho uma causalidade apenas indireta e, por tal razão, é a única que não
enseja indenização civil, mas apenas cobertura previdenciária.258
Os diferentes nexos de causalidade do acidente com o trabalho, segundo Oliveira, definem
a incidência da responsabilização civil: a causalidade direta reflete uma responsabilidade forte, a
concausalidade, uma responsabilidade diminuída, que pode reduzir a condenação e a causalidade
indireta, uma responsabilidade fraca, podendo eliminar condenação.259
Assim, é possível caracterizar-se a responsabilidade objetiva do empregador pela
execução de atividade de risco acentuado nas seguintes espécies de acidentes do trabalho:
acidentes-tipo (art. 19 da Lei n° 8.213/91); doenças ocupacionais (art. 20, I e II) e acidentes
ocorridos no local e horário de trabalho, quando se tratar de local em que haja a presença de
fatores de risco habituais. Por outro lado, as espécies de acidentes excluídas são aquelas apenas
equiparadas ao acidente do trabalho pela legislação previdenciária, previstas nas demais hipóteses
do art. 21 da Lei de Benefícios.260
A responsabilidade civil aplicável nas hipóteses de danos decorrentes das condições
ambientais do trabalho, sejam elas inseguras ou insalubres, todavia, não deve ater-se apenas à
discussão acerca da sua caracterização como objetiva ou subjetiva. O debate deve ir além,
especialmente quanto à necessidade de antecipação desse dever de assumir as responsabilidades
pelos riscos inerentes ao trabalho ou adquiridos pelo modo como são exercidos. São as causas
dos infortúnios laborais que precisam ser atacadas e não somente as consequências reparadas, até
pela manifesta limitação dessa reparação, que nunca cobrirá, efetivamente, os prejuízos aos bens
ambientais e à saúde humana, notadamente pela impossibilidade de uma real quantificação.

2.3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO SEGURADOR PÚBLICO E AS PRESTAÇÕES


INFORTUNÍSTICAS

2.3.1 O seguro social no Brasil e a responsabilidade do segurador público

Os deveres e a responsabilização do garantidor do MAT não podem ser confundidos com


a responsabilidade do segurador social, atualmente representado pelo INSS, perante o acidentado.
Diante disso, nesse momento, buscar-se-á aprofundar o conhecimento acerca da responsabilidade
do segurador público e das prestações infortunísticas.
O surgimento da infortunística coincidiu com o desdobramento da Revolução Industrial,
em que o uso de máquinas intensificou os acidentes do trabalho, gerando a necessidade de
proteção do trabalhador acidentado. A legislação alemã, a partir de Bismarck, foi pioneira na
abordagem da questão acidentária, em 1884.
No Brasil, o Decreto Legislativo n° 3.724, de 15 de janeiro de 1919, foi a primeira norma
jurídica a tratar do acidente do trabalho, instituindo a responsabilidade objetiva do empregador,
nada referindo sobre o seguro de acidentes do trabalho. O diploma legal subsequente,
representado pelo Decreto n° 24.637/34, exigia uma garantia do empregador em prol do
empregado, a qual poderia ser dada na forma de contratação de um seguro de acidentes do
trabalho ou pelo depósito de uma caução em dinheiro.
Em 1944, com a edição da terceira lei de acidentes do trabalho, o Decreto-Lei n°
7.036/44, deu-se a universalização do SAT, passando a ser obrigatório a todo empregador
assegurar os seus empregados contra os riscos da infortunística laboral. Todavia, tal norma
explicitava, em seu art. 31, que o pagamento da indenização acidentária exonerava o empregador
do pagamento de qualquer outra verba, salvo se o acidente resultasse de dolo.
Santos destaca que na vigência das legislações acidentárias de 1919 e 1934, a relação
jurídica do seguro de responsabilidade era bilateral, pois a seguradora obrigava-se apenas perante
o empregador, o que impedia o empregado de demandar contra a seguradora. O sistema garantia
a certeza da reparação, mas deixava a desejar quanto à celeridade. Com a entrada em vigor da
terceira lei de acidentes do trabalho, a responsabilidade civil do empregador foi transferida para a
instituição seguradora, ou seja, tornou a relação jurídica plurilateral, permitindo ao trabalhador
demandar diretamente a entidade seguradora pela responsabilidade civil do empregador a ela
transferida.261
A Lei n° 5.316/67 proibiu em seu art. 1° o seguro de acidente do trabalho privado,
passando a sua gestão a ser feita, exclusivamente, pelo Instituto Nacional da Previdência Social
(INPS). O art. 201, § 10, da CF/88, acrescentado pela EC n° 20/98, voltou a prever a
concorrência na cobertura do risco de acidente do trabalho entre o regime geral de previdência
social e o setor privado, situação, entretanto, ainda carente de regulamentação infraconstitucional.
Bonavides distingue o Estado social do socialista: naquele, estende sua influência a quase
todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual,
assumindo para si, entre outras funções, a de conferir os direitos do trabalho e da previdência,
controlar as profissões, prover necessidades individuais e enfrentar crises econômicas, colocando
na sociedade todas as classes na mais estreita dependência de seu poderio econômico, político e
social; neste, o Estado produtor remove o Estado capitalista, suprimindo ou estorvando a
iniciativa privada. Destaca o autor que a politização da função social pelo Estado é um meio de
agravar a dependência do indivíduo, desvirtuar a democracia ou consolidar o poder totalitário,
mesmo nos Estados sociais, que, por sua própria natureza, são intervencionistas, requerendo
sempre a presença militante do poder político nas esferas sociais, onde cresceu a dependência do
indivíduo, pela impossibilidade em que este se acha, perante fatores alheios à sua vontade, de
prover certas necessidades existenciais mínimas.262
A opção do Estado brasileiro de trazer o SAT para o rol de suas competências confirma
que se trata de um Estado social. Todavia, o receio da dependência que o indivíduo passa a ter do
Estado nesses casos, apontado por Bonavides, deve ser afastado, pois a gestão do SAT é uma
questão de suma importância frente ao fundamento da nossa República assentado na dignidade da
pessoa humana, motivo pelo qual se entende que não deve ser assegurado individualmente, sob
pena de ser violado pela impossibilidade de ser garantido.
Com isso, não se quer dizer que a gestão do SAT pelo Estado seja satisfatória em nosso
país, mas que a retirada dessa incumbência do Poder Público tende a tornar ainda mais distante a
possibilidade de se atingir um dos principais objetivos de um seguro social, que é o de promover
a proteção de todos. A extensão da cobertura do seguro social a todos os cidadãos requer
reformas no sistema que hoje vigora, mas não se acredita que a incumbência dessa tarefa social
ao setor privado, voltado, prioritariamente, à satisfação de interesses econômicos individuais, seja
a alternativa mais segura a se adotar com o intuito de alcançar tal objetivo. Essa concepção,
todavia, não importa em afastamento da participação privada da questão, mas apenas adverte para
a imprescindível regulação estatal do tema diante da sua relevância social.
Atualmente, vigora no Brasil a Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991 (sétima lei
acidentária no país), tendo sido abrangidas as regras acidentárias pelo Plano de Benefícios da
Previdência Social.
A CF/88 incluiu a previdência social (e a proteção acidentária, portanto) no tripé da
seguridade social que, segundo dispõe o art. 194, compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social.
A expressão seguridade social mostra uma concepção de provisão para o futuro, conforme
explica Martins:

A idéia essencial da Seguridade Social é dar aos indivíduos e a suas famílias


tranquilidade no sentido de que, na ocorrência de uma contingência (invalidez, morte
etc), a qualidade de vida não seja significativamente diminuída, proporcionando meios
para a manutenção das necessidades básicas dessas pessoas. Logo, a Seguridade Social
deve garantir os meios de subsistência básicos do indivíduo, não só, mas principalmente
para o futuro.263

Para Simm, a seguridade social não tem finalidade indenizatória, no sentido de ressarcir
ou compensar um dano sofrido pelo indivíduo, mas busca lhe dar a necessária ou, pelo menos, a
mínima cobertura para fazer frente às vicissitudes da vida, de cobrir os chamados “riscos
sociais”, ou seja, os acontecimentos imprevisíveis ou, ao menos inevitáveis, que venham a
colocá-lo em estado de necessidade.264
Tamanha importância conferida ao instituto justifica o controle estatal, já que,
dificilmente, a iniciativa privada, com os objetivos voltados ao lucro, conseguiria atender tal
demanda social. A seguridade social confere uma proteção ao indivíduo que precisa ser garantida
na prática, sendo certo que, apesar das deficiências do Estado em efetivá-la, ainda aparenta ser a
escolha mais coerente em prol de um direito que precisa ser de todos.
A seguridade social, em especial a sua faceta do seguro de acidentes do trabalho e a
própria cobertura previdenciária, é uma técnica de socialização dos danos através da distribuição
dos riscos, que visa a garantir uma proteção mínima. Tal técnica, segundo Cavalieri Filho, trata
da reparação coletiva, em que a vítima do dano, e não mais o autor do ato ilícito, passa a ser o
enfoque central da responsabilidade civil. O dano deixa de ser apenas contra a vítima para ser
contra a coletividade, passando a ser um problema de toda a sociedade.265
Todavia, esse seguro não pode ser privado, pois, dentro das teorias que justificam e
fundamentam o Estado Social, Simm garante que “a seguridade social é um dever estatal,
constituindo-se em uma das prestações positivas devidas à pessoa, considerada individual ou
coletivamente, até mesmo como meio de assegurar-lhe as condições mínimas para o desfrute de
uma existência digna”.266 Isso porque, desde que o homem passou a viver em comunidade,
abrindo mão de uma parcela de sua liberdade individual em favor de um grupo politicamente
organizado, esse grupo, hoje representado pelo Estado, tem o dever de dar-lhe amparo e proteção,
atendendo-o em suas necessidades básicas resultantes da sua própria existência e dos riscos que a
vida em sociedade acarreta. À sociedade e ao Estado interessa que os seus membros estejam
cobertos diante das vicissitudes da vida e disponham do mínimo indispensável para uma
existência digna, não sendo possível diretamente ao indivíduo, isoladamente ou mesmo em
grupo, criar, organizar e manter tal sistema de proteção, motivo pelo qual cabe ao Estado fazê-lo,
até porque essa proteção repousa fundamentalmente numa noção de solidariedade e de justiça
social, que não poderia ser atendida por sistemas particulares ou privados que têm, ao contrário,
características de individualismo e egoísmo, incompatíveis com a vida em sociedade. Assim, no
entendimento do autor, não pode o Estado, sob o argumento de incapacidade financeira, delegar à
iniciativa privada o encargo da proteção social, ao menos no que respeita aos seus padrões
mínimos, pois não se trata de uma atividade lucrativa que possa ser explorada economicamente;
mas de um ônus financeiro do Estado, impondo-se o intervencionismo estatal como forma de
tornar reais e efetivos os ideais de solidariedade, de bem comum e de justiça social.267
O seguro social e, em particular, a prestação previdenciária, na qual se inclui a decorrente
de acidente do trabalho, segundo Martinez, é de suma importância em razão das suas múltiplas
funções: substituidora dos ingressos, reparadora dos riscos sociais, direito exigível, mantenedora
do status social, libertadora e valorizadora do homem, caráter alimentar, distribuidora de renda,
incentivadora de consumo, intuitu personae (em razão da pessoa) ou pecuniária.268
Dentre os princípios que regem a Previdência Social e corroboram a sua finalidade social,
Duarte destaca o da indisponibilidade dos direitos dos beneficiários, ou seja, os benefícios
previdenciários têm caráter alimentar, e como tal são inalienáveis, impenhoráveis e
imprescritíveis. Uma vez implementadas as condições, os beneficiários têm direito adquirido ao
benefício, podendo reclamá-lo a qualquer tempo (art. 102 da Lei n° 8.213/91). Não há perda do
direito ao benefício. Além disso, não se admite seja o benefício sujeito à penhora, a arresto ou a
sequestro, sendo nula de pleno direito a sua venda ou a sua cessão, ou a constituição de qualquer
ônus sobre ele, bem como a outorga de poderes irrevogáveis ou em causa própria para o seu
recebimento (art. 114 da Lei n° 8.213/91).269
A importância do bem jurídico tutelado pelo SAT torna indispensável a inserção da
proteção acidentária entre as normas públicas, motivo pelo qual vige no Brasil, corretamente,
segundo Martinez, o princípio da obrigatoriedade do SAT, que se tornou seguro social,
transferindo-se a responsabilidade dos empregadores, individualmente considerados, para a
comunidade de empregadores e, de modo geral, para a sociedade. Além disso, tratando-se de
empreendimento de vulto tão significativo quanto útil, o seguro social, que tem como parte
integrante o SAT, também é regido pelo princípio do monopólio estatal.270
A responsabilidade civil do segurador público, decorrente do SAT, previsto no art. 7°,
inciso XXVIII, da CF/88, será sempre objetiva, ocorrendo o pagamento ou disponibilização da
prestação (benefício ou serviço) acidentária independentemente de análise acerca da presença ou
não de riscos na esfera do trabalho exercido ou da existência de culpa ou dolo do
empregador/mantenedor do ambiente laboral diante dos fatos, bastando a comprovação do
infortúnio, do seu nexo causal com o trabalho desenvolvido, do dano decorrente e da condição de
beneficiário (segurado ou dependente) junto à Previdência Social.
A responsabilidade objetiva coletiva que caracteriza o SAT visa a proteger a vítima do
dano e a própria sociedade, em razão da garantia da cobertura das contingências, o que é natural
nesse formato de responsabilização civil, comum em matéria ambiental, no qual, segundo
Teubner, “mesmo se o risco for individualmente imputável, o elemento relevante, o dano
ocorrido, só pode ser imputado coletivamente”271. A responsabilidade coletiva, portanto, assegura
que as vítimas recebam indenização, mesmo se a causalidade individual não puder ser constatada;
todavia, isso não dispensa a distribuição individual do regresso, visto que essa gera para os
agentes, na opinião do mesmo autor, incentivos para a redução dos riscos272.
Assim, é a relação segurador-segurado que está coberta pela responsabilidade objetiva, já
que este deve ter a vida facilitada, considerando que quando busca aquele para obter um
benefício encontra-se em situação de fragilidade. Tal responsabilidade coletiva objetiva assumida
pelo segurador frente ao segurado, entretanto, não representa isenção de responsabilidade do
causador do dano quando este for devidamente identificado. Pelo contrário: em prol de toda a
coletividade, que arca com a carga da indenização da vítima, o agente do dano deve responder
pelo ilícito causado ou pelo risco criado que foi indevidamente suportado pelo trabalhador.
O fato de a obtenção da indenização por parte do trabalhador acidentado independer de
prova da culpa ou dolo do empregador não significa, portanto, como bem ressaltado por Melo,
que a Previdência Social esteja impedida de reaver as despesas suportadas quando ficar
demonstrado que a empresa deixou de cumprir normas-padrão relacionadas com a segurança e
medicina do trabalho ou que haja outros responsáveis pelo acidente.273
A previsão do dolo no inciso XXVIII do art. 7° da CF/88, na concepção de Santos,
decorre do fato de que, mesmo na hipótese de dolo do empregador, o seguro administrado pelo
INSS deve garantir o benefício acidentário em favor do trabalhador acidentado, já que se o SAT
fosse privado, o contrato de seguro seria nulo, nos termos do art. 762 do CC/2002. Mas como a
proteção do trabalhador é uma exigência de ordem pública, a lógica do seguro privado cede à
exigência de certeza da reparação, prevista no dispositivo constitucional.274
Atualmente, o SAT no Brasil é custeado exclusivamente pelo empregador, tratando-se de
uma espécie de tributo chamada de contribuição previdenciária. Todavia, o segurado/beneficiário
é o empregado trabalhador, que terá o direito de buscar a prestação assegurada diretamente
perante o segurador, sem a intervenção da empresa. Tal prestação é tarifada, ou seja, busca
reparar de forma imediata apenas o prejuízo salarial, mesmo que parcialmente.
A exclusividade no financiamento constata-se da alteração do art. 201, inciso I, da CF/88
pela EC 20/98, que excluiu a cobertura dos eventos de doença, invalidez e morte resultantes de
acidentes do trabalho pelos planos de previdência social, passando a prever a concorrência na
cobertura do risco de acidente do trabalho entre o regime geral de previdência social e o setor
privado, nos termos do § 10 do art. 201, ainda não regulamentado.
Duarte explica que as relações jurídicas que o indivíduo pode ter com a Previdência
Social podem ser de dois tipos. A primeira é a de custeio, que abrange todas aquelas pessoas que
contribuem para o sistema, baseando-se na capacidade contributiva, em que o Estado impõe
coercitivamente a obrigação de que as pessoas consideradas pela norma jurídica como
contribuintes do sistema de seguridade recolham contribuições sociais, que têm natureza jurídica
tributária, aplicando-se a maioria das regras inerentes a esse tipo de relação. A segunda é a de
prestação, que se baseia na necessidade, sendo o Estado compelido pela lei à obrigação de dar
(pagar benefício) ou de fazer (prestar serviço) aos beneficiários que, preenchendo os requisitos
legais para a obtenção do direito, o requeiram. A natureza jurídica da obrigação de conceder os
benefícios é de um múnus público, enquanto que, para o indivíduo, configura-se como direito
indisponível, sendo a responsabilidade do ente previdenciário puramente objetiva, fundada na
teoria do risco social, que independe de resposta às indagações subjetivas sobre a causa do evento
deflagrador do direito ao benefício. Tampouco tem o Estado discricionariedade na concessão do
benefício, pois uma vez preenchidos os requisitos legais para a obtenção desse direito, o
beneficiário poderá requerê-lo e o Estado está obrigado a concedê-lo. A relação obrigacional de
custeio e a relação jurídica de prestação previdenciária são independentes, não havendo
correspondência direta entre a obrigação de custeio e a de amparo; até porque a obrigação de
recolher não é, em muitos casos, nem mesmo condição para o exercício do direito à prestação,
como, por exemplo, nos casos em que a lei não exige carência para a concessão do benefício.275
Assim, quando um trabalhador se acidenta, não é o valor recolhido pelo seu empregador a
título de SAT que cobrirá o pagamento do benefício a que eventualmente terá direito, sendo a
reparação garantida pelo montante único formado a partir da contribuição de todos os
empregadores ao SAT e que é gerido pela Previdência Social.
Destaque-se que há casos em que as prestações poderão ser pagas pelo segurador social
como se previdenciárias fossem, apesar de originadas em razões das condições inseguras e/ou
insalubres do meio ambiente em que o segurado exerce o seu trabalho, como aquelas em que não
é possível estabelecer o nexo causal, apesar do disposto no § 2º do art. 20 e no art. 21-A da Lei n°
8.213/91276, ou daquelas em que, pela classificação do segurado, não cabe a concessão de
prestações infortunísticas277, em razão da inexistência de custeio para o SAT, que compete
exclusivamente aos empregadores, nos termos do próprio dispositivo constitucional que o
instituiu e do art. 22, inciso II, da Lei n° 8.212/91278. É sobre esses e outros detalhes das
prestações infortunísticas que se tratará a seguir.

2.3.2 As prestações infortunísticas


As prestações infortunísticas são cabíveis em qualquer das hipóteses de acidente do
trabalho previstas na Lei n° 8.213/91, como é o caso do acidente do trabalho típico, caracterizado
no art. 19, como sendo aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo
exercício do trabalho dos segurados especiais, provocando lesão corporal ou perturbação
funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade
para o trabalho. Além disso, no art. 20, constam que também se consideram acidente do trabalho
as seguintes entidades mórbidas: doença profissional, assim entendida a produzida ou
desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante de relação
elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social e a doença do trabalho, assim
entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é
realizado e com ele se relacione diretamente, afastando-se da classificação das doenças do
trabalho a doença degenerativa; a inerente a grupo etário; a que não produza incapacidade
laborativa; e a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se
desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado
pela natureza do trabalho. Todavia, em caso excepcional, previsto no § 2º do art. 20, constatando-
se que a doença não incluída na referida relação resultou das condições especiais em que o
trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la
acidente do trabalho, aplicando-se uma presunção de nexo causal.
Ainda, dispõe a Lei de Benefícios em seu art. 21 que também se equiparam ao acidente do
trabalho o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído
diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho,
ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação; o acidente sofrido pelo
segurado no local e no horário do trabalho, em consequência de ato de agressão, sabotagem ou
terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho; ofensa física intencional, inclusive
de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho; ato de imprudência, de negligência ou
de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; ato de pessoa privada do uso da razão;
desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior; a
doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade; o
acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho na execução de
ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; na prestação espontânea de
qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito; em viagem a
serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para
melhor capacitação da mão de obra, independentemente do meio de locomoção utilizado,
inclusive veículo de propriedade do segurado; ou no percurso da residência para o local de
trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de
propriedade do segurado. A legislação ainda ressalta que nos períodos destinados a refeição ou
descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho
ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho (art. 21, § 1º), além de
dispor, no § 2º do art. 21, que não é considerada agravação ou complicação de acidente do
trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às
consequências do anterior.
O nexo causal do agravo que acometeu o trabalhador, assim considerado, nos termos do
art. 337, § 4°, do Decreto n° 3.048/99, a lesão, doença, transtorno de saúde, distúrbio, disfunção
ou síndrome de evolução aguda, subaguda ou crônica, de natureza clínica ou subclínica, inclusive
morte, independentemente do tempo de latência, com a sua atividade laboral, idealmente, deveria
ser comprovado pela emissão da CAT, prevista no art. 22, da Lei n° 8.213/91, que dispõe ser
obrigação da empresa comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o primeiro dia
útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob
pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário de contribuição,
sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.
Entretanto, a perícia médica do INSS poderá considerar caracterizada a natureza
acidentária do dano que vitimou o segurado quando constatar ocorrência de nexo técnico
epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e
a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de
Doenças (CID), nos termos do art. 21-A do mesmo diploma legal.
O nexo técnico epidemiológico, segundo Garcia, foi estabelecido levando em conta
amplos estudos científicos, bem como mapeamentos e profundas análises de ordem empírica, os
quais possibilitaram a demonstração e indicação de quais são as doenças que apresentam elevadas
e significativas incidências estatísticas nos diferentes ramos de atividade econômica, em que os
segurados exercem a atividade laboral.279
A caracterização do nexo causal, portanto, pode ocorrer pela constatação de que o agravo
decorre de agente etiológico ou fator de risco presente na atividade exercida, nos termos da Lista
A do Anexo II do Decreto n° 3.048/99, que define os agentes ou fatores de risco de natureza
ocupacional relacionados com a etiologia de doenças profissionais e de outras doenças
relacionadas com o trabalho; pela verificação do nexo técnico epidemiológico (NTEP) entre a
atividade da empresa (expressa pela Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE) e
a entidade mórbida motivadora da incapacidade, elencada na CID em conformidade com o
disposto na Lista C do Anexo II do Regulamento da Previdência Social (RPS); além da já
referida hipótese excepcional do art. 20, § 2° da Lei n° 8.213/91.
A perícia médica do INSS não considerará caracterizada a natureza acidentária da
incapacidade quando demonstrada a inexistência do nexo técnico epidemiológico entre o trabalho
e o agravo, nos termos do § 1° do art. 21-A da Lei de Benefícios, sendo que a empresa poderá
requerer a não aplicação do NTEP ao caso concreto mediante a demonstração de inexistência de
correspondente nexo entre o trabalho e o agravo, conforme dispõe o § 2° do mesmo dispositivo,
além do § 7° do art. 337 do RPS. Dentre a documentação probatória, a empresa poderá trazer,
entre outros meios de prova, evidências técnicas circunstanciadas e tempestivas à exposição do
segurado, podendo ser produzidas no âmbito de programas de gestão de risco, a cargo da
empresa, que possuam responsável técnico legalmente habilitado, sendo que o INSS informará ao
segurado sobre a contestação da empresa para que este, querendo, possa impugná-la, sempre que
a instrução do pedido evidenciar a possibilidade de reconhecimento de inexistência do nexo entre
o trabalho e o agravo, nos termos dos §§ 11 e 12 do mesmo artigo do RPS.
Logo, o estabelecimento do NTEP trata-se de presunção relativa, que pode ser afastada
pela empresa quando devidamente comprovado que o trabalhador não estava exposto aos riscos
que justificariam o nexo consignado. Todavia, quando o nexo entre o agravo e o trabalho for
etiológico, nos termos da Lista A do Anexo II do Decreto n° 3.048/99, a possibilidade de
afastamento deixa de existir.
Comparando-se os dados anteriores ao uso da metodologia do NTEP (2006) e posteriores,
com a sua aplicação plena (2007 e 2008), verifica-se a evolução do reconhecimento das doenças
relacionadas ao trabalho. Os próprios acidentes típicos, que hipoteticamente seriam mais difíceis
de esconder, representaram de 2006 a 2008, 100% de crescimento. As doenças osteomusculares,
especificamente, LER/DORT, tiveram um crescimento de 588% no período, enquanto os
transtornos mentais e comportamentais registraram um crescimento de 1.094%.280
Garcia destaca que, apesar de ter sido ajuizada ação direta de inconstitucionalidade
perante o STF contra a sistemática do NTEP (ADI nº 3.931), ainda pendente de julgamento281,
inexiste afronta a quaisquer preceitos constitucionais, já que a nova forma de reconhecimento da
natureza acidentária dos agravos está em plena consonância com o princípio da dignidade da
pessoa humana, concretizando os objetivos fundamentais de justiça e solidariedade social, além
de resultar na preservação dos direitos humanos fundamentais, pois assegura àquele que tiver
sido acometido de doença de natureza ocupacional a respectiva cobertura previdenciária.282
Ainda, é de se registrar, justamente em razão da presunção relativa do NTEP, que o seu
estabelecimento tende a levar as empresas a terem mais atenção quanto ao cumprimento do seu
dever fundamental de reduzir dos riscos inerentes ao trabalho e de não permitir a difusão de
riscos criados pelo modo como sua atividade é exercida, justificando, sobremaneira, a
constitucionalidade da sistemática.
Estabelecido o nexo técnico entre o agravo e o trabalho, cabe o deferimento das
prestações acidentárias aos seguintes beneficiários: segurados empregados, especificados no
inciso I do art. 11, da Lei n° 8.213/91, trabalhadores avulsos283 e segurados especiais284, além de
seus dependentes, tendo em vista somente estes estarem amparados pelo custeio do SAT, seja
através do recolhimento efetuado pelo empregador, nos termos do art. 7°, inciso XXVIII, da
CF/88 e do art. 22, inciso II, da Lei n° 8.212/91, que regula os percentuais do seguro de acordo
com o grau de risco de acidentes do trabalho na atividade preponderante da empresa; seja pela
contribuição do produtor rural pessoa jurídica, do empregador rural pessoa física e do segurado
especial, de 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da produção, de acordo com o
art. 22A, II e art. 25, II da Lei n° 8.212/91.
Assim, os empregados domésticos, definidos pelo inciso II do art. 11 da Lei n° 8.213/91,
como aqueles que prestam serviço de natureza contínua a pessoa ou família, no âmbito
residencial desta, em atividades sem fins lucrativos; os contribuintes individuais, especificados no
inciso V do mesmo dispositivo, comumente chamados de autônomos; e os segurados facultativos,
previstos no art. 13 da Lei de Benefícios, juntamente com seus dependentes, estão excluídos da
cobertura acidentária, todavia, fazem jus às prestações previdenciárias decorrentes de estado de
incapacidade laborativa ou de morte pela incidência das regras previdenciárias, as quais, todavia,
não representam nenhum prejuízo financeiro, tendo em vista a unificação dos valores dessas
prestações com a edição da Lei n° 9.032/95.
Entretanto, há uma exceção. Trata-se do § 1º do art. 18, da Lei n° 8.213/91, que prevê que
somente poderão beneficiar-se do auxílio-acidente os segurados empregados, trabalhadores
avulsos e segurados especiais, excluindo, portanto, os empregados domésticos, os contribuintes
individuais e os segurados facultativos do direito à percepção de tal benefício.
Brevemente, cumpre detalhar as prestações acidentárias previstas na Lei n° 8.213/91: os
benefícios de auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria por invalidez e pensão por morte e
os serviços de habilitação e reabilitação profissional e o serviço social.
O serviço social está previsto no art. 88 da Lei de Benefícios, competindo-lhe esclarecer
junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente
com eles o processo de solução dos problemas que emergirem da sua relação com a Previdência
Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade.
A habilitação e a reabilitação profissional e social constam dos arts. 89 a 93, tendo por
objetivo proporcionar ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho,
inclusive o aposentado e, na medida das possibilidades do órgão da Previdência Social, aos seus
dependentes, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de
(re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto
em que vive.
Antes de tratar especificamente dos benefícios acidentários, importa apresentar os
conceitos de qualidade de segurado, período de carência e de salário de benefício, aplicáveis a
todos essas prestações.
A qualidade de segurado do acidentado na data fixada como sendo a do infortúnio é
imprescindível para a concessão de qualquer uma das prestações infortunísticas. Enquanto o
trabalhador estiver contribuindo para a Previdência Social tal qualidade é inquestionável.
Entretanto, a Lei nº 8.213/91, em seu art. 15, prevê também hipóteses excepcionais, em que essa
qualidade é mantida, independentemente de contribuições285, chamadas de períodos de graça.
O art. 23 da Lei de Benefícios dispõe que nos casos de doença profissional ou do trabalho,
considera-se como dia do acidente a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da
atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o
diagnóstico, valendo para esse efeito o que ocorrer primeiro.
Nesses casos, todavia, é preciso mitigar o requisito da necessidade de comprovação da
qualidade de segurado na data fixada como sendo a do início da incapacidade, isso porque,
muitas doenças profissionais ou do trabalho, comprovadamente, somente se manifestam depois
de muitos anos de latência, motivo pelo qual o trabalhador afetado poderá não estar mantendo a
qualidade de segurado quando da eclosão da doença e da consequente incapacidade, mas, se
comprovado que efetivamente se trata de doença do trabalho ou profissional, o nexo causal do
agravo com o trabalho anteriormente exercido deverá ser estabelecido pela perícia do INSS e o
requisito da qualidade de segurado considerado atendido, tendo em vista o fato de essa qualidade
existir quando do contato do trabalhador com os agentes nocivos à saúde que ficaram incubados
em seu organismo.
Registre-se que a mitigação do requisito da qualidade de segurado defendida não é ilegal,
especialmente pela definição de agravo trazida no art. 337, § 4°, do Decreto n° 3.048/99, já
referida anteriormente, em que há previsão expressa quanto à possibilidade de caracterização
desse, independentemente do tempo de latência. Outrossim, desde a edição da Lei nº 9.528/97,
que incluiu o § 1º ao art. 102 da Lei de Benefícios, a perda da qualidade de segurado não
prejudica o direito à aposentadoria para cuja concessão tenham sido preenchidos todos os
requisitos, segundo a legislação em vigor à época do seu atendimento. Assim, em caso de direito
adquirido, situação em que se enquadraria eventual doença do trabalho ou profissional adquirida,
apesar de não manifestada enquanto mantida a qualidade de segurado, a perda dessa não poderá
prejudicar a concessão do benefício correspondente.
Já o período de carência, conforme definição constante do art. 24 da Lei de Benefícios, é
o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao
benefício, consideradas a partir do transcurso do primeiro dia dos meses de suas competências. O
art. 25 da mesma Lei define os períodos de carência para a concessão das diferentes prestações
pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social, ressalvando as hipóteses do art. 26, que
independem de carência. Tais casos é que efetivamente importam no presente estudo, tendo em
vista ser dispensada de cumprimento de carência a concessão da pensão por morte, do auxílio-
acidente e do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez nos casos de acidente de qualquer
natureza ou causa e de doença profissional ou do trabalho, bem como a prestação do serviço
social e da reabilitação profissional.286
A dispensa do cumprimento de carência para a concessão das prestações infortunísticas
tem sido causa frequente de fraudes contra a Previdência Social, já que, em diversos casos,
empresas que mantêm trabalhadores sem a competente anotação da CTPS acabam se
beneficiando com tal benesse. Isso porque, quando ocorre um infortúnio, especialmente os
acidentes típicos ou os equiparados que não se tratem de doença profissional ou do trabalho, a
empresa pode registrar o trabalhador como tendo sido contratado na competência em que se
concretizou o incidente, de modo que o empregado/trabalhador não fica desamparado pelo seguro
social e a empresa, a princípio, acaba não arcando com todas as consequências dos seus atos
irresponsáveis, mas, principalmente, ilegais, quais sejam, a falta de registro do empregado e o não
cumprimento das normas de saúde e segurança no meio ambiente do trabalho.287
Diante disso, a revisão de tal disposição se faz necessária. A exigência de cumprimento de
período de carência pelo segurado possivelmente não seja o caminho de mudança mais indicado,
já que isso poderia representar uma afronta ao principal objetivo de qualquer sistema de
seguridade social, qual seja, o de cobrir os riscos sociais, sendo os infortúnios laborais talvez os
de maior destaque nessa órbita, conclusão que, inclusive, justifica a isenção legal do
cumprimento de período de carência. Contudo, a imposição de consequências mais sérias contra
aqueles que desrespeitam o dever de registrar o contrato de trabalho e, consequentemente,
recolher as contribuições sociais, possa ser a alternativa.
Assim, se um trabalhador que não tenha cumprido o período de carência exigido sofrer
um infortúnio laboral e for agraciado com a percepção de um benefício ou prestação pagos pela
Previdência Social, a empresa poderia vir a ser responsabilizada, por imposição legal, ou seja,
independentemente de processo judicial, a reembolsar ao segurador público todos os custos
relacionados com o pagamento da prestação acidentária. Outra forma de punir exemplarmente as
empresas que adotam práticas contrárias aos interesses dos trabalhadores e da sociedade, já que
essa, sem dúvida, é a maior prejudicada em casos como os que estão sob análise, seria o
agravamento do percentual do SAT a ser pago288, sempre que houvesse o registro de um acidente
do trabalho envolvendo trabalhador que ainda não tenha cumprido o período de carência ou até
mesmo um tempo mínimo de trabalho na empresa, até porque a ocorrência de acidentes do
trabalho nos primeiros dias ou semanas da prestação dos serviços até é possível, mesmo que não
seja caso de retardo no registro do empregado, mas quando isso acontece tende a ser reflexo da
falta de treinamento adequado, que se trata de dever da empresa antes da submissão do
trabalhador a qualquer risco.
O art. 765 do Código Civil prevê que o segurado e o segurador são obrigados a guardar na
conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a respeito do objeto
como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. Logo, antes de assegurar o risco, é
natural que o segurador busque e o pretendente a segurado efetivamente forneça todos os dados
disponíveis sobre o risco, de modo que aquele decida sobre a aceitação ou não. Tendo em vista a
ampla possibilidade de negociação existente no caso de um seguro privado, a seguradora poderá,
inclusive, rejeitar alguns riscos ou fixar valores mais elevados para aceitar todos os riscos. Essa
margem de negociação, todavia, não existe quando se trata de um seguro público legal
obrigatório, como é o caso do SAT, onde a seguradora acolhe todos os riscos previstos em lei
pelo preço (contribuição previdenciária) fixado em lei, não cabendo uma prévia análise do caso
concreto para posterior decisão acerca da aceitação ou não da cobertura.
Isso, todavia, não impede a Previdência Social e todos os entes públicos com poder de
fiscalização do cumprimento das normas trabalhistas e previdenciárias de atuarem de modo que
os riscos cobertos não excedam aqueles que a lei efetivamente quis cobrir quando de sua
definição, ou seja, somente aqueles inerentes ao trabalho que não puderam ser eliminados ou
neutralizados apesar do uso comprovado de toda a técnica disponível para tal, bem como para
que não haja fraude quanto ao recolhimento das contribuições destinadas ao custeio das
prestações infortunísticas. Além disso, a Previdência Social ainda tem o dever de propor a ação
regressiva acidentária, de modo que a sociedade não arque com o alto custo das prestações
infortunísticas concedidas em razão das condições inadequadas dos ambientes de trabalho
geradores de risco. O risco, portanto, não pode ser recusado pela Previdência Social, a fim de não
prejudicar o segurado e seus dependentes quanto à possibilidade de garantir os meios de
subsistência básicos, mas pode vir a ser custeado, integralmente, por quem o criou ou não o
controlou quando era seu dever fazê-lo, cabendo à Previdência Social buscar a responsabilização
civil por meio da ação regressiva acidentária.
Desde a entrada em vigor da Lei nº 9.032/95, o valor dos benefícios de prestação
continuada pagos pela Previdência Social, inclusive os decorrentes de acidente do trabalho, é
apurado com base no salário de benefício.289 O salário de benefício consiste na média aritmética
simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a oitenta por cento de todo o
período contributivo, apurado desde julho de 1994.290
Na espécie, o primeiro benefício a ser abordado será o de auxílio-doença, disciplinado
pelos arts. 59 a 64 da Lei de Benefícios, o qual é devido ao segurado que ficar incapacitado para
o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de quinze dias consecutivos, sendo que
ao segurado empregado é pago a partir do décimo sexto dia de afastamento da atividade e aos
demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz,
desde que requerido o benefício em até trinta dias da data do afastamento da atividade, sendo
devido desde a data do requerimento quando não atendido tal prazo. O auxílio-doença, inclusive
o decorrente de acidente do trabalho, consiste numa renda mensal correspondente a 91% do
salário de benefício.
Assim, apesar do nome de auxílio-doença, o benefício não é devido apenas em caso de
doença, mas também em caso de acidentes típicos, desde que geradores de incapacidade laboral
por mais de quinze dias consecutivos.
O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade
habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra
atividade, não cessando o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de
nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, seja
aposentado por invalidez.
A aposentadoria por invalidez, portanto, será devida ao segurado que, estando ou não em
gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício
de atividade que lhe garanta a subsistência (total e definitivamente incapaz), e ser-lhe-á paga
enquanto permanecer nessa condição, consistindo numa renda mensal, inclusive quando
decorrente de acidente do trabalho, correspondente a 100% do salário de benefício, podendo tal
valor ser acrescido de 25% quando o segurado necessitar da assistência permanente de outra
pessoa. Tal benefício é regido pelos arts. 42 a 47 da Lei nº 8.213/91.
O auxílio-acidente vem disposto no art. 86 da Lei de Benefícios, sendo concedido, de
acordo com a redação do caput dada pela Lei nº 9.528/97, a título de indenização ao segurado
quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, inclusive
acidente do trabalho, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho
que habitualmente exercia. O valor do benefício corresponde a 50% do salário de benefício,
sendo devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de
qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com
qualquer aposentadoria.
A perda auditiva é regulada especificamente pelo diploma legal, somente gerando a
concessão do auxílio-acidente quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e
a doença, for comprovada a redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente o
segurado exercia. Assim, apesar de a Lei não exigir um grau mínimo de perda auditiva, essa
deve, além de se tratar de sequela de acidente do trabalho, ocasionar uma diminuição efetiva e
permanente da capacidade para a atividade habitualmente exercida pelo segurado, já que o
auxílio-acidente visa a indenizar e a compensar o segurado que não possui plena capacidade de
trabalho em razão do acidente sofrido, não bastando, portanto, apenas a comprovação de um dano
à saúde do segurado, quando o comprometimento da sua capacidade laborativa não se mostre
configurado.291
O infortúnio laboral também poderá gerar a concessão do benefício de pensão por morte
ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não292. A previsão legal
consta dos arts. 74 a 79 da Lei nº 8.213/91, sendo devido desde a data do óbito, quando requerido
até trinta dias depois desse; da data do requerimento, quando requerida após esse prazo ou da data
da decisão judicial, no caso de morte presumida. O valor mensal da pensão por morte será de
100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou daquela a que teria direito se estivesse
aposentado por invalidez na data de seu falecimento. O benefício cessa pela morte do pensionista,
sua emancipação ou ao completar vinte e um anos de idade, salvo se for inválido, no caso de
pensionista que seja filho, pessoa a ele equiparada ou irmão do segurado ou pela cessação da
invalidez para o pensionista inválido.
Com o advento da Lei nº 9.032/95, os benefícios concedidos pela Previdência Social,
sejam eles de natureza previdenciária ou acidentária, passaram a ser apurados no mesmo
percentual e sobre a mesma base de cálculo (salário de benefício). Como se vê, o valor dos
benefícios acidentários é tarifado, sequer existindo mais diferenciação quanto aos benefícios da
mesma espécie de natureza previdenciária, o que justifica a conclusão no sentido de que tais
prestações não garantem a indenização integral dos danos causados por um infortúnio laboral,
mas apenas uma compensação salarial, de natureza alimentar.
A equiparação dos valores das prestações, aliás, tem ocasionado a concessão de benefícios
previdenciários mesmo quando sua origem é acidentária, talvez por desleixo dos servidores da
Autarquia Previdenciária, mas que também não costuma ser corrigido a requerimento dos
segurados ou de seus procuradores. Todavia, o simples fato de os valores das prestações serem
iguais não justifica essa desatenção na concessão, especialmente pela estabilidade resguardada ao
segurado quando seu benefício é enquadrado como acidentário, nos termos do art. 118 da Lei nº
8.213/91293, além de o levantamento dos casos em que cabível o ajuizamento das ações
regressivas acidentárias pela Previdência Social geralmente partir da concessão de benefícios
decorrentes de acidente do trabalho.
A concessão na espécie errada torna mais difícil a identificação dos casos em que o
ajuizamento da ação regressiva acidentária se faz necessário, já que os benefícios previdenciários,
a princípio, não são objeto de análise para essa finalidade. Entretanto, sendo identificados casos
dessa natureza, em que efetivamente o benefício concedido decorreu de infortúnio ocasionado
pela negligência do mantenedor do ambiente laboral quanto às normas padrão de segurança e
higiene do trabalho, imprescindível a alteração administrativa da espécie do benefício antes do
ajuizamento da ação regressiva, de modo que tal equívoco não se torne o cerne da discussão no
processo judicial, tirando o foco do que efetivamente precisa e merece ser debatido.

2.4 AS DIFERENTES RELAÇÕES DE TRABALHO E A RESPONSABILIDADE CIVIL DO


MANTENEDOR DO AMBIENTE LABORAL

2.4.1 As novas relações de trabalho e a definição do responsável pelo controle dos riscos
laborais

O processo de globalização, de formação de um mundo mercantilizado sem fronteiras,


alterou significativamente os métodos de administração das empresas, em busca da redução dos
custos fixos, intensificando o ritmo da produção em atenção à demanda do mercado e
aumentando a pressão psicológica sobre os trabalhadores.
Segundo Rüdiger, trata-se de um modelo de administração empresarial, chamado
toyotista, aplicado desde os anos 50 do século XX no Japão, que trouxe uma série de inovações
ao modelo até então dominante, chamado fordista. Enquanto este é caracterizado pela produção
em larga escala para o mercado em expansão, fazendo a empresa visar à manutenção da mão de
obra a médio e longo prazos; naquele, a produção é adaptada à demanda do mercado, é o
consumo que determina a produção, e não o contrário, motivo pelo qual tal sistema exige uma
produção flexível, uma mão de obra fixa polivalente e a disponibilidade de mão de obra de
empresas prestadoras de serviços quando necessário. Trata-se da “descentralização produtiva”,
que também visa a passar parte do risco do negócio para essas empresas terceirizadas, as quais
passam a ser verdadeiros amortecedores das flutuações conjunturais.294
Essas novas práticas propõem aumento na produtividade com uma efetiva eliminação de
custos, especialmente pela redução da quantidade de trabalhadores empregados na produção.
Todavia, a introdução de novas tecnologias nas empresas e a adoção desses novos métodos de
gestão também impulsionam o estresse no ambiente do trabalho, já que os trabalhadores que
permanecem precisam se esforçar muito mais e se submeterem a ritmos muito mais acelerados de
produção para manterem seus empregos, tendo em vista o volume de mão de obra disponível no
mercado.
Rifkin refere que o estresse dos empregados sob as práticas de produção enxuta atingiu
proporções quase epidêmicas no Japão, sendo que o problema tornou-se tão grave que o governo
japonês inclusive cunhou um termo, karoshi, para explicar a patologia da nova doença
relacionada à produção. Segundo o autor, karoshi é definida por uma porta-voz do Instituto
Nacional de Saúde Pública do Japão como uma:

condição pela qual práticas de trabalho psicologicamente maléficas são toleradas de tal
forma que interrompem o trabalho normal e o ritmo de vida do trabalhador, levando a
um acúmulo de fadiga no corpo e a uma condição crônica de excesso de trabalho,
acompanhados do agravamento da hipertensão pré-existente e resultante, finalmente, em
um esgotamento fatal.295
Karoshi, portanto, é a morte decorrente do excesso de trabalho. Outras síndromes, como o
suicídio relacionado ao excesso e às condições de trabalho e o presenteísmo, que vem a ser a
preocupação do trabalhador de estar sempre presente no trabalho, mesmo doente, por medo de
alguém ocupar o seu lugar, também têm sido detectadas nos mais diversos ambientes de trabalho
em todo o mundo.
Recentemente, inclusive, foi anunciado pela multinacional de origem taiuanesa, Foxconn,
fabricante de aparelhos como o iPod, iPad e o iPhone, líder mundial na fabricação de
componentes tecnológicos, produzindo cerca de 4% dos produtos que a China exporta ao resto do
mundo, que deixaria de pagar compensações aos familiares de trabalhadores que se matassem. A
empresa, que produz aparelhos para boa parte das multinacionais tecnológicas do Ocidente -
como Apple, Dell, Hewlett-Packard, Nokia, Nintendo, Sony, entre outras - emprega 800 mil
trabalhadores na sua unidade da China, onde ocorreram dez suicídios somente nos seis primeiros
meses de 2010. A empresa vinha pagando uma indenização de 100 mil iuanes (cerca de US$ 14,6
mil) para os familiares de empregados que se suicidaram, sendo que noticiou que deixaria de
pagá-la porque temia que os empregados estivessem se matando apenas para obter essa “grande
soma de dinheiro” para suas famílias. A imprensa e os ativistas trabalhistas, todavia, asseguram
que a razão dos suicídios, independente dos problemas pessoais dos empregados, tem origem na
forte pressão a que são submetidos os trabalhadores na empresa, os longos horários de trabalho e
as poucas possibilidades de descanso e lazer.296
No Brasil, não há informações oficiais acerca de eventos como esses, envolvendo
suicídios relacionados ao trabalho, mas a tendência mundial de desregulamentação e
flexibilização das normas trabalhistas em prol do aumento da produtividade e da competitividade
tem sido acompanhada pelo país, inclusive com a criação de leis que autorizaram o trabalho
temporário, permitiram a terceirização e que excluíram o instituto da estabilidade, motivo pelo
qual a questão merece atenta vigilância por parte do Estado e das empresas, enfim, da sociedade.
Rüdiger reflete que “a empresa brasileira passa por um processo de internalização de
inovações tecnológicas e organizacionais, ao mesmo tempo em que externaliza custos através da
terceirização de parcelas menos rentáveis da produção”, tornando as relações de trabalho ainda
mais precárias, mas também legítimas diante das exigências do mercado.297
Para Alves, não obstante o fato de que as corporações industriais sempre precisaram das
pequenas empresas, a sua utilização:

tornou-se uma estratégia de organização industrial voltada para o controle de trabalho e


de emprego, adequada à nova época de crise de valorização do capital, onde a
instabilidade perpétua impõe a constituição, pelas corporações transnacionais, de um
“colchão” de pequenas empresas capazes de amortecer as inconsistências dos mercados.
É um componente decisivo para instaurar um novo patamar de flexibilidade do capital
num cenário de crise de valorização e de concorrência planetária.298

É por isso que Beck representa a sociedade do risco na área laboral justamente na
ocupação invisível, na flexibilização espacial e temporal do trabalho, em que as normas sobre
segurança ficam à margem da ordem pública em formas de trabalho descentralizado, recaindo os
custos do seu cumprimento ou não sobre os próprios trabalhadores.299
Em estudo realizado pela Agência Européia para a segurança e a saúde no trabalho,
concluiu-se que o simples fato de se trabalhar em um estabelecimento durante um breve período
de tempo constitui um fator de risco, havendo uma incidência de acidentes de trabalho 26%
maior que a média entre os trabalhadores temporários.300
Ao empreendedor cabe definir o modo de atuação da empresa no mercado, bem como a
forma como a atividade será desenvolvida, razões suficientes para justificar sua obrigação de
manter um espaço e condições laborais seguras e salubres. Isso não se trata de impor dificuldades
a quem empreende nem barreiras ao crescimento econômico, sendo certo que o trabalho beneficia
a toda a sociedade, pela sua importância ante a necessidade de satisfação do princípio da
dignidade da pessoa humana, todavia, é necessário realçar que as vantagens mais imediatas da
atividade econômica permanecem com o detentor dos meios de produção, motivo pelo qual os
riscos dessa atividade também devem ser suportados por ele e não pela sociedade.
Duguit já defendia a responsabilidade objetiva por risco dos empreendedores nos casos de
acidentes do trabalho, refletindo que as empresas adquirem um caráter social, exercendo o
empregador uma função social, motivo pelo qual a relação de trabalho possui dois elementos
sociais: o elemento capital e o elemento trabalho, sendo que, como o capital tem, pelo menos
aparentemente, todo o benefício da empresa, decidiu-se que é ele que deve suportar os riscos,
sendo, consequentemente, responsável pelos acidentes.301
Também o Estado e as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços
públicos, enquanto mantenedores de ambientes de trabalho têm o dever de mantê-los seguros e
salubres em prol do bem-estar dos trabalhadores, respondendo também objetivamente pelos
danos causados. Tal conclusão, no Brasil, parte do disposto no § 3° do art. 39 da CF/88, que
estabelece entre os direitos dos servidores ocupantes de cargo público, vários dos dispostos no
art. 7º da Carta Magna, dentre eles o do inciso XXII, ou seja, o da redução dos riscos inerentes ao
trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Por outro lado, apesar da ausência
do inciso XXVIII do art. 7°, que trata do SAT, do referido § 3° do art. 39, a responsabilidade
objetiva estatal parte do disposto no art. 37, § 6º, que estabelece que as pessoas jurídicas de
direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o
responsável nos casos de dolo ou culpa. E se a responsabilidade do Estado em razão dos danos
decorrentes dos acidentes do trabalho é objetiva, porque a do particular não seria?
Justen Filho faz uma interessante análise acerca da responsabilidade civil do Estado a
partir da concepção da objetivação do elemento subjetivo da culpa, mas não de sua ausência, a
qual é plenamente aplicável ao responsável pela manutenção do MAT em condições seguras e
salubres. O autor refere que o Estado tem alguns deveres objetivos (decorrentes da lei), que
refletem suas competências, os quais, se infringidos, podem dar oportunidade à ocorrência do
dano, justamente pela não adoção das cautelas e providências exigíveis, situação em que estarão
presentes os elementos necessários à formulação de um juízo de reprovabilidade presumido
quanto à sua conduta, independentemente de investigação quanto à existência de uma vontade
psíquica no sentido da ação ou omissão causadora do dano, pois “a omissão da conduta
necessária e adequada consiste na materialização de vontade defeituosamente desenvolvida”.
Todavia, se o Estado praticar um ato jurídico conforme o direito, de modo regular e perfeito, não
se pode admitir sua responsabilização civil em decorrência desse ato, exceto quando essa for a
opção explícita de uma lei.302
O mesmo ocorre com a responsabilidade do mantenedor do ambiente laboral. Vasto é o
campo legislativo a ser cumprido de modo que seja disponibilizado um meio seguro e salubre
para o exercício das atividades laborais e, sendo demonstrado pelo responsável pelo cumprimento
de tais normas o efetivo atendimento, não pode remanescer qualquer responsabilização civil, sob
pena de se desprezar completamente a atuação conforme o direito, igualando aquele que cumpre
a lei com aquele que simplesmente a ignora.
Mas quando a ação ou omissão imputável ao Estado, assim como ao mantenedor do
ambiente laboral, configurar infração ao dever de diligência no exercício das competências ou
deveres próprios, dando azo à produção de dano, a responsabilização civil será a consequência
natural, sendo que esse dever se aplica inclusive nas hipóteses que requerem a concretização do
princípio da precaução. Logo, estando-se diante de uma atividade laboral relativamente nova, que
não possua normas específicas no que se refere ao modo de prevenção dos riscos, especialmente
pelo desconhecimento desses riscos, deve prevalecer o dever geral de diligência e cuidado, cujo
descumprimento também dará ensejo à responsabilização objetiva.
É por conta disso que Martins defende que “não é exatamente o risco da atividade do
empregador que ensejará o pagamento da indenização por responsabilidade civil, mas a não-
observância de normas de prevenção de acidentes que o empregador não cumpriu ou seu intuito
deliberado de causar o acidente”.303
Apesar de vários dos dispositivos legais e constitucionais até aqui colacionados fazerem
referência aos conceitos de empregador e empresa como responsáveis pelo cumprimento das
normas relacionadas à saúde, higiene e segurança no trabalho, não são somente os trabalhadores
que se enquadram no conceito de empregado304 que têm o direito de exercerem suas atividades
em ambientes seguros e salubres, já que tal direito, antes de ser um direito dos trabalhadores,
particularmente dos empregados, instituído pelo art. 7° da CF/88, é um direito social, decorrente
do direito à segurança, previsto no art. 6°; um direito individual, corolário dos direitos à vida e à
segurança, estabelecidos no art. 5°; um direito difuso, garantido pelo art. 225 e, principalmente,
um direito fundamental, com base no princípio da dignidade da pessoa humana que fundamenta
nossa República, nos termos do art. 1°, inciso III, da Carta Magna.
É por isso que todos os trabalhadores, mesmo os teletrabalhadores (que não deixam de ser
empregados), as pessoas físicas travestidas de jurídicas, os terceirizados (temporários ou
cooperativados) e os empregados domésticos têm o direito de exercerem suas atividades laborais
em ambientes que lhes garantam a saúde e a integridade física. Tal conclusão também é
amparada pelo art. 14, inciso I e parágrafo único, da Lei n° 8.213/91, que considera como
empresa a firma individual ou sociedade que assume o risco de atividade econômica urbana ou
rural, com fins lucrativos ou não, bem como os órgãos e entidades da administração pública
direta, indireta ou fundacional; e equipara à empresa o contribuinte individual em relação a
segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer
natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreira estrangeiras.
No que se refere ao teletrabalho, Franco Filho explica que está entre os fenômenos
modernos das relações de trabalho, sendo previsto pela CF/88, a partir do disposto no art. 7°,
inciso XXVII, que cuida da automação. No teletrabalho, surgem as empresas virtuais, aquelas
cujas atividades podem ser realizadas a distância, nas quais existem empregados comuns, apenas
com as tarefas sendo executadas fora do ambiente regular do estabelecimento, através da
utilização dos modernos recursos da informática. Tal formato de trabalho tem a desvantagem de
afastar as pessoas, provocando o isolamento do trabalhador; de apresentar riscos à saúde, como
os problemas ergonômicos, em razão do longo tempo que o obreiro fica à frente da tela do
computador, e das doenças ocupacionais, geralmente irreversíveis, decorrentes das lesões por
esforço repetitivo; além de quebrar a privacidade do operário, face às características dos sistemas
internacionais de computação. Mas o teletrabalho também apresenta vantagens, já que evita a
poluição, os grandes engarrafamentos e as dificuldades de trânsito nas grandes cidades; reduz o
tempo perdido nesses deslocamentos, o consumo de combustíveis e os níveis de contaminação do
meio ambiente; elimina a figura do horário in itinere; também é um meio de lutar contra o
desemprego, em razão da criação de novos postos de trabalho; permite mais rapidez na circulação
de atividades e de informações empresariais; proporciona redução do desgaste físico e do estresse
do trabalhador, com condições de trabalho mais personalizadas; diminui o espaço físico ocupado
pelo empregador, face à localização do trabalhador e do equipamento fora do local da empresa; e
possibilita a ampliação dos níveis de relacionamento do trabalhador com sua família.305
O teletrabalhador, apesar de não exercer suas atividades profissionais no ambiente da
empresa, trata-se de segurado empregado, motivo pelo qual não há dúvida de que cabe ao
empregador a adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção da vida e da saúde do
trabalhador, bem como o dever de prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da
operação a executar e do produto a manipular, nos termos do art. 19, §§ 1º e 3º da Lei nº
8.213/91, caracterizando-se como acidente do trabalho o infortúnio ocorrido com esse trabalhador
no exercício do trabalho a serviço da empresa, que lhe provoque lesão corporal ou perturbação
funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade
para o trabalho, nos termos do caput do referido art. 19, bem como a doença profissional, assim
entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada
atividade e a doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de
condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, conforme
definido no art. 20 da Lei de Benefícios. Em nenhuma das acepções apresentadas, a lei define que
o acidente do trabalho somente pode ocorrer no ambiente de trabalho da empresa, motivo pelo
qual, sendo a casa do trabalhador ou a rua esse ambiente, a responsabilidade sobre eventuais
danos advindos das condições ambientais recai sobre quem tem o dever de disponibilizar e
manter um MAT seguro e salubre, seja perante o trabalhador, seja frente à Previdência Social,
por meio da ação regressiva acidentária, no caso de desembolso de prestações acidentárias.
Todavia, é preciso estar alerta, pois se a dificuldade de controle por parte do Estado das
condições do MAT já é grande quando o desenvolvimento da atividade ocorre nos espaços fabris,
muito maior será com o exercício laboral ocorrendo no domicílio do trabalhador, motivo pelo
qual, no ambiente familiar, tendem a ser descumpridas ainda mais as normas sobre medicina e
segurança dos trabalhadores, vindo a gerar agressões à sua saúde e integridade física.
Os trabalhadores individuais que prestam serviços à empresa travestidos de pessoas
jurídicas são cada vez mais comuns na atualidade, sendo um meio que as empresas encontraram
de diminuir seus custos indiretos para manter um empregado, relacionados, principalmente, com
a tributação que envolve a folha de pagamento. Assim, é significativo o número de empresas, nos
mais diferentes setores, que possuem poucos empregados nos moldes da legislação trabalhista e
muitos prestadores de serviços contratados como pessoas jurídicas, mas que são, na realidade,
pessoas físicas que atendem a todos os requisitos para se enquadrarem no conceito de empregado,
previsto no art. 3° da CLT (prestação de serviços por pessoa física com pessoalidade,
subordinação, continuidade e onerosidade), ou seja, são pessoas físicas travestidas de jurídicas.
A contratação dessas pessoas físicas que são jurídicas somente no papel também é um
meio de a empresa burlar seu dever de manter um MAT seguro e salubre. Todavia, constatada a
fraude, não há nada que justifique o afastamento da responsabilidade da empresa pelos danos
decorrentes do MAT que mantinha, seja perante o próprio trabalhador, seja perante a Previdência
Social, por meio da ARA, pois lhe cabia a adoção e uso das medidas coletivas e individuais de
proteção e segurança da saúde e vida do trabalhador (qualquer trabalhador a serviço da empresa,
independentemente da forma de vínculo com a Previdência Social ou com a própria empresa),
bem como o dever de prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar
e do produto a manipular, nos termos do art. 19, §§ 1º e 3º da Lei nº 8.213/91.
O art. 11, inciso I, alínea b, da Lei n° 8.213/91, define como segurado obrigatório da
Previdência Social, na condição de empregado, aquele que, contratado por empresa de trabalho
temporário, presta serviço para atender a necessidade transitória de substituição de pessoal
regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços de outras empresas. Os
trabalhadores temporários, normalmente chamados de terceirizados, apesar de serem
empregados, em geral, não terão garantido o seu direito de trabalharem em condições seguras e
salubres pelo empregador, mas pelo tomador dos serviços, que é o responsável pelas condições
ambientais do trabalho a ser desenvolvido, motivo pelo qual também este responderá, juntamente
com o empregador, pelos danos decorrentes dessas condições quando inadequadas.
A terceirização tem por objetivo a redução dos custos da empresa e, tendo algumas das
medidas preventivas de riscos ambientais laborais um alto custo, poderia uma grande empresa
optar por terceirizar suas atividades mais perigosas ou insalubres com o intuito de livrar-se de tais
investimentos. Nessa hipótese, ocorrendo acidente do trabalho, a grande empresa responderá
civilmente, visto que lhe cabia, no mínimo, fiscalizar a correta execução do contrato, que deve
prever a tomada de todas as medidas de SST.
Quinlan et. al., ao tratarem da regulamentação das cadeias de fornecedores, ou seja, das
múltiplas camadas verticais de relacionamentos ou de redes envolvidas no fornecimento de
produtos ou serviços, com o intuito de proteger a saúde e segurança de trabalhadores vulneráveis,
referem que as evidências disponíveis indicam que o crescimento dessas grandes cadeias,
nacionais e internacionais, pode solapar as regulamentações em SST existentes e apresentar um
profundo desafio para os regulamentadores, motivo pelo qual sugerem que a ação legislativa seja
empreendida para abordar esse desafio, tendo como alvo os tomadores de decisão nessas cadeias,
além de conterem mecanismos de rastreamento contratual e de procedimentos especiais de
fiscalização planejados para se contrapor ao ofuscamento ou à evasão de responsabilidades.306
Quando o trabalho terceirizado é exercido em ambiente de trabalho mantido pela empresa
terceirizada, as condições de trabalho não costumam ser as mais adequadas, pois, por mais que
nesse caso esteja se tratando de responsabilidade decorrente de relação empregatícia, tais
empresas normalmente são pequenas e têm baixos lucros, o que acarreta investimentos reduzidos
ou inexistentes em prol da SST, mas também justifica a responsabilização da empresa tomadora
de serviços, por culpa in contrahendo, in eligendo ou in vigilando.
Todavia, a responsabilização da tomadora dos serviços não decorre apenas das hipóteses
de culpa contratual, pois em muitos casos, senão na maioria, os trabalhadores terceirizados
prestam os serviços no ambiente de trabalho da empresa contratante, juntamente com os
empregados dessa, situação na qual, além de fiscalizar com rigor o cumprimento do contrato no
que se refere ao atendimento das normas que regem a relação empregatícia dos terceirizados com
a empresa contratada, a contratante deverá atuar para manter um ambiente laboral seguro e
salubre a todos aqueles que exercem suas atividades profissionais em prol dos seus interesses, sob
pena de ser responsabilizada objetiva e solidariamente com a empresa terceirizada em caso de
danos à saúde ou à integridade física ou psíquica suportados pelos trabalhadores terceirizados.
Para Brandão, com base nos arts. 932, III e 933, ambos do Código Civil, nos contratos de
terceirização deve prevalecer a regra da responsabilidade objetiva da empresa tomadora quanto
aos acidentes do trabalho ocorridos com os empregados da fornecedora, que nada mais é do que
preposta da empresa tomadora de serviços.307
O STJ, ao decidir o Recurso Especial nº 507521/RJ, concluiu pela possibilidade de
responsabilização de uma indústria do Rio de Janeiro em caso de contaminação por amianto que
ocasionou o desenvolvimento de doenças típicas, como a asbestose e mesotelioma maligno, um
tipo de tumor que atinge os pulmões, e a morte de um caminhoneiro autônomo que prestava
serviços para a empresa, ingressando no seu ambiente por vinte anos para realizar transporte de
cargas, além de residir nas suas proximidades. A família entrou com a ação judicial contra a
transportadora para a qual o caminhoneiro trabalhava e contra a indústria, pedindo ressarcimento
por dano moral e material, tendo sido a indústria declarada responsável pela morte do trabalhador
e condenada ao pagamento de indenização e pensão à esposa e à filha do trabalhador.308
A Lei n° 10.666/2003 especifica que os cooperativados são inscritos na Previdência
Social como segurados obrigatórios na condição de contribuintes individuais, sendo que a
cooperativa de trabalho e a pessoa jurídica são obrigadas a efetuar a inscrição no INSS dos seus
cooperados, se ainda não inscritos (art. 4°, § 2°), cabendo às cooperativas arrecadarem a
contribuição social dos seus associados e recolherem o valor arrecadado (§ 1°).
Os cooperativados são, portanto, segurados obrigatórios da Previdência Social na
qualidade de contribuintes individuais, motivo pelo qual podem vir a ser agraciados com
prestações/benefícios previdenciários nos casos de danos à saúde ou à integridade física ou
mental decorrentes do trabalho desenvolvido, normalmente, a serviço de uma empresa, onde,
assim como os trabalhadores temporários, costumam ser chamados de terceirizados. Essa
empresa, por conseguinte, tem o dever de adotar medidas preventivas que visem a proteger a
saúde e segurança do trabalhador cooperativo, pois a manutenção de um ambiente de trabalho
seguro e salubre é dever que lhe cabe, restando-lhe arcar com a responsabilidade decorrente de
eventuais danos ocasionados aos trabalhadores pelas condições inadequadas, tanto perante o
trabalhador quanto perante a Previdência Social, que nada mais é do que a sociedade.
O parágrafo único do art. 7° da CF/88 assegura à categoria dos trabalhadores domésticos
vários dos direitos garantidos aos trabalhadores urbanos e rurais, bem como a sua integração à
previdência social. Dentre tais direitos, não há referência aos previstos nos incisos XXII, XXIII e
XXVIII, ou seja, à redução dos riscos inerentes ao trabalho; ao adicional de remuneração para as
atividades penosas, insalubres ou perigosas; e ao SAT. Todavia, os direitos à segurança e à vida
com dignidade lhes garantem o exercício de suas funções em ambientes seguros e salubres, pois
só assim terão satisfeitos seu direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, essencial à
sadia qualidade de vida. Portanto, ainda que os empregados domésticos não tenham o direito à
percepção do adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas e nem
ao SAT, o direito de trabalhar em ambientes livres de riscos ou com os riscos controlados, lhes é
assegurado em razão de um dever maior de diligência e cuidado que cabe ao mantenedor do
ambiente de trabalho, nesse caso, o empregador doméstico, mesmo inexistindo finalidade
lucrativa, motivo pelo qual este responde civilmente pelos danos decorrentes das inadequadas
condições ambientais de trabalho a que tenha exposto seu empregado doméstico sem a devida
proteção, tanto frente ao trabalhador quanto perante a Previdência Social, por meio da ARA.
Garcia refere que os deveres das empresas, no que tange à segurança e medicina do
trabalho, se estendem aos empregadores por equiparação.309 Apesar de o autor não especificar
quais seriam os empregadores por equiparação, entende-se serem aqueles que mantêm em seus
quadros de colaboradores, empregados terceirizados de todas as espécies, trabalhadores pessoas
físicas contratados como jurídicas, cooperativados e temporários.
O elemento mais característico do contrato de trabalho, segundo a quase totalidade dos
doutrinadores, é a subordinação jurídica do empregado para com seu empregador. Fonseca
caracteriza a subordinação jurídica como:

tudo o que o empregador determinar ao empregado que esteja dentro dos limites da
atividade econômica da empresa, que não seja crime, não o humilhe e não o coloque em
situação de risco físico. Tudo o que não for exceção à atuação jurídica dos comandos
pode ser considerado como “subordinação jurídica”, e, portanto, atitude lícita do
empregador.310

Nas relações de trabalho atípicas (que tendem a se tornar típicas), como é o caso dos
teletrabalhadores e das diferentes formas de terceirização das atividades (pessoas físicas
contratadas como jurídicas, cooperativados e temporários), a principal característica do contrato
de trabalho costuma se fazer presente, pois o trabalhador, mesmo quando não é empregado, está
subordinado juridicamente à empresa, cumprindo tudo o que ela, através dos seus prepostos, lhe
determina e que esteja dentro dos limites da atividade econômica da empresa, sendo mais um
motivo para justificar o dever da empresa de atuar para manter um ambiente de trabalho salubre e
seguro, já que as situações de risco, nem mesmo no caso da vinculação jurídica como empregado,
não devem ser suportadas pelos trabalhadores.
A relação de emprego, espécie do gênero relação de trabalho, especialmente pelos direitos
e garantias envolvidos naquela, tende a ser substituída pelas novas formas de relações de
trabalho, nas quais, todavia, por se tratar de direito difuso, vinculado ao direito maior da
dignidade da pessoa humana, não se poderá abrir mão do desenvolvimento das atividades
laborais em condições ambientais seguras e salubres, requisito indispensável para o atendimento
ao direito de todos a uma sadia qualidade de vida em um ambiente equilibrado.
Romita reflete que “as normas sobre saúde e segurança do trabalho são promulgadas em
razão de superiores interesses sociais: sua aplicação transcende o âmbito contratual, no sentido de
ser desnecessário o suporte de um contrato de trabalho para sua incidência”.311 Esse, sem dúvida,
é o mais forte fundamento para responsabilização das empresas pelos danos decorrentes da
manutenção de más condições de trabalho diante das relações de trabalho ainda consideradas
atípicas ou até mesmo nas informais.
Robortella defende a flexibilização do direito do trabalho, definindo-a como:

o instrumento de política social caracterizado pela adaptação constante das normas


jurídicas à realidade econômica, social e institucional, mediante intensa participação dos
trabalhadores e empresários, para eficaz regulação do mercado de trabalho, tendo como
objetivos o desenvolvimento econômico e o progresso social.312

Para Franco Filho, desregulamentar significa desprover de normas heterônomas as


relações de trabalho, deixando que o mundo e o sistema econômico estabeleçam as condições de
contratação laboral; enquanto flexibilizar importa em promover alterações nas normas existentes,
reduzindo a influência do Estado, diminuindo o custo social da mão de obra, permitindo o
abrandamento de certas regras que não ofendem a dignidade do ser humano, mas preservando um
standard minimun indispensável, face à evidente distância que existe entre as partes.313
A partir da desregulamentação e da flexibilização, Robortella acredita no surgimento de
um novo compartimento do direito do trabalho, o “direito do mercado de trabalho”, com
características revolucionárias, inovadoras, superando a rígida dicotomia entre trabalho
subordinado e autônomo e desprezando a distinção entre formas típicas e atípicas de emprego,
mas mantendo a proteção do contratante mais débil, o que justifica sua extensão ao trabalho
autônomo e permite o ataque ao trabalho informal, que é um produto ilegítimo da diferença de
proteção entre trabalho subordinado e trabalho autônomo.314
Encarar a desregulamentação e a flexibilização das relações de trabalho como meio de
ampliar a proteção a todos os trabalhadores parece interessante, podendo inclusive significar uma
evolução social, desde que, de fato, se consiga estabelecer os limites dessa flexibilização ou
desregulamentação, no sentido de que seja mitigada apenas a relação de emprego, mas mantida a
vedação de negociação quanto ao dever de proteção do bem da vida dos trabalhadores, ou seja,
preservados os direitos fundamentais, em especial, o bem maior da dignidade da pessoa humana.
Ampliar os direitos dos trabalhadores em geral, incluindo os informais no mercado de
trabalho através da eliminação de algumas garantias empregatícias, mas assegurando-lhes a
possibilidade de exigirem que o exercício de suas atividades ocorra em ambientes seguros e
salubres importa em suprimir o “direito” dos contratantes de mão de obra de se verem isentos de
responsabilidade pelos danos eventualmente suportados por tais trabalhadores em razão das
condições do MAT, cuja manutenção cabe aos primeiros. Todos os direitos são relativos,
conforme já afirmava Bobbio, sendo que “não se pode instituir um direito em favor de uma
categoria de pessoas sem suprimir um direito de outras categorias de pessoas”315.
Na prática, entretanto, o que se vê, ainda é o descumprimento por parte dos mantenedores
dos ambientes de trabalho das normas que determinam a manutenção de ambientes sem riscos,
mesmo quando os trabalhadores são seus empregados, apesar de as regras quanto à
responsabilização serem mais rigorosas, sendo ainda mais grave a situação quando a relação
empregatícia não existe, especialmente pela superficialidade das normas, apesar de em nenhum
momento a garantia de um meio ambiente equilibrado, inclusive o do trabalho, ter sido
condicionada a um contrato de trabalho nos moldes da CLT.

