Você está na página 1de 18

POTTER, Roy (ed.) The Cambridge Illustrated History of Medicine.

Cambridge (UK): Cambridge


University Press, 2004.

Tradução do capítulo 1: The History of Disease, de Kenneth F. Kiple

A História da Doença

Os seres humanos têm lutado contra as doenças da “civilização” desde que começaram a se
congregar em grande número. Há evidência escrita e pictórica disso vinda do Egito e Mesopotâmia em
torno de 1000 a.C., da Índia cerca de 750 a.C., da Grécia no século VI a.C., e da China ao redor de 100
a.C. Ainda, como o médico e historiador canadense William Osler comentou, “A civilização nada mais é
do que uma fímbria diáfana na história da humanidade”. Com isto ele quis significar que os últimos
quatro ou cinco milênios representam uma minúscula fração de 1 por cento do tempo decorrido desde
que os ancestrais dos seres humanos primeiramente apareceram na terra. Não há, certamente, registro
da história das enfermidades das pessoas antes da emergência das civilizações e das doenças que estas
geraram, mas podemos fazer suposições fundamentadas sobre elas provenientes de esqueletos e outros
restos arqueológicos.

ANTES DA AGRICULTURA

Durante pelo menos 4,5 milhões de anos, os ancestrais dos seres humanos (hominídeos) foram
caçadores e coletores. Viviam talvez em grupos dispersos de 50 a 100 indivíduos. O pequeno número e a
baixa densidade populacional reduziram a incidência de infecções bacterianas e virais, de tal maneira que
as pessoas não foram afetadas por doenças contagiosas como varíola ou sarampo, cujos patógenos
requerem populações densas e numerosas para sobreviver. Além disso, o estilo de vida dos caçadores-
coletores poupou-os de outras doenças. Eles eram um povo inquieto, frequentemente em movimento e,
assim, não se fixavam ao ambiente tempo suficiente para poluir as fontes de água com dejetos humanos
que transmitissem enfermidades, nem de amontoar lixo que atraísse insetos vetores de doenças.
Finalmente, caçadores-coletores não possuíam animais domésticos. Animais domesticados favoreceram a
criação de civilizações com suas carne, couros, leite, ovos e ossos, mas também transmitiram muitas
doenças.
Nossos ancestrais caçadores, pescadores e coletores não escaparam totalmente de doenças, mas
foram menos expostos a elas do que os seres humanos modernos. Havia duas principais fontes de doenças
naqueles tempos remotos, uma delas os animais selvagens. Infecções (zoonoses) eram adquiridas por se
alimentarem ou simplesmente estarem em contato com animais. A segunda ameaça de doença provinha
de organismos presentes em ancestrais pré-hominídeos e que continuaram a se envolver com os seres
humanos. Nesta segunda categoria estavam numerosos vermes, piolhos, e bactérias, como a Salmonella e
o Treponema (os agentes da febre tifoide e da sífilis).
As zoonoses, na primeira categoria, podem ter incluído a triquinose, doença do sono, tularemia
(febre do coelho), tétano, esquistossomose (bilharziose) e leptospirose (doença de Weil). Outras
possibilidades são uma ou mais formas de tifo, malária, e até mesmo febre amarela. Encontros com estas
infecções teriam sido, na maioria, acidentais e individuais, e raramente, se tanto, teriam infectado muitos
membros de um grupo, especialmente por causa da mobilidade dos caçadores-coletores e sua tendência
em abandonar áreas onde o alimento se tornara escasso.
Tal mobilidade também colocava os caçadores-coletores dentro do alcance de uma vasta gama
de animais e plantas selvagens comestíveis que presumivelmente ajudaram a estabelecer os tipos e
quantidades de nutrientes que os seres humanos necessitam hoje. Estudos dos poucos caçadores-coletores
existentes atualmente apontam para o consumo de uma variedade verdadeiramente surpreendente de
gêneros alimentícios. Se tal variedade era característica da dieta dos caçadores-coletores do passado, ela
pode explicar parcialmente algumas anomalias dos seres humanos modernos, como sua capacidade de
desenvolver escorbuto se a alimentação contiver vitamina C (ácido ascórbico) insuficiente. Somente os
seres humanos e outros poucos animais não são capazes de sintetizar seu próprio ácido ascórbico. Devido
à importância da vitamina C para alguns processos metabólicos, parece improvável que capacidade de a
sintetizar tivesse sido perdida na evolução, a não ser que tenha sido considerada supérflua - desnecessária
porque o ácido ascórbico foi bem suprido pela dieta ao longo de centenas de milhares de anos.
Entretanto, se os primeiros seres humanos foram abençoados com uma abundância nutricional e
uma vida relativamente isenta de doenças, foi por esta razão que eles permaneceram como caçadores-
coletores por mais de 99,5 por cento dos 2,5 milhões de anos que o povo “cultural” (isto é, fabricantes de
ferramentas) está na terra? Por que as populações humanas não cresceram rapidamente em alguns poucos
milhares daqueles anos até ao ponto em que elas não mais pudessem se alimentar com estratégias de caça
e coleta?
Tais crises populacionais podem, de fato, ter ocorrido incontáveis vezes. Muitas vezes, a fome
interveio para devolver a densidade populacional ao nível da disponibilidade de suprimento alimentar.
Também, sem dúvida, muitas vidas foram perdidas em esforços de alto risco e elevada recompensa,
associados com a perseguição e caça a grandes animais. Certamente muitos foram mortos em negócios de
alto risco e recompensa mais elevada de matarem outros seres humanos. Outros controles sobre o
crescimento populacional podem também ter agido para permitir que a caça e a coleta continuassem por
tanto tempo. O nascimento era arriscado e muitas crianças provavelmente morriam de causas naturais. O
infanticídio também pode ter sido praticado. Com certeza, visto por um lado dentro do contexto da
mobilidade dos caçadores-coletores, e o fato de que quando em movimento eles tinham que carregar tudo
quanto possuíam, por outro lado é difícil acreditar que o infanticídio não fosse um importante fator de
controle do crescimento de antigas populações.
A despeito destas restrições, as populações cresceram. Se um grupo de caçadores-coletores se
tornasse grande demais para operar eficientemente, ele se dividia em dois. Este tipo de multiplicação
levou os antigos seres humanos para todos os cantos do velho Mundo há 1,8-1,5 milhões de anos. Da sua
residência ancestral na África, as populações de Homo erectus se expandiram para as regiões tropicais da
Ásia e depois para regiões mais temperadas, continuando sua existência peripatética. Mesmo os primeiros
seres humanos modernos (Homo sapiens), com cérebros já do tamanho dos nossos, continuaram como
caçadores-coletores por cerca de 100.000 anos.
O advento de uma sofisticada cultura de ferramentas, em torno de 40.000 anos atrás, levou a uma
maior eficiência na caça e na preparação de alimentos, mas não houve uma importante alteração no estilo
de vida nômade até 12.000-10.000 anos atrás, no final da última Era Glacial. Isto se nos apresenta como
outro enigma, especialmente para aqueles que acreditam que a substituição da caça e coleta pela
domesticação de animais e plantas foi uma das principais melhorias na condição humana.
O antropologista estadunidense Mark Cohen argumentou que as pessoas eram suficientemente
sábias para saber quando elas estavam em boa situação - elas se tornaram agricultoras somente porque a
pressão do crescimento populacional deixou-as com poucas opções. Pelo menos há 50.000 anos, a
humanidade já havia se espalhado do Velho Mundo à Austrália e, em algum tempo há cerca de 12.500
anos, também para as Américas. Durante os períodos mais gelados da Era Glacial, era possível caminhar
entre estes continentes por terra. Quando as calotas de gelo se dissolveram, entre 12.000 e 10.000 anos
atrás, e os oceanos se elevaram para impedir este tipo de migração, simplesmente não havia mais lugar
para absorver populações excedentes. A tecnologia da Idade da Pedra foi pressionada ao seu máximo para
manter as pessoas em todas as partes habitáveis do Velho Mundo e, nas palavras do historiador
estadunidense Alfred Cosby, a humanidade da época se viu confrontada com a escolha de ser “ou
celibatária ou sábia. Previsivelmente, a espécie escolheu a última opção”: as pessoas assentaram e
assumiram a produção de seu próprio alimento.

