Você está na página 1de 235

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC-SP

Fábio L. Stern

Cosmologia xamânica:
A ressignificação do xamanismo na naturologia brasileira

Doutorado em Ciência da Religião

São Paulo
2019
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP

Fábio L. Stern

Cosmologia xamânica:
A ressignificação do xamanismo na naturologia brasileira

Tese apresentada à Banca Examinadora da


Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
como exigência parcial para a obtenção do
título de doutor em Ciência da Religião, sob a
orientação do Prof. Dr. Silas Guerriero.

São Paulo
2019
Banca Examinadora:
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
_______________________________________
O estudante recebeu bolsa da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES).
Número do processo: 88887.199031/2018-00.
AGRADECIMENTOS

Agradeço à CAPES pela bolsa de fomento e à FUNDASP pelo desconto nas


mensalidades. Agradeço aos meus pais pelo suporte financeiro para manter as viagens
frequentes de Santa Catarina a São Paulo.
Agradeço a todos os respondentes da minha pesquisa, mas duas pessoas em especial.
Primeiramente ao Roberto Gutterres Marimon, quem dedicou um ano e meio em encontros
periódicos para efetuarmos nossas entrevistas. Obrigado por ter aberto as portas de sua casa
para me receber. E em segundo lugar à Isadora Ferrante Boscoli de Oliveira Alves por ter
revisado meu capítulo que apresenta as concepções êmicas do xamanismo da naturologia.
Agradeço ao meu orientador, Silas Guerriero, pela parceria mais uma vez estabelecida.
Agradeço à Maria José Fontelas Rosado Nunes pelas provocações metodológicas em
sala de aula no início do meu doutorado. Sua pergunta “o que constitui a sua tese como uma
tese de ciência da religião, e não de antropologia” mudou minha postura acadêmica.
Considero-me outro acadêmico após esse dia, que hoje se apropria com maior consciência e
veste a camisa de minha própria disciplina.
Agradeço ao programa pela oportunidade de crescimento acadêmico, pelas portas
abertas e pelo respeito e consideração com o qual sempre fui recebido pelos meus pares. Em
especial agradeço ao Frank Usarski, com quem tem sido muito profícuo trabalhar junto na
REVER e na International Journal of Latin American Religions.
E agradeço aos colegas de curso. ciência da religião é uma grande perda para a área.
RESUMO

STERN, Fábio L. Cosmologia xamânica: a ressignificação do xamanismo pela naturologia


brasileira. 2019. 235 f. Tese (Doutorado em Ciência da Religião) – Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, São Paulo, 2019.

Os objetivos desse estudo foram investigar a compreensão que os naturólogos formados pela
Universidade do Sul de Santa Catarina possuem sobre o termo “xamanismo”, suas
influências, sistematizando as principais categorias da medicina xamânica da naturologia e
analisando se outros saberes estariam sendo incorporados a essa forma de medicina xamânica.
Os sujeitos de pesquisa foram apenas pessoas formadas pela Universidade do Sul de Santa
Catarina. O recorte se justifica porque embora a naturologia seja um fenômeno de origem
europeia, somente na Universidade do Sul de Santa Catarina a medicina xamânica faz parte da
formação em naturologia. O estudo utilizou abordagem qualitativa, e o método de
levantamento utilizado foi a entrevista. Foram identificadas quatro ideias norteadoras ao que
os naturólogos chamam de “medicina xamânica” – (1) healing; (2) quatro elementos (Fogo-
Terra-Água-Ar); (3) energias sutis; e (4) cakras –, além de cinco práticas que foram citadas
com maior frequência – (1) roda de medicina; (2) medicina das cores; (3) medicina dos
números; (4) medicina dos animais; e (5) terapia com cristais. Sobre essas práticas, foi notado
que quase todas não possuem origem indígena, mas sim uma influência forte advinda do
esoterismo europeu e do ethos Nova Era. A ressignificação do xamanismo pela naturologia se
deu em uma relação dupla entre uma busca por valorização das ideias principais da primeira
fase histórica da naturologia brasileira e as diretrizes criadas na segunda fase de que a
naturologia deveria estar pautada em medicinas tradicionais. Temos, portanto, a criação de
uma tradição, na qual as práticas caras à primeira fase histórica da naturologia brasileira
assumem uma nova forma enquanto “medicina tradicional xamânica” para que pudessem
continuar a ser ensinadas aos estudantes de naturologia.

Palavras-chave: Neoxamanismo. Naturologia. Xamanismo urbano. Nova Era.


ABSTRACT

STERN, Fábio L. Cosmologia xamânica: a ressignificação do xamanismo pela naturologia


brasileira. 2019. 235 f. Dissertation (Doctorate in Study of Religion) – Pontifical Catholic
University of São Paulo, São Paulo, 2019.

This study aims to investigate the understanding that naturologists trained in the University of
Southern Santa Catarina have about the term “shamanism”, systematizing the main categories
of the shamanic medicine of naturology and analyzing whether other knowledge would be
incorporated into this form of shamanic medicine. The research subjects were only people
graduated from the University of Southern Santa Catarina. The clipping is justified because
although naturology is a phenomenon of European origin, only at the University of Southern
Santa Catarina shamanic medicine is part of the training in naturology. The study uses a
qualitative approach, and the survey method was the interview. Four guiding ideas were
identified for what naturologists call “shamanic medicine” – (1) healing; (2) four elements
(Fire-Earth-Water-Air); (3) subtle energies; and (4) cakras – in addition to five practices that
were cited more frequently – (1) medical wheel; (2) color medicine; (3) number medicine; (4)
animal medicine; and (5) crystal therapy. Regarding these practices, it was noted that almost
all of them do not have indigenous origin, but a strong influence coming from European
esotericism and the New Age ethos. The resignification of shamanism by naturology occurred
in a double relationship between a search for valorization of the main ideas of the first
historical phase of Brazilian naturology and the guidelines created in the second phase, that
naturology should be based on traditional medicines. We have, therefore, the creation of a
tradition, in which the practices dear to the first historical phase of Brazilian naturology take
on a new form as “traditional shamanic medicine”, so that it could continue to be taught to
students of naturology.

Keywords: Neo-shamanism. Naturology. Urban Shamanism. New Age.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – A abordagem disease-illness. ................................................................................. 87


Figura 2 – Representação dos quatro elementos em roda. ....................................................... 94
Figura 3 – Localização e nome dos cakras, segundo o sistema popularizado pela Nova Era.
................................................................................................................................................ 103
Figura 4 – O caminho quádruplo............................................................................................ 113
Figura 5 – Ordem de atribuição dos elementos na medicina das cores. ................................. 136
Figura 6 – Gematria do nome Abrão. ..................................................................................... 141
Figura 7 – Numerologia do nome Abrão. .............................................................................. 141
Figura 8 – Quadrantes da medicina dos números. ................................................................. 145
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Produção estimada da ciência da religião sobre naturologia e neoxamanismo de


2008 a 2017. ............................................................................................................................. 31
Tabela 2 – Sínteses das perguntas de uma cosmovisão e suas disciplinas filosóficas
correspondentes. ....................................................................................................................... 36
Tabela 3 – Associações entre os elementos, os estados da matéria e os cinco sentidos. ......... 95
Tabela 4 – Aspectos psicoemocionais dos cakras. ................................................................ 106
Tabela 5 – Localização e nome dos cakras no sistema atual de Marimon e na Nova Era: ... 107
Tabela 6 – Cores dos cakras. ................................................................................................. 108
Tabela 7 – Período de regência das cores no livro de Nunes Neto e nas aulas de Marimon. 121
Tabela 8 – Aspectos do signo solar de Áries e do Dourado na medicina das cores. ............. 122
Tabela 9 – Aspectos do signo solar de Touro e do Verde na medicina das cores. ................. 123
Tabela 10 – Aspectos do signo solar de Gêmeos e do Branco na medicina das cores. ......... 124
Tabela 11 – Aspectos do signo solar de Câncer e do Turquesa na medicina das cores. ........ 125
Tabela 12 – Aspectos do signo solar de Leão e do Preto na medicina das cores. .................. 126
Tabela 13 – Aspectos do signo solar de Virgem e do Amarelo na medicina das cores. ........ 127
Tabela 14 – Aspectos do signo solar de Libra e do Índigo na medicina das cores. ............... 128
Tabela 15 – Aspectos do signo solar de Escorpião e do Violeta na medicina das cores. ...... 129
Tabela 16 – Aspectos do signo solar de Sagitário e do Vermelho na medicina das cores. .... 130
Tabela 17 – Aspectos do signo solar de Capricórnio e do Marrom na medicina das cores. .. 131
Tabela 18 – Aspectos do signo solar de Aquário e do Rosa na medicina das cores. ............. 132
Tabela 19 – Aspectos do signo solar de Peixes e do Prata na medicina das cores. ............... 133
Tabela 20 – As cores e os planetas regentes na astrologia e na medicina das cores. ............. 134
Tabela 21 – Pulsos do movimento dos quatro elementos na medicina das cores. ................. 135
Tabela 22 – Atribuição dos pulsos na medicina das cores segundo o signo solar. ................ 137
Tabela 23 – Correspondência numérica das letras latinas pelo método agripano. ................. 141
Tabela 24 – O significado dos números na naturologia e na numerologia. ........................... 143
Tabela 25 – Predisposição às doenças segundo a medicina dos números. ............................ 144
Tabela 26 – A medicina dos animais. .................................................................................... 149
Tabela 27 – Confluências e divergências entre o significado de xamanismo para a naturologia
brasileira e as definições acadêmicas de xamanismo tradicional e neoxamanismo. .............. 187
SUMÁRIO

Introdução ............................................................................................................................... 11
Metodologia .......................................................................................................................... 17
Agnosticismo metodológico ............................................................................................. 19
Distinção entre êmico e ético ............................................................................................ 21
Critérios de abordagem e procedimento ........................................................................... 23
Estrutura da tese e fator de tensão com os fiéis ................................................................ 25

Capítulo 1 – Naturologia e neoxamanismo: estado da questão .......................................... 29


A produção da ciência da religião ........................................................................................ 30
Sobre naturologia .............................................................................................................. 32
Sobre neoxamanismo ........................................................................................................ 44

Capítulo 2 – A implantação do xamanismo no ensino de naturologia .............................. 55


Ethos Nova Era ..................................................................................................................... 56
História do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina ....................... 61
Abertura do curso e seus anos iniciais .............................................................................. 64
Ascensão do modelo biologista ........................................................................................ 69
Xamanismo como persistência do estilo de pensamento original do curso ......................... 77

Capítulo 3 – Ideias norteadoras do xamanismo da naturologia ........................................ 85


Healing.................................................................................................................................. 86
Quatro elementos .................................................................................................................. 90
Energia sutil .......................................................................................................................... 98
Cakras ................................................................................................................................. 101

Capítulo 4 – Principais práticas do xamanismo da naturologia ...................................... 110


Roda de medicina ............................................................................................................... 110
Medicina das cores ............................................................................................................. 118
Medicina dos números ........................................................................................................ 139
Medicina dos animais ......................................................................................................... 147
Terapia com cristais ............................................................................................................ 160
Capítulo 5 – A naturalização do xamanismo ..................................................................... 164
Definição acadêmica de xamanismo .................................................................................. 165
Neoxamanismo ................................................................................................................... 170
Definição naturológica de xamanismo ............................................................................... 176
Definições que divergem de Marimon ............................................................................ 177
Definições que convergem a Marimon ........................................................................... 182
A ressignificação do xamanismo pela naturologia ............................................................. 186

Conclusão .............................................................................................................................. 193

Bibliografia ........................................................................................................................... 198

Anexo A – TCC de naturologia que abordaram o xamanismo ........................................ 211


Anexo B – Questões relacionadas ao Caminho Quádruplo .............................................. 219
Anexo C – Criação do universo por Martin Schulman .................................................... 223
Anexo D – Resumo do significado das coroas xamânicas ................................................. 226
Anexo E – Medicina dos números de Wolf Moondance ................................................... 228
Anexo F – Tabela de correspondência da gematria .......................................................... 229
Anexo G – Redução dos números pelo método agripano ................................................. 230
Anexo H – Os nove arquétipos do espírito ......................................................................... 231
Anexo I – Terapêutica Tradicional Xamânica no PPC de naturologia da Universidade
do Sul de Santa Catarina ..................................................................................................... 233
11

INTRODUÇÃO

A naturologia é um movimento de saúde que surgiu no século XIX na Europa


meridional como uma resposta à crescente industrialização da medicina. Similar à naturopatia,
criada por volta do mesmo período na Alemanha, a naturologia se baseia em um paradigma
vitalista e utiliza terapias não alopáticas (p. ex. dietas, banhos, plantas medicinais, massagens)
e também medicinas tradicionais (p. ex. acupuntura, āyurvéda) (CORREIA, 1950; CASTRO,
1986; VENTURA, 1999).
No Brasil, a naturologia possui uma característica peculiar em comparação à Europa:
ela foi institucionalizada como um curso universitário na década de 1990 e reconhecida pelo
MEC no início da década de 2000, o que lhe garantiu um status diferenciado. Nos países
europeus, a validade científica da naturologia tende a ser mais questionada, o que faz com que
seus governos demonstrem resistências a autorizar cursos superiores de naturologia. No
entanto, embora no Brasil ela tenha se tornado um curso reconhecido, muitos pesquisadores
demonstram relações entre a naturologia brasileira e o esoterismo da Nova Era (ROSE, 2010;
LANGDON, ROSE, 2012; TEIXEIRA, 2013; STERN, 2015a, 2017a; LEITE, 2017).
A abordagem de saúde da naturologia é eivada de conteúdos espirituais. Segundo
Leite (2017), uma forte influência do esoterismo é observada na prática terapêutica dos
naturólogos, tanto quanto apropriações novaeristas de religiões asiáticas – especialmente
conteúdos da Índia e da China. Em pesquisa anterior, que resultou em dissertação de
mestrado, demonstrei, através de pesquisa empírica, que os naturólogos possuem um alto
índice de pertença novaerista, e que parte importante de suas categorias internas principais é,
de fato, oriunda do esoterismo da Nova Era (STERN, 2015a).
Entretanto, os naturólogos – e em especial as lideranças dos cursos e associações de
naturologia – geralmente negam isso, demonstrando uma forte oposição ao reconhecimento
de sua prática como algo religioso ou místico (STERN, LEITE, 2017, p. 168, 171-173).
Embora a naturologia seja devedora do esoterismo, os naturólogos evitam essa identificação
12

por causa da busca deles pelo reconhecimento da profissão no Congresso Nacional, uma
demanda política que está em voga desde o início da década de 2010. Isso, evidentemente,
exige dos naturólogos apresentar a naturologia à sociedade e aos órgãos políticos como uma
ciência da saúde, ou mais especificamente, como uma nova ciência (TEIXEIRA, 2013, p.
107).
Muito já foi discutido sobre o status científico da naturologia, com autores que
chegaram à conclusão de que ela seria uma pseudociência (cf. PESSOA JR., 2011; TESSLER,
2008; REIS, 2005) tanto quanto autores que a entenderam como uma nova ciência pautada na
complexidade de saberes (cf. SILVA, 2012; BARROS, LEITE-MOR, 2011). Nos últimos
anos também vem sendo notado um movimento importante de algumas figuras da naturologia
brasileira em tentar igualá-la à naturopatia (cf. CERATTI, HELLMANN, LUZ, 2017;
PASSOS, RODRIGUES, 2017; MACHADO, 2013), pela convicção de que a naturopatia
estaria mais bem estabelecida, o que faz com que acreditem que caso as duas áreas sejam
vistas como sinônimas, isso facilitaria politicamente o reconhecimento da naturologia.
Para cientistas da religião, chama a atenção nesse processo um movimento deliberado
de silenciamento do arcabouço espiritualista da prática naturológica. Esse silenciamento já foi
identificado e classificado como algo consciente por pesquisas anteriores (cf. TEIXEIRA,
2013; STERN, 2017a; STERN, LEITE, 2017; LEITE, 2017), tendo por fim uma busca por
isolar qualquer possibilidade de questionamento quanto à validade acadêmica e científica da
naturologia no Brasil. Todavia, abordagens em naturologia para a saúde espiritual e energética
são corriqueiras, atestadas nos planos de ensino, diretrizes curriculares e projetos pedagógicos
dos cursos superiores de naturologia, além de ser algo facilmente observável em qualquer
pesquisa de campo que envolva esse objeto.
Um perfil socioeconômico dos naturólogos brasileiros apontou que 54,3% deles dizem
que escolheram a naturologia como profissão por “realização pessoal”, ao invés de uma busca
por melhor remuneração, aptidão ou identificação profissional (PASSOS, 2015, p. 10). Esse
mesmo estudo também demonstrou que 8,7% dos naturólogos brasileiros declaram trabalhar
frequentemente com antroposofia, 15,2% com ioga, 32,2% com meditação, 77,4% com
terapias florais, e 14,5% com xamanismo – excluindo desses números os naturólogos que
responderam também trabalhar com essas práticas ocasionalmente (PASSOS, 2015, p. 14).
Ioga, meditação e xamanismo são práticas pautadas em sistemas espirituais. A antroposofia é
academicamente considerada uma religião, uma vertente cristianizada do esoterismo teosófico
(TONCHEVA, 2013). E os florais são tidos por Tavares (2002, p. 330) como uma das formas
mais conhecidas de terapia novaerista.
13

Em um segundo artigo, Guerriero e Stern (2017) estudaram como o conceito “energia”


era apresentado no discurso dos próprios naturólogos. Além de identificarem uma pletora de
terapias tidas como “energéticas”, esses autores também elencaram as diferentes formas dos
naturólogos mensurarem a “energia” de seus pacientes. Além de técnicas avaliativas
derivadas de medicina tradicionais, foram relatadas práticas popularizadas pela Nova Era.
Outro exemplo é minha dissertação. Apliquei 411 questionários em uma população de
1.150 bacharéis em naturologia existentes no Brasil à época. Desses, 292 foram validados
pelos critérios de inclusão e exclusão. As análises indicaram que os naturólogos brasileiros
possuem um perfil religioso distinto do resto da população nacional com ensino superior. Ao
passo que 81% dos brasileiros graduados se declaram cristãos, apenas 22,3% dos naturólogos
se reconhecem assim (STERN, 2015a, p. 133). Além disso, embora desde a década de 1990
cada vez menos pessoas se identificam nominalmente como “novaeristas” (LEWIS, 1992;
HANEGRAAFF, 1996; GILHUS, 2014), 51,7% dos naturólogos se consideraram
objetivamente adeptos da Nova Era. Essa frequência se manteve estável independentemente
do ano em que os participantes se formaram em naturologia (STERN, 2015a, p. 124-125).
Em acréscimo, meu estudo indicou uma correlação entre o respondente declarar estar
atuando com a naturologia e seu autorreconhecimento como novaerista. Aqueles que não se
consideraram novaeristas ou que declararam não saber o que é o movimento da Nova Era
corresponderam a mais de dois terços dos participantes que revelaram ter deixado de atuar
profissionalmente com a naturologia (STERN, 2015a, p. 126). Além disso, 77,1% dos
participantes que continuam trabalhando como naturólogos disseram considerar em
consultório os aspectos espirituais de seus pacientes durante sua prática terapêutica (STERN,
2015a, p. 129).
Posterior a minha dissertação, Leite (2017) fez um estudo sistemático em ciência da
religião sobre a naturologia brasileira, investigando as matrizes religiosas dos principais
saberes que fazem parte do ensino formal e institucionalizado da naturologia universitária. Ela
identificou cinco grandes grupos de influência que perpassam os conteúdos programáticos dos
cursos de bacharelado em naturologia do país: (1) āyurvéda, (2) medicina chinesa (com
influências daoístas e confucionistas), (3) neoxamanismo, e duas influências importantes
advindas da Nova Era: (4) a interpretação espiritualista de ciência, em especial sobre a física
quântica, e (5) o esoterismo novaerista propriamente dito.
Embora os dois últimos itens identificados por Leite tendam a serem ocultados do
discurso oficial da naturologia brasileira, os três primeiros aparecem amplamente em seus
documentos, sendo em especial observados no curso da Universidade do Sul de Santa
14

Catarina. Ao analisar a história da naturologia no Brasil, inicialmente suas formações eram


admitidamente orientadas pelos valores da Nova Era (RODRIGUES et al., 2012, p. 13),
possuindo disciplinas de física quântica, renascimento, radiestesia, terapia de cristais,
ufologia, hipótese de Gaia, energia orgônica, psicologia junguiana, terapia dos sonhos, danças
circulares, com os professores utilizando informalmente numerologia, astrologia, tarô,
psicologia transpessoal, abraçar árvores, vivências e autoajuda em sala de aula. Em pouco
tempo, porém, a Universidade do Sul de Santa Catarina passou a cobrar um maior critério de
seu corpo docente, e uma coordenação orientada pelo paradigma biologista foi designada pela
reitoria. Isso levou ao primeiro grande silenciamento de saberes espiritualistas da naturologia
brasileira, mas também gerou resistências daqueles que defendiam tais abordagens para a
naturologia. O jogo de poderes estabelecido levou esse curso a permitir que partes do discurso
original se mantivessem, mas exigindo algum tipo de fundamentação acadêmica. Essa
fundamentação foi buscada nas medicinas tradicionais, que estavam começando a ser
internacionalmente promovidas pela Organização Mundial da Saúde. Foi declarado que a
naturologia seria fundamentada em medicinas tradicionais, e três sistemas foram elencados
pela Universidade do Sul de Santa Catarina: (1) a medicina chinesa, (2) a āyurvéda e (3) uma
forma própria de neoxamanismo, não existente fora da naturologia brasileira, que foi chamada
de “medicina tradicional xamânica” (STERN, 2017a, p. 139-153).
Até 2013 nenhum questionamento ao entendimento de que a naturologia estaria
pautada nessa tríade atingiu destaque no meio naturológico do Brasil. A adoção desses
sistemas como núcleos estruturantes da matriz curricular do bacharelado em naturologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina fez com que as próprias definições do que é
naturologia apresentassem essa tríade ao explicar a área (p. ex. RODRIGUES et al., 2012;
BARROS, LEITE-MOR, 2011, p. 8; HELLMANN, WEDEKIN, 2008, contracapa). Como o
bacharelado da Universidade Anhembi-Morumbi foi formado tendo como base os
documentos da formação da Universidade do Sul de Santa Catarina, essa ideia de que a
naturologia advém de medicinas tradicionais perpassou todo o ensino universitário brasileiro
de naturologia (STERN, 2017a).
Embora seja fácil explicar o que os naturólogos entendem por medicina chinesa e
āyurvéda, quase nada foi produzido a respeito do que eles chamam de “medicina tradicional
xamânica”. Nessa tese, estudarei esse objeto, tendo o curso de naturologia da Universidade do
Sul de Santa Catarina como foco. Até o fechamento do meu projeto de pesquisa, a
Universidade do Sul de Santa Catarina ainda declarava que a medicina xamânica (sempre
15

tratada no singular no contexto da naturologia brasileira) é uma medicina tradicional e um dos


três pilares da prática naturológica (UNISUL, 2014, p. 11).
O ensino de xamanismo foi formalmente incluído na matriz curricular do curso de
naturologia dessa instituição em 2004. Segundo Teixeira (2013, p. 69), embora alguns
estudantes de naturologia já tivessem contato com povos indígenas, não havia qualquer
referência prévia ao xamanismo nos documentos desse curso. Mesmo após a inclusão formal
desse conteúdo, até hoje quase não existem publicações abordando o que os naturólogos
entendem por xamanismo. O que eles fazem e como isso é incorporado à prática naturológica
continua sem explicação.
Hoje há apenas um outro curso de naturologia aberto que é reconhecido pelo MEC, o
bacharelado da Universidade Anhembi-Morumbi. Nunca foi ensinado qualquer tipo de
xamanismo a seus alunos como parte da formação em naturologia, nem nunca foi apresentado
o xamanismo como um dos pilares da práxis naturológica nessa instituição. Embora tenha
sido mantida a explicação de que a naturologia é pautada em medicinas tradicionais, o mais
comum é que os naturólogos egressos da Universidade Anhembi-Morumbi apenas falem da
medicina chinesa e āyurvéda ao explicar quais seriam as medicinas tradicionais que embasam
a naturologia (cf. PASCHUINO, 2014; PORTELLA, 2012).
Uma ex-professora da Universidade Anhembi-Morumbi que lecionou na naturologia
da abertura dessa graduação até junho de 2018 ratifica a ausência do xamanismo. Em sua tese,
a primeira e até então única que teve a naturologia como objeto de estudo no Brasil, essa
professora leu todos os trabalhos de conclusão de curso que tinham sido produzidos até então
pelo curso de naturologia da Universidade Anhembi-Morumbi, analisando-os para explicar o
que seria a naturologia (cf. SILVA, 2012). Ao ser questionada se algum desses trabalhos, ao
longo de todos esses anos de existência do bacharelado em naturologia da Universidade
Anhembi-Morumbi, discutiu algo sobre xamanismo ou medicina xamânica, ela respondeu:

Que eu me recorde, não. Nem apareceu naqueles 127 [que eu mesma verifiquei
pessoalmente durante meu doutoramento], nem apareceu nos [que vieram] depois.
Recentemente nós tivemos um trabalho, finalizado no ano passado, [em] que umas
alunas minhas fizeram um levantamento só dos trabalhos de 2010 a 2014, para
cobrir o período que o meu trabalho [de doutoramento] já não cobria mais. Foram,
acho, 68 ou 64 trabalhos, e em nenhum desses trabalhos o tema xamanismo aparece.
Não encontrei nenhum. Até porque como isso nunca apareceu na grade, talvez nunca
tenha suscitado nos alunos um interesse, por mais que os alunos talvez, por fora, por
formações particulares, tenham ligações com o que se chama [na naturologia] de
medicina xamânica (SILVA, entrevista pessoal, 17 nov. 2016).

Apesar do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina ser


reconhecido desde 2002 pelo MEC e algumas de suas práticas estarem buscado comprovação
16

científica pelos padrões acadêmicos comuns à área da saúde, seus ensinamentos sobre
xamanismo parecem ter sido passados similarmente a uma tradição oral ao longo desses anos.
Embora haja livros listados no projeto pedagógico e no seu plano de ensino, as aulas de
xamanismo do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina são, em sua
maioria, baseadas na história de vida do professor Roberto Gutterres Marimon.

[O xamanismo] é ensinado [a] partir da experiência pessoal de um professor


[Marimon] […] que viajou pelas Américas, onde conheceu diversas formas de
xamanismo […] O conteúdo abordado por ele em sala de aula está intrinsecamente
relacionado à sua experiência pessoal e às iniciações que recebeu de diversos xamãs
que conheceu durante suas viagens. De acordo com este professor: “Não está escrito
o que estudei no meu caminho.” Ele afirmou que o conhecimento que ensina em sala
de aula está relacionado ao que aprendeu com a vida, sendo que muitas coisas
encontrou na literatura, enquanto outras, não (TEIXEIRA, 2013, p. 72).

É relatado que os naturólogos formados por Marimon demonstram dificuldades em


identificar referências escritas para os seus ensinamentos. Quase todos também declaram que
em sua falta, eles acreditam que não haja outra pessoa que poderia substituí-lo como professor
na Universidade do Sul de Santa Catarina. A carência de produções escritas e o fato de
Marimon nunca ter preparado alguém para assumir a sua posição ameaçam a perpetuação de
seu conhecimento.
Assim, o principal problema de pesquisa que desejo responder é como os naturólogos
brasileiros ressignificaram a categoria xamanismo. A carência generalizada de produção não
permitia, por ora, sabermos suas categorias e práticas principais. Também não havia qualquer
estudo que possibilitasse entender como os saberes do xamanismo ensinado no curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina são articulados na vida profissional de
seus egressos. Tendo em vista a relação entre naturologia e Nova Era, haveria premissas
novaeristas nas concepções dessa medicina xamânica naturológica? Esse estudo parte da
hipótese que sim.
Os objetivos desse estudo são investigar a compreensão que os naturólogos formados
pela Universidade do Sul de Santa Catarina possuem sobre o termo “xamanismo”,
sistematizando as principais categorias da medicina xamânica da naturologia. Como dito
anteriormente, os sujeitos de pesquisa foram apenas naturólogos formados pela Universidade
do Sul de Santa Catarina. Como o curso da Universidade do Sul de Santa Catarina é o único
que historicamente possuiu disciplinas de xamanismo, somente ele está no escopo dessa tese.
Segue, como minha principal motivação, o desejo de iluminar uma área que
aparentemente possui fragilidades importantes, visto que pouco se produz e quase nada se
registra sobre ela. Por ser um terreno praticamente desconhecido, essa pesquisa tem o grau de
17

ineditismo exigido em um doutorado. Além disso, permite a construção de um material


teórico que reafirma a ciência da religião como campo do conhecimento útil para o
entendimento da naturologia, ampliando a possibilidade de aplicação da ciência da religião
para mais estudiosos sobre a naturologia no Brasil.
Existe também uma justificativa de âmbito social. A fronteira porosa entre a utilização
e a difusão de uma prática que é limítrofe entre a expressão religiosa e a forma de terapia é
um ponto interessante a ser estudado, contribuindo em especial à própria saúde pública
nacional, visto que Passos (2015) atesta a presença crescente de profissionais naturólogos no
SUS e outras instituições públicas brasileiras de saúde.
A respeito da ciência da religião, o presente estudo permite o conhecimento sobre
formas institucionalizadas de Nova Era, algo usualmente tido como improvável pelos
pesquisadores da temática, mas evidente no quadro da naturologia. Apesar da presença
maciça do neoxamanismo na Nova Era de modo geral (cf. HANEGRAAFF, 1996, 2001;
MAGNANI, 1999, 2005; AMARAL, 2000; D’ANDREA, 2000; PEARSON, 2006; KEMP,
LEWIS, 2007; HEELAS, 2008; CROWLEY, 2011; OLIVEIRA, 2011; DE LA TORRE,
ZÚÑIGA, HUET, 2013; FONNELAND, KRAFT, 2014; OLIVEIRA, BOIN, 2017), esse
tema não vem sendo explorado por cientistas da religião brasileiros que pesquisam Nova Era
com maior propriedade.
Além disso, essa tese permite explorar o campo dos neoxamanismos ou xamanismos
urbanos no Brasil, através do estudo de caso do curso de naturologia da Universidade do Sul
de Santa Catarina. Embora a categoria xamanismo esteja em plena produção acadêmica, a
maior parte das pesquisas se concentra na área das ciências sociais (e em especial da
antropologia). O estudo pela ciência da religião possui relevância por permitir outra
perspectiva.

METODOLOGIA

De acordo com a divisão clássica de Joachim Wach (1924), que classifica os trabalhos
em ciência da religião em estudos empíricos das religiões ou estudos sistemáticos das
religiões, esse é um estudo empírico das religiões, ou seja, cujo foco está em explicar como
uma religião se faz, apresentando seu desenvolvimento e os princípios a ela inerentes.
Conforme delimita, também é constitutivo dos estudos empíricos das religiões o foco em uma
religião ou grupo específico (p. 59).
18

Segundo Tiele (1897, p. 28), o cientista da religião só pode discutir o desenvolvimento


de uma religião depois de todo o seu curso ter sido traçado em pesquisa. Isso significa que os
estudos empíricos das religiões têm como característica usual uma abordagem indutiva,
diferentemente dos estudos sistemáticos, que tendem a ser dedutivos.
Wach (1924) esclarece que ao dizer que o desenvolvimento de uma religião é o foco
principal desse tipo de pesquisas, ele não diz respeito a uma simples descrição histórica ou ao
estudo do surgimento do objeto pesquisado. Em suas palavras, “não é a evolução da religião o
que mais interessa ao cientista da religião, é o ‘tornar-se’” (WACH, 1924, p. 56, tradução
minha).
Tiele (1897) preocupa-se em esclarecer o que se entende por “desenvolvimento de
uma religião” na ciência da religião. Em primeiro lugar, ele diz que esse desenvolvimento não
é progressivo. Não é possível declarar que as religiões evoluem de um estado “pior” para um
estado “melhor”, porque tal juízo de valor não cabe ao cientista da religião. Além disso, ele
atenta que as formas religiosas não necessariamente possuem um desenvolvimento linear.
Esse desenvolvimento ocorre, como em todo aspecto da vida social, em períodos específicos e
intercalados. Tiele faz uma comparação das religiões com o próprio ser humano: assim como
as pessoas, religiões nascem, crescem, florescem, transformam-se, podem dar origem a outras
religiões e, eventualmente, declinam e morrem. Mas assim como a humanidade continua
independente da pessoa, a religião continua a se desenvolver apesar da queda de suas formas
específicas (p. 32). Tiele (p. 32-33) conclui que o estudo do desenvolvimento das religiões é o
estudo do desenvolvimento das pessoas religiosas. Não são as atividades, doutrinas, rituais ou
concepções religiosas que evolvem. Elas são renovadas e modificadas por ação consciente dos
agentes religiosos. Portanto, tais mudanças não são a evolução da religião em si, mas o seu
resultado.
O impacto disso, como descrito na proposta metodológica de Wach (1924, p. 61), é
que o estudo empírico da religião não deve se focar nem apenas na história da religião ou das
formas religiosas em si, nem no estudo empírico das atitudes religiosas. Ele deve ser um
estudo integrado de ambos esses aspectos, visando entender como mudanças das formas
religiosas operam também mudanças de seu significado aos religiosos e vice-versa.
Além da classificação dessa pesquisa como um estudo empírico, essa tese também
procurou atentar às três posturas acadêmicas que categorizam um estudo como sendo
pertencente à ciência da religião de acordo com Platvoet (1982): (1) o reconhecimento de que
existem muitas religiões, e que nenhuma pesquisa será objetiva a menos que julgamentos
inculcados pela própria cultura e visão religiosa do pesquisador sejam postos de lado; (2) a
19

inserção da abordagem ética para analisar o conteúdo êmico observado em campo; e (3) a
apresentação dos métodos e resultados de maneira coerente, que permita verificação por
outros cientistas das religiões.
Considerações metodológicas mais aprofundadas serão feitas para cada um desses três
pontos nas subseções a seguir.

AGNOSTICISMO METODOLÓGICO

O primeiro item mencionado por Platvoet como um dos constituintes de pesquisas em


ciência da religião diz respeito ao agnosticismo metodológico, um termo que foi adotado pela
ciência da religião pela primeira vez por Ninian Smart (1973a, p. 54-73) como resposta ao
ateísmo metodológico de Berger (1985, p. 112, 186). Embora Smart tenha criado o termo
como uma crítica a Berger, é demonstrado em um texto de Sheedy (2016) que as explicações
de Smart e Berger para ateísmo ou agnosticismo metodológico são tão similares que
metodologicamente eles podem ser considerados análogos.
O agnosticismo metodológico é uma desconsideração metodológica sobre a verdade
última das religiões. É uma recusa consciente de confirmar ou refutar o conteúdo sobrenatural
das religiões, pela justificativa de que essa dimensão não pode ser acessada empiricamente
por métodos científicos, e portanto cientistas da religião nada podem dizer a seu respeito se
querem continuar sendo considerados cientistas.
Segundo Matt Baldwin (2016 apud SHEEDY, 2016, p. 302-303), o agnosticismo
metodológico não admite explicações mágicas aos fenômenos religiosos. Nem Berger, nem
Smart desejavam observar o sobrenatural. Pelo contrário, ambos queriam evitar esse domínio.
Constatar que a ressurreição de Jesus é uma crença entre os cristãos (algo observável) não
abre margens a conclusões de que um ser humano objetivamente pode ter levantado dos
mortos (algo não observável). O esquema explicativo do agnosticismo metodológico, em
última instância, é sempre um esquema naturalista.
Isso significa que com o agnosticismo metodológico as religiões são examinadas
apenas como construções humanas. São ignoradas as alegações de seus fiéis de que suas
crenças são revelações, os clamores de que seus caminhos são os únicos verdadeiros, de que
seus mitos e textos sagrados são fatos, e compreensões de que as posturas religiosas são
“naturais” porque “assim Deus diz”. Entretanto, isso não significa que o agnosticismo
metodológico refuta a perspectiva dos fiéis. Ele simplesmente a coloca em suspensão por não
dispor de ferramentas analíticas que permitam considerações a seu respeito. Como esclarece
20

Berger (1985, p. 186), “dizer que a religião é uma projeção humana não implica logicamente
que os sentidos projetados não possam ter um status último independente do [ser humano]”.
Apenas não está entre as preocupações da ciência da religião, enquanto disciplina, validar ou
desmentir as considerações sobre o metaempírico presentes no discurso interno das religiões
(SMART, 1973a).
O agnosticismo metodológico é um importante constituinte de fronteira disciplinar
entre a ciência da religião e estudos não científicos da religião, como a teologia e a filosofia
da religião (BERGER, 1985, p. 185-186; SMART, 1973a, p. 111). Embora os resultados de
suas pesquisas possam ser adotados pela teologia ou filosofia, o tipo de construção do saber
teológico e filosófico é diferente do tipo de saber que a ciência da religião se propõe a
produzir. Nesse sentido, o agnosticismo metodológico é um reconhecimento de que a ciência
da religião possui um limite de até onde pode ir. Uma vez ultrapassado, abordagens de outras
áreas são necessárias, e o cientista da religião deve se afastar. Nenhum saber dá conta de tudo.
Como explicou Smart (1973a, p. 111), o agnosticismo metodológico é uma condição sine qua
non o cientista da religião não faz ciência da religião. Não é uma opção utilizá-lo ou não. É
algo inalienável. Se uma pesquisa não se adequada ao agnosticismo metodológico, ela está
para além de nossa fronteira disciplinar.
Nessa pesquisa, também o agnosticismo metodológico se caracteriza como um
importante delimitador de fronteira disciplinar. A maioria das dissertações e teses defendidas
por bacharéis em naturologia no Brasil foi na área de saúde coletiva. A principal característica
dessas pesquisas, como é possível notar nas introduções e apresentação de seus objetivos, é
uma busca por demonstrar a relevância social e eficácia terapêutica das práticas naturológicas.
Mas para um cientista da religião, a questão da eficácia da naturologia é de importância
secundária. Além de não sermos instrumentalizados enquanto disciplina a trabalhar com essa
dimensão, perguntas sobre se as práticas xamânicas da naturologia brasileira funcionam ou
não entram no mesmo escopo de questionar sobre a força de uma oração ou se um passe
espírita possui poder de cura. Nesse sentido, cruza a fronteira do agnosticismo metodológico e
descaracterizaria um estudo como sendo de ciência da religião. Isso não significa que tais
questões não sejam pertinentes. Mas metodologicamente não são problemas de pesquisa caros
à ciência da religião enquanto disciplina.
21

DISTINÇÃO ENTRE ÊMICO E ÉTICO

O segundo ponto proposto por Platvoet diz respeito à utilização da abordagem ética
para a análise do conteúdo êmico que emerge durante a pesquisa. A distinção entre discursos
êmicos e éticos, com a utilização da perspectiva ética em nossa produção, é a principal
ferramenta teórica para salvaguardar a legitimidade científica nas pesquisas da ciência da
religião (HANEGRAAFF, 1996, p. 6), e um dos pilares que constituem a própria objetividade
acadêmica da nossa disciplina (PLATVOET, 1982, p. 5-6).
Os termos “êmico” e “ético” são oriundos de “phonemics” (fonologia) e “phonetics”
(fonética). Portanto, sem qualquer relação com a “ética” da filosofia. Tais palavras adquiriram
um significado ampliado na teoria linguística de Pike (1954), quem declarou que somente
falantes nativos dominam as descrições fonológicas de seu idioma, ou seja, conseguem
observar o significado êmico total em contextos complexos que necessitam dessa
aproximação mais íntima. Estrangeiros podem absorver as estruturas linguísticas e seus
fonemas com maestria, mas nunca dominarão esses contextos complexos como os nativos.
Pike posteriormente aplicou sua distinção aos estudos do comportamento humano:

Descrições ou análises do ponto de vista ético são externas, com critérios alheios ao
sistema. As descrições êmicas fornecem uma visão interna, com critérios escolhidos
de dentro do sistema. Representam a visão de alguém familiarizado com o sistema e
que sabe como operar dentro dele (PIKE, 1999, p. 29, tradução minha).

Na ciência da religião, os conceitos “êmico” e “ético” foram aplicados pela primeira


vez por Platvoet (1982), mas distinções entre perspectivas intrarreligiosas e extrarreligiosas já
estavam presentes em textos anteriores da área (p. ex. SMART, 1973b). Platvoet (1982)
adotou a noção de que a narrativa ética seria a que descreve os eventos observados pela
perspectiva do pesquisador, enquanto a descrição êmica seria feita pelo olhar dos religiosos.
Considerando que a teologia representa a perspectiva de uma tradição, e sob a égide de que a
ciência da religião deveria se distanciar do método teológico, a forma discursiva teológica foi
classificada como êmica, e a produção da ciência da religião foi classificada como ética.
Embora as nomenclaturas “êmico” e “ético” não sejam populares no Brasil, sua lógica
está presente no próprio documento de nossa Área de Avaliação da CAPES, quando é
apresentada a distinção entre os profissionais cientistas da religião e teólogos. Nesse
documento, um cientista da religião é definido como alguém que estuda as religiões em
perspectiva externa, ao passo que os teólogos são definidos como aqueles que promovem seus
estudos a partir da perspectiva interna de uma religião (CAPES, 2016, p. 9). Na prática, a
22

diferença que esse documento fornece é a mesma apresentada por Platvoet, mesmo sem
recorrer objetivamente aos termos “êmico” e “ético”.
Mas o que significa falar externamente de uma religião? Para Smart (1973b, p. 43-44),
as explicações intrarreligiosas recorrem à conexão de aspectos da dimensão religiosa com
outros aspectos da própria religião, como correlacionar a experiência religiosa com padrões
devocionais, explicar os ritos pelos mitos ou justificar a fé pelos textos sagrados. Explicações
extrarreligiosas, por outro lado, mostram que as religiões também são moldadas por estruturas
que não fazem parte de seu domínio imediato. Smart cita exemplos de sistemas étnico-sociais
que são reproduzidos em mitos, e também a crença em deusas-terra, que pode surgir como
reflexo à descoberta da agricultura. Usualmente os fiéis não possuem noção dessas
influências, portanto tais leituras são incomuns ao discurso êmico (PLATVOET, 1982, p. 6).
Mas na ciência da religião,

os resultados finais da pesquisa acadêmica devem ser expressos em linguagem ética,


e formulados de modo que permitam críticas e falsificação tanto pela referência ao
material êmico quanto por sua coerência e consistência no contexto do discurso ético
geral (HANEGRAAFF, 1996, p. 6-7, tradução minha).

A adoção das descrições éticas como constituinte de seus trabalhos faz com que a
ciência da religião seja mais objetiva, com descrições com maior qualidade e análises mais
consistentes. A ciência é um sistema de atividades caracterizado por uma postura de
“ceticismo organizado”, no qual cientistas criticamente escrutinam os materiais de seus pares.
Como refutar um argumento se ele for tratado como uma manifestação divina? A adoção da
escrita ética permite um melhor controle das metodologias empregadas e das teorias que
embasam a pesquisa, por deixar claro que tais perspectivas são externas ao campo de crença
de onde os dados foram coletados. Além disso, clarifica materialmente por quais critérios as
análises são feitas (PLATVOET, 1982, p. 6).
Isso significa que uma pesquisa em ciência da religião metodologicamente precisa
fazer análises que extrapolem a simples reprodução do discurso dos fiéis, senão acabaria
sendo ciência para a religião, e não ciência sobre a religião. Mas isso não quer dizer que o
discurso êmico deve ser descartado. Como explica Platvoet (1982, p. 5), a compreensão dos
fiéis constitui uma fonte primária importante. Todavia, ela não dá conta das dimensões
políticas, étnicas, regionais, culturais, sociais, econômicas, de gênero e ambientais que
moldam as religiões para além da crença dos praticantes. É por isso que a fonte êmica precisa
ser complementada com a discussão desses fatores extrarreligiosos que moldam
significativamente e se inter-relacionam com a religião estudada.
23

CRITÉRIOS DE ABORDAGEM E PROCEDIMENTO

O último critério elencado por Platvoet como constitutivo de uma pesquisa em ciência
da religião dizia respeito à apresentação dos resultados e métodos de maneira que se permita a
verificação por outros cientistas da religião. Nesse ponto, ele diz respeito a descrever o
máximo possível quais foram os critérios de abordagem e procedimento utilizados para a
realização do estudo, seu escopo, o processo de coleta de dados, a população e forma como a
amostragem foi elaborada (caso se aplique), além de detalhamento sobre a natureza da
pesquisa. Em textos posteriores sobre metodologia em ciência da religião (p. ex.
SAUSBERG, ENGLER, 2011), é declarado que nesse último critério as considerações éticas
sobre a pesquisa também devem ser mencionadas.
Sobre a natureza da pesquisa, segundo Creswell (2007), esse é um estudo qualitativo.
Originalmente eu o projetei como um estudo misto, que se iniciaria em uma fase qualitativa,
na qual naturólogos que declaram trabalhar com xamanismo e o professor da disciplina
seriam entrevistados, e posteriormente, em uma fase quantitativa, um questionário fechado
seria aplicado com as principais categorias que surgiriam da análise da primeira fase para
levantar a difusão desses saberes pela naturologia brasileira. Esse plano foi abortado no
segundo ano do doutorado, quando percebi que o volume de material coletado demandaria no
mínimo o dobro do tempo originalmente planejado para transcrição e análise. Visto a temática
ser inédita em pesquisas sobre a naturologia brasileira, percebi uma necessidade de maior
aprofundamento dos conteúdos que surgiam na parte qualitativa.
A população estimada de naturólogos que trabalham constantemente com xamanismo
no Brasil é de cerca de 175 pessoas (PASSOS, 2015). Eles são o grupo de interesse dessa
pesquisa. Além deles, professores e ex-professores do curso de naturologia da Universidade
do Sul de Santa Catarina e o próprio professor Roberto Gutterres Marimon, o único ao longo
de toda a história desse curso que ministrou xamanismo na naturologia, constituem os
participantes desse estudo.
Os critérios de inclusão foram:
1. Ser formado em naturologia pela Universidade do Sul de Santa Catarina;
2. Declarar que trabalha com medicina xamânica em sua prática profissional de
naturologia (portanto, bacharéis em naturologia que não estão mais trabalhando
com naturologia estavam automaticamente excluídos desse estudo);
3. Ter trabalhado como professor no curso de naturologia da Universidade do Sul de
Santa Catarina;
24

4. Como professor, ter participado da reformulação da matriz curricular que incluiu


formalmente o ensino de medicina xamânica no curso.
Para ser incluso na pesquisa, foi necessário que pelo menos dois desses quatro critérios
fossem atendidos pelo respondente. Em casos de três ou mais critérios serem atendidos, o
participante foi considerado apto à participação. Se apenas dois dos quatro critérios fossem
atendidos, seria necessário que ambos os critérios 1 e 2, ou ambos os critérios 3 e 4 fossem
atendidos em conjunto. Caso contrário, ou em caso de menos de dois critérios terem sido
atendidos, o participante foi excluído da pesquisa.
A entrevista foi o método de levantamento de dados adotado. Dois modelos diferentes
de entrevista foram utilizados: entrevistas não estruturadas com o professor de xamanismo do
curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, e entrevistas semiestruturadas
com os outros professores ou naturólogos que declararam que trabalham sempre com
medicina xamânica. Mesmo permitindo que outros assuntos emergissem espontaneamente na
fala dos respondentes, as entrevistas semiestruturadas visaram que todos os participantes
respondessem ao seguinte modelo:
1. Qual a sua relação com a naturologia? Há quanto tempo você trabalha com isso e
como chegou a esse curso?
2. O que entende por xamanismo?
3. Qual é a origem do xamanismo da naturologia?
a. Caso fosse bacharel, foi explorado a quais tribos ou etnias o respondente
acreditava que essa forma de xamanismo diz respeito.
b. Caso fosse professor, foi perguntado como foi articulada a inclusão formal
do xamanismo como uma das bases do ensino de naturologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina.
4. O que um naturólogo faz quando trabalha com medicina xamânica?
a. Para cada prática descrita nessa questão, foi pedido que o respondente
explicasse o que ela é e como funciona.
5. Quem são os professores que promovem o xamanismo no curso de naturologia?
6. Em sua opinião, o que acontecerá com o ensino de xamanismo na naturologia
quando o professor Roberto Gutterres Marimon se aposentar?
7. Há algo mais que você gostaria de dizer antes de encerrarmos?

Sobre a confidencialidade dos entrevistados, Bremborg (2011, p. 320, tradução minha)


diz que “geralmente o anonimato deve ser objetivado na pesquisa, o que pode ser feito dando
25

para cada pessoa um codinome ou número. Porém se grupos pequenos ou específicos são
estudados, pode ser difícil garantir total anonimato ao se referir a situações e declarações”.
Naturólogos são uma minoria no Brasil. Existem ainda menos naturólogos que trabalham
especificamente com xamanismo. Nesse sentido, seria fácil identificar os participantes mesmo
se seus nomes estivessem omitidos nessa tese. Além disso, Roberto Gutterres Marion foi o
único professor de medicina xamânica em toda a história da naturologia brasileira. Seria
impossível deixá-lo anônimo. Por isso, todos os participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, do qual mantiveram uma cópia, onde foi declarado que
seus nomes não seriam omitidos nessa tese. A eles também foi dada a oportunidade de
revisarem o material transcrito de suas entrevistas, para que fizessem sugestões de cortes,
acréscimos e modificações. Em conformidade às resoluções MS/CNS 466/2012 e MS/CNS
510/2016, o projeto de pesquisa foi submetido para apreciação ética através da Plataforma
Brasil no dia 14 de abril de 2016 sob CAAE 55286316.2.0000.5482, sendo aceito pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no dia 18 de
abril de 2016. O parecer consubstanciado, de número 1.565.686, foi liberado no dia 30 de
maio de 2016.
Entrevistas em áudio foram registradas com o professor da disciplina e 18 outros
professores e bacharéis em naturologia que preencheram os critérios de inclusão. A coleta de
dados ocorreu de 3 de junho de 2016 a 18 de outubro de 2017. As transcrições foram enviadas
aos participantes por e-mail, e foram recebidos pedidos de alteração do material transcrito até
1º de abril de 2018. Ao final, 74 h e 11 min. de entrevistas foram transcritas, sendo dessas 54
h e 19 min. referentes apenas a entrevistas com o professor da disciplina. Cerca de metade dos
respondentes revisaram suas entrevistas. A outra metade não entregou as revisões a tempo, ou
optou por deixar as entrevistas tal como haviam sido transcritas.
Detalhes mais específicos sobre critérios de análise dos materiais colhidos serão
apresentados nos próprios capítulos da tese, de acordo com as necessidades de esclarecimento
advindas de cada seção da pesquisa.

ESTRUTURA DA TESE E FATOR DE TENSÃO COM OS FIÉIS

Quando um cientista da religião publica algo sobre uma religião, o agnosticismo


metodológico e a adoção da perspectiva ética levarão a duas consequências inevitáveis: (1) a
fala dos fiéis não será reproduzida literalmente, até porque algumas coisas vistas como
essenciais na visão êmica serão metodologicamente desconsideradas, o que fará com que (2) o
26

resultado da pesquisa seja uma tradução, com novos vocábulos e interpretações que serão
estrangeiros ao grupo estudado. Quando os fiéis entram em contato com o produto final, isso
comumente gera estranhamentos.
Como explica Platvoet (1982, p. 6), geralmente os praticantes de uma religião não
possuem ciência de que suas religiões são moldadas e determinadas por fatores sociais,
históricos, econômicos, políticos, culturais e geográficos. Usualmente a religião é vista como
algo dado, levando-os à rejeição das análises éticas e da perspectiva do agnosticismo
metodológico. Tanto Platvoet (1982, p. 6) quanto McCutcheon (1999, p. 17) comentam que
em casos mais extremos o trabalho do cientista da religião poderá, inclusive, ser considerado
sacrilégio ou profanação, gerando reações intensas e passionais das lideranças e instituições
religiosas.
Esses conflitos têm sido observados mundialmente nas pesquisas da ciência da
religião, e levaram Michael Pye a desenvolver uma teoria metodológica que prevê o fator de
tensão com os fiéis como uma parte da pesquisa em ciência da religião. Essa proposta parte do
pressuposto de que as análises éticas, que comparam o discurso êmico com sistemas não
previstos pela lógica intrarreligiosa, apresentarão questões que podem ser recebidas com
inquietação pelos adeptos. A variação de seu grau não só é esperada como pode ser utilizada
para verificar a efetividade dos métodos de coleta de dados e a qualidade das análises
elaboradas pelo cientista da religião.
Pye (2013, 2014) elenca alguns motivos mais comuns de desconforto em fiéis quando
leem uma pesquisa em ciência da religião sobre eles: (1) o cientista da religião pode levantar
questões que não são de interesse dos adeptos sobre suas próprias religiões; (2) o estudo pode
mostrar estruturas que antes não eram claras aos fiéis (ou eram apenas parcialmente claras),
levando-os a considerar que as análises não estão corretas; (3) a comparação entre diferentes
tradições pode não ser aceita em grupos que pregam que seu caminho é único; (4) ao levantar
contextos políticos e socioculturais, a pesquisa pode gerar a necessidade de explicações de
determinados discursos das lideranças religiosas que até então poderiam nunca ter sido
colocados à prova; e (5) algumas religiões tratam seus textos sagrados e mitos como fatos
históricos, o que geralmente não se sustenta por dados empíricos.
Segundo Pye (2009, 2013), embora as pesquisas em ciência da religião possam ser
plurimetodológicas, usualmente suas publicações se dividem em duas etapas: (1) uma fase
investigativa, cujo foco está em caracterizar e entender o discurso êmico, apresentando os
dados referentes ao objeto estudado; e (2) uma fase analítica, que além de explicar os dados
levantados, correlaciona-os com outros fatores sociais externos.
27

Se ele [o fator de tensão com os fiéis] estiver alto durante as etapas de identificação,
há algo errado com o método de investigação. Se estiver atipicamente baixo durante
as etapas explanatórias, isso pode sugerir que as explanações estejam fracas (PYE,
2009, p. 100).

Isso significa que metodologicamente é esperado na ciência da religião que o meio


estudado se sinta satisfeito com a parte descritiva sobre a sua religião. Como a primeira fase
da pesquisa diz respeito a apresentar a religião estudada, e a melhor forma de se aprender
sobre uma religião é através de seus próprios praticantes, o cientista da religião tende a
promover um sentimento de valorização nos fiéis por retratar seu discurso êmico (PYE, 2013,
p. 88, 103-104).
Porém essa intimidade é provisória, e a todo tempo certo distanciamento é ensaiado,
mesmo se métodos de observação participante forem adotados. “Sem distanciamento, não é
possível haver reflexões, análises e interpretações independentes” (PYE, 2013, p. 90, tradução
minha). Em outras palavras, se o cientista da religião estiver preocupado em agradar as
lideranças religiosas e os fiéis, jamais fará verdadeiramente sua análise acadêmica.
A fase de análises é caracterizada pela adoção do discurso ético. Como explica
Hanegraaff (1996, p. 6), a produção em ciência da religião não é êmica. Portanto, não pode
ser apenas uma reprodução da fala dos fiéis. O cientista da religião deve recorrer a linguagens,
terminologias, distinções, teorias e modelos interpretativos que serão apropriados na
academia, mas que são diferentes da compreensão dos praticantes sobre eles mesmos. Com
isso, o sentimento de valorização tende a desaparecer (PYE, 2013, p. 103-105).
Normalmente essas duas coisas ocorrem na mesma publicação. Por exemplo, em uma
pesquisa de ciência da religião um capítulo introdutório pode descrever as categorias êmicas
da religião estudada, uma segunda seção pode apresentar a teoria que embasará a análise, e
uma parte final pode conter as análises éticas em si. Os fiéis podem adorar a primeira parte do
escrito, não entender a segunda (principalmente se não fossem eles próprios acadêmicos), e
desgostar da seção final.
A estrutura dessa tese foi metodologicamente pensada levando em conta essa teoria de
Pye, nativa da ciência da religião. Nesse sentido, dois capítulos foram reservados para
descrever as categorias êmicas e a compreensão interna dos naturólogos sobre seu
funcionamento. Espero assim que caso algum naturólogo sinta-se incomodado com o que é
apresentado nessa pesquisa, que ao menos nos capítulos reservados para explicar sua visão
êmica o fator de tensão previsto metodologicamente por Pye seja baixo. Em outras palavras,
que o leitor insider que por ventura ler esse estudo possa se sentir descrito nos capítulos que
correspondem ao que Pye classificou como fase investigativa da pesquisa.
28

O primeiro capítulo foi reservado para a apresentação do estado da arte, um


levantamento de pesquisas brasileiras em ciência da religião sobre neoxamanismo e
naturologia nos últimos dez anos.
O segundo capítulo tem como objetivo discutir as origens da medicina xamânica
brasileira. A apresentação desse histórico possibilita uma melhor compreensão dos jogos de
poder e das disputas entre dois estilos de pensamento adversários que operaram nos seio da
naturologia brasileira. Não apenas isso, permite um melhor panorama histórico do porquê as
práticas do xamanismo naturológico são as que são.
O terceiro e quarto capítulo apresentam as principais categorias êmicas da medicina
xamânica da naturologia brasileira. No terceiro capítulo, os quatro pensamentos que
organizam a cosmologia e discurso dos naturólogos que trabalham com xamanismo serão
elencados, de modo a facilitar a compreensão das cinco práticas que mais apareceram nos
discursos dos entrevistados, as quais serão apresentadas no quarto capítulo. Em ambos os
textos, será valorizada a própria lógica interna do campo naturológico, a perspectiva êmica
dos participantes.
O último capítulo apresentará a tese central propriamente dita desse trabalho. Nesse
momento, será discutido sobre como o que é ensinado como xamanismo no curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina é, na verdade, a cosmologia original da
própria naturologia brasileira com uma roupagem indígena para parecer algo tradicional.
29

CAPÍTULO 1
NATUROLOGIA E NEOXAMANISMO: ESTADO DA QUESTÃO

Nesse capítulo, o estado da arte será apresentado, focando a produção acadêmica da


própria ciência da religião sobre a temática. É necessário lembrar que o neoxamanismo é um
objeto de interesse para outras ciências, e muito estudado por antropólogos. Sem mencionar a
riquíssima produção internacional sobre o tema, no Brasil podemos ressaltar, dentre esses
estudos, o trabalho pioneiro de José Guilherme Cantor Magnani sobre os xamanismos
urbanos em São Paulo (cf. MAGNANI, 1999; 2005), as pesquisas sobre Nova Era popular de
Amurabi Oliveira (cf. OLIVEIRA, 2011), ou ainda as considerações sobre xamanismo nas
curas da Nova Era da etnografia de Leila Amaral (cf. AMARAL, 2000). Mesmo a naturologia
também já foi adotada como objeto de estudo pela antropologia, e a única tese até o momento
sobre o tema foi produzida na antropologia (cf. SILVA, 2012). No entanto, para o presente
estudo, foquei-me na produção da ciência da religião brasileira, visando o fortalecimento da
minha disciplina. Mas isso, evidentemente, não diminui a relevância e importância da
pesquisa antropológica sobre os temas, tanto que a pesquisa de Silva foi citada em minha
introdução, e as considerações antropológicas sobre xamanismo serão depois utilizadas por
mim, no último capítulo, para a discussão sobre os significados acadêmicos de xamanismo.
Foram consideradas como produções brasileiras de ciência da religião os trabalhos de
autores relacionados aos PPG em ciência(s) da(s) religião(ões) – sejam discentes, egressos ou
docentes –, e dos periódicos listados no website da Associação de Pós-graduação e Pesquisa
em Teologia e Ciências da Religião (ANPTECRE). Como a ANPTECRE representa tanto os
PPG em teologia quanto em ciência da religião, não há distinção formal entre periódicos de
teologia e de ciência da religião nesse portal. Para que os periódicos listados fossem
considerados como de ciência da religião, portanto, era necessário isso estar objetivamente
discriminado no foco e escopo na autodescrição da revista.
Por fim, antes de prosseguir com a apresentação do material levantado, é importante
explicar o porquê de não terem sido utilizadas referencias estrangeiras. Sendo a ciência uma
30

construção internacional, não deveriam constar também obras de fora do Brasil? A resposta é
não. Nesse caso específico, tal levantamento não se aplica porque, como foi explicado na
introdução dessa tese (cf. p. 11), a naturologia enquanto curso universitário é um fenômeno
brasileiro. No exterior, a tendência é que os governos vejam os cursos de naturologia com
ressaltas. Além disso, não existe qualquer indício de que uma apropriação do neoxamanismo
ocorra com a mesma propriedade entre naturólogos europeus quanto no caso específico do
curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina1.

