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DE FUNDAMENTOS
A quase presença
“No viés sensível, o corpo respalda-se nos componentes tensivos concernentes a uma
profundidade figural que, considerada pressuposta aos três níveis do percurso gerativo do
sentido (discursivo, narrativo e fundamental) opera no favorecimento desse mesmo viés,
nomeado também como pático” (DISCINI, 2015, p. 16)
“[...] Um conceito alargado, aludido em outras obras do Estagirita e até nas entrelinhas da
própria Retórica, remete o phátos a um lugar de compatibilidade com a noção de percepção,
que diz respeito, nos estudos discursivos, ao sujeito da enunciação, enunciador e enunciatário,
no encontro com o mundo percebido.”
O corpo “não supõe uma presença soberana, encerrada numa subjetividade autossuficiente ou
plena em si mesma. Tal concepção de corpo, supomos convergir, do âmbito do discurso, para
a ‘visão objetiva’ referida por Castilho a qual acaba por indicar uma intervenção subjetiva
relativizada no processo verbal: menos consistente do que acontece com o modo verbal,
definido como ponto de vista sobre a ação. Estudar o aspecto relativo ao sujeito, pessoa
discursiva, supõe desconstruir a homogeneidade e o acabamento aparentes da presença
enunciativa, aquela e este reconhecidos como elementos decomponíveis nas fases próprias ao
processo de enunciação do ator” (DISCINI, p. 17).
Certamente Discini e, talvez, Fontanille, concordam com o fato de que é preciso, para
usar as palavras de Discini, “desconstruir a homogeneidade e o acabamento aparentes
da presença enunciativa”. Em Discini, a saída é decompor o processo de construção do
ator, e verificar as diversas maneiras da “presença” desse ator em cada nível de
análise. Em Fontanille, pelo que me lembro do Corps et sens, a desconstrução vai no
sentido da cena enunciativa. Desconstrói-se a visão tradicional da enunciação
enquanto uma cena de categorias dêiticas e pessoais. Assume-se a postura de que
coordenadas anteriores a essas, aquelas relativas ao campo de presença, estabelecem-
se de antemão. O sujeito da enunciação, sujeito discursivo, é, antes de “ganhar corpo”,
um actante epstemológico que opera com categorias sensíveis numa anterioridade
pressuposta à enunciação.
“Examinar a pessoa como enunciação discursivizada e esta como estilo, enquanto se procura
trazer à luz o processo de construção de um corpo no conjunto de enunciados de onde ele
emerge, supõe uma prática analítica que busca apreender cada enunciado a partir de um
conjunto, que é numérico (relativo a um, dois, três ou mais textos) e integral (regido por um
princípio concernente a um todo subjacente). Cada enunciado é visto como parte de um todo,
este constituinte de cada parte, como princípio organizador. Essa orientação analítica procura
apreendera ‘marcha’ ou o desenvolvimento de experiências sensíveis e de julgamentos morais
que fundam o ator segundo um esquema – um esquema corporal, que corrobora a
possibilidade de comtemplação das partes sem que se perca o todo. Do interior de uma
totalidade, vem À tona o princípio unificador que respalda um estilo” (DISCINI, 2015, p.19).
“No que tange a semiótica, em termos de uma narratividade entendida como subjacente a todo
texto, deduzimos que, no âmbito do esquema narrativo, a disposição sempre fundará o sujeito
de estado, contemplado antes da própria ação. Se cotejada em relação ao ato judicativo, que
tem um fim imanente, em si, que é fazer-crer, o que a confirma no nível discursivo como
feixe de argumentos e a apropriação ideológica dos valores que permeiam os níveis
fundamental e narrativo, a disposição ficará circunscrita ao perfil social do ator, assim
inclinado a uma aspectualização télica, tomando o télos como o próprio fim persuasivo. Télos
é um termo grego que nomeia o fim contido num processo, desde o início deste. O contrário
disso acontece em relação ao ato contemplado como expressão da percepção sensível, em que
é atenuada e minimizada a disposição do sujeito como reparação do ato voluntario, que supõe
tomada de posição na valoração ética. Passa então a valer a disposição como um estado
decorrente das afecções sofridas pelo sujeito diante dos objetos, coisas-do-mundo, enquanto o
ator inclina-se aspectualmente para a atelicidade” (DISCINI, 2015, p. 21).
