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Um relato sobre a Greve Geral portuguesa de 24 de novembro

Postado por AIT, Quinta-feira, 16/12/2010.

http://www.iwa-ait.org/?q=es/node/84

Esta é a primeira greve geral em Portugal há 22 anos e este fato por


si só deveria lançar alguma luz sobre a situação social do país. Na
verdade, a conflitualidade social em Portugal é muito baixa e o número
de greves, na verdade, caiu nos últimos 30 anos, apesar da contínua
deterioração da situação da classe operária portuguesa. As taxas de
sindicalização tendem a cair também, já que os dois principais
sindicatos portugueses, governados por partidos, servem mais para
tranquilizar e conter os conflitos do que para lutar contra a
exploração, e isso tem passado despercebido.

A sociedade portuguesa tem sofrido consideráveis mudanças ao longo do


último meio século, indo desde uma rápida industrialização, que
começou nos anos 60, alimentada principalmente pela influência do
capital estrangeiro, da qual emergeria uma classe trabalhadora mais
combativa e organizada, até uma igualmente rápida desindustrialização,
já que se encontraram fontes de mão de obra mais barata no Leste
europeu e na Ásia. A economia portuguesa hoje em dia está dominada por
pequenas e ineficientes companhias de serviço, nas quais os
trabalhadores estão mais isoladas entre si, têm menos tradição de
luta, são contratados de modo precário e recebem salários miseráveis,
tornando possível a a sobrevivência destas empresas. Todo o sistema
tem estado em aguda crise nos últimos dez anos e os trabalhadores têm
sido suas primeiras vítimas.

Tendo lutado tanto para desmobilizar os trabalhadores na década de 70,


quando a queda da ditadura de Caetano foi seguida por um período de
massiva ação direta por parte da classe trabalhadora, que costumávamos
chamar de PREC, a esquerda está começando a perceber as conseqüências
de ter obtido demasiado êxito, pois não há ninguém para lutar pelas
migalhas do estado social, que sobreviveu ao ataque violentos da
burguesia, mas para voltar a envolver as massas e começar uma luta
real é demasiado perigoso para eles, pois temen que as coisas possam
facilmente escapar de suas mãos. Assim, sua luta ocorre
deliberadamente de modo limitado e ineficiente. Como as greves de um
dia.

Desta vez, o sindicato liderado pelas socialistas UGT, aderiu à greve,


mas sentiu que não podia fazer muito, já que seu partido já está no
governo, e simplesmente tentou mendigar algo ao Estado, de forma que
todos os “sacrifícios” necessários para suavisar a especulação
financeira internacional contra a dívida portuguesa não fiquem apenas
sobre os ombros da classe trabalhadora. Nem sequer é necessário dizer
que as suas vozes não alcançaram a altura dos gabinetes ministeriais,
nem sequer ao que pertence a Helena André, atual ministra do Trabalho
e antiga burocrata da UGT, agora encarregada da ingrata tarefa de
discutir os valores das greves com seus antigos companheiros. Quanto
ao outro sindicato, liderado pelos comunistas, CFTP, tenta capitalizar
o descontentamento popular e ecoa as palavras de ordem do Partido
Comunista, já que o dia das eleições presidenciais se aproxima e o PCP
tem o seu próprio candidato, que defende a "produção nacional". Não é
preciso dizer que eles vão conseguir muito pouco com isso. As pessoas
já os viram em ação muitas vezes para continuar acreditando neles.
Enquanto isso, acumulam-se as razões para o descontentamento e as
pessoas realmente querem fazer alguma coisa, por isso, esta greve
deveria ser maior do que a última, em 1988. Durante um dia não houve
metrô em Lisboa, nem barcos partindo da margem sul do Tejo para
Lisboa. A maioria dos serviços de trem e ônibus também pararam. Todos
os portos portugueses ficaram fechados e os voos de e para os
aeroportos portugueses foram cancelados, muito a contragosto do
governo, que havia pressionado os trabalhadores aeroportuários a não
fazer greve. As escolas foram fechadas, assim como a maioria dos
serviços públicos, apesar da pressão por parte dos seus
administradores para que se mantivessem abertos. Na indústria têxtil,
onde os sindicatos costumavam ter alguma influência, os números da
greve foram mais baixos, mas a jóia da coroa da indústria portuguesa,
a fábrica de automóveis de propriedade alemã Auto Europa, aderiu à
greve e a produção parou durante o dia.

Mesmo um comunista tão amigo dos negócios como António Chora, membro
do Bloco de Esquerda e líder das comissões de trabalhadores, achou que
deveria aderir. O setor de serviços, onde o trabalho precário é comum,
foi o menos afectado. A maioria das lojas de departamento,
supermercados e centros comerciais permaneceram abertos e somente a
indisponibilidade de transporte serviu para reduzir o número de
clientes. Não é preciso dizer que a maioria, se não todas as agências
de emprego também permaneceram abertas e funcionando normalmente.
Fizemos uma pequena visita a algumas delas.

Mesmo tendo sido importante, os altos números da greve informados pela


CGTP e imediatamente repetidos pelo Partido Comunista – 3 milhões de
trabalhadores – são um grande exagero. Em Portugal, onde a população
economicamente ativa representa pouco mais de cinco milhões, dois em
cada cinco trabalhadores tem contratos temporários, e a este número
ainda deve-se acrescentar quase um milhão de falsos trabalhadores
independentes. Estes não poderiam aderir à greve por medo de por em
risco seu emprego, mesmo tendo razões suficientes para protestar.