A PRODUÇÃO DA CIÊNCIA DA RELIGIÃO

Como a ciência da religião existe desde a década de 1960 no Brasil como graduação e
desde a década de 1970 como pós-graduação stricto sensu, não seria possível esgotar toda a
produção brasileira de cientistas da religião, até porque grande parte desse material não está
disponível on-line e as formações na área se encontram espalhadas pelo Brasil. Nesse sentido,
foquei-me na última década. As produções foram divididas entre pesquisas que abordaram o
neoxamanismo e textos que falaram sobre a naturologia.
A busca no banco de teses de dissertações da CAPES retornou nenhuma dissertação
com a palavra-chave “neoxamanismo”, e duas dissertações com a palavra-chave
“naturologia”, ambas defendidas no PPG em ciência da religião da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, em 2015 e 2017 respectivamente.
No portal de periódicos da CAPES, a busca pela palavra-chave “neoxamanismo”
também retornou nenhum artigo de periódico da ciência da religião ou escrito por cientistas
da religião. Ao buscar por “naturologia”, o único resultado encontrado em um periódico da
ciência da religião foi um resumo de uma das duas dissertações sobre a naturologia brasileira
supramencionadas.
Percebendo que o levantamento no portal da CAPES não condizia com a real
publicação em ciência da religião dos últimos dez anos, pesquisei manualmente nas revistas
de ciência da religião listadas pela ANPTECRE. Foram verificados os periódicos Reflexus
(FUV), Unitas (FUV), Reflexão (PUC-Campinas), Caminhos (PUC-Goiás), Fragmentos de
Cultura (PUC-Goiás), Horizonte (PUC-Minas), Interações (PUC-Minas), Rever (PUC-SP),

1
Não há menção ao xamanismo nos websites de instituições europeias de naturologia. Em Portugal, os cursos
de naturologia demonstram identificação com a medicina chinesa e a acupuntura, várias técnicas de massagem, e
práticas esotéricas como a astrologia e projeção astral (cf. Instituto Português de Naturologia, disponível em:
<https://www.ipnaturologia.com/>, acesso em 12 jan 2019). O foco dos cursos de naturologia na Espanha está
em terapias naturistas como hidroterapia, florais de Bach, iridologia, plantas medicinais e dietas naturais (cf.
Instituto de Estúdios de Naturologia, disponível em: <https://www.carlosleston.es/>, acesso em 12 jan 2019).
31

Último Andar (PUC-SP), International Journey of Latin American Religions (Springer),


Observatório da Religião (UEPA), Numen (UFJF), Sacrilegens (UFJF), Diversidade Religiosa
(UFPB), Religare (UFPB), Mandrágora (UMESP), Estudos da Religião (UMESP) e Paralellus
(UNICAP).
Por último, uma pesquisa também foi feita no Google Acadêmico e no Academia.edu
com as palavras-chave “neoxamanismo” e “naturologia”, em conjunto do termo “ciência da
religião” e suas variantes “ciência das religiões”, “ciências da religião” e “ciências das
religiões”. Em casos de artigos terem sido localizados em periódicos que não estão listados no
website da ANPTECRE, foi verificado se os autores declaravam algum vínculo com a ciência
da religião em seu minicurrículo para que a produção fosse considerada como sendo de
ciência da religião.
Para além do que já havia sido encontrado na pesquisa manual aos periódicos listados
pela ANPTECRE, foram identificados 3 artigos sobre neoxamanismo e 1 artigo sobre
naturologia com análises feitas pela óptica da ciência da religião. Além disso, 2 dissertações
que tocam na temática do neoxamanismo, que não apareceram listada na plataforma da
CAPES, também retornaram à pesquisa. Finalmente, 1 texto sobre neoxamanismo e 5 textos
sobre naturologia publicados na íntegra em anais de eventos cujos autores possuíam relação
com a ciência da religião foram também encontrados nesse levantamento.
Uma síntese dessas informações é listada na tabela a seguir:

Tabela 1 – Produção estimada da ciência da religião sobre naturologia e neoxamanismo de


2008 a 2017.

SOBRE SOBRE
FONTES
NATUROLOGIA NEOXAMANISMO
Dissertações listadas no Banco de Teses e
2 0
Dissertações da CAPES
Outras dissertações de ciência da religião 0 2
Artigos nos periódicos de ciência da religião
5 7
listados pela ANPTECRE
Artigos em outros periódicos escritos por
1 3
pessoas da ciência da religião
Textos completos em anais 5 1
TOTAL 13 13

Fonte: elaboração do autor (2018).


32

SOBRE NATUROLOGIA

Ao todo, 13 textos sobre a naturologia foram encontrados no contexto da ciência da


religião brasileira publicados nos últimos dez anos. Com exceção de um artigo publicado na
revista Último Andar, todas as produções têm como autores ou coautores eu ou Ana Luisa
Prosperi Leite, os autores das duas dissertações sobre naturologia defendidas no PPG em
ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
A primeira produção, a mais antiga, data de 2013. Trata-se de um paper de 9 páginas
publicado nos anais do IV Fórum Conceitual de Naturologia que foi elaborado durante meu
primeiro semestre do mestrado. Apresenta propostas para pensar a identidade da naturologia
esboçando-se na ciência da religião, área historicamente melhor estabelecida academicamente
que a naturologia, mas igualmente com problemas sérios de autodefinição (STERN, 2013).
Uma passagem do texto resume isso:

Que o cientista da religião estuda religião é óbvio. Não é óbvio, porém, o que é
Ciência da Religião e – mais problemático – o que é religião. E o grande interesse
dos cientistas da religião por sua epistemologia é parecido com o do naturólogo, que
em menos de vinte anos de surgimento no Brasil [enquanto graduação] vai ao seu 4º
encontro para discutir especificamente o que é sua área e o que estuda a Naturologia
(STERN, 2013, p. 26).

Por na época ter sido apresentado a um público considerável de naturólogos, esse


trabalho assumiu o status de ter sido o primeiro a tocar academicamente na temática da Nova
Era na naturologia, o que não é verdade. Conforme demonstro em outro lugar (cf. STERN,
2017a, p. 315-317), embora eu leve o crédito entre os naturólogos, houve pelo menos outras
oito pessoas que observaram relações fortes entre a naturologia e o movimento da Nova Era
na academia brasileira antes de mim (cf. LANGDON, ROSE, 2012, p. 40; PESSOA JR.,
2011, p. 293; RODRIGUES et al., 2012, p. 13; TEIXEIRA, 2013, p. 107).
Nesse texto questiono tanto as definições de naturologia com base em uma leitura
etimológica da palavra “naturologia” (nātūra + lógos), a qual considero insuficiente para
entender o objeto (STERN, 2013, p. 27-28), quanto a própria concepção de ciência dos
naturólogos, declarando que ela é historicamente localizada na Contracultura de 1960.
Também digo que essa concepção de ciência não apenas influenciou a naturologia, mas outras
ocupações que hoje trabalham com terapias alternativas (p. 29).
Após um questionamento sobre qual seria o diferencial, então, do naturólogo frente a
essas outras profissões, o texto retorna à questão da ciência da religião, apresentando-a
enquanto utilitária de disciplinas auxiliares que também estudam religiões (p. ex. história,
33

antropologia, sociologia, psicologia) e questiona: um cientista da religião é um antropólogo,


sociólogo ou historiador? E sociólogos/antropólogos/historiadores são cientistas da religião?
Ou ainda, o naturólogo é igual ao acupunturista, ou vice-versa? Se não, quais as diferenças?
Nesse texto, defendi que o distintivo seria o olhar naturológico no caso da naturologia, e o
olhar do cientista da religião no caso da ciência da religião (STERN, 2013, p. 31).
A segunda produção encontrada foi o trabalho de conclusão de Ana Luisa Prosperi
Leite, de seu bacharelado em naturologia. É um texto sem influência direta da ciência da
religião. Esse artigo acabou sendo identificado nesse levantamento por ter sido publicado pela
Último Andar, uma revista de ciência da religião. Submetido ainda quando Leite não era
estudante do PPG em ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
diz pouco sobre o que a ciência da religião, em si, produziu sobre a naturologia, sendo mais
bem classificada como uma produção êmica da própria naturologia.
Intitulado “Narrativas mitológicas sobre processos de morte simbólica”, trata-se de um
estudo de mitologia comparada, aplicando narrativas míticas a um contexto terapêutico. As
autoras trabalham com os mitos de “Mauí e Hinenuitepo, da Nova Zelândia; o surgimento do
mundo e da morte, da tribo Ajuru do Brasil; Hades e Perséfone, da Grécia; Inanna, da antiga
Suméria; Hainuwele, da Nova Guiné e Quetzalcóatl, da cultura Maia da Mesoamérica”
(LEITE, WEDEKIN, 2015, p. 57), em grandes eixos morfológicos e digressões generalizantes
para a comparação desses mitos, tendo a psicologia junguiana como o principal referencial
teórico-interpretativo. Não entrarei em maiores detalhes sobre esse trabalho.
Cronologicamente o terceiro texto é um artigo meu, publicado no número seguinte da
Último Andar. É uma pesquisa que hoje classifico como “confusa”. A proposta foi uma
avaliação de textos da naturologia através da classificação de elementos religiosos pela teoria
de Jonathan Benthall. Muito espaço foi reservado tentando explicar o que é naturologia ao
leitor não naturólogo (STERN, 2015b, p. 17-22), reservando poucos parágrafos para uma
descrição dos critérios e métodos (p. 19, 22, passim). Isso, evidentemente, inviabiliza a
reaplicabilidade desse estudo, o que vai contra o terceiro critério para que uma pesquisa seja
classificada como adequada na ciência da religião, como expliquei na p. 18 dessa tese.
O objetivo desse artigo foi verificar quantos dos 19 elementos religiosos descritos por
Benthall seriam encontrados em produções êmicas da naturologia. Parti do pressuposto de que
se muitos desses elementos fossem encontrados, então talvez a naturologia se comportasse
como uma religião. Foram analisados textos publicados no III e IV Fórum Conceitual de
Naturologia e as descrições para o símbolo da naturologia apresentadas na I e II Jornada de
Estudo do Simbolismo da Naturologia. Essa seleção se deu pela característica desses dois
34

eventos: o Fórum Conceitual de Naturologia tinha como objetivo promover debates para que
os próprios naturólogos pensassem uma forma de definir o que é naturologia, e as Jornadas de
Estudo do Simbolismo da Naturologia apresentava propostas de arte gráfica para a confecção
do símbolo profissional da naturologia, que vinham acompanhadas de textos de até três
páginas explicando o significado das imagens (STERN, 2015b).
O artigo afirma que 13 dos 19 elementos religiosos da teoria de Benthall puderam ser
encontrados nos textos êmicos dos naturólogos, sendo que 8 deles apareceram tanto em textos
do Fórum Conceitual de Naturologia quanto em textos da Jornada de Estudo do Simbolismo
da Naturologia. Os oito elementos religiosos destacados em ambos os eventos foram: (1)
identidade política, (2) mitos de fundação, (3) interiorização de um código moral, (4)
aceitação do paradoxo doutrinal, (5) apelo a um mundo utópico, (6) explicação do lugar do
ser humano no mundo, (7) apelo ao metaempírico, e (8) crenças e discursos totalizantes
(STERN, 2015b, p. 30). No entanto, a fragilidade metodológica do artigo jaz justamente em
uma falta de explicação do que cada uma dessas categorias significa segundo a teoria de
Benthall, e na ausência de citações diretas dos discursos êmicos que permitam ao leitor
concordar ou discordar da análise.
Nas conclusões, é declarada a detecção de “indícios de que a Naturologia no Brasil
possui uma religiosidade implícita de acordo com os critérios de Benthall, indicando que não
pode ser entendida sem se levar em conta seus aspectos pararreligiosos” (STERN, 2015b, p.
30). Apesar dessa consideração, não foi defendido em qualquer outro texto posterior da
ciência da religião – nem mesmo de minha autoria – que a naturologia seria uma religião ou
pararreligião. Ao contrário, em um artigo recente escrito em coautoria com Ana Luisa
Prosperi Leite, declaro que “em primeiro lugar, queremos deixar claro que não consideramos
a naturologia uma religião” (STERN, LEITE, 2017, p. 170). Os motivos disso, conforme foi
depois melhor esclarecido na dissertação de Leite (2017), é porque nossas pesquisas nos
levaram a entender a naturologia como uma área limítrofe entre religião e ciência, sem ser
nenhuma das duas ao mesmo tempo.
Respectivamente o quarto texto foi publicado nos anais do XIV Simpósio Nacional da
ABHR, intitulado “Escala de adesão dos ideais do movimento da Nova Era: aplicação em
naturólogos brasileiros” (STERN, 2015c). Trata-se de um trabalho que explica a metodologia
que utilizei para montar o último capítulo de minha dissertação. Nesse sentido, reserva apenas
uma página para falar sobre a naturologia (p. 262), visto que o objeto desse texto é o método
de coleta que utilizei. A aplicação em naturólogos é descrita apenas como um ilustrativo de
35

como utilizar esse método. Por esse motivo, também não entrarei em maiores detalhes sobre
essa produção.
O quinto trabalho na ordem cronológica é minha dissertação. Defendida em setembro
de 2015 no PPG em ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é
um estudo empírico sobre a adesão dos bacharéis em naturologia formados no Brasil aos
ideais do movimento da Nova Era. O trabalho é dividido em cinco capítulos, os quais estão
organizados em três partes: da primeira parte, o primeiro capítulo explica os contextos sociais
para o surgimento da naturologia enquanto curso superior no Brasil; da segunda parte, o
segundo e o terceiro capítulo definem o que é naturologia, apresentando a história de seus
cursos e suas principais categorias êmicas; e da parte final, o quarto e quinto capítulo
apresentam os resultados da pesquisa empírica aplicada em um terço da população total de
bacharéis em naturologia existentes na época no país (STERN, 2015a).
Embora três outras pesquisas de pós-graduação stricto sensu já tivessem adotado a
naturologia como objeto (cf. HELLMANN, 2009; SILVA, 2012; TEIXEIRA, 2013), essa
dissertação apresentou de modo muito mais profundo, pela primeira vez, as relações da
naturologia com suas raízes culturais e religiosas. Isso, posteriormente, seria ainda mais bem
aprofundado pela dissertação de Leite (2017). Mas até a ocasião, os trabalhos anteriores
tiveram uma preocupação muito pequena em estudar especificamente isso na naturologia. No
caso da dissertação de Hellmann (2009), que na época era vice-coordenador do curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, seu principal propósito era adequar o
ensino de naturologia às diretrizes bioéticas para se trabalhar com seres humanos, atendendo
aos atos normativos do Conselho Nacional de Saúde. No caso da tese de Silva (2012), que na
época era professora de naturologia na Universidade Anhembi-Morumbi, é notada uma busca
por legitimar o discurso dos naturólogos de que a naturologia seria uma nova ciência pautada
na complexidade. No caso da etnografia de Teixeira (2013), até pelo método adotado, a
concepção êmica dos naturólogos sobre eles mesmos é a tônica de sua produção final.
Além disso, meu estudo apresentou dados empíricos de que 51,7% dos naturólogos se
consideraram nominalmente novaeristas, independente do ano em que se formaram ou do
sexo (STERN, 2015a, p. 124-125). Além disso, 68,1% dos bacharéis em naturologia que não
mais trabalhavam na área declararam que não se reconheciam como novaeristas ou não
sabiam o que é o movimento da Nova Era (p. 126). Tais resultados indicaram uma possível
relação entre a identidade novaerista e a permanência profissional dos naturólogos brasileiros,
algo inédito até então.
36

O sexto trabalho é uma proposta de Ana Luisa Prosperi Leite ao VI Fórum Conceitual
de Naturologia, evento no qual eu também estive presente. Essa foi nossa última participação
em um congresso organizado pela própria naturologia. Após esse evento, o fator de tensão
com os naturólogos (cf. p. 25 da introdução dessa tese) tornou-se muito alto, e então passamos
a não mais socializar nossas pesquisas nos meios da própria naturologia, priorizando os meios
da ciência da religião.
Nesse texto de Leite (2015), intitulado “Uma breve reflexão acerca da ótica de
cosmovisão a partir de Apostel e Van der Veken e suas possíveis contribuições para a
naturologia”, a autora defende que a naturologia possui uma cosmovisão diferente a de outras
profissões da área da saúde (p. 37). Pela polissemia do termo “cosmovisão”, Leite adota a
proposta dos filósofos Leo Apostel e Jan Van der Veken, referencial teórico do qual ela teve
acesso durante o seu mestrado em ciência da religião e que, segundo ela, “passaram a se
aprofundar na conceituação sobre cosmovisões com o objetivo de, a longo prazo,
contribuírem para a formação de uma cosmovisão cientifica integral” (p. 38).
Sua proposição para a naturologia é apresentar as seis perguntas que pautam uma
cosmologia e suas disciplinas filosóficas correspondentes, “objetivando puramente o inicio de
uma exploração que possa se desenrolar em pesquisas e aprofundamentos para a Naturologia”
(LEITE, 2015, p. 41). A seguinte tabela, extraída de seu texto, sintetiza a sua discussão:

Tabela 2 – Sínteses das perguntas de uma cosmovisão e suas disciplinas filosóficas


correspondentes.

PERGUNTA DISCIPLINA
1. O que é? Ontologia (modelo da realidade)
2. De onde vem? Explicação (modelo do passado)
3. Para onde estamos indo? Predição (modelo do futuro)
4. O que devemos fazer? Axiologia (teoria dos valores)
5. Como devemos agir? Praxeologia (teoria das ações)
6. O que é verdadeiro e o que é falso? Epistemologia (teoria dos conhecimentos)

Fonte: Leite (2015, p. 39).

Além dessas perguntas presentes na teoria, Leite apresenta duas outras: (1) “Por onde
começamos a responder a tais perguntas?”, e (2) “Qual contribuição poderá surgir da reflexão
de uma cosmovisão naturológica?” (LEITE, 2015, p. 40). Longe de respondê-las, Leite
convida os naturólogos à reflexão da naturologia pelo modelo apresentado. Embasada na
37

etnografia de Teixeira (cf. 2013), a autora afirma: “ainda há muito para ser perscrutado sobre
as noções que embasam a Naturologia; e não só isto, ainda há muito a se apurar sobre o que
nós [naturólogos] compreendemos sobre nosso mundo” (LEITE, 2015, p. 41).
O sétimo trabalho se trata de um texto publicado nos anais do II Simpósio
Internacional da ABHR. Intitulado “Interfaces entre a ‘relação de interagência’ da naturologia
brasileira e as concepções de cura no movimento da Nova Era”, é um recorte da minha
dissertação. Vejo hoje vieses nesse texto. Conforme o fator de tensão com os naturólogos
ficou mais forte para com pesquisas advindas da ciência da religião, os cientistas da religião
que pesquisam naturologia passaram a ter as vias de acesso à naturologia dificultadas. Assim,
houve uma tentativa minha de registrar esse momento pelo qual eu passei, com desabafos na
introdução (STERN, 2016, p. 1) tanto quanto na conclusão (p. 10-11). É um texto, nesse
sentido, cuja passionalidade pode ser considerada inapropriada para a academia.
Salvo as questões pessoais, esse paper demonstra similitudes entre a concepção de
saúde dos meios novaeristas e a principal categoria êmica da naturologia brasileira: a relação
de interagência. A primeira seção apresenta as concepções novaeristas de saúde, utilizando
como referencial Wouter J. Hanegraaf, Leila Amaral, Anthony Albert Fischer D’Andrea,
Robert C. Fuller e François Laplantine. As seguintes características são elencadas: (1)
holismo, abordagem multidimensional que considera o físico, o psicológico e o espiritual; (2)
a ligação entre cura e crescimento pessoal; (3) a crítica ao cartesianismo, entendido como
“velha ciência” pelos novaeristas; (4) o apelo à simbologia quântica, entendida como “nova
ciência” pelos novaeristas; e (5) a horizontalização da relação terapeuta-paciente, que
simbolicamente isenta do terapeuta a responsabilidade pela cura do terapeutizado2.
Na seção seguinte, as definições de relação de interagência são discutidas. Inicio
narrando a história de sua institucionalização no curso da Universidade do Sul de Santa
Catarina em 2001 (STERN, 2016, p. 6), com a posterior adoção da nomenclatura também
pelo curso de naturologia da Universidade Anhembi-Morumbi (p. 7). Então destaco citações
diretas dos próprios naturólogos, relacionando o que eles falam sobre a relação de
interagência com as cinco características da saúde na Nova Era, apresentadas na seção
anterior. São em especial demonstradas ligações com a noção de holismo, de crescimento
pessoal como atrelado à cura, e a busca por uma relação terapêutica horizontal. É justamente
por isso que o termo “interagente” é utilizado. Conforme explico nesse trabalho, os

2
A relação de horizontalidade que minimiza a responsabilidade do terapeuta acontece de forma específica
nesse contexto. Existem outras linhas de pensamento na saúde, até mesmo influenciadas pela Nova Era, mas que
trabalham com uma relação terapêutica mais horizontal sem que seja retirada a corresponsabilidade do terapeuta.
38

naturólogos preferem essa palavra por dois motivos: (1) eles acreditam que se o terapeutizado
não tiver um papel ativo em seu tratamento, não será curado, e (2) eles o utilizam como critica
à nomenclatura “paciente”, que consideram relacionada à passividade.
O oitavo trabalho foi apresentado no I Seminário de Ciência da Religião Aplicada. É
uma proposta de atuação para cientistas da religião como docentes de disciplinas sobre
espiritualidade e saúde, recomendadas pela Organização Mundial da Saúde para as formações
da área da saúde desde a década de 1990. O texto fala sobre a naturologia porque ilustra, com
o caso do bacharelado da Universidade do Sul de Santa Catarina, como se deu o processo de
implantação dessa disciplina em sua matriz curricular e a contratação de um professor
cientista da religião (STERN, 2017b, p. 58-63). Por não se tratar de um estudo específico
sobre naturologia, utilizando esse curso apenas como exemplo, não lhe darei maior atenção.
O nono texto, “Concepções de energia na Nova Era: o caso da naturologia brasileira”,
é um artigo escrito por Silas Guerrieiro e eu, publicado na revista Caminhos. Trata-se de um
levantamento da produção êmica da naturologia que fala sobre “cura energética”, utilizando a
naturologia como um estudo de caso para a compreensão da categoria “energia” na Nova Era
(GUERRIERO, STERN, 2017).
Citado já na introdução da tese (cf. p. 13), esse artigo é dividido em quatro partes: (1)
uma seção que explica como a Nova Era, de modo geral, entende o conceito de energia, em
oposição ao entendimento da física, (2) uma seção que introduz o que a naturologia entende
sobre energia, (3) um levantamento de como os naturólogos fazem para “mensurar energia”
em suas terapias, e (4) uma discussão dos dados encontrados (GUERRIERO, STERN, 2017).
A noção de energia apresentada na naturologia gira em torno do que Amaral (2000, p.
65-67) chama de “xamanismo da Nova Era”, embora nem sempre os textos dos naturólogos
utilizem objetivamente a palavra “xamanismo”. Guerriero e Stern (2017) observaram uma
noção entre os naturólogos de que a energia teria paralelos com a física quântica e com a
consciência, em uma lógica de que terapias energéticas seriam terapias que trabalhariam
estados quânticos de consciência. A expansão da consciência, portanto, seria o próprio
objetivo terapêutico nesses contextos e um indicativo de que a terapia energética deu certo.
Como a naturologia brasileira se considerou por anos baseada no tripé medicina
chinesa, āyurvéda e medicina xamânica – como citado na introdução dessa tese (cf. p. 14) –,
técnicas tradicionais de avaliação da medicina chinesa e āyurvéda foram encontradas. Além
delas, muitas técnicas nativas ou popularizadas pela Nova Era, como a iridologia (avaliação
através da íris), a avaliação de cakras (que embora indiana, não tem relação com a āyurvéda),
a radiestesia (leitura de supostas radiações emitidas pelos seres vivos), fotografia Kirlian
39

(vulgarmente conhecida como “foto da aura”), reflexologia (avaliação de pontos doloridos


nos pés), dentre uma série de outras técnicas foi observada pelos autores. Além disso, foram
relatados métodos de avaliação criados pela própria naturologia, como a avaliação energética
por cheiros, a interpretação simbólica de desenhos feitos pelo paciente, ou leituras através de
mitos e contos de fadas (GUERRIERO, STERN, 2017).
Nas discussões, Guerriero e Stern (2017) apontam a uma plastificação do conceito
“energia” pela naturologia, como ocorre na Nova Era de modo geral, com categorias de
diferentes origens culturais sendo entendidas como a mesma coisa pelos naturólogos (p. ex. qì
da medicina chinesa, prāṇa da āyurvéda, e o orgônio da bioenergética reichiana). Eles
também identificaram uma ausência de concepções indígenas e africanas sobre energia. Por
exemplo, apesar da popularidade do termo “axé” no Brasil, não foi encontrada qualquer
menção a “axé” nas produções êmicas da naturologia.
O décimo trabalho é um artigo publicado por Andrei Mendes Moreira e eu na revista
Debates do NER. Teve como objeto os trabalhos de conclusão de curso produzidos pelo
bacharelado em naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, selecionando desse
universo apenas os que eram relatos de experiência da clínica-escola de naturologia. Desses
documentos, foram identificados 24 que descreviam a aplicação de mitos associados ao
tratamento terapêutico naturológico. Os objetivos do estudo foram identificar quais mitos
foram utilizados, com quais práticas eles foram associados, o que foi feito com os mitos em
consultório, e se foi apresentada alguma teoria que embasasse como mitologia e naturologia
se integram (STERN, MOREIRA, 2017).
Foram identificados personagens das mitologias andina, asteca, celta, egípcia, eslava,
grega, indiana, inuit, lakota, nagô, romana, talmúdica e tibetana. Quase todos os mitos tinham
como personagem central uma heroína/deusa, e a versão apresentada para o mito quase
sempre era uma releitura de viés feminista. A escolha dos mitos utilizados na terapia foi, em
quase todos os casos, discutida com o professor supervisor da clínica-escola, mas um dos
trabalhos analisados declarou ter selecionado o mito através do tarô. De modo geral, mais da
metade dos relatos de experiência associaram a narrativa mítica à arteterapia, pedindo para o
paciente criar uma obra plástica que expressasse alguma passagem do mito ou sentimento
evocado após a história ser apresentada pelo naturólogo ao paciente (STERN, MOREIRA,
2017).
Todas as fontes para a narrativa mítica foram secundárias. Nenhum naturólogo
recorreu a textos clássicos, preferindo livros de wicca ou psicologia junguiana que
apresentavam lendas de diversos panteões. Também foi notada uma carência de teorias que
40

embasassem a utilização terapêutica de mitos pela naturologia. O principal referencial teórico


dos naturólogos era oriundo da psicologia junguiana, um conteúdo que embora seja ensinado
transversalmente nos cursos de naturologia, não lhes constitui um saber nativo. A obra
Mulheres que correm com lobos, da psicóloga junguiana Clarissa Pinkola Estés, foi a mais
citada, estando presente em 23 dos 24 documentos (STERN, MOREIRA, 2017).
Ao fim, os autores perceberam que alguns naturólogos recorreram à literatura religiosa
wiccana para fundamentar sua utilização terapêutica de mitos. Foi discutido se nesses casos o
paciente era adepto da wicca, visto a wicca ser uma religião minoritária que sequer aparece no
senso religioso do IBGE. A conclusão que chegaram foi que, na verdade, eram os naturólogos
os simpatizantes da wicca, e não os pacientes. Para os autores, os naturólogos é que estavam
trazendo para dentro da clínica-escola seu saber religioso para aplicar em terapia com
pacientes de outras religiões (STERN, MOREIRA, 2017, p. 217-219).
O décimo primeiro texto, assim como a segunda obra listada anteriormente, é outro
trabalho de conclusão do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina que
foi publicado na revista Último Andar. Além da naturóloga, dois professores desse curso
coassinam a obra, sendo um deles o docente que orientou a pesquisa. Trata-se de uma
discussão metateórica sobre as diferenças entre curing e healing, e como elas se articulam
com a questão da espiritualidade na saúde. É um texto que, além de ter sido produzido dentro
da naturologia, apresenta muito do que é ensinado sobre healing na medicina xamânica da
naturologia (ALVES, MARIMON, MEDEIROS, 2017). Por causa disso, foi classificado
como uma literatura êmica da naturologia, o qual retomarei nos capítulos reservado à
apresentação desse discurso nessa tese.
O décimo segundo trabalho é a dissertação de Ana Luisa Prosperi Leite. Defendida em
setembro de 2017, trata-se de uma pesquisa sistemática sobre a institucionalização acadêmica
do ensino da naturologia no Brasil. Leite parte da seguinte questão norteadora: com outros
autores indicando uma interface entre ciência e religião (em especial a Nova Era) no meio da
naturologia, como esses saberes religiosos são selecionados para a publicação nos veículos de
divulgação acadêmica oficiais da naturologia? Seu estudo partiu de duas hipóteses:

1) o arcabouço teórico e prático da Naturologia seria composto de referências


religiosas diversas, ressignificadas na construção de um campo que procura
responder tanto às críticas ao modelo biomédico, quanto às suas demandas enquanto
área emergente; 2) há um discurso dominante na área que não aborda
academicamente as interfaces religiosas inerentes ao campo (LEITE, 2017, p. 169).
41

Seus dois primeiros capítulos são mais históricos. O primeiro apresenta a cronologia
da relação complexa entre terapias alternativas e ciência, abordando a própria história da
ciência, o processo de cientificação da medicina hegemônica e a resposta contracultural das
terapias holísticas. Já o segundo capítulo define o que é naturologia, apresentando tanto os
discursos dos próprios naturólogos sobre sua ocupação quanto o histórico da área e sua
trajetória política (LEITE, 2017).
No terceiro e quarto capítulo, Leite se debruça sobre o objeto da dissertação, que foi
definido como o “entremear entre ciência e religião nos discursos da Naturologia” (LEITE,
2017, p. 18). Ao invés de definir a naturologia como religião, Leite a apresenta como um
campo limítrofe, cujo intercâmbio entre axiomas científicos e saberes religiosos se dão de
forma orgânica e, muitas vezes, sem a devida consciência de seus agentes. Leite separa as
influências religiosas que aparecem no discurso naturológico em cinco grupos: (1) āyurvéda,
(2) medicina chinesa, daoísmo e confucionismo, (3) neoxamanismo, (4) ciência da Nova Era,
e (5) esoterismo e Nova Era. Ao passo que no terceiro capítulo Leite apresenta as definições
acadêmicas para cada uma dessas cinco categorias, no último ela demonstra, elencando
citações diretas dos próprios naturólogos, como cada uma dessas cinco dimensões se articula
na construção do saber naturológico (LEITE, 2017).
Especificamente sobre o xamanismo da naturologia, esse é um dos pouquíssimos
trabalhos acadêmicos de fora da naturologia que discutem a temática. Contudo, Leite (2017)
esteve mais preocupada em explicar o que é xamanismo e neoxamanismo em si, não
apresentado as categorias êmicas do xamanismo naturológico com maior detalhamento. De
qualquer modo, a pesquisadora introduz dados interessantes ao estado da questão. Além de
identificar que no meio naturológico o xamanismo sempre é tratado de forma singular e
monolítica, suas conclusões foram de que enquanto a categoria xamanismo é tradicionalmente
vista na academia como um complexo étnico sociocultural que abarca um sistema religioso,
aquilo que os naturólogos chamam de xamanismo bebe de diversas fontes geograficamente e
etnicamente muito distintas, como leituras novaeristas do budismo, do daoísmo, do
hinduísmo, do esoterismo, e de ritos pré-cristãos da Europa, mesclando-as a interpretações
transculturais de cosmologias indígenas e de saberes modernos como a física quântica e a
psicologia transpessoal. Assim, sem se remeter a uma tradição específica, o xamanismo
naturológico utiliza, segundo ela, diversas referências religiosas bastante distintas, sendo uma
bricolagem cultural que se apresenta como algo tradicional.
Nas considerações finais, Leite conclui que “a Naturologia é um campo entremeado de
saberes religiosos e científicos que, contudo, vem sendo retratado somente através de sua
42

interface científica” (LEITE, 2017, p. 171). Isso se dá, como ela e outros autores anteriores já
tinham observado, pela busca de reconhecimento e legitimação social, além de um desejo pela
regulamentação da profissão do naturólogo perante os pares das outras ocupações da saúde.
No entanto, Leite considera que há um risco nisso. A construção de um discurso próprio, que
dê sentido aos pressupostos naturológicos, ainda não foi convincentemente elabora fora do
contexto novaerista, ou ainda dentro de uma chave puramente científica. Assim, ela pondera
que “é importante à Naturologia a percepção de que o encontro acrítico com os saberes
médicos podem [sic.] custar a própria identidade da Naturologia, levando-a não para uma
nova ciência, mas uma diluição de seus pressupostos e reivindicações” (p. 171-172).
O último texto é um pequeno artigo escrito por mim e Ana Luisa Prosperi Leite em
resposta ao aumento do fator de tensão com os naturólogos frente às nossas pesquisas.
Intitulado “Questões postas aos naturólogos pela ciência da religião”, foi publicado pela
REVER: Revista de Estudos da Religião, em dezembro de 2017. O texto foi pensando
originalmente como uma comunicação para o Fórum Conceitual de Naturologia. Acabou
sendo recusado pela comissão científica do evento, sob a justificativa de que fugia ao tema do
encontro daquele ano.
O artigo apresenta sucintamente a ciência da religião e a teoria de Michael Pye sobre o
fator de tensão com os fiéis (STERN, LEITE, 2017, p. 169-170), fazendo um breve resumo do
histórico das produções sobre naturologia pela ciência da religião (p. 170-174). Localizando
esses estudos nas duas fases da teoria de Pye, identifica o ponto de virada no qual as pesquisas
sobre a naturologia pela ciência da religião rompem o limiar da fase analítica, passando a
apresentar resultados que começaram a gerar conflito com os naturólogos.
O texto é escrito dialogando com os pontos que Pye considera serem os mais comuns
na origem de tensão com os fiéis, citados na p. 26 da introdução dessa tese. Esse diálogo é
pautado em uma comparação entre os discursos oficiais dos cursos e associações de
naturologia e o que foi identificado pelos estudos sobre a naturologia na ciência da religião.
Então, uma série de questionamentos é apresentada (STERN, LEITE, 2017, p. 174-176).
Embora ambos sejamos bacharéis em naturologia, nessa produção nos colocamos como
cientistas da religião, e dizemos que “sobre todas essas questões aqui levantadas, ressaltamos
que não possuímos as respostas. Somente a naturologia, a partir do esforço conjunto de seus
profissionais, poderá ditar os próximos passos em relação a elas” (p. 176-177).
Dentre os questionamentos levantados, estão perguntas sobre a população real de
bacharéis em naturologia no Brasil, que comprovamos estar inflacionada no dossiê elaborado
pela Sociedade Brasileira de Naturologia (STERN, LEITE, 2017, p. 175), sobre o
43

apagamento, na “história oficial” da naturologia brasileira, do curso de pós-graduação lato


sensu em naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina e da graduação em
naturologia das Faculdades Integradas Espírita de Curitiba (p. 174-175), a dificuldade que as
associações formadas por naturólogos graduados pela Universidade do Sul de Santa Catarina
e Universidade Anhembi-Morumbi parecem apresentar em estabelecer diálogos com outras
associações de naturologia, em especial da região norte e nordeste do Brasil (p. 175), sobre a
relevância dos cursos de graduação em naturologia se for identificado que naturologia e
naturopatia são a mesma profissão, visto que a naturopatia é uma ocupação de nível médio
para o Ministério do Trabalho e Emprego (p. 175), sobre a taxa de evasão profissional, a
apresentação da naturologia como algo puramente científico pelos veículos de publicação
oficial da naturologia no Brasil e a aparente ligação entre um perfil novaerista dos naturólogos
e sua permanência na atuação profissional com naturologia (p. 175), além de questionamentos
sobre a própria rejeição ao título “esoterismo” pelos naturólogos (p. 176).

Lista das obras levantadas

1. STERN, Fábio L. Reflexões epistemológicas sobre naturologia por paralelos com a


ciência da religião. In: FÓRUM CONCEITUAL DE NATUROLOGIA, 4., 2013, São
Paulo. Anais eletrônicos…

2. LEITE, Ana Luisa Prosperi; WEDEKIN, Luana Maribele. Narrativas mitológicas sobre
processos de morte simbólica. Último Andar, São Paulo, n. 25, p. 57-76, 2015.

3. STERN, Fábio L. Indícios de religiosidade implícita em textos de Naturologia no Brasil.


Último Andar, São Paulo, n. 26, p. 17-34, 2015b.

4. STERN, Fábio L. Escala de adesão dos ideais do movimento da Nova Era: aplicação em
naturólogos brasileiros. In: SIMPÓSIO NACIONAL DA ABHR, 14., 2015c, Juiz de Fora.
Anais eletrônicos…

5. STERN, Fábio L. Naturologia e espiritualidade: indícios dos valores do movimento da


Nova Era entre naturólogos formados no Brasil. 2015. 224 f. Dissertação (Mestrado em
Ciência da Religião) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015a.

6. LEITE, Ana Luísa Prosperi. Uma breve reflexão acerca da ótica de cosmovisão a partir de
Apostel e van der Veken e suas possíveis contribuições para a naturologia. In: Fórum
Conceitual de Naturologia, 6., 2015, São Paulo. Anais eletrônicos…

7. STERN, Fábio L. Interfaces entre a “relação de interagência” da naturologia brasileira e as


concepções de cura no movimento da Nova Era. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DA
ABHR, 2., 2016, Florianópolis. Anais eletrônicos…
44

8. STERN, Fábio L. Cientista da religião como docente para unidades de aprendizagem de


espiritualidade e saúde. In: SEMINÁRIO DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO APLICADA, 1.,
2017b, São Paulo. Anais eletrônicos…

9. GUERRIERO, Silas; STERN, Fábio L. Concepções de energia na Nova Era: o caso da


naturologia brasileira. Caminhos: Revista de Ciências da Religião, Goiânia, v. 15, n. 1, p.
4-25, 2017.

10. STERN, Fábio L.; MOREIRA, Andrei Mendes. Mitologia como terapia: o caso da
naturologia. Debates do NER, Porto Alegre, v. 1, n. 37, p. 199-226, 2017.

11. ALVES, Isadora Ferrante Boscoli de Oliveira; MARIMON, Roberto Gutterres;


MEDEIROS, Graciela Mendonça da Silva. O processo de cura: o diferencial entre cure e
healing no fazer naturológico. Último Andar, São Paulo, n. 30, p. 285-313, 2017.

12. LEITE, Ana Luisa Prosperi. Naturologia, religião e ciência: entremeares da construção
de um campo. 2017. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.

13. STERN, Fábio L.; LEITE, Ana Luisa Prosperi. Questões postas aos naturólogos pela
ciência da religião. REVER: Revista de Estudos da Religião, São Paulo, v. 17, n. 3, p.
167-179, 2017.

SOBRE NEOXAMANISMO

Ao todo, 12 textos com o verbete “neoxamanismo” foram localizados no contexto da


ciência da religião brasileira nos últimos dez anos. Metade deles foi escrita por Dannyel Teles
de Castro, um cientista da religião estudioso de neopaganismo que acaba por tocar na
temática do neoxamanismo por constituir um campo limítrofe de seu objeto de estudo
principal.
O primeiro texto, o mais antigo localizado, é a dissertação de Karina Oliveira Bezerra,
defendida em 2012 na Universidade Católica de Pernambuco. Intitulada “A wicca no Brasil:
adesão e permanência dos adeptos na região metropolitana do Recife”, é um estudo empírico
em ciência da religião que teve como objetivo identificar as motivações que levam os
wiccanos recifenses a essa religião e o que lhes fazem nela se manterem (BEZERRA, 2012).
Da perspectiva dos estudos de xamanismo, é um trabalho provocativo, visto Bezerra
(2012, p. 15) classificar o xamanismo como uma expressão religiosa neopagã, algo que não se
sustenta historicamente. Eliade (2005), por exemplo, utilizava o termo xamanismo para
descrever práticas espirituais siberianas existentes desde muitos séculos antes do movimento
45

neopagão, originário da Europa3. Mesmo Aldhouse-Green e Aldhouse-Green (2005), cujo


objeto de estudo é justamente as expressões europeias de xamanismo, descrevem práticas
muito anteriores ao neopaganismo. No entanto, é importante especificar que quando Bezerra
(2012) apresenta seus participantes da pesquisa que se descrevem como “xamãs”, essa autora
está a descrever o fenômeno do neoxamanismo. Nesse sentido, teria sido mais adequado se
ela discriminasse em todo o texto que considera o neoxamanismo, e não o xamanismo como
um todo, uma vertente de neopaganismo (o que, por si, também é uma declaração polêmica,
mas que encontra ressonância entre alguns estudiosos do neopaganismo, como Sarah Pike).
Sua dissertação apresenta brevemente dados históricos sobre como a wicca construiu
sua identidade social como “religião da terra” por intercâmbios religiosos com vertentes do
neoxamanismo, como o movimento da ecologia profunda, a Feri Tradition, e a militância
ecofeminista de Starhawk (BEZERRA, 2012, p. 32). Em específico sobre Starhawk – que
mistura wicca gardneriana, feminismo e neoxamanismo –, Bezerra a classifica como uma das
grandes difusoras de princípios básicos e gerais para a wicca brasileira (p. 48). Isso se dá, em
especial, pela popularidade de seu livro A dança cósmica das feiticeiras, que até o fechamento
dessa tese ainda era o maior best-seller wiccano do mundo.
Sobre sua pesquisa empírica, Bezerra estudou, dentre outros covens wiccanos, um
grupo recifense de neoxamanismo chamado Ordem Mística Xamânica Buscadores da Divina
Luz. Como atentou, “ao contrário de se focar em uma cultura específica, eles intentam
praticar cultos que reverenciem a natureza, perpassando pela maior quantidade de tradições
possíveis” (BEZERRA, 2012, p. 81). O grupo é organizado por uma psicóloga e muitos dos
participantes de seu grupo foram clientes delas. As práticas são majoritariamente orientadas
pelo neoxamanismo, utilizando também aya’waska e elementos de wicca.
Bezerra descreve três práticas às quais integrou como pesquisadora participante: (1)
uma oficina de tambores em Itamaracá, ministrada pelo xamã urbano paulista Marcus Fraga;
(2) um ritual de tenda de suor em Cabo de Santo Agostinho, ministrado pelo xamã urbano
carioca César Cruz; e (3) um workshop em uma clínica de terapias holísticas com o xamã
urbano australiano Rowland Anton Barkley, que dizia respeito a sua formação em “terapia de
negociação dos arquétipos” (BEZERRA, 2012, p. 76-77). As principais características
observadas foram o tom comercial das práticas espirituais, sendo que uma delas chegou a ser
anunciada em um jornal local, a mudança de local para a realização de cada um dos encontros

3
Segundo Russell e Alexander (2008), as raízes históricas mais remotas ao que hoje é conhecido como
neopaganismo são do Romantismo do século XIX.
46

rituais, e o fato de que a maioria dos participantes que compareceram a esses rituais fazia
parte do próprio grupo organizador da atividade.
O segundo texto é um artigo publicado por Andréa Caselli Gomes em 2013 na revista
Paralellus, do PPG em ciências da religião da Universidade Católica de Pernambuco. Esse
estudo teve como foco a utilização do xamanismo no Brasil no contexto do neopaganismo, ou
seja, na apropriação de saberes indígenas por contextos urbanos. A autora diz que foi somente
a partir da década de 1980, com o advento da Nova Era e o cultivo das espiritualidades
esotéricas, que “o xamanismo foi identificado como uma atividade possível de ser absorvida
pela realidade sociocultural brasileira” (GOMES, 2013, p. 200). Dentre os motivos que
levariam a esse aumento do xamanismo nas sociedades urbanas, Gomes lista as carências da
sociedade urbana contemporânea, a falta de senso de pertencimento, a ausência de ritos de
passagens, e o distanciamento da natureza e de si mesmo ocasionados pela pós-modernidade
(p. 202).
Além disso, Gomes apresenta uma definição de xamanismo evolucionária, indo na
contramão das pesquisas atuais da ciência da religião, que tendem a não mais classificar as
religiões em uma escala que vai do mais primitivo ao mais desenvolvido. Para ela, o
xamanismo é a primeira religião do mundo – uma crença, aliás, corriqueira no meio êmico do
neopaganismo. Sem um referencial historiográfico que sustente tal declaração, a pesquisadora
também diz que as espiritualidades xamânicas influenciaram diretamente o paganismo e o
panteísmo (GOMES, 2013, p. 200). Nesse sentido, pautando-se em especial em Mircea Eliade
e Ken Wilber, faz um paralelo entre o sacerdote neopagão e o xamã (p. 201).
Essa acadêmica também considera que todas as religiões do mundo possuem traços de
xamanismo, visto que “há a oportunidade de encontrar o xamanismo no interior de um
número considerável de religiões, pois ele é uma técnica do êxtase à disposição e constitui, de
algum modo, a mística da religião” (GOMES, 2013, p. 201). No caso da relação entre
neopaganismo e neoxamanismo, ela frisa em especial uma suposta utilização, entre os xamãs
urbanos, de um calendário sagrado pautado nas estações do ano e fases da lua, que misturaria
o calendário religioso da wicca com datas festivas católicas e de religiões afro-brasileiras (p.
202).
Seu objeto é claramente neoxamânico, embora o termo “neoxamanismo” seja pouco
utilizado em sua escrita. Gomes entrevista a criadora da Ordem Xamânica Buscadores da
Divina Luz, em Recife, e também outros sujeitos de pesquisa que se apresentam como xamãs
urbanos recifenses. Além disso, assume como método de coleta a observação participante
47

(GOMES, 2013, p. 205). Uma de suas entrevistadas chega a distinguir o xamanismo


tradicional do neoxamanismo, uma fala que é reproduzida no artigo:

O xamanismo, tal como é conhecido na contemporaneidade, divide-se em duas


escolas: o xamanismo tradicional, que segue as tradições nativas de cada localidade,
e o neoxamanismo, que adapta a essência com práticas terapêuticas e de linhas
diversas numa realidade urbana; cobrindo práticas de cura de ancestrais primitivos e
de indígenas ao redor do mundo. Ainda […] há uma terceira denominação
conhecida como Xamanismo Universal, que une o xamanismo tradicional e o
neoxamanismo em um só movimento para uma consciência plural e dinâmica do
sagrado (cf. GOMES, 2013, p. 201-202).

Essa distinção entre xamanismo universal (core shamanism) e neoxamanismo,


defendida pela entrevistada, não é sustentada pela antropologia atual. Ambos são igualmente
classificados como neoxamanismo. Entretanto, essa problematização não é apresentada por
Gomes, o que dá a impressão de que ela concorda com essa fala. O único ponto por ela
levantado é que o xamanismo universal e o neoxamanismo podem ser entendidos dentro do
que Eric Hobsbawm chama de “tradições inventadas” (GOMES, 2013, p. 201), clarificando
que o xamanismo tradicional é diferente do xamanismo urbano contemporâneo.
O artigo segue apresentando uma seção descritiva das principais práticas dos xamãs
urbanos recifentes: totemismo, utilização de plantas enteógenas (em especial aya’waska e
jurema), culto ancestral através da preservação da natureza (vista como a origem de toda a
vida), espiritualidade sustentável, além de práticas estrangeiras que foram culturalmente
apropriadas pelos brasileiros, como temazcal, a busca pela visão e a utilização de tambores
(GOMES, 2013, p. 202-205). Por fim, a autora conclui que o neoxamanismo recifense utiliza
práticas oriundas da América do Norte, Peru, Bolívia, Sibéria e povos celtas, misturando-as
aos ensinamentos indígenas locais, que são valorizados tanto quanto possível (p. 205).
O terceiro texto é um artigo escrito por Daniela Cordovil e Dannyel Teles de Castro,
um estudo da expansão de religiões novaeristas em Belém. Essa pesquisa foi publicada em
2014 na revista Estudos de Religião, do PPG em ciências da religião da Universidade
Metodista de São Paulo. Não é um estudo que tem o neoxamanismo como objeto, citando o
termo em um momento muito pontual do texto, apenas para exemplificar diferentes tipos de
novos movimentos religiosos perpetuados pela Nova Era (cf. CORDOVIL, CASTRO, 2014,
p. 118). Por isso, maiores considerações sobre esse trabalho serão dispensadas.
O quarto texto é a dissertação de Maíra de Oliveira Dias, defendida no PPG em
ciências das religiões da Universidade Federal da Paraíba. Trata-se de um estudo empírico em
ciência da religião que apresenta os processos de patrimonialização do Santo Daime, ou seja,
seu processo de tombamento, criação de museus e registros de rituais como patrimônio
48

imaterial (DIAS, 2015). A dissertação foi organizada em três capítulos, sendo o terceiro
aquele em que a autora, de fato, desenvolve seu objetivo principal. A questão do
neoxamanismo, especificamente, é apenas mencionada para dizer que alguns acadêmicos
classificam os novos movimentos religiosos que utilizam a aya’waska como formas de
neoxamanismo (p. 60, 101, 135). Nesse sentido, também é um trabalho que pouco acrescenta
ao estado da questão, motivo pelo qual não me aprofundarei em sua discussão.
O quinto trabalho é outro artigo de Daniela Cordovil, publicado na REVER: Revista
de Estudos da Religião, do PPG em ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. É um estudo que tem como objetivo apresentar a difusão de religiões novaeristas
em Belém, no Pará (CORDOVIL, 2015). Desta forma, não tem o neoxamanismo como objeto
central, mas aborda a temática.
Na introdução, Cordovil (2015, p. 127) apresenta o movimento hippie, um dos
principais braços da Nova Era nos Estados Unidos, como um dos grandes responsáveis pela
popularização dos xamanismos nativo-americanos. A autora descreve Carlos Castañeda como
o grande difusor do neoxamanismo, possuindo hoje adeptos em contextos urbanos tanto
brasileiros quanto mundiais. E então, ao apresentar seu estudo em Belém, Cordovil diz que
esse campo religioso é formado por um misto da pajelança cabocla amalgamada a práticas de
catolicismo popular, religiões afro-brasileiras e manifestações neoesotéricas (p. 128).
Ao longo de seu texto, quando volta a tocar especificamente na questão do
neoxamanismo, Cordovil (2015, p. 131) cita estudos anteriores que indicavam traços
novaeristas ou de uma espiritualidade sincrética nos xamanismos da Baía de Marajó. Cita, em
especial, duas xamãs urbanas paraenses: Rosa Azul, mulher belenense que abandona a vida
urbana para viver em um sítio em Colares na década de 1970, local que acabou se tornando
centro de peregrinação a adeptos de movimentos alternativos e buscadores de curas holísticas,
e Zeneida Lima, cujo trabalho foi tema de um enredo de escola de samba carioca em 1999 e
de um filme de Tizuka Yamasaki.
O sexto trabalho é um artigo assinado por Daniela Cordovil e Dannyel Teles de
Castro, publicado em 2015 na PLURA: Revista de Estudos da Religião. Intitulado “Urbe,
tribos e deuses: neopaganismo e o espaço público em Belém”, trata-se de uma etnografia dos
grupos neopagãos belenenses. O artigo se destaca por classificar o neoxamanismo como uma
forma de neopaganismo (p. 117), assim como foi feito na dissertação de Bezerra (cf. 2012),
mencionada anteriormente.
Dentre os oito grupos analisados nessa pesquisa, consta um de neoxamanismo: a
comunidade de Flori Jácamo, representante do Caminho Vermelho, linhagem neoxamânica
49

estadunidense. Esse grupo é descrito por Cordovil e Castro (2015, p. 127) como focado na
espiritualidade feminina através do culto a Tonāntzin. Como explicado em outra pesquisa, “na
mitologia asteca, Tonantzin é um título genérico empregado para designar as deidades
femininas. O título refere-se particularmente à ‘mãe terra’” (ROSE, 2010, p. 32). Nesse
sentido, deusas astecas tão diversas quanto Cōātl’īcue, Tēteoh Īnnān, Chicomecōātl, Tocih,
Tlālli Īyōlloh e Cihuācōātl acabam por receber o epíteto. Mas a presente etnografia apontou
que a comunidade de Flori Jácamo cultuava Tonāntzin como uma deusa única, identificando
por esse título uma deidade singular que representaria monoliticamente a grande mãe terra
andina (CORDOVIL, CASTRO, 2015, p. 127). Uma explicação mais detalhada das práticas é
apresentada:

Os círculos de mulheres funcionam de maneira lúdico-espiritual, isto é, diversas


atividades como pintura, confecção de mandalas, danças etc., além de meditações e
consultas de tarot, são realizadas na intenção de fazer com que as participantes
possam acessar a sua “deusa interior” e, assim, conectar-se ao seu self. O trabalho é
feito para que as participantes pratiquem o exercício de resgatar o poder feminino
que é silenciado pela civilização ocidental, segundo a líder (CORDOVIL, CASTRO,
2015, p. 127).