“Dá a entender então um sujeito cotejado em suas disposições que, não voluntárias, vinculam-
se à coisa-do-mundo, o objeto, na medida em que a ‘situação’ afeta esse mesmo sujeito, ao
inspirar nele sentimentos distintos: um sujeito no mundo, passível de suportar o que lhe
sobrevém, conforme a visada que lança sobres os objetos” (DISCINI, 2015, p. 21).
“Parece, assim, esboçar-se um corpo à mercê do mundo que o habita. A partir daí entendemos
encontrar algum respaldo para a noção de sujeito ‘passivo’ componente da percepção
sensível, manifestada com prioridade em perfil próprio no processo de aspectualização
actorial. Referimo-nos ao perfil pático, que, na esfera da experiência afetiva, diz respeito ao
sujeito posto à mercê da incidência do sensível sobre o intelegível, o que o distingue do outro,
relativo à esfera das decisões judicativas. Aquele que está pressuposto a este, na contiuidade
estabelecida entre ambos, para que se processe a composição do corpo actorial” (DISCINI,
2015, p. 21).
“Por sua vez, o Pathos, concebido como sentimento, é também pressuposto à actorialização,
enquanto decorrente da formulação actancial de temas ou de percursos temáticos, o que
convoca as formações discursivas que organizam semanticamente o dito e o dizer. O páthos
articula-se à latência sensível do próprio lógos. Essa latência manifesta-se num enunciado e
em outro e no intervalo entre eles como conotação própria ao lógos de uma totalidade”
(DISCINI, 2015, p. 22).
“Entendido como signo posto sob um ponto de vista discursivo, o lógos é correlato ao
processamento do corpo do ator da enunciação” (DISCINI, 2015, p. 23).
“Por meio de ambos os perfis, interdependentes, já que correlacionados, dá-se a ver o éthos
que, como imagem de ‘quem diz’ dada por um modo sistematizado de dizer e depreensível de
uma totalidade de enunciados, vincula-se à concretização discursiva de um estilo. Ao
operarmos com a noção de duplo perfil, somos remetidos ao ator e a seus modos de
apresentação: modos de aparecimento como quase-presença. Retomamos à quase-presença,
que se instala em cada enunciado segundo os perfis constituintes do éthos. Instala-se também
no intervalo entre um enunciado e outro, para que se confirme a totalidade como determinado
conjunto de textos, ao qual subjaz u m princípio unificador. Esse princípio apresenta-se em
atualização e, a partir daí, realiza-se” (DISCINI, 2015, p. 23).
“O todo, que concerne a uma totalidade de discursos, é subjacente não só a cada texto
componente de determinado conjunto, mas é também subjacente às distintas fases da quase-
presença, por meio das quais se manifesta o princípio unificador de estilo. Esse princípio
desempenha um papel de sistematização do sentido no interior de cada um dos enunciados
assim reunidos. Desempenha ainda o pepal de orientação do que ocorre no intervalor entre um
enunciado e outro. Tal intervalo, disposto segundo a orientação imprimida às relações
estabelecidas entre as variadas fases da quase-presença, faz emergir as distintas densidades da
própria presença” (DISCINI, 2015, p. 23).
“Um observador, como actante que apara a discursivização da pessoa ao longo da totalidade,
garante o princípio unificador que respalda o estilo. Por meio desse actante, definido como
‘sujeito cognitivo’ (Greimas e Courtés, 2008: 347), o ator mostra-se segundo a categoria de
‘aspecto’ que, pensada discursivamente, diz respeito ao tempo e ao espaço [....]” (DISCINI,
2015, p. 23).