AGRICULTURA E DOENÇA

Uma vez neste rumo, os acontecimentos mudaram numa velocidade vertiginosa - pelo menos
quando comparados aos 5 ou 6 milhões de anos nos quais os seres humanos existiram. Como Mark Cohen
observou, a cerca de 10.000 anos atrás quase todos viviam exclusivamente do alimento selvagem; em
torno de 2.000 anos atrás, muitas pessoas eram agricultoras. Tal transição foi inegavelmente o mais
importante evento jamais projetado pela humanidade.
As gramíneas foram domesticadas e preparadas até que se tornaram variedades domésticas de
trigo, centeio, cevada e arroz. Os cães foram, provavelmente, os primeiros animais a serem domesticados
(ao redor de 12.000 anos atrás) e nos próximos milênios foram acompanhados pelo gado bovino,
carneiros, cabras, porcos, cavalos e galinhas. Os poucos hectares que um grupo de caçadores-coletores
pudesse rapidamente capinar foram assim transformados numa base que podia sustentar muito mais
pessoas indefinidamente. A população expandiu dramaticamente porque aqueles que renunciaram ao
estilo de vida nômade não estavam mais restringir o número de filhos que poderiam ter. Ao contrário,
quantos mais pessoas houvesse, maior seria a mão de obra para os campos e segurança dos mais idosos.
Foi do cadinho da revolução agricultural que as pessoas começaram a aprender a manipular o planeta -
rearranjar seus sistemas ecológicos, para não mencionar os genes das plantas e animais dentro daqueles
sistemas. Elas iniciaram um empreendimento de desfazer uma natureza autorregulada sem realmente
saber o que estavam fazendo, um processo estouvado que continua até os dias presentes.
Desta maneira, a revolução agricultural teve revezes ecológicos, as profundezas do qual ainda
não podemos compreender. Um destes revezes abrange os muitos domínios dos parasitas. Ao inventar a
agricultura, os seres humanos também cultivaram a doença. Patógenos de animais domésticos agora
encontraram seu caminho para o corpo humano e começaram também a se adaptar a ele. De acordo com
William McNeill, um historiador estadunidense, os seres humanos compartilham algo em torno de 65
doenças com os cães, 50 com o gado bovino, 46 com carneiros e cabras, 42 com porcos, 35 com cavalos e
26 com aves domésticas. Estes animais se juntaram aos humanos para poluir a água potável com seus
dejetos corporais. Os seres humanos espalharam os dejetos na terra cultivada (adubação), o que
maximizou o ensejo de vermes parasitas e atraiu insetos vetores de doenças.
A moradia permanente atraiu outras domesticações, se bem que auto anunciadas. Camundongos
e ratos aprenderam a se abrigar entre os humanos, apreciar sua cálida vizinhança e comer o mesmo
alimento. Após vários milhares de anos de coevolução, passou o tempo em que estes pequenos e peludos
animais podiam viver sem os seres humanos, aos quais eles se adaptaram também. Entretanto,
constantemente estes comensais ajudaram a espalhar doenças.
Colônias permanentes atraíam mosquitos e outros tipos de insetos hematófagos que agora tinham
muitos corpos humanos para se alimentar. Criadouros de mosquitos estavam disponíveis nas clareiras e
em águas estagnadas próximas das residências. Moscas coprófagas floresceram nestas colônias e suas
“patas sujas” pousada no alimento a ser ingerido pelos humanos assegurou uma variedade de doenças
diarreicas autoperpetuada e disenteria bacteriana. Pulgas e piolhos colonizaram a superfície do corpo
humano, e amebas, ancilóstomos e inúmeros outros vermes parasitas se moveram para seu interior. Todos
puderam proliferar facilmente porque as pessoas viviam em grande proximidade.
Apesar desta imundície produtora de doenças, a capacidade de reprodução humana assegurou
que as vilas pútridas se tornassem o lar de um número crescente de pessoas. Sem dúvida, as taxas de
mortalidade infantil aumentaram, mas as taxas de natalidade eram ainda mais elevadas, o que significava
que mais e mais indivíduos viviam dentro do alcance de cuspe, tosse e espirro, assentando a base para
uma miríade de doenças veiculadas pelo ar.
A própria agricultura também promoveu doenças. A irrigação para a agricultura nas primeiras
civilizações nos vales dos rios, como a do vale do Rio Amarelo (Huang He) na China e a do Nilo,
especialmente a inundação de terras para o cultivo do arroz, tiveram o efeito desejado de aniquilar com
espécies de plantas competitivas. Mas nas cálidas e rasas águas dos arrozais escondiam-se parasitas
capazes de penetrar a pele humana e entrar na corrente sanguínea de agricultores de arroz, que caminham
na água. Primeiramente entre estes está uma fascíola sanguínea chamada Schistosoma que usa caramujos
aquáticos como um hospedeiro intermediário para sucessivos estágios de desenvolvimento e produz uma
doença debilitante e frequentemente letal chamada esquistossomose (ou bilharziose). Evidência da
presença desta doença foi encontrada no Egito, em rins de múmias egípcias de 3.000 anos de idade.
Agricultura por derrubada e queimada - um método de limpeza de campo no qual a vegetação é
cortada, deixada para secar e depois queimada antes da semeadura - criou nichos nos quais populações
relativamente pequenas de parasitas podiam gerar outras muito maiores. Na África subsaariana, por
exemplo, foi demonstrado que este tipo de cultivo levou à proliferação do mosquito Anopheles gambiae,
vetor da malária pelo Plasmodium falciparum, o mais perigoso dos tipos de malária.
Finalmente, apenas o ato de quebrar o relvado para cultivar trouxe os seres humanos a um novo e
íntimo contato com numerosos insetos e vermes, para não mencionar bactérias, vírus, protozoários e
rickettsias (microrganismos intermediários entre bactérias e vírus) veiculados por carrapatos, pulgas e
piolhos.
Então, claramente, o assentamento de colônias permanentes em torno de 12.000 anos atrás e o
cultivo da terra ao seu redor não fizeram bem à saúde dos seres humanos. Mas, ainda pior, a doença veio
da domesticação de animais. O gado bovino contribuiu com sua varíola ao crescente manancial de
patógenos: porcos, aves e cavalos, e suas gripes. O sarampo é provavelmente o resultado da peste bovina
ou da funga canina, oscilando, de um lado para outro, entre humanos e o gado e cães; a varicela é
provavelmente o produto de uma longa adaptação evolutiva da varíola bovina para os seres humanos.
Diz-se “provavelmente” porque, embora haja pouca dúvida de que humanos adquiriram muitas
de suas doenças depois que se tornaram agricultores, pode-se apenas especular sobre alterações evolutivas
distantes. Foi um processo no qual vírus e bactérias ricochetearam, de um lado para outro, entre várias
espécies de animais domésticos que nunca antes estiveram em contato próximo e entre aqueles animais e
seus proprietários humanos. Neste novo cadinho patogênico, microrganismos incubaram, combinaram,
modificaram, pereceram e prosperaram. Sua prosperidade ocorreu muitas vezes por função de um
processo de tentativa e erro ainda mais evolutivo, no qual os patógenos encontraram seu caminho para
hospedeiros intermediários que serviram como locais de estágio para um futuro assalto em seres
humanos. Da mesma forma, provavelmente levou muito tempo para outros microrganismos adquirir
vetores que os transportassem de hospedeiros intermediários para humanos, assim como de pessoa a
pessoa.
Algumas doenças, como varíola e sarampo, se adaptaram tão perfeitamente aos seres humanos
quando elas emergiram deste cadinho, que elas não mais precisaram de seus antigos hospedeiros para
completar seu ciclo de vida. Elas também eram tão contagiosas que elas se disseminavam com marcante
facilidade de humano para humano. Com certeza, o aparecimento destas “novas” doenças que apenas
necessitavam de hospedeiros humanos - mas muitos deles - é testemunha da explosão populacional que
ocorreu após o povo ter desistido da caça e coleta. Isto aconteceu apesar da decrescente saúde da
população. Quando pequenas colônias se converteram em colônias maiores, as pessoas se tornaram cada
vez mais esquálidas e a pressão populacional passou a ditar a concentração da dieta com gêneros
alimentícios cada vez mais escassos. Em outras palavras, as pessoas começaram a empobrecer
nutricionalmente enquanto a doença se tornava mais ubíqua, abrindo a porta para uma união sinérgica de
má nutrição e patógenos.

O SURGIMENTO DE NOVAS DOENÇAS

A lombriga (Ascaris), provavelmente adquirida de porcos, e o ancilóstomo, disseminados pela


poluição fecal do solo, ambos se juntaram no assalto ao corpo humano. Estes vermes vivem no intestino e
competem com seus hospedeiros humanos por proteína, causando anemia. Privados de nutrientes
importantes para combater as doenças, os primeiros agricultores, e especialmente seus filhos, teriam sido
menos capazes de enfrentar a próxima onda de patógenos a invadi-los: e assim o ciclo continuava.
Assim, ironicamente, enquanto os seres humanos mudavam suas atividades de viver na natureza
para manipulá-la vigorosamente, eles foram crescentemente parasitados por microrganismos com suas
forças específicas. Os microrganismos tinham uma clara vantagem porque eles se reproduzem numa
velocidade relâmpago e podem passar por muitos milhares de ciclos de vida, enquanto os seres humanos
ainda estão caminhando da infância para a idade reprodutiva.
Os seres humanos não estavam totalmente indefesos nesta aparente luta desigual. Aqueles que
sobreviviam à doença eram, na melhor das hipóteses, dotados da capacidade de escapar a uma nova
infestação ou, na pior das hipóteses, de alguma imunidade contra seus ataques. Os seres humanos, desta
maneira, começaram a desenvolver sofisticados sistemas imunológicos que os tornava capazes de viver
com seus invasores. Patógenos cooperavam neste desenvolvimento imunológico. Embora os seres
humanos mais suscetíveis que eles infectavam morressem, assim também pereciam os patógenos mais
virulentos, que se matavam ao matarem seus hospedeiros. Portanto, invasor e invadido chegaram a um
compromisso: o hospedeiro sobrevivia, mas transmitia os patógenos a outros hospedeiros.
A imunidade, desenvolvida por mães contra doenças adquiridas, era entregue ao feto através da
placenta, o que fornecia ao recém-nascido alguma defesa contra a inevitável invasão de microrganismos.
Alguns indivíduos também estavam protegidos geneticamente da doença. No caso da malária pelo
Plasmodium falciparum, por exemplo, indivíduos com traço falciforme, deficiência da enzima glicose-6-
fosfato desidrogenase (G6PD), a β-talassemia, ou muitas outras anomalias sanguíneas aumentaram a
resistência à doença. Genes para tais características proliferaram em áreas endêmicas de malária.
Nos locais onde vermes parasitas estão disseminados, as pessoas desenvolvem tolerância aos
vermes - ou, como se fosse, uma imunidade parcial a eles. Certamente, a regra parece ser a de que aqueles
que vivem em proximidade íntima a um patógeno em particular por tempo suficiente desenvolve uma
capacidade de “conviver” com a doença que este patógeno provoca.
Entretanto, com outras doenças é mais difícil conviver. Estes são os patógenos que primeiro
emergiram quando o número de seres humanos cresceu o suficiente para sustentá-los em suas novas
formas. Especulações sobre quando e onde estas novas pragas para a humanidade primeiro se
manifestaram são fascinantes, porém não são muito mais que conjeturas devido à carência de dados
arqueológicos e a natureza frequentemente contraditória do que se encontra. Com certeza, não foi muito
antes de 3.000 a.C. Em torno desta época, cidades com população beirando 50.000 habitantes ou mais
estavam surgindo na Mesopotâmia e Egito. No vale do Ganges, no subcontinente indiano, também
grandes populações estavam emergindo. Elas possuíam substanciais rebanhos de gado bovino, dos quais
vários patógenos, incluindo talvez os da varíola, se disseminaram para os humanos. Evidência para
reforçar a suspeita de que a varíola estava presente muito cedo no sudeste da Ásia reside na existência de
templos indianos antigos que parecem ter sido erigidos para adorar uma divindade da varíola. Além disso,
a inoculação da varíola parece ter sido praticada na Índia em tempos remotos.
Focalizando tempos um pouco mais presentes, William McNeill decidiu que o período iniciado
ao redor de 500 a.C. foi quando patógenos começaram a impactar no crescimento de civilizações na Ásia
e Europa. Estes foram os microparasitas que desencadearam a varíola, difteria, gripe, varicela, caxumba e
numerosas outras enfermidades. Eles passaram rápida e diretamente de humano para humano e não
precisaram de vetores intermediários. Estas novas doenças mudaram o curso da história da humanidade.
Populações nas quais uma doença particular tenha aparecido presumivelmente desenvolveu alguma
imunidade contra ela, da mesma forma que desenvolveram resistência às doenças mais antigas em seus
locais imediatos. Mas saqueadores, comerciantes, missionários e exércitos em marcha não permitiram
muito que civilizações florescessem em isolamento exótico. Deslocando-se de um lugar para outro, eles
também uniram seus mananciais de patógenos. Assim, uma doença familiar a um povo tornou-se uma
praga para outro.
A imediata consequência de uma invasão por novos patógenos seria uma epidemia maciça e uma
dramática queda da população, quando os indivíduos mais suscetíveis fossem eliminados. Então, os
sobreviventes iniciariam o penoso processo de recuperação da população (repovoamento), apenas para
serem atacados por outra nova doença, e depois ainda outra. Populações que se tronaram grandes a ponto
de abrigar tais doenças, repentinamente teriam se tornado pequenas demais para fazê-lo. Com o
nascimento de quase todos imunes e uns poucos indivíduos não-imunes, as próprias doenças teriam
desaparecido, somente para retornar depois que as populações houvessem crescido novamente e
estivessem cheias de pessoas com baixa resistência.
Enquanto um grupo usufruísse de uma folga epidemiológica, as novas doenças atacariam outras
populações que cresceram muito, frequentemente perto dos limites de seus suprimentos alimentares.
Resumindo, as novas doenças tornaram-se importantes no sentido de evitar a superpopulação humana,
enquanto modularam imunologicamente aquelas que a elas sobreviveram.