Apesar do foco no feminino, essa etnografia também identificou momentos nos quais
a participação masculina é permitida. Esse trabalho com os homens, que é classificado como
“mais abrangente”, é descrito como possuindo influências da União do Vegetal, da teosofia e
do neoxamanismo, com rituais privados para a invocação ao deus sol, à deusa lua e aos
espíritos da natureza (CORDOVIL, CASTRO, 2015, p. 127).
Essa pesquisa também identificou a influência do neoxamanismo em covens wiccanos
de Belém, em especial no coven Anan Cara, liderado por Filipe Almeida e Michele Andrade.
Cordovil e Castro (2015, p. 124-125) declaram o seguinte: “percebemos forte influência
xamânica nos rituais desse grupo, com danças circulares indígenas, entoação de cânticos
sagrados das tradições xamânicas da América Latina, toque de tambor xamânico e flauta”.
Esse coven teria adquirido tal característica por Almeida ter feito, durante um ano, viagens
pela América do Sul em busca de experiências xamânicas com plantas enteógenas como
wachuma, aya’waska e peiote. Após isso, ele teria mesclado essas vivências aos seus rituais
wiccanos para incitar os participantes de seu grupo a trabalhar o corpo, elevando a energia em
busca do êxtase (p. 125).
O sétimo trabalho é o mesmo artigo ipsis litteris, mas agora publicado em outro
veículo (CASTRO, 2015). Nesse sentido, trata do que já foi mencionado anteriormente: o
neoxamanismo é descrito como uma forma de neopaganismo (p. 289), apresenta as
50

influências xamânicas do coven wiccano Aman Cara (p. 296), e os rituais neoxamânicos da
comunidade de Flori Jácamo (p. 298).
O oitavo texto é um artigo de Ana Luisa Prosperi Leite publicado na revista Último
Andar em 2016. Intitulado “Neoxamanismo na América Latina”, é um estudo crítico do livro
“Variaciones y Apropriaciones Latinamericanas del New Age”, organizado por Renée De La
Torre, Cristina Gutiérrez Zú iga e Nahayeilli Juárez Huet. Leite (2015, p. 207) declara que a
análise dessa obra teve como foco o processo de tradução das cosmovisões xamânicas
tradicionais latino-americanas pelo advento do movimento da Nova Era.
Utilizando De La Torres como principal referencial teórico, Leite (2015, p. 207)
apresenta uma distinção entre neoxamanismo, neoxamã e neoíndio que é bastante útil à
ciência da religião. A autora define neoxamanismo como o processo de mercantilização dos
saberes indígenas tradicionais, visando à demanda de mercado gerada pelos buscadores
espirituais da Nova Era. Por neoxamã ela entende os próprios buscadores que, após receberem
ensinamentos pontuais de fontes étnicas, passam a competir com os xamãs tradicionais ao se
considerarem elevados ao mesmo posto que eles. E neoíndios são por ela descritos como os
buscadores que, uma vez iniciados, passam a reclamar uma herança étnico-espiritual para
recriar tradições que são entendidas por eles como resgates de memórias negadas.
As etnografias descritas no livro indicam que as pessoas chegam ao neoxamanismo
através de literatura da psicologia (em especial psicologia transpessoal e junguiana), ciência
da religião, antropologia, mitologia comparada e livros de Carlos Castañeda, o que faz com
que os buscadores espirituais tenham uma imagem romantizada dos indígenas. Isso é
corroborado nas falas dos participantes, que descrevem referências a uma vida selvagem em
harmonia com a natureza, em contato constante com o reino espiritual e com a mãe terra
(LEITE, 2015, p. 208-209). Mas Leite esclarece que embora a terra seja celebrada no
neoxamanismo como uma entidade feminina bondosa, que fornece nutrição, proteção,
generosidade e abundância, tal imagem não corresponde à dos grupos tradicionais. Muitas
deusas terra pré-colombianas hoje popularizadas no neoxamanismo (p. ex. Pachamama,
Cōātl’īcue) eram temidas divindades da morte (p. 211, 214-215). Além disso, são encontradas
também menções à terra como uma deidade masculina entre vários povos americanos (p. ex.
Tlalte’cuhtli, Tezcatlipōca, Ao Ao, Trengtreng-Filu).
Leite também identificou na apropriação de saberes indígenas pelos xamãs urbanos
uma mescla de diversas culturas indígenas, tanto norte-americanas quanto latino-americanas,
alinhavadas por um eixo central pautado no esoterismo novaerista (LEITE, 2015, p. 209).
Além disso, também são mencionados reflexos do próprio processo de evangelização, notado
51

pela mistura de cristianismo popular com reminiscências ritualísticas indígenas pré-coloniais


(p. 210). Entretanto, muitas práticas alienígenas aos indígenas americanos, como a utilização
de cura por cristais, pêndulos, ioga e a manipulação dos cakras, também são identificadas
como parte do xamanismo. Destacando um exemplo, em uma das etnografias presentes no
livro, “os ritos, mitos, lendas e práticas eram todos atribuídos [pelos xamãs urbanos] aos
‘índios norte-americanos’” (LEITE, 2015, p. 209).
A seleção de quais conteúdos serão adotados se dá por conveniência. Leite comenta,
em específico, sobre quando determinada questão mais inerente às culturas indígenas não faz
sentido aos brancos, como as relações indígenas de gênero ou rituais xamânicos tradicionais
para reforçar a hierarquia comunitária. Nesses casos, esses conteúdos são simplesmente
ignorados pelos xamãs urbanos, sob a alegação de que tais coisas não são necessárias para se
seguir o xamanismo (LEITE, 2015, p. 209). Por isso, a autora classifica que o neoxamanismo
é esvaziado de sentido cultural quando em comparação com os xamanismos tradicionais. Ao
passo que o xamanismo tradicional se apresenta como uma ferramenta social de sobrevivência
da cotidianidade comunitária, o xamanismo urbano não possui referência a uma cosmologia
específica que lhe confira significado. Esse sentido, na verdade, é fornecido pela Nova Era (p.
210), à custa de uma simplificação de vestuários, plastificação ritualística e anulação dos
louvores tradicionais (p. 211).
O nono texto é um artigo de Maria Betania Albuquerque e Dannyel Teles de Castro,
publicado na Revista Brasileira de História das Religiões. É um estudo de história oral sobre a
transmissão e ressignificação do trabalho de uma curadora anônima em Colares, no Pará. Essa
mulher teria abandonado a cidade para viver no meio da mata, dedicando-se ao esoterismo e a
uma vida em sintonia com a natureza. Suas práticas são apresentadas como um misto de
pajelança cabocla, umbanda, neoesoterismo, teosofia e neopaganismo (ALBUQUERQUE,
CASTRO, 2016). Por conta disso, pautados em José Guilherme Cantor Magnani, eles
consideram, na última seção desse texto, que o trabalho dessa curadora é uma forma de
neoxamanismo, uma identidade religiosa híbrida que lhe conferiria o status, ao mesmo tempo,
de pajé tradicional e neoxamã (p. 27).
Os acadêmicos declaram que o neoxamanismo coexistiu à pajelança tradicional em
toda a trajetória histórica da curadora estudada, que alternou momentos de abordagens mais
teóricas com o esoterismo durante a década de 1970 com aproximações neoxamânicas mais
práticas após a década de 1990 (ALBUQUERQUE, CASTRO, 2016, p. 26). Suas técnicas
seriam uma bricolagem de utilização de penas, maracá, cristais, cromoterapia, programação
neurolinguística, incorporação, alinhamento de cakras, visualização de chamas dos mestres
52

ascensionados, harmonização com a natureza, cultos à mãe terra, valorização de mulheres


sacerdotisas e a espera pela chegada da Nova Era (p. 25). Nesse sentido, eles concluem que o
trabalho espiritual dessa mulher é “uma construção pessoal, desenvolvida e vivenciada a partir
de um recorte de diferentes religiões, como a Umbanda e a Nova Era, de onde se originaram
suas práticas de cura” (p. 27).
O décimo texto é um artigo de Dannyel Teles de Castro, publicado na revista Último
Andar, que teve como objetivo analisar o culto aos ancestrais em religiões neopagãs a partir
de etnografias da celebração de grupos neopagãos paraenses ao samhain, rito anual da morte
(CASTRO, 2016). Trata-se de um desdobramento da pesquisa cujos artigos foram publicados
no ano anterior, as quais já foram apresentadas nessa seção (cf. CASTRO, 2015;
CORDOVIL, CASTRO, 2015). Nesse sentido, trabalha com os mesmos grupos, partindo do
pressuposto teórico de que neoxamanismo é uma vertente de neopaganismo.
É novamente mencionada nesse artigo a influência neoxamânica no coven Anam Cara,
cujos rituais são descritos como uma mescla de xamanismo e magia cerimonial (CASTRO,
2016, p. 126). O rito de samhaim celebrado por esse grupo é descrito, e as influências
xamânicas identificadas por Castro foram: a utilização de tambores e flautas em uma
visualização guiada visando refletir sobre os aspectos simbólicos do rito em questão (p. 135),
danças circulares acompanhadas de cânticos xamânicos sul-americanos e tambores (p. 135), e
percussão com tambores para acompanhar a queima de ervas e papeis com pedidos escritos
aos deuses (p. 135-136). O rito completo ocorreu entre a 1h da madrugada até as 4h30, na
virada do dia 31 de outubro para o dia 1º de novembro de 2014 (p. 133-136).
O décimo primeiro trabalho é um texto publicado na íntegra nos anais do I Seminário
de Ciência da Religião Aplicada. Escrito por Ricardo Assarice dos Santos, apresenta uma
proposta de aplicação remunerada da ciência da religião através de cursos livres, criação de
canais no YouTube, palestras e outras ferramentas de mídias digitais (SANTOS, 2017). É um
texto que não trata da questão do neoxamanismo em específico, e que por esse motivo não me
demorarei na descrições. Esse trabalho acabou retornando nas pesquisas realizadas porque o
principal objeto da pesquisa de mestrado de Santos foi a aya’waska. Nesse sentido, ao falar
sobre suas experiências ministrando cursos livres e palestras sobre o assunto, esse autor
acabou por dizer em seu texto que algumas pessoas adeptas de espiritualidades neoxamânicas
se interessam por seus cursos, sendo suas clientes em potencial.
O décimo segundo texto é um artigo de Amurabi Pereira de Oliveira e Felipe Boin,
publicado pela revista Religare do PPG em ciências das religiões da Universidade Federal da
Paraíba. É um estudo que objetivou refletir sobre a utilização contemporânea da magia, em
53

especial no contexto da Nova Era (OLIVEIRA, BOIN, 2017). Do ponto de vista teórico, eles
trabalham com a categoria “sagrado” substantivada, o que por vezes não deixa claro ao leitor
se os autores entendem “sagrado” e “religião” como sinônimos, e se não, quais seriam as
diferenças entre uma “experiência do sagrado” e uma “experiência religiosa”. Além disso, os
autores recorrem a grandes digressões em algumas comparações cujos critérios poderiam estar
mais bem explicados no artigo.
Sobre o interesse para essa tese, esse artigo não tem o neoxamanismo como objeto
central, mas assume que a Nova Era é eivada de apropriações culturais de diversas origens,
inclusive de origens indígenas (OLIVEIRA, BOIN, 2017, p. 345, 357). José Guilherme
Cantor Magnani é citado para dizer que no caso brasileiro, os novaeristas tenderam
historicamente a valorizar mais as culturas xamânicas estrangeiras do que os povos indígenas
do país, o que faz com que os autores classifiquem as vivências neoxamânicas como “práticas
culturais desterritorializadas” (p. 350).
Pautados em Beatriz Caiuby Labate, definem neoxamãs como “brancos que formulam
novas religiosidades a partir do suposto arcabouço do xamanismo indígena” (OLIVEIRA,
BOIN, 2017, p. 353). Nesse sentido, aproximam-se de Leite (2016) no sentido de que o
neoxamanismo seria a transformação de saberes nativos em bens de consumo para os
buscadores espirituais da Nova Era. Entretanto, eles exploram melhor a questão da
terapeutização desses saberes (OLIVEIRA, BOIN, 2017), algo não enfatizado no artigo de
Leite (2016).
Por fim, o último texto é um artigo de Dannyel Teles de Castro, publicado na revista
Diversidade Religiosa do PPG em ciências das religiões da Universidade Federal da Paraíba.
Trata-se de um estudo empírico sobre neodruidismo e reconstrutivismo celta por pesquisa
participante com o grupo paraense Clann an Samaúma (CASTRO, 2017). Nesse texto o autor
apresenta quase nada sobre o neoxamanismo em si, citando apenas em passagens muito
pontuais que alguns autores consideram o neodruidismo uma forma de neoxamanismo celta
(p. 46), e que algumas técnicas xamânicas foram apropriadas pelo neopaganismo (p. 52).

Lista das obras levantadas

1. BEZERRA, Karina Oliveira. A wicca no Brasil: adesão e permanência dos adeptos na


região metropolitana do Recife. 2012. 167 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da
Religião) – Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2012.
54

2. GOMES, Andréa Caselli. Universo xamânico: sustentabilidade e espiritualidades em


diálogo. Paralellus: Revista Eletrônica em Ciências da Religião, Recife, v. 4, n. 8, p. 199-
208, 2013.

3. CORDOVIL, Daniela; CASTRO, Dannyel Teles de. Espiritualidades holísticas na


metrópole da Amazônia: presença e expansão de religiões de Nova Era em Belém, Pará.
Estudos de Religião, São Paulo, v. 28, n. 2, p. 115-137, 2014.

4. DIAS, Maíra de Oliveira. Processos de patrimonialização no campo religioso


brasileiro: o caso do Santo Daime. 2015. 155 f. Dissertação (Mestrado em Ciências das
Religiões) – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2015.

5. CORDOVIL, Daniela. Religiões de Nova Era em Belém, Pará: entre o cosmopolitismo e a


identidade local. REVER: Revista de Estudos da Religião, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 126-
143, 2015.

6. CORDOVIL, Daniela; CASTRO, Dannyel Teles de. Urbe, tribos e deuses: neopaganismo
e o espaço público em Belém. PLURA: Revista de Estudos da Religião, v. 6, n. 2, p. 116-
139, 2015.

7. CASTRO, Dannyel Teles de. Neopagãos na cidade: teias e trilhos de uma


ecoespiritualidade na metrópole. Revista Visagem, Belém, v. 1, n. 2, p. 287-299, 2015.

8. LEITE, Ana Luisa Prosperi. Neoxamanismo na América Latina. Último Andar, São
Paulo, n. 26, p. 204-217, 2016.

9. ALBUQUERQUE, Maria Betania; CASTRO, Dannyel Teles de. Uma curadora na


Amazônia: trajetória de vida e saberes da experiência. Revista Brasileira de História das
Religiões, Maringá, v. 9, n. 26, p. 7-30, 2016.

10. CASTRO, Dannyel Teles de. A festa das almas: o culto aos ancestrais no neopaganismo.
Último Andar, São Paulo, n. 28, p. 125-140, 2016.

11. SANTOS, Ricardo Assarice dos. A ciência da religião aplicada: uma experiência com
palestras e cursos livres. In: SEMINÁRIO DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO APLICADA, 1.,
2017, São Paulo. Anais eletrônicos…

12. OLIVEIRA, Amurabi Pereira de; BOIN, Felipe. A pluralidade de experiências do sagrado
nas sociedades contemporâneas. Religare, João Pessoa, v. 14, n. 2, p. 343-362, 2017.

13. CASTRO, Dannyel Teles de. Entre carvalhos e samaúmas: a espiritualidade céltica
contemporânea entre a eco-religiosidade e a identidade regional. Diversidade Religiosa,
João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 34-59, 2017.
55

CAPÍTULO 2
A IMPLANTAÇÃO DO XAMANISMO NO ENSINO DE NATUROLOGIA

Em um primeiro contato com a história da naturologia brasileira, chama à atenção que


o ensino de xamanismo no curso da Universidade do Sul de Santa Catarina tenha sido
institucionalizado oficialmente durante uma das fases mais biologistas desse curso. Em sua
etnografia da naturologia brasileira, Teixeira (2013, p. 69) afirma que não havia qualquer
referência ao ensino de xamanismo nos documentos institucionais da Universidade do Sul de
Santa Catarina anteriores à matriz curricular implantada em 2004. Contudo, essa matriz
curricular foi justamente desenvolvida visando adequar a formação ao estilo de pensamento
dos outros cursos da área da saúde. Como pode um conteúdo tão contrário ao paradigma
biomédico, pautado em medicina baseada em evidência e orientado pela perspectiva
cartesiana, ter sido aceito enquanto conteúdo pedagógico obrigatório para a formação em
naturologia justamente nessa época? Para explicar isso, esse capítulo foi desenvolvido.
Inicialmente uma seção sobre o ethos Nova Era se faz necessária. Embora a temática
da Nova Era tenha sido brevemente apresentada na introdução dessa tese, ter claro o que é o
ethos Nova Era e quais são seus elementos constitutivos ajudará na leitura dessa forma de
xamanismo específica à naturologia brasileira. Será possível perceber nesse capítulo,
conforme a história do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina for
sendo descrita, que uma das concepções de curso dialogava de perto com esse ethos. E a partir
dos próximos dois capítulos, também será possível perceber que as práticas xamânicas
ensinadas no curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina possuem
confluência com esse ethos.
A segunda parte do artigo tem como objetivo descrever os eventos que levaram à
implantação do ensino de xamanismo no curso de naturologia da Universidade do Sul de
Santa Catarina. Ainda que originalmente os idealizadores dessa formação estabelecessem
diálogos com o ethos Nova Era, com o passar do tempo, conforme a instituição buscava
56

adequar a naturologia ao formato padrão para os cursos da área da saúde, um segundo ideal
emergiu. As disputas entre esses dois projetos de curso são o principal motivo pelo qual o
xamanismo foi inserido nessa formação: durante o período de maior poder das concepções
biologistas, a adoção das medicinas tradicionais – e portanto do xamanismo – ocorreram
como uma resposta de resistência dos docentes que acreditavam que o curso deveriam manter
o diálogo com o ethos Nova Era. Por fim, a última seção desse capítulo discutirá essas
relações de conflito entre as duas concepções de curso, apresentando o xamanismo da
naturologia enquanto receptáculo dos principais valores que passaram a ser questionados
pelas coordenações desse curso, que desejavam um viés mais biologista.

ETHOS NOVA ERA

Quando se fala do movimento da Nova Era nos dias atuais, é importante ter em vista
alguns pontos. O primeiro dele, o principal motivo de confusão entre acadêmicos que
metodologicamente supervalorizam o discurso dos participantes da pesquisa, é que “‘Nova
Era’ era originalmente um termo êmico, mas agora ele é praticamente usado como um termo
ético” (GILHUS, 2014, p. 36, tradução minha). Os adeptos hoje do que outrora foi chamado
de movimento da Nova Era não se identificam mais sob essa alcunha, e muitos negam uma
identificação com a nomenclatura, preferindo termos mais vagos como “espiritualidade”.
Como tal, há pesquisadores que neguem que a Nova Era ainda exista, declarando que se trata
de uma categoria historicamente localizada, que teve seu ápice durante a década de 1970, mas
que hoje não constitui mais uma categoria útil para as humanidades.
No entanto, uma associação restrita ao movimento hippie, à contracultura e a uma
escatologia que prevê a aurora de um mundo idealizado, dentro dos moldes do que veio a ser
conhecido como “era de Aquário”, não é mais um quadro preciso daquilo que hoje
academicamente pode ser percebido como Nova Era. A cultura novaerista está atualmente
estruturada sobre um conjunto de valores que, em sintonia com interesses comerciais, foi
absorvido pela cultura mais ampla, após ter sido ressignificada e transformada em bens de
consumo não apenas aos buscadores espirituais, mas à população mais geral (HEELAS, 1994;
2008). Ainda que em sua gênese fossem mais característicos grupos sectários, anticapitalistas
e com visões de mundo e posturas milenaristas, hoje é possível encontrar valores e atitudes
precedentes da Nova Era manifestados cotidianamente por pessoas de distintas (ou ainda
nenhuma) pertenças religiosas (GILHUS, 2014, p. 36), as quais não possuem desejo de
57

rompimento com o capitalismo ou com a ordem vigente. Esse conjunto de valores difuso na
população constitui o ethos Nova Era.
A categoria ethos Nova Era foi proposta pela primeira vez pelo grupo de pesquisa
NEO – Novas Espiritualidades, registrado no CNPq e coordenado por Silas Guerriero,
professor do PPG em ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Após discussões sobre o estado da questão, os pesquisadores membros desse grupo chegaram
à conclusão de que aquilo que outrora foi identificado como o movimento da Nova Era nas
décadas de 1970 e 1980 não é mais reconhecido por esse nome. Contudo, seus principais
valores ainda se encontram de modo difuso na sociedade, inclusive no meio das religiões
tradicionais.
Dois textos introdutórios foram produzidos sobre o tema (cf. GUERRIERO et al.
2016; GUERRIERO, STERN, BESSA, 2016), e posteriormente a discussão sobre a presença
desse ethos na sociedade brasileira foi aprofundada em um artigo de Guerriero (2018). Esses
textos, conforme identificado por Guerriero (2018, p. 226), são pautados em uma leitura
preliminar de Hanegraaff (1996, cap. 5; 2005), quem distingue Nova Era stricto sensu de
Nova Era lato sensu. A Nova Era stricto sensu se relaciona mais proximamente com a noção
de “era de Aquário”, cujas atividades e reflexões giravam em torno da aspiração por um
mundo ideal, no qual o materialismo seria substituído por uma visão unitarista. As sociedades
alternativas novaeristas surgiram nesse contexto, em uma tentativa de antecipar essa utopia. Já
Nova Era lato sensu está mais voltada à preocupação pela transformação psicológica das
pessoas, carregando a espera pelo mundo ideal apenas no nome. Conforme seus simpatizantes
passaram a se comunicar com outros movimentos alternativos, paulatinamente perderam os
ideais milenaristas da “era de Aquário”. Esse sentido mais amplo da Nova Era está menos
associado à contracultura, gerando o que os pesquisadores brasileiros chamam de ethos Nova
Era. É ele que foi comodificado, ou seja, cujos bens religiosos foram transformados em bens
de consumo e passaram a ser vendidos enquanto produtos espirituais para a sociedade mais
ampla.
A palavra ethos deriva do grego antigo, e originalmente significava “hábito”,
“costume”, “disposição”. É a partir dela que se originou o termo ethika (“ética” em
português), traduzido ao latim por Cícero como moris, a raiz etimológica da palavra “moral”
(WHITNEY, 1911, p. 3855). A partir da metade do século XIX o termo começou a ser
empregado enquanto categoria acadêmica, relacionado aos costumes de um povo, e após
Bateson (2006 [1936]), adquiriu o significado mais amplamente utilizado hoje pela
antropologia.
58

Para Bateson (2006), ethos pode ser definido como “o espírito característico, a tônica
predominante dos sentimentos de um povo ou de uma comunidade; o ‘gênio’ de uma
instituição ou de um sistema” (p. 70), ou ainda “a expressão de um sistema de organização
culturalmente padronizado dos instintos e das emoções dos indivíduos” (p. 169). Estaria para
além do estrutural e pragmático – o eidos –, embora lhe seja fundamentalmente inseparável.
Esse autor dá grande ênfase ao emocional de uma comunidade ao falar de ethos, os “aspectos
afetivos padronizados” (p. 96), o “comportamento adequado” (p. 170), o que se espera que as
pessoas sintam e como elas devem expressar seus sentimentos. Isso inclui o que é motivo de
graça e o que deve ser tratado com seriedade, quando sorrir, quando chorar, como se portar
com os parceiros sexuais e, inclusive, como e com quem fazer sexo, além dos tabus e
interditos sociais. A fuga desse padrão seria recebida como um solecismo (p. ex. uma piada
inadequada, que causa constrangimento entre os ouvintes).
O ethos é o que determina a conduta em um grupo. Contudo, ele não passa incólume
aos membros, sendo retroalimentado pela tradição, como em um sistema circular. Bateson
(2006, p. 170-171) faz uma distinção entre ethos fortes e fracos, declarando que quanto mais
enraizado um ethos se encontra, maior será a predisposição para que tradições emirjam
paralelamente a ele. Isso significa que os comportamentos sociais são fruto do ethos (parecem
adequados) tanto quanto são fruto das tradições (gerações anteriores fazendo o mesmo). Em
outras palavras, ethos e tradição se autojustificam.
A partir de Geertz (2008 [1973]), a proximidade do termo com a religião foi
aprofundada, e ethos passou a ser descrito como algo que sintetiza os símbolos religiosos.
Esse autor descreve uma correlação entre o ethos (emocional) e a visão de mundo (racional),
dizendo que o ethos permite à visão de mundo tornar-se emocionalmente convincente, ao
mesmo tempo em que o ethos se torna intelectualmente razoável por representar o tipo de
vida ideal prescrito pela visão de mundo (GEERTZ, 2008, p. 67). Isso significa que ao
falarmos de ethos, estamos falando de concepções emocionais, crenças coletivas, ideais
comunitários, valores e comportamentos que assumem uma aura de realidade, ou seja,
parecem ser verdadeiras e lógicas por reafirmarem a visão de mundo em que se acredita.
Essa discussão preliminar é mister ao tema aqui abordado porque os novaeristas
possuem uma concepção muito própria de realidade, a qual eles tendem a declarar ser
científica. Esse clamor pela legitimidade científica é uma característica forte do ethos Nova
Era, porque a cosmologia novaerista é pautada na modernidade, baseada em uma visão de
mundo na qual a ciência – e não a religião – é a grande legitimadora social da verdade
(HANEGRAAFF, 2017, p. 408).
59

O ethos de um grupo se expressa nos diferentes fragmentos da conduta cultural,


podendo ser conhecido pelas atitudes dos seus membros. Portanto, os pesquisadores do NEO
– Novas Espiritualidades buscaram na literatura êmica e em pesquisas acadêmicas feitas com
grupos novaeristas quais seriam os constituintes desse ethos Nova Era, os quais foram
divididos sem três categorias: (1) quadro metaempírico de significados (as crenças, os valores,
os mitos inerentes, a noção de realidade); (2) sistemas de praticas e (3) formas de organização
e adesão (GUERRIERO et al. 2016, p. 24).
Sobre o quadro metaempírico de significados, os autores declaram que influências
espíritas, budistas e hinduístas levaram os novaeristas a desenvolverem crenças muito fortes
de reencarnação e um conceito de “evolução espiritual”, uma busca pessoal na qual o eu
superior – ou self –, deve ser constantemente trabalhado, permitindo a realização do potencial
humano ou a expressão da divindade interior. Essa autoridade da autoconsciência faz com que
os novaeristas desconfiem de instituições e de formas tradicionais de organização religiosa,
acreditando que a diversidade de experiências e a força do pensamento são o que muda a
realidade. Pelo mesmo motivo, há grande relativização entre o certo e o errado, em uma
lógica de que tudo seria válido enquanto vivência. Além disso, o apelo à consciência faz com
que os novaeristas tenham uma interpretação psicologizada da espiritualidade, na qual os
elementos religiosos – Deus incluso – são explicados enquanto estados de espírito, arquétipos
ou projeções da psique (GUERRIERO et al. 2016, p. 25-26).
Apesar de seu forte relativismo às atitudes pessoais, existe uma noção entre bem e
mal. A noção de bem está pautada em atingir a consciência holística, ao passo que o mal seria
o oposto, a consciência limitada pela fragmentação no mundo. Há um forte apelo às visões
filosóficas monistas e à utilização espiritualizada de elementos advindos da ciência, como a
física quântica, os campos eletromagnéticos e o conceito de energia (GUERRIERO, STERN,
2017, p. 5-8). Também é notada uma forte oposição à ciência tradicional, por considerá-la
reducionista e fragmentada por não se integrar à espiritualidade. Dominam concepções
vitalistas de corpo e saúde no meio novaerista, na qual o mundo é entendido como formado
por uma energia que permeia tudo, universal, que é ao mesmo tempo material e espiritual, e
permite estabelecer a conexão entre a espiritualidade e a ciência. Essa energia poderia ser
manipulada, visando alterações na própria realidade, e seria mediada por entidades das mais
diferentes fontes religiosas (p. ex. deuses de diversos panteões mitológicos, anjos, espíritos,
mestres ascendidos, extraterrestres, gnomos, fadas, animais, plantas etc.) (GUERRIERO et al.
2016, p. 25; HANEGRAAFF, 1996, p. 23).
60

Como reencarnacionistas, os novaeristas acreditam que é possível o contato com vidas


passadas e futuras, visto considerarem que o espaço-tempo pode ser transcendido em uma
perspectiva holística. Há também forte apelo à crença na magia e uma grande exaltação à
natureza, essa última entendida como fonte suprema de sabedoria e espiritualidade
(GUERRIERO, et al., 2016, p. 25-26). No ethos Nova Era, magia, religião e ciência são
entendidas como interligadas (GUERRIERO, 2018, p. 228).
Sobre os sistemas de prática, é notada grande procura por métodos de indução a
estados alterados de consciência, os quais são vivenciados como algo religioso, que permite
expandir a mente e conectar-se com o todo. Grande parte das formas ritualísticas desse ethos
também gira em torno da canalização, a qual pode ou não estar relacionada a esses momentos
de estados alterados de consciência. A canalização é uma forma específica de mediunidade
típica da Nova Era, na qual qualquer ser humano poderia se conectar com outros planos ou
seres mais evoluídos e espiritualizados, adquirindo algum tipo de conhecimento importante ao
seu desenvolvimento espiritual (GUERRIERO et al., 2016, p. 26-27).
Muitas práticas são, na verdade, releituras de ritos de outros sistemas religiosos (ioga,
qabbala, reiki, astrologia, bruxaria, cristianismo etc.), contudo ressignificadas ao propósito de
promoção do autoconhecimento e empoderamento pessoal. Há também grande apelo à
natureza, e em especial por formas de religião ou ritos que visem uma conexão com a
natureza, conexão essa que os novaeristas acreditam ter se perdido na modernidade. Nesse
sentido, são notadas incorporações de elementos do xamanismo, da pajelança, do paganismo,
da cultura cabocla, práticas do folclore rural, além de grande atribuição simbólica a elementos
naturais, como astros, plantas, cristais, metais, cores etc. (GUERRIERO et al. 2016, p. 27).
As terapias alternativas também fazem parte desse sistema de práticas, visto a
consideração de que elas permitem uma integração entre corpo, mente e espírito. Por conta
disso, a cura é elevada ao status de rito nesse ethos, estando muito atrelada a uma lógica de
que ao promover a saúde a pessoa estaria também se desenvolvendo espiritualmente
(GUERRIERO et al. 2016, p. 27; HANEGRAAFF, 1996, cap. 2).
Sobre as formas de organização e adesão, desde Campbell (1972, p. 127-128) já se
discute que o perfil comum de buscadores espirituais do cultic milieu da Nova Era é, ao
mesmo tempo, responsável pela oferta de formas tão diversas de experiências religiosas
quanto pela dificuldade de conversão dos buscadores em adeptos plenos. Com a massificação
do ethos Nova Era, Guerriero e colaboradores (2016, p. 27) também observaram que, para
além da já notada postura fluida de filiação religiosa, os buscadores também se dão grande
liberdade para transitarem em diferentes sistemas religiosos sem comprometimento. Seu
61

compromisso é para com a sua busca particular, e não com uma instituição específica. Mas
assim como Campbell (1972, p. 128-129) também notou que uma minoria das pessoas que
integram esse cultic milieu precisa, de alguma forma, se comportar como adeptas para ofertar
os bens religiosos desse meio, os pesquisadores brasileiros também chegaram à conclusão de
que é possível falar de novaeristas de “tempo integral” e novaeristas de “tempo parcial”1
(GUERRIERO et al., 2016, p. 27). Em outras palavras, embora haja pessoas engajadas
(novaeristas de “tempo integral”), a maioria dos novaeristas teria uma fraca adesão,
caracterizada por uma curiosidade por práticas esotéricas de modo geral, mas que não se
comprometem com os grupos dos quais usufruem os bens religiosos (novaeristas de “tempo
parcial"). Como tal, quase ninguém se reconhece objetivamente como “novaerista” ou sob
alguma variação do rótulo “Nova Era” ou “New Age”.
Além disso, Guerriero e colaboradores (2016, p. 27-28) citam que embora seja
possível observar alguma organização em redes, centros integrados, espaços individualizados,
pontos de vendas e formas de sociedades no ethos Nova Era, grosso modo é notada grande
instabilidade organizacional e trânsito fluido de buscadores entre os diferentes grupos. O
caráter mutante e eclético da Nova Era, além de ausência de lideranças formais e textos
sagrados que sejam compartilhados por todos, contribui para isso. Como grande parte do
ethos Nova Era foi cooptado pela lógica capitalista, existe também uma questão de mercado
que faz com que os ritos da Nova Era se deem em formatos “vendáveis” para o consumo da
religião, como cursos, simpósios, oficinas de finais de semana, vivências e retiros.
Será notado, conforme a institucionalização das aulas de xamanismo no curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina for sendo descrita a seguir, que o ethos
Nova Era operou importante influência tanto no início do curso de naturologia em si como
também nessa implantação.

HISTÓRIA DO CURSO DE NATUROLOGIA DA UNIVERSIDADE DO SUL DE


SANTA CATARINA

Nessa seção, apresento uma reconstrução da história do curso de naturologia da


Universidade do Sul de Santa Catarina, cruzando dados colhidos durante a minha dissertação
(cf. STERN, 2015a, cap. 2) tanto quanto fatos novos que emergiram durante as entrevistas que
coletei para o doutorado. Não aprofundo os eventos mais recentes do curso, pois o interesse
desse capítulo é a compreensão dos fatos que levaram à institucionalização do ensino de

1
A principal referência dos autores para essa discussão é Heelas (1994, p. 98).
62

xamanismo no curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, e a forte tensão


entre o discurso científico e o discurso novaerista que está por trás disso. Para isso, precisei ir
além do que oficialmente esse curso narra sobre a sua história, em especial a leitura de que a
naturologia teria sido uma criação da Universidade do Sul de Santa Catarina, ignorando a
origem histórica do termo “naturologia” no século XIX, no sul da Europa, e o primeiro curso
brasileiro de 1994, das Faculdades Integradas Espírita de Curitiba.
Um dos primeiros pontos a se problematizar é a própria alegação de professores da
Universidade do Sul de Santa Catarina de que é incorreto dizer que há relações mais fortes
entre a naturologia e o movimento da Nova Era, algo que já foi empiricamente refutado por
pesquisas anteriores (cf. STERN, 2015a; STERN, 2015b). Se a naturologia é oriunda do
século XIX – algo que a Universidade do Sul de Santa Catarina tende a ignorar, mas leva em
consideração quando argumenta contra a identificação da naturologia com a Nova Era –, de
fato ela teria surgido muito antes da contracultura de 1960 e, portanto, seria anterior ao
movimento da Nova Era. O que ocorreu com a naturologia, todavia, foi similar ao que
aconteceu com outros movimentos religiosos do mesmo período, como a antroposofia e o
espiritismo.
Embora a naturologia seja anterior à Nova Era, os ideais novaeristas foram fortemente
amalgamados a ela, ao ponto de hoje lhes serem indissociáveis. A partir da década de 1970,
os naturólogos substituíram paulatinamente o embasamento parapsicológico típico do século
XIX, que era utilizado na origem da naturologia europeia, pela simbologia quântica. O apelo
entre os novaeristas ao simbolismo quântico enquanto suposto método de comprovação do
metaempírico já foi discutido por diversos autores (p. ex. HANEGRAAFF, 1996, p. 128-151;
PESSOA JR., 2011, p. 298; GUERRIERO, STERN, 2017, p. 8; LEITE, 2017, p. 35-41). No
caso específico da naturologia, isso inclusive levou Pessoa Jr. (2011, p. 293) a considerar que
o misticismo quântico seria a própria fundamentação da naturologia. Porém, conforme explica
Teixeira (2013, p. 107), “os naturólogos negam ao campo de saber naturológico um caráter
esotérico, místico ou religioso”. Para eles, sua prática é científica. Isso faz com que haja
grande tensão no meio naturológico brasileiro, com grupos que militam contra uma inevitável
identificação da área com a Nova Era. Nas palavras de uma das ex-coordenadoras do curso:
“Se eu quero estar dentro da academia, como é que eu trago um saber que é da Nova Era?
Como é que eu permito ou crio condições para um reconhecimento social e acadêmico dessa
profissão que nasceu, em parte, na Nova Era? Negando a Nova Era, claro” (WEDEKIN,
entrevista pessoal, 11 jan. 2017).
63

Isso leva a uma série de manipulações de dados e tentativas de fabricar uma história
higienizada da naturologia no Brasil, algo que é em especial corriqueiro entre as publicações
do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina. Um exemplo a ser citado é o número de
naturólogos formados no Brasil, que o atual coordenador do curso da Universidade do Sul de
Santa Catarina inflacionou para 2.000 em um artigo que coassina (cf. CONCEIÇÃO,
RODRIGUES, 2011). Uma pesquisa documental posterior das atas de colação de grau da
Universidade do Sul de Santa Catarina e da Universidade Anhembi-Morumbi – as únicas duas
instituições brasileiras com cursos de naturologia reconhecidos pelo MEC –, tanto quanto o
senso do ensino superior demonstram que o número apresentado nesse artigo é muito maior
que a realidade da época: em 2011 não havia mais do que 930 bacharéis em naturologia no
Brasil (STERN, 2018, p. 57). Outro exemplo é demonstrado por uma leitura comparada entre
textos da Universidade do Sul de Santa Catarina e da Universidade Anhembi-Morumbi sobre
a história da naturologia no país. Ao passo que os acadêmicos advindos da Universidade
Anhembi-Morumbi tendem a reconhecer que o primeiro curso superior brasileiro de
naturologia foi a formação das Faculdades Integradas Espírita (p. ex. VARELA, CORRÊA,
2005; SILVA, 2012; 2013; PASCHUINO, 2014), no geral os livros editados pela
Universidade do Sul de Santa Catarina a colocam como protagonista da criação da primeira
graduação no país (p. ex. HELLMANN, WEDEKIN, 2008; HELLMANN, WEDEKIN,
DELLAGIUSTINA, 2008; RODRIGUES et al. 2012).
O curso da Universidade do Sul de Santa Catarina também é mencionado por ter
censurado determinados temas em sala de aula ao longo de sua história, proibindo professores
e estudantes de discutirem certos assuntos, ferindo a liberdade de cátedra com ameaças de
demissão de docentes e de punição e perseguição a estudantes que não aceitassem tais vetos.
Isso foi citado pelos entrevistados dessa tese, conforme será demonstrado ao longo desse
capítulo, e também nos faz questionar até que ponto a história oficial produzida pela
Universidade do Sul de Santa Catarina pode ser levada em conta em um trabalho acadêmico
que planeje apresentar a história da naturologia.
O apagamento de determinados discursos na naturologia brasileira – em especial os
discursos mais espiritualizantes e inclinados ao ethos Nova Era – foi mencionado por Teixeira
(2013), Leite (2017) e Stern e Leite (2018). Em uma tentativa de apresentar a naturologia
como possuindo um rigor científico maior do que ela de fato possui, as coordenações dos
cursos e associações de naturologia no Brasil usualmente mascaram seu perfil, declarando que
suas práticas estão em consonância com amplas discussões da Organização Mundial da Saúde
e do Ministério da Saúde do Brasil sobre as práticas integrativas e as medicinas tradicionais.
64

Um exemplo disso é observado no livro Naturologia: diálogos e perspectivas, editado pela


Universidade do Sul de Santa Catarina, que dá a entender que a atual Política Nacional de
Práticas Integrativas e Complementares do SUS – a qual é fruto de iniciativas católicas e de
uma parceria entre a CIPLAN e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (VARELA,
CORRÊA, 2005; TONIOL, 2018) – teria relação direta com os cursos brasileiros de
naturologia (cf. RODRIGUES et al., 2012, p. 13-14).
Portanto é importante alertar que a historia que será apresentada nesse capítulo para o
curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina está na contramão do que os
próprios naturólogos formados nessa instituição tendem a reconhecer como sendo a história
de sua profissão. No entanto, em consonância com a importância metodológica de se ater às
análises éticas, tanto quanto a necessidade de cruzar os dados êmicos com outros fatos
externos do grupo estudado, prossegui com essa empreitada, por entender que o conhecimento
dessa história permitirá uma melhor compreensão tanto do porquê do surgimento da medicina
xamânica no curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina e não na
Universidade Anhembi-Morumbi, quanto da forma como essa prática têm se articulado ao
longo da história e continua a ser promovida hoje na naturologia brasileira.

ABERTURA DO CURSO E SEUS ANOS INICIAIS

A inserção da naturologia no ensino superior brasileiro ocorreu em 1994, como um


curso sequencial das Faculdades Integradas Espírita de Curitiba (SILVA, 2012; TEIXEIRA,
2013). Em uma entrevista anexada na monografia de Varela e Corrêa (2005, p. 151-153), é
apresentado que o biomédico especialista em acupuntura Jorge de Morais Barbosa foi
convidado para montar um curso de medicina chinesa pelo fundador da instituição curitibana,
Octávio Melchíades Ulysséa. O curso acabou sendo transformado em uma formação de
naturologia para evitar um confronto direto com o Conselho Federal de Medicina.
Seguindo os moldes das Faculdades Integradas Espírita, Rosa Maria Londero da Silva
Raupp, Francisco Antônio Pereira Fialho e Karen Berenice Denez montaram um projeto de
pós-graduação lato sensu em naturologia, o qual foi oferecido à recém-aberta unidade da
Universidade do Sul de Santa Catarina na Grande Florianópolis. Sua primeira turma foi
ofertada em 1996 (PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016), com vários professores das
Faculdades Integradas Espírita convidados a ministrar aulas nessa especialização (VARELA;
CORRÊA, 2005, p. 151-153). Como o número de matrículas foi superior ao esperado, após
dois anos essa pós-graduação foi convertida em um bacharelado pela mesma equipe
65

(PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016). O curso foi inaugurado nesse novo formato
em 1998 na Universidade do Sul de Santa Catarina e passou a durar quatro anos e meio.
Essa primeira fase do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina foi fortemente
envolvida com os valores da Nova Era (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2011), algo
assumido até mesmo em um dos livros editados pela Universidade do Sul de Santa Catarina
(RODRIGUES et al. 2016, p. 13). Tanto os alunos quanto os professores buscavam em
literaturas dos grandes gurus da Nova Era (p. ex. Fritjof Capra, Deepak Chopra, Ken Wilber e
Amit Goswami) as explicações para as terapias com que trabalhavam. Havia grande
resistência ao método científico tradicional, que era tido como um modelo ultrapassado de
fazer ciência. Conforme notado nas entrevistas anexadas em Varela e Corrêa (2005), havia até
mesmo professores que consideraram que a naturologia nunca devia ter entrado na
universidade, posto que a academia não permite que o indivíduo “vivencie o processo”. Esse
discurso também foi observado em uma de minhas entrevistas (GOMES, entrevista pessoal,
11 nov. 2016).
Como reflexo, o período inicial desse curso foi marcado por baixa produção textual e
certa desorganização institucional. Uma das primeiras professoras dessa formação comentou
que os professores “tinham mania de fazer o plano de ensino de um jeito, mas na prática
ensinavam outra coisa” (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016). Outra professora fez o
seguinte comentário: “Não havia uma consistência no curso, a verdade é essa! [Era] um curso
que, eu tinha a impressão, atirava para todo o lado. […] Era uma coisa totalmente senso
comum” (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017).
Assim, o uso de radiestesia, astrologia, numerologia, cristais, danças circulares, terapia
de sonhos, psicologia transpessoal, pêndulos, ufologia, bioenergética, imposição de mãos,
leituras filosóficas da física quântica, autoajuda, abraçar árvores e discursos em chave
metafísica eram comuns. Inclusive, alguns professores levavam o tarô para trabalhar com os
alunos em suas disciplinas. Alguns estudantes também montavam, às vezes, altares dentro das
salas de aula para personalidades da Nova Era (p. ex. Rajneesh Osho ou os mestres da
Fraternidade Branca).
Na formação, as vivências eram mais enfatizadas que as pesquisas, e muitos professores
ofereciam oficinas de final de semana para aprofundar conteúdos específicos, usualmente em
forma de vivências. “Eles faziam muitos cursos fora, muitos encontros. De vez em quando no
corredor [do curso de naturologia, na Universidade do Sul de Santa Catarina,] estava cheio de
cartazes [de propaganda desses cursos]” (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
66

Grande parte do corpo docente também não possuía qualificação acadêmica específica,
tendo aprendido essas práticas em cursos livres ou buscas pessoais. “Eram pessoas que têm
hoje centros holísticos aqui e em vários países. Alguns convive[ram] com povos originais
pelo mundo a fora, como o Roberto [Marimon] fez. O Roberto veio deste caminho todo”
(GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017). Era comum que pessoas formadas em áreas
acadêmicas tão distintas quanto direito, filosofia ou letras fossem responsáveis, por exemplo,
por aulas sobre técnicas corporais, cromoterapia, medicina chinesa e cakras. “Muitos
professores não tinham formações acadêmicas naquela área, e sim [treinamento] de cursos de
finais de semana” (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
De acordo com Teixeira (2013, p. 24), em um primeiro momento “o ensino da
Naturologia foi pensado a partir da tríade arte, educação e saúde, onde estes elementos se
articulariam numa nova visão acerca da saúde, mais integral e ampliada”. Os primeiros
docentes “acreditavam profundamente na transformação da sociedade através da educação
diferenciada, baseados na qualidade de vida, integração, interdisciplinaridade, visão sistêmica
do ser, educação ambiental, filosofia, física quântica [sic.] e afeto” (RUBIN; DUARTE;
KATEKARU, 2009, p. 1). As próprias idealizadoras do curso, a farmacêutica Karen Berenice
Denez e a terapeuta holística Rosa Maria Londero da Silva Raupp, foram descritas como
simpatizantes da Nova Era pelos professores que entrevistei (WEDEKIN, entrevista pessoal,
11 jan. 2017; MEDEIROS, entrevista pessoal, 6 fev. 2017; GONÇALVES, entrevista pessoal,
7 fev. 2017).
Em uma entrevista de Raupp, que está anexada à monografia de Varela e Corrêa (2005,
p. 156-157), ela disse considerar importante categorias êmicas da Nova Era (p. ex. “energia
sutil”, a qual será mais bem discutida no próximo capítulo, cf. p. 98), e que acreditava que as
práticas da naturologia deveriam ser fundamentadas também em conhecimentos religiosos e
nas filosofias mundiais. Uma das minhas entrevistadas também identificou objetivamente os
primeiros professores do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina como
pessoas que “comungavam de um olhar mais transpessoal […], trazendo assuntos
diferenciados dos que a academia já comportava” (PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov.
2016). Aqui vale citar Hanegraaff (1996, p. 50-52), quem considera que o movimento
transpessoal é, justamente, uma das principais vertentes terapêuticas dos novaeristas, o
equivalente a uma psicologia da Nova Era.
Como a Universidade do Sul de Santa Catarina converteu a sua pós-graduação em uma
graduação com mais que o dobro da carga horária original às pressas, na prática seu projeto
pedagógico foi sendo construído conforme a primeira turma foi se formando. Não havia
67

clareza institucional de em quais ambientes os estudantes deveriam ser inseridos quando


chegavam aos estágios. Uma das professoras disse que “o curso tinha muitas falhas, muitas
lacunas que não respondiam quem era o naturólogo, o que ele fazia, onde é que ele iria
trabalhar [e] qual é o [seu] papel” (MEDEIROS, entrevista pessoal, 6 fev. 2017). Outra
professora comentou o seguinte: “Quando eu entrei, o curso ainda não estava pronto. A gente
foi montando ele aos poucos” (GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017). Os seguintes
problemas foram identificados por uma das ex-coordenadoras: “Projeto [pedagógico], mesmo,
ele não tinha. Um fundamento teórico ele não tinha. Ele tinha algumas frases bonitas, mas que
não fundamentavam. […] Ele precisava, na prática, ser reestruturado” (GOULART, entrevista
pessoal, 22 nov. 2016).
Nessa época, alguns professores defendiam que a naturologia fosse um curso da área da
educação, com um discurso de que se os naturólogos reeducassem as pessoas a terem um
pensamento holístico, a sociedade inteira seria mais saudável (WEDEKIN, entrevista pessoal,
11 jan. 2017; AZEVEDO, entrevista pessoal, 3 fev. 2017; MEDEIROS, entrevista pessoal, 6
fev. 2017; GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017). Como tal, estágios em escolas e com
crianças foram comuns nas primeiras turmas (PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Mas ao fim prevaleceu o posicionamento de que o naturólogo seria um terapeuta, e que o
curso deveria ser identificado como da área da saúde.
Em um artigo publicado no início da produção nacional da naturologia, a resistência ao
método científico é notada. Para Fernando Silva, quem foi professor da disciplina Introdução
à naturologia aplicada na Universidade do Sul de Santa Catarina, a naturologia não podia ser
pensada em termos matemáticos para resolver o problema do dualismo europeu. Uma
naturologia científica seria paradoxal: “Desde onde uma naturologia tem para si como óbvio
que o método de pesquisa é relevante? Não seria isso um pré-conceito [sic.], uma crença
importada das ciências? Ou ela encontra essa necessidade internamente a partir de si?”
(SILVA, 2008, p. 31).
Nota-se que não só Silva explicitamente desconsiderava que a naturologia fosse ciência,
como defendia que ela deveria evitar se cientificar ao custo de perder o que ele considerava
ser a sua essência. Isso é reafirmado em outros momentos de seu artigo, conforme se pode
observar a seguir:

Talvez haja a possibilidade de um método não-cartesiano ou um cartesianismo não


positivista. Seja qual for o caso, ao menos deve estar claro que este “novo método”
não poderá ser científico ou naturalista em nenhum sentido da palavra. […] A
ciência se define na medida em que possui para si um método definido; e, por outro
lado, a naturologia, não tendo um método definido, é, portanto, indefinida,
68

indeterminada. Isto é verdadeiro, porém não consiste absurdo defendê-lo. Para que
uma naturologia não naturalista esteja em conformidade consigo mesma, ela mesma
deve ser natural, e não um conhecimento a ser construído como um edifício, que
possui uma lógica ou lei determinante: o método, em seu sentido positivista
(SILVA, 2008, p. 27-28).

No entanto, nem todos tinham resistência à ciência em si. Muitos professores desse
período inicial, como descreve Teixeira (2013, p. 107), reconheciam que a naturologia “quer
ser científica, mas quer uma nova ciência”, na qual “a espiritualidade não é descartada […],
mas é vista como mais um aspecto da abordagem integral que deve ser observada”. Isso
também apareceu nas falas de algumas professoras desse período inicial.
Uma ex-professora, que participou do curso desde a época que ele era uma
especialização, comentou o seguinte: “Se era para dar um novo tom, trazendo assuntos
diferenciados dos que a academia já comportava, evidente[mente] que entraria mais a crença
do que a cientificidade num primeiro momento. Agora não se queria ficar parado aí”
(PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Outra professora disse, ao abordarmos se o naturólogo seria um profissional científico,
que “um cientista é aquele que é capaz de trazer algo que a ciência desse mundo ainda
desconhece, através das suas pesquisas. Isso é ciência. O resto é cientificismo” (GOMES,
entrevista pessoal, 11 nov. 2016). Ao ser perguntada sobre como inserir na universidade
temas aos quais a academia geralmente tem aversão, ela respondeu:

O que já está construído, se parar não vai continuar caminhando. Tudo o que está aí
é hipótese, mas se não tiver alguém estudando uma hipótese, ela jamais vai poder ser
provada, experimentada. […] Ciência é só aquilo o que está laboratorialmente
provado? Não. Ciência é o experimento constante de que aquilo que não está
provado pode vir a ser. […] Está no irracional, no paradoxo muitas vezes, a grande
ciência e o grande conhecimento (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016).

O que observei é que o próprio corpo docente era muito inclinado às discussões pela
construção de um novo modelo científico, por grande resistência à ciência normal. Isso,
inclusive, gerou tensões com os profissionais que advinham de formações clássicas das
ciências da saúde, que estavam acostumados a uma metodologia baseada na medicina pautada
em evidência, de viés bioquímico e cartesiano. Uma das professoras comentou o seguinte:
“Poucos se importavam com essa parte fisiológica. Claro que eles consideravam, levavam em
conta, mas isso não fazia parte do metiê deles, ou dos cronogramas de disciplinas. O principal
era outra coisa, e isso era uma dificuldade” (GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017, grifo
meu). Essa “outra coisa” era, justamente, a concepção novaerista de corpo e saúde, a qual
ditava grande parte da pedagogia adotada no curso.
69

Essas discussões fomentaram um estudo epistemológico da naturologia, cuja chave de


leitura dominante nesse período era de que a naturologia deveria se afastar do modelo padrão
da medicina ortodoxa, da noção do pathos (doença) – motivo pelo qual no início de sua
história os naturólogos brasileiros tentaram ao máximo se distanciar de uma identificação com
a naturopatia –, e visar no desenvolvimento de um novo paradigma vitalista em saúde integral
(LEITE, 2017, p. 55). Porém não existia uma coesão e nem um acordo comum entre os
próprios professores de como atingir esses objetivos. Isso acabou por atrasar o início da
produção acadêmica da naturologia no Brasil2. Não obstante, diversos professores
entrevistados atestaram à dificuldade que eles próprios tinham em entender o que é
naturologia durante esse período inicial (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017;
MEDEIROS, entrevista pessoal, 6 fev. 2017; GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017).

ASCENSÃO DO MODELO BIOLOGISTA

Quando a Universidade do Sul de Santa Catarina transformou seu curso de naturologia


em um bacharelado, como Francisco Antônio Pereira Fialho já possuía vínculo com a
Universidade Federal de Santa Catarina, ele não pode continuar envolvido no projeto. Rosa
Maria Londero da Silva Raupp e Karen Berenice Denez ficaram à frente da nova graduação.
Pelo regimento da instituição, Raupp não possuía a titulação mínima para coordená-lo, então
Denez foi designada a essa função (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016). Mas como
era Raupp quem possuía contato com os terapeutas holísticos da Grande Florianópolis, na
prática era ela quem coordenava o curso (PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016;
WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017; GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017;
FERREIRA, entrevista pessoal, 29 mai. 2017).
A Universidade do Sul de Santa Catarina lhes deu total liberdade de escolha do corpo
docente, com exceção dos professores do núcleo comum, que foram indicados pela
instituição. Como era amiga do então reitor Gerson Luiz Joner da Silveira, uma das pessoas
selecionada para preencher essas vagas foi a bióloga Rozane Goulart (GOULART, entrevista
pessoal, 22 nov. 2016; WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017). Sua presença no curso –
e mais especificamente sua assunção à coordenação – foi peça-chave para que um novo

2
A saber, o artigo mais antigo que cita o curso da Universidade do Sul de Santa Catarina é de 2005 (REIS,
2005), e não foi escrito por um acadêmico com vínculo com essa instituição. A primeira revista acadêmica de
naturologia no Brasil só foi aberta em 2007 (STERN, 2018, p. 154), e os primeiros livros editados pela
Universidade do Sul de Santa Catarina só foram publicados em 2008, uma década após a abertura da primeira
turma do curso (cf. HELLMANN, WEDEKIN, 2008; HELLMANN, WEDEKIN, DELLAGIUSTINA, 2008).
70

modelo de curso surgisse, de forte viés biologista, o qual passou a bater de frente com o
primeiro modelo, pautado no ethos Nova Era.
Poucos após a abertura da graduação, a naturologia se tornou um dos cursos mais
procurados na Universidade do Sul de Santa Catarina, o que lhe garantiu muita visibilidade.
Nas palavras de uma ex-coordenadora pedagógica, “houve claramente interesses políticos
com a naturologia, porque ela foi um curso que ‘bombou’. Entrou muito dinheiro” (GOMES,
entrevista pessoal, 11 nov. 2016). Outra ex-coordenadora comentou que “tivemos épocas com
até 800 alunos [matriculados] […] Teve uma época em que ele [o curso] era mais concorrido
que o [curso de] direito, e ele também já foi o curso que tinha o maior retorno financeiro”
(GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
Goulart se preocupou com a visibilidade adquirida pela instituição e a aparente falta de
crivo do curso de naturologia. Ela percebeu que isso poderia manchar a imagem institucional
da universidade caso nada fosse feito. Conforme relata uma das professoras entrevistadas:

Lembro que a professora Rozane [Goulart] chamava muito a gente para dizer: “Esse
curso tem que ter uma base científica, então vocês têm que trabalhar para isso. Eu
não posso vender uma ideia de que nós estamos montando um curso, ou que a gente
tem uma estrutura, sem isso ter uma comprovação científica em nada”. Eu me
lembro muito desse cuidado, que era uma das coisas que nós – e ela também –
éramos cobrados (MEDEIROS, entrevista pessoal, 6 fev. 2017).

Outra professora comentou o seguinte:

Chegou-se num momento em que a gente teve um entendimento de que por mais
que tu dissesse que a cromoterapia funcionava, tu tinhas que explicar o porquê.
Como é que nós vamos apresentar esse profissional para o mercado dizendo só que
ele acredita que isso funciona? (GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017).

Uma terceira professora, relembrando o período de solicitação do reconhecimento do


curso, disse que “o próprio Ministério [da Educação] fez auditorias para poder oficializar o
curso, e deixou também como resultado essa falta de estruturação” (FERREIRA, entrevista
pessoal, 29 mai. 2017).
Com a ajuda da esposa do reitor, que cursava o bacharelado em naturologia na época,
Goulart alertou à reitoria sobre a necessidade de melhor adequação do curso de naturologia às
normas acadêmicas comuns à área da saúde, e disse que a formação era motivo de chacota até
mesmo entre os funcionários da universidade (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
Primeiramente foi solicitado a todos os professores que trouxessem novamente seus
comprovantes de titulação, e aqueles que não eram qualificados ou cuja formação não tivesse
alguma relação mínima com as matérias que ministravam foram substituídos por outros
71

profissionais. Essa grande renovação acabou por levar Raupp, uma das pessoas que
implantaram o curso, ao desligamento da Universidade do Sul de Santa Catarina (GOMES,
entrevista pessoal, 11 nov. 2016; GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016). Marimon se
manteve no curso porque sua graduação em geologia justificava sua função enquanto
professor de uma disciplina de terapia com cristais.
Então foi designada como nova coordenadora a dentista Rosita Dittrich Viggiano
(PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016). Essas mudanças começaram a gerar conflitos
entre o corpo docente. Por fim, em 2001 Goulart e Viggiano entraram em atrito e a instituição
demitiu a dentista. Com isso, a partir de julho de 2001, a pedido da reitoria, Goulart se tornou
a coordenadora do curso de naturologia (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
Tendo em vista que “havia uma pressão para que aquele modelo acadêmico cartesiano
fosse respeitado, para que [o curso de naturologia] tivesse validade” (GONÇALVES,
entrevista pessoal, 7 fev. 2017), Goulart formou uma equipe ad hoc visando à adequação do
projeto pedagógico curricular e o desenvolvimento de bases que pudessem fundamentar
minimamente o que estava sendo ensinado naquele curso. Denise Régio Gomes, pedagoga
que já havia trabalhado no campus de Tubarão da Universidade do Sul de Santa Catarina, foi
convidada a compor a coordenação pedagógica (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016;
MEDEIROS, entrevista pessoal, 6 fev. 2017; GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017). O
objetivo era que Gomes pudesse contribuir para que, efetivamente, a naturologia viesse a ser
respeitada como uma formação da área da saúde.
O problema é que Gomes tinha um perfil muito diferente do de Goulart, e ao contrário
da bióloga, ela entendia que a reformulação deveria manter a proposta original do curso.
Logo, enquanto Goulart desejava um curso mais biologista, Gomes apresentava uma postura
próxima dos professores da primeira fase, e se uniu àqueles que continuavam a lutar para
manter o ethos Nova Era, como Helge Detlev Pantzier, Marina Elisa Pantzier, Maria Irene
Pires dos Reis Ferreira e Roberto Gutterres Marimon (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov.
2016; MEDEIROS, entrevista pessoal, 6 fev. 2017; GESSER, entrevista pessoal, 10 fev.
2017; FERREIRA, entrevista pessoal, 29 mai. 2017). Uma das entrevistadas chegou a
comentar que por mais que Gomes tivesse sido contratada para ser coordenadora pedagógica
ao lado de Goulart, “ela era, digamos, quase o oposto à Rozane” (PANTZER, entrevista
pessoal, 28 nov, 2016).
Os conflitos foram inevitáveis e em pouco tempo Gomes deixou o curso. Mas antes de
sair, a pedagoga conseguiu deixar encaminhadas algumas propostas. Ela deixou pré-elaborada
boa parte de um novo projeto pedagógico para o curso (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov.
72

2016), o qual nunca foi aproveitado (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016;
WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017). Além disso, ela também documentou em um
projeto de extensão da Universidade do Sul de Santa Catarina a ideia de relação de
interagência (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016; MEDEIROS, entrevista pessoal, 6
fev. 2017), algo originalmente proposto ao colegiado pela ex-professora Tânia Valladares, e
que veio a ser desenvolvida posteriormente por outros professores, em especial graças à
defesa de Veronice Barreto dos Santos Steffens (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov.
2016; PANTZER, entrevista pessoal, 28 nov, 2016; MARIMON, entrevista pessoal, 1 dez.
2016; GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017). Hoje a relação de interagência é um dos
pivôs identitários da naturologia brasileira (BARROS, LEITE-MOR, 2011, p. 10; SILVA,
2012, p. 120; TEIXEIRA, 2013, p. 31).
Essa experiência com Gomes fez com que Goulart se tornasse muito mais austera,
dando início a uma fase que um dos entrevistados chamou de “camisa de força violentíssima”
(GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017). A partir desse momento, o perfil biologista
passou a ser o ideal de curso, o que, evidentemente, causou grande consternação entre os
pioneiros do curso. Uma professora entrevistada criticou essa mudança:

Quando existe uma filosofia, uma linha de pensamento dentro de um curso, eu, se
quero trabalhar nesse local, preciso me adequar. Isso [acontece] em qualquer
empresa, qualquer instituição. […] As pessoas que tem outra formação devem ao
menos procurar se inteirar da linha de pensamento, mesmo sem se engajar
(PANTZER, entrevista pessoal, 28 nov, 2016).

Outro professor complementou essa fala:

Acho que foi uma violência a chegada de um tipo de mudança administrativa que
desconsiderou esse histórico [o perfil original do curso] e, de repente, aquilo que era
o costumeiro sistema fechado cartesiano da pior espécie tomou conta do espaço de
um curso recém-nascido (GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017).