A aspectualização da pessoa, ou seja, sua ‘colocada em processo’, supõe:
“Cada enunciado encerra em si o princípio unificador que rege a presença do todo nas
partes, para que tenhamos a totalidade estilística. A totalidade correspondente a um estilo
tem organização própria. No interior de cada enunciado e no intervalo entre eles, um
princípio unificador vincula-se à quase-presença, a qual se dá por meio de distintos estatutos
da própria densidade. A densidade da presença é correlata à semântica discursiva, enquanto
papeis temáticos canalizam julgamentos éticos; é correlata à percepção sensível, enquanto o
páthos manifesta-se conforme disposições de um sujeito exposto às afecções que o atingem
no encontro com o mundo. Aqui são levados em conta movimentos da percepção, tal como
detectáveis nas profundidades figurais do discurso (nível tensivo)” (DISCINI, 2015, p. 24).
“Assim, a quase-presença apresenta-se: ora na dêixes da ausência, em que, ainda virtualizada
e potencializada, é reconhecida como fraca e átona; ora na dêixes da presença, considerada de
densidade forte e tônica, o que corresponda às etapas relativas a uma presença realizada e
totalizada. Na dêixes da presença, mantém-se a totalidade integral (presença atualizada)e a
unidade integral (presença realizada, se pensarmos no conjunto de textos fundantes de um
estilo” (DISCINI, 2015, p. 24).
“Ao discorrer sobre ‘a competência do sujeito da enunciação assim como sua performance’ e
confirmar o destinador manipulador como um ‘destinador sócio-histórico’, Barros (2002:
141) corrobora a função de um actante que, ao desempenhar actorialmente o papel temático
de produtor, constitui a orientação dos valores contextuais incorporados pelo texto.
‘Determinar os destinadores do sujeito da enunciação corresponde a inserir o texto no
contexto de uma ou mais formações ideológicas, que lhe atribuem, no fim das contas, o
sentido” (DISCINI, 2015, p. 27).
“Acontece que, para Greimas, o ser vivo não se relaciona com essas categorias
[integração/transgressão] sem nelas imprimir sua marca sensível. Assim, de acordo com o
contexto em exame, todo microuniverso semântico contém um índice axiológico, ou seja, é
portador de valores considerados atraentes ou repulsivos [...]. De fato, se tomarmos a foria
como uma força que transporta as categorias semânticas, torna-se plausível admitir que estas
últimas já surgem conformadas por modulações tensivas. A euforia opera com a passagem das
relações tensivas, caracterizadas por rupturas, às relações relaxadas, as que restabelecem os
elos contínuos entre os elementos. Contrariamente, a disforia compreende a passagem das
continuidades às descontinuidades que geram as tensões” (TATI, 2015, p. 199, in:
Introdução à linguística. Objetos teóricos. FIORIN, J. L. (Org.) 2015).
“Imbrica-se à enunciação, como semantização actorial, com a enunciação que, como quase-
presença, enuncia-se também por meio dos componentes tensivos, considerados num nível
aquém do próprio percurso: num nível que procura trazer à luz relações primordiais entre o
que afeta sensivelmente o sujeito e o modo como ele mostra-se afetado” (DISCINI, 2015, p.
29).
Nível fórico ou tensivo “[...] concerne a um horizonte fluido, em que se recupera, para ser
desfeita, a cisão sujeito/objeto, ao ser levado em conta ‘o elo de atratividade que permanece
após a cisão, conduzindo o sujeito ao restabelecimento de sua identidade pela recuperação do
objeto (TATI, 1998, p. 16)’” (DISCINI, 2015, p. 29).
Um fluxo fórico “confirmado por Tati, de modo a sugerir algo que dura na percepção, a qual
contém sujeito que percebe e coisa percebida” (DISCINI, 2015, p. 29).
“A quase-presença para então a ser considerada mediante sua instalação no nível tensivo,
como presença potencializada. Enquanto isso, movimentos de potencialização da presença
percorrem todos os níveis do percurso gerativo, para ambientar seja a semantização que
prepara a formulação actancial dos temas, do que decorem os papéis temáticos do ator, seja a
protensividade do corpo” (DISCINI, 2015, p. 29).