2.4.2 Cumulação de indenizações e seguro de responsabilidade civil

Derani refere que “o homem situa-se no início e fim de toda atividade econômica”, sendo
que é sobre o bem-estar do homem como indivíduo e membro participante de uma sociedade que
se funda uma ética da atividade econômica, ou seja, é pelo respeito à dignidade humana que deve
mover-se toda a ordem econômica.316
É por isso que o simples custeio pelo empregador do SAT não o exime da
responsabilidade frente a todas as consequências oriundas do não cumprimento do seu dever de
manter um ambiente de trabalho seguro e salubre, sendo possível ao trabalhador cumular as
indenizações civil e acidentária, sem necessidade de compensação, tendo em vista possuírem
naturezas distintas, além de não importar em bis in idem, já que o pagamento do seguro pelo
empregador é para cobrir os infortúnios eventuais, imprevisíveis e não aqueles decorrentes do
não cumprimento da legislação de proteção à vida, saúde e integridade do trabalhador.
Melo admite a cumulação das indenizações, porquanto o seguro obrigatório a cargo da
Previdência Social tem natureza salarial-alimentar, enquanto a responsabilidade civil do
empregador cobre as demais reparações por danos emergentes, lucros cessantes, danos morais,
materiais, estéticos, despesas com tratamentos médicos não cobertos pelo SUS, próteses etc.,
além de complementar a reparação de natureza salarial-alimentícia.317 Martins enfatiza a natureza
distinta das verbas, tendo a ação acidentária natureza alimentar, compensatória, pois substitui o
salário que o empregado deixa de receber, enquanto a ação civil tem natureza indenizatória,
restaurando o status quo ante, o que inviabiliza a compensação das indenizações e autoriza a
cumulação.318 Rocha e Baltazar Júnior também admitem a cumulação, ressaltando a natureza
civil da indenização objeto do art. 121 da Lei n° 8.213/91319, enquanto o benefício previdenciário
recebido do INSS tem natureza previdenciária.320
Recentemente, o STJ reforçou sua posição quanto à impossibilidade de dedução do valor
percebido pelo trabalhador a título de benefício previdenciário do quantum devido por força do
ilícito civil, tendo em vista a diversidade de suas origens (uma advinda de contribuições
específicas ao INSS e outra devida pela prática de ilícito civil). Assim, a indenização de direito
comum não se confunde com aquela de caráter previdenciário, pois aquela visa, além do
ressarcimento de ordem econômica, a compensar o empregado pela lesão física causada pelo
ilícito do empregador.321
Apesar disso, há autores que são contrários à tese da cumulação das indenizações
acidentária e civil, como Dias, que entende que disso resulta que o acidentado, sujeito a um
regime de limitação de indenização, recebe mais do que a vítima de evento danoso, sujeita ao
regime do Código Civil, a quem é deferida apenas uma indenização.322 Tal entendimento,
contudo, é equivocado, já que, ainda que não sejam compensáveis as indenizações, visam à
reparação de prejuízos distintos, conforme já explanado anteriormente.
Santos refere que o cúmulo de indenizações configura um desperdício de recursos
públicos, além de contribuir para o aumento de desigualdades sociais afrontando os princípios do
bem-estar e da justiça social positivados na CF/88. Uma leitura atenta do inciso XXVIII do art. 7°
da Constituição, segundo o autor, permite concluir que é possível uma interpretação literal
alternativa ao pensamento dominante: onde se lê “seguro de acidentes do trabalho, a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado por culpa ou dolo” pode-se ler
também “seguro de acidentes do trabalho, a cargo do empregador, incluindo a indenização a que
este está obrigado por culpa ou dolo”, ao invés de, “seguro de acidentes do trabalho, a cargo do
empregador, cumulando a indenização a que este está obrigado por culpa ou dolo”. Todavia, a
nova interpretação dada por Santos, de plano traz uma exceção: apesar de estar inclusa na
cobertura do seguro social a reparação do dano causado por culpa do empregador, estando o
fundamento dessa inclusão no fato de que a culpa do empregador, assim com a do empregado, é
elemento do risco coberto pelo seguro, o dano causado por dolo ou culpa grave, nos termos da
Súmula nº 229 do STF, não estariam incluídos na reparação no seguro, visto que, neste, a
natureza aleatória do evento se substitui pela certeza do dano consequente do ato intencional.
Entretanto, no caso da exceção, os valores recebidos pelo trabalhador acidentado por meio do
regime especial de acidentes do trabalho deveriam ser compensados com os valores do dano
pessoal patrimonial obtido na condenação civil.323
O fato é que o mantenedor do ambiente do trabalho deve arcar com as consequências de
suas decisões quanto às condições do meio laboral que disponibiliza aos trabalhadores para o
exercício de suas atividades, não podendo a mera contribuição ao SAT eximi-lo de qualquer
indenização adicional, especialmente por ter restado claro que a compensação obtida pelo
trabalhador em razão do seguro é apenas de natureza salarial, muitas vezes nem a cobrindo
integralmente. Além disso, como bem destacado por Dallegrave Neto, se o simples custeio
mensal do SAT eximisse o empregador de qualquer indenização, abrir-se-ia “espaço espúrio de
fomento ao descumprimento das normas de medicina e segurança do trabalho, o que é
inadmissível, mormente num país recordista de acidente do trabalho”324.
O seguro de acidente do trabalho no Brasil, apesar da denominação, não tem natureza
jurídica nem conteúdo de seguro privado, já que só garante um benefício estrito de cunho
alimentar, não contemplando indenização alguma, nem determinando reparação dos prejuízos
sofridos. Sua natureza, portanto, é eminentemente social de marcante interesse público,
garantindo ao lesado apenas um mínimo para subsistência, concedendo prestações periódicas,
mas que nem de longe tem o propósito de assegurar a reparação dos danos sofridos.325
Isso, todavia, não justifica uma possível mercantilização do SAT, decorrente da previsão
do art. 201, § 10 da CF/88, pois se recairia, segundo Brandão, num problema similar ao que
ocorre com os planos de saúde, já que o interesse das companhias seguradoras tenderia a
despertar apenas nas áreas de menor incidência de risco, tornando o seguro excessivamente
oneroso nos setores em que é maior, inviabilizando a garantia de ressarcimento.326
Assim, cabendo ao mantenedor do ambiente do trabalho, em geral, a empresa, mas nem
sempre o empregador, a reparação integral dos danos causados pelo descumprimento das normas
de proteção da vida, saúde e integridade física e psíquica dos trabalhadores, além do custeio do
seguro oficial, importa-lhe pensar na contratação de um seguro privado de responsabilidade civil
para suportar tais reparações, de natureza civil, que podem alcançar quantias consideráveis, tanto
frente ao trabalhador, como frente à sociedade, que buscará a indenização dos benefícios pagos
pela Previdência Social em razão dos infortúnios causados pela negligência dos mantenedores do
ambiente laboral por meio do ajuizamento das ações regressivas acidentárias.
Melo apóia a solução do seguro privado, entretanto, destaca não desconhecer a existência
de posições contrárias, com base no enfraquecimento da função de prevenção dos danos, que
tende a desaparecer quando o cenário está protegido pelo seguro, pois o segurado preocupa-se
apenas com a obrigação contratual de pagar os prêmios contratados. Porém, para se evitar a falta
de interesse na prevenção das circunstâncias danosas, sugere que se crie um sistema de tarifação
do prêmio que leve em conta, a partir do primeiro ano de vigência do contrato, uma redução
gradativa do custo, proporcional a não utilização do seguro.327 Esse “bônus” sugerido por Melo é
comum nos seguros de veículos, além de estar inserido na nova sistemática do SAT, desde a
implantação do FAP.
O seguro de responsabilidade civil é subespécie do seguro de danos, em que o segurador
garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro, nos termos do art. 787
do Código Civil, sendo o beneficiário o próprio segurado. O dano causado no patrimônio do
terceiro afeta diretamente o do segurado, que, na hipótese da não existência de seguro, terá de
pagar uma soma com base em ato ilícito perpetrado por ele ou seus dependentes ou prepostos. É
por isso que o segurado não contrata o seguro em benefício da vítima, mas sim em benefício
próprio, para não desfalcar o seu patrimônio com as consequências civis dos seus atos.328
Martins especifica que os elementos essenciais do contrato de seguro são o risco, o
prêmio e a indenização, sendo que o risco “pode ser definido como a probabilidade de perda ou
como qualquer resultado diferente do esperado, pois o núcleo central será sempre a incerteza”.
Dentre as condições mínimas que devem ser observadas para se avaliar se determinado risco é
passível de constituir objeto de contrato de seguro, há o fato de que o risco deve ser futuro e
incerto, ou seja, o risco deve estar caracterizado por relativa incerteza, uma vez que o
conhecimento exato da ocorrência do mesmo faria desaparecer a álea, fator base do contrato,
podendo a incerteza verificar-se tanto na consideração de sua ocorrência, quanto na data da
mesma. O risco também deve ser fortuito, ou seja, independente da vontade das partes
contratantes; possível; deve produzir uma necessidade econômica que possa ser satisfeita com a
indenização e deve ser lícito, isto é, não pode estar associado a atos ilícitos do segurado, até
porque isso acarretaria a nulidade do contrato. No entanto, a característica da licitude encontra
exceção quando se trata de seguro de responsabilidade civil, pois nesse acham-se cobertos atos
oriundos de imperícia, imprudência ou negligência do agente, em razão do princípio norteador
orientar-se no sentido da proteção à vítima.329
De todo modo, as apólices desse seguro costumam excluir da cobertura os danos
intencionalmente causados a terceiro, tendo em vista o contrato de seguro embasar-se,
justamente, na imprevisibilidade do resultado. O art. 762 do Código Civil refere que será nulo o
contrato para garantia de risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de
representante de um ou de outro. Logo, os atos culposos das pessoas físicas e os riscos das
atividades das pessoas jurídicas podem ser segurados por esse tipo de seguro.
Além disso, segundo Dias, está pacificamente reconhecido que pode ser sempre objeto de
seguro a responsabilidade por fato alheio, ainda que este provenha de dolo da pessoa por quem
responda o segurado.330 Assim, não podendo a pessoa jurídica agir com dolo, mas qualquer um
de seus prepostos sim, é importante que a empresa assegure a cobertura dos danos eventualmente
advindos desses atos.
Todavia, o art. 765 do Código Civil dispõe que o segurado e o segurador são obrigados a
guardar na conclusão e na execução do contrato, a mais estrita boa-fé e veracidade, tanto a
respeito do objeto como das circunstâncias e declarações a ele concernentes. Diante disso, é
discutível se o seguro de responsabilidade civil pode ser contratado para cobrir riscos inerentes ao
trabalho que poderiam ter sido eliminados ou reduzidos ao máximo ou riscos adquiridos pela
forma como a atividade é desenvolvida, pois o responsável pelo controle dos riscos estaria
contratando o seguro para cobrir sua omissão quanto ao cumprimento das normas legais, fato que
poderia vir a caracterizar uma violação da cláusula geral da boa-fé e fraude ao contrato de seguro.
A cláusula geral da boa-fé no contrato de seguro, ou melhor, a sua violação, também
justifica a ação regressiva acidentária ajuizada pelo segurador social (que pode vir a ter sua
condenação coberta por eventual seguro de responsabilidade civil contratado pelo mantenedor do
ambiente laboral), mesmo contra o empregador que paga o SAT, pois este, diferentemente de um
seguro comum de responsabilidade civil, não é custeado em benefício próprio, mas das vítimas
dos acidentes do trabalho; além de visar a cobertura apenas dos infortúnios decorrentes de riscos
inerentes ao trabalho que não podem ser eliminados ou reduzidos ao máximo apesar do
cumprimento de todas as normas legais quanto à salubridade e segurança do ambiente de trabalho
e do dever geral de segurança.
Suficientemente esclarecida a questão da responsabilidade civil decorrente do dever de
manutenção de um ambiente de trabalho equilibrado, partir-se-á para o próximo capítulo, onde os
fundamentos jurídicos e a aplicabilidade da ação regressiva acidentária serão debatidos.
3 FUNDAMENTOS JURÍDICOS E APLICABILIDADE DA AÇÃO REGRESSIVA
ACIDENTÁRIA

3.1 FUNDAMENTOS E CONSTITUCIONALIDADE DA AÇÃO REGRESSIVA


ACIDENTÁRIA

A qualidade do MAT, obtida através do adequado tratamento dos riscos, e a consequente


preservação da saúde do trabalhador dependem do atendimento, pelos responsáveis, dos
mandamentos constitucionais, da legislação esparsa e das normas regulamentadoras do MTE. O
cumprimento dessas normas de segurança, saúde e higiene no trabalho é condição sine qua non
para a instalação de qualquer empreendimento331, não podendo o poder econômico e a busca do
pleno emprego serem argumentos suficientes para afastá-las332, visto que os princípios e regras
constitucionais precisam ser harmonizados mas, quando conflitantes, deve prevalecer o princípio-
base da dignidade da pessoa humana, que não pode se concretizar quando desrespeitados os
preceitos que visam à eliminação ou redução dos riscos no MAT, em atenção à integridade e
saúde física e mental dos trabalhadores.
Assim, a ocorrência de infortúnios laborais decorrentes dos riscos inerentes ao trabalho
que podem ser amenizados pelo atual estado da técnica ou dos riscos adquiridos pela forma como
exercido o trabalho permite presumir que não houve o cumprimento do dever de redução máxima
ou de eliminação de tais riscos, ou seja, o descumprimento das normas de SST, e enseja a
responsabilização civil objetiva do incumbido pelo controle dos riscos no ambiente laboral,
independentemente da indenização tarifada paga pelo seguro social ao acidentado na forma de
benefício ou serviço. Contudo, não é somente diante do trabalhador que sofreu o dano decorrente
do risco injustamente suportado que o responsável pela manutenção de um MAT seguro e salubre
responde, pois também o segurador social (ou, o que é o mesmo, a sociedade) é prejudicado
nessas situações, já que terá que indenizar o acidentado ou seus dependentes com o pagamento de
um benefício mensal e/ou a prestação de um serviço, que não seria devido se o mantenedor do
ambiente laboral tivesse agido com a cautela exigida para o desenvolvimento da atividade.
Nesses casos, a Previdência Social deve valer-se da ação regressiva acidentária (ARA),
instrumento jurídico criado pelo art. 120 da Lei n° 8.213/91, com teor de política pública em
matéria de tutela do MAT, bem como com o intuito de proteger os cofres públicos. Assim refere
o dispositivo: “nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do
trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação
regressiva contra os responsáveis”.
É fácil perceber que o ajuizamento da ARA não se trata de mera faculdade do segurador
social, mas de obrigação legal, um verdadeiro poder-dever. A utilização do verbo “proporá”
sinaliza a imposição do legislador, que não abriu margem para discricionariedade do
administrador público no que se refere à propositura da ação, com o intuito de preservar os
recursos públicos, mas também de concretizar políticas públicas de prevenção de infortúnios.
Para Pulino, o INSS, enquanto órgão público, tem o dever de fazer algo no interesse de
outrem, de agir sempre em prol da coletividade que representa, formada pelo conjunto de todas as
empresas contribuintes e de todos os trabalhadores beneficiários do seguro acidentário, de modo
que lhe é imposto buscar o ressarcimento dos prejuízos causados pela empresa negligente como
maneira de bem cumprir a finalidade de administração do seguro público.333
Apesar disso, a constitucionalidade da ARA ainda é matéria controvertida entre os
doutrinadores. Sanchez qualifica-a como de discutível constitucionalidade, pois o Estado
brasileiro, pela sua faceta previdenciária, ao adotar a teoria do risco social, estaria impedido de
exercer contra os participantes o direito de regresso pelo dispêndio de pagamento com benefícios
ou serviços decorrentes dos acidentes do trabalho, pois é o administrador e sujeito ativo das
contribuições elencadas no Plano de Custeio, sendo que, uma vez calculada atuarialmente a
alíquota de contribuição social específica para o custeio dos benefícios acidentários, seria indene
de dúvidas que as reservas para adimplemento das prestações foram apuradas levando-se em
conta o fato de que existirão acidentes e suportá-los é consequência natural do risco da sua
atividade como administrador do seguro.334
Cairo Júnior, todavia, não vislumbra a teoria do risco social como sinônimo de
impossibilidade de exercício do direito de regresso, destacando que a responsabilidade civil
objetiva, no que se refere aos acidentes do trabalho, é explicada por várias teorias, dentre elas a
do risco social, pela qual “a sociedade, representada pelo Estado, deve assumir a responsabilidade
pelos danos causados pelos acidentes do trabalho, resguardado o direito de regresso contra o
culpado direto que não adotou as medidas preventivas necessárias”.335
Assim, pela teoria do risco social, a sociedade assume o dever de atender as necessidades
sociais decorrentes dos riscos escolhidos, dentre os quais se encontram os acidentes do trabalho,
sendo que o fato de os empregadores contribuírem para o custeio da cobertura desse risco não os
torna imunes ao dever de arcar com as consequências de suas ações ou omissões no que se refere
ao dever de manter ambientes de trabalho seguros e salubres.
Dal Col considera a ação regressiva acidentária “uma aberração jurídica sem precedentes,
que desvirtua a idéia e o propósito do sistema de seguridade social erigido sob a égide da teoria
do risco social”, sendo que sua manutenção no ordenamento converte a contribuição
previdenciária em verdadeiro imposto, já que o empregador é compelido a custear o sistema de
indenização acidentária, mas não pode beneficiar-se dele, exceto quando não tenha qualquer
resquício de culpa para a eclosão do acidente.336
Ocorre que a contribuição previdenciária, mesmo a título de SAT, é, de fato, um tributo,
conforme nos ensina Martins, ao explicar que a natureza da contribuição para o financiamento
das prestações de acidentes do trabalho é de tributo, na modalidade de contribuição social,
enquadrada no art. 149 da CF/88, quando faz referência ao § 6° do art. 195 da mesma norma.337
Dentre os princípios que regem a seguridade social, o da solidariedade é um dos mais
importantes, por denotar que o financiamento do sistema é solidário, sendo que a contribuição de
um serve para ajudar a todos. A obrigatoriedade de o trabalhador aposentado que permanece na
ativa contribuir sobre sua remuneração (art. 195, II, da CF/88) decorre desse princípio, cuja
preservação no sistema da seguridade social em tempos de globalização não é muito fácil, pois,
como assevera Santos, “a globalização mata a noção de solidariedade, devolve o homem à
condição primitiva do cada um por si e, como se voltássemos a ser animais da selva, reduz as
noções de moralidade pública e particular a um quase nada” 338.
A previdência social, apesar de regida pelos mesmos princípios da seguridade social,
possui aspectos que a diferenciam dos demais ramos (saúde e assistência social), entre os quais se
destaca o caráter contributivo, ou seja, a restrição da participação àqueles que contribuem. Como
sistema contributivo que é, a previdência social brasileira possui tributos específicos para custeá-
la, sendo que alguns desses não podem ser utilizados para outros fins, por expressa vedação
constitucional, como é o caso das contribuições dos trabalhadores e dos empregadores sobre a
folha de salários (art. 167, XI, da CF/88). Isso, todavia, não anula o princípio da solidariedade,
pois o caráter contributivo é caracterizado por ser de repartição, ou seja, aquele que contribui não
o faz apenas para si (até porque, em razão da diversidade das fontes de financiamento, algumas
vezes, o contribuinte nem é segurado), mas em prol de todos os beneficiários do sistema.
A teoria do risco social, portanto, não exime o responsável pelo descumprimento das
normas de SST de repor aos cofres públicos os dispêndios decorrentes de sua omissão, como os
gerados pela concessão de benefícios e serviços acidentários pela Previdência Social,
independentemente de haver contribuído para o SAT ou do montante total que sua contribuição
atingiu, pois não será especificamente a contribuição do empregador do acidentado que cobrirá a
prestação a ser paga, que, reitere-se, independe do cumprimento de carência, até porque, se assim
fosse, em alguns casos, jamais seria possível aposentar o segurado por invalidez ou garantir uma
pensão por morte. O pagamento das prestações acidentárias é garantido pela Previdência Social,
por se tratar de risco social, não importando no que se refere à relação do INSS com o segurado,
por exemplo, que o empregador esteja em débito com as contribuições do SAT, ou que tenha
recolhido pela alíquota incorreta ou mesmo que tenha recolhido apenas por um mês sobre a folha
de pagamento do trabalhador acidentado que permanecerá, eventualmente, o resto de sua vida
dependendo do seguro social.
O STJ, ao manifestar-se sobre o cabimento da ARA, referiu que o fato de a
responsabilidade da Previdência por acidente de trabalho ser objetiva significa apenas que
independe de prova da culpa do empregador a obtenção da indenização por parte do trabalhador
acidentado, contudo não significa que a Previdência esteja impedida de reaver as despesas
suportadas quando se provar culpa do empregador pelo acidente, já que no risco que deve ser
repartido entre a sociedade, no caso de acidente de trabalho, não se inclui o ato contrário às
normas praticado por terceiro, empregador, ou não. Ademais, a responsabilidade objetiva da
Previdência Social, sem possibilidade de intentar ação regressiva contra os responsáveis pelo
acidente em caso de dolo ou culpa, inevitavelmente levaria o empregador a negligenciar quanto
às normas de SST, mesmo porque a efetivação de tais normas traz custos para a empresa.339
A teoria do risco social que vigora no Direito Previdenciário brasileiro reporta-se,
portanto, à relação que envolve o segurador social e o segurado, que é o trabalhador e não o
empregador (ainda que esse recolha as contribuições do SAT), não se estendendo ao responsável
pelo custeio, tendo em vista esse custeio não ser específico, direto, mas inserido em um sistema
de seguro social.
Logo, não pode haver dúvida acerca da constitucionalidade do instituto da ARA, pois se
algo tivesse que ser qualificado como inconstitucional, seria a possibilidade de o mero pagamento
do SAT eximir o empregador de qualquer responsabilidade residual, até mesmo em caso de
majoração da alíquota em razão do FAP340, inclusive por dolo ou culpa, pois isso sim, a nosso
juízo, atacaria o princípio maior da dignidade da pessoa humana.
Nesse sentido, Oliveira destaca que o seguro social não exime o empregador do dever de
diligência, de garantir o direito ao ambiente de trabalho saudável e à redução dos riscos inerentes
ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, sendo que, nessa hipótese, a
causa do acidente, geralmente, não decorre do trabalho, mas do descumprimento dos deveres
legais atribuídos ao empregador.341 Para Pulino, “o seguro acidentário, público e obrigatório, não
pode servir de alvará para que empresas negligentes com a saúde e a própria vida do trabalhador
fiquem acobertadas de sua irresponsabilidade, sob pena de constituir-se verdadeiro e perigoso
estímulo a esta prática socialmente indesejável”.342
A ARA, além de recuperar para os cofres da Previdência os valores despendidos em razão
da negligência da empresa, visa a fazê-la atentar que o pagamento do SAT não a autoriza a
descuidar da proteção do MAT que mantém para os seus trabalhadores, cuja obrigação lhe é
imposta, independentemente do custeio do referido seguro, pelo dispositivo constitucional que
garante aos trabalhadores a redução dos riscos inerentes ao trabalho. Assim, o direito de regresso
serve para estimular o cumprimento das normas protetivas da saúde e da integridade física e
mental dos trabalhadores nos ambientes laborais, apesar de não se justificar apenas por isso.
Sanchez critica esse quadro, porque o empregador estaria sendo punido em três
oportunidades: ao suportar o ônus do SAT; ao ser multado pela Delegacia Regional do Trabalho
por descumprimento da NR e ao ser obrigado a indenizar o órgão securitário em eventual ação de
regresso.343 Em outras palavras, quer o autor dizer que a efetivação do direito de regresso da
Previdência Social importaria em bis in idem, tendo em vista as demais obrigações legais
suportadas pelas empresas, como é o caso do custeio do SAT, das multas aplicáveis pelo
descumprimento das normas, além das indenizações devidas aos trabalhadores.
Ocorre que, se a empresa decide descumprir as normas relativas ao dever de redução ou
eliminação dos riscos do trabalho deve assumir todos os ônus decorrentes desse ato, tendo em
vista estarem previstos na legislação, o que permite que tenha prévio conhecimento a respeito e
possa tomar a decisão levando todos os fatores em consideração, optando pela que lhe pareça
mais favorável. Assim, se a empresa entende como mais favorável descumprir as normas
relacionadas à SST, ou seja, não ter que investir de imediato em equipamentos de segurança e
serviços de saúde, não será por falta de noção das consequências que essa decisão poderá
acarretar, pelas quais deverá, portanto, se responsabilizar. O peso do fardo não pode ser
considerado pesado demais na hora de carregá-lo quando o risco de suportá-lo foi assumido,
apesar do conhecimento antecipado acerca da carga que representaria.
A sociedade deseja empresas responsáveis e conscientes de sua responsabilidade legal de
preservar o MAT e assim manter a saúde dos trabalhadores, não podendo, diante dessa
perspectiva, o seguro acidentário, público e obrigatório, servir de autorização para as empresas
deixaram de cumprir com esse dever.
Para Melo, a questão das ações regressivas ainda é nova, porque somente nos últimos
anos o INSS começou a ajuizá-las. Todavia, a jurisprudência vem sinalizando favoravelmente ao
pleito diante da grande quantidade de acidentes laborais que vitimam os trabalhadores e oneram
os cofres públicos com despesas que poderiam ser evitadas caso houvesse maior preocupação
com a segurança dos trabalhadores por parte de todas as empresas e tomadores de serviços.344
Ademais, como bem referido por Silva Neto:

Sendo a dignidade da pessoa humana o valor fonte de todos os outros valores


constitucionalmente postos, deve ser utilizada como balizamento para eventual
declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato do Poder Público, ou mesmo para
conformar o comportamento de quem quer que esteja, no caso concreto, ofendendo o
Princípio Fundamental em questão.345

A previsão da ARA vem ao encontro do previsto na Súmula n° 188 do STF, desde 1963,
ou seja, que “o segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente
pagou, até o limite previsto no contrato de seguro.” Além disso, a pretensão também encontra
respaldo no Código Civil de 2002, que no art. 934 estabelece que aquele que ressarcir o dano
causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou. Por fim, é de se
registrar o disposto no art. 768 do diploma civil, aplicável por analogia, no sentido de perder o
segurado o direito à garantia se agravar intencionalmente o risco objeto do contrato, já que o
contratante de mão de obra que não reduz ao máximo e/ou não elimina os riscos passíveis de tal
providência, já que tem o dever constitucional de fazê-lo, está agravando intencionalmente o
risco, ainda que não seja o segurado da relação, mas apenas o responsável pelo custeio do seguro.
Santos até admite o direito de regresso do INSS, mas somente quando o dano é causado
dolosamente pelo empregador, pois esse não se enquadra em nenhuma das categorias de risco,
havendo violação do princípio da boa-fé. Para o autor, a cobertura do dano sofrido pelo
trabalhador, na hipótese de dolo do empregador, foge à lógica do seguro, sendo que a
subrrogação do INSS no benefício pago ao trabalhador é uma fórmula que permite corrigir essa
distorção, preservando-se o equilíbrio econômico-atuarial do SAT. Por outro lado, Santos refere
que a formação das alíquotas do SAT deve levar em consideração também os acidentes causados
por culpa do empregador, por estar inserido entre os componentes do risco, sob pena de violar o
art. 7°, XXVIII, da CF/88, já que, no entendimento do autor, já referido no Capítulo 2, a
cobertura do SAT inclui os danos causados por culpa ou dolo do empregador. Diante disso, o
exercício da ação regressiva tendo como pressuposto a mera culpa do empregador configuraria
enriquecimento sem causa do INSS, o que infringe o direito constitucional à liberdade de
iniciativa econômica, além de desmoralizar e desvirtuar a instituição do seguro social.346
Tal argumento, contudo, falha quando se está diante de riscos adquiridos pelo trabalho em
razão da forma como a atividade econômica é exercida, bem como dos riscos inerentes não
reduzidos, apesar da existência dos meios para tal, visto que, nesses casos, os riscos existentes no
ambiente de trabalho não podem ser considerados pelo INSS nos cálculos econômico-atuariais,
tendo em vista a legislação prever o dever do seu afastamento e/ou tratamento, sendo que, se
fossem considerados, prejudicariam àqueles que cumprem rigorosamente as normas padrão de
segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, pela imposição de
um custo infundado. Além disso, especificamente no que se refere aos riscos criados, justamente
pelo fato de não serem inerentes ao trabalho, mas adquiridos pelo modo de produção escolhido
pelo empreendedor, não oferecem um padrão, motivo pelo qual também não existe uma
sistemática segura para sua consideração nos cálculos econômico-atuariais.
O seguro social, portanto, cobre os riscos inerentes ao trabalho que não conseguem ser
eliminados ou reduzidos para padrões toleráveis, mas desde que comprovada a atuação no que se
refere ao controle desses riscos e o cumprimento diligente das normas de SST; são os riscos que a
sociedade deve suportar para contar com serviços, muitas vezes essenciais, mas extremamente
perigosos para quem precisa trabalhar neles. É o que Melo chama de riscos normais da atividade,
em confronto com os riscos anormais, que seriam aqueles decorrentes da falta de cuidados
normais da empresa com as condições de segurança no ambiente de trabalho, quando
demonstrada negligência quanto às mesmas.347 Já Maciel classifica os riscos suportados pelo
seguro social de ordinários da atividade econômica, os quais se opõem aos riscos extraordinários,
materializados por meio do descumprimento e/ou da ausência de fiscalização das normas de
saúde e segurança do trabalho.348
Pela análise das disposições constitucionais e pela evidência de que o contrato de
emprego não é um ajuste cujo objeto seja a garantia de integridade física do obreiro, mas sim a
prestação do serviço em troca da paga ao final do mês, Sanchez conclui que a responsabilização
do empregador somente seria possível quando decorrer de dolo ou culpa grave.349
Ocorre que, não obstante a inexistência de vínculo direto com os tradicionais direitos
trabalhistas de natureza legal ou contratual, como é o caso do salário, por exemplo, um dos
principais deveres do empregador, sempre presente no contrato de trabalho, é a preservação da
dignidade da pessoa humana do empregado, bem como de seus direitos da personalidade e seus
direitos fundamentais, pois tal decorre do dever jurídico de que a ninguém se deve lesar,
verdadeiro princípio que fundamenta todo o sistema jurídico.350
Ainda argumentando contra a legalidade do direito de regresso, Sanchez compara os
benefícios decorrentes de acidente do trabalho e a aposentadoria especial, sendo que inexistiria
previsão de ação de regresso do INSS contra o empregador diante da concessão dessa.351
Entretanto, quando há o pagamento da contribuição adicional referente ao custeio da
aposentadoria especial352, já existe a certeza acerca do evento futuro, qual seja, a concessão dessa
espécie de benefício, enquanto que o pagamento do SAT serve para cobrir eventos futuros
incertos, isto é, aqueles que não puderam ser evitados apesar de todos os esforços para redução
ou eliminação dos riscos inerentes ou adquiridos pela forma como exercido o trabalho.
A CF/88 garante, como direito do trabalhador, a redução dos riscos inerentes ao trabalho
(e a não criação de riscos ou a eliminação dos riscos eventualmente criados, como já se teve a
oportunidade de concluir), havendo uma gama imensa de normas a ser cumprida pelo mantenedor
do ambiente de trabalho para garantir esse direito. O SAT trata-se de uma contribuição paga pelo
empregador com o intuito de garantir o pagamento de benefício previdenciário àquele trabalhador
eventualmente lesado pelo exercício do trabalho, mesmo tendo sido tomadas todas as precauções
legais. O seguro, seja privado ou social, serve para cobrir evento futuro e incerto, ou seja, aquele
que não se sabe se irá acontecer, mas que se se concretizar, terá cobertura, o que não seria o caso
diante da hipótese de o empregador descumprir as normas de SST, já que o evento infortunístico
tende a ocorrer com muito maior probabilidade, apesar de não se saber quando. Assim, o cálculo
atuarial que serve de base para a contribuição do SAT, considera que todas as empresas
cumpram, no mínimo, as normas padrão em matéria de SST, sendo que a utilização do fundo
apenas será necessária para aqueles casos em que, mesmo com o cumprimento de todas as regras,
ocorra um infortúnio.
A jurisprudência dos tribunais brasileiros trilha o caminho da constitucionalidade da
ARA. O TRF4 manifestou-se pela constitucionalidade do art. 120 da Lei nº 8.213/91, tendo em
vista a EC nº 41/2003 ter acrescentado o § 10 ao art. 201 da CF/88, dispondo que a cobertura do
risco de acidente do trabalho será atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência
social e pelo setor privado. Ademais, a constitucionalidade do direito de regresso restou
reconhecida por esse Tribunal, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade na Apelação
Cível nº 1998.04.01.023654-8, decidindo a Corte Especial pela inexistência de incompatibilidade
entre os arts. 120 da Lei nº 8.213/91 e 7º, XXVIII, da CF/88, por tratarem de prestações de
natureza diversa e a título próprio353. O TRF1 também rejeitou a preliminar de
inconstitucionalidade do art. 120 da Lei nº 8.213/1991, visto que referida norma é compatível
com os princípios fundamentais que norteiam a CF/88, não servindo para suscitar eventual
inconstitucionalidade argumentos genéricos que não demonstram, de fato, a existência da alegada
incompatibilidade entre o dispositivo legal e o texto da Lei Maior354. A constitucionalidade do
dispositivo que instituiu a ARA foi reafirmada pelo TRF1 em outra decisão, na qual constou que
a Constituição prevê, de fato, no art. 7º, XXVIII, o SAT, a cargo do empregador, sem excluir
indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa, sendo que a ação
regressiva com objetivo de ressarcimento à entidade securitária pelo que houver desembolsado
em razão de acidente do trabalho ocorrido por culpa do empregador não está aí prevista, mas não
há impedimento a que tal ressarcimento seja instituído por lei, dentro do chamado "espaço de
conformação" que se reserva à legislação ordinária355.
A impossibilidade de exclusão da responsabilidade das empresas pelo fato de elas
custearam o SAT também é posição assumida pela jurisprudência: o TRF1 foi categórico ao
afirmar que a contribuição para o financiamento de benefícios decorrentes de acidente de trabalho
possui natureza tributária, não se tratando de seguro privado e não afastando a responsabilidade
da empresa pela adoção das medidas individuais e coletivas de prevenção de acidentes356. O
TRF4 referiu que o fato de as empresas contribuírem para o custeio do regime geral de
previdência social, mediante o recolhimento de tributos e contribuições sociais, dentre essas,
aquela destinada ao SAT, não é motivo para a exclusão da responsabilidade nos casos de acidente
de trabalho decorrentes de culpa sua, por inobservância das normas de segurança e higiene do
trabalho357, já que é dever da empresa minimizar os riscos inerentes à atividade laboral,
especialmente os relacionados a eventos previsíveis358.
Apesar de algumas posições dissonantes na doutrina, o entendimento pela
constitucionalidade da ARA tem prevalecido, especialmente porque os argumentos contrários são
frágeis, vinculadas basicamente ao interesse econômico. Todavia, a defesa do direito de regresso
da Previdência Social não importa em lhe conferir status de ação primeira e única no combate às
condições inadequadas e inseguras de trabalho. Não obstante as responsabilidades do mantenedor
do MAT e do Estado, no que se refere ao cumprimento das normas, serem distintas e
independentes, ou seja, o fato de este não cumprir com seu papel de fiscal do cumprimento das
normas não impede o ajuizamento da ARA contra aquele no caso de descumprimento das
mesmas normas; a utilização do direito de regresso deve ser conjugada com uma fiscalização
eficiente e pró-ativa por parte do Estado das normas que regem o controle dos riscos ambientais
do trabalho, a ser obtida com a superação da crise fiscal359, inclusive com a ampliação do seu
alcance aos trabalhadores informais.
A tutela do ambiente do trabalho é um tema complexo, motivo pelo qual a atuação nessa
área requer a materialização do princípio hologramático, explicado por Morin como aquele em
que não só a parte está no todo, mas também o todo está na parte, o que difere da alternativa do
reducionismo, que quer compreender o todo partindo somente das qualidades das partes ou do
holismo, que não é menos simplificador e negligencia as partes para compreender o todo.360
A propositura das ações de regresso pela Previdência Social deve ser uma ação dentro de
uma política maior, de atuação conjunta em prol do ambiente laboral e do bem-estar dos
trabalhadores, tanto entre os entes públicos como entre a esfera pública e a privada. A tradicional
fragmentação das atuações públicas precisa ser superada, iniciando-se uma nova etapa de
conjugação de esforços envolvendo as três áreas da seguridade social (saúde, previdência e
assistência), além das áreas responsáveis pelo trabalho e emprego, pelo meio ambiente e pela
administração da justiça, entre outras, em todos os níveis da federação. Essa atuação pública
conjunta será produtiva e influenciará a iniciativa privada a cumprir o seu papel, já que o Estado
também estará cumprindo o seu, seja fiscalizando o cumprimento das normas, seja cumprindo-as
quando for o seu destinatário.
Não sendo o ajuizamento das ações de regresso um mero direito do segurador público,
mas um dever imposto pelo legislador, não pode haver renúncia à sua utilização nas hipóteses
legais. Diante disso, o próximo passo será o de esmiuçar, mesmo que sem esgotar, os casos de
negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a
proteção individual e coletiva que ensejam a propositura da referida ação.

3.2 HIPÓTESES DE CABIMENTO DA AÇÃO REGRESSIVA ACIDENTÁRIA

O dispositivo que instituiu a ARA faz expressa referência ao termo negligência, fato que
permitiria concluir pela necessária comprovação da culpa do responsável pelo controle dos riscos
para que fosse possível a sua condenação em uma ação desse tipo. Todavia, apesar de se tratar de
disposição prevista em lei especial, a imprescindibilidade da comprovação da omissão culposa
restou superada pelo novo entendimento acerca da responsabilidade civil trazido a lume pelo
Código Civil de 2002, que determina a aplicação da responsabilidade objetiva quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem.
Além disso, a responsabilidade nesses casos, normalmente, recai sobre uma empresa, que,
enquanto pessoa jurídica, não pode ter aferida eventual culpa, restando-lhe a imputação objetiva
decorrente da mera negligência no tratamento dos riscos, no sentido de não ter feito o que lhe
cabia fazer, diante do atual estado da técnica, independentemente dos motivos que geraram o
descumprimento das normas361. Diante disso, o entendimento exarado no Capítulo 2 no tocante à
responsabilidade civil do responsável pela manutenção da segurança e da salubridade do
ambiente de trabalho perante o acidentado também é aplicável quando o assunto é a ARA, com a
devida ressalva quanto à possibilidade de mitigação da responsabilidade objetiva, em razão da
admissibilidade de sua exclusão quando devidamente comprovado pela empresa que
implementou todos os meios técnicos e científicos disponíveis para o tratamento dos riscos.
Assim, apesar de se tratar de responsabilidade objetiva decorrente do risco que envolve a
atividade normalmente desenvolvida, a responsabilização é mitigada porque admite ser afastada
nas hipóteses de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, força maior ou de infortúnio ocorrido
com trabalhador de atividade de risco em situação apenas equiparada a acidente do trabalho, nos
termos da lei, mas ocorrido fora do ambiente laboral e sem qualquer relação com o trabalho,
tendo em vista o pagamento do SAT pelos empregadores para cobrir, justamente, esses eventos
inevitáveis, decorrentes dos riscos que não puderam ser controlados com o uso das ferramentas
disponíveis no momento do infortúnio ou de fatos alheios aos riscos inerentes à atividade
normalmente desenvolvida. Contudo, em tais hipóteses, o ônus da prova é invertido.
A imputação objetiva da responsabilidade civil, todavia, não poderia acarretar a
diminuição do interesse das empresas em reduzir os riscos inerentes ao trabalho ou eliminar os
riscos adquiridos pelo modo como desenvolvida a atividade? É evidente que não, justamente pela
possibilidade de afastamento do dever de ressarcir nos casos em que comprovado que foram
tomadas todas as precauções cabíveis e possíveis pelo responsável pela manutenção da segurança
e da salubridade do ambiente de trabalho.
Entretanto, não custa reforçar que os riscos efetivamente abrangidos pelo SAT são
aqueles inerentes ao trabalho, cuja redução máxima, com o uso de toda a técnica disponível para
o seu tratamento e controle, não permite que se alcancem níveis toleráveis à saúde e integridade
física e mental do ser humano. Os riscos criados existentes nos ambientes de trabalho decorrem
do modo como a atividade profissional é exercida, cuja escolha compete ao empreendedor,
portanto, levam à presunção da negligência e à responsabilização objetiva, especialmente pela
impossibilidade de se incluir nos cálculos atuariais do SAT, cujo sistema é generalista, os riscos
decorrentes de escolhas individuais.
O ajuizamento da ARA pela Previdência Social terá lugar sempre que os trabalhadores
segurados sofrerem danos que venham a gerar a concessão de benefícios ou a prestação de
serviços por parte do segurador público e que não tenham decorrido dos riscos inerentes à
atividade econômica cuja redução a níveis normais não restou atingida, apesar do uso adequado e
completo de toda a técnica disponível para o seu controle, bem como das hipóteses de exclusão
do nexo causal362; pois nesses casos, não só a Previdência Social, mas toda a sociedade está
sendo onerada pela criação e manutenção de riscos nos ambientes laborais, gerando o direito de
ser reembolsada de todos os valores despendidos com as prestações sociais pagas às vítimas dos
acidentes ou aos seus dependentes.
A culpa do responsável, caracterizável pela negligência quanto às normas padrão de
segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, exigível no art.
120 da Lei nº 8.213/91 para amparar o pedido regressivo, nada mais é do que a responsabilização
daquele que cria riscos aos direitos dos trabalhadores de exercer seu labor em ambientes seguros
e salubres ou mantém riscos inerentes à atividade normalmente desenvolvida que comprometem
tais direitos. Identificada essa culpa do mantenedor do ambiente do trabalho (omissão: não
cumprir as normas padrão para eliminar ou reduzir os riscos) ou esse risco assumido (ação: criar
ou manter os riscos da atividade) e tendo o seu ato causado dano à saúde e/ou integridade física
e/ou mental do trabalhador-segurado suficiente para permitir a concessão de benefício ou serviço
pela Previdência Social, a hipótese ideal do direito de regresso estará assentada.
Os pressupostos para o ajuizamento da ARA, portanto, são três:
a) o acidente do trabalho (típico ou equiparado) sofrido pelo trabalhador-segurado ;
364
b) o implemento de uma ou mais prestações pelo segurador público ;e
c) a negligência quanto ao cumprimento e/ou fiscalização das normas relacionadas à SST
ou a assunção de riscos controláveis ou não inerentes ao trabalho pelo responsável pelo ambiente.
A constatação do primeiro pressuposto, aparentemente, é fácil, já que deveria sempre
ocorrer pela emissão da CAT. Todavia, essa aparente simplicidade desaparece quando se sai do
campo dos acidentes típicos para ingressar no dos acidentes equiparados, especialmente os das
doenças ocupacionais, situação em que a caracterização pode se tornar mais tormentosa, pois nem
sempre o empregador emitirá a CAT, seja porque não reconhece a doença como ocupacional, seja
porque o trabalhador nem presta mais serviços para a empresa, como nos casos em que o agente
nocivo causador da doença permanece incubado durante longos anos no corpo da pessoa,
devendo o nexo técnico entre o agravo e o trabalho ser estabelecido pela perícia do INSS365.
Conforme já referido, a necessidade do cumprimento do requisito da qualidade de
segurado no momento da eclosão da doença ocupacional e da consequente incapacidade laboral é
questão que deve ser tratada com muito cuidado pela perícia do INSS, pois sendo estabelecido o
nexo técnico entre o agravo e o trabalho desenvolvido pelo trabalhador, mesmo que este não
mantenha mais tal qualidade, o benefício não poderá ser negado, sob pena de afrontar o princípio
da dignidade da pessoa humana.366 Nesses casos, todavia, a análise do terceiro pressuposto para o
ajuizamento da ARA (negligência ou assunção do risco laboral pelo responsável) deverá ser
ainda mais meticulosa, de modo a responsabilizar quem de fato deu causa ao dano quando sua
ocorrência era previsível e evitável.
Monteiro e Bertagni também entendem que não existe a perda do direito do benefício
acidentário, se perdida a condição de segurado, mesmo após o período de graça, especialmente
quando se trata de doença profissional ou do trabalho, já que essas muitas vezes eclodem quando
o trabalhador já foi demitido e depois de um período mais ou menos longo. A análise do requisito
da qualidade de segurado deve ser feita quanto ao momento em que o segurado contraiu a doença
ou se acidentou, sendo que, se nesse período mantinha a condição de segurado, trabalhando e a
empresa recolhendo a contribuição para essa finalidade, tem o obreiro o que os autores chamam,
por analogia, de “direito adquirido”.367
A doutrina classifica esse dano como pós-contratual, situação em que, inclusive, a análise
da questão prescricional sofre interferência importante, já que o termo inicial da prescrição
trabalhista, por exemplo, desloca-se daquele previsto na regra geral do art. 7°, XXIX, da CF/88
(dois anos após o desligamento) para o momento em que a ação judicial torna-se exercitável
(actio nata), qual seja, da data em que a lesão ocorrida torna-se exigível, o que, geralmente, se dá
a partir da realização do ato ilícito ou da sua ciência por parte da vítima.368 369
O pressuposto do implemento de uma ou mais prestações pelo segurador público não tem
maiores dificuldades de ser aferido, todavia, importa registrar que a concessão do benefício
decorrente de evento caracterizado como acidente do trabalho nos termos da lei deve ocorrer na
espécie acidentária, pois, apesar de o beneficiário não ser prejudicado com a concessão na
espécie previdenciária no que se refere ao valor da prestação, tal questão poderá gerar discussão
na esfera judicial, principalmente quando se tratar de agravo cujo nexo com o trabalho foi
estabelecido pela perícia do INSS (NTEP), podendo o réu da ação de regresso apegar-se a esse
detalhe para fazer sua defesa.
Cabe registrar, no entanto, que a concessão de um benefício previdenciário também
poderá atender ao pressuposto em questão. Isso porque, há casos em que as condições
inadequadas dos ambientes de trabalho, pela manutenção ou criação de riscos, podem gerar danos
a terceiros que não os trabalhadores do empreendimento, como, por exemplo, a população da
vizinhança ou outras pessoas que, eventualmente, tenham contato com os riscos. Esses terceiros,
sendo segurados da Previdência Social, podem vir a ter implementado um benefício
previdenciário, mas, sendo apurado em procedimento de instrução prévia realizado pelo órgão da
Procuradoria Federal responsável pela representação judicial e extrajudicial da Autarquia
Previdenciária que o agravo detectado decorreu da negligência do responsável quanto às normas
padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, poderá
dar causa ao ajuizamento da ARA.
Nesse sentido, inclusive, concluiu o TRF1, ao declarar que o INSS tem legitimidade ativa
ad causam para a propositura de ARA contra o empregador de motorista de caminhão negligente
que provocou grave acidente de trânsito, do qual resultaram várias vítimas fatais, a cujos parentes
a Autarquia Previdenciária passou a pagar benefícios previdenciários, os quais devem ser
ressarcidos pelo referido empregador.370
É por esse mesmo motivo que a concessão de benefícios e a prestação de serviços pela
Previdência Social aos segurados ou aos seus dependentes que não tenham direito às prestações
acidentárias, em razão do não pagamento do SAT, como é o caso dos contribuintes individuais,
que normalmente prestam serviços às empresas como pessoas físicas travestidas de jurídicas ou
como cooperativados, e dos empregados domésticos, pode dar azo ao ajuizamento da ARA,
vindo a ser responsabilizado aquele que tinha o dever de reduzir os riscos inerentes ao trabalho
exercido por essas pessoas e, principalmente, de eliminar os riscos criados pela forma que
escolheu para o exercício da atividade.
O vínculo de emprego do trabalhador, cuja saúde ou integridade tenha sido afetada, com o
responsável pelo cumprimento das normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas
para a proteção individual e coletiva, portanto, não é pressuposto para a propositura da ARA.
Tal conclusão justifica a responsabilidade solidária imposta às empresas envolvidas no
caso de trabalhadores terceirizados ou com contratos temporários, até porque, como destaca
Pamplona Filho, ao terceirizar a atividade antes destinada à tomadora, essa elegeu um
determinado sujeito - pessoa física ou jurídica - para exercer a atividade em seu lugar, mas aos
olhos da comunidade, aquela atividade-meio desempenhada, realiza-se como se feita pela
tomadora371.
Alguns tribunais já se manifestaram a respeito do tema: o TRF4 entendeu que, em razão
do art. 30 da Lei nº 8.212/91, que prevê a responsabilidade solidária entre incorporador e
construtor pela arrecadação e recolhimento das contribuições ou de outras importâncias devidas à
Seguridade Social, pode ser incluído, entre essas importâncias, o valor relativo ao ressarcimento
pelos danos sofridos pelo INSS, mesmo que a conduta negligente seja inteiramente atribuída à
construtora.372 Contudo, incabível a condenação do contratante dos serviços prestados pela
empresa responsável pelo ambiente do trabalho, quando não tem qualquer ingerência sobre o
modo como a atividade profissional é exercida, independentemente de esse contratante ser pessoa
física ou jurídica, como no caso em que restou afastada a condenação do condomínio contratante
por inocorrência de responsabilidade, já que não tinha ingerência sobre a obra.373 Em outro caso,
o TRF4 concluiu pela responsabilidade solidária em pleito regressivo por ter restado demonstrada
a responsabilidade da empresa na qual o empregado realizava suas atividades, assim como do
fabricante da máquina na qual ocorreu o acidente, uma vez que faltaram com os meios de
segurança requeridos para evitar o acidente de trabalho.374
Sobre a questão, o TRF5 referiu ser responsabilidade da empresa contratante a
fiscalização das atividades executadas em canteiro de obra de sua propriedade, motivo pelo qual
não há porque cogitar em falta de legitimidade para a causa, visto que a lide tem por objeto o
ressarcimento dos benefícios previdenciários desembolsados pelo INSS por morte de empregado
no referido canteiro. Por outro lado, no caso em exame, a empresa contratada deixou de
promover treinamento adequado para realização do serviço que estava sendo executado pelo
acidentado e que integra o rol de fatores de risco. Assim, qualquer das envolvidas poderia, por
conduta própria, ter afastado o risco do acidente, se cumpridas às obrigações que a lei lhes
atribuía, o que impunha a condenação solidária entre as empresas.375
Também há casos em que o trabalhador vítima de acidente do trabalho decorrente do não
cumprimento das normas padrão pode não ter vínculo de emprego registrado na CTPS, mas ainda
manter a qualidade de segurado ou estar percebendo benefício previdenciário, logo, também
manter a qualidade de segurado. Nessas hipóteses, sendo concedido benefício ou prestado serviço
pela Previdência Social também pode vir a ser ajuizada ARA contra o mantenedor do ambiente
laboral, pois o simples fato de este ter deixado de cumprir com suas obrigações trabalhistas no
que se refere ao registro do empregado, não pode servir para afastar sua responsabilidade civil
decorrente do não atendimento das normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas
para a proteção individual e coletiva.
Um exemplo do exposto é a situação de um trabalhador, recém despedido do seu trabalho
formal e em período de percepção do seguro-desemprego, que busca trabalho informal na área da
construção civil (reconhecidamente empregadora de trabalhadores informais e concentradora de
grandes riscos laborais) para aumentar a renda, apesar de não ter experiência no setor. Admitido
sem que haja registro do vínculo e colocado a exercer função sem qualquer treinamento, vem a
sofrer queda de andaime e morrer. Como inexiste vínculo de emprego, a empresa não emitirá a
CAT: afinal, não assumirá que estava empregando trabalhador sem o cumprimento das
obrigações legais. Todavia, os dependentes do segurado falecido buscarão o seu direito ao
benefício de pensão por morte, o qual será deferido na modalidade previdenciária pelo INSS com
base na comprovação do óbito (fato gerador); da qualidade de segurado do de cujus e da
qualidade de dependentes.
Se a instauração de procedimento de instrução prévia para o ajuizamento das ARAs tiver
por base apenas os benefícios de natureza acidentária concedidos pelo INSS, essa hipótese jamais
ensejaria a propositura da referida ação. Ocorre que esse procedimento pode ser instaurado pela
Procuradoria Federal a partir de outras fontes, como o conhecimento dos fatos através da
imprensa; informações prestadas pelos servidores ou peritos da própria Autarquia Previdenciária,
que identificam a causa do acidente com maiores detalhes quando do atendimento buscado pelo
segurado ou seus dependentes; provocação da sociedade, através de denúncias dos cidadãos;
informações prestadas pelos auditores fiscais do trabalho, pelas Secretarias de Saúde dos
Municípios376, pelos sindicatos das categorias profissionais, pelo MPT, pela Justiça do Trabalho,
em caso de ajuizamento de reclamatória trabalhista contra a empresa em razão do infortúnio, pela
Política Civil, em caso de instauração de inquérito para apuração de dolo ou culpa em acidente do
trabalho típico que tenha causado morte ou lesão ou pela Justiça Estadual, ao processar e julgar
ações penais envolvendo acidentes do trabalho, entre outras.
Um acidente do trabalho com morte como o relatado no exemplo pode vir a ser conhecido
através de várias das fontes referidas, em especial, da imprensa, que dificilmente deixaria de
noticiar tal caso. Conhecidos os detalhes do infortúnio que vitimou o trabalhador-segurado e que
ensejou a concessão de prestação social por parte do INSS e apurada administrativamente a
responsabilidade do mantenedor do ambiente laboral, o ajuizamento da ARA se impõe, sendo a
questão da ausência do registro da CTPS meramente acessória.
Muitas empresas, em situações similares à narrada e pelo fato de não haver necessidade
de cumprimento de carência para a concessão de benefícios de natureza acidentária, acabam
registrando o trabalhador após o evento infortunístico, com data retroativa ao primeiro dia do mês
em curso. Esse procedimento agrava o déficit previdenciário, já que o trabalhador passa a ser
assegurado pelo seguro social após a concretização do agravo à sua saúde ou integridade física ou
mental, ou seja, quando a concessão do benefício já é certa. Em situação normal, restaria
caracterizada a pré-existência do fato gerador, qual seja, da incapacidade laboral ou da morte,
afastando o direito ao benefício. Mas tais casos não exigem do segurador social uma postura em
desfavor do trabalhador-segurado, apesar de em algumas situações a ausência de registro do
vínculo também ter sido do seu interesse, por razões que não cabe analisar nesse momento.
Tratando-se o acidente do trabalho de um risco escolhido pela seguridade social para ser coberto,
o trabalhador sempre deveria ter garantido o direito a tal cobertura; todavia, diante do princípio
contributivo, para os trabalhadores informais não será possível estendê-lo. Apesar disso, mesmo
que caracterizada a burla ao sistema previdenciário com a falta de anotação tempestiva da CTPS
do trabalhador, ou seja, de fato prévio ao evento infortunístico, o benefício deverá ser deferido,
devendo a empresa ser responsabilizada em posterior ação de regresso a ser ajuizada, além da
responsabilização tributária que deverá ser buscada em ação própria.
O exercício do direito de regresso pela Previdência Social também não tem como
pressuposto que o agravo se tenha materializado no ambiente físico da empresa, já que o dever de
cumprimento das normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção
individual e coletiva abrange todos aqueles ambientes em que alguém vinculado à empresa
exerça sua atividade em prol do empreendedor. É por isso que os empregadores de
teletrabalhadores podem vir a ser responsabilizados pelos prejuízos causados ao segurador social
em razão dos infortúnios por eles sofridos quando estes poderiam ter sido evitados se cumpridas
as regras protetivas da saúde e segurança dos trabalhadores.
Situação similar é aquela de um motorista de ônibus empregado, que exerce sua atividade
profissional nas ruas das cidades, quando vem a sofrer de uma doença ocupacional, como o
estresse, por exemplo, originado pela pressão da jornada e do ritmo de trabalho impostos pela
empresa, riscos que competiam, portanto, ao empregador controlar, e que provoque incapacidade
laborativa e consequente concessão de benefício previdenciário. Não há dúvida de que todos os
pressupostos para o ajuizamento da ARA estarão presentes, passando a ser obrigatória a sua
propositura.
O ambiente de trabalho nos casos ilustrados pode não ser de inteira responsabilidade do
empregador, mas os riscos inerentes ao trabalho que puderem ser controlados por ele, assim
como os riscos criados pela forma como a empresa decide desenvolver sua atividade são de sua
responsabilidade, motivo pelo qual as consequências danosas decorrentes também devem ser por
ela suportadas.
O terceiro pressuposto a ser analisado previamente ao ajuizamento da ARA é a ocorrência
de negligência quanto ao cumprimento e/ou fiscalização das normas relacionadas à SST ou a
assunção de riscos controláveis ou não inerentes ao trabalho pelo responsável pelo ambiente.
A jurisprudência sobre o tema, ainda restrita, conforme referido na introdução do presente
estudo, ainda não admite a possibilidade de responsabilização objetiva do mantenedor do
ambiente laboral em sede de ARA; contudo, pelo que se observa das decisões, tende por essa via,
já que, inicialmente, exigiu-se dolo ou culpa grave e, atualmente, já se admite a presunção da
culpa, critério que, como já se mencionou, com base na doutrina de Dias, é mero reconhecimento
da necessidade de acolher a modalidade objetiva, embora o não confessem os subjetivistas377.
A negligência das empresas, requisito da culpa exigido pelo dispositivo que instituiu o
direito de regresso da Previdência Social, costuma ser aferida pelos tribunais, inclusive por meio
de presunção, nos casos em que o empregador apenas fornece os equipamentos de segurança, não
exigindo o seu uso e nem fiscalizando o cumprimento das normas de segurança pelos seus
funcionários. Além disso, tem sido enfatizado que nem mesmo o fornecimento de EPI e a
fiscalização do seu uso, associados ao treinamento e à experiência profissional do trabalhador,
eximem a empresa de adotar sistema de proteção coletiva, notadamente quando se trata de
atividade consideravelmente perigosa e aquelas medidas não se mostram suficientes para prevenir
acidentes graves.
O TRF4 destacou que, demonstrados o dano, o nexo causal e a negligência, surge o dever
daquele que praticou o ato ilícito de indenizar, mormente quando ausentes exculpantes (caso
fortuito, força maior e culpa exclusiva da vítima).378 Tal negligência, em 2003, era a decorrente
de dolo ou culpa grave do responsável pelo ambiente laboral, nos termos do que previa a Súmula
nº 229 do STF, o que levou ao julgamento de improcedência de uma ARA em razão da não
comprovação do nexo de causalidade entre o dano e a suposta negligência da empresa.379
Atualmente, apesar de a jurisprudência do TRF4 ainda estar voltada para a necessidade de
comprovação da negligência da empresa, tem admitido a presunção da culpa, como no caso em
que consignou que há tarefas que não podem ser deixadas ao arbítrio de quaisquer trabalhadores,
requerendo a assistência de um profissional habilitado e a observância de especificações técnicas,
sendo ônus do empregador o de provar que agiu com a diligência e precaução necessárias a
diminuir os riscos de lesões. O acórdão destacou ainda ser dever da empresa a fiscalização do
cumprimento das determinações e procedimentos de segurança do trabalho, sendo que a não-
adoção de precauções recomendáveis, se não constitui a causa em si do acidente, evidencia
negligência da empresa que, com sua conduta omissiva, deixou de evitar o acidente, sendo
responsável, pois, pela reparação do dano, inclusive em ARA ajuizada pelo INSS.380
O TRF4 também manteve a condenação de empresa em ARA em caso no qual consignou
que o acidente fatal não decorreu de caso fortuito ou força maior; ao contrário, era inteiramente
previsível, pois decorria da alegada impossibilidade técnica de evitar o fluxo de corrente elétrica
na atividade, mas, em nome da continuidade da atividade empresarial, o empregador precarizou
as condições de prestação do trabalho, ampliando os riscos laborais e assumindo o risco da
ocorrência do acidente que vitimou o trabalhador.381 Ou seja, a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicava, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. O
que é isso, se não responsabilização civil objetiva?
O TRF5, ao confirmar a legitimidade ativa da autarquia previdenciária para propor ação
de ressarcimento dos valores pagos a título de benefício por acidente de trabalho causado por
negligência do empregador, nos termos dos arts. 120 e 121 da Lei nº 8.213/91, afirmou que a
negligência resta caracterizada quando o responsável pelo ambiente do trabalho deixa de adotar
medidas indispensáveis à segurança do empregado, como quando determina que ele exerça
funções/tarefas para as quais não teve treinamento adequado e/ou não tenha condições físicas.382
Para o TRF3, há a necessidade de que o responsável tenha agido com culpa, sendo a
finalidade da ação o ressarcimento, ao INSS, dos valores que foram gastos com o acidente de
trabalho que poderia ter sido evitado se os causadores do acidente e do dano não tivessem agido
com culpa, mas que tal culpa é presumida nos casos em que o empregador apenas fornece os
equipamentos de segurança, não exigindo o seu uso e nem fiscalizando o cumprimento das
normas de segurança pelos seus funcionários, ainda mais quando as testemunhas e os
especialistas corroboraram a falha no treinamento e nas condições de segurança do equipamento,
o excesso de horas trabalhadas e a ausência de dispositivo de segurança na máquina.383
O TRF1 afastou a responsabilidade civil objetiva para os casos da espécie, atestando a
necessidade de comprovação da negligência, a qual não poderia ser comprovada com prova
testemunhal e pericial.384 Entretanto, referiu em outra decisão que a mera ausência de
mecanismos de proteção coletiva evidencia a responsabilidade civil da empresa, tendo em vista
caracterizar a negligência em relação à segurança do trabalho.385
Assim, apesar de ainda não admitir a responsabilidade civil objetiva, percebe-se um
abrandamento do TRF1 no tocante à prova da negligência da empresa, sendo que nas primeiras
decisões a exigência quanto à sua comprovação era muito maior, como se observa de outra
decisão que afastou totalmente a responsabilidade da empresa apenas pelo fato de a conduta
imprudente do empregado ter concorrido diretamente para a ocorrência do evento, ou seja, não se
tratou de culpa exclusiva, mas concorrente.386
Posteriormente, analisando outro caso em que alegada a culpa da vítima, o TRF1 afirmou
que o afastamento da responsabilidade da empresa por culpa exclusiva ou concorrente da vítima
somente pode ocorrer em situações nas quais reste firmemente demonstrada tal culpa do
trabalhador, sendo que, no caso em análise, a circunstância de a vítima estar "semi-embriagada"
no momento do acidente não foi considerada relevante, visto que nada indicou que sua eventual
"falta de reflexo" teria contribuído para a ocorrência do evento fatal.387 Por outro lado, ao se
verificar que a empresa adotou todas as medidas de segurança que lhe cabiam, apenas
permanecendo a margem de risco da atividade que só pode ser prevenida pela diligência e cautela
de cada empregado, a condenação deve ser afastada, pois para cobrir essa álea natural da
atividade teria sido instituído o SAT.388
Também do TRF1 provém decisão no sentido de que, sempre que o acidente do trabalho
ocorre em decorrência de desídia da empresa com normas de segurança do trabalho, cabe a ela
indenizar regressivamente o INSS pelos valores despendidos com benefícios previdenciários aos
dependentes do trabalhador falecido, sendo que o fornecimento de EPI associado ao treinamento
e à experiência profissional do trabalhador não exime a empresa de adotar sistema de proteção
coletiva, notadamente quando se trata de atividade consideravelmente perigosa (no caso,
construção civil) e aquelas medidas não se mostram suficientes para prevenir acidentes graves.389
A afirmação quanto à impossibilidade de o fornecimento de EPI associado ao treinamento e à
experiência profissional do trabalhador de eximir a empresa de adotar sistema de proteção
coletiva voltou a ser feita em outra decisão desse Tribunal.390
Em caso decidido pelo TRF4, restou afastada a responsabilidade das empresas rés pela
inocorrência de culpa, pois o infortúnio teria significado, na prática, caso fortuito, tendo em vista
a impossibilidade de o acidente ser evitado pelos EPIs usados, que eram os necessários aos
trabalhos que os acidentados executavam.391
Todavia, isso não significa que a mera adoção de EPIs e normas de segurança seja
suficiente para afastar a responsabilidade, já que é dever da empresa fiscalizar o cumprimento das
determinações e procedimentos de segurança, não lhe sendo dado eximir-se da responsabilidade
pelas consequências quando tais normas não são cumpridas, ou o são de forma inadequada,
afirmando de modo simplista que cumpriu com seu dever apenas estabelecendo referidas normas.
Refere a decisão que, para avaliar, diante de um acidente de trabalho, se a eventual conduta
imprudente de um empregado foi causa do evento, basta um raciocínio simples: se essa conduta
imprudente fosse realizada em local seguro, seria, ela, causadora do sinistro? Quando a resposta
for negativa, configurada está a responsabilidade da empresa, pela falta de prevenção.392
O entendimento exposto na decisão pode ser aplicado em outras situações, como aquela
em que o trabalhador, involuntariamente, age de determinada maneira e sofre o acidente ou
mesmo no caso de um acometimento repentino do trabalhador, como um desmaio, por exemplo,
que venha a provocar um sinistro. Se tais ocorrências tivessem se dado em ambientes de trabalho
adequados, ou seja, nos quais são atendidas pelo mantenedor as normas padrão de segurança e
higiene do trabalho, com a eliminação dos riscos criados pelo modo como a atividade profissional
é desenvolvida e a redução daqueles inerentes ao trabalho, teriam sido causas suficientes para a
materialização dos infortúnios? Sendo negativa a resposta, ou seja, em meios seguros e salubres
tais acidentes não teriam ocorrido, a responsabilidade do mantenedor do ambiente de trabalho
estará configurada, tendo em vista a assunção das consequências da falta de controle dos riscos e
do não cumprimento das normas.
No que se refere à responsabilidade civil objetiva, é de extrema importância a análise de
dois conceitos inseridos no parágrafo único do art. 927 do Código Civil de 2002: a normalidade,
pela qual se deve entender a atividade desenvolvida com regularidade por alguém, não esporádica
nem eventual, aquela desenvolvida costumeiramente na busca de um resultado, cuja experiência
acumulada já é capaz de oferecer alguma previsibilidade de ocorrência de eventos danosos para
as pessoas; e a natureza da atividade de risco, que é a peculiaridade que vai caracterizar o risco
capaz de ocasionar acidentes e provocar prejuízos, sendo que não é qualquer atividade que
caracteriza risco, mas aquela que tem inerente ao seu desenvolvimento a potencialidade concreta
e não supostamente, de provocar eventos danosos.393
Por conta do requisito da normalidade, a responsabilização de um terceiro responsável
pelo acidente do trabalho, isto é, qualquer um que não o mantenedor do ambiente laboral, a
princípio, não pode ser objetiva, pois mesmo havendo a presença de risco, esse será caracterizado
pela eventualidade. A condenação em ARA será possível nesse caso, mas haverá a necessidade
da demonstração da culpa.
Os servidores públicos, sejam celetistas ou estatutários, também têm direito à redução dos
riscos inerentes ao trabalho (art. 39, § 3°, da CF/88). Assim, se for constatada negligência da
Administração Pública na manutenção do MAT e consequentemente ocorrer um infortúnio que
gere a concessão de um benefício previdenciário (que envolva servidores celetistas, vinculados ao
RGPS), é possível o ajuizamento de ARA pelo INSS, inclusive sem nenhum questionamento
quanto à responsabilidade objetiva, em razão do disposto no art. 37, § 6°, da CF/88. Entretanto,
se o responsável identificado for um ente da Administração Pública Federal, a questão deve ser
submetida previamente à Câmara de Conciliação e Arbitragem Federal.
Em caso analisado pelo TRF1, restou consignado ter o INSS legitimidade e interesse para
ajuizar ação a fim de reaver as despesas decorrentes da concessão de benefício previdenciário aos
dependentes de segurado, vítima de assassinato, respondendo civilmente o Estado de Minas
Gerais pelo assassinato de pessoa dentro de Delegacia de Polícia (art. 37, § 6º, da CF/88).
Todavia, tendo em vista no risco que deve ser repartido por toda a sociedade não se incluírem os
prejuízos causados por ato ilícito e que o responsável pelo crime foi identificado, este deve
ressarcir o Estado de Minas Gerais pelos pagamentos efetuados ao INSS pela pensão por morte
concedida aos dependentes da vítima, tendo sido julgada procedente a denunciação da lide.394
O art. 935 do Código Civil de 2002 prevê que a responsabilidade civil é independente da
criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu
autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal. Assim, quando a sentença
for absolutória fundada em prova da inexistência do crime ou da autoria, essa tem força
vinculativa sobre a instância civil. Contudo, quando for fundada em falta de provas quanto ao
fato, à autoria ou à culpa, não ensejará efeitos na esfera civil.
Por outro lado, havendo condenação na esfera criminal transitada em julgado, essa faz
coisa julgada no juízo cível, motivo pelo qual se entende não apenas pela possibilidade de
utilização das provas produzidas naquele processo nessa ação, como pela pré-existência de um
título executivo judicial, já que os critérios para condenação no âmbito criminal são muito mais
rigorosos do que no civil, havendo a necessidade da mera comprovação do prejuízo e
consequente apuração do débito na esfera civil, inclusive no que se refere à ARA.
Melo registra que, sabendo-se que o juízo criminal tem competência para a conciliação,
julgamento e execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 60 da
Lei nº 9.099/95, é possível nesse mesmo juízo solucionar rapidamente conflitos envolvendo
reparações de pequena monta, quando o empregador concordar em reparar os danos morais e
materiais decorrentes de acidentes de trabalho, mediante a renúncia do direito de queixa da vítima
quanto ao delito criminal.395 Tal situação, todavia, tendo havido a concessão de prestação
infortunística pela Previdência Social, não afasta a possibilidade de ajuizamento da ARA, já que
a causa de pedir é distinta.
Como se vê, as hipóteses de incidência da ARA são bastante diversificadas, não sendo tão
simples a tarefa de análise do efetivo atendimento dos requisitos para a propositura da ação em
razão das peculiaridades que envolvem o tema, motivo pelo qual o prévio estudo crítico dos
detalhes que exsurgem do caso concreto é primordial para a adequada formação da lide.

