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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

PEDRO AUGUSTO OLIVEIRA MELO

A SÚMULA NO 382 DO STF:

A MORADIA EM COMUM COMO REQUISITO PARA A UNIÃO ESTÁVEL

BELO HORIZONTE
2017
PEDRO AUGUSTO OLIVEIRA MELO

A SÚMULA Nº. 382 DO STF:

A MORADIA EM COMUM COMO REQUISITO PARA A UNIÃO ESTÁVEL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à


Universidade Federal de Minas Gerais como
exigência parcial para obtenção do título de
bacharel em Direito.
Orientadora: Laura Souza Lima e Brito.

BELO HORIZONTE
2017
RESUMO

A edição da súmula 382 pelo STF provocou uma série de questionamentos quando à sua aplicação,
se a coabitação seria ou não um requisito para o reconhecimento da união estável. Assim, este artigo
tem como objetivo identificar, no tempo, a mudança do entendimento jurisprudencial a respeito da
súmula, explanando os precedentes que influenciaram sua edição. Metodologicamente este trabalho
adotou, inicialmente, a pesquisa bibliográfica, e, em um segundo momento, a pesquisa
jurisprudencial, baseada na análise dos julgados do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal
de Justiça e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Os resultados levantados apontaram para uma
ampla utilização da súmula no sentido de afastar o requisito da coabitação, more uxorio, para a
configuração da união estável. Ainda, a crítica final levantada procura questionar as diferenças entre
o mero namoro prolongado e a união estável.

Palavras-chave: Coabitação. União Estável. Súmula 382 do STF. Jurisprudência.


ABSTRACT

The release of the precedent n. 382 by the STF court provoked a lot of questionings about its
application, if the cohabitation would be or not a requirement to recognize the stable union. Therefore,
this article has the goal to identify, in time, the change of understanding in case law regarding the
precedent, and clarifying the previous cases that influenced its release. Methodologically, this essay
adopted, in the first place, the bibliographic research, and, second, the jurisprudential research, based
in the analysis of cases from the courts: Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça and
Tribunal de Justiça de Minas Gerais. The outcomes of the research indicated to a wide use of the
precedent in order to take away the cohabitation`s requirement, more uxorious, to configure the stable
union. Furthermore, the final critic seeks to question the differences between the mere dating and the
stable union.

Keywords: Cohabitation. Stable Union. Precedent n. 382 STF. Jurisprudence.


SUMÁRIO

1. Introdução..............................................................................................................06
2. A coabitação como requisito para a união estável.................................................07
3. A súmula 382 do STF: seus precedentes e a aplicação pelo STF........................13
3.1. Precedentes........................................................................................................13
3.2. Aplicação da súmula pelo STF............................................................................16
4. Aplicação da súmula pelo STJ...............................................................................18
5. Aplicação da súmula pelo
TJMG.............................................................................21
6. Conclusão...............................................................................................................24
7. Referências............................................................................................................27
7

1. INTRODUÇÃO

O surgimento do instituto da união estável no Brasil levantou uma


série de indagações a respeito dos requisitos necessários para a sua
configuração. O art. 1.723 do Código Civil, que trata deste instituto, a define
como a união mantida por meio da “convivência pública, contínua e duradoura
e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Muito se questionou
se a coabitação seria necessária, tendo teses favoráveis e desfavoráveis,
tanto na doutrina quanto na jurisprudência.

A súmula 382 do STF foi editada em 1964 para dirimir a


necessidade ou não da coabitação para a configuração do concubinato/união
estável. Do seu texto se depreende: “A vida em comum sob o mesmo teto,
more uxorio, não é indispensável à caracterização do concubinato”.
Atualmente, a súmula tem sido usada como núcleo fundamentador de uma
série de processos que almejam na sua causa de pedir o reconhecimento da
união estável.

Tendo em vista tal conjectura, o tema do presente trabalho procura


analisar a diferença de entendimento dado a súmula na época de sua edição
e o dado na sua aplicação ao longo dos anos.

Nesse sentido, entende-se que a súmula n. 382 do STF foi editada


exclusivamente para suprir uma divergência jurisprudencial no tocante ao
requisito da moradia em comum para a caracterização do concubinato. Por
meio desta, era possível pleitear o reconhecimento da paternidade nos
termos do art. 363, inciso I, do Código Civil do 1916. Contudo, atualmente, o
reconhecimento da paternidade se dá por meios outros do que a mera
constatação da união entre o pai e mãe. Desta forma, espera-se encontrar
julgados nos quais a súmula foi usada para reconhecer uniões estáveis.

O objetivo geral do trabalho é identificar, no tempo, a mudança do


entendimento jurisprudencial no que concerne à moradia comum como
8

requisito para a configuração da união estável. Por sua vez, os objetivos


específicos incluem expor os precedentes que motivaram a edição da súmula
382 do STF, apresentar o posicionamento da doutrina quanto ao status da
coabitação como requisito para a união estável e analisar os julgados do STF,
STJ e TJMG a respeito do tema tratado.

A relevância do trabalho pode ser considerada de irrefutável


indispensabilidade, pois a súmula em questão, ao dispensar a coabitação
como requisito para a união estável, influi em uma série de uniões que até
então não possuíam consequências patrimoniais de grande relevância, como
é o caso de namoro. Além disso, a mutação do direito nesse sentido implica
em uma mudança de paradigma da sociedade, atinente ao que é ou não é
união estável.

Metodologicamente, este trabalho adotou, em um primeiro


momento, a pesquisa bibliográfica, em um segundo momento, adotou a
análise de julgados a respeito do tema, consistindo na coleta de dados a
partir de determinados critérios nos sites do STF, STJ e TJMG, havendo
posteriormente a respectiva exposição dos resultados encontrados.

O trabalho se divide em seis capítulos que tratam da coabitação


como requisito para a união estável, os precedentes da súmula 382 do STF,
sua aplicação pela referida corte, sua aplicação pelo STJ, sua aplicação pelo
TJMG e, por fim, a conclusão do resultado encontrado.

2. A COABITAÇÃO COMO REQUISITO PARA A UNIÃO ESTÁVEL

O instituto da união estável no Brasil tem previsão legal na


Constituição Federal em seu art. 226, §3 o, bem como é regulado pelo Código
Civil em seu art. 1.723 a 1.727 e pelas leis nº 8.971 de 1994 e nº 9.278 de
1996. Os requisitos para sua configuração, nos ditames da lei, são:
9

convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher,


estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Apesar da coabitação não constar expressamente entre os


requisitos, muito se discute se a mesma estaria se certa forma subentendida
no próprio conceito de convivência, sendo, portanto, necessária à
configuração. Neste ponto, a coabitação ainda assume uma nova importância
na diferenciação da união estável e o namoro duradouro, situação de
importantes consequências patrimoniais.