CIDADES COMO IMÃS PARA A DOENÇA

Ao limitar o crescimento populacional, tais doenças também tornaram possível o excedente


alimentar que acelerou o crescimento das cidades. Estas, por sua vez, tornaram-se imãs tanto para
patógenos quanto pessoas. Até recentemente, as cidades eram geralmente tão insalubres que suas
populações não podiam ser substituídas pela reprodução. Elas mantiveram seu número ou cresciam em
tamanho apenas por causa da migração de zonas rurais ao seu redor. Muitos dos que eram atraídos para a
vida gregária pereceram pela manopla da doença que acompanhava a vida citadina. Mas aqueles que
sobreviveram se ajuntaram numa crescente elite imunológica de cidadãos - uma numerosa multidão
infectada que era agudamente perigosa aos vizinhos imunologicamente menos desenvolvidos. Quando
tais pessoas biologicamente perigosas tiveram a necessidade de expandir seus territórios, seus patógenos
muitas vezes encabeçaram o esforço.
Desta maneira, para qualquer local que os exércitos marchassem, patógenos floresciam. A
Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.) foi um dos primeiros e melhores exemplos deste fato. Sabemos
pelos tratados hipocráticos que, antes da guerra, embora os gregos antigos sofressem de malária e
provavelmente tuberculose, e também de difteria e gripe, eles parecem ter sido poupados de doenças
epidêmicas mortais como a varíola. Entretanto, populações crescentes, especialmente a de Atenas,
auxiliaram a acender as chamas da ambição imperial. Estas chamas foram abruptamente extinguidas
durante a guerra de Atenas contra Esparta e o súbito advento de uma epidemia.
A famosa descrição do historiador grego Tucídides conta-nos muito sobre esta epidemia que
supostamente começou na África, espalhou-se para a Pérsia, e alcançou a Grécia em 430 a.C. Ele afirmou
que inicialmente ela matou 25 por cento das forças atenienses; depois, permaneceu no sudeste da Grécia
pelos próximos quatro anos, matando até 25 por cento da população civil. Com base nos sintomas
descritos, peste bubônica, varíola, sarampo, tifo ou mesmo sífilis e ergotismo têm sido considerados como
prováveis candidatos. Qualquer que tenha sido a doença, ela parece ter destruído a capacidade do povo
grego em hospedá-la, seja por matá-lo ou imunizá-lo. Quando desapareceu, deixou no seu rastro a ruína
do sonho ateniense de hegemonia, no que foi chamado de “momento decisivo” na história da civilização
ocidental.
Doenças ocasionaram outros momentos decisivos. A conquista romana ligou muito do mundo
conhecido e a maioria de seus patógenos letais por sucessivamente abarcar a Macedônia e Grécia (146
a.C.), a Ásia selêucida (64 a.C.) e finalmente o Egito (30 a.C.). As doenças começaram a afetar o Império
e Roma a partir do século II em diante. A primeira epidemia, chamada Peste de Antonino, teria matado
entre um quarto a um terço da população nas áreas infectadas, entre 165-180, enquanto uma segunda, que
eclodiu entre 211-266, flagelou Roma e a zona rural. Em resumo, após o ano 200 epidemias e bárbaros
estavam juntos primeiro golpeando e depois derrubando o Império Romano. Um mundo retraído também
resultou em mananciais de doenças cada vez mais amplos, compartilhados por cada vez mais pessoas no
sul da Ásia, no Oriente Médio e Ásia Oriental; isto é, centros dos quais as doenças se expandiram para
trazer outras populações do Velho Mundo para seus vórtices. O exemplo do Japão é um clássico neste
particular. Antes de 522, os japoneses parecem ter escapado de epidemias que atacaram as populações
continentais. Entretanto, neste ano, missionários budistas da Coreia visitaram a corte japonesa e, logo
após, muitos japoneses morreram do que teria sido varíola.
Em 585 - depois que uma nova geração não-imune surgiu no Japão - houve outro surto de
doença que claramente parece ter sido varíola ou sarampo. Novamente, muitos faleceram. Então, parece
que um século se passou sem surtos notáveis da doença. O século VII, todavia, finalizou subitamente com
o início da “era das pragas” (700-1050) no Japão. Durante o século VIII, o país foi abalado por 34
epidemias; no século IX, sofreu 35; no século X, 26 surtos; e no século XI, 24, tendo 16 delas ocorrido na
metade do século.
No primeiro plano das doenças conhecidas por desencadear estas epidemias estavam a varíola e
o sarampo, embora gripe, caxumba e disenteria estivessem também bem representadas. Todas elas
continuaram a assolar o Japão durante o período entre 1050 e 1260, mas não com a mesma intensidade, e
a população finalmente começou a crescer, após estagnar por séculos. Muito da razão para este
crescimento renovado pode ser encontrado no fato de que, em torno de 1250, varíola e sarampo foram
consideradas doenças da infância.
Sob o ponto de vista atual, tal transformação de pragas em doenças infantis sobressai como um
grande marco na história epidemiológica da humanidade. No caso dos japoneses, significou que quase
todos os adultos já haviam sofrido de doenças que eles não podiam adquirir novamente. Mas também
significou que eles estavam gerando crianças não-imunes em número suficiente para manter a doença, de
tal maneira que ela permaneceu de geração após geração no corpo dos jovens - e não escapou para
retornar depois como uma praga devastadora. Doenças epidêmicas que se tornam endêmicas não só são
substancialmente menos destruidoras da vida política, social e econômica, mas são também menos
devastadoras para a vida humana porque muitas doenças epidêmicas tendem a afligir as crianças menos
severamente do que os adultos.
Ainda, se muitas populações conseguirem domar muitas das doenças epidêmicas, tais populações
permanecem expostas a outras sérias infecções. Estas seriam doenças contra as quais seus membros
seriam imunologicamente indefesos porque seriam doenças de animais, e não geralmente de humanos.
Uma destas doenças é a peste bubônica, que assolou os seres humanos com extrema ferocidade onde e
quando populações foram acidentalmente colocadas entre o fogo cruzado de transmissão da doença,
envolvendo ratos, pulgas e o bacilo da peste.
Como ocorreu frequentemente no passado, uma doença letal (neste caso, a peste) apareceu
quando populações estavam usufruindo um período importante de crescimento, e na Europa os próximos
poucos séculos testemunharam uma estagnação demográfica, com populações reafirmando-se em
diferentes taxas. Depois da grande Praga de Londres, em 1665, por exemplo, a doença desapareceu do
noroeste da Europa, mas não no Mediterrâneo. A Espanha, que sofreu cruelmente as epidemias de 1596-
1602 e 1648-1652, também amargurou outros nove anos de praga entre 1677-1685. A datação destas
epidemias parece especialmente significante quando se recorda a ascensão de fortunas inglesas durante
este período e o declínio de algumas da Espanha.
Nos séculos XV e XVI, entretanto, nem mesmo a peste foi capaz de impedir os habitantes da
Península Ibérica de engendrarem o início da expansão europeia. Os portugueses acompanharam a
captura de Ceuta em 1415 (ano em que sua rainha, Filipa, morreu de peste) com viagens de comércio e
exploração que finalmente os levariam ao Oceano Índico e aos limiares de um enorme Império das Índias
Orientais. Neste ínterim, os espanhóis também estavam ativos nas águas da costa africana, conquistando
as Ilhas Canárias. Aí, a resistência nativa dos Guanches, embora inicialmente resoluta, esfacelou-se em
face das doenças que eventualmente os aniquilaram. Os canaviais foram operados por escravos negros
trazidos da costa africana para substituir os moribundos Guanches. Tudo isso constituiu um horrível e
lúgubre precursor de eventos que logo transpiraram nas Américas.
É importante observar que, apesar da peste, os ibéricos que eram responsáveis pela reunião do
Novo com o Velho Mundo eram tão imunologicamente adaptados como qualquer outro povo na terra. Por
eras eles tiveram contato com o mundo exterior de uma maneira que poucos tiveram. Ibéricos foram a
Roma como imperadores e soldados ibéricos marcharam nas legiões romanas. De 710 em diante,
estiveram intimamente envolvidos com invasores árabes e, portanto, com o grande Império Muçulmano.
Sem dúvida, a Ibéria tornou-se um cadinho de cristãos, árabes, e imigrantes judeus. Cruzados paravam
nos portos ibéricos em seu caminho para e da Terra Santa (algumas vezes por longos períodos, enquanto
mergulhavam em disputas políticas ou militares locais). Os ibéricos comerciaram do Mar do Norte ao
Mediterrâneo oriental e suas frotas pesqueiras cobriram o Atlântico Norte. Ao redor do século XIV, os
catalães construíram um império mediterrâneo que se estendeu até a Grécia. No século XV, os
portugueses trouxeram a África e os africanos para dentro da esfera ibérica de afinidade patogênica.
Em suma, as cidades portuguesas e espanholas, especialmente aquelas com portos, eram tanto
carteiras de compensação de doenças quanto ordens de pagamento, e nelas, como em outros centros
renascentistas, as doenças floresceram. O banho era desaprovado e o vestuário grosseiro e raramente
trocado. Desta maneira, o corpo humano era um autêntico ninho de piolhos e pulgas. Dejetos humanos
eram despejados nas ruas para se mesclarem aos dos cães e cavalos. Tudo isso era um paraíso para
moscas que adejavam das fezes para os alimentos. A água para beber e cozinhar era praticamente uma
sopa de microrganismos. Ratos, camundongos e vários outros parasitas escarvavam, rastejavam,
coleavam e esgueiravam seus caminhos através de casas, lojas, armazéns, igrejas e tavernas. Os cadáveres
de cães, gatos e até mesmo cavalos eram frequentemente deixados a apodrecer, adicionando-se ao fedor
das ruas e fornecendo sustento para mais parasitas.
Claramente, os sobreviventes deste meio ambiente estavam equipados com sistemas
imunológicos muito alertas e ágeis. Para alcançar a idade adulta, eles não só passaram pelo corredor
polonês das doenças da infância, como varíola, sarampo, difteria e outras, mas também tiveram que
resistir a uma gama de infecções gastrointestinais acompanhadas de uma espantosa variedade de outras
afecções da pele, sangue, ossos e órgãos, raramente vistas atualmente fora dos países mais pobres. Os
exploradores e conquistadores das Américas, portanto, podem ser vistos como um tipo de elite
imunológica, que fez um surpreendente (e letal) contraste entre eles e aqueles que eles conquistaram.