Os docentes que continuavam a defender uma maior relação com o ethos Nova Era
começaram a ser silenciados. Conforme explicou Teixeira (2013, p. 28), discussões sobre
espiritualidade passaram a não ser mais bem vistas pela coordenação, sob a alegação de que
isso abria margens a questionamentos quanto à cientificidade da formação, dificultando o
reconhecimento profissional da naturologia.
É importante atentar que Goulart nega essas acusações. Quando lhe pedi para que
comentasse as alegações de que ela censurou estudantes e professores, ela disse:

Gostem ou não as pessoas, a partir do momento em que se botou isso dentro da


academia, tem que seguir a academia. E esse era o meu preceito. Se a pessoa queria
73

continuar “viajando”, como eu chamava, ela [que] fosse fazer isso fora dali, não
dentro da instituição. Agora ninguém nunca foi tolhido de se expressar (GOULART,
entrevista pessoal, 22 nov. 2016).

Porém, essa não foi a percepção da maioria dos participantes da pesquisa. Gomes
comentou: “Éramos perseguidos. Para se conversar, havia a necessidade de se falar fora [da
instituição]. Eu, como coordenadora pedagógica, vivia dentro de uma sala, e todos os meus
passos eram vigiados” (GOMES, entrevista pessoal, 22 nov. 2016). Wedekin (entrevista
pessoal, 11 jan. 2017) narrou o processo de banimento das leituras de cakras, da utilização de
pêndulos e da radiestesia no curso, o qual foi iniciado no mandato de Goulart, mas culminou
com Fernando Hellmann, seu sucessor. Além disso, ela comentou que “havia muita repressão
por parte da Rozane [Goulart], [e] por parte especialmente da Marilene Dellagiustina”3. Outra
docente disse que “ninguém podia sair do seu quadrado. Quero tentar não fazer julgamentos,
pois sabemos que todo cargo tem seu glamour, como também há ordens a serem seguidas. Só
que – falo aqui pelo meu sentimento – não havia ressonância quando algo saia da caixinha”
(PANTZER, entrevista pessoal, 28 nov, 2016). Destaco também a fala de uma egressa, como
ilustrativo de que isso também foi operado contra os discentes:

Algumas coisas aconteceram nesse sentido [perseguição]. Eu fiquei sabendo que


existiu esse boato [de que a aluna era mal vista pelos professores por ser novaerista],
mas nunca chegaram a falar diretamente nada. E na hora que eu fiz o meu TCC da
naturologia, que eu escolhi escrever sobre o xamanismo, a Rozane [Goulart] falou
para mim e para o Roberto [Marimon] que eu só ia passar se ela, a própria
coordenadora, aprovasse o TCC. Esse tipo de cobrança não foi feito a outros alunos
(SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).

Dos professores que lutavam para que a naturologia continuasse como era, dialogando
intimamente com o ethos Nova Era, nem todos aceitaram as mudanças propostas. Alguns
foram desligados, outros pediram demissão, e ainda houve aqueles que, por desavenças
pessoais com Goulart, acabaram demitidos. Ao menos quatro professores entrevistados
declararam ter saído do curso nesse processo (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016;
PANTZER, entrevista pessoal, 28 nov, 2016; GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017;
GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017). Porém Marimon mais uma vez foi mantido, mas
agora por sua popularidade entre os estudantes.
Quando perguntei à Gourlart por que ela não demitiu Marimon, visto ele representar
tudo o que ela visava combater no curso de naturologia, ela respondeu: “Havia aqueles [que
diziam] assim: ‘Não se mexe nisso porque os alunos vão criar uma revolta’. […] Teria

3
Dellagiustina chegou a exercer cargos de coordenação na clínica-escola do curso de naturologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina, por indicação de Goulart.
74

comprado uma briga enorme, ia ter uma revolução” (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov.
2016). Outra ex-coordenadora também corroborou essa leitura:

O Roberto [Marimon] é uma pessoa fascinante, tanto é que ele, com todos os
pesares, foi mantido no curso, mesmo que a Rozane [Goulart] o detestasse. A
Rozane o mantinha porque sabia que se o tirasse isso poderia implicar em saídas e
movimentos [dos estudantes] (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017).

Conforme seguia com seu plano de remanejar os profissionais mais alinhados à Nova
Era, Goulart começou a substituí-los por professores das ciências biológicas que eram seus
amigos, que passaram a receber os cargos de liderança dessa graduação e ajudavam Goulart a
compor votação majoritária em grande parte de suas decisões no colegiado (WEDEKIN,
entrevista pessoal, 11 jan. 2017). Conforme um dos professores entrevistados explicou,
durante esse período a Universidade do Sul de Santa Catarina era mais democrática, e todos
os professores de um curso, independente da carga horária que tivessem nele, tinham direto a
voz e voto frente às propostas da coordenação (GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev.
2017). E é nesse sentido que Goulart considera que todos eram ouvidos, pois em última
instância os professores tinham direito a veto.
Em 2002, através do decreto estadual nº 5.572 (SANTA CATARINA, 2002), o curso de
naturologia conquistou o reconhecimento do MEC. Com isso, houve uma explosão no número
de matrículas e a Universidade do Sul de Santa Catarina precisou abrir turmas tanto no
período matutino quanto no período vespertino para dar conta da demanda. Com a primeira
turma formada em 2002, duas coisas começaram a ser discutidas. A primeira era a
implantação de uma nova matriz curricular que caracterizasse oficialmente a naturologia
como um curso da saúde. A segunda foi que os cargos de coordenação, a partir de então, não
se dariam mais por indicação da reitoria.
Nesse momento começa a ser notada pela primeira vez com maior expressão a noção
êmica de “essência da naturologia”, termo pelo qual os professores mais alinhados ao
primeiro projeto de curso passaram a se referir a ele. Aqueles mais inclinados ao modelo
biologista começaram a defender um ensino de naturologia mais técnico, pautado no
cartensianismo e na execução de protocolos. Os outros professores, mais alinhados ao ethos
Nova Era, falavam dessa “essência da naturologia”, defendendo o naturólogo integral e uma
perspectiva holística. Essa disputa entre um perfil tecnicista (naturólogo prático) e uma
perspectiva holística (naturólogo em sua essência) marcou grande parte das discussões dessa
primeira reelaboração do projeto pedagógico do curso (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan.
2017).
75

Então, enquanto Goulart montava sua chapa, parte do corpo discente começou uma
campanha para que Marina Elisa Pantzier, psicóloga reichiana que trabalhava com terapia de
renascimento e dava aula no curso desde a época em que ele era uma pós-graduação lato
sensu, fosse candidata de oposição. Mas antes mesmo que essa chapa chegasse a ser
registrada, tanto ela quanto seu marido, Helge Detlev Pantzier, foram demitidos (PANTZER,
entrevista pessoal, 28 nov, 2016). Nenhum outro professor, durante o resto dos anos que
Goulart ficou a frente da coordenação do curso, abriu outra chapa para concorrer contra ela.
As eleições passaram apenas a homologar a chapa única.
Em 2004 Goulart foi eleita e o novo projeto pedagógico foi implantado, elaborado com
a participação de vários membros do corpo docente. Uma das professoras que participou da
elaboração desse projeto comentou o seguinte: “Eu não posso dizer que todos os professores
foram consultados, mas aqueles ligados às práticas, os professores do estágio, sim. E aqueles
que davam subsídios para o estágio, também” (GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017).
Os biologistas ganharam muito poder, e unidades vinculadas à anatomia, fisiologia,
histopatologia, alimentação, massoterapia e fitoterapia tiveram sua carga horária duplicada;
em alguns casos, até mais que isso. Em contrapartida, disciplinas com maior identificação
com a educação ou com o ethos Nova Era foram retiradas da matriz curricular, como física
quântica, recreação e lazer, renascimento, cristalografia, ecologia e terapia dos sonhos.
Matérias como radiestesia, musicoterapia e unidades relacionadas à psicologia tiveram seus
créditos reduzidos pela metade (cf. STERN, 2017, p. 436-439). Embora central às discussões
desse novo projeto pedagógico, as defesas por uma essência da naturologia foram vencidas
nesse momento. Wedekin (entrevista pessoal, 11 jan. 2017) explica o porquê: “Não existe
essência, existe um devir, que é uma possibilidade de tu te transformares ao longo de tua vida.
[Se] tu pensas numa essência, parece que é uma coisa imutável”.
Mas nem tudo foi cedido pelos professores alinhados ao projeto de curso original. Roberto
Gutterres Marimon, Maria Irene Pires dos Reis Ferreira, Graciela Mendonça da Silva de
Medeiros, Veronice Barreto dos Santos Steffens, a própria Luana M. Wedekin e outros
conseguiram persuadir a coordenação de que o curso deveria manter alguma relação com as
terapias energéticas (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016; WEDEKIN, entrevista
pessoal, 11 jan. 2017; AZEVEDO, entrevista pessoal, 3 fev. 2017; MEDEIROS, entrevista
pessoal, 6 fev. 2017; FERREIRA, entrevista pessoal, 29 mai. 2017). Goulart foi convencida
de que todas as terapias com as quais os naturólogos trabalham são fundamentadas, de alguma
forma, em uma medicina tradicional vitalista. Uma das professoras envolvidas durante essa
reformulação comenta como isso foi justificado:
76

Por trás das medicinas integrativas, há um modelo integrativo que encontra suporte
nas leis da física quântica. Portanto, esse modelo ajudou um pouco a criar certa
coerência, ainda que temporária, na visão de algumas pessoas do corpo docente.
Nada se faz sem ter uma visão (FERREIRA, entrevista pessoal, 29 mai. 2017).

Como a medicina chinesa já estava presente na primeira matriz curricular, e também era
a base do curso das Faculdades Integradas Espírita de Curitiba, inicialmente os professores
consideraram mantê-la como a referência de vitalismo no segundo projeto pedagógico. Foi
Marimon quem inicialmente se opôs, dizendo que era necessário ampliar o curso para outras
vertentes de pensamento.

O Roberto [Marimon] disse: “O mundo não é só medicina chinesa. A gente tem


outras verdades que também precisam ser consideradas”. O Roberto sempre era o
nosso ancião, aquele que todo mundo ouvia. Ele tinha uma superexperiência de vida.
Então a gente parou e [considerou que] ele estava certo. Não dava para ser só assim,
até porque a gente não tinha que ter uma única visão se a gente estava esperando
[formar] uma pessoa que vai ver o todo (GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017).

Após muitas reuniões, foi decidido que o curso seria filosoficamente sistematizado por
um tripé formado pela medicina chinesa, pela āyurvéda e pelo xamanismo. Embora fosse
contra (em especial a respeito da medicina xamânica), Goulart integrou a minoria na votação,
e esse modelo foi incorporado ao novo projeto (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov.
2016). É a partir desse momento que, oficialmente, o xamanismo passa a integrar a matriz
curricular do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Uma das professoras que participou da elaboração inicial desse projeto comenta como
foi justificada a inserção específica do xamanismo no curso:

Nós somos energia. No caso, o xamanismo entrar na matriz curricular seria uma
forma de embasar o profissional naturólogo para ele respeitar a dimensão energética
das pessoas que ele atende. […] Saúde tem uma dimensão muito maior. Nós somos
corpo, mente, espírito e emoção. […] O xamanismo é essa cola que traz unicidade.
Se o curso de naturologia tem como foco trazer um diferencial na abordagem ao seu
interagente, não pode ser unilateral. A essência da prática xamânica viria a
corroborar com essa visão (PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).

Os documentos do curso foram reformulados para apresentá-lo como pautado nesse


tripé de āyurvéda, medicina chinesa e xamanismo. Os livros editados pela Universidade do
Sul de Santa Catarina posteriormente passaram a apresentar uma definição de naturologia
explicada por esses três sistemas, como se fossem a base da naturologia (cf. HELLMANN,
WEDEKIN, 2008; HELLMANN, WEDEKIN, DELLAGIUSTINA, 2008; RODRIGUES et
al. 2012). Inclusive um dos Congressos Brasileiros de Naturologia, que foi sediado na
77

Universidade do Sul de Santa Catarina, adotou as medicinas tradicionais como tema (cf.
CONBRANATU, 2014), visando honrar essa conceituação fabricada pela instituição.
Conforme citaram duas professoras entrevistadas, a adoção desses três sistemas visava
um caráter mais informativo, apenas com aulas teóricas que introduziriam sua lógica vitalista
e cosmologia. O motivo é que não é possível fazer uma formação completa em nenhum dos
três sistemas com a carga horária oferecida pelo curso (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan.
2017; AZEVEDO, entrevista pessoal, 3 fev. 2017). Porém, com o passar do tempo, as aulas
de medicina chinesa e āyurvéda foram se tornando cada vez mais técnicas, e apenas as aulas
de xamanismo mantiveram a característica original proposta em 2004.

XAMANISMO COMO PERSISTÊNCIA DO ESTILO DE PENSAMENTO ORIGINAL


DO CURSO

A inclusão da medicina chinesa na Política Nacional de Práticas Integrativas e


Complementares do SUS (BRASIL, 2006) e a posterior inclusão da āyurvéda nessa política
(BRASIL, 2017) fizeram delas duas práticas consolidadas no ensino brasileiro de naturologia.
Ambos os sistemas estão hoje presentes nas matrizes curriculares tanto do curso da
Universidade do Sul de Santa Catarina quanto da Universidade Anhembi-Morumbi (cf.
STERN, 2017a, p. 422-441), e constituem itens recomendados pela Sociedade Brasileira de
Naturologia para diretrizes nacionais de cursos de naturologia no país (SBNAT, ABRANA,
APANAT, 2017, p. 6). O fato de terem sido classificadas enquanto racionalidades médicas
(cf. LUZ, BARROS, 2012, p. 19) também influenciou positivamente para a sua estabilidade
no ensino de naturologia do país.
O xamanismo, entretanto, nunca foi estudado enquanto racionalidade médica, e não faz
parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do SUS. Uma das
professoras entrevistadas ofereceu a seguinte explicação:

Eu me lembro da professora Madel Therezinha Luz [a criadora do conceito de


racionalidade médica], em um dos congressos que eu fui e que ela estava presente,
justamente quando questionada se ela poderia pensar no termo racionalidade
[médica] para pensar em uma medicina indígena, ela disse com todas as letras que
não. A racionalidade [médica] é alguma coisa que já se pressupõe mais
institucionalizada. Ela disse: “Pode até ser que aqui tenha algum elemento, mas
precisa-se olhar para as medicinas indígenas e pensar as medicinas indígenas. Não
adianta tentar trazer as medicinas indígenas e tentar incorporar elas nesse conceito
que eu criei de racionalidades”. Eu acho que nesse sentido, até pensando na própria
professora Madel Therezinha Luz, que não dá para fazer isso com o xamanismo
(SILVA, entrevista pessoal, 17 nov. 2016).
78

Por conta disso, embora o ensino de xamanismo tenha sido mantido na reformulação de
2013 do projeto pedagógico do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa
Catarina, alguns professores acreditam que isso se deu mais por respeito a Marimon, que
estava no corpo docente desde a primeira turma, do que por uma concordância de que essa
temática deveria continuar sendo ensinada aos estudantes.

Isso é um problema que não foi resolvido nesse novo projeto pedagógico […] A
gente teve uma ampliação das cargas horárias das três medicinas. O xamanismo
tinha 60 [horas] e passou para 90 [horas]. […] Dentro do pequeno grupo da
coordenação, eu e a Patrícia [Kozuchovski Daré] é que defendemos essa ampliação.
Defendemos mesmo, porque na nossa equipe nem o Fernando [Hellmann], nem o
Daniel [Maurício de Oliveira Rodrigues] eram muito simpatizantes (WEDEKIN,
entrevista pessoal, 11 jan. 2017).

Quando questionei se a resistência ao aumento da carga horária se deu para as três


medicinas tradicionais ou apenas para o xamanismo, Wedekin respondeu que foi apenas para
o xamanismo. Perguntei, então, se ela identificava ainda existirem resistências institucionais
ao ensino de xamanismo na naturologia, e ela respondeu: “Isso não é segredo para ninguém”
(WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017).
Essa discussão interna entre a cúpula da coordenação de Hellmann é corroborada por
outra professora que participou dessa reformulação, mas que não fazia parte dessa elite. Ela
comentou o seguinte: “Tinha, sim, algumas situações do Roberto [Marimon] comentar
‘querem tirar a [medicina] xamânica’, mas não lembro desse evento especificamente. Eu não
fiz parte disso. Se fizeram, realmente não chegou a ser levado à congregação” (MEDEIROS,
entrevista pessoal, 6 fev. 2017). Isso se deu porque na década de 2010 a política
organizacional da Universidade do Sul de Santa Catarina mudou, e as reuniões nas quais
todos os professores poderiam votar e ter voz sobre as propostas da coordenação deixou de
ser uma realidade nessa instituição:

A [Universidade do Sul de Santa Catarina] tinha uma coisa que precisa ser
recuperada, que é a congregação de curso. Os cursos tinham sua congregação, e na
congregação vinham todos os professores com direito a voto. […] Era tudo votado
pelos professores, depois de muita discussão. E tinha mais: a gente era pago para
poder ir à reunião discutir. As reuniões de congregação eram pagas, porque era um
momento em que se investia na qualificação do grupo pensante, da massa encefálica.
Isso se perdeu. […] Então é preciso esse caminho de volta da [universidade], dos
seus cursos, para esse espaço congregacional, onde se reúnem os mais diferentes
modos de pensar (GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017).

Mesmo a Sociedade Brasileira de Naturologia sendo presidida pelo atual coordenador


do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina e o ensino de xamanismo consistir em um
diferencial desse curso frente à formação da Universidade Anhembi-Morumbi, nenhuma
79

menção ao tema é feita nas recomendações de diretrizes para futuros cursos de naturologia no
Brasil. Talvez isso aconteça porque, como mencionou Wedekin (entrevista pessoal, 11 jan.
2017), o presidente desse órgão integra aquele núcleo que não é simpatizante à continuidade
do ensino de xamanismo nos cursos de naturologia. Isso também é corroborado pelas
conclusões do trabalho de Leite (2017, p. 146), que declara que “de todas as disciplinas
estudadas pela Naturologia, o Xamanismo é aquela menos contemplada no âmbito das
discussões acadêmicas”. Segundo essa autora, as vias oficiais de publicação acadêmica do
meio de naturologia – livros, revistas, anais de congresso – tende a não conter produções
sobre xamanismo. Curiosamente, o único periódico brasileiro de naturologia existente hoje
tem como editor-chefe também esse presidente da Sociedade Brasileira de Naturologia.
O que acontece é que estamos a falar de dois coletivos de pensamento – ou paradigmas,
na linguagem kuhniana – que se opõem, gerando duas concepções conflituosas de
naturologia. A noção de estilos de pensamento foi proposta pela teoria da ciência de Fleck (cf.
1981), quem se debruça especificamente sobre a ciência, mas deixa claro que não fala apenas
dela, mas de qualquer forma de conhecimento humano. Para esse autor, os estilos de
pensamento são sistemas de referência para o modo de operação pelo qual um cientista se
dispõe a agir. São eles que condicionam os instrumentos de intervenção e as metodologias
adotadas na observação dos fenômenos. Em um curso, seriam o que dá a tônica ao projeto
pedagógico, orientando os conteúdos programáticos e a linha educacional.
Embora possua suas especificidades, Kuhn apresenta considerações similares ao falar de
paradigmas na ciência:

O paradigma é uma das formas que os cientistas coletivamente utilizam para fazer
ciência. O grupo define os problemas para a investigação, os métodos, as técnicas e
a forma de solução prevista dentro do paradigma. Assim sendo, toda a produção de
conhecimento se dá a partir das questões e soluções propostas pela comunidade
científica (PINHÃO, 2017, p. 107).

Como explica Pinhão (2017, p. 107), Kuhn originalmente não concebia paradigmas para
além das ciências naturais, o que distingue Kuhn de Fleck, quem considerava que os estilos de
pensamento faziam parte dos coletivos humanos de modo geral. Dessa maneira, a leitura de
Kuhn apresentada aqui é uma interpretação de sua teoria a partir de Pinhão, quem a aplicou à
educação. Por mais que Kuhn desconsiderasse os paradigmas na educação e nas ciências
humanas, “tanto a prática científica como a prática pedagógica estão fundamentadas em
paradigma porque entendemos que os cientistas e os educadores trabalham a partir de um
80

referencial para o enfrentamento dos problemas que surgem em sua atividade profissional”
(PINHÃO, 2017, p. 107).
Isso significa que produzir e ensinar ciência tem muito mais influência do contexto de
quem produz e ensina do que se espera, pois o próprio pensamento seria uma construção
coletiva.

A gênese e o desenvolvimento de um fato científico, segundo Fleck, são


explicados pelas ideias iniciais relativas ao fato, surgidas no passado, e que, apesar
das modificações, continuam existindo. Estas ideias vão sendo pouco a pouco
modificadas, sofrendo reinterpretações de acordo com o pensamento em
evidência. Assim, o pensamento vai se modificando e se adaptando ao meio e em
consonância com o sistema. O observar é dirigido, por meio de um
condicionamento histórico-cultural, sempre levando em consideração um conceito
pré-formado (PFUETZENREITER, 2002, p. 149).

O estilo de pensamento não é puramente racional. Ele é enviesado por questões


geracionais, locais, sociais e pessoais. Isso auxilia no entendimento do choque entre as duas
concepções de naturologia presentes na história do curso da Universidade do Sul de Santa
Catarina. A orientação por um paradigma biologista é marcada por professores com formação
tradicional nas ciências da saúde. Já aqueles que se identificam com um formato de
naturologia alinhado ao ethos Nova Era são simpatizantes desse ethos, adeptos de diversas
práticas novaeristas desde antes da sua entrada no corpo docente dessa universidade. As
discussões entre esses dois grupos não se dá historicamente apenas em nível lógicos. Elas são
marcadas também por questões emocionais.
Um dos pontos que foi mencionado pelos entrevistados diz respeito à distribuição dos
recursos da Universidade do Sul de Santa Catarina aos projetos dos professores. A partir do
momento em que coexistem duas concepções de curso adversárias, a alocação de recursos
acaba por causar algum tipo de revolta nos professores do grupo oposto, que passam a
considerar que esses recursos poderiam ser mais bem aproveitados se algum projeto de seu
próprio grupo os utilizasse. Alguns entrevistados chegaram, inclusive, a considerar que essa
alocação se dava por amizades entre os professores e a coordenação do curso, o que na
verdade não se sustenta em uma análise distanciada dessas narrativas4.
Além disso, a partir da emergência do estilo de pensamento biologista, o primeiro
paradigma passou a ser chamado de “essência da naturologia” pelos seus simpatizantes, em

4
Em outro lugar (STERN, 2017a, p. 153-154), comento que durante a coordenação de Goulart, a que mais
recebeu recursos da Universidade do Sul de Santa Catarina, alguns professores que não tinham relação de
amizade com a coordenadora receberam recursos (p. ex. Patrícia Kozuchovski Daré, quem teve sua formação em
āyurvéda financiada pela universidade), ao passo que docentes que a própria Goulart recomendou a contratação
nunca receberam qualquer recurso extra da instituição (p. ex. Karin Katekaru).
81

um apelo para que o projeto original de curso sobrevivesse. Esse apelo não é apenas por uma
epistemologia ou metodologia diferente de ciência. Ele diz respeito também à identificação de
seus agentes ao ethos Nova Era, à sua própria trajetória pessoal. É, em outras palavras, algo
que vem acompanhado de um sentimento de que não só a naturologia, mas também a sua
história de vida estariam em perigo. O fator emocional foi determinante na criação e
manutenção desse discurso. É interessante citar, como ilustrativo, que todos os naturólogos
entrevistados que assumem trabalhar com medicina xamânica possuem vivências coadunadas
ao ethos Nova Era para além da Universidade do Sul de Santa Catarina. Isso faz parte de suas
identidades.
Uma das ex-coordenadoras do curso comenta sobre a questão geracional por trás dessa
inclinação ao ethos Nova Era entre alguns dos professores: “Se tu pegas a Maria Alice [Ribas
Cavalcanti], ela não tinha geladeira, ela vivia no meio do mato. […] A Maria Alice e o
Roberto [Marimon] eram jovens na Contracultura. Eu era um bebê na Contracultura”
(WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017). No entanto, isso não significa que apenas
pessoas mais velhas simpatizam com esse estilo de pensamento na naturologia.
Outra entrevistada, que é mais jovem que Wedekin, assumiu que aos 14 anos teria feito
uma iniciação de “reiki xamânico”, e que entre o seu ingresso no ensino superior e essa
experiência buscou também ritos com aya’waska e temazcal. Além disso ter acontecido anos
antes dela sequer saber da existência da naturologia, nenhum desses itens fez parte do
conteúdo programático das aulas de xamanismo do curso da Universidade do Sul de Santa
Catarina. Quando perguntei se quem lhe ministrou essa iniciação era indígena, ela respondeu:
“Agora tu me pegaste. Eu não sei te dizer. É que eu olho para o Daniel [iniciador], eu vejo
nele um índio. Agora se ele tem a etnia indígena no sangue, eu não sei te dizer com clareza”
(SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017). Essa despreocupação com a origem do bem
espiritual consumido, porque o que vale mais é a experiência espiritual em si, é típica aos
contextos novaeristas (cf. HEELAS, 1994).
Também foi interessante como nas entrevistas, quando os participantes se referiam à
“essência da naturologia”, os discursos usualmente apareciam no tempo passado, como algo a
ser resgatado. Justamente foi a fase inicial do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina
que teve esse estilo de pensamento como dominante. Gomes (entrevista pessoal, 11 nov.
2016, grifo meu), por exemplo, disse que a essência da naturologia “era o propósito da
naturologia. […] O mundo do jeito que está, tecnológico, onde ninguém mais olha o outro no
olho, a semente era para que a naturologia resgatasse isso”. Há clareza na fala da entrevistada
sobre a suplantação desse estilo de pensamento, e isso é visto como uma ameaça por ela: “que
82

a naturologia volte a saber por que ela foi criada, porque se ela perder isso, ela perdeu a
essência. E se ela perder a essência, acabou” (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016).
Sobre a questão do combate aos discursos adversários, recorro novamente às teorias da
ciência de Fleck e Kuhn. Segundo Fleck (1981, p. 83, tradução minha), “quanto mais
desenvolvido um ramo do conhecimento se torna, menores serão as diferenças de opinião”.
Sendo a naturologia um curso jovem no Brasil, não era de se estranhar que diferentes
concepções surgiriam sobre como ele deveria ser. Fleck (1981, passim) atenta que os estilos
de pensamento são mantidos por sistemas de reforço social, que restringem o que pode ou não
ser pensado sobre determinado assunto. Algo similar também aparece em Kuhn, quando ele
fala sobre ciência normal: “A ciência normal é dogmática, no sentido de que restringe os fatos
a serem investigados, e, principalmente porque os cientistas não se preocupam em encontrar
novas espécies de fenômenos, preferem trabalhar em um universo conhecido” (PINHÃO,
2017, p. 109).
Para Fleck (1981, p. 99, tradução minha), “os hereges que não compartilham esse
humor coletivo e são classificados como criminosos pelo coletivo serão queimados na
fogueira até que um humor diferente crie um estilo de pensamento e valorização diferente”.
Sendo o estilo de pensamento um condicionante, ele age como cerceador, coibindo o
surgimento de ideias contrárias. Mas seus agentes se deparam com fatos inesperados, as
anomalias, que colocam em xeque a hegemonia do modelo dominante. Inicialmente a
tendência é dissimular as exceções. “O que se procura é acomodar as ideias à teoria. Se uma
nova concepção persistir, com o tempo, é transformada, adaptada e moldada para que
combine com a ‘realidade’ do estilo de pensamento dominante” (PFUETZENREITER, 2002,
p. 154). Em caso de uma crise prolongada, porém, pode haver o que Kuhn chama de
revolução científica, com a emergência de um novo paradigma (PINHÃO, 2017, p. 109).
Aqui temos dois pontos centrais para a discussão da inserção do xamanismo no curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina. A primeira diz respeito à possibilidade
de persistência de uma anomalia, que acaba por se acomodar à realidade do estilo de
pensamento dominante para sobreviver. A introdução do ensino de xamanismo no curso da
Universidade do Sul de Santa Catarina pode ser vista como a persistência do estilo de
pensamento novaerista, aquele que foi chamado de “essência da naturologia” pelos
entrevistados. Esse estilo de pensamento, frente às censuras do modelo biologista, encontrou
uma nova conformidade para a sua perpetuação – apresentou-se como medicina tradicional –,
ao passo que o estilo de pensamento biologista tomava cada vez mais poder no curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina. Como será possível notar nos dois
83

próximos capítulos, muitos dos elementos do ethos Nova Era, caros à primeira fase desse
curso, estão presentes nessas aulas de xamanismo, ainda que às vezes com outros nomes e
formas. Conteúdos sobre cakras, astrologia, numerologia, energia sutil, autoajuda, terapia
com cristais, além de uma preocupação forte com o holismo e a dimensão espiritual fazem
parte desses ensinamentos.
Já o segundo ponto diz respeito ao que Kuhn (2006, p. 191) chama de mal entendido
entre escolas competidoras. Por mais que um paradigma nasça de outro anterior, quando ele
ascende enquanto escola própria, raramente utiliza os termos da escola antiga da mesma
maneira em que eles eram antes utilizados. Ocorre, com isso, uma incomensurabilidade entre
os dois paradigmas. “A incomensurabilidade reside no fato de os cientistas utilizarem padrões
científicos diferentes e maneiras distintas de encarar os problemas e conviverem em
competição, pela dificuldade de conversão total e imediata ao novo paradigma” (PINHÃO,
2017, p. 109-110). Isso é o que levou, na história da naturologia, ao silenciamento daqueles
que representavam o paradigma adversário: os professores de um grupo não conseguem
entender aqueles que fazem parte do outro grupo, e portanto tendem a achar que são loucos ou
que falam coisas sem sentido.
Embora seja mais fácil identificar essa dinâmica dos professores de perfil biologista
para com os professores de perfil novaerista, os docentes de perfil novaerista também
demonstraram resistências e desaprovações aos docentes do outro grupo, em especial quando
o ethos Nova Era dominava o estilo de pensamento do curso (cf. GOULART, entrevista
pessoal, 22 nov. 2016; WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017; GESSER, entrevista
pessoal, 10 fev. 2017). Tanto Wedekin quanto Goulart citaram, cada uma a seu modo, que
assim que Goulart deixou a coordenação do curso em 2010, seu sucessor também demitiu
quatro professoras por serem muito alinhadas ao modelo biologista, o que não era mais
desejado para o curso naquele momento (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016;
WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017). Isso demonstra que esse mal entendido entre as
escolas buscou, na naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, tentativas de
dissimulação e alienação do paradigma competidor, independentemente de se tratar de uma
liderança simpática ao pensamento novaerista ou ao paradigma biologista.
Até hoje essa tensão gerada pela disputa entre os estilos de pensamento não foi
superada. A fala de uma entrevistada ilustrou como ainda há professores que representavam
os dois estilos de pensamento trabalhando nesse curso ao mesmo tempo. Isso imputa à própria
formação dos naturólogos uma mensagem ambígua, que muitas vezes acabava por não
conseguir ser resolvida pelos estudantes quando chegam à clínica-escola:
84

Eu via a dificuldade que os alunos tinham de fazer as relações entre uma terapêutica
e outra, principalmente nas visões de base da naturologia [estilo de pensamento
novaerista]. E eles vinham desesperados: “Eu não sei o que fazer. Eu faço tal argila
pra isso? Uso tais pontos de acupuntura para aquilo? Lá no [livro do] Peter Mandel
fala para eu fazer tal comando. E agora?”. Ou seja, com um pensamento [de] causa e
efeito mesmo [estilo de pensamento biologista]. Eu percebia isso, essa dificuldade
dos alunos. E agora eu estou vendo alunos que já começaram a escrever TCC e que
às vezes me mandam mensagens: “Estou com um interagente [e] não sei o que eu
faço, não estou conseguindo relacionar nada”. Um despreparo muito grande para
estar já em estágio. […] Acaba que a pessoa simplesmente chega lá [para ser
atendida na clínica-escola] no estágio e [pede]: “Eu quero trabalhar a minha dor no
cotovelo”. E eles vão lá e trabalham a dor no cotovelo, só. Pelo menos foi isso o que
os próprios alunos me relataram. E aí eu me pergunto: durante todo o estágio eles
atuam com causa e efeito, daí chega no último estágio, têm que ter a visão do
naturólogo? Como assim? Incompatível (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).

O que essa naturóloga narra diz respeito a dois formatos distintos de estágios que
ocorrem na clínica-escola de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina. No
primeiro, os estudantes devem atender apenas com uma prática, para firmarem o
funcionamento específico daquela terapia. No segundo, que ocorre no último semestre do
curso, devem mesclar todas as práticas em uma sinergia holística que integre a relação de
interagência. Há professores que defendem mais o primeiro formato, por crerem capacitar
melhor o “naturólogo técnico” ao mercado de trabalho. Há outros que defendem o segundo,
por ir ao encontro da “essência da naturologia”. E existem professores que defendem as duas
coisas. Ao longo da história do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina, houve
períodos em que os dois modelos coexistiram como no período citado na fala anterior, mas
também existiram momentos em que somente um dos modelos esteve presente.
Apesar disso, nunca houve um estágio específico para a prática do xamanismo na
clínica-escola da Universidade do Sul de Santa Catarina, e apenas uma minoria de trabalhos
de conclusão de curso dessa instituição adota a temática como objeto de pesquisa5. Um
desconhecedor desse curso, ao ler em seu projeto pedagógico que ele é baseado no tripé
āyurvéda, medicina chinesa e xamanismo, esperaria o oposto disso. Hoje, somente Marimon
representa o xamanismo no ensino da naturologia do Brasil, e foi relatada grande preocupação
entre meus entrevistados de que com a sua aposentadoria o tema seja retirado do curso.

5
Um levantamento efetuado por Moreira (2016, p. 14) identificou, dentre os 580 TCC produzidos pelo
bacharelado em naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina entre 2006 e 2015, que apenas 13 deles
abordavam o xamanismo da naturologia. Tive acesso a esses documentos, e percebi que eles deveriam ser
reduzidos para apenas 6, visto que em alguns dos casos elencados por Moreira o termo “xamanismo” apenas era
mencionado pelos autores, sem de fato consistir em uma produção que teve a prática enquanto objeto central.
Informações sobre o conteúdo desses 6 trabalhos estão contidas no Anexo A da presente tese.
85

CAPÍTULO 3
IDEIAS NORTEADORAS DO XAMANISMO DA NATUROLOGIA

Seguindo a metodologia de Pye, esse e o próximo capítulo foram reservados para a


apresentação dos dados da fase investigativa, valorizando a perspectiva êmica. Nesse primeiro
momento, serão apresentadas as ideias norteadoras da cosmologia que embasa a prática do
xamanismo naturológico, visto ser essencial compreendê-las para se entender a lógica por trás
das práticas utilizadas pelos naturólogos, as quais serão apresentadas no capítulo a seguir.
Aos objetivos dessa tese, foquei-me em elementos que apareceram em mais de um
relato, visto que meu interesse é o que o coletivo naturologia entende por medicina xamânica.
Relembrando o que discuti na p. 20, a questão da eficácia terapêutica é de importância
secundária à ciência da religião, portanto não serão feitas considerações maiores sobre isso.
Um cruzamento foi feito entre o plano da disciplina (cf. UNISUL, 2014, p. 50-52), as
falas do professor Marimon, as entrevistas com os outros respondentes, e os textos dos TCC
da naturologia que adotaram o xamanismo como tema (cf. Anexo A, p. 211). Também foi
utilizado o Compêndio de naturologia (cf. ALVES, 2017), uma espécie de apostila de
elaboração discente para consulta no estágio da clínica-escola de naturologia da Universidade
do Sul de Santa Catarina. Além disso, Marimon cedeu-me alguns slides de suas aulas.
Os materiais êmicos analisados permitiram a identificação de quatro valores-chave que
norteiam a lógica da cosmologia xamânica da naturologia. Eles são identificados como
grandes nortes filosóficos para a compreensão do que os naturólogos chamam de “visão do
xamã”, e também guiam a aplicação das práticas terapêuticas que foram identificadas no
contexto da medicina xamânica da naturologia, as quais serão apresentadas no próximo
capítulo. Embora sejam apresentados como algo indígena, nenhuma dessas ideias é oriunda de
qualquer tradição ou etnia xamânica específica. No entanto, elas aparecem transversalmente
em grande parte das obras de neoxamanismo popularizadas pela Nova Era, explicando o
porquê os naturólogos identificam-nos como algo relacionado ao xamanismo.
86

HEALING

Healing é um termo da antropologia médica que descreve os aspectos psicossociais do


processo de cura. É uma categoria que pode ser mais bem entendida em sua oposição ao
curing, termo utilizado para se referir aos aspectos clínicos, cujo foco principal jaz em
desarranjos orgânicos. Em suma, Young (1982) correlaciona o que se pode entender por
“doença” e “cura” em uma díade formada por healing-illness e curing-disease. Essa
diferenciação vem sendo adotada para distinguir as especificidades de sistemas médicos nos
estudos de antropologia em âmbito mundial.
Na língua portuguesa, não temos uma diferenciação linguística de seus significados
traduzível a um único termo. A palavra “curar” é utilizada para traduzir tanto “healing”
quanto “curing”. Do mesmo modo, os termos “disease” e “illness” são ambos traduzidos
como “doença”. Como categorias acadêmicas, entretanto, essas palavras assumem sentidos
distintos. Segundo Young (1982) e Kleinman (1993), disease representa as anomalias
estruturais ou funcionais orgânicas, enquanto illness diz respeito “ao modo como a pessoa
doente, sua família e sua rede social percebem, rotulam, avaliam e respondem à doença”
(Kleinman, 1993, p. 88, tradução minha); incluindo os aspectos simbólicos e culturais
atribuído ao seu estado de saúde.
Alguns antropólogos passam a aplicar o conceito de healing para estudar os sistemas
complexos de medicina de sociedades indígenas, como Dow (1986) e Fabrega Jr. e Silver
(1973). No caso de Dow (1986), inclusive, ele estabelece confluências entre o que Kleinmann
originalmente chamou de healing e a eficácia simbólica de Lévi-Strauss, aplicada ao
xamanismo. Nesse sentido, ainda que a classificação healing-curing não tenha sido criada
com o objetivo imediato de estudar o xamanismo, ela também é, por vezes, utilizada por
acadêmicos com esse objetivo.
Mas algo deve ser ressaltado. Embora o healing esteja ligado aos sentimentos e
percepções do processo de saúde, ele não é necessariamente apenas uma atividade mental
(KLEINMAN, 1993). Como explica Young (1982, p. 265), a intervenção farmacológica
também pode ser parte do healing, ainda que ela faça parte do curing. Isso ocorre em
sociedades nas quais o modelo biomédico impera, o que faz com que as pessoas reconheçam e
esperem como curativo algo em seus moldes.
Young (1982, p. 265-266) descreve um esquema no qual a junção da disease (domínio
do curing) e da illness (domínio do healing) formaria uma categoria maior chamada sickness
(também traduzida como “doença” em português). Logo, apenas a combinação do healing (o
87

psicossocial) com o curing (o clínico) cobriria totalmente a sickness (o integral). Embora a


illness e a disease se sobreponham em muitos aspectos, existe uma dimensão tanto na illness
quanto na disease que não encontra contraparte em seu par oposto.

Figura 1 – A abordagem disease-illness.


SICKNESS

sem contraparte
na disease

ILLNESS : HEALING

DISEASE : CURING

sem contraparte
na illness

Fonte: Young (1982, p. 266), tradução minha.

Como é possível notar, o healing é uma categoria acadêmica. Porém, a apropriação de


um termo ético em um contexto êmico não é algo incomum no esoterismo (HANEGRAAFF,
2017; ALBANESE, 1999, p. 315-316). Novaeristas se apropriaram do termo healing para
descrever sua abordagem holística de cura. Com isso, o healing passou a ser descrito como se
abarcasse a disease, tornando-se sinônimo de medicina integrativa. Hoje vários autores
ligados à Nova Era utilizam o healing em seus textos, e justamente dois deles são adotados
como as referências principais sobre o assunto nas aulas de xamanismo do curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina: Ken Wilber e David Cumes. O caso de
Cumes, aliás, é bastante emblemático, similar ao de Michael Harner, o qual abordarei melhor
no Capítulo 5 (cf. p. 173). Cumes é formado em medicina, mas passou a se autodeclarar xamã
após explorar medicinas tradicionais africanas, em especial dos sangomas e inyangas. Ao
adotar o healing para explicar sua forma de neoxamanismo, Cumes legitima que o healing é
algo relacionado ao xamanismo para quem o lê.
A adoção do healing como conteúdo das aulas de xamanismo de Marimon é recente,
tanto que não está presente no projeto pedagógico de sua disciplina (cf. UNISUL, 2014).
Embora Marimon seja docente do curso desde 1999, foi somente na década de 2010 que ele
passou a introduzir o healing em suas aulas. Isso foi possível de ser traçado pelos próprios
88

respondentes da minha pesquisa: aqueles que assistiram às aulas de Marimon na década de


2000 disseram nunca ter ouvido falar sobre healing, ao passo que os que a cursaram mais
recentemente declararam ter ouvido-o falar do termo.
Similar ao que é reportado por Hanegraaff (1996) na Nova Era, na naturologia o
healing também é descrito como uma abordagem totalizadora, sinônimo para medicina
integral (cf. MARIMON, entrevista pessoal, 11 mai. 2017). Um artigo da naturologia que tem
por objetivo apresentar as diferenças entre curing e healing, e como isso é articulado na
prática naturológica, apresenta uma divisão similar àquela da antropologia médica: o curing
estaria pautado em aspectos orgânicos, correspondendo ao modelo da biomedicina, ao passo
que o healing estaria pautado em algo mais amplo, que engloba percepções socioemocionais
(ALVES, MARIMON, MEDEIROS, 2017). Todavia, ao passo que a antropologia médica
considera que o modelo integrado de saúde seria uma mescla de curing e healing, conforme
discutido anteriormente, os autores da naturologia dão a entender que o healing seria a própria
medicina integrativa (ALVES, MARIMON, MEDEIROS, 2017, p. 301).
Aplicado ao xamanismo da naturologia, o healing passa a ser utilizado como um termo
que representa a própria visão do xamã. Um dos entrevistados definiu o healing como “a
técnica mais preciosa” ensinada no xamanismo, que seria “o detalhe para perceber cada
aspecto da fala [do paciente], cada palavra que é colocada ali, qual que é o elemento que está
sendo utilizado” (LANZA, entrevista pessoal, 1 abr. 2017). Nas palavras de Marimon
(entrevista pessoal, 8 set. 2016), “o xamanismo não trabalha com outra coisa [a não ser o
healing], tanto é que ele não se prende em sintomas”. Em outro momento, ele reforçou que:

A primeira coisa importante para [entender] o processo do healing é entender que


dentro do processo saúde-doença estão todas as forças do universo, […] uma síntese
de uma infinidade de vibrações ambientais, celestiais, locais. Então não se pode lidar
com doença, com essa visão espiritual, sem ter essa ideia. Se eu estou diante de
alguém, ali estão todas as forças da natureza. Eu preciso de alguma forma entrar em
contato com essas energias, e não ficar preso na dor, na patologia estabelecida
dentro daquelas circunstâncias (MARIMON, entrevista pessoal, 11 mai. 2017).

Aos respondentes, o healing está para além da illness. Em outras palavras, os sintomas
físicos são secundários – até porque os próprios naturólogos declaram que isso diz respeito ao
trabalho dos alopatas, e não deles. O mais importante ao naturólogo é proporcionar ao
paciente algum tipo de tomada de consciência com a medicina xamânica. Segundo Marimon
(entrevista pessoal, 11 mai. 2017), o healing “não se foca na doença. Ele vai estar ligado à
ideia de espírito; espírito no sentido de consciência”. No xamanismo da naturologia o healing
é entendido como “uma técnica para se galgar novos estados de consciência” (MARIMON,
2015, slide 47).
89

Assim, é notada uma concepção de que o healing seria uma forma de abordagem
terapêutica que considera aspectos espirituais, o “alvorecer da espiritualidade como processo
de tomada de consciência” (MARIMON, entrevista pessoal, 11 mai. 217). A lógica dessa
compreensão é de que as pessoas, por serem educadas em um mundo cujo pensamento leva à
dualidade, separam-se de si mesmas. No discurso êmico, isso aparece na seguinte explicação:
“quando uma pessoa fica doente, fraca ou deprimida, é sinal de que está ‘des-animada’ [sic.],
ou seja, ‘sem alma’, devido à falta de proximidade com sua essência” (MARIMON, 2015,
slide 61). O alvorecer da espiritualidade proporcionado pelo healing seria a quebra dessa falsa
noção de separação, e o espírito, que sempre esteve presente, tornar-se-ia consciente. Um dos
slides de Marimon exemplifica como isso é entendido pelos naturólogos: “Não me torno
espírito, apenas reconheço o espírito que já sou, desde sempre” (MARIMON, 2015, slide 46).
Marimon (entrevista pessoal, 8 set. 2016) declara que “o healing é um trabalho feito
pela alma”, cujo objetivo é “cuidar do espírito” (MARIMON, entrevista pessoal, 11 mai.
2017). Se o healing for adotado, o paciente despertará “a sua integridade, a sua pureza, a sua
essência” (MARIMON, entrevista pessoal, 11 mai. 2017). Isso seria alcançado com o
empoderamento do paciente, o ato de fortalecer-se diante da existência. Esse fortalecimento
aconteceria pelo reconhecimento de que seu espírito é parte integrante do espírito cósmico,
que sua dimensão física e sua mente são partes da dimensão mais vasta que compõe o planeta.
Ao perceber que todas essas dimensões estão interconectadas, o paciente encontraria o divino,
definido na naturologia como a expressão mais pura de sua essência (MARIMON, 2015,
slides 54-55). Em outras palavras, “cada pessoa é um universo, com erros, acertos, dúvidas,
alegrias, tristezas, prazeres, tesão etc. A harmonia entre essas energias é o que influencia a
tomada de decisões com consciência” (MARIMON, 2015, slide 60).
Isso significa que uma concepção de que todo o potencial de cura já está contido
dentro do próprio paciente faz parte desse sistema. Um dos materiais analisados explica isso:
“Nada lhe posso dar que não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de
imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a
oportunidade, o impulso, e lhe ajudar a tornar visível o seu próprio mundo. E isso é tudo”
(MARIMON, 2015, slide 48). A crença basilar naturológica sobre healing, nesse contexto, é
de que se aquilo que se busca não for encontrado dentro de si, jamais será encontrado fora.
Existe também um entendimento de que o healing seria um sinônimo da própria
relação de interagência, a forma êmica como os naturólogos chamam o seu atendimento, para
diferenciá-lo da consulta da medicina tradicional (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016;
SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017; KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017;
90

FERREIRA, entrevista pessoal, 29 mai. 2017; MARTINS, 18 out. 2017). Quando perguntado
quais as diferenças entre a relação de interagência, o healing e a visão do xamã, um dos
participantes da pesquisa me questionou confuso: “Por que é que tem que ter diferenças?”
(LANZA, entrevista pessoal, 1 abr. 2017). Para alguns dos participantes, pensar a relação de
interagência como algo diferente do healing não faz sentido.
O interessante é que se a medicina xamânica é ensinada como uma medicina
tradicional, e os naturólogos identificam que a relação de interagência é sinônimo de healing e
que o healing é sinônimo de visão do xamã, uma narrativa é construída como se sua principal
categoria êmica – a relação de interagência – fosse também algo tradicional. Isso auxiliaria a
entender, como foi debatido no capítulo anterior, o porquê dos defensores do estilo de
pensamento novaerista utilizarem verbos no passado ao descrever essa abordagem, em uma
lógica de que algo está sendo resgatado de uma tradição médica muito anterior.

QUATRO ELEMENTOS

A divisão no mundo em quatro elementos (Fogo-Terra-Água-Ar) influencia toda a


prática ensinada por Marimon. Faz parte do conteúdo formal da disciplina de xamanismo no
projeto pedagógico do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina
(UNISUL, 2014, p. 50), e tem como principal referência bibliográfica o livro êmico de Arrien
(cf. 1994), o qual também aparece listado na bibliografia básica da ementa dessa disciplina.
Entre os naturólogos, os quatro elementos são assumidos como algo universal a toda
cultura. É ignorado que isso se trata de uma construção indo-europeia. Sendo assim, por mais
que se trate de um sistema simbólico alienígena aos povos nativo-americanos, os quatro
elementos são entendidos na naturologia como sendo algo relacionado aos povos tradicionais
(cf. INOCÊNCIO, 2012).
É difícil traçar a origem histórica da noção de quatro elementos. Acredita-se que tenha
surgido na Eurásia, visto orientarem práticas basilares tanto do hinduísmo quanto do budismo,
religiões que apareceram na Índia por volta do século XV AEC1 e do século V AEC,
respectivamente. Porém tábuas de barro do século XVIII AEC indicam uma concepção
rudimentar dos quatro elementos já entre os babilônicos, como divindades cósmicas que
teriam desempenhado papel na formação do universo (MARK, 2018).
No hinduísmo, os elementos são chamados de mahābhūta (literalmente “elementos
físicos”). Eles são cinco: Céu (ākāśa), Ar (vāyú), Fogo (agní), Água (jalá) e Terra (pṛthv ).

1
AEC: antes da Era Comum. Equivalente não cristocêntrico à sigla a.C.
91

Nos Āraṇyakas – uma das quatro partes principais dos Vedas –, é descrito que de ātman o
Céu se manifestou, do Céu o Ar se manifestou, do Ar o Fogo se manifestou, do Fogo a Água
se manifestou, e da Água a Terra se manifestou. Então, as plantas surgiram da Terra, e com as
plantas surgiu a comida, o que permitiu a manifestação do ser humano (ŚARVĀNANDA,
1921). O elemento Céu é uma representação simbólica do vazio, portanto os materialistas
hindus desconsideram-no como um dos elementos básicos (PRASĀDA SINHĀ, 2006). Nesse
sentido, a cosmologia hindu contém quatro elementos físicos, mais um quinto elemento extra,
que é intangível. Os seres humanos, como descrito nos Āraṇyakas, seriam formados por esses
elementos (ŚARVĀNANDA, 1921).
Com o surgimento do budismo, o sistema hindu de quatro elementos foi adotado,
descartando o quinto elemento intangível. Ar, Fogo, Água e Terra são mencionados na
Tipiṭaka (2007), o cânon páli do Theravāda. Assim como no hinduísmo, o budismo continuou
a considerar que os quatro elementos físicos são constitutivos da matéria (GÓMEZ, 2005).
Entre os budistas, os quatro elementos são entendidos como entidades externas (coisas da
natureza, como as montanhas, o vento, o sol) tanto quanto entidades internas ao ser humano
(as partes do corpo, como o sangue, o cabelo, os órgãos, o metabolismo).
A concepção de que os elementos seriam a menor parte divisível da matéria surgiu na
Grécia. O primeiro filósofo a utilizar stoicheion para se referir a Terra, Ar, Fogo e Água foi
Platão (2011). Embora hoje stoicheion seja comumente traduzido como “elemento”, no grego
antigo essa palavra era difícil de traduzir. Significava algo como a menor unidade de um
relógio ou a menor unidade sonora inteligível de uma palavra. Em latim, ela foi traduzida
como elementum, uma transcrição das três primeiras letras do alfabeto cananeu: L, M e N.
Nesse sentido, elementum seria o equivalente à expressão “bê-a-bá” do português
contemporâneo coloquial, passando a ideia de algo fundamental.
Embora Platão tenha trabalhado com um sistema quádruplo, um quinto elemento
similar ao elemento indiano Céu foi adicionado na Grécia por Aristóteles (2014). Aristóteles o
chamou de Éter, adotando a terminologia de Homero. Conforme explica Brandão (2008, p.
400), na mitologia grega o “Éter é a camada superior do cosmo, posicionado entre Úrano
(Céu) e o ar e, por isso mesmo, personifica o céu superior, onde a luz é mais pura que na
camada mais próxima da Terra, dominada pelo [elemento] Ar”. Assim como no hinduísmo, os
escritos de Aristóteles sobre o Éter também o apresentaram como um elemento que fugia às
leis normais da física, diferenciando-o dos outros elementos. Em latim, o Éter foi traduzido
como quinta essentia, dando origem ao termo atual “quintessência”.
92

Entre os séculos III e V EC2, a teoria dos elementos exerceu papel importante no
hermetismo (VAN DER BROEK, 2006a, p. 496; p. 561; 2006b, p. 561). Também durante
toda a história da alquimia na Europa a noção de elementos foi muito importante (HAAGE,
2006; BUNTZ, 2006; COUDERT, 2006), influenciando tanto os símbolos religiosos católicos
(BUNTZ, 2006, p. 40; SOARES, 2011, p. 380-391) quanto a astrologia (HAMMER, 2006a).
Portanto não é nenhuma surpresa que no Romantismo os quatro elementos tenham sido
amplamente adotados pelos mais diferentes grupos esotéricos que emergiram nos séculos
XVIII e XIX, em uma leitura de que se tratava de algo universal. Sendo a Nova Era a
secularização do esoterismo europeu (HANEGRAAFF, 1996), o apelo aos quatro elementos
também aparece fortemente no ethos Nova Era.
Falando especificamente do xamanismo da naturologia, os naturólogos também
consideram que os quatro elementos permeiam todas as coisas, indicando a “natureza do
movimento” e “a essência” de cada um (MARIMON, 2009a, slide 6). É, em outras palavras,
uma manifestação de diferentes aspectos do self, além de quatro modos fundamentais de
atividade no planeta (slide 8). Esses modos fundamentais de atividades são emicamente
entendidos de muitas formas.
Não existe entre os naturólogos um consenso sobre o significado de cada elemento.
Marimon utiliza livros de neoxamanismo, neopaganismo e dicionários de símbolo para buscar
suas interpretações, em um método que Maluf (2009, p. 504) chama de “inflação simbólica”,
também corriqueiramente utilizado na Nova Era. O problema é que muitos desses materiais
possuem descrições conflituosas. Assim, Marimon resolve tais contradições por sua própria
percepção. Em outras palavras, o que ele acha que é o mais correto é o que ele ensina aos
estudantes (Marimon, entrevista pessoal, 22 jun. 2017). Mas isso não resolve totalmente o
problema, e ao fim alguns naturólogos decidem que outras formas de se trabalhar com os
quatro elementos fazem mais sentido do que o jeito ensinado pelo professor.
Duas formas principais de interpretar os elementos foram identificadas nas falas dos
respondentes. A mais citada foi a que é ensinada por Marimon, baseada no livro êmico de
neoxamanismo O caminho quádruplo (cf. ARRIEN, 1993). Entretanto outros naturólogos
também disseram utilizar interpretações em uma mescla de conteúdos que vêm da wicca e da
teosofia, também construída através de inflação simbólica. Essa coexistência de mais de uma
forma de se trabalhar com os elementos na medicina xamânica da naturologia foi mencionada

2
EC: Era Comum. Equivalente não cristocêntrico à sigla d.C.
93

pelo próprio Marimon (entrevista pessoal, 22 set. 2017), embora não chegue a configurar dois
estilos de pensamento propriamente ditos, apenas variações de interpretação.
Uma das concepções sobre os quatro elementos mais notáveis no meio naturológico
diz respeito à ideia de que cada elemento estaria relacionado a um ponto cardeal, uma fase da
vida, uma estação do ano e uma hora do dia. Isso gera uma representação gráfica em roda, que
é usada como a base para a elaboração da roda de medicina, que será discutida no próximo
capítulo (cf. p. 110). Apenas o quadrante oeste possui consenso, tendo sido classificado como
regido pelo elemento Água por todos os entrevistados.
Cada elemento também é relacionado a um animal, mas qual animal representa cada
elemento também não tem consenso entre os naturólogos. A visão mais organizada é a de
Marimon (entrevista pessoal, 22 jun. 2017), quem declarou que a águia é a guardiã do Fogo e
do leste, o coiote ou o porco-espinho são os guardiões da Terra e do sul, o urso é o guardião
da Água e do oeste, e o bisão é o guardião do Ar e do norte. A águia estaria relacionada ao
Fogo por sua visão, visto o leste reger o Caminho do Visionário. Para Marimon, a medicina
do urso permitiria um aprofundamento dos sentimentos, o que ele relaciona ao mergulhar nas
profundezas da Água. O coiote aparece na Terra por esse elemento estar relacionado à
juventude. Para Marimon, o coiote é um animal brincalhão, uma característica importante
dessa época da vida. O porquê o bisão é o animal do Ar ele não disse. Outras considerações
sobre o simbolismo dos animais serão apresentadas no próximo capítulo (cf. p. 147).
Também são associados a cada elemento um “modo de conhecimento” e um “corpo”.
Os modos de conhecimento permitiriam aos naturólogos adaptar o discurso terapêutico para
uma maior eficácia à expansão de consciência de seus pacientes, de acordo com o elemento
que eles consideram que seria necessário em terapia. Já os corpos dizem respeito à noção de
quadrinidade comum à Nova Era, ou seja, a ideia de que a morfologia humana é um agregado
de quatro dimensões: física, racional, emocional e espiritual. Dessa forma, uma prática
terapêutica regida por um elemento poderia agira mais adequadamente em uma dessas
dimensões específicas.
Foi notado um maior consenso entre os naturólogos no que diz respeito aos modos de
conhecimento regidos por cada um dos quatro elementos. De modo geral, o Fogo aprenderia
através do imaginário, a Terra pelas sensações e sinestesia, a Água através das emoções, e o
Ar pelo raciocínio e lógica (ALVES, 2017, p. 47). Já sobre os corpos, o próprio material de
suporte das aulas de Marimon é contraditório. Em uma mesma apresentação de PowerPoint há
um slide que declara que o Fogo regeria o corpo emocional, a Água o corpo espiritual, a Terra
o corpo físico, e o Ar o corpo racional (MARIMON, 2017b, slide 1), enquanto outro slide do
94

mesmo documento apresenta o Fogo como regente da saúde mental, a Terra da saúde física, a
Água da saúde emocional, e o Ar da saúde espiritual (MARIMON, 2017b, slide 4). No
Compêndio de naturologia, organizado por Alves (2017, p. 47-48), uma terceira versão é
encontrada: o Fogo regeria o corpo espiritual, a Terra o corpo físico, a Água o corpo
emocional, e o Ar o corpo mental.

Figura 2 – Representação dos quatro elementos em roda.