Álvaro Villaça de Azevedo explica que a palavra coabitação,


antigamente mencionada como cohabitação, deriva-se do substantivo latino,
feminino, cohabitatio, onis, que significa o estado de duas pessoas que
habitam juntas, vida em comum. O vocábulo é formando de co, abreviatura do
prefixo com, de preposição latina cum, que indica força, união, e da palavra
habitação.1 Nesse sentido, completa:

Coabitação, assim, segundo os léxicos, é a convivência de duas pessoas,


casadas ou não, é a vida íntima de casais, significando mesmo o ato da
realização sexual. (...)aí a ideia de que a coabitação consiste nas íntimas
relações entre homem e mulher, que vivem conjuntamente, ou casados ou
em concubinato. O sentido é o de viverem juntos, de conviverem
sexualmente.2

Nesse aspecto, defende o autor que a coabitação seria um dever


recíproco e pessoal de ambos os cônjuges (ou companheiros), juntamente
com os deveres de fidelidade e assistência imaterial. Ainda afirma com
proficiência que o dever coabitacional representa a “imposição legal, de
ordem pública, aos cônjuges de seu relacionamento fisiológico, sexual,
recíproco, enquanto durar a convivência no lar conjugal”. 3

A conceituação de coabitação dada por Álvaro Vilaça, sob o prisma


jurídico, representa a tendência de boa parte da doutrina em considerar a

1
Azevedo, Álvaro Villaça. Dever de coabitação. Inadimplemento, São Paulo, José Bushatsky Editor,
1976, p. 14.
2
Ibid., p. 15-16.
3
Ibid., p. 197.
10

união estável como um quase-matrimônio, dada as suas características


semelhantes com o casamento, surgindo daí a necessidade do débito
conjugal, traduzido na manutenção frequente e periódica de relações sexuais,
que se convergem na necessidade de coabitação. Nas palavras de Regina
Beatriz Tavares:

[...] se amplo conteúdo do dever de coabitação decorre da necessidade de


integração e desenvolvimento da sociedade conjugal, havendo no
matrimônio o jus ad copulam, ou direito à prestação sexual, que, no entanto,
não se confunde com o jus in corpus, pois este implicaria o direito sobre o
corpo de outro cônjuge, que inexiste.4

A Revista IOB de Direito de Família, em sua edição de n. 53 de 2009,


ao analisar os requisitos para a configuração da união estável, compartilha do
entendimento que a vida entre os companheiros deve ser assemelhada ao
casamento, uma vez que exteriorizaria a união em sua plenitude,
apresentando os conviventes à sociedade como marido e mulher. Desta
forma, assim é o entendimento:

Embora não catalogada na Lei nº 9.278/1996, art. 2º, como um dos deveres
dos conviventes, nem tão pouco disciplinada no art. 1.723, caput, do Código
Civil, entende a doutrina que a coabitação, por meio da interpretação
histórica e sistemática da lei, é da essência da união estável. Aliás, quando
no art. 1.723 alude a “convivência duradoura [...]”, nada mais quis o
legislador do que consagrar a coabitação.5

Na mesma linha, a revista AJURIS, em sua edição de n. 70 de julho de


1997:

Afasta-se, pois, o efeito dirimente que a súmula impunha ao regime de


coabitação em sede de concubinato quando o tema é união estável, pois a
vida em comum, sob o mesmo teto, é o mais visível dos elementos
constitutivos da união estável, obrigação legal aos casados, nos termos do
CC, art. 231, II, que deve sempre inspirar o intérprete na averiguação de
existência da união estável, espécime jurídica que não surgiu com força
própria, mas tomando de empréstimo seu sucedâneo formal - o matrimônio
-, no qual deve espelhar-se, a bem configurar-se e de produzir efeitos. 6

4
SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Direito de Família – aspectos constitucionais,
civis e processuais, p. 236.
5
CORDOIL, Verônica Ribeiro da Silva. Pontos Críticos da Sucessão dos Companheiros no Novo
Código Civil frente às Leis 8.971/1994 e 9.278/1996. In: Revista IOB de Direito de Família, v. 11, n.
53, abril-maio de 2009, p. 15-43.
6
MALHEIROS, Fernando. A União Estável e a Súmula n. 382 do Supremo Tribunal Federal. Revista
da AJURIS, n. 70, julho de 1997, p. 282-289.
11

Nesse sentido, é importante salientar que tal concepção entra em


conflito com a compreensão mais atual de união livre que Constituição e
realidade social formulam. Precisamente a concepção de que a união estável
tem se portado muito mais como uma alternativa da sociedade conjugal do
que um estágio para a sua efetivação. Assim é o entendimento de Rainer
Czajkowski:

Os conviventes, hoje, optam por tal estado não mais são compelidos a ele
por restrições legais ou injunções religiosas. Optam precisamente porque
não querem casas, porque não acham necessário casar, afastam-se. Assim,
de pelo menos um dos deveres conjugais que o matrimônio lhes iria impor,
a coabitação sob o mesmo teto. Em face desta voluntariedade, é
contraditório que a jurisprudência, a doutrina ou, o que seria pior, a lei,
tragam um dever próprio do matrimônio para a união livre estável, erigindo-o
à condição para que se configure uma entidade familiar. 7

A crítica a este posicionamento, em contrapartida, também é


oportuna e merece destaque. Muito embora a união estável e o matrimônio
não sejam equivalentes, um aspecto semelhante a ambos seria a noção da
congregação familiar, na qual impera os deveres de coabitação e fidelidade.
Nesse sentido, é elucidativo a explicação dada pelo advogado Fernando
Malheiros:

É claro que ao eliminar uma solução absoluta - de que a união estável não
depende de coabitação - não se há de recair no absoluto contrário, ou seja,
erigir a coabitação como condição sine qua non e impostergável, em todos
os casos, à união estável. Se é verdadeiro que, na imensa maioria das
situações não se haverá de divisar união estável onde não está presente a
coabitação, há exceções que justificam e dão plenitude à regra. Não se trata
de abraçar o entendimento liberal, segundo o qual os padrões modernos de
comportamento humano dispensam a coabitação como elemento
constitutivo da família, pois nisso não há qualquer modernidade,
considerando que os casais atuais que se negam à coabitação procuram
justamente é evitar os efeitos que dela resultariam e, principalmente, manter
a liberdade individual, a opção pela variedade sexual e de humores,
absolutamente incompatível com a noção de congraçamento familiar, onde
todos cedem em nome da convivência e dos conhecidos benefícios que
dela resultam.8