A DOENÇA CONQUISTA O NOVO MUNDO

Os ancestrais daqueles que vieram a ser conhecidos como ameríndios eram caçadores e
coletores. Ao menos há 12.000 anos, alguns atravessaram o Estreito de Bering da Ásia para o Alasca em
uma ponte de terra criada pela última Era Glacial, a qual baixou substancialmente o nível dos oceanos do
mundo e expos a rasa plataforma continental entre a Ásia e a América do Norte. Com base em evidências
genéticas, foi recentemente sugerido que outros tenham vindo da Polinésia. Cruzar o Estreito de Bering
não foi uma excursão radiosa. A ponte de terra era árida, nevoenta e fria, levando alguns acadêmicos a
suspeitar de que a pressão populacional fez com que tais expedições não fossem mais um assunto da
inquietação humana, mas de sobrevivência humana. Em outras palavras, as sucessivas ondas de migrantes
podem bem ter sido empurradas para a aventura.
Como já os retratamos, os caçadores-coletores estavam relativamente livres de doenças, e os
rigores da travessia do Estreito de Bering sem dúvida teria eliminado qualquer um que estivesse doente
ou fraco. Além disso, os pioneiros deixaram o Velho Mundo antes da domesticação de animais, o que
significa que (salvo talvez pelos cães nas últimas ondas) eles não trouxeram nenhum vetor portátil de
doença exceto eles mesmos e que eles não encontraram outros humanos, doentes ou não, depois de sua
chegada.
A Era Glacial chegou ao término ao redor de 10.000 anos atrás. As calotas de gelo derreteram e
os oceanos se elevaram para cobrir a ponte de terra e isolar os novos americanos. Ao mesmo tempo, as
grandes geleiras que cobriam muito do território da América do Norte derreteram, abrindo todo um
continente aos que aí chegavam. Se os caçadores-coletores tinham sonhado com um paraíso, este era aí.
Entretanto, a nova terra tinha umas poucas surpresas desagradáveis. Primeiro, as Américas
tinham algumas doenças específicas a oferecer. A febre maculosa das Montanhas Rochosas, por exemplo,
é uma rickettsiose americana encontrada hoje desde o Brasil até o Canadá. Embora a doença, que é
transmitida por carrapatos, foi realmente identificada apenas no século XX, é compreensível que ela
afetou os primeiros pioneiros do continente assim como seus modernos habitantes. Aquele que foram
empurrados para a América do Sul podem ter encontrado a leishmaniose mucocutânea (espúndia), uma
doença causada por um protozoário transmitido por mosquitos-pólvora hematófagas. Aqueles que
atingiram a região dos Andes arriscaram-se com a doença de Carrión (também chamada febre de Oroya e
verruga peruana). Esta doença também é disseminada por mosquitos-pólvora e seu impacto desfigurante
está aparentemente gravada em cerâmicas datadas de milhares de anos atrás. Outra doença nativa da
América do Sul é a doença de Chagas ou tripanossomíase americana, que provavelmente teve sua origem
no Brasil. É causada por um tripanossomo (protozoário) veiculado pela cobaia e outros animais e
transmitida aos humanos por insetos hematófagos.
Além disso, havia doenças de animais selvagens como a triquinose e a tularemia a serem
combatidas e, depois, algumas doenças da civilização apareceram quando aconteceu uma revolução
agricultural do Novo Mundo. Maias, astecas, incas e os povos do vale do Mississippi da América do
Norte se assentaram em uma agricultura sedentária e construíram civilizações complexas cheias com
cidades e muitos dos consequentes problemas de saúde que, como vimos, acompanham tal estilo de vida.
Alguns tipos de tuberculose se desenvolveram e parasitas intestinais e hepatite passavam de pessoa a
pessoa por meio da água e alimento. Pinta, uma das muitas doenças causadas pela bactéria Treponema
parece ter sido um problema em locais quentes o bastante para que vestimentas leves permitissem uma
fácil transmissão pele a pele. Outras infecções treponêmicas parecem ter estado presentes, incluindo
algum tipo de (aparentemente) sífilis endêmica não-venérea.
Mas os povos do Novo Mundo, que foram chamados de “índios” por Cristóvão Colombo e seus
companheiros de aventura, eram “solo virgem” para a avalanche de doenças que chegou da Europa. Eles
foram perigosamente isentados dos mananciais de doença do Velho Mundo, os quais o erudito
estadunidense Alfred Cosby listou incluindo varíola, sarampo, difteria, tracoma, coqueluche, catapora,
peste bubônica, malária, febre tifoide, cólera, febre amarela, dengue, escarlatina, disenteria amebiana,
gripe e infestações por helmintos. A esta lista pode-se adicionar outras doenças como tifo, brucelose,
erisipela, filariose, caxumba, oncocercose, febre recorrente, lepra e, provavelmente, ancilostomíase.
Ninguém sabe quantos nativos americanos estavam presentes quando Colombo e as doenças
chegaram e, portanto, ninguém sabe ao certo a magnitude numérica do desastre demográfico que eles
suportaram. Certamente, questões acerca do tamanho das populações americanas no momento do contato
com os europeus estão entre aquelas mais calorosamente contestadas por historiadores demográficos e
antropologistas através de todo o século XX, e o objeto de um entusiasmado debate no Encontro Cultural
do Quinto Centenário, em 1992. Mas se estamos inclinados a aceitar altas estimativas, ao redor de 100
milhões, ou uma mais modesta, cerca de 50 milhões ou menos, há certo consenso de que o furacão de
doenças que assolou as Américas foi essencialmente responsável por cerca de 90 por cento da população
em 1492.
A primeira epidemia americana, que atacou a ilha de Hispaniola em 1493, pode bem ter sido de
gripe suína. Outras doenças inominadas se seguiram de tal maneira que as populações indígenas
ocidentais estavam declinando mesmo antes da varíola estrear oficialmente no Caribe, em 1518. A varíola
acompanhou Hernando Cortés ao México e precipitou-se à frente dos Pizarros no Peru, grandemente
apressando ambas as conquistas, enquanto se irradiava alhures para matar outros incontáveis milhares que
os espanhóis nunca conquistaram. Seguindo a isto, epidemia depois de epidemia desabou sobre o Novo
Mundo. Uma das piores a ser registrada foi a epidemia de tifo, que matou 2 milhões nas montanhas
mexicanas no final do século XVI.
Pode-se apenas imaginar o horror: jovens adultos são frequentemente as principais vítimas
da epidemia, o que significa que poucos restampara plantar, cozinhar, limpar e cuidar das crianças e
idosos. A epidemia muitas vezes era transmitida de maneira desordenada, não dando tempo à população
de se recuperar e aos sistemas imunológicos de se ajustarem. A vida social, política, econômica e
religiosa desmoronou e o surpreendente é que qualquer um que conseguisse sobreviver desenvolvia
imunidade e a passava adiante. Mas assim aconteceu e as populações continentais do México e da região
andina gradualmente se recuperaram.
Declínio (e recuperação) populacional chegaram depois à América do Norte. Ela tomou um
rumo descendente particularmente grave em partes do Caribe e Brasil, onde o declínio realmente
significou eliminação. A razão para estas diferentes circunstâncias demográficas, contudo, não está entre
as doenças eurasianas, mas principalmente em outro grupo de doenças do Velho Mundo, cujo berço jazia
na África subsaariana.

DOENÇAS AFRICANAS PENETRAM NO NOVO MUNDO

A chegada de africanos nas Américas foi uma tragédia originada por uma outra tragédia no Novo
Mundo, a regularização da escravidão negra que, por sua vez, foi consequência da falta da população
indígena. Os conquistadores ibéricos contavam com o trabalho dos ameríndios para colonizar a vastidão
das Américas. Mas o rápido declínio no número de nativos americanos significou que eles tiveram que
procurar em outros lugares por tal assistência. Em torno de 1518, o tráfico transatlântico de escravos
estava bem iniciado.
Os africanos recém-chegados carregavam muitas das mesmas imunidades dos europeus porque,
por milênios, muitas doenças eurasianas encontraram regularmente seu caminho em direção à África
subsaariana pelas caravanas no deserto e através do Oceano Índico. Além disso, os africanos eram
resistentes às doenças tropicais prevalentes em sua própria parte do mundo, das quais muitas outras
pessoas não eram. Uma delas era a malária pelo Plasmodium falciparum, o mais perigoso dos tipos de
malária e também relativamente novo que, como vimos, foi criada pelo desenvolvimento da agricultura
sedentária na África. Ela não permanecer estritamente uma doença africana e, em algum momento no
passado, moveu em direção ao norte para partes do Mediterrâneo. Com certeza, esta foi outra força letal
que alguns creditaram em contribuir significativamente para o declínio do Império Romano. Evidência de
que em algum momento a malária por Plasmodium falciparum foi consideravelmente prevalente no
sudeste da Itália e Grécia pode ser encontrada hoje em anomalias sanguíneas de muitas pessoas do
Mediterrâneo, quais sabemos serem geneticamente resistentes contra a doença.
A incidência de anomalias protetoras como o traço falciforme e a deficiência de glicose-6-fosfato
desidrogenase (G6PD) é, de longe, muito maior entre africanos e é testemunha de sua longa e íntima
associação com a malária por Plasmodium falciparum. Tais defesas também testemunham uma intensa e
extensa experiência com outro tipo mais ubíquo de malária, a malária por Plasmodium vivax, que
virtualmente desapareceu da África. Acredita-se que a malária por Plasmodium vivax esteja entre os mais
antigos tipos de malária. Como as outras formas, ela se originou na África, onde o protozoário
Plasmodium, que causa todos os tipos de malária, parasitou milhares de gerações de seres humanos. Neste
processo, todavia, cerca de 100 por cento dos africanos adquiriram um traço genético que os protege
contra a malária por Plasmodium vivax e, provavelmente, também contra a malária por Plasmodium
falciparum.
Com poucos vetores humanos da malária por Plasmodium vivax na África, a doença mudou de
localização para se tornar um flagelo para quase todo o restante do mundo, incluindo a Europa. Desta
maneira, os europeus carregaram a malária por Plasmodium vivax para o Novo Mundo; a forma mais
grave, a malária por Plasmodium falciparum, chegou com os africanos. Os mosquitos anófeles estavam
presentes nas Américas para espalhar infecções por protozoários e acrescentá-las à lista de micróbios a
massacrar os nativos americanos.
A febre amarela, outra grande aniquiladora tropical a emanar da África, foi mais lenta para
aparecer na América porque seu principal vetor, o mosquito Aedes aegypti, não estava imediatamente
disponível. Evidência entomológica sugere que navios negreiros trouxeram o Aedes da África,
acompanhado do vírus da febre amarela. A partir de 1647, quando uma epidemia em Barbados se
disseminou por todo o Caribe, a febre amarela assolou tanto as cidades costeiras americanas que ela foi
considerada uma doença americana.
Ao discutir o declínio nas populações americanas, é importante observar o impacto desta
segunda onda de doenças africanas. Nas áreas altas dos Andes e centro do México, as populações nativas
cambalearam sob o assalto de doenças eurasianas, mas elas finalmente se recuperaram. Isto foi porque, ao
menos em parte, elas foram poupadas das doenças africanas - os mosquitos vetores não se desenvolvem
em altitudes muito acima do nível do mar. As populações das áreas mais baixas do Caribe e da bacia
amazônica, contudo, foram seriamente afetadas por ambas as doenças eurasianas e africanas e foram
praticamente eliminadas. Outras doenças africanas menos letais, mas assim mesmo formidáveis, também
chegaram nos navios negreiros, entre elas a dracunculose, filariose, oncocercose, ancilostomose (causada
pelo falsamente chamado Necator americanus), bouba (associada à pinta), e até a lepra, que havia
anteriormente desaparecido da Europa.

NOVOS MUNDOS, NOVOS PATÓGENOS?