Norte: bisão
Caminho do Guerreiro
Ar ou Terra – presença
inverno,
velhice, meia-noite
conhecimento: pensar
corpo espiritual
ou racional primavera,
outono,
meia-idade, infância,
pôr do sol nascer do sól
Oeste: urso conhecimento:
Leste: águia
Caminho do Mestre conhecimento:
sentimento imaginário Caminho do Visionário
Água – sabedoria corpo racional, Fogo ou Ar – visão
corpo emocional
ou físico verão, emocional ou
juventude, espiritual
meio-dia
conhecimento: sensação
corpo físico ou
espiritual

Sul: coiote ou porco-espinho


Caminho do Curador
Terra ou Fogo – brincadeira
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Marimon (2017b; 2009a), Alves (2017) e nas entrevistas.

Há locais e objetos que são considerados símbolos de cada elemento. Representações


mais grosseiras são relacionadas ao seu elementos mais imediato, como fogueiras ao Fogo, o
mar à Água, o vento ao Ar e cavernas à Terra. Mas conforme a natureza vai se diferenciando,
os naturólogos também começam a demonstrar dificuldades em chegar a um consenso sobre a
correspondência elemental. No caso da tempestade, alguns naturólogos disseram ser uma
representação da Água e outros do Ar. No caso da areia de praia, alguns consideraram ser
uma representação da Terra e outros da Água. No caso das nuvens, alguns participantes
consideraram que é Água e outros que é Ar. No caso do arco-íris, dependendo da pessoa
entrevistada foi tido como uma representação do Ar, da Água ou do Fogo.
95

Um ou mais dos cinco sentidos e cada um dos estados da matéria também tendem a ser
relacionados a cada um dos quatro elementos pelos naturólogos. Embora haja consenso a
respeito dos estados da matéria, as duas interpretações que coexistem no xamanismo
naturológico possuem divergências sobre quais seriam os sentidos relacionados a cada um dos
elementos. Essas informações podem ser observadas na tabela a seguir:

Tabela 3 – Associações entre os elementos, os estados da matéria e os cinco sentidos.

Interpretação ensinada Interpretação baseada


Elemento Estados da matéria
por Marimon na wicca e teosofia
Fogo mudança dos estados visão visão
Terra físico olfato tato
Água líquido paladar paladar
Ar gasoso tato olfato e audição

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Marimon (2017a, slides 39, 47) e nas entrevistas.

Por vezes, as próprias práticas terapêuticas com as quais os naturólogos trabalham


também são classificadas como regidas por um dos quatro elementos. Mas mesmo essas
relações não possuem consenso entre os naturólogos. As únicas que foram classificadas pelo
mesmo elemento por todos os participantes foram a hidroterapia, que sempre foi relacionada à
Água, e a geoterapia (terapia com argilas medicinais), que sempre foi relacionada à Terra.
Um último ponto, e talvez o mais importante a se mencionar, é a concepção de língua
dos elementos: a capacidade que o naturólogo teria, através dos símbolos e características
relacionados aos quatro elementos, de acessar informações sobre o paciente que estariam para
além do que ele objetivamente fala em consultório. Nas palavras de um entrevistado:

A gente não pode resumir simplesmente aquilo que é falado ou passado de uma
determinada maneira oficial ou explícita, digamos assim, sem poder ler também os
detalhes dessas relações, sem ler as entrelinhas. Essa leitura das entrelinhas a gente
faz quando a gente observa a maneira como [alguém] se porta no mundo (LANZA,
entrevista pessoal, 1 abr. 2017).

Existe uma convicção de que através desses símbolos seria possível desvendar o que
existe de mais intrínseco a cada ser. Marimon declara que isso poderia, inclusive, ser perigoso
se mal utilizado, e por isso ele disse que só passa esse material aos seus alunos verbalmente:

O que as pessoas têm [sobre a língua dos elementos] é o que elas me ouviram falar,
porque eu sempre fico com aquela coisa. Eu digo assim: “Cuidado para quem vocês
passam isso. Se alguém captar a forma correta é capaz de fazer mal”. Às vezes o
96

conhecimento mal usado pode ser problemático. Então eu disse assim [para os
alunos]: “Se vocês tiverem que passar para alguém, só passem isso [no] boca a boca.
Não escrevam livros” […] Então tem sempre esse cuidado. Essa medicina eu prezo
em não dar, em não escrever sobre3 (MARIMON, entrevista pessoal, 2 abr. 2017).

Resumidamente, na língua dos elementos aspectos psicológicos são atribuídos a cada


um dos quatro elementos. O material de suporte das aulas descreve que “o elemento Ar
expressa o movimento livre em todas as direções. Ele está relacionado à mente e ao
pensamento” (MARIMON, 2009a, slide 10). “O elemento Fogo indica o movimento de
expansão. Ele está vinculado ao espírito e à intuição” (slide 14). “O elemento Água significa
fluidez. Ele está associado com a alma e as emoções” (slide 18). E “o elemento Terra
simboliza a estabilidade. Ele está relacionado ao corpo físico e às sensações” (slide 22).
Cada elemento é apresentado com palavras-chave que descrevem seus aspectos. O
Fogo estaria relacionado à renovação e à expansão. Na natureza, a principal manifestação
física do Fogo seria o sol, por ser fonte da luz que permite a visão. Nos seres humanos, o
Fogo regeria, além da visão, o metabolismo, a temperatura corporal, o processo de digestão e
a própria inteligência (MARIMON, 2017a, slide 41). Em nível psicológico, o Fogo seria
emocionalmente instável, extrovertido, agitado, inquieto, agressivo, excitável, influenciável,
impulsivo, otimista, ativo, voluntarioso, independente, visionário, prático, produtivo,
decidido, líder nato, impiedoso, autossuficiente, dominante, rancoroso, sarcástico, cruel e
colérico (slides 56-57). O aprendizado espiritual proporcionado pelo Fogo seria o da
transmutação da energia para lidar com as adversidades que a vida apresenta, além de um
convite para despertar o potencial adormecido do self (slides 79-80). Em consultório, a forma
de acessar o paciente seria perguntar como ele imagina a situação (ALVES, 2017, p. 52).
A Terra seria o êxito da manifestação da energia no planeta, unindo o espírito ao
corpo. Nesse sentido, a Terra seria uma representação de tudo o que é necessário para se
tornar um iniciado. Todas as manifestações sólidas do corpo seriam derivadas do elemento
Terra, como a pele, cabelos, unhas, dentes, ossos, músculos e tendões (MARIMON, 2017a,
slide 43). Em nível psicológico, a Terra seria emocionalmente instável, introvertida, volúvel,
ansiosa, rígida, sóbria, pessimista, negativa, reservada, insociável, tranquila, melancólica,
analítica, ligada à estética das coisas, abnegada, trabalhadora, autodisciplinada, autocentrada,
vingativa, teórica e crítica (slides 56-57). O aprendizado espiritual da Terra seria o do
crescimento e nutrição, além do enfrentamento dos medos e superação dos obstáculos da vida.

3
Assim que Marimon disse isso, perguntei: “Mas você vê problemas em eu escrever sobre isso na minha
tese?”. Ele respondeu: “Não. Para você eu vou passar o material” (MARIMON, entrevista pessoal, 2 abr. 2017).
Seguindo as indicações metodológicas propostas por Bremborg (2011, p. 319-320) para casos assim, reforcei que
meu interesse acadêmico era registrar as práticas xamânicas dos naturólogos, o que foi autorizado por ele.
97

Ela também seria responsável pela perseverança e pelo reconhecimento dos nossos limites
pessoais (slides 97-101). Em consultório, a forma de acessar o paciente seria perguntar qual é
a sensação dele sobre a situação (ALVES, 2017, p. 52).
A Água seria a clareza emocional e a capacidade de transformar a vida de forma
amorosa. No corpo, manifestar-se-ia nos sucos digestivos, nas secreções e no sangue
(MARIMON, 2017a, slide 42). Em nível psicológico, a Água seria emocionalmente estável,
introvertida, passiva, cuidadosa, pensativa, pacífica, controlada, confiável, comedida, plácida,
tranquila, objetiva, diplomática, organizada, eficaz, prática, bem humorada, morosa, egoísta,
mesquinha, superprotetora, indecisa, covarde, ansiosa e sem motivação (slides 56-57). Seu
aprendizado espiritual seria o de permitir que os sentimentos fluam, eliminando qualquer
culpa, mágoa, raiva ou ressentimento, pois esses sentimentos agem como venenos. Nesse
sentido, a Água fala a língua da purificação e da regeneração emocional, guardando nosso
inconsciente e intuição. O despertar da sexualidade também seria algo regido espiritualmente
pela Água (slides 85-87). Em consultório, a forma de acessar o paciente seria perguntar o que
ele sente sobre a situação (ALVES, 2017, p. 52).
E o Ar teria uma intelectualidade superior, criatividade, sabedoria, inspiração e
responsabilidade por tudo o que lhe acontece. Além disso, é o elemento do movimento. Tudo
o que se movimenta no corpo, expandindo e retraindo, seria governado pelo Ar: pulmões,
células, impulsos nervosos, músculos (MARIMON, 2017a, slide 40). Em nível psicológico, o
Ar seria emocionalmente estável, extrovertido, sociável, amigável, prolixo, receptivo, alegre,
despreocupado, líder nato, expressivo, atento, amistoso, eloquente, entusiasta, compassivo,
sincero, indisciplinado, improdutivo, egocêntrico e exagerado (slides 56-57). O aprendizado
espiritual do Ar seria o de como alcançar novos estados de consciência. Ele seria o
responsável por ensinar-nos que devemos calar para ouvir e aprender, abstendo-nos de
julgamentos. Estaria ligado à conexão com a natureza divina e com o retorno ao sagrado, no
sentido eliadiano do termo (slides 92-94). Em consultório, a forma de acessar o paciente seria
perguntar o que ele pensa sobre a situação (ALVES, 2017, p. 52).
Além de tudo o que foi apresentado até aqui, no xamanismo da naturologia cada um
dos quatro elementos é relacionado a três cores, que são emicamente chamadas de “pulsos do
movimento”. Isso é o constitutivo da medicina das cores, e um norte epistemológico
importante ao entendimento de como essa prática funciona. Como mais a frente uma seção
própria do próximo capítulo apresentará especificamente a medicina das cores (cf. p. 118),
deixarei para explicar isso no espaço oportuno.
98

Pelas divergências de interpretação, o leitor de fora pode considerar que a utilização


dos quatro elementos causa mais confusão do que esclarece a prática terapêutica da medicina
xamânica da naturologia. Contudo, o importante é atentar que a compreensão de ser humano e
o entendimento cosmológico dessa forma de xamanismo é pautada em uma lógica de tétrades,
cuja justificação jaz nessa naturalização dos quatro elementos. Conforme as práticas em si
forem sendo apresentadas no próximo capítulo, ficará mais claro como essa divisão quádrupla
influencia a racionalidade por trás da aplicação do xamanismo pelos naturólogos.

ENERGIA SUTIL

Na naturologia brasileira, a utilização mais proeminente do conceito de energia sutil


aparece na aromaterapia (STERN, 2017, p. 226-227; GUERRIERO, STERN, 2017, p. 15).
Contudo, o termo “energia sutil” está presente em outras partes do projeto pedagógico do
bacharelado de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL, 2014, p. 25,
50), constando como um dos conteúdos programáticos da disciplina de medicina xamânica
desse curso. É uma categoria cara não apenas às aulas de xamanismo ou de aromaterapia, mas
uma noção transversal ao ensino da naturologia como um todo nessa instituição.
A ideia de energias sutis deriva do vitalismo, sendo popular em várias formas de
religiões esotéricas e medicina alternativa além da naturologia (FULLER, 2005; ALBANESE,
1999). Segundo Guerriero e Stern (2017), trata-se de um grande reducionismo, pois nesses
meios tudo se resume à energia. Como é oriundo da ciência, o termo “energia” serve aos
esotéricos como “legitimação de suas práticas principalmente no que tange à sua necessidade
de afirmação como um discurso cientificamente comprovado” (GUERRIERO, STERN, 2017,
p. 4). No entanto, como foi discutido por Hanegraaff (1996, p. 67-9; 2017), embora muitas
espiritualidades modernas queiram se apresentar como científicas, o fato de constituírem seu
sistema simbólico a partir de conteúdos seculares não é suficiente para que não sejam
classificadas como religião. A definição de energia utilizada pela física não é a mesma
utilizada pelos esotéricos. Aliás, a própria compreensão de ciência deles é diferente do que a
ciência considera ciência (PESSOA JR., 2011). Como explicam Guerriero e Stern (2017),
embora esses termos sejam adotados da ciência, eles assumem um sentido êmico próprio.
No meio vitalista, são atestadas duas concepções de energia: as energias putativas e as
energias verificáveis. Energias putativas seriam aquelas que os praticantes declaram existir,
mas que a ciência não tem ferramentas para mensurar, como o orgônio, qì, reiki e prāṇa. Já as
energias verificáveis estariam no escopo do que a ciência atesta enquanto fenômenos
99

quantificáveis, como a luz, o magnetismo e a eletricidade. Especificamente no caso do termo


“energia sutil”, ele tende a ser utilizado para se referir às energias putativas. Mas o fato de
haver referência a energias verificáveis não significa que as propriedades que lhes são
atribuídas emicamente pelos vitalistas sejam corroboradas pela ciência hegemônica.
Segundo Albanese (1999), do século XIX ao final do século XX na maioria dos meios
esotéricos as energias sutis foram entendidas como forças em constante mutação. Elas seriam
formas de energia que permeiam toda a existência, fluindo entre as coisas. A vida corre em
harmonia enquanto as energias sutis estiverem fluindo, mas se por algum motivo esse fluxo
fica bloqueado, isso geraria doenças e outros tipos de infortúnios (p. 308). Nesse caso, as
energias sutis precisariam ser desbloqueadas, e a manipulação das energias sutis tende a ser
observada na forma dos mais diversos tipos de terapia energética (p. 314).
Usualmente o trabalho espiritual com energias sutis envolve o desenvolvimento de
uma sensibilidade para percebê-las, e então responder a elas (ALBANESE, 1999, p. 310).
Algumas linhas, como o Movimento do Novo Pensamento, acreditam que isso pode ser feito
através da força da mente, canalizando as energias sutis para criar manifestações inclusive em
nível físico (p. 312). Outros grupos consideram que a aura ou os cakras seriam manifestações
das energias sutis, mudando conforme os estados de espírito, padrões de pensamento, energias
ambientais e fatores emocionais.
Ao passo que na maior parte dos meios novaeristas as energias sutis são energias
mutáveis, na naturologia brasileira essa categoria assume um significado próprio. Como
comentado por Guerriero e Stern (2017, p. 15), as energias sutis são entendidas pelos
naturólogos como uma assinatura energética, algo espiritualmente intrínseco a cada coisa
existente no universo, uma alma própria imutável. Seria, em outras palavras, o self de alguma
coisa. Todavia uma concepção de energias mutáveis também coexiste no campo naturológico,
as quais são simplesmente referidas como “energia”.
Energia sutil é a explicação êmica dos naturólogos para as propriedades medicinais
inerentes aos elementos da natureza. Quando um naturólogo diz que um cristal, animal, cor,
símbolo ou planta possui uma medicina, o que ele está querendo dizer é que a energia sutil
dessas coisas possui a capacidade de alterar a energia mutável de quem entrar em contato isso.
Na naturologia é presumido que tudo possui uma essência inalienável, que está para além de
seu estado energético momentâneo. Nesse sentido, quando os naturólogos dizem que o urso
trabalha o aprofundamento das emoções, ou que o gerânio melhora o relacionamento com o
arquétipo do feminino, eles querem dizer que a energia sutil do urso e a energia sutil do
gerânio proporcionariam esses estímulos energéticos a quem se conectar com suas medicinas.
100

Um dos primeiros textos publicados da naturologia que fala sobre energia sutil é um
capítulo de livro sobre o teste olfativo, uma forma de diagnóstico nativo da naturologia
brasileira (cf. DUARTE, KATEKARU, PELOUŠEK, 2013). Criada pelas naturólogas Julie
Duarte e Karin Katekaru, a técnica tem como objetivo fazer uma leitura da situação energética
do paciente. Essa situação energética diria respeito à sua energia mutável, ou seja, ao estado
que a pessoa se encontra no momento da consulta. Mas essa leitura acontece em comparação
aos aspectos energéticos imutáveis, a energia sutil das plantas que são matéria-prima à
fabricação dos óleos essenciais utilizados na aromaterapia. Como uma quantidade muito
grande de plantas é necessária para fabricar esses óleos, Duarte, Katekaru e Peloušek (2013,
p. 52) dão a entender que a energia sutil é a própria energia vital desses vegetais.
Essa noção foi também adotada pelo xamanismo da naturologia. No material de
suporte das aulas de Marimon é encontrada a seguinte declaração: “a energia [sutil], que se
revela como um fator que leva o ser humano a transitar no movimento da vida, na verdade é a
própria vida que o impulsiona a avançar em seu processo de realização” (MARIMON, 2017a,
slide 10, grifo meu).
Como a técnica criada por Duarte e Katekaru é pautada na energia sutil e ambas foram
professoras no curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, o conceito
adquiriu grande relevância no ensino de naturologia dessa instituição. Essa importância,
inclusive, foi atestada por duas professoras entrevistadas (PANTZIER, entrevista pessoal, 28
nov. 2016; WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017), que a descreveram como um eixo
estruturante do diferencial terapêutico dos naturólogos. Seu valor tornou-se tamanho que dois
Seminários Sobre Energia Humana e Bioenergia foram realizados na Universidade do Sul de
Santa Catarina, em 2009 e 2010, para discutir essa categoria (STERN, 2017, p. 159-160).
Um exemplo de como as energias sutis agiriam apareceu na fala de uma entrevistada.
Ao comentar sobre uma palestra de xamanismo que ela assistiu em um espaço terapêutico de
Florianópolis, essa naturóloga relatou que

o pajé se dirigia até uma planta específica que ficava no meio do mato, bem isolada,
e ele nem tocava na planta, ele simplesmente orava em volta dela para que ela
enviasse suas energias até aquela pessoa. […] Não havia necessidade de arranca-la,
nem nada (ALVES, entrevista pessoa, 28 nov. 2016).

A mesma participante afirma que da mesma forma que é presumida uma energia sutil
para cada planta, também outros elementos da natureza, como cristais ou animais, podem
proporcionar interações energéticas (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
101

Isso foi corroborado também por outra naturóloga, quem explicou que “quando tu
procuras meditar na beira de um rio, é bem diferente de você meditar na frente de um mar, [e]
é bem diferente de tu meditares na frente de uma cachoeira. Cada uma vai te trazer uma
energia sutil diferente” (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017). Ao perguntar como seria
possível perceber energias imensuráveis pela ciência, ela respondeu:

A gente tem anteninhas que captam energias que são muito sutis […]. Às vezes a
gente entra naquele ambiente e fala: “Ui, eu não quero ficar aqui”. A gente nem sabe
por que a gente não quer ficar, mas aí a gente fica e aí acontece um monte de coisa e
tu falas: “Não devia ter ficado. Por que eu não ouvi [a minha intuição]?”. Sinto isso
como o sutil: você ter esse cuidado do que está acontecendo internamente, o que está
sinalizando o teu corpo, tua mente, teu espírito e tua alma; tudo junto, te sinalizando
coisas. […] Por isso que é muito importante tu cuidares do ambiente que tu vais
tratar a pessoa. Tu tens que saber cuidar desse ambiente, tens que saber zelar as
energias que estão ali circulando também (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).

Esse conceito de que existe uma energia sutil inerente a cada coisa existente no
universo foi considerado o coração do xamanismo segundo uma das ex-coordenadora do
curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (WEDEKIN, entrevista
pessoal, 11 jan. 2017). Para um dos naturólogos, a ideia de energia sutil é a liga com a qual os
saberes de diferentes etnias são incorporados pelos naturólogos, ressignificando conteúdos e
práticas nativas da Ásia, Europa e das Américas em um único discurso totalizador
(TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22 fev. 2017).

CAKRAS

Embora Albanese (1999) declare que cakras usualmente são vistos como um tipo de
energia sutil nos meios vitalistas e esotéricos, no ensino da naturologia brasileira eles
possuem um lugar próprio. Como discuti anteriormente, as energias sutis são entendidas na
naturologia como assinaturas energéticas imutáveis. Os cakras, em contrapartida, estariam no
rol das energias mutáveis, variando de acordo com o estado das pessoas.
Os conceitos de cakra são originários do sul da Ásia, de culturas budistas e hinduístas,
possuindo maior importância nas formas mais esotéricas dessas religiões, como o tantrismo e
a ioga. O que se entende por cakra, porém, varia imensamente entre os diferentes grupos
asiáticos. Como explicam Padoux e Urban:

Cakras podem se referir ao círculo de adoração no qual um rito específico é


conduzido – por exemplo, o cakra pūjā altamente esotérico dos ritos tântricos-
-hindus, geralmente realizados na calada da noite em um campo de cremação,
envolvendo práticas que violam deliberadamente as leis tradicionais de distinção e
pureza de classe. Cakras também podem se referir a diagramas circulares usados na
102

meditação e no culto a divindades específicas, como as famosas imagens de Śri


Cakras associadas à deusa Tripura Sundarī. Na prática iogue hindu e budista, no
entanto, cakra tem um significado mais específico. Nessas tradições, refere-se aos
centros de energia espiritual que se acredita estarem dentro do corpo sutil dos seres
humanos (PADOUX, URBAN, 2005, p. 1348, tradução minha).

Embora uma variedade de interpretações muito antigas seja encontrada, foi um sistema
relativamente recente o que foi popularizado pela Nova Era. Nessa leitura, os cakras são
entendidos como seis centros energéticos localizados no corpo sutil ao longo da coluna
vertebral, ordenados por um sétimo cakra supremo que fica no topo da cabeça. Segundo
Padoux e Urban (2005), esse sistema se popularizou graças ao Ṣaṭ-Cakra-Nirūpana, um texto
escrito por um comentarista indiano do século XVI que foi traduzido ao inglês em 1919.
De acordo com Padoux e Urban (2005, p. 1348, tradução minha), “embora os cakras
não existam enquanto entidades fisicamente mensuráveis no corpo material, eles de fato
corresponderiam a estados fisiológicos e níveis particulares de consciência”. Isso se dá porque
os cakras estariam localizados no sukṣma śar ra. No hinduismo os humanos são formados por
três corpos (śar ra trayá): (1) um corpo totalmente amorfo e imaterial (karana śar ra), que
seria a origem da ilusão e também o receptáculo das memórias e impressões da experiência,
(2) um corpo denso (sthūla śar ra), que diz respeito ao material, e (3) um corpo sutil (sukṣma
śar ra), um intermediário entre os outros dois corpos. Por estarem no corpo sutil, os cakras
teriam a capacidade de intermediar as manifestações do corpo imaterial e do corpo denso. Em
outras palavras, “o mau funcionamento dos cakras também pode levar a uma variedade de
problemas mentais e físicos” (p. 1348, tradução minha).
Não há consenso sobre a origem do entendimento dos cakras enquanto centros de
energia. No geral, “cakras derivam das formações circulares de deusas poderosas que eram
originalmente representadas fora nos templos e diagramas rituais, mas que gradualmente
foram sendo internalizadas e identificadas como centros energéticos dentro do corpo”
(PADOUX, URBAN, 2005, p. 1348, tradução minha). O documento mais antigo que os
descreve como centros de energia é um texto budista do século VIII, o Hevajra Tantra, que
identificava a existência de apenas quatro cakras. O sistema com seis cakras, popularizado na
Nova Era, foi uma construção paulatina, não sendo anterior ao século X.
O objetivo da prática iogue é despertar a energia divina que estaria adormecida dentro
de cada ser. Essa energia é uma representação microcósmica de Śakti, a deificação indiana do
poder criativo feminino que existiria em todas as pessoas, independente do sexo. Nas
tradições iogues essa energia divina é chamada de kuṇḍalin , cuja representação iconográfica
é uma serpente enrolada na base da coluna que ascende pelas vértebras, penetrando cada um
103

dos cakras (PADOUX, URBAN, 2005). Quando a energia feminina da kuṇḍalin atinge o
cakra supremo, que é tido como o trono divino de Śiva, ocorre a união de Śakti e Śiva, do
poder criativo feminino com o poder criativo masculino, o que levaria à iluminação.

Figura 3 – Localização e nome dos cakras, segundo o sistema popularizado pela Nova Era.

Sahasrāra: trono de Śiva.

Ājñā: entre as sobrancelhas.

Viśuddha: na garganta.

Anāhata: no coração.

Maṇipūra: no umbigo.

Svādhiṣṭhāna: na base do genital.

Mūlādhāra: no períneo.

Fonte: Arte de Shannon Roberts (2006), disponível em <deviantart.com/draven17a/art/chakras-1-33807214>.


Legendas elaboradas pelo autor (2018), com base em Padoux e Urban (2005, p. 1348).

Esse sistema popularizado pela Nova Era foi amplamente utilizado no ensino
brasileiro de naturologia. No curso da Universidade do Sul de Santa Catarina, Moreira (2016)
e Guerriero e Stern (2017) demonstraram grande apelo às leituras de cakras entre os relatos de
experiência dos formados nessa instituição. Mendes (2016, p. 14-15), especificamente,
ressalta que até a década de 2010 a mensuração de cakras era uma prática obrigatória na
clínica-escola de naturologia dessa universidade, o que também foi corroborado por Wedekin
(entrevista pessoal, 11 jan. 2017). Segundo Mendes (2016), as leituras de cakras teriam sido
104

abandonadas após uma pesquisa de 2009 ter apontado que os resultados dessas mensurações
eram estatisticamente aleatórios.
No entanto, para Wedekin (entrevista pessoal, 11 jan. 2017), o principal agente disso
não foi a pesquisa citada por Mendes, mas a pessoa de Fernando Hellmann, quem se tornou
coordenador do curso em 2009. Já para Marimon (entrevista pessoal, 27 abr. 2017), a retirada
do ensino de cakras do bacharelado em naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina
partiu de Patrícia Kozuchovski Daré, a sucessora de Helmann na coordenação do curso que,
segundo ele, odeia os cakras. Independente do responsável, Mendes (2016) observou que a
partir de 2010 as leituras de cakras virtualmente desapareceram dos trabalhos de conclusão de
curso produzidos pelos estudantes da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Entretanto, o ensino dos cakras não foi de todo erradicado. Além de ainda constar no
projeto pedagógico desse curso (UNISUL, 2014, p. 48), a temática continua a ser ensinada de
modo transversal, como conteúdo curricular paralelo às aulas de cromoterapia, medicina
xamânica, medicina chinesa, medicinas vibracionais e métodos avaliativos. Os cakras
aparecem, inclusive, no Compêndio de naturologia (cf. ALVES, 2017, p. 70-80), o principal
material de suporte aos estudantes da clínica-escola. Portanto, os indícios apontam que os
naturólogos continuam a utilizar cakras, mas deixaram de registrar isso nos documentos
institucionais da universidade, possivelmente para não entrarem em conflito com os
professores que condenam essa prática por possuírem outro estilo de pensamento.
Usualmente os naturólogos recorrem aos cakras para fazer seu diagnóstico. Ao
identificarem que determinado cakra estaria com circulação excessiva de energia
(sobreatividade) ou circulação ineficiente de energia (infra-atividade), é considerado que “o
naturólogo tenha a capacidade de compreender e interagir com as grandes energias cósmicas
geradoras da consciência humana” (ALVES, 2017, p. 73).
O Compêndio de naturologia apresenta as seguintes considerações sobre como essa
leitura deve ser realizada:

A observação de um centro energético [cakra] deve ser feita através da observação e


inter-relação simultânea das formas de análise abaixo:
 Análise bioenergética – recurso de captação vibracional, térmica ou elétrica
sobre a área de localização do centro energético.
 Análise psicoemocional – recurso de captação e interpretação de sintomas
emocionais, comportamentais ou psíquicos demonstrados pelo indivíduo
observado.
 Análise psicossomática – dá-se pela associação de um estado comportamental,
mental ou emocional a uma ou mais patologias orgânicas instaladas ao qual se
caracteriza [sic.] por disfunção em um ou mais chakras (ALVES, 2017, p. 71,
grifo da autora).
105

Essas ideais surgiram bem no início da década de 2000 no curso da Universidade do


Sul de Santa Catarina, quando as análises bioenergéticas eram feitas por pêndulos e
radiestesia. Mas como mencionaram Guerriero e Stern (2017, p. 16), “a refutação do pêndulo
[no início de 2010 pela coordenação do curso] apenas abriu espaço para que outras práticas
substituíssem o lugar outrora ocupado pelo pêndulo”. Esse lugar foi ocupado por leituras
psicologizadas dos cakras e também pelo ryōdōraku. Sobre essa última técnica, Guerriero e
Stern (2017, p. 14) a definem como um

aparelho japonês que mede o fluxo de corrente elétrica em determinados pontos


eletropermeáveis da pele […] Usualmente as leituras de eletrobioimpedância
resultantes do ryōdōraku costumam ser interpretadas como relacionadas aos
meridianos da medicina chinesa. E surgem, então, concepções de que o próprio
fluxo de qì foi aferido pelo aparelho.

Sobre a égide do healing, a observação dos aspectos emocionais dos cakras passou a
ser vista como sendo igualmente (se não até mais) válida aos resultados obtidos com o
pêndulo na década anterior. Com isso, uma série de métodos de aferir os cakras por aspectos
psicológicos passou a ser desenvolvida na Universidade do Sul de Santa Catarina, e Marimon
foi um dos docentes que mais se debruçou sobre esse tema. Ele desenvolveu uma planilha
com os supostos sintomas físicos e emocionais que seriam observados em quadros de
sobreatividade e infra-atividade de cada um dos cakras. Através da relação de interagência e
da observação do paciente, o naturólogo poderia, então, identificar se essas características
estariam presentes. Essa identificação, que tem como parâmetro a própria compreensão do
naturólogo a respeito da pessoa atendida, permitiria detectar a quantidade de energia de cada
um dos centros energéticos sem recorrer ao pêndulo. Além disso, serviria como um roteiro
para a anamnese do naturólogo, guiando-o em sua conversa com o interagente, o que
perguntar e quais pontos aprofundar.
Esse material elaborado por Marimon foi posteriormente adotado pela clínica-escola
de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, chegado a constar nas fichas de
evolução dos pacientes (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017). A partir da década de
2010, com a retirada formal das leituras por pêndulo, esse documento deixou de ser anexado
às tais fichas, embora Marimon continuasse a utilizá-las em particular durante suas
supervisões. Conforme descrito no próprio Compêndio de naturologia (cf. ALVES, 2017, p.
73), outros professores também adotaram esse método de avaliação criado por Marimon em
suas respectivas disciplinas, tendo um destaque em especial à aplicação desse material no
ensino de cromoterapia.
106

Tabela 4 – Aspectos psicoemocionais dos cakras.

Infra-atividade Sobreatividade
Cakra
Aspectos físicos Aspectos emocionais Aspectos físicos Aspectos emocionais
 Problemas  Ansiedade  Pressão craniana  Extremismo religioso
oculares  Pensamentos confusos  Dores no crânio  Intolerância
 Enxaqueca  Psicose  Alucinações  Necessidade de
Sahasrāra  Falta de  Conflito espiritual  Alterações nervosas reconhecimento
oxigenação  Distração  Irresponsabilidade
 Superstição  Sede de poder
 Medo do desconhecido  Impulso místico exagerado

 Sinusite  Falta de imaginação  Neurose  Fantasias


 Catarro  Retração  Problemas nos olhos e  Percepção exacerbada
 Enxaqueca  Obsessão ouvidos  Descontrole
Ājñā  Função pituitária  Hipersensibilidade  Perturbações do  Instabilidade mental
diminuída  Diminuição da percepção sistema nervoso  Pensamentos e atitudes
 Medo do desconhecido central caóticos

 Alergia  Falta de comunicação  Problemas de tireoide  Verborragia


 Vertigem  Timidez  Afecções da garganta  Incapacidade de adaptação
 Fadiga  Inércia expressiva e pulmões  Atitude ofensiva
Viśuddha  Laringite  Isolamento  Problemas na fala  Ultraconservadorismo
 Asma  Captação lenta  Incoerência entre pensar e
 Passividade agir
 Concentração deficiente
 Problemas  Embotamento emocional  Estresse  Irresponsabilidade
circulatórios  Sentimentos confusos  Hipertensão  Mesquinhez
 Problemas do  Incapacidade de superar  Impulso possessivo
sangue traumas  Ressentimento
Anāhata  Temperamento lacrimoso  Ânimo tenso
 Hiperemotividade  Egoísmo
 Impossibilidade de  Egotismo
compartilhar  Ceticismo
 Distúrbio  Depressão  Desordens  Desequilíbrio emocional
estomacais  Dependência das opiniões neurológicas  Ansiedade
 Distúrbios de alheias  Úlceras  Excitabilidade
fígado  Perda de ambição e  Cálculos  Temperamento explosivo
Maṇipūra  Problemas da confiança  Problemas de pele  Ambição desmedida
vesícula biliar  Confusão mental  Hipocrisia
 Falta de organização  Preconceito
 Falta de capacidade analítica
 Impotência  Medos  Enfermidades do  Temperamento violento
 Frigidez  Complexo de inferioridade aparelho reprodutor  Sexualidade obsessiva
 Covardia  Hipersexualidade  Tendência manipuladora
 Frustração  Complexo de superioridade
Svādhiṣṭhāna  Ausência de espontaneidade  Arrogância
 Falta de iniciativa  Desejo de controlar tudo
 Sexualidade diminuída  Discriminação e preconceito
 Atitude de autojustificação
 Depressão
 Problemas na  Desesperança  Transtorno dos rins e  Temperamento
coluna  Falta de vontade de viver glândulas suprarrenais autodestrutivo
 Dor nas costas  Ausência de iniciativa  Sentimento de culpa
 Temperamento queixoso  Nostalgia
Mūlādhāra  Negatividade extrema  Ideias obsessivas
 Desconfiança  Autocastigo
 Desamor  Falta de plenitude
 Indiferença
 Ausência de prazer

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Marimon (2004 apud ALVES, 2017, p. 74-80).
107

A importância dos cakras na medicina xamânica foi atestada por Marimon (2009b;
entrevista pessoal, 27 abr. 2017; entrevista pessoal, 11 mai. 2017), tanto quanto por duas
professoras (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017; GESSER, entrevista pessoal, 10
fev. 2017) e por um naturólogo (TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22 fev. 2017). Mas diferente
de outras práticas naturológicas, nas quais os cakras acabam por ser o coração da própria
aplicação da técnica (p. ex. cromoterapia, gemoterapia), não existe uma manipulação concreta
de cakras no xamanismo da naturologia. Ele é mais uma forma de diagnóstico.
O sistema é amplamente baseado na forma popularizada pelo movimento da Nova Era,
mas com algumas peculiaridades. A primeira especificidade é a própria nomenclatura. O
termo cakra não é mais como o tema aparece atualmente no material de suporte de Marimon,
embora nas entrevistas ele ainda tenha utilizado essa palavra (MARIMON, entrevista pessoal,
27 abr. 2017; entrevista pessoal, 11 mai. 2017; entrevista pessoal, 5 ago. 2017). Em seu lugar,
a expressão “portas reguladoras” assume o papel de sinônimo.
Uma das diferenças mais facilmente notáveis diz respeito ao nome e localização dos
centros energéticos. Um dos centros presentes no sistema popularizado pela Nova Era –
apresentado na Figura 3 (cf. p. 103) – não encontra paralelo no modo ensinado hoje por
Marimon. Isso ocorre a despeito desse centro estar originalmente presente na planilha que
Marimon desenvolveu na década de 2000 (cf. Tabela 4, página anterior), quando o termo
cakras era utilizado sem maiores problemas na Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tabela 5 – Localização e nome dos cakras no sistema atual de Marimon e na Nova Era:

Nome do Nome da porta


Localização Localização
cakra reguladora
Base do cérebro
Sahasrāra No topo da cabeça Pineal
(3ª vértebra cervical)
Entre as sobrancelhas
Ājñā Entre as sobrancelhas Pituitária
(1ª vértebra cervical)
Garganta (7ª vértebra
Viśuddha Garganta Tireoides
cervical)
Coração (2ª vertebral
Anāhata Coração Timo
dorsal)
Maṇipūra Umbigo Suprarrenais Rins (9ª vertebral dorsal)
Svādhiṣṭhāna Base do genital Gônadas Pélvis (3ª vértebra lombar)
Mūlādhāra Períneo - -

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Marimon (2009b, slide 35) e Padoux e Urban (2005, p. 1348).
108

Outra diferença facilmente identificável diz respeito às cores de cada cakra. No


sistema popularizado pela Nova Era, usualmente o cakra extra é descrito como possuindo a
cor branca, e os seis cakras principais aparecem com as cores do espectro de luz visível aos
humanos. Como a prática que mais se apropriou dos cakras na naturologia brasileira foi a
cromoterapia, tendo como base a escola de Peter Mandel, houve uma releitura disso e cada
centro energético foi relacionado a uma cor do arco-íris. Porém quando Marimon ensina esse
conteúdo hoje em suas aulas de cosmologia xamânica, o sistema utilizado por ele está mais
próximo do que foi originalmente popularizado pelos meios novaeristas.

Tabela 6 – Cores dos cakras.

Porta Cor no sistema Cor na Cor na medicina


Cakra reguladora mais popular da cromoterapia xamânica da
equivalente Nova Era da naturologia naturologia hoje
Sahasrāra Pineal branco violeta branco
Ājñā Pituitária violeta índigo violeta
Viśuddha Tireoides azul turquesa azul
Anāhata Timo verde verde verde
Maṇipūra Suprarrenais amarelo amarelo amarelo
Svādhiṣṭhāna Gônadas laranja laranja vermelho
Mūlādhāra - vermelho vermelho -
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Marimon (2009b, slide 36) e Alves (2017, p. 74-80).

Por fim, a maior exclusividade da utilização de cakras pela medicina xamânica da


naturologia diz respeito a uma leitura de que desequilíbrios nos centros energéticos estariam
relacionados à ancestralidade da evolução humana. Isso foi emicamente chamado de “teoria
do buncéfalo” (uma mistura de “encéfalo” e “bunda”) ou “teoria da dobradiça” (MARIMON,
entrevista pessoal, 27 abr. 2017). Embora tenha influências de Peter Mandel, é uma criação de
Marimon. A teoria do buncéfalo/dobradiça seria fruto de uma profunda reflexão pessoal de
Marimon com o símbolo do hexagrama. Ao ver um triângulo sobreposto a outro triângulo
idêntico, mas invertido, ele teria tido uma epifania de que o mesmo ocorre com os cakras.
Tratando-os como portais de abertura da consciência, a ascensão da kuṇḍalin pelos cakras
representaria etapas do desenvolvimento da consciência histórica da própria humanidade.
É interessante que as portas reguladoras/cakras passaram a ser descritas como algo de
origem xamânica na disciplina. Algumas citações diretas demonstram isso: “As portas são os
pontos de energia do corpo xamânico” (MARIMON, 2009b, slide 2); “os xamãs relacionam
109

cada enfermidade a uma Porta Reguladora específica” (slide 3); e “para os xamãs, cada Porta
tem uma vibração diferente. Para eles, a Porta, o órgão e a enfermidade que se regula têm a
mesma vibração” (slide 4). O recorte de textos produzidos na década de 2000 pela naturologia
da Universidade do Sul de Santa Catarina, no entanto, demonstra outro posicionamento.
Originalmente cakras eram um conteúdo relacionado à “medicina hindu” ou “tradição hindu”
(cf. ALVES, 2017, p. 70-71). No projeto pedagógico do curso, aliás, cakras ainda faziam
parte do conteúdo programático da disciplina de āyurvéda (UNISUL, 2014, p. 48).

Como será possível perceber no próximo capítulo, esses quatro ideais norteadores, que
organizam a cosmologia de xamanismo da naturologia, orientam as práticas principais dos
naturólogos que trabalham com essa forma específica de medicina xamânica. Os quatro
elementos, a noção de cakras, o healing e a noção de energia sutil são os fundamentos do
pensamento por trás das cinco formas mais observadas de aplicação do xamanismo entre os
naturólogos brasileiros.
110

CAPÍTULO 4
PRINCIPAIS PRÁTICAS DO XAMANISMO DA NATUROLOGIA

No capítulo anterior, as ideias norteadoras da cosmologia xamânica da naturologia


brasileira foram explicadas. Nesse capítulo, as práticas mais descritas pelos naturólogos que
trabalham com a medicina xamânica naturológica serão apresentadas. Como será possível
perceber, elas são fortemente orientadas pelo que foi descrito no capítulo anterior.
As cinco práticas presentes nos discursos da maioria dos entrevistados foram: (1) a
roda de medicina; (2) a medicina das cores; (3) a medicina dos números; (4) a medicina dos
animais; e (5) terapia com cristais. Outras práticas também foram mencionadas pontualmente.
Entretanto, consistiram em falas de apenas um ou dois participantes da pesquisa1. Priorizei
explicar as técnicas que emergiram com maior frequência no discurso dos respondentes.

RODA DE MEDICINA

A roda de medicina, também por vezes chamada de roda xamânica ou roda de cura, é a
prática mais referida do xamanismo naturológico. Trata-se de uma transposição do programa
neoxamânico do livro O caminho quádruplo (cf. ARRIEN, 1997), com alguns tópicos
originais propostos pelo próprio Marimon com base em suas experiências de vida. É um
conteúdo que não está objetivamente referido no projeto pedagógico do curso de naturologia
da Universidade do Sul de Santa Catarina como “roda de medicina” (cf. UNISUL, 2014), mas
que implicitamente se faz presente pelo fato da obra de Arrien constar como a principal
referencia teórica obrigatória da matéria.

1
Dentre algumas dessas práticas mencionadas pontualmente, destacam-se reiki xamânico, massagem
xamânica, reflexoterapia xamânica, musicoterapia xamânica, aplicação terapêutica de aya’waska em consultório
de naturologia, temazcal (tenda de suor), busca de visão, oficinas de tambores, visualizações guiadas, filtro dos
sonhos, confecção de bolsas xamânicas, tarô xamânico, dança do sol, dança da lua, danças circulares e rezos
(oferendas xamânicas). Com exceção da bolsa xamânica e do filtro dos sonhos, essas práticas pontuais não são
ensinadas na disciplina de xamanismo do curso de naturologia, dizendo respeito a buscas pessoais que os
naturólogos fizeram em paralelo à universidade.
111

Todos os entrevistados mencionaram a roda de medicina. Ela foi descrita como uma
das práticas mais importantes – quiçá a mais importante – da medicina xamânica da
naturologia. Uma participante declarou que o livro “O caminho quádruplo basicamente é o
conteúdo de toda a disciplina” (MARTINS, entrevista pessoal, 18 out. 2017). Ao ser
questionado também sobre quais são as obras de referência das aulas, outro naturólogo disse:
“Ele [o professor] se fundamenta bastante no [livro] O caminho quádruplo da Arrien, e no
tarô Cartas xamânicas [de Jamie Sams e David Carson]” (LANZA, entrevista pessoa, 1 abr.
2017). Um terceiro entrevistado respondeu assim à mesma pergunta:

Havia referênciação no plano de ensino, mas eu não lembro das outras referências.
[O caminho quádruplo] foi o único livro que eu comprei. Os outros livros eu não
lembro nem quais eram. Eu lembro que tinha outras referências, [mas] não sei que
materiais que eram. O mais trabalhado em sala, mesmo, foi O caminho quádruplo
(KUHNEN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017).

Ao passo que os respondentes reconheceram a centralidade da roda de medicina nas


aulas de Marimon, eles também declararam que o professor não os ensina como fazê-la. A
roda de medicina, como Marimon descreve, seria uma espécie de rito feito por um iniciado
que buscou vivências específicas de desenvolvimento espiritual. Essa questão foi corroborada,
em especial, pela fala de um naturólogo, quem disse que ao participar das aulas de Marimon,
as experiências do professor soavam ao mesmo tempo “oh, é um mago que tem acesso” e
“uma coisa distante” (TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22 fev. 2017). Porém algumas propostas
de autorrituais simples referentes à roda de medicina, similares à autoajuda, são passadas aos
estudantes na forma de metas que eles podem fazer em casa. E muitas dessas metas os
naturólogos acabam por adaptar para o consultório quando estão diante de seus pacientes.
Isso significa que existe uma distinção clara na forma como Marimon pessoalmente
utiliza a roda de medicina e o que os naturólogos, de fato, fazem. Em outras palavras, duas
coisas diferentes são chamadas pelo mesmo termo na naturologia brasileira: um ritual
neoxamânico envolvendo os quatro elementos e as quatro direções (o que Marimon faz em
privado) e uma técnica de desenvolvimento pessoal (o que os naturólogos aprendem a fazer).
Embora os estudantes não aprendam a montar ritualisticamente uma roda de medicina, eles
utilizam o seu simbolismo para acessar os aspectos sutis e, assim, auxiliar o paciente no
desenvolvimento de determinados aspectos da consciência.
Para esse segundo entendimento, a relação com o livro de Arrien é axiomática. Ao
passo que Gomes (2013, p. 202) descreve a utilização do termo “roda de cura” nos meios
neoxamânicos brasileiros como referencia a uma concepção de calendário religioso
112

fortemente relacionado a rituais sazonais, entre os naturólogos trabalhar com a roda de


medicina é recorrer à proposta de desenvolvimento dos quatro arquétipos do livro êmico de
neoxamanismo de Arrien: o Guerreiro, o Visionário, o Curador e o Mestre, cada qual
relacionado a um dos quatro elementos (cf. SOUZA, 2012; LIMA, 2014).
Destacando algumas falas dos naturólogos, uma entrevistada definiu roda de medicina
da seguinte forma: “O professor ensinou o que significa as quatro direções para os índios e
como que eles utilizam isso como uma forma de cura para a pessoa. Então, por exemplo, o
leste guarda o Visionário, o sul guarda a Cura, o oeste guarda o Mestre, e o norte o Guerreiro”
(ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Outra naturóloga definiu a roda de medicina como “as quatro direções, o que cada
direção representa, quais são os simbolismos ali envolvidos: o arquétipo do Guerreiro, do
Curador, do Mestre e do Visionário” (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017). Ela identificou
o livro O caminho quádruplo como a fonte bibliográfica direta dessa prática: “Esse livro foi
bem forte e trouxe cada quadrante e cada medicina que cada quadrante traz. Medicina nesse
sentido dos elementos, do que cada um deles trazia, quais os aspectos de sombra e positivo
desses quadrantes, como a gente poderia vivenciar” (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).
Um terceiro naturólogo, ao dizer que a roda de medicina era o caminho quádruplo,
explicou que caminho quádruplo “é, na verdade, o título de um livro que foi utilizado como
referência durante o curso para simbolizar as quatro direções cardeais” (KUHNEN, entrevista
pessoal, 11 jan. 2017). Além de identificar os quatro arquétipos descritos no livro de Arrien,
ele complementou que o trabalho é feito da seguinte forma:

Quando a pessoa precisa de alguma orientação a respeito do simbolismo daquele


caminho, tem uma série de práticas ou de trabalhos que são mais específicos para
aquela direção. […] eles fazem uma analogia [de] cada direção da sua vida com um
ponto cardeal, como se tu fosses caminhar para aquela direção (KUHNEN,
entrevista pessoal, 11 jan. 2017).

Além da referência explícita a Arrien, há uma influência implícita de Carlos Castañeda


na forma como os naturólogos organizam a roda de medicina. No xamanismo da naturologia,
os pontos cardeais são divididos em dois eixos: o eixo tonal, representativo do norte-sul, que
“mantém as chaves para o equilíbrio entre a sabedoria e a inocência” (MARIMON, 2017a,
slide 76), e o eixo nagual, leste-oeste, que “oferece as ferramentas extraordinárias para se
trabalhar entre a ilusão do corpo e a iluminação do espírito” (MARIMON, 2017a, slide 76).
Esses termos foram atestados apenas por uma naturóloga (MARTINS, entrevista pessoal, 18
out. 2017), que não sabia identificar a sua origem, visto não aparecerem no livro de Arrien.
113

Todavia, o material didático de Marimon (2017a) utiliza as nomenclaturas e os termos


também foram mencionados por Marimon nas entrevistas (MARIMON, entrevista pessoal, 22
jun. 2017; entrevista pessoal, 22 set. 2017).

Figura 4 – O caminho quádruplo.

Norte:
Caminho do Guerreiro
Meditação: em pé
Estilo de vida: ação correta
Caminho: mostrar-se
Bálsamo de cura: dança
Instrumento: chocalho
Meditação:
Meditação: caminhando
sentada Estilo de vida:
Estilo de vida: ritmo posicionamento correto
Oeste: adequado Leste:
Caminho do Mestre Caminho: aberto aos Caminho: dizer a verdade Caminho do Visionário
resultados Bálsamo de cura: canto
Bálsamo de cura: Instrumento: sino
silêncio
Instrmento: Meditação: deitada
ossos Estilo de vida: comunicação
correta
Caminho: estar atendo
Bálsamo de cura: contar histórias
Instrumento: tambor

Sul:
Caminho do Curador

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Arrien (1997, p. 100) e Marimon (2017a).

Originalmente na obra de Castañeda (1974) as palavras “nagual” e “tonal” não estão


relacionadas às direções cardeais. Elas dizem respeito a dois mundos paralelos que formariam
a cosmologia de Don Juan Matus, o xamã yaqui que teria sido o principal informante de
Castañeda. Grosso modo, tonal seria o mundo tangível, e nagual seria o intangível. Todo ser
humano teria uma contraparte tonal e nagual desde o nascimento, sendo a tonal “tudo o que
sabemos sobre nós mesmos e sobre nosso mundo”, e nagual “a parte de nós que ignoramos.
[…] que não tem qualquer descrição – sem palavras, nomes, sentimento ou conhecimento”
(CASTAÑEDA, 1974, p. 126, tradução minha). Castañeda relata que o nagual é o inefável:
não é a mente, não é a alma, e nem mesmo Deus. Todas as coisas que podem ser entendidas e
nomeadas fazem parte do mundo tonal. O nagual seria ilimitado (p. 141).
Os termos tonal e nagual assumem outro sentido na naturologia brasileira. Quando
perguntei o que significavam as palavras “nagual” e “tonal” a Marimon, ele respondeu: “Sabe
114

que eu teria que pensar? Nem sei se isso tem em algum lugar” (MARIMON, entrevista
pessoal, 22 set. 2017). Aparentemente a relação das duas palavras com as obras de Castañeda
não eram evidentes nem mesmo a ele.
A naturóloga que mencionou o tema explicou que “o eixo tonal é o teu espírito, e o
eixo nagual é como tu se movimentas estando encarnado, o que tu fazes na terra”
(MARTINS, entrevista pessoal, 18 out. 2017). Marimon ofereceu a seguinte explicação:

Dentro das rodas de medicina tu tens um eixo tonal e um eixo nagual. Esse eixo
tonal norte-sul vai trazer aspectos ligados à natureza pessoal, então é o eixo que vai
praticamente definir a forma operante da tua natureza. E o eixo nagual é um eixo
que mantém, traz a mobilidade e a flexibilidade de você manter esse eixo [tonal] o
mais voltado para o centro possível (MARIMON, entrevista pessoal, 22 set. 2017).

No emprego da roda pelos naturólogos, a noção de eixo tonal e eixo nagual acaba por
classificar os arquétipos do caminho quádruplo em dois grupos distintos: o desenvolvimento
dos arquétipos do Guerreiro e do Curador diria respeito à manifestação da natureza pessoal, e
o desenvolvimento dos arquétipos do Visionário e do Mestre fica relacionado à resiliência. Ao
identificar se o problema do paciente é da ordem da manifestação do self (eixo tonal) ou de
adaptabilidade perante a vida (eixo nagual), o naturólogo poderia, então, escolher com qual
dos elementos e arquétipos ele precisa trabalhar em terapia.
Conforme é possível perceber pela figura da página anteriorFigura 4, cada um dos
arquétipos possui algumas características simbólicas próprias, palavras-chave e propostas de
exercícios visando o desenvolvimento pessoal. O primeiro é o Caminho do Guerreiro.
Segundo Arrien (1997, p. 23), seu princípio é “mostrar-se ou optar por estar presente”. Seria
um arquétipo que desenvolve a capacidade de comunicação, agindo de modo honroso, em
coerência entre o discurso pessoal e a forma como a pessoa age no mundo. Além disso, seria
o caminho da liderança, que para a autora deve ser pautada em três valores: “quando houver
muito a fazer, não tenha medo; quando nada houver a fazer, não se precipite; e não fale sobre
opiniões do certo e do errado” (p. 31). Além dos aspectos positivos, Arrien também elenca o
que ela chama de “aspectos sombra do arquétipo do guerreiro” – ou “a criança ferida do
norte” (p. 38). Seu programa neoxamânico diz que quando uma pessoa tem pendências de
desenvolvimento pessoal com esse arquétipo, isso se manifesta de três maneiras principais:
(1) necessidade de espaço disfarçada de rebeldia, (2) vitimismo que se apresenta como
problemas com autoridades, e (3) padrões de invisibilidade, ou seja, a pessoa passa a se
reprimir, escondendo-se por trás de figuras de poder (p. 38-39). Seu bálsamo de cura seria a
115

dança. Em outras palavras, as pessoas que precisam curar a criança ferida do norte seriam
espiritualmente auxiliadas nesse processo pelo simples fato de dançar.
O segundo é o Caminho do Curador. Segundo Arrien (1997, p. 23), seu princípio é
“prestar atenção ao que tem coração e significado”. Seria um arquétipo pautado no amor. Ela
também apresenta a gratidão e o acalento como valores-chave, pois seria uma forma de
expressar a importância que as outras pessoas têm para nós. Por fim, declara que o amor e a
saúde andam atrelados, motivo pelo qual o caminho do amor é também o caminho da cura.
Pautada em Jeanne Achterberg, Arrien apresenta “oito conceitos de cura” (sic.) que ela
considera serem essenciais para que o amor e a saúde possam se manifestar na vida:

1. a cura é a jornada de toda uma vida no sentido da inteireza;


2. curar é lembrar o que foi esquecido sobre vínculo, unidade e interdependência
entre tudo que é vivente e não vivente;
3. curar é abrir os braços ao que é mais temido;
4. curar é abrir o que estava fechado, suavizar o que se endureceu em forma de
obstrução;
5. curar é penetrar no momento transcendente, atemporal, em que se experimenta
o divino;
6. curar é criatividade, paixão e amor;
7. curar é buscar e expressar o ser em sua plenitude, sua luz e sua sombra, o
masculino e o feminino;
8. curar é aprender a confiar na vida (ARRIEN, 1997, p. 51).

O amor romântico, o amor familiar, o amor fraternal, o amor profissional (p. ex. entre
terapeuta e paciente), o amor próprio e o amor espiritual são, todos, portas para acessar esses
“oito conceitos de cura” (ARRIEN, 1997, p. 50). Entretanto, assim como na jornada do
Guerreiro, ela também fala dos “aspectos sombras do arquétipo do Curador” – ou a “criança
ferida do sul”. Seu programa diz que quando uma pessoa tem pendências de desenvolvimento
com esse arquétipo, isso se manifesta em quatro tipos de dependência: (1) dependência de
intensidade, ou seja, baixa tolerância ao tédio; (2) dependência de perfeição, ou seja, baixa
tolerância às falhas ou vulnerabilidades de qualquer tipo; (3) dependência da necessidade de
saber, que se manifestaria na intolerância a surpresas e ao inesperado; e (4) dependência de se
apegar ao que deu errado, ignorando as coisas que dão certo na vida (p. 56-58). O bálsamo de
cura nesses casos seria contar histórias.
Entre os naturólogos, esses dois primeiros caminhos representam o que é entendido
como eixo tonal. Através do amor e do reconhecimento (Caminho do Curador) e também da
comunicação, honra e coerência (Caminho do Guerreiro), o espírito se manifestaria com
integridade na terra. São, portanto, considerados os dois arquétipos principais do caminho
quádruplo. Os dois outros caminhos dizem respeito ao eixo nagual, servindo de ferramenta
para que a pessoa possa se flexibilizar perante as contingências.
116

O terceiro é o Caminho do Visionário. Para Arrien (1997, p. 67), seu princípio é “dizer
a verdade, sem acusar nem julgar”. Seria um arquétipo que permitiria a expressão do eu
autêntico. Nas palavras de Arrien (p. 68), “podemos liberar a criatividade que existe em cada
um de nós, se deixarmos de lado os conceitos de certo ou errado”. Esse caminho é pautado em
uma concepção de que o self é um aspecto sutil, e que se o espírito é impedido de se mostrar
verdadeiramente como é, perder-se-ia no mundo esse “remédio original”. Seria importante às
pessoas “dizerem a verdade sem julgamentos”, pois só assim elas honrariam a intuição, a
percepção, o discernimento e a visão. Arrien apresenta alguns exemplos de frases de como se
expressar “com a língua do espírito” (sic.):

“Estou com ciúmes e com medo de perder você”.


“Estou me sentindo tão crítico, tão juiz, nesse momento, que não confio no que vou
dizer”.
“Estou desapontado com essa situação porque esperava demais dela”.
“Estou me sentindo inseguro nesse momento, e preciso de seu apoio”.
“Estou com tanta raiva e tão irritado agora, que preciso de um tempo”.
“Não sei em que nossas posições se assemelham”.
“Esse estilo de comunicação não funciona para mim”.
“Estou bastante contente com esse novo emprego, mas preciso de maior
esclarecimento sobre essas tarefas” (ARRIEN, 1997, p. 68-69).