3.3 ASPECTOS PROCESSUAIS DA AÇÃO REGRESSIVA ACIDENTÁRIA

As ARAs têm natureza civil, mas são dotadas de uma série de particularidades
processuais, das quais algumas já foram abordadas nos tópicos anteriores desse capítulo,
enquanto outras, mais específicas, serão tratadas a partir de agora. Dentre as questões a serem
debatidas, têm-se a da justiça competente para processar e julgar as referidas ações,
especialmente em razão da nova redação do art. 114 da CF/88, dada pela EC n° 45/2004; da
legitimidade ativa e passiva ad causam; do prazo prescricional e seu marco inicial; da avaliação
das indenizações regressivas acidentárias; da possibilidade da condenação obrigar a constituição
de capital, nos termos do art. 475-Q do Código de Processo Civil; da produção de provas, da
transação judicial e da cobrança extrajudicial.
Justiça competente
A controvérsia acerca da esfera judicial competente para processar e julgar as ARAs
propostas pelo INSS envolve, basicamente, a análise de dois dispositivos da CF/88: o art. 109, I e
o art. 114, com redação dada pela EC nº 45/2004.
O art. 109, I atribui aos juízes federais competência para processar e julgar as causas em
que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de
autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as
sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho. Diante da exceção trazida pelo próprio
dispositivo quanto às causas que envolvem acidentes de trabalho, a competência para o
processamento e julgamento das ARAs que, a princípio, seria indubitavelmente da Justiça
Federal, tendo em vista a presença de entidade autárquica federal na lide, se tornou controversa.
Ocorre que a ressalva constitucional quanto às ações que envolvem acidentes do trabalho,
conjugada com as disposições do art. 129 da Lei nº 8.213/91396, direciona-se exclusivamente
àquelas que em o segurado litiga contra a Previdência Social na busca de prestações sociais
decorrentes de infortúnios laborais, motivo pelo qual não seria coerente concluir pela
competência da Justiça Estadual para processar e julgar as ARAs ajuizadas pelo INSS, que tem
como plano de fundo questão afeta ao instituo de responsabilidade civil. Nesse sentido, o
entendimento de Maciel397 e Pulino, que defende o afastamento da competência da Justiça
Estadual pelo fato de não ser propriamente o acidente do trabalho que serve de base para a
propositura da ARA, mas o dano causado ao órgão previdenciário especificamente pela empresa
que não cumpre as normas relativas à segurança e à higiene do trabalho398.
Diante disso, Pulino posiciona-se pela competência da Justiça Federal comum para o
processamento e julgamento das ARAs, fundamentando sua conclusão em quatro motivos: a) a
aplicação do art. 129, II, da Lei nº 8.213/91 deve ser afastada, porque se funda na alimentariedade
dos créditos envolvidos na ação acidentária e na hipossuficiência do trabalhador-acidentado,
fundamentos que não se fazem presentes na ARA; b) não se identificam, em tese, nenhum dos
elementos (partes, causa de pedir e pedido) da ação acidentária com os da ARA; c) como exceção
que é, a competência para as “causas de acidente do trabalho” deve ser interpretada
restritivamente; e d) o legislador constituinte não poderia ter pretendido englobar a ARA como
lide acidentária, já que aquela não era ainda da tradição de nosso direito.399
A competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar as ARAs permite ser
cogitada a partir das inovações trazidas pela EC nº 45/2004, que ampliou a competência dessa
Justiça especializada, passando a abarcar as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os
entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; as ações de indenização por dano moral ou
patrimonial, decorrentes da relação de trabalho e outras controvérsias decorrentes da relação de
trabalho, na forma da lei.400
Maciel posiciona-se favoravelmente à competência da Justiça Especializada do Trabalho,
fundamentando seu entendimento em algumas premissas: o fato de que a definição da
competência não deve resultar apenas do pedido, mas também e, principalmente, da causa de
pedir da ação; a circunstância de que a ARA do INSS representa uma lide de natureza complexa,
cuja causa de pedir pressupõe um juízo cognitivo sobre matérias afetas essencialmente à Justiça
laboral; a observância do princípio da unidade de convicção, que impõe que duas ações
embasadas nos mesmos pressupostos fáticos sejam julgadas pela mesma Justiça; bem como o
atual entendimento jurisprudencial do STF, traduzido na Súmula nº 736401, acerca da
competência para o julgamento das ações de indenização decorrentes do descumprimento das
normas de saúde e segurança do trabalho.402
Ocorre que a Súmula nº 736 do STF está embasada em precedentes que se relacionam
unicamente às relações de trabalho, sendo que, para Mendes, a aplicação de um precedente deve
ser afastada quando seus fatos ou sua lógica/fundamentação são muito diversos ou inaplicáveis ao
caso a decidir, em virtude das peculiaridades desse. O autor entende que o ressarcimento
discutido nas ARAs propostas pelo INSS trata-se de uma relação envolvendo questões de direito
previdenciário, de implementação de uma política pública previdenciária de financiamento,
motivo pelo qual defende a competência da Justiça Federal para processar e julgá-las.403
O argumento em favor da competência da Justiça do Trabalho em atenção à observância
do princípio da unidade de convicção é forte. De fato, por uma questão de coerência, a existência
de pressupostos fáticos comuns impõe a necessidade de julgamento das diferentes causas pelo
mesmo ramo do poder judiciário, de modo a evitar decisões díspares. Esse foi um dos
fundamentos da decisão do STF ao decidir conflito de competência em que definiu a competência
da Justiça Trabalhista (afastando a da Justiça Comum dos Estados-Membros), para o julgamento
das ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, a
partir da EC nº 45/2004.404
Ocorre que esse princípio foi mitigado pelo próprio STF ao conceder liminar, em
27/01/2005, com efeito ex tunc, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.395-6/DF,
atribuindo interpretação conforme ao inciso I do art. 114 da CF/88, com redação dada pela EC nº
45/2004, suspendendo toda e qualquer interpretação que inclua, na competência da Justiça do
Trabalho, a apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a
ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo. Ora,
se a EC nº 45/2004 incluiu na competência material da Justiça do Trabalho as ações envolvendo
relações de trabalho, não haveria motivo para excluir as relações estatutárias dessa competência,
já que essas são espécie do gênero relação de trabalho assim como o são as relações
empregatícias. Desse modo, por mais que as relações de trabalho regidas por Estatutos e as
relações de emprego regidas pela CLT tenham pressupostos fáticos comuns, o STF, por ora,
afastou a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar aquelas, contrariando o
princípio da unidade de convicção que imporia o julgamento de ações embasadas nos mesmos
pressupostos fáticos pela mesma Justiça.
Além disso, é de se referir que com a edição da Súmula Vinculante nº 22405, que teve
como referências legislativas os arts. 7º, XXVIII; 109, I e 114 da CF/88, o STF definiu que a
Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar as ações de indenização por danos
morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho propostas por empregado contra
empregador, o que permite concluir pela exclusão, mesmo que implícita, do processamento e
julgamento das ARAs propostas pela Previdência Social contra os mantenedores de ambientes de
trabalho inseguros e insalubres da competência da Justiça laboral. A competência para processar
e julgar as ARAs, portanto, é definida em razão da pessoa envolvida (entidade autárquica
federal), estando a cargo da Justiça Federal.
Com base na regra geral do art. 109, I, da CF/88 e considerando não se tratar a ARA de
lide que envolva relação de trabalho, Saraiva406 e Dallegrave Neto407 também se posicionam pela
competência da Justiça Federal comum para o processamento e julgamento das ARAs.
Mendes destaca que os trabalhadores beneficiados pela política de melhoria das condições
de salubridade de seu ambiente de trabalho são envolvidos indiretamente na relação que se forma
na lide regressiva acidentária, estando diretamente envolvida toda a coletividade de segurados da
Previdência Social, já que o sistema previdenciário adotado no Brasil é de repartição e não de
capitalização, sendo caracterizado por uma inerente solidariedade existente entre todos os
segurados da previdência social. Assim, quando o governo adota uma política pública de custeio,
está afetando não apenas aqueles envolvidos naquela determinada relação específica, mas toda a
massa de segurados da previdência social pública, sendo que essa relação abrangente desfigura
por completo a competência da Justiça Especializada Trabalhista, pois a política pública
previdenciária vai muito além da mera relação trabalhista, da questão específica de custeio no
caso do ressarcimento advindo do acidente de trabalho. Para o autor, portanto, a ação de
ressarcimento prevista no art. 120 da Lei nº 8.213/91 é uma fonte de financiamento para a
manutenção dos benefícios gozados pelos segurados da Previdência Social e, como política de
custeio previdenciário traz efeitos na questão relacionada ao acidente do trabalho, mas seu foco
principal é a observação de "critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial", nos
termos do caput do art. 201 da CF/88.408
O STJ, ao decidir conflito de competência, já se manifestou favoravelmente à
competência da Justiça Federal comum para processar e julgar ação proposta pelo INSS
objetivando o ressarcimento dos valores despendidos com o pagamento de pecúlio e pensão por
morte acidentária, em razão de acidente de trabalho ocorrido nas dependências da empresa ré, por
culpa desta, pois o litígio não tem por objeto a relação de trabalho em si, mas o direito regressivo
da autarquia previdenciária, que é regido pela legislação civil.409
A Justiça Federal, através de quatro dos seus cinco Tribunais Federais, já estabeleceu a
sua competência para processar e julgar as ARAs. O TRF4 afirmou tratar-se a ARA de matéria
administrativa e não previdenciária410, reforçando a competência da Justiça Federal para o
processamento e julgamento, a qual já havia sido referendada em outras decisões, nas quais
constou que o disposto no art. 109, inciso I, da CF/88, aplica-se tão-somente às chamadas ações
acidentárias que a Lei nº 8.213/91, em seu art. 129, II, remete ao procedimento sumário, não às
ARAs movidas pela autarquia previdenciária para haver reparação de perdas e danos sofridos
com o pagamento de indenizações ou pensões aos obreiros sinistrados.411 No mesmo sentido,
referindo inclusive tratar-se de competência inquestionável, tem decidido o TRF2, pois,
confrontando-se os dispositivos constitucionais (exceção prevista na parte final do art. 109, I e
art. 114), tem-se que aquele se aplica apenas às ações acidentárias reguladas pela Lei nº 8.213/91
e este às ações que envolvem relação de trabalho.412 413 414
O TRF3 afirmou a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento das
ARAs, destacando que a mera existência de negligência de empregador quanto às normas de
segurança do trabalho não se amolda na hipótese de exclusão da competência da Justiça Federal
prevista na parte final do inciso I do art. 109 do Texto Maior, ou seja, não justifica o
deslocamento da competência para a Justiça do Trabalho. Outrossim, mencionado art. 109, I, da
CF/88, quando excepciona da competência da Justiça Federal as causas decorrentes de acidente
de trabalho, transferindo-a para a Justiça Estadual, se refere apenas às ações propostas por
beneficiários da Previdência Social contra o INSS, pleiteando a manutenção, concessão ou
revisão de benefício oriundo de acidente do trabalho.415 O TRF1 posicionou-se pela competência
da Justiça Federal pelos mesmos argumentos416, afirmando-a, inclusive, no tocante ao julgamento
de ação ajuizada pelo INSS contra Estado membro, tendo em vista inexistir conflito federativo,
restando reduzido o alcance do art. 102, I, f, da CF/88.417
Legitimação ativa e passiva
Tanto a legitimidade ativa para a propositura da ARA quanto a passiva encontram
previsão no art. 120 da Lei nº 8.213/91. Na autoria da ação estará a Previdência Social, através de
sua autarquia federal (INSS), representado judicialmente pela PGF, órgão da AGU.
Do lado dos legitimados passivos têm-se todos os responsáveis (e corresponsáveis,
conforme analisado no item 3.2) pela negligência quanto às normas padrão de segurança e
higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva. Em decisão proferida pelo
TRF2, foi afirmada a legitimidade passiva ad causam de todos os responsáveis, nos termos do
art. 120 da Lei nº 8.213/91, que não são apenas os empregadores dos trabalhadores acidentados,
sendo que a utilização do termo “responsáveis”, pela sua abrangência, foi proposital, tendo o
legislador se precavido de possíveis fraudes, como nos casos em que o empregado trabalha para
determinada empresa a despeito de ser, formalmente, empregado de outra. Assim, apesar de no
caso analisado a empresa ré não ser a empregadora da vítima, tal não afastou sua
responsabilidade, tendo em vista estar ao seu alcance agir para evitar o acidente do trabalho, além
de, pelo fato de ser a responsável pelo empreendimento, ter-lhe sido transferido o dever de
respeitar as normas de SST em relação aos trabalhadores que ali exercem suas atividades.418
Eventualmente, é possível deparar-se com situações em que houve concorrência de culpas
entre o segurado acidentado e o mantenedor do ambiente do trabalho pelo infortúnio ocorrido,
não podendo aquele, todavia, constar no polo passivo da ARA, pois se trata do efetivo
beneficiário do SAT419. Assim, somente devem integrar o polo passivo os responsáveis pelo
ambiente do trabalho, que, na hipótese, não poderão ser condenados ao pagamento integral das
despesas suportadas pelo INSS, sendo recomendável, segundo o TRF3, parti-las pela metade
porquanto nenhuma das contribuições culposas, do empregador e do empregado, foi de menor
importância, já que qualquer dos dois poderia ter evitado o sinistro com a sua própria conduta
cuidadosa420, mesmo entendimento exarado pelo TRF4421.
Tal proporcionalidade na condenação, contudo, não precisa ser definida quando do
ajuizamento da ação, cabendo ao mantenedor do ambiente do trabalho que constar do polo
passivo da ação o ônus da prova quanto à eventual responsabilidade concorrente da vítima.
No tocante à questão da legitimidade passiva, importa ainda referir a impossibilidade de
denunciação da lide pela empresa à companhia seguradora casualmente contratada por ela para
cobrir eventual condenação envolvendo responsabilidade civil, tendo em vista tal matéria não
poder ser examinada no âmbito da Justiça Federal, por não ser o foro competente da denunciante
e da denunciada.422
A responsabilidade pela reparação do dano cabe ao seu causador, na hipótese, o
mantenedor do ambiente laboral cujas condições ocasionaram o infortúnio, sendo que, mesmo
que o ato ilícito tenha sido praticado pelos prepostos ou por quaisquer empregados da empresa,
no exercício do trabalho que lhes competia ou em razão dele, a responsabilidade pela reparação
civil continua sendo do empregador, nos termos do art. 932, inciso III, do Código Civil de 2002 e
da Súmula n° 341, do STF, que refere ser presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato
culposo do empregado ou preposto, afinal, este nada mais é do que um instrumento à disposição
daquele utilizado para o atendimento dos interesses patronais. Claro que, nesses casos de o
causador do dano ser um preposto ou empregado, o empregador poderá ajuizar ação regressiva
contra ele, mas não poderia denunciar a lide regressiva proposta pelo INSS.
Ainda, na discussão de quem deve ser responsabilizado para arcar com os prejuízos da
Previdência Social decorrentes de infortúnios ocasionados pela negligência quanto às normas de
SST, em especial na fase de cumprimento da decisão e quando houver abuso de direito, excesso
de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social, ou em
casos de falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica
provocados por má administração, ou, ainda, quando a personalidade for, de alguma forma,
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados, deve-se lembrar da alternativa prevista no art.
50 do Código Civil de 2002 e no art. 28, caput e § 5° do Código de Defesa do Consumidor, qual
seja, a da desconsideração da personalidade jurídica, perfeitamente aplicável às ARAs.
Além disso, na esteira da lição de Pulino, é também impossível, senão inviável, o uso da
denunciação da lide como instrumento para o exercício do direito de regresso, ou seja, não pode o
INSS valer-se da ação acidentária proposta por segurado para denunciar a lide à empresa de
modo a buscar a sua condenação regressiva, pois isso tumultuaria o desenvolvimento da ação
acidentária, o que é indesejável diante da debilidade econômica dos infortunados em geral e a
natureza alimentar do crédito perseguido nessas ações, motivo pelo qual não comportam delongas
como as que ocorreriam se houvesse a possibilidade de o INSS fazer a denunciação da lide.423
Prescrição e marco inicial
Os institutos da prescrição e da decadência tratam dos efeitos do tempo sobre as relações
jurídicas, sobre os direitos subjetivos, que podem ser: direitos subjetivos a uma prestação, ou
seja, quando se estabelece uma relação jurídica a partir da qual um sujeito está obrigado a prestar
algo para outro; e os direitos subjetivos potestativos ou formativos, que são aqueles em que a lei
estabelece o poder a uma das partes de interferir na vida jurídica da outra, sem que essa nada
possa fazer, a não ser, sujeitar-se; todavia, a parte que tem o poder não exige nada da outra, por
isso, os direitos potestativos não são dotados de nenhuma pretensão.
A prescrição, nos termos do art. 189 do Código Civil de 2002, atinge o direito a uma
prestação. Assim, violado um direito patrimonial, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue pela prescrição. Com a prescrição, a obrigação civil é transformada em obrigação
natural, pois a obrigação continua existindo, mas sua natureza muda, logo, o direito não prescreve
e nem se perde o direito de ingressar com a ação, ocorrendo apenas a extinção da pretensão.
Para a materialização da prescrição, imprescindível a conjugação de quatro situações: a
existência de um direito subjetivo material a uma prestação, ou seja, o vínculo obrigacional entre
duas partes; a violação desse direito material, ou seja, o não cumprimento da obrigação pelo
sujeito passivo; o surgimento da pretensão do credor (sujeito ativo) em razão da violação do
direito, a qual será amparada pelo Poder Judiciário; e a inércia do titular da pretensão, ou seja, a
não exigência do cumprimento da pretensão dentro do prazo fixado pela lei, gerando a extinção
da pretensão pela incidência da prescrição.
O direito de regresso conferido à Previdência Social pelo art. 120 da Lei nº 8.213/91 trata-
se de um direito subjetivo a uma prestação, ou seja, uma pretensão, a ser cumprida contra o
responsável pela omissão quanto ao dever de cumprimento das normas padrão de segurança e
higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva. Tratando-se de pretensão,
pode ser fulminada pela prescrição. Diante disso, imprescindível o estabelecimento do prazo
prescricional aplicável ao direito de regresso e o seu marco inicial.
Quanto ao prazo prescricional, três são as hipóteses. A partir das disposições do Código
Civil de 2002, poder-se-ia defender a aplicação do prazo de três anos, com fundamento no art.
206, § 3°, inciso V, que estabelece referido lapso prescricional para as pretensões de reparação
civil. O TRF4 já decidiu que a ação regressiva acidentária deve observar tal prescrição trienal,
cujo termo inicial seria a data do óbito e do início do benefício que vem sendo pago pelo INSS.424
Todavia, o Decreto n° 20.910/1932 regula a prescrição quinquenal, prevendo no art. 1º
que as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer
direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza,
prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. Em atenção aos
princípios da isonomia e da equidade, tal regramento legal também tem sido aplicado contra a
Fazenda Pública, como se depreende da jurisprudência que trata das execuções fiscais.425
A tese da prescrição quinquenal também se sustenta com base em disposições da Lei nº
8.212/91, que instituiu o Plano de Custeio da Seguridade Social, e da Lei nº 8.213/91, que dispõe
sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social. Aquela prevê, expressamente, em seu art.
88, que os prazos de prescrição de que goza a União (extraídos do Decreto n° 20.910/1932)
aplicam-se à Seguridade Social. Esta, por sua vez, em seu art. 104, incisos I e II, define que as
ações referentes à prestação por acidente do trabalho prescrevem em cinco anos, contados da data
do acidente, quando dele resultar a morte ou a incapacidade temporária, verificada esta em
perícia médica a cargo da Previdência Social; ou da data em que for reconhecida pela Previdência
Social, a incapacidade permanente ou o agravamento das sequelas do acidente.
Do mesmo modo que a norma prevista em favor da Fazenda Pública quanto ao prazo
prescricional se aplica contra ela; o teor da Súmula nº 85 do STJ, que dispõe que “nas relações
jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver
sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes
do quinquênio anterior à propositura da ação” também beneficia a Fazenda Pública. Assim,
buscando-se na ARA o ressarcimento de parcelas de trato sucessivo (pagamento mensal do
benefício), mesmo que decorrentes de ato único (acidente), é plenamente aplicável a prescrição
quinquenal, nos termos do Decreto nº 20.910/32, bem como a imprescritibilidade do fundo de
direito, tendo em vista a repetição mensal dos efeitos da lesão, de modo que a prescrição alcança
tão-somente as parcelas que antecedem o quinquênio que precedeu à data da propositura da ação,
conforme determinado pela Súmula nº 85 do STJ.
Ainda, tratando-se a ARA de lide que envolve o ressarcimento de prejuízos causados ao
erário, poder-se-ia invocar a regra da imprescritibilidade, prevista no art. 37, § 5º, da CF/88, o
qual dispõe que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer
agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de
ressarcimento.
Em razão da utilização no referido dispositivo da expressão “agente, servidor ou não”,
pode-se entender que a sua aplicação pressupõe um vínculo com a administração, de modo que a
imprescritibilidade do dano ao erário não estaria embasada apenas no aspecto financeiro, mas sim
num vínculo jurídico pré-existente.
Para esclarecer esse aspecto, importa buscar na Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre as
sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de
mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional,
mais conhecida por Lei da Improbidade Administrativa, algumas definições. O art. 1° do referido
diploma legal utiliza a mesma expressão prevista na Constituição, quando dispõe que “os atos de
improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração [...],
serão punidos na forma desta lei”. O art. 2° prevê que “reputa-se agente público, para os efeitos
desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,
nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato,
cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior”. Por parte da doutrina,
Di Pietro define o agente público como “toda pessoa física que presta serviços ao Estado e às
pessoas jurídicas da Administração Indireta”.426
Até aqui, o entendimento contrário à possibilidade de aplicação da regra da
imprescritibilidade nas ARAs se sustenta. Ocorre que o art. 3° da Lei n° 8.429/92, amplia o
conceito de agente ao qual são aplicáveis as suas disposições, prevendo que essas “são aplicáveis,
no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática
do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”.
Se a Lei da Improbidade Administrativa admite à expressão “agente público” tamanha
abrangência, é possível concluir que a Constituição também quisesse prevê-la, ainda mais se se
considerar o fato de nela ter sido feito menção apenas ao termo “agente”, sem a qualificação
“público”, o que já admitiria, salvo melhor juízo, a extensão ao privado.
A expressão “agente” é extremamente ampla, tanto que é utilizada pela lei penal para
definir todo aquele que pratica um ato ilícito. A ressalva constitucional acerca de que o disposto
no art. 37, § 5° seria aplicável a qualquer agente, servidor ou não, talvez possa ter sido para
destacar que não seria o fato de o agente ter vínculo de qualquer espécie com a Administração ou
não que definiria a incidência do dispositivo, já que sua aplicação ou não seria definida pela
ocorrência de ilícito que tenha causado prejuízos ao erário.
Sendo os prejuízos ocasionados ao erário os motivadores para a aplicação da regra da
imprescritibilidade das ações de ressarcimento impetradas pelo Poder Público, é certo que sua
aplicação não se restringiria aos agentes públicos, já que tanto esses como os privados podem ser
agentes causadores de perdas aos cofres estatais. O fato de o agente causador do dano ser público,
ou seja, ter qualquer tipo de vínculo com a Administração, apenas implica na possibilidade de
sofrer outras sanções, além do dever de ressarcir ao erário sem a incidência de prazo prescricional
sobre o direito de ação da Administração, como as previstas na Lei de Improbidade
Administrativa, por exemplo.
Incluídos os agentes privados na regra constitucional que prevê a imprescritibilidade das
ações de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário, sua aplicabilidade nas ARAs é
plenamente defensável, tendo em vista seu ajuizamento suceder a ocorrência de prejuízos ao
erário em razão de acidentes do trabalho ocasionados pela negligência dos agentes responsáveis
em manter ambientes de trabalho seguros e salubres, em atendimento às normas legais.
Todavia, para Nery Junior e Nery, o art. 37, § 5º, da CF/88, que relega à lei a fixação do
prazo de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que cause
prejuízos ao erário, refere-se ao prazo para o exercício da pretensão condenatória criminal, já que
as pretensões civis de ressarcimento do erário, que favorecem o Poder Público, regem-se pelas
regras ordinárias da prescrição previstas nas leis respectivas e, na sua falta, pelo Código Civil.
Para os autores, a leitura da parte final da norma comentada pode sugerir tratar-se de pretensão
imprescritível, mas os princípios da segurança jurídica e da proibição de excesso indicam a
necessidade de haver prazo de extinção da pretensão do Estado para o ressarcimento do erário
pelos danos causados, porquanto se trata de pretensão que se exerce mediante ação condenatória,
a qual, por sua natureza, de acordo com o sistema do Direito, é sempre prescritível, sendo
imprescritíveis apenas as pretensões que se exercem mediante ações constitutivas e declaratórias.
Além disso, quando a CF/88 quis dar o regime jurídico da imprescritibilidade a alguma situação
jurídica, o fez expressamente, como no caso do art. 5º, XLII e XLIV (imprescritibilidade dos
crimes de racismo e de ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático), sendo que, como se trata de exceção, a imprescritibilidade desses crimes não pode
ser estendida para a pretensão de indenização deles decorrente.427
Diante disso, apesar de defensável o entendimento quanto à imprescritibilidade das ARAs
com fulcro no art. 37, § 5º, da CF/88, o bom senso impede que a escolha da melhor norma para a
solução da controvérsia recaia sobre ela, sobressaindo-se, em homenagem aos princípios da
isonomia, da equidade, da segurança jurídica e da proporcionalidade, a norma da prescrição
quinquenal do Decreto n° 20.910/32 cumulada com a imprescritibilidade do fundo de direito
estatuída pela Súmula nº 85 do STJ.
Tal posição leva à reflexão acerca do passivo patológico que as empresas que não
cumprem as normas de SST podem estar acumulando, pois apesar de o INSS apenas agora estar
efetivamente cumprindo o dever legal de ajuizar as ARAs, a situação ideal, em que todas as
concessões de prestações estejam sendo analisadas para averiguar se foram geradas por uma das
hipóteses em que cabível o exercício do direito de regresso, ainda poderá demorar a ser atingida.
Apesar do entendimento exposado quanto à imprescritibilidade do fundo de direito,
importa efetuar breve registro quanto ao marco inicial da contagem do prazo prescricional das
ARAs. Assim, prevendo o art. 189 do Código Civil de 2002 que, violado o direito, nasce para o
titular a pretensão, a qual se extingue pela prescrição, o termo inicial do prazo prescricional está
relacionado com a efetiva detecção da violação ao direito, que vem a ser a data da concessão da
prestação acidentária pelo INSS, mesmo que o acidente ou a exposição aos agentes nocivos à
saúde que deram causa à doença ocupacional tenham ocorrido muito tempo antes. Logo, se o
benefício foi concedido pela Previdência Social ao segurado por doença ocupacional que eclodiu
depois de muitos anos do afastamento da atividade na qual havia contato com os agentes danosos
que têm longo período de incubação, o termo inicial do prazo prescricional é a data da concessão
do benefício, podendo o empregador ser responsabilizado mesmo que o contrato de trabalho com
o segurado já tenha sido rescindido.
Constando a previsão legal de ajuizamento da ARA na Lei n° 8.213/91, de 24/07/1991,
ainda faz-se necessário analisar se a sua propositura somente é cabível nos casos de acidentes do
trabalho ocorridos após essa data ou se podem ser anteriores, desde que a data de início do
benefício seja posterior.
Pulino entende que nada impedia que o INSS exercesse o direito de regresso contra
empresas negligentes quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho antes do
advento do art. 120 da Lei nº 8.213/91, pois esse apenas regulou de forma específica uma
hipótese que já era possível em nosso ordenamento jurídico, autorizada que estava,
genericamente, pelos arts. 159 e 1.524 do Código Civil de 1916. Diante disso, conclui que o
INSS pode ressarcir-se perante as empresas negligentes em todos os acidentes do trabalho
ocorridos, indistintamente, quer na vigência da atual legislação, quer, mesmo, naqueles
verificados anteriormente, devendo-se atentar apenas para a ocorrência da prescrição.428
A nosso ver, todavia, tal entendimento é equivocado, pois a Autarquia Previdenciária
Federal, na qualidade de ente público da Administração indireta, deve respeito ao princípio da
legalidade, motivo pelo qual todos que se submetem aos atos que porventura venham a ser por ela
praticados, somente esperam (e assim deve ser) determinada ação de sua parte quando prevista
em lei. Desse modo, apenas com a previsão da propositura de ARA na Lei n° 8.213/91, publicada
em 25/07/1991, é que os administrados sabem que podem sofrer tal sanção se não cumprirem à
risca as normas de SST, passando a ter a expectativa normativa dessa punição, o que os levará, a
partir dessa data (na hipótese ideal da vigência da norma jurídica), a cumprir com suas obrigações
constitucionais para evitar a aplicação da medida repressiva.429
Disso, conclui-se que somente os acidentes do trabalho ocorridos a partir de 25/07/1991,
em razão de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho, e que
gerem o pagamento de benefício ou a prestação de serviço pela Previdência Social, serão
plausíveis de terem os seus responsáveis condenados em ARA, sendo essa data o marco inicial
mais remoto da pretensão. Entendimento diverso importaria em admitir força retroativa à norma
que dispõe sobre a ARA, a qual, todavia, somente seria admissível se estivesse explícita, com
clara disposição acerca dos eventos do passado ou do tempo dos eventos por ela abrangidos.430
Avaliação das indenizações regressivas acidentárias
O pedido da ARA deve abranger todas as despesas que o INSS teve e/ou terá em razão do
acidente do trabalho. O montante do ressarcimento a ser requerido, portanto, não se limita ao
valor pago pelo INSS a título de prestações infortunísticas (vencidas e vincendas), podendo
abranger o total dos custos suportados pela autarquia, incluindo despesas com pessoal, uso de
equipamentos etc., desde que devidamente comprovados e individualizados.
Para Pulino, sendo públicos os recursos administrados pelo INSS, mais do que
conveniente, mostra-se necessário que sejam ressarcidas todas e quaisquer despesas havidas a
partir de acidentes para os quais concorreu a inobservância, pelas empresas, de seu dever jurídico.
O pedido, portanto, deve alcançar a mais completa reparação dos danos sofridos pelo Instituto,
mas, conforme ressaltado pelo próprio autor, somente aquilo que vier a ser efetivamente
comprovado nos autos poderá ser restituído aos cofres do INSS.431 Dallegrave Neto manifesta-se
no mesmo sentido, referindo que o pedido de ressarcimento da Previdência Social na ARA
envolve todas as despesas devidamente comprovadas que despendeu com o acidentado.432
Apesar de os autores não mencionarem especificamente a possibilidade de o INSS pedir o
ressarcimento das despesas administrativas, a completa reparação defendida leva a crer que todas
as despesas suportadas pela autarquia podem, de fato, integrar o pedido da ARA, desde que,
como já ressaltado anteriormente, sejam devidamente demonstradas e individualizadas.
Especificamente quanto aos benefícios pagos mensalmente pelo INSS em razão do
infortúnio, a condenação na ARA envolve o dever de restituir as parcelas já liquidadas e todas as
que ainda vierem a ser pagas, enquanto o benefício estiver ativo, não sendo possível, conforme já
decidido pelo TRF4, limitar a condenação nas parcelas vincendas à determinada idade do
segurado acidentado, sendo o ressarcimento devido enquanto perdurar o pagamento do benefício
pelo INSS.433
Essa questão, contudo, precisa ser ampliada. Considerando que o segurado, de qualquer
modo, poderia, um dia, vir a se aposentar por tempo de contribuição ou idade, não seria possível
limitar a condenação na ação regressiva até a época em que o segurado atingisse a idade para
obtenção do referido benefício? A princípio, a resposta é negativa, pois o segurado acidentado,
não raramente, cessa suas contribuições a partir do momento do infortúnio. Todavia, se na data
do infortúnio já tivesse atingido todos os requisitos para a obtenção de algum dos referidos
benefícios previdenciários, a questão poderia ser alegada como matéria de defesa, já que o INSS
não estaria tendo prejuízo, apesar de o foco da ARA não ser apenas a restituição aos cofres
públicos dos valores despendidos indevidamente pela Previdência Social. Entretanto, ainda que
admitida tal hipótese, para aferir se houve prejuízo ou não, seria necessário averiguar o valor do
benefício a que o acidentado teria direito, que poderia ter incidência do fator previdenciário, por
exemplo, e o que efetivamente terá direito em razão do infortúnio, que geralmente, não terá
nenhum redutor. Comprovado que houve prejuízo para a autarquia gestora do seguro social, a
condenação na ARA é cabível, mas poderia ser limitada à diferença do quanto o INSS pagaria se
o segurado tivesse feito uso do seu direito adquirido e de quanto está pagando.
Ainda, é preciso analisar se seria possível a condenação na ARA abranger benefícios
sucessivos de espécies distintas concedidos ao segurado ou aos seus dependentes, mesmo que a
concessão desses ainda não tenha se efetivado. A princípio, se o fato gerador do benefício
sucessivo for o mesmo infortúnio laboral, entende-se que não há óbice. Como exemplo, pode-se
trazer o do segurado que está afastado do trabalho em razão do acidente do trabalho percebendo
auxílio-doença, sendo a ação de regresso ajuizada enquanto tal benefício ainda está ativo, com
pedido de ressarcimento das prestações já pagas e as que ainda vierem a ser pagas. Após o
trânsito em julgado que julgou procedente tal ação, as lesões decorrentes do acidente se
consolidam, resultando em sequelas que implicam redução da capacidade para o trabalho que
habitualmente exercia o segurado, motivo pelo qual o INSS lhe concede o benefício de auxílio-
acidente. Nesse caso, entende-se que não há dúvida sobre a abrangência do direito de regresso,
devendo esse novo benefício concedido integrar a condenação, pois decorrente do mesmo fato
gerador. Ocorre que tal questão deverá constar da decisão, sob pena de gerar nova discussão
judicial a respeito, motivo pelo qual o INSS deve requerer especificamente a condenação do
responsável ao pagamento de todas as despesas já efetuadas e todas as que ainda serão efetuadas,
mesmo que a títulos distintos, desde que devidamente comprovadas.
Outro exemplo que pode ser abordado aqui é o do segurado que é aposentado por
invalidez em razão de acidente do trabalho e que, posteriormente, vem a falecer, gerando a
concessão de pensão por morte aos dependentes. Nesse caso, também é possível o responsável vir
a ser condenado a ressarcir a pensão por morte? Até quando? Entende-se que se a morte do
segurado decorrer do agravamento da invalidez, antes da idade estabelecida pelo IBGE como
expectativa de vida, é possível, sendo devido o ressarcimento enquanto perdurar o pagamento do
benefício pelo INSS. Entretanto, se a causa do óbito for outra ou se o óbito ocorrer após a idade
tida como duração provável da vida da vítima434 pelo IBGE, entende-se que não caberia a
condenação para ressarcir eventual pensão por morte, exceto se, na última hipótese, os fatos
ocorreram em datas muito próximas, devendo ser analisado o caso concreto para definir o
cabimento da condenação ou não. De todo modo, todas essas questões devem constar do pedido
da ação de regresso e da decisão, pois a ausência de referência obrigará nova discussão judicial.
Situação similar se verifica no caso de concessão do benefício de pensão por morte aos
dependentes de segurado já aposentado que venha a falecer em razão de acidente do trabalho. A
princípio, já tendo o segurado cumprido os requisitos para a obtenção do benefício de
aposentadoria e tendo a pensão por morte o mesmo valor, se a questão for visualizada apenas pela
ótica do prejuízo sofrido pelo INSS, não caberia condenação para ressarcir os valores
despendidos com a pensão por morte. Todavia, não impondo o art. 120 da Lei nº 8.213/91 como
requisito para o ajuizamento da ARA o referido prejuízo, mas apenas a constatação de
negligência por parte dos mantenedores dos ambientes laborais quanto às normas de SST, o que
evidencia o caráter pedagógico-punitivo do instrumento, sua propositura é perfeitamente cabível
mesmo na hipótese ventilada.
Cessados os benefícios concedidos em razão de infortúnios laborais, cessa também o
dever de ressarcir decorrente de eventual ação de regresso. Ocorre que esse benefício pode vir a
ser restabelecido caso o segurado não consiga voltar ao trabalho de forma definitiva, por
exemplo. Sabendo dessa possibilidade, o INSS deve incluí-la nos pedidos da ARA, de modo que
haja decisão judicial a respeito e não seja necessária uma nova discussão para definir a questão.
Por fim, cabe abordar nesse tópico eventual possibilidade de desconto na condenação da
ARA das contribuições patronais pagas pelo demandado a título de SAT. Já tendo havido
conclusão no item 3.1 no sentido de que tais contribuições têm natureza de tributo, bem como se
inserem em um sistema previdenciário de caráter contributivo e de repartição, baseado no
princípio da solidariedade, resta evidente que a hipótese aventada não seria legítima.
Constituição de capital
Abrangendo a condenação nas ARAs as prestações vincendas e com o intuito de garantir a
efetividade do provimento judicial, o INSS tem requerido a constituição de capital cuja renda
assegure o pagamento das prestações mensais, nos termos do art. 475-Q do CPC435, incluído pela
Lei nº 11.232/2005.
A Súmula nº 313 do STJ prevê que, em ação de indenização, procedente o pedido, é
necessária a constituição de capital ou caução fidejussória para a garantia de pagamento da
pensão, independentemente da situação financeira do demandado. Em julgamento de caso
específico, o Tribunal concluiu que não se pode perder de vista que a finalidade primordial do
instituto da constituição de capital é assegurar ao lesado o efetivo recebimento das prestações
futuras, sendo que a experiência comum previne ser temerário, em face da celeridade das
variações e incertezas econômicas no mundo de hoje, afirmar que empresa particular, por sólida e
confortável que seja sua situação atual, nela seguramente permanecerá em longo prazo. Diante
disso, a cautela recomenda a constituição de um capital ou a prestação de uma caução
fidejussória, para garantia do recebimento das prestações de quem na causa foi exitoso.436
Apesar disso, os Tribunais, em geral, têm afastado o requerimento do INSS quanto à
necessidade de constituição de capital, tendo em vista a autarquia já ter instituído pensão por
morte em favor dos dependentes dos operários falecidos e caber à condenada apenas o reembolso
dos gastos realizados com o pagamento dos benefícios, nos termos do art. 20, § 5º, combinado
com o art. 475-Q do CPC437, que prevêem a condenação do devedor a constituir capital apenas
quando se tratar de indenização por ato ilícito que inclua prestação de alimentos e, na espécie, a
prestação de alimentos cabe ao INSS e não à empresa, cuja obrigação é de reembolso dos valores
despendidos pela Autarquia Previdenciária438. O TRF2 também afastou o pedido de constituição
de capital, tendo em vista as parcelas cobradas pelo INSS não se tratarem, diretamente, de verba
alimentar, já que o pagamento aos beneficiários continuará sendo feito pela Autarquia
Previdenciária independentemente da restituição eventualmente efetuada pela empresa.439
O TRF4 salientou que, tendo a condenação decorrente da ARA natureza diversa da
alimentar prevista no art. 475-Q do CPC440, ou seja, não sendo a empresa ré condenada a prestar
alimentos ao segurado acidentado ou seus dependentes, mas a ressarcir ao INSS, que é o
responsável pelo pagamento do benefício, incabível a constituição de capital para o pagamento
das parcelas vincendas.441 Todavia, cumpre registrar esse Tribunal já decidiu em sentido diverso,
determinando a constituição de capital com o intuito de garantir a satisfação da condenação442,
independentemente do futuro da requerida.
O TRF3, partilhando do entendimento dos demais Tribunais até aqui analisados, entendeu
que a natureza da indenização paga pelo INSS aos dependentes do segurado falecido é alimentar,
mas a do responsável condenado em ação de regresso, não, motivo pelo qual não cabe a
determinação da constituição de capital suficiente para garantir o pagamento de prestações
vincendas, sendo que tal providência somente seria possível como provimento de natureza
cautelar, demonstrando-se o risco de insolvência.443
Somente havendo risco de insolvência de empresa condenada em ARA, portanto, seria
possível o ajuizamento de ação cautelar própria, apenas para obter a constituição de capital.
Entende-se, entretanto, que a postura jurisprudencial está equivocada, principalmente porque tem
esquecido que o que se busca com a ARA é o ressarcimento dos prejuízos suportados por toda a
sociedade, motivo pelo qual a eficácia da decisão não pode ficar à mercê de crises econômicas
que, não raramente, afetam os mais diversos setores da economia em nosso país.
Diante disso, a não implementação dessa medida, segundo Maciel, pode gerar prejuízos à
economia processual, já que obrigará o INSS, na hipótese da não satisfação espontânea da
obrigação no transcurso do tempo, a instaurar reiterados cumprimentos de sentença.444
Produção de provas
Apesar de se defender neste estudo a possibilidade de incidência da responsabilidade
objetiva para amparar a condenação dos responsáveis nas ARAs ajuizadas pelo INSS, enquanto
essa possibilidade não restar plenamente admitida pela jurisprudência, cabe à Autarquia, por
meio de uma adequada e completa instrução pré-processual, obter todos os meios de prova acerca
da negligência dos responsáveis, ou seja, os fatos constitutivos do seu direito, apresentando-os
em juízo para amparar sua pretensão, situação na qual a condenação será fundamentada na
responsabilidade subjetiva. De todo modo, mesmo que admitida a responsabilidade objetiva, em
sendo possível, deve o INSS continuar a demonstrar a culpa do mantenedor do ambiente laboral,
pois tal evidência facilitará a convicção do juízo quanto à necessidade de condenação, ou seja, o
sucesso da demanda.
Dentre as provas que podem ser utilizadas pelo INSS para fundamentar sua pretensão
regressiva estão a sentença trabalhista transitada em julgado que reconhecer a responsabilidade
do empregador para fins de reparação civil perante o acidentado ou seus familiares, o inquérito
policial que tenha investigado o acidente do trabalho ou a sentença penal transitada em julgado
que tenha responsabilizado o empregador por homicídio ou lesão corporal culposa decorrente de
acidente do trabalho.
Todavia, o principal meio de prova a ser utilizado pela Previdência Social, especialmente
nos casos de acidentes típicos, é o relatório do acidente de trabalho, produzido pelos auditores
fiscais do trabalho do MTE quando da ocorrência de acidentes graves ou fatais, no qual são
indicadas as causas do infortúnio e as normas de SST descumpridas pelo responsável.
O TRF1 já afirmou a possibilidade de documentos públicos, que materializam atos
administrativos, como é o caso dos relatórios de acidentes do trabalho, produzidos pelos auditores
fiscais do trabalho, servirem para comprovar a negligência do mantenedor do ambiente laboral,
tendo em vista serem dotados de presunção de legitimidade e veracidade.445
Diante disso e com vistas à prevenção e repressão de acidentes do trabalho, especialmente
pelo incremento do ajuizamento de ARAs, o MTE e o MPS, com a interveniência do INSS
celebraram, em 29/09/2008, o acordo de cooperação técnica n° 08/2008, publicado no Diário
Oficial da União de 30/09/2008, com prazo de vigência de cinco anos, no qual o MTE se
compromete a promover a fiscalização do empregador e a análise das causas dos acidentes graves
ou fatais, encaminhando o relatório das análises ao INSS, a fim de que este, por meio de sua
Procuradoria, avalie as informações para fins de exercício do direito de regresso.
A inversão do ônus da prova nas ARAs tem sido admitida pela jurisprudência, conforme
já referido no item 3.2, de modo que a responsabilidade do mantenedor do ambiente laboral é
presumida, cabendo-lhe afastar essa presunção, com a prova da existência de fato impeditivo,
modificativo ou extintivo do direito, ou seja, as hipóteses de exclusão do nexo causal, sendo
impossível, entretanto, que a empresa oponha ao INSS convenção particular que a exonere da
responsabilidade por acidente, tendo em vista sua manifesta ilegalidade, conforme já decidido
pelo TRF1446.
Transação judicial e cobrança extrajudicial
Dentre os principais aspectos processuais, cabe abordar ainda a possibilidade de transação
judicial em sede de ARA, bem como acerca da obrigatoriedade ou não de uma tentativa de
cobrança extrajudicial dos valores despendidos pela Previdência Social, sob pena de extinção do
processo por ausência de interesse de agir.
Em caso analisado pelo TRF5, a empresa ré alegou em sede de preliminar a carência de
ação do INSS, por falta de interesse processual, sendo que a preliminar restou rejeitada porque a
própria resistência da parte requerida ao alegado direito da parte requerente revelava a
necessidade dessa última socorrer-se do Judiciário para ter sua pretensão reconhecida.447
Apesar de no caso ter sido reconhecido o interesse processual, tendo em vista a empresa
ter contestado o mérito da ação proposta pelo INSS, é preciso que a PGF, juntamente com o
MPS, reflita sobre a questão, estabelecendo situações que ensejam o acionamento extrajudicial
dos responsáveis pelos ambientes laborais que originaram infortúnios (acidentes ou doenças do
trabalho) geradores de benefícios concedidos no âmbito do seguro social e os meios de fazê-lo,
até porque é muito mais econômico para toda a sociedade que tal conflito seja resolvido fora do
Judiciário, especialmente quando a cobrança envolver valores menores e pré-definidos, como nos
casos em que o benefício já tenha sido cessado em razão da recuperação da capacidade laboral.
Registre-se que nada impede que o direito de regresso seja exercido extrajudicialmente,
até porque a constitucionalidade da ARA já restou firmada pela jurisprudência, todavia, para o
sucesso de uma empreitada voltada à solução extrajudicial dos conflitos oriundos da previsão do
art. 120 da Lei nº 8.213/91, faz-se necessário a consolidação da jurisprudência acerca das
hipóteses de cabimento da ARA e de todos os demais aspectos processuais ora analisados.
A solidificação jurisprudencial acerca das diversas questões que envolvem as ARAs
poderá até, num primeiro momento, não ser suficiente para que os responsáveis assumam
extrajudicialmente seu dever de ressarcir as despesas suportadas pelo INSS, mas já poderá abrir
espaço para que busquem a transação na esfera judicial, hipótese que exigirá por parte da
autarquia alguma cessão, cuja possibilidade deve ser desde já debatida no âmbito da PGF, em
prol da celeridade da solução dos conflitos e da recuperação dos recursos públicos indevidamente
despendidos.
4 A IMPORTÂNCIA DO INSTITUTO DA AÇÃO REGRESSIVA ACIDENTÁRIA PARA
A TUTELA DO AMBIENTE LABORAL

4.1 O CARÁTER PEDAGÓGICO DA AÇÃO REGRESSIVA ACIDENTÁRIA

A ação de regresso é o instrumento jurídico disponibilizado àquele que suporta os ônus


decorrentes de um dano causado ao direito de outrem, sem que tenha sido o seu causador, para
reaver os prejuízos com os quais injustamente arcou de quem efetivamente ocasionou o agravo.
O direito de regresso, portanto, pressupõe a existência de uma relação triangular, formada
pelo sujeito que sofre o dano, por quem causa o agravo e por aquele que arca com o prejuízo de
modo objetivo, comumente por definição legal, de modo a facilitar o ressarcimento dos prejuízos
suportados indevidamente por quem sofreu o dano (vítima). Àquele que arcou com os ônus
objetiva e injustamente, já que não foi o causador do dano, o Direito concede a faculdade de
buscar regressivamente a devolução de todos os valores despendidos em decorrência do evento
contra o seu verdadeiro responsável.
O art. 120 da Lei n° 8.213/91, ao dispor sobre o direito/dever de regresso da Previdência
Social contra os responsáveis nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e
higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, deixou em aberto os objetivos
buscados pelo ajuizamento da referida ação. Inobstante, tratando-se de ação de regresso, o
objetivo econômico/ressarcitório é inerente ao instituto. Diante disso, o mero descumprimento
das normas de SST, a princípio, não permite o ajuizamento da ARA pela Previdência Social448, já
que inexistente qualquer prejuízo aos cofres públicos cujo ressarcimento se deva buscar por meio
de tal instrumento jurídico.
Assim, apesar de o dispositivo legal que instituiu a ARA não referir a necessidade de
gastos com prestações sociais acidentárias para dar azo ao seu ajuizamento, tal exigência é
decorrência lógica do instituto jurídico de que se valeu o legislador. Entretanto, tratando-se de
medida disponibilizada ao órgão responsável pela gestão do seguro social, sua definição e
interpretação devem ser ampliadas, já que a simples reparação financeira importaria em atribuir-
lhe uma finalidade extremamente limitada, sendo que se a restrição não foi feita pelo legislador,
também não cabe ao intérprete fazê-la.
O Estado, tendo por objetivo satisfazer interesses sociais, deve valer-se de meios capazes
de concretizar políticas públicas voltadas ao bem comum, sendo que a ARA deve ser definida a
partir dessa concepção de atuação estatal, tratando-se de um instrumento de fundamental
relevância no que se refere ao cumprimento pelo Poder Público do seu dever de preservar um
meio ambiente equilibrado, inclusive o do trabalho, e proteger a vida e a integridade física e
psíquica dos cidadãos-trabalhadores, prevenindo a ocorrência de acidentes.
O adequado manejo da ARA, portanto, pode colaborar com a melhoria das condições de
segurança e higiene no trabalho e, consequentemente, com o resguardo da saúde e da vida dos
trabalhadores, pois as empresas, ao perceberem a efetiva utilização do instituto, tenderão a optar
pelo fiel cumprimento das normas legais para a manutenção de um ambiente de trabalho seguro e
salubre a ter que suportar futuras responsabilizações, que poderão comprometer, inclusive, a
estabilidade financeira do empreendimento, independentemente do seu porte, seja de forma direta
(condenação econômica) ou indireta (perda de credibilidade diante da sociedade/consumidores
em razão da reprovação imposta, que demonstra o desrespeito aos direitos dos trabalhadores).
Assim, é a função pedagógica da ARA deve ser ressaltada, pois essa é a que efetivamente
evidencia o seu caráter de instrumento de tutela do MAT, além de representar a hipótese ideal de
vigência da norma.
Em sua “Teoria Pura do Direito”, Kelsen explica que para uma norma ser considerada
verdadeiramente eficaz, não basta que os órgãos jurídicos a apliquem, sendo imprescindível que
os indivíduos deixem de adotar determinada conduta para evitar a sanção. Essa é a hipótese ideal
da vigência de uma norma jurídica, isto é, quando ela nem sequer chega a ser aplicada, pelo
simples fato de a representação da sanção a ser executada no caso de ocorrer determinada
conduta se ter tornado, relativamente aos indivíduos submetidos à ordem jurídica, em motivo
suficiente para deixarem de praticá-la, o que é lógico, na medida em que a estatuição de sanções
tem por fim impedir a conduta condicionante da sanção (prevenção). Nessa hipótese, a eficácia
da norma jurídica reduz-se à sua observância.449
A ARA trata-se de norma complementar àquela prevista na CF/88 que prescreve a
conduta de reduzir os riscos existentes no MAT, dispondo sobre sanção aplicável em caso de
descumprimento. Como norma representativa de sanção que é, a sua hipótese ideal de vigência
seria a desnecessidade de sua aplicação, já que todos controlariam os riscos a fim de evitar a
sanção. A eficácia da norma prevista no art. 120 da Lei n° 8.213/91, portanto, se daria com a
mera observância da norma contida no art. 7°, inciso XXII, da CF/88.450
Com efeito, a ARA não se trata de simples fonte de financiamento para a manutenção dos
benefícios e serviços geridos pela Previdência Social, como defendido por Mendes451. Seu papel
vai muito além de política de custeio previdenciário, alcançando o status de política pública de
prevenção de acidentes do trabalho e de preservação/proteção do bem maior da vida humana, que
deve ser usufruída com dignidade. Se o interesse na propositura da ARA se restringisse ao
cumprimento de uma política de custeio do seguro social, teria que ser defendido um aumento no
número de ações ajuizadas; mas o que se busca, na realidade, é uma diminuição no número de
acidentes do trabalho, o que, infalivelmente, refletirá numa menor quantidade de ações de
regresso a serem ajuizadas no futuro.
Registre-se que defender a ARA como instrumento de tutela do MAT não importa em
outorgar-lhe o papel de principal instrumento à disposição do Estado para cumprir o seu dever de
atuar em prol do equilíbrio desse ambiente. A ARA trata-se de meio subsidiário, de caráter
repressivo-preventivo, cuja utilização dependerá de um prévio descumprimento das normas de
SST. Contudo, descumpridos tais deveres, sua propositura é impositiva, seja com o intuito de
punir o responsável; seja com o de educar para evitar a reiteração.
Aristóteles já dizia que as pessoas, em sua maioria, obedecem mais à necessidade que aos
argumentos, e mais aos castigos que ao sentimento daquilo que é nobre.452 Tal conclusão,
infelizmente, se aplica perfeitamente ao que se está defendendo neste estudo. É nobre que se
mantenha ambientes de trabalho adequados para preservar a vida e a integridade física dos
trabalhadores, motivo pelo qual se espera atuações nesse sentido independentemente de qualquer
sanção. Mas se o dever não for cumprido pelo simples fato de o resultado ser nobre ou pelos mil
argumentos existentes em prol da prevenção, a obediência será forçada, em razão da necessidade
do empreendedor de não perder dinheiro diante da atual conjuntura econômica ou de não sofrer
punições financeiras que prejudiquem o desenvolvimento do negócio.
A responsabilidade civil é o instituto jurídico que abarca o direito de regresso, nesse
incluído o exercido pela Previdência Social, o que implica em buscar nos objetivos da
responsabilidade civil também os perseguidos pela ARA.
Para Noronha, a dissuasão é uma das funções da responsabilidade civil que serve a coibir
repetição de igual prática danosa, quer pelo lesante, quer por quaisquer pessoas, em um papel de
prevenção especial e geral, sendo que a relevância dessa função cresce diante da identificação de
uma nova categoria de dano, o dano social que, segundo Azevedo, é aquele que atinge a
sociedade como um todo, trazendo um rebaixamento imediato do nível de vida da população, tal
como se dá quando são gravemente desrespeitadas obrigações de segurança ou quando se
evidenciam comportamentos “exemplarmente negativos”.453
Melo destaca a natureza jurídica dúplice da responsabilidade civil, como a que decorre de
uma ação de regresso, isto é, de sanção e de reparação, sendo a indenização um sucedâneo da
última. Para o autor, as duas se complementam, porque ambas visam a castigar o ofensor,
gerando um efeito punitivo pela ausência de cautela na prática de seus atos, persuadindo-o a não
mais lesionar, além de criar uma desmotivação social no seio da comunidade para que ninguém
mais venha a praticar tais atos lesivos às outras pessoas. Trata-se do efeito pedagógico,
normalmente chamado de “lição exemplar”, da qual todos devem tomar conhecimento para que
não ajam como o agressor.454
O efeito pedagógico da sanção pecuniária também é enfatizado por Silva Neto, ao referir
que essa, por mais elevada que seja, jamais será proporcional ao agravo cometido, embora sirva
pedagogicamente para precaver os desavisados quanto à desobediência ao autêntico postulado de
liberdade das pessoas.455
Maciel identifica três objetivos nas ARAs, representados pelas pretensões ressarcitória,
punitiva e preventiva, sendo essa última também chamada de dissuasora, diferenciando-se das
anteriores pela sua eficácia prospectiva, já que visa a evitar atos futuros potencialmente
causadores de danos.456
Tais pretensões, na prática, estão intimamente interligadas, especialmente a punitiva e a
preventiva, já que a prevenção será resultado justamente da sanção, cuja reincidência o causador
do dano responsabilizado procurará evitar. É por isso que os efeitos mediatos da responsabilidade
civil decorrentes da ARA, representados pelo caráter punitivo-pedagógico, têm tamanha
relevância no desempenho do dever de prevenir os infortúnios laborais.
Santos explica que o caráter sancionador da norma jurídica pode ter dois aspectos, o
repressivo, identificado pela função de inibir pedagogicamente as condutas incompatíveis com o
padrão legal, e o premial, representado pelo estímulo a comportamentos desejáveis.457
De um modo ou de outro, cedo ou tarde, a consciência da necessidade de concretização
dos princípios da prevenção e da precaução no MAT precisa se instalar e, como bem refere
Milton Santos, “não importa que esse movimento de tomada de consciência não seja geral, nem
igual para todas as pessoas. O importante é que se instale.”458 E para isso, Oliveira orienta:

A gestão adequada dos riscos para preservação da saúde e integridade dos


trabalhadores não se resume simplesmente ao cumprimento de normas para atender a
legislação e fugir das multas trabalhistas. Vai muito além disso. Representa uma
moderna visão estratégica dos negócios e requisito imprescindível para a sobrevivência
empresarial no longo prazo.459

As condições inadequadas dos ambientes de trabalho, cuja principal consequência é o


infortúnio, são fruto de diferentes causas, entre as quais se podem citar a falta de conhecimento
por parte do empreendedor, do trabalhador e até mesmo do fornecedor/fabricante de máquinas
acerca dos riscos que a atividade envolve; a falta de investimentos na melhoria das condições,
seja pela ausência de informação sobre os meios de prevenção, seja pela difusão da ideia de que
os custos para tratamento dos riscos são muito elevados; a atuação ineficiente do Poder Público
em prol da melhoria do ambiente, seja pela falta de atuações preventivas ou pró-ativas
(fiscalização), seja pela carência ou ineficácia das ações repressivas (multas), seja pela falta de
unidade/direcionamento das práticas públicas voltadas à proteção do MAT e do trabalhador.
O enfrentamento dessas causas depende da prévia tomada de consciência de todos os
responsáveis pela tutela do MAT, de modo que cada um desenvolva as incumbências que lhe
competem. Ao Estado, em todas as suas esferas, cabe educar, direcionar, fiscalizar e reprimir.
Aos trabalhadores e seus representantes importa atentar para os riscos e seus efeitos sobre suas
vidas, de modo que se busquem informações, não havendo conformismo e nem aceitação quanto
aos motivantes dos infortúnios, bem como apoiar e exigir iniciativas do empreendedor quanto ao
tratamento dos riscos. Aos mantenedores de ambientes laborais cabe aprender, prevenir e investir,
não necessariamente nessa ordem; cabe, em suma, compreender que não é possível oferecer um
MAT adequado sem desembolso de dinheiro, mas que também não é possível ter um processo
produtivo eficiente e lucrativo a longo prazo sem a eliminação ou, pelo menos, diminuição dos
riscos ambientais laborais.
Melo registra que algumas empresas multinacionais têm demonstrado que o investimento
na prevenção dos acidentes do trabalho representa um bom negócio em termos econômicos,
porque se de um lado diminui custos, ao contrário do que muitos pensam, de outro, melhora a
qualidade e produtividade, que hoje são fatores indispensáveis para a competitividade cada vez
mais acirrada nos mercados internos e externos. Cita como exemplo a empresa Johnson &
Johnson, que comprovou uma economia de US$ 9, que seriam desperdiçados em pagamentos de
benefícios, perdas de produtividade etc., para cada dólar investido em SST. Essa atitude é típica
de empresários racionais, que friamente analisam as possibilidades lucrativas com e sem
investimentos na prevenção de riscos ambientais, adotando sempre a alternativa que lhes
proporcione lucro ou, ao menos, evite perdas; em oposição aos ignorantes, que chegam mesmo a
desconhecer os riscos ambientais e regras de prevenção; e aos avarentos460, estes definidos por
Aristóteles, como aqueles que sofrem de deficiência em relação ao dar e têm excesso no obter461.
Oliveira explica que ato inseguro e condição insegura são os conceitos centrais da “teoria
dos dominós”, elaborada por Heinrich, na década de 1930462, sendo que os acidentes do trabalho
costumam ser explicados pelas empresas e pelos próprios trabalhadores com base nos atos
inseguros, já que os riscos ambientais são compreendidos como inerentes ao trabalho (naturais e
inevitáveis), ou seja, há um processo de naturalização dos riscos, cujas consequências mais
visíveis são a limitação das possibilidades de prevenção e a culpabilização dos trabalhadores
pelos acidentes de que são vítimas. Alguns acontecimentos podem ter efeito desnaturalizador, ou
seja, de alterar as condições de produção dos discursos e apontar para a possibilidade de mudança
das condições de trabalho. Infelizmente, tais acontecimentos costumam ser os acidentes do
trabalho mais graves, que acabam revelando riscos até então naturalizados e conduzindo a ações
de reivindicação de melhores condições de trabalho e até mesmo à recusa a trabalhar.463
A melhoria das condições ambientais de trabalho, muitas vezes, deixa de acontecer
porque as empresas e os trabalhadores naturalizaram os riscos, passando a considerá-los como
inerentes aos trabalho e, consequentemente, impossíveis de serem eliminados. Tal
comportamento é inaceitável num Estado que coloca a dignidade da pessoa humana como
princípio direcionador de sua atuação. Além disso, a impossibilidade de eliminação de alguns
riscos, efetivamente inerentes ao trabalho, não implica em desnecessidade de tratamento para sua
redução. Ademais, todas as consequências dos riscos criados são de responsabilidade de quem os
criou, motivo pelo qual sua presença no MAT não implica em afastamento da responsabilidade
do seu mantenedor. É por isso que nenhum risco pode ser considerado natural, pois tal atitude
implica em aceitá-lo sem, ao menos, se tentar tratá-lo, mesmo quando sua eliminação possa ser
obtida com um procedimento relativamente simples.
É o que ocorre, por exemplo, com a substituição de um agente químico mais agressivo por
outro mais brando, o que, às vezes, é possível, pela mudança do processo de produção, como
explicado por Silva Filho, ao expor que o óxido de eteno é um produto bastante agressivo, que
possui limite de tolerância muito baixo, sendo muito usado em indústrias de material cirúrgico,
como esterilizador químico, e em indústrias de tintas e vernizes; enquanto se tem outro produto
químico da mesma família, o óxido de propileno, que é bem menos agressivo e de
comportamento muito semelhante.464
Aos empreendedores que continuam pensando que os ambientes de trabalho precisam ser
necessariamente fuliginosos, com aparência fria e hostil, Nalini alerta que não percebem que
submeter seus trabalhadores a tais condições “redunda em queda da produtividade,
retroalimentação de um clima interno desfavorável, cultivo de sentimentos de animosidade, tudo
em prejuízo de uma racional concepção de saudável ambiente laboral.” Contudo, o autor é
otimista ao refletir que “a consciência de que o ambiente do desenvolvimento das atividades
laborativas precisa ser condicionado à dignidade da pessoa humana vem contaminando as
mentalidades empresariais modernas”, principalmente nas grandes empresas, com experiência
internacional, nas quais se asseguram condições privilegiadas aos trabalhadores, especialmente
porque “o ser humano bem tratado, em ambiente condigno, produz mais e melhor”, interessando
ao capital não descuidar disso.465
Frequentemente se percebe por parte das empresas investimentos de quantias exorbitantes
em renovação do maquinário, modernização do parque industrial e inserção de tecnologias
inovadoras, sem que se previnam os riscos decorrentes dessas novas formas de desenvolvimento
das atividades, sendo que tais providências, não raramente, representam um custo que nem seria
tão significativo se comparado com o investimento feito na reestruturação. Dos empreendedores,
ouvem-se desculpas: “já gastei tanto, não posso gastar mais isso” ou “me deixe recuperar o tanto
que investi, depois se pensa nesses riscos” ou “com tanta modernidade, a possibilidade de
concretização desse risco não deve ser tão grande”.
Esse comportamento dos mantenedores dos ambientes laborais, que infelizmente ainda é
mais comum do que aquele da visão otimista apontada por Nalini, normalmente mais restrito a
alguns setores, senão empresas, tende a decorrer da inexistência de receio quanto às
consequências desse modo de atuação. Sendo a fiscalização no Brasil ainda ineficaz, a
possibilidade de as empresas sofrerem uma punição administrativa (multa, embargo, interdição) e
serem consequentemente obrigadas a cumprir o que deveria ser inerente ao próprio exercício da
atividade, isto é, as normas de SST, costuma ser pequena, motivo pelo qual continuam
assimilando a prevenção dos acidentes do trabalho como despesas e não como investimentos.
Essa situação precisa mudar, urgente e definitivamente, sendo a ARA uma ferramenta importante
para isso, desde que efetivamente utilizada, de modo a infligir temor aos maus mantenedores de
ambientes do trabalho.
Para Silveira, a ARA, além de trazer de volta aos cofres públicos as verbas que foram
despendidas em razão do descumprimento das normas afetas ao bom e seguro ambiente de
trabalho, pode inculcar nas empresas os riscos do descuido consciente acerca da SST, sendo que,
em épocas em que o chamado "rombo na previdência" está tão em voga, a sua utilização se faz
mais do que necessária. Todavia, mais do que amenizar e estancar a sangria de recursos da
previdência causada por empresas desleixadas com a segurança no trabalho, a ARA, sem dúvida,
é um instrumento que pode salvar algo muito mais importante: a vida humana.466
Aristóteles reflete que a lei tem um poder coercitivo, é uma forma de obrigar as pessoas a
se tornarem boas, além de ser, ao mesmo tempo, uma regra baseada em uma espécie de sabedoria
e razão prática. Diante disso, critica o legislador, que parece não ter a capacidade de legislar, pois
se soubesse, as próprias leis poderiam tornar as pessoas melhores.467 De fato, a mera previsão
legal deveria ser suficiente para melhorar as condições de trabalho, bem como concretizar outras
modalidades de dignificação da pessoa humana. Todavia, é a previsão da sanção e o efetivo
receio de sua aplicação que faz as pessoas se tornarem melhores e cumprirem com mais
fidelidade as normas legais, destinadas a um melhor e mais justo convívio em sociedade. Esse é o
efeito pedagógico, de vital importância no que se refere à ARA, já que, além de restituir à
sociedade os prejuízos indevidamente suportados pelo comportamento contrário às normas, pode
prevenir a ocorrência de novos danos.
A ARA, apesar de prevista na legislação desde 1991, vinha sendo pouco usada pela
Previdência Social até 2008, tendo sido ajuizadas somente 602 ações em quase dezessete anos de
existência do instituto (cerca de 35 ações por ano). A partir de 2009, a partir de um trabalho
realizado pela PGF, órgão da AGU, na qualidade de representante judicial do INSS, que assentou
a ARA entre suas ações prioritárias, na defesa direta do Erário e indireta da saúde e da vida dos
trabalhadores, o número de ações ajuizadas foi visivelmente incrementado, tendo sido propostas,
em menos de dez meses (até 07/10/2009), 398 ações, ou seja, 66% do número que havia sido
atingido até então.468 Em 23/07/2010, o total de ARAs ajuizadas já alcançava a marca de 1.400
processos, que buscam o ressarcimento de aproximadamente R$ 100 milhões.469
Tal mudança de postura é primordial, pois, como referem Maturana e Varela, é impossível
atender ao princípio da adequação social se o Direito não é posto em contato com o mundo e com
as pessoas sobre a vida das quais irá regular.470 Assim, para averiguar a real utilidade e
viabilidade da ARA em servir ao propósito de tutelar o MAT, auxiliando na prevenção de
acidentes do trabalho e preservando a saúde e a vida dos trabalhadores, imprescindível que seja
posta em prática, interagindo com a sociedade cuja proteção pretende garantir. Para tanto, o
número de ARAs ajuizadas até o momento, ainda que tenha sido incrementado, precisa aumentar
ainda mais, a fim de atingir um patamar no qual tenha significado pedagógico concreto, até
porque o atual panorama de acidentes do trabalho no Brasil tem espaço para tanto.

4.2 OS IMPACTOS DA AÇÃO REGRESSIVA ACIDENTÁRIA NAS PEQUENAS E


MICROEMPRESAS

4.2.1. O princípio constitucional econômico do tratamento favorecido para as pequenas e


microempresas e a harmonização com o dever de redução dos riscos ambientais laborais

O princípio do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte (EPP)


constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País (art. 170, inciso
IX, da CF/88) não se trata de uma autorização para violarem direitos fundamentais com o intuito
de reduzir seus custos e assim se manterem no mercado, mas um dever imposto ao Estado de
encontrar e disponibilizar meios legais para essas empresas desenvolverem atividades
econômicas formalmente, já que a informalidade é uma das piores pragas do mercado, motivo
pelo qual precisa ser combatida.
A partir das definições de microempresa (ME) e de EPP trazidas pela Lei nº 9.841/99471,
Grazziotin ressalta que a expressão pequena empresa não difere da expressão pequeno
empregador, assim lançando o seu conceito:

Trata-se daquele que, como pessoa física ou jurídica, de forma organizada,


desenvolve sua atividade, podendo ter fins lucrativos ou não, empenhando direta e
decisivamente a sua força de trabalho e, se for o caso, também de seus familiares mais
próximos, com reduzido quadro de pessoal. Faz uso de pouco capital e baixa renda bruta
com relação ao setor onde opera, buscando a sua própria mantença ou seu ideal, e que
não faça parte de grupo econômico ou esteja interligado com outro empregador,
inclusive por meio de sócios comuns de empresas pequenas, médias ou grandes.472

Tavares explica que o tratamento favorecido para esse conjunto de empresas revela a
necessidade de se proteger os organismos que possuem menores condições de competitividade
em relação às grandes empresas e conglomerados, para que dessa forma efetivamente ocorra a
liberdade de concorrência (e de iniciativa), sendo uma medida tendente a assegurar a
concorrência em condições justas entre micro e pequenos empresários, de uma parte, e de outra,
os grandes empreendedores.473
De fato, segundo Del Masso, a atividade empresária realizada por pequenos empresários
merece tratamento diferenciado compatível com a sua condição no cenário produtivo nacional.474
Contudo, ressalta Fonseca, esse tratamento protecionista não pode afrontar os princípios da livre
concorrência.475
Por meio do tratamento privilegiado, Tavares destaca que a Constituição pretende
promover o desenvolvimento social, entendendo que esse ocorrerá pelo fortalecimento das
empresas nacionais de porte menos avantajado e, consequentemente, portadoras de maiores
dificuldades na consecução de suas atividades e alcance de seus objetivos (ligados
necessariamente ao desenvolvimento do próprio país). Nesse passo, fica bastante nítida a
conotação ampla que o princípio assume, não podendo ser considerado apenas como uma mera
regra constitucional desconectada do restante das normas desse mesmo nível.476
Grazziotin adverte que, não obstante o tratamento diferenciado em favor da pequena
empresa possa parecer incongruente em uma sociedade competitiva e capitalista, já que a livre
concorrência exige igualdade jurídico-formal, na verdade, tal princípio é que poderá trazer
equilíbrio nessas relações desiguais, já que não se pode tratar de forma igual os desiguais. Além
disso, o princípio se justifica pelo mérito do pequeno empregador na geração de empregos, que
pode consagrar-se como um ótimo mecanismo do Estado e da sociedade civil para distribuir
melhor a renda e amenizar os aspectos negativos da globalização.477
A promoção do desenvolvimento de micro, pequenas e médias empresas, inclusive por
meio da capacitação, educação e desenvolvimento de habilidades profissionais, com especial
ênfase na agroindústria como provedora de meios de sustento para as comunidades rurais,
inclusive, foi retratada como meio de combate à erradicação da pobreza na Declaração da OIT de
Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e seu Seguimento, adotada pela Conferência
Internacional do Trabalho em sua 86ª Sessão, realizada em Genebra, em 1998.
O princípio constitucional do tratamento favorecido para as ME e EPP, portanto, está em
consonância com os demais princípios da ordem econômica, exatamente como deve ocorrer com
uma Constituição que preza pela máxima efetividade e pela concordância prática dos seus
dispositivos.
Assim, ao promover a tutela das ME e EPP, refere Tavares que a Constituição está
assegurando, indiretamente, a manutenção e ampliação do princípio da livre iniciativa,
permitindo que novas empresas, ainda que com estrutura reduzida ou diminuta, possam
aventurar-se em mercados já povoados por grandes empresas. Também a livre concorrência é
valorizada pelas medidas constitucionais de beneficiar tais empresas, na medida em que lhes
permitem manterem-se no mercado, apesar de seu porte, por força dos privilégios. De outra parte,
uma vez que essas empresas evoluam e efetivamente cresçam, deixarão de fazer jus aos
benefícios, já que seu tamanho permitirá que encarem o mercado sem o “auxílio constitucional”,
e o objetivo final terá sido alcançado com sucesso.478
A terceirização, fenômeno crescente diante da generalizada globalização dos mercados,
está diretamente relacionada com as ME e EPP e tem causado significativos impactos à saúde e
integridade física do trabalhador.479
Segundo Machado, a reestruturação produtiva, consequência típica da globalização, tem
levado à transferência de várias parcelas do processo de produção das grandes para as pequenas
empresas, o que faz com que hoje, para cada dez empregos, nove se localizem nessas últimas.
Ocorre que estatísticas indicam que o número de acidentes de trabalho nas pequenas empresas é o
dobro do das empresas de grande porte, o que constitui um fator de risco, considerando que a
capacidade de prevenção das pequenas empresas é reduzida em razão da falta de experiência,
pequenos investimentos em atividades e equipamentos de prevenção, falta de serviços de
profissionais de segurança e, o que é mais grave, tais empresas são destinatárias de uma
legislação mais branda em relação às questões de saúde e segurança.480
Apesar de o princípio constitucional econômico ora em debate referir apenas as EPP, as
ME também devem ser consideradas como merecedoras desse tratamento favorecido,
especialmente porque o seu rendimento bruto anual é inferior ao das EPP481. Além disso, no art.
179 da CF/88, o constituinte corrige a omissão, referindo que a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios dispensarão às ME e às EPP, assim definidas em lei, tratamento jurídico
diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas,
tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
Esse art. 179 é concretizado pela Lei Complementar (LC) n° 123/2006, denominada de
Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, que prevê como se dará esse
tratamento diferenciado e favorecido, especialmente no que se refere à apuração e recolhimento
dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias; ao cumprimento de
obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias; e ao acesso a crédito e
ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes
Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão. Tal lei também instituiu o
Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, chamado de Simples Nacional.482
Das simplificações previstas no art. 179 da Constituição não constam as das obrigações
trabalhistas, motivo pelo qual não se pode extrair de tal dispositivo legal que tenha sido mitigado
o dever das ME e EPP de cumprir os direitos fundamentais sociais, como o de manter um
ambiente de trabalho seguro e sadio.
Registre-se que o fato de a LC n° 123/2006 tratar da simplificação das relações de
trabalho não afronta o dispositivo constitucional, visto que dentre as simplificações previstas,
nenhuma dispensa as ME e EPP do cumprimento dos direitos fundamentais trabalhistas, pelo
contrário, apenas reforçam alguns desses direitos ou intensificam o dever do Estado de apoiar
essas empresas a cumpri-los, como se vê do art. 50, que prevê que as ME e as EPP devem ser
estimuladas pelo Poder Público e pelos Serviços Sociais Autônomos a formar consórcios para
acesso a serviços especializados em segurança e medicina do trabalho; e do art. 55, que determina
que a fiscalização das ME e EPP, no que se refere aos aspectos trabalhista, metrológico, sanitário,
ambiental e de segurança, deverá ter natureza prioritariamente orientadora, quando a atividade ou
situação, por sua natureza, comportar grau de risco compatível com esse procedimento, o que
obriga o afastamento desse procedimento atenuado nos casos de atividades e situações cujo grau
de risco seja considerado alto, como expressamente previsto no § 3° do dispositivo483.
Assim, não poderá ser utilizado como argumento contra a tese da necessidade de
harmonização dos princípios constitucionais da ordem econômica com o direito fundamental dos
trabalhadores à redução dos riscos inerentes ao trabalho o de que muitas exigências nesse sentido
impediriam as ME e EPP de entrarem ou se manterem em funcionamento, já que para atender tais
requisitos necessitariam diminuir seus investimentos no negócio, o que afetaria, por
consequência, o número de empregos que disponibilizariam, até porque diversas são as
facilidades que o Estado lhes vem garantindo. O tratamento diferenciado, portanto, pode estar no
percentual de impostos a pagar, inclusive os afetos à legislação trabalhista, ou até mesmo na
obtenção de financiamentos subsidiados para criação e manutenção de ambientes de trabalho
seguros e saudáveis, mas não na possibilidade de descumprimento do dever de eliminar ou de
reduzir ao máximo os riscos, ou seja, de cumprir as normas protecionistas.
Costa e Menegon referem que, apesar da dificuldade de cumprimento integral das normas
de SST, as pequenas empresas, em geral, apresentam uma vantagem sobre as grandes empresas
quanto à morbidade de suas atividades: como há poucos funcionários e uma diversidade de
atividades a serem realizadas, os trabalhos podem ser alternados e variados e o efeito de posturas
extremas e repetição de movimentos pode ser aliviado. Ainda, registram que a falta de recursos e
de informações não é o maior impedimento à adoção de políticas de SST, sendo necessário
qualificar apenas uma pessoa de dentro da empresa a partir de um treinamento para que ela as
controle, conduzindo ações e gerenciando a informação. Todavia, para atender às ações de SST
nessas empresas, é importante adaptá-los não somente ao tamanho da empresa, mas também às
necessidades, especificidades e limitações de cada pequena ou microempresa.484
Apesar da vantagem apresentada, na prática, o tamanho (reduzido) da empresa continua
sendo um dos principais fatores na definição dos trabalhadores que podem sofrer acidente do
trabalho, como constatado em pesquisa realizada pela Agência Européia para a SST: “la mayoría
de los accidentes fatales y de aquellos que implicaron una baja laboral superior a tres días ocurrió
en empresas de entre 10 y 49 empleados. El riesgo de accidentes con una baja laboral superior a
tres días es 26 % superior a la media”485.
A necessidade de adaptação das normas de SST à estrutura dessas empresas, de certa
forma, vem sendo atendida no Brasil, embora de modo inadequado em algumas situações, em que
“adaptação” tem sido entendida como “redução” das obrigações, como ocorre, por exemplo, com
a CIPA, que não é exigida das empresas com menos de 50 funcionários em diversas áreas486,
como é o caso da construção civil, reconhecidamente uma das maiores concentradoras de risco.
Ainda que as ME e EPP não tenham estrutura organizacional que exija ou suporte a
constituição de CIPA nos moldes instituídos pela legislação trabalhista, nada impede, pelo
contrário, é indicado que seja estabelecido que tenham um representante obreiro que se qualifique
em questões de SST e dialogue com o empregador em nome do grupo ou mesmo a formação de
consórcios entre essas empresas para que tenham acesso a serviços especializados em segurança e
medicina do trabalho, como previsto no art. 50 da LC n° 123/2006, sempre com o intuito de
proteger o bem maior da vida de todos aqueles que precisam trabalhar para sobreviver.

4.2.2 Os efeitos do ajuizamento da ação regressiva acidentária contra as pequenas e


microempresas

O ajuizamento das ARAs contras as ME e EPP tende a sofrer críticas sob a alegação de
que elas não suportariam uma condenação dessa espécie, sendo que o abalo financeiro que
geraria poderia representar, até mesmo, a cessação das atividades e, por consequência, a perda de
muitas das vagas de emprego que essas mais de três milhões de empresas, em visível
crescimento, geram para o país. Contudo, diante dessa objeção, é preciso lembrar que o fato de
ser pequena não se trata de uma autorização para ser negligente quanto aos direitos fundamentais
dos trabalhadores, os únicos “bens de produção” detentores de dignidade, e indispensáveis para a
realização de qualquer atividade econômica. Logo, a solução não pode ser, de forma alguma,
simplesmente ignorar os acidentes do trabalho ocorridos nessas empresas, com o intuito de evitar
uma suposta quebradeira generalizada, ou seja, satisfazer os interesses econômicos e os sociais
voltados para a questão da empregabilidade (independentemente das condições em que as vagas
de trabalho são desempenhadas), até porque os números que esses infortúnios representam nas
estatísticas não permitem ignorá-los.
Silva Neto destaca que a incorporação de um valor social ao trabalho humano já faz parte
da história constitucional brasileira, tendo sido a Constituição de 1946 a primeira a fazer a
referência, todavia, “o trabalho não pode, de maneira alguma, ser assumido friamente como mero
fator produtivo; é, sim, fonte de realização material, moral e espiritual do trabalhador”.487
Assim, apesar de o instituto da ação regressiva importar, em tese, na busca do
ressarcimento integral dos valores pagos/gastos indevidamente pela Previdência Social em razão
do infortúnio, o conceito precisa ser aprimorado quando sua aplicação ocorrer na esfera
acidentária, isto é, do seguro social, devendo ser analisada, até mesmo, a hipótese de se admitir
um ressarcimento parcial, definido com base em critérios a serem desenvolvidos pela
jurisprudência, mas que permita, de fato, alcançar também o objetivo mediato das ARAs, qual
seja, o de prezar pela tutela da saúde e da vida dos trabalhadores, através do estímulo à
observância das normas de SST pelos mantenedores das condições ambientais de trabalho.
Grazziotin ressalta que, sendo o pequeno empregador mais frágil em muitos aspectos em
relação ao empregador normal, especialmente em comparação com a empresa transnacional, é
preciso invocar o princípio fundamental do tratamento favorecido para viabilizar a superação
desse problema. A concretização desse tratamento diferenciado, entretanto, requer seja vencido o
sentimento ultrapassado de que o empregador é aquele indivíduo perverso que deve ser castigado
pelo Direito do Trabalho, já que explora a classe operária, de forma desumana. Na opinião do
autor, “o Direito do Trabalho e o processo do trabalho podem e devem reconhecer as limitações
do empregador nas relações de emprego, imprimindo uma proteção a este, contudo não a ponto
de transformar o empregador em uma figura bestial”.488
Todavia, nos casos em que identificada a necessidade de ajuizamento da ARA contra uma
ME ou EPP, o tratamento diferenciado que a elas se deve franquear não implica, em hipótese
alguma, em dispensa da propositura, até porque tal atitude nem poderia ser tomada, diante da
imposição prevista no art. 120 da Lei nº 8.213/91, que não permite ao administrador qualquer
discricionariedade quanto à viabilidade da ação (efetividade da execução). Assim, a provável
dificuldade das ME e EPP de arcar com uma condenação em sede de ARA não justifica o não
ajuizamento, devendo ser encontradas formas alternativas de lidar com a questão.
A condenação na ARA, nessas situações, poderia envolver uma condenação de pagar e
outra de fazer. Enquanto a de pagar importaria em ressarcimento parcial dos valores despendidos
pela Previdência Social, para atender ao objetivo direto da própria ação; a de fazer, obrigaria a
empresa a comprovar investimentos em SST, adequando as condições ambientais do trabalho,
para evitar novos acidentes, de modo a atender ao objetivo indireto.
Tal possibilidade de condenação alternativa das ME e EPP também pode ser justificada
pelo fato de o Estado, evidentemente, não conseguir fiscalizar todas a contento, de modo que o
regresso parcial no que se refere ao ressarcimento pecuniário representaria uma espécie de
imposição de responsabilidade solidária ao Poder Público, diante do não cumprimento
satisfatório de sua tarefa de fiscalização e prevenção dos riscos ambientais e, consequentemente,
dos danos ao MAT e à saúde dos trabalhadores.
No entanto, semelhante sistemática, especialmente se baseada na regra da solidariedade
do Estado pelo dano ambiental, não deve ser adotada irrestritamente, pois, como bem lembrado
por Melo, responsabilizando o Estado incondicionalmente, quem está arcando com o ônus, na
prática, é a própria sociedade.489 E, especificamente, no que se refere à ARA, sendo a sociedade o
ente que busca se ver indenizado pela ocorrência de acidentes do trabalho ocasionados pelo
descumprimento das normas de SST pelos mantenedores dos ambientes laborais, não poderia ela
própria, em toda e qualquer situação, arcar com o ônus imposto, especialmente porque os
gravames devem ser suportados por quem se beneficia, diretamente, das vantagens, ou seja, o
detentor do lucro da atividade econômica empreendida.
Cairo Júnior registra que como o prêmio do seguro transformou-se em um tributo do tipo
contribuição social adicional, cobrado de forma impositiva, o responsável originário pela
indenização decorrente do infortúnio laboral, ou seja, o empregador, por comodidade, deixou de
adotar as medidas de segurança necessárias para evitar o sinistro, sendo que a reação do
legislador, inspirando-se nas decisões judiciais reiterativas, foi de não excluir a sua
responsabilidade nas hipóteses em que este agisse com dolo ou culpa.490
Diante disso, a hipótese de não ajuizamento da ARA contra as ME e EPP nem pode ser
cogitada, pois isso poderia levá-las a concluir que, pelo simples fato de serem pequenas, nunca
seriam chamadas a responder por seus atos, em razão da inexistência de condições financeiras de
arcar com a reparação e assim continuarem não tratando os riscos ambientais laborais.
A adoção de medidas alternativas de tratamento das ME e EPP quando rés em ARAs vem
ao encontro dos objetivos dessa ação, bem como atende à segurança jurídica e social, de modo
que ninguém se sinta isento de sofrer eventual condenação, nem a sociedade se torne alvo fácil de
insolvência, seja diretamente no que se refere ao descumprimento das normas legais que a
beneficiam, seja indiretamente no tocante ao não pagamento das condenações pecuniárias
impostas a quem atuou de modo contrário ao esperado.
A utilização de critérios diversos de liquidação do dano suportado pela sociedade e cujo
ressarcimento é buscado com a ARA apoia-se na apreciação das condições estruturais e
financeiras do devedor e no aprofundamento da análise do requisito subjetivo da culpa, já que
nessas ME e EPP, diferentemente do que ocorre nas grandes corporações, o tomador das decisões
é facilmente identificável. Assim, a reparação integral do dano no que se refere ao ressarcimento
pecuniário somente se imporia diante da constatação de dolo ou de culpa grave, enquanto que nas
demais situações, de mera negligência e desde que não haja nenhum agravante, como a
ocorrência anterior de infortúnios pela mesma causa ou a ausência de cumprimento de
determinações impostas expressamente pela fiscalização do trabalho, poderia haver uma redução
equitativa dessa condenação financeira, mas sem deixar de impor a obrigação de fazer consistente
no dever de atender às normas legais de SST até então descumpridas.
No fundo, o que origina o debate quanto à necessidade de se desenvolver sistemáticas
alternativas de condenação em ARA quando se encontrar no polo passivo uma ME ou EPP é a
imperiosidade de compatibilizar os princípios constitucionais, cujas colisões, segundo Alexy,
assim devem ser solucionadas:

Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido
de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido –, um dos princípios
terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser
declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na
verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob
determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser
resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos
concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso têm
precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as
colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para
além dessa dimensão, na dimensão do peso.491

Assim, a colisão do princípio do tratamento diferenciado dispensado às EPP e às ME com


o da redução dos riscos laborais como meio de garantia da dignidade da pessoa humana,
verificada quando se discute o ajuizamento da ARA contra essas empresas e a necessidade da
implementação de uma sistemática diferenciada na definição da condenação, resolve-se pela
precedência de um princípio em face do outro sob determinadas condições, sendo que a solução
pode ser distinta sob outras.
Morin ensina que “o conhecimento unidimensional, se cega outras dimensões da
realidade, pode causar cegueira”.492 Por isso, não se deve analisar a questão apenas pela ótica do
trabalhador e da Previdência Social, sendo necessário atentar para a posição da empresa, sob pena
de não se dizer, nem fazer algo efetivamente útil para a sociedade, ou seja, nada que de fato possa
ajudar a mudar a realidade.
A questão da condenação das EPP e ME em ARAs, portanto, não se resolve com uma
definição única, objetiva e antecipada, dependendo da parcialidade do Poder Judiciário para ser
solucionada, além do bom senso do ente público envolvido, direcionada a conciliar os objetivos
mediato e imediato da ARA.

4.3 AÇÃO REGRESSIVA ACIDENTÁRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS DE INCENTIVO AO


MEIO AMBIENTE DO TRABALHO SEGURO E SALUBRE

Não é somente a função pedagógica da ARA, que decorre, logicamente, da punitiva, que
merece destaque. A condenação em uma ARA permite a reparação do dano econômico sofrido
pela vítima (nesse caso, a sociedade, principal interessada na saúde financeira do segurador
social), vindo a restabelecer o equilíbrio perdido com a ocorrência de um acidente do trabalho
provocado por riscos inerentes não diminuídos ou adquiridos pela atividade e que tenha causado
um dano capaz de ensejar a concessão de uma prestação social acidentária.
Além disso, a efetiva utilização da ARA pode vir a contribuir de outras formas para a
melhoria do MAT, especialmente, se o resultado econômico das condenações não gerar reflexos
apenas nos cofres públicos, mas de alguma maneira retornar para a sociedade, mesmo que
parcialmente, principalmente através de investimentos efetuados pelo segurador social na
qualificação do ambiente laboral por meio da implementação de políticas públicas de prevenção.