A súbita ligação dos mananciais de doenças da Europa, Américas e África tem sido muito
estudada pelos acadêmicos. Eles suspeitam que ela fez mais do que simplesmente disseminar doenças
conhecidas ainda mais - que ela, de fato, criou algumas novas doenças para o mundo. Do ponto de vista
europeu, algumas novas doenças pareceram surgir ao redor do tempo das viagens de Colombo. O tifo foi
uma delas. Ela apareceu na Europa durante a última das guerras da reconquista, quando a Espanha
finalmente conquistou Granada, em 1492; a doença parece ter alcançado a Espanha vinda do mundo
árabe. Neste caso, é óbvio, Colombo está exonerado de culpa.
Assim como a sífilis, a varíola se apresenta aos historiadores de medicina como um enigma.
Parece ter variado consideravelmente sua virulência através dos tempos. Houve dois tipos de varíola,
antes que a doença finalmente desaparecesse na segunda metade da década de 1970: a varíola major, que
tinha taxas de mortalidade de 25-30 por cento, e a varíola minor, uma doença muito mais branda, com
taxas de mortalidade de 1 por cento ou menos. Sem dúvida, cepas intermediárias entre as duas também
existiram. Um pouco antes de 1500 - pelo menos na Europa - a varíola não era uma aniquiladora
virulenta, mas nesta data ela passou a sê-lo, causando cerca de 10-15 por cento de todas as mortes em
alguns países. Pesquisadores ocasionalmente manifestam a suspeita de que o tipo mais virulento de
varíola teve origem na África subsaariana, e não na Ásia. Recentemente, o argumento apresentado é o de
que foi com o comércio atlântico de escravos que estas cepas mais mortais foram liberadas.
Estas novas, ou recentemente modificadas, doenças serviram para enriquecer o já considerável
enxame de patógenos que varreu outros povos “recém descobertos” que, como os ameríndios, foram tão
brutalmente unidos a um mundo maior. Vasco da Gama, ao liderar os portugueses para o Oceano Índico
(1498) e para um império oriental, também inadvertidamente encabeçou a disseminação da sífilis até o
Japão. A viagem de Fernão de Magalhães (1519-1522) terminou o que Colombo iniciou, ao navegar para
o oeste e levar os espanhóis para o Leste. E no rastro de seus navios veio as doenças junto com as
tripulações dos galeões filipinos, assim como de outros exploradores, missionários, comerciantes e, no
século XVIII, com os baleeiros britânicos e americanos.
Os habitantes de muitas ilhas do Pacífico sofreram de malária, filariose, e doenças de pele
tropicais antes da chegada dos europeus. Mas estas populações de hortigranjeiros asiáticos, em muitos
casos separados do mundo maior por milhares de anos, eram “solo virgem” para as doenças infecciosas
estrangeiras. Contudo, a relativa insignificância de suas populações, por um lado, e o isolamento, por
outro, fizeram com que a maioria das epidemias se esgotassem rapidamente.
Alguma ideia dos milhares de pequenos holocaustos da doença que deve ter ocorrido entre estas
populações pode ser auferida pela visão do exemplo das ilhas havaianas. Primeiramente colonizadas em
torno do ano 300, elas permaneceram “desconhecidas” até a chegada do capitão James Cook, em 1778. O
cirurgião de Cook escreveu que no ano seguinte a tripulação deliberadamente introduziu a sífilis nas ilhas.
Se verdade ou não, a sífilis, junto com a varíola e outras doenças, alegadamente reduziu a população
nativa em 90 por cento dentro de um século.
Um declínio similar acentuado das populações nativas da Austrália ocorreu após o início da
colonização inglesa em 1788. A varíola eclodiu quase imediatamente (1789) entre os aborígenes na
metade leste do continente e, de acordo com estimativas britânicas, destruiu metade daqueles que com
qualquer contato com o Porto Arthur (Sidney). Depois disso, a doença se espalhou para o interior com
consequências desconhecidas. Um jovem Charles Darwin, em 1836, claramente assimilou muito desta
história funesta quando ele escreveu em seu diário do Beagle: “onde os europeus pisaram, a morte parece
perseguir os aborígenes”.
Enquanto os europeus estavam estabelecendo seus impérios e levando a morte ao povo
aborígene, eles próprios foram pegos no fogo cruzado de doenças domésticas. Epidemias de peste
flagelavam áreas do sul e leste; a malária estava crescendo; no século XVI, pelo menos três severas
epidemias de gripe varreram o continente e a varíola virulenta apareceu; a sífilis era incrivelmente
virulenta; houve epidemias de difteria e escarlatina; e o tifo começou a aparecer regularmente entre os
exércitos. De fato, foi a doença (neste caso, o tifo mais do que a sífilis) que mais uma vez foi decisiva em
arruinar as esperanças francesas de conquistar o reino de Nápoles. O tifo eclodiu entre os soldados
franceses exatamente quando a vitória de Carlos V parecia assegurada. Cerca de 30.000 deles morreram
antes que o restante do exército fosse dispersado.
Do outro lado do mundo, novas doenças, como a sífilis, escarlatina e difteria entraram na China
para se juntar à varíola, sarampo, malária, e outras afecções mais antigas. A cólera foi descrita por
ocidentais pela primeira vez quando os portugueses visitaram a Índia no século XVI onde, ao que parece,
a peste também estava alastrada. No Japão, os primeiros ocidentais a visitá-lo em 1543 chegaram durante
um período de grande crescimento populacional, vindo os japoneses a se equilibrar, em termos
imunológicos, com suas mais importantes doenças. A única nova doença em seu meio ambiente era a
sífilis, que alcançou as ilhas pela China, onde os europeus a introduziram um pouco antes. Os japoneses a
chamavam de “varíola chinesa”.
A Europa e a China estavam agora usufruindo de seus próprios aumentos populacionais. Na
Europa, os ventos da mudança foram estimulados pelo Renascimento, que sinalizava um fim para o
feudalismo, enquanto encorajava a ascensão do capitalismo, estados nacionais predatórios, impérios e
governos cada vez mais autoritários. Houve avanços em direção à industrialização e urbanização,
estimuladas, por um lado, pela crescente burocracia governamental e, por outro, pelas necessidades e
produtos do império - ou pela demanda definida por estes produtos.
É dentro deste conjunto de circunstâncias históricas que as populações da Grã-Bretanha e do
nordeste da Europa gradualmente escaparam da antiga tirania da doença e seu controle sobre o
crescimento populacional. Cidades em expansão expunham mais pessoas à doença, e um número maior
delas tornou-se imunizado no processo. Governos fortes, ao instituir medidas diretas ou indiretas de
quarentena, com a inspeção de navios para arrecadação de impostos, auxiliaram em manter a peste e
outras doenças à distância. Além disso, governos lançaram campanhas de saúde pública que reduziram as
populações de parasitas e insetos, especialmente moscas domésticas. Finalmente, tentativas foram
realizadas no início do século XVIII para reduzir os surtos de varíola por meio da variolização, uma
técnica que pode ter sua origem na China. O pus variólico de pústulas de pessoas infectadas era inoculado
por escarificação em pessoas não-infectadas, o que lhes garantia uma forma branda da doença. O
procedimento algumas vezes se mostrava fatal e até mesmo resultava em epidemias, mas após a década
de 1760 métodos mais seguros de inoculação foram encontrados. O mais duro golpe contra a varíola veio
com a vacinação com a varíola bovina introduzida na Grã-Bretanha por Edward Jenner, em 1796. Ela foi
rapidamente adotada em toda a Europa e dentro de poucos anos já havia atingido as colônias espanholas
na América do Sul e Ásia.

NUTRIÇÃO E MORTALIDADE DECRESCENTE

Outro importante fator nesta importante reviravolta demográfica tem a ver com a nutrição. Se as
Américas ofereceram poucos patógenos para o restante do mundo, elas forneceram muito no sentido de
gêneros alimentícios. O crescente e disseminado cultivo da batata, que foi introduzido na Europa no
século XVI (junto com a abóbora) ajudou a melhorar a vida de muitos, especialmente dos pobres. Além
de encher o estômago, a batata, que era fácil de crescer no clima do nordeste da Europa, tornou-se uma
importante fonte de vitaminas (especialmente ácido ascórbico) e minerais.
O milho vindo das Américas tornou-se um alimento básico na dieta de muitos outros que, talvez,
de maneira não entusiástica começaram a substituir as tortas de fubá pelo pão de trigo, mais caro. Milho e
batata são culturas básicas que produzem mais calorias por unidade de terra do que qualquer outra (exceto
a mandioca), e elas certamente auxiliaram a sustentar um proletariado urbano em crescimento. Então,
talvez, a maior contribuição do milho para a saúde humana seja como ração animal. Com cada vez mais
pessoas sendo forçadas da zona rural para as cidades, mais espaço para animais domésticos ficou
disponível. Com feno e milho para alimentá-los, tornou-se possível sustentar um número cada vez maior
de animais no inverno. Assim, outra característica da mudança de padrão de nutrição foi uma maior
disponibilidade, o ano inteiro, de proteína de alta qualidade na forma de leite, queijo, ovos e também
carne. Tais proteínas ajudaram as pessoas a evitar mais facilmente muitas doenças. Um suprimento
confiável de leite sem dúvida ajudou muito mais indivíduos a sobreviver a primeira infância e a infância
tardia do que no passado. Melhorias nas redes de transporte, para entregar alimento fresco a mais pessoas,
foi obviamente também vital para aprimorar a nutrição.
Intensos debates ainda continuam sobre a importância da nutrição no crescimento da população
europeia - e também sobre a importância dos alimentos americanos na dieta europeia. Pode ser que as
respostas estejam tão emaranhadas com e obscurecidas por outras forças complexas que elas não possam
ser deslindadas. Alguma luz pode ser derramada sobre o assunto por exemplos de outras partes do mundo.
Na China, por razões que ainda estão por explicar, houve uma queda da taxa de mortalidade depois da
introdução, no século XVI, do milho, batata inglesa e batata doce vindos das Américas. A África
Ocidental e Central também experimentou alguma explosão populacional após a introdução de mandioca,
milho, batata doce e amendoim. A ironia é que a população foi levada pelo comércio escravo ao
hemisfério que lhe forneceu as plantas para começá-la.

NOVAS PRAGAS - FEBRE AMARELA E CÓLERA

Como vimos, a África também enviou doenças mortais para o ocidente. No final do século XVII,
a febre amarela, além dos assombrados portos no Caribe, América Central e México, parecia ser ubíqua
ao longo da costa leste do continente. Ela atacou Pernambuco, no Brasil, em 1685, matando milhares no
Recife e Olinda e se espalhou para o Ceará antes que se esgotasse cerca de cinco anos depois. Para o
norte, a doença entrou em Nova York em 1668, Filadélfia e Charleston em 1690, e Boston, em 1691.
No século XVIII, a febre amarela estendeu seu alcance para se tornar uma visitante regular nos
portos da Colômbia, Peru e Equador, nas Américas, e para o Porto, Lisboa, Barcelona, Málaga e Cádiz,
na Europa. Ao mesmo tempo, ela assolou os agora veteranos filadelfianos com seis epidemias. A doença
também foi decisiva nas campanhas militares caribenhas. Ela frustrou o assalto do Almirante Edward
Vernon a Cartagena, na Colômbia, em 1741 - metade de sua infantaria original de 19.000 indivíduos foi
morta pelo vírus; ajudou a podar 80.000 soldados do exército britânico nas Índias Ocidentais durante os
anos de 1793-1796; e respondeu por uma considerável porção dos 40.000 franceses que pereceram na
fracassada tentativa de reconquistar São Domingos, na ilha de Hispaniola (atual Haiti).
No século XIX, a febre amarela esteve especialmente prevalente nas cidades portuárias do
sudeste dos EUA onde, antes da Guerra Civil (Secessão), ela flagelou Savannah com quinze epidemias,
Charleston com vinte e duas, e Nova Orleans com pelo menos trinta e três. Depois da guerra, ela retomou
seu assalto, que culminou na epidemia de 1878. Moveu-se para o interior do Mississippi, para deixar
inúmeros mortos numa faixa que se estendeu de Nova Orleans até Memphis e ainda mais além.
Claramente, ao menos até onde se podia entender os EUA como tal, a febre amarela igualou o escore de
participação no comércio de escravos africanos. Suas perdas para a doença excederam grandemente o
número de escravos que os EUA importaram.
A febre amarela continuou a flagelar os europeus no Caribe, principalmente as tropas espanholas
mandadas para pôr fim à revolução cubana de 1868-1878 (Guerra dos Dez Anos), e os franceses primeiro
enviados para assentar uma ferrovia através do Panamá e depois para construir um canal. Ela também
matou europeus nos seus lares, invadindo numerosas cidades da Espanha e Portugal, assim como
Gibraltar, e se movendo para o norte para assolar as costas da França e Inglaterra.
Salvo as epidemias de 1821 em Barcelona e de 1857 em Lisboa, entretanto, a febre amarela
pareceu uma doença de menor importância na Europa, comparada às devastações do tifo e cólera. O tifo
teve um papel substancial em transformar a expedição de Napoleão Bonaparte à Rússia, em 1812, numa
catástrofe e, entre 1816-1819, a doença devastou a Irlanda. As revoluções de 1848 causaram uma
epidemia de tifo no leste da Europa, que então diminuiu até a I Guerra Mundial. Durante esta guerra, a
doença aniquilou de 2 a 3 milhões de soldados e civis. Depois, ela continuou a perseguir os russos e os
europeus do leste, matando outros 3 milhões ou mais.
Todavia, a cólera foi tranquilamente o maior acontecimento epidêmico do século XIX. Antes
desta data (e, portanto, antes dos maiores avanços em tecnologia e transporte), a doença parecia estar
confinada à Índia, onde ela foi observada e descrita por viajantes, ao menos desde o século XVI. Contudo,
a partir de 1817, ela apareceu com frequência cada vez maior fora da Índia. Em 1821, havia envolvido
Java e China a leste e a Pérsia a oeste.
DOENÇA E IMPERIALISMO