Essas frases permitem concluir que o que a autora chama de “dizer a verdade sem
julgamentos” é uma forma positiva de expressar sentimentos negativos. Sobre os “aspectos
sombra do arquétipo do Visionário” – ou a “criança ferida do leste” –, o programa de Arrien
(1997, p. 73-76) declara que quando uma pessoa tem pendências com esse arquétipo, um
“falso eu” é alimentado, o que ocorre geralmente ao se tentar obter a aprovação de alguém,
conquistar alguém, ou para manter a paz. Isso levaria à abnegação, definida pela autora como
“evitar questões difíceis ou calar-se diante dessa dificuldade” (p. 74). Essa postura levaria a
uma renúncia de si mesmo. O bálsamo de cura para essas pessoas seria o canto.
Por fim, o último caminho é o Caminho do Mestre. Segundo Arrien (1997, p. 23), seu
princípio é “estar aberto para os resultados, e não preso aos resultados”. O desapego e a
confiança são suas questões centrais. Permitir que as coisas partam e não se abalar pela
incerteza frente ao futuro são os principais temas abordados. Arrien se pauta diretamente nas
“quatro leis imutáveis do espírito” de Harrison Owen, declarando que elas orientam grande
parte da jornada espiritual do Caminho do Mestre: “(1) Quem quer que esteja presente, é a
pessoa certa; (2) Seja quando for que comece, é o tempo certo; (3) O que quer que aconteça, é
a única coisa que poderia ter acontecido; (4) Quando acaba, acaba” (p. 94). A autora também
diz que esse caminho permite trabalhar ritualisticamente as perdas de laços, perdas de rumo,
perdas de estrutura, perdas de futuro, perdas de significado e perdas de controle (p. 87). Como
117

é o arquétipo do desapego, o apego é apresentado como a manifestação dos “aspectos


sombras do arquétipo do Mestre” – ou a “criança ferida do oeste”. De acordo com o seu
programa, isso se manifestaria como padrões de controle e confusão (p. 90-91). Seu bálsamo
de cura seria o doce território do silêncio.
As receitas de rituais e as perguntas norteadoras de Arrien guiam diretamente a
aplicação terapêutica da roda de medicina nos consultórios de naturologia (cf. Anexo B, p.
219). Segundo o relato de Alves (entrevista pessoal, 28 nov. 2016), por vezes os naturólogos
chegam até mesmo a confeccionar uma roda no chão do consultório, com folhas, gravetos ou
pedras. Porém não necessariamente os naturólogos utilizam todas as propostas do livro dessa
autora. É comum, por exemplo, que eles se atenham às questões reflexivas do livro, mas
tentando estimular essa tomada de consciência através das outras práticas da naturologia sem
relação com o xamanismo (p. ex. aromaterapia, cromoterapia, plantas medicinais, arteterapia,
geoterapia, massagens etc.). Nesses casos, o naturólogo pode considerar que está trabalhando
com a roda de medicina sem objetivamente se referir à roda de medicina ao paciente. Destaco
aqui a fala de uma naturóloga onde isso ficou muito claro:

Às vezes eu observo isso no meu interagente, mas eu nem falo que estou
trabalhando [com o xamanismo] […]. Eu vejo, ele apresenta naquela situação, como
ele está, mas aí eu tento trazer aquelas características para dentro da interagência,
porque muitas vezes as pessoas não aceitam, não acreditam, não veem. […] Eu não
chego a falar disso claramente [ao paciente], mas eu me utilizo desse conhecimento
nas sessões, na terapia (KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017).

Como mencionei anteriormente, para além da aplicação do caminho quádruplo de


Arrien existe outro entendimento para o termo “roda de medicina” que coexiste no meio da
naturologia brasileira, de que roda de medicina seria um ritual efetuado por pessoas que
tiveram algum tipo de iniciação espiritual xamânica. Essa é a forma como Marimon declara
trabalhar com rodas de medicina em sua vivência religiosa privada.
O professor descreve esse ritual como “puramente intuitivo” (MARIMON, entrevista
pessoal, 13 out. 2017), no qual alguns símbolos aparecem através de visualizações em cada
um dos quatro quadrantes. A correlação de tais símbolos com o significado de cada quadrante
permitiria, então, a construção de “uma cartografia de um espaço físico, emocional, mental e
espiritual, com um eixo horizontal e outro vertical num contínuo de passado, presente e
futuro” (MARIMON, 2017a, slide 75).
Nas palavras de Marimon: “Se eu sento ali para fazer uma roda de medicina para ti e
me vem um azul, isso para mim é muito, porque eu sei o que significa aquela energia, o que
significa aquele processo” (MARIMON, entrevista pessoal, 13 out. 2017). Esse relato ele
118

também compartilha com os estudantes, conforme observei no material de suporte de suas


aulas. Em um dos seus slides, Marimon explica aos naturólogos que “a dança dos elementos
na Roda da Medicina é um ‘mapa simbólico’ de um espaço físico-psico-espiritual para a
redescoberta de nossa alma” (MARIMON, 2017a, slide 67).
Como resultado, a abertura ritualística da roda assume forte aura oracular. Isso é ainda
mais reforçado pela prática ser identificada como algo iniciático. Nenhum dos entrevistados
(com exceção do próprio Marimon) sabia dizer o que ocorre durante o rito, o que lhes gera
grande curiosidade. Em uma entrevista, o próprio Marimon mencionou que não apenas
estudantes, mas até mesmo alguns professores do curso de naturologia da Universidade do Sul
de Santa Catarina solicitam-no por vezes a abertura de uma roda de medicina para lhes
responder a algum anseio particular (MARIMON, entrevista pessoal, 11 ago. 2017).
Uma das participantes também corroborou essa minha impressão de que o ritual de
roda de medicina é uma forma de oráculo utilizado pelo professor Marimon:

O Roberto [Marimon] fez a roda de cura como presente de formatura para a minha
sala […] É um presente que ele dá para cada turma que se forma. Então ele fez a
roda na casa dele e nessa roda apareceram os animais que compunham aquela roda.
[…] Então, vamos supor, se aparece um animal no leste, que guarda o [arquétipo do]
Visionário, aquele animal é a personificação ou a representação, se preferir, daquilo
que a pessoa precisa para encontrar a visão dela de novo. É como se esse animal
fosse um lembrete para encontrar o caminho ou um auxiliar que ajude a pessoa a
restaurar a visão dela quando ela se sente perdida. Então ele fez uma roda para a
unidade que representava minha turma e nos presenteou, assim nós poderíamos nos
lembrar do caminho de volta toda vez que nos sentíssemos perdidos, estivéssemos
com medo ou sem forças (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).

As falas acima – tanto a da naturóloga (que menciona animais) quanto a de Marimon


(que se refere a cores) – permitem perceber que como ritual, a roda de medicina condensa as
principais práticas da cosmologia xamânica da naturologia. Sobre a questão das cores aludida
por Marimon, a medicina das cores será abordada na seção a seguir. A questão da medicina
dos animais, mencionada por Alves, será abordada a partir da página 147.

MEDICINA DAS CORES

A medicina das cores, por vezes chamada de medicina das luas ou coroas xamânicas, é
a segunda prática mais mencionada pelos respondentes. Ela consiste em uma forma própria de
criptoastrologia (do grego antigo krúptó, “oculto”), na qual os signos zodiacais assumem
outro formato: doze cores relacionadas aos quatro elementos. É uma prática retirada do livro
astrológico Cosmologia, de Sady Carnot Nunes Neto (cf. 1994). Mas ao passo que na obra de
119

Nunes Neto a correspondência entre os signos zodiacais e as cores está explícita aos leitores,
aos naturólogos essa relação não é evidente, motivo pelo qual classifico essa prática como
criptoastrológica. Nenhum naturólogo entrevistado sabia dizer de onde esse sistema surgiu, ou
apontou a obra de Nunes Neto como sua referência. Como também será comentado a diante,
identificar a medicina das cores com a astrologia tende a ser um tabu entre os naturólogos.
Esse sistema já foi apresentado a Marimon como algo xamânico. Nunes Neto (1994, p.
1) agradece a Juan Uviedo, um xamã urbano argentino que teria sido o responsável por
compilar esse material, de quem ele teria sido discípulo. No entanto, o livro de Nunes Neto (p.
9) também declara que a atribuição de cores aos signos astrológicos partiu de Martin
Schulman, um astrólogo britânico. Marimon não citou Uviedo nem Schulman em qualquer
momento, por isso não me é claro até que ponto ele tem ciência dessas referências. O que ele
narrou é que ele conheceu a medicina das cores por um curso ministrado pelo próprio Nunes
Neto, que Marimon teria feito quando morou em Salvador e integrava um grupo do
Movimento Rajneesh (MARIMON, entrevista pessoal, 3 nov. 2016).
Conforme mencionei anteriormente, outra questão é o tabu no meio da naturologia de
relacionar a medicina das cores à astrologia. No final do Capítulo 2 (cf. p. 82) defendi que a
inclusão do xamanismo no curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina é
uma persistência do estilo de pensamento original desse curso frente à emergência do estilo de
pensamento biologista representado pela coordenação de Goulart. Para sobreviver, foi
necessária uma adaptação dos conteúdos desse primeiro paradigma, que era mais alinhado ao
ethos Nova Era e foi considerado “viagem” (sic.) por essa ex-coordenadora. Então se a
astrologia fosse continuar no curso, sendo um conteúdo fortemente identificado como
esotérico entre as grandes massas, ela precisaria assumir outro formato – o que não significa
necessariamente que essa modificação tenha sido algo consciente. Pelo material analisado e
entrevistas realizadas, não tenho como distinguir se essa mudança se deu de modo orgânico
ou se foi algo deliberado. Contudo, não tem como negar que uma identificação da medicina
das cores enquanto sinônimo de astrologia fragilizaria sua permanência, pois isso poderia lhe
atribuir novamente o status de anomalia2 aos olhos dos biologistas.
Marimon ressaltou que a medicina das cores e a astrologia não seriam a mesma coisa.
Ele disse ter feito cursos de astrologia tanto quanto de medicina das luas, como se fossem
coisas diferentes. Como ambos os cursos foram ministrados no mesmo local, um espaço
soteropolitano do Movimento Rajneesh ao qual ele fez parte, talvez Marimon considere que

2
Utilizo o termo tendo em vista a teoria da ciência discutida no Capítulo 2 (cf. p. 82).
120

realmente se trata de sistemas distintos. O professor enxerga semelhanças entre a astrologia e


o significado de cada cor na medicina das cores, mas ressaltou o ineditismo do que aprendeu
com Nunes Neto. Em suas palavras: “Será que o Sady [Nunes Neto] tirou da astrologia? Sei lá
de onde ele tirou, porque ele nunca disse. Mas foi uma coisa muito boa o que esse cara trouxe.
Foi muito inovador de valores. Ele trouxe coisas que eu nunca tinha pensado” (MARIMON,
entrevista pessoal, 3 nov. 2016).
Para ele, o principal ponto de diferença é que a medicina das cores seria baseada em
influências lunares, ao passo que os signos astrológicos são atribuídos pelo sol (MARIMON,
entrevista pessoal, 3 nov. 2016). Essa é a narrativa reproduzida pelos naturólogos de modo
geral. Destacando algumas falas, uma naturóloga disse que a medicina das cores diz respeito a
“doze frequências lunares, e cada uma dessas frequências corresponde a uma cor. Uma pessoa
que nasce sob determinada lua, ou sob determinada frequência lunar, tem a frequência que
aquela lua representa” (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016). Outro naturólogo disse que
a medicina das cores é “um método de avaliação através da data do nascimento da pessoa.
Utiliza a simbologia dos números da data de nascimento e um padrão de cor atribuído a cada
resultado. [Isso] era relacionado à lua daquele mês” (KUHNEN, entrevista pessoal, 11 jan.
2017). Uma terceira participante explicou que “quando você nasce, na verdade você é regido
pelas luas. Então o que ele [Marimon] ensina são as luas que tem durante o ano. Quando você
nasce nessa lua, tem a sua coroa, seu modo de visão, seu andar e seu sentir” (KATEKARU,
entrevista pessoal, 29 mar. 2017).
Entretanto, a identificação êmica dos naturólogos de que a medicina das cores segue
um calendário lunar não se sustenta. A coroa xamânica é conferida pelo mês do nascimento, o
que aos conhecedores da astrologia soa igual à atribuição do signo solar, visto que os signos
lunares mudam a cada dois dias mais ou menos. Não somente isso, o próprio livro de Nunes
Neto apresenta ligações diretas entre as cores e os signos solares, dizendo que o período de
regência dos signos e o período de regência das cores são idênticos. A única coisa que poderia
corroborar um possível entendimento de que se trata de uma leitura lunar é a referência ao
astrólogo Martin Schulman, visto ele ter se especializado em interpretações reencarnacionistas
das cartas natais com base na posição astrológica do nodo lunar. Mas mesmo o material de
Schulman, citado por Nunes Neto, apresenta as cores relacionadas aos signos solares.
Como é possível observar na tabela a seguir, nas aulas de xamanismo da naturologia o
período de regência das doze cores foi simplificado por Marimon, mas a correspondência com
as datas astrológicas equivalentes à regência dos signos solares, utilizadas originalmente no
livro de Nunes Neto, é inegável.
121

Tabela 7 – Período de regência das cores no livro de Nunes Neto e nas aulas de Marimon.

Coroa Signo solar Período de regência


Elemento
xamânica equivalente Livro de Nunes Neto Aulas de Marimon
Dourado Áries Fogo 21/mar. a 20/abr. 20-23/mar. a 20-23/abr.
Verde Touro Terra 21/abr. a 20/mai. 20-23/abr. a 20-23/mai.
Branco Gêmeos Ar 21/mai. a 21/jun. 20-23/mai. a 20-23/jun.
Turquesa Câncer Água 22/jun. a 22/jul. 20-23/jun. a 20-23/jul.
Preto Leão Fogo 23/jun. a 22/ago. 20-23/jul. a 20-23/ago.
Amarelo Virgem Terra 23/ago. a 22/set. 20-23/ago. a 20-23/set.
Índigo Libra Ar 23/set. a 22/out. 20-23/set. a 20-23/out.
Violeta Escorpião Água 23/out. a 21/nov. 20-23/out. a 20-23/nov.
Vermelho Sagitário Fogo 22/nov. a 20/dez. 20-23/nov. a 20-23/dez.
Marrom Capricórnio Terra 21/dez. a 19/jan. 20-23/dez. a 20-23/jan.
Rosa Aquário Ar 20/jan. a 18/fev. 20-23/jan. a 20-23/fev.
Prata Peixes Água 19/fev. a 20/mar. 20-23/fev. a 20-23/mar.
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Nunes Neto (1994, p. 52) e Alves (2017, p. 52).

Porém, de fato há algo de novo nesse sistema que possibilita concluir que a medicina
das cores não é apenas uma transposição do método astrológico. Por mais que os signos e
cores mantenham virtualmente o mesmo significado, o procedimento para se montar a coroa
xamânica difere dos cálculos envolvidos na confecção do mapa astrológico. Mas isso apenas
não é suficiente para concluir que a medicina das cores não é uma nova forma de astrologia.
Ela só não é a astrologia hegemônica. Começarei elaborando algumas tabelas focadas nas
semelhanças, e então explicarei com mais ênfase as diferenças entre as duas ao fim da seção.
Embora Marimon assuma ter feito algumas alterações por estudos de astrologia sideral
realizados por Peter Mandel (MARIMON, entrevista pessoal, 13 out. 2017), a obra derradeira
de referência continua sendo o livro de Nunes Neto. Para comparar, utilizei as descrições de
cada um dos signos astrológicos segundo o Dicionário de Sìmbolos de Jean Chevalier e Alain
Gheerbrant (2009), e as descrições das doze cores apresentadas no livro de Nunes Neto
(1994). Para demonstrar como isso é transposto para a naturologia, destaquei trechos do
Compêndio de naturologia (ALVES, 2017), e do material de suporte às aulas de Marimon
(2009). É importante atentar que como o material de suporte de Marimon são slides de
PowerPoint, muitas vezes a única explicação encontrada sobre cada cor são palavras-chave,
motivo pelo qual as citações diretas são mais escassas nessa coluna das tabelas.
122

Iniciando em Áries, Chevalier e Gheerbrant (2009, p. 190) comentam que no


hermetismo esse signo foi relacionado às cores vermelho e dourado. Não ficava claro pelo
livro de Nunes Neto se a medicina das cores teve influência hermética. Áries, de fato, é a
contraparte astrológica do Dourado. Nesse sentido, ao menos a primeira cor do sistema da
medicina das cores correspondente à astrologia.

Tabela 8 – Aspectos do signo solar de Áries e do Dourado na medicina das cores.

Sobre Áries no Dicionário Sobre o Dourado Sobre o Dourado no


Sobre o Dourado no
de Símbolos no Compêndio de material de suporte
livro de Nunes Neto
(CHEVALIER, naturologia das aulas de
(1994)
GHEERBRANT, 2009) (ALVES, 2017) Marimon (2009a)
“É o principal signo de
Marte” (p. 190).
Relacionado ao Sol (p. 52).
“Afinidades astrais com
Marte e o Sol” (p. 190).
“O Dourado é orgulhoso,
egoico, individualista e Palavras-chave: “Ego, Palavras-chave: “Ego,
vangloriador” (p. 20). vaidade, vaidade,
Considera-se o “mais reconhecimento” (p. reconhecimento” (slide
importante, belo e 47). 15).
inteligente” (p. 55).
“O impulso, a virilidade” (p.
190).
“As paixões do Dourado
“Emotivo-ativo-primário” (p.
são sempre exaltadas de
190).
amor nobre, atenção e,
“Ardor de viver à rédea solta
como é óbvio,
[…], no tumulto e na
extremamente dominador”
intensidade, nas emoções
(p. 20).
fortes, nas sensações
violentas” (p. 190-191).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Relacionado ao elemento
elemento Fogo (p. elemento Fogo (slide
Fogo (p. 190). Fogo (p. 46).
47). 15).
Considerada uma cor
egoísta. “[Nada] mais [lhe]
“É concepção de
importa do que seu próprio
brilho, luminosidade,
brilho, sua exuberância ou
exuberância” (p. 45).
a condição de fazê-lo estar
no [topo]” (p. 54).
“Palavra de cura: Palavra-chave: “honra”
Dom divino da honra (p. 9).
Honra” (p. 47). (slide 15).
Frase que expressa a cor: “Exuberância do ‘eu
“Este sou eu” (p. 53). sou’” (p. 45).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
123

Em Touro, o segundo signo, a cor escolhida também possui relação com o simbolismo
astrológico clássico. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2009, p. 894), Touro é regido por
Vênus. Como a cor de Vênus é o verde, acaba que essa cor também é considerada a cor de
Touro. Embora no livro de Nunes Neto o planeta regente do Verde foi mudado para Júpiter,
aparentemente a cor da astrologia foi mantida.

Tabela 9 – Aspectos do signo solar de Touro e do Verde na medicina das cores.

Sobre o Verde no
Sobre o Verde no
Sobre Touro no Dicionário material de
Sobre o Verde no livro Compêndio de
de Símbolos (CHEVALIER, suporte das aulas
de Nunes Neto (1994) naturologia
GHEERBRANT, 2009) de Marimon
(ALVES, 2017)
(2009a)
“Esse signo é regido por Vênus” Relacionado a Júpiter (p.
(p. 894). 52).
“Verde é como um
“O Touro se apresenta como a amigo. Ele dá a mão,
estática de uma massa portadora o conhecimento, o
“Dono da nutrição, sempre Palavras-chave:
de vida” (p. 895). alimento para a alma”
tendo à mão, para si ou “Alimento físico,
“Temperamento generoso” (p. (p. 45).
para o outro, um alimento mental e emocional”
895). Palavras-chave:
físico ou espiritual” (p. 30). (slide 24).
“A cobiça dos alimentos “Alimento físico,
terrestres” (p. 895). mental e emocional”
(p. 47).
“O bem-querer, o afeto, o
“A partitura do Touro assimila-se
amor pelo amor e
a um canto báquico [de Baco,
principalmente a fé pela fé
deus do prazer], à glória de
são condições inerentes
Vênus [deusa do amor], a Vênus
para que um Verde possa
genitora” (p. 895).
existir” (p. 30).
“Ele é o educador que
oferece tudo, mas não
“O Verde nunca ‘dá o
fará nada por
peixe’. Ele sempre ensina
ninguém. Ele dá o que
quando e como pescar” (p.
precisa, mas não
34).
executa por você” (p.
45).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Terra Relacionado ao elemento
elemento Terra (p. elemento Terra (slide
(p. 894). Terra (p. 46).
47). 23).
“Caracterizada por uma criatura “Palavra de cura: Palavra-chave: força
Dom divino da força (p. 9).
possante” (p. 895) Força” (p. 47). (slide 24).
Palavra-chave:
Frase que expressa a cor: Palavra-chave:
“necessidade” (slide
“Eu preciso disto” (p. 53). “necessidade” (p. 47).
24).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
124

Embora nos primeiros signos as cores da medicina das cores possuíam relação com as
cores da astrologia, a partir de Gêmeos isso deixa de acontecer. Gêmeos é representado pelo
amarelo, mas na medicina das cores tem como contraparte o Branco. Além disso, Nunes Neto
descreve o Branco como moralista, contrariando as características geminianas segundo
Chevalier e Gheerbrant. Outras características do signo, porém, parecem ter relação.

Tabela 10 – Aspectos do signo solar de Gêmeos e do Branco na medicina das cores.


Sobre o Branco
Sobre o Branco no no material de
Sobre Gêmeos no Dicionário de Sobre o Branco
Compêndio de suporte das
Símbolos (CHEVALIER, no livro de Nunes
naturologia aulas de
GHEERBRANT, 2009) Neto (1994)
(ALVES, 2017) Marimon
(2009a)
Relacionado a Urano
“Signo principal de Mercúrio” (p. 467).
(p. 52).
“É tradicionalista,
tendo sempre Palavras-chave: Palavras-chave:
“Ser da extrema adaptação” (p. 468). presente os laços “passado/antigo” (p. “passado” (slide
com o passado” (p. 48). 12).
15).
“Moralista ao Palavras-chave:
Palavras-chave:
extremo” (p. 15) “critério de valores,
“Zombeteiro, desabusado” (p. 468). “critério de valores,
“O Branco é moral e moral, ética” (slide
moral, ética” (p. 48).
religioso” (p. 15). 12).
“Símbolo geral da dualidade” (p. 467).
“O Branco surge Palavras-chave:
“Nos introduz no mundo dos contrários Palavras-chave:
diante da “dualidades (bem e
polares: masculino-feminino, trevas-luz, “bem e mal” (slide
necessidade dos mal, certo e errado)”
sujeito-objeto, interior-exterior” (p. 12).
opostos” (p. 15). (p. 48).
467).
“A vida sensível é mantida em Palavra-chave:
submissão forçada, ridicularizada, vista “medo” (p. 48). Palavra-chave:
“Sem fé” (p. 54).
como pouco confiável” (p. 467). “É o mais assustado “medo” (slide 12).
“Processo de cerebralização” (p. 467). de todos” (p. 48).
Relacionado ao
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Ar (p. 961). elemento Ar (slide
elemento Ar (p. 46). elemento Ar (p. 47).
11).
“Símbolo duplo dos contatos humanos,
[…] inclusive sexuais. Certos zodíacos
representam esse signo não pela imagem Dom divino do amor “Palavra de cura: Palavra-chave:
habitual das duas crianças de mãos (p. 9). Amor” (p. 48). amor (slide 12).
dadas, mas por um homem e uma
mulher” (p. 467).
“Signo dito duplo” (p. 467).
“No Branco, o ‘eu’
“Uma de suas mentes sente, age, vive,
passa a ser ‘nós’, e o “[O] Branco dá de si
enquanto a outra se comporta como
‘meu’ passa a ser para o outro” (p. 45).
espectadora, vendo-a agir, sentir, viver”
‘nosso’” (p. 15).
(p. 467).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
125

No quarto signo, Câncer, a cor astrológica gris também não possui relação com a cor
adotada na medicina das cores, o Turquesa. Contudo, como é possível perceber na tabela a
seguir, muitas outras características cancerianas lhe foram atribuídas.

Tabela 11 – Aspectos do signo solar de Câncer e do Turquesa na medicina das cores.

Sobre o Turquesa
Sobre o Turquesa
Sobre Câncer no Dicionário de Sobre o Turquesa no no material de
no Compêndio de
Símbolos (CHEVALIER, livro de Nunes Neto suporte das aulas
naturologia
GHEERBRANT, 2009) (1994) de Marimon
(ALVES, 2017)
(2009a)
“Ao signo Câncer encontra-se Relacionado a Vênus (p.
associada a Lua” (p. 174). 52).
“É a parte feminina
“O Celeste será sempre
do movimento
uma energia de essência
cósmico, ele é a mãe
feminina” (p. 36).
do Universo” (p. Palavras-chave:
“Identifica-se ao arquétipo materno “O Celeste é a mãe, é a
45). “família,
[…] que vai do útero à terra-mãe” (p. maternidade, é a
Palavra-chave: maternidade” (slide
173-174). gestação e a criação” (p.
“maternidade” (p. 20).
37).
47).
Dom divino da família
“Palavra de cura:
(p. 10).
Família” (p. 47).
“Tudo aquilo que é grande, e que
“Faz parte do Celeste o Palavra-chave:
envolve, resguarda, conserva, nutre, Palavra-chave:
amparar, o proteger” (p. “proteção” (slide
protege e mantém aquecido aquilo “proteção” (p. 47).
36). 20).
que é pequeno” (p. 173).
“Possui o chamado
“O papel do Câncer é também o da
‘sexto sentido
mediação, da mediunidade” (p. 174).
feminino’” (p. 37).
Assume “com
“A natureza canceriana deriva do Palavras-chave: Palavras-chave:
propriedade a beleza, a
desenvolvimento da sensibilidade da “arte, música” (p. “arte, música” (slide
estética e as artes
alma infantil na proximidade da mãe, 47). 20).
plásticas” (p. 37).
como também do surto ascensional
do imaginário, com seu mundo de “As paixões Celestes são
Palavras-chave: Palavras-chave:
subjetividade, de lembrança, de sempre sonhadoras e
“amor, “amor,
sonho, de romanesco, de fantasia, de infantis, onde o príncipe
sensibilidade” (p. sensibilidade” (slide
lirismo” (p. 174). é sempre encantado” (p.
47). 20).
37).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Água (p. Relacionado ao elemento
elemento Água (p. elemento Água
173). Água (p. 46).
47). (slide 19).
Frase que expressa a cor: Palavra-chave: “o
Palavra-chave: “o
“Ele precisa disso (o outro (tudo para o
outro” (slide 20).
corpo é filho)” (p. 53). outro)” (p. 47).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
126

Na astrologia a cor do signo de Leão é o dourado, conforme explicam Chevalier e


Gheerbrant (2009, p. 540). Mas na medicina das cores a cor que lhe faz paralelo foi mudada:
o Preto é a coroa xamânica equivalente ao signo solar de Leão. Embora haja essa distinção, é
possível observar pela tabela a seguir que muitas outras características leoninas também
aparecem no que é entendido emicamente pela medicina das cores como sendo os aspectos do
Preto.

Tabela 12 – Aspectos do signo solar de Leão e do Preto na medicina das cores.

Sobre o Preto no
Sobre o Preto no
Sobre Leão no Dicionário de Sobre o Preto no material de
Compêndio de
Símbolos (CHEVALIER, livro de Nunes Neto suporte das aulas
naturologia
GHEERBRANT, 2009) (1994) de Marimon
(ALVES, 2017)
(2009a)
Relacionado a Plutão (p.
“Ele é acoplado ao Sol” (p. 540).
52).
“Representa o impulso
“Resplandecência dos ardores
vital em busca de forma”
vitais” (p. 540).
(p. 13).
“Gera um tipo bem hercúleo
[relacionado a Hércules, semideus “O Preto é uma cor que Palavra-chave:
Palavra-chave: “poder
conhecido por sua força física] em se relaciona sempre com “poder terreno”
terreno” (p. 47).
realismo, eficácia, rigor concreto, o materialismo” (p. 13). (slide 15).
presença física” (p. 540).
“O Preto é a relação com
“Força emotiva ativa disciplinada e
o futuro, com o planejar
orientada para um fim, a servir “Preza o futuro” (p. “Preso ao futuro”
meta a meta, no sentido
ambições de longo alcance” (p. 47). (slide 15).
de se chegar ao objetivo
540).
maior” (p. 13).
“No seu lado negativo
“Exprime a alegria de viver, a
aparece o usurário, o
ambição, o orgulho e a elevação”
orgulhoso, o vaidoso” (p.
(p. 540).
13).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Fogo (p. Relacionado ao elemento
elemento Fogo (p. elemento Fogo
540). Fogo (p. 46).
47). (slide 15).
Dom divino da liberdade “Palavra de cura: Palavra-chave:
(p. 9). Liberdade” (p. 47). liberdade (slide 16).
“[O] Preto ‘tira’ do
outro para si” (p. 45).
Palavra-chave:
Frase que expressa a cor: “É a individualidade”
“possessivo” (slide
“Isto é meu” (p. 53). (p. 47).
16).
Palavras-chave:
“possessivo” (p. 47).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
127

Sobre Virgem, esse signo é representado pelas cores marrom ou verde. Na medicina
das cores, porém, corresponde ao Amarelo. Chama à atenção que Nunes Neto (1994, p. 16)
escreveu que pessoas dessa coroa possuem maiores chances de se tornarem homossexuais.
Curiosamente Chevalier e Gheerbrant (2009, p. 961) relacionam Virgem à fixação anal da
teoria freudiana. Embora Chevalier e Gheerbrant nada falem sobre a homossexualidade, na
psicanálise a fixação anal foi um dos motivos utilizados por Freud para explicar a
homossexualidade. Na naturologia, a crença de que pessoas virginianas ou com coroa
Amarela seriam mais propensas à homossexualidade foi totalmente descartada.

Tabela 13 – Aspectos do signo solar de Virgem e do Amarelo na medicina das cores.

Sobre o Amarelo
Sobre o Amarelo no material de
Sobre Virgem no Dicionário Sobre o Amarelo no
no Compêndio de suporte das
de Símbolos (CHEVALIER, livro de Nunes Neto
naturologia aulas de
GHEERBRANT, 2009) (1994)
(ALVES, 2017) Marimon
(2009a)
“Mercúrio é o planeta que a rege” Relacionado a Mercúrio (p.
(p. 961). 52).
“O Amarelo é uma cor
“É o segundo signo de Mercúrio Palavras-chave: Palavras-chave:
questionadora, porém não no
[deus da eloquência e da “Análise, diálogo” “Análise, diálogo”
sentido da lógica, mas no
comunicação]” (p. 961). (p. 47). (slide 24).
sentido filosófico” (p. 16).
“Mediador entre o
Preto e o Branco […]
“O fiel da balança entre o
“Simboliza a consciência Amarelo serve como
Preto e o Branco, pois é
emergindo da confusão” (p. 961). fiel de uma balança”
coerente” (p. 16).
(p. 45).

“Destaca-se a silhueta de um
caráter que tem a sua
“Quando em sua forma
equivalência no complexo anal
negativa [sic.], provoca a
reprimido da psicanálise
homossexualidade” (p. 16).
freudiana” (p. 961, grifo dos
autores).
“[É] inerente do Amarelo a Palavra-chave:
Palavra-chave:
ideação, a concepção da “ideologia” (slide
“ideologia” (p. 47).
ideia e a ideologia” (p. 16). 24).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Terra Relacionado ao elemento
elemento Terra (p. elemento Terra
(p. 961). Terra (p. 46).
47). (slide 23).
“Estilo que visa à pureza” (p. “Palavra de cura: Palavra-chave:
Dom divino da pureza (p. 9).
961). Pureza” (p. 47). pureza (slide 24).
Frase que expressa a cor:
“Isto é nosso” (p. 53).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
128

O signo seguinte, Libra, tende a ser representado pelas cores rosa e turquesa na
astrologia, mas na medicina das cores tem como contraparte o Índigo. O livro de Nunes Neto
(1994, p. 52) também cita um planeta chamado “Elno” como o regente do Índigo, inexistente
na astrologia. Maiores informações sobre esse planeta não são apresentadas no livro.

Tabela 14 – Aspectos do signo solar de Libra e do Índigo na medicina das cores.

Sobre o Índigo no
Sobre Libra no Sobre o Índigo no
material de
Dicionário de Símbolos Sobre o Índigo no livro Compêndio de
suporte das aulas
(CHEVALIER, de Nunes Neto (1994) naturologia (ALVES,
de Marimon
GHEERBRANT, 2009) 2017)
(2009a)
Relacionado a Elno (p. 52).
“É colocado sob a regência
de Vênus, a cuja assistência “O Azul tem uma tendência
Saturno traz uma nota de ao imediatismo, a uma
desprendimento” (p. 115). moral própria e ao
desapego” (p. 40).
“É a lógica, o
“É cético e busca explicar questionamento e o
Palavras-chave:
tudo através do racional” (p. 46).
“teoria, compreensão,
conhecimento adquirido Palavras-chave: “teoria,
ciência” (slide 12).
por meio da razão” (p. 39). compreensão, ciência”
(p. 48).
“Administração dos
“É colocado sob a regência
pensamentos, boa memória “Consciência dos
de Vênus […] a das
e aptidão para se exprimir acontecimentos vistos e
serenatas e minuetos” (p.
pela palavra e pela escrita” vividos” (p. 46).
115).
(p. 39).
“[É] dedutivo e isso nos
permitiu a possibilidade de
“Azul Índigo [é a] razão
descobrir a roda e até de
das coisas poderem
estarmos escrevendo este
acontecer” (p. 46).
texto num computador” (p.
40).
Relacionado ao
Relacionado ao elemento Ar Relacionado ao elemento Relacionado ao
elemento Ar (slide
(p. 115). Ar (p. 46). elemento Ar (p. 47).
11).
Dom divino do
conhecimento (p. 10).
Palavra-chave:
“Se preocupa sempre em “Palavra de cura:
“conhecimento” (slide
adquirir mais conhecimento Conhecimento” (p. 48).
12).
sobre aquilo que já
conhece” (p. 40).
“Ele está interessado no
“Marca o equilíbrio entre o
Frase que expressa a cor: autorrendimento, […]
edifício construído e as
“Será que posso ter isso? ele fica pensando em
forças que lhe preparam a
Tenho condições” (p. 53). como fazer melhor” (p.
ruína” (p. 114)
48).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
129

O próximo signo é Escorpião, que possui relação com a morte por ter sua data de
regência iniciada próxima ao Hallowe’en. Na astrologia, é representado tradicionalmente pela
cor preta. Na medicina das cores, sua contraparte é o Violeta, coroa cuja relação simbólica
com a morte também é similar ao simbolismo astrológico.

Tabela 15 – Aspectos do signo solar de Escorpião e do Violeta na medicina das cores.

Sobre o Violeta no
Sobre Escorpião no Sobre o Violeta no
Sobre o Violeta no material de
Dicionário de Símbolos Compêndio de
livro de Nunes Neto suporte das aulas
(CHEVALIER, naturologia (ALVES,
(1994) de Marimon
GHEERBRANT, 2009) 2017)
(2009a)
“O signo [é] colocado sob a
regência de Marte, assim Relacionado à Lua (p. 52).
como de Plutão” (p. 384).
“O Escorpião evoca a
natureza na época do Dia de “Ele é a transmutação, a “O Violeta [fecha] o
Todos os Santos, da queda das morte, a elaboração do conhecimento de tudo”
folhas, da morte da luto e das perdas” (p. 43). (p. 46).
vegetação” (p. 384).
“Força misteriosa e inexorável
das sombras, do inferno, das
“Para o Violeta não é “Ele gosta da dificuldade
trevas interiores” (p. 384). Palavras-chave:
possível se dar valor ao porque ele pode
“O gosto amargo da angústia “dificuldade,
Paraíso sem que se [suportá-la]” (p. 47).
de viver” (p. 384). dor/sofrimento”
conheça antes os Palavras-chave:
“O seu clima é o das (slide 20).
Infernos” (p. 43). “dor/sofrimento” (p. 47).
tormentas, e é da tragédia o
seu território” (p. 385).
“O Violeta sempre se
“Vemos estabelecer-se uma relaciona com todas as “Ele que determina a
dialética de destruição e de energias do universo […] mudança necessária para
criação, de morte e de porque é através dele que que tudo fique bem.
renascimento, de condenação poderão ser revistos e Determina o que deve ser
e de redenção” (p. 384). resolvidos os Karmas” (p. mudado” (p. 46).
43).
“O Escorpião [é] como um
“Totalmente voltado para
canto de amor num campo de
[a] emoção, [mas] nunca
batalha ou um grito de guerra
pode se dar ao luxo de ser
num campo do amor” (p.
romântico” (p. 44).
384).
Relacionado ao
Relacionado ao elemento Relacionado ao elemento Relacionado ao elemento
elemento Água (slide
Água (p. 384). Água (p. 46). Água (p. 47).
19).
Palavra-chave:
Dom divino da finalidade “Palavra de cura:
“finalização” (slide
(p. 11). Finalização” (p. 47).
20).
Frase que expressa a cor: Palavra-chave:
Palavra-chave:
“E se eu não puder? Eu “insatisfação” (slide
“insatisfação” (p. 47).
queria tanto…” (p. 53). 20).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
130

Sagitário na astrologia é simbolizado pela cor roxa, mas na medicina das cores tem
como contraparte o Vermelho. Aqui Nunes Neto (1994) traça uma relação explícita e objetiva
com a astrologia, declarando que o Vermelho se trata do “Centauro da Constelação de
Sagitário” (p. 39). Essa relação foi apagada na naturologia.

Tabela 16 – Aspectos do signo solar de Sagitário e do Vermelho na medicina das cores.

Sobre Sagitário no Sobre o Vermelho Sobre o Vermelho no


Sobre o Vermelho no
Dicionário de Símbolos no Compêndio de material de suporte
livro de Nunes Neto
(CHEVALIER, naturologia das aulas de
(1994)
GHEERBRANT, 2009) (ALVES, 2017) Marimon (2009a)
“Corresponde ao signo de Relacionado a Marte (p.
Júpiter” (p. 796). 52).
“Ele procura algum “Aquele que está sempre
arrebatamento, que pode ser um pronto para a batalha.
“O próprio sangue, a
impulso de participação, de […] Possui raça, garra e
luta” (p. 45). Palavra-chave: “raiva”
assimilação ideal na vida coragem” (p. 38).
Palavra-chave: (slide 16).
coletiva ou, ao contrário, de “O social não lhe impede
“raiva” (p. 47).
revolta contra um poder a ser de fazer o que quer” (p.
dominado” (p. 797). 38).
Palavra-chave:
“É a energia que trabalha “tesão” (p. 45). Palavras-chave:
com a sexualidade” (p. Palavras-chave: “sexualidade, desejo”
38). “sexualidade, desejo” (slide 16).
(p. 47).
“Um centauro, com os quatro
cascos fincados no cão, erguido
“O Vermelho aponta sua
diante do céu com um arco
flecha para o centro da
retesado na mão, orientando a
galáxia” (p. 39).
sua flecha em direção às
estrelas” (p. 796).
“Sua fé é tão grande
“A força das decantações
quanto a do Verde e sua
espirituais, das iluminações do
crença tão forte quanto a
espírito, das elevações
do Branco e do Violeta”
interiores” (p. 796).
(p. 39).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Fogo Relacionado ao elemento
elemento Fogo (p. elemento Fogo (slide
(p. 796). Fogo (p. 46).
47). 15).
Símbolo “dos instintos “Palavra de cura:
Dom divino do respeito Palavra-chave:
nômades, da independência” (p. Respeito (por si
por si mesmo (p. 10). “respeito” (slide 16).
796). próprio)” (p. 47).
“O impulso para
Frase que expressa a cor:
“Símbolo do movimento” (p. seguir a diante” (p.
“Eu vou conseguir isto”
796). 45). Palavras-chave: “ação,
(p. 53).
“Busca os seus próprios limites, Palavras-chave: impulsividade” (slide
“Se necessitar de
e aspira ultrapassá-los” (p. 796- “ação, 16).
impulso, é o Vermelho
797). impulsividade” (p.
que trará” (p. 38).
47).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
131

Na sequência vem Capricórnio, o décimo signo, cuja cor volta a ser a mesma tanto na
astrologia quanto na medicina das cores, algo que não acontecia desde o segundo signo. O
Marrom é descrito por Nunes Neto (1994, p. 52) como regido pelo planeta Terra. Na
astrologia, o planeta Terra rege nenhum signo. Mas como veio ocorrendo até esse ponto, essa
divergência não diminui as grandes semelhanças entre o signo astrológico e a cor em questão.

Tabela 17 – Aspectos do signo solar de Capricórnio e do Marrom na medicina das cores.

Sobre Capricórnio no Sobre o Marrom no Sobre o Marrom no


Sobre o Marrom no
Dicionário de Símbolos Compêndio de material de suporte
livro de Nunes Neto
(CHEVALIER, naturologia (ALVES, das aulas de
(1994)
GHEERBRANT, 2009) 2017) Marimon (2009a)
“É regido por Saturno” (p. Relacionado a Terra (p.
185). 52).
“A cor Marrom é a parte
“Marrom é o masculino
masculina do Universo”
do Universo” (p. 46).
(p. 40).
“Onde estiver presente,
sempre estará criando
“É o direito, a lei, o
hierarquias e regras, pois
decreto, a portaria, o
é a cor que dá a condição
ministério, o governo.
de disciplina” (p. 41). Palavras-chave:
Oferece o movimento
“Exprime a paciência, a “É Marrom as polícias, “disciplina, hierarquia”
normativo” (p. 46).
perseverança, a prudência, a os exércitos, os juízes, as (slide 24).
Palavras-chave:
industriosidade, a realização, cortes, os fóruns, os
“disciplina, hierarquia”
o sentido do dever” (p. 184). promotores e advogados,
(p. 47).
as leis, os decretos e as
portarias” (p. 41).
“Palavra de cura: Palavra-chave:
Dom divino da
Responsabilidade” (p. “responsabilidade”
responsabilidade (p. 10).
47). (slide 24).
Relacionado ao
Relacionado ao elemento Relacionado ao elemento Relacionado ao elemento
elemento Terra (slide
Terra (p. 185). Terra (p. 46). Terra (p. 47).
23).
“Simboliza tudo o que é duro,
[…] com sua simplicidade, “São pessoas duronas”
sobriedade e total ausência de (p. 47).
brilho” (p. 185).
“Organizado como é,
mantém suas forças
“Pleno domínio de si […] como que em prateleiras
“Organizado, encaixado
resultado de um paciente de um almoxarifado” (p.
dentro das normas e Palavras-chave:
treinamento da vontade, 41).
códigos” (p. 46). “ordem, organização”
exercida para afirmar seu Frase que expressa a cor:
Palavras-chave: “ordem, (slide 24).
comando sobre o instinto e a “Isto é meu, isto é teu,
organização” (p. 47).
sensibilidade” (p. 185). aquilo é nosso, esta é a
nossa terra, esta terra é de
vocês” (p. 53).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
132

O penúltimo signo é Aquário, cuja cor é o índigo na astrologia, mas que na medicina
das cores é representado pelo Rosa. Possui uma divergência a respeito da figura promovida:
ao passo que o símbolo clássico de Aquário é um homem velho representante da sabedoria, na
medicina das cores o Rosa é relacionado à infância. Com exceção disso, é possível perceber
que a maior parte dos atributos aquarianos lhe foi também transferida.

Tabela 18 – Aspectos do signo solar de Aquário e do Rosa na medicina das cores.

Sobre o Rosa no
Sobre o Rosa no
Sobre Aquário no Dicionário de Sobre o Rosa no material de
Compêndio de
Símbolos (CHEVALIER, livro de Nunes suporte das aulas
naturologia
GHEERBRANT, 2009) Neto (1994) de Marimon
(ALVES, 2017)
(2009a)
“Seu regente tradicional é Saturno, ao
Relacionado a
qual acrescentou-se Urano, após a sua
Saturno (p. 52).
descoberta” (p. 68).
“Surge também o
Rosa, trazendo o
“Dono da alegria e do movimento do prazer,
Palavras-chave:
Figura representativa: “um velho prazer. Por esse da leveza e da
“brincadeira, alegria”
sábio” (p. 68). motivo ele é infantil, harmonia” (p. 45).
(slide 12).
brincalhão” (p. 21). Palavras-chave:
“brincadeira, alegria”
(p. 48).
“A matéria íntima desse tipo zodiacal “Inteligência e
é fluida, leve, etérea” (p. 68). habilidade; caráter
“É o ser da avant-garde, do pacífico e
progresso, da emancipação” (p. 68). independente” (p. 21).
“Aquário indica o mundo das
“Possui muitas vezes
afinidades eletivas, que fazem de nós Palavras-chave:
um pensamento de Palavra-chave:
seres vivendo numa comunidade “ilusão, sonho” (p.
fluxo descontínuo e “ilusão” (slide 12).
espiritual e em plena esfera 48).
idealista” (p. 21).
universal” (p. 68).
“O Rosa é uma
“Supõe o dom do autodesapego
energia libertária,
acompanhado de serenidade e o dom
desapegada e
do self aliado ao altruísmo” (p. 68).
solidária” (p. 21).
Relacionado ao
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Ar (p. 68). elemento Ar (slide
elemento Ar (p. 46). elemento Ar (p. 47).
11).
Figura representativa: “um velho
sábio carregando debaixo do braço ou Dom divino da Palavra-chave:
“Palavra de cura:
nas costas uma ou duas ânforas; essas infinita abundância “abundância” (slide
Abundância” (p. 48).
urnas inclinadas derramam a água (p. 10). 12).
que contém” (p. 68).
Frase que expressa a
cor: “Às vezes…” (p.
53).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
133

Finalmente chegamos a Peixes, o último signo. Sua cor astrológica é o verde piscina,
mas na medicina das cores sua contraparte é o Prata. Chevalier e Gheerbrant (2009, p. 705)
lembram que Peixes se situa antes do equinócio da primavera, o início do ano astrológico.
Isso aparece implicitamente no Compêndio de naturologia, que descreve o Prata como o
impulso de possibilidades que leva ao novo (ALVES, 2017, p. 45).

Tabela 19 – Aspectos do signo solar de Peixes e do Prata na medicina das cores.

Sobre o Prata no
Sobre o Prata no
Sobre Peixes no Dicionário de Sobre o Prata no material de
Compêndio de
Símbolos (CHEVALIER, livro de Nunes Neto suporte das aulas
naturologia
GHEERBRANT, 2009) (1994) de Marimon
(ALVES, 2017)
(2009a)
“Seu senhor tradicional é Júpiter, ao
Relacionado a Netuno
qual se acrescentou, depois de
(p. 52).
descoberto, Netuno” (p. 705).
“Mundo da indistinção, do “Possui um pensamento
indiferenciado, do inundado, do de fluxo descontínuo”
confuso” (p. 705). (p. 19).
“O Prata é o silêncio” (p. Palavra-chave: Palavra-chave:
18). “silêncio” (p. 47). “silêncio” (slide 20).
“Fusão das partes em uma totalidade
“Representa o elo entre
[…] dois peixes sobrepostos em
os dois aspectos da
sentido inverso e ligados por uma
criação” (p. 18).
espécie de cordão umbilical” (p. 705).
“Cabe a ti levar a ele [o “Palavra de cura: Palavra-chave:
ser humano] a Compaixão” (p. “compaixão” (slide
compaixão” (p. 9). 47). 20).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Água (p. Relacionado ao
elemento Água (p. elemento Água (slide
705). elemento Água (p. 46).
47). 19).
Dom divino de
compreender Deus (p.
10).
“Eles simbolizam o psiquismo, esse
“Desenvolve a
mundo interior, tenebroso, através do Palavra-chave: Palavra-chave:
espiritualidade, a
qual se faz a comunicação com o “intuição” (p. 47). “intuição” (slide 20).
clarividência, a profecia”
deus ou com o diabo” (p. 705).
(p. 18).
“O Prata é um médium
nato” (p. 18).
“Movimento constante,
“As enchentes do inverno, as cheias em alta velocidade, e “É um movimento
que dissolvem e engolem como um domínio do tempo, igual tão rápido que é
Palavra-chave:
dilúvio purificador, assim como a invisibilidade” (p. 18). invisível” (p. 45).
“tempo” (slide 20).
massa em movimento e anônima dos Frase que expressa a cor: Palavra-chave:
oceanos” (p. 705). “Isto pertence a um “tempo” (p. 47).
movimento” (p. 53).

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
134

Embora o discurso êmico da naturologia oculte a relação entre a medicina das cores e
a astrologia, a compreensão para o significado de cada uma das doze cores possui grandes
relações com a interpretação astrológica dos signos solares. As datas de regência de cada
coroa – demonstradas na Tabela 7 (cf. p. 121) – são as mesmas que o período de cada signo
solar. Além disso, é importante relembrar que a principal fonte de Marimon, o livro de Nunes
Neto, declara explicitamente a relação entre as cores e os signos. Mas ao passo que se trata de
similaridades importantes, algumas diferenças também precisam ser pontuadas.
As doze tabelas anteriores permitem perceber dois pontos nos quais os dois sistemas
se distanciam: (1) as cores de cada coroa xamânica não parecem ter uma relação óbvia com o
simbolismo da astrologia convencional, e (2) a maioria dos planetas regentes na medicina das
cores é diferente dos planetas regentes da astrologia.

Tabela 20 – As cores e os planetas regentes na astrologia e na medicina das cores.

Signo Planeta regente Coroa xamânica Planeta regente


Cor do signo
astrológico do signo equivalente da coroa
Áries vermelho/dourado Marte e Sol Dourado Sol
Touro verde Vênus Verde Júpiter
Gêmeos amarelo Mercúrio Branco Urano
Câncer gris/branco Lua Turquesa Vênus
Leão dourado Sol Preto Plutão
Virgem verde/marrom Mercúrio Amarelo Mercúrio
Libra rosa/turquesa Vênus e Saturno Índigo Elno
Escorpião preto Marte e Plutão Violeta Lua
Sagitário roxo Júpiter Vermelho Marte
Capricórnio marrom Saturno Marrom Terra
Aquário índigo Saturno e Urano Rosa Saturno
Peixes verde piscina Júpiter e Netuno Prata Netuno

Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009) e Nunes Neto (1994).

Ademais, o próprio método de disposição das cores difere da forma como os signos
são atribuídos em uma carta natal. Grosso modo, na astrologia todos os doze signos aparecem
no mapa astral, um para cada uma das doze casas. Essas casas dizem respeito a doze divisões
do céu no momento em que a pessoa nasce, o que varia de acordo com a hora e a cidade em
que ela nasceu. Além disso, a posição de cada planeta na hora do nascimento também confere
135

ao planeta um signo e uma localização nessas doze casas. A presença dos planetas e dos
signos em cada casa é o que é interpretado pelo astrólogo, dando significado à carta natal.
No caso da medicina das cores, não importam o horário e nem mesmo o local.
Somente a data do nascimento é relevante aos naturólogos. Enquanto todos os doze signos
aparecem em algum lugar do mapa astrológico, apenas quatro cores são atribuídas a cada
pessoa, uma para cada elemento. Isso significa que as doze cores são divididas em quatro
tríades que emicamente são chamadas de “pulsos do movimento”, que seriam as três formas
pelas quais cada elemento pode se manifestar enquanto energias sutis: um mais ligado à
dimensão física, outro à dimensão mental, e um último pulso mais ligado ao espiritual.

Tabela 21 – Pulsos do movimento dos quatro elementos na medicina das cores.

Elemento Pulso físico Pulso mental Pulso espiritual


Fogo Vermelho Preto Dourado
Terra Marrom Amarelo Verde
Água Violeta Turquesa Prata
Ar Rosa Índigo Branco
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Nunes Neto (1994, p. 75-76).

Tanto no livro de Nunes Neto quanto no discurso dos naturólogos a atribuição dessas
quatro cores estaria relacionada ao desenvolvimento embrionário. Nunes Neto (1994, p. 82)
diz que cada elemento se liga a um cakra em momentos diferentes da formação do bebê. O
primeiro elemento, que ele chama de “elemento centro”, formar-se-ia no instante da
concepção, quando o espermatozoide fecunda o óvulo. Seria a entrada do primeiro espírito, o
pulso responsável pelas motivações da pessoa em vida, agindo como um centro energético de
operação. Ele se relacionaria ao cakra Maṇipūra (para a localização dos cakras, cf. p. 103).
O segundo elemento, chamado de “elemento percepção”, seria formado no terceiro
mês de gestação, o que teria uma relação com o período de organogênese e o momento em
que se estabelece a conexão entre o sistema nervoso autônomo e os órgãos derivados do
endoderma. Nunes Neto (1994, p. 82) relaciona o elemento atribuído nesse momento ao cakra
Ājñā, declarando que ele será o responsável pela maneira como a pessoa verá o mundo.
O terceiro elemento, chamado emicamente de “elemento sentimento”, seria atribuído
no sexto mês de gestação, o momento em que começa a ser possível ouvir as batidas do
coração do bebê apenas encostando a orelha na barriga da grávida. É, de acordo com Nunes
136

Neto (1994, p. 82), o elemento responsável pelo controle das emoções e pela forma como a
pessoa estabelecerá suas trocas energéticas com o meio. Ele o relaciona ao cakra Anāhata.
O último elemento, chamado de “ori” (“cabeça” em iorubá), seria atribuído no nono
mês, na hora do nascimento. Como Nunes Neto (1994, p. 82) explica, esse elemento agiria
como um “espírito que guia, conduz e marca o caminho que deverá ser percorrido”. O cakra
relacionado é o Sahasrāra.

Figura 5 – Ordem de atribuição dos elementos na medicina das cores.

Ori, atribuído no nascimento.

Elemento percepção, atribuído


no terceiro mês de gestação.

Elemento sentimento, atribuído


no sexto mês de gestação.

Elemento centro, atribuído na concepção.

Fonte: Imagem de Nunes Neto (1994, p. 82). Legendas elaboradas pelo autor (2018).

O mesmo sistema foi transposto à prática xamânica da naturologia brasileiras com


algumas modificações. A primeira divergência diz respeito à nomenclatura que cada posição
assume entre os naturólogos: o primeiro elemento, atribuído na concepção, passa a ser
chamado de “pulso do movimento”; o segundo, atribuído aos três meses de gestação, é
chamado de “pulso da visão”; o terceiro elemento, atribuído aos seis meses de gestação, é o
137

“pulso do sentir”; e o último elemento é a “coroa xamânica” (cf. ALVES, 2017, p. 48). Mas o
significado e explicação deles continua exatamente o mesmo apresentado por Nunes Neto.
Uma segunda diferença diz respeito ao desaparecimento da ligação que a entrada de
cada um dos elementos teria com os cakras. Embora essa relação com os cakras seja essencial
a Nunes Neto, ela está ausente em todo o material da naturologia sobre a medicina das cores.
Os cakras são importantes para a medicina xamânica naturológica, mas não são mencionados
especificamente nessa prática. Ao invés disso, aos naturólogos as etapas do desenvolvimento
embrionário parecem assumir importância exclusiva para explicar esse sistema.
Mas como se determina qual elemento é atribuído em cada etapa? Tudo parte do signo
solar. O signo solar, identificado pela data de nascimento do paciente, estabelece qual é o
pulso da coroa xamânica (cf. Tabela 7, p. 121). Então uma digressão é feita seguindo a ordem
dos signos: o terceiro signo anterior ao signo da cor da coroa será o responsável pelo pulso do
sentir, o sexto signo anterior conferirá a cor da visão, e o nono signo anterior será o
responsável pela cor do movimento. Em outras palavras, o naturólogo estabelece quais são os
elementos do sistema por uma tabela de datas de regência idênticas às dos signos solares,
ainda que os signos solares não sejam objetivamente mencionados. Não foi identificada
relação explícita com a lua ou qualquer tipo de calendário lunar:

Tabela 22 – Atribuição dos pulsos na medicina das cores segundo o signo solar.

Pulso do
Signo solar Coroa xamânica Pulso do sentir Pulso da visão
movimento
Áries Fogo Dourado Terra Marrom Ar Índigo Água Turquesa
Touro Terra Verde Ar Rosa Água Violeta Fogo Preto
Gêmeos Ar Branco Água Prata Fogo Vermelho Terra Amarela
Câncer Água Turquesa Fogo Dourado Terra Marrom Ar Índigo
Leão Fogo Preto Terra Verde Ar Rosa Água Violeta
Virgem Terra Amarela Ar Branco Água Prata Fogo Vermelho
Libra Ar Índigo Água Turquesa Fogo Dourado Terra Marrom
Escorpião Água Violeta Fogo Preto Terra Verde Ar Rosa
Sagitário Fogo Vermelho Terra Amarela Ar Branco Água Prata
Capricórnio Terra Marrom Ar Índigo Água Turquesa Fogo Dourado
Aquário Ar Rosa Água Violeta Fogo Preto Terra Verde
Peixes Água Prata Fogo Vermelho Terra Amarela Ar Branco
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Nunes Neto (1994) e Alves (2017, p. 52).
138

Dessa forma, os naturólogos consideram que uma pessoa terá sempre os quatro
elementos em si. E aqui jaz a terceira e mais importante divergência entre o livro de Nunes
Neto e como os naturólogos trabalham com a medicina das cores. Para Nunes Neto, os dados
apresentados na tabela da página anterior só são válidos se o bebê nasce, de fato, em 40
semanas de gestação. Nunes Neto (cf. 1994, p. 84-88) reserva grande espaço para explicar a
forma como calcular o mapa da gestação em casos de bebês que nascem em menos tempo, e
alerta que apenas um bebê gestado em nove meses completos terá um pulso de cada um dos
quatro elementos. Os bebês prematuros teriam a sua coroa xamânica deslocada, e assim um
dos quatro elementos se repetiria em seu mapa, enquanto outro estaria faltando.
Para ilustrar o que Nunes Neto quer dizer, supondo que uma pessoa tenha nascido no
dia 1º janeiro, mas que seu parto tenha ocorrido após 36 semanas de gestação ao invés de 40.
Nesse caso, a coroa xamânica do bebê continuaria sendo Terra Marrom (equivalente ao signo
solar de Capricórnio), mas o momento de sua concepção teria se dado quando o Sol estava em
Touro, e não quando o Sol estava em Áries, como acontece com as pessoas de coroa Marrom
que nascem em nove meses de gestação. Isso deslocaria todos os dados da tabela anterior. No
caso, essa pessoa teria a sua coroa xamânica em Terra Marrom (Capricórnio), mas o seu sentir
(sexto mês de gestação) seria em Água Violeta (Escorpião), a sua visão (terceiro mês de
gestação) seria em Fogo Preto (Leão), e o seu movimento (concepção) seria em Terra Verde
(Touro). Essa pessoa teria dois pulsos de Terra, e lhe faltaria um pulso de Água.
Mas entre os naturólogos é impensável uma pessoa não possuir os quatro elementos. A
concepção dominante é que sem os quatro elementos no mapa a pessoa não estaria viva.
Então, para manter o sistema coeso, a naturologia simplificou as considerações de Nunes
Neto, passando a considerar apenas os dados apresentados na Tabela 22. Como explica o
Compêndio de naturologia, “pessoas que nascem em menos de 9 meses acoplam a
manifestação original junto com o que deveria ser. Ou seja, ela manifesta o elemento do
nascimento, mas o original será os 9 meses” (ALVES, 2017, p. 48).
Pedi um esclarecimento à organizadora do Compêndio de naturologia sobre essa
questão. Ela disse que:

As pessoas que nascem com menos de nove meses acabam manifestando algumas
características em conjunto. É observada a data da concepção e organizado os pulsos
normalmente a partir dali até completar os nove meses de maturação. […] os quatro
originais permanecem. Ao menos foi assim que eu aprendi, mesmo quando uma
pessoa nasce com sete meses, ela continua tento essa contagem dos quatro pulsos.
Agora se [esse cálculo] é adaptado, não me lembro disso ser mencionado em sala de
aula (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
139

Ao fim dessa tese foi anexado o mito cosmogônico criado pelo astrólogo Martin
Schulman, que fornece subsídios simbólicos à medicina das cores no livro de Nunes Neto (cf.
Anexo C, p. 223), além de um resumo dos significados de cada uma das cores desse sistema
(cf. Anexo D, p. 226). Sobre esse último documento, trata-se de um apêndice do livro de
Nunes Neto (1994, p. 75-76), no qual ele fez uma síntese do que trabalhou ao longo da obra.
Visto a dificuldade de acesso a esse livro, considerei importante anexar esse resumo, pois isso
pode servir de fonte primária a futuros estudos sobre a medicina das cores na naturologia.