4.3.1 O que são políticas públicas?

Políticas públicas são “programas de ação governamental visando a coordenar os meios à


disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente
relevantes e politicamente determinados”, competindo aos representantes do povo, isto é, ao
Poder Legislativo e à direção política do governo a decisão sobre quais políticas públicas adotar e
à Administração a sua execução493. A política pública, portanto, trata-se da “atividade estatal de
elaboração, planejamento, execução e financiamento de ações voltadas à consolidação do Estado
Democrático de Direito e à promoção e proteção dos direitos humanos”494.
A definição da política pública como um programa de ação governamental, segundo
Bucci, deve-se ao fato de exprimir um conjunto de medidas articuladas (coordenadas), cujo
escopo é dar impulso, isto é, movimentar a máquina do governo, no sentido de realizar algum
objetivo de ordem pública, ou, na ótica dos juristas, concretizar um direito, tendo como nota
distintiva atingir objetivos sociais em tempo e quantidade previamente determinados. Além disso,
a política pública tem um componente de ação estratégica, já que incorpora elementos sobre a
ação necessária e possível naquele momento determinado, naquele conjunto institucional e
projeta-os para o futuro mais próximo, sendo que isso as distingue das chamadas “políticas de
Estado”, cujo horizonte temporal é medido em décadas, e das ditas “políticas de governo”, que se
realizam como partes de um programa maior.495
Aith explica que as políticas de Estado são voltadas a organizá-lo, de modo que ele tenha
as bases estruturais mínimas para a execução de políticas de promoção e proteção dos direitos
humanos, motivo pelo qual o poder de discricionariedade dos governantes sobre elas é reduzido,
além de não poderem ter sua elaboração, planejamento e execução delegados a terceiros, a não
ser de forma subsidiária e subordinada, por serem razão de existência do próprio Estado, nem
sofrer quebra de continuidade, o que também exige que sejam financiadas exclusiva e
necessariamente com recursos públicos, oriundos dos tributos arrecadados pelo Estado. Já
políticas de governo, utilizando-se dessas bases estruturais já consolidadas, são implementadas
para promover ações pontuais de proteção e promoção aos direitos humanos específicos
expressos em nossa Carta, tendo maior flexibilidade (discricionariedade), motivo pelo qual
podem variar de governo para governo, desde que dentro dos limites estabelecidos pelo
ordenamento jurídico e sempre voltadas à consecução dos objetivos constitucionais; além de
poderem ter sua execução delegada ou terceirizada, até mesmo integralmente, podendo contar
com recursos privados para a sua implementação, mas sempre com regulação estatal; e de
poderem ser interrompidas e substituídas por outro tipo de política voltada à consecução do
mesmo objetivo anterior, o que não é admitido para as políticas de Estado.496
As políticas públicas visam, primordialmente, à concretização dos direitos fundamentais
estabelecidos pela Carta Magna, tratando-se de um plano de ação que, além do objetivo, que pode
estar relacionado direta ou indiretamente a um direito constitucional, mas refletindo,
normalmente, um problema social de maior repercussão na época de sua criação, define os meios,
os prazos e os responsáveis para sua consecução, podendo ou não se relacionar a um determinado
governo, mas sem se confundir com ele.
Para Derani, “política pública é um conjunto de ações coordenadas pelos entes estatais,
em grande parte por eles realizadas, destinadas a alterar as relações sociais existentes”, sendo que
seus valores norteadores são princípios normativos que são colocadas na Constituição de maneira
heterogênea, isto é, como finalidades, parâmetros, diretrizes, instrumentos, sendo indispensável
sua indicação, de modo que se conheçam os fins a serem alcançados.497
Vinculadas que são as políticas públicas adotadas em determinado Estado com as suas
diretrizes constitucionais, o seu grau de eficiência para solucionar os problemas sociais dessa
nação depende de a Constituição vigente ser real e efetiva, ou seja, expressar fielmente os fatores
que vigoram na sociedade, e não apenas uma Constituição escrita, isto é, a folha de papel, já que
essa, segundo Lassalle, somente é boa e duradoura quando corresponde à Constituição real e
efetiva, a qual tem suas raízes no somatório dos fatores de poder que realmente regem no país.
Assim, onde a Constituição real e a escrita se contradizem, o conflito estoura, sucumbindo a folha
de papel perante as verdadeiras forças vigentes no país498, justamente porque as ações
governamentais, consubstanciadas em políticas públicas, estarão embasadas nos princípios da
Constituição escrita que, por não refletirem o real estado das coisas, não terão o condão de
melhorar a condição social dos cidadãos e nem atender aos interesses públicos.
Aith esclarece que cabe aos governos representativos executar políticas que busquem a
promoção e proteção dos direitos humanos, sendo que qualquer política que não tenha essa
finalidade torna-se, imediatamente, uma política inconstitucional (ou ilegal), por ser contrária aos
interesses dos seres humanos que compõem o Estado, que são os titulares do poder que emana do
Estado e se fazem representar, transitoriamente, por um determinado governo.499
A concepção e implantação de políticas públicas, frequentemente, constituem respostas a
algum aspecto da vida social que passa a ser percebido como problemático suficientemente forte
para demandar uma intervenção por parte do Estado. Conforme Massa-Arzabe, essa “descoberta”
de um novo problema social usualmente relaciona-se a informações anteriormente não
disponíveis, ou, se disponíveis, não reconhecidas.500
Diante da insuficiência de recursos públicos para a satisfação plena de todos os direitos
fundamentais, as políticas públicas buscam selecionar aqueles prioritários em dado momento
histórico em razão das condições e evoluções sociais. Assim, mesmo direitos amplamente
reconhecidos, como o de viver em um ambiente ecologicamente equilibrado, podem, em
determinadas situações, não constarem entre os eleitos para encabeçarem novas políticas
públicas, seja porque vêm sendo atendidos de forma satisfatória por aquelas em vigor, seja
porque poderão ser satisfeitos de forma reflexa pelas novas ações que estão sendo propostas ou,
ainda, pela desnecessidade de atuação estatal para que sejam garantidos.
A etapa do planejamento das políticas públicas é de suma importância, especialmente no
que se refere a sua formulação, que deve ser conjunta e coordenada, tanto na esfera pública, em
todos os níveis e poderes, quanto no envolvimento comunitário, de modo a vincular toda a
sociedade e melhor orientar os administradores a bem direcionar os recursos públicos e os
administrados a acolher e usufruir dos seus resultados.
Bucci destaca que “quanto mais se conhece o objeto da política pública, maior é a
possibilidade de efetividade de um programa de ação governamental; a eficácia de políticas
públicas consistentes depende diretamente do grau de articulação entre os poderes e agentes
públicos envolvidos”, especialmente em campos como os dos direitos sociais, como saúde,
educação e previdência, “em que as prestações do Estado resultam da operação de um sistema
extremamente complexo de estruturas organizacionais, recursos financeiros, figuras jurídicas,
cuja apreensão é a chave de uma política pública efetiva e bem-sucedida”.501
Outrossim, no entender de Perez, a incorporação da discussão das políticas públicas pelo
direito administrativo deve estar integrada à da participação social na sua formulação, decisão e
execução, pois bem-estar coletivo e justiça social, enquanto objetivos da atividade da
Administração Pública cumpridos por meio do arranjo de políticas públicas, são
indissociavelmente ligados à transparência da atuação administrativa, à ampla controlabilidade
dessa atuação e à participação dos agentes sociais direta ou indiretamente interessados no
cumprimento daqueles supremos desígnios.502
As políticas públicas podem ser realizadas exclusivamente pelos governos constituídos
(federal, estaduais e municipais) ou por esses em conjunto ou em parceria com a sociedade civil
organizada, sendo cada vez mais comum, segundo Aith, verem-se sociedades civis sem fins
lucrativos desenvolvendo ações a partir de políticas públicas formuladas e financiadas pelo
Estado, devendo ser ressaltado que tais políticas serão executadas em benefício dos interesses
comuns da sociedade e do desenvolvimento econômico, social, cultural, civil e político da nação
(e sempre em consonância com o ordenamento jurídico vigente).503
No campo da saúde dos trabalhadores, Lima explica que as ações sociais que buscam
preservá-la nascem de vários grupos sociais e instituições, como Fundacentro, DRT, INSS,
Ministério Público, sindicatos de trabalhadores, grupos de pesquisa universitários, centros de
referência da saúde do trabalhador, secretarias de saúde e associações patronais, cada um
contando com meios e competências específicas. Tais ações têm se multiplicado no Brasil nos
últimos anos e vêm se diversificando, gerando experiências importantes, mas ainda dispersas.
Assim, os resultados práticos não correspondem ao conhecimento acumulado sobre os problemas
e às possibilidades técnicas de prevenção, já que é notório que os índices de acidentes e doenças
ocupacionais continuam extremamente elevados. Essa situação, na opinião do autor, explica-se,
sobretudo, pela falta de intervenções coordenadas e pela ausência ou deficiência de troca das
experiências acumuladas entre os diferentes agentes. Assim, a fiscalização, o controle e o apoio
técnico dos órgãos públicos não conseguem abarcar todas as empresas; os conhecimentos
produzidos nas universidades não são difundidos entre os profissionais da área; as ações de
empresas e de sindicatos permanecem restritas a alguns poucos problemas mais graves. De modo
geral, as ações não se multiplicam, perdendo em eficácia e em amplitude.504
Diante disso, não se precisando e nem se podendo esperar solução institucional para um
problema cuja natureza é suprainstitucional, Lima sugere que se estabeleçam ações coordenadas
numa espécie de fórum, ou seja, um espaço social em que seja possível se beneficiar das
competências específicas de várias instituições sem limitar-se a uma simples agregação de
conhecimentos e práticas. A ideia, portanto, não é substituir as funções das diversas instituições e
agentes, nem reproduzir, em outro nível, as atividades já realizadas, mas viabilizar práticas
alternativas que somem forças de todos aqueles que buscam melhorias das condições de trabalho.
As ações coordenadas de natureza suprainstitucional não se restringem simplesmente à soma do
que cada instituição isoladamente faz, mas reorientam certas atividades dessas instituições em
torno de ações coletivas e negociadas entre diferentes agentes sociais, definidos a partir de um
compromisso mínimo adotado em razão da complexidade efetiva dos problemas reais, cada um
contribuindo com suas competências e recursos próprios.505
Nesse mesmo sentido caminham Kamp e Nielsen, ao tratar do conceito de governança em
rede como contraponto à compreensão do processo convencional, hierarquizado, de regulação no
campo do ambiente de trabalho. A governança representa uma espécie de terceiro caminho, que
não se baseia puramente no mercado nem no Estado, mas que combina elementos de ambos e
ainda inclui a sociedade civil, tratando-se de um meio promissor para abordar problemas
complexos, já que possui diversas vantagens em comparação com o exercício da governança
tradicional: as soluções são melhores porque são ajustadas ao contexto específico, mais pró-ativas
e implementadas mais facilmente, já que os atores sociais com poder de decisão fazem parte da
rede, além dos conflitos entre os diferentes atores serem resolvidos diante de todos. É por isso
que os autores defendem que em matéria de SST, se os esforços pretendem ser verdadeiramente
inovadores e bem sucedidos, a aproximação de diversos grupos profissionais através da formação
de redes é de extrema importância.506
Registre-se que as soluções coordenadas indicadas por Lima, Kamp e Nielsen vão ao
encontro dos princípios da Agenda 21, a qual determina, no item 29.7, o estabelecimento de
mecanismos de colaboração conjuntos (patrões / empregados) ou tripartites (patrões / empregados
/ Governos) nos locais de trabalho e nos planos comunitário e nacional para tratar da segurança,
da saúde e do meio ambiente.507
A concretização das soluções propostas depende da regulação estatal, que se dá por meio
de políticas públicas, justamente porque visam à concretização do direito fundamental de
trabalhar e viver em um meio ambiente equilibrado, que garanta a saúde e a vida. Também as
negociações coletivas têm importante papel no desenvolvimento dessas ações coordenadas de
natureza suprainstitucional destinadas à melhoria das condições do MAT, já que podem ser
previstas nessas tratativas.
Massa-Arzabe explica que as políticas públicas funcionam numa dimensão diferente das
normas tradicionais estruturadas sobre a coerção, até porque a ação estatal meramente repressiva
é insuficiente e não raro inócua para dar cabo de situações disseminadas e culturalmente toleradas
na sociedade:

A estrutura da política pública, ao contrário, permite o encaminhamento e


tratamento do problema de forma mais razoável e possibilitando aos agentes causadores
do problema em questão uma reconceitualização de si, de suas próprias ações frente ao
mundo e da realidade de seu entorno. [...] Assim, em lugar tão-somente da via
repressiva, pela vedação de determinada atividade ou conduta, que consistiria no
caminho mais simples, mas de duvidosa efetividade, como mostra a experiência, busca-
se interferir nas causas do problema. [...] E a intervenção do Estado em estreita
participação da sociedade dá-se, positivamente, por essa porta.508

É por isso que as ações em matéria de SST não podem ser apenas repressivas, mas devem
apresentar-se como verdadeiras políticas públicas de prevenção de danos decorrentes das
condições ambientais do trabalho, de modo que os agentes públicos ou privados, ativos ou
passivos, vislumbrem nelas efetiva possibilidade de solução do problema social.
O planejamento e a implementação de políticas públicas em prol do meio ambiente do
trabalho concretiza, sobretudo, o direito fundamental à vida com dignidade, motivo pelo qual
precisam ser sempre desenvolvidas e aprimoradas, mesmo que de forma reflexa, como ocorre por
meio da efetiva utilização de normas aparentemente repressivas, como é o caso da ARA.

4.3.2 Políticas públicas em prol do meio ambiente do trabalho

O desenvolvimento de políticas públicas em prol do MAT deve ocorrer de forma


integrada e coordenada, preferencialmente inseridas em uma política nacional de segurança e
saúde dos trabalhadores. É nesse sentido que a Convenção n° 155 da OIT, com aplicação em
todos os ramos da atividade econômica, impõe o dever de formular e por em prática uma política
nacional coerente em matéria de SST e MAT, para prevenção de acidentes e danos à saúde
decorrentes do trabalho, reduzindo ao mínimo as causas dos riscos existentes nesse meio. Da
mesma forma, a Convenção n° 161, estabelece o dever de formular e aplicar política nacional
coerente que estabeleça progressivamente serviços de saúde no trabalho para todos os
trabalhadores, incluindo os do setor público e membros das cooperativas de produção.
Com o objetivo de promover a melhoria da qualidade de vida do trabalhador, definir
ações conjuntas e reduzir a acidentalidade, o governo brasileiro instituiu, em 28/04/2010, data em
que se comemora o Dia Mundial contra os Acidentes de Trabalho, a Política Nacional de
Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST), que foi objeto de debates desde 2004, sendo resultado
de amplo diálogo social definido na Comissão Tripartite de Segurança e Saúde do Trabalhador.
As medidas propostas pela PNSST, na perspectiva do governo, devem contribuir para que
diminua o alto custo que a acidentalidade representa para o Brasil, de cerca de R$ 57,8 bilhões,
entre custos diretos (pagamento de benefícios previdenciários) e indiretos (gastos com saúde,
horas de trabalho perdidas, reabilitação profissional, custos administrativos etc.), de acordo com
dados de 2009. A política evidencia a importância do diálogo social e destaca a gestão integrada,
já que a responsabilidade de colocar as ações em prática é dos Ministérios da Previdência Social
(MPS), do Trabalho e Emprego (MTE) e da Saúde (MS).509
Do texto base da PNSST, extrai-se uma visão inovadora de atuação articulada e
cooperativa entre os Ministérios do Trabalho, da Previdência Social e da Saúde, com vistas a
garantir que o trabalho, base da organização social e direito humano fundamental, seja realizado
em condições que contribuam para a melhoria da qualidade de vida, a realização pessoal e social
dos trabalhadores e sem prejuízo para sua saúde, integridade física e mental. Para que o Estado
cumpra seu papel na garantia dos direitos básicos de cidadania, expõe a apresentação da PNSST,
ser necessário que a formulação e implementação das políticas e ações de governo sejam
norteadas por abordagens transversais e intersetoriais. Nessa perspectiva, as ações de segurança e
saúde do trabalhador exigem uma atuação multiprofissional, interdisciplinar e intersetorial capaz
de contemplar a complexidade das relações produção-consumo-ambiente-saúde.
Na introdução da PNSST, admitem seus formuladores que, tradicionalmente, no Brasil, as
políticas de desenvolvimento têm se restringido aos aspectos econômicos, além de estarem sendo
traçadas de maneira paralela ou pouco articuladas com as políticas sociais, cabendo a essas
últimas arcarem com os ônus dos possíveis danos gerados sobre a saúde da população, dos
trabalhadores em particular e a degradação ambiental. É por isso que a PNSST busca a superação
da fragmentação, desarticulação e superposição, das ações implementadas pelos setores Trabalho,
Previdência Social, Saúde e Meio Ambiente, definindo as diretrizes, responsabilidades
institucionais e mecanismos de financiamento, gestão, acompanhamento e controle social, que
deverão orientar os planos de trabalho e ações intra e intersetoriais, com a finalidade da
promoção da melhoria da qualidade de vida e da saúde do trabalhador.
Louvável a intenção da PNSST ao ressaltar que as ações formuladas nesse plano devem
abranger todos os trabalhadores, isto é, todos os homens e mulheres que exercem atividades para
sustento próprio e/ou de seus dependentes, qualquer que seja sua forma de inserção no mercado
de trabalho, no setor formal ou informal da economia. Assim, estão incluídos na proteção a ser
oferecida pela PNSST todos os indivíduos que trabalharam ou trabalham como: empregados
assalariados, trabalhadores domésticos, avulsos, rurais, autônomos, temporários, servidores
públicos, trabalhadores em cooperativas e empregadores, particularmente os proprietários de
micro e pequenas unidades de produção e serviços, entre outros. Além desses, são considerados
trabalhadores aqueles que exercem atividades não remuneradas, participando de atividades
econômicas na unidade domiciliar, o aprendiz ou estagiário e aqueles temporária ou
definitivamente afastados do mercado de trabalho por doença, aposentadoria ou desemprego.
As ações previstas na PNSST partem da premissa de que o atual sistema de SST carece de
mecanismos que incentivem medidas de prevenção, responsabilizem os empregadores, propiciem
o efetivo reconhecimento dos direitos do segurado, diminuam a existência de conflitos
institucionais, tarifem de maneira mais adequada as empresas e possibilitem um melhor
gerenciamento dos fatores de riscos ocupacionais. Note-se que, ainda que o propósito da PNSST
seja o de abranger todos os trabalhadores, rapidamente retomou velhos e maus hábitos ao referir a
responsabilização apenas dos empregadores, quando já se concluiu que eles são apenas um dos
responsáveis pela manutenção dos ambientes de trabalho; bem como ao destacar os direitos dos
segurados ao invés dos trabalhadores, quando é evidente que nem metade da população
economicamente ativa, conforme estatísticas apresentadas pela própria PNSST, vincula-se ao
regime de previdência social.
Todavia, a ampliação das ações de SST, visando à inclusão de todas os trabalhadores
brasileiros no sistema de promoção e proteção da saúde é reiterada pela PNSST entre as ações
previstas, que contemplam, ainda, a harmonização das normas e articulação das ações de
promoção, proteção e reparação da saúde do trabalhador; a precedência das ações de prevenção
sobre as de reparação; a estruturação de rede integrada de informações em saúde do trabalhador;
a reestruturação da formação em saúde do trabalhador e em segurança no trabalho e incentivo à
capacitação e educação continuada dos trabalhadores responsáveis pela operacionalização da
PNSST, além da promoção de agenda integrada de estudos e pesquisas em SST.
Registre-se que a diretriz da PNSST voltada à precedência das ações de prevenção sobre
as de reparação traz como estratégias de concretização as seguintes: eliminar as políticas de
monetização dos riscos; adequar os critérios de financiamento e concessão da aposentadoria
especial; estabelecer política tributária que privilegie as empresas com menores índices de
doenças e acidentes de trabalho e que invistam na melhoria das condições de trabalho; criar
linhas de financiamento subsidiado para a melhoria das condições e ambientes de trabalho,
incluindo máquinas, equipamentos e processos seguros, em especial para as pequenas e médias
empresas; incluir requisitos de SST para outorga de financiamentos públicos e privados; incluir
requisitos de SST nos processos de licitação dos órgãos da administração pública direta e
indireta; e instituir a obrigatoriedade de publicação de balanço de SST para as empresas, a
exemplo do que já ocorre com os dados contábeis.
Todas essas estratégias são de grande relevância e denotam a correção do rumo que se
pretende tomar em matéria de políticas públicas em SST. Todavia, a almejada execução das
ações de modo articulado e cooperativo, aparentemente, falha diante da definição de certas
atribuições, que deveriam ser coordenadas, a apenas um dos Ministérios envolvidos, como é o
caso da formulação e implementação das diretrizes e normas de atuação da área de SST; do
planejamento, coordenação e orientação da execução da Campanha Nacional de Prevenção de
Acidentes do Trabalho e da elaboração e revisão das NRs, que competiram unicamente ao MTE.
O mesmo ocorre com o desenvolvimento de pesquisas relacionadas com a promoção das
melhorias das condições de trabalho, imposta apenas à Fundacentro, vinculada ao MTE. A
definição de mecanismos de financiamento das ações em saúde do trabalhador no âmbito do SUS
competiu exclusivamente ao MS, quando deveriam estar voltadas a todas as áreas e não apenas
no âmbito do SUS. Já ao MPS coube, entre outras atividades, a de fiscalizar e inspecionar os
ambientes do trabalho, com vistas à concessão e manutenção de benefícios por incapacidade; à
fidedignidade das informações declaradas aos bancos de dados da Previdência Social; e à
arrecadação e cobrança das contribuições sociais decorrentes dos riscos ambientais presentes no
MAT. Por outro lado, o planejamento, supervisão, orientação, coordenação e controle das ações e
atividades de inspeção do trabalho na área de SST couberam ao MTE. Ora, mas por que esse
trabalho de fiscalização e inspeção não restou melhor dimensionado? Sabe-se que
individualmente cada um dos Ministérios não tem condições de realizar satisfatoriamente suas
tarefas nessa área, mas então, por que continua sendo necessário um membro do MTE e outro do
MPS comparecer em determinado estabelecimento para fiscalizar as condições do MAT?
Contudo, em outras atribuições, verificou-se que o propósito da atuação coordenada
restou melhor estabelecido, como ao ser incumbido ao MPS a tarefa de avaliar, em conjunto com
o SUS, a relação entre as condições de trabalho e os agravos à saúde dos trabalhadores ou ao se
encarregar o MS de definir, em conjunto com estados e municípios, normas, parâmetros e
indicadores para o acompanhamento das ações de saúde do trabalhador a serem desenvolvidas no
SUS, segundo os respectivos níveis de complexidade dessas ações.
Todeschini e Codo sugerem que para avançar na cultura da prevenção, além das
atribuições legais de cada Ministério da área da Seguridade Social, há a necessidade de uma ação
incisiva na mudança dos ambientes laborais, sendo que isso pode ser obtido com a criação de
uma Agência Nacional de Saúde e Trabalho focada nisso.510 Todavia, acredita-se que não haja a
necessidade de se criar mais uma instituição estatal, incrementando as despesas públicas, para
fazer o que pode e deve ser feito de maneira integrada, transdisciplinar e com a união de esforços.
Antes de querer simplificar, é preciso aprender a lidar com a complexidade, como bem ensina
Morin, ao destacar que para promover a transdisciplinaridade é preciso adotar um paradigma de
complexidade, que, ao mesmo tempo, separe e associe, que conceba os níveis de emergência da
realidade sem os reduzir às unidades elementares e às leis gerais, ou seja, um paradigma que se
opõe ao da simplificação (redução/separação), o qual é sempre insuficiente e mutilante511.
Trabalhar na perspectiva da saúde e não da doença ou do dano é possível, segundo
Mendes e Wünsch, desde que os diferentes atores envolvidos tenham papel valorizado na
promoção da saúde, independentemente do seu grau de inserção no processo produtivo ou
hierárquico. Assim, não é restringindo os envolvidos que se obtém resultados em SST, sendo
preciso, apenas, que todos os responsáveis se reconheçam e estabeleçam relações de
horizontalidade na construção de proposições que visem a vigiar e proteger a saúde.512
Importa registrar que algumas das atribuições estabelecidas pela PNSST enquanto
proposta ao MPS, ainda em 2004, como a implementação de uma política tributária que privilegie
as empresas com menores índices de doenças e acidentes de trabalho e da adoção do nexo
epidemiológico presumido para a caracterização dos acidentes e doenças relacionadas ao trabalho
já foram atendidas, através do FAP e do NTEP513, respectivamente.
O Fator Acidentário de Prevenção (FAP), aliás, pode ser considerado um dos mais
importantes mecanismos de prevenção instituído nos últimos tempos em matéria de SST no
Brasil. Criado pela Lei n° 10.666/2003514, com o objetivo de incentivar a melhoria das condições
de trabalho e da saúde do trabalhador, vem sendo utilizado desde janeiro de 2010 para calcular as
alíquotas da tarifação individual das empresas ao SAT, as quais podem ser reduzidas à metade
quando houver investimentos em SST ou ser até dobradas, quando não houver o cuidado por
parte das empresas de proteger os seus trabalhadores, expondo-os a maiores riscos. Tal
metodologia de apuração da contribuição ao SAT dá efetividade aos princípios da prevenção e da
precaução, sendo mais justa, visto que privilegia as empresas que investem em SST, ao mesmo
tempo em que onera aquelas que não cuidam do ambiente laboral e da saúde do trabalhador.
Do total de empresas contribuintes do SAT515, em dezembro de 2009, 92,37% (879.933)
foram bonificadas na aplicação do FAP em 2010, enquanto 72.628, ou 7,62%, tiveram aumento
na alíquota de contribuição, conforme informativo veiculada pela Previdência Social, que destaca
também que a adoção dessa medida significa um novo tempo para o setor, pois vai ajudar a
diminuir o Custo Brasil, que consome anualmente cerca de R$ 50 bilhões516 em despesas diretas
e indiretas em decorrência da acidentalidade e das inadequadas condições do MAT.517
Segundo dispõe o § 10 do art. 202-A do Decreto nº 3.048/99, incluído pelo Decreto nº
6.957/2009, a metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social (CNPS)
indicará a sistemática de cálculo e a forma de aplicação de índices e critérios acessórios à
composição do índice composto do FAP. Assim, inicialmente, o CNPS regulamentou a
metodologia através das Resoluções nº 1.308 e 1.309, de 2009, as quais, diante da necessidade de
aperfeiçoar a metodologia de modo a garantir justiça na contribuição do empregador e equilíbrio
atuarial, foram substituídas pela metodologia descrita na Resolução nº 1.316/2010.
Melo e Prado destacam que para o cálculo do FAP, a metodologia aprovada no âmbito
quadripartite prevê a apuração dos índices de frequência, gravidade e custo para cada empresa no
Brasil, a partir dos quais se procede à análise de como cada empresa se comporta em relação às
demais, sendo a comparação promovida somente entre aquelas cuja atividade preponderante
correspondam à mesma subclasse da CNAE, tratando-se de elemento fundamental para
estabelecer o perfil da empresa. Segundo o cálculo ponderado sobre todos os índices calculados,
resultará um valor do FAP menor que 1,0000 (bonus), igual a 1,0000 (neutro – que é equivalente
à manutenção da contribuição pela empresa segundo a taxa coletiva de 1, 2 ou 3%) ou maior que
1,0000 (malus). Além disso, o FAP adota o critério das ponderações, de modo que a gravidade
(eventos morte e invalidez) tem um peso maior na formação do índice (0,50), a frequência recebe
o segundo maior peso (0,35), a fim de que sejam evitados todos os acidentes e doenças do
trabalho, e o menor peso é atribuído ao custo (0,15). Isso porque não é admissível que empresas
apresentando casos de morte ou invalidez permanente sejam bonificadas, de modo que, caso o
valor calculado para o FAP seja inferior a 1 (um), a existência de um desses eventos no período-
base de cálculo implicará a adoção de FAP igual a 1 (um). Todavia, os autores ressaltam que há
possibilidade de manter a bonificação desde que a empresa comprove investimentos em recursos
materiais, humanos e tecnológicos em melhoria na segurança do trabalho, com o
acompanhamento dos sindicatos dos trabalhadores.518
A taxa média de rotatividade é outro critério apresentado pela metodologia de cálculo do
FAP, visando a evitar que as empresas que mantém por mais tempo os seus trabalhadores sejam
prejudicadas por assumirem toda a acidentalidade. Assim, as empresas que apresentam taxa
média de rotatividade acima de setenta e cinco por cento não poderão receber redução de alíquota
do FAP, salvo se comprovarem que tenham sido observadas as normas de SST em caso de
demissões voluntárias ou término de obra.
Soratto, Codó e Soares destacam o novo Risco de Acidentes de Trabalho (RAT) 2010, no
qual houve uma distribuição maior das alíquotas, com a possibilidade de enquadramento de
atividades de uma mesma seção nas três alíquotas, diferentemente do antigo SAT (anterior a
2007), em que a maioria das atividades de uma mesma seção enquadrava-se na mesma alíquota,
sendo que essa maior discriminação entre as subclasses é importante porque reconhece as
características das atividades econômicas.519 Diante disso, espera-se que as empresas
pertencentes às áreas econômicas de maior risco assumam a sua contribuição e atuem diretamente
para a redução de riscos, para que ao longo do tempo as mudanças individuais das empresas
reflitam na área econômica, provocando mudanças no grau de risco do setor. As mudanças em
conjunto são muito mais lentas que as individuais. Todavia, com o FAP estimulando as mudanças
individuais, comparativamente, mais rápidas e mais fáceis, ao longo do tempo, elas podem e
devem provocar as mudanças nos setores que, por sua vez, devem ser captadas pelo RAT.520
O RAT, portanto, é uma medida coletiva de risco por setor econômico, enquanto o FAP é
o resultado individual por empresa no que se refere às suas condições ambientais de trabalho e a
acidentalidade decorrente.
Os esforços para melhorar as condições de saúde e segurança no trabalho, entretanto, não
devem estar em destaque somente na agenda daqueles que receberam malus como resultado do
FAP. Isso porque a condição das empresas que foram bonificados é relativa à das demais que
estão no mesmo setor econômico e, sendo o resultado do FAP comparativo, melhorias nas outras
empresas do setor podem influenciar o próximo resultado de uma empresa que recebeu bonus,
caso essa não continue melhorando a sua condição.521
Monteiro e Bertagni salientam que, por mais que alguns estejam taxando o FAP de
inconstitucional, na realidade, o que o governo está fazendo é se aproveitando dessa faceta
tributária da saúde ocupacional para mostrar o momento importante de mudança de postura da
Previdência Social em relação ao trabalhador, na medida em que passa a gerenciar o risco, a
frequência e o dano para o segurado, procurando reduzir os custos tributários das empresas
através de investimentos em SST. Diante disso, destacam que é chegado o momento de o
empresário brasileiro perceber o círculo virtuoso que pode estar prestes a se concluir:

O consumidor compra mais da empresa que produz mais e melhor, de modo


sustentável e não adoecedor; o empresário tem mais lucro porque adoece e acidenta
menos – paga menos tributo; os acionistas e sócios majoritários deliberam mais
fortemente no sentido propulsor desses bons resultados econômicos; e os profissionais
da área da saúde do trabalhador serão contratados em qualidade e quantidade bastante
superiores, não porque a CLT determina, mas porque o empresário exige mais eficácia
no sistema de gestão.522

As empresas atentas aos novos tempos não demorarão a perceber que a situação que está
sendo imposta tem tudo para lhes favorecer, pois o investimento na melhoria das condições
ambientais do trabalho traduz-se em bem-estar dos trabalhadores, aumento de produção e redução
de custos, tanto diretos, como prêmios de seguro, plano de saúde, interrupção da produção, gastos
com reparação de máquinas e equipamentos, salários pagos durante os afastamentos, bem como
com a necessidade de contratação de substituto, FGTS e plano de saúde do empregado afastado
etc.; quanto indiretos, representados pelo desgaste da imagem da empresa junto aos consumidores
nos casos de acidentes do trabalho mais graves.
A perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público ou a
perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de
crédito também são meios à disposição do Estado para forçar o cumprimento das normas de SST
pelos responsáveis. A prática de licitações sustentáveis que vem sendo disseminada na
Administração Pública também pode abordar a proteção do MAT, de modo que as empresas que
não investem em melhorias das condições ambientais do trabalho (critério que pode ser medido,
por exemplo, pelo seu FAP) tenham restringida sua participação em licitações.
Registre-se que tal exigência não afronta o princípio da legalidade prezado pela própria
Lei nº 8.666/93, já que no seu art. 30, inciso IV, prevê que a documentação relativa à qualificação
técnica pode exigir a prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, como é o caso
das normas em SST. Além disso, com e edição da MP nº 495, de 2010, a promoção do
desenvolvimento nacional também deve ser garantida pela licitação, nos termos da redação dada
ao art. 3º da Lei de Licitações, sendo que a exigência de cumprimento igualitário das normas em
SST vem a ser um meio de coibir a concorrência desleal, fator que impede o adequado
desenvolvimento econômico do país. A possibilidade de incluir entre as exigências impostas aos
licitantes o adequado tratamento dos riscos no ambiente laboral baseia-se ainda na previsão do
art. 12 da Lei nº 8.666/93, que dispõe que nos projetos básicos e projetos executivos de obras e
serviços serão considerados principalmente, entre outros, os seguintes requisitos: segurança,
adoção das normas técnicas, de saúde e de segurança do trabalho adequadas e o correto
tratamento do impacto ambiental do empreendimento.
A subnotificação dos acidentes do trabalho ainda é um grave problema em nosso país, em
razão da informalidade que permeia as relações de trabalho, justificada pelos empreendedores
pela alta carga tributária e social. O combate a esse tipo de procedimento deve ser ampliado, seja
pela melhora da fiscalização das normas trabalhistas pelos entes responsáveis, que não deve estar
vinculado à comprovação do registro da CTPS, mas também com o uso de ações preventivas ou
repressivas, como o ajuizamento de ações civis públicas em razão da manutenção de ambientes
de trabalho inseguros e insalubres por qualquer um dos entes legitimados, mas principalmente
pelo MPT e pela AGU, na qualidade de representante judicial dos entes públicos mais
interessados no combate desses artifícios (tríade da seguridade social e MTE), a partir das quais
se consiga adequar o ambiente do trabalho às normas de segurança e higiene, cumprir as regras
trabalhistas no que se refere ao registro dos trabalhadores e até mesmo obter condenações
financeiras que poderão reverter para um fundo de políticas públicas para um MAT seguro.
Codo, Soratto e Lino destacam que saúde, educação e segurança talvez sejam as mais
importantes funções do Estado, sendo que a SST é uma combinação de todas essas funções e,
para que ela se realize é preciso que se proteja o trabalhador dos acidentes e agravos, vigiando as
práticas de trabalho que não sejam seguras e punindo quem colocar em risco a saúde ou a vida,
ou seja, praticando e fazendo praticar a segurança. Todavia, não se pode esquecer que a educação
é a principal ferramenta para um trabalho que evite os agravos e que promova a saúde, e para
uma boa política em SST.523
É por isso que a educação da sociedade (trabalhadores e empresas) deve estar na base de
qualquer política pública em matéria de SST, merecendo, inclusive, ser fomentada através da
criação de um fundo, a ser constituído com parte da arrecadação do SAT e até mesmo dos
recursos recuperados com as ARAs, o que contribuiria para a expansão do caráter pedagógico
dessa ação, a partir de uma dimensão preventiva. O fundo proposto poderia ser direcionado ao
desenvolvimento de programas de prevenção de danos decorrentes das condições ambientais do
trabalho e de adaptação do trabalho ao homem, além de financiar campanhas de educação e
informação bem detalhada para redução dos riscos profissionais, formuladas em linguagem
cotidiana, a serem disseminadas com a utilização de instrumentos de comunicação social.

4.3.3 A ação regressiva acidentária como política pública de prevenção

A efetiva utilização da ARA, portanto, além de reverter aos cofres públicos os valores
despendidos pela Previdência Social com o pagamento de prestações acidentárias cuja concessão
poderia ter sido evitada se os riscos ambientais laborais fossem efetivamente controlados, pode
vir a contribuir de outras formas para a melhoria do MAT, especialmente pelo estímulo que o
resultado econômico das condenações deve gerar no segurador público, levando-o a investir na
qualificação das condições ambientais do trabalho.
Essa atuação preventiva da Previdência Social, todavia, não deve estar associada
diretamente com a obtenção de vitórias nas ARAs ajuizadas, até porque um bom desempenho
preventivo tende a reduzir os índices de acidentes do trabalho e, consequentemente, de ações de
regresso a serem propostas. Entretanto, em tendo que fazer uso do instrumento, os valores
recuperados, mesmo que parcialmente, devem servir para favorecer a implementação de políticas
públicas de prevenção, como, por exemplo, através do aumento de estudos e pesquisas na área de
SST; a criação de serviços públicos de consultoria às empresas, coordenados em parceria pelos
Ministérios da Previdência Social, do Trabalho e da Saúde, para o incentivo e desenvolvimento
de programas de proteção coletiva e individual dos trabalhadores; e a negociação com bancos
públicos para a disponibilização de linhas de crédito para as empresas que queiram implantar
esses programas com o devido acompanhamento e aprovação dos órgãos estatais.
Além disso, o resultado satisfatório no ajuizamento das ARAS pode garantir a
continuidade de políticas públicas já implementadas, como é o caso do FAP. Na própria esfera da
ARA seria possível negociar incentivos na fase executória, como a dedução dos valores a serem
devolvidos à Previdência Social, dos custos decorrentes da implementação de melhorias no MAT
que comprovadamente tenham reduzido ao máximo ou eliminado os riscos que ocasionaram o
evento infortunístico que gerou a propositura da ação de regresso.
O MAT, enquanto direito fundamental, precisa ser protegido, pois o seu equilíbrio garante
a saúde e a dignidade das pessoas humanas trabalhadoras. Bobbio já anunciava que o problema
fundamental em relação aos direitos do homem não é tanto o de justificá-los ou fundamentá-los
ou enunciá-los, mas o de protegê-los, sendo um problema não filosófico, nem jurídico, mas
político.524 Assim, todos os meios disponíveis devem ser utilizados da melhor maneira possível
para concretizar e proteger esse direito, sendo a ARA um desses instrumentos, motivo pelo qual,
inclusive, mereceu o presente estudo aprofundado.
Codo, Soratto e Lino referem que “um instrumento de política que o Estado tem à sua
disposição é tornar o custo financeiro maior para coibir medidas de alto custo social”.525 É por
isso que a efetiva utilização da ARA pode ser considerada uma política pública em matéria de
SST, já que impõe os custos dos riscos a quem efetivamente os criou. O financiamento das ações
dispostas na PNSST, aliás, prevê que seja feito com recursos da União, aos quais serão
adicionados recursos originários de tributação específica, respeitado o princípio: “quem gera o
risco deve ser responsável pelo seu controle e pela reparação dos danos causados”, sendo a ARA
um significativo exemplo do que esse princípio representa.
O direito ao MAT equilibrado não se satisfaz com a mera reparação dos prejuízos
sofridos, sendo imprescindível a proteção do bem da vida com dignidade. É por isso que,
segundo Alves, a luta social deve ser conduzida contra a voracidade do capital que tenta
transformar o tempo de vida em tempo de trabalho, algo que contribuiu, tão-somente, para a
degradação humana.526
Como bem aconselhado por Lima, “é preciso vencer o dano, o inimigo comum, o ator de
desperdício e de insegurança, lançando mão de todos os meios preventivos e repressivos
sugeridos pela experiência, sem desmantelar e desencorajar as atividades úteis”.527 A ARA trata-
se de um meio repressivo com forte potencial didático, motivo pelo qual deve ser utilizada com
status de política pública de proteção ao MAT seguro e salubre.
Robortella registra que “a proteção social constitui um dos principais objetivos do Estado
e, desde que distribuída com sabedoria e responsabilidade, não se incompatibiliza com o
desenvolvimento econômico”528, desenvolvimento econômico esse que, segundo Nusdeo, é o
processo de crescimento constante e autossustentado da renda per capita ao longo dos anos,
baseado numa mudança da estrutura econômica do país em questão529.
Logo, não é tratando as empresas como entidades que precisam de permanente
compreensão e perdão do Estado por atuarem de modo desrespeitoso com o bem da vida e da
sobrevivência que se obterá desenvolvimento econômico. Exigir daquele que utiliza o direito à
livre iniciativa que tenha capacidade de assumir as responsabilidades advindas de sua opção é
fundamental para garantir um processo de crescimento constante e autossustentável, pois a
estrutura econômica do país será forte e consciente de suas responsabilidades, baseada,
sobretudo, no respeito harmônico aos princípios da ordem econômica.
Capra ensina que para administrar um sistema social, conceito em que se inclui uma
empresa, uma cidade ou mesmo uma economia, é preciso encontrar os valores ideais para as
variáveis do sistema, sendo que, se tentarmos maximizar qualquer variável isolada em vez de
otimizá-la, isso levará, invariavelmente, à destruição do sistema como um todo.530 As variáveis
econômicas, portanto, precisam ser otimizadas e compatibilizadas com as variáveis ambientais,
seja no âmbito das empresas como no dos Estados, sob pena de causar prejuízos a todo o sistema.
Grott destaca que a prevenção no âmbito do MAT somente será efetiva e definitiva
quando a sociedade e o empresariado tomarem consciência de que o seu custo é muito menor e
mais significativo do que o da reparação da poluição e do dano ambiental causado aos
trabalhadores.531 Possivelmente, o empresariado ainda não tenha percebido isso porque as
consequências, principalmente as econômicas, da manutenção de inadequados ambientes
laborais, costumam ser suportadas paulatinamente pelas empresas, com custos diluídos (tributos
mensais; uma e outra indenização, muitas vezes paga parceladamente); ou são repassadas para a
Previdência Social, que é quem paga as prestações sociais decorrentes; enquanto que os
investimentos para a melhoria do MAT precisam ser aportados de uma só vez pelo mantenedor
do ambiente, ou seja, têm um custo bastante elevado para as empresas, principalmente para as
que estão iniciando suas atividades. Por esse motivo, imperiosa a contínua intervenção estatal,
através da implementação de políticas públicas que ajudem a mudar esse panorama.
Registre-se que no contexto de incerteza e insegurança que caracteriza o mercado de
trabalho na atualidade, embora reconhecido um direito de resistência ao empregado, dificilmente
ele ousaria fazer uso dessa prerrogativa, conforme destacado por Fonseca, já que o potencial
contestador e reivindicador do trabalhador, sem dúvida, se amaina diante da instabilidade da
economia global. Nessa conjuntura, portanto, a subordinação jurídica, característica da relação
empregatícia, se aproxima muito da pura e simples subordinação, já que os direitos do empregado
correm o risco da irrelevância ante o perigo de perder o emprego.532
É por isso que o Estado deve fazer uso de todo o seu poder, seja com potencial repressivo,
seja preventivo, para proteger a vida, a saúde e a integridade física e mental do cidadão-
trabalhador. Afinal, já referiu Marx que, como valor, a força de trabalho representa o quantum de
trabalho social realizado nela; mas só existe realmente como capacidade ou faculdade do
indivíduo vivo.533 Logo, de nada adianta glorificar o trabalho e o crescimento econômico se sua
manutenção e obtenção, respectivamente, dependerem do sacrifício da vida humana.
Os três grandes problemas da atualidade, segundo Boff, são a crise social, a crise do
sistema do trabalho e a crise ecológica, todas de dimensões planetárias. Sua solução exige com
urgência uma ética mundial, a ser obtida com a criação de certos consensos entre os seres
humanos, a coordenação de certas ações, a proibição de certas práticas e a elaboração de
expectativas e projetos coletivos. A ética a ser desenvolvida é a do cuidado, pois o cuidado
provoca preocupação e faz surgir o sentimento de responsabilidade.534
Em sentido similar se manifesta Jonas, ao referir que a preocupação com a natureza exige
uma nova ética, a qual não era concebida pela ética humana até o momento, especialmente
porque as ações do homem, até algum tempo atrás, não tinham o condão de provocar tamanho
impacto na natureza como o que é sentido na atualidade, em que a tecnologia prevalece inclusive
sobre a própria condição do ser humano. A natureza e a própria ideia de vida passam a ser
responsabilidade do homem. Segundo o autor, “nenhuma ética anterior vira-se obrigada a
considerar a condição global da vida humana e o futuro distante, inclusive a existência da
espécie”, enquanto que, hoje, para garantir a presença da vida humana sobre a terra, há um dever
de “conservar este mundo físico de modo que as condições para uma tal presença permaneçam
intactas”535 e isso exige uma nova ética, uma nova responsabilidade, tanto que Jonas sugere, a
partir do imperativo categórico de Kant536, um imperativo adequado ao novo tipo de agir
humano: “Aja de modo a que os efeitos da tua ação sejam compatíveis com a permanência de
uma autêntica vida humana sobre a Terra”537.
O agir humano e estatal, portanto, devem estar voltados à preservação da vida com
qualidade, que depende, como bem ressaltado por Leff, da qualidade do ambiente. Mas a
qualidade de vida, segundo o autor, também está associada a formas inéditas de identidade, de
cooperação, de solidariedade, de participação e de realização, que entrelaçam a satisfação de
necessidades e aspirações derivadas do consumo com diferentes formas de realização, através de
processos de trabalho, de funções criativas e de atividades recreativas. Esse conceito de qualidade
de vida é que deve mobilizar a sociedade civil para promover novos direitos dos trabalhadores e
da cidadania em geral, em torno da saúde no trabalho, da saúde reprodutiva e de uma vida sadia e
produtiva da população, sempre lembrando que qualidade de vida não é quantidade de vida.538
Maturana e Varela afirmam que, no âmago das dificuldades do homem atual, está seu
desconhecimento do conhecer. O conhecimento do conhecimento cria o comprometimento,
porém, muitas vezes, fingimos desconhecer o que conhecemos para evitar a responsabilidade que
nos cabe em todos os nossos atos cotidianos.539
É exatamente isso que está ocorrendo em diversas questões que envolvem a matéria de
SST. Tanto a esfera pública quanto a privada conhece suas responsabilidades, mas, para evitar o
compromisso de assumi-las, prefere ignorar seu conhecimento. A ARA consta da legislação
brasileira desde 1991, não cabendo alegar seu desconhecimento e nem argumentar pela sua
inconstitucionalidade para livrar-se da responsabilidade que impõe. Por outro lado, ao Estado,
enquanto guardião maior do bem da vida, cabe utilizar adequada e efetivamente o instituto,
revestindo-o e dotando-o de finalidades que atendam ao interesse público, voltadas à promoção
de ambientes laborais equilibrados e à saúde e integridade física e mental dos cidadãos-
trabalhadores.
CONCLUSÃO

A ação regressiva acidentária foi instituída, pelo art. 120 da Lei nº 8.213/91, para ser
proposta pela Previdência Social contra os responsáveis, nos casos de negligência quanto ao
cumprimento das normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção
individual e coletiva. Apesar da natureza do instituto jurídico escolhido, calcada na função
ressarcitória, o legislador deixou clara sua intenção de proteger o meio ambiente do trabalho e a
vida dos trabalhadores, ao redigir o dispositivo focando no caráter punitivo da norma, do qual
decorre, logicamente, o pedagógico. Assim, estabelecendo a ARA como sanção para aqueles que
descumprem as regras de SST, quis o legislador formar a hipótese ideal da vigência da norma
jurídica, já que, a partir dela, os indivíduos deixariam de adotar determinada conduta (descumprir
a legislação protetiva do MAT e da vida, saúde e integridade física e mental dos trabalhadores)
para evitarem ser alcançados pela medida repressiva.
Com o presente trabalho, buscou-se analisar o direito fundamental ao MAT equilibrado,
enquanto espécie do gênero meio ambiente, cuja garantia evidencia tratar-se de elemento
indispensável para a concretização da dignidade da pessoa humana. As principais peculiaridades
da ARA, elencadas a partir da sua idade jurídico-prática, que denota estar na mais tenra infância,
foram objeto de pesquisa, sendo possível concluir que se trata, efetivamente, de importante
instrumento jurídico instituído para tutelar o MAT, além de servir para recuperar o dinheiro
público gasto em decorrência do acidente de trabalho ocorrido em circunstâncias contrárias
àquelas prezadas pelas normas de SST.
O estudo não é conclusivo quanto ao tema e nem definitivo quanto às abordagens
possíveis. Sabe-se que o uso reiterado do instituto fará surgir novas questões, as quais deverão ser
respondidas paulatinamente, até que a ARA alcance sua maturidade jurídica.
O Estado, tendo por objetivo satisfazer interesses sociais, deve valer-se de meios capazes
de concretizar políticas públicas voltadas ao bem comum, sendo que a ARA deve ser definida a
partir dessa concepção de atuação estatal, tratando-se de um instrumento de fundamental
relevância no que se refere ao cumprimento pelo Poder Público do seu dever de preservar um
meio ambiente equilibrado, inclusive o do trabalho. Com efeito, o papel da ARA vai muito além
de uma suposta política de custeio previdenciário, alcançando status de política pública de
prevenção de acidentes do trabalho e de preservação/proteção do bem maior da vida humana, que
deve ser usufruída com dignidade.
Registre-se que defender a ARA como instrumento de tutela do MAT não importa em
outorgar-lhe o papel de principal instrumento à disposição do Estado para cumprir o seu dever de
atuar em prol do equilíbrio desse ambiente. A ARA é meio subsidiário, de caráter repressivo-
preventivo, cuja utilização dependerá de um prévio descumprimento das normas de SST.
Contudo, descumpridos tais deveres, sua propositura é impositiva, seja com o intuito de punir o
responsável; seja com o de educar para evitar a reiteração.
O MAT reflete todos os espaços e contornos em que se desenvolvem atividades de
trabalho humanas, sendo a mão de obra empregada apenas uma dessas atividades, motivo pelo
qual o empregador também não é o único responsável pelo ambiente laboral. MAT não é
sinônimo de fábrica ou empresa, sendo esses apenas dois aspectos desse ambiente, que são
complementados por quaisquer outros espaços artificiais (urbanos, periféricos ou rurais) ou
naturais (preservados ou não) em que se desenvolvem experiências profissionais. O MAT,
portanto, é qualquer local em que o homem exerce uma atividade laboral, em que sua força de
trabalho se transforma em fator de produção, sendo o direito ao trabalho tão fundamental à
concretização do princípio da dignidade da pessoa humana quanto o de exercer as atividades
laborais em ambientes seguros e salubres, motivo pelo qual precisam ser harmonizados.
A amplitude do conceito de MAT, que praticamente engloba todas as demais perspectivas
do conceito meio ambiente (natural, artificial e cultural), intensifica os riscos presentes nessa
esfera, acentuados pela constante presença humana, e justifica sua associação com a chamada
sociedade mundial do risco, bem como as preocupações em torno da defesa do direito
fundamental ao MAT equilibrado.
Tal tutela precisa ser concretizada com o uso adequado de todos os meios disponíveis.
Subjetivamente, requer a correta aplicação dos princípios de interpretação ambiental, sobretudo,
os da prevenção e da precaução, essenciais no controle dos riscos laborais, cuja complexidade
exige um tratamento jurídico diferenciado, muito mais baseado em princípios do que em normas.
Além disso, imperiosa a compatibilização do direito/dever ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado com os princípios da ordem econômica, especialmente porque o exercício dos
direitos que garante, como o da livre iniciativa, exige o cumprimento do pré-requisito da
capacidade de assumir as responsabilidades decorrentes, não se tratando de violação do direito de
livre iniciativa o impedimento decorrente da impossibilidade, independentemente dos motivos, de
cumprir as exigências legais impostas àqueles que desejam empreender, que envolvem, inclusive
e notadamente, a primazia do princípio da dignidade da pessoa humana em todos os atos que
decorram do exercício da atividade.
Objetivamente, a tutela do MAT é garantida legalmente pela conjugação de esforços de
diversos agentes (OIT; Poder Público, através do Estado nacional e seus agentes, cuja atuação
deve ser coordenada; MPT; mantenedores diretos do MAT, como os empregadores; sindicatos e
os próprios trabalhadores) que têm à disposição um cipoal normativo, que engloba desde as
Convenções da OIT e a Constituição até as NRs do MTE; além dos mais diferentes instrumentos
jurídicos, dentre os quais se destacam o EPIA, o inquérito civil, a ACP e agora a ARA.
O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado conferido a todos
pela CF/88 inclui a garantia do exercício das atividades laborais em ambientes seguros e salubres.
Os danos decorrentes da má conservação desse meio afetam diretamente os trabalhadores, mas
também toda a sociedade, que, afinal, arca com a conta da saúde e da previdência social em nosso
país. É justamente por isso que a responsabilidade pela proteção do MAT deve ser dividida entre
diversos agentes, desde o Poder Público, através dos seus diferentes entes; passando pelos
empreendedores, em geral responsáveis diretos pela manutenção dos espaços laborais; pelas
associações, em defesa dos interesses de suas categorias e pelos próprios trabalhadores, como
principais interessados pela melhoria das condições ambientais de trabalho, apesar de muitas
vezes não compreenderem a exata dimensão e influência desse direito em suas vidas,
especialmente quando o seu atendimento lhes impõe redução remuneratória em razão da exclusão
dos adicionais de risco de seus contracheques.
A proteção jurídica conferida ao MAT é essencialmente coletiva, pois quando se objetiva
a melhoria das condições desse meio, seu resultado refletirá em aumento da qualidade de vida e
de trabalho de todos aqueles que laboram naquele local. Contudo, seus caracteres também podem
atingir uma visão difusa, pois a busca de melhorias no MAT visa à defesa do direito de todos os
trabalhadores de exercerem suas atividades laborais em ambientes seguros e salubres, ou seja,
equilibrados, que garantam a sadia qualidade de vida.
O instituto jurídico da responsabilidade civil também foi profundamente analisado no
presente estudo, de modo que foi possível concluir pela necessidade de uma releitura para sua
adequada incidência nos casos de danos decorrentes das condições ambientais, inclusive as do
trabalho. Contudo, não basta pacificar o entendimento de que nessas hipóteses a responsabilidade
civil é objetiva, ou seja, independentemente da culpa, nem mesmo que há presunção de culpa, de
nexo de causalidade ou de responsabilidade. O dever de segurança consiste na obrigação de
afastar os riscos ambientais laborais inerentes ou adquiridos pela forma como a atividade é
exercida, motivo pelo qual a assunção da responsabilidade civil na esfera ambiental trabalhista
deve ser antecipada: são as causas dos infortúnios laborais que precisam ser atacadas e não
somente as consequências reparadas.
O enfrentamento das causas dos acidentes do trabalho depende da prévia tomada de
consciência de todos os responsáveis pela tutela do MAT, de modo que cada um desenvolva as
incumbências que lhe competem. Ao Estado, em todas as suas esferas, cabe educar, direcionar,
fiscalizar e reprimir. Aos trabalhadores e seus representantes importa atentar para os riscos e seus
efeitos sobre suas vidas, de modo que se busquem informações, não havendo conformismo e nem
aceitação quanto aos motivantes dos infortúnios, bem como apoiar e exigir iniciativas do
empreendedor quanto ao tratamento dos riscos. Aos mantenedores de ambientes laborais cabe
aprender, prevenir e investir, não necessariamente nessa ordem; cabe, em suma, compreender que
não é possível oferecer um MAT adequado sem desembolso de dinheiro, mas que também não é
possível ter um processo produtivo eficiente e lucrativo a longo prazo sem a eliminação ou, pelo
menos, diminuição dos riscos ambientais laborais.
Também foi possível abordar no presente trabalho a questão do seguro de acidentes do
trabalho, cuja administração, no Brasil, é estatal, o que, a princípio, é o mais indicado diante de
um risco social de tamanha relevância. Com isso, não se quer dizer que a gestão do SAT pelo
Estado seja satisfatória em nosso país, mas que a retirada dessa incumbência do Poder Público
tende a tornar ainda mais distante a possibilidade de se atingir um dos principais objetivos de um
seguro social, que é o de promover a proteção de todos. A extensão da cobertura do seguro social
a todos os cidadãos requer reformas no sistema que hoje vigora, mas não se acredita que a
incumbência dessa tarefa social ao setor privado, voltado, prioritariamente, à satisfação de
interesses econômicos individuais, seja a alternativa mais segura a se adotar com o intuito de
alcançar tal finalidade. Essa concepção, todavia, não importa em afastamento da participação
privada da questão, já que ações coordenadas, com a formação de redes que conjuguem esforços
das iniciativas estatal e particular, sempre serão indicadas, mas apenas adverte para a
imprescindível regulação estatal do tema diante da sua importância social.
Os riscos laborais estão presentes em todos os tipos de atividades, não possuindo qualquer
vínculo com a forma como é estabelecida a relação de trabalho eventualmente existente entre o
responsável pela manutenção do MAT e aquele que efetivamente trabalha naquele meio e
consequentemente se expõe aos riscos. Logo, os trabalhadores vinculados aos empreendedores
por meio das novas relações de trabalho que se vêm consolidando com a evolução do processo de
globalização, baseadas, sobretudo, na terceirização, precisam ser protegidos. Também os
teletrabalhadores, que não deixam de ser empregados, os funcionários públicos, as pessoas físicas
travestidas de jurídicas e os empregados domésticos precisam ter garantido o direito de
exercerem suas atividades laborais em ambientes que lhes garantam a vida, a saúde e a
integridade física e mental.
Ao empreendedor, responsável pelo ambiente do trabalho, cumpre manter um espaço e
condições laborais seguras e salubres. Não se trata de impor dificuldades a quem empreende, nem
barreiras ao crescimento econômico, sendo certo que o trabalho beneficia a toda a sociedade, pela
sua importância ante a necessidade de satisfação do princípio da dignidade da pessoa humana,
todavia, é necessário realçar que as vantagens mais imediatas da atividade econômica
permanecem com o detentor dos meios de produção, motivo pelo qual os riscos dessa atividade
também devem ser suportados por ele e não pela sociedade.
Pela teoria do risco social, que vigora no Direito Previdenciário brasileiro, a sociedade
assume o dever de atender as necessidades sociais decorrentes dos riscos escolhidos, dentre os
quais se encontram os acidentes do trabalho. O fato de os empregadores contribuírem para o
custeio da cobertura desse risco não os torna imunes à obrigação de arcar com as consequências
de suas ações ou omissões no que se refere ao dever de manter ambientes de trabalho seguros e
salubres. Isso porque a teoria do risco social reporta-se à relação que envolve o segurador social e
o segurado, que é o trabalhador e não o empregador (ainda que esse recolha as contribuições do
SAT), não eximindo, portanto, o responsável pelo descumprimento das normas de SST de repor
aos cofres públicos os dispêndios decorrentes de sua omissão, como os gerados pela concessão de
benefícios e serviços acidentários pela Previdência Social, independentemente de haver
contribuído para o SAT.
Diante do alcance da teoria do risco social, acredita-se que a constitucionalidade da ARA
torna-se evidente, sendo que, se algo tivesse que ser qualificado como inconstitucional, seria a
possibilidade de o mero pagamento do SAT eximir o empregador de qualquer responsabilidade
residual, pois isso, a nosso juízo, afrontaria o princípio da dignidade da pessoa humana.
De todo modo, como já ressaltado, a propositura das ações de regresso pela Previdência
Social deve ser uma ação dentre de uma política maior, de atuação conjunta em prol do ambiente
laboral e do bem-estar dos trabalhadores, tanto entre os entes públicos como entre a esfera
pública e a privada. A tradicional fragmentação das atuações públicas precisa ser superada,
iniciando-se uma nova etapa de conjugação de esforços envolvendo as três áreas da seguridade
social (saúde, previdência e assistência), além das áreas responsáveis pelo trabalho e emprego,
pelo meio ambiente e pela administração da justiça, entre outras, em todos os níveis da federação.
Essa atuação pública conjunta será produtiva e influenciará a iniciativa privada a cumprir o seu
papel, já que o Estado também estará cumprindo o seu, seja fiscalizando o cumprimento das
normas, seja cumprindo-as quando for o seu destinatário, como ajuizando a ARA, cujo dever lhe
é imposto nos casos de descumprimento das normas de SST.
O ajuizamento da ARA depende da satisfação de três pressupostos, quais sejam: a
ocorrência do acidente do trabalho (típico ou equiparado) sofrido por trabalhador-segurado; a
implementação de uma ou mais prestações pelo segurador público (INSS); e a negligência quanto
ao cumprimento e/ou fiscalização das normas relacionadas à SST ou a assunção de riscos
controláveis ou não inerentes ao trabalho pelo responsável pelo ambiente.
A possibilidade de responsabilização objetiva do mantenedor do ambiente laboral em sede
de ARA ainda não encontra amparo jurisprudencial; contudo, pelo que se observa das decisões
dos tribunais analisadas no decorrer do presente trabalho, tende a caminhar nesse sentido, já que,
inicialmente, exigia-se dolo ou culpa grave e, atualmente, já se admite a presunção da culpa,
modelo que, salvo melhor juízo, reflete a necessidade de acolher o critério objetivo.
Pôde-se atentar no desenvolvimento do trabalho para a questão das críticas que o
ajuizamento das ARAs contras as ME e EPP tende a sofrer sob a alegação de que elas não
suportariam uma condenação dessa espécie, já que o abalo financeiro que provocaria poderia
representar, até mesmo, a cessação das atividades e, por consequência, a perda de muitas das
vagas de emprego que essas mais de três milhões de empresas, em visível expansão, geram para o
país. Ocorre que, apesar de o instituto da ação regressiva importar, em tese, na busca do
ressarcimento integral das perdas e danos, o conceito requer um aprimoramento quando sua
aplicação ocorrer na esfera acidentária. A condenação na ARA, nessas situações, poderia
envolver uma condenação de pagar e outra de fazer. Enquanto a de pagar importaria em
ressarcimento parcial dos valores despendidos pela Previdência Social em razão do infortúnio,
para atender ao objetivo direto da própria ação; a de fazer, obrigaria a empresa a comprovar
investimentos em SST, adequando as condições ambientais do trabalho, para evitar novos
acidentes, de modo a atender ao objetivo indireto.
Tal evolução do instituto tenderia a consolidar o seu papel de política pública em prol do
MAT. Além disso, a efetiva e compensadora utilização da ARA deve estimular o segurador
público a investir na qualificação dos ambientes laborais e na educação continuada dos
trabalhadores e das empresas, direcionada à adequada gestão dos riscos em prol da vida e da
saúde. Todavia, a atuação preventiva da Previdência Social não deve estar associada diretamente
com a obtenção de vitórias nas ARAs ajuizadas, até porque um bom desempenho preventivo
tende a reduzir os índices de acidentes do trabalho e, consequentemente, de ações de regresso a
serem propostas.
A ARA, portanto, não se trata de um fim em si mesma, mas não há como negar que é um
meio repressivo com forte potencial didático, motivo pelo qual deve ser explorada enquanto
política pública de proteção ao MAT seguro e salubre e de garantia ao direito de trabalhar e de
viver em ambientes equilibrados, essenciais à sadia e digna qualidade de vida.
Com essas palavras, não se está a encerrar nada, pois tema de tamanha relevância requer
reflexão contínua... Além disso, as reflexões precisam ser colocadas em prática, motivo pelo qual
o verdadeiro trabalho começa agora...
Acidente de Trabalho e
Responsabilidade Patronal Objetiva

1. Introdução.

Recentemente foi noticiado o incêndio em uma indústria


têxtil em Bangladesch e a revolta dos trabalhadores diante das
precárias condições de trabalho, saúde e segurança.

O dia 28 de abril é considerado pela Organização Internacional


do Trabalho (OIT) o dia mundial de saúde e segurança no trabalho e,
neste ano de 2013, ela nos chama a atenção pelos dados alarmantes
referentes ao grande número de acidentes de trabalho que
acontecem no mundo, vez que, de acordo com os dados por esta
trazidos, 6.300 pessoas morrem em decorrência de acidentes de
trabalho e doenças ocupacionais diariamente e 151 trabalhadores
sofrem acidente de trabalho a cada 15 segundos1.

Estima-se que “os acidentes de trabalho e as doenças


pro! ssionais resultam numa perda anual de 4 % no produto interno
bruto (PIB) mundial, ou cerca de 2,8 biliões de dólares, em custos diretos
e indiretos de lesões e doenças.”2

A OIT traz as mulheres, crianças e migrantes como os mais


afetados.

As causas para uma estatística tão alarmante são inúmeras.

Apenas para exempli! car, pode-se citar o lucro ! nanceiro


como sendo o objetivo primordial das empresas que, para tanto,
deixam em segundo plano a saúde e segurança do trabalhador,
não respeitando a legislação vigente que exige investimentos
que garantam um meio ambiente de trabalho digno e saudável.
Além disso, existem atividades cuja essência por si só, expõem
trabalhadores a risco, como agricultura, pesca e mineração.

Em contrapartida, a legislação pátria mostrou inquestionável


evolução em se tratando de saúde e segurança diante da repercussão
global deste tema e a união de forças para combater os acidentes de
trabalho e doenças ocupacionais.

Diante de tais fatos, a partir de doutrinas e dados históricos


questionaremos a aplicabilidade da responsabilidade civil subjetiva
no acidente de trabalho, propondo a imputação objetiva do
empregador nestas hipóteses.

2. Acidente de Trabalho

O acidente de trabalho atualmente é conceituado pela


legislação previdenciária, Lei 8.213 de 1991, no artigo 19, como
aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou
pelo exercício do trabalho provocando lesão corporal ou perturbação
funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou
temporária, da capacidade para o trabalho.

Há que se ressaltar que se equipara ao acidente do trabalho,


para todos os efeitos legais, as doenças pro! ssionais, conforme
artigo 21 da Lei 8.213/91.

A Constituição Federal trouxe os incisos XXII e XXVIII do artigo


7º, que tratam, respectivamente da redução dos riscos inerentes
ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança e
seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em
dolo ou culpa.

Além disso, este mesmo diploma trouxe no artigo 225 como


um direito de todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-
lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, imputando
ao infrator a responsabilidade objetiva pelos danos a ele causados,
incluindo neste, o meio ambiente de trabalho.
Frisa-se que a preocupação com os acidentes de trabalho e
doenças ocupacionais é mundial, existindo inúmeras Convenções
Internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT) neste
sentido, sendo muitas delas rati! cadas pelo Brasil, destacando-
se dentre estas a Convenção nº 155 sobre Segurança e Saúde
dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho, concluída em
Genebra, em 22 de junho de 1981, em vigor desde 29 de setembro
de 1994, pelo Decreto 1254/94, a qual traz ações em nível nacional,
com a participação do Estado, e de Empresa, com a cooperação
dos trabalhadores, para garantir um meio ambiente de trabalho
saudável e que respeite a saúde e segurança.

3. Responsabilidade Civil

Segundo Raimundo Simão de Melo, “a responsabilidade civil


constitui uma resposta ao ato ilícito pela reparação do direito lesado.”3

O conceito de ato ilícito é trazido pelo artigo 186 do Código


Civil o qual preceitua que aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem,
ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Desta forma, o ato praticado em desacordo com a ordem


jurídica, que viola um direito subjetivo e causa dano de natureza moral
ou patrimonial a outrem, deve ser reparado. “Da prática do ato ilícito
decorre a responsabilidade do agente.”4

A Responsabilidade Civil, é, portanto, “uma relação


obrigacional que tem por objetivo a prestação de ressarcimento”5 de
um prejuízo causado a outrem em decorrência de um ato praticado
pelo agente, por pessoa a ele vinculada juridicamente, por coisa a ele
pertencente ou por mera imposição legal.

Sabe-se que o objetivo da responsabilização civil é o retorno ao


status quo ante. Todavia, nas hipóteses em que isto não é possível,
busca-se o caráter compensatório pelo dano sofrido por meio da
indenização.
O direito civil brasileiro foi in! uenciado pelo ideário francês,
“encerrando duas máximas válidas até hoje: - o devedor responde
por perdas e danos que causar ao credor pelo não cumprimento da
obrigação; - a culpa pelo não-cumprimento da obrigação contratual
além de presumida pelo devedor é julgada in abstracto, ou seja,
independente das circunstâncias fáticas.”6

A responsabilidade subjetiva advém da existência da culpa


em sentido amplo como pressuposto para o ressarcimento do dano
causado.

Para esta teoria, não havendo culpa, não haverá


responsabilidade.

Quando se menciona que o agente deve agir culposamente


para que seja caracterizado o ato ilícito, fala-se em culpa em sentido
amplo, como violação de um dever jurídico imputável a alguém em
decorrência de uma conduta dolosa, em que há vontade consciente
de praticar um determinado ato, ou culposa, culpa em sentido
estrito, aquela que advém da conduta negligente, imprudente ou
imperita do agente.

A culpa ainda poderá ser considerada grave, leve ou levíssima.

Embora a maioria dos doutrinadores entenda que tal


classi" cação é irrelevante, visto que o artigo 944 do Código Civil
consagra a regra geral em que se pese a culpa como pressuposto
para indenização, obrigando, assim, o agente a ressarcir os danos
causados, quer tenha agido com dolo ou culpa, o parágrafo único
confere ao juiz o poder de decidir com fulcro no Princípio da
Equidade, facultando a ele reduzir a indenização quando excessiva
ao restar comprovada a desproporção entre o dano causado e o
grau de culpa do agente.

Segundo José A onso Dallegrave Neto, ”em sede de ação


reparatória de acidente de trabalho, a distinção ganhou importância
com a promulgação da CF/88, pois antes dela o empregador respondia
apenas pelos danos causados por ‘dolo ou culpa grave’, de acordo com a
dicção da Súmula 229 do STF. Em vigor o atual artigo 7º, XXVIII, da atual
Carta da República, o empregador passa a responder por dolo ou culpa
(simples). Fruto da nova postura axiológica solidarista, a modi! cação
trouxe sensíveis efeitos práticos, priorizando a tutela do trabalhador
que, nesses infortúnios, vê-se lesado não só na sua integridade física,
mas também, e acima de tudo, em sua dignidade humana. Em razão
disso, é comum, em tais ações acidentárias, o pleito cumulado de
reparação de danos materiais e morais.”7

Com a evolução da sociedade e o surgimento do Estado


Social, da impossibilidade da vítima demonstrar a culpa do agente,
sendo esta, inclusive, prova diabólica, a responsabilidade civil passou
a ser analisada de outra forma.

Assim, “ao invés de manifestar preocupação de vincular a


indenização ao ato ilícito, passou-se a priorizar o ressarcimento do
dano: a vítima, antes colocada num plano secundário, sendo dela,
inclusive, o ônus da prova da culpa, passa a ser vista pelo Direito como
sujeito prioritariamente tutelado. O dever de indenizar, em face da
nova teoria do risco, independe da prova ou da existência de culpa do
agente. De consequência, rompe-se o dogma positivista segundo o
qual somente é indenizável o dano causado pela culpa demonstrada
pelo ofensor.”8

Seguindo esta linha de raciocínio, em 2002, a Lei 10.406 que


instituiu o Novo Código Civil trouxe o parágrafo único do artigo 927,
o artigo 932, inciso III e o artigo 933, os quais foram os responsáveis
pela normatização da responsabilização objetiva quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem, e a discussão sobre a
aplicabilidade deste instituto nos casos de acidente de trabalho.

Nesse diapasão, a Responsabilidade objetiva, veio ao encontro


das necessidades de acompanhamento das transformações sociais,
diante a intensa atividade econômica que se tornou ainda mais
agressiva com o fenômeno da globalização e a necessidade de
responsabilizar ao causador pelo dano por meio de ato ilícito ou em
decorrência de atividade desempenhada, ainda que sem culpa.

Para a Responsabilidade Objetiva, há a isenção da


comprovação da culpa do agente, bastando demonstrar o nexo de
causalidade entre a conduta e o resultado.
A doutrina apresenta, além das hipóteses expressas em lei,
o risco como fundamento do dever de indenizar objetivamente,
trazendo como espécies de responsabilidade objetiva: o risco
integral, o risco proveito, o risco criado, o risco pro! ssional e social e
o risco da atividade econômica.

A teoria do risco integral propõe que o “agente deve suportar


integralmente os riscos, devendo indenizar o prejuízo ocorrido,
independente da investigação de culpa, bastando a vinculação objetiva
do dano a determinado fato”.9

A teoria do risco proveito ocorre pela responsabilização “de


todo aquele que tira proveito ou vantagem do fato causador”10.

Paulo Emílio Vilhena, citado por José A" onso Dallegrave


Neto, “bem observa que o princípio da responsabilidade pelo risco
proveito aplica-se para ! ns de relação de emprego. Não se olvide ser
esse o sentido do artigo 2º da CLT quando faz menção à assunção do
risco pelo empregador em relação aos riscos da atividade econômica.
(....) Os defensores desta corrente, na tentativa de afastar as objeções,
sustentam que não precisa haver lucro efetivo na atividade, mas
‘eventualidade de ganho’”.11

A teoria do risco criado, por sua vez, consiste na


responsabilização diante do desenvolvimento de atividades lícitas,
embora perigosas.

Ela difere da responsabilidade subjetiva tendo em vista que


“enquanto esta se funda no desenvolvimento de uma ação ilícita,
aquela se perfaz com desenvolvimento de uma ação lícita, porém
perigosa ou de risco físico.”12

A teoria do risco criado é a contemplada pelo parágrafo único


do artigo 927 do Código Civil.

A teoria do risco pro! ssional“é mais ampla que a do risco criado,


pois enquanto esta se limita às atividades empresariais perigosas, a
do risco pro! ssional se estende a todo empregador”13, sendo o risco
sempre suportado pela empresa.

Esta teoria, inspirada na obra de Raymond Saleilles, em 1897,


“parte da lógica que o empregador, ao obter lucros por intermédio
de suas atividades, deve também suportar os prejuízos dai advindos.
Quem tem o bônus, há que ter também o ônus! Mais uma vez invoca-se
a parêmia latina: ubi emolumentum, ibi onus.”14

Segundo José A! onso Dallegrave Neto, “a teoria do risco


pro! ssional serviu para embasar a teoria da responsabilidade civil
objetiva, máxime as ações reparatórias de acidentes de trabalho, dando
novos rumos às pesquisas e seguindo, a partir daí, com regras próprias,
distantes das normas de direito comum.”15

A teoria do risco da atividade econômica encontra respaldo no


artigo 2º da CLT, que traz expressamente o conceito de empregador
como a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da
atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal
de serviço.

Sendo assim, “a CLT está adotando a teoria objetiva, não para a


responsabilidade proveniente de qualquer inexecução do contrato de
trabalho, mas para a responsabilidade concernente aos danos sofridos
pelo empregado em razão de mera execução regular do contrato de
trabalho. Destarte, o empregado não pode sofrer qualquer dano pelo
simples fato de executar o contrato de trabalho”16

Entendemos como sendo aplicável esta teoria nas hipóteses de


acidente de trabalho conforme veremos no capítulo seguinte.

Há ainda o nexo causal como um dos elementos essenciais


da Responsabilidade Civil, sendo “o vínculo entre a conduta e o
resultado”17 e sem ele, não há que se falar em reparação do dano ou
indenização.
Caberá ao juiz, ao analisar o caso concreto, veri! car se houve
violação a um direito alheio e se desta conduta originou o resultado
danoso, ou seja, se existiu o nexo de causalidade entre a ação do
agente e o dano ocorrido.

No direito civil, há situações, entretanto em que, embora


tenha ocorrido o evento danoso, há o rompimento do nexo causal,
excluindo, desta forma, a responsabilidade civil do agente.

São elas: a culpa exclusiva ou concorrente da vítima, fato de


terceiro, caso fortuito ou força maior e a cláusula de não indenizar.

No direito do trabalho, há a relativização das cláusulas


excludentes da responsabilidade civil, diante da busca da justiça
social, do embasamento no Direito Social, da tutela de direitos não
patrimoniais, devendo sobrepor a estes, da dignidade da pessoa
humana como direito fundamental e da assunção do risco da atividade
econômica pela empresa.

A culpa exclusiva consiste no dano motivado exclusivamente


por ela e, diante deste fato, não há nexo de causalidade entre a ação e
a lesão, razão pela qual se exclui qualquer dever de indenizar do autor,
devendo ela arcar com todos os prejuízos.

No direito do trabalho, para que seja excluída a responsabilização


deve-se realizar uma análise cautelosa, até para se compreender se
os motivos que levaram o agente a se comportar daquela forma não
estariam relacionados, ainda que remotamente ao trabalho ou às
condições ambientais deste.

Um exemplo a ser citado é o do suicídio de diversos trabalhadores


da Foxxconn da China diante das condições de trabalho.

Neste caso, não se trata de culpa exclusiva da vítima e sim de


dolo do empregador que diante do abuso de seu poder de direção deu
causa a este quadro e portanto, deve ser responsabilizado.

Em se tratando de culpa concorrente, a vítima concorre com o


agente para o evento danoso.

Para a reparação, cada um responderá proporcionalmente ao


seu grau de participação no resultado.
Ainda sobre a culpa concorrente, o Enunciado 46 da 1ª
Jornada da Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Jurídicos
da Justiça Federal dispõe que a possibilidade de redução do montante
da indenização em face do grau de culpa do agente, estabelecida no
parágrafo único do art. 944 do novo Código Civil, deve ser interpretada
restritivamente, por representar uma exceção ao princípio da reparação
integral do dano, não se aplicando às hipóteses de responsabilidade
objetiva”.

O fato de terceiro ocorrerá toda vez que “alguém for


demandado para indenizar um prejuízo que lhe foi imputado pelo
autor”18 mas que um terceiro deu causa.

A exclusão da responsabilidade dependerá da prova de que


o dano foi oriundo de ação de terceiros.

Há algumas exceções trazidas em lei em que há


responsabilização mesmo em se tratando de fato de terceiro.

São as hipóteses trazidas pelo artigo 932 e artigo 933, ambos


do Código Civil.

O caso fortuito e força maior, que são excludentes da


responsabilidade no direito civil por descaracterizar o nexo causal
entre a conduta do agente e o resultado ante a ausência de culpa
do mesmo e a inevitabilidade do evento são relativizados no direito
do trabalho, vez que “no caso fortuito e força maior há sempre um
acidente que produz prejuízo.”19

Isto porque a legislação trabalhista apresenta regramento


próprio contemplado nos artigos 501 e 502 da CLT, dos quais se
extraem que é devida a indenização mesmo em caso fortuito e força
maior.

A cláusula de não indenizar consiste no acordo entre as


partes que celebraram um contrato ao qual elas se exoneram da
obrigação de reparar o dano oriundo de inexecução ou da execução
inadequada de um contrato.

Há exceções para a estipulação desta cláusula, como no código


de Defesa do Consumidor, em que há vedação expressa diante da
hipossu! ciência deste, - artigos 24,25 e 51 - e no Direito do Trabalho,
“seja porque se trata de um contrato de adesão, seja porque um dos
contratantes é considerado hipossu! ciente, seja porque tal ajuste
fere frontalmente o conceito legal de empregador, previsto no caput
do artigo 2º da CLT e o princípio da irrenunciabilidade dos direitos
trabalhistas.20

No que tange à aplicação da responsabilidade civil no direito


do trabalho, apesar do ordenamento jurídico ser uno, o Direito do
Trabalho é um Direito Social cuja principal função é a de corrigir as
distorções originadas pelo capitalismo através do surgimento da
classe trabalhadora, que, destituída de propriedade e dos meios de
produção aliena sua força de trabalho para o capitalista proprietário
daqueles.

Sendo assim, não há como se aplicar integralmente a


principiologia do Direito Civil ao Direito do Trabalho, pois aquele
pauta-se no liberalismo e na igualdade entre as partes, enquanto
este é pautado no princípio protetor da ! gura hipossu! ciente do
trabalhador, que vende sua força de trabalho em busca da melhoria
de sua condição social e da justiça social.

O Direito deve ser visto como um instrumento de Justiça


Social e, como tal, “quando se fala em direito, que fora especi! camente
criado, com o objetivo de inibir as injustiças provocadas pela
desigualdade negocial entre trabalhadores e empresários, como
ocorreu com o Direito do Trabalho, a própria sobrevivência deste direito
como ramo jurídico autônomo está condicionada à preservação de
seu princípio básico, qual seja a preocupação com a Justiça Social. Um
direito do trabalho, que na aplicação concreta, produza resultados
injustos, perde, plenamente o seu sentido.”21

O professor Jorge Luiz Souto Maior defende que o “Direito


Social pode ser compreendido como “a ordem social que se
contrapõe à ordem econômica que é imposta pelas relações de poder
capitalistas”.22
Nas lições de François Ewald, citado por Souto Maior, “uma
característica do direito social é o procurar inverter o raciocínio jurídico:
não pensar uma situação em função das categorias jurídicas abstratas
do direito civil, mas em função das suas características concretas. Tirar,
de algum modo, o direito do facto. O sujeito de direito cede o seu lugar
ao assalariado, ao consumidor, ao pro! ssional”.23

Por todo o exposto, o Direito do Trabalho deve ser visto sob


o aspecto do trabalhador como parte hipossu! ciente da relação
jurídica, do princípio da vedação ao retrocesso, na busca da justiça
social.

