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Fichamento: Capítulo IV.

SISTEMAS ABSTRATOS E TRANSFORMAÇÃO DA


INTIMIDADE

Anthony Giddens concebe a modernidade enquanto uma máquina - o carro de Jagrená


- sobre a qual não possuímos um controle absoluto e, consequentemente, não somos capazes
de obter uma sensação plena de segurança. Mas é um período que traz também novos arranjos
e possibilidades. Os aspectos que compõem esse cenário e suas consequências têm impactado
de forma significativa as relações de cunho intimo e pessoal, havendo uma alteração nessas
interações. O autor pretende dar conta, nesse capítulo, das relações entre as consequências da
modernidade, mais especificamente dos sistemas abstratos e a intimidade.

Ao tratar da intimidade e a sua relação dialética com a impessoalidade, Giddens


afirma que não se pode dizer que na modernidade a impessoalidade substitui a pessoalidade.
Houve, ao contrário, uma alteração dessas relações, uma intersecção entre a confiança pessoal
e os laços impessoais. O autor explica que, em contextos pré-modernos as relações no
cotidiano estavam baseadas numa dimensão familiar oriunda daquele lugar específico. Com a
emergência da “transformação da intimidade” - consequência do surgimento e difusão dos
mecanismos de desencaixe e modificação dos ambientes de confiança - essas relações e as
formas com as quais elas se “concretizam” modificam-se, segundo o autor.
A modernidade traz consigo um aspecto “deslocador”, mas, em contrapartida,
possibilita uma reestruturação, ou nas palavras do autor, uma alteração no tecido da vivência
social. Nessa alteração, são “associados” o distante e o próximo, estando, nesse processo,
presente a relação entre estranhamento e familiaridade. Assim, relações íntimas podem ser
mantidas a longas distancias e laços pessoais são constituídos com sujeitos que antes eram
desconhecidos e localizados até mesmo do outro lado do mundo. Os sistemas abstratos são de
suma importância nesse sentido, pois propiciam as possibilidades para que as relações
ocorram e se mantenham.
O correlativo do deslocamento é o reencaixe. Os mecanismos de desencaixe
tiram as relações sociais e as trocas de informação de contextos espaço-
temporais específicos, mas ao mesmo tempo propiciam novas oportunidades
para sua reinserção.

Giddens afirma que, nessas relações a confiança é ambivalente. Os agentes tem em


vista a possibilidade de separação, pois esses laços podem ser rompidos e voltar a dimensão
do impessoal. A confiança pressupõe uma abertura, através do estabelecimento da ideia de
que nada deve ser ocultado do outro, misturando renovação da confiança e ansiedade. A
confiança, de acordo com o autor, vai exigir auto-entendimento e auto-expressão, fontes de
tensão psicológica. Além da auto-revelação, os sujeitos necessitam de reciprocidade e apoio
que, em conjunto, são incompatíveis. Assim, tormento e frustação vão se associar com a
necessidade de confiança como provedor de cuidados e apoio.
A perícia também tem impactado de maneira importante, já que se configura como
parte da intimidade e isso é evidenciado pela gama de livros, programas de televisão e
terapias direcionados aos relacionamentos. Segundo o autor, isso não significa que a vida e as
decisões pessoais estejam subordinadas a perícia técnica, como afirmou Habermas, primeiro
porque as mudanças na natureza da vida cotidiana também afetam os mecanismos de
desencaixe e, segundo, em razão da constante reapropriação da perícia pelos leigos no seu
contato diário com os sistemas abstratos. Tornar-se perito é algo que só pode ocorrer em
relação a uma parcela muito pequena de alguma área do conhecimento; ninguém pode se
tornar perito em tudo. Mas é necessário que se tenha um conhecimento mínimo para poder
interagir com os sistemas abstratos.
Giddens elenca, então, os elementos envolvidos na transformação da intimidade. Para
o autor, existe uma relação intima entre as tendências globalizantes da modernidade e eventos
localizados do dia-a-dia dos sujeitos, a já mencionada tensão entre o global e o local. O
projeto reflexivo do eu também é importante, por ser parte da reflexividade da modernidade,
faz com que o individuo busque sua identidade entre estratégias e possibilidades
proporcionadas pelos sistemas abstratos. A auto-realização se fundamenta na confiança
básica e, deve ser buscada a partir de uma abertura do eu para o outro e o estabelecimento de
uma revelação mútua, que vai orientar os laços pessoais e eróticos. A auto-satisfação se torna
importante, pois, além de um elemento de defesa em relação ao mundo externo, consistirá,
também, em um apoderamento de aspectos possibilitados pelas tendências globalizantes,
aspectos esses que impactam a vivência rotineira dos sujeitos.
Em suma, para o nosso autor é possível evidenciar que a ligação dos sistemas abstratos
e a transformação da intimidade não se dá pela substituição de laços impessoais, característico
desses sistemas, mas resulta na emergência de novas formas de relações, que interagem com
esses sistemas cotidianamente, e de novas “formas” de confiança, alicerçadas em mecanismos
distintos: a confiança deve ser construída, trabalhada. Além disso, os sistemas
especializados/peritos impactam na medida em que produzem conhecimento acerca dos
relacionamentos e, com isso, influem na forma como eles acontecem e se mantêm. Os
relacionamentos, portanto, se constituem também de forma reflexiva.

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