MEDICINA DOS NÚMEROS

A medicina dos números é uma forma de criptonumerologia ensinada por Marimon.


Mas diferente da medicina das cores, na qual a relação com a astrologia parece incomodar
mais aos naturólogos, a medicina dos números foi chamada de “numerologia xamânica” por
alguns entrevistados. O próprio Marimon descreveu essa prática como resultado de sua busca
por agregar a visão xamânica a conhecimentos prévios que ele possuía de numerologia,
oriundos de cursos no Movimento Rajneesh (MARIMON, entrevista pessoal, 20 abr. 2017).
A medicina dos números é utilizada correlacionada à medicina das cores, visto que é
também através da data de nascimento do paciente que os naturólogos colhem os dados
essenciais para a sua aplicação. Destacando a fala de uma participante, essa naturóloga disse o
seguinte: “Eu faço primeiramente uma anamnese, pego a data de nascimento, já vejo mais ou
menos como que é o quadrante daquela pessoa, qual que é o propósito de vida dela através da
numerologia e da coroa” (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).
Segundo os naturólogos, por esses cálculos é possível saber a personalidade do
paciente, como melhor abordá-lo em consultório e os desafios de sua vida (cf. ALVES, 2017,
p. 51, p. 53). É, portanto, uma parte importante do diagnóstico da medicina xamânica
naturológica. Um respondente comentou o seguinte sobre sua popularidade:

O que eu via na minha pesquisa de campo 3 era isso, que as pessoas falavam que
funciona muito bem essa numerologia xamânica que o Roberto [Marimon] ensina.
Ele faz lá uma conta com as datas, e tem todo um quadrante que ele desenha. As
pessoas diziam: “Cara, é batata! Você faz e funciona. Às vezes eu faço um
diagnóstico só com isso” (TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22 fev. 2017).

O sistema é autoral do próprio Marimon. O cálculo dos números é feito como na


numerologia moderna: através do método agripano (que explicarei adiante). A interpretação

3
O entrevistado se refere a sua dissertação, uma etnografia da naturologia brasileira (cf. TEIXEIRA, 2013).
140

dos resultados utiliza, além do significado dos números pela numerologia, também o livro
neoxamânico Rainbow spirit journeys, de Wolf Moondance (cf. 2000, p. 123-124), e o
simbolismo dos números no tarô (MARIMON, entrevista pessoal, 20 abr. 2017). Assim como
na medicina das cores, a relação com a numerologia não é totalmente clara aos estudantes de
naturologia, embora seja mais evidente do que no caso da relação entre a astrologia e a
medicina das cores. Além disso, a referência ao livro de Moondance não está presente no
projeto pedagógico do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (cf.
UNISUL, 2014).
Essa dificuldade de identificação das fontes ficou bastante explícita em diversas
entrevistas. Destaco uma das falas coletadas durante a pesquisa:

[O método] foi ensinado, assim como também os arquétipos de cada número, o que
cada número significa. É uma técnica que permite à gente ter um olhar. Não nos
foram passadas referências, [mas] a legitimidade acontece porque é eficaz. Então na
hora que a gente vê na clínica, é eficaz (LANZA, entrevista pessoal, 1 abr. 2017).

A respeito do cálculo, o professor declarou que “aquilo não tem em livro nenhum.
Esse livro aqui [Rainbow spirit journeys] traz a leitura. […] Eu acoplei [o que está nesse
livro] àqueles cursos que eu fiz na Bahia” (MARIMON, entrevista pessoal, 8 set. 2016). Mas
o significado dos números que esse livro apresenta possui apenas duas páginas com
descrições breves sobre a medicina de cada número de 1 a 9 (cf. Anexo E, p. 228). O material
sobre o simbolismo dos números no Compêndio de naturologia (cf. ALVES, 2017, p. 54-55)
é muito mais elaborado que essa fonte. Isso significa que a interpretação dos números
utilizada pelos naturólogos possui também influências de outros lugares. Conforme
demonstrarei nessa seção, a influência maior vem da própria numerologia moderna.
Segundo Brach (2006), a numerologia é uma “filha bastarda” (sic.) da atribuição de
significado simbólico aos números entre os europeus. Como a adoção dos algarismos árabes é
posterior ao século VIII EC, os números eram representados por letras na Europa. Isso fez
com que cada letra dos alfabetos grego, latino e hebraico recebesse um número equivalente,
por metodologias próprias de atribuição de valores que variam de acordo com o alfabeto: o
método dos gregos foi chamado de isopsefia, a gematria era o método dos hebreus, e os
romanos chamavam sua forma de atribuir valor ao seu alfabeto de método caldeu.
O platonismo, o pitagorismo, a cabala e a teologia augustiniana são alguns exemplos
de tradições religiosas influenciadas pelo simbolismo dos números. Porém o fenômeno social
moderno da numerologia, na opinião de Brach (2006, p. 874), seria apenas um resíduo dessas
práticas tradicionais, que foram comodificadas para os buscadores espirituais da modernidade,
141

não sendo anterior ao século XX. De fato, o método agripano, o mais utilizado hoje, é uma
simplificação dessas escolas. Nos outros três métodos as letras são divididas entre numerais
(de 1 a 9), dezenas (de 10 a 90) e centenas (de 100 a 900). Então para saber qual é o valor
numérico de uma palavra, os valores de suas letras são somados até chegar a um resultado.
A gematria4 do nome hebraico Abrão (‫)אברהם‬, por exemplo, recebe o seguinte valor:

Figura 6 – Gematria do nome Abrão.

‫( א‬Aleph) – 1
‫( ב‬Bet) – 2 ‫ם‬+‫ה‬+‫ר‬+‫ב‬+‫א‬
‫( ר‬Reish) – 200 600 + 5 + 200 + 2 + 1 =

‫( ה‬Heh) – 5 808

‫( ם‬Mem final) – 600


Fonte: elaboração do autor (2018).

Mas no método agripano, que utiliza o alfabeto latino moderno sem acentos, todas as
letras recebem apenas um dígito (de 1 a 9), que depois são somados e ressomados até que o
resultado seja reduzido a um número de uma unidade. Pegando o mesmo exemplo anterior, o
nome Abrão seria calculado da seguinte maneira:

Tabela 23 – Correspondência numérica das letras latinas pelo método agripano.

1 2 3 4 5 6 7 8 9
A B C D E F G H I
J K L M N O P Q R
S T U V W X Y Z
Fonte: domínio público.

Figura 7 – Numerologia do nome Abrão.


A–1 A+B+R+A+O
B–2 1 + 2 + 9 + 1 + 6 = 19
R–9
1 + 9 = 10
A–1
O–6 1+0=1

Fonte: elaboração do autor (2018).

4
A tabela de correspondência da gematria pode ser conferida no Anexo F dessa tese (cf. p. 229229).
142

O método agripano é o método utilizado na naturologia. Mas ao passo que na


numerologia o foco está na conversão de letras em números, os naturólogos não trabalham
com nomes, apenas com a data de nascimento. Eles vão somando os dígitos do dia, do mês e
do ano de nascimento do paciente até chegarem a valores de um único dígito, de 1 a 9. Os
resultados, então, são organizados em quadrantes, onde cada posição contém um pedaço da
data de nascimento: no quadrante superior esquerdo é escrita a soma dos dígitos do dia de
nascimento, no quadrante superior direito é escrita a soma dos dois últimos dígitos do ano, no
quadrante inferior esquerdo é escrita a soma dos dígitos do mês, e no quadrante inferior
direito é escrita a soma de todos os dígitos do ano. Um quinto número também é adicionado
ao centro, que é a soma da data de nascimento completa: dia, mês e ano.
Entretanto se o número a ser analisado for o 11, o 22 ou o 33, eles não são reduzidos.
Esses três valores são considerados “números mestres”, possuindo significado especial
próprio. Em outras palavras, quem nasce em novembro, por exemplo, não terá o mês 11
interpretado pela soma de 1 + 1, mas pelo simbolismo que o próprio 11 recebe dentro desse
sistema. Tabelas de consulta rápida, utilizadas para a redução dos números pelo método
agripano, foram anexadas ao final dessa tese para ilustrar melhor ao leitor outsider como o
sistema de reduções funciona (cf. Anexo G, p. 230).
Então, cada dígito de 1 a 9 resultante dos cálculos – além das dezenas especiais 11, 22
e 33 – atribuem os significados da interpretação. Uma naturóloga explica como isso se dá:

Cada número tem um arquétipo, e aí cada dia, mês e ano tem um sentido. […] O dia
[em] que você nasce, é o teu “eu”, aí depois o mês é a tua alma, o final dos dois
últimos números do ano acho que é como você se expressa, e depois o ano total é a
sua ancestralidade. E a soma de todos os números da data do nascimento é o seu
propósito de vida (KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017).

No Anexo H (cf. p. 231) foi disponibilizado o resumo do Compêndio de naturologia


sobre os “nove arquétipos do espírito”, a forma êmica pela qual os naturólogos se referem ao
significado dos números. Em comparação ao que foi apresentado no livro de Moondance (cf.
Anexo E, p. 228), é possível perceber que as interpretações dos naturólogos possuem pouca
influência do livro de Moondance. Sua relação mais forte é com a numerologia moderna.
Para demonstrar como a numerologia interpreta os números, elenquei três sites êmicos
de numerologia que apresentavam as influências dos números na personalidade. A escolha
dos sites foi simples: são os três primeiros resultados à busca pelo termo “significado dos
números pela numerologia” no mecanismo de pesquisa da Internet que utilizei. Considerei
que escolhendo os sites assim eu diminuiria possíveis vieses sobre o material analisado.
143

Tabela 24 – O significado dos números na naturologia e na numerologia.


Compêndio de website Aparecida website Hórus
website Espiritualismo
naturologia Liberato Esoterismo
O que lidera, inicio, força, Ambicioso, audacioso,
Independente. Gosta de
1 Líder pessoal liderança, individualidade, original, inventivo,
novos desafios.
independência. vigoroso, independente.
Diplomático,
Colaborador. Gosta de Moldável, adaptável,
2 Pacificador cooperativo, gentil,
harmonia entre as pessoas. conciliador, pacificador.
paciente, atencioso.
Benquisto, bondoso,
Comunicativo. Gosta de Expressão, comunicação,
3 Artista artístico, afortunado,
divertir. criação. Favorece as artes.
criativo, sociável.
Lei e ordem. Senso prático. Digno de confiança,
Construtivo. Gosta de dar
4 Disciplinador Autodisciplina. Defesa das trabalhador, prático,
forma às suas ideias.
tradições. Conformismo. honesto, determinado.
Esperto adaptável,
Aventureiro. Gosta de Liberdade, evolução,
5 Aventureiro audacioso, culto,
liberdade. curiosidade, aventura.
expressivo, otimista.
Sintetiza as responsabilidades Carinhoso, leal,
Responsável. Gosta de
6 Matriarca sociais e familiares. responsável, magnético,
ajudar.
Casamento, família. amante da arte, caseiro.
Intuitivo, psíquico,
Místico. Gosta de observar Análise, investigação, lógica,
7 Especialista pensador, espiritualista,
e analisar. misticismo, reflexão.
esotérico, reservado.
Poder, responsabilidade, Eficiente, determinado,
Empreendedor. Gosta de
8 Empreendedor riqueza material, ambicioso, leal, forte e
comandar.
reconhecimento, prestígio. com espírito de líder.
Universal, humanitário,
Idealista. Gosta de fazer o Realização, universalidade,
9 Humanitário generoso, inspirado,
bem. abnegação, compaixão.
prestativo, intuitivo.
Mestre de luz. Gosta de
Líder espiritual
11 inspirador grandes realizações que O mestre idealista. Número mestre 11.
inspirem as outras pessoas
Mestre construtor.
Líder espiritual O mestre construtor do
22 do plano físico Grandes projetos que Número mestre 22.
mundo.
beneficiam muitas pessoas
Líder espiritual
33 pleno O mestre líder.

Fonte: elaboração do autor, com base em Alves (2017, p. 54-55), Liberato (2018), Figueiredo (s.d) e Hórus
Esoterismo (2018).

Todavia, existem particularidades no sistema naturológico que comumente não


aparecem na numerologia moderna. A primeira delas é a interpretação física que cada número
recebe na naturologia. Como a medicina dos números é, em última instância, um método de
diagnóstico da medicina xamânica naturológica, ao calcular quais números estão presentes em
cada quadrante os naturólogos determinam quais seriam as partes do corpo do paciente com
maior disposição a adoecer.
144

Tabela 25 – Predisposição às doenças segundo a medicina dos números.

1 Doenças do cérebro.
2 Doenças nervosas e do estômago.
3 Doenças da garganta, pulmões e sistema respiratório.
4 Doenças da coluna e dos pés.
5 Doenças ligadas aos órgãos dos sentidos e ao aparelho reprodutor.
6 Doenças cardíacas.
7 Doenças ligadas aos órgãos dos sentidos e ao aparelho reprodutor.
8 Doenças do sistema circulatório e do sistema imunológico.
9 Todas as doenças.
11 Doenças nervosas e do estômago.
22 Doenças da coluna e dos pés.
33 Doenças cardíacas.

Fonte: elaboração do autor, com base em Alves (2017, p. 49-51).

A segunda particularidade diz respeito à organização do sistema em quadrantes, algo


incomum na numerologia. O quadrante superior esquerdo, cujo valor é a soma dos dígitos da
data de nascimento, é considerado o regente da condução da alma. Em outras palavras, diz
respeito ao caminho pelo qual a pessoa deve percorrer sua vida, servindo de guia para o self
(ALVES, 2017, p. 53). O significado é pautado nos nove arquétipos do espírito, apresentados
anteriormente. Entretanto, mesmo a interpretação sendo próxima da numerologia, aqui jaz
uma particularidade entre os naturólogos. Se o paciente nasceu entre o 1º e o 11º dia do mês, é
considerada apenas a interpretação do arquétipo puro (ou seja, tal qual na numerologia). Mas
a partir do momento que somas precisam ser feitas no dia de nascimento para se chegar a um
valor final reduzido, então o naturólogo deve interpretar também os dígitos isoladamente na
ordem em que eles aparecem.
Marimon explica isso através de um exemplo:

Uma pessoa que nasce no dia 21 não vai ter a mesma frequência de quem nasce no
dia 12. “Ah, mas não dá a mesma soma?” Sim, mas são pulsos diferentes. Enquanto
dois-um significa sair da dualidade para entrar na unidade, o um-dois parte de coisas
pré-concebidas para fazer escolhas. Isso normalmente deixa o doze em dificuldade
de criar uma situação possível (MARIMON, entrevista pessoal, 8 set. 2016).

O segundo quadrante é o quadrante inferior esquerdo, que diz respeito ao número do


mês de nascimento. O número quase sempre é interpretado sem reduções, salvo dois casos: o
mês de outubro (número 10) é interpretado como sendo idêntico ao mês de janeiro (número
145

1), e o mês de dezembro (número 12) é interpretado como possuindo as energias do 3 (1 + 2),
e também dos dígitos que compõem o número, o 1 e o 2. É especificamente o caso que
Marimon utilizou em seu exemplo da citação longa da página anterior. Esse quadrante, na
concepção dos naturólogos, é a essência da alma, e é considerado em conjunto da coroa
xamânica (MARIMON, entrevista pessoal, 8 set. 2016; ALVES, 2017, p. 53).
O terceiro quadrante é o quadrante superior direito, que diz respeito à redução dos dois
últimos dígitos do ano de nascimento. Para os naturólogos, ele simboliza a forma como a
pessoa se expressa no mundo (ALVES, 2017, p. 53). A não ser que o paciente tenha nascido
em um ano terminado em 11, 22 ou 33, esse número sempre é reduzido para um único dígito,
respeitando as interpretações dos nove arquétipos do espírito.
Na sequência o quadrante inferior direito diz respeito à energia ancestral. Através da
soma de todos os números do ano de nascimento, seria a memória ascendente mais recente
(última encarnação) e teria relação com os padrões familiares (ALVES, 2017, p. 53).

Figura 8 – Quadrantes da medicina dos números.

Condução da alma: Movimento:


(Soma dos números do dia do nascimento). (Soma dos dois últimos dígitos do ano de
É o caminho/trilha do self. nascimento)
Constituição, indivíduo. Expressão, forma de movimento.

Propósito de vida:
Soma da condução da
alma, da essência da alma
e da energia ancestral.

Essência da alma: Energia ancestral:


(Soma dos números do mês de nascimento). (Soma de todos os dígitos do ano de
nascimento).

Fonte: elaborado pelo autor (2018), com base em Alves (2017, p. 49-53) e entrevistas com Marimon.

Com os números resultantes do quadrante superior esquerdo (condução da alma), do


quadrante inferior esquerdo (essência da alma) e do quadrante inferior direito (energia
ancestral), o último quadrante central é calculado. Essa é a posição que mais se distancia do
método da numerologia moderna. Fala sobre o lugar do ser humano no mundo, cujo número é
a soma desses outros três valores, respeitando a regra dos números mestres. Isso significa que
146

se a data de nascimento é o dia 11 ou 22, ou se o mês de nascimento é novembro (11), esses


números serão somados sem redução. Por exemplo, uma pessoa nascida em 22 de novembro
de 1959 teria o ano reduzido (1 + 9 + 5 + 9 = 24; e 2 + 4 = 6), mas o cálculo restante seria
feito com os números mestres sem redução: 22 + 11 + 6.
Ao calcular o valor do quadrante central, os naturólogos então somam esses três
valores sem mais recorrer à redução. Isso significa que o valor obtido quase sempre será um
número de dois dígitos. Utilizando o exemplo acima, uma pessoa nascida em 22 de novembro
de 1959 teria nesse quadrante o valor final de 39 (22 + 11 + 6).
Então, esse valor é classificado em três grupos: (1) se for inferior a 23; (2) se estiver
entre 23 e 32; e (3) se for superior a 32. De acordo com Marimon, isso representa “as eras das
civilizações, ou seja, 32 e 23 mil anos” (MARIMON, entrevista pessoal, 13 out. 2017). Em
outras palavras, seria o número de anos que esse espírito estaria vivendo no planeta Terra,
somando todas as suas encarnações. É uma forma de interpretação que foi canalizada por
Marimon em uma terapia meditativa que ele fez com a sannyasin Ma Deva Asha, do
Movimento Rajneesh (MARIMON, entrevista pessoal, 24 nov. 2016).
Os três resultados diferentes recebem nomes e características distintas. Àqueles cuja
soma dos três valores é superior a 32 (ou seja, que estariam há mais de 32 mil anos na terra)
são chamados de “espíritos terráqueos”. Referem-se ao surgimento do próprio Homo sapiens
sapiens, e seriam espíritos caracterizados “por um processo de entendimento melhor das
forças da natureza, […] a ideia de você se agrupar para se proteger e manter uma certa coesão
de valores, […] poder estar com a natureza, sem lutar contra ela ” (MARIMON, entrevista
pessoal, 13 out. 2017).
Quando a soma dos três valores fica entre 23 e 32 (ou seja, espíritos encarnandos há
menos de 32 mil anos, mas há mais de 23 mil anos), essas pessoas são chamadas de “espíritos
atlantes”. Diz respeito ao desenvolvimento tecnológico, cujos espíritos estariam relacionados
à “habilidade, ao processo de desenvolvimento da inteligência, […] à capacidade que temos
de manipular a natureza ao nosso redor” (MARIMON, entrevista pessoal, 13 out. 2017). Ao
passo que os espíritos terrenos conseguem viver em harmonia com a natureza, os espíritos
atlantes se caracterizam justamente pela luta contra ela, visando à sua dominação.
O grupo final é o daqueles cuja soma é inferior a 23 (ou seja, que estariam encarnando
há menos de 23 mil anos). Esses são chamados emicamente de “espíritos extraterrestres”, e
seriam almas que recentemente teriam integrado o plano terráqueo. Eles estariam relacionados
ao discurso holístico e ao apelo pelo holográfico. Seriam espíritos que “falam de novos
tempos, recomeços. São essas as figuras que vêm frear aquele momento que os atlantes
147

iniciaram, rumo à autodestruição [planetária]” (MARIMON, entrevista pessoal, 13 out. 2017).


São os espíritos da Nova Era e da essência da naturologia.

MEDICINA DOS ANIMAIS

A medicina dos animais, também referida no meio naturológico como animais de


poder, espíritos animais ou linguagem dos animais, diz respeito à concepção de que cada
pessoa possui um espírito animal que age como seu guardião espiritual tanto quanto a uma
noção de que as espécies animais possuem aspectos sutis que podem ser evocados durante a
terapia para auxiliar os pacientes. É uma prática que também não aparece descrita no projeto
pedagógico do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL,
2014), mas que foi atestada pela maioria dos naturólogos entrevistados.
O trabalho com animais de poder é algo historicamente descrito no xamanismo pelo
menos desde as publicações de Eliade (2005, p. 8272-8274; 2002, p. 115), quem já
considerava a presença de espíritos animais como um dos pressupostos xamânicos, utilizando
o termo “linguagem dos animais”. Pela popularidade de Eliade nos meios da Nova Era –
conforme atestado por Geertz (1993) e von Stuckrad (2002) –, a categoria “animal de poder”
também passou a ser considerada importante ao neoxamanismo.
A apropriação de espíritos animais enquanto instrumento de cura no neoxamanismo é
descrita por Caicedo (2007, p. 119), quem explica que eles são evocados nos contextos
urbanos como ferramentas de retorno ao equilíbrio do ser humano com a natureza. Esse poder
que os xamãs urbanos atribuem aos animais é explicado por Gomes (2013, p. 203) como uma
forma de emanação, como se os animais possuíssem a capacidade de exalar energias
espirituais que permitiriam um processo de identificação dos seres humanos com aspectos
específicos (usualmente comportamentais) de suas vidas.
Em seu estudo da apropriação de xamanismos pelos novaeristas, Johnson (1995)
também atesta a grande importância que os animais possuem nos meios neoxamânicos dos
Estados Unidos. Ele descreve sobre a figura mítica do animal de poder nas jornadas de
descida e subida do xamã ao mundo inferior e ao mundo superior no xamanismo tradicional
(p. 172), e comenta sobre como esse conceito vai sendo simplificado de modo bastante solto
pelos xamãs urbanos, mesclado com coisas como anjos da guarda, Virgem Maria e outros
elementos simbólicos mais gerais do imaginário religioso esotérico (p. 173). Johnson também
identifica a centralidade dos animais na obra de Harner (p. 166), o criador do conceito de
xamanismo essencial.
148

Lindquist (2005, p. 8294) explica que no neoxamanismo o mais comum é que os


animais de poder estejam relacionados ao mundo inferior. Através de jornadas guiadas por
tambor, o xamã urbano proporcionaria ao buscador espiritual um mergulho meditativo nesse
mundo, promovendo o resgate de seu espírito animal. Uma vez resgatado, o animal de poder
passaria então a agir como um espírito guardião, e às vezes se torna um ajudante espiritual. A
pesquisadora descreve também que usualmente os participantes são instruídos a sempre
encontrarem animais silvestres nessa jornada, por simbolizarem o “natural”. Embora em
teoria o espírito de qualquer animal pudesse ser resgatado, Lindquist atenta ao fato de que
parece haver certa hegemonia das espécies que usualmente são descritas como animais de
poder nos meios neoxamânicos.
Von Stuckrad (2002, p. 777) confirma as descrições de Lindquist, acrescentando ainda
que uma vez que o espírito animal é resgatado do mundo inferior com o tambor, o buscador
espiritual pode então estreitar sua relação espiritual “dançando” o seu animal de poder. Em
outras palavras, o buscador espiritual que teve seu espírito animal resgatado pode agora
representar os movimentos do animal em uma dança religiosa que tem como finalidade
evocar suas características. E, nesse momento, o chocalho assume o papel de instrumento
mais importante no neoxamanismo.
No Brasil, a importância dos animais de poder no neoxamanismo foi atestada tanto por
Magnani (1999, p. 122, 125; 2005, p. 222-223) quanto por Gomes (2013, p. 203) e Leite
(2016, p. 209). Magnani, em específico, descreve que:

As referências [dos xamãs urbanos brasileiros] são sempre a ritos, mitos, lendas e
práticas atribuídas de forma geral aos ‘índios norte-americanos’. […] Apesar dessa
filiação, têm lugar garantido determinados instrumentos e técnicas de uso corrente
no meio neo-esotérico […], como os cristais, manipulação dos chakras, práticas
meditativas e outros ingredientes (MAGNANI, 1999, p. 122).

Isso também acontece no xamanismo da naturologia. As espécies ensinadas nas aulas


de Marimon são os animais da América do Norte. Vários animais símbolos da fauna brasileira
estão ausentes do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, como a
anta, a arara, o bicho-preguiça, o peixe-boi, o jacaré, a onça-pintada, o tucano e a capivara.
Ainda que os naturólogos assumam que os animais brasileiros também possuam suas
medicinas, o foco é direcionado ao ecossistema dos índios norte-americanos. Na sequência,
apresento a lista dos 44 animais selecionados para serem ensinados aos estudantes de
naturologia.
149

Tabela 26 – A medicina dos animais.

1 Águia (eagle) O espírito


2 Falcão (hawk) O mensageiro
3 Cervo canadense (elk) A força
4 Gamo (deer) A gentileza
5 Urso (bear) A introspecção
6 Cobra (snake) A transmutação
7 Cangambá (skunk) A reputação
8 Lontra (otter) A medicina da mulher
9 Borboleta (butterfly) A transformação
10 Tartaruga (turtle) A Mãe Terra
11 Alce (moose) A autoestima
12 Porco-espinho (porcupine) A inocência
13 Coiote (coyote) O trapaceiro
14 Cachorro (dog) A lealdade
15 Lobo (wolf) O professor
16 Gralha (raven) A magia
17 Puma (mountain lion) A liderança
18 Lince (lynx) Os segredos
19 Búfalo (buffalo) A prece e a abundância
20 Rato (mouse) A minúcia
21 Coruja (owl) A decepção
22 Castor (beaver) O construtor
23 Gambá (opossum) A distração
24 Corvo (crow) A lei
25 Raposa (fox) A camuflagem
26 Esquilo (squirrel) O armazenamento
27 Libélula (dragonfly) A ilusão
28 Tatu (armadillo) Os limites
29 Texugo (badger) A agressividade
30 Coelho (rabbit) O medo
31 Peru (turkey) A doação
32 Formiga (ant) A paciência
33 Doninha (weasel) A discrição
34 Galo silvestre (grouse) A espiral sagrada
35 Cavalo (horse) O poder
36 Lagarto (lizard) O sonhar
37 Antílope (antelope) A ação
38 Sapo (frog) A purificação
39 Cisne (swan) A graça
40 Golfinho (dolphin) A força vital
41 Baleia (whale) A guardiã da memória
42 Morcego (bat) O renascimento
43 Aranha (spider) O tecer
44 Beija-flor (hummingbird) A alegria

Fonte: elaborado pelo autor (2018), com base em Marimon (2010).


150

Como é possível constatar, os animais são ensinados seguindo uma ordem numérica.
Além disso, são associadas a eles palavras-chave, que representam o arquétipo ou energia
sutil que cada animal desenvolveria nos seres humanos através de sua medicina. Essa ordem e
o significado são retirados do livro Cartas xamânicas, de Jamie Sams e David Carson (2000),
um tarô neoxamânico cujas lâminas são imagens de animais. Mas diferente da medicina das
cores, a qual classifiquei como uma criptoastrologia, e da medicina dos números, que também
classifiquei como uma criptonumerologia, não considero que a medicina dos animais seja
uma criptocartomancia.
De modo geral, todos os naturólogos demonstraram facilidade em identificar que a
fonte principal das aulas de Marimon é esse tarô. Isso, inclusive, é explicitado pelo fato de
que grande parte dos estudantes possui o tarô para consulta dos significados dos animais.
Nesse sentido, o prefixo cripto- (“escondido”) não se aplica à prática em questão. Do mesmo
modo, embora sua fonte teórica seja esse baralho, os naturólogos não utilizam as cartas. Eles
apenas recorrem ao livro explicativo para consultarem o significado simbólico da medicina
dos animais. A fonte de interpretação, nesse sentido, é um tarô, mas o método que caracteriza
a utilização da medicina dos animais pela naturologia é distinto o suficiente para declarar que
não se trata de cartomancia.
A forma mais comum de trabalho com os animais de poder entre os naturólogos diz
respeito a um trabalho simbólico que promoveria as energias sutis relacionadas a um ou mais
animais em questão. As etapas de como isso ocorre dentro do consultório foram explicadas
por uma naturóloga: “[primeiro] eu vou, através da pessoa, perguntar o que significa aquele
animal para ela, qual o simbolismo para ela, e depois eu trago a simbologia daquele animal
[segundo a medicina xamânica] para ver se ajuda a ter insights ou conduzir a vida dela”
(KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017). Essa aplicação se justificaria pela própria
ideia que os naturólogos possuem sobre o que é um animal de poder: uma ferramenta
espiritual de promoção do empoderamento e crescimento pessoal.
Citando alguns exemplos, uma entrevistada definiu animal de poder como “um animal
que tu tens como um auxiliar para despertar a tua potencialidade” (SILVA, entrevista pessoal,
4 jan. 2017). Outro naturólogo explicou essa prática como “o simbolismo básico de cada
animal e o que ele representa na tua vida, qual a lição que você pode aprender observando ou
estudando o comportamento desse animal” (KUHNEN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017).
Uma terceira participante disse que “para o xamanismo, cada animal guarda um tipo de
medicina. Dependendo do caso da pessoa, pode ser que ela necessite de um determinado
animal” (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016). Uma quarta entrevistada disse que
151

trabalhar com animais de poder em consultório “é trazer o arquétipo daquele animal. […]
Esses arquétipos dos animais podem ajudar as pessoas a trabalhar dentro do consultório”
(KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017). Um último participante disse que “a partir
das vivências [dos espíritos animais], a gente pode ir indo conhecendo a nós mesmos e
também pode passar a utilizar esses arquétipos que transpassam a questão dos animais”
(LANZA, entrevista pessoal, 1 abr. 2017).
Existe entre os naturólogos também uma ideia de que o animal de poder seria uma
espécie de espírito guardião relacionado à jornada de vida das pessoas. Isso apareceu em
diversas falas. Uma naturóloga disse que “quando você está saindo dos eixos, você pode
chamar ele [animal de poder] para ele vir e te fortalecer” (KATEKARU, entrevista pessoal,
29 mar. 2017). Outro naturólogo explicou que o animal de poder “é um animal que nos
acompanha desde a nossa tenra idade até o final de nossa vida, e provavelmente aquele animal
guarda as nossas maiores potencialidades e os nossos maiores problemas [e] desafios”
(LANZA, entrevista pessoal, 1 abr. 2017). Uma última respondente declarou que imaginava o
animal de poder “como um espírito guardião” (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).
Sobre esse ponto, a visão se justifica por uma crença generalizada entre os naturólogos
que trabalham com medicina xamânica de que todas as pessoas possuem um animal de poder
pessoal, que seria atribuído no nascimento. Nas palavras dessa última naturóloga:

Todos temos uma familiaridade com algum animal. É uma coisa que está junto.
Então tu entras em contato com esse animal, e ele te acompanha e pode ser um
símbolo nos momentos que tu estejas mais fragilizado ou [enfrentando] alguma
coisa muito difícil de resolver. Se tu tens essa sensibilidade de recorrer a alguma
coisa, é só lembrar que esse animal talvez possa te auxiliar. Ou então se pensar
como esse animal. “O que uma coruja faria nesse momento?”. É uma das coisas que
a gente pode se perguntar (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).

Mas outras formas de trabalho também foram relatadas. Dois entrevistados


mencionaram a confecção de “totens pessoais” por Marimon, através da vivência religiosa
privada dele com a roda de medicina (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016; KUHNEN,
entrevista pessoal, 11 jan. 2017). Nesse cenário, nove espíritos animais seriam atribuídos a
cada pessoa. Nas palavras de uma naturóloga, “cada um desses animais traz um significado
que basicamente seria quem eu sou e o que me compõe” (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov.
2016), ou seja, o totem pessoal seria uma fotografia espiritual da essência verdadeira de quem
é a pessoa analisada. Assim como ocorre na utilização da roda de medicina enquanto oráculo,
Marimon (entrevista pessoal, 5 ago. 2017) também disse que alguns outros professores do
152

curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina solicitam-no para confeccionar


o totem pessoal deles.
Mas do mesmo modo que Marimon não ensina aos estudantes de naturologia como
abrir uma roda de medicina por eles mesmos, também a elaboração dos totens pessoais não
faz parte do conteúdo ensinado por ele em sala de aula. Quando perguntei a uma das pessoas
que relatou essa utilização dos animais de poder na naturologia sobre como montar o totem
pessoal, ela respondeu: “Não faço a mínima ideia [risos]. Eu sei que existem rituais
específicos para isso, mas como nunca vivenciei ou presenciei nenhum, não sei em detalhes
como eles funcionam” (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Outra forma mais ritualística de trabalho com a medicina dos animais diz respeito ao
resgate do animal de poder. Visualizações guiadas em sala de aula visando esse objetivo
foram atestadas por alguns entrevistados, que disseram que Marimon realiza esse tipo de
vivência espiritual na própria universidade, para que os estudantes possam identificar qual é o
seu espírito animal. Destaco uma das falas coletadas:

Eu lembro que ele [Marimon] fez uma vivência dentro de sala [de aula], mas de uma
forma bem simples. Uma visualização guiada. “Imagina que vocês estão andando
em algum lugar e daí vocês veem um animal”. Era uma coisa bem simples. A
maioria [dos alunos] conseguiu ver. O meu foi um galo silvestre, eu lembro até hoje
(SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).

Outra participante descreveu o mesmo ritual da seguinte forma:

Ele [Marimon] estava vestido meio que de xamã e tocou o tambor. Ele pedia para as
pessoas fecharem os olhos, numa posição confortável, porque tinha bastante alunos,
e ele começou a conduzir a meditação, para a gente fazer um caminho na terra, e
nesse caminho da terra a gente vai achar uma caverna. E aí ele fala para sentir as
texturas, os cheiros, todas as sensações dentro dessa caverna, e nessa caverna vai
aparecer um animal ou os animais. E aí nessa caminhada nessa caverna que ele vai
conduzindo, aquele animal que sempre estiver contigo ou que te atacar e que
conseguir sair contigo até fora da caverna, quando estiver terminando a visualização,
que poderia ser o seu animal de poder ou aquele que você está precisando muito
naquele momento. […] E aí a gente fez esse estudo, e o meu veio três animais.
Então foi tudo bem difícil para mim. Os três, para mim, eram o que eu precisava
naquele momento (KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017).

Como o sistema compilado por Sams e Carson (cf. 2000) consiste em um baralho de
44 cartas, serei breve na apresentação dos significados de cada animal, seguindo as descrições
do livro explicativo sobre esse tarô e também o material de suporte às aulas de Marimon (cf.
2010).
O primeiro animal é a águia (eagle), cuja palavra-chave é “espírito” (spirit). É descrita
em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como um símbolo do
153

próprio xamã, visto que teria a capacidade de viver no mundo superior, o reino do espírito, e
ainda assim manter sua conexão com o mundo médio, a terra. Nesse sentido, simboliza a
conexão direta com o Divino a própria força do Grande Espírito. Por reger o Caminho da
Visão na roda de medicina, existe uma leitura muito forte do voo alto da águia com a
possibilidade de enxergar nossos caminhos entre as leituras dos naturólogos. Nas palavras de
Marimon (2010, slide 21), “voar livre como a águia fará com que sejamos felizes e
encontremos nossa verdadeira essência”.
O segundo animal é o falcão (hawk), cuja palavra-chave é “mensageiro” (messenger).
É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como
relacionado ao deus romano Mercúrio, o mensageiro dos deuses. Seria o responsável por
promover a força necessária para superar situações difíceis e a medicina animal que ensina
como ser mais contemplativo, ou seja, “observar aquilo que se esconde sob a objetividade das
coisas aparentes, descobrindo as nuances do poder” (MARIMON, 2010, slide 25).
O terceiro animal é o cervo canadense (elk), cuja palavra-chave é “força” (stamina). É
descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como um
animal extremamente sexual, cuja busca constante por parceiras durante a época do
acasalamento exige grandes reservas de energia, o que ele obtém ao longo de todo o ano para
atingir esse objetivo de forma plena. Seria, portanto, a medicina que ensina a rever os próprios
planos e a traçar estratégias de ação, através da disciplina e da determinação.
O quarto animal é o gamo (deer), cuja palavra-chave é “gentileza” (gentleness). É
descrito em Sams e Carson (2000) sem gênero definido, e no material de suporte de Marimon
(2010) sempre no feminino. Seria a medicina que “nos ensina a usar o poder da gentileza para
tocar o coração e as mentes de todos os seres machucados pela existência” (MARIMON,
2010, slide 32) e a “amar os outros do jeito que são, e não tentar mudá-los à força” (slide 33).
O quinto animal é o urso (bear), cuja palavra-chave é “introspecção” (introspection).
É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como o
animal regente do oeste. A relação com a introspecção é traçada por uma leitura simbólica do
período de hibernação, que é tido como um momento para digerir as experiências do ano que
passou. Existe uma concepção muito forte de que esse voltar-se a si seria uma forma de
buscar as respostas aos dilemas pessoais, sob a máxima novaerista de que se o que
procuramos não está dentro de nós, não será fora que encontraremos. Nesse sentido, os
naturólogos entendem que “enquanto o urso sonha em sua caverna, está buscando respostas e
soluções para o seus problemas” (MARIMON, 2010, slide 37).
154

O sexto animal é a cobra (snake), cuja palavra-chave é “transmutação”


(transmutation). Essa palavra e descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
Marimon (2010) como o próprio ciclo da vida, que consiste em nascer, morrer e renascer.
Seria o transmutar de todos os venenos após levar múltiplas picadas, sejam elas físicas,
mentais, emocionais ou espirituais. Por isso é também vista como uma medicina de entrega.
O sétimo animal é o cangambá (skunk), cuja palavra-chave é “reputação” (reputation).
É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como um
animal muito poderoso, visto sua capacidade de manter os outros seres à distância não através
de uma ameaça às suas vidas, mas sim aos seus sentidos. Nesse sentido, o que é entendido
aqui como reputação é um sinônimo para a capacidade de impor respeito.
O oitavo animal é a lontra (otter), cuja palavra-chave é “medicina da mulher” (woman
medicine). É descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
como o animal que “engloba lições sobre a energia feminina, aplicáveis tanto para homens
quanto para mulheres” (MARIMON, 2010, slide 46). Explora muito a concepção simbólica
do que é ser mulher nas culturas ocidentais: ser carinhoso, relação com a casa e com as
crianças, ser companheira. E também atentaria aos aspectos negativos que socialmente são
atribuídos às mulheres nessas culturas: ciúmes, vingança, preocupação excessiva com os entes
queridos.
O nono animal é a borboleta (butterfly), cuja palavra-chave é “transformação”
(transformation). Tanto Sams e Carson (2000) quanto o material de suporte de Marimon
(2010) distinguem sua palavra-chave da palavra-chave da medicina da cobra, que é a
“transmutação”. Na borboleta é muito explorada a questão das mudanças de fase da vida, em
uma leitura simbólica dos processos metamórficos pelos quais as borboletas passam em seu
ciclo de vida: ovo, larva, casulo e inseto adulto. Essas mudanças são entendidas por uma
chave de leitura psicologizada, fazendo um apelo à mudança dos próprios padrões de
pensamento.
O décimo animal é a tartaruga (turtle), cuja palavra-chave é “Mãe Terra” (Mother
Earth). É descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
como o símbolo mais antigo a representar o planeta Terra, e por isso sua medicina estaria
relacionada às questões de conexão com o planeta e de se resguardar de profanações. É
também explorada a sua forma de reprodução, na qual a fêmea enterra os ovos para que sejam
chocados. Isso é interpretado pelos naturólogos como uma alegoria à mente: “A tartaruga
enterra seus pensamentos na terra para amadurecê-los antes de deixá-los virem à luz”
(MARIMON, 2010, slide 62).
155

O décimo primeiro animal é o alce (moose), cuja palavra-chave é “autoestima” (self


esteem). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
como a medicina que ensina os seres humanos a terem orgulho de serem o que são, sem
necessariamente buscar por reconhecimento externo ou aplausos. “O significado da medicina
é orgulhar-se de poder realizar algo. Pode ser vencer um vício, concretizar um trabalho,
realizar uma meta ou superar uma falha de caráter” (MARIMON, 2010, slide 66). Em Sams e
Carson (2000) ele é relacionado ao quadrante norte da roda de medicina.
O décimo segundo animal é o porco-espinho (porcupine), cuja palavra-chave é
“inocência” (innocence). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
Marimon (2010) como o animal relacionado ao quadrante sul na roda de medicina. Estaria
relacionado à gentileza, à fé, à humildade e à confiança. Seus espinhos são vistos como armas
que só seriam utilizadas se a confiança é rompida. Por isso, representa a importância do
resguardo da inocência infantil, que uma vez quebrada é muito difícil de recuperar.
O décimo terceiro animal é o coiote (coyote), cuja palavra-chave é “trapaceiro”
(trickster). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de Marimon (2010) como a
figura mitológica do trickster clássico, cujo papel é ambíguo: ao mesmo tempo essencial e
perigoso, bom e ruim, anunciador de mudanças significativas e de desastres. Por isso é
também relacionado à loucura. “Ao se encontrar de um desastre para o outro, ele aprimora
seus recursos de autossabotagem até às raias da perfeição” (MARIMON, 2010, slide 74).
O décimo quarto animal é o cachorro (dog), cuja palavra-chave é “lealdade” (loyalty).
É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) pela relação
histórica entre cachorros e humanos, cujo papel simbólico é ao mesmo tempo o de melhor
amigo quanto de protetor de seu território. Também é explorado o fato de que mesmo
maltratado o cachorro tende a se manter fiel a sua matilha: “até mesmo surrado o cachorro
será capaz de dedicar amor a esta pessoa que o tratou tão mal” (MARIMON, 2010, p. 78). Os
questionamentos promovidos por sua medicina giram em torno de quão fieis as pessoas se
mantêm aos seus princípios e às suas amizades.
O décimo quinto animal é o lobo (wolf), cuja palavra-chave é “professor” (teacher). É
descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como um
precursor de novas ideias que descobre caminhos e retorna ao clã para compartilhar o que
aprendeu. Portanto, é uma medicina que alterna momentos de grande solidão com retornos
periódicos à vida em comunidade. “Ao uivar para a lua, o lobo manifesta seu desejo de entrar
em contato com novas ideias que se ocultam sob a superfície da mente consciente”
(MARIMON, 2010, slide 89).
156

O décimo sexto animal é a gralha (raven), cuja palavra-chave é “magia” (magic). É


descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como
relacionada à feitiçaria e a alguém que conquista o respeito pelo medo, e não pela admiração.
A gralha é, porém, também relacionada aos espíritos ancestrais, visto ser considerada uma das
poucas que tem a coragem de penetrar nas trevas do vazio, o reino da morte.
O décimo sétimo animal é o puma (mountain lion), cuja palavra-chave é “liderança”
(leadership). Sua medicina é descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
Marimon (2010) como responsável por aprendermos a equilibrar nossos propósitos, nossos
poderes, nossa força e nossa elegância. Também é considerado um animal difícil de se
trabalhar, visto que a posição de liderança sempre é uma faca de dois gumes: o líder possui
sempre um alvo em suas costas, e é o primeiro a ser responsabilizado se algo dá errado. Além
disso, é muito difícil agradar a todos enquanto líder. “O papel do líder não é o de contentar a
todos, mas o de trazer a verdade à luz” (MARIMON, 2010, slide 103).
O décimo oitavo animal é o lince (lynx), cuja palavra-chave é “segredos” (secrets). É
descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como
relacionado aos clarividentes e às escolas de mistérios. Seria o guardião dos segredos, além
daquele que representa o que não sabemos sobre nós mesmos. Também seria evocado para
identificar mentiras.
O décimo nono animal é o búfalo (buffalo), cujas palavras-chave são “prece” e
“abundância” (prayer and abundance). Em Sams e Carson (2000) toda essa medicina é
descrita em alegorias ao mito de Ptesáŋwiŋ, deusa lakota da abudnância, descrita como uma
mulher búfalo branco. Mas no material de suporte de Marimon (2010) a questão mitológica
foi totalmente apagada. O professor cita apenas a medicina do búfalo em dois slides, focando
na importância da gratidão e da partilha, atributos também relacionados à deusa.
O vigésimo animal é o rato (mouse), cuja palavra-chave é “minúcia” (scrutiny). É
descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como
relacionado à ciência e à sistematização do conhecimento. Contudo, sua maior qualidade
também é vista como seu maior defeito, pois o excesso de minúcia pode fazer com que se
perca nos detalhes.
O vigésimo primeiro animal é a coruja (owl), cuja palavra-chave é “decepção”
(deception). É descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
como ligada ao leste, pois seria a “águia da noite”. A sua medicina é a medicina da
clarividência, visto a coruja ser amiga do escuro. Portanto, seu ensinamento seria o de
aprender a sermos mais espertos que a decepção, utilizando a intuição a nosso favor.
157

O vigésimo segundo animal é o castor (beaver), cuja palavra-chave é “construtor”


(constructor). A relação simbólica descrita em Sams e Carson (2000) e no material de
Marimon (2010) tem origem óbvia: o fato de castores construírem barragens naturais, as quais
utilizam como casa. Seria a medicina relacionada ao trabalho e a se sentir satisfeito por dar o
máximo de si em cada situação da vida.
O vigésimo terceiro animal é o gambá (opossum), cuja palavra-chave é “distração”
(diversion). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
por sua característica de se fingir de morto para fugir dos problemas. É, portanto, a medicina
da estratégia, de usar o bom senso, de traçar planos para se antecipar ao inesperado. E se tudo
der errado, ele promove a capacidade da dissimulação.
O vigésimo quarto animal é o corvo (crow), cuja palavra-chave é “lei” (law). É
descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como o
animal das leis sagradas, que são definidas como a lei da expansão. Portanto, sua medicina
nos ensinaria a não nos focarmos nos problemas, e sim no que dá certo em nossa vida.
O vigésimo quinto animal é a raposa (fox), cuja palavra-chave é “camuflagem”
(camouflage). É descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon
(2010) como um animal que desaparece na vegetação rasteira da floresta. Por isso, sua
medicina seria aquela que nos ensinaria a nos misturarmos no meio da multidão e não sermos
o centro da atenção.
O vigésimo sexto animal é o esquilo (squirrel), cuja palavra-chave é
“armazenamento” (gathering). O comportamento animal que orientou tanto Sams e Carson
(2000) quanto o material de suporte de Marimon (2010) é evidente: esquilos coletam uma
grande quantidade de comida para os meses de inverno. Sua medicina estaria relacionada, em
especial, à capacidade de armazenar energia e à utilização correta do tempo e da energia
armazenada.
O vigésimo sétimo animal é a libélula (dragonfly), cuja palavra-chave é “ilusão”
(illusion). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
por um mito, no qual o “coiote desafiou o dragão a mudar de forma, e seu ego o deixou assim,
como uma libélula” (MARIMON, 2010, slide 155). Sua medicina estaria relacionada ao
confronto de coisas que negamos a nós mesmos e a quebra de ilusões, visando honrar nossas
verdades interiores.
O vigésimo oitavo animal é o tatu (armadillo), cuja palavra-chave é “limites”
(boundaries). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon
(2010) em leitura simbólica com sua forte carapaça, um importante limite entre o animal e o
158

meio que o cerca. Nesse sentido, sua medicina diria respeito a estabelecer limites pessoais
claros, utilizando “a medicina do sim e do não” (MARIMON, 2010, slide 159).
O vigésimo nono animal é o texugo (badger), cuja palavra-chave é “agressividade”
(aggressiveness). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon
(2010) como um bicho arisco, de temperamento hostil, que ataca à menor provocação. Isso é
traduzido em uma medicina que estaria relacionada a “enfrentar os desafios com mais
agressividade, empenhar-se mais, reagir para mudar sua vida” (MARIMON, 2010, slide 162).
O trigésimo animal é o coelho (rabbit), cuja palavra-chave é “medo” (fear). É descrito
em Sams e Carson (2000) e no material de Marimon (2010) como um animal medroso, oposto
ao texugo. Na transplantação de seu comportamento animal para a leitura psicologizada da
medicina dos animais, é considerado que “temem tanto as doenças, as desgraças, as tragédias
e a morte que acabam por viver esses aspectos” (MARIMON, 2010, slide 164). Sua medicina,
portanto, seria aquela que nos ensinaria a banirmos o medo de nossas vidas.
O trigésimo primeiro animal é o peru (turkey), e a palavra-chave escolhida foi
“doação” (give-away). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
Marimon (2010) como relacionado ao sul na roda de medicina. A importância do sacrifício do
peru, algo que faz parte da cultura estadunidense por sua centralidade no Thanksgiving, marca
grande parte da tônica do que é considerado como sendo a medicina do peru. É explorada a
importância da entrega, de se doar completamente como o peru que se doa para garantir os
banquetes de novembro. Também é brevemente citado algo sobre a medicina do peru estar
relacionada com presentes, em uma relação implícita com o Natal.
O trigésimo segundo é a formiga (ant), cuja palavra-chave é “paciência” (patience). É
descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como um
animal que possui a vitalidade do cervo canadense, a minúcia do rato, a agressividade do
texugo, a generosidade do peru e a habilidade construtora do castor. Sua medicina seria a da
própria paciência, visto que de grão em grão as formigas constroem suas colônias.
O trigésimo terceiro animal é a doninha (weasel), cuja palavra-chave é “discrição”
(stealth). É descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
como um animal que consegue enxergar além das aparências e dissimulações. Sua medicina
seria a medicina do detetive, pois a curiosidade da doninha lhe permite encontrar os motivos
ocultos por trás de qualquer situação.
O trigésimo quarto animal é o galo silvestre (grouse), cuja palavra-chave é “espiral
sagrada” (sacred spiral). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
159

Marimon (2010) como relacionado ao centramento, a encontrar o próprio ritmo e honrar a


sincronicidade.
O trigésimo quinto animal é o cavalo (horse), cuja palavra-chave é “poder” (power). É
descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) em leitura
simbólica de sua relação com os humanos, visto que sem cavalos os humanos são lentos e
limitados em que podem carregar, mas com cavalos se tornam rápidos como o vento e podem
carregar muito mais peso de um lugar para o outro.
O trigésimo sexto animal é o lagarto (lizard), cuja palavra-chave é “sonhar”
(dreaming). Sua medicina é descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
Marimon (2010) como a medicina de recuperação de antigos objetivos que foram perdidos
pelo tempo. Além disso, o lagarto também proporcionaria a escuta das mensagens dos nossos
próprios sonhos.
O trigésimo sétimo animal é o antílope (antelope), cuja palavra-chave é “ação”
(action). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
como um convite à ação imediata, e ao rompimento de padrões de procrastinação. Marimon
(2010), especificamente, o relaciona também à noção de “ação correta”, que aparece na roda
de medicina, no quadrante do norte. Isso estaria contido em três passos: “(1) ter o desejo de
fazer algo; (2) tomar a firme decisão de iniciar algo; (3) fazer o que tem que ser feito” (slide
217).
O trigésimo oitavo animal é o sapo (frog), cuja palavra-chave é “purificação”
(cleansing). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
como um animal relacionado à água e às chuvas, o que faz com que sua medicina seja
relacionada à purificação mental e emocional.
O trigésimo nono animal é o cisne (swan), cuja palavra-chave é “graça” (grace). É
descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como
relacionado à morte e ao mundo espiritualã. Sua medicina seria aquela que “nos ensina a nos
rendermos à graça do ritmo do universo e a abandonarmos o nosso corpo físico para
penetrarmos na dimensão dos sonhos a partir da aceitação” (MARIMON, 2010, slide 230).
Portanto, é também um animal que trabalharia processos de resistência às mudanças.
O quadragésimo animal é o golfinho (dolphin), cuja palavra-chave é “força vital”
(manna). No material de suporte de Marimon (2010), porém, um sentido extra é mais bem
explorado: o golfinho trabalharia o ritmo pessoal, o que Sams e Carson (2000) relacionam
muito mais ao galo selvagem, embora também falem algo nesse sentido no livro. Ambas as
interpretações se relacionam à necessidade constante do golfinho subir à superfície para
160

respirar. Enquanto isso é visto como um motivo de ritmo para Marimon, Sams e Carson
interpretaram a respiração como a fonte vital de energia. No caso da interpretação
naturológica, o golfinho seria a criatura que evoluiu seguindo o fluxo das ondas do mar,
articulando o ritmo de sua própria respiração com o ritmo do universo. Essa seria a diferença
entre ele o galo silvestre na busca por ritmo pessoal. Enquanto o galo entra em transe para
estabelecer seu ritmo, o golfinho dançaria conforme a música.
O quadragésimo primeiro animal é a baleia (whale), cuja palavra-chave é “guardiã da
memória” (record keeper). É descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
Marimon (2010) como uma “biblioteca submarina”, a espécie que “assistiu a todos os eventos
que levaram ao aparecimento [das Américas], mantendo, desta forma, vivos os registros desta
época” (MARIMON, 2010, slide 241). São também descritas como possuindo a capacidade
de se conectar com a mente universal de forma involuntária. Sua medicina seria a que nos
ensinaria a confiarmos em nossa jornada.
O quadragésimo segundo animal é o morcego (bat), cuja palavra-chave é
“renascimento” (rebirth). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
Marimon (2010) como outro animal relacionado à morte. Mas ao passo que o cisne seria o
fluxo do tempo rumando em direção ao derradeiro fim, o morcego seria a própria morte
personificada. Sua medicina é a da própria iniciação.
O quadragésimo terceiro animal é a aranha (spider), cuja palavra-chave é “tecer”
(weaving). É descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
como simbolizando a própria criação, em suas infinitas possibilidades. Sua medicina é a
medicina de aprendermos a criar nossa própria felicidade e a tecermos a vida que desejamos
viver.
Finalmente, o último animal é o beija-flor (hummingbird), cuja palavra-chave é
“alegria” (joy). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon
(2010) como um animal fortemente relacionado à espiritualidade, em uma alegoria que não é
possível sermos felizes se não celebramos com honra os mistérios do espírito. Sua medicina
seria aquela que nos ensinaria a nos abrirmos aos prazeres da vida e a abraçar a felicidade.

TERAPIA COM CRISTAIS

A quinta prática mais citada entre os entrevistados foi a terapia com cristais, também
chamada pelos naturólogos como cristalografia ou gemoterapia. Consiste em atribuir a
determinados cristais propriedades medicinais. É um conteúdo que faz parte oficialmente da
161

disciplina de xamanismo no projeto pedagógico do curso de naturologia da Universidade do


Sul de Santa Catarina (UNISUL, 2014, p. 51).
A utilização de cristais como ferramentas terapêuticas é amplamente percebida nos
meios da Nova Era (JOHNSON, 1995; HANEGRAAFF, 1996; HELLAS, 1994; 2008;
D’ANDREA, 2000; HAMMER, 2006b; CHRYSSIDES, 2007; CROWLEY, 2011;
GUERRIERO, 2014; 2016; GUERRIERO, STERN, BESSA, 2016). Na naturologia,
disciplinas específicas para ensinar aos estudantes como trabalhar com a energia sutil dos
cristais são anteriores à introdução do xamanismo. A correlação entre cristais e xamanismo
acontece na naturologia pelo fato de Marimon ter sido o professor de ambas as disciplinas na
Universidade do Sul de Santa Catarina.
Segundo Goulart (entrevista pessoal, 22 nov. 2016), ex-coordenadora do curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, Marimon inicialmente ministrava aulas
no curso por seu conhecimento de cristais advindo de seu bacharelado em geologia. Ele era o
responsável por uma disciplina especifica sobre as supostas propriedades curativas dos
minerais e das rochas. Quando o projeto pedagógico do curso foi reformulado em 2004, a
disciplina de xamanismo foi acrescentada à matriz curricular. Como Marimon já era o
professor da disciplina de cristais, foi natural a identificação dos alunos de que a terapia com
cristais também se tratava de algo xamânico.
A concepção de que a terapia com cristais é algo relacionado aos indígenas foi
atestada por várias pessoas (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017; KUHNEN, entrevista
pessoal, 11 jan. 2017; GESSER, 10 fev. 2017; KATEKARU, 24 mar. 2017; FERREIRA, 29
mar. 2017). No entanto, ao passo que um número considerável de respondentes disse que essa
é uma das práticas centrais da medicina xamânica da naturologia, o único que de fato disse
trabalhar com cristais de forma terapêutica foi o próprio Marimon. O motivo disso é que essa
utilização de cristais pela naturologia é algo fortemente influenciado e orientado pela
formação universitária de Marimon em geologia, e acaba tomando emprestado muitos termos
técnicos que são difíceis ao entendimento dos naturólogos.
Como um geólogo profissional, no início de sua vida adulta Marimon realizou muitas
viagens de campo a locais selvagens e inóspitos. Ele trabalhou para o governo brasileiro
durante a ditadura militar, enquanto especialista em marcação em um projeto federal que
visava delimitar as fronteira geodésicas do país. Posteriormente foi funcionário da Vale S.A.
por duas décadas, trabalhando com a extração de ouro. Isso o permitiu entrar em contato com
diferentes grupos de culturas sertanejas, caboclas e cafuzas. Em cada local que ele visitava,
ele mesclava seu conhecimento técnico de geologia com o sistema local de medicina e sua
162

própria visão espiritualista de mundo. Ao final, Marimon chegou à conclusão de que a


geocronologia possuía relações íntimas com a história da humanidade. Nas palavras dele:

A geologia é assim. Nada simplesmente acontece. […] Quando os magmas


começaram a se fracionar, a ser reassimilados de novo pelo manto e ser
retransformados e jogados para fora de novo, aquilo foi meio que refinando aquele
magma primário e acabando por [formar minerais] cada vez mais ácidos, com mais
quartzos, mais potássio, com mais coisas que não tinham no início da formação da
Terra. Então a sílica, o alumínio e todos esses minerais que a gente tem aí hoje
começaram a acontecer por retrabalhamento da crosta. […] Essa [é uma] ideia de
mundo em constante transformação, a ideia de que não existe nada parado e está
sempre em constante cria-nasce-morre-recria. Por isso foi fácil pra eu entrar na visão
do médico [alternativo] (MARIMON, entrevista pessoal, 28 jun. 2016).