Sendo assim, pauta-se o presente trabalho na inaplicabilidade


da responsabilidade subjetiva ao Direito do Trabalho, sob afronta
direta à sua principiologia e aos fundamentos do Direito Social “á
serviço da proteção do ser humano em face dos interesses puramente
econômicos (...), negando e! cácia concreta às regras de preservação
e elevação da condição humana, sobrepondo-lhes a necessidade da
segurança jurídica da propriedade.”24

4. A responsabilidade objetiva do empregador nos acidentes


de trabalho

4.1. Fundamentos Históricos

Como já dito, não há como desvincular o direito do trabalho


do estudo da história, tendo esta papel essencial para compreensão
do tema.

Apesar do acidente de trabalho estar intimamente


relacionado com o surgimento do trabalho, estando presente ao
longo da história, a revolução industrial intensi! cou este infortúnio
diante das tarefas e as jornadas exaustivas nas fábricas, envolvendo
especialmente crianças.

Importante frisar que durante este período de liberalismo


econômico e não intervenção do Estado, o acidente de trabalho era
visto sob a ótica do trabalhador de assumir os riscos da atividade,
devendo este agir com diligência.
Sendo assim, caso o trabalhador sofresse acidente de
trabalho, seria por sua culpa exclusiva.

Diante deste contexto, evidente a eclosão de revoltas, da


destruição das máquinas, as quais os trabalhadores consideravam
responsáveis pela miséria pela qual estavam passando.

Apesar de, num primeiro momento o enredo histórico


parecer longínquo e desconexo à realidade atual, adota-se a mesma
racionalidade protetiva do capital em detrimento do trabalhador ao
imputar a ele o ônus da comprovação da culpa do empregador nas
hipóteses de acidente de trabalho, afrontando o Direito Social e a
proteção da ! gura do hipossu! ciente na relação de trabalho.

Assim, apesar do lapso temporal entre a revolução


industrial e a modernidade, não há como vislumbrar a alteração
da racionalidade da classe dominante de exigir da ! gura
hipossu! ciente a comprovação da culpa para sua responsabilização,
ou culpar exclusivamente o trabalhador pelos acidentes de trabalho
sofridos como forma de se eximir do dever de indenizá-lo, ou à sua
família em caso de acidente de trabalho com vítima fatal, o que se
vislumbra corriqueiramente nas salas de audiência nas demandas
que envolvem esta matéria.

Desta forma, a superação desta racionalidade e a propositura


de uma nova mentalidade, pautada no direito social sob a ótica do
trabalhador por meio da responsabilização objetiva nos acidentes
de trabalho é o que se defende.

4.1.1. Fundamentos jurídicos e sociais

Segundo Jorge Luiz Souto Maior as questões pertinentes aos


acidentes de trabalho representam a questão social mais decisiva
para a formação da racionalidade do Direito Social, motivando a
transformação da própria teoria da responsabilidade no Direito
Civil ao se chegar à noção de responsabilidade pelo risco criado e
conferir, então, resposta jurídica adequada a este fenômeno que se
considerava produzir efeitos típicos de uma guerra.

Para ele, “não tem o menor sentido, pois, tentar limitar a


responsabilidade do empregador pelo argumento da necessidade da
comprovação da culpa cometida por este, pois isso equivale a negar
toda a construção teórica em torno do Direito Social, que foi buscada,
sobretudo, para resolver os problemas advindos dos acidentes de
trabalho.”25

Corroborando o entendimento acima, temos como exemplo


de evolução das normas jurídicas que tratam sobre o acidente de
trabalho, o Código Civil de 2002, o qual trouxe a responsabilização
objetiva no parágrafo único do artigo 927 “quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem”.

Sobre o tema, Jorge Luiz Souto Maior tece as seguintes


considerações:

“Vale veri! car que o texto de lei não faz menção a risco físico,
mental etc., mas a risco para os ‘direitos’, o que parece bem mais amplo,
na medida em que atinge, igualmente, um direito patrimonial por
exemplo (....)Tem-se, assim, mais um argumento a favorecer a efetiva
proteção jurídica do empregado em casos de acidente de trabalho.
Ora, considerando-se que o acidente de trabalho é fruto do risco da
atividade, isto é, das condições de trabalho que são impostas pelo
empregador ao empregado, fácil apontar a pertinência da aplicação
desses dispositivos como fundamento da responsabilidade civil objetiva
para a reparação do dano sofrido pelo empregado em decorrência do
acidente de trabalho. Em termos precisos, o que o Código Civil trouxe,
portanto, foi a consagração da tendência doutrinária e jurisprudencial
de adotar a responsabilidade civil objetiva na hipótese de acidente de
trabalho.”26

O Direito do Trabalho tem como uma das suas bases o princípio


da vedação ao retrocesso e a aplicação do princípio protetor, o qual
se desdobra no in dubio pro operário, na aplicação da norma mais
favorável e na condição mais bené! ca ao trabalhador.

O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil atende à


principiologia do Direito do Trabalho, sendo perfeitamente aplicável
ao Direito do Trabalho, por força no artigo 8º da CLT, nas hipóteses
de acidente pela simples inserção do trabalhador no modo de
produção capitalista ao vender sua força de trabalho.
Aliás, o próprio artigo 2º da CLT traz no conceito de
empregador a assunção dos riscos da atividade econômica, não
havendo que discutir a culpa, até porque, a! nal, consubstancia
irrefragável dever patronal manter um meio ambiente de trabalho
saudável.

Sendo assim, por qualquer perspectiva que se observe,


não há como fugir da responsabilização objetiva do empregador
nos acidentes de trabalho, vez que além de todos os dispositivos
e argumentos suscitados, ainda há a função social da empresa, o
respeito à dignidade da pessoa humana do trabalhador, a melhoria
sua condição social por meio do trabalho e a consagração da
valorização do trabalho como um dos fundamentos da República
Federativa do Brasil.

4.2. A Responsabilidade Civil Objetiva do empregador nos


acidente de trabalho

Por todos os argumentos acima trazidos, o presente trabalho


tem por objetivo a defesa da responsabilidade objetiva patronal no
acidente de trabalho como forma de garantir o Direito Social para
que a Justiça trabalhista não seja palco de injustiças e quimeras
criadas pelo próprio sistema.

Isto porque, conforme visto ao logo do presente estudo,


a responsabilidade civil evoluiu e trouxe a possibilidade da
responsabilização objetiva do causador do dano a meio ambiente,
abrangendo o do trabalho, do empregador no acidente do trabalho
para ! ns previdenciários e a do fornecedor perante o consumidor.

Trata-se de um avanço na legislação e na racionalidade, antes


pautada na lógica liberal da responsabilidade do agente apenas
se comprovada culpa pelo dano causado, excluindo nas demais
hipóteses, inclusive quando se tratava das conhecidas excludentes
da ilicitude: força maior e caso fortuito, culpa exclusiva da vítima e
fato de terceiro.

Todavia, o Direito do Trabalho é ramo próprio dotado de


princípios próprios, devendo ser interpretado à luz do Direito Social,
do princípio da vedação ao retrocesso, da norma mais favorável ao
trabalhador, da assunção do risco do negócio pelo empregador.
Sendo assim, a aplicação da responsabilidade objetiva
patronal é medida que se impõe, até para que se mantenha a
coerência sistemática deste instituto, exigindo-se uma interpretação
sistemática-axiológica e teleológica das normas com o ordenamento
jurídico como um todo.

Porém, a doutrina e a jurisprudência majoritária insistem em


adotar a responsabilidade civil subjetiva ao acidente de trabalho e
seus efeitos na esfera trabalhista.

Tal interpretação, além de di! cultar a prova nas mesas de


audiência, sendo prejudicial ao empregado, parte hipossu! ciente da
relação jurídica, nega o Direito Social e a principal função do direito
do trabalho em promover a justiça social e a melhoria da condição
social do empregado, que a obtém através da venda de sua força de
trabalho, esperando obter, além do salário, um respaldo do Estado
e do Direito quanto à sua saúde, segurança e integridade física e
psíquica.

Sendo assim, considerando que a responsabilidade civil no


Direito do trabalho deve ser aplicada seguindo a sua principiologia e
não pautada no direito civil, que o ordenamento jurídico contempla
a possibilidade da aplicação da responsabilidade civil objetiva
pela teoria do risco da atividade, ou seja, pela simples inserção do
trabalhador no modo de produção capitalista, sujeito ás ordens e o
poder de direção do empregador, é o que se deve aplicar.

Para o professor Jorge Luiz Souto Maior:

“não tem o menor sentido a! rmar que o tal ‘sistema jurídico’


confere proteção privilegiada ao trabalho e ao mesmo tempo chegar
ao resultado que, em concreto, oferece uma indenização decorrente
da responsabilidade civil objetiva a relações não trabalhistas e negar
efeito equivalente aos danos experimentados por outro ser humano,
adotando-se como fator de discrimen a sua condição de empregado. A
negação da responsabilidade objetiva nos casos de acidente de trabalho
é tão absurda que pode gerar, por exemplo, a hipótese de que em um
acidente de avião, à empresa de aviação se atribua responsabilidade
objetiva de reparar os danos das vítimas (passageiros), mas com relação
aos empregados (tripulantes), vítimas do mesmo acidente, reparação
somente se daria apenas mediante prova de dolo ou culpa”27

Para Rodolfo Pamplona ! lho, citado por Jorge Luiz Souto


Maior, é “inexplicável admitir a situação de um sujeito que, por força
de lei, assume os riscos da atividade econômica e por exercer uma
determinada atividade (que implica, por sua própria natureza, em
risco para os direitos de outrem), responde objetivamente pelos
danos causados. Ainda assim, em relação aos seus empregados,
tenha o direito subjetivo de somente responder, pelo seus atos, se os
hipossu! cientes provarem culpa. A aceitar tal posicionamento, vemo-
nos obrigados a reconhecer o seguinte paradoxo: o empregador, pela
atividade exercida, responderia objetivamente pelos danos por si
causados, mas, em relação a seus empregados, por causa de danos
causados justamente pelo exercício da mesma atividade que atraiu a
responsabilidade objetiva, teria um direito a responder subjetivamente.
Desculpe-nos, mas é ‘muito para o nosso fígado’’.28

O professor Jorge Luiz Souto Maior ao defender a


responsabilidade patronal objetiva nos acidentes de trabalho adota
um posicionamento peculiar, com a qual concordamos ao defender
que “negar reparação ao trabalhador, que perdeu parte de seu corpo
no exercício deum trabalho em benefício econômico de outrem, sob
a alegação de que o trabalhador ‘cometeu ato inseguro’, equivale a
se remeter à ordem jurídica do século XIX, que foi superada ainda no
mesmo século XIX em virtude de alterações introduzidas no âmbito do
próprio Direito Civil. Os argumentos expressos por Joaquim Pimenta,
em 1944, acima mencionados, deixam claro o equivoco desse tipo de
abordagem sobre o problema dos acidentes de trabalho”.29

Ele cita a disparidade de tratamento entre o código de defesa


do consumidor e o direito no trabalho em se tratando de exposição
à grave risco, vez que o veículo Fox da Volkswagen apresentou um
problema no mecanismo de rebaixamento do banco traseiro e
gerou algumas mutilações de parte de dedos de seus proprietários.
A Volkswagen alegou que houve cometimento de ato
inseguro por parte destes, o que não vingou, tendo sido multada e
impelida a assinar um Termo de Ajuste de Conduta visando realizar
o recall de 477 mil veículos, sob argumento que este mecanismo
não poderia gerar risco de mutilações mesmo se acionado de forma
equivocada, pois, em ultima análise, a empresa estava expondo seus
consumidores a grave risco.

Neste diapasão, “é evidente que com relação aos trabalhadores


não pode ser diferente, ainda mais porque estes se colocam diante de um
procedimento de trabalho durante várias horas a cada dia e é natural, e
humano, que um dia cometam algum erro, mas o erro que cometeram
não pode representar diminuição concreta de sua integridade física. Se
isso se dá não é em virtude do erro, mas do risco que estava presente na
atividade. Nunca é excessivo lembrar, ademais, que o meio ambiente
de trabalho é responsabilidade do empregador, ao qual pertencem
integralmente os riscos da atividade econômica”30

5. Conclusão

O Direito Civil, apesar de trazer regramento próprio quanto


à responsabilidade civil, por se pautar no liberalismo, não foi
su! ciente para tutelar o direito do trabalho e a aplicação desta a
ele, exigindo que este, até por ser dotado de autonomia, aplicasse
a responsabilidade patronal ao acidente de trabalho aplicando-se
uma interpretação à luz de sua principiologia.

Isto porque o Direito do Trabalho se trata de um Direito Social,


o qual tem como pilares: o princípio da vedação ao retrocesso, a
melhoria da condição social do trabalhador, a aplicação da norma
mais bené! ca, de modo que possa oferecer ao trabalhador todo
o aparato capaz de aplicar concretamente esta principiologia, em
especial, no que se refere ao acidente de trabalho, que lhe conceda
uma resposta efetiva no combate a estes números tão alarmantes.

Sendo assim, apesar da corrente majoritária entender pela


aplicabilidade da responsabilidade subjetiva como regra geral,
inclusive aos acidentes de trabalho, pautando-se, para tanto, na
interpretação literal do artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição Federal,
o parágrafo único do artigo 927 do Código Civil combinado com o
artigo 2º da CLT trouxe a responsabilidade objetiva patronal pautado
na assunção do risco da atividade econômica pelo empregador.

A interpretação acima suscitada coaduna com a racionalidade


imputada ao ordenamento jurídico como um todo, vez que a
responsabilidade no Direito do Consumidor, no que tange ao direito
ambiental, incluindo neste, o do trabalho e a responsabilidade
acidentária para ! ns previdenciários pauta-se na objetividade, sem
que tenha que se imputar a culpa ao agente causador do dano,
bastando a prova do nexo de causalidade entre a conduta e o
resultado.

Desta forma, o empregador ao admitir o empregado,


inserindo-o em seu modo de produção, adquirindo sua força de
trabalho por meio da contraprestação salarial, submetendo-o ao seu
poder de direção objetiva incremento na produção e, desta forma, o
lucro.

Partindo da premissa de que quem tem o bônus tem o ônus,


caso ocorra acidente de trabalho é de sua inteira responsabilidade
indenizar este trabalhador, sem que haja discussão se incorreu em
dolo ou culpa ou se tratou de ato inseguro do empregado, inclusive
em hipóteses que no direito civil excluiriam o dever de indenizar por
quebrar o nexo causal entre o ato e o dano, como fato de terceiro,
força maior ou caso fortuito, ressalvado o caso de culpa exclusiva da
vítima, quando o empregador não tenha dado azo a este fato.

Não se trata de adotar uma postura subversiva, mas de


adotar as ferramentas disponibilizadas pelo próprio sistema, o
qual evoluiu e trouxe sistematizado e normatizado o instituto da
responsabilidade objetiva, sendo compatível com a principiologia
do direito trabalhista.

Além disso, o Direito do Trabalho é um Direito Social, devendo


ser analisado sob a ótica do empregado, parte hipossu! ciente,
de modo que, por meio dele, se possa garantir a concessão dos
direitos trabalhistas pelos meios jurídicos adequados, sendo a prova
da culpa no acidente de trabalho a cargo da vítima considerada
“prova diabólica”, a qual deve ser abolida para que seja respeitada
a principiologia do direito do trabalho, privilegiando o trabalhador
em detrimento do capital, nunca se esquecendo dos fatos históricos
que encetaram a criação desta justiça especializada.
O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO DENTRO
DO PODER JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Cláudio Luiz Sales Pache*

Um novo consenso deve ser forjado a partir da necessidade de resguardar um ambiente de


trabalho equilibrado no seio do Poder Judiciário Brasileiro, preservando a saúde física e mental de
magistrados e servidores, um bem que se encontra ameaçado.
RESUMO: Após descrever os motivos pelos quais a tutela jurisdicional brasileira está sendo
entregue com prejuízo à saúde dos magistrados e servidores envolvidos, no texto se busca apontar
uma saída racional e humanizada, elaborada mediante a ponderação dos diversos princípios
constitucionais incidentes sobre a matéria. A conclusão obtida aponta para a necessidade de
investigar e quantificar – inicialmente a partir de dados já existentes e de sua evolução ao longo
do tempo – o limite de produção possível em um ambiente de trabalho equilibrado, devendo o
excedente servir como parâmetro para a criação de novos órgãos judiciários.

INTRODUÇÃO
Sem fugir da possibilidade de, ao final, propor alternativas, acrescentando variável à equação
que rege a situação analisada, o escopo do presente artigo é, sinteticamente, desenvolver linhas
de pensamento voltadas a alicerçar uma reflexão futura sobre os critérios adotados pelo Conselho
Nacional de Justiça - CNJ ao estabelecer as metas de produtividade que devem ser cumpridas
anualmente pelo Poder Judiciário nacional e a forma de avaliação para as promoções por
merecimento de magistrados, de tal sorte que se possa estabelecer um diálogo a esse respeito
envolvendo os atores sociais interessados, as diversas entidades representativas de juízes e
servidores e os demais setores organizados da sociedade.
Trata-se de um olhar adotado a partir dos direitos fundamentais – consagrados na
Constituição da República Federativa do Brasil – à dignidade da pessoa humana e ao meio
ambiente de trabalho equilibrado – e, em consequência, à vida, à integridade física e à saúde –
assim entendidos aqueles inerentes a todos os que laboram no dia a dia da atividade jurisdicional.
Nessa quadra, conceitos originariamente alicerçados em relação aos trabalhadores com
vínculo empregatícios, neste ensaio são aplicados tanto a agentes públicos quanto a agentes
políticos, já que tal condição não lhes retira, por óbvio, a condição de humanos, muito menos
ameniza eventuais efeitos oriundos do modo como sua prestação de serviços é executada.
Considerando também o direito fundamental dos jurisdicionados à tramitação processual
célere - capaz de tornar efetiva a prestação jurisdicional entregue, transformando-a em verdadeira
tutela jurisdicional –, bem como o amálgama formado pelos demais direitos fundamentais antes
referidos, tratados todos como princípios, a hipótese conduz à investigação da existência de um
conflito solucionável pela técnica da ponderação.
Sendo o aspecto merecedor de um outro ensaio, apenas se registra que, acrescentando-se
igualmente regras éticas e do ordenamento jurídico internacional – self-executing e non self-
executing – é possível extrair (CANOTILHO, 2008, p. 154-157; ROXO, 2011, p. 38) um standard
de realização de direitos fundamentais que – abrangendo, por exemplo, o princípio da proteção 1, o
desenvolvimento sustentavel2, os Objetivos do Milênio traçados pela Organização das Nações
Unidas em 2000 e a norma internacional ISO 26000 – resulte em conclusões ou ações que possam
ser utilizadas, ao menos como parâmetros, em outras áreas do serviço público ou privado,
mormente àquelas categorias – como médicos, professores, entre outros – em que a pressão por
produtividade se desenvolve em ambiente carecedor ou deficiente de meios materiais e/ou
humanos.
Retomando o objetivo traçado para o presente estudo, como a metodologia constitucional da
ponderação - utilizada na busca de solução para colisão entre princípios - exige (ALEXY, 2011, p.
96; CANOTILHO, 2010, p. 1258; NOVAIS, 2010, p. 700) uma valoração das “circunstâncias
particulares do caso concreto”, iniciemos por descrevê-las, deixando a respectiva aquilatação para
o momento subsequente.

1 CORTE EPISTEMOLÓGICO
1.1 Metas judiciais
Como resposta à demanda social gerada pela constatação de um enorme saldo de processos
sem julgamento e à demora na entrega da prestação jurisdicional correspondente, as três
primeiras metas a serem cumpridas pelo Poder Judiciário Brasileiro foram estabelecidas em 2008
pelo CNJ, para serem implementadas no ano seguinte: a primeira era voltada à adoção de
planejamento estratégico e uso de ferramentas eletrônicas e as duas outras dirigidas à entrega da
prestação jurisdicional, estabelecendo o dia 31 de dezembro de 2009 como prazo para julgamento
das ações distribuídas até 31-12-05 e a redução de 20% nas 25 milhões das execuções fiscais
ajuizadas.
Tratava-se de uma iniciativa voltada, também, a assegurar efetividade ao disposto no inciso
LXXVIII do artigo 5º da Constituição da República 3, norma que estabelece o direito à “razoável
duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
A partir de então, o CNJ coordena a realização dos Encontros Nacionais do Poder Judiciário,
reunindo todos os presidentes e corregedores de tribunais brasileiros, tendo em mira avaliar a
estratégia nacional, obter indicadores de resultados, metas, projetos e ações que possam ser
compartilhados e implementados no País e definir ações para o período subsequente.
Recentemente, o CNJ conferiu publicidade ao relatório que contém o balanço das metas 2011
4
, tendo a Justiça do Trabalho cumprido 98,94% da meta 3, que estabelecia o objetivo de ser
julgada quantidade igual a de processos de conhecimento distribuídos em 2011 e parcela do
estoque, com acompanhamento mensal, sendo que, no último percentual, o TRT da 1ª Região
obteve o índice respectivo de 110,38%, o TRT da 9ª Região 106,69% e TRT da 3ª Região
104,02%.
Para o ano de 2012, dentre as metas gerais nacionais, a meta 1 estabelece o imperativo de
serem julgados mais processos de conhecimento do que os distribuídos no mesmo lapso e a meta
2 julgar, até 31-12-12, 80% dos processos distribuídos em 2008 pela Justiça do Trabalho, ao passo
que, como meta específica da Justiça do Trabalho, encontra-se a meta 17, que indica aumentar em
10% o quantitativo de execuções em relação ao ano anterior, tudo sem que um idêntico aumento
quantitativo de meios materiais e de servidores seja demonstrado como previamente
implementado.
O que chama à atenção, ao longo dos anos abrangidos pelas referidas metas, são as
medidas estabelecidas, pelos Tribunais, em relação à saúde dos envolvidos na entrega da tutela
jurisprudencial, juízes e servidores, todas sempre remetendo a uma ação de identificação futura de
danos e riscos ou estabelecendo objetivos que, a par de completamente desvinculados das metas
de produtividade, não são acompanhados de nenhuma indicação metodológica para serem
atingidos, o que as tem tornado, no tempo presente, meras declarações de vontade.
Disso resulta que, na forma vigente, as metas de produtividade são para “ontem” e as que,
objetivamente, visam resguardar a saúde dos envolvidos, são para um futuro que não se sabe
quando virá por completo.
Nesse sentido, a Presidência do CNJ, por intermédio da Portaria nº 124/11, estatuiu um
grupo de trabalho nacional, formado por juízes e desembargadores, voltado a apresentar
propostas para a promoção da saúde entre magistrados e servidores do judiciário, que anunciou,
após reunião levada a efeito no dia 16-4-125, a preparação de um protocolo para subsidiar os
tribunais na visualização dos principais problemas e soluções locais, abordando doenças físicas e
psíquicas como depressão, estresse, hipertensão, dores crônicas e osteomusculares.
No âmbito da Justiça do Trabalho, a Resolução nº 84/11, aprovada pelo Conselho Superior
da Justiça do Trabalho - CSJT, determina a implantação de Programa de Controle Médico de Saúde
Ocupacional - PCMSO6 e de Programa de Prevenção de Riscos Ambientais - PPRA7 no âmbito dos
Tribunais Regionais sob sua égide, e a meta 14, dirigida também ao referido ramo especializado do
Poder Judiciário Federal, estabelece o objetivo de serem eles implementados, durante o ano de
2012, em, pelo menos, 60% das unidades judiciárias e administrativas trabalhistas.
Recentemente, o CNJ estatuiu, por intermédio da Portaria nº 69, de 22-5-12, por ele
editada, o “Comitê Organizador do Fórum Nacional do Poder Judiciário para monitoramento e
resolução das demandas de assistência à saúde”, ao passo que o Conselho Superior da Justiça do
Trabalho realizou, nos dias 29 e 30 de maio de 2012, um “Seminário sobre Promoção da Saúde e
Prevenção de Riscos e Doenças Ocupacionais”, todavia, nos estritos limites de identificar realidades
regionais e buscar auxiliar os Tribunais Regionais do Trabalho na implementação da Meta 14 antes
referida8.
Assim, passados três anos do início da implementação da política de metas, pelo menos uma
conclusão possível já começa a ser delineada: sendo (VELLOSO 9), em relação ao tema, “a
metodologia administrativa em voga nos Tribunais” caracterizada “pela possibilidade de visualizar
as deficiências e alterá-las a tempo” nas reuniões períodicas de a avaliação, é necessário agora
“dirigir a prioridade para as necessidades de condições de trabalho dos juízes e servidores”, o que
não se confunde - embora louvável a intenção de estabelecer, a partir daí, um diálogo com a
sociedade - com iniciativas do CNJ10 voltadas a assegurar reconhecimento social pelo esforço dos
magistrados, ou valorização de sua carreira, seja porquanto assim não abrangidos os servidores
que lhes assessoram, seja em razão de não atingir o aspecto objetivo causador/agravador de
adoecimentos, que adiante se demonstrará ser o trabalho prestado sob pressão e sem todos os
meios materiais necessários.

1.2 Promoção por merecimento de juizes


Regida atualmente pela Resolução nº 106 do CNJ – com a possibilidade de ser
complementada por regras regionais –, a promoção por merecimento de magistrados em 1º grau
de jurisdição e o acesso às vagas abertas no 2º grau de jurisdição é marcada por critérios
objetivos voltados exclusivamente à produtividade, examinada apenas por critério quantitativo,
comparando-se11 o número de sentenças e audiências realizadas pelos juízes concorrentes com a
média de produção de magistrados que atuam em unidades similares.
E isso tem sido questionado, como se pode observar nas teses aprovadas no XVI Conselho
Nacional de Magistrados de Trabalho – CONAMAT 12, dentre as quais se destacam as defendidas
pelos Juízes José Carlos Kulzer13 e Leonardo Vieira Wandelli14, que evidenciam a preocupação com
a qualidade das decisões nesses moldes produzidas e os possíveis malefícios causados às
condições de saúde dos envolvidos em sua produção.
De outro modo, sendo essa a fórmula, o incremento quantitativo oriundo das metas
estabelecidas pelo CNJ potencializa, em igual ou superior medida, o desempenho exigido para as
promoções em foco, pois, se “competitividade em produção” existia sem as citadas metas, com a
sua existência, ela é elevada pela maior quantidade de “água despejada no monjolo deste
moinho”.
E, no mesmo raciocínio, tudo o que é aplicado à forma como tais metas são fixadas,
repercute na produção avaliada para estabelecer quem será o juiz promovido, razão pela qual a
solução proposta ao cabo deste texto gera idêntico efeito.

1.3 Servidores públicos lotados no Poder Judiciário


Mola propulsora da prestação jurisdicional, os servidores públicos lotados no Poder Judiciário
- notadamente aqueles que laboram na atividade-fim, em contato direto com os Juízes,
Desembargadores e Ministros, confeccionando minutas de sentenças, despachos, liminares e
acórdãos, ou nas Secretarias Judiciárias, impulsionando a tramitação processual -, veem-se
premidos pelo enorme implemento de carga de trabalho adicional oriunda do cumprimento das
metas antes referidas e pelo trabalho destinado à promoção de juízes.
E, no epicentro dessa pressão, encontram-se aqueles que ocupam funções comissionadas –
FCs – ou cargos em comissão – CJs –, no mais das vezes localizados na difícil posição de “ficar
entre a cruz e a espada”, ou seja, responsáveis por fiscalizar o cumprimento dos objetivos traçados
e, eles próprios, sendo submetidos a uma carga de trabalho superior, não podendo, sob pena de
perderem a vantagem financeira inerente ao posto que ocupam, se ausentar em razão de licenças
periódicas ou prolongadas para tratamento de saúde, razão pela qual o uso de tratamentos
paliativos, que atacam apenas os sintomas psicossomáticos produzidos, tornam-se cada vez mais
frequentes, retardando a eclosão do quadro clínico assim gerado.
Somem-se a isso a questão de gênero, pois há atividades domésticas suplementares que
ainda são, preponderantemente, praticadas pelas mulheres, o que torna, ainda mais, exaustiva a
jornada por elas praticada.
Os efeitos que derivam de todo esse quadro será retratado, a partir de dados concretos, por
amostragem, no tópico seguinte.

1. 4 O momento
Perpassa o Tribunal Superior do Trabalho um momento rico de inserção em campanhas
voltadas à prevenção de acidentes e doenças laborais, nas quais se destaca como um importante
agente catalizador, o que é digno de registro e aplauso.
Também na jurisprudência da citada Corte, a natureza de ordem pública que permeia a
proteção à saúde dos prestadores de serviços jurisdicionados é reconhecida, por exemplo, no
inciso I da Orientação Jurisprudencial nº 342 da SBDI-I 15, a par da celeuma originada pelo advento
da flexibilização que lhe é subsequente.
E a força normativa de normas internacionais - particularmente, de convenções da
Organização Internacional do Trabalho - e da Constituição da República começam a permear a
jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, o que representa um enorme ganho sob o ponto
de vista quantitativo e qualitativo do ordenamento aplicável aos conflitos que lhe são submetidos a
julgamento.
Portanto, esse é, talvez, o momento certo para que, a partir da Justiça do Trabalho, sejam
alinhavados diálogos com a sociedade e lançados questionamentos e propostas transformadoras a
respeito das metas judiciais e das promoções por merecimento de juízes, de tal sorte que o
conceito de “emprego verde” a que alude a Organização Internacional do Trabalho – OIT 16 -
dotados de integral proteção ambiental - atinja também, plenamente, aqueles que prestam
serviços no Poder Judiciário Brasileiro.
Afinal, a par da celeuma, inteiramente válida, a respeito do conteúdo das decisões judiciais
prolatadas em ambiente de pressão quantitativa, o número de licenças para tratamento de saúde
– notadamente doenças cardiológicas, psicossomáticas e psicológicas – assim como de servidores
que laboram medicados, deverão se tornar públicos a partir da regulamentação da Lei nº
12.527/11, que regula o acesso a informações no âmbito da administração pública direta e indireta
da União, Estados e Municípios.
Isso permitirá estabelecer um cruzamento de dados, ao longo do tempo, entre as
estatísticas de implementação das metas, o quadro clínico dos operadores jurídicos envolvidos e os
custos econômicos que derivam desta situação, oriundos das licenças para tratamento de saúde e
aposentadorias por invalidez.
Elementos a esse respeito já começam a surgir a revelia de iniciativas estatais, como se pode
citar, por amostragem, os obtidos pelo projeto 17 “Como Vai Você? Análise das condições de
trabalho e saúde dos servidores do Poder Judiciário Federal em Santa Catarina” , trabalho
efetuado por pesquisadores das Universidades Federais de Santa Catarina e Rio de Janeiro e
Universidade Autônoma de Barcelona, durante o ano de 2011, no âmbito dos órgãos do Poder
Judiciário Federal existentes no território catarinense.
Na citada pesquisa, aplicados os questionários científicos específicos, foram detectados riscos
psicossociais oriundos da sobrecarga ou sobredemanda de trabalho prestado, sob pressão, pelos
servidores respectivos, sem que recursos – materiais e humanos – suficientes para fazer frente a
elas sejam disponibilizados – altas demandas e baixos recursos –, estando a maioria dos
integrantes consultados em uma zona crítica de Burnout moderado, com uma percentagem
considerável de pessoas na zona de Burnout médio-alto, quadro reputado como tendente a se
agravar a curto ou médio prazo em razão da perda de capacidade laboral de pessoas em processo
de adoecimento, que tendem a se afastar do trabalho e, assim, sobrecarregar os servidores que
permanecem em atividade.
A fim de esclarecer o termo antes utilizado, cita-se excerto do artigo publicado 19 por Ana
Maria T. Benevides-Pereira, transcrito abaixo:
O termo burn out ou burnout, “queimar até a exaustão”, vem do inglês e indica o colapso
que sobrevêm após a utilização de toda a energia disponível […].
No contexto da psicologia, a definição mais utilizada tem sido a de Maslach & Jackson (1986)
em que o burnout é referido como uma síndrome multidimensional constituída por exaustão
emocional, desumanização e reduzida realização pessoal no trabalho. O burnout é a maneira
encontrada de enfrentar, mesmo que de forma inadequada, a cronificação do estresse ocupacional.
Sobrevêm quando falham outras estratégias para lidar com o estresse.
A exaustão emocional caracteriza-se pela sensação de esgotamento emocional e físico. Trata-
se da constatação de que não se dispõe mais de nenhum resquício de energia para levar adiante
as atividades laborais. O cotidiano no trabalho passa a ser penoso, doloroso.
Aliás, nada disso é novidade, pois a relação de causa e efeito interligando o trabalho aos
adoecimentos cardíacos, respiratórios, de digestão, endócrinos, metabólicos, nervosos, mentais e
de locomoção já consta (RIBEIRO, 2009, p. 68), desde 2005, de uma longa relação publicada pelo
Ministério da Saúde Brasileiro20, sendo reconhecido (ROXO, 2011, p. 37) que desde muito o
acentuamento “da carga mental e da intensificação do trabalho” fez “emergir novos riscos”
laborais.
Como resultado, já se faz sentir o surgimento de uma categoria dentro da categoria dos
servidores do Poder Judiciário Federal: a de uma sucata de luxo, representada por pessoas
razoavelmente remuneradas que, ou estão afastadas/se afastam do trabalho ou, trabalhando, ou
não, sob o efeito de medicamentos, não conseguem mais atingir a produtividade que lhes era
possível e está sendo progressivamente exigida daqueles que ocupam seus antigos postos, de tudo
resultando um enorme prejuízo financeiro e social para a Nação.
À guisa de conclusão, neste tópico, tem-se que um quadro grave já se desenha e pode
emergir em um futuro muito próximo, dele resultando considerável prejuízo funcional, social e
econômico, tudo podendo ser melhor apurado e quantificado pelo cruzamento de dados antes
referido, prática que pode e deve ser melhorada na medida em que a inciativa for sendo
implementada.

1.5 Colisão de princípios e ponderação


Vejamos quais normas constitucionais incidem sobre a forma como a tutela jurisdicional vem
sendo, em tal situação, entregue para os jurisdicionados, partindo, após, para uma análise
topográfica (CANOTILHO, 2010, p. 1239) do quadro obtido visando situar, no caso concreto, “em
que medida a aréa ou esfera de um direito (ambito normativo) se sobrepõe a esfera de um outro
direito também normativamente protegido” e “qual o espaço que ´resta´ aos dois bens
conflitantes para além da área de sobreposição”.
O § 1º do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (SARLET, 2001, p. 236)
encerra o “postulado da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais”, o qual imprime aos
poderes públicos um “mandado de otimização de sua eficácia”, a fim de que lhes seja conferida “a
maior eficácia possível” e (CANOTILHO, 2010, P. 890) uma “conformidade substancial” que não
podem ser ignoradas ou relativizadas em nenhum dos atos emanados do Estado, sendo
(DELGADO, 2006, p. 51) o homem “o centro convergente de direitos”, com os seus direitos
fundamentais orientando-se “pelo valor-fonte da dignidade”.
No que se refere ao meio ambiente, o disposto no artigo 225 21 da Constituição Federal impõe
aos entes públicos “o dever” de remover ameaças nele existentes como forma de tutelar -
garantindo e protegendo - outros direitos fundamentais - como à vida, à saúde e à segurança –,
ao passo que no inciso VIII do artigo 200 do referido Diploma 22 o meio ambiente do trabalho é
reconhecido como uma dimensão sua, sendo, dessarte, ambos merecedores de idêntica proteção.
Fossem apenas esses os dispositivos constitucionais dirigidos ao meio ambiente, ter-se-ia
uma hipótese sobre a qual a doutrina (CANOTILHO, 2010, p. 188) questiona se estariam
assegurados apenas direitos procedimentais ambientais – de informação, de participação e de ação
judicial23 - e em qual medida o dever do Estado de assegurar proteção aos direitos fundamentais
corresponde, em relação à matéria, a um direito radicalmente subjetivo - no sentido (CANOTILHO,
2010, p. 1256-1257) de poder ser exigido, aqui também, individualmente -, visto que, se as
prestações ambientais que têm origem do texto constitucional se dirigem somente à proteção de
“interesses supraindividuais”, não se coadunariam “com a subjetividade individual do direito a
prestações ambientais”.
Todavia, consta do inciso XXII do artigo 7° da Constituição Cidadã o direito dos
trabalhadores “à redução dos riscos laborais”, proteção (FREITAS, 2012) que integra o patrimônio
jurídico dos servidores públicos civis da União por força do contido no § 3º do artigo 39 da mesma
Carta.
Tais normas, que integram (MELO, 2010, p. 34) o contrato individual de emprego – em razão
do disposto no artigo 444 da CLT 25 - e os vínculos de natureza administrativa – por força da
literalidade da última norma constitucional citada –, garantem aos trabalhadores empregados e
aos servidores públicos civis o direito subjetivo de, individualmente, demandarem em juízo
buscando a um ambiente de trabalho saudável. E (FREITAS, 2012) como – de forma indistinta – “a
tutela de um ambiente de trabalho equilibrado para o exercício de atividades profissionais objetiva,
a um só tempo, preservar a vida e garantir a saúde e a segurança” daqueles que nele prestam
serviços, e os magistrados – agentes políticos – são titulares destes direitos fundamentais,
possuem eles direitos subjetivos idênticos.
Visto sob esse prisma, é inquestionável a existência, no âmbito constitucional, de um “direito
fundamental e universal ao trabalho digno” (BRITO FILHO, 2010, p. 48, assim entendido aquele
em que “um de seus aspectos principais” é a prestação em “condições que preservem a saúde” de
todos os profissionais envolvidos, conforme se pode depreender também de conceito nesses
termos lançado na página eletrônica mantida pelo escritório de Lisboa da Organização
Internacional do Trabalho –OIT26, que a ele agrega, como elemento constitutivo, a segurança no
local de trabalho.
Por outro lado, o direito à duração razoável do processo e aos meios que assegurem sua
tramitação célere – expressamente previsto, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, no
inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal 27 - ou tempestiva (MARINONI, 2002, p. 18),
deriva (CANOTILHO, 1020, p. 496-501) do direito de acesso à Justiça, este previsto no inciso XXXV
do mesmo normativo28.
Afinal, “a proteção jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma proteção jurídica
eficaz e temporalmente adequada”, “em tempo útil”, e possui natureza jurídica de “direito
fundamental”, com dimensões de “direito de defesa do particular perante os poderes públicos”,
“direito de proteção do particular [...] perante a violação dos seus direitos por terceiros (dever de
proteção do Estado e direito do particular de exigir essa proteção” e “dimensões de natureza
prestacional, na medida em que o Estado deve criar” os “órgãos judiciários” necessários, de tal
sorte (RIBEIRO, 2006, p. 163) que a prestação jurisdicional seja qualificada, se tornando uma
efetiva tutela jurisdicial.
Vale ressaltar, todas as normas abordadas, quando observadas sob o viés do direito
constitucional contemporâneo, deitam raízes, concretizam (SARLET, 2006, p. 84-98.), um núcleo
axiológico comum, a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República 29 cujos
efeitos, quanto ao particular, são lançados (CAMBI, 2006, p. 664) sobre toda a tutela jurídica, “não
se restringindo ao vínculo entre governantes e governados, mas se estendendo para toda e
qualquer relação” que envolva violação ou ameaça de lesão a direito, locução que contempla, por
óbvio, aqueles postos sobre a mesa.
Fixadas essas considerações, como se pode perceber, sobre a forma como a tutela
jurisdicional vem sendo entregue no Brasil - considerando-se as metas judiciais estabelecidas pelo
CNJ e o incremento que provocam no quantitativo utilizado como critério objetivo de promoção
por merecimento de magistrados -, incidem, de um lado, o direito fundamental ao meio ambiente
de trabalho saudável, que respeite a integridade física e mental de juízes e servidores e, de outro,
o direito fundamental à duração razoável do processo e aos meios que assegurem a sua tramitação
célere.
Portanto, traduzindo para o caso concreto a topografia do conflito em exame temos:

FORMA COMO A TUTELA JURISDICIONAL VEM SENDO


ENTREGUE NO BRASIL - DIREITOS EM CONFLITO
Direito ao meio ambiente de Direito à duração razoável do processo e
trabalho equilibrado, preservando a saúde aos meios que assegurem sua tramitação
de juízes e servidores, no interior do Poder célere
Judiciário
Há sobreposição dos direitos acima descritos na medida em que o principal meio
empregado para minimizar a demora na entrega da prestação jurisdicional, a fixação de
metas judiciais pelo CNJ, tem implicado acréscimo na produção judiciária considerada como
critério para a promoção de magistrados e ambos têm resultado, a um só tempo, na
prestação de serviços em condições - sob pressão e sem meios suficientes – antagônicas à
existência de um ambiente de trabalho equilibrado no interior do Poder Judiciário brasileiro e
na eclosão de um quadro de adoecimento dos agentes públicos e políticos envolvidos.
Para solucionar o citado conflito é necessário recorrer à Teoria dos Direitos Fundamentais
(ALEXY, 2011, p. 85-106), edifício que tem como uma de suas “colunas-mestras” a diferenciação
entre regras e princípios, ambas espécies do gênero norma, sendo as primeiras (CANOTILHO,
2010, p. 1255.) “normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proibem ou
permitem algo em termos definitivos, sem qualquer execução (direito definitivo)” e os últimos
“normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as
possibilidades fáticas e jurídicas”.
Portanto, analisando os direitos fundamentais descritos no quadro sinótico anterior,
constata-se, à luz da aludida classificação, que são todos eles princípios, que colidem quando se
trata de conferir, na forma como vem ocorrendo, celeridade à tutela jurisdicional brasileira.
A metodologia empregada (DELGADO, 2006, 63-66) para solucionar conflitos de princípios é
diferente da utilizada diante de regras conflitantes. Se nesta hipótese o conflito é solucionado - em
termos de “tudo ou nada” (DWORKIN, 2010, p. 39), ou seja, “dados os fatos que uma regra
estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não
é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão” -, ou pela existência de uma cláusula de
exceção em uma delas - “em virtude de um princípio” (ALEXY, 2011, p. 63-66), ocasionando uma
“redução teleológica” - ou por uma declaração de invalidade, esta adotada utilizando-se critérios
clássicos de comparação entre os dispositivos em antinomia, como o cronológico, o hierárquico ou
o especial, naquela (DELGADO) “quando dois princípios entram em colisão, em uma zona
conflitante de determinado caso concreto, um deverá ceder diante do outro, prevalecendo aquele
de maior peso”, mantendo, todavia, ambos sua validade.
A respeito do tema, leciona o Professor Doutor J.J. Gomes Canotilho(2010, p. 1237):
A agitação metódica e teórica em torno do método de balanceamento ou
ponderação no direito constitucional não é uma “moda” ou um capricho dos
cultores de direito constitucional. Várias razões existem para essa viragem
metodológica: (1) inexistência de uma ordenação abstracta de bens
constitucionais o que tornaria indispensável uma operação de
balanceamento desses bens de modo a obter uma norma de decisão
situativa, isto é, uma norma de decisão adaptada às circunstâncias do caso;
(2) formatação principal de muitas das normas do direito constitucional
(sobretudo das normas consagradoras de direitos fundamentais) o que
implica, em caso de colisão, tarefas de “concordância”, “balanceamento”,
“pesagem”, “ponderação” típicas dos modos de solução de conflitos entre
princípios (que não se reconduzem, como já se frisou, a alternativas radicais
de “tudo ou nada”); (3) fractura da unidade de valores de uma comunidade
que obriga a leituras várias dos confitos de bens, impondo uma cuidadosa
análise dos bens em presença e uma fundamentação rigorosa do
balanceamento efectuado para a solução dos conflitos.

Aplicando ao caso concreto uma harmonização de princípios (CANOTILHO, 2010, p. 1241) –


“de forma a assegurar, nesse caso concreto, a aplicação coexistente dos princípios em conflito” – e
a denominada Lei da Ponderação – “de acordo com a qual (NOVAIS, 2010, p. 692), basicamente,
quanto maior for o grau de não realização de um princípio por força da existência de um princípio
oposto, maior terá de ser a importância deste último” – obtem-se que à exigência quantitativa de
tutela jurisdicional em foco devem ser acoplados cuidados com a saúde de juízes e servidores, na
exata medida de que a primeira só pode ser implementada enquanto não comprometer o segundo
aspecto ventilado.
E desta conclusão resulta ser imprescindível a introdução, tanto nas metas judiciárias
estabelecidas pelo CNJ quanto nos critérios de promoção por merecimento de juízes, de ao menos
uma variável que considere esse aspecto, de tal sorte que se encontre um “ponto de equilíbrio”
com as características aludidas, valor que pode ser obtido, em moldes estatísticos, a partir do
cruzamento de dados referidos alhures, prática que deve e pode ser melhorada, acrescendo ou
substituindo o método empregado, repisa-se, a partir da análise do quadro assim obtido.
Essa é a forma de não tornar a medida um fim em si, mas de aproveitá-la (PRADO JUNIOR,
1980, p. 12 e 49) em um processo dialético de formação do conhecimento, enquanto algo que
deve ser entendido como ponto de partida para, diante de um objetivo concreto – redução de
danos causados à saúde de magistrados e servidores – e da assimilação de resultados, merecer
aperfeiçoamento constante ou mesmo, se for o caso, substituição.
Em defesa da solução encontrada, na linguagem utilizada pelo Supremo Tribunal Federal em
seus julgados, ela satisfaz o princípio da proporcionalidade em sentido lato, constituído pelos sub-
princípios, máximas ou elementos, da proporcionalidade em sentido restrito, idoneidade ou
adequação e necessidade, definidos30 pelo Professor Doutor Jorge Reis Novais (2010, p. 731)
como:
Na sua utilização mais comum, ao princípio da idoneidade é atribuído o sentido de exigir que
as medidas restritivas em causa sejam aptas a realizar o fim visado com a restrição ou contribuam
para o alcançar; ao princípio da indispensabilidade ou da necessidade, o sentido de que, de todos
os meios idôneos disponíveis e igualmente aptos a prosseguir o fim visado com a restrição, se
deve escolher o meio que produza efeitos menos restritivos; por sua vez, a proporcionalidade em
sentido restrito respeitaria à justa medida ou relação de adequação entre os bens e interesses em
colisão e o benefício por ela prosseguido.
Nesse sentido, não há dúvida que a medida restritiva proposta é “apta a realizar o fim
visado” – a proteção à saúde assaz referida –, além de permitir o acréscimo de resolução de
conflitos até o limite a partir do qual a ofensa à dignidade da pessoa humana de juízes e
servidores se materialize.
Vale ressaltar, ainda, que: a) o “alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais”
(NOVAIS, 2010, p. 779-798) abordados é preservado, pois salva “um sentido útil” para todos eles;
b) os quantitativos de gastos econômicos, advindos de licenças para afastamentos do trabalho e
aposentadorias por invalidez, advindas do adoecimento por conta de trabalho sob pressão ou
agravamento de doenças laborais pré-existentes pode servir como fundamento para a alteração
proposta e argumento para o diálogo social proposto, já que o dano social reflexo, ocasionado nas
famílias e nos grupos sociais respectivos, embora não muito importante, exigiria uma avaliação por
certo mais complexa; c) o cruzamento de dados aventado municiaria, ainda, a implementação do
Programa de Prevenção de Riscos Ambientais – PPRA na Justiça do Trabalho, pois ajuda no
“reconhecimento, avaliação e consequente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes
ou que venham a existir no ambiente de trabalho”, objetivo traçado, no item 9.1.1 31 da NR nº 9 do
Ministério do Trabalho e Emprego, para o citado programa; e d) de tudo resultaria (ALEXY, 2011,
p. 102) uma “norma de direito fundamental atribuída, que tem estrutura de regras e à qual o caso
pode ser subsumido”.
Além disso, conferindo concretude à dimensões de natureza prestacional imanente do direito
de acesso à Justiça, o “ponto de equilíbrio” encontrado, assim como o excedente de processos que
deveriam ser solucionados por força das metas estabelecidas pelo CNJ, pode e deve gerar: a)
modificações na Resolução nº 63, com a redação que lhe conferiu a Resolução nº 93, ambas da
lavra do CSJT32, que “institui a padronização da estrutura organizacional e de pessoal dos órgãos
da Justiça do Trabalho de primeiro e segundo graus” considerando exclusivamente processos por
eles recebidos em 1 ano, veda a utilização de projeções de dados em tal cálculo e só permite,
ordinariamente, reavaliações que considere alterações na movimentação processual detectadas
com base em médias apuradas nos três anos que lhe sejam anteriores; b) informação a ser
aproveitada pelo comitê permanente instituído pela Portaria nº 42 do CNJ 33 visando “elaborar
estudos e propor critérios objetivos para a criação de varas e cargos no âmbito do Poder Judiciário
da União”; e c) critério a ser considerado, pelo grupo de trabalho formado, em razão da Portaria
nº 74 do CNJ34 “para estudar e analisar os procedimentos em trâmite perante este Conselho
Nacional de Justiça que versam acerca da criação de Varas e de cargos de juízes e servidores no
âmbito da Justiça do Trabalho”.
Por fim, dentre outras medidas complementares à solução proposta – portanto, que não a
substituem –, pode-se apontar: a) a introdução de pausas obrigatórias, a cada X minutos de
trabalho – lapso a ser fixado conforme orientação técnica especializada -, nos softwares utilizados
para redação de texto ou acompanhamento e impulso na tramitação processual, já que, na ampla
maioria dos casos, funcionam eles a partir da introdução da senha do juiz ou servidor respectivo;
b) limitação – com controle por intermédio das aludidas senhas –, do tempo total de trabalho
diário; e c) limitação do número de toques por juiz ou servidor x jornada.
Quanto às últimas sugestões, salienta-se que o controle estabelecido diretamente nos
softwares não prescinde de uma fiscalização hierárquica e nem do fomento de uma “cultura”
voltada para a saúde dos envolvidos, por intermédio da instituição de concursos voltados a premiar
projetos ou iniciativas que se destaquem nesse sentido, formação de um banco de idéias,
prospecção de iniciativas congêneres adotadas internacionalmente, etc...

CONCLUSÃO
No presente trabalho não se ataca, pura e simplesmente, as metas de produtividade judicial
estabelecidas pelo CNJ e os critérios quantitativos dirigidos à promoção por merecimento de juízes
com o intuito de extinguir a ambos, mas se busca a humanização de seu estabelecimento e
aplicação, para tanto não se concebendo, diante do quadro clínico antes referido que se avizinha,
seja remetida para o futuro a detecção dos danos causados à saúde dos agentes públicos e
políticos envolvidos, ou mesmo adotadas soluções que, ou buscam somente conferir visibilidade ao
trabalho dos juízes e a sua carreira ou, quando muito, atacam os sintomas, e não a causa.
Principalmente, quando já existem dados suficientes para estabelecer parâmetros a respeito
da situação gravosa e seu respectivo custo econômico, o que, juntamente com as medidas agora
propostas, deve ser amplamente divulgado a fim de que se obtenha um diálogo social sobre a
matéria e se evite a permanência da evidente contradição representada por uma “injustiça dentro
da justiça”, locução empregada por um dos entrevistados na pesquisa que ouviu servidores do
Poder Judiciário Federal no Estado de Santa Catarina.
Nesse contexto, este ensaio não pretende ser conclusivo mas, se contribuir, de alguma
forma, para impulsionar a referida discussão, já terá cumprido um de seus objetivos.
A LEGISLAÇÃO DE SAÚDE DO TRABALHADOR APLICÁVEL E VIGENTE NO BRASIL

JOÃO CARLOS TEIXEIRA


Procurador do Trabalho

Hodiernamente, em nosso ordenamento jurídico, a segu- certo que a efetividade do direito requer a firme atuação do Poder
rança, higiene e medicina do trabalho, foi alçada a matéria de direi- Público, no sentido de exigir e fiscalizar o cumprimento da lei.
to constitucional, sendo direito social indisponível dos trabalhado- Ninguém discute que as normas regulamentadoras de me-
res, ou melhor, direito público subjetivo dos trabalhadores, exerce- dicina e segurança no trabalho, estabelecidas em lei ou em Porta-
rem suas funções em ambiente de trabalho seguro e sadio, caben- rias do Ministério do Trabalho e Emprego são plenamente aplicá-
do ao empregador tomar as medidas necessárias no sentido de veis aos trabalhadores e às empresas, sujeitos à relação de
reduzir os riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de emprego regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho, instituí-
saúde, higiene e segurança (inciso XXII do artigo 7º). da pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
O direito à saúde, ao trabalho, à segurança e à previdên- Neste estudo, tentarei demonstrar que nosso ordenamento
cia social está previsto no artigo 6º da Constituição da República. jurídico autoriza a exegese de que tais normas também possam ser
Os artigos 196 a 200 da Carta Constitucional dispõem que a Saúde aplicáveis e exigíveis a outras relações de trabalho, tais como
é direito de todos e dever do Estado, garantir e promover a efetivi- trabalhadores avulsos, trabalhadores rurais não sujeitos à relação
dade desse direito, mediante políticas, ações e serviços públicos de emprego (parceiros rurais), sociedades cooperativas e servido-
de saúde, organizados em um sistema único, que podem ser res públicos civis.
complementados por outros serviços de assistência à saúde pres- Alcance das Normas de Medicina e Segurança do Trabalho
tados por instituições privadas. Tais ações e serviços são de rele-
vância pública, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da Primeiramente, importa ressaltar que o direito social pre-
lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo visto no inciso XXII do artigo 7º da Magna Carta, a saber, o direito
sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, dos trabalhadores urbanos e rurais à redução dos riscos inerentes
também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança,
Nos termos dos incisos II e VIII do artigo 200 da CF/88, constitui-se em um dos direitos e garantias fundamentais do indiví-
compete ao sistema único de saúde, entre outras coisas, executar duo, eis que o Capítulo II – dos direitos sociais – está contido no
as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais – da Constituição
saúde do trabalhador; e colaborar na proteção do meio ambiente, da República Federativa do Brasil.
nele compreendido o do trabalho. O artigo 225 da Magna Carta E, nos expressos termos do § 1º do artigo 5º da CF, “as
assegura o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm apli-
essencial à sadia qualidade de vida. O meio ambiente de trabalho cação imediata”.
também encontra proteção jurídica nesse dispositivo constitucio- O e. jurista José Afonso da Silva leciona que “por regra, as
nal, especificamente no inciso V do § 1º, que dispõe, in verbis: normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráti-
“§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe cos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata,
ao Poder Público: enquanto as que definem os direitos sociais tendem a sê-lo tam-
(...) bém na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada e aplicabi-
técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, lidade indireta.
a qualidade de vida e o meio ambiente;" “Então, (prossegue o jurista), em face dessas normas, que
(nota: regulamentado pela Lei nº 8.974, de 5-1-95) valor tem o disposto no § 1º do artigo 5º, que declara todas de apli-
A interpretação sistemática do disposto nos artigos 6º, 7º, cação imediata? Em primeiro lugar, significa que elas são aplicá-
XXII, 196 a 200 e artigo 225, § 1º, V da Constituição da República veis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condi-
não deixa dúvidas de que a saúde do trabalhador e o meio ambiente ções para seu atendimento. Em segundo lugar, significa que o
do trabalho foram também alçados a direito social de natureza cons- Poder Judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação
titucional e cujo cumprimento é imposto por lei ao empregador, concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo
conforme se verifica das prescrições dos artigos 154 a 201 da CLT ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições exis-
(com redação dada pela Lei 6.514/77) e nas Portarias 3.214/78 e tentes."1
3.067/88, que tratam das normas regulamentares relativas à segu- Em outra passagem da mesma obra, afirma o e. jurista,
rança e medicina do trabalho urbano e rural, respectivamente, sendo citando doutrina de Gomes Canotilho: “Por conseguinte, todas as
normas que reconhecem direitos sociais, ainda quando sejam eficácia limitada e aplicabilidade indireta, na medida em que de-
programáticas, vinculam os órgãos estatais, de tal sorte que o pende de uma norma integradora.
Poder Legislativo não pode emanar leis contra estes direitos e, por Tais normas, quando do advento da Constituição, já exis-
outro lado, está vinculado à adoção das medidas necessárias à tiam e estão inseridas nos artigos 154 e s. da Consolidação das
sua concretização; ao Poder Judiciário está vedado, seja através Leis do Trabalho, com redação dada pela Lei 6.514/77. Há ainda
de elementos processuais, seja nas próprias decisões judiciais, regulamentando essas normas legais as Portarias nº3.214/78 e
prejudicar a consistência de tais direitos; ao poder executivo 3.067/88, emitidas com fulcro no artigo 155, I, da CLT, que aprova-
impõe-se, tal como ao legislativo, atuar de forma a proteger e ram as Normas Regulamentadoras das ações e serviços em maté-
impulsionar a realização concreta dos mesmos direitos”.2 ria de saúde, higiene e segurança no trabalho urbano e rural – são
No que diz respeito à integração das normas constitucionais as NR e NRR.
que encerram direitos e garantias fundamentais, deve-se dar espe- Portanto, o direito fundamental e social à redução dos riscos
cial atenção ao disposto no § 2º do artigo 5º da Magna Carta, in inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
verbis: segurança, previsto no inciso XXII do artigo 7º da Magna Carta, já
“§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição está devidamente integrado e regulamentado nas normas supraci-
não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela tadas, e, assim, em plena condição de aplicabilidade imediata.
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República A plena aplicabilidade dessas normas aos trabalhadores
Federativa do Brasil seja parte." regidos pela relação jurídica de emprego estabelecida na CLT é
Do texto acima, extrai-se que o constituinte expressamente questão pacífica na doutrina. Procurarei, nas linhas seguintes,
estabeleceu que outros direitos e garantias estabelecidos em trata- demonstrar que nosso direito positivo autoriza a exegese de que
dos internacionais firmados pelo Brasil também têm aplicação tais normas também possam ser aplicáveis e exigíveis a outras
imediata, tão logo incorporado ao nosso ordenamento jurídico relações jurídicas de trabalho.
interno. Em matéria de meio ambiente de trabalho, o Brasil ratificou as
As normas internacionais de trabalho são de dois tipos: convenções 148, 152, 155 e 161. A Convenção 148, que trata da
convenções e recomendações; são criadas no seio da Organiza- Contaminação do Ar, Ruído e Vibrações, foi ratificada em 14-1-82 e
ção Internacional do Trabalho, através de seu parlamento, a promulgada através do Decreto nº 93.413, de 15-10-86. A conven-
Conferência Internacional do Trabalho, constituído por 4 delega- ção 152, que trata da Segurança e Higiene dos Trabalhos Portuá-
dos para cada Estado Membro, sendo 1 representante dos traba- rios, foi ratificada em 17-5-90 e promulgada pelo Decreto nº 99.534,
lhadores, 2 do governo e 1 dos empregadores. As convenções de 19-9-90. A Convenção 155, que trata da Segurança e Saúde dos
distinguem-se das recomendações, porque as convenções, uma Trabalhadores, foi ratificada em 18-5-92 e promulgada pelo Decreto
vez ratificadas, constituem fonte formal de direito, gerando direito nº 1.254/94. A Convenção 161, que trata dos Serviços de Saúde do
subjetivos individuais, principalmente nos países onde vigora a Trabalho, foi ratificada em 18-5-90 e promulgada através do Decreto
teoria do monismo jurídico e desde que não se trate de diploma nº 127, de 22-5-91.
meramente promocional ou programático. Já as recomendações e Conforme já acima afirmado, a convenção, uma vez ratifi-
as convenções não ratificadas constituem fonte material de direito, cada, insere-se no ordenamento jurídico pátrio com força de lei
porquanto servem de inspiração e modelo para a atividade legisla- federal. Assim, vem ela complementar, alterar ou revogar o direito
tiva nacional, os atos administrativos de natureza regulamentar, os interno, conforme seja o caso.
instrumentos de negociação coletiva, de laudo de arbitragem ou de Assim, passaremos a analisar o conteúdo das convenções
decisões normativas dos tribunais do trabalho, dotados do poder 155 e 161, por tratarem de forma geral a questão da segurança e
normativo, quando apreciam conflitos coletivos de interesse. saúde no trabalho, e porque tais convenções foram ratificadas
A convenção, após ter sido aprovada pelo Congresso Nacio- após a promulgação da Vigente Carta Constitucional, para verificar
nal (artigo 49, I, da CF), mediante Decreto Legislativo, está em o alcance jurídico de suas normas.
condições de ser ratificada por ato soberano do Chefe de Estado. A Convenção 155 dispõe, em seu artigo 1º, que ela se aplica
Uma vez ratificada a convenção, incorpora-se ao nosso ordena- a todas as áreas de atividade econômica, facultando ao Estado
mento jurídico interno e entra em vigor um ano após a data da ratifi- Membro, após consulta prévia às organizações sindicais de em-
cação. A convenção internacional equipara-se hierarquicamente à pregadores e trabalhadores interessadas, excluir total ou parcial-
lei federal, conforme se depreende do artigo 105, III, “a”) da CF. mente da sua aplicação determinadas áreas de atividade econô-
A Constituição brasileira de 1988 adotou a teoria do mo- mica. O artigo 2º diz que ela se aplica a todos os trabalhadores das
nismo jurídico, em virtude da qual o tratado ratificado comple- áreas de atividade econômica abrangidas, facultando, da mesma
menta, altera ou revoga o direito interno, desde que se trate de forma, a exclusão parcial ou total de categorias limitadas de traba-
norma de aplicação imediata, ou seja, que a matéria nela versada lhadores que apresentariam problemas particulares para sua apli-
trate de direitos e garantias fundamentais (§ 1º do artigo 5º da CF). cação. O artigo 3º define algumas expressões utilizadas no texto
Ora, a saúde, o trabalho e a segurança são direitos sociais da norma:
insertos no artigo 6º da Lei Maior. O inciso XXII do artigo 7º estatui a) a expressão “áreas de atividade econômica” abrange
que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais a redução dos todas as áreas em que existam trabalhadores empregados, inclu-
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene sive a administração pública;
e segurança. Segundo a classificação de José Afonso da Silva, tal b) o termo “trabalhadores” abrange todas as pessoas em-
dispositivo constitucional se enquadraria dentre as normas de pregadas, incluindo os funcionários públicos;
c) a expressão “local de trabalho” abrange todos os lugares – prestar assessoria nas áreas da saúde, da segurança e da
onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm que com- higiene no trabalho, da ergonomia e, também, no que concerne
parecer, e que estejam sob o controle, direto ou indireto do empre- aos equipamentos de proteção individual e coletiva;
gador; – acompanhar a saúde dos trabalhadores em relação com o
d) o termo “regulamentos” abrange todas as disposições às trabalho;
quais a autoridade ou as autoridades competentes tiverem dado – organizar serviços de primeiros socorros e de emergência;
força de lei; participar da análise de acidentes de trabalho e das doenças profis-
e) o termo “saúde”, com relação ao trabalho, abrange não só sionais.
a ausência de afecções ou de doenças, mas também os elementos Destacamos essas funções, porque elas são compatíveis e
físicos e mentais que afetam a saúde e estão diretamente relacio- correlatadas com as funções e atribuições dos Serviços Especiali-
nados com a segurança e a higiene no trabalho. zados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho
(SESMT – NR-4). e da Comissão Interna de Prevenção de Aciden-
Outros dispositivos desta convenção estabelecem a obriga-
tes, e com as finalidades do Programa de Prevenção dos Riscos
toriedade de adoção de um política nacional em matéria de segu-
Ambientais (PPRA – NR-9) e do Programa de Controle Médico de
rança e saúde dos trabalhadores e do meio ambiente de trabalho,
Saúde Ocupacional (PCMSO – NR-7).
com o objetivo de prevenir os acidentes e os danos à saúde decor-
rentes do exercício do trabalho, reduzindo ao mínimo possível as O artigo 6 estabelece a forma como devem ser instituídos os
causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de trabalho. Esta- serviços de saúde no trabalho: pela via da legislação; por intermé-
belece que as ações que devem ser empreendidas a nível nacio- dio de convenções coletivas ou de outros acordos entre emprega-
nal, e.g. a inclusão das questões de segurança, higiene e meio dores e trabalhadores interessados; c) por todos os demais meios
ambiente de trabalho em todos os níveis de ensino e treinamento, e aprovados pela autoridade competente após consultas junto a
a nível de empresa e.g. exigir dos empregadores todas as medidas organizações representativas de empregadores e trabalhadores
necessárias para garantir o local de trabalho higiênico e seguro, interessados.
bem como a segurança na operação do maquinário e equipamen- O artigo 9 e s. estabelece as condições de funcionamento.
tos que estiverem sob seu controle, entre outras medidas. Em suma, de todo o exposto, podemos concluir com total
segurança que nossa legislação interna, consubstanciada na Lei
A convenção 161, que trata dos Serviços de Saúde do
6.514/77 e nas Portarias 3.214/78 e 3.067/88, atendem, de modo
Trabalho, em seu artigo 1, apresenta as seguintes definições:
geral, às determinações das supra-analisadas convenções, ao
a) a expressão “serviços de saúde no trabalho” designa um menos no que diz respeito aos trabalhadores e empregadores
serviço investido de funções essencialmente preventivas e encar- sujeitos ao regime jurídico da CLT.
regado de aconselhar o empregador, os trabalhadores e seus No que diz respeito aos demais trabalhadores: autônomos,
representantes na empresa em apreço, sobre: avulsos, servidores públicos civis e trabalhadores organizados em
i) os requisitos necessários para estabelecer e manter um cooperativas, as convenções internacionais supracitadas expres-
ambiente de trabalho seguro e salubre, de molde a favorecer uma samente determinam que esses também sejam contemplados e
saúde física e mental ótima em relação ao trabalho; protegidos. No entanto, a situação desses trabalhadores em rela-
ii) a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhado- ção à efetiva proteção da sua saúde e segurança no trabalho ainda
res, levando em conta seu estado de sanidade física e mental; se encontra em área cinzenta do nosso direito.
b) a expressão “representantes dos trabalhadores na em- Nas linhas seguintes tentarei tornar menos obscura a prote-
presa” designa as pessoas reconhecidas como tal em virtude da ção jurídica da saúde desses trabalhadores, à vista dos preceitos
legislação ou da prática nacional. constitucionais, convenções internacionais e legislação nacional
O artigo 2º estabelece a obrigatoriedade de o Estado Mem- vigentes no País.
bro definir, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma polí- Servidores públicos civis
tica nacional coerente com relação aos serviços de saúde no traba-
A vigente Carta Constitucional estendeu aos servidores
lho.
públicos civis alguns direitos sociais assegurados aos trabalhado-
O artigo 3º dispõe que “Todo membro se compromete a res urbanos e rurais.
instituir, progressivamente, serviços de saúde no trabalho para O § 2º do artigo 39, em sua redação original, dispunha in
todos os trabalhadores, entre os quais se contam os do setor verbis:
público, e os cooperantes das cooperativas de produção, em todos “§ 2º – Aplica-se a esses servidores o disposto no artigo 7º,
os ramos da atividade econômica e em todas as empresas; as IV, VI, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII, XXIII
disposições adotadas deverão ser adequadas e corresponder aos e XXX.”
riscos específicos que prevalecem nas empresas.”
Destaca-se propositadamente os incisos XXII e XXIII por
O artigo 5º da referida convenção elenca as funções que terem pertinência ao tema ora tratado, os quais prevêem os seguin-
devem ser atribuídas aos serviços de saúde, dentre as quais, tes direitos:
destacamos: XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de
– identificar e avaliar os riscos para a saúde, presentes nos normas de saúde, higiene e segurança;
locais de trabalho; XXIII – adicional de remuneração para as atividades peno-
– prestar assessoria no planejamento e na organização do sas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;
trabalho, inclusive sobre a concepção dos locais de trabalho, a Em relação aos servidores públicos civis da União, a matéria
escolha, a manutenção e o estado das máquinas e equipamentos, é citada no TÍtulo VI – Da Seguridade Social do Servidor – da Lei
bem como sobre o material utilizado no trabalho; 8.112/90, no seu artigo 185, I, “h”), que dispõe, in verbis:
“Art. 185 – Os benefícios do Plano de Seguridade Social do Tal interpretação se impõe de maneira mais acentuada, na
servidor compreendem: medida em que a E.C. nº 19 retirou dos servidores públicos o direito
I – quanto ao servidor: ao adicional de remuneração para as atividades penosas, insalu-
(...) bres ou perigosas. Assim, mais se reforça a nossa tese de que a
h) garantia de condições individuais e ambientais de traba- esses servidores devem ser aplicadas as normas relativas à medi-
lho satisfatórias;" cina e segurança no trabalho previstas na CLT.
O Capítulo II do citado Título VI trata dos diversos benefícios Outra razão lógica para tal aplicabilidade decorre do fato de
do servidor público civil, nada dispondo todavia sobre a forma que, com a edição da E.C. nº 19, os entes federados poderão admi-
como se efetivará a garantia de condições individuais e ambientais tir trabalhadores tanto pelo regime estatutário como pelo regime
de trabalho satisfatórias. O parágrafo único do artigo 184 da Lei celetista, para laborarem nos respectivos órgãos da administração
8.112/90 estabelece que os benefícios serão concedidos nos pública direta ou indireta. Sendo assim, parece-nos que não se
termos e condições definidos em regulamento. coaduna com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa
humana, do valor social do trabalho, da igualdade de todos perante
Não tenho notícia de que esta matéria esteja regulamentada
a lei, da isonomia de tratamento e do direito de todos à saúde, a
de modo específico para a Administração Pública Federal.
coexistência de trabalhadores, a serviço de um mesmo órgão da
Conforme acima afirmado, as normas relativas à saúde, administração pública direta ou indireta, sendo que os celetistas
higiene e segurança no trabalho estão regulamentadas nos artigos teriam direito à proteção de sua saúde no trabalho, através das
154 e s. da Consolidação das Leis do Trabalho, com redação dada ações e serviços de saúde previstos nas normas regulamentares
pela Lei 6.514/77, e nas Portarias expedidas por órgãos competen- estabelecidas na CLT e nas Portarias do MTB, e aos estatutários
tes do Ministério do Trabalho. tal direito não fosse assegurado.
Todavia, o artigo 7º da CLT dispõe, in verbis:
“Art. 7º – Os preceitos constantes da presente Consolida- Trabalhadores avulsos
ção, salvo quando for, em cada caso, expressamente determinado Trabalhador avulso é aquele que, sindicalizado ou não,
em contrário, não se aplicam: presta serviço de natureza urbana ou rural, a diversas empresas,
(...) sem vínculo empregatício, com a intermediação obrigatória do
c) aos funcionários públicos da União, dos Estados e dos sindicato da categoria ou do órgão gestor de mão-de-obra, nos
Municípios e aos respectivos extranumerários em serviço nas termos da Lei 8.630, de 25-2-93. Pelo regulamento dos benefícios
próprias repartições; da Previdência Social (artigo 6º, VI, do Decreto nº 2.172, de 5-3-97)
d) aos servidores de autarquias paraestatais, desde que são considerados trabalhadores avulsos: o trabalhador que exerce
sujeitos ao regime próprio de proteção ao trabalho que lhes asse- atividade portuária de capatazia, estiva, conferência e conserto de
gure situação análoga à dos funcionários públicos." carga, vigilância de embarcação e bloco; o trabalhador em alva-
Parece-nos que o supracitado dispositivo legal encontra-se renga (embarcação para carga e descargo de navios); o trabalha-
parcialmente revogado, ao menos no que diz respeito à aplicação dor de estiva de mercadorias de qualquer natureza,3 inclusive
das normas relativas à Medicina e Segurança do Trabalho cons- carvão e minério; o amarrador de embarcação; o ensacador de
tantes da CLT. café, cacau, sal e similares; o carregador de bagagem em porto; o
Com efeito, a Constituição da República, ao adotar a teoria prático de barra em porto; o guindasteiro; o classificador, o movi-
do monismo jurídico em relação à ordem jurídica internacional e mentador e o empacotador de mercadorias em portos; outros
nacional, admitiu a automática inserção na ordem jurídica interna assim classificados pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
das normas de tratados internacionais aprovadas pelo Congresso A Constituição da República, em seu artigo 7º, inciso XXXIV,
Nacional, com força de lei ordinária (artigo 5º, § 2º c/c artigo 49, I, e assegura a igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo
artigo 105, III, “a”). Assim, a ratificação das Convenções 148, 152, empregatício permanente e o trabalhador avulso. Em decorrência
155 e 161 e a inclusão do inciso XXII do artigo 7º, dentre os direitos dessa isonomia de direitos, os trabalhadores avulsos, além de outros
assegurados aos servidores públicos civis, importa a expressa direitos, gozam do direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho,
autorização de aplicabilidade dos preceitos relativos à medicina e por meio de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII).
segurança do trabalho constantes das citadas Convenções, da Com o advento da Lei 8.630/93, que regulamenta a explora-
CLT e das Portarias 3.214/78 e 3.067/78 do MTb, aos servidores ção dos portos organizados e o trabalho portuário, os sindicatos
públicos civis. dos trabalhadores portuários deixaram de ser o administrador do
Tal exegese decorre do fato de que às normas constitucio- fornecimento da mão-de-obra destes trabalhadores, função essa
nais devem ser atribuídas o máximo de eficácia jurídica possível, que passou à responsabilidade do órgão gestor de mão-de-obra,
pelo que o intérprete e aplicador da lei tem de afastar as dificulda- que deve ser constituído, em cada porto organizado. Àqueles sindi-
des para concretizar os dispositivos da Lei Maior. Assim, enquanto catos cabem a representação e a defesa dos interesses individuais
não houver lei que complete certos dispositivos simplesmente e coletivos da categoria, a fim de entabular negociação coletiva e
enunciados pela Constituição, tem-se de aplicar o instituto deferido firmar acordos ou convenções coletivas, por exemplo.
para outros sujeitos ou situações, tal com ele já está em vigor, No que diz respeito à saúde e segurança no trabalho portuá-
conforme afirma o saudoso jurista e prof. Valentim Carrion, in rio, o artigo 3º da Lei 6.514/77, que deu nova redação a todos os
Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 23ª edição, artigos do Capítulo V – Da Medicina e da Segurança no Trabalho,
p. 44. São Paulo: Saraiva, 1998. do Título II da CLT, já dispunha, in verbis:
“Art. 3º – As disposições contidas nesta Lei aplicam-se, no Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho (SESMT),
que couber, aos trabalhadores avulsos, às entidades ou empresas NR-5 – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), NR-7
que lhes tomem o serviço e aos sindicatos representativos das – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO)
respectivas categorias profissionais.” e NR-9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais entre
Complementando a proteção da saúde dos trabalhadores outras correlatas e interdependentes.
portuários, giza o artigo 9º da Lei 9.719, de 27-11-98, in verbis: Caso se trate de cooperativa que exerça atividade de nature-
“Art. 9º – Compete ao órgão gestor de mão-de-obra (OGMO), za rural, ou seja, agricultura ou pecuária, aplicam-se a elas as nor-
ao operador portuário e ao empregador, conforme o caso, cumprir mas regulamentares relativas ao trabalho rural, tais como NRR-2 –
e fazer cumprir as normas concernentes à saúde e segurança do Serviço Especializado em Prevenção de Acidentes do Trabalho
trabalho portuário. Rural (SEPATR) e NRR-4 – Comissão Interna de Prevenção de
Parágrafo único – O Ministério do Trabalho estabelecerá as Acidentes de Trabalho Rural (CIPATR).
normas regulamentadoras de que trata o caput deste artigo." A se pensar que tais serviços de saúde não devem ser asse-
A Lei 8.630/93 estabeleceu a possibilidade de os operado- gurados ao trabalhador autônomo organizado em cooperativa, que
res portuários contratarem diretamente os trabalhadores portuá- vantagem teria o trabalhador autônomo ou eventual em se unir a
rios por prazo indeterminado mediante relação de emprego. Neste outros da mesma classe de profissão se, ainda assim, estaria total-
caso, a responsabilidade pelo cumprimento das normas de saúde mente afastado de um dos mais importantes direitos sociais dos
e segurança recai diretamente sobre o operador portuário empre- trabalhadores, a saber: o direito à saúde, higiene e segurança no
gador. trabalho.
Com relação ao trabalhador portuário avulso, o artigo 19 da É claro que aquelas normas deverão ser aplicadas e inter-
Lei 8.630/93 giza que compete ao órgão gestor de mão-de-obra pretadas, levando em conta que os trabalhadores beneficiados e a
zelar pelas normas de saúde, higiene e segurança. cooperativa, de certa forma, se confundem, posto que esta age no
A supracitada lei estabelece ainda a competência do Minis- interesse exclusivo daqueles. Portanto, os custos de tais serviços
tério do Trabalho e do INSS para observar o cumprimento das devem ser suportados pelos fundos sociais de que trata o artigo 28
normas e condições gerais de proteção ao trabalho portuário. da Lei 5.764/71.
A repartição das competências em relação às medidas de Há ainda as cooperativas formadas por trabalhadores por-
segurança e saúde no trabalho portuário encontra-se devidamente tuários avulsos, registrados na forma da Lei 8.630/93, que podem,
regulamentada na NR-29, sendo certo que tal norma alcança todos nos termos do artigo 17 da citada Lei, se estabelecerem como
os trabalhadores portuários, com ou sem vínculo de emprego, bem operadores portuários para a exploração de instalações portuárias,
como impõe a obrigação de os operadores portuários, empregado- dentro ou fora dos limites da área do porto organizado. Neste caso,
res, tomadores de serviços e o OGMO cumprirem e fazerem a cooperativa, enquanto operadora portuária, deverá observar o
cumprir a NR-29 no que tange à prevenção dos riscos de acidentes disposto no artigo 9º da Lei 9.719, de 27-11-98, e as disposições da
do trabalho e doenças profissionais nos serviços portuários. NR-29 acima referidas.
Por derradeiro, é importante ressaltar que, neste tópico,
Sociedades cooperativas
estamos nos referindo às verdadeiras sociedades cooperativas,
Nos termos do artigo 3º da Lei 5.764/71, as sociedades que operam segundo os princípios do cooperativismo. As fraudo-
cooperativas são constituídas por pessoas que reciprocamente se perativas, ou seja, as cooperativas fraudulentas, que somente se
obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma utilizam da nomenclatura cooperativa, com o nítido intuito de frau-
atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro. dar os direitos sociais dos trabalhadores, uma vez que funcionam
As cooperativas são constituídas para prestar serviços aos asso- como verdadeiras empresas comerciais, devem ser tratadas como
ciados, de forma a proporcionar-lhes melhores condições de traba- as empresas em geral, posto que os trabalhadores, ditos “coopera-
lho e renda, para promoção de sua ascensão social e econômica. dos”, são, na realidade, empregados.
Os trabalhadores que se unem voluntariamente para traba-
Trabalhadores rurais sem vínculo empregatício
lharem sob a forma do sistema do cooperativismo são considera-
dos pela legislação previdenciária como autônomos, posto que, na O caput do artigo 7º da Magna Carta estabeleceu igual trata-
verdadeira relação cooperativista, a relação jurídica entre os asso- mento jurídico entre o trabalhador urbano e o rural. Todavia, é certo
ciados é societária, ou seja, os cooperados são os donos do que muitos dos direitos inseridos nos diversos incisos do referido
empreendimento. artigo dizem respeito aos trabalhadores urbanos e rurais com
Conforme acima verificado, a Convenção 161, que trata dos vínculo empregatício. No entanto, não se pode perder de vista que
serviços de saúde do trabalho, determina a instituição dos serviços as normas de proteção da saúde e segurança do trabalhador são
de saúde no trabalho para todos os trabalhadores, entre os quais de ordem pública, isto é, de interesse público, geral da sociedade,
se contam os do setor público, e os cooperantes das cooperativas devendo portanto ser observadas sempre que as condições de
de produção, em todos os ramos da atividade econômica e em trabalho ofereçam risco à saúde ou à integridade física do trabalha-
todas as empresas. dor, independentemente da natureza jurídica da relação de traba-
Diante deste dispositivo legal e considerando que a finali- lho.
dade precípua das sociedades cooperativas é a prestação de Partindo dessa premissa maior é que devem ser interpreta-
serviços aos cooperados, para que estes logrem melhores condi- das as normas que tratam da proteção à saúde do trabalhador e
ções de trabalho, é cediço que às sociedades cooperativas deve dos benefícios previdenciários decorrentes de doenças do traba-
incidir a obrigatoriedade de colocar à disposição dos seus coopera- lho ou acidente do trabalho.
dos os serviços de saúde, de que trata a Convenção 161, os quais Assim, devem ser interpretados os artigos 1º, 13 e 17 da Lei
estão regulamentados nas NR-4 – Serviços Especializados em 5.889/73, que dispõem, in verbis:
“Art. 1º – As relações de trabalho rural serão reguladas por lizada e hierarquizada e constituem um sistema único de saúde, des-
esta Lei e, no que com ela não colidirem, pelas normas da Consoli- centralizado, com direção única em cada esfera de governo. O ar-
dação das Leis do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 5.452, tigo 200 da CF dispõe, in verbis:
de 1º de maio de 1943.” Art. 200 – Ao Sistema Único de Saúde compete, além de
“Art. 13 – Nos locais de trabalho rural serão observadas as outras atribuições, nos termos da lei:
normas de segurança e higiene estabelecidas em portaria do I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substân-
Ministro do Trabalho.” cias de interesse para a saúde e participar da produção de medica-
“Art. 17 – As normas da presente Lei são aplicáveis, no que mentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros
couber, aos trabalhadores rurais não compreendidos na definição insumos;
do artigo 2º, que prestem serviços a empregador rural.” II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemioló-
O artigo 2º mencionado define quem é o empregado rural. gica, bem como as de saúde do trabalhador;
Portanto, a lei determina expressamente que suas disposições são (...)
aplicáveis aos trabalhadores rurais sem vínculo de emprego, que VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compre-
estejam a serviço de empregador rural, que, nos termos do artigo endido o do trabalho."
3º, é a pessoa física ou jurídica, proprietária ou não, que explore A Lei 8.080/89, que regula, em todo o território nacional, o
atividade agroeconômica, em caráter permanente ou temporário, conjunto das ações e serviços públicos de saúde, que constitui o
diretamente ou através de prepostos e com auxílio de emprega- Sistema Único de Saúde, define no § 3º do artigo 6º o conjunto de
dos. atividades que envolve a saúde do trabalhador, dentre as quais se
A lei pretende, ao nosso ver, alcançar, e efetivamente encontra a participação na normatização, fiscalização e controle
alcança, outros trabalhadores rurais, sem vínculo de emprego, tais dos serviços de saúde do trabalhador nas instituições e empresas
como o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, e o assemelhado, públicas e privadas (inciso VI).
que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de Por sua vez, o artigo 159 da CLT prevê a possibilidade de
economia familiar. Ora, a interpretação conjunta desses três dispo- delegação a outros órgãos federais, estaduais ou municipais,
sitivos legais, não deixa dúvidas de que, em todos os locais de mediante convênio autorizado pelo Ministério do Trabalho, de atri-
trabalho rural, independentemente da natureza jurídica da relação buições de fiscalização ou orientação às empresas quanto ao
de trabalho rural existente, devem ser observadas as normas de cumprimento das disposições constantes do Capítulo relativo à
medicina e segurança estabelecidas em portarias do Ministério do Segurança e Medicina do Trabalho.
Trabalho, as quais têm fundamento nos artigos 154 e s. da CLT. O artigo 154 da CLT estabelece ainda que a observância,
Portanto, esses dispositivos legais da CLT e as referidas portarias em todos os locais de trabalho, do disposto neste capítulo não
aplicam-se a todos os locais de trabalho rural. desobriga as empresas do cumprimento de outras disposições
A responsabilidade pelo cumprimento de tais normas regu- que, com relação à matéria, sejam incluídas em códigos de obras
lamentares rurais (NRR), ao nosso ver, recai sobre o empregador ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios em que se
rural, se assim se puder qualificar o empreendedor rural, ou sobre o situem os respectivos estabelecimentos, bem como daquelas oriun-
proprietário (sujeito do contrato) do prédio rústico, objeto do con- das de convenções coletivas de trabalho.
trato de arrendamento, meação ou parceria rural, na medida em Deve-se ainda atentar para o fato de que o Brasil é signatá-
que, nos termos do artigo 21 da Convenção 155 e artigo 12 da rio da Convenção nº 81, que trata da Inspeção do Trabalho na
Convenção 161 da OIT, as medidas de segurança e higiene e de Indústria e no Comércio, que em seu artigo 5º, a), giza:
acompanhamento da saúde do trabalhador não devem implicar “Art. 5º – A autoridade competente deverá tomar medidas
nenhum ônus financeiro para os trabalhadores. apropriadas para favorecer:
Ademais, nos termos do inciso VII do artigo 11 da Lei a) a cooperação efetiva entre os serviços de inspeção, de
8.213/91, os trabalhadores rurais citados no item anterior (produ- uma parte, e outros serviços governamentais e as instituições
tor, parceiro, meeiro e arrendatário) são considerados segurados públicas e privadas que exercem atividades análogas, de outra
especiais, os quais gozam dos direitos e benefícios decorrentes de parte."
acidente de trabalho, por força do artigo 19 da Lei 8.213/91, sendo O artigo 9º da Convenção nº 155 – Segurança e Saúde dos
a empresa (leia-se empresário) responsável pela adoção e uso das Trabalhadores, dispõe:
medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde “O controle da aplicação das leis e dos regulamentos relati-
do trabalhador, ex vi do § 1º do antes citado artigo 19. vos à segurança, à higiene e ao meio-ambiente de trabalho deverá
estar assegurado por um sistema de inspeção das leis ou dos regu-
O problema da fiscalização lamentos.”
A Constituição estabelece, em seu artigo 21, XXIV, que E o artigo 16 da Convenção 161 – Serviços de Saúde no
compete à União organizar, manter e executar a inspeção do traba- Trabalho arremata:
lho. A fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao “Art. 16 – A legislação nacional deverá designar a autori-
trabalho é de incumbência das autoridades competentes do Minis- dade ou autoridades encarregadas de supervisionar o funciona-
tério do Trabalho, nos termos do artigo 626 da CLT. Vale notar que mento do serviços de saúde no trabalho e prestar-lhes assessora-
a Constituição e a Lei fazem menção à inspeção do trabalho e mento, uma vez instituídos.”
proteção ao trabalho. Logo, imprópria se mostra a restrição da Desta forma, verifica-se que encontra amparo constitucio-
atuação do Ministério do Trabalho em fiscalizar apenas o trabalho nal e infraconstitucional a atuação dos órgãos públicos do Sis-
subordinado (relação de emprego). tema Único de Saúde na fiscalização dos serviços de saúde do
Por outro lado, as ações e serviços públicos de saúde, nos trabalhador realizados nas instituições e empresas públicas e
termos do artigo 198 da Carta Magna, integram uma rede regiona- privadas. Todavia, a Lei 8.080/90 não atribui amplo poder de polí-
cia a tais órgãos, posto que não gozam do poder de impor san- prova de culpa, é solidária nos termos do artigo 1.518 e seu pará-
ções às empresas que não cumprem as respectivas normas rela- grafo único do CC.
tivas aos serviços de medicina e segurança no trabalho. No en-
Dano moral coletivo4
tanto, mediante convênio entre o órgão do Ministério do Trabalho
e a Secretaria Estadual ou Municipal de Saúde pode-se delegar a A violação das normas trabalhistas de medicina e segu-
atribuição de fiscalização das normas do capítulo de Medicina e rança no trabalho configura um dano ao meio ambiente de traba-
Segurança no Trabalho, incluindo o poder de autuar as empresas lho, sendo certo que a redução dos riscos inerentes ao trabalho,
recalcitrantes. por meio de normas de saúde, higiene e segurança constitui-se em
Desta forma, a fiscalização e controle dos serviços de saúde direito social dos trabalhadores urbanos e rurais, nos exatos
e segurança do trabalhador, que devem ser assegurados a todos termos do inciso XXII do artigo 7º da Magna Carta e obrigação do
trabalhadores não sujeitos à relação de emprego, pode e deve ser empregador, ex vi dos artigos 154 e seguintes da CLT.
exercida de forma ampla e irrestrita pelos agentes de fiscalização A violação dessas normas colocam em risco a vida, a saúde
do Ministério do Trabalho, e mediante convênio, pelos demais ór- e a integridade física dos trabalhadores, que também fazem parte
gãos públicos federais, estaduais ou municipais do Sistema Único do meio ambiente de trabalho, posto que a sua força de trabalho é
de Saúde, para atuar na fiscalização das normas de medicina e um dos principais meios de produção, que se encontram à disposi-
segurança do trabalho, nos termos do artigo 159 da CLT. ção e sob a direção do empregador.
A proteção à saúde se estende também ao meio ambiente
Conseqüências da não observância das normas rela- de trabalho, conforme se verifica do disposto no artigo 200, inciso
tivas à Medicina e Segurança no Trabalho VIII, da Magna Carta:
Conseqüências do descumprimento das normas legais, con- “Art. 200 – Ao Sistema Único de Saúde compete, além de
vencionais, contratuais e regulamentadoras de segurança, higiene outras atribuições, nos termos da lei:
e medicina do trabalho. O empregado dispõe de cinco comporta- VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compre-
mentos juridicamente tutelados: endido o do trabalho."
a) reclamar perante a CIPA e/ou SESMT (item 5.18.c da Ademais, o descuido do meio ambiente de trabalho, mediante
NR-5 e item 9.4.2 da NR-9); a violação das normas supracitadas, pode ainda caracterizar-se co-
b) apresentar denúncia da irregularidade ao órgão local do mo infração penal, nos termos dos artigos 14 e 15 da Lei 6.938/81 e
Ministério do Trabalho e Emprego ou do Ministério Público do artigos 14 a 17 da Lei 7.802/89.
Trabalho (inciso XXXIV, “a”, do artigo 5º da Magna Carta – direito Convém enfatizar que, para a caracterização do dano
de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra moral coletivo nesta hipótese, não é imprescindível que haja o
ilegalidade ou abuso de poder); efetivo dano à vida, à saúde ou à integridade física dos trabalha-
c) requerer judicialmente as providências para eliminação dores, basta que se verifique o desrespeito às normas trabalhis-
ou neutralização do agente agressivo (neste caso, a ação coletiva tas de medicina e segurança do trabalho e o descuido das condi-
– ação civil pública – é mais recomendável e eficaz), ou a indeniza- ções e serviços de higiene, saúde e segurança que integram o
ção por danos materiais e morais sofridos em decorrência de meio ambiente de trabalho, para sua configuração. Não se trata
acidente de trabalho, através de ação individual; de reparação de dano hipotético, mas sim de se atribuir à repara-
ção um caráter preventivo, pedagógico e punitivo, pela ação
d) interromper a prestação dos serviços (jus resistente do
omissiva ou comissiva do empregador, que represente séria
empregado – item 3.1.1 da NR-3 c/c artigo 161, § 6º, da CLT);
violação a esses valores coletivos (direito à vida, à saúde, à segu-
e) postular a rescisão indireta do contrato de trabalho com rança no trabalho) e que possa advir em dano futuro, não experi-
fulcro no artigo 483 da CLT. mentado ou potencializado, em razão do acentuado e grave risco
Em caso de acidente de trabalho, além da indenização a de sua efetiva concretização, diante da concreta violação das
que tem direito pela legislação previdenciária, paga pela Previ- supracitadas normas trabalhistas.
dência Social (teoria da responsabilidade objetiva), pode o em-
pregador postular o pagamento de indenização por danos mate- Responsabilidade penal
riais ou morais, em havendo a concorrência de dolo ou culpa do A inobservância das normas de segurança, higiene medicina
empregador quando da ocorrência do acidente de trabalho (teo- do trabalho, a par de se constituir em contravenção penal, nos
ria da responsabilidade civil subjetiva), conforme se depreende termos do § 2º do artigo 19 da Lei 8.213/91, pode configurar o crime
do inciso XXVIII do artigo 7º e do inciso X do artigo 5º da Magna do artigo 132 do CP (“Expor a vida ou saúde de outrem a perigo
Carta. direto e iminente: Pena – detenção de três meses a um ano, se o fato
A responsabilidade civil alcança não só o real empregador, não constitui crime mais grave”). Recentemente, este dispositivo foi
bem como todos aqueles que, de alguma forma, possa ter contri- acrescentado de parágrafo único pela Lei 9.777, de 29-12-98, com a
buído para a ocorrência do acidente. Assim, no caso de terceiri- seguinte redação:
zação de serviços, podem responder civilmente pelos danos “Parágrafo único – A pena é aumentada de um sexto a um
causados ao trabalhador o empregador e o tomador dos serviços. terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo
Tal responsabilidade, embora subjetiva, ou seja, dependente da decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em
estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as 5. As sociedades cooperativas também devem observar as
normas legais.” normas regulamentares de medicina e segurança no trabalho,
Os acidentes de trabalho podem ainda ter repercussões no porque foram constituídas para que seus cooperados exerça uma
direito penal, mediante a tipificação dos crimes de homicídio, lesão atividade econômica com melhores condições de trabalho e renda,
corporal ou os crimes de perigo comum, previstos nos artigos 250 a sem a necessidade do patrão intermediário, para prestarem servi-
259 do Código Penal, por conduta dolosa ou culposa do emprega- ços aos seus associados, dentre os quais os serviços de saúde,
dor ou dos responsáveis. conforme expressamente determinado no artigo 3º da Convenção
161 da OIT. Os custos de tais serviços de saúde devem ser supor-
Conclusões tados pelos Fundos Sociais de que trata o artigo 28 da Lei 5.764/71.
1. A Constituição da República assegurou a todos os traba- 6. A fiscalização pela observância e cumprimento das
lhadores urbanos e rurais o direito à redução dos riscos inerentes normas regulamentares sobre medicina e segurança no traba-
ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. lho em todas as empresas e entidades públicas e privadas, inde-
A Constituição fala em trabalhadores, e não empregados. Logo, pendentemente da natureza da relação jurídica de trabalho,
todos os trabalhadores devem gozar desse direito, independen- incumbe ao Ministério do Trabalho, que, mediante convênio,
temente da natureza jurídica da relação de trabalho, posto que, pode delegar suas funções, incluindo o amplo poder de polícia,
sendo um direito fundamental e social do trabalhador, a norma é aos órgãos federais, estaduais e municipais que integram o
de aplicabilidade imediata, § 2º do artigo 5º da CF. As normas a Sistema Único de Saúde, a fim de fiscalizar os serviços de
que se refere o Constituinte estão contidas na Lei 6.514, de saúde e segurança no trabalho naquelas mesmas empresas e
entidades, nos termos do artigo 159 da CLT. Dada a notória defi-
22-12-77, que deu nova redação aos artigos 154 e s. da CLT,
ciência da fiscalização do trabalho, em razão da desproporção
Capítulo V – Da Medicina e da Segurança no Trabalho, do Título
entre a grande quantidade de empresas a serem fiscalizadas e o
II, da CLT.
número de agentes de inspeção existentes, urge que as autori-
2. A Constituição da República, ao estender o direito social
dades competentes tenham a vontade política de celebrar tal
previsto no inciso XXII do seu artigo 7º aos servidores públicos convênio, a fim de integrar os diversos órgãos incumbidos da
civis, autorizou expressamente a aplicação de tais normas aos fiscalização do cumprimento das ações e serviços de segu-
servidores públicos, seja pelo fato de se tratar de um direito social rança e saúde no trabalho, de forma a tornar mais eficiente esse
de aplicabilidade imediata, seja pelo fato de que as Convenções serviço de inspeção, contribuindo assim para a efetividade do
155 e 161, ratificadas pelo Brasil, que tratam de medidas de segu- direito dos trabalhadores ao meio ambiente de trabalho sadio e
rança e saúde no trabalho e dos serviços de saúde dos trabalha- seguro, do que, em última análise, cogita o inciso XXII do artigo
dores, expressamente determinam que seus dispositivos alcan- 7º da Magna Carta. Tal medida se mostra necessária e urgente,
çam todos os setores da atividade econômica, inclusive a admi- a fim de se dar integral e fiel cumprimento às Convenções 81,
nistração pública, e abrange todos os trabalhadores, inclusive os 148, 152, 155 e 161.
funcionários públicos. As convenções internacionais, uma vez 7. A violação das normas de medicina e segurança no traba-
ratificadas, inserem-se em nosso ordenamento jurídico, com lho tem conseqüências jurídicas na área trabalhista, civil e penal.
hierarquia de lei federal. Assim, resta parcialmente revogado o Na área trabalhista, pode o trabalhador postular a rescisão indireta
disposto no artigo 7º, c) e d), da CLT, no que diz respeito aos do contrato de trabalho, com fulcro no artigo 483 da CLT. Na área
dispositivos celetistas que tratam da medicina e segurança no civil, o empregador pode ser responsabilizado pela potencialização
trabalho. do risco de acidente de trabalho em relação a todos os trabalhado-
3. Da igualdade de direitos entre trabalhador avulso e traba- res sujeitos aos agentes nocivos (dano moral coletivo). Em caso de
lhador com vínculo de emprego assegurada no inciso XXXIV do ocorrência de acidente de trabalho, além da responsabilidade civil
artigo 7º da Magna Carta, decorre que tais trabalhadores avulsos, pelos danos morais e patrimoniais sofridos pelo trabalhador viti-
organizados ou não em sindicato, ou em cooperativas, gozam do mado, o empregador ou quem tiver dado causa, por ação ou omis-
aludido direito ao meio ambiente de trabalho seguro e sadio (inciso são, ao acidente pode ser responsabilizado criminalmente pelo
XXII), aplicando-se-lhes as normas celetistas, as quais devem ser ilícito penal que restar configurado do fato, tais como lesão corpo-
observadas pelos operadores portuários, tomadores dos seus ral, homicídio culposo ou crime de perigo para a vida ou saúde de
serviços, órgão gestor de mão-de-obra (OGMO), pelos sindicatos e outrem, sendo que este se configura pela simples exposição ao
pelas cooperativas, conjuntamente, conforme regulamentado nas perigo direto e iminente.
Leis 6.514/77, 9.719/98 e na NR-29.
4. Os trabalhadores rurais, sem vínculo de emprego, tam-
bém fazem jus a tal direito, por força dos artigos 1º, 13 e 17 da Lei
5.889/73. A responsabilidade pela sua observância recai sobre o
empregador rural ou sobre o dono das terras cultivadas, em caso
de arrendamento ou parceria rural, na medida em que, conforme
previsto no artigo 21 da Convenção 155 e artigo 12 da Convenção
161 da OIT, as medidas de segurança e higiene e de acompanha-
mento da saúde do trabalhador não devem implicar nenhum ônus
financeiro para os trabalhadores.
A Salvaguarda do Meio Ambiente do Trabalho no Serviço
Público: Painel sobre o Tema