Enquanto a cólera e algumas das outras “velhas” doenças da civilização estavam sendo mantidas
sob controle, a própria civilização estava criando e disseminando outras infecções. Os avanços na
medicina abriram a África - antes conhecida como a “tumba do homem branco” por causa das febres
tropicais - à colonização europeia no final do século XIX. A descoberta do agente etiológico da malária e
o estabelecimento de um suprimento estável de quinina (derivada da casca da cinchona) para proteger
contra a doença simultaneamente acendeu a luz verde para a aventura imperial.
Entretanto, uma vez assentados na África, algumas vezes os europeus pareceram ter a intenção
de transformá-la na “tumba do homem negro”. Eles forçaram os negros a trabalhar nas minas para extrair
as riquezas minerais para a metrópole; eles confiscaram terras férteis para agricultura anteriormente
ocupadas por comunidades tribais; eles introduziram variedades estranhas de gado; eles transformaram
economias de escambo em economias monetárias; e eles construíram ferrovias e estradas para os unir.
Nesta proletarização da África e nos rearranjos ecológicos, os colonizadores liberaram epidemias
maciças da doença do sono e muito fizeram para aumentar o alcance de outras doenças. Além disso,
trouxeram a tuberculose à África. Trabalhadores africanos altamente itinerantes então a espalharam para
todos os cantos da África subsaariana, onde ela permaneceu latente nos cortiços de uma pobreza urbana
em expansão. O estado nutricional dos africanos também decaiu agudamente em face da implantação de
economias comerciais, as quais eram frequentemente baseadas em monoculturas (como o cacau em
Gana). E apesar dos esforços de missionários, a medicina colonial estava quase toda direcionada para
preservar a saúde dos opressores e raramente atingia os oprimidos.

DOENÇAS NUTRICIONAIS

Explicações nutricionais para a ascensão e declínio de doenças são complicadas por nossa falta
de conhecimento do que constitui uma boa nutrição. Como vimos, nossos antepassados caçadores-
coletores consumiam uma incrível variedade de gêneros alimentícios, enquanto nós, pelo contrário,
consumimos relativamente menos. O registro arqueológico não deixa dúvidas de que os seres humanos
que renunciaram seu estilo de caça e coleta pela agricultura sedentária pagaram um alto preço em saúde.
Eles ficaram mais baixos e sofreram consideravelmente de anemias como resultado de uma dieta
progressivamente limitada centrada em torno de uma cultura básica. Ao mesmo tempo, seus filhos
sofreram o que parece ter sido uma má nutrição proteico-calórica após o desmame, o que
indubitavelmente contribuiu para as elevadas taxas de mortalidade infantil.
As melhorias tecnológicas na agricultura e no cultivo de plantas e a substituição de culturas, após
a viagem de Colombo em 1492, significou maiores quantidades de alimento para sustentar mais pessoas.
Mas para aqueles que sobreviveram dependendo de uma dieta centrada quase exclusivamente numa
cultura básica, significou um tremendo sacrifício na qualidade nutricional. Daí o aparecimento das
clássicas doenças carenciais.
Os pobres na América do Sul, africanos, europeus do leste e populações na Índia, Egito e Oriente
Médio, que abraçaram o cultivo do milho frequentemente caíram vítimas da pelagra, doença caracterizada
por diarreia, dermatite, demência e finalmente morte para cerca de 70 por cento de suas vítimas. A causa
da doença é complicada, mas o maior fator é a deficiência de niacina (vitamina B3). Não é que falte
niacina no milho. O problema é que ela tem uma ligação química que não libera a niacina ao consumidor
a não ser que esta ligação seja quebrada pelo tratamento deste em meio alcalino (pedra-cal ou cinzas) -
um segredo que os nativos americanos conheciam, mas que não passaram para o Velho Mundo.
Beribéri é outra doença ligada à deficiência de vitamina B, neste caso a tiamina (vitamina B1). A
afecção está normalmente associada às culturas de arroz da Ásia. A casca do arroz contém muita tiamina,
mas o povo, através dos anos, fez o possível para descascar no intuito de tornar o grão mais palatável,
apetecível e suscetível ao armazenamento. A tradicional moagem manual do arroz produziu os sintomas
neurológicos e cardiovasculares do beribéri “seco” e “úmido” para muitas pessoas em todo o mundo e
gerou o beribéri infantil, que é praticamente fatal em bebês amamentados e com mães com deficiência de
tiamina. O problema tornou-se particularmente severo após o advento do moinho movido a vapor e, no
final da década de 1950, o beribéri era a principal causa de morte em partes da Ásia, especialmente em
crianças.
Todavia, o arroz não foi o único culpado na etiologia do beribéri. A doença também pode ser
causada por dietas essencialmente centradas na mandioca e sua farinha, e naquelas confinadas ao pão
branco antes da adoção de procedimentos de enriquecimento. Como a pelagra, o beribéri foi
particularmente prevalente em populações institucionalizadas - por exemplo, escravos nas plantações,
prisioneiros, crianças em orfanatos e internos em asilos - e os marinheiros embarcados por longos
períodos de tempo.
Entretanto, a clássica doença dos marinheiros embarcados era o escorbuto, causado pela
deficiência de vitamina C (ácido ascórbico). Devido à falta de sintetização de sua própria vitamina C
pelos seres humanos, provavelmente o escorbuto é uma doença antiga. Todavia, demora cerca de trinta
semanas de privação de vitamina C para o aparecimento dos clássicos sintomas de gengivas inchadas e
sangrando, e até mais tempo para antigas feridas se abrirem e a morte ocorrer; assim, seu aparecimento
antes do século XV teria sido relativamente raro. Mas o anseio pelo comércio, exploração e o império que
acompanhou o poderio econômico crescente da Europa encaminhou navios para o mar por períodos
suficientemente longos para que a doença surgisse; e ela se tornou o flagelo dos marinheiros por mais de
300-400 anos.
O escorbuto também afetou os exércitos (especialmente durante os cercos), eclodiu em campos
de prisioneiros de guerra, esteve nos calcanhares dos exploradores árticos e antárticos e torturou os
irlandeses após a grande quebra da safra de batatas em 1845-1846 porque as batatas contêm vitamina C,
enquanto os grãos enviados para aliviar sua situação não a continham.
Na metade do século XVIII, foi repetidamente demonstrado que o suco cítrico poderia prevenir o
escorbuto. Mas foi apenas no final deste século que os marinheiros britânicos receberam um suprimento
regular de suco de lima para combater a doença. No final do século XIX, com a medicina nas garras da
teoria dos germes, o escorbuto e outras doenças carenciais eram frequentemente vistas como obra de
patógenos. Foi preciso o conhecimento científico gerado no século XX para colocar a pesquisa de
alimentos novamente nos trilhos e estabelecer o conceito de doença carencial.
Todas estas doenças carenciais, pelo menos quando generalizadas, podem ser vistas como
consequência de problemas nutricionais causados pelos avanços da civilização. O mesmo é verdadeiro
para outras enfermidades que, embora não sejam estritamente doenças carenciais, estão relacionadas à
alimentação. O ergotismo, por exemplo, é uma doença causada pela ingestão de grãos de cereais -
especialmente o centeio - infectados pelo fungo do esporão-do-centeio (Claviceps purpurea). Conhecido
desde os tempos de Galeno, tornou-se prevalente na Europa medieval entre as pessoas mais pobres. Seu
pão, que constituía a maior parte da dieta, era frequentemente feito de restos de centeio, produzindo a
forma “convulsiva” quando afetava o sistema nervoso central, e a forma “gangrenosa” quando afetava o
suprimento sanguíneo para as extremidades. A doença era muitas vezes chamada de Fogo de Santo
Antônio. Ao menos 130 epidemias ocorreram na Europa entre 591-1789, e dezenas de milhares
sucumbiram. Surtos foram registrados em várias partes do mundo até a década de 1920.
Um tipo diferente de problema nutricional criado por dietas limitadas é a má nutrição proteico-
calórica que, como vimos anteriormente, é essencialmente uma afecção de jovens e um problema que se
desenvolve somente quando as pessoas estão adaptadas à agricultura. Evidência reveladora é vista nos
dentes dos primeiros agricultores, na forma de hipoplasias (linhas de parada de crescimento) que indicam
uma luta real pela sobrevivência na época do desmame. Nas populações modernas, a evidência da má
nutrição proteico-calórica é plenamente visível no ventre inchado do kwashiorkor (tipo úmido) e no
definhamento do marasmo (tipo seco), os dois polos sintomáticos da má nutrição proteico-calórica.
A causa primária da má nutrição proteico-calórica é o desmame da criança do leite materno para
um mingau de cereais (ou sopa de aveia) que contém pouca ou nenhuma das proteínas totais que a criança
necessita para seu crescimento e desenvolvimento. Enquanto os caçadores-coletores eram obrigados a dar
forragem para suas crianças recém-desmamadas, o povo sedentário concentrou-se em um cereal básico, o
que simplificou o processo de desmame. Tal simplicidade, por sua vez, encorajou mais gravidezes, de tal
maneira que uma criança era (e é) muitas vezes subitamente desmamada para dar lugar para outra. Daí a
palavra africana “kwashiorkor”, que significa “doença da criança desmamada”.
A má nutrição proteico-calórica torna-se completa quando a criança adquire uma infecção e esta
última, mais do que a condição nutricional, é que leva a culpa. Todavia, a má nutrição proteico-calórica é
uma das grandes aniquiladoras mundiais, especialmente em regiões em desenvolvimento. Ela pode
retardar o desenvolvimento e prejudicar a saúde na vida futura daqueles que a sobreviveram quando
crianças.

DOENÇA NO MUNDO MODERNO

Então, claramente, um dos resultados da revolução agricultural - a concentração de dietas em