Entretanto, como bem salienta Beatriz Tavares da Silva, em notícia


publicada no site da ADFAS (Associação de Direito de Família e Sucessões),
7
CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. Curitiba: Juruá, 1996. p. 77.
8
MALHEIROS, Fernando. A União Estável e a Súmula n. 382 do Supremo Tribunal Federal. Revista
da AJURIS, n. 70, julho de 1997, p. 284.
12

por se tratar de institutos distintos, casamento e união estável devem ser


tratados de forma diferenciada. Um dos problemas é que frequentemente se
confunde namoro com a união estável, pois não é exigida a moradia sob o
mesmo teto. Por isso, a especialista Regina Beatriz pondera que fornecer os
mesmos efeitos sucessórios ao casamento e à união significaria atribuir a
pessoas que nunca desejaram casar-se efeitos típicos de casados. 9

Por sua vez, Zeno Veloso10 também reconhece a coabitação como


uma importante característica da união estável, como bem acentua que “essa
entidade familiar decorre desse fato, da aparência de casamento, e essa
aparência é o elemento objetivo da relação, a mostra, o sinal exterior, a
fachada, o fator de demonstração inequívoca da constituição de uma família”.
Entretanto, o doutrinador pontua que, se demonstrado o ânimo firme de
constituir família, se estão na posse do estado de casados, e se o círculo
social daquele par, pelo comportamento e atitudes que os dois adotam,
reconhece ali uma situação com aparência de casamento, a união estável
resta configurada.11

Carlos Roberto Gonçalves, em Direito Civil Brasileiro, pondera que


existem situações nas quais a separação física do casal se faz necessária,
seja por necessidade profissional ou contingência pessoal ou familiar.
Entretanto aduz que tais situações são de caráter excepcional, que devem ser
analisadas caso a caso com os demais requisitos da união estável. O jurista
justifica seu posicionamento da seguinte forma:

Efetivamente, acarreta insegurança ao meio social atribuir a uma relação


entre duas pessoas que vivam sob tetos diferentes, sem justificativa
plausível para esse procedimento, a natureza de união estável, com todos
os direitos que esta proporciona. Mas, por outro lado, não se pode ignorar o
comportamento de muitos casais, que assumem ostensivamente a posição
de cônjuges, de companheiro e companheira, mas em casas separadas.
Nem por isso se pode afirmar que não estão casados ou não vivem em
união estável.12
9
Disponívelem:<http://www.adfas.org.br/noticias/conteudo.aspx?ti=Dicas%20sobre%20uni%C3%A3o
%20est%C3%A1vel%20e%20tradicional%20casamento&id=6255>. Acesso em: 27/12/2016.
10
VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado, v. 17, 1a Ed., p. 114. São Paulo. Atlas, 2003. P. 114.
11

12
Gonçalves, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, Vol. 6: Direito de família, 9 a Ed. São Paulo.
Saraiva, 2012. p.528.
13

Por sua vez, a professora Maria Helena Diniz entende que a


convivência citada na lei nada mais é do que a coabitação, viver sob o
mesmo teto, não se configurando união estável se os encontros forem furtivos
13
ou secretos, embora haja prática reiterada de relações sexuais.

Apesar das divergências doutrinárias, o conceito da coabitação


demanda a análise dos requisitos subjetivos da união estável, quais sejam
convivência more uxorio (de costume do matrimônio) e o affectio maritalis
(afeição conjugal). O primeiro consiste na “comunhão de vidas, no sentido
material e imaterial, em situação similar à de pessoas casadas” 14. Este
requisito envolve a mútua assistência moral, material e espiritual,
caracterizada pelos interesses e atos comuns, inerentes à entidade familiar.
Por sua vez, o affectio maritalis envolve a vontade dos companheiros em
constituir família.

No âmbito da convivência more uxorio, parte da doutrina entende


que um costume do matrimônio seria a coabitação, sendo obrigatório para a
configuração da união estável que os companheiros residam no mesmo
logradouro. Porém, para melhor definir tal requisito é necessário destrinchar o
conceito jurídico de coabitação. Em uma visão clássica, a expressão significa
o relacionamento sexual continuo sob o mesmo teto, englobando o débito
conjugal. Por sua vez, o termo assumiu contemporaneamente conotação
distinta, por meio da superação de um lar em comum. A partir desta visão, a
coabitação estaria mais relacionada ao afeto, o amor que une os cônjuges,
elemento essencial da comunhão plena de vida prevista no art. 1.511 do atual
Código Civil.15

13
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, Vol. 5. Direito de Família, 18ª Ed. São Paulo.
Saraiva, 2002. p. 120.
14
GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: Direito de Família. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 6.
p. 548.
15
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 36. ed. São Paulo:
Saraiva, 2001. p. 121.
14

Logo, a vontade dos cônjuges de viver segundo os costumes do


matrimônio não está relacionada, obrigatoriamente, à constituição de um lar
em comum. O afeto por si só não configura a união estável, uma vez que este
elemento também está presente no namoro. Por isso, a relação entre os
companheiros deve estar acompanhada de notoriedade, continuidade, apoio
mútuo, convivência duradoura, e o instituto de constituir família. Tendo como
base tal premissa, é comum namorados que vivem sob o mesmo teto mas
não pretendem formar um novo núcleo familiar, ou o fazem tendo em vista o
corte de gastos, por praticidade, por proximidade, entre outros motivos.

Assim, para que a união estável seja reconhecida é necessário a


análise caso a caso com a devida observância dos requisitos constantes no
art. 1.723 do Código Civil de 2002. Superada a dispensabilidade da
convivência sob o mesmo teto para a configuração da união estável, o
presente artigo procura analisar a fonte de fundamentação de grande parte
das decisões judiciais atuais que envolvem este instituto que é a súmula n.
382 do STF. Assim é o texto da súmula: “a vida em comum sob o mesmo teto
more uxorio, não é indispensável a caraterização do concubinato”. Por meio
da pesquisa jurisprudencial dos julgados do STF, do STJ e do TJMG,
pretende-se investigar os argumentos utilizados na época da edição da
súmula e os utilizados atualmente para afastar a necessidade da convivência
sob o mesmo para a configuração da união estável, anteriormente tratada
como concubinato.

3. A SÚMULA 382 DO STF: SEUS PRECEDENTES E A APLICAÇÃO


PELO STF.

3.1. PRECEDENTES.

Atualmente, algumas decisões que reconhecem a união estável


são fundamentadas por meio da súmula 382 do STF, que assim determina: “a
vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à
caracterização do concubinato”. Como citado no capítulo anterior, na época
15

em que a súmula foi aprovada em plenário no ano de 1964 pela Suprema


Corte, a lei do divórcio ainda não estava em voga no país, o que só iria
ocorrer na próxima década em 1977, muito menos as uniões estáveis eram
reconhecidas juridicamente, à margem do casamento, elas eram chamadas
de “concubinato”.

Nesse sentido, para entender o papel da súmula em fundamentar


decisões jurídicas é preciso analisar as motivações que levaram o STF a
adotá-la, constatação que se dará por meio da leitura de processos de 1932 e
1962 que serviram como precedentes para a edição da súmula.