Ações em Lisboa

Devemos dizer que a recepção às nossas ações, tanto antes da greve


como durante a mesma, foi bastante positiva. Publicamos um boletim
especial dedicado à Greve Geral e o distribuimos na semana anterior à
greve. A maioria das pessoas parecia interessada e alguns até nos
pediram mais exemplares para que pudessem distribuí-los.

No dia da greve organizamos um piquete informativo junto com outros


companheiros anarquistas. Durante a manhã, caminhamos por Lisboa
distribuindo nosso boletim informativo sobre a Greve Geral e outros
folhetos. Entramos em várias lojas, restaurantes, supermercados e
centros comerciais que estavam abertos, distribuindo nossa propaganda
para os trabalhadores. Muitos desses trabalhadores se mostraram muito
contentes em receber os folhetos e nos disseram que não poderiam
aderir à greve porque eles seriam demitidos. Fizemos uma visita a uma
agência de emprego, onde lemos os nossos textos usando um alto-falante
e chamamos à participação na manifestação anti-capitalista no período
da tarde.
Após o almoço, continuamos distribuindo panfletos e chamando as
pessoas para a manifestação ao longo de todo o caminho até a Praça
Camões, onde ele começou.

Vários coletivos anti-capitalistas e anti-autoritários haviam


convocado a uma manifestação anti-capitalista às três da tarde, na
Praça Camões (centro de Lisboa) com o lema "Pelo bloqueio e a
sabotagem, a greve não termina aqui." Esta foi a única manifestação
convocada para o dia da Greve Geral em Lisboa. Havia apenas cerca de
200 pessoas quando chegamos à Praça Camões, mas a manifestação foi
crescendo até uma massa de 1000/1500 pessoas gritando palavras de
ordem como "A. .., Anti ...

Anti-Capitalistas", "O povo unido funciona sem partidos, "Guerra


social contra o Capital" ou "Sabotagem, greve selvagem”, pelo centro
de Lisboa. Juntamo-nos com bandeiras rubronegras e uma faixa que dizia
"Contra a exploração capitalista! Pela igualdade social! Unidos e
auto-organizados vamos lhes ensinar o que é crise!”, distribuindo os
poucos folhetos que ainda nos restavam.

Depois da manifestação, algumas pessoas ocuparam um prédio vazio


batizando-o de "A Casa do Grevista", oferecendo uma refeição gratuita
a todas as pessoas lá foram. Esta ocupação foi evacuada pela polícia
no dia seguinte.

Ações no Porto

Durante a manhã da Greve Geral estivemos nos bairros antigos e pobres


do Porto, com bandeiras, tambores e uma bandeira rubronegra onde se
lia:
“Unidos e auto-organizados vamos lhes ensinar o que é crise!”, junto
com os companheiros do Coletivo Anarquista Hipátia
(http://hipatia.pegada.net/).

Distribuímos folhetos e os lemos com um alto-falante em diferentes


locais, convocando as pessoas nas ruas e na praça central, onde,
durante a tarde, seria realizado um comício organizado pelos
sindicatos oficiais. Também gritamos palavras de ordem como "Não aos
cortes dos direitos sociais e trabalhistas!", "Contra a fome e a
pobreza, cortes aos ricos!", "Mudar as moscas não basta,é preciso
limpar toda a merda!", "Contra o Estado e o Capital – Resistência
Social e Revolução Social". As pessoas receberam nossos folhetos com
curiosidade, mas a maioria ficou em casa e não se juntou a nós.

À tarde, com um grupo maior, fomos juntos à estação ferroviária São


Bento. Enquanto isso, os sindicatos oficiais estavam realizando uma
coletiva de imprensa nas imediações. Começamos a cantar algumas
canções,como a versão portuguesa da antiga canção da CNT "A Greve", "A
Internacional" e outras, parando para ler alguns artigos do nosso
boletim especial sobre a Greve Geral e falando sobre a necessidade de
auto-organização contra os empregadores, o Estado e a "crise". Mais
pessoas se juntaram a nós e depois fomos para a praça central da
cidade, a Praça da Liberdade, onde continuamos a ler a nossa proposta
anarcossindicalista e cantando, e onde mais pessoas se juntaram a nós.
Percebemos que a maioria das pessoas que se aproximaram de nós eram
membros do Partido Comunista ou simpatizantes, mas pareciam curiosos
sobre nós e ainda mostraram certa simpatia. Então decidimos fazer uma
assembléia um pouco mais popular ali mesmo, convidando todo mundo a
usar o alto-falante e a falar sobre seus motivos para manifestar-se
contra a situação atual e aderir à Greve Geral. Então, algumas
pessoas, que identificamos como sendo membros do Partido Comunista
começaram a usar seu próprio alto-falante, mas estabelecemos um
diálogo engraçado com eles, uma espécie de "teatro do oprimido".
Sentiram-se um pouco confusos e foram embora dali.

Durante todo o tempo não vimos nem policiais nem sindicalistas


“oficiais” neste lugar. Inclusive a esperada manifestação não ocorreu.
Seguramente, esta não foi uma Greve Geral real, mas foi uma
manifestação óbvia de desconfiança em relação ao governo, ao Estado,
aos empregadores e gestores para lidar com a "crise" que eles insistem
em nos fazer pagar.

Associação Internacional dos Trabalhadores


Secção Portuguesa - AIT-SP

Lisboa, 14 de dezembro de 2010.

Tradução para o Português: FOSP – Núcleo Rio Claro


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