1 Ponderações Introdutórias: A construção teórica da Ramificação Ambiental do Direito


Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar
que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico,
assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos
plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando
à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se
imperioso salientar, com a ênfase reclamada, que não mais subsiste uma visão arrimada em
preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a
contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o
arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos
anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.
Cuida hastear, com bastante pertinência, como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o
brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando
explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”[2]. Destarte, com
clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro
tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus
Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total
descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das
regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma
vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o
homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se
robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.
Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988,
imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro,
precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos
anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que
se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de
Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar
porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é
um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[3]. Como bem pontuado, o fascínio
da Ciência Jurídica jaz, justamente, na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta,
decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais e
os institutos jurídicos neles consagrados.
Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou
a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e
profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é
o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face
da legislação”[4]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos mencionados sustentáculos, infere-
se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua
principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela,
como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e
interpretação do conteúdo das leis, diante das situações concretas.
Nas últimas décadas, o aspecto de mutabilidade tornou-se ainda mais evidente, em especial, quando
se analisa a construção de novos que derivam da Ciência Jurídica. Entre estes, cuida destacar a
ramificação ambiental, considerando como um ponto de congruência da formação de novos ideários
e cânones, motivados, sobretudo, pela premissa de um manancial de novos valores adotados. Nesta
trilha de argumentação, de boa técnica se apresenta os ensinamentos de Fernando de Azevedo Alves
Brito que, em seu artigo, aduz: “Com a intensificação, entretanto, do interesse dos estudiosos do
Direito pelo assunto, passou-se a desvendar as peculiaridades ambientais, que, por estarem muito
mais ligadas às ciências biológicas, até então era marginalizadas”[5]. Assim, em decorrência da
proeminência que os temas ambientais vêm, de maneira paulatina, alcançando, notadamente a partir
das últimas discussões internacionais envolvendo a necessidade de um desenvolvimento econômico
pautado em sustentabilidade, não é raro que prospere, mormente em razão de novos fatores, um
verdadeiro remodelamento ou mesmo uma releitura dos conceitos que abalizam a ramificação
ambiental do Direito, com o fito de permitir que ocorra a conservação e recuperação das áreas
degradadas, primacialmente as culturais.
Ademais, há de ressaltar ainda que o direito ambiental passou a figurar, especialmente, depois das
décadas de 1950 e 1960, como um elemento integrante da farta e sólida tábua de direitos
fundamentais. Calha realçar, com cores quentes, que mais contemporâneos, os direitos que
constituem a terceira dimensão recebem a alcunha de direitos de fraternidade ou, ainda, de
solidariedade, contemplando, em sua estrutura, uma patente preocupação com o destino da
humanidade[6]·. Ora, daí se verifica a inclusão de meio ambiente como um direito fundamental,
logo, está umbilicalmente atrelado com humanismo e, por extensão, a um ideal de sociedade mais
justa e solidária. Nesse sentido, ainda, é plausível citar o artigo 3°., inciso I, da Carta Política de
1988 que abriga em sua redação tais pressupostos como os princípios fundamentais do Estado
Democrático de Direitos: “Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária” [7].
Ainda nesta esteira, é possível verificar que a construção dos direitos encampados sob a rubrica de
terceira dimensão tende a identificar a existência de valores concernentes a uma determinada
categoria de pessoas, consideradas enquanto unidade, não mais prosperando a típica fragmentação
individual de seus componentes de maneira isolada, tal como ocorria em momento pretérito. Com o
escopo de ilustrar, de maneira pertinente as ponderações vertidas, insta trazer à colação o
entendimento do Ministro Celso de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°.
1.856/RJ, em especial quando coloca em destaque que:
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração (ou de
novíssima dimensão), que materializam poderes de titularidade coletiva
atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos
agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem,
por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como
o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no
processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados
estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas
impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível[8].

Com efeito, é imperioso o reconhecimento dos direitos de terceira dimensão como núcleo sensível
voltado para a promoção da solidariedade e da coletividade, notadamente no que pertine à
realização plena e irrestrita do gênero humano, analisado como uma unidade, reclamando, pois,
condições essenciais de desenvolvimento e existência. “Têm primeiro por destinatários o gênero
humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta”[9]. Com efeito, os direitos de terceira dimensão, dentre os quais se inclui
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, positivado na Constituição Federal de 1988, emerge
com um claro e tangível aspecto de familiaridade, como ápice da evolução e concretização dos
direitos fundamentais.
2 Comentários à concepção de Meio Ambiente
Em uma primeira plana, ao lançar mão do sedimentado jurídico-doutrinário apresentado pelo inciso
I do artigo 3º da Lei Nº. 6.938, de 31 de agosto de 1981[10], que dispõe sobre a Política Nacional
do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências,
salienta que o meio ambiente consiste no conjunto e conjunto de condições, leis e influências de
ordem química, física e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas. Pois
bem, com o escopo de promover uma facilitação do aspecto conceitual apresentado, é possível
verificar que o meio ambiente se assenta em um complexo diálogo de fatores abióticos,
provenientes de ordem química e física, e bióticos, consistentes nas plurais e diversificadas formas
de seres viventes. Consoante os ensinamentos de Silva, considera-se meio-ambiente como “a
interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o
desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”[11].
Nesta senda, ainda, Fiorillo[12], ao tecer comentários acerca da acepção conceitual de meio
ambiente, coloca em destaque que tal tema se assenta em um ideário jurídico indeterminado,
incumbindo, ao intérprete das leis, promover o seu preenchimento. Dada à fluidez do tema, é
possível colocar em evidência que o meio ambiente encontra íntima e umbilical relação com os
componentes que cercam o ser humano, os quais são de imprescindível relevância para a sua
existência. O Ministro Luiz Fux, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N°. 4.029/,
salientou, com bastante pertinência, que:
[...] o meio ambiente é um conceito hoje geminado com o de saúde pública,
saúde de cada indivíduo, sadia qualidade de vida, diz a Constituição, é por
isso que estou falando de saúde, e hoje todos nós sabemos que ele é
imbricado, é conceitualmente geminado com o próprio desenvolvimento. Se
antes nós dizíamos que o meio ambiente é compatível com o
desenvolvimento, hoje nós dizemos, a partir da Constituição, tecnicamente,
que não pode haver desenvolvimento senão com o meio ambiente
ecologicamente equilibrado. A geminação do conceito me parece de rigor
técnico, porque salta da própria Constituição Federal[13].
É denotável, desta sorte, que a constitucionalização do meio ambiente no Brasil viabilizou um
verdadeiro salto qualitativo, no que concerne, especificamente, às normas de proteção ambiental.
Tal fato decorre da premissa que os robustos corolários e princípios norteadores foram alçados ao
patamar constitucional, assumindo colocação eminente, ao lado das liberdades públicas e dos
direitos fundamentais. Superadas tais premissas, aprouve ao Constituinte, ao entalhar a Carta
Política Brasileira, ressoando os valores provenientes dos direitos de terceira dimensão, insculpir na
redação do artigo 225, conceder amplo e robusto respaldo ao meio ambiente como pilar integrante
dos direitos fundamentais. “Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, as normas de proteção ambiental são alçadas à categoria de normas constitucionais, com
elaboração de capítulo especialmente dedicado à proteção do meio ambiente”[14]. Nesta toada,
ainda, é observável que o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988[15] está abalizado
em quatro pilares distintos, robustos e singulares que, em conjunto, dão corpo a toda tábua
ideológica e teórica que assegura o substrato de edificação da ramificação ambiental.
Primeiramente, em decorrência do tratamento dispensado pelo artífice da Constituição Federal, o
meio ambiente foi içado à condição de direito de todos, presentes e futuras gerações. É encarado
como algo pertencente a toda coletividade, assim, por esse prisma, não se admite o emprego de
qualquer distinção entre brasileiro nato, naturalizado ou estrangeiro, destacando-se, sim, a
necessidade de preservação, conservação e não-poluição. O artigo 225, devido ao cunho de direito
difuso que possui, extrapola os limites territoriais do Estado Brasileiro, não ficando centrado,
apenas, na extensão nacional, compreendendo toda a humanidade. Neste sentido, o Ministro Celso
de Mello, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade N° 1.856/RJ, destacou que:
A preocupação com o meio ambiente - que hoje transcende o plano das
presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras [...]
tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de
proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente
doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no
plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão
concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse
direito fundamental que assiste a toda a Humanidade[16].

O termo “todos”, aludido na redação do caput do artigo 225 da Constituição da República


Federativa do Brasil de 1988, faz menção aos já nascidos (presente geração) e ainda aqueles que
estão por nascer (futura geração), cabendo àqueles zelar para que esses tenham à sua disposição, no
mínimo, os recursos naturais que hoje existem. Tal fato encontra como arrimo a premissa que foi
reconhecido ao gênero humano o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de
condições de vida adequada, em ambiente que permita desenvolver todas as suas potencialidades
em clima de dignidade e bem-estar. Pode-se considerar como um direito transgeracional, ou seja,
ultrapassa as gerações, logo, é viável afirmar que o meio-ambiente é um direito público subjetivo.
Desta feita, o ideário de que o meio ambiente substancializa patrimônio público a ser
imperiosamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais,
qualificando verdadeiro encargo irrenunciável que se impõe, objetivando sempre o benefício das
presentes e das futuras gerações, incumbindo tanto ao Poder Público quanto à coletividade
considerada em si mesma.
Assim, decorrente de tal fato, produz efeito erga omnes, sendo, portanto, oponível contra a todos,
incluindo pessoa física/natural ou jurídica, de direito público interno ou externo, ou mesmo de
direito privado, como também ente estatal, autarquia, fundação ou sociedade de economia mista.
Impera, também, evidenciar que, como um direito difuso, não subiste a possibilidade de quantificar
quantas são as pessoas atingidas, pois a poluição não afeta tão só a população local, mas sim toda a
humanidade, pois a coletividade é indeterminada. Nesta senda, o direito à interidade do meio
ambiente substancializa verdadeira prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, ressoando a
expressão robusta de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas
num sentido mais amplo, atribuído à própria coletividade social.
Com a nova sistemática entabulada pela redação do artigo 225 da Carta Maior, o meio-ambiente
passou a ter autonomia, tal seja não está vinculada a lesões perpetradas contra o ser humano para se
agasalhar das reprimendas a serem utilizadas em relação ao ato perpetrado. Figura-se, ergo, como
bem de uso comum do povo o segundo pilar que dá corpo aos sustentáculos do tema em tela. O
axioma a ser esmiuçado, está atrelado o meio-ambiente como vetor da sadia qualidade de vida, ou
seja, manifesta-se na salubridade, precipuamente, ao vincular a espécie humana está se tratando do
bem-estar e condições mínimas de existência. Igualmente, o sustentáculo em análise se corporifica
também na higidez, ao cumprir os preceitos de ecologicamente equilibrado, salvaguardando a vida
em todas as suas formas (diversidade de espécies).
Por derradeiro, o quarto pilar é a corresponsabilidade, que impõe ao Poder Público o dever geral de
se responsabilizar por todos os elementos que integram o meio ambiente, assim como a condição
positiva de atuar em prol de resguardar. Igualmente, tem a obrigação de atuar no sentido de zelar,
defender e preservar, asseverando que o meio-ambiente permaneça intacto. Aliás, este último se
diferencia de conservar que permite a ação antrópica, viabilizando melhorias no meio ambiente,
trabalhando com as premissas de desenvolvimento sustentável, aliando progresso e conservação.
Por seu turno, o cidadão tem o dever negativo, que se apresenta ao não poluir nem agredir o meio-
ambiente com sua ação. Além disso, prima pontuar que, em razão da referida corresponsabilidade,
são titulares do meio ambiente os cidadãos da presente e da futura geração. Trata-se, com destaque,
de temática que promove uma solidariedade intergeracional, notadamente no que se refere à
realização plena do gênero humano.
Em tom de arremate, é possível destacar que a incolumidade do meio ambiente não pode ser
comprometida por interesses empresarias nem manter dependência de motivações de âmago
essencialmente econômico, notadamente quando estiver presente a atividade econômica,
considerada as ordenanças constitucionais que a norteiam, estando, dentre outros corolários,
subordinadas ao preceito que privilegia a defesa do meio ambiente, que traduz conceito amplo e
abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente
artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. O corolário do desenvolvimento sustentável,
além de estar impregnando de aspecto essencialmente constitucional, encontra guarida legitimadora
em compromissos e tratados internacionais assumidos pelo Estado Brasileiro, os quais representam
fator de obtenção do justo equilíbrio entre os reclamos da economia e os da ecologia, porém, a
invocação desse preceito, quando materializada situação de conflito entre valores constitucionais e
proeminentes, a uma condição inafastável, cuja observância não reste comprometida nem esvaziada
do aspecto essencial de um dos mais relevantes direitos fundamentais, qual seja: o direito à
preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser
resguardado em favor das presentes e futuras gerações.
3 Anotações ao Meio Ambiente do Trabalho
Inicialmente, o homem passou a integrar, de maneira plena, o meio ambiente no percurso para o
desenvolvimento sustentável consagrado pela nova ordem ambiente mundial. Com efeito,
consequência disto está alicerçada na consideração de que o meio ambiente do trabalho integra
também o conceito abrangente de ambiente, de maneira que deve ser considerado como bem que
reclama proteção dos diplomas normativos para eu o trabalhador possa usufrui de uma melhor
qualidade de vida. Trata-se de concreção dos direitos do trabalhador o de ter minorado os riscos
inerentes ao trabalho, por meio de ordenanças de saúde, higiene e segurança, demonstrando uma
contemporânea posição em relação ao tema, de modo que as questões atinentes ao meio ambiente
do trabalho ultrapassam a questão de saúde dos próprios trabalhadores, inundando toda a sociedade.
O meio ambiente do trabalho, doutrinariamente reconhecido, é o local em que os indivíduos
desempenham suas atividades laborais, independente dessas serem remuneradas ou não, cujo
equilíbrio se encontra estruturado na salubridade do ambiente e na ausência de agentes que possam
comprometer a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que
apresentem. Ao lado disso, cuida salientar, com bastante ênfase, que, consoante as ponderações de
Brollo[17], “o meio ambiente do trabalho configura o conjunto das condições de produção nas
quais a força de trabalho e o capital se transformam em mercadorias e benefícios”. Ao lado disso
Fiorillo, com bastante pertinência, evidencia que “no tocante à matéria relativa ao meio ambiente
do trabalho, continua ela a ser basicamente regulada pela Consolidação das Leis do Trabalho e
pela Portaria n. 3.214/78, que aprova diversas normas regulamentadoras”[18], estabelecendo, via
de consequência, normas que regem à segurança e medicina do trabalho.
Ora, salta aos olhos que o cerne da questão do aspecto em comento encontra arrimo na premissa que
o ambiente laboral é o lugar em que o trabalhador passa considerável parte de sua existência e,
portanto, a higidez daquele influencia, de maneia determinante a sadia qualidade da vida humana.
Denota-se, desta sorte, que o meio ambiente laboral ambiciona garantir a sadia qualidade de vida, o
qual se desdobra em saúde e segurança do trabalhador, sendo que o enfoque constitucional
dispensado ao tema em testilha ostenta aspecto essencialmente preventivo, já que objetiva reduzir
riscos à saúde e à segurança. “Nesse caso, o ambiente do trabalho a ser preservado é aquele que
não represente risco nem à saúde, nem à segurança do trabalhador e que, acima de tudo, assegure
a sua dignidade”[19]
Infere-se que a Carta da República de 1988, ao dispor acerca do meio-ambiente e seus distintos
aspectos, adotou dois objetos diversos, a saber: um imediato consistente na manutenção da
qualidade do meio-ambiente e de todos os plurais elementos que o constituem, e outro mediato que
se manifesta na saúde, segurança e bem-estar do cidadão, expressado, de maneira robusta, nas
locuções vida em todas as suas formas e em qualidade de vida, consagrados nas redações do artigo
3º, inciso I, da Lei Nº. 6.938/1981[20] e artigo 225, caput, da Constituição Federal[21]. No mais, a
acepção que deve envolver o meio ambiente laboral deve ser ampla e irrestrita, vez que alcança
todo trabalhador, remunerada ou não, o qual detém proteção constitucional de um ambiente de
trabalho adequado e seguro, sendo elemento indispensável à digna e sadia qualidade de vida.
No mais, o bem ambiental alcança a vida do trabalhador como pessoa e integrante da sociedade,
devendo ser preservado por meio da estruturação de instrumentos adequados referentes a condições
de trabalho, higiene e medicina do trabalho. Incumbe, primeiramente, ao empregador a obrigação
de salvaguardar e proteger o meio ambiente laboral e, ao Estado e à sociedade, promover a
fiscalização carecida para materializar a incolumidade desse bem. Ora, como fundamentos do
Estado Democrático de Direito e da ordem econômica, não se pode olvidar que o Texto
Constitucional coloca em realce os valores sociais do trabalho, a dignidade da pessoa humana e o
respeito ao meio ambiente, em sentido amplo e abrangente.
Não obstante a proteção constitucional ao meio ambiente do trabalho, no plano internacional, o
Brasil também é signatário da Convenção nº 162 da Organização Internacional do Trabalho, a qual
adota medidas de proteção e prevenção, a fim de possibilitar a utilização do asbesto/amianto com
segurança. Esta convenção impõe restrições ao uso do amianto e sugere a sua substituição por
materiais que não causem danos à saúde. Trata-se de norma internacional, de recepção supralegal no
ordenamento jurídico pátrio, aplicada a todas as atividades que exponham trabalhadores ao amianto
no desempenho de suas tarefas. A título de obter dictum, deve-se levar em conta que o meio
ambiente laboral seguro e saudável bem como a preservação da integridade física do trabalhador
são direitos que encontram amparo no próprio texto constitucional, passando, por extensão, a
conformar a aplicação dos diplomas normativos, com o escopo de materializar tal proteção.
4 Acepção do Vocábulo “Trabalho” em sede de Meio Ambiente
Com o escopo de assimilar a proteção ambiental, em sede de meio ambiente laboral, insta
questionar a acepção conceitual do vocábulo trabalho a ser adotado. Ora, sendo o meio ambiente
sadio, tal como pontuado em momento pretérito, um direito impregnado de essência constitucional
fundamental, sobreleva anotar que o conceito de trabalhador também deve ser perquirido no âmago
do da Carta de Outubro de 1988. Nesta perspectiva de exposição, “o ponto de partida a ser adotado
é que a proteção ao meio ambiente do trabalho é distinta da proteção do direito do trabalho. Isso
porque aquela tem por objeto jurídico a saúde e a segurança do trabalhador, a fim de que este
possa desfrutar uma vida com qualidade”[22]. O escopo primordial, à luz do esposado, está
assentado na busca de resguardar o trabalhador das formas de degradação e poluição de vida.
Em um segundo momento, patente se faz analisar que ocorre a valorização do trabalho humano, eis
que é direito social estruturador da ordem econômica e financeira e um dos axiomas da República
Federativa do Brasil. Entretanto, carecido se faz que o trabalho esteja relacionado a um aspecto
econômico, já que deve ser passível de valoração social. Ora, o trabalho, no contexto ofertado pela
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[23], assume múltiplas facetas que,
conquanto sejam distintas, mantêm um liame entre si, bem como complementam os objetivos e
fundamentos arvorados, notadamente no sentido de garantir a todos uma existência digna num
sistema em que haja justiça social. Desta feita, é verificável que o trabalho surge enquanto
instrumento da tutela pessoal, indispensável à sobrevivência do homem em seu aspecto como
indivíduo, tal como política a ser estruturada pelo Estado, em uma dimensão difusa e essencial aos
escopos hasteados pelo Estado Democrático de Direito.
Ao lado disso, susta ponderar que não é possível, notadamente em decorrência dos influxos
abrangentes derivados do tema em apreço, restringir a proteção ambiental do trabalho a relações de
natureza exclusivamente empregatícia. “Quando se fala em relação de emprego está-se referindo
àqueles vínculos em que o trabalho é subordinado”[24]. Nesta esteira, o que ganha relevo é a
proteção ao meio ambiente no qual o trabalho humano é prestado, seja em que condição for. Ao
lado do expendido, com o escopo de fortalecer as ponderações acimadas, é possível colacionar a
manifestação do Tribunal Superior do Trabalho, em especial quando destacou que:
Compete à empresa o ônus da prova das boas condições ergonômicas de
trabalho e/ou da existência de um meio ambiente laboral sadio, bem como é
de incumbência da empregadora a implementação das regras de medicina e
de segurança do trabalho, as quais, sendo mínimas, não excluem a
observância de outras providências que se façam necessárias à redução e,
preferencialmente, à eliminação dos riscos[25].
Além disso, não se pode olvidar que a omissão do empregador na adoção de medidas que visem à
prevenção de acidentes pode provocar, de acordo com a gravidade ou repetição dos fatos, diversas
consequências jurídicas, dentre as quais é possível destacar: a) nas relações individuais do trabalho,
o direito do empregado de rescindir o contrato de trabalho por culpa do empregador; b) na seara
criminal, as penas correspondentes; c) no âmbito civil, a responsabilidade indenizatória, tal como as
decorrentes do seguro obrigatório contra acidentes de trabalho; d) multas administrativas e a
interdição do estabelecimento ou equipamento. Consoante se infere, o empregador tem o dever de
cumprir e de fazer cumprir o conjunto de normas de segurança e medicina do trabalho, instruir os
seus empregados, por meio de ordens de serviço no tocante aos procedimentos de condutas de
segurança e precauções a observar com o fito de evitar acidentes do trabalho. Trata-se de concreção
do dever geral de cautela, competindo ao empregador atuar com toda a diligência para evitar
acidentes, bem como a manutenção do meio ambiente laboral propício ao trabalhador.
5 A Salvaguarda do Meio Ambiente do Trabalho no Serviço Público: Painel sobre o Tema
Ao partir da premissa que o direito meio ambiente ecologicamente equilibrado, alçado ao status de
pavilhão constitucional robusto e dotado de núcleo jurídico denso, é conditio sine qua non para o
desenvolvimento pleno do gênero humano e substancialização da dignidade da pessoa humana,
salta aos olhos que se trata de direito fundamental de todo cidadão brasileiro. Por via de
consequência, ainda impregnado pelos valores apresentados até o momento, cuida salientar que a
promoção de tal direito se aperfeiçoa em inarredável dever do Poder Público, devendo, para tanto,
dispensar a efetiva tutela jurídica ao meio ambiente laboral de seus servidores, os quais empregam a
sua energia laborativa para que o Estado possa cumprir, de maneira eficiente e em consonância com
os postulados agasalhados pela Constituição Federal[26], as suas funções e deveres inerentes.
O servidor público, assim como qualquer outro trabalhador, tem assegurado
o direito a um meio ambiente do trabalho salutar e equilibrado, que lhe
acarrete uma sadia qualidade de vida. O fato de possuírem como tomador
dos respectivos serviços o Estado não pode jamais mitigar ou dificultar a
aplicação de todas as normas de higiene, saúde e de segurança do trabalho,
independentemente do regime jurídico a que estejam submetidos, sejam
celetistas ou estatutários[27].
Oportunamente, impende frisar que a preservação do meio ambiente do trabalho não está limitada
ao amplo rol de temas insertos na seara do Direito do Trabalho, em que pese um sucedâneo de
normas de saúde e de segurança de trabalho domiciliados no diploma legislativo de regência. Ora, a
construção e a preservação de um ambiente laboral imune às ações de agentes insalubres e
perigosos à integridade física e psíquica do trabalhador, conjugada com a efetiva redução dos riscos
ocupacionais, por meio da instauração de medida de saúde e segurança do trabalho, são
contundentes mecanismos que constituem, de maneira inequívoca, a política de prestação dos
serviços de saúde. No mais, em consonância com o artigo 196 da Constituição Cidadã de 1988[28],
quadra destacar que a saúde se apresenta como direito de todos e dever do Estado, assegurado por
meio de políticas sociais e econômicas que ambicionem a redução do risco de doença e de outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
“Por óbvio, esta tutela estatal constitucionalmente enunciada deve abranger a coletividade de
trabalhadores, os quais, não raras vezes, se submetem a precárias condições de trabalho”[29], o
que tem o condão de colocar em risco a sua própria vida e a segurança, em prol do processo
produtivo inerente à atividade econômica desenvolvida. Em que pese, corriqueiramente, a
diversidade de regimes em que os servidores públicos se encontram, quer seja como estatutário,
quer seja como celetista, salta aos olhos que a temática em comento reclama interpretação
extensiva, eis que o seu aspecto proeminente não encontra limitação no regime adotado, mas sim,
em decorrência do aspecto de fundamentalidade, incide sobre todos os servidores públicos. Trata-se,
com efeito, de mecanismo proeminente para assegurar a proteção e salvaguarda dos servidores, de
maneira que os aspectos singulares e inerentes ao individuo sejam observados.

O papel do SESMT nas empresas privadas e no serviço


público
Marco Antonio de Sousa Souza

Resumo: A importância do SESMT para a redução dos infortúnios do trabalho. A busca pela
melhoria das condições de Saúde e Segurança no Meio Ambiente de Trabalho é tema atual que
envolve a participação de juristas, profissionais que atuam na área de Segurança e Saúde do
Trabalho e operadores do direito. Apesar do aumento dos investimentos governamentais e privados
destinados a melhoria das condições de Saúde e Segurança do Trabalho, ainda é excessivo,
frequente e alarmante o número de trabalhadores que sofrem infortúnios decorrentes de condições
inseguras no Meio Ambiente de trabalho ou ainda porque estes não possuem a correta orientação
acerca do cumprimento correto das normas de Prevenção de Acidentes. Esse trabalho tem como
escopo o estudo de aspectos relevantes sobre a Saúde e a Segurança do Trabalho e em especial
sobre o SESMT – Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho,
fazendo uma abordagem sobre a sua importância para as empresas no desenvolvimento de
Programas de Gestão de Segurança e Saúde do Trabalho que visem a melhoria do meio ambiente de
trabalho. No aspecto prático, o presente traballho abordará as perspectivas normativas que possam
contribuir para a melhoria do SESMT nas empresas, além da implantação deste nas empresas
públicas, nos órgãos públicos da administração direta e indireta e nos poderes Legislativo e
Judiciário que tenham servidores não-celetistas, sujeitos estes à Lei 8.112/90, em todos as esferas,
ou seja, Federal, Estadual, Distrital e Municipal. Por fim, pretende esse tornar-se uma hulmilde
contribuição para que os operadores do direito e do setor de Segurança e Saúde do Trabalho possam
vir a direcionar condutas e sugestões que posssam, de certa forma, colaborar para a melhoria das
condições de trabalho no Meio Ambiente de Trabalho, situação essa que somente poderá ser
alcançada com a persistente conscientização dos trabalhadores. Por fim, a conscientização dos
trabalhadores tende a se tornar realidade quando o SESMT tiver a sua atuação normatizada de
forma que este possa ter garantida a sua atuação de forma mais livre e independente, estando assim
capaz de tornar o sonho de um Meio Ambiente do Trabalho mais seguro, saudável e humano, uma
realidade concreta.[1]
Palavras-chave: SESMT. Segurança e Saúde do Trabalho. Meio Ambiente de Trabalho.
Abstract: The importance of SESMT to reduce the work troubles. The pursuit of the best o health
and security conditions in the environment work is a current theme that involve the jurists
participation, professionals that work in the fields of security and health of the work and law
operators. In spite of the increase government and privates investment intended to the best health
and security conditions of the work, its still excessive, frequent and alarming, the number of
workers that have problems resulting from the bad environment work conditions because they do
not have the right orientation about complying the rules of accident prevention . This monograph
will be done a study about health and security of the work and, in special, about SESMT - Serviço
Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho – (Specialized Service at
Security and Medicine Engineering of the Work) doing a reflection about the importance to the
companies the development of health and security management programs of the work that aim the
environment work improvement. This monograph will approach the norms perspectives that can
contribute to the improvement of SESMT in the private and public companies from the direct and
indirect administration and in the Legislative and Judiciary powers that have employees who are
subordinated to the law 8.112/90, in all spheres, Federal, State, District and Municipal. This work
intends to become a humble contribution to the operators from law and health and security sector of
the work can direct conducts and suggestions that can improve the environment work conditions,
this situation will only be reached if the workers became aware. This acquiring of knowledge will
become true when SESMT has its action established, this way it will be more free and independent,
being able to become the dream of a more security, healthy and human environment work a
concrete reality.
Keywords: SESMT. Health and security in the environment work. The environment work.
Sumário: Introdução. 1 – Meio Ambiente do Trabalho. 1.1 Noções Gerais. 1.1.1 Noções e
conceitos de Meio Ambiente. 1.1.2 Noções e Conceitos de Meio Ambiente do Trabalho. 1.2
Conceito de Acidente de Trabalho. 1.2.1 Conceito Legal de Acidente de Trabalho. 1.2.2 Conceito
Prevencionista de Acidente de Trabalho. 2 – Legislação de Saúde e Segurança do Trabalho. 2.1
Legislação Internacional. 2.2 Legislação brasileira. 3 – O SESMT e as Suas Principais
Características. 3.1 Natureza Juridica do SESMT. 3.2 Fundamento Normativo do SESMT. 3.3
Dimensionamento, Composição e Atribuições dos membros do SESMT. 4 – O SESMT nas
Empresas Privadas. 5 – O SESMT no Serviço Público. 6 – O SESMT no Século XXI – Perspectivas
e Mudanças. 6.1 A Função Social da Empresa e a Proteção do Meio Ambiente do Trabalho. 6.2 A
Flexibilização da Legislação Trabalhista perante a Saúde e a Segurança do Trabalho. 6.3 Propostas e
Sugestões. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Ao iniciar o desenvolvimento deste trabalho de conclusão de concurso, pude perceber que seria
impossível dissertar sobre o tema proposto sem fazer uma abordagem teórica da práxis diária sob o
prisma que envolve a luta entre o Capital e o Trabalho, pois a relação homem e mercado de trabalho
está diretamente relacionada à luta de classes, bem como à necessidade de sobrevivência da espécie
humana, haja vista que o trabalho não apenas garante ao homem o seu sustento, mas também o
torna cidadão, garantindo a este o pleno acesso à educação, à habitação, à saúde, à cultura, ao lazer,
ao desporto, ao turismo, etc, direitos sociais garantidos na Constituição Federal de 1988[2]. Ou seja,
por meio do trabalho digno, o homem tende a alcançar melhores condições de vida para si e para a
sua família, célula mater da sociedade, atingindo a principal meta dos princípios fundamentais da
nossa Carta Magna que é a dignidade da pessoa humana.
No final da década de 80, acontecimentos marcantes, como a abertura democrática, a promulgação
da Constituição Federal de 1988, a queda do pseudo-socialismo soviético, o surgimento da
economia globalizada aliada ao desenvolvimento da internet e da robótica, propiciaram uma
transformação impressionante nos métodos de produção até o momento existentes, contribuindo
para o surgimento de novas formas de relação de trabalho, onde o meio ambiente veio a se tornar o
ponto fundamental da relação homem-trabalho, preponderado o chamado desenvolvimento
sustentável, o qual tem gerado reflexos nas economias de todas as nações industrializadas, inclusive
das nações emergentes como o Brasil.
A saúde e a segurança do trabalho, áreas que numa abordagem stricto sensu estão voltados apenas à
proteção e a saúde do trabalhador, hoje, por meio de uma abordagem lato sensu, são de fundamental
importância para a garantia da dignidade da pessoa humana. A dignidade da pessoa humana é assim
um parâmetro a ser conquistado, sendo o trabalho a melhor forma para se atingir tal objetivo.
Todavia, tornar-se impossível o alcance da dignidade da pessoa humana sem que no meio ambiente
do trabalho haja a plena valorização do direito à vida, maior bem jurídico tutelado pela nossa
Constituição Federal[3].
O grande número de trabalhadores afastado do trabalho, sejam por acidentes ou doenças
relacionadas ao trabalho, tem ocorrido em paralelo ao crescente desenvolvimento tecnológico do
parque industrial brasileiro. Percebe-se que com as novas tecnologias, as novas atividades laborais
desenvolvidas e as novas condições de trabalho, têm surgido novas causas de afastamentos do
trabalho, como os Dorts - Distúrbios Osteomolecular Relacionados ao Trabalho, o assédio moral e o
stress ocupacional.
Rosita de Nazaré Sidrim Nassar em síntese, assere que:
“O Cuidado para com o trabalhador, sobretudo àquele que não conta com outra força senão a dos
próprios músculos é um dever que deve sercolocado como prioridade. Dotar o ambiente dodo
trabalho de condições mínimas para a segu-
rança e o conforto do trabalhador jamais foi um gesto de generosidade de quem emprega.”[4]
In caso, é onde entram em conflito as necessidades de observação das normas legais de saúde e
segurança do trabalho com a prevalência pelas empresas na perseguição desenfreada pelo lucro,
onde essas buscam uma maior produtividade e uma maior maximização dos lucros, sempre ao
menor custo operacional possível, mesmo que para isso, seja necessário expor trabalhadores ao
risco de morte.
Procurarei assim, fazer uma abordagem dos aspectos mais importantes que norteiam a saúde e a
segurança do trabalho, fazendo um estudo mais detalhado sobre a formação, atuação, natureza
jurídica, fundamento normativo e em especial sobre a importância do SESMT – Serviço
Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho, na constante busca pela
redução dos infortúnios decorrentes do ambiente de trabalho.
Após ter pesquisado em diversas livrarias e editoras, pude verificar que o livro que melhor aborda o
assunto, apesar de utilizar outras referências, me servindo de subsíidio para o desenvolvimento
deste trabalho é o livro O Direito à Saúde e Segurança no Meio Ambiente do Trabalho” da
Advogada Mônica Maria Lauzid de Moraes, Mestre em Instituições Jurídico-politicas pela
Universidade Federal do Pará.[5] O referido livro faz uma abordagem ampla das mais variadas
questões relacionadas sobre a saúde e a segurança do trabalho, abordando amplamente os aspectos
da proteção, da fiscalização e da efetividade normativa da legislação de proteção do meio ambiente
do trabalho.
Será necessário antes do estudo do SESMT propriamente dito, a realização de uma abordagem
ampla sobre as definições de Meio Ambiente e Meio Ambiente do trabalho, além de uma rápida
análise sobre as principais normas relativas à segurança e a saúde trabalho.
Será possivel verificar que os infortúnios do trabalho não ocorrem por acaso, muito menos por
causas de fácil solução. Infelizmente eles têm origem mais profunda e ocorrem muitas vezes porque
as pessoas demonstram claramente a falta de conhecimento sobre o assunto. Muitas vezes ouvimos
comentários como:
- “Este acidente foi uma fatalidade!”, “ Este acidente ocorreu porque tinha que ocorrer!”, “Este
acidente foi a força do destino!”.
Prevenção é o conjunto de medidas técnicas e administrativas que visa, em todas as atividades da
empresa, a proteger os seus recursos humanos e materiais, inclusive os de terceiros, que, de forma
direta ou indireta, possam ser afetadas por acidente de trabalho.
Prevenir acidentes é uma atitude pró-ativa com foco no combate a todas as causas que possam
direta ou indiretamente, definidas como qualquer fato, que se removido, teria evitado o acidente.
Para que haja aos trabalhadores, a plena garantia a um ambiente de trabalho favorável à saúde e a
segurança do trabalho, é necessário que “A conscientização e a informação constituem as bases das
reivindicações do operariado brasileiro, pois que sem o conhecimento dos seus próprios direitos e
deveres, cedem espaço para as explorações e agressões inerentes à atividade econômica de fins
lucrativos, em detrimento da saúde e segurança no meio ambiente do trabalho”.[6]
Ao trabalhador é garantido o exercício do seu trabalho em um meio ambiente de trabalho
equilibrado, seguro e saudável, proteção está que se encontra garantida por meio das Convenções da
OIT, da Constituição Federal, da Consolidação das Leis do Trabalho, no Código Penal, no Código
Civil, na Portaria 3.214/78 do MTE[7] e em diversas legislações relacionadas ao tema que tenha por
objetivo a proteção à saúde e a segurança do trabalhador.
Será também abordado com especial cuidado e atenção, a falta de comprometimento do Estado com
a implantação de políticas de saúde e segurança do trabalho que visem a proteção dos agentes
públicos que atuam na qualidade de servidores não-celetistas, pois estes não são abrangidos pela
obrigatoriedade de implantação do SESMT, conforme determinado da NR 04. O que se vê é um
total desrespeito do Estado para com a vida dos seus agentes.
O objetivo aqui pretendido é de certa forma, poder contribuir por meio do exercício da cidadania
buscando uma sociedade melhor para que todos aqueles profissionais que têm comprometimento
com a redução e eliminação total dos infortúnios que afetam o ambiente do trabalho (acidentes de
trabalho, doenças do trabalho e doenças profissionais) nunca percam a esperança de que essa
realidade nunca será impossivel de ser alcançada, para que possamos propiciar ao trabalhador uma
verdadeira política de saúde e segurança do trabalho, concretizando assim a utopia da eliminação
e/ou a neutralização dos riscos ambientais existentes no ambiente de trabalho.
1. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
1.1 Noções Gerais
1.1.1 Noções e conceito de Meio Ambiente
Desde a pré-história que o homem, parte integrante da natureza, utiliza e interage com a mesma em
busca de recursos que pudessem garantir a sua subsistência. Todavia, quando o homem, ser
evolutivo e dotado de razão passou a buscar a supremacia perante os seus semelhantes, este passou
a utilizar-se belicosamente dos recursos naturais para poder dominar outros povos. Na atual
economia globalizada, o homem, muitas vezes disfarçando seus métodos de politica social e
desenvolvimento sustentável, acaba por utilizar esses mesmos recursos naturais para poder dominar
e explorar o homem pelo homem, utilizando como ferramenta os meios de produção econômico.
Por meio de um processo que outrora era lento e hoje está cada vez mais acelerado, dinâmico e
cruel, o homem passou a explorar os recursos naturais sem nenhuma preocupação com a escasses
dos mesmos, bem como não demonstra vontade em garantir a qualidade de vida do planeta às
futuras gerações. Daí, surge a preocupação com om meio ambiente, preocupação essa que se tornou
concreta com a mobilização mundial em torno da Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente, a ECO 92, realizada na cidade do Rio de Janeiro, Brasil.
A preocupação com o meio ambiente veio a se tornar uma das principais preocupações dos
pesquisadores no mundo todo, levando as autoridades governamentais a começarem a refletir sobre
a necessidade de preservação dos recursos naturais. O constituinte originário de 1988, antes mesmo
da realização da ECO 92, consagrou em nossa Constituição Federal a obrigação da União, dos
Estados e dos Municipios na defesa do meio ambiente.
“CONSTITUIÇÃO FEDERAL:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”
Fica assim garantido a obrigação do estado na garantia de um meio ambiente saudável. No entanto,
este objetivo somente poderá ser alcançado por meio de uma relação harmônica entre o homem e a
natureza, relação que possa propiciar a utilização dos recursos necessários à sua êxistência. Cabem
às grande corporações econômicas pesquisarem matérias primas capazes de substituir com
qualidade e eficácia aquelas matérias primas originárias de regiões que se encontram em devastação
e que tenham risco de extinção.
Na Lei da Politica Nacional do Meio Ambiente (LPNMA), no art. 3o, inciso I, há o conceito amplo
de meio ambiente, como sendo “meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e
interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas”.[8]
“Assim, toda forma de vida (meio ambiente físico ou natural – flora, solo água, atmosfera, etc.,
incluindo os ecossistemas), bem como os valores integrantes do chamado patrimônio cultural, os
bens e direitos de valor artístico, arqueológico, estético, histórico, turistico e paisagístico (meio
ambiente cultural), e o conjunto de edificações particulares ou públicas (meio ambiente artificial –
interação do homem com o meio ambiente) constituem e formam o conceito de meio ambiente”. [9]
1.1.2 Noções e conceito de Meio Ambiente do Trabalho
A partir da Constituição Federal de 1988, o conceito de meio ambiente do trabalho passou a ser
inserido como parte do amplo conceito de meio ambiente. Todavia, para que o homem possa gozar
plenamente a sua cidadania, tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana, torná-se
necessário que este possa relacionar-se amplamente com o ambiente (físico, cultural e artificial) em
que este vive e trabalha. Ao contribuir direta ou indiretamente para que o meio ambiente seja
devastado, o homem estará por consequência tornando o seu meio ambiente de trabalho inadequado
ao exercicio da atividade laboral.
Pode-se conceituar “meio ambiente de trabalho como o local onde o homem realiza a prestação
objeto da relação jurídico-trabalhista, desenvolvendo atividade profissional em favor de uma
atividade econômica”.[10]
“Dos principios de valorização do trabalho e dignidade da pessoa humana surge o direito ao meio
ambiente do trabalho saúdavel que, por sua vez, decorre do próprio direito à proteção ao meio
ambiente geral. (art. 225, caput, CF/88). Meio ambiente protegido é direito de todos, dentro de um
sistema biológico equilibrado e sustentável, bem juridico protegido pela Lei Maior”.[11]
Como se vê, não há como se falar de Meio ambiente do trabalho sem se falar em Meio ambiente,
pois este engloba, numa visão geral, o meio ambiente do trabalho. Exemplo recente e de
conhecimento de todos foi o catastrófico Acidente com o Césio-137, ocorrido em 13/09/1987 na
cidade de Goiânia, considerado o maior acidente nuclear urbano do mundo.
“Tudo teve inicio com a curiosidade de dois catadores de lixo, que vasculhavam as antigas
instalações do Instituto Goiano de Radioterapia (também conhecido como Santa Casa
deMisericórdia), no centro de Goiânia. No local eles acabaram encontrando um aparelho de
radioterapia, eles removeram a máquina com a ajuda de um carrinho de mão e levaram
oequipamento até a casa de um deles. Eles estavam interessados no que podiam ganhar vendendo as
partes de metal e chumbo do aparelho em ferros-velho da cidade, ignoravam de todas as formas o
que era aquela máquina e o que continha realmente em seu interior.
No período da desmontagem da máquina, eles foram expostos ao ambiente 19,26 g de cloreto de
césio-137 (CsCl), tal substância um pó branco parecido com o sal de cozinha, porém no escuro ele
brilha com uma coloração azul.
Após cinco dias, a peça foi vendida a um proprietário de um ferro-velho, o qual se
encantou com o brilho azul emitido pela substância. Crendo estar diante de algo
sobrenatural, o dono do ferro-velho passou quatro dias recebendo amigos e curiosos interessados
em conhecer o pó brilhante. Muitos levaram para suas casas pedrinhas da substância, parte do
equipamento de radioterapia também foi para outro ferro-velho, de forma que gerou uma enorme
contaminação com o material radioativo. Os primeiros sintomas da contaminação (vômitos,
náuseas, diarréia e tonturas) surgiram algumas horas após o contato com a substância, o que levou
um grande número de pessoas a procurar hospitais e farmácias, sendo medicadas apenas como
pessoas portadoras de uma doença contagiosa. Mas tarde descobriu-se de que se tratava na verdade
de sintomas de uma Síndrome Aguda de Radiação. Somente no dia 29 de setembro de 1987 é que os
sintomas foram qualificados como contaminação radioativa, e isso só foi possível devido à esposa
do dono do ferro-velho ter levado parte da máquina de radioterapia até a sede da Vigilância
Sanitária. Os médicos que receberam o equipamento solicitaram a presença de um físico, pois
tinham a suspeita de que se tratava de material radioativo. Então o físico nuclear Valter Mendes, de
Goiânia, constatou que havia índices de radiação na Rua 57, do St. Aeroporto, bem como nas suas
imediações também. Por suspeitar ser gravíssimo o acidente, ele acionou a então Comissão
Nacional de Energia Nuclear (CNEN).”[12]
Podemos assim afirmar com certeza que a falta de uma política pública concreta que orientasse e
determinasse diretrizes para a eliminação em clínicas e hospitais de materiais e cápsulas radioativas
foi a principal causa da ocorrência desse grave acidente.
Com a CF/88, sa União passou a ter constitucionalizada a competência para a exploração dos
serviços e instalações nucleares, imputando inclusive a responsabilidade civil objetiva para todos
aqueles que ocasionarem acidentes nucleares como o do Césio-137, independente de culpa.
“CF - Art. 21:
“Explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal
sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de
minérios nucleares e seus
derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: (...)
b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para a
pesquisa e usos médicos, agrícolas e industriais.
c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, comercialização e utilização de
radioisótopos de meia-vida igual ou inferior a duas horas.
d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”.
O acidente contaminou um ambiente de trabalho, neste caso, o ferro velho onde a capsula foi aberta.
Contaminou ainda residências e ruas próximas ao local do acidente e o mais grave, contaminou
pessoas, os trabalhadores do ferro velho, crianças inocentes, além de trabalhadores mal equipados
que tiveram a incubência de providenciar a retirada do material contaminado. Além do mais, até
hoje o lixo encontra-se no municipio de Abâdiania-GO, sem as corretas condições de
armazenamento.
Com certeza, se na época do acidente houvesse no país uma politica de prevenção ambiental que
determinasse a obrigatoriedade de que todas as micro-empresas, independente de grau de risco e
número de empregados, tivessem a obrigatoriedade de providenciar um laudo anual, semelhante ao
PPRA, sobre as condições ambientais existentes no seu meio ambiente de trabalho, provavelmente
a clínica proprietária pelo aparelho de raio x teria realizado o seu descarte sob a devida orientação
técnica.
De forma mais prática, somente em 2001, com a Resolução no. 283/01 do CONAMA – Conselho
Nacional do Meio Ambiente[13], é que veio a ser regulamentado em termos concretos os
procedimentos de utilização e descarte de resíduos sólidos da área da saúde. A referida resolução
trata da classificação dos resíduos, dividindo-os em quatro grupos conforme a presença de agentes
biológicos, características físicas, químicas e físico-químicas, radioatividade e outros.
O Acidente com o Césio-137 é um exemplo prático e recente que nos exemplifica o quanto o meio
ambiente de trabalho está inserido no meio ambiente geral, sendo assim uma espécie de
subconjunto menor do meio ambiente, nos mostrando o quanto é necessário estarmos preparados
para lidarmos com as inovações tecnológicas inseridas nos meios de produção.
O direito à saúde a segurança não deve estar substanciado apenas no meio ambiente do trabalho,
mas também no meio ambiente como um todo e para que seje alcançado o sucesso na prevenção
dos infortúnios do trabalho, é necessário que o Estado e as empresas se direcionem na busca da
valorização do homem, tanto no aspecto social como profissional, pois é o homem o tema central da
prevenção dos infortúnios do trabalho, seja ele operário, técnico, administrador, empresário ou
servidor público. O homem é o agente principal, diretamente responsável pela ocorrência dos
infortúnios do trabalho. Esses infortúnios são evitáveis e decorrem das falhas ou imperfeições
humanas ou condutas imprudentes, os chamados atos inseguros, ou ainda condições ambientais
inseguras.
Os atos inseguros são originados de erros conscientes do trabalhador que se acidenta, ou seja, ele
sabe que é errado executar determinado ato, mas mesmo assim ele o faz. Já as condições inseguras,
estas estão presentes no ambiente de trabalho, comprometendo a segurança do trabalhador e a
própria segurança das instalações e equipamentos das empresas. A obrigação em providenciar o
mais rápido possivel a eliminação e/ou neutralização das condições inseguras existentes no meio
ambiente de trabalho é do empregador e este não pode se furtar do seu cumprimento.
Há ainda o fator pessoal de insegurança, sendo este o erro inconsciente, ou seja, quando o
trabalhador não sabe ou não percebe que está errado. Também pode ser ocasionado por falhas
orgânicas do acidentado, como desmaios, ataques epiléticos, cãibras, etc.
Pode ainda vir a ocorrer também os chamados fatores externos de insegurança, na maioria das vezes
decorrentes de causas naturais, como as chuvas e inundações, as chuvas de granizo, os tisunamis, os
terremotos, as erupções vulcânicas ou ainda de causas artificiais, como os acidentes veiculares, as
balas perdidas, etc.
Todas essas condições são inadequadas à saúde e a segurança do trabalho e devem ser combatidas
em sua origem, pois são prejudiciais aos indivíduos, ao meio ambiente do trabalho e ao meio
ambiente em geral.
1.2 Conceito de Acidente de Trabalho
1.2.1 Conceito Legal de Acidente de Trabalho
Acidente do trabalho é aquele que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, com o
segurado empregado, trabalhador avulso, médico residente, bem como com o segurado especial, no
exercício de suas atividades, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a
morte, a perda ou redução, temporária ou permanente, da capacidade para o trabalho.
Considera-se como acidente do trabalho, nos termos deste conceito:
doença profissional – é a doença que é produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho
peculiar a determinada atividade, constante da relação de que trata o Anexo II do Decreto nº
2.172/97. São doenças inerentes exclusivamente à profissão e não do trabalho desenvolvido pelo
empregado. Pode ser causada por agentes físicos, quimicos ou biológicos. Ex: Pneumoconiose,
siderose, saturnismo, silicose, etc.
a doença do trabalho – é a doença adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em
que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, desde que constante da relação de que
trata o Anexo II do Decreto nº 2.172/97.[14] Elas são doenças que não tem no trabalho a sua única
causa, pois são oriundas das condições em que o trabalho é realizado. Ex. Tuberculose, bronquite,
sinusite.
1.2.2 Conceito Prevencionista de Acidente de Trabalho
Acidente de trabalho é qualquer ocorrência não programada, inesperada, que interfere ou
interrompe o processo normal de uma atividade, trazendo como conseqüência isolada ou
simultaneamente, perda de tempo, dano material ou lesões ao homem.
São considerados acidentes de trabalho, os acidentes ocorridos durante o horário de trabalho em
consequência de:
“agressão física;
ato de sabotagem;
brincadeiras;
conflitos;
desabamento;
inundação;
incêndio;
ato de imprudência;
ato de impericia;
ato de negligência.”
Os acidentes ocorridos fora do local de trabalho também são considerados acidentes de trabalho.
Exemplos:
“quando o empregado estiver executando ordem ou realizando serviço sob o mando do empregador;
quando o empregado estiver em viagem, a serviço da empresa;
durante o percurso da residência para o local de trabalho ou vice-versa. É mais conhecido como
acidente de trajeto;
nos periodos de descanso, ou por ocasião da satisfação de necessidades fisiológicas, no local de
trabalho.”
Na atualidade, vemos que muitos empregados têm exercido as atividades da empresa da qual
trabalham em sua residência. Interessante discussão doutrinária tem surgido questionando os atuais
conceitos referente aos acidentes de trabalho, devido à mudança nas relações de consumo e na
modernização dos métodos de produção e trabalho. Com a globalização, com as recentes mudanças
na economia e com o aumento das relações de consumo, muitos empregados têm realizado, após
acordo verbal normalmente solicitado pelo empregador, as suas respectivas funções na sua própria
residência. O que se questiona é se por alguma fatalidade, o empregado que exerce em casa as sua
funções, se este, de repente vier a sofrer um acidente doméstico, se este, por exemplo, sofrer um
corte com uma faca durante o seu horário de lanche ou almoço, se este acidente deverá ou não ser
considerado como acidente de trabalho e se este infortúnio será ou não de responsabilidade do
empregador.
Há ainda o caso dos empregados que vierem a contraír DORTs/LER em função do uso inadequado
de computadores ou ainda por posturas incorretas na hora de digitar documentos da empresa em
suas casas. Esses empregados certamente não estarão inseridos no grupo daqueles que fazem
diariamente a ginástica laboral preventiva da empresa e serão afastados do trabalho em função da
lesão decorrente da sua atividade laboral. Classificar ou não esses casos como acidentes de trabalho
são questões polêmicas que começam a surgir frente ao Direito do Trabalho e que certamente irão
afetar em um futuro muito breve os conceitos e a respectiva legislação previdenciária de saúde e
segurança do trabalho.
De qualquer forma, o acidente de trabalho tem que ser comunicado à empresa imediatamente pelo
responsável pela área de segurança e saúde do trabalho, normalmente profissional do SESMT, ou
ainda pela vitima, ser for possivel. Essa comunicação deve ser feita o mais rápido possivel para
facilitar a investigação das causas do acidente pelo SESMT da empresa.
Caberá ao SESMT investigar as causas que contribuíram para a ocorrência do acidente, fazendo
relatórios e ordens de serviço, recomendando e determinando à empresa as mudanças corretivas
necessárias para a eliminação ou neutralização do problema, evitando assim que outros empregados
venham a sofrer o mesmo acidente. Todavia, o ideal é que sejam priorizadas as inspeções
preventivas realizadas pelo SESMT, pois estas são de fundamental importância para se investigar os
riscos ambientais existentes no ambiente de trabalho para que providências sejam tomadas
imediatamente, evitando assim a ocorrência de novos infortúnios do trabalho. Melhor será
investigar para prevenir o acidente do que investigar para poder corrigí-lo.
Em caso de acidente, cabe ao empregador providenciar a emissão da CAT - Comunicação de
Acidente de Trabalho, realizando o seu preenchimento e comunicando com a mesmo, dentro do
prazo legal, a autoridade competente sobre a ocorrência do acidente. No Distrito Federal, a CAT
deve ser comunicada no DISAT - Diretoria de Saúde do Trabalhador, departamento subordinado à
Secretária de Saúde do Distrito Federal.
Caso a empresa se negue a emitir a CAT, o próprio empregado ou ainda os seus dependentes
poderão fazer a respectiva emissão, procurando o DISAT ou ainda preenchendo o respectivo
formulário da CAT pelo sitio do Ministério da Previdência Social[15] ou ainda através do sindicato
da categoria do qual o empregado faz parte. No caso do próprio empregado, dependentes ou
terceiros terem que fazer a emissão da CAT, fica a mesma sem prazo obrigacional de entrega, já no
caso do empregador, há um prazo obrigacional de 01 (um) dia útil após o acidente para que este
faça a emissão da CAT[16]. Se o acidente resultar em morte, essa comunicação deverá ser feita
imediatamente. A novidade mais recente é que nos casos de Assédio Moral, sendo este devidamente
comprovado por laudo médico e psicológico, pode o empregado solicitar ao empregador a emissão
da CAT, que se for negada pelo mesmo, deverá ser então preenchida no próprio DISAT/PAT.
Para a efetiva comprovação da configuração do aciente é necessário a existência de nexo entre o
trabalho e o efeito do acidente. É o chamado nexo de causalidade o qual determina que tem que
ocorrer o acidente de trabalho a serviço da empresa para demonstrar assim a causalidade. O referido
nexo de causalidade foi aprimorado. Com a publicação pelo INSS da IN nº. 16, de 27.03.2007[17],
este passou a ser definido como NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico. Assim, considera-se
estabelecido nexo entre o trabalho e o agravo sempre que se verificar a ocorrência de nexo técnico
epidemiológico entre o ramo de atividade econômica da empresa, expressa na Classificação
Nacional de Atividade Econômica – CNAE, e a entidade mórbida motivadora da incapacidade,
relacionada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade com o disposto na
Lista B do Anexo II do RPS.
O empregado que sofreu acidente de trabalho, mesmo que esteja no periodo de contrato de
experiência, se vier a ficar afastado do trabalho por mais de 15 (quinze) dias, terá a manutenção do
seu contrato de trabalho com a empresa mantido por 12 (doze) meses, sendo o inicio dessa
estabilidade após a cessação imediata do auxilio-doença, com a emissão da alta médica pelo INSS.
2- LEGISLAÇÃO DE SAÚDE E SEGURANÇA DO TRABALHO
2.1 Legislação internacional
A nivel internacional, a principail legislação referente a proteção à saúde e a segurança do
trabalhador são as Convenções e Recomendações publicadas pela Organização Internacional do
Trabalho – OIT.
“A Organização Internacional do Trabalho foi fundada em 1919, com o objetivo de promover a
justiça social e, assim, contribuir para a paz universal e permanente. A OIT tem uma estrutura
tripartite única entre as agências do sistema das Nações Unidas, na qual os representantes de
empregadores e trabalhadores têm a mesma voz que representantes de governos.
Ao longo dos anos a OIT tem lançado, para a adoção por seus Estados membros, convenções e
recomendações internacionais do trabalho. Essas normas versam sobre liberdade de associação,
emprego, politica social, condições de trabalho, previdência social, relações industriais e
administração do trabalho, entre outras. A OIT desenvolve trabalhos de cooperação técnica e presta
serviços de assessoria, capacitação e assistência técnica a seus Estados-membros.” [18]
Infelizmente, o Brasil, apesar de signatário das Convenções da OIT, ainda não recepcionou todas as
suas Convenções, bem como não efetivou na prática todas aquelas já recepcionadas e promulgadas
pelo Congresso Nacional.
As principais Convenções da OIT que dizem respeito à saúde a segurança do trabalho são:[19]