Os primeiros processos a suscitar a questão da necessidade da


vida em comum sob o mesmo teto para a caracterização do concubinato foi o
Recurso Especial n. 2004 de 06 de setembro de 1932 do estado do Rio
Grande do Sul e o Recurso Especial n. 49.212 de 14 de junho de 1962 do
estado de Goiás.16 Os dois processos versam sobre a pretensão da
investigação de paternidade, que tinham como referência o art. 363 do
Código Civil de 1916, que assim legislava:

Os filhos ilegítimos de pessoas que não caibam no Art. 183, I a VI, têm ação
contra os pais, ou seus herdeiros, para demandar o reconhecimento da
filiação:
I - se ao tempo da concepção a mãe estava concubinada com o pretendido
pai;
II - se a concepção do filho reclamante coincidiu com o rapto da mãe pelo
suposto pai, ou suas relações sexuais com ela;
III - se existir escrito daquele a quem se atribui a paternidade,
reconhecendo-a expressamente.

O referido artigo estabelecia os requisitos para que os filhos


considerados “ilegítimos” pudessem ter a paternidade reconhecida, uma vez
que naquela época não havia exames aptos a comprovar a descendência. O
primeiro inciso tratava da situação na qual a mãe estava concubinada com o
pretendido pai, em outras palavras, mantinha uma união diversa do
casamento. Nesse sentido, torna-se evidente que a configuração do
concubinato significava a presunção de relações sexuais, dispensando provas

16
BRANT. Cássio Augusto Barros. A União Estável e a inaplicabilidade da súmula 382 do STF. Fonte
Universitária, v. 1, n. 1, ago/dez de 2010.
16

diretas de sua ocorrência. Portanto, o filho nascido na constância do


concubinato poderia demandar o reconhecimento da filiação. Mas a dúvida
que se instaurou foi a seguinte: em quais circunstâncias estaria o concubinato
configurado?

Nesse sentido, era possível que houvesse uma multiplicidade de


parceiros e, portanto, questionou-se se era necessário que os pares tivessem
uma vida em comum sob o mesmo teto com o estado de casados, “more
uxório”, ou até mesmo um lapso temporal de curto período, no qual ambos
habitassem no mesmo logradouro. Desta forma, para dirimir o impasse, o
STF decidiu da seguinte forma no Recurso Especial n. 2004 de 06 de
setembro de 1932 do estado do Rio Grande do Sul:

A autora, porém, não funda a sua acção na posse do estado, mas no facto
de haver sido concebida e nascida durante o concubinato de seus paes
Manoel Alves do valle Quaresma Junior e Catharina Carolina Amelia
Lambert, e sendo ambos solteiros, por occasião de sua concepção, não
incidindo no art. 183, os 1 a 6, do Código Civil. (...)
“É verdade que alguns civilistas, dando ao concubinato uma significação
profundamente restricta, sustentam que só há concubinato quando duas
pessoas de sexo differente vivem e habitam juntas ou sob o mesmo tecto
materialmente, sem que a sua união haja sido legalisada com as
formalidades do casamento, vivendo maritamente, ou more uxorio,
apparecento ao publico com as signaes exteriores do casamento.
Esta, porém, não é a signiicação que se deve dar á expressão
“concubinato”, nem o Código Civil a suffraga, tanto que é o próprio Codigo
que, no art. 1.1173, proibe o homem casado de fazer doação á concubina.
Donde se conclue que o homem casado pode ter concubina, se estabelecer
o lar conjugal; e, portanto, concubinarios não são só os que vivem more
uxorio. E até muito commum ver-se amantes solterios em concubinato,
tendo domicílios differentes.”17

O julgado em questão tratou de uma ação de investigação de


paternidade post mortem em face do irmão do suposto pai, pretendendo
herdar todo o patrimônio deixado na herança. O tio do autor, em sua defesa,
alegou que o irmão morava só, razão pela qual não poderia ser tido como pai
da autora da ação, ausente a more uxorio com a mãe desta à época da
concepção.

17
BRASIL, STF. Disponível em ‹http://www.stf.jus.br/porta l/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?
s1=382.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas›. Acesso em: 03/01/2017.
17

Da leitura da decisão da Suprema Corte depreende-se que as


uniões fora do casamento (concubinárias) para serem reconhecidas para
efeitos de comprovação de paternidade, o elemento central de caracterização
não consiste na semelhança com a “vida de casado”, no caso a moradia em
comum, mas na comprovação de que os concubinos mantinham relações
íntimas frequentementes. Nesse sentido, também foi a decisão proferida pelo
Recurso Especial n. 49.212 de 14 de junho de 1962 do estado de Goiás:

Em torno de conceituação do concubinato, não existe um tratado de paz


entre quantos hão versado o assunto, já no campo da doutrina, como no do
direito aplicado.
Para uns, ele se caracteriza em decorrência da vida comum sob o mesmo
teto, num verdadeiro estado de casados, é dizer, more uxorio; enquanto,
para outros, basta que haja relações carnais seguidas e constantes.(...)
A jurisprudência dos pretórios pátrios, inclusive o S. Trib. Fed. (Ver. De
Direito, vol. 109, pág. 166), porém, há dado uma significação mais ampla ao
concubinato, adotando, por bem dizer, o entendimento de que, para sua
existência, não é necessária vida em comum, sob as mesmas telhas, como
marido e mulher, senão se reclamam, apenas, as relações íntimas e
frequentes.

Portanto, os precedentes da súmula 382 do STF mostram que a


aplicação da mesma está em descompasso com a sua atual aplicação, uma
vez que a edição da súmula tinha como objetivo primordial afastar a
convivência sob o mesmo teto como requisito para a configuração do
concubinato, por meio do qual poderia se dar o reconhecimento da
paternidade dos filhos “ilegítimos”. Entretanto, atualmente, as ações de
investigação de paternidade são iniciadas pela mera indicação pela mãe ou
pelo filho maior de 18 anos do suposto pai. No decorrer do procedimento, o
acionado pode reconhecer a paternidade de forma espontânea em um prazo
determinado ou, em caso de recusa, é chamado em juízo a fazer o exame de
DNA.18 Logo, como a súmula perdeu sua função no tempo, resta analisar a
mudança no entendimento jurisprudencial no sentido da moradia sob o
mesmo teto como requisito para a união estável.

3.2. APLICAÇÃO DA SÚMULA PELO STF.


18
CNJ. Registro tardio de paternidade: entenda como funciona. 2015. Disponível em:
<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/80105-registro-tardio-de-paternidade-entenda-como-funciona>. Acesso
em: 27 de out. de 2016.
18

Antes da Constituição de 1988, o STF era responsável por


solucionar tanto questões federais quanto questões constitucionais, por meio
do Recurso Extraordinário. Com a chamada “crise do Supremo”,
caracterizada pelo enorme volume de processos que chegavam na Suprema
Corte, a nova constituição criou o STJ (Superior Tribunal de Justiça),
responsável por julgar recursos contra decisões recorridas que contrariem ou
neguem vigência a tratado/lei federal, o chamado Recurso Especial.