culturas básicas - foi uma bênção mista de capacitar cada vez mais pessoas a viver, mas à custa
significativa de saúde delas. O mesmo poderia ser dito para a muito mais recente e atual revolução
industrial que, enquanto cria as condições para uma ulterior explosão populacional, também produz
problemas de saúde gerais, assim como algumas novas doenças específicas.
Por exemplo, a antracose ou doença do pulmão negro (pneumoconiose causada pela inalação de
pó de cravão) diminuiu a expectativa de vida de muitos mineiros; a bissinose ou doença do pulmão
marrom (pneumoconiose causada pela inalação de poeira das fibras de algodão, linho ou cânhamo) se
tornou a maldição dos operários da indústria têxtil; a asbestose ou doença do pulmão branco
(pneumoconiose causada pela inalação de pó de amianto) afetou aqueles engajados no trabalho com
asbesto; a exposição ao chumbo levou à intoxicação por este metal; a “mandíbula de fósforo” era um
risco ocupacional para operários de fósforos de segurança, que eram expostos ao fósforo; e a poeira de
pedra, vidro e areia causava a silicose ou “doença dos esmerilhadores” (pneumoconiose causada pela
inalação de pó de sílica).
Em 1773, o cirurgião londrino Percival Pott salientou que muitos homens que tinham sido
limpadores de chaminés quando jovens depois sofreram de câncer de testículo. Ele ligou este fato com a
irritação causada pela fuligem e identificou assim o primeiro câncer desencadeado por profissão.
Subsequentemente, radiação ultravioleta, raios X, substâncias radioativas como rádio e urânio, e outros
irritantes, como os derivados do alcatrão de hulha, foram implicados no câncer.
Câncer, enfermidades cardiovasculares e, provavelmente, o mal de Alzheimer são doenças
antigas da humanidade. Há discussões sobre porque parece ter havido um considerável aumento destas
três no século XX, especialmente no mundo desenvolvido. Uma possibilidade é a de que mais pessoas
estão vivendo o bastante para adquiri-las. Outra explicação tem a ver com o estilo de vida – produtos
derivados do tabaco maciçamente produzidos e largamente utilizados e bebidas alcoólicas destiladas e
também produtos da vida moderna contribuem consideravelmente para ao menos duas destas condições.
Todavia, pode ser também que um bom número de outros fatores decorrentes dos avanços na
civilização também seja responsável. Talvez haja mais carbono na atmosfera atualmente devido às
queimadas para cultivo do que pela industrialização; mas chaminés fumegantes e fumaça de
escapamentos de veículos automotivos puseram muitos outros produtos químicos no ar que respiramos,
no alimento que comemos e na água que bebemos. Além disso, muitos suspeitam que a incidência de
câncer de pele está em crescimento por causa da poluição atmosférica, que está permitindo o aumento da
intensidade de raios ultravioleta. O uso abusivo de sal foi implicado em câncer de estômago e hipertensão
arterial. E os alimentos e a água são processados com produtos químicos que estão progressivamente sob
escrutínio por pesquisadores de câncer e de doenças cardíacas.
A maior longevidade é certamente um fator na crescente frequência de algumas doenças
genéticas e a predisposição genética para outras doenças. No passado, uma menor porcentagem de
vítimas destas afecções teria sobrevivido para se reproduzir e transmitir os traços. Como alguns
geneticistas têm argumentado, no mundo desenvolvido, em qualquer taxa, os princípios de uma seleção
natural rigorosa não mais se aplicam. Nós entramos em outro estágio - aquele da “seleção relaxada”, e
estamos tendo que pagar por isso com uma maior frequência de doenças abrangendo desde esclerose
múltipla até mastoidite.
A medicina tem tido a oportunidade no século XX de focar muito de sua pesquisa em doenças
genéticas e enfermidades crônicas - as novas doenças da civilização - devido ao triunfo sobre as antigas
doenças contagiosas, culminando com a erradicação da varíola na década de 1970. Mas a coletiva
autoconfiança da comunidade médica tem sido abalada em muitas ocasiões durante os últimos cem anos.
Isto ocorreu, por exemplo, em 1918-1919 quando uma pandemia de gripe de inusitada virulência varreu o
planeta, matando entre 25 e 50 milhões de pessoas. Logo em seu encalço veio uma epidemia de encefalite
letárgica (uma inflamação do encéfalo e medula espinal) e uma nova onda de gripe mortífera em 1920.
Como e porque a gripe se tornou subitamente tão mortal (especialmente para adultos jovens) nunca foi
satisfatoriamente explicada - nem sua relação com a encefalite letárgica.
Ao contrário, o encontro da medicina moderna com a poliomielite teve um resultado muito mais
satisfatório. A poliomielite é uma antiga doença viral da humanidade, mas epidemias identificadas como
de poliomielite tornaram-se mais frequentes apenas em direção ao final do século XIX. Isto criou a crença
e que ela era uma nova doença e a grande epidemia de 1916 em Nova York provocou receios de que a
poliomielite era uma praga dos dias modernos - especialmente quando o que tinha sido considerada como
uma doença infantil começou a afetar os adultos. Tais receios gradualmente diminuíram com a
constatação de que, no passado, muitas crianças haviam sido imunizadas precocemente pela própria
doença, tem um curso oral-fecal. A melhoria sanitária que em muitos casos havia evitado esta imunização
foi realmente responsável pelo recrudescimento da doença. A introdução da vacinação primeiramente
com Jonas Salk (1955) e depois por Albert Bruce Sabin (1960) trouxe um dramático declínio na doença
no mundo desenvolvido e também em muito do mundo em desenvolvimento. Em 1944, As Américas
foram declaradas zona livre da poliomielite após dois anos de falta de registro da doença e a Organização
Mundial da Saúde espera eliminar a doença mundialmente em torno de 2000.
A medicina, entretanto, tem se mostrado impotente contra outra doença. Como ocorreu antes
com a poliomielite, a síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) pareceu ser uma nova doença.
Infelizmente, o agente etiológico, o vírus da imunodeficiência humana (HIV), sofre mutação muito mais
rapidamente do que o agente viral da gripe, o que tem frustrado o desenvolvimento de vacinas e de drogas
antivirais efetivas. Atualmente parece haver dois tipos principais de vírus envolvidos. O HIV-1 foi o
primeiro a ser identificado (1981), embora retrospectivamente pareceu que a doença se espalhou
silenciosamente por anos. As principais vias de transmissão de muitos de seus subtipos têm sido por
contato homossexual e por sangue e seus derivados. Em 1985, o HIV-2 foi identificado na África
Ocidental; seu padrão de transmissão parece ser por relação sexual heterossexual. Os vírus HIV-1 e HIV-
2 estão agora distribuídos por todo o mundo, mas ambos parecem ter se originado na África subsaariana,
onde anticorpos contra o HIV foram descobertos em sangue estocado desde 1959 e onde a maioria dos
casos no mundo (cerca de dois terços) estiveram localizados até 1995.
Por causa do prejuízo que o vírus HIV causa ao sistema imunológico, os pacientes muitas vezes
morrem vítimas de doenças como pneumonia por Pneumocystis, tuberculose e outras infecções. Contudo,
a AIDS é uma doença própria, embora possa se passar uma década ou mais até a infecção se manifestar, o
que até agora parece ter invariavelmente consequências fatais. Tal latência, todavia, torna difícil de se
calcular a disseminação da doença e, portanto, as projeções dependem muito de estimativas. Infelizmente,
mesmo a mais otimista delas sugere que milhões morrerão de AIDS. Alguns até predizem que, em termos
de mortalidade total, a doença liderará como uma das maiores aniquiladoras humanas na história.
Ainda assim, outras doenças virais mortais vieram à tona na África, entre elas as febres Ebola,
Lassa, Marburg e do Vale Rift e outras na América do Sul como a febre hemorrágica boliviana e a febre
hemorrágica argentina. É possível que, como a AIDS, uma ou mais destas podem ser liberadas mais
largamente no mundo. Em certo sentido, elas também são doenças da civilização - neste caso, do mundo
desenvolvido, onde populações empobrecidas estão aumentando e doenças crônicas da idade avançada
estão em segundo lugar em relação a importantes doenças infecciosas.
A medicina moderna tem tornado possível a um número cada vez maior de pessoas a sobreviver
aos períodos de lactância e infância no mundo desenvolvido, mas pouco faz por elas depois disso (exceto
pelas marcantes campanhas como as contra a varíola ou poliomielite). Entretanto, em um mundo se
tornando progressivamente menor, no qual as populações estão cada vez mais unidas, surge a questão se
poderemos arcar com tal negligência. Certamente, o interesse próprio, se nada mais, possa indicar a
importância de se promover a saúde no mundo em desenvolvimento, especialmente se este mundo
continuar a incubar doenças que possam alcançar e matar em países desenvolvidos.

QUADROS

Proteção contra a malária

Acredita-se que a malária tenha se originado em primatas africanos. Em seres humanos, é


causada por uma de quatro espécies de um protozoário parasita (gênero Plasmodium) que são
transmitidas de um hospedeiro humano para outro pela picada da fêmea de um mosquito (gênero
Anopheles). Quando o parasita entra na corrente sanguínea para se alimentar das hemácias (eritrócitos), as
defesas corporais são convocadas: leucócitos capturam os parasitas e os digerem, e o baço filtra os restos
para fora do sistema.
As preferências do parasita podem ajudar a limitar a extensão de uma infecção. O Plasmodium
vivax, por exemplo, somente parasita hemácias jovens, enquanto P. malariae persegue as maduras.
Assim, é mais provável que o P. falciparum, que invade ambos os tipos de hemácias
indiscriminadamente, tem alcance um nível de atividade parasitária fatal do que qualquer outro parasita
da malária.
A imunidade contra a malária, que mantém a contagem de parasitas, pode ser inata ou adquirida.
No último caso, o corpo desenvolve uma capacidade de produzir anticorpos que evitam a proliferação de
parasitas. Mas isso somente ocorre após a pessoa ter sobrevivido a muitos ataques e aquele que adquiriu
resistência o faz apenas contra um tipo, enquanto permanece suscetível aos outros. Como resultado, a
seleção natural, nas regiões onde a malária é endêmica, tem gradualmente complementado a imunidade
adquirida desenvolvendo a resistência inata à multiplicação de parasitas.
Muitos destes mecanismos foram desenvolvidos contra a malária por P. falciparum, que parece
ser o mais novo e também o mais mortal dos tipos de malária. A malária por P. vivax é muito mais antiga
e mais benigna, mas em algum momento ela deve ter sido consideravelmente mortal. Isto é porque quase
todas as pessoas cujas origens estão na África subsaariana adquiriram um traço genético (ausência dos
receptores FYa e FYb no grupo sanguíneo Duffy) que as protege contra a malária por P. vivax.
Hemácias Duffy-negativas não parecem ser nocivas, mas possuir o traço falciforme - a mais
conhecida das defesas contra o Plasmodium falciparum - pode ser fatal. Hemácias falciformes, que
desencorajam a multiplicação de parasitas, salvaram muitas vidas em áreas onde ocorre a malária por P.
falciparum. Mas a probabilidade é de quatro para um de que se ambos os pais tiverem o traço então seu
filho será vítima de anemia falciforme.
Outros mecanismos de proteção menos comuns incluem a deficiência de glicose-6-
fosfatodesidrogenase (G6PD, uma enzima sanguínea) e traços isolados de talassemia ou em combinação
com o traço falciforme. Nenhum deles é restrito a pessoas com ascendência africana, mas eles ocorrem
com mais frequência entre estas por causa de sua longa associação com a malária.
Tal associação também tem suscitado sugestões de que outras anomalias sanguíneas entre
pessoas negras possam conferir resistência à malária. Certamente, a recente ligação entre proteção contra
a malária em negros da África Ocidental e antígenos histocompatíveis nas superfícies de células parece
uma evidência ainda mais importante da capacidade dos seres humanos em se adaptar em face de uma
doença endêmica.