Uma convenção muito importante é a de no.155, segurança e saúde dos trabalhadores, pois tem
como objetivo a garantia da implantação de politicas de saúde e segurança dos trabalhadores, bem
como do seu meio ambiente de trabalho. Faz ela uma referência clara à prevenção aos Riscos
Ambientais que possam vir a existir nos ambientes de trabalho.
Consideram-se riscos ambientais, tudo que tem potencial para gerar acidentes ou doenças no
trabalho, em função de sua natureza, concentração, intensidade e tempo de exposição.
Os riscos ambientais dividem-se em:
Riscos Biológicos – São microorganismos presentes no ambiente de trabalho, tais como as
bactérias, os fungos, os vírus, os bacilos, os parasitas, etc. Estes microorganismos, na maioria, são
invisiveis a olho nu. Estes agentes biológicos são capazes de produzir doenças, deterioração de
alimentos, mau cheiro, etc. Apresentam muita facilidade de reprodução, além de contarem com
diversos processo de transmissão;
Riscos Ergonômicos – Ergonomia é o conjunto de conhecimentos sobre o homem e seu trabalho.
Tais conhecimentos são fundamentais ao planejamento de tarefas, postos e ambientes de trabalho,
ferramentas, máquinas e sistema de produção a fim de que sejam utilizados com o máximo de
conforto, segurança e eficiência. Podem ocasionar stress físico e Dorts;
Riscos Físicos – São representados pelas condições físicas no ambiente de trabalho, tais como
vibrações, radiações ionizantes e não-ionizantes, ruído, calor e frio, que de acordo com as
caracteristicas do posto de trabalho, podem causar danos à saúde;
Riscos Mecânicos – Estão relacionados a máquinas inadequadas, máquinas e equipamentos mal
dispostos, móveis sem boa localização, a ordem e a limpeza, etc. O acidente pode ocorrer devido a
confusão causada pelo mau aproveitamento do espaço no local de trabalho;
Riscos Químicos – O agentes químicos são produtos ou substâncias que possam penetrar no
organismo. Os agentes químicos podem ser encontrados na forma gasosa, líquida, sólida e/ou
pastosa. Quando absorvidos pelo nosso organismo, produzem, na grande maioria dos casos, reações
diversas, dependendo da natureza, da quantidade e da forma da exposição à substância. Estes
agentes podem ser absorvidos pelas vias respiratória, cutânea e digestiva.
Há ainda a Recomendação 164, que nos dá o conceito de local de trabalho. Para a OIT, Local de
trabalho são ’’todos os lugares onde os trabalhadores devem permanecer ou onde têm que
comparecer, e que estejam sob o controle, direto ou indireto do empregador”.[20]
Claramente se percebe que local de trabalho é o local onde o trabalhador passa a maior parte do seu
tempo a serviço do empregador. Muitas vezes inclusive permanecendo integralmente no próprio
local de trabalho, como nos serviços de minas, construção de barragens, atividades rurais, etc.
Pode se defirnir ainda local de trabalho como sendo o local onde este está a serviço do empregador.
Temos como exemplo, o caso do carteiro que tem o seu local de trabalho as ruas, os becos, os
bairros, as praças e avenidas, os ônibus públicos, etc. Interessante notar que no caso especifico do
carteiro, se este vier a sofrer um acidente de trabalho, como um atropelamento, o empregador
dificilmente deverá ser condenado por dolo, mas apenas por culpa, haja vista a natureza da
atividade desenvolvida.
A nivel de Gestão de Segurança e Saúde Ocupacional temos a norma britânica BS 8.800 (British
Standard). Essa norma, que ainda está em vigor, foi elaborada com tentativa de ser uma referência
para a ”implementação de um sistema de segurança e saúde, visando a melhoria continua das
condições do ambiente de trabalho. Os principios desta norma estão alinhados com os conceitos e
diretrizes das normas da série ISO 9.000 (Sistema da Qualidade) e série ISO 14.000 (Gestão
Ambiental)”.[21]
A norma britânica BS 8.800 propiciou a diversas entidades normativas a elaborar um conjunto de
normas que foram chamadas de OHSA – Ocupational, Health and Safety Management Systems.
Essas normas têm como escopo a elaboração de elementos básicos para um programa de gestão de
segurança e saúde ocupacional garantindo a realização de auditorias e certificação dos programas de
gestão de segurança, saúde e meio ambiente. Até o momento foram criadas duas normas:
OHSAS 18.001 – Specification for OH&S Management Systems.
OHSA 18.002 – Guidance for OH&S Management Systems.
Há ainda a OHSA 18.003 - Criteria for auditors of OH&S Management Systems – Está norma
encontra-se em fase de elaboração e terá como objetivo “a implementação de um sistema de
gerenciamento capaz de capacitar a organização a implementar o programa de melhoria continua
das condições e redução dos riscos no ambiente de trabalho”.[22]
2.2 Legislação brasileira
A nivel nacional, são muitas as leis referentes à proteção e a saúde do trabalho, seja nas esferas
Federal, Estadual, Distrital e Municipal.
A legislação brasileira é uma das melhores legislações do mundo em relação à segurança e a saúde
do trabalho. Nós temos uma Constituição cidadã que assegura direitos fundamentais, a prevalência
da vida, a dignidade da pessoa humana, o trabalho digno. Infelizmente, o que está na lei não vem
sendo efetivamente cumprido. A nossa Carta Magna e a legislação infraconstitucional de segurança
e saúde do trabalho tem sido permanentemente desrespeitadas.
Atualmente, são estas as principais normas relativas à proteção da saúde e segurança do trabalho
vigente em nosso ordenamento juridico:
Constituição Federal
Com a CF/88 foi ampliada a constitucionalização das normas de proteção a saúde e a segurança do
trabalho.
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social:
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança.
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma
da lei.
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a
que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer
trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que
comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.”
Consolidação das Leis do Trabalho
A legislação trabalhista brasileira principal a tratar da saúde e da segurança do trabalho é a CLT, art.
154 ao art. 201. Deve se dar destaque ao art 154. O mesmo prevê que:
“A observância, em todos os locais de trabalho, do disposto neste Capitulo, não desobriga as
empresas do cumprimento de outras disposições que, com relação à matéria, sejam incluídas em
códigos de obras ou regulamentos sanitários dos Estados ou Municípios em que se situem os
respectivos estabelecimentos, bem
como daquelas oriundas de convenções coletivas de trabalho.”
Como se vê, o legislador garantiu a abrangência do rol de normas que tenham como objeto a
proteção do trabalhador. Ficam as empresas sujeitas a outras normas que por ventura venham
garantir a ampliação da proteção a saúde e a segurança do trabalhador.
Estatuto dos Servidores Públicos Federais - Lei 8.112/90
Lamentavelmente, é pequeno o rol de normas protetoras dos servidores públicos regidos pela Lei
8.112/90. Percebe-se um descaso do Estado para com os seus subordinados, aqueles que são a
própria extensão do Estado no atendimento e no cumprimento da função pública.
Os principais artigos da Lei 8.112/90 que garantem direitos à saúde e segurança dos servidores
públicos são os art. 68 ao 72. Eles garantem timidamente certos direitos e garantias no tocante à
prevenção e a segurança do trabalho, como adicionais de insalubridade, periculosidade ou
atividades penosas, bem como o controle dessas atividades. Como destaque temos:
“Art. 68. Os servidores que trabalhem com habitualidade em locais insalubres ou em contato
permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida, fazem jus a um adicional
sobre o vencimento do cargo efetivo.
Art. 72. Os locais de trabalho e os servidores que operam com Raios X ou substâncias radioativas
serão mantidos sob controle permanente, de modo que as doses de radiação ionizante não
ultrapassem o nível máximo previsto na legislação própria.
Parágrafo único. Os servidores a que se refere este artigo serão submetidos a exames médicos a
cada 6 (seis) meses.”
Código Civil de 2002
O CC de 2002 trouxe de forma explicita a obrigação do empregador em ter que ressascir aquele
trabalhador que for vitimado por infortúnios relacionados ao meio ambiente do trabalho. É a
chamada responsabilidade civil, sendo que neste caso ela será subjetiva, pois deve ser provada a
eventual responsabilidade do empregador para a ocorrência do infortúnio do trabalho.
A responsabilidade do empregador poderá ocorrer em decorrência de negligência, impericia ou
imprudência.
“Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a
repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do
trabalho que lhes competir, ou em razão dele.”
O CC de 2002 acolheu assim a premissa de proteção ao patrimônio individual dos individuos,
garantindo, consoante art. 5o, inciso V da CF/88, o ressarcimento a eventuais lesões corporais ou
estéticas decorridas de infortúnios do trabalho.
Código Penal Brasileiro
Apesar do Código Penal Brasileiro ser de 1940, este se encontra atual e consoante com a legislação
de segurança do trabalho vigente. O art. 136 atribui pena de detenção, multa ou reclusão para quem
expõe em risco a vida humana. Por analogia, entende-se que está sujeito a tais penas o gerente ou o
chefe imediato que em decorrência de negligência, impericia ou imprudência, tiver sob a sua
responsabilidade, trabalhador vitimado fatalmente por acidente de trabalho. Em função deste
dispositivo muitos profissionais com cargo de gerência têm sido punidos penalmente por terem
desrespeitado o cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho, permitindo que seus
empregados trabalhassem em situação de risco iminente de acidente, ocasião em que estes
trabalhadores perderam a sua vida. Alguns desses gerentes, agindo na maior parte das vezes em
nome do empregador, se mostram tão omissos com a vida dos seus trabalhadores, que em desrepeito
à legislação de segurança, tiveram novamente empregados mortos em decorrência de acidentes
ocasionados por condições inseguras no ambiente de trabalho. Nesses casos de reincidência, uma
das penas que normalmente tem sido aplicada é a da suspensão ou a perda do registro profissional
desses gerentes. Ex. Engenheiro Civil, Gerente de Produção, Médico, etc.
“Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ouvigilância,
para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou
cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou
inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze)
anos.”
Lei Orgânica do Distrito Federal – LODF
A LODF determina que cabe ao GDF a implementação de ações que assegurem os direitos
referentes à saúde e ao trabalho. Todavia, na LODF, são poucos os preceitos normativos
relacionados à saúde e a segurança do trabalho.
“Art. 203 - A seguridade social compreende o conjunto de ações de iniciativa do Poder Público e
da sociedade, destinadas a assegurar os direitos referentes a saúde, previdência e assistência
social.
Art. 204 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, assegurado mediante políticas sociais,
econômicas e ambientais que visem:
I – ao bem-estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade, à redução do risco de
doenças e outros agravos.
§ 1º A saúde expressa a organização social e econômica e tem como condicionantes e
determinantes, entre outros, o trabalho, a renda, a alimentação, o saneamento, o meio ambiente, a
habitação, o transporte, o lazer, a liberdade, a educação, o acesso e a utilização agroecológica da
terra.”
PORTARIA 3.214/78
A portaria do MTE que regulamenta toda a legislação de saúde e segurança do trabalho para as
empresa privadas. Foi justamente através desse conjunto de Normas Reguamentadotas - NRs,
algumas publicadas ao longo dos anos, é que o setor de saúde e segurança do trabalho foi se
organizando no Brasil.
NORMAS REGULAMENTADORAS
NR 1 – Disposições Gerais.
NR 2 – Inspeção Prévia.
NR 3 – Embargo e Interdição.
NR 4 – Serviço Especializado em Segurançae Medicina do Trabalho – SESMT.
NR 5 – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes – CIPA.
NR 6 – Equipamento de Proteção Individual – EPI.
NR 7 – Exames Médicos.
NR 8 – Edificações.
NR 9 – Riscos Ambientais.
NR 10 – Instalações e Serviços de Eletricidade.
NR 11 – Transporte, Movimentação, Armazenagem e Manuseio de Materiais.
NR 12 – Máquinas e Equipamentos
NR 13 – Vasos Sob Pressão.
NR 14 – Fornos.
NR 15 – Atividades e Operações Insalubre.
NR 16 – Atividades e Operações Perigosas.
NR 17 – Ergonomia.
NR 18 – Obras de Construção, Demolição, e Reparos.
NR 19 – Explosivos.
NR 20 – Combustíveis Líquidos e Inflamáveis.
NR 21 – Trabalhos a Céu Aberto.
NR 22 – Trabalhos Subterrâneos.
NR 23 – Proteção Contra Incêndios.
NR 24 – Condições Sanitárias dos Locais de Trabalho.
NR 25 – Resíduos Industriais.
NR 26 – Sinalização de Segurança.
NR 27 – Registro de Profissionais.
NR 28 – Fiscalização e Penalidades.
NR 29 – Norma Regulamentadora de
Segurança e Saúde no Trabalho Portuário.
NR 30 – Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário.
NR 31 – Trabalho na agricultura, pecuária, silvicultura, exploração florestal e aquicultura.
NR 32 – Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimento de Saúde.
NR 33 – Segurança e Saúde nos Trabalhos em Espaços Confinados.
O meio ambiente do trabalho na zona rural, ou meio ambiente do trabalho rural é talvez o setor que
mais tem merecido atenção do Estado na defesa da melhoria das condições de trabalho. Apesar do
aumento das ações governamentais desenvolvidas nos últimos anos, ainda é imensa a diferença de
condições de conforto oferecidas aos trabalhadores rurais se comparadas com as mesmas condições
que normalmente desfrutam os trabalhadores urbanos. Devido à enorme falta de conscientização e
da dificuldade de cobertura desses locais de trabalho pela fiscalização do trabalho, os trabalhadores
rurais têm se tornado normalmente “presas” fáceis para os “coronéis” do hoje chamado
Agronegócio. Em muitas ocasiões, esses trabalhadores acabam trabalhando e vivendo em condições
sub-humanas, muitas vezes em situações piores do que a de animais. É o chamado trabalho escravo.
Maior prova disso são as poucas normas regulamentadoras existentes para o setor. Estas, além de
defasadas, não acompanharam o crescimento do setor de agronegócios.
O que se verifica na prática é que os trabalhadores rurais estão na sua maioria desprotegidos pelo
Estado, pois este não tem disponibilizado Agentes de Inspeção do Trabalho em quantidade
suficiente para a realização da devida fiscalização, deixando esses trabalhadores à mercê da
voracidade lucrativa dos donos do capital produtivo. Qando o Estado se faz presente, pode este
acabar também sendo vitima do capitalismo selvagen desses “senhores de engenho”, como no caso
da execução contra ocorrida contra os Auditores do Trabalho na zona rural da cidade de Unaí – MG.
NORMAS REGULAMENTADORAS RURAIS
NR 1 – Disposições Gerais.
NR 2 – Serviço Especializado em Prevenção
de Acidentes do Trabalho Rural – SEPATR.
NR 3 – Comissão Interna de Prevenção de
Acidentes do Trabalho Rural – CIPATR .
NR 4 – Equipamento de Proteção Individual – EPI.
NR 5 – Produtos Químicos.[23]
3 - O SESMT E AS SUAS PRINCIPAIS CARACTERISTICAS
3.1 Natureza Jurídica do SESMT
SESMT é a sigla para Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho.
O SESMT é um serviço regulamentado, no Brasil, pela Norma Regulamentadora 4 – NR 4 do
Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, de acordo com a Lei no 6.514/78 da Secretaria de
Segurança e Saúde no Trabalho, com os decretos que determinaram o cumprimento das Convenções
148 e 155 da – OIT.[24]
O serviço tem por finalidade a promoção da saúde e a proteção da integridade do trabalhador no seu
ambiente de trabalho, orientando medidas de controle dos riscos ambientais.
Os Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho são por força
de lei mantidos pelo empregador. Cabe ao SESMT a promoção e a implementação nos locais de
trabalho dos programas preventivos de segurança e saúde do trabalho conforme a atividade
econômica desenvolvida pela empresa e as Normas Regulamentadoras - NRs.
O SESMT é um setor que faz parte do organograma interno das empresas, sendo que o mesmo está
submetido às ordens da empresa contratante, bem como à constante fiscalização do MTE, pois a sua
estrutura, os seus profissionais e as suas respectivas finalidades estão submetidos à legislação de
segurança do trabalho. Ássim, não é possivel ter um SESMT constituido e estruturado fora das
normas estabelecidas pelo MTE. Todavia, nada impede que uma determinada empresa possa
ampliar as prerrogativas do seu SESMT além do que determina a legislação de segurança, desde
que esta ampliação não venha a causar prejuizo ao trabalhador.
Cabe assim ao SESMT, com o apoio do empregador e através da ampla conscientização dos
empregados, a implementação de uma política de segurança do trabalho que propicie aos
trabalhadores o direito ao exercício de suas funções de forma segura e digna, evitando a exposição
dos mesmos a “condições prejudiciais a sua integridade física, moral e psicológica”.[25]
O que vemos na realidade é que os empregadores, dono do capital produtivo, na maior parte das
vezes não se dispõem a reduzir a sua margem de lucro, a fim de poder propiciar aos seus
trabalhadores melhores condições de segurança e higiene do trabalho, sendo que em muitas
ocasiões estes empregadores acabam contando com a omissão de algumas autoridades públicas.
3.2 Fundamento Normativo do SESMT
“Com aumento dos acidentes de trabalho a cada ano, viu se a necessidade da criação de normas e
sistemas que pudessem diminuir estes números. Apesar de a CLT de 1943, prescrever a existência
nas empresas de Serviços Especializados em Segurança em seu artigo 164, de verdade isto só
ocorreu através da portaria 3.237, de 27/06/1972, do Ministério do Trabalho, sendo chamado de
Serviços Especializados em Segurança, Higiene e Medicina do Trabalho” [26]
A Norma Regulamentadora no. 04, cujo título é Serviço Especializado em Engenharia de Segurança
e Medicina do trabalho, estabelece a obrigatoriedade das empresas públicas e privadas que possuam
empregados regidos pela CLT de organizarem e manterem em funcionamento Serviços
Especializados em Engenharia e em Medicina do Trabalho – SESMT, com a finalidade de promover
a saúde e proteger a integridade física do trabalhador no local de trabalho.
A NR 04 tem a sua existência jurídica assegurada, a nível de legislação ordinária, através do art. 162
da CLT.
“Art. 162 - As empresas, de acordo com normas a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho,
estarão obrigadas a manter serviços especializados em segurança e em medicina do trabalho.
Parágrafo único - As normas a que se refere este artigo estabelecerão:
a) classificação das empresas segundo o número de empregados e a natureza do risco de suas
atividades.
b) o numero mínimo de profissionaisespecializados exigido de cada empresa, segundo o grupo em
que se classifique, na forma da alínea anterior.
c) a qualificação exigida para os profissionais em questão e o seu regime de trabalho.
d) as demais características e atribuições dos serviços especializados em segurança e emmedicina
do trabalho, nas empresas.”
Conforme entendimento de Giovanni Moraes de Araújo[27], fica estabelecido na NR 4,
especificamente no item 4.1, obviamente de forma inequívoca, que a obrigatoriedade do SESMT é
apenas para as empresas que possuem empregados regidos pela CLT. Para ele, a interpretação desse
artigo é de que o cumprimento das normas de segurança e saúde do trabalho deva ser realizada para
todo tipo de atividade e estabelecimento, público ou privado, sendo a obrigação de constituir o
SESMT, no entanto, apenas para aquelas empresas que possuem empregados regidos pela CLT.
Assim, ao invés do MTE exigir a implantação do SESMT nas empresas públicas, nos órgãos
públicos da administração direta e indireta e dos poderes Legislativo e Judiciário, visando à
abrangência dos servidores que são regidos pela Lei 8.112/90, além de procurar intensificar a
fiscalização nas empresas privadas, este MTE publicou a Portaria no. 17 de 02/08/2007[28],
alterando a redação da Norma Regulamentadora N.º 04, praticamente garantindo a terceirização e a
privatização do SESMT.
“Art. 2º Aprovar o subitem 4.14.3 da NR 4, com a seguinte redação:
4.14.3 As empresas de mesma atividade econômica, localizadas em um mesmo
município, ou em municípios limítrofes, cujos estabelecimentos se enquadrem no Quadro II, podem
constituir SESMT comum, organizado pelo sindicato patronal correspondente ou pelas próprias
empresas interessadas, desde que previsto em Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho.”
Ainda hoje o SESMT não teve a sua autonomia ampliada pelo MTE e este permite a terceirização
do mesmo, camuflando a sua autorização na desculpa de que este será constituído pelo sindicato
patronal e dos trabalhadores, após a sua previsão ter sido homologada em negociação coletiva de
trabalho. Todavia, o que verificamos na prática é a existência sem fim de vários sindicatos de
empregados que não demonstram nenhum comprometimento com as questões relacionados à
segurança e a saúde do trabalho. Inclusive, muitos destes sindicatos são popularmente chamados de
“pelegos”, pois apesar de terem sido constituídos em eleição pelos seus filiados, os membros de sua
diretoria normalmente se corrompem aos donos do capital, deixando de fazer a devida fiscalização
nas frentes de trabalho. Exemplo melhor para essa falta de comprometimento dos ditos sindicatos
pelegos são as falidas CCP - Comissão de Conciliação Prévia.
O interessante dessa portaria é que esta demonstra o descaso do Estado com a vida, passando a ver
o direito à saúde e a segurança do trabalho como não mais um imperativo técnico, não mais como
uma política de Estado, mas sim como uma obrigação acessória, como produto de mercado. Ou
seja, enquanto os profissionais envolvidos na práxis diária pela redução dos acidentes de trabalho
lutam demasiadamente para fortalecer o SESMT, o próprio MTE, através de tecnocratas de
gabinete, publica uma portaria (Portaria no. 17) a contratio sensu, permitindo a fragmentação e a
fragilização do SESMT e de seus profissionais.
A publicação da Portaria no. 17 “atende diretamente meta do Patronato, que entende Saúde e
Segurança do Trabalho como parte integrante do chamado “Custo Brasil”[29], pois permite às
empresas a não constituição de SESMT próprio, podendo essas vir a constituirem o chamado
SESMT COMUM, que é uma espécie de SESMT terceirizado, o qual certamente não compromisso
algum com a eliminação dos infortúnios do ambiente de trabalho, se preocupando apenas com o
controle e encaminhamento dos acidentados ao INSS, com certeza, ao bel prazer do empregador.
Esse SESMT COMUM, montado com o apoio de sindicatos “pelegos” será uma ferramenta a mais
que o empregador irá dispor para continuar perpetuando a opressão do Capital sobre o Trabalho.
3.3 Dimensionamento, Composição e atribuições dos membros do SESMT
O SESMT tem o seu dimensionamento vinculado à gradação do risco da atividade econômica
principal desenvolvida pela empresa, em função diretamente proporcional ao número total de
empregados do estabelecimento, conforme Quadros I e II anexos da Norma Regulamentadora - NR
04, observadas as exceções previstas nesta NR.
Fazendo uma análise da estrutura organizacional do SESMT e da sua importância para a eliminação
e/ou redução dos infortúnios do trabalho, é função essencial deste a formação, a orientação e a
prevenção dos trabalhadores quanto aos riscos ambientais existentes no seus locais de trabalho, bem
como assessorar técnicamente e juridicamente os empregadores quanto as suas responsabilidades
concernentes à proteção dos seus empregados, além de qual deva ser a correta política de prevenção
à saúde e a segurança do trabalho a ser implementada no seu estabelecimento, garantindo não só o
cumprimento da legislação de segurança, mas acima de tudo o zelo pela vida humana, garantia
fundamental e primordial do nosso ordenamento juridico.
O dimensionamento do SESMT é feito de acordo seguindo as determinações do Quadro II da NR
04, conforme abaixo:

Obs.: Hospitais, ambulatórios, maternidades, casas de saúde e repouso, clínicas e estabelecimentos


similares com mais de 500 (quinhentos) empregados deverão contratar um enfermeiro de trabalho
em tempo integral. [30]
O SESMT deverá ser integrado por Médico do Trabalho, Engenheiro de Segurança do Trabalho,
Técnico de Segurança do Trabalho, Enfermeiro do Trabalho e Auxiliar de Enfermagem do Trabalho,
registrados no MTE, conforme a NR 27, obedecido o Quadro II, anexo da mesma.
Os membros do SESMT possuem os seguintes requisitos e prerrogativas:
Engenheiro de Segurança – tem que ser Engenheiro ou Arquiteto que tenha curso de especialização
(pós-graduação) em Engenharia de Segurança do Trabalho. Atua na Gestão de Segurança e Saúde
Ocupacional das empresas com SESMT.
Médico do Trabalho – tem que ser Médico portador de certificado de conclusão de curso de
especilaização em Medicina do Trabalho (pós-graduação), ou portador de residência médica em
área de concentração em saúde do trabalhor. Atua na promoção e preservação da saúde do
trabalhador.
Enfermeiro do Trabalho – tem que ser Enfermeiro portador de certificado de conclusão de curso de
especialização em Enfermagem do Trabalho (pós- graduação), ministrado por Universidade ou
Faculdade que mantenha curso de graduação em Enfermagem.
Técnico de Segurança do Trabalho - é um profissional de nivel médio formado em curso especifico
de Segurança do Trabalho. É o primeiro e principal componente do SESMT. Ele é habilitado a
identificar e avaliar as condições ambientais de trabalho nas empresas, analisar procedimentos de
rotina, fluxos e riscos de operação, máquinas e equipamentos, elaborar planos, estudos estatísticos
de acidentes e doenças ocupacionais, fazer cumprir as normas e regulamentos, desenvolver
programas prevencionistas, campanhas, cursos, treinamentos, assessorar a CIPA e coordenar todas
as atividades ligadas à segurança do trabalho na empresa.[31]
Auxiliar de Enfermagem do Trabalho – tem que ser Auxiliar de Enfremagem com complementação
de curso em enfermagem do trabalho. Desempenha tarefas similares às que realiza o auxiliar de
enfermagem, em geral, porém atua em dependências de fábricas, indústrias ou outros
estabelecimentos que justifiquem sua presença, a fim de auxiliar o setor de medicina do trabalho.
A empresa que contratar outra para prestar serviços em estabelecimentos enquadrados no Quadro II,
anexo, da NR 04, deverá estender a assistência de seu SESMT aos empregados das contratada,
sempre que o número de empregados destas, exercendo atividade naqueles estabelecimentos, não
alcançar os limites previstos no Quadro II, devendo, ainda, a contratada cumprir o disposto no
subitem 4.2.5. da NR-04.
O SESMT das empresas que operem em regime sazonal deverão ser dimensionados, tomando-se
por base a média aritmética do número de trabalhadores do ano civil anterior e obedecidos os
Quadros I e II anexos.
Cabe assim ao SESMT implantar as politicas de prevenção de acidentes em face do método de
produção do seu estabelecimento, seja estes, empresas da iniciativa privada ou ainda os órgãos
públicos pertencentes à Administração Pública Direta e Indireta.
4. O SESMT NAS EMPRESAS PRIVADAS
“Sendo a segurança do trabalho um conjunto de ciências e tecnologias que buscam a proteção do
trabalhador em seu local de trabalho, no que se refere à questão da segurança e da higiene do
trabalho. Seu objetivo básico envolve a prevenção de riscos e de acidentes nas atividades de
trabalho visando a defesa da integridade da pessoa humana”.[32]
Deve o SESMT ser fortalecido de forma a garantir o alcance de mecanismos que garantam a
integridade física do trabalhador no ambiente de trabalho, orientando medidas de prevenção,
controle e erradicação dos riscos ambientais ali existentes. Algumas empresas apresentam
expressiva evolução no que diz respeito à prevenção de acidentes e doenças do trabalho. No
entanto, muitas ainda insistem em tratar o assunto com descaso. Essas, após terem realizados
poucos investimentos e ainda terem implantado uma política de segurança e medicina do trabalho
inadequada, após resultados negativos, na maioria das vezes à custa da vida dos trabalhadores,
atribuem como culpa por esses resultados negativos ao mau funcionamento do SESMT e de seus
profissionais, quando não, ao próprio trabalhador, imputando-lhe a responsabilidade direta pelo seu
acidente, motivado por Ato Inseguro.
A impressão que existe é a de que alguns empresários e administradores esperam do SESMT
verdadeiros milagres, visto que pouco ou nada investem e ao mesmo tempo cobram resultados. Tal
postura fica entre a inocência e a insanidade. Tal como qualquer outra área dentro de uma empresa,
a segurança do trabalho carece de estrutura para sua implantação e funcionamento. Esta estrutura
tem diversos aspectos que vão de medidas administrativas a instalações adequadas. Se não
observarmos ou analisarmos isso, certamente estaremos na direção errada.
No que tangem as empresas privadas e as sociedades de economia mista, há de se observar que
muitas dessas empresas têm constituído o SESMT meramente em função de uma obrigação legal,
quando na verdade deveriam fazer a sua constituição visando a implantação de uma política de
segurança do trabalho que venha a prevenir os seus trabalhadores dos riscos ambientais. Essas
empresas, além de não remunerarem adequadamente os profissionais do SESMT, ainda os desviam
de suas funções ou os impedem de executarem corretamente as suas prerrogativas profissionais,
estas estipuladas na NR 04. Assim, essas empresas contratam esses profissionais apenas por
imposição da legislação e para em caso de acidente de trabalho, ter alguém a quem possam imputar
a responsabilidade.
De acordo com a Convenção 161 da OIT, é “obrigatória a participação, dos trabalhadores e
representantes na organização do SESMT, (enquanto na NR 04, somente o empregador participa da
organização e indicação dos componentes do SESMT)”.[33] Hoje os profissionais do SESMT são
contratatos pelo empregador, estando subordinados à hierarquia da empresa contratante, podendo
ser demitidos a qualquer momento.
Monica Maria Lauzid de Moraes nos faz referência ao art. 10 dessa mesma Convenção, segundo o
qual: “o pessoal prestador de serviços de saúde no trabalho deverá gozar de independência
profissional completa com relação ao empregador, aos trabalhadores e seus representantes...”[34]
Uma verdadeira utopia a ser alcançada pelos profissionais que militam na área de segurança e saúde
do trabalho, pois o que se constata atualmente no Brasil é que há um verdadeiro descaso das
autoridades governamentais com o setor de segurança e saúde do trabalho, visto que os
profissionais do SESMT não têm autonomia, prevalecendo a vontade do Capital sobre a vontade
daqueles que desejam a ampliação das garantias de melhores condições de trabalho na legislação
prevencionista.
Também é lamentável a existência de profissionais que colaboram para que essas irregularidades
sejam praticadas, sendo que muitos desses profissionais trabalham, ou subordinados ao comando do
empregador dentro da própria empresa ou mesmo fora, nesses pseudo convênios. Estes negam-se a
cumprir com as suas obrigações legais, sujeitando-se aos interesses financeiros das empresas que
não cumprem com sua responsabilidade social. Por isso, há uma necessidade de se aperfeiçoar a
legislação de forma a garantir aos profissionais do SESMT algum tipo de estabilidade provisória, de
forma que estes possam ter tranquilidade, isonomia e autonomia no gerenciamento das politicas de
saúde e segurança do trabalho desenvolvidas no ambiente de trabalho das empresas.
Por outro lado, o Estado, através do Poder de Policia exercido efetivamente pelos entes da
Administração Pública, nesse caso especifico, a fiscalização do trabalho exercida pelas DRT’s, tem
contribuído em muito para a melhoria das condições de trabalho e pela efetivação das normas de
saúde e segurança no meio ambiente do trabalho, seja orientando as empresas, seja notificando ou
autuando aquelas que não cumprem a legislação de segurança do trabalho. Vê-se assim que é mais
que urgente o fortalecimento do SESMT nas empresas privadas, a começar pela revogação imediata
da Portaria no. 17.
5. O SESMT NO SERVIÇO PÚBLICO
Nessa conjuntura de fatores, os servidores não-celetistas das empresas públicas, dos órgãos públicos
da administração direta e indireta e dos poderes Legislativo e Judiciário também têm sido expostos
aos infortúnios dos acidentes e doenças de trabalho. Infelizmente, é público o descaso do poder
governamental com esses servidores, já que estes se encontram em muitas condições inadequadas
de trabalho, estando, muitas vezes em condições iminente de acidente fatal.
A ausência do SESMT com profissionais especializados é assim um desrespeito ao servidor que é o
próprio Estado, pois com o aumento de servidores e de trabalhadores afastados por acidentes e
doenças do trabalho, de forma diretamente proporcional tem havido um aumento dos gastos
previdenciários com o o auxilio doença, havendo uma sobrecarga do SAT – Seguro de Acidente de
Trabalho, já que os gastos efetuados pela Previdência Social em 2006 para custear o pagamento de
benefícios decorrentes de acidentes de trabalho foi de R$ 12,9 bilhões, sendo que R$ 32 bilhões é o
quanto o Brasil gasta atualmente por ano com acidentes de trabalho.[35]
Nas atuais seleções e concursos públicos para o provimento de novos servidores, em sua maioria
não há por parte da Administração Pública, a disponibilidade de vagas para os profissionais do
SESMT, deixando assim os servidores públicos sem profissionais capacitados para lhes prevenir das
doenças e dos acidentes de trabalho, bem como os orientar no caso de ocorrência dos mesmos.
Apesar de o Estado ter responsabilidade objetiva pelos danos causados a terceiros, independente de
culpa ou dolo, bem como pelos danos causados aos seus servidores, o que se vê claramente aqui,
data vênia, é uma verdadeira omissão do estado com aqueles que colaboraram para garantir a
efetiva prestação dos serviços do Estado no seu menor nível de atuação, o Servidor Público.
Assim como a implementação dos SESMT’s nas empresas privadas teve enorme sucesso e
reconhecimento, pois este garantiu uma drástica redução na estatística de acidentes de trabalho,
acredito que a implantação do SESMT na Administração Pública Direta e Indireta, nas empresas
públicas e nas autarquias que tenham servidores públicos não-celetistas terá enorme contribuíção
para a redução do índice de afastamento de servidores públicos por infortúnios do trabalho, além da
respectiva redução dos gastos previdenciários com afastamentos por acidentes e doenças do
trabalho, além das aposentadorias por invalidez permanente. Haverá ainda um respectivo aumento
da produtividade e da eficiência dos serviços públicos, pois com o servidor mais saúdavel,
certamente haverá mais rendimento na execução das suas atribuições.
Fica nitida a urgente necessidade de implantação do SESMT na estrutura das empresas públicas,
dos órgãos públicos da administração direta e indireta e dos poderes Legislativo e Judiciário que
não possuem trabalhadores regidos pela CLT, pois estes poderão orientar e fiscalizar os servidores
quanto ao cumprimento correto das normas de saúde e segurança do trabalho, além de poder
orientar os departamentos de recursos humanos desses órgãos sobre qual deverá ser a melhor
política de gestão de saúde e segurança a ser implementada.
6. O SESMT NO SÉCULO XXI – PERSPECTIVAS E MUDANÇAS
6.1 A Função Social da Empresa e a Proteção do Meio Ambiente do Trabalho
Com certeza, não há que se falar em função social da empresa se está não propicia a devida
proteção aos locais de trabalho de seus empregados, não se preocupando efetivamente com a vida
dos seus empregados. A maior parte das empresas fazem politica de segurança do trabalho
acreditando estarem fazendo uma caridade, uma obrigação para com o empregado. Quando estas
são multadas pela fiscalização do trabalho ou sofrem execução trabalhista decorrente de sentenças
condenatória por indenização decorrrente de infortúnio do trabalho, estas empresas costuma alegar
que não podem pagar tais multas e indenizações, sobre o risco de falência da empresa. Alegam que
já cumprem o seu papel social, sempre com a desculpa de que estão gerando emprego e impostos
para o Estado.
Os donos do capital que antes eram contra medidas de prevenção de acidentes e também não
demonstravam nenhuma preocupação com as causas ambientais, hoje usam as causas ambientais, se
camuflando de defensores do meio ambiente, objetivando cada vez mais o aumento dos seus lucros,
através da vendas dos seus produtos, deixando de aplicar os recusros necessários à implantação de
uma necessária gestão de segurança e saúde do trabalho.
No entanto, não se pode negar que há muitas empresas, coorporações, sociedades e conglomerados
industrias que realmente se preocupam com a defesa do meio ambiente de trabalho e com a
consequente melhoria das condições de vida dos seus empregados, a começar pelos altos
investimentos que estas fazem para garantir aos seus empregados um local de trabalho mais digno e
mais humano, consoante com a diginidade da pessoa Humana.
6.2 A Flexibilização da Legislação Trabalhista perante a Saúde e a Segurança do Trabalho
Muitos doutrinadores, além de diversos setores do empresariado brasileiro têm nos últimos anos
constantemente defendido mudanças na legislação trabalhista. Alegam os mesmos que a mesma está
ultrapassada e que esta não corresponde mais aos novos tempos. Defendem que por meio das
constantes mudanças das relações de trabalho, a globalização da economia e a enorme carga
tributária dispensada pelo Estado sobre o setor produtivos são motivos mais que justificáveis para
que tais mudanças sejam executadas. Alegam os defensores dessas mudanças que a legislação
trabalhista brasileira é muito benevolente, protegendo em demasia os trabalhadores, necessitando de
urgentes mudanças, pois deixam a desejar em relação às legislações das nações européias.
Todavia, essas mudanças já tem sido realizadas através de Acordos Coletivos e Convenções
Coletivas de Trabalho, através da livre negociação entre empregados e empregador.
Infelizmente, em desprezo à sua base sindical, muitos sindicatos se conrrompem, homologando
novas condições de trabalho que na maioria das vezes não trazem beneficio algum aos trabalhadores
por eles representados, mas até mesmo prejuízos em determinados casos.
Não se deve aqui fazer movimento contrário à flexibilização da legislação trabalhista, pois
mudanças podem e devem ocorrer, pois assim é o processo histórico em que vivemos, onde as
mudanças e os fatos acontecem e evoluem a todo o momento e o homem não pode se tornar refém
da história, mas parte dela.
Interessante é notar que o Brasil é um país que ainda não tem os direitos dos seus trabalhadores
plenamente respeitados, haja vista a existência de exploração de mão de obra infantil e da ultrajante
e vergonhosa manutenção de fazendas com trabalhores escravizados. Retirar então esses direitos
seria na minha opinião retrocedermos ao perido das “Casas Grande” e das “Senzalas”, sem dúvida
alguma, um verdadeiro retrocesso.
Penso ser imoral, uma ação contrária à vida, ilegal e inconstitucional qualquer mudança na
legislação trabalhista que possa colocar em risco a saúde e a vida do trabalhador, pois esta estará se
opondo ao direito de proteção da vida, bem como ao principio da diginidade da pessoa humana.
Aceitando tamanha discrepância, estariamos sendo contrários ao direito à vida e à proteção da
integridade fisica do homem.
Cabe ao profissional do direito e em especial aos profissionais do SESMT, procurar identificar sob
uma ótica atual, as influências nas relações juridico-trabalhistas propiciadas pelas novas
tecnologias, pela globalização do comérico, pela internet, etc., além da forte influência doutrinária
daqueles que defendem a flexibilização da legislação trabalhista, a fim de se evitar possiveis
modificações na legislação que venham a dar ao empregador a possibilidade de reduzir, simular ou
deixar de fazer o correto cumprimento da legislação de saúde e segurança do trabalho.
6.3 Propostas e Sugestões
Com o objetivo de poder colaborar para que haja um reconhecimento pela sociedade em geral sobre
a importância e o papel que o SESMT e os seus profissionais desempenham na constante proteção
à vida, na preservação e melhoria do meio ambiente e do meio ambiente de trabalho, afim de poder
torná-lo mais humano, mais confortável e mais digno, é que proponho aqui algumas sugestões que
têm como escopo contribuir para a melhoría do funcionamento do SESMT, o que certamente
refletirá em um fututo próximo em melhores politicas de gestão de segurança e saúde do trabalho.
A revogação da Portaria no. 17 e a criação de um Fórum Nacional de Segurança e Saúde do
Trabalho, para que todos os personagens e profissionais envolvidos no cotidiano da segurança e da
saúde do trabalho possam contribuir para as necessárias alterações da legislação de segurança e
medicina do trabalho, ampliando e não reduzindo direitos, com a conseqüente melhoria e autonomia
das prerrogativas dos profissionais do SESMT, garantindo assim o seu fortalecimento.
A criação imediata do Conselho Nacional dos Técnicos de Segurança do Trabalho, de forma a
garantir a organização desta categoria, podendo assim ser criado o estatuto desses profissionais,
onde certamente haverão medidas que possam vir a garantir punições aos profissionais que não
cumprirem corretamente com os seus deveres profissionais. O referido Conselho Nacional também
poderá garantir medidas de proteção aos profiissionais Técnico de Segurança do Trabalho, pois
haverá a possibilidade de implantação de um piso regionalizado para a categoria, através dos
conselhos estaduais e distrital, bem como de maior fiscalização dos Cursos de Técnico de
Segurança do Trabalho.
A Revogação pelo CONFEA da Resolução 359, de 31 de julho de 1991, ou na omissão desse, pelo
Congresso Nacional, após envio de projeto de lei por parte do MEC, alterando as prerrogativas
relativas ao Curso de Engenharia de Segurança do Trabalho. Atualmente, só podem exercer a
função de Engenheiro de Segurança do Trabalho, Engenheiros submetidos à fiscalização do
CONFEA, conforme o art. 1o, Parágrafo único dessa resolução, ou desde que seja Arquiteto. Data
venia, em especial aos Engenheiros formados e capacitados por todo esse país, bem como sem
discriminar e ou ainda sem desmérito de nehuma profissão, não vejo diferença alguma entre um
Advogado, Contador, Técnico de Segurança, Gestor em Meio Ambiente ou Administrador em vir a
ser Engenheiro de Segurança do Trabalho, pois atualmente, da forma que se encontra a referida
resolução do CONFEA, até mesmo Engenheiro de Alimentos pode ser Engenheiro de Segurança do
Trabalho. Todavia, a fim de evitar polemicas e possiveis interpretações negativas é que proponho
que o Curso de Engenharia de Segurança do Trabalho que hojé é realizado a nível de pós graduação,
conforme exigência da NR 4.4.1, aline a, passe a ser um Curso de Graduação, onde qualquer pessoa
que possua o Ensino Fundamental completo (antigo 2o grau) possa vir a cursá-lo, pois há no
mercado de trabalho a necessidade de novos profissionais. Além do mais, penso que por meio dessa
medida, as empresas e o país ganhariam em muito com a inserção no mercado de trabalho de
Engenheiros de Segurança do Trabalho com formação, visões de mercado e posicionamentos
comportamentais mais voltado para as áreas de humanas, passando a ver o homem mais como
produto do meio social, e não como objeto de estudo dos programas de prevenção de acidentes.
Acredito que no Brasil teriamos profissionais com uma visão mais prevencionista no tocante à
segurança e a saúde do trabalhador. Hoje o que vemos é uma gestão mais corporativista e
informativa dos acidentes.
Defendo também que o SESMT tenha os seus profissionais escolhidos através da participação dos
empregados da empresa contratante. A forma de participação dos empregados deve ser determinada
pelo MTE, após a realização de seminários e debates sobre o respectivo assunto, através de ampla
participação dos setores organizados envolvidos com a gestão de segurança e saúde do trabalho,
sendo essa deliberação feita através da consensual participação tripartite de Governo, Empresas e
Sindicatos. Interessante também seria ouvir a opinião de setores organizados da sociedade, como as
ONG’s que exercem as suas atividades direcionadas à área de saúde e segurança do trabalho.
Defendo a urgente e necessária modificação na Norma Regulamentadora no. 04 da Portaria
3.214/78, de forma que todos os entes, empresas e autarquias da Administração Pública Direta e
Indireta passem a ser obrigados a constituir o SESMT no seu organograma interno, de forma a
poder contar nos sues quadros com funcionários especializados e capacitados na implantação da
politca de gestão de segurança e saúde do trabalho. Será também garantido aos milhares de
funcionários públicos regidos pela Lei 8.112/90, nas esferas municipal, estadual, distrital e federal,
o pleno acesso a profissionais com conhecimento técnico em prevenção de doenças e acientes de
trabalho.
Acredito também ser de fundamental importância um maior envolvimento do Judiciário com as
causas relacionadas à redução dos infortúnios do trabalho. Não basta apenas ao juíz julgar as ações
relativas ao dano moral por acidentes de trabalho (Justiça do Trabalho) ou as ações acidentárias
previdenciárias (Justiça Federal). Torná-se necessário o envolvimento desses juizes com a politica
de prevenção de acidentes do trabalho, a começar, data venia, por uma maior preparação desses
mesmos juízes, através de cursos relacionados à gestão de segurança e saúde do trabalho, sendo que
esses cursos seriam realizados pelas próprias escolas de formação da magistratura do trabalho, pois
a área de segurança e saúde do trabalho possuí termos técnicos próprios que muitas vezes são de
difícil entendimento, até mesmo para os nossos sábios magistrados.
Apesar da EC 45/2004 ter feito o grande avanço de determinar a competência da Justiça do
Trabalho para a apreciação das ações de dano moral decorrentes de acidentes de trabalho, penso ser
conveniente que a Justiça do Trabalho tenha, como era na Justiça comum, Varas do Trabalho
especializadas em julgamento de ações decorrentes de infortúnios do trabalho, pois estas varas
teriam juízes e serventuários técnicamente mais preparados para a análise desses litigios.
Por fim, proponho que todas as empresas, independente de serem micros ou grandes empresas,
sejam obrigadas a realizarem anualmente um Laudo Técnico de Condições Ambientais – LTCAT do
seu estabelecimento de trabalho, o qual deverá ser protocolizado na DRT da respectiva região. O
referido laudo deverá ser realizado por Engenheiro de Segurança do Trabalho ou Médico do
Trabalho, tendo como objetivo evitar catastrófes como a ocorrida com o “Acidente do Césio-137”
em Goiânia, pois dessa forma até mesmo as micro empresas poderão receber orientação de
profissionais especiaizados.

CONCLUSÃO
Acredito ter atingido o meu objetivo inicial aqui pretendido que é o de poder contribuir para que
possa haver, em todos os setores da sociedade que tenham direta ou indiretamente algum
envolvimento coma a prevenção de infortúnios no meio ambiente de trabalho, uma urgente
mobilização voltada à necessidade de reconhecimento do real sentido do SESMT. Deve haver pois,
um despertar dos donos do capital produtivo, dos profissionais de segurança e saúde do trabalho,
dos operadores do direito e em especial das autoridades governamentais sobre a importância que
tem o SESMT para as as empresas, para os entes públicos e para os cofres públicos, especialmente
com a redução dos gastos com beneficios decorrentes de incapacidades, afastamentos e óbitos
ocasionados de acidentes de trabalho.
Concluo que o SESMT, seja nas empresas privadas ou nas pertencentes à Administração Pública
Direta e Indireta, não pode mais ter o seu papel de atuação subordinado da forma que está, ao bel
prazer do empregador, tendo os seus profissionais constantemente fiscalizados quanto ao
cumprimento das suas prerrogativas. Assim, afirmo consoante a Convenção 161 da OIT que é
necessário um SESMT autonomo e estável, para que no século XXI este não seja apenas um mero
executor de metas pré-estabelecidas pelo empregador, mas um formentador de idéias e projetos que
possam através da implementação de Programas de Gestão de Segurança e Saúde do Trabalho,
garantir a efetiva redução dos afastamentos e dos óbitos por causas relacionadas ao trabalho, seja
treinando, orientando e conscientizando os trabalhadores, nos permitindo em um futuro não muito
distante, a concretização da utopia que tanto almejamos, utopia essa que somente será possivel com
uma política estatal que tenha como escopo a defesa da saúde e da prevenção de acidentes de
trabalho, garantindo plenamente a completa eliminação e/ou a neutralização dos riscos ambientais
existentes no ambiente de trabalho.

Legislação e política referentes à Segurança e


Saúde no Trabalho (SST) para o servidor
público estatutário federal: o caso da Receita
Federal do Brasil
RESUMO

Embora os servidores públicos estatutários federais sejam trabalhadores, eles não


contam com normas protetivas relativas à sua Segurança e Saúde no Trabalho (SST), tal
como contam os trabalhadores do setor privado, os quais são protegidos pela
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e suas Normas Regulamentadoras (NRs).
Neste sentido, o objetivo deste trabalho é apresentar e analisar a legislação básica de
SST para os trabalhadores brasileiros e, principalmente, a política e a legislação
referentes à SST específicas para os servidores públicos estatutários federais, com
ênfase para os da Receita Federal do Brasil (RFB). Constata-se que, embora
teoricamente a SST dos servidores estatutários tenha evoluído com a inclusão destes na
Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST) e a criação de uma política
específica para eles, a Política de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor
Público Federal (PASS), na prática, pouco se fez de concreto. O modelo proposto pela
PASS, que passa pela implantação de unidades do Subsistema Integrado de Atenção à
Saúde do Servidor (SIASS), tem apresentado vários problemas, principalmente, a falta de
recursos para criação e estruturação destas unidades, as quais basicamente têm apenas
propiciado perícias médicas aos servidores, ou seja, a atuação ocorre apenas na ação
curativa e não na prevenção. Tais servidores não são sequer submetidos a exames
médicos periódicos, embora isso seja uma obrigação legal devidamente regulamentada. A
SST dos servidores estatutários conta com proteção constitucional, mas necessita de
expedição de normas para efetivação deste direito. Logo, é fundamental a criação de
dispositivos legais sobre SST para os servidores estatutários, que possam criar
obrigações ao poder público passíveis de fiscalização e punição contra os responsáveis
em caso de não cumprimento, tal como ocorre com as empresas do setor privado. As
normas da PASS não permitem isso. A Receita Federal do Brasil (RFB), em relação à
SST, segue o padrão geral do serviço público federal, não contando com as estruturas e
programas básicos de SST, apenas com algumas poucas iniciativas isoladas. As unidades
do SIASS, além das perícias médicas, não vêm desenvolvendo ações relevantes de SST
na RFB, mesmo nas unidades desta entidade que estão em mesmos municípios de
unidades SIASS. A assistência à saúde para os servidores públicos estatutários federais,
que ocorre principalmente na forma de saúde suplementar, também se revela insuficiente.
O servidor da RFB tem que custear a maior parte do valor do plano de saúde, o que é
injusto, ainda mais porque o tratamento pode ser necessário devido à omissão da
administração pública em relação à SST deste servidor. A ocorrência de um acidente com
um servidor da RFB demonstra as omissões desta entidade em relação à SST e os
problemas da saúde suplementar. A falta de recursos destinados a SST para os
servidores demonstra que o poder público, tal como grande parte das empresas, ainda
encara a SST como despesa e não como investimento, que poderia apresentar retornos
econômicos e sociais.
1 Introdução

O trabalho é inerente e indispensável ao ser humano. Por meio dele foi construída a
sociedade em que vivemos. Desempenha também um papel significativo na constituição
da pessoa humana, sendo um instrumento de concretização de sua dignidade.

Contudo, o trabalho também pode provocar acidentes e ser causador de doenças que,
além de trazerem prejuízos às vítimas e suas famílias, prejudicam também as
organizações e mesmo a sociedade, que deverão arcar com diversos custos, tais como:
danos materiais em caso de acidentes, absenteísmo (ausência ao trabalho), tratamento
médico, indenizações, aposentadorias precoces, entre outros. Embora certas perdas
sejam incalculáveis, tal como a vida humana, segundo Pastore (2011), estima-se que, em
2011, o Brasil gastava anualmente cerca R$ 71 bilhões com acidentes e doenças do
trabalho.

Este quadro demonstra a importância da Segurança e Saúde no Trabalho (SST), uma


área multidisciplinar que, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), trata da
prevenção de acidentes e de doenças profissionais, bem como da proteção e promoção
da saúde dos trabalhadores. Contudo, não se restringe a isso, tendo também como
objetivo melhorar as condições e o ambiente de trabalho, abrangendo também a
promoção e a manutenção do mais alto grau de saúde física e mental e de bem-estar
social dos trabalhadores em todas as profissões (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO
TRABALHO, 2011).

Nesta ótica, o Estado Brasileiro tem desenvolvido políticas de SST para os trabalhadores.
Foram criadas normas que obrigam as organizações a criar estruturas, efetuar programas
e cumprir determinações, visando evitar ou reduzir acidentes de trabalho e doenças
ocupacionais, além de melhorar a qualidade de vida do trabalhador.

Ocorre que, dentre as organizações da sociedade, há as instituições dos setores privado


e público. Ambas se valem de pessoas, ou seja, de trabalhadores para realizar seus
objetivos. No setor público, a maior parte destas pessoas são constituídas de servidores
públicos. No entanto, eles também são trabalhadores, pois são pessoas físicas que
despendem sua força de trabalho em prol da realização de serviços públicos,
beneficiando toda a coletividade e o próprio Estado (VILLELA, 2015). Logo, seria de se
esperar que estes dois tipos de trabalhadores contassem com normas relativas à sua SST
iguais ou, se diferentes dada as peculiaridades de cada setor, produzissem efeitos
protetivos semelhantes. Contudo, não é o que ocorre. Um trabalhador do setor privado
contará com normas de proteção de sua integridade física e mental em nível superior em
relação a um trabalhador servidor público que esteja desempenhando exatamente o
mesmo trabalho, caso este esteja submetido ao regime jurídico estatutário.

Neste sentido, o objetivo do presente artigo é apresentar e analisar a legislação básica de


SST para os trabalhadores brasileiros e, principalmente, a política e a legislação
referentes à SST específicas para os servidores públicos estatutários federais, com
ênfase para os da Receita Federal do Brasil (RFB).

A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica sobre o tema junto a outros autores,
dispositivos legais e jurisprudência. Em relação à RFB, em virtude da escassez de
trabalhos publicados específicos sobre o tema relacionados a este órgão, também foi
utilizada a técnica “Observação Participante”, visto que um dos autores deste artigo é
servidor público da RFB há quase quatorze anos, tendo vivido a realidade em estudo.
Além disso, foram encaminhados alguns questionamentos pontuais à RFB, tentando obter
a posição oficial desta instituição, mas que não foram respondidos até a data de
publicação deste artigo. Também se entrou em contato com algumas unidades da RFB
para se conhecer as medidas existentes de SST e a atuação do SIASS nestas unidades.
Foram contatados também alguns planos de saúde que, por meio de convênio, atendem a
servidores da RFB, questionando-os sobre a possível cobertura a danos ocasionados por
acidente de trabalho ou doença ocupacional.

2 Regimes jurídicos dos servidores públicos: celetistas x estatutários

Na iniciativa privada, no âmbito do direito do trabalho, predomina a relação de emprego,


na qual os trabalhadores são denominados de "empregados" e seu regime jurídico está
previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (BRASIL, 1943). Segundo o Art. 3º
da CLT, a seguir transcrito, para ser considerado empregado é necessária a ocorrência
simultânea dos seguintes requisitos: não eventualidade, serviço prestado por pessoa
física, onerosidade e subordinação.

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar


serviços de natureza não eventual a empregador, sob a
dependência deste e mediante salário. (grifou-se)

No serviço público, os trabalhadores são denominados de servidores públicos. Estes, na


definição do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, são todos aqueles que mantém
vínculo de trabalho de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo de
dependência com as entidades governamentais – União, Estados, Distrito Federal,
Municípios e respectivas autarquias e fundações de Direito Público (BANDEIRA DE
MELLO, 2010). Segundo este jurista, os servidores públicos compreendem as seguintes
espécies:

a) Servidores titulares de cargos públicos na Administração Direta (anteriormente


denominados funcionários públicos), nas autarquias e fundações de Direito Público da
União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assim como no Poder Judiciário
e na esfera administrativa do Legislativo.

b) Servidores empregados das pessoas supra referidas. Estes se encontram sob vínculo
empregatício por uma das seguintes razões: b1) exercer funções materiais subalternas, o
que seria constitucionalmente possível, mas não desejável; b2) remanescentes do regime
anterior - antes da Constituição de 1988; e b3) contratados para atender necessidade
temporária de excepcional interesse público.

Como se observa, mesmo o setor público pode manter relação jurídica com vínculo
empregatício regida pela CLT. Contudo, trata-se de exceção. A regra que é os
trabalhadores do serviço público sejam titulares de cargos públicos e não estejam
submetidos à CLT.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), foi instituído para
os servidores titulares de cargos públicos um Regime Jurídico Único (RJU), que deve
estar previsto em lei municipal, estadual ou federal. Os servidores submetidos a este
regime legal são denominados de “estatutários”. Como contraponto, os que estão regidos
pela CLT são denominados de “celetistas”. Cada regime tem suas próprias
características, direitos e deveres.

No âmbito federal, a lei que dispõe sobre o RJU é a nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990
(BRASIL, 1991a). Ocorre que esta lei, salvo algumas exceções que serão tratadas
adiante, silenciou sobre a questão da SST para os servidores estatutários federais.

3 Legislação básica relativa à SST no Brasil

A Constituição Federal de 1988 (CF)possui um artigo específico para tratar dos direitos
dos trabalhadores, o Art. 7º. Este artigo apresenta o inciso XXII, que dispõe serem direitos
dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de
saúde, higiene e segurança” (BRASIL, 1988).

Ressalte-se que este direito é extensivo aos servidores estatutários, uma vez que a
Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, inseriu o §3º no Art. 39 da CF, que
determina que o inciso XXII deve ser aplicado aos servidores ocupantes de cargo público
(BRASIL, 1998a), ou seja, aos servidores públicos estatutários. Assim, ao não estabelecer
os mesmos direitos aos servidores estatutários, a CF não está sendo cumprida.
Entretanto, conforme será abordado adiante, tal inciso trata-se de norma de eficácia
limitada, não sendo, portanto, autoaplicável.

A CF também trata da SST, ainda que indiretamente, em outros artigos. O Art. 196
estabelece que a “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros
agravos...”. Neste sentido, ressalte-se que a redução de risco de doenças, mais
especificamente as ocupacionais, é um dos objetivos da SST.

Segundo o Art. 225 da CF, todos têm direito a um meio ambiente equilibrado, impondo-se
ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. Embora a CF não
defina expressamente o que seja meio ambiente, a doutrina entende que este direito
engloba o meio ambiente do trabalho (FIORILLO; RODRIGUES, 1999). Neste mesmo
sentido, o Art. 3º, inciso I, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, prescreve que "meio
ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física,
química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;" (BRASIL,
1981). Além disso, a própria CF, no Art. 200, inciso VIII, estabelece que, entre as
competências do sistema único de saúde, está a “proteção do meio ambiente, nele
compreendido o do trabalho.”. Portanto, resta comprovada a proteção constitucional ao
meio ambiente do trabalho.

O Estado Brasileiro também é signatário de convenções internacionais da Organização


Internacional do Trabalho (OIT) que dispõem sobre a SST.

A Convenção nº 155 da OIT, de 1981, promulgada pelo Decreto nº 1.254, de 29 setembro


de 1994, estabelece, em seu artigo 4º, a exigência da formulação, aplicação e revisão
periódica de uma política nacional de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio
ambiente de trabalho, com o objetivo de prevenir os acidentes e os danos à saúde
relacionados ao trabalho (BRASIL, 1994). Segundo esta convenção, o termo
"trabalhadores" abrange todas as pessoas empregadas, incluindo os funcionários
públicos.

A Convenção nº 161 da OIT, de 1985, promulgada pelo Decreto nº 127, de 22 de maio de


1991, trata do estabelecimento de serviços de saúde no trabalho para todos os
trabalhadores (BRASIL, 1991b). Segundo o Art. 3º, inciso 1, desta convenção, "Todo
Membro se compromete a instituir, progressivamente, serviços de saúde no trabalho para
todos os trabalhadores, entre os quais se contam os do setor público...".

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) visou reunir a legislação referente à


organização sindical, previdência social, proteção ao trabalhador e justiça do trabalho,
que estava anteriormente em dispositivos legais esparsos (BRASIL, 1943). Tal dispositivo,
que permanece como a base da legislação trabalhista até os dias de hoje, apresenta um
capítulo específico sobre SST, o "Capítulo V – Da Segurança e Medicina do Trabalho".
Este capítulo foi totalmente alterado pela Lei nº 6.514, de 22 de dezembro de 1977
(BRASIL, 1977), incluindo diversos artigos sobre SST. Entretanto, conforme já abordado,
a CLT não se aplica aos servidores públicos estatutários.

Em 1978, a fim de regulamentar os dispositivos deste capítulo, criaram-se, a partir da


Portaria nº 3.214, de 8 de junho, as Normas Regulamentadoras (NRs) relativas à
segurança e medicina do trabalho (BRASIL, 1978). Estas são atualizadas e revisadas
pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Atualmente, estão em vigor as seguintes
NRs:

- NR 1 – Disposições Gerais;
- NR 2 – Inspeção Prévia;
- NR 3 – Embargo ou Interdição;
- NR 4 – Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e em Medicina do
Trabalho (SESMT);
- NR 5 – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA);
- NR 6 – Equipamento de Proteção Individual (EPI);
- NR 7 – Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO);
- NR 8 – Edificações;
- NR 9 – Programa de Prevenção de Riscos Ambientais (PPRA);
- NR 10 – Segurança em Instalações e Serviços em Eletricidade;
- NR 11 – Transporte, Movimentação, Armazenagem e Manuseio de Materiais;
- NR 12 – Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos;
- NR 13 – Caldeiras, Vasos de Pressão e Tubulações;
- NR 14 – Fornos;
- NR 15 – Atividades e Operações Insalubres;
- NR 16 – Atividades e Operações Perigosas;
- NR 17 – Ergonomia;
- NR 18 – Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção;
- NR 19 – Explosivos;
- NR 20 – Segurança e Saúde no Trabalho com Inflamáveis e Combustíveis;
- NR 21 – Trabalho a Céu Aberto;
- NR 22 – Segurança e Saúde Ocupacional na Mineração;
- NR 23 – Proteção Contra Incêndios;
- NR 24 – Condições Sanitárias e de Conforto nos Locais de Trabalho;
- NR 25 – Resíduos Industriais;
- NR 26 – Sinalização de Segurança;
- NR 28 – Fiscalização e Penalidades;
- NR 29 – Segurança e Saúde no Trabalho Portuário;
- NR 30 – Segurança e Saúde no Trabalho Aquaviário;
- NR 31 – Segurança e Saúde no Trabalho na Agricultura, Pecuária Silvicultura,
Exploração Florestal e Aquicultura;
- NR 32 – Segurança e Saúde no Trabalho em Estabelecimentos de Saúde;
- NR 33 – Segurança e Saúde no Trabalho em Espaços Confinados;
- NR 34 - Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção e
Reparação Naval;
- NR 35 - Trabalho em Altura; e
- NR 36 - Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de
Carnes e Derivados.

Como se observa, há NRs específicas, que são de aplicação para determinadas


atividades, e NRs gerais, que devem ser aplicadas em todas as atividades. Dentre as NRs
gerais, é interessante chamar a atenção para as NRs 4, 5, 7, 9 e 17.

A NR 4 trata da criação do Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em


Medicina do Trabalho (SESMT). Basicamente, o SESMT é uma equipe de profissionais,
tais como: engenheiros de segurança, técnicos de segurança, enfermeiros do trabalho e
médicos do trabalho. Sua finalidade é promover a saúde e proteger a integridade do
trabalhador no local de trabalho. Assim, a empresa, que pode ter como objeto social
qualquer tipo de atividade, terá que contratar às suas expensas tal equipe de
profissionais. O dimensionamento do SESMT, ou seja, a quantidade de profissionais de
cada especialidade, é definido pelo grau de risco da atividade principal desenvolvida pela
empresa e pelo número total de empregados do estabelecimento, conforme o quadro II da
própria NR-04 (BRASIL, 2016a).

A NR-05 dispõe sobre a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, a conhecida CIPA.


Ela tem o objetivo de evitar acidentes e garantir a saúde e a segurança do trabalhador no
local de trabalho. Tem como responsabilidades investigar, discutir e lutar contra as
condições de trabalho inseguras, insalubres, perigosas e irregulares. Sua composição é
paritária, sendo metade de representantes dos empregados, eleitos por eles, e metade de
representantes indicados pelo empregador, sendo o dimensionamento desta comissão
indicado no Quadro 1 da NR-05 (BRASIL, 2016b).

A NR-07 se refere ao Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO),


que tem o objetivo de promoção e preservação da saúde do conjunto dos trabalhadores
de instituições que os admitam como empregados. O PCMSO deve considerar as
questões incidentes sobre o indivíduo e a coletividade de trabalhadores, privilegiando o
instrumental clínico-epidemiológico na abordagem da relação entre sua saúde e o
trabalho. Deve ter caráter de prevenção, rastreamento e diagnóstico precoce dos agravos
à saúde relacionados ao trabalho, inclusive de natureza subclínica, além da constatação
da existência de casos de doenças profissionais ou de danos irreversíveis à saúde dos
trabalhadores (BRASIL, 2016c).

A NR-09 trata do Programa de Prevenção aos Riscos Ambientais (PPRA), que é um


processo teórico-prático que visa preservar a saúde e a integridade física dos
trabalhadores, por meio da antecipação, reconhecimento, avaliação e consequente
controle dos riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de
trabalho (riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e de acidentes), levando em
consideração a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais (BRASIL, 2016d).

A NR-17 estabelece alguns parâmetros ergonômicos, de modo a proporcionar aos


trabalhadores um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente (BRASIL,
2016e).

Embora os trabalhadores regidos pela CLT contem com a proteção das NRs, mesmo elas
são limitadas quanto a efetiva proteção destes, tendo sido alvo de constantes críticas.

Grande parte das empresas desenvolve formalmente as estruturas e os programas


previstos nas NRs apenas para cumprir a legislação, muitas vezes não se importando se
a proteção está sendo efetiva. Segundo matéria de capa da Revista Proteção, de agosto
de 2014, seja pela falta de cultura preventiva na organização, seja pela inadequação dos
programas à realidade laboral, muitas empresas possuem programas como PPRA,
PCMAT e PCMSO apenas no papel (REVISTA PROTEÇÃO, 2014a).

Uma das principais críticas contra as NRs se refere à falta de atualização contínua, muitas
vezes a ritmos aquém em relação ao progresso técnico e tecnológico das fábricas, dos
laboratórios e das pesquisas. Como exemplo disto, pode ser citada a NR 12 de 1978, que
dispõe sobre a Segurança no Trabalho em Máquinas e Equipamentos, a qual somente foi
atualizada depois de 32 anos (GALLI; CASAGRANDE JR; SILVA, 2011). Com efeito,
muitos parâmetros e índices previstos nas NRs estão defasados em relação ao que
propõe organismos internacionais no campo da SST.

Outros dispositivos normativos, principalmente infralegais, também tratam da SST, ainda


que indiretamente, não sendo objetivo deste trabalho nominá-los. Na seara legal, contudo,
vale a pena citar a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, a denominada Lei Orgânica
da Saúde, a qual trata também da saúde do trabalhador (BRASIL, 1990). Considerando o
princípio da universalidade de acesso à saúde, entende-se que os servidores estatutários
também estão sob a égide desta lei.

Também deve ser citada a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre Planos
de Benefícios da Previdência Social, mas também define acidente de trabalho e
responsabiliza a empresa pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de
proteção e segurança da saúde do trabalhador (BRASIL, 1991c). No entanto, pela
redação dos dispositivos desta lei, que utiliza expressamente o termo “empresa”, entende-
se não disciplinar tais condutas para os servidores estatutários.

4 Política e legislação relativas à SST para o serviço público federal

No arcabouço jurídico brasileiro, conforme já abordado, a SST para os servidores públicos


estatutários já está prevista em convenções internacionais da OIT das quais o Brasil é
signatário e, principalmente, na Constituição Federal de 1988 (CF).

Entretanto, em relação ao dispositivo constitucional, na classificação proposta pelo


professor José Afonso da Silva, constata-se que se trata de norma de eficácia limitada, ou
seja, sua aplicabilidade está limitada ao aparecimento de norma infraconstitucional
posterior (SILVA, 2012). Com efeito, o próprio inciso XXII do Art. 7º da CF diz
expressamente que o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho se dará “por meio
de normas de saúde, higiene e segurança.” (BRASIL, 1988). Logo, são necessárias
expedições de normas para que os direitos dos servidores estatutários à SST sejam
efetivados.

Todavia, não existe uma lei específica a exigir medidas de SST para os servidores
públicos estatutários federais. A Lei 8.112/1990, que dispõe sobre o Regime Jurídico
Único (RJU) para estes servidores (BRASIL, 1991a), apresenta alguns poucos artigos que
tratam de alguns aspectos relativos à SST, o que se revela insuficiente, principalmente se
comparados com os dispositivos presentes na CLT, que são complementados e altamente
ampliados pelas Normas Regulamentadoras (NRs).

O Art. 69 desta lei dispõe que "haverá permanente controle da atividade de servidores em
operações ou locais considerados penosos, insalubres ou perigosos". De acordo com o
Art. 72, "os locais de trabalho e os servidores que operam com raio X ou substâncias
radioativas serão mantidos sob controle permanente, de modo que as doses de radiação
ionizante não ultrapassem o nível máximo previsto na legislação própria.". Contudo, não
existem dispositivos infralegais específicos, que estipulem instruções e parâmetros
técnicos para o cumprimento destes artigos.

O Art. 212 define acidente em serviço como o "dano físico ou mental sofrido pelo servidor,
que se relacione, mediata ou imediatamente, com as atribuições do cargo exercido". O
parágrafo único deste artigo equipara ao acidente de serviço o dano "I - decorrente de
agressão sofrida e não provocada pelo servidor no exercício do cargo; e II - sofrido no
percurso da residência para o trabalho e vice-versa.".

O Art. 213 estabelece a forma do tratamento para o acidente de serviço, que poderá ser
em instituição privada, à conta de recursos públicos, somente quando inexistirem meios e
recursos em instituição pública, recomendado por junta médica oficial. Este artigo será
tratado com maior profundidade no item nº 7 deste trabalho, juntamente com a assistência
à saúde do servidor público prevista no Art. 230 desta mesma lei, por meio da abordagem
de um acidente ocorrido com um servidor da RFB.

O Art. 206-A da Lei 8.112/1990, que foi incluído pela Lei nº 11.907, de 02 de fevereiro de
2009, determina que o servidor deve ser submetido a exames médicos periódicos, nos
termos e condições definidos em regulamento (BRASIL, 2009a). Tal artigo foi
regulamentado pelo Decreto nº 6.856, de 25 de maio de 2009, que estipula os tipos de
exames médicos e a sua frequência (BRASIL, 2009b). Segundo o Art. 2º deste decreto, o
objetivo dos exames médicos é, prioritariamente, a preservação da saúde dos servidores,
em função dos riscos existentes no ambiente de trabalho e de doenças ocupacionais ou
profissionais. As orientações para aplicação deste decreto são estabelecidas pela Portaria
Normativa nº 4, de 15 de setembro de 2009 (BRASIL, 2009c). De acordo com esta
portaria, independentemente de adesão a planos de saúde, os exames médicos
periódicos dos servidores públicos federais ativos deverão abranger todos os servidores,
além dos nomeados para cargos em comissão e os anistiados que retornaram à
administração direta.

Embora seja uma obrigação legal devidamente regulamentada, apenas alguns órgãos,
geralmente ligados aos hospitais-escolas das universidades realizavam tal ação. A
dotação orçamentária destinada ao exame periódico não dá conta de todos os exames
previstos no Decreto nº 6.856/2009, como mamografia para mulheres e Prova do
Antígeno Prostático (PSA) para homens acima de 45 anos (ARAUJO, 2014). Os
servidores da RFB, tal como será tratado no próximo item, não são submetidos a tais
exames periódicos.

Além da escassez de dispositivos legais disciplinando a SST, também não havia uma
Política Nacional de SST para os servidores públicos estatutários, o que levou os órgãos
e Ministérios que fazem parte do Sistema de Pessoal Civil da administração Federal
(SIPEC) a criar serviços de saúde diversos, com diferentes critérios de perícia, estruturas
e recursos (MENEZES; GOMES; FURNALETO, 2015).

Segundo o próprio Governo Federal, havia grande disparidade nas medidas de SST
praticadas pelos diferentes órgãos (BRASIL, 2010a):

A necessidade de responder por ações em saúde e segurança do


trabalho do servidor público federal, propiciou com que os
Ministérios e os demais órgãos que compõem o Sistema de Pessoal
Civil da Administração Federal (SIPEC) tratassem as questões
referentes à saúde e segurança conforme os seus próprios
entendimentos. Alguns órgãos estruturaram serviços de excelência
em saúde, com ações nas áreas de assistência, perícia e promoção,
realizando exames médicos periódicos; outros não desenvolveram
nenhuma ação na área de saúde do servidor, nem sequer
possibilitaram o acesso às juntas médicas para a concessão de
direitos.
Este quadro começou a mudar, pelo menos teoricamente, com a inclusão dos servidores
estatutários na minuta da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalho (PNSST)
de 2004, criada por um grupo de trabalho composto de representantes dos ministérios da
Previdência Social, Saúde e do Trabalho e Emprego. Tal minuta foi publicada pela
Portaria Interministerial nº 800, de 3 de maio de 2005 (BRASIL, 2005) e serviu de base
para a criação da atual PNSST, que somente ocorreu efetivamente em 2011.

Um avanço, pelo menos nas intenções, foi a criação do Sistema Integrado de Saúde
Ocupacional do Servidor Público Federal (SISOSP), por meio do Decreto nº 5.961, de 13
de novembro de 2006, cuja finalidade era uniformizar procedimentos administrativo-
sanitários na área de gestão de recursos humanos e promover a saúde ocupacional do
servidor (BRASIL, 2006a). O SISOSP disciplinava algumas ações de vigilância em
relação aos fatores de riscos à saúde presentes nos ambientes de trabalho.

Sobre a égide do SISOSP, por meio da Portaria nº 1.675, de 06 de outubro de 2006, do


Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), foi instituído o Manual para os
Serviços de Saúde dos Servidores Civis Federais (BRASIL, 2006b). Este manual, embora
destinado principalmente a apresentar normas e critérios para uniformização e
padronização de condutas para o serviço de saúde e perícia médica do servidor,
apresentava alguns avanços na SST dos servidores federais. Um dos aspectos mais
relevantes havia sido a formação da equipe multiprofissional de saúde, composta de
profissionais das áreas de saúde e de segurança do trabalho (médicos, enfermeiros,
engenheiros de segurança, técnicos de segurança, etc.). Esta equipe guardava certa
similaridade com o SESMT, previsto na NR-04.

Ressalte-se que a portaria que instituiu o referido manual estabelecia, em seu Art. 2º, que
ficavam recepcionadas, no âmbito do SIPEC, as NRs nº 07 e 09 (PCMSO e PPRA) com o
objetivo de orientar as ações referentes ao seu Art. 1º, que trata da instituição do manual
em questão. Ou seja, a ideia era seguir o modelo existente nas NRs.

Contudo, o SISOSP e o Manual para os Serviços de Saúde dos Servidores Civis Federais
foram revogados, respectivamente, pelo Decreto nº 6.833, de 29 de abril de 2009
(BRASIL, 2009d) e pela Portaria nº 797, de 22 de março de 2010 (BRASIL, 2010b), não
se tendo informações do que tenha sido feito de concreto com base nestes dispositivos
durante o período em que estiveram em vigor.

Em 2008, foi criada a Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no Trabalho (CT-SST)


por meio da Portaria Interministerial nº 152, de 13 de maio de 2008, com a competência
de revisar e ampliar a proposta da Política Nacional de Segurança e Saúde do
Trabalhador (PNSST), que estava na forma de minuta. Além disso, deveria elaborar um
Programa Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador, com definição de estratégias e
planos de ação para sua implementação, monitoramento, avaliação e revisão periódica. A
CT-SST é composta por seis representantes do Governo Federal, seis representantes dos
empregadores e seis representantes dos trabalhadores (BRASIL, 2008). Não conta com
representantes específicos dos servidores públicos.

O Decreto nº 6.833, de 29 de abril de 2009, o mesmo que revogou o SISOSP, criou o


Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS). Este decreto também é o
primeiro documento oficial em que é tratada a política de atenção à saúde e segurança do
trabalho do servidor público federal (PASS). Conforme o Art. 2º do citado decreto, o
SIASS objetiva coordenar e integrar ações e programas nas áreas assistência à saúde,
perícia oficial, promoção, prevenção e acompanhamento da saúde dos servidores da
administração federal direta, autárquica e fundacional, de acordo com a PASS,
estabelecida pelo Governo (BRASIL, 2009d). Tal decreto, por meio do seu Art. 3º, também
define os conceitos das áreas trabalhadas pelo sistema:

I - assistência à saúde: ações que visem a prevenção, a


detecção precoce e o tratamento de doenças e, ainda, a reabilitação
da saúde do servidor, compreendendo as diversas áreas de atuação
relacionadas à atenção à saúde do servidor público civil federal;

II - perícia oficial: ação médica ou odontológica com o objetivo


de avaliar o estado de saúde do servidor para o exercício de suas
atividades laborais; e

III - promoção, prevenção e acompanhamento da saúde:


ações com o objetivo de intervir no processo de adoecimento do
servidor, tanto no aspecto individual quanto nas relações coletivas
no ambiente de trabalho.

Ressalte-se que a assistência à saúde é tratada pelo Art. 230 da Lei 8.112/1990,
(BRASIL, 1991a), sendo abordada no item nº 7 deste trabalho.

A alteração do nome de Sistema Integrado de Saúde Ocupacional do Servidor Público


Federal (SISOSP) para Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS)
reflete uma mudança de referencial teórico em relação à proposta inicial, no sentido da
integralidade do conceito de "Saúde do Trabalhador", uma vez que o modelo do SISOSP
demonstrava o alinhamento com a concepção restrita de "Saúde Ocupacional"
(ANDRADE; MARTINS; MACHADO, 2012).