Diante desta mudança de competência, fica claro que a aplicação


da súmula nº 382 do STF nos Recursos elencados a essa mesma corte se
deu entre o período de sua edição, em 1964, e a promulgação da
Constituição Federal de 1988. Ainda, a aplicação pelo STF da súmula pode
se dar mediante o julgamento, por competência ordinária, de ação rescisória
que estiver sido proposta contra decisão desta corte.

Quanto à aplicação da referida súmula no STF, em pesquisa


jurisprudencial no site desta corte, pode-se selecionar nove julgados que
tratam da súmula nº. 382 do STF, sendo dois agravos regimentais, seis
recursos extraordinários e uma ação rescisória. Em sete dos nove acórdãos,
as ações foram extintas sem resolução do mérito, seja pela ausência de
prequestionamento, seja por presença de óbice regimental ou pela não
apresentação de dissídio de súmulas.

A decisão que mais se dedicou à análise da súmula nº. 382 do STF


e a necessidade ou não da moradia em comum para a caracterização do
concubinato/união estável foi o acórdão do Recurso Extraordinário
93.886/MG19, julgado em 09/08/1983, tendo como relator o Ministro Oscar
Correa.

Primeiramente, a ação tratava-se de uma investigação de


paternidade na qual o investigado mantinha relações com a mãe do
19
STF. RE 93.886/MG. 1a T., Rel. Min. Oscar Corrêa, j. 09/08/1983. DJ 19/10/1984.
19

investigante, sendo a mesma casada com o homem que registrou o


investigante como filho, um caso de concubinato impuro a luz do antigo
Código Civil de 1916. Entretanto, como já mencionado, o art. 363, inciso I, do
mesmo texto legal, determinava que a situação de concubina da mãe no
tempo de concepção da criança possibilita a propositura de ação de
reconhecimento de paternidade. Portanto, a demanda do autor procurou o
reconhecimento da união concubinária entre a mãe e o suposto pai.

Os ministros entenderam que o concubinato não se configurou, por


entenderem que a coabitação é elemento essencial para a sua
caracterização. Nesse sentido, é elucidativo o voto do Ministro Rafael Mayer:

Ora, na espécie, o acórdão recorrido considerou suficientemente


demonstrado que não só durante a concepção, como antes e depois, a
genitora do investigante coabitava com seu marido, não constando, por
outro lado, fosse ele impossibilitado de procriar, ou houvesse, em qualquer
momento e de qualquer modo, repudiado a paternidade. Nessas
circunstâncias, não se poderia admitir o reconhecimento da adulterinidade a
mater, em detrimento da presunção da legitimidade.

Inconformado com a decisão transitada em julgado que indeferiu o


reconhecimento da paternidade, o autor propôs a Ação Rescisória nº.
1244/MG20, julgada improcedente, uma vez que alegado erro de fato
insusceptível de influir decisivamente na conclusão do acordão rescindendo.
Entretanto, apesar do indeferimento do pleito, destaca-se o voto do ministro
Marco Aurélio, que foi categórico em considerar que houve desrespeito à
súmula 382 do STF, uma vez que a moradia em comum, “more uxório”, não
era necessária para a caracterização do concubinato. Assim são suas
palavras:

Repito: no acordão rescindendo, ao exigir-se, relativamente ao concubinato


e considerada a concepção e considerada a concepção que pode decorrer
de uma simples relação sexual, a convivência sob o mesmo teto, more
uxória, abandonou-se a diretriz traçada pelo Código Civil e que restou
conhecida no Verbete 382 da Súmula desta corte, segundo o qual “a vida
em comum, sob o mesmo teto, more uxória, não é indispensável à
caracterização do concubinato.

20
STF. AR 1244/MG. 1a T., Rel. Min. Octavio Gallotti, j. 09/06/1999. DJ 30/06/2000.
20

Portanto, o voto vencido do ministro Marco Aurélio demonstra uma


divergência de entendimento da súmula 382 do STF no curso do processo,
por meio do reconhecimento do concubinato mesmo com a falta do requisito
da moradia em comum. Mesmo assim, a análise dos julgados nos mostra o
posicionamento majoritário da Suprema Corte, àquela época, em exigir a
moradia em comum para a configuração do concubinato ou união estável.

4. A APLICAÇÃO DA SÚMULA PELO STJ

A pesquisa jurisprudencial a respeito da aplicação da súmula 382


do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ),
bem como o posicionamento desta corte a respeito da necessidade ou não da
moradia em comum para a configuração da união estável, mostrou-se
necessária uma vez que, com a criação do STJ por meio da Constituição de
1988, os recursos que versavam sobre contrariedade a tratado ou lei federal
passaram a ser julgados pelo mesmo.

Por meio da metodologia adotada de “Case Brief”, na qual a


amostra de casos foi montada no modelo de fichas de leitura, pode-se
selecionar dezoito julgados que tratam diretamente da súmula 382 do STF.
Desta amostra, treze julgados não puderam ser apreciados no mérito, não
sendo conhecidos pelas turmas julgadoras. Portanto, apenas cinco julgados
tiveram a questão de direito reanalisada no âmbito recursal.

Primeiramente, é mister salientar que todos os cinco recursos


especiais que foram conhecidos pelo STJ trataram da aplicação da súmula
382 do STF em relação a união estável, se a moradia em comum, “more
uxório”, era necessária ou não para a configuração desta união. Nesse
sentido, é possível perceber que as ações atinentes à Investigação de
Paternidade, matéria que serviu de precedente para a edição da respectiva
súmula por meio da pretensão prevista pelo art. 363, inciso I, do Código Civil
de 1916 (de que os filhos considerados “ilegítimos” poderiam demandar o
21

reconhecimento da filiação caso a mãe tivesse uma relação concubinária com


o pai à época da concepção), nunca foram objeto de recurso perante o STJ.

O motivo evidente da ausência desse tipo de recurso está ligado


ao avanço de testes aptos a comprovar a filiação de forma inconteste
(exames de DNA). Tal avanço médico e tecnológico foi acompanhado de uma
série de modificações jurídicas, trazidas pelo art. 227 da Constituição de
1988, que assegurou uma série de direitos à criança e ao adolescente,
seguido pela Lei 7.841/89, que revogou expressamente o art. 358 do Código
Civil de 1916, que assim determinava: “Os filhos incestuosos e os adulterinos
não podem ser reconhecidos.”21

Ainda, o reconhecimento do estado de filiação como direito


personalíssimo, garantido pelo art. 27 do Estatuto da Criança e Adolescente
(Lei 8.069), possibilitou que o filho entre com ação de investigação de
paternidade contra o suposto pai, mesmo que não fosse comprovada
qualquer tipo de união entre este e a mãe do investigante. Logo, a súmula
382 do STF perdeu a sua utilidade primêva, no sentido de dispensar a
necessidade da moradia em comum para o reconhecimento do concubinato e
permitir a proposição de ações de Investigação de Paternidade.