A etiologia da peste

A etiologia da doença de roedores que causa a peste em seres humanos é a bactéria Yersinia
pestis (antes conhecida por Pasteurella pestis). Ela alcança os seres humanos por meio de avassaladoras
pulgas infectadas que procuram por outros ratos após seus hospedeiros infectados terem morrido, mas
dispostas a embarcar em um hospedeiro menos satisfatório por um tempo.
Depois que a pulga pica seu novo hospedeiro, a bactéria penetra no sistema linfático e se dirige
para o linfonodo mais próximo, causando o característico inchaço ou “bubão” na virilha, axila ou
pescoço, dependendo da localização da picada. Esta forma de doença é chamada de peste bubônica, que
historicamente trouxe a morte para cerca de 60 por cento dos infectados.
A forma septicêmica, que é quase sempre fatal, ocorre quando o inseto inocula a bactéria
diretamente na corrente sanguínea da vítima, dando nenhuma chance aos linfonodos de conte-la. A mais
mortal de todas as formas, a peste pneumônica, geralmente se desenvolve da peste bubônica. Esta, além
de ser invariavelmente fatal sem o tratamento por antibióticos, não necessita de vetor intermediário
(inseto) para sua transmissão porque ela se espalha direta e rapidamente de pessoa a pessoa pela
respiração e fômites (roupas). O berço da doença parece ter sido ao longo das encostas da cadeia do
Himalaia, onde China e Índia dividem fronteiras - em parte porque a espécie de rato negro (Rattus rattus)
que foi tradicionalmente implicada em carregar a peste parece ter se originado naquelas paragens.
O primeiro surto documentado de peste foi no Império Romano, que supostamente perdeu cerca
de um quarto de sua população para a doença que subitamente se juntou a outros fatores para derrubá-lo.
Chamada de Peste de Justiniano, credita-se a ela a devastação de Constantinopla em 542 e daí sua
disseminação para a Europa Ocidental, depois de que ela ricocheteou ao redor do Mediterrâneo pelos
próximos dois séculos.
Entretanto, foi o segundo ciclo de peste que deixou sua maior marca no mundo até então
conhecido. No seu estágio inicial, a pandemia foi algumas vezes conhecida como Morte Negra. Ao redor
de 1300, ela começou com violência na Ásia e depois se disseminou em direção oeste, cortando enormes
faixas populacionais desde o Oriente Médio até o norte da África e Europa. Entre 1347 e 1350, acredita-
se que somente a Europa perdeu cerca de 20milhões de pessoas para a doença.
Entretanto, esta pandemia foi apenas a primeira onda de pestilência, que continuou a eclodir até
ao redor de 1800, quando o segundo ciclo de peste misericordiosamente terminou.
Não há dúvidas de que as complexas circunstâncias que impeliram a peste neste curso mortal
podem ser encontradas em muitos acontecimentos extraordinários do período, ligando o Leste e o Oeste -
a expansão do islamismo, as Cruzadas, o imperialismo dos turcos otomanos, e as conquistas mongóis.
Contudo, no seu rastro, a peste deixou alguns mistérios epidemiológicos que não foram solucionados.
Um deles tem a ver com sua fonte de origem e outro com a peregrinação do Rattus rattus, que se
moveu da Ásia para o Oriente Médio e Europa. Todavia, talvez o mais fascinante mistério gira ao redor
da questão da impossibilidade da peste em estabelecer um foco endêmico na Europa, significando que a
epidemia na Europa sempre foi representada por reintroduções da doença vinda do Oriente Médio.
Um último enigma está em porque, de fato, a peste desapareceu e porque a Europa foi poupada
do terceiro ciclo da praga, que se iniciou na Ásia em meados do século XVIII e se espalhou até as
Américas, em um lado do mundo, e Austrália, do outro.
Outras questões sobre a peste têm a ver com sua relação com outras doenças. Por exemplo, a
lepra, que esteve presente na Europa desde o século VI, subitamente recuou em face da investida inicial
da peste na metade do século XIV. Mas simultaneamente a tuberculose estabeleceu uma base na ecologia
de doenças europeias que se expandiria por muitos séculos vindouros.

A origem da sífilis
Colombo e seus homens têm sido frequentemente culpados de carregar a sífilis das Américas
para a Europa, de onde ela se espalhou para o mundo. O caso contra Colombo parece ter sido bom,
embora circunstancial.
A sífilis surgiu em 1493 ou 1494, durante uma disputa sobre o reino de Nápoles. Espanha e
França eram os principais antagonistas, embora os soldados franceses, em particular, viessem de toda a
Europa. Inicialmente, a doença foi chamada de “mal de Nápoles”, mas ela assolou com tal violência as
tropas francesas que a França foi forçada a desistir de sua campanha. Quando o exército se desmantelou e
os soldados poloneses, ingleses, húngaros, suíços e alemães, assim como os franceses, retornaram a seus
lares, a doença rapidamente se tornou conhecida como “pústula francesa” - por todos, menos para os
franceses.
Os italianos parecem ter sido os primeiros a observá-la em alguns soldados espanhóis que
acompanharam Colombo em sua segunda viagem, daí nascendo a noção de uma origem americana da
sífilis. Médicos europeus contradisseram esta ideia, alguns afirmando que era nova e outros insistindo de
que ela era apenas uma manifestação mais virulenta de uma doença mais antiga. Ela certamente agiu
como uma nova doença na Europa. Atuou algum tempo com extraordinária virulência, tornou-se mais
branda com o passar do tempo e então, no início do século XVIII, assumiu calmamente a forma que
conhecemos hoje. Outra evidência que parece apontar para um berço americano da doença encontra-se
em registros espanhóis de que os ameríndios sofriam mais de casos brandos de sífilis do que eles.
Todavia, este último fato pode ser explicado pela imunidade cruzada recebida de outras
infecções treponêmicas que os ameríndios sofriam, como a pinta e sífilis endêmica não-venérea. De fato,
todas as infecções treponêmicas parecem ter o mesmo agente etiológico (uma bactéria espiroqueta); os
patógenos são indistinguíveis à microscopia óptica e nem podem ser identificados laboratorialmente.
Este fenômeno deu origem à teoria de que ao menos as doenças treponêmicas do Velho Mundo -
bouba, sífilis endêmica não-venérea, e sífilis - eram a mesma doença com diferentes sintomas e diferentes
meios de transmissão. Por exemplo, na África tropical, a bouba, vista como a mais antiga manifestação, é
caracterizada por chagas abertas no corpo e normalmente se transmite de criança a criança por contato
pele-a-pele. Mas, ao se mover para a África subsaariana, a bouba deu lugar à sífilis endêmica não-venérea
(bejel), que é também essencialmente uma doença infantil, passando de criança a criança pelo
compartilhamento de copos, toalhas ou talheres.
Foi somente na Europa que apareceu o argumento de que o patógeno era comprometido por uma
limpeza relativa e um ambiente menos quente, no qual muita roupa evitaria a transmissão pele-a-pele. A
consequência foi que a doença encontrou outros meios de transmissão - o venéreo, de adulto para adulto.
De acordo com este ponto de vista, a sífilis estava em processo de emergir como uma entidade em cidades
europeias, exatamente no tempo em que Colombo zarpou.
Há outras possibilidades. Mutações podem também responder pelas várias doenças
treponêmicas. Algum tipo de infecção treponêmica americana pode ter se juntado com uma similar
europeia para se tornar a sífilis, com ambas as infecções originais subsequentemente desaparecendo.
A sífilis, junto com algumas outras infecções treponêmicas, deixa uma assinatura nos ossos.
Entretanto, até o presente, os achados de restos enterrados foram inconclusivos. Parece haver alguma
evidência de sífilis venérea nas Américas antes de 1492. E reivindicações têm sido feitas pela descoberta
de sífilis em ossos europeus enterrados muito antes da viagem de Colombo. Se nada mais houver, a
história da sífilis com certeza realça alguns dos problemas de historiadores médicos.

Ascensão e queda da tuberculose

A tuberculose é uma doença antiga dos seres humanos e, possivelmente, envolvida com eles.
Ella floresceu nas abarrotadas e imundas cidades da Europa e Ásia, tornando-se mais prevalente quando a
peste começou a declinar em frequência. No século XIX, a doença matou milhões de pessoas e em alguns
locais ela afetou praticamente toda a população.
As pessoas na Idade Média parecem ter sofrido muito mais da doença, mas muito provavelmente
da forma glandular dela chamada escrófula. Na Inglaterra e França, acreditava-se que a realeza tinha o
poder de curar a afecção pelo toque dos doentes e, do século XII até o século XVIII, o “toque real” foi
regularmente usado contra a condição.
Contudo, com o desenvolvimento urbano e industrial a partir do século XVI em andamento, a
virulenta forma pulmonar se tornou incrivelmente dominante em países tão distantes entre si como
Inglaterra e Japão. No século XIX, em muitos logradouros com 100.000 habitantes, 500 ou mais morriam
da doença anualmente. Nas Américas, afrodescendentes sofreram consideravelmente mais que indivíduos
brancos, e taxas anuais de mortalidade em algumas partes do Caribe e Geórgia (USA) aproximaram-se de
1000 para uma população de 100.000 habitantes. Em parte, isso pode ser explicado pela suscetibilidade
porque a doença não tinha feito parte do manancial africano de doenças em tempos históricos. Também
testemunhou as condições miseráveis de vida que esperava os africanos nas cidades americanas durante
seu suplício da escravidão.
Como os europeus na Idade Média, os escravos nas plantações sofreram principalmente da
escrófula, assim como os ameríndios dos EUA e Canadá durante o início do século XX. Como os negros,
os ameríndios mostraram uma extraordinária suscetibilidade à doença e tinham pouca resistência uma vez
infectados. Para outras pessoas, a tuberculose começou a recuar no século XIX e esta dramática recessão
continuou no século XX.
O recuo da doença é misterioso porque, embora a medicina conhecesse o agente etiológico da
doença (uma bactéria chamada Mycobacterium tuberculosis), ela não sabia como tratá-la e não tinha
nenhuma “bala mágica” até a II Guerra Mundial - muito depois da doença ter desvanecido como um
problema em países desenvolvidos.
Devido à tuberculose ter melhor desempenho entre os menos nutridos e pouco avançar entre
aqueles com uma dieta de proteínas de alta qualidade, o aperfeiçoamento na nutrição, a melhor higiene e a
melhoria na habitação foram vistas por alguns como a melhor explicação pelo declínio mundial da
doença. Contudo, isto não é uma explicação suficiente, dado o retorno que a doença parece estar fazendo
em áreas pobres dos centros das cidades. A doença permanece um importante problema de saúde em todo
o mundo em desenvolvimento e é um problema novamente crescente no mundo desenvolvido - por
exemplo, entre os sem-teto e os aidéticos.

Cólera - o flagelo do século XIX

Em 1817, a primeira pandemia de cólera se espalhou da área endêmica da doença em Bengala,


através do sudeste da Ásia, para leste até a China e para oeste até a Pérsia e Egito. A segunda pandemia,
iniciada em 1824, cobriu boa parte destes mesmos territórios, mas também se disseminou mais,
penetrando na Rússia antes de se mover para oeste, através da Europa, até a Inglaterra, em 1831; daí
cruzou o Atlântico para contaminar a América do Norte em 1832 e o Caribe e a América Latina em 1833.
A terceira pandemia começou quando a cólera acompanhou as tropas britânicas ao Afeganistão,
em 1839, e à China, em 1840. Daí ela viajou para a Pérsia e Ásia Central e, então, seguindo o que estava
se tornando vias já utilizadas, se espalhou para a Arábia e Europa, antes de passar sobre o Oceano
Atlântico, em 1848, para atingir as Américas do Norte e do Sul.
Há alguma discussão sobre se a cólera da década de 1850 representou uma nova pandemia ou foi
uma continuação da terceira. Mas, seja qual for o caso, em 1854 ambos os Novo e Velho Mundos foram
inundados pela doença. A quarta pandemia iniciou-se em 1863 e se esgotou em 1874, atingindo neste
ínterim muitos dos antigos afetados. A quinta pandemia, iniciada em 1881 e que perdurou até 1896, foi
disseminada na China e Japão, no Extremo Oriente, Egito no Oriente Próximo, e a Alemanha e Rússia na
Europa. Uma rápida intervenção em Nova York impediu a doença de se disseminar na América do Norte,
mas a América do Sul sofreu surtos, assim como o leste da África.
A sexta pandemia (1899-1923) poupou o hemisfério ocidental e muito da Europa, exceto alguns
surtos na península balcânica, Hungria, partes da Rússia e surtos ocasionais no sudeste da Europa.
Entretanto, não poupou o Extremo Oriente: China, Japão, Coreia e Filipinas alojaram a doença.
A sétima pandemia, que começou em 1961, seguiu aproximadamente o mesmo padrão da sexta.
No início da década de 1990, a cólera retornou ao hemisfério ocidental, irradiando-se do Peru para países
vizinhos.
O agente etiológico da cólera, uma bactéria chamada Vibrio cholerae, foi primeiro isolada por
Robert Koch e associados em 1883. Ela foi uma das muitas descobertas dos séculos XIX e XX que
identificou os agentes etiológicos e os meios de transmissão de muitas doenças infecciosas mortais para a
humanidade.

Você também pode gostar