A diferenciação entre estas duas concepções ou modelos é apresentada por Mendes e


Dias (1991). Segundo estes autores, o modelo da "Saúde Ocupacional", que é o utilizado
nas NRs, mantém o foco conceitual no trabalho em detrimento do setor da saúde,
abordando os trabalhadores como “objeto” das ações de saúde, mesmo quando enfoca a
questão do coletivo de trabalhadores. Já o modelo de "Saúde do Trabalhador", segundo
estes autores, também leva em consideração o estudo dos processos de trabalho, de
forma articulada com o conjunto de valores, crenças e ideias dos trabalhadores,
assumindo estes o papel de atores, de sujeitos capazes de pensar e de se pensarem,
produzindo uma experiência própria, no conjunto das representações da sociedade.

O Decreto nº 6.833/2009 também criou o Comitê Gestor de Atenção à Saúde do Servidor,


formado por sete ministérios e pela Casa Civil. Entre suas atribuições, conforme o Art. 4º
deste decreto, cabe a este comitê aprovar as diretrizes para aplicação da política de
atenção à saúde e segurança do trabalho do servidor público federal (PASS) e deliberar
sobre as propostas de criação, jurisdição e funcionamento das unidades do SIASS.

A proposta do Governo Federal para a PASS contempla a criação de unidades para


desenvolver as ações propostas, as unidades do SIASS. Neste sentido, a Portaria
Normativa nº 2, de 22 de março de 2010 (BRASIL, 2010c), que foi posteriormente
substituída pela Portaria nº 1.397, de 10 agosto de 2012 (BRASIL, 2012a), estabelece os
procedimentos mínimos para a realização de "acordos de cooperação técnica" para a
criação das unidades do SIASS. A proposta é que, por meio de tais acordos, órgãos
federais se unam para formação de unidades do SIASS, que ficarão responsáveis pelo
atendimento de tais órgãos. Em relação à SST, chama a atenção o inciso III do Art. 12 da
citada portaria, pelo qual compete à unidade do SIASS “executar ações de vigilância para
avaliar os ambientes e a organização de trabalho, com emissão de relatório ambiental
contendo medidas de mudança das condições de trabalho, visando a promoção à saúde,
no âmbito dos órgãos e entidades partícipes do acordo de cooperação técnica;”.

Em 22/03/2010, foi instituído o Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público


Federal pela Portaria SRH nº 797/2010, que também revogou a portaria que havia
instituído o antigo Manual para os Serviços de Saúde dos Servidores Civis Federais
(BRASIL, 2010b). Este novo manual foi reformulado pela Portaria nº 235, de 05 de
dezembro de 2014 (BRASIL, 2014) e apresenta definições e princípios relativos à perícia
oficial, como "acidente de trabalho", "doença do trabalho", "doença relacionada ao
trabalho", entre outros, além de orientar em relação aos procedimentos periciais, trazendo
modelos de laudos, fornecendo a legislação pertinente e apresentando os parâmetros
técnicos de afastamentos por motivo de doença.

Em 2010, o MPOG publicou a Portaria SRH nº 1.261, de 04 de maio de 2010, que institui
os princípios, diretrizes e ações em "saúde mental", a serem adotados como referência
nos procedimentos desenvolvidos pela administração pública federal (BRASIL, 2010d).
Segundo o próprio Governo Federal, o objetivo foi oferecer aos servidores públicos
federais, em particular profissionais de saúde e gestores de pessoas, um conjunto de
parâmetros e diretrizes para nortear a elaboração de projetos e a consecução de ações
de atenção à saúde mental (BRASIL, 2010a).

Também em 2010, o MPOG publicou a Portaria Normativa nº 03, de 07 de maio de 2010,


que instituiu a Norma Operacional de Saúde do Servidor (NOSS), com o objetivo de
definir diretrizes gerais para implementação das ações de vigilância aos ambientes e
processos de trabalho e promoção à saúde do servidor, integrando o conjunto de ações
da PASS (BRASIL, 2010e). Em relação à SST, é importante apresentar o Art. 2º desta
norma, a seguir transcrito, pois denota a maior participação do servidor no processo,
compatível com o modelo "Saúde do Trabalhador", anteriormente comentado:

Art. 2º A concepção que fundamenta as ações de atenção à saúde


do servidor prioriza a prevenção dos riscos à saúde, a avaliação
ambiental e a melhoria das condições e da organização do processo
de trabalho de modo a ampliar a autonomia e o protagonismo dos
servidores.

A NOSS define alguns conceitos importantes, tais como: organização, ambiente,


condições e processo de trabalho, equipe multiprofissional, promoção à saúde, prevenção
e risco. A partir destes conceitos, estabelece como estratégia a avaliação dos ambientes e
processos de trabalho, considerando as situações de risco presentes que possam
comprometer a saúde dos servidores e os instrumentos a serem aplicados de acordo com
a realidade local. Além disso, o Art. 6º estabelece que a implementação da PASS deve ser
compartilhada, indicando quais os “atores” fundamentais para a efetivação desta norma,
entre eles: o servidor; a Equipe de Vigilância e Promoção; e a Comissão Interna de Saúde
do Servidor Público (CISSP). Estes dois últimos guardam alguma semelhança,
respectivamente, ao SESMT, previsto na NR-4, e à CIPA, prevista na NR-5.

Embora de observância obrigatória, tal norma praticamente não vem sendo aplicada no
serviço público federal, pois apenas define diretrizes gerais, dependendo de outros fatores
para sua implantação, como a estruturação das unidades SIASS, que irão comportar as
equipes multiprofissionais, além de ações e iniciativas dos próprios órgãos federais e
mesmo a existência de outros dispositivos normativos. Com efeito, segundo Fonseca e
Fermam (2015), os órgãos e entidades da administração pública federal ainda aguardam
a expedição de atos normativos que regulamentem o funcionamento e delineiem a
atuação da CISSP e exijam efetivamente o seu cumprimento pelos órgãos e entidades da
administração pública federal.

Outro problema em relação à SST dos servidores estatutários federais era, segundo o
próprio Governo Federal, a inexistência de um sistema de informações que notificasse os
agravos à saúde, tais como: licenças médicas, acidentes de trabalho, aposentadorias por
invalidez e readaptações funcionais. Isto impossibilitava a construção do perfil de
adoecimento dos servidores públicos e dificultava o real dimensionamento das questões
relacionadas à saúde do servidor (BRASIL, 2010a).

Para solucionar tal problema, está sendo desenvolvido um sistema de informações em


saúde do servidor denominado Siape-Saúde, que vai registrar informações sobre perícias
médicas, exames periódicos e admissionais, licenças médicas e odontológicas, acidentes
de trabalho, doenças profissionais, aposentadorias por invalidez, readaptações funcionais,
etc. (BRASIL, 2010a).

Este sistema já está em uso, podendo ser acessado por meio da Internet (BRASIL,
2016f). No entanto, conforme informações constantes no próprio sítio do sistema na
Internet, o acesso não é livre:

Este link fornece acesso às informações de perícias em saúde,


exames periódicos e promoção à saúde do servidor público federal.
É de acesso exclusivo para servidores habilitados no SIAPE Saúde,
protegidos por normas de sigilo e segurança (BRASIL, 2016f).

Ou seja, não é permitido à sociedade brasileira conhecer qualquer dado estatístico sobre
a segurança e saúde de seus servidores públicos federais. Evidentemente, há
informações que devem ser sigilosas, porém, assim como há diversos perfis de acesso no
sistema, tais como: "servidor", "órgão", "médico...", etc, poderia haver um perfil de
consulta livre, que mostrasse conjuntos de dados agregados. Afinal, o contribuinte, que é
quem custeia todo o serviço público, deveria ter o direito a conhecer tais informações.

Finalmente, em novembro de 2011, cerca de sete anos após a primeira minuta, foi
publicado o Decreto nº 7.602, que dispõe sobre a Política Nacional de Segurança e
Saúde no Trabalho (PNSST), a qual tem por objetivos a promoção da saúde e a melhoria
da qualidade de vida do trabalhador e a prevenção de acidentes e de danos à saúde
advindos, relacionados ao trabalho ou que ocorram no curso dele, por meio da eliminação
ou redução dos riscos nos ambientes de trabalho (BRASIL, 2011a). Este decreto
apresenta os princípios e diretrizes da PNSST, além de definir as responsabilidades dos
órgãos e instituições. Dentro das Diretrizes, inciso IV, alínea “a”, está a “inclusão de todos
trabalhadores brasileiros no sistema nacional de promoção e proteção da saúde;”. Ou
seja, estão aí incluídos os servidores públicos estatutários. Conforme dispõe este decreto,
a gestão da PNSST cabe à já anteriormente mencionada Comissão Tripartite de Saúde e
Segurança no Trabalho (CT-SST).

Conforme previsto na própria PNSST, a CT-SST elaborou o Plano Nacional de Segurança


e Saúde no Trabalho (PLANSAT) no ano de 2012, sendo este plano formalizado por meio
de um documento escrito, a cartilha PLANSAT (MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL,
2012).

Na cartilha PLANSAT, vale destacar a Estratégia 1.2, que versa sobre a elaboração e
aprovação de dispositivos legais em SST para os trabalhadores do serviço público nas
três esferas de governo. Não obstante a importância desta estratégia, ela é descrita no
documento somente em linhas gerais, sendo apresentada apenas uma simples tabela que
delimita a ação, os responsáveis e o prazo. A ação da estratégia 1.2.1 é descrita apenas
como "Pautar discussão com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão [MPOG],
responsável pelo desenvolvimento do Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor
nas três esferas de Governo". O prazo desta ação é descrito como "Curto Prazo", que,
segundo o próprio documento, significa de 6 a 18 meses. Logo, já deveria ter sido
concluído. Entretanto, não há informações que esta estratégia tenha produzido algo de
concreto, ou seja, algum projeto de lei.

Existe, no entanto, um projeto de lei em SST no serviço público, que foi apresentado,
discutido e aprovado na Audiência Pública no Senado Federal no dia 20 de maio de 2014.
Segundo a Associação Nacional de Engenharia de Segurança do Trabalho (ANEST), este
projeto foi elaborado por diversas entidades de governo e de classes, sob coordenação
desta associação, devendo tramitar no poder executivo, sob coordenação do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENGENHARIA DE
SEGURANÇA DO TRABALHO, 2015a).

A minuta deste projeto de lei apresenta forte semelhança com o modelo preconizado
pelas NRs da CLT, pois, entre outros aspectos, prevê a criação dos Serviços
Especializados em Segurança e Saúde no Trabalho (SESST) e da Comissão Interna de
Segurança e Saúde no Trabalho (CISST), que são semelhantes, respectivamente, ao
SESMT (NR-04) e à CIPA (NR-5). Além disso, prevê que, enquanto não forem aprovadas
as Normas Regulamentadoras do Serviço Público (NRSP), deverá ser observado o
cumprimento das NRs do MTE (ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENGENHARIA DE
SEGURANÇA DO TRABALHO, 2015b).

O projeto de lei conduzido pela ANEST parece ocorrer de forma paralela e independente
ao processo previsto no PLANSAT, uma vez este prevê que o MPOG seja o protagonista
do processo. Já o projeto de lei da ANEST, segundo esta entidade, tramita sob
coordenação do MTE. Fortalecendo tal entendimento, saliente-se que, em entrevista à
Revista Proteção, o presidente da ANEST, Eng. Francisco Machado da Silva, fez críticas à
PNSST, ao PLANSAT e ao fato de o MTE ter perdido o comando nacional da área de SST
(ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE ENGENHARIA DE SEGURANÇA DO TRABALHO,
2015c). Além disso, o modelo teórico do projeto da ANEST, semelhante ao das NRs da
CLT, é diferente do previsto na PASS, conforme abordagem destes modelos teóricos
tratada anteriormente neste mesmo item deste trabalho.

No ano de 2013, o MPOG publicou a Portaria Normativa nº 03, de 25 de março de 2013,


que institui as diretrizes gerais de promoção da saúde do servidor público federal, as
quais visam orientar os órgãos e entidades do Sistema de Pessoal Civil da Administração
Federal (SIPEC). Estas diretrizes destinam-se a subsidiar políticas e projetos de
promoção da saúde e de qualidade de vida no trabalho, a serem implantados de forma
descentralizada e transversal, por meio das áreas de gestão de pessoas, de saúde e de
segurança no trabalho (BRASIL, 2013). Nesta norma, no âmbito da SST, destaca-se o Art.
5º, que determina que as iniciativas de promoção da saúde devem, preferencialmente,
basear-se em dados epidemiológicos e no resultado das avaliações das condições, da
segurança e dos processos de trabalho.

Na citada portaria, tal como em outras normas da PASS, são mencionadas as equipes
multiprofissionais, que devem ser compostas por um conjunto de servidores com
formação em diversas áreas do conhecimento, sendo responsáveis pelo desenvolvimento
das ações de SST nos órgãos da administração pública federal. Contudo, nenhuma das
normativas da PASS trata da composição desta equipe, o que ocorria no modelo anterior
sobre a égide do SISOSP, em que eram nominados profissionais como: engenheiro de
segurança, técnico de segurança, higienista, ergonomista, médico do trabalho, enfermeiro
do trabalho, entre outros. Parece ser mais um aspecto que reflete a alteração de modelo
teórico quando da migração do SISOSP para a PASS, em que esta política deixa ao cargo
de cada unidade SIASS, juntamente com os órgãos federais que a compõe, definir quais
seriam os profissionais desta equipe multidisciplinar.

Outro aspecto a considerar é que, aparentemente, houve uma mudança em relação a


dispositivos anteriores no sentido de tornar as unidades do SIASS como agentes
principais da SST. A NOSS, aprovada pela Portaria Normativa nº 03/2010, em seu Art. 5º,
inciso V, prevê que as ações voltadas para a saúde do servidor serão planejadas e
executadas pelos serviços de saúde dos órgãos e entidades da Administração Pública
Federal (APF) "ou" pelas unidades de referência do SIASS (BRASIL, 2010e). Já pelo
anexo da Portaria Normativa nº 03/2013, Art. 8º, inciso IV, as ações voltadas para a saúde
do servidor serão planejadas e executadas pelas unidades do SIASS "e" pelos órgãos e
entidades (BRASIL, 2013). Ou seja, não se prevê mais que as ações seriam prestadas
isoladamente pelos serviços de saúde dos órgãos. A ideia parece ser que, quando da
formação de uma unidade SIASS por órgãos federais, por meio de acordo de cooperação
técnica, se um ou mais destes órgãos tenha algum serviço de saúde, este seria absorvido
na formação da unidade. Pelo menos é o que se entende da já citada Portaria nº
1.397/2012 (BRASIL, 2012a), uma vez que, de acordo com os incisos VII e VIII do Art. 10
desta portaria, compete aos órgãos e entidades partícipes do acordo disponibilizar
"pessoal para compor a força de trabalho da unidade do SIASS" e "recursos materiais,
equipamentos, imóveis e instalações". Estudos publicados sobre a estruturação de
unidades do SIASS, apresentados na sequência, também têm demonstrado isto.

Contudo, não obstante a inclusão dos servidores estatutários na PNSST e a implantação


de uma política diferenciada para os servidores públicos federais, a PASS, na prática,
quase nada de concreto foi realizado. Até agora, o que se tem são apenas boas intenções
que não mudaram a realidade da SST destes servidores.

O modelo do SIASS tem sido alvo de críticas, principalmente pela ênfase na perícia
médica como uma das únicas formas de controlar o absenteísmo. Segundo os
dispositivos já citados da PASS, o SIASS deveria ser o principal agente na SST dos
servidores estatutários federais. Com efeito, o decreto de criação do SIASS define como
objetivos deste sistema, além da perícia médica e da assistência à saúde, também a
"promoção, prevenção e acompanhamento da saúde dos servidores" (BRASIL, 2009d).
Neste mesmo sentido, o anexo da Portaria Normativa nº 03/2013 estabelece como
competência das unidades do SIASS, "coordenar e executar ações voltadas à promoção
da saúde, em especial à melhoria das condições e organização do trabalho, prevenção de
acidentes, agravos à saúde e doenças" (BRASIL, 2013). Contudo, na prática, isto não tem
ocorrido.

Algumas unidades SIASS, em especial, aquelas ligadas a universidades federais, por


terem incorporado os departamentos de saúde dos órgãos que a formaram, podem estar
em estágio mais avançado, efetuando, além da perícia médica, algumas medidas de SST.
Mas estas parecem ser a exceção, conforme se constata em estudos publicados.

Ferreira (2014), ao estudar a implementação das ações de promoção e prevenção em


saúde preconizadas pela PASS no âmbito da Unidade SIASS/UnB, concluiu que é uma
política muito bem estruturada em relação aos dispositivos normativos, com eixos de
fundação bem detalhados em termos de aspectos conceituais, metodológicos e
normativos. Entretanto, exceto o caso do Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor
Público Federal, nos demais dispositivos normativos são apresentadas apenas diretrizes
gerais que orientam o planejamento e a execução das ações de promoção e prevenção,
cabendo a cada órgão e a cada unidade SIASS definir suas prioridades. Já em relação à
estruturação da Unidade SIASS/UnB, esta autora relata vários problemas, tais como: falta
de apoio do MPOG no que tange a orçamento próprio, local e equipe para execução das
ações da unidade do SIASS; falta de conhecimento dos gestores e servidores sobre a
complexidade da PASS - por vezes, as unidades do SIASS são reconhecidas apenas
como unidades de perícia; e preocupação do MPOG em estruturar inicialmente as áreas
de perícia, deixando as demais para serem organizadas posteriormente.

Araujo (2014) aborda a má distribuição das unidades do SIASS nos estados da


federação, que não apresenta correlação com a distribuição da quantidade de servidores
em cada estado. Além disso, informa haver predominância de unidades SIASS vinculadas
a universidades federais e agências do INSS. Em entrevista a dirigentes de uma unidade
paulista do SIASS, vinculada ao Ministério da Saúde, esta autora relata que, segundo os
entrevistados, não houve nenhuma alteração após a instauração do SIASS, pois a rotina
anterior foi mantida, ou seja, a antiga Divisão de Perícias continuou a realizar tal
procedimento, não havendo alteração da infraestrutura e força de trabalho. Por fim,
conclui que, embora a política seja exitosa em padronizar conceituações, procedimentos e
ações de saúde no âmbito federal, ela teve pouco efeito prático na melhoria das
condições de trabalho dos funcionários públicos e de atendimento às suas demandas de
saúde de natureza ocupacional. A alteração legal que criou o SIASS no estado de São
Paulo, segundo esta autora, não foi acompanhada da estruturação dos serviços e,
tampouco, implementada sua proposta integral de promoção, atenção e prevenção à
saúde dos servidores públicos federais, mesmo após quatro anos de sua instituição.

Zanin et al (2015), em estudo sobre a PASS, argumentam que o Governo Federal não
explicita os critérios para a criação das unidades do SIASS, o que abre espaço para uma
variedade excessivamente heterogênea de unidades, tanto do número de entidades
federais participantes, como da natureza de cada uma delas e do número de servidores a
serem atendidos. Esses autores também analisaram com maior profundidade a Unidade
SIASS-UFPR, que deveria atender a três instituições federais de ensino: UFPR, UTFPR e
IFPR, mas que não tem estrutura para realizar perícias médicas nem para a demanda da
UFPR. Por fim, concluem que os eixos de vigilância e promoção continuam com pouca
ação efetiva, sendo que a política implementada pelo Governo Federal via SIASS dissocia
claramente as questões de saúde do processo de trabalho e centraliza as ações no
adoecimento e não na promoção da saúde.

Barbosa (2013) estudou o processo de implantação das ações de vigilância e promoção


da saúde do servidor no âmbito da Universidade Federal de Goiás (UFG), atendida pelo
SIASS-UFG. Embora este estudo demonstre a ação principalmente na área de perícias,
foi relatado também a existência de uma equipe de vigilância e promoção à saúde que,
entre outras funções, realiza inspeções técnicas nos diversos locais da UFG, a fim de
identificar as atividades de trabalho de cada espaço e os riscos existentes em cada um
deles, com vistas à avaliação ambiental. Esta autora chama atenção, porém, para a
lentidão, a desorganização e a falta de recursos no processo de estruturação desta
unidade, que foi criada sem previsão de sede ou espaço físico, sem que houvesse o
número de pessoas e os profissionais adequados para o trabalho e sem que se soubesse
a quem solicitar alocação de recursos financeiros, materiais e humanos. Para esta autora,
na instituição da política de atenção à saúde do servidor, houve uma “ordem” para que os
órgãos que compõem o SIPEC implantassem as ações, sem, contudo, disponibilizarem-
se os recursos necessários.

Marques (2013), em estudo sobre a equipe multidisciplinar do SIASS/INSS/Curitiba, relata


que, de todas as barreiras que a equipe de promoção da saúde do servidor enfrenta, a
mais grave é a escassez de profissionais das diferentes áreas. Na maioria das vezes, por
absoluta falta de pessoal, o servidor é encaminhado diretamente para a perícia médica ou
odontológica, ficando a critério do profissional fazer uma abordagem mais pormenorizada
das implicações psicossociais que podem estar implícitas, como fatores desencadeantes
ou complicadores dos agravos à saúde do servidor.
Segundo Nunes (2013), em estudo sobre a PASS em implantação em instituições federais
dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (MG), em relação à promoção em saúde, esta
autora correlacionou as ações desenvolvidas pelas instituições com abordagens descritas
na literatura como individuais e assistencialistas.

Menezes, Gomes e Furlanetto (2015), em estudo sobre a implantação de unidades do


SIASS nas Universidades Federais da Paraíba, concluíram que a implantação destas
unidades resultou muito mais da iniciativa ousada de servidores que abraçaram a causa
da saúde do servidor e se dispuseram a esse pleito no interior das instituições, do que
propriamente de seus gestores. Tais autores relatam problemas como: a falta de recursos
específicos para garantir espaços físicos adequados, a falta de uma política de
dimensionamento de servidores para compor os quadros do Subsistema e o
distanciamento do Ministério, deixando os profissionais abandonados à própria sorte, com
um projeto em mãos que exige muito mais do que vontade e compromisso profissional.
Mas o dado mais relevante do estudo refere-se ao fato de os Subsistemas não
conseguirem estruturar ações de promoção de saúde para o servidor público.

Em relação à RFB, as unidades SIASS também não vem desenvolvendo trabalhos


significativos relacionados à SST além da perícia médica, o que será abordado com maior
profundidade no item seguinte deste artigo.

Outro aspecto a ressaltar é que, embora o modelo teórico utilizado na PASS preveja a
participação dos servidores no planejamento e desenvolvimento das ações de SST nos
órgãos federais, estes não foram ouvidos na elaboração da política.

Segundo Zanin et al (2015), na elaboração e na discussão da PNSST para os servidores


públicos federais, não foram criados espaços de participação destes ou de suas
representações sindicais. Ou seja, não foi dado ao servidor público federal o mesmo
tratamento que é propiciado ao trabalhador quando das Conferências de Saúde.

No mesmo sentido, segundo Araujo (2014), não houve a participação dos servidores
públicos na discussão dessa política, uma vez que os grupos de trabalhos foram
estruturados somente com servidores ligados à área de recursos humanos.

5 Possibilidade de uso de NRs para servidores estatutários

São diversos os debates doutrinários e jurisprudenciais sobre a aplicabilidade ou não das


normas de SST relativas aos trabalhadores celetistas para os servidores públicos
estatutários (VILLELA, 2015).

Neste sentido, é relevante citar a Orientação nº 07 da Coordenadoria Nacional de Defesa


do Meio Ambiente do Trabalho do Ministério Público do Trabalho, pela qual o Ministério
Público do Trabalho possui legitimidade para exigir o cumprimento, pela administração
pública direta e indireta, das normas relativas à SST, inclusive aquelas previstas nas NRs,
por se tratarem de direitos sociais dos servidores, ainda que exclusivamente estatutários
(VILLELA, 2015).

Por outro lado, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) editou a Nota Técnica nº
15/2008/DMSC/SIT, a qual dispõe que a Inspeção do Trabalho não tem competência para
fiscalizar o cumprimento de NRs nos órgãos que possuem servidores estatutários, uma
vez que o ordenamento jurídico proíbe a interpretação extensiva de normas punitivas.
Logo, tais órgãos estariam livres de fiscalização do MTE (REVISTA PROTEÇÃO, 2014b).

Não prática, não se tem notícias de ações sistemáticas do poder público, mesmo
efetuadas pelo Ministério Público do Trabalho, exigindo o cumprimento de NRs em órgãos
públicos. Desta forma, qualquer debate jurídico sobre a utilização de NRs para os
servidores estatutários perde o sentido prático, caso não sejam efetuadas medidas
fiscalizatórias em relação a estas normas.

6 SST na Receita Federal do Brasil (RFB)

No serviço público federal, destaca-se a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB),


órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, que é de importância fundamental e
estratégica ao funcionamento do Estado Brasileiro, pois, entre outras funções, é
responsável pela administração dos tributos de competência da União, inclusive os
previdenciários, e os incidentes sobre o comércio exterior, abrangendo parte significativa
das contribuições sociais do país. Também subsidia o Poder Executivo Federal na
formulação da política tributária brasileira, previne e combate a sonegação fiscal, o
contrabando, o descaminho, a pirataria, a fraude comercial, o tráfico de drogas e de
animais em extinção e outros atos ilícitos relacionados ao comércio internacional
(RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2015a).

Além da sua importância ao funcionamento do Estado Brasileiro, destaca-se a estrutura


física e humana da RFB. Entre unidades centrais, superintendências, delegacias,
inspetorias, alfândegas e agências, a RFB possui 599 unidades espalhadas pelo país
(RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2015b). Nestas unidades, trabalham mais de 27.000
pessoas, considerando os vários cargos de servidores públicos, outras carreiras e
estagiários (RECEITA FEDERAL DO BRASIL, 2015c). Pouquíssimas empresas no Brasil
têm quantidade de trabalhadores maior que esta.
Além disso, dentre as atividades desenvolvidas pela RFB, algumas são de alto risco, tais
como, por exemplo, operações para o combate de contrabando, descaminho e pirataria.
O local do ambiente de trabalho dos servidores da RFB também pode conter riscos
adicionais, tal como ocorre em portos e aduanas.

Conforme já comentado, de acordo com o próprio Governo Federal, não obstante a falta
de legislação e de políticas sobre SST para os servidores estatutários, algumas
instituições federais, por iniciativa própria, efetuavam medidas de SST, contando com
departamentos de saúde bem estruturados (BRASIL, 2010a). Logo, dada sua importância
e estrutura, poderia se esperar que a RFB possuísse algum trabalho diferenciado nesta
área.

Não é o que ocorre. A RFB sempre seguiu o padrão geral do serviço público federal, ou
seja, não adotava e ainda não adota os princípios básicos de SST.

Em relação às normas da política de atenção à saúde e segurança do trabalho do


servidor público federal (PASS), com base na já citada Norma Operacional de Saúde do
Servidor (NOSS), a RFB publicou a Portaria RFB nº 3.207, de 04 de agosto de 2011
(BRASIL, 2011b). Todavia, tal portaria somente instituiu a Rede de Saúde e Qualidade de
Vida no Trabalho (Rede SQVT), uma espécie de comissão de servidores. Não foram
disciplinados outros aspectos da SST previstos na NOSS. Segundo o Art. 2º da citada
portaria, as ações e projetos a serem desenvolvidos pela Rede SQVT deverão pautar-se:

I - pela promoção da saúde e da humanização do trabalho e pela


prevenção de acidentes, de agravos à saúde e de doenças
relacionadas ao trabalho;

II - pelo desenvolvimento de atitudes de co-responsabilidade no


gerenciamento da saúde e da segurança; e

III - pela valorização e estímulo da participação dos servidores.

Na estrutura organizacional da RFB, as atividades relativas à saúde e qualidade laboral


são da competência da Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas (Cogep), conforme
Art. 190 do Regimento Interno da RFB, aprovado pela Portaria MF nº 203/2012 (BRASIL,
2012b). Vinculada à Cogep, há uma divisão denominada Divisão de Saúde e Qualidade
no Trabalho (Disaq). Sua competência está estabelecida no Art. 195 desta portaria,
transcrito a seguir. Como se observa neste artigo, a segurança do trabalho sequer está
expressamente mencionada como de competência da Disaq, embora possa se considerar
que esteja implícita na qualidade do ambiente de trabalho:

Art. 195. À Divisão de Saúde e Qualidade no Trabalho - Disaq


compete supervisionar e orientar em âmbito nacional e executar nas
Unidades Centrais as atividades relativas à qualidade de vida e do
ambiente de trabalho, à saúde ocupacional, ao atendimento
psicossocial e ao fortalecimento da integração entre os servidores,
bem como supervisionar e executar a contratação de estagiários.

Entretanto, não se tem notícias de projetos e ações efetivas desenvolvidas pela Rede
SQVT ou pela Disaq que, na prática, tenham tido repercussão sobre o conjunto de
servidores da RFB. Há, contudo, um trabalho desenvolvido na Intranet corporativa, que
será descrito adiante.

Também não existem, na RFB, as estruturas e programas básicos referentes à SST para
os servidores deste órgão.

Nunca existiu uma estrutura especializada com profissionais específicos relacionados à


SST (médicos do trabalho, engenheiros de segurança, enfermeiros do trabalho, etc) nos
moldes do SESMT, previsto na NR-04, ou, em relação ao serviço público federal, nos
moldes da Equipe de Vigilância e Promoção, prevista na Norma Operacional de Saúde do
Servidor (NOSS). Há que se considerar, contudo, que a PASS tem caminhado para que
as ações de SST não sejam prestadas diretamente pelos órgãos por meio de suas
próprias equipes multidisciplinares, mas por unidades do SIASS em convênio com estes
órgãos. Tais unidades SIASS comportariam as equipes multidisciplinares.

Não existe também na RFB uma comissão do tipo da CIPA prevista na NR-05 ou, em
relação ao serviço público federal, da Comissão Interna de Saúde do Servidor Público
(CISSP), prevista na NOSS.

A RFB também não possui um programa formal de prevenção de riscos ambientais, nos
moldes do PPRA, previsto na NR-9, nem um programa de controle médico de saúde
ocupacional semelhante no PCMSO, previsto na NR-7. Pelo menos, nenhum programa
que tenha efetivamente alcançado todo o conjunto de servidores.

A inexistência de programas e medidas de SST fica evidente em um grave acidente


ocorrido com um servidor da RFB, o qual será apresentado no item seguinte.

Há que se considerar, contudo, que algumas unidades da RFB, por iniciativa própria, têm
efetuado algumas medidas isoladas que podem ser consideradas como integrantes da
área de SST.

A mais comum é a ginástica laboral, que é efetuada por intermédio da contratação de


empresas especializadas via licitação, uso de estagiários ou, ainda, por intermédio de
convênios com outras instituições, tais como universidades.

Algumas outras iniciativas são: a apresentação de palestras sobre temas variados em


relação à saúde e qualidade de vida no trabalho; análises ergométricas de postos de
trabalho; vacinações; criação de grupos de apoio psicossocial; entre outras.

Para divulgação e ampliação destas iniciativas, a RFB tem tentado sistematizar algumas
delas, incluindo-as na Intranet corporativa, por meio da criação de "espaços" eletrônicos,
nos quais os servidores podem encontrar informações, legislação básica, fórum para
debate, etc. Um dos espaços melhor estruturados é o referente à ginástica laboral, que
também conta com um manual específico sobre o tema, modelos de documentos e relato
de experiências de outras unidades.

Outro espaço existente é o denominado "Espaço da Fala", que foi inclusive formalizado
por meio de um dispositivo infralegal, a Portaria RFB nº 460, de 26 de março de 2015
(BRASIL, 2015a). O §1º do Art. 1º desta portaria, a seguir transcrito, apresenta o objetivo
desta iniciativa:

§ 1º O Espaço da Fala tem como objetivo a mediação de conflitos e


o favorecimento à reflexão pelos servidores sobre possíveis
alternativas de resolução de questões interpessoais, no âmbito
profissional ou pessoal, que estejam interferindo de forma negativa
no espaço laboral, contribuindo, assim, para o equilíbrio
biopsicossocial no ambiente de trabalho.

No entanto, ainda são poucas as unidades que executam algum destes trabalhos.
Quando ocorre é muito mais pela boa vontade de servidores e gestores locais que por
uma política do órgão. O principal problema para estruturação destas iniciativas é a falta
de recursos financeiros específicos, o que tem se agravado com a crise econômica atual
e o consequente corte de despesas. Assim, tais unidades da RFB tentam fazer o possível
para driblar a falta de recursos, utilizando convênios com outras instituições que não
gerem custos, utilização de verbas dos sindicatos de servidores, apoio de operadoras de
planos de saúde que mantém convênios com o Ministério da Fazenda, uso dos próprios
servidores existentes que, muitas vezes, possuem formação em áreas afins, entre outras
estratégias.
Há que se considerar, contudo, que a PASS prevê que a SST dos órgãos públicos
federais seja prestada por unidades SIASS em convênios com estes órgãos. Assim,
procurou-se por unidades SIASS que tivessem convênio com a RFB, por meio de
pesquisa no sítio de Internet do próprio SIASS
<https://www2.siapenet.gov.br/saude/portal/public/index.xhtml>. Nesta pesquisa, não se
encontrou nenhuma unidade vinculada diretamente à RFB, apenas unidades vinculadas
ao Ministério da Fazenda, ministério o qual RFB está integrada. Neste caso, na data de
13/02/2016, foram encontradas as seguintes unidades SIASS com vínculo junto ao
Ministério da Fazenda:

SIASS - Universidade Federal de Santa Maria - Sede - Santa Maria - RS


SIASS - INSS/POA - Sede - Porto Alegue - RS
SIASS - INSS/Canoas Litoral Norte//RS - Sede - Canoas - RS
SIASS - Universidade Federal da Fronteira Sul/Chapecó - Sede - Chapecó - SC
SIASS - INSS/Florianópolis - Sede - Florianópolis - SC
SIASS - INSS GEX Londrina - Sede - Londrina - PR
SIASS - INSS/Foz do Iguaçu - Sede - Cascavel - PR
SIASS - INSS/CTBA - Sede - Curitiba - PR
SIASS - Ministério da Fazenda/RJ - Sede - Rio de Janeiro - RJ
SIASS - INSS/Volta Redonda/RJ - Sede - Volta Redonda - RJ
SIASS - UFRJ/PR4/DVST - Sede - Rio de Janeiro - RJ
SIASS - Universidade Federal de Lavras - Sede - Lavras - MG
SIASS - Centro Oeste de Minas - INSS Divinópolis - MG - Sede - Divinópolis - MG
SIASS - Universidade Federal de Minas Gerais - Sede - Belo Horizonte - MG
SIASS - UFTM - Núcleo de Atenção à Saúde do Servidor - Sede - Uberaba - MG
SIASS - Universidade Federal de Uberlândia - Sede - Uberlândia - MG
SIASS - Universidade Federal de Juiz de Fora - Sede - Juiz de Fora - MG
SIASS - UFES - Vitória/ES - Sede - Vitória - ES
SIASS - INSS - Dourados - Mato Grosso do Sul - Sede - Dourados - MS
SIASS - INSS/MS - Sede - Campo Grande - MS
SIASS - Ministério da Fazenda/MT - Sede - Cuiabá - MT
SIASS - Ministério da Saúde em Goiânia/GO - Sede - Goiânia - GO
SIASS - INSS/Anapólis/GO - Sede - Anápolis - GO
SIASS - Universidade Federal do Tocantins - Sede - Palmas – TO
SIASS - Ministério da Fazenda /DF – Sede – Brasília - DF
Serviço Médico Universitário Rubens Brasil - UFBA - Sede - Salvador - BA
SIASS - Ministério da Saúde/SE - Sede - Aracaju - SE
SIASS - Ministério da Saúde /AL - Sede - Maceió - AL
SIASS - Universidade Federal de Campina Grande - Sede - Campina Grande - PB
SIASS - Ministério da Fazenda/PB - Sede - João Pessoa - PB
SIASS - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - Sede - Natal - RN
SIASS - Ministério da Fazenda - Fortaleza/CE - Sede - Fortaleza - CE
SIASS - INSS - Sobral/CE - Sede - Sobral - CE
SIASS - INSS/GEXTER/PI - Sede - Teresina - PI
SIASS – Coorden. de Atenção à Saúde do Servidor - CASS/UFMA - Sede - São Luís - MA
SIASS - Tapajós - Univers. Federal do Oeste do Pará/UFOPA - Sede - Santarém - PA
SIASS - Ministério da Fazenda/PA - Sede - Belém - PA
SIASS - INSS/AM - Sede - Manaus - AM
SIASS - FUNASA/AP - Sede - Macapá - AP
SIASS - Universidade Federal de Roraima - Sede - Boa Vista - RR
SIASS - FUNASA - Porto Velho/RO - Sede - Porto Velho - RO
SIASS - Ministério da Saúde/Rio Branco/AC - Sede - Rio Branco - AC

A partir desta relação, entrou-se em contato com quase todas as unidades da RFB
presentes nos mesmos municípios destas unidades SIASS, pois, em tese, seriam as
unidades com maior chance de haver algum trabalho em SST desenvolvido pelo SIASS.
Entretanto, de acordo com as respostas, constatou-se que tais unidades, em relação aos
servidores da RFB, somente realizam perícias médicas e validação de atestados médicos,
não realizando praticamente nenhuma ação de SST para as unidades da RFB.

Saliente-se que alguns informantes sequer tinham conhecimento que as unidades SIASS
tivessem alguma outra atribuição, além de perícias médicas.

Duas unidades, no entanto, relataram algumas visitas esporádicas de integrantes do


SIASS para palestras, avaliações, testes de pressão, alguns tipos de exames, entre
outros. Contudo, não é possível considerar que tais ações correspondem às obrigações
legais sobre SST que, além das perícias, as unidades do SIASS estão incumbidas, tais
como as descritas nos incisos II e III do Art. 12 da Portaria nº 1.397/2012 (BRASIL,
2012a):

Art. 12. Compete à unidade do SIASS:

(...)

III - executar ações de vigilância para avaliar os ambientes e a


organização de trabalho, com emissão de relatório ambiental
contendo medidas de mudança das condições de trabalho, visando
a promoção à saúde, no âmbito dos órgãos e entidades partícipes
do acordo de cooperação técnica;

Outro problema constatado é que as unidades dos SIASS, muitas vezes, sequer efetuam
perícias médicas nos servidores da RFB que delas necessitam. Isso porque a maioria das
unidades da RFB não conta com uma unidade SIASS no mesmo município. Com isso, os
servidores deveriam se deslocar à unidade SIASS de um município mais próximo para as
perícias. Contudo, tais despesas de deslocamentos não são cobertas pela administração
federal. Sequer ocorre a liberação de ponto. Para suprir tal problema, algumas perícias
em servidores da RFB são efetuadas por agências do INSS que efetuam perícias para os
trabalhadores em geral, tal como ocorria antes da implantação do SIASS. Eventualmente
também ocorre o deslocamento de peritos do SIASS para locais onde não há unidades
deste sistema.

O descaso com a SST dos servidores da RFB é demonstrado principalmente pela


ausência de exames médicos periódicos. Conforme já abordado, trata-se de uma
obrigação legal determinada pelo Art. 206-A da Lei 8.112/1990 (BRASIL, 1991a),
regulamentado pelo Decreto nº 6.856/2009 (BRASIL, 2009b), com orientações
estabelecidas pela Portaria Normativa nº 4/2009 (BRASIL, 2009c).

A despeito desta obrigação legal, os servidores da RFB não são submetidos a exames
periódicos. Saliente-se que um dos autores deste artigo é servidor da RFB há quase
quatorze anos, jamais tendo sido submetido a qualquer tipo de exame médico que tenha
sido por iniciativa deste órgão.

Ressalte-se que, na data de 01/02/2016, foram encaminhados alguns questionamentos


formais à RFB sobre suas medidas de SST, entre eles: se existe algum trabalho
institucional de âmbito nacional em SST desenvolvido pela Rede SQVT ou pela Disaq; se
há algum programa formal de controle da saúde ocupacional ou de prevenção de
acidentes que tenha abrangência a todos os servidores da RFB; se está em curso a
formação da Comissão Interna de Saúde do Servidor Público (CISSP); se existe alguma
unidade do SIASS que venha desenvolvendo, além de perícias médicas, ações de SST
junto a alguma unidade da RFB; por que a RFB não vem realizando os exames médicos
periódicos previstos no Art. 206-A da Lei 8.112/1990. Entretanto, até a publicação deste
trabalho, os questionamentos não foram respondidos.
Há outra situação a ser considerada em relação à SST na RFB, cuja discussão mais
aprofundada, no entanto, foge ao escopo deste trabalho. É o caso dos trabalhadores que
atuam dentro de unidades da RFB, mas que estão submetidos à CLT. Alguns são
trabalhadores terceirizados que realizam funções como secretariado, vigilância,
manutenção, limpeza e serviço de motorista. A RFB, por meio de licitação, contrata
empresas que subcontratam estes trabalhadores. Outro caso são os servidores celetistas
empregados de outras instituições. Os mais comuns são os servidores do Serviço Federal
de Processamento de Dados (SERPRO), empresa pública que presta serviços para a
RFB. Tal empresa possui trabalhadores, geralmente da área de Tecnologia da
Informação, lotados dentro de grande parte das unidades da RFB. Considerando que esta
entidade não adota medidas de SST, indiretamente, tais trabalhadores também estão
sendo atingidos por esta omissão, podendo estar provavelmente ocorrendo violação de
NRs. Isto também confirma a incoerência da política de SST atual para o serviço público:
há trabalhadores em um mesmo local, parte deles com proteção jurídica de sua SST e
parte não.

7 Saúde suplementar e SST no serviço público: o caso de um acidente na RFB

Um dos três eixos da PASS, que também é um dos objetivos do SIASS, é a assistência à
saúde do servidor. Segundo a PASS, considera-se como assistência à saúde a provisão
de recursos voltados para a reparação do estado de saúde, com a finalidade de manter
ou restabelecer a saúde ou minimizar os danos decorrentes de enfermidades ou
acidentes (Brasil, 2010a).

Em termos legais, a assistência à saúde para os servidores estatutários federais é tratada


pelo Art. 230 da Lei 8.112/1990. Segundo este dispositivo, a assistência à saúde do
servidor compreende a assistência médica, hospitalar, odontológica, psicológica e
farmacêutica. Além disso, abrange também os servidores inativos e a família do servidor
(BRASIL, 1991a).

O Art. 230 é regulamentado pelo Decreto nº 4.978, de 3 de fevereiro de 2004 (BRASIL,


2004). A Portaria Normativa nº 05 do MPOG, de 11 de outubro de 2010, também
estabelece orientação para o cumprimento deste artigo (BRASIL, 2010f). Segundo o Art.
2º desta portaria, a assistência à saúde dos servidores federais será prestada pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) e, de forma suplementar, mediante: I - convênio com
operadoras de plano de assistência à saúde, organizadas na modalidade de autogestão;
II - contrato com operadoras de plano de assistência à saúde; III - serviço prestado
diretamente pelo órgão ou entidade; ou IV – auxílio de caráter indenizatório, por meio de
ressarcimento.

A assistência prevista nestes quatro incisos é a denominada “saúde suplementar”, que, de


acordo com a PASS, "é um benefício compartilhado entre a Administração Pública e o
servidor, além do Sistema Único de Saúde – SUS, que é ofertado a todos os cidadãos
brasileiros" (BRASIL, 2010a).

Saúde suplementar também se refere à atividade dos planos e seguros privados de


assistência à saúde, conforme a Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998 (BRASIL, 1998b),
sendo regulada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Considerando o disposto na Portaria Normativa nº 05/2010 do MPOG (BRASIL, 2010f),


em relação à saúde suplementar para os servidores da RFB, o Ministério da Fazenda
oferece duas modalidades de benefício: 1) Copatrocínio: para os usuários de planos de
saúde das entidades conveniadas, sendo o repasse do custeio feito diretamente para tais
entidades; 2) Ressarcimento: para usuários dos demais planos de saúde, em que o
servidor deve inicialmente pagar o plano e depois solicitar ressarcimento ao Ministério da
Fazenda. As entidades atualmente conveniadas com o Ministério da Fazenda são:
Unafisco Saúde, GEAP e ASSEFAZ.

É importante salientar que a saúde suplementar, conforme disposto no Art. 15, caput e
§1º, da Resolução Normativa (RN) nº 387, de 28/10/2015, a seguir transcrito, também
deve obrigatoriamente cobrir procedimentos listados no Rol de Procedimentos e Eventos
em Saúde, estejam ou não relacionados com a saúde ocupacional e acidentes de
trabalho (BRASIL, 2015b). Ressalte-se que esta obrigatoriedade já existe desde a RN nº
211, de 11/01/2010 (BRASIL, 2010g).

Art. 15. Nos contratos de planos individuais ou familiares, coletivos


por adesão e coletivos empresariais é obrigatória a cobertura dos
procedimentos listados no Rol de Procedimentos e Eventos em
Saúde, relacionados ou não com a saúde ocupacional e
acidentes de trabalho, respeitadas as segmentações contratadas.
(grifou-se)

§ 1º Para fins de cobertura obrigatória pelos planos privados de


assistência à saúde, entende-se como cobertura relacionada com a
saúde ocupacional, o diagnóstico, o tratamento, a recuperação e a
reabilitação de doenças relacionadas ao processo de trabalho
listadas na Portaria 1.339 MS/GM, de 18 de novembro de 1999.
No entanto, alguns planos de saúde excluem de sua cobertura o tratamento para os
danos decorrentes de acidentes de trabalho ou de doenças ocupacionais.

A Geap Autogestão em Saúde é uma operadora de planos de saúde específicos para


servidores públicos federais e que mantém convênio com o Ministério da Fazenda.
Conforme o plano de saúde contratado com esta entidade, cujos regulamentos estão
disponíveis em sua página na Internet, não há cobertura para estes casos. A título de
exemplo, é apresentada a seguir a exclusão constante no regulamento do Plano GEAP-
Referência (GEAP, 2015):

§1° - O Plano GEAP-Referência não cobre procedimentos


ambulatoriais solicitados no curso de exames pré-admissionais e
demissionais, nem aqueles solicitados, tanto em nível ambulatorial
quanto sob regime de internação, no curso de investigação
diagnóstica e tratamento de doenças ocupacionais e acidentes do
trabalho.

Em contato com o “Fale Conosco” do Unafisco Saúde, plano de autogestão que mantém
convênio com o Ministério da Fazenda, foi questionado sobre tal cobertura, sendo a
questão formalizada por meio do protocolo n° 50496. A resposta foi que, de acordo com o
regulamento do plano, acidentes de trabalho e doenças ocupacionais relacionados às
atividades do serviço executadas pelo Auditor-fiscal (um dos cargos da RFB que pode ser
beneficiário deste plano) não estão cobertas pelo Unafisco Saúde.

Em contato com a Fundação Assistencial dos Servidores do Ministério da Fazenda


(ASSEFAZ), instituição que mantém planos de saúde com convênio com o Ministério da
Fazenda, esta informou que o regulamento de seus planos de saúde prevê, em seu
Capítulo V – Das Exclusões de Cobertura, Art. 22, Item XXV, que medicina do trabalho,
incluindo acidente de trabalho e suas consequências, exames pré-admissionais,
periódicos, demissionais ou equivalentes e de diagnóstico ocupacional, medicina
ocupacional e de segurança do trabalho, doenças ocupacionais e suas consequências,
incluindo a reabilitação e readaptação profissional, estão excluídos das coberturas dos
procedimentos concedidas pela ASSEFAZ.

Há outros planos de saúde que, embora não possuam convênio com o Ministério da
Fazenda, possuem convênio com entidades de servidores da RFB, propiciando
atendimento para estes. Neste caso, a saúde suplementar ocorre na modalidade de
ressarcimento. Um destes planos é o Unimed-Vitória, que possui convênio com a
Associação Nacional do Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (UNAFISCO-
Associação). Em contato com esta entidade, foi informado que tal plano de saúde
apresenta cobertura para os procedimentos listados no rol de procedimentos e eventos
em saúde, relacionados ou não com a saúde ocupacional e acidentes de trabalho.

Outro aspecto relevante a salientar é que, conforme a anteriormente citada Portaria


Normativa nº 05/2010, a saúde suplementar é de adesão voluntária para o servidor, uma
vez que não é custeada somente pela administração, mas também por este, conforme
dispõem os artigos 4º e 7º desta portaria. O valor de participação do servidor no custeio é
definido em portaria do MPOG, variando conforme sua idade e sua faixa de remuneração.

Assim, considerando tais dispositivos, juntamente com o Art. 213 da Lei nº 8.112/1990
(BRASIL, 1991a), se um servidor estatutário federal tiver um problema de saúde, ainda
que decorrente de doença ocupacional ou de acidente de trabalho e ainda, se ele não
tiver optado pela saúde suplementar ou o plano de saúde escolhido não tiver cobertura
para este tipo de ocorrência, o tratamento deverá ser feito em instituição pública, ou seja,
por meio do SUS, exceto se este não apresente tratamento para o problema, atestado por
junta médica oficial.

Outro problema constatado é que os valores de participação propiciados pela


administração federal, os quais estão estabelecidos atualmente na Portaria n° 8, de 13 de
janeiro de 2016, do MPOG (BRASIL, 2016g), estão muito abaixo dos valores cobrados em
média por planos de saúde, principalmente nas faixas de maior idade. Assim, quase
sempre, o servidor da RFB acaba arcando com valor bem maior que a administração no
custeio do plano de saúde. Mesmo que seja para tratar um problema de saúde
ocasionado pelo desempenho de suas funções junto à RFB. A título de exemplo, se um
servidor da RFB estiver na faixa de idade de 44-48 anos e tiver remuneração de R$
7.5000,00 ou mais terá um valor mensal custeado pela administração de apenas R$
117,42. Nesta situação, um plano com razoável cobertura e sem coparticipação do
usuário nos procedimentos médicos custa, no mínimo, quatro vezes mais que esse valor.
Por exemplo, o Unafisco Saúde conta atualmente com dois planos, sendo o mais básico
denominado UNAFISCO SAÚDE SOFT I, que, para esta faixa etária, tem o custo mensal
atual de R$ 507,58 (UNAFISCO SAÚDE, 2016). Mesmo em um plano com coparticipação,
em que o usuário paga uma porcentagem do custo do procedimento médico quando o
usa, o valor mensal também é alto. Como exemplo, pode ser citado o plano da Unimed-
Vitória, em convênio com a UNAFISCO-Associação. Para esta faixa de idade, com
internação em apartamento, o plano tem atualmente o custo mensal de R$ 456,61
(UNAFISCO ASSOCIAÇÃO, 2016).

Há um caso ocorrido na própria RFB que ilustra bem os problemas da saúde suplementar
e do tratamento oferecido aos servidores estatutários federais, em caso de acidente de
trabalho, tal como dispõe o Art. 213 da Lei nº 8.112/1990 (BRASIL, 1991a).

Um servidor da RFB, durante habitual vistoria de carga, no interior de container carregado


com isqueiros, foi vítima de uma explosão, que lhe causou graves danos, com
queimaduras de 2º e 3º graus, necessitando de atendimento de urgência, tendo sido
removido, via aérea, para outro hospital, em Curitiba, alegadamente mais habilitado ao
tratamento da convalescença. Tal fato foi considerado acidente de serviço por uma
comissão de sindicância. Todo o tratamento dispensado ao servidor foi prestado por
hospitais conveniados ao seu plano de saúde, inclusive os procedimentos posteriores ao
atendimento emergencial. Contudo, as despesas médicas e hospitalares decorrentes de
acidente em serviço não foram passíveis de cobertura pelo plano de saúde do servidor,
denominado Plano ASSEFAZ PLUS I. O servidor solicitou o ressarcimento destas
despesas médicas junto à administração, o que foi negado, uma vez que, conforme
preconiza o Art. 213 da Lei nº 8.112/1990, não houve manifestação de junta médica oficial
atestando a imprescindibilidade do tratamento particular (BRASIL, 2011c).

Este caso também ilustra outros aspectos relevantes envolvendo a SST no serviço
público. Ocorre que, judicialmente, conforme julgado a seguir transcrito, foi considerada
objetiva a responsabilidade da União sobre este fato, tendo ela sido condenada a reparar
os danos materiais, morais e estéticos sofridos pelo servidor acidentado. Ficou evidente
também que a omissão da RFB, em função da ausência de treinamento específico e
disponibilização de material protetivo aos servidores, atenta contra os valores
constitucionais. Logo, a ausência de programas relacionados à SST não é prejudicial
somente aos servidores, mas a toda sociedade brasileira, que irá arcar com os custos do
absenteísmo e da recuperação do servidor, ainda que o tratamento tivesse ocorrido pelo
SUS.

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ADUANEIRO. ACIDENTE


EM SERVIÇO. CARGA INFLAMÁVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL
OBJETIVA DA UNIÃO POR FALHA NO CONTROLE E
FISCALIZAÇÃO DO TRANSPORTE DE CARGAS PERIGOSAS.

1. É objetiva a responsabilidade da União de reparar os danos


materiais, morais e estéticos sofridos por servidor aduaneiro que foi
vítima da explosão de um container carregado com carga inflamável
durante procedimento fiscalizatório rotineiro.

2. A ausência de treinamento específico e disponibilização de


material protetivo aos servidores aduaneiros responsáveis pelo
procedimento fiscalizatório em cargas perigosas, afronta os valores
do Estado Democrático de Direito consagrado na CF/88, que é
fundado na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do
trabalho, dentre os quais está incluído o direito do trabalhador de ter
respeitada a sua incolumidade física. (BRASIL, 2011d)

Este acidente também comprova a inexistência de medidas de SST na RFB, uma vez que
a própria comissão de sindicância instaurada para apurá-lo, após análise da ocorrência e
realização de diversas diligências, orientou a adoção de providências relacionadas à
segurança do trabalho, com o fim de proteger a saúde, a integridade física e psicológica
dos servidores, por meio da instituição de programa de vigilância à saúde e ambiental dos
locais de trabalho no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil (BRASIL, 2011d).
No entanto, não consta que, após este acidente, tenha sido instituído o referido programa,
tal como já abordado no item anterior deste artigo.

Nesta mesma linha, embora fora do âmbito da RFB, uma decisão recente condenou a
União a pagar indenização por danos morais a um servidor do INSS que ficou com lesões
físicas decorrentes de atividades laborais (tendinite no ombro direito e cervicalgia). A
decisão considerou que União tem o dever, enquanto tomadora dos serviços dos
funcionários, de zelar pela redução dos riscos inerentes ao trabalho e propiciar garantia
de condições individuais e ambientais de trabalho satisfatórias. Foi também constatado
que o servidor havia enviado ofícios ao órgão pedindo a elaboração de análise
ergonômica, no que não foi atendido (BRASIL, 2016h).

8 Conclusões

A legislação protetiva referente à Saúde e Segurança do Trabalho (SST) dos servidores


públicos estatutários federais sempre foi escassa, resultando na quase inexistência de
medidas de SST para este público na maior parte dos órgãos federais. Este quadro
deveria ter mudado com a inclusão destes servidores na Política Nacional de Segurança e
Saúde no Trabalho (PNSST) e a criação de uma política específica para eles, a Política
de Atenção à Saúde e Segurança do Trabalho do Servidor Público Federal (PASS).
Entretanto, na prática, o quadro pouco mudou para tais servidores. O que se tem até
agora são apenas boas intenções e medidas insuficientes.
A PASS se baseia em algumas portarias que criaram dispositivos relevantes, tais como: o
Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal (BRASIL, 2014), a
Norma Operacional de Saúde do Servidor (NOSS) (BRASIL, 2010e) e as Diretrizes Gerais
de Promoção da Saúde do Servidor Público Federal (BRASIL, 2013). Estes dois últimos
documentos estabelecem diretrizes, objetivos e estratégias que, se realmente colocados
em prática, contribuiriam para a melhoria da SST dos servidores federais.

Com base nestes dispositivos, a proposta da PASS é que a SST seja implantada por meio
do Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor (SIASS), de modo que órgãos
públicos federais se reúnam e, por meio de acordos de cooperação técnica, formem
unidades SIASS, que ficarão responsáveis pela SST destes órgãos. A evolução dos
dispositivos demonstra que as unidades SIASS serão as protagonistas neste processo.
Caso algum destes órgãos já tenha departamento de SST formado, ele não conviveria
com a unidade SIASS, mas seria absorvido por esta. Todavia, vários problemas têm sido
constatados, tais como: a lentidão do processo, falta de recursos financeiros, falta de
pessoal para as unidades, falta de apoio por parte dos ministérios, falta de uniformização
entre as diferentes unidades SIASS, pouca quantidade e abrangência destas unidades e,
principalmente, a ênfase na perícia médica. A promoção, prevenção e acompanhamento
da saúde, que seriam os eixos principais de qualquer programa de SST, continuam com
pouca ação efetiva. Desta forma, as ações da PASS ainda estão centradas na ação
curativa e não na prevenção. Uma prova disso é que apenas a área perícia médica conta
com um dispositivo normativo detalhado sobre as ações e procedimentos específicos a
serem adotados, o Manual de Perícia Oficial em Saúde do Servidor Público Federal
(BRASIL, 2014), o que não ocorre com as demais normativas da PASS.

Esta realidade parece refletir o modelo teórico adotado pela PASS de “Saúde do
Trabalhador”, supostamente mais abrangente que o modelo “Saúde Ocupacional”,
utilizado nas NRs, uma vez que, em tese, seria mais participativo em relação ao público
alvo. Embora positiva, esta maior participação dos diferentes atores do processo,
presente nas normas da PASS, demanda ações dos órgãos públicos e unidades do
SIASS para que a SST seja realmente implantada, o que não tem ocorrido. Na prática, o
Governo Federal tem apenas estabelecido um bom referencial teórico, na esperança que
os órgãos federais, por sua própria iniciativa, montem as unidades SIASS e estas
implantem as medidas de SST para os servidores. Mas este mesmo governo não tem
fornecido o devido apoio com os recursos materiais, humanos e financeiros necessários.

Outro aspecto importante a ressaltar é que o direito constitucional dos servidores


estatutários à SST, previsto no Art. 7º, inciso XXII, conjugado com o §3º do Art. 39 da CF
(BRASIL, 1988), é norma de eficácia limitada, necessitando de normas
infraconstitucionais para efetivação deste direito. Ocorre que as normas das PASS foram
estabelecidas em portarias, que são dispositivos de baixo poder hierárquico na pirâmide
jurídica, expedidos por autoridades subalternas do poder executivo. Em tese, deveriam
apenas expedir instruções para o cumprimento de normas de hierarquia superior. Assim, é
questionável que possam suprir diretamente o comando constitucional sobre SST sem o
intermédio de dispositivos com categoria de lei ordinária.

Isso denota a importância da criação de dispositivos legais sobre SST para os servidores
estatutários, cuja gênese cabe ao Congresso Nacional. Tais dispositivos também
poderiam criar obrigações compulsórias para o serviço público federal, e também às
outras esferas de governo, para o uso de medidas imediatas de SST para este público.
Obrigações que possam ser fiscalizadas na prática e que, se não cumpridas, gerem
punição aos responsáveis, tal como ocorre com as organizações do setor privado. As
atuais portarias da PASS não permitem isso. Desta forma, com o modelo existente, o
Estado Brasileiro age como no conhecido ditado popular - "faça o que eu mando, não faça
o que eu faço", pois exige ações de SST nas organizações, mas não as cumpre em
relação aos seus trabalhadores.

Vale lembrar que, em relação ao setor privado, embora sejam portarias que estabelecem
as Normas Regulamentadoras (NRs), elas visam apenas estabelecer instruções para o
cumprimento do estabelecido na CLT, um dispositivo com categoria de lei ordinária.

Dentro da PNSST, há previsão expressa no Plano Nacional de Segurança e Saúde no


Trabalho (PLANSAT), criado em 2012, para elaboração e aprovação de dispositivos legais
em SST para os trabalhadores do serviço público nas três esferas de governo. Contudo,
não há informação que tenha sido produzido algo de concreto. Paralelo ao PLANSAT,
existe um projeto de lei que tramita no congresso de iniciativa da Associação Nacional de
Engenharia de Segurança do Trabalho (ANEST). A minuta deste projeto de lei guarda
forte semelhança com as NRs do Ministério do Trabalho e Emprego. Com isso, é possível
que haja fortes divergências teóricas entre este modelo e o utilizado na PASS.

A Receita Federal do Brasil (RFB), em relação à SST, segue o padrão geral do serviço
público federal. Ela não conta com as estruturas e programas básicos de SST, sejam os
previstos nas NRs, sejam os previstos na Norma Operacional de Saúde do Servidor
(NOSS). Há, contudo, iniciativas isoladas relacionadas à SST desenvolvidas por algumas
unidades da RFB, que este órgão tenta sistematizar e ampliar para outras unidades, não
obstante a falta de recursos. Embora positivas, tais ações deveriam ser apenas parte de
um programa maior de SST, o que não existe na RFB. Há que se considerar, contudo, que
o modelo da PASS demanda atuação das unidades SIASS para desempenhar ações de
SST junto aos órgãos federais. Neste sentido, não se constatou que as unidades SIASS
tenham desenvolvido ações relevantes de SST, além da perícia médica, mesmo nas
unidades da RFB que estão em mesmos municípios de unidades SIASS. Assim, a PASS
não proporcionou qualquer alteração relativa à SST para os servidores da RFB.

O descaso sobre a ação médica preventiva é principalmente demonstrado pela ausência


de exames médicos periódicos, uma medida básica para preservar a saúde dos
servidores. Embora seja uma obrigação legal prevista no Art. 206-A da Lei 8.112/1990,
regulamentado pelo Decreto nº 6.856/2009, grande parte das instituições federais não
têm efetuado tais exames, o que ocorre também com a RFB. Assim, além de ser
deficiente a legislação de SST para os servidores estatutários, o pouco que existe em
normas cogentes ainda não é cumprido pela administração pública federal.

A assistência à saúde para os servidores públicos estatutários federais, que ocorre


principalmente na forma de saúde suplementar, também se revela insuficiente. No caso
da RFB, os valores de participação do servidor, para o pagamento de planos de saúde
particulares, são bem superiores aos despendidos pela administração pública federal,
diferença que fica ainda maior à medida que o servidor envelhece. A saúde suplementar é
opcional para o servidor. Assim, se ele não for optante e tiver problemas resultantes de
acidente de trabalho ou de doenças ocupacionais, o tratamento será às suas expensas ou
pelo Sistema Único de Saúde (SUS), exceto se este sistema não oferecer tratamento para
o problema, atestado por junta médica oficial, o que é raro. Além disso, há planos de
saúde contratados por servidores da RFB, inclusive com convênio com o Ministério da
Fazenda, que não cobrem problemas resultantes de acidente de trabalho e doenças
ocupacionais, embora resoluções normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS) determinem o contrário. Houve inclusive um acidente de trabalho dentro da RFB
que ilustra este problema.

Desta forma, temos um modelo injusto, pois a administração pública em geral, e a RFB
em particular, comprovadamente falham na prevenção de acidentes e doenças
ocupacionais. Mas, mesmo se estes ocorram por tal falha, cabe ao servidor, caso não
queira se submeter ao SUS, custear no mínimo a maior parte do tratamento, ainda que
preventivamente por meio de adesão a planos de saúde com pagamentos mensais. Tanto
é injusto que decisões judiciais têm apresentado entendimento divergente, condenando a
União por danos advindos de sua omissão quanto à SST dos servidores. Ademais, se o
objetivo do Governo Federal, via resoluções normativas da ANS, é deixar os planos de
saúde custearem o tratamento resultante de acidente de trabalho ou de doenças
ocupacionais e, considerando que ele não faz nada para evitá-los, devia custear o valor
total ou, pelo menos, a maior parte do custo mensal de tais planos de saúde para seus
servidores.

Diante do exposto, constata-se que o poder público, tal como grande parte das empresas,
ainda encara a SST apenas como uma despesa, o que é comprovado pela falta de
recursos destinados a esta área. Não entende que os valores investidos em SST poderão
ser compensados e gerar retornos devido a diversos fatores, tais como: redução do
absenteísmo, redução de aposentadorias precoces e maior produtividade e eficiência dos
servidores, sem contar os aspectos não econômicos, como a melhor qualidade de vida
aos servidores, que refletirá em melhor atendimento à sociedade. Além disso, a ausência
de medidas de SST tem provocado danos econômicos diretos à União, que sido
condenada judicialmente a pagar indenizações a servidores estatutários devido a danos
causados por tal omissão.

Na verdade, sequer havia dados estatísticos confiáveis relacionados a acidentes e


doenças de servidores públicos federais, que pudessem fundamentar a importância
econômica e social da SST e serem usados na formulação de políticas para o setor.
Espera-se que este quadro mude com a implantação do sistema SIAPE-SAÚDE.
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

O tema Sistema de Gestão em Segurança e Saúde no Trabalho não é novo,


é tratado por diversos autores, no entanto, a grande maioria dos autores trata o tema
de maneira genérica, não entrando muito em particularidades.
Para a definição do que é Sistema de Gestão em SST, nada melhor que a
própria norma OHSAS 18001 para dar credibilidade a um trabalho acadêmico. Se-
gundo a norma, um Sistema de Gestão de Saúde e Segurança do Trabalho “é parte
do sistema de gestão global que facilita a gestão dos riscos de saúde e segurança
com relação ao negócio da empresa. Inclui a estrutura organizacional, as atividades
de planejamento, as responsabilidades, práticas, procedimentos, processos e recur-
sos para desenvolver, implementar, alcançar e manter a política de saúde e segu-
rança da organização”. (OHSAS 18001:1999)
Para definir quais as ferramentas deverão ser utilizadas é necessário um es-
tudo de diversos autores que falam sobre as diversas ferramentas para a estrutura-
ção de um Sistema de SST.
Para Cardella(2008), o autor define algumas ferramentas a serem utilizadas
em um Sistema de gestão, tais como: diagnóstico de segurança, política de segu-
rança, controle de riscos, permissão para trabalho, Análise Preliminar de Risco,
checklist ou lista de verificação, diagrama de funções.
Segundo Oliveira(2001) que trata da questão prática do Sistema de Gestão
onde aborda os seguintes tópicos: Delimitação do problema, como identificar as
causas, fontes das causas, o que é brainstorming ou revolução de ideias, responsa-
bilidades dos agentes, motivação, cultura organizacional, programas de treinamento,
processo de melhoria contínua,
Ainda Saliba(2004) define os seguintes temas: CIPA, SEESMT, inspeção i-
nicial de segurança, PPRA, PCMSO, Sistema de Gerenciamento, política de saúde e
segurança ocupacional, responsabilidades, dispositivos organizacionais, documen-
tação, planejamento e implantação, medição de desempenho e Auditoria.
Para Mattos(2011) as ferramentas a serem utilizadas para o desenvolvimen-
to de um Sistema de Gestão de Riscos são: PDCA, Análise Preliminar de Riscos,
Antecipação dos Riscos, Avaliação dos Riscos, Controle dos Riscos, inspeção de
segurança, investigação de acidentes, fluxogramas, PCMSO, CIPA, SESMT e ginás-
tica laboral, sendo estes os tópicos abordados nessa estruturação de um Sistema de
Gestão.
Ainda nesta monografia serão apresentadas ferramentas de gestão de em-
presas multinacionais em seu Sistema de Gerenciamento de perdas, conforme o
descrito nas normas da EXXONMOBIL. (EXXONMOBIL,2013)
Para estruturar esta Política de Segurança e Saúde do trabalhador no referi-
do Órgão público do Estado do Paraná, o parágrafo 1º do art. 1º da Instrução Nor-
mativa 001 de 2001 do TJPR aduz que “é de responsabilidade de todos os níveis de
chefias proporcionar condições seguras e saudáveis no trabalho, considerando o
binômio ‘produção com segurança e saúde’ e, ‘qualidade com segurança e saúde’
.(PARANÁ, 2011).
Ainda, em seu Art. 3º, a instrução aduz que:

Os servidores devem adotar comportamentos preventivos de acidentes do


trabalho, evitando atitudes como:
I – Executar tarefas para as quais não possuam conhecimento ou habilidade
específica;
II – Agir na tentativa de economizar tempo ou esforço, atrair a atenção, a-
firmar a independência ou de procurar aprovação do grupo;
III – Utilizar-se de aparelhos inadequados ou visivelmente desgastados pelo
uso:
IV – Agir sem permissão;
V – Chamar a atenção com gestos, palavras ou atitudes espalhafatosas;
VI – Operar em velocidade inadequada;
VII – Inutilizar dispositivos de segurança;
VIII – Usar equipamento defeituoso;
IX – Deixar de usar equipamento de proteção;
X – Armazenar cargas inadequadamente;
XI – Levantar pesos incorretamente;
XII – Assumir posição insegura;
XIII – Dar manutenção em equipamento funcionando;
XIV – Brincar no local de trabalho;
XV – Usar bebidas alcoólicas ou substâncias entorpecentes;
XVI – Não cumprir normas de segurança;
XVII – Dirigir perigosamente;
XVIII – Manusear equipamentos sem autorização.(PARANÁ, 2001)

Esta relação mesmo que incompleta indica que os servidores devem seguir no
mínimo as boas práticas prevencionistas que estão dispostas nas Normas Regulamen-
tadoras do Ministério do Trabalho e Emprego do Governo Federal, já que ainda o Órgão
estatal não possui regulamento próprio na área de segurança. Este projeto visa a
sugerir Normas, Diretrizes e ferramentas para dar efetividade a um Sistema de Gestão
de Segurança e Saúde para servidores públicos, regidos pelo Estatuto dos Funcionários
do Órgão público (lei 16.024/2008) do Estado do Paraná.(PARANÁ, 2013)
Afirma a IN ainda em seu Art. 5º que:

[...]é dever de todos os servidores do Poder Judiciário(PARANÁ, 2001)


I – conhecer a Política de Segurança e Saúde no Trabalho, respeitando to-
das as normas e procedimentos necessários ao seu fiel cumprimento;
II – Analisar a possibilidade de risco, antes da execução de toda e qualquer
tarefa;
III – Comunicar à chefia imediata todas as condições inseguras encontradas
e apresentar, se possível, sugestões para solucioná-las;
IV – Comunicar os acidentes sofridos ou presenciados, com ou sem lesão,
com danos materiais ou interrupção do processo produtivo, bem como os
incidentes com possibilidade de se repetirem com consequências danosas;
V – Usar os EPI’s e EPC’s fornecidos ou instalados pelo TJPR;
VI – Manter a sua área de trabalho em perfeita ordem e limpeza;
VII – Não hesitar em solicitar explicações ao seu superior, para dirimir dúvi-
das sobre a execução de suas tarefas;
VIII – Dedicar atenção à segurança e saúde mesmo fora do seu serviço;
IX – Participar de treinamentos determinados pela Administração do TJPR.

2.1 A REALIDADE DA SEGURANÇA DO TRABALHO NO ORGÃO PÚBLICO

A estruturação de um Sistema de Gestão de Segurança e Saúde dos Servi-


dores do Órgão Estatal, doravante tratado de SGS-SST, visa a dar efetividade à Po-
lítica de Segurança e Saúde no Trabalho, que foi editada pela Instrução Normativa
nº 001/2001 do referido órgão.(PARANÁ, 2001)
A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho - OIT, depois
de ter decidido adotar diversas propostas relativas à segurança, à higiene e ao meio
ambiente de trabalho, e depois de ter decidido que tais propostas revisam a forma
de um convênio internacional, adota, a Convenção 155 da OIT que trata da segu-
rança e saúde dos trabalhadores, sendo o Brasil signatário desta Convenção inter-
nacional. Em seu artigo terceiro, alínea “a”, é relevante ressaltar que para os efeitos
do presente Convênio, “a expressão áreas de atividade econômica abrange todas as
áreas em que há trabalhadores empregados, incluída a administração pública”.(OIT,
2013)
A Constituição Federal Brasileira em seu artigo sétimo, no inciso XXII, prevê
a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meios de normas de saúde, higiene
e segurança, sendo, portanto, parte integrante do capítulo II da Constituição Federal
Brasileira onde se trata dos Direitos Sociais dos cidadãos. (BRASIL, 2011)
Ainda na Constituição Federal Brasileira em seu artigo trinta e nove em seu
parágrafo terceiro aduz que é aplicado aos servidores públicos o disposto no artigo
sétimo, inciso XXII da referida Constituição pátria, referendando assim a obrigatorie-
dade do servidor público reduzir os riscos inerentes ao trabalho.(BRASIL 2011)
Os servidores do Órgão público do Estado do Paraná ao qual este trabalho
se refere, é regido pela lei 16.024 de 2008 que estabelece o regime jurídico dos fun-
cionários do referido Órgão, estabelece na seção II, referente aos Deveres do fun-
cionário em seu artigo 156 que é dever do funcionário além de observar as normas
legais e regulamentares, inciso VII, deve também cumprir as ordens superiores, inci-
so VIII, e também deve se submeter aos exames médicos quando determinado pela
autoridade competente, conforme o disposto no inciso XXI. No entanto, não trata da
questão da redução dos riscos inerentes ao trabalho.(PARANÁ, 2013)
A lei paranaense que regulamenta as questões de segurança e saúde no
trabalho é a lei10.692 de 1993, e em seu artigo 8º aduz que no caso de não ser eli-
minado o risco à saúde ou à integridade dos servidores, pelas providências previstas
no artigo anterior, caberá o pagamento da gratificação de insalubridade ou periculo-
sidade, além de outras observações importantes acerca da questão.(PARANÁ,
2013)
Para dar efetividade às normas sobre redução de riscos inerentes ao traba-
lho o Órgão público em questão resolveu designar uma Comissão Permanente para
tratar do assunto, estudos foram feitos e então em 2001 foi elaborado uma Política
de Segurança e Saúde para os servidores deste Órgão. Essa comissão ficou parada
durante um certo tempo, diria um tempo de amadurecimento, e então em 2012 o
grupo formado pela nova gestão da Comissão Permanente de Prevenção de Aciden-
tes de Trabalho deste órgão resolveu tocar adiante a tarefa de se estruturar um Sis-
tema de Gestão de Segurança e Saúde Ocupacional.
Em seu artigo 4º a Instrução Normativa nº 001/2001 do Tribunal de Justiça
“dá competência para que Diretores, Supervisores e Juízes de Direito dos Fóruns,
tomem as providências necessárias ao cumprimento da política e implantação efeti-
va dos programas de segurança e saúde na sua área de trabalho,...”. (PARANÁ,
2001)
Conforme o disposto no boletim interno 123 de 07/08/2013 do TJPR o De-
partamento Administrativo publicou uma relação de servidores afastados de suas
funções para tratamento de saúde.(PARANÁ, 2013)
Pode-se observar que neste documento há um número bastante expressivo
de servidores afastados durante o período de 01/04 a 30/06 do ano de 2013, perfa-
zendo um total de 493 afastamentos, sendo 196 homens (39,76% dos afastamentos)
e 297 mulheres (60,24% dos afastamentos), sendo que entre os homens há 38,27%
de prorrogações e entre as mulheres há 31,31% de prorrogação, gerando um tempo
total de afastamento de 14682 dias o que equivale a 40 anos de trabalho de um tra-
balhador. Esta análise prima facie nos indica que o afastamento de servidores gera
prejuízos para a administração pública quanto a remuneração desses funcionários
sem haver produtividade. Essa questão deve ser tratada com muito cuidado, pois
envolve vários fatores, sendo um deles, o porque, de tantos trabalhadores estão se
afastando do seu posto de trabalho em plena vida produtiva.(PARANÁ, 2013)
Segundo o ofício nº / 2012 do Centro Médico do Tribunal de Justiça do Esta-
do do Paraná o nº de acidentes de trabalho em 2012 foi de 08 acidentes com afas-
tamento. Dentro de um contingente de mais de sete mil servidores este número pa-
rece ser pequeno, no entanto, pelo relatório do próprio centro médico esse número
não condiz com a realidade, uma vez que nas comarcas fora da região metropolita-
na de Curitiba, os acidentes não são relatados pelo centro médico, ficando a critério
do magistrado local a determinação do afastamento do servidor. Há ainda a questão
de que muitos dos que prestam serviços ao órgão público estadual são ou empres-
tados de outros órgão, e portanto, relatam os acidentes àquele órgão, ou são funcio-
nários terceirizados, registrando acidentes via CAT ao ministério do trabalho, portan-
to esta estatística está longe de ser confiável. (PARANÁ, 2013)
Para a sociedade o serviço público é visto como de baixa qualidade e moro-
so, pois há um clamor da sociedade por um serviço de qualidade. Cada dia mais a
sociedade precisa de transformações rápidas e informações precisas, muitas vezes
o setor público é incapaz de promover as transformações desejadas pelo sociedade.
O Estado tende a não enxergar a real necessidade da sociedade e portanto não
presta o serviço com a necessária presteza. Essa é uma atitude a ser mudada e a
padronização dos serviços com base na saúde e segurança pode ser um coadjuvan-
te nestas questões.(FARIA, 2013)
A contratação irregular de trabalhadores mediante empresa terceirizada não
gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública, no entanto, a fal-
ta de pagamento do empregador terceirizado implica em responsabilidade subsidiá-
ria do contratante em relação a aquelas obrigações que são direito dos trabalhado-
res contratados, incluindo o órgão da administração pública a que estiver subordina-
do. Então para o órgão público se isentar de ações subsidiárias trabalhistas deve o
tomador de serviço fiscalizar a empresa terceirizada a fim que que não venha a ter
que arcar com as despesas trabalhistas da contratada.(BRASIL, 2011)
Como subsídio para a implantação de um sistema de gestão de qualidade e
ambiental, este sistema de gestão baseado na OHSAS 18001 é perfeitamente com-
patível, pois no escopo da própria norma já vem aduzido esta possibilidade.
Para tal, o órgão público deve seguir os passos da OHSAS 18001 quais sejam, efe-
tivar uma política ocupacional, fazer um planejamento, implementar e operacionali-
zar as ferramentas da norma, verificar o que foi implementado e realizar ações corre-
tivas e finalmente fazer uma análise crítica pela administração com fulcro na melho-
ria contínua do sistema, o que induz a um sistema de sustentabilidade.(QUELHAS,
2006)

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