Por sua vez, a súmula assumiu nova conotação na dinâmica


jurisprudencial e passou a ser utilizada na argumentação processual para o
reconhecimento da união estável. Por este lado, dos cinco julgados do STJ,
nos quais o mérito foi apreciado pelas respectivas turmas, observou-se que
todos são pacíficos no sentido de não reconhecer a coabitação como
requisito para a configuração da união estável e, desta forma, reconhecer a
plena aplicação da súmula 382 do STF.

21
ALMEIDA, Maria Christina de. A prova do DNA: uma evidência absoluta. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande,
II, n. 6, ago 2001. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5534>. Acesso em nov. 2016.
22

No recurso especial n. 1.096.324/RS 22, julgado em 03 de março de


2010, o recorrente alegava que a relação entre ele e a recorrida não passava
tão-somente de um namoro prolongado entre duas pessoas maduras que
dividiam viagens, presentes e eventuais pernoites sem, no entanto,
possuírem o objetivo de constituir uma família. Alegando, desta forma, que
estaria ausente a coabitação demanda pelo art. 1723 do Código Civil de
2002. O voto do ministro relator Honildo Amaral de Mello Castro foi incisivo ao
destacar do conceito de “more uxório” a necessidade da moradia em comum:

É sabido que more uxório significa uma convivência denotadora da


aparência de casamento, sem implicar, contudo, necessidade de união sob
o mesmo teto.
Nesse sentido, tem sido dominante a doutrina, ao admitir a característica da
continuidade desprovida do elemento "more uxório".
Da mesma maneira, a jurisprudência pátria, há muito, reconhece a
comunidade de vida independente da convivência sob o mesmo teto para a
sua integração, ou seja, a coabitação, conquanto possa ser um dos indícios
da existência da vida em comum, não é requisito essencial para a
caracterização da união estável, nos termos do enunciado da Súmula no
382 do STF.

Contrariamente, no mesmo processo, o ministro João Otávio de


Noronha suscitou em seu voto a confusão que têm ocorrido na jurisprudência
em torno da diferenciação entre namoro prolongado e união estável. O seu
pilar argumentativo restringiu-se à insegurança patrimonial, a qual as pessoas
estariam constantemente afetadas, quando intentassem qualquer relação
amorosa mais duradoura com alguma pessoa. Nesse sentido, foram sábias
suas palavras ao dizer que: “Creio que não podemos, com nosso
entendimento, afetar a vida dessas pessoas de modo que tenham de se
preocupar com a questão patrimonial, sendo que, em seus relacionamentos
afetivos, não houve intenção de formar uma entidade familiar. “

Apesar da ressalva do ministro supracitado, o recurso especial foi


reconhecido e provido, valendo-se da invocação da súmula 382 do STF. No
entanto, cumpre destacar que o entendimento do STJ sofreu uma

22
STJ. REsp 1.096.324/RS, 4ª T., Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro, j. 02/03/2010, DJ
10/05/2010.
23

modificação importante no acórdão n. 1.157.908/MS 23, julgado em 14 de abril


de 2011, que, apesar de não ter sido conhecido, devido a impossibilidade de
reexame de provas e fatos (súmula 7 do STJ), tratou da importância da
moradia em comum para o reconhecimento da união estável. Assim foi o
entendimento do ministro Raul Araújo em seu voto:

A união estável tratada na Constituição Federal, bem como na legislação


infraconstitucional, não é qualquer união com certa duração existente entre
duas pessoas, mas somente aquela com a finalidade de constituir família.
Trata-se de união qualificada por estabilidade e propósito familiar,
decorrente de mútua vontade dos conviventes, demonstrada por atitudes e
comportamentos que se exteriorizam, com projeção no meio social.
Dessa forma, na hipótese, não me parece que a ausência de coabitação e
de outras formas de convivência ou comportamento tipicamente familiar,
reconhecida no v. acórdão recorrido, seja algo desimportante para a
caracterização da união estável. Do contrário, todo relacionamento existente
entre um homem e uma mulher, com certa duração, poderá, com essa
facilitação, ser declarado união estável.

O entendimento predominante no Recurso Especial citado foi de


que a mera união duradoura de duas pessoas não caracteriza a união
estável, sendo necessário ainda os requisitos subjetivos e objetivos
constantes no art. 1.723 do Código Civil de 2002, destacando-se o objetivo
comum em constituir família. Dentro deste requisito, entenderam os ministros
que a coabitação seria uma manifestação dessa vontade e que a sua
constatação seria requisito para o reconhecimento da união estável.

5. APLICAÇÃO PELO TJMG

A aplicação da súmula 382 do STF (Supremo Tribunal Federal)


pelo TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais) nas décadas subsequentes
à sua edição procurou uniformizar o entendimento dos desembargadores no
tocante a necessidade da moradia em comum para a constituição da união
estável.

23
STJ. REsp 1.157.908/MS, 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 14/04/2011, DJ 01/09/2011.
24

Em pesquisa jurisprudencial no site do tribunal supracitado, através


da pesquisa dos termos “Súmula 382 E STF E união estável”, foram
encontrados oito acórdãos de apelações cíveis que tratavam de forma direta
da referida súmula. Desta amostra foi possível constatar que todos os
recursos foram apreciados no mérito pelas respectivas turmas e,
surpreendentemente, todas entenderam que a moradia em comum não
representa requisito indispensável à união estável, pacificando o
entendimento de que a súmula 382 do STF é plenamente aplicável em casos
de reconhecimento deste tipo de união.

Como a moradia em comum foi afastada como requisito para a


união estável, por vezes os desembargadores se utilizaram dos mais variados
fundamentos para que a mesma fosse reconhecida. Desta forma, as
situações nas quais o namoro prolongado ou até mesmo relações sexuais
esporádicas diferiram-se da união estável estão relacionadas com o objetivo
ou não de constituir família. No processo de n. 1.0428.03.900056-0/001 24,
julgado em 31/08/2004, de relatoria do Des. Brandão Teixeira, a apelante
pleiteava o reconhecimento da união estável com o réu e a partilha de um
imóvel no nome deste, que seria supostamente a moradia do casal. O
decisório levou em conta o número de filhos que ambos conceberam ao longo
da relação, bem como o auxilio financeiro do qual ela se beneficiava:

Rogando vênia ao parecer do i. Procurador de Justiça, entende-se que


restou comprovada, no caso em tela, a existência de uma relação estável e
contínua entre o apelante e a apelada, porque os três filhos do casal foram
concebidos e vieram à luz ao longo de mais de quatro anos de relações.
Ressalte-se, ainda, que a intenção de constituir uma família resulta tanto
dos nascimentos subseqüentes dos filhos do casal, quanto da ampla
assistência material que era fornecida pelo apelante à apelada (do
depoimento de f. 73 - TJMG: "quem mantinha a despesa da casa da autora,
bem como a despesa dos três filhos da autora, era o requerido").

Também houve menção à finalidade da compra do imóvel, que se


deu um mês antes do nascimento do primeiro filho do casal, fato que
denotaria que a vontade do réu estava além da simples manutenção das

24
TJMG. AC 1.0428.03.900056-0/001, 2ª Câmara Cível., Des. Brandão Teixeira, j. 31/08/2004, DJ
17/09/2004.
25

relações sexuais com a requerente. Nesse sentido, o Desembargador


Brandão Teixeira esclareceu seu posicionamento: “O homem que engravida
uma mulher, fornece-lhe uma casa para abrigá-la com o filho prestes a nascer
e continua a frequentá-la, deu-lhe um lar e, consequentemente, constituiu
uma família”.

Nesse sentido, a assistência material mútua, também chamado de


dever de socorro entre os companheiros, passou a ser um dos fatores
determinantes para a percepção da união estável. Por esse viés,
depreendesse que tal assistência denota a solidariedade e a comunhão de
interesses dos companheiros em constituir uma família. Tanto é assim que as
Leis 8.971/94 e 9.278/96 foram importantes em definir responsabilidades e,
possivelmente, provocar efeitos patrimoniais durante ou após a dissolução da
sociedade, esta sendo mais comum. 25 Esclarecedor é Rainer Czajkowski a
respeito da dependência econômica entre os companheiros:

Ficando demonstrada a dependência econômica no curso da união, por


exemplo, a mulher que só cuidou do lar sem nenhuma atividade
remunerada, ou quando – auferindo renda – ela é irrisória; provada está a
necessidade para fins de alimentos de acordo com o art. 7 o da Lei 9.278.
Fácil de ver que é a hipótese usual mas não é a situação necessária.
Mesmo sem configurar como dependente, um dos parceiros – na ruptura da
união – pode precisar de alimentos do outro. O parceiro, por exemplo,
momentaneamente afastado da administração dos bens comuns. Pode
haver necessidade superveniente ou temporária sem ter havido
dependência econômica.26

Ainda, quanto a presença de uma prole como indicativo da união


estável, é de ressaltar que a concepção de muitos filhos aponta para a
continuidade da relação ao longo dos anos, uma vez que o próprio conceito
de more uxório abarca a prática reiterada de relações sexuais. Por sua vez,
os deveres de guarda, sustento e educação dos filhos, nos dizeres de
Guilherme Calmon Nogueira da Gama, denotam um compromisso mútuo dos
companheiros:

O descumprimento dos deveres paternos em relação aos filhos pode


conduzir à perda do pátrio poder, em decorrência do abandono a que o
25
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie da família. 2. Ed. Rev,
atual e ampl. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2001. p. 245.
26
CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. Curitiba: Juruá, 1996. p. 83.
26

menor foi relegado (art. 395, inc. II, do Código Civil), e, indiretamente,
provocar o abalo nas relações pessoais entre companheiros, causando
ruptura da união, diante do desaparecimento de um requisito, como a
affectio maritalis.27

Contudo, cumpre salientar que, apesar da existência de filhos


representar um dos pilares sobre o qual repousa o conceito de família
continua, trazendo a ideia de procriação, de perpetuação da espécie pela
descendência, quase instintiva no ser humano, ela não é necessária para a
configuração da união estável. Tão-somente representa um meio de prova
apto a perceber as nuances deste tipo de união, o mesmo se aplica para a
assistência material dada pelos supostos companheiros ao longo da relação.

Por sua vez, no processo de n. 1.0024.01.054344-5/001 28, julgado


em 05/06/2008, de relatoria do Des. Dorival Guimarães Pereira, têm-se uma
lide peculiar na qual o autor do recurso pleiteia a anulação de união estável,
tão-somente em relação ao período em que os companheiros passaram a
viver em logradouros diferentes, por entender que a moradia em comum é
requisito para a configuração da união. Portanto, a polemica cinge-se na
duração da mesma com base no “more uxório”. Polêmica esta que foi dirimida
pelo Des. Relator da seguinte forma:

É que, mesmo tendo os conviventes deixado de viver sob o mesmo teto a


partir de 1990, tal fato, por si só, não é suficiente para desconstituir a união
estável, já que eles continuaram a conviver afetivamente e amorosamente
como se família fossem, em relação de marido e mulher. Tal fato é
constatado tanto através da prova documental carreada aos autos, como
também dos depoimentos das testemunhas arroladas, comprovando se que
eles mantinham relacionamento sexual, participavam de festas e eventos
juntos, como se casados fossem reunindo, portanto, os requisitos
necessários para a configuração da união estável. Tal cenário perdurou até
o ano de 1997, quando restou evidenciado o término do relacionamento
estável, duradouro e contínuo.

No caso, a questão da moradia comum passou a ser mais um


incidente temporal na vida dos companheiros do que unicamente o requisito
para a caracterização da união estável. Por meio de outros meios de prova foi

27
Ibid., p.248.
28
TJMG. AC 1.0024.01.054344-5/001, 5ª Câmara Cível., Des. Dorival Guimarães Pereira, j.
05/06/2008, DJ 29/07/2008.
27

possível constatar que a união não se findara, muito menos se desgastara,


com a não coabitação. Portanto, a falta deste elemento não descaracteriza a
união em si, conforme lição de Rodrigo da Cunha Pereira:

O delineamento do conceito de união estável deve ser feito buscando os


elementos caracterizadores de um núcleo familiar. Os ingredientes são
aqueles já demarcados principalmente pela jurisprudência e doutrina
pósconstituição de 1988: durabilidade, estabilidade, convivência sob o
mesmo teto, prole, relação de dependência econômica. Entretanto, se faltar
um desses elementos, não significa que esteja descaracterizada a união
estável. É o conjunto de determinados elementos que ajuda a objetivar e a
formatar o conceito de família. O essencial é que se tenha formado com
aquela relação afetiva e amorosa uma família, repita-se. 29

Portanto, todos os julgados entenderam que a união estável para


restar configurada perpassa mais pelo âmbito comportamental dos
companheiros, no sentido de se portarem como se família fossem por meio
de uma relação pública, contínua e duradoura, do que meramente pela
coabitação. Nesse sentido, o entendimento jurisprudencial do TJMG muitas
vezes associou a presença de filhos, bem como a dependência financeira
entre os companheiros, comprovada por meio de contas conjuntas ou faturas
de cartões de crédito, como elementos aptos a comprovar tal relação,
diferindo desta forma do namoro prolongado ou dos meros encontros íntimos.

6. CONCLUSÃO

Levando-se em consideração os resultados obtidos por meio da


análise da jurisprudência retirada dos sites do STF (Supremo Tribunal
Federal), STJ (Superior Tribunal de Justiça) E TJMG (Tribunal de Justiça de
Minas Gerais), foi possível constatar como a súmula 382 têm sido aplicada
por estas cortes, bem como perceber as consequências da mesma para a
sociedade em geral.

29
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o Novo Código Civil, Ed. DeI Rey, Belo
Horizonte, 2002, p. 209.
28

Primeiramente, conclui-se que os motivos ensejadores da edição


da súmula pelo STF, precedentes que tratavam da necessidade da moradia
em comum para a configuração do concubinato e, consequentemente, da
possibilidade de propor Ação Investigativa de Paternidade (nos termos do art.
363 do Código Civil de 1916), não mais são aplicáveis no direito brasileiro.
Portanto, a aplicação da súmula para estes casos cessou-se no tempo,
principalmente após a promulgação da Constituição de 1988 e o advento dos
exames de DNA.

Ainda, com ênfase na aplicação da súmula pelo STJ e TJMG,


apurou-se que a mesma vem sendo aplicada corriqueiramente para
reconhecer a união estável. Nesse sentido, os julgados foram fundamentados
majoritariamente pela constatação da vontade de constituir família dos
companheiros, respaldada pelo amplo conjunto probatório que expunham
convivências duradouras, públicas e continuas.

Percebeu-se, também, a preocupação de alguns julgadores com a


insegurança jurídica que a súmula poderia causar, tendo em vista que
qualquer namoro mais duradouro teria a capacidade de ser reconhecido como
união estável, fato que implicaria em sérias consequências patrimoniais para
os envolvidos.

A partir dos resultados obtidos, podemos levantar questões a


respeito do que seria a união estável e no que ela diferiria de outras relações,
bem como a conexão da coabitação nesse interim. Qual seria a diferença do
namoro e da união estável? Como é possível perceber no tempo a transição
entre estas duas uniões? A “vontade de constituir família” só é possível com a
coabitação?

Ora, o namoro pode ser revestido de uma união duradoura,


contínua e pública, assim como a união estável, restando unicamente a
“vontade de constituir família” como fator diferenciador de ambos. Esta pode
ser entendida como o affectio maritalis, no qual percebe-se a comunhão de
29

interesses e a estabilidade das relações. 30Em muitos julgados, aplicou-se a


teoria da aparência, que observa o tratamento que os companheiros davam
entre si no cotidiano, “como se esposa/marido fossem”. Nesse sentido, é o
entendimento do Des. Ronei Danielli, do TJSC, explicado em notícia do
IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito e Família):

O desembargador esclareceu, em seu voto, que não se pode confundir o


instituto da união estável com relação afetiva passageira, sem maiores
compromissos. Isto porque, na união estável, há a configuração de relação
séria, exclusiva, com real objetivo de constituição de família, envolvendo
mais do que a coabitação do casal, “agasalhando” a própria comunhão de
vidas, enquanto no namoro ou relação aberta, tem-se um relacionamento
descompromissado e inconsequente.31

Por um lado, apesar da coabitação denotar a vontade de constituir


família, ela não indica por si só que a união estável resta configurada. Um
paralelo válido que podemos fazer sobre esta questão é com o casamento,
como bem salientou Cláudia Grieco Tabosa, em sua obra Efeitos Patrimoniais
do Concubinato, que “era de se aceitar, com efeito, a tese de que em
princípio possam os concubinos mesmo viver em habitações separadas mas
manter união estável, como de resto o fazem algumas pessoas formalmente
casadas”.32

Neste diapasão, a coabitação passa muito mais a ser um elemento


probatório a ser analisado pelo julgador, juntamente com os demais
elementos, sejam eles de cunho financeiro, afetivo, parental, do que um
requisito imprescindível para a caracterização da união estável. Portanto,
tendo em vista o grande número de ações sendo propostas neste sentido, é
de se esperar que a súmula 382 do STF venha a ser amplamente aplicada
pelas cortes do país.

30
TJRJ. AC 0007739-78.2012.8.19.0008. 18a Câmara Cível. Des. Eduardo de Azevedo Paiva, j.
13/05/2015, DJ 15/05/2015.
31
Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/noticias/5496/Namorar+com+ex-companheiro+n
%C3%A3o+caracteriza+nova+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+para+fins+previdenci%C3%A1rios>.
Acesso em: 03/01/2017.
32
PESSOA, Cláudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. São Paulo: Saraiva, 1997.
p. 51.
30

Por fim, acredito que o presente trabalho tenha sua relevância na


percepção da mutação do direito pátrio ao longo do tempo, situação que
aponta cada vez mais para a facilitação do reconhecimento da união estável.
Ainda, abriu-se a reflexão sobre a necessidade da regulamentação de
situações que podem influir de forma contundente na dinâmica social, com
suas respectivas consequências econômicas.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Álvaro Villaça. Dever de coabitação. Inadimplemento, São Paulo, José


Bushatsky Editor, 1976

SANTOS, Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos. Direito de Família – aspectos
constitucionais, civis e processuais.

CORDOIL, Verônica Ribeiro da Silva. Pontos Críticos da Sucessão dos


Companheiros no Novo Código Civil frente às Leis 8.971/1994 e 9.278/1996. In:
Revista IOB de Direito de Família, v. 11, n. 53, abril-maio de 2009.

MALHEIROS, Fernando. A União Estável e a Súmula n. 382 do Supremo Tribunal


Federal. Revista da AJURIS, n. 70, julho de 1997.

VELOSO, Zeno. Código Civil Comentado, v. 17, 1a Ed., p. 114. São Paulo. Atlas,
2003.

CZAJKOWSKI, Rainer. União livre: à luz das Leis 8.971/94 e 9.278/96. Curitiba:
Juruá, 1996.

GONÇALVES, C. R. Direito Civil brasileiro: Direito de Família. 5. ed. São Paulo:


Saraiva, 2008. v. 6.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito de Família. 36. ed.
São Paulo: Saraiva, 2001.
31

BRANT. Cássio Augusto Barros. A União Estável e a inaplicabilidade da súmula 382


do STF. Fonte Universitária, v. 1, n. 1, ago/dez de 2010.

ALMEIDA, Maria Christina de. A prova do DNA: uma evidência absoluta. In: Âmbito
Jurídico, Rio Grande, II, n. 6, ago 2001. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=5534>.
Acesso em nov. 2016.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de Família e o Novo Código Civil, Ed. DeI Rey,
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PESSOA, Cláudia Grieco Tabosa. Efeitos patrimoniais do concubinato. São Paulo:


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BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Disponível em: <www.tjmg.jus.br/>.

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