Posteriormente Marimon largou a geologia e se dedicou a ourivesaria. Esse contato


com as pedras preciosas, seu conhecimento prévio de geologia e suas experiências espirituais
no Movimento Rajneesh fizeram-no criar seu próprio sistema de terapia cristal, fortemente
orientado por cakras, pela cromoterapia de Peter Mandel e pela medicina tradicional chinesa.
Tudo isso foi mesclado a conceitos bastante técnicos de geomorfologia, nos quais o sistema
de cristalização, o comprimento de onda de sua cor, e pureza dos cristais influenciariam suas
propriedades medicinais.
Embora manuais e livros sobre terapia com cristais sejam comuns nos meios da Nova
Era, quase nada desse trabalho na naturologia brasileira, especificamente, possui registro. Um
pequeno material sobre o sistema de cristalização e uma relação breve com os quatro
elementos é encontrado no Compêndio de naturologia (cf. ALVES, 2017, p. 46). Mas mesmo
com esse material de consulta, nenhum naturólogo entrevistado soube dizer como exatamente
trabalhar com cristais em consultório.
Apenas considerando as questões geológicas mais técnicas que envolvem a terapia de
cristais criada por Marimon, isso por si só já torna o entendimento desse sistema muito difícil
aos outros naturólogos, que não compartilham do treinamento geológico do professor. Além
disso, Marimon também declara que somente gemas translúcidas e puras (ou seja,
extremamente caras, em padrão de joalheria), possuiriam propriedades curativas totais. Isso
faz com que seu sistema de cura de cristais seja inacessível a quase todos os naturólogos
brasileiros.
Portanto, a terapia com cristais é uma prática que é atestada pelos naturólogos, faz
parte do histórico do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina
(TEIXEIRA, 2013; STERN, 2017), mas é algo que ninguém além do professor declara saber
como utilizar com propriedade.
163

O capítulo anterior e o presente apresentaram as principais categorias êmicas do


xamanismo da naturologia, priorizando a perspectiva dos próprios naturólogos. As práticas
elencadas permitem observar que muito dos bens espirituais do ethos Nova Era, o qual foi
apresentado no segundo capítulo dessa tese (cf. p. 56) e orientaram o período inicial do curso
de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, estão contidos também no
xamanismo naturológico.
Ainda que assumam significado próprio no seio da naturologia brasileira, algumas
dessas práticas são transposições diretas, como a leitura novaerista de healing, o apelo aos
quatro elementos, terapia de cristais e a noção de energias sutis. Outras acabam por adquirir
uma nova roupagem, sendo apresentadas com outros nomes e como algo indígena e
tradicional, embora aparentemente tenham grande proximidade com práticas populares do
esoterismo europeu e da Nova Era, como a numerologia, a astrologia e a utilização de cakras
enquanto centros energéticos.
Apesar de haver outras práticas que pontualmente foram citadas por apenas um
respondente, conforme foi comentado na introdução do presente capítulo, a identificação
dessas ideias norteadoras e práticas terapêuticas que foram mencionadas pela maioria dos
entrevistados acaba por reforçar, até aqui, a hipótese inicial dessa tese, de que como a
naturologia possui confluências importantes com a Nova Era, que elementos novaeristas
também permeariam a sua concepção de xamanismo. Isso será mais bem explorado, porém, a
partir do próximo capítulo, onde será discutido especificamente como os respondentes
definem xamanismo.
164

CAPÍTULO 5
A NATURALIZAÇÃO DO XAMANISMO

O presente capítulo, o último desse trabalho, visa apresentar a ressignificação do


xamanismo pelos naturólogos brasileiros. É, destarte, o momento em que minha tese central é
apresentada. Mas para isso, é necessário antes apresentar o processo de apropriação do
xamanismo pela Nova Era, e o interessante processo em que bens religiosos – indígenas e não
indígenas – passaram a serem condensados em uma forma de generalização que naturaliza o
conceito de xamanismo nos grandes centros urbanos.
Dividi as informações em três seções. Na primeira, apresento a definição acadêmica de
xamanismo, a forma como a antropologia e a ciência da religião normalmente entendem o
xamanismo nos dias de hoje. É importante atentar que essa não é uma tarefa fácil, visto o
próprio termo “xamanismo” ser deveras utilizado nessas duas disciplinas, e possuir definições
que mudaram ao longo do tempo. Contudo, ao final dessa seção serão apresentadas algumas
características que parecem desfrutar de certa concordância entre os cientistas da religião e
antropólogos atuais sobre o que seria algo xamânico.
A segunda seção apresentará as definições dos próprios naturólogos sobre o que eles
entendem por xamanismo. Será possível perceber que os dois estilos de pensamento presentes
no curso de naturologia gera definições distintas de xamanismo. Além disso, também foi
notado que os naturólogos que possuíam formação complementar em antropologia tenderam a
oferecer definições de xamanismo que se distanciava das aulas de Marimon, indo mais ao
encontro da definição acadêmica apresentada na primeira seção. Nesse sentido, foi
reconhecido também que essas pessoas, ainda que por vezes se alinhem ao estilo de
pensamento que dominou o início do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa
Catarina, por vezes acabam por condenar a forma de xamanismo ensinada por Marimon,
agindo em favor do estilo de pensamento biologista mesmo sem concordar totalmente com
ele. Uma das ex-coordenadoras do curso chegou até mesmo a fazer o seguinte comentário:
165

“Tu vais ver muitos professores, inclusive naturólogos formados depois na antropologia, que
são absolutamente críticos do xamanismo do Roberto” (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11
jan. 2017).
Por fim, uma última seção discutirá especificamente o processo de ressignificação da
categoria xamanismo na naturologia brasileira.

DEFINIÇÃO ACADÊMICA DE XAMANISMO

Embora a palavra “xamanismo” esteja entre uma das mais utilizadas pela antropologia
e ciência da religião (HUTTON, 2007, p. vii), ela é uma categoria de difícil definição. Ainda
que tenha sido introduzido na academia europeia por Pelliot (1913), von Stuckrad (2002, p.
773) afirma que foi somente após Eliade que o termo se tornou um constante antropológico. E
conforme outros pesquisadores começaram a entrar em contato com outras sociedades
forrageadoras em todos os continentes, a falta de uma categoria melhor para explicar
expressões religiosas similares levou à ampla adoção dessa palavra. Isso fez com que
“xamanismo” viesse a ser empregado, em maior ou menor grau, para descrever toda forma de
visão de mundo de caçadores-coletores que envolvesse transe, contato com outros mundos e
ritos de negociações espirituais visando a sobrevivência da tribo (ALDHOUSE-GREEN,
ALDHOUSE-GREEN, 2005).
Essa sua alta popularidade agrava a tarefa de conceituá-la. Se, por um lado, é possível
atestar a etimologia como oriunda do nordeste da Ásia (KÓSA, 2008, p. 177), existe certa
aceitação de que o termo “xamanismo” é uma construção acadêmica. Ela faz parte dos vários
fenômenos fabricados por acadêmicos europeus para o Ocidente definir a si mesmo conforme
entrava em contato com outros povos durante as expansões colonialistas dos séculos XVIII e
XIX. “Como tal, insere-se em um conjunto de complexas relações contraditórias: entre o
mundo desenvolvido e os povos indígenas; entre ciência e magia; entre religião estabelecida e
religião carismática; e entre medicina institucional e medicina ‘alternativa’” (HUTTON,
2007, p. viii, tradução minha).
Derivado de “shānmán”, da língua evenki, o termo aparece no chinês escrito desde
pelo menos o século XII (KÓSA, 2008, p. 177). Originalmente dizia respeito às práticas
religiosas dos “povos bárbaros” que fizeram a corte chinesa recuar durante a Dinastia Jin. O
emprego acadêmico atual ganhou força a partir do século XX, mas suas interpretações
beberam de influências sobre a religião dos indígenas que são anteriores ao neologismo
específico. Segundo von Stuckrad (2002), até a virada do século XX dois grupos intelectuais
166

podiam ser percebidos na Europa: (1) os iluministas, que tratavam os indígenas praticamente
como irracionais, e (2) um grupo que passou a se referir aos índios como virtuosos religiosos,
o germe da construção da imagem do “bom selvagem” popularizada no século XIX, uma
contrarresposta às tendências iluministas em direção à sublimação das religiões – o que
Weber (2017) chamou de desencantamento do mundo. Grande parte das definições europeias
iniciais de xamanismo inclina-se a um desses dois estilos de pensamento, o que só começou a
mudar após a segunda metade do século XX, quando as relações entre a Europa e o resto do
mundo começaram a ser postas ao escrutínio nas ciências humanas.
De modo geral, na ciência da religião a categoria xamanismo é utilizada para analisar,
de modo comparativo, diferentes expressões religiosas tribais. Embora originalmente tenha
sido empregada enquanto classificação genealógica, nas últimas quatro décadas os cientistas
da religião têm aplicado cada vez mais o termo em classificações morfológicas. A distinção
entre classificações genealógicas e classificações morfológicas é discutida na ciência da
religião desde pelo menos o início do século XX. Segundo Chantepie de La Saussaye (1940,
p. 16-17), as classificações genealógicas são pautadas em aspectos geográficos, linguísticos,
históricos ou étnicos. Tendem a ser mais valorizadas nos estudos científicos da religião por
seu crivo objetivo, que depende menos do pesquisador. Em outras palavras, é mais difícil
contestar classificações de uma religião enquanto “religião medieval” (classificação histórica)
ou “religião chinesa” (classificação geográfica), por exemplo. Por outro lado, as classificações
morfológicas são subjetivas, pautadas em considerações do próprio pesquisador, através de
categorias polissêmicas que assumem significados muito diferentes de pessoa para pessoa (p.
ex. religiões reais e falsas, religiões puras e impuras, religiões naturais e reveladas). Como tal,
embora sejam muito populares na filosofia da religião e na teologia, tendem a ser recebidas
com maior desconfiança pelos estudos científicos da religião.
Enquanto classificação genealógica, originalmente a categoria xamanismo foi adotada
para dizer apenas sobre as expressões religiosas do norte asiático. É a forma pela qual Eliade
trabalhou com o termo, popularizando-o na Europa. Em sua concepção, não seria adequado
entender o xamã como igual às figuras religiosas que trabalham com magia em outros lugares.
“Se por ‘xamã’ se entender qualquer mago, feiticeiro, medicine-man ou extático encontrado
ao longo da história das religiões e da etnologia religiosa, chegar-se-á a uma noção ao mesmo
tempo extremamente complexa e imprecisa, cuja utilidade é difícil perceber” (ELIADE, 2002,
p. 15). O romeno defendia uma necessidade de delimitar a utilização do termo, e com isso
declarava que “o xamanismo stricto sensu é por excelência, um fenômeno religioso siberiano”
(ELIADE, 2002, p. 16). Eliade também atentava que xamanismo não é uma religião em si,
167

mas algo que “coexiste com outras formas de magia e de religião” (p. 17), uma parte
específica da manifestação magicorreligiosa asiática.
Apesar das declarações supramencionadas, a busca de Eliade pelo que existiria de
mais “arcaico” e “puro” no xamanismo, visando a manifestação mais autêntica do “sagrado”,
abriu espaço ao desenvolvimento das classificações morfológicas de xamanismo. O
xamanismo é descrito por Eliade (2002, p. 15-19) como uma técnica de êxtase religioso, e o
xamã seria caracterizado como uma espécie de psicopompo vivo, intermediário entre o mundo
humano e o mundo dos espíritos. Ele é diferenciado de outras formas de curandeirismo por
sua ação ser focada especificamente no plano espiritual, cujas ações teriam influências no
mundo humano. Assim, o xamã agiria como agente não apenas dos membros individuais, mas
da tribo em si. Suas jornadas pelo mundo espiritual visam, além da resolução dos problemas
daqueles que o consultam, a manutenção de toda a comunidade.
Segundo Winkelman (2005, p. 8274), a definição de xamanismo de Eliade promoveu
uma aplicação multidisciplinar e transcultural do termo xamã. Com isso, uma miríade de
definições foi criada, e a categoria passou a ser aplicada também para sociedades
forrageadoras de outras regiões do globo, tornando-se uma classificação morfológica. O fato
de Eliade se preocupar mais com seus leitores não acadêmicos do que com seus pares da
academia também encorajou outros a ampliarem sua leitura de xamanismo em grandes
digressões para se referenciar a diversos outros povos e culturas tribais (GEERTZ, 1993). Isso
levou a diferentes conceituações de xamanismo, muitas delas conflituosas entre si.

Parece haver quatro definições diferentes circulando atualmente. Em uma,


xamanismo é a prática de qualquer um que contata o mundo espiritual enquanto está
em um estado alterado de consciência. A segunda limita xamanismo aos praticantes
especialistas que usam tal contato a mando de outros. Uma terceira tenta distinguir
xamãs de outros especialistas similares, como “médiuns”, “feiticeiros”, “curandeiros
espirituais” ou “profetas”, por alguma técnica particular. Essa é a definição mais
comumente aceita entre os acadêmicos modernos, mas não há concordância sobre
qual essa técnica deveria ser. […] A quarta definição é autônoma [a classificação
genealógica], utilizando a expressão “xamanismo” para caracterizar as religiões
nativas da Sibéria e de regiões vizinhas da Ásia (HUTTON, 2007, p. vii-viii,
tradução minha).

Nunca houve consenso acadêmico sobre quais seriam as práticas que caracterizariam o
xamanismo enquanto tal. Muitos ainda utilizam a obra de Eliade (2002) para elencar cinco
práticas que devem estar presentes em um sistema religioso para que ele possa ser
considerado xamânico: (1) o voo da alma, a suposta capacidade do xamã de estabelecer uma
jornada até os reinos espirituais; (2) a noção de espíritos-animais, os quais o xamã pode
trabalhar ritualisticamente comandando-os enquanto aliados ou se transformando neles
168

durante o voo da alma; (3) catarses simbólicas de morte e renascimento, as quais fazem parte
da iniciação do xamã; (4) caçada mágica; e (5) feitiçaria. Outros, influenciados por Harner
(1980), também acrescentam mais cinco itens a essa lista: (6) a utilização de percussão,
cânticos e danças; (7) treinamento por sonhos e indução deliberada de estados alterados de
consciência, objetivando experiências visionárias; (8) habilidade de adivinhação, diagnóstico
e profecia; (9) processos terapêuticos focados na perda e recuperação da alma; e (10) o
entendimento das doenças como causadas por espíritos, magia ou a intrusão de objetos ou
entidades na vida do enfermo.
Na ciência da religião, Pyle (1989) ofereceu alguns outros pontos de compreensão à
categoria, diferenciando o xamã de categorias mais gerais como curandeiros, feiticeiros e
sacerdotes de outras religiões tribais, em especial africanas e polinésias:

Como intermediários entre o mundo dos espíritos e o povo, [os xamãs] afirmam
manter contato direto com espíritos, sejam eles de pessoas vivas, ou de plantas,
animais e outros elementos do meio ambiente, como os “espíritos-mestres”
(espíritos, por exemplo, de rios ou montanhas) ou ainda com os “fantasmas” dos
mortos. […] As funções do xamanismo, em seu cenário no mundo áspero do Ártico,
relacionavam-se intimamente com a luta pela existência (isto é, a batalha com a
natureza, e não com as outras tribos). […] [Eles eram buscados] não só para curar
doentes, mas também para acalmar tempestades, atacar ou destruir espíritos maus e
arranjar focas e caribus para a caça (PYLE, 1989, p. 285).

Com o advento da crítica decolonial, tentativas universalizantes de entender o


xamanismo enquanto um termo que engloba experiências religiosas tribais etnicamente tão
diversas quanto os siberianos e os guaranis têm sido recebidas com grande desconfiança.
Langdon (2005, p. 12), por exemplo, declara que o trabalho com categorias universais de
xamanismo, embora atestado historicamente na academia, está impregnado de preconceitos e
etnocentrismo. Ao falar especificamente de Eliade, essa antropóloga o critica por ter deixado
em segundo plano as relações sociais e os contextos culturais em sua busca pelo que haveria
de mais puro na manifestação xamânica (LANGDON, 2005, p. 14). Já Carroll (2005)
considera que não apenas é impreciso um recorte tão inclusivo como também é antiético
juntar as crenças de milhares de etnias diferentes sob uma única categoria. Esse historiador
classifica que as concepções monolíticas de xamanismo, em amplas classificações
morfológicas que tendem a colocar todos debaixo de uma única conceituação, é um wishful
thinking ocidental, cuja narrativa romantiza os “selvagens”. Noel (1997) e Carroll (2005)
declaram que a ideia monolítica de xamanismo universal é utilizada visando à apropriação
cultural dos saberes nativos. A própria ideia de um único xamanismo descolado das etnias
legitima uma exploração comercial das culturas indígenas, as quais começam a ser vendidas
169

aos “xamãs plásticos” (plastic Shamans) em iniciações de finais de semana, desvirtuadas de


seu contexto original para atender a um modelo de consumo no qual a iniciação deve ser
rápida e acessível a quem esteja disposto a pagar por ela. Esses autores também atentam que
os compradores desses rituais, os chamados “xamãs plásticos”, não possuem qualquer
responsabilidade ou comprometimento maior com as etnias das quais os bens xamânicos lhes
foram apropriados.
A partir da década de 1970, consoante Langdon (1996, p. 9), a antropologia tem
desenvolvido novos modelos para interpretar o xamanismo. Dentre as novidades apresentadas
estão a reinterpretação de que o xamanismo não é simplesmente uma relíquia do passado ou
uma expressão religiosa primitiva, como costumavam achar os primeiros etnólogos (p. 10); a
concepção de que xamanismo não é uma religião, mas todo um complexo sociocultural 1 (p.
12, 26); a necessidade de um estudo coadunado das concepções de magia e religião, para além
do estudo específico das culturas xamânicas (p. 12); e o princípio de que o xamanismo varia
entre os povos, portanto as pesquisas devem investigar seu significado nas culturas
particulares (p. 26). Levando esses pontos em consideração, a autora também elenca alguns
itens que considera descreverem o que caracterizaria o xamanismo: (1) cosmologia na qual o
universo possui múltiplos níveis; (2) presença de um princípio geral de energia, indivisível, o
qual unifica os diferentes níveis do universo através de ciclos simbólicos de vida e morte; (3)
um conceito geral de poder xamânico, ligado ao item anterior; (4) a crença na transformação:
os espíritos assumem outras formas, e o próprio xamã pode se transformar em um animal ou
ficar invisível; (5) o xamã entendido como mediador espiritual, agindo em benefício de seu
povo; e (6) o êxtase como base do poder xamânico (LANGDON, 1996, p. 27-28).
Um último ponto que faz parte das definições acadêmicas atuais sobre xamanismo é
descrito por Hanegraaff (1996, p. 53). Esse pesquisador neerlandês comenta que uma das
características que difere as concepções monistas de xamanismo, pautadas na leitura
universalizante de um xamanismo universal, e o que é considerado xamanismo entre os
antropólogos é a consideração de que a comunicação entre os seres humanos e os espíritos
ocorre em uma via de mão dupla. Em outras palavras, não apenas o xamã pode transitar nos
reinos espirituais, como também os espíritos podem entrar no mundo humano e provocar as
mais diversas influências através do corpo do xamã. Esse papel ambíguo do xamã é comum

1
Sobre isso, a autora se pauta na teoria de Geertz sobre sistemas culturais. Isso aplicado ao xamanismo
significa que ele “é um sistema simbólico. É também um sistema social, no sentido de que gera papéis, grupos e
atividades sociais, nas quais o xamã é o ator principal, mas não o único” (LANGDON, 1997, p. 26).
170

nos xamanismos tradicionais, mas tende a ser apagado das visões generalizantes de
xamanismo promovidas por Harner e, depois, pela Nova Era.
Com base nessas discussões, as seguintes características foram identificadas como
constituintes da compreensão acadêmica atual do que seria xamanismo:

 Vários xamanismos, no plural, variados de cultura para cultura;


 Relação inalienável com o êxtase, estados alterados de consciência e sonhos como fonte
do poder xamânico;
 É um complexo sociocultural – não existe xamã fora de sua sociedade;
 Xamã como psicopompo, ao mesmo tempo admirado e temido pela comunidade;
 Apenas alguns indivíduos da comunidade podem se tornar xamã;
 Não se trata de algo antigo ou primitivo, mas de algo presente e vivo na atualidade;
 Concepção de mundo em diferentes níveis (p. ex. mundo humano, superior e ctônico);
 Foco na manutenção da sobrevivência da tribo. Os ritos são pautados em negociações ou
batalhas com os espíritos da natureza;
 Voo xamânico em via de mão dupla – o xamã viaja aos outros mundos, mas também os
espíritos adentram no mundo humano pelo corpo do xamã;
 Existência de um principio geral de energia indivisível, que unifica o cosmo por ciclos de
vida e morte;
 Iniciação xamânica pautada em rituais catárticos ancorados na simbologia da morte e do
renascimento;
 Crença no poder da transmutação – o xamã pode se transformar em animais ou ficar
invisível, e os próprios espíritos podem assumir diversas formas;
 Crença na feitiçaria, que pode ser fruto do xamanismo ou ser algo que o xamã combate na
sociedade.

NEOXAMANISMO

Conforme foi apresentado, a palavra “xamanismo” tal como entendida hoje é um


constructo acadêmico, utilizado pelos europeus para fabricar a noção de Ocidente em
oposição ao mundo dos “selvagens”. Com o advento da contracultura de 1960, o termo
acabou por se popularizar entre as grandes massas, assumindo um sentido simplificado que ia
ao encontro desse Zeitgest. Esse espírito da época foi o que deu origem posteriormente ao que
171

os pesquisadores do grupo de pesquisa NEO – Novas Espiritualidades chamam hoje de ethos


Nova Era (cf. p. 56). Como tal, essa apropriação do termo influencia a forma como os
novaeristas entendem o xamanismo, o que se distingue das discussões antropológicas e da
ciência da religião.
Essa apropriação popular da categoria aconteceu sob uma forte psicologização do
conceito, cuja noção do xamã enquanto um psicopompo que negocia com as forças da
natureza e os espíritos pela sobrevivência da tribo cedeu espaço a discursos pela busca do
empoderamento pessoal. Inspirados em releituras de Eliade, Jung e Joseph Campbell, o
significado de xamanismo foi mudado para algo relacionado à capacidade humana de acessar
níveis diferentes de consciência e de estabelecer uma relação mais harmoniosa com a
natureza. Em outras palavras, “o xamanismo não é mais considerado como um caminho
espiritual limitado apenas às ‘culturas xamânicas clássicas’. Ao contrário, […] o xamanismo
passou a ser considerado acessível a todos – até mesmo àqueles em contextos urbanos” (VON
STUCKRAD, 2002, p. 774, tradução minha).
A respeito do papel específico de Eliade nesse processo, é interessante como esse
autor foi ao mesmo tempo promotor tanto das definições acadêmicas quanto das concepções
populares de xamanismo. Geertz (1993) afirma que isso se deu porque

Eliade nunca escreveu para seus pares acadêmicos […] A impressão duradoura de
Eliade está nas audiências populares, onde ele se tornou uma das autoridades
acadêmicas para interpretações feministas da evolução da religião, para
reivindicações universalizantes dos movimentos da Nova Era como o “xamanismo
branco” e para interpretações junguianas de consciência religiosa (GEERTZ, 1993,
p. 369, tradução minha).

Preocupações pelo crescimento pessoal e o desenvolvimento dos potenciais humanos


eram muito importantes para os círculos contraculturais durante as décadas de 1960 e 1970
(HANEGRAAFF, 1996, em especial p. 48-50). Com isso, os saberes indígenas foram
apropriados por grupos de maioria branca, que começaram a considerá-los úteis na promoção
desses potenciais humanos e ao bem-estar (LINDQUIST, 2005; CAICEDO, 2007). Caicedo
(2007, p. 118-119), especificamente, ressalta a importância nesses meios que a busca pela
cura de toda a humanidade, e não apenas de uma tribo ou comunidade. Geertz (1993, p. 369)
destaca também, de forma bastante crítica, a importância que a autoajuda assumiu como o
principal método ritualístico nesses contextos de apropriação de culturas indígenas pela Nova
Era.
Conforme o xamanismo foi se popularizando no Zeitgeist contracultural, demandas
por explicações mais generalistas que justificassem a visão êmica desses grupos começaram a
172

fomentar diversos escritos. Um dos primeiros autores que atingiu grande destaque foi Carlos
Castañeda, peruano formado em antropologia nos Estados Unidos. Seus primeiros livros são
fruto de pesquisas participantes com um indígena yoeme da região norte do México, e de
modo geral toda a sua produção possui forte viés autobiográfico. Por esse motivo, usualmente
o trabalho de Castañeda é acusado de ser ficção pela antropologia contemporânea, visto não
ser ensaiado qualquer distanciamento maior em sua metodologia e ele próprio ser o critério de
comparação de sua produção acadêmica.
A obra seminal de Castañeda, lançada no Brasil sob o título de A erva do diabo (cf.
CASTAÑEDA, 1968), é basicamente um relato sobre experiências de transe com peiote e
tártago (essa última planta traduzida como “erva do diabo” no livro), plantas com alcaloides
alucinógenos. Marca o início das interações de Castañeda com o indígena yoeme Don Juan,
apresentado em suas produções como xamã. Esse contato com os yoemes serviu de base não
apenas aos seus livros, mas também ao seu bacharelado tanto quanto ao seu doutorado. Por
isso, sua obra foi bem aceita pela contracultura, utilizada para legitimar a visão de mundo de
seus participantes sobre o xamanismo.
Visto descrever que o voo xamânico proporciona estados alterados de consciência, A
erva do diabo tornou-se um dos 100 livros mais vendidos do século XX nos Estados Unidos,
difundindo um discurso sobre promoção de um estado de liberdade total durante a experiência
xamânica com mescalina. Grande parte dessa popularidade foi conquistada pela descrição das
visões com os enteógenos. Conforme explica Hanegraaff (2012, p. 396), embora em sua tese
de 1996 ele tenha defendido que as espiritualidades da Nova Era desencorajavam a utilização
de substâncias psicodélicas (cf. HANEGRAAFF, 1996, p. 11), em uma releitura posterior
Hanegraaff assumiu que sua interpretação inicial sobre o tema foi “inocente” (sic.):

Eu deveria ter sido mais sensível à necessidade social e discursiva dos autores
novaeristas de serem discretos ou manter em segredo o papel que os psicoativos
podem ter desempenhado em sua vida e trabalho, particularmente depois do LSD e
outras substâncias psicodélicas terem sido criminalizadas durante a segunda metade
da década de 1960. (HANEGRAAFF, 2012, p. 396, tradução minha).

Hanegraaff (2012, p. 399) atesta que houve uma mudança perceptível nos rituais
novaeristas na década de 1970, posterior à criminalização das drogas nos Estados Unidos e na
Europa, em que tais substâncias foram sendo paulatinamente substituídas por outras formas
mais brandas de indução de estados alterados de consciência (p. ex. meditação). No entanto,
ele considera que os enteógenos nunca foram totalmente abandonados pelos novaeristas. Para
Hanegraaff, a utilização de tais substâncias poderia ter simplesmente saído da esfera pública
173

para a esfera privada após a década de 1970. Ou seja, os alucinógenos continuariam a ter
impacto considerável na Nova Era pelo tipo de experiências religiosas que facilitam, embora
passaram a ser utilizados em ritos muito mais reservados.
Como o primeiro livro de Castañeda foi lançado no ápice do movimento psicodélico, é
importante considerar as discussões de Hanegraaff (2012, p. 396-397) sobre o cotidiano da
juventude hippie e a experimentação com os alucinógenos. Hanegraaf identifica como alguns
relatos místicos nos livros de Fritjof Capra e Jane Roberts, grandes gurus da Nova Era,
aproximam-se muito das hiperestesias provocadas pelo LSD, mescalina e aya’waska, embora
tais substâncias nunca sejam mencionadas por esses escritores. Por conta disso, as discussões
de Hanegraaff demonstram à necessidade de repensar o porquê da popularidade de Castañeda
e o apelo da juventude da época aos alucinógenos. Afinal, foi a obra dele a que acabou por se
tornar o “documento fundante” do neoxamanismo (HANEGRAAFF, 2012, p. 401).
Outro exemplo de grande destaque é Michael Harner, um estadunidense branco com
formação em antropologia que, a partir de 1987, começou a se apresentar como xamã. Harner
é o responsável pela criação da categoria “xamanismo essencial”, uma teoria de que haveria
atividades que seriam basilares a todo sistema de xamanismo no mundo: êxtase, dança,
percussão de tambores, interação com o mundo espiritual e comunicação com os animais de
poder. Como esses itens apareceriam em todo grupo xamânico, Harner considerava possível
falar de xamanismo no singular. Ao retirar as particularidades étnicas e culturais de cada
sistema, reduzindo-os à essência do que significaria ser um xamã, Harner acreditava que,
assim, tornava acessível o xamanismo aos buscadores espirituais urbanos da Nova Era.
Assim como Castañeda, Hanegraaff também considera que Harner é um dos criadores
do neoxamanismo tal como ele é conhecido hoje (HANEGRAAFF, 2012, p. 401). O percurso
de Harner é similar ao de Castañeda: ele teria viajado até uma tribo na Amazônia Equatoriana,
teria sido iniciado xamã pelos nativos locais por ritos de aya’waska e, depois disso, passou a
escrever obras que ele próprio apresentava como sendo antropológicas, mas cuja relevância
acadêmica é disputada e, muitas vezes, classificada como ficção.
Além deles dois, outras pessoas foram importantes na difusão de estilos de
pensamentos similares, em que as particularidades étnicas são ignoradas para que grandes
similaridades sejam priorizadas. Alguns exemplos citados por Hanegraaff (1996, p. 60) são
Roger N. Walsh e Frank Walters. Von Stuckrad (2002, p. 774) cita também Joan Halifax,
Nevill Drury, Steven Foster, Jonathan Horwitz, Felicitas Goodman e Gala Naumova. Embora
controversos e muitas vezes refutados pela antropologia acadêmica normal, suas concepções
174

monolíticas de xamanismo se popularizaram nos países do oeste da Europa e da América do


Norte, naturalizando-as.
Essa virada semântica leva a um apagamento da etnia no processo de identificação do
xamanismo. O xamã deixa de ser alguém que exerce determinado papel social em uma tribo
para ser alguém que desenvolveu uma forma específica de interpretar o mundo, o que ele
adquire por expandir a própria consciência através do êxtase. Sendo assim, diferentemente da
concepção acadêmica, na Nova Era qualquer um pode se tornar um xamã, através do esforço
pessoal e da reconfiguração de seus paradigmas (HANEGRAAFF, 1996, p. 52).
No contexto da Nova Era, o xamanismo acaba se apresentando como uma metáfora
para o quantum. Existe uma relação – comumente muito explícita – entre o que os novaeristas
chamam de “modelo xamânico” e interpretações espiritualistas da mecânica quântica.
Segundo Amaral (2000, p. 65-67), as técnicas xamânicas na Nova Era são baseadas em
práticas nas quais o xamã viajaria ao reino da não matéria, o qual é entendido como formado
apenas por luz, energia ou ondas, onde seria possível transmutar o ego em self. É a mesma
dimensão metaempírica que os novaeristas por vezes chamam emicamente de “campo das
infinitas possibilidades”, de onde eles consideram que, através da vibração pessoal ou da
força do pensamento, a realidade “colapsa” no campo material. Segundo Hanegraaff (1996, p.
52-53), isso pode ser chamado de “movimento da consciência xamânica”, e também possui
relações próximas com o paradigma do movimento transpessoal.
Para diferenciar essas duas concepções de xamanismo, os termos “xamanismo
urbano”, “xamanismo moderno ocidental” e “neoxamanismo” foram criados pelos
acadêmicos. Nesse sentido, ao falar de neoxamanismo, refiro-me a essa transplantação
psicologizada de saberes nativos indígenas a contextos urbanos (HANEGRAAFF, 1996;
LINDQUIST, 2005).
Para Leite (2016, p. 206-207), o neoxamanismo pode ser resumido como uma
comodificação de bens religiosos indígenas para atender à demanda de mercado gerada pelos
buscadores espirituais da Nova Era. Como se trata de uma tendência posterior ao movimento
da Nova Era, não precede a década de 1960. Embora seus praticantes usualmente a
enxerguem como algo antigo, objetivamente trata-se de uma reinterpretação moderna dessas
práticas, que são adaptadas à forma de vida contemporânea urbana. Em outras palavras, ele é
entendido como algo tradicional por seus praticantes, mas na verdade é reflexo de um
movimento social religioso moderno, uma tradição inventada.
Hobsbawm (1986, p. 1, tradução minha) define tradição inventada como uma
“tentativa de estabelecer continuidade com um passado histórico adequado”. Ele explica que
175

“todas as tradições inventadas […] utilizam a história como legitimadora de ações e para
cimentar a coesão do grupo” (HOBSBAWM, 1986, p. 12, tradução minha). A preocupação de
Hobsbawm gira em torno de rituais e cerimônias que evocam o passado. Aqui, aplico sua
categoria para além de seu pensamento original. De acordo com Benthall (2008, p. 55,
tradução minha), “para se tornarem amplamente aceitas, as religiões precisam ser antigas […]
é um dos critérios mais importantes. As religiões são um caso especial de direitos de
propriedade do patrimônio cultural, que necessita parecer tradicional”. Benthall cita os novos
movimentos religiosos como exemplo de grupos que se apresentam como mais velhos do que
realmente são para obter respeito social imediato. Esta é uma forma de buscar legitimidade e
justificação social.
No caso do neoxamanismo, esse apelo está pautado na figura romântica do “bom
selvagem”, por uma noção romantizada de que o “mundo primitivo” possuiria uma forma
mais adequada de convivência com a natureza do que o “mundo civilizado”, que domina e
destrói o meio ambiente. As noções de “primitivo” e “civilizado” presentes no imaginário dos
neoxamãs é a mesma dos colonialistas europeus. Fruto do pensamento romântico do século
XIX, eles entendem como “civilizado” aquilo que se aproxima do status quo das sociedades
europeias urbanas (em especial do oeste da Europa), e como “selvagem” os grupos que se
distanciam disso, não apenas adotando estruturas de organização social tribais, mas também
incluindo as comunidades rurais. Como tal, não é incomum, como atentou Hanegraaff (1996),
que categorias muito distintas sejam todas entendidas na Nova Era como sendo xamanismo,
como as religiões indígenas, paganismo, neopaganismo, as religiões aborígenes, as religiões
da diáspora africana, religiões pré-cristãs, práticas folclóricas, dentre outros.
No Brasil, graças aos circuitos neoesotéricos, práticas culturais indígenas estão
disseminadas nos grandes centros urbanos, também mescladas com outras práticas folclóricas
e elementos do neopaganismo e esoterismo. Diversos casos já foram estudados por
acadêmicos, como São Paulo (cf. MAGNANI, 2005; 1999), Brasília (cf. SIQUEIRA, 2013),
Pará (cf. CORDOVIL, 2015; CASTRO, 2015; ALBUQUERTE, CASTRO, 2016) e a Grande
Florianópolis (cf. ROSE, 2010; LANGDON, ROSE, 2012). Alguns desses xamãs urbanos
brasileiros são iniciados em lugares como os Estados Unidos, México, Andes, Patagônia ou a
Amazônia. Quando retornam ao Brasil, tentam estabelecer uma linhagem entre seus
instrutores e a cultura popular brasileira. Suas práticas são misturas particulares e criativas de
elementos oriundos dos rituais, práticas de cura, mitos, danças e da farmacopeia de muitos
grupos étnicos diferentes.
176

Com base nessas discussões, as seguintes características foram identificadas como


constituintes da compreensão acadêmica do que seria neoxamanismo:

 Um único xamanismo, universal e no singular;


 É entendido emicamente como uma visão de mundo ou filosofia, ao invés de religião;
 O poder xamânico advém do self, por empoderamento e libertação da consciência;
 Qualquer um pode se tornar xamã através do desenvolvimento pessoal e força de vontade;
 Xamã como sábio, arquétipo do “bom selvagem” – distancia-se do padrão de vida urbano;
 Entendido como algo antigo, tradicional, que deve ser resgatado na atualidade;
 Os ritos têm foco no individual, e são pautados em autoajuda e na promoção de estados
alterados de consciência;
 Voo xamânico em via de mão única – apenas o xamã viaja aos outros mundos;
 Os espíritos geralmente são bondosos – são projeções psíquicas ou estados de espírito da
mente superior, a natureza. É minimizada sua ação negativa na vida cotidiana;
 Existência de um principio geral de energia indivisível, pautado na física quântica;
 Iniciação xamânica por experiências psicodélicas, geralmente induzidas por enteógenos;
 A feitiçaria ocupando lugar secundário.

Como será possível perceber a seguir, o entendimento de xamanismo dos naturólogos


se distancia da categoria de xamanismo tradicional, correspondendo ao xamanismo da Nova
Era.

DEFINIÇÃO NATUROLÓGICA DE XAMANISMO

Conforme descrevi na introdução da tese (cf. p. 24), ao entrevistar os naturólogos


utilizei entrevistas semiestruturadas, tendo como um dos itens do roteiro um questionamento
sobre o que eles entendiam por xamanismo. Agora serão apresentados os resultados,
desconsiderando as respostas do próprio professor da disciplina, sob o entendimento que é de
maior interesse a uma análise do coletivo da naturologia saber como esse entendimento de
xamanismo é reproduzido para além de Marimon.
As respostas foram divididas em dois grupos: (1) aquelas cuja definição de xamanismo
diverge da definição promovida nas aulas de Marimon; e (2) aquelas cuja definição parece ir
ao encontro das aulas de Marimon.
177

DEFINIÇÕES QUE DIVERGEM DE MARIMON

Nessa subseção, apresento as respostas colhidas durante as entrevistas cuja definição


de xamanismo divergia do discurso das aulas de Marimon. Estão contidas aqui as respostas
dos professores de perfil biologista, defensores do estilo de pensamento que se fortificou no
curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina após a chegada de Goulart à
coordenação, e também as definições de naturólogos e professores de naturologia que
possuíam formação complementar em antropologia.
Cinco entrevistados possuíam formação complementar em antropologia. Isso fez com
que suas respostas apresentassem um perfil distinto dos outros participantes da pesquisa. Uma
das professoras desse grupo, inclusive, ressaltou insegurança ao falar sobre o que entendia por
xamanismo:

Do ponto de vista da minha formação, quando eu penso em xamanismo, eu penso


sempre em práticas ligadas a tradições culturais. Eu sei que existem xamanismos
chamados [de] “modernos” e “urbanos”, mas eu desconheço o que seja isso. Eu teria
que sentar e estudar para entender que movimento é esse. Quem seriam esses xamãs
urbanos? Eu particularmente não entendo como isso funciona. […] Eu venho de
uma área, das ciências sociais, que quando você pensa na tradicionalidade de uma
herança cultural, a gente precisa ter muito cuidado, né? É muito fácil se incorporar
hoje, nesse discurso moderno – ou pós-moderno, como dizem alguns autores –
algumas terminologias que deixam de representar a sua herança original. Você
estuda Nova Era, você vê isso talvez melhor do que eu. Algumas ideias são
incorporadas e passam a ser terminologias esvaziadas de seu conceito original, de
sua ideia tradicional (SILVA, entrevista pessoal, 17 nov. 2016).

Após insistir para que formulasse uma definição, lembrando-a de que não existia
resposta certa ou errada, e que meu interesse era, justamente, no que o coletivo da naturologia
entendia pelo termo, e que esse coletivo pode ter ideias divergentes, ela apresentou a seguinte
definição:

A ideia desse xamanismo sem plural, no singular – [qu]e você vê [n]os xamãs
urbanos, [n]os xamãs modernos –, eu acho que é uma coisa muito ligada a esse
movimento da Nova Era, que trouxe uma forte influência de “vamos fazer as coisas
diferentes”. Eu não sei quanto [d]isso não foi absorvido nos Estados Unidos pela
contracultura e todo o movimento hippie que está aí, por detrás dessa incorporação.
Então eu acho muito complicado que eu tenha uma formação tão dentro da
antropologia e eu ache, de repente, que eu sou capaz de falar de xamanismo [no
singular]. Não sou, né? Eu estou com muitos dedos de falar com você, porque eu
tenho muito medo de falar bobagem. Então quero deixar bem claro que o que eu
penso sobre xamanismo é uma coisa muito vinculada à minha formação (SILVA,
entrevista pessoal, 17 nov. 2016).

Um naturólogo que também possui mestrado em antropologia definiu o xamanismo


naturológico da seguinte forma:
178

Ao meu ver, é uma técnica novaerista que bebe de várias fontes sem se fundamentar
em nenhuma cultura ou etnia específica. É bem aquela coisa da Nova Era, onde cabe
tudo, onde se mistura tudo, onde se relaciona cakras, com meridianos e
conhecimentos indígenas. Uma miscelânea de culturas que, muitas vezes, achata as
especificidades de cada cultura na busca por uma essência comum. Isso, na minha
opinião, empobrece um pouco a visão acerca dessas culturas. Um índio nunca ouviu
falar de cakra e meridiano […] Não é uma técnica que foi inventada pelo Roberto
[Marimon], porque realmente o neoxamanismo existe e está em vários lugares do
mundo. Só que [o xamanismo da naturologia] tem as características dele. Ele usa
mais ou menos essa maneira novaersita de construir o conhecimento, que é pegar o
conhecimento de várias fontes superficialmente e juntar tudo num mesmo caldeirão.
Mas ele faz isso a partir da experiência dele, que é uma experiência que eu acho
muito interessante […] Eu acho muito mais rico perceber e evidenciar as
especificidades de cada cultura xamânica, do que botar tudo num mesmo balaio e
dizer que isso é o xamanismo universal. […] Esse xamanismo universal, se você for
comparar com o leque de culturas xamânicas que são estudadas pela antropologia, é
muito pobre (TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22 fev. 2017).

Porém, esse participante enfatizou que considera os ensinamentos de Marimon


legítimos ao campo da naturologia, e que seria errôneo não chamá-los de xamanismo apenas
pelo fato de que eles se diferem de como a antropologia define xamanismo:

Eu vejo como um saber legitimo. Se está sendo intitulado de xamanismo por aquele
coletivo que é a naturologia, eu respeito como tal. Então é xamanismo. Só que eu
percebo que essa forma de neoxamanismo da naturologia difere bastante do
xamanismo clássico que estudamos na antropologia (TEIXEIRA, entrevista pessoal,
22 fev. 2017).

Outro naturólogo, que iniciou graduação nas ciências sociais e depois migrou para a
naturologia, comentou o seguinte sobre o xamanismo ensinado no curso da Universidade do
Sul de Santa Catarina:

Ali não se trabalham as diferenças entre as cosmologias xamânicas americanas ou de


outros continentes, mas se trabalha de uma maneira mais totalizada, como se fosse a
maneira do olhar do xamã, que é tratado, poderíamos dizer, como se fosse o que
existe de igual entre todas as linhas xamânicas […] É possível reconhecer um pouco
de coisas que foram trabalhadas sobre os conceitos da Nova Era, né? A gente
consegue ver que o xamanismo é incorporado ali sobre essa maneira (LANZA,
entrevista pessoal, 1 abr. 2017).

Esse participante também atentou a algumas das referências utilizadas por Marimon
em suas aulas, observando que eram diferentes das referências de sua graduação anterior:

Essa medicina xamânica apresentada pelo Roberto [Marimon] não é baseada pelo
Mircea Eliade, porque são coisas distintas que são utilizadas no processo de
construção do que é o xamanismo. Ele [Eliade] é uma das referências. Ele [Roberto]
se fundamenta bastante no [livro] O caminho quádruplo da [Angeles] Arrien, e no
tarô Cartas xamânicas [de Jamie Sams e David Carson]. [Essas] são as referências
bibliográficas que mais são utilizadas em aula, mas ele utiliza outros [autores]
também, como o Ken Wilber, e muito das próprias experiências [de vida] dele
(LANZA, entrevista pessoal, 1 abr. 2017).
179

Uma ex-professora, que também possui pós-graduação em antropologia, distinguiu a


compreensão de xamanismo ensinada por Marimon daquela que se aprende na antropologia:

Minha proximidade com xamanismo era toda teórica. […] Ninguém lê Michael
Harner na antropologia, e isso está correto. Leem as etnografias e relatos de
antropólogos que se aproximaram das mais diversas culturas. Tem uma crítica que
se faz ao neoxamanismo que tem a ver com essa ideia do Michael Harner, de um
core shamanism, um xamanismo essencial, que seria alguma coisa ao contrário da
abordagem antropológica, que focaliza nas diferenças culturais. O xamanismo do
Michael Harner meio que uniformiza. Ele [Harner] fez iniciação entre os jivaros, e ele
vai pegar elementos de várias culturas, xamanismos de várias culturas, e vai criar
uma espécie de amálgama; não sei se essa é a melhor palavra. Então isso era muito
mal visto na antropologia. Mas o Roberto [Marimon], diferente dos meus colegas e
professores da antropologia, foi a primeira pessoa com quem eu tive contato que
viveu aquilo genuinamente, sem hipocrisia, sem interesses supostamente
acadêmicos. Era uma coisa muito genuína, e era a vivência que eu não tinha
(WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017).

A hipocrisia à qual ela se refere está relacionada à opinião dessa professora de que a
visão antropológica diz valorizar as percepções êmicas (a fala do sujeito e sua forma de
entender o mundo), mas depois desconsidera a identificação dos neoxamãs enquanto xamãs.
Wedekin assumiu na entrevista que sempre se interessou pelo xamanismo, mas que diferente
dos antropólogos, cuja aproximação ao tema é teórica, Marimon é uma manifestação viva do
que é ser um xamã na prática. Por conta disso, embora ela entenda que haja diferenças entre
as duas concepções de xamanismo, Wedekin considera válida a abordagem de Marimon ao
curso de naturologia.
Ao perguntá-la especificamente o que entendia por xamanismo, ela respondeu:

O que eu vou te dizer tem a ver com a minha aproximação teórica do tema. A
definição está relacionada com a própria definição do que é xamã. Xamã é alguém
que transita em diferentes níveis cósmicos. Então, no xamanismo tem que ter uma
cosmologia que compreenda esses diferentes níveis cósmicos, e esses diferentes
níveis cósmicos variam de cultura para cultura. […] [O xamanismo] tem um
conceito de energia que ao mesmo tempo está em todo lugar, e o xamã é alguém que
é um conhecedor de como funcionam essas energias. Para o Michael Harner também
é importante a ideia de espíritos auxiliares, esses seres que o xamã vai acessar nessas
viagens xamânicas. [Os] espíritos auxiliares, por exemplo, podem assumir a forma
do teu animal de poder, que é alguma coisa sobre a qual tu não tens controle. […]
Basicamente, eu diria de maneira geral, que essas seriam algumas das características
importantes. A formação do xamã, uma das coisas que a gente estuda na
antropologia, é uma vivência totalmente individual. Mesmo que a iniciação seja
prescrita, dependendo da cultura, ela é vivida individualmente. Por isso que eu acho
hipócrita essa rejeição do neoxamanismo pela antropologia. Porque se tu pegas uma
pessoa como o Roberto [Marimon], aquilo que ele viveu é individual, o investe de
certos conhecimentos que o capacitam para compreender o mundo e, por exemplo,
manifestações de saúde e de doença a partir daquela experiência. […] Então ao
mesmo tempo tem uma contradição no xamanismo da naturologia, porque se a
medicina xamânica depende tanto dessa perspectiva do xamã, dessa atuação do
xamã, dessa experiência individual do xamã, nenhum naturólogo é xamã. Não é na
formação da naturologia que alguém vai se tornar xamã (WEDEKIN, entrevista
pessoal, 11 jan. 2017).
180

O que foi observado entre esses respondentes é que eles tinham claro que a definição
de xamanismo das aulas de Marimon não é a mesma promovida pela antropologia. Eles têm
noção da ligação entre os ensinamentos de Marimon e o modelo neoxamânico, e também
identificaram espontaneamente esse modelo com a Nova Era. Embora esses respondentes não
necessariamente façam parte do estilo de pensamento biologista (p. ex. Wedekin foi uma das
professoras que lutou pela inclusão das medicinas tradicionais no curso em 2004, e Teixeira é
um conhecido crítico das visões tecnicistas e biologistas na naturologia brasileira), o fato de
identificarem o xamanismo de Marimon como não sendo o modelo comum promovido pela
academia, relacionando-o com a Nova Era, fornece argumentos para que os profissionais que
fazem parte do estilo de pensamento biologista reajam à perpetuação desse conhecimento.
Digo que eles fornecem os argumentos porque ficou claro que os professores que
fazem parte do paradigma biologista têm pouco conhecimento sobre xamanismo. No geral,
eles apenas sabem superficialmente que é algo relacionado a indígenas. Existe um incômodo
na abordagem de Marimon, mas eles têm dificuldade em elaborar motivos por que ela
incomoda. Elencando a fala de uma entrevistada que se apresentou objetivamente como
“cartesiana” durante as entrevistas, ela explicou o xamanismo da seguinte forma:

A gente pensava naqueles índios americanos, apaches, aquelas coisas assim. E aí a


gente dizia: “Que nome estranho”. Ninguém nem sabia o que é xamanismo direito.
Até hoje eu não sei te explicar como que ele vai funcionar. Eu sei dos ritos que o
Roberto [Marimon] me falava, e antes do Roberto a gente ouvia práticas dos alunos
que viviam naquelas comunidades alternativas que tinham ali para trás da Pedra
Branca [Palhoça, Santa Catarina], que diziam que tinham iniciação de xamanismo.
O xamanismo foi bem obscuro durante muito tempo ali. Daí depois, passaram-se
não sei nem quantos anos, ali no final, voltou-se a falar de novo do xamanismo, de
[como] poder conceituar o que significava, como isso ia [ser] trabalha[do] e de que
forma isso ia acontecer [no curso]. Porque muitas vezes as próprias aulas do Roberto
eram contestadas, não só as de xamanismo. Tinham momentos onde ele não se
desgrudava daquilo que ele era. O xamanismo estava nele. […] Era uma visão só do
Roberto. Ninguém mais de nós tinha. […] A gente não tinha esse olhar (GESSER,
entrevista pessoal, 10 fev. 2017).

A ex-coordenadora responsável pela fortificação do estilo de pensamento biologista no


curso de naturologia a Universidade do Sul de Santa Catarina também apresentou definições
genéricas sobre o que seria xamanismo:

Eu sei que o xamanismo tem uma vastidão muito grande, linhas de pensamento que
[são] bem diferentes. Alguns pensam de um jeito, outros de outro. […] Para mim é
uma cultura popular que se trouxe lá dos índios. Mas em cada região do mundo, ele
tem uma vivência. No Brasil são os pajés, lá na tribo no Peru é outro xamã. Isso é
muito relativo e muito voltado à fitoterapia [plantas medicinais] (GOULART,
entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
181

A relação com as plantas medicinais que Goulart estabelece se dá porque duas antigas
professoras dessa disciplina no curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa
Catarina, que faziam parte do coletivo de pensamento biologista, levaram os estudantes ao
Xingu em um projeto de extensão. Mas ao contrário do que se imaginaria sobre um curso cujo
projeto pedagógico declara ser pautado em xamanismo, dois entrevistados consideraram que
essa visita nada teve a ver com a formação xamânica do curso. Na verdade, eles disseram
achar que essas professoras organizaram a viagem mais como uma forma de conseguir horas
extras de atividades acadêmicas para terem acréscimo de recursos recebidos pela instituição.
Um dos ex-professores do curso de naturologia, que possui um projeto de extensão há
mais de duas décadas com os mbyá-guaranis da Grande Florianópolis, comentou o seguinte:
“Aquelas senhoras da fitoterapia, na hora de formar os grupos nas comunidades, eu fiz um
projeto para a gente trabalhar junto, mas aí elas não quiseram. A gente perdeu oportunidades”
(GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017). Esse professor ressaltou o desinteresse que
essas duas professoras tinham em trabalhar com os indígenas, e de como a questão específica
do xamanismo não lhe parecia algo do interesse delas.
Outra professora fez o seguinte comentário:

As professoras que eram coordenadoras do Linha Verde [projeto citado por Goulart]
sempre foram grandes opositoras do trabalho do Roberto [Marimon]. A ida do Linha
Verde para a Amazônia me pareceu oportunista. Foi mais uma forma de obter
prestígio, horas, recursos para o projeto, locação de carga horária, materiais e
bolsistas […] Para mim, foi uma oportunidade que elas conseguiram que não
revertia em nada para a formação em xamanismo. Era exclusivamente alguma coisa
para a [disciplina de] fitoterapia, e para fortalecer o Linha Verde (WEDEKIN,
entrevista pessoal, 11 jan. 2017)

Essas duas falas reforçam a leitura do Capítulo 2 (cf. p. 80), de que a disputa de estilos
de pensamento, para além de epistemologias e metodologias incompatíveis, envolve também
questões pessoais. Percebe-se que a rivalidade das duas escolas também mina os recursos
disponíveis pela instituição, o que altera a própria alocação de horas-aulas dos professores,
refletindo em seus salários. Um projeto de extensão envolvendo uma viagem a uma tribo
indígena que não possui qualquer relação com a formação de xamanismo desse curso parece,
do ponto de vista lógico, incongruente. Mas de alguma forma foi justificada frente às políticas
fomentadas pelo mal entendido entre as escolas competidoras da naturologia.
182

DEFINIÇÕES QUE CONVERGEM A MARIMON

Nessa subseção, apresentarei as definições de xamanismo dos participantes que


convergiram com as aulas de Marimon. Será possível perceber que muito desse pensamento
se inclina ao que academicamente é entendido como neoxamanismo.
De modo geral, a definição de xamanismo na naturologia é monolítica. Para os
naturólogos, existe uma essência do xamanismo que permearia todas as manifestações
xamânicas do mundo. Essa essência é traduzida emicamente como “visão xamânica”, e as
aulas de Marimon tem como objetivo ensinar aos estudantes como desenvolverem essa visão.
A visão xamânica é holística, integra diferentes elementos na natureza e da história de vida do
paciente para traçar uma abordagem terapêutica integral que respeita o self dele, permitindo
sua manifestação. Isso promoveria libertação das amarras da vida, empoderamento frente às
contingências e autenticidade nas relações interpessoais.
Uma naturóloga ofereceu a seguinte definição para xamanismo:

É uma medicina que visa à integralidade do ser com a natureza. […] é você olhar
para uma pessoa e conseguir compreender como que aquele ser se coloca no mundo,
como que ele se move pela vida, qual é a natureza dele. Daí, a partir disso, você
poder encontrar o que está em descompasso [e] conseguir trazer ele de volta para a
harmonia dele. […] É você ver um ser, entender como ele se movimenta, entender
como ele se faz na vida, como ele se constituiu na vida, se relaciona com ela e,
assim, trazer a natureza dele real de volta pro equilíbrio (ALVES, entrevista pessoal,
28 nov. 2016)

Uma professora da Universidade do Sul de Santa Catarina ofereceu tal definição:

Entendo a medicina xamânica como a medicina da vida, dos elementos que nos
rodeiam, nossa história, ancestralidade. […] No xamanismo olhamos para o macro
para ver o micro e vice-versa. Tudo tem seu simbolismo, significado. Com isso, no
xamanismo, quando e onde você nasceu, os animais, cores, luas, sol, ervas, plantas
etc. fazem parte de você. Tudo tem uma ligação. É estar conectado, procurar estar
num equilíbrio dinâmico para viver […] Eu vejo que o xamanismo me deu muito
essa questão de inter-relações, tanto mental, físico e emocional, quanto as relações
intra e interpessoais também (KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017).

Outro naturólogo comentou que o curso de naturologia da Universidade do Sul de


Santa Catarina não tem uma etnia ou tribo como referência para a formação de xamanismo:
“Aproveita-se aquilo que tem de bom [em] cada medicina [xamânica específica] e recria-se
uma medicina xamânica [própria]. Mas eu vejo que é uma medicina bastante simbólica e [de]
bastante autodesenvolvimento, mais voltada para o autoconhecimento” (KUHNEN, entrevista
pessoal, 11 jan. 2017). Ele também enfatizou que o trabalho xamânico da naturologia não é
orientado em práticas terapêuticas específicas dos indígenas:
183

A gente não aprende na [disciplina de] medicina xamânica da [Universidade do Sul


de Santa Catarina] práticas de cura utilizadas pelos índios, como por exemplo passar
sebo de raposa na garganta para a tosse. Esse tipo de coisa a gente não aprende nada
lá. Mas [a aula] é muito voltada para o autodesenvolvimento e autoconhecimento.
(KUHNEN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017)

Outra naturóloga definiu o xamanismo assim:

É tu perceber que tudo é uma coisa só. […] É essa visão do todo no um, de perceber
o quão é importante a gente ter a conexão com cada elemento. Por que é importante
a gente ter calor? Por que é importante a gente ter frio, a água, o sol, a terra? Por que
tem que ter o ar? O que isso gera externamente e o que [d]isso está dentro da gente?
Como que isso funciona dentro da gente também? E pode ser algo muito simples e
muito fácil de ler, e também podemos ir desdobrando até virar algo muito complexo.
Mas isso vai do teu olhar e da capacidade que tu tens para abrir essas portas. Eu vejo
a gente como várias portas, várias gavetinhas que a gente vai podendo acessar. Vai
da tua entrega (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).

Foi notado um grande apelo em ensinar ao paciente a deixar de fazer coisas apenas
para agradar as outras pessoas, desrespeitando a sua necessidade e limites pessoais. A
genealogia disso no ethos Nova Era pode ser traçada ao Movimento do Potencial Humano.
Como explica Hanegraaff (1996, cap. 2), o Movimento do Potencial Humano é uma das
vertentes de cura novaerista mais importantes, e se pauta em uma leitura de que as pessoas,
para conviverem em sociedade, têm tolhidas a sua autenticidade. A criança vai sendo
educada, desde a tenra idade, a reprimir sua espontaneidade, para que se torne um cidadão
adequado à vida em família, na escola, e posteriormente no trabalho. Para os novaeristas,
essas amarras que permitem o convívio reprimem não apenas comportamentos inadequados,
mas a própria expressão plena do potencial de se ser humano. Aceitar essas dimensões
desvalorizadas pela sociedade seria essencial à terapêutica novaerista.
Essa lógica foi percebida permeando as definições de xamanismo da naturologia
brasileira. Destaco a fala de uma participante, que comentou o seguinte:

Eu aprendi na medicina xamânica isso, de valorizar aquilo que você é, e não aquilo
que você “deveria” ser. Aprendendo a reconhecer todas as nossas faces, mesmo as
que consideramos “feias” ou “erradas”. Elas estão ali, também merecem atenção e
também fazem parte de quem somos (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).

Indícios da influência do estilo de pensamento do Movimento do Potencial Humano


também apareceram na definição de xamanismo oferecida por uma das professoras pioneiras
do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina:

Xamanismo é tudo e é nada. É energia que tudo rege. É trazer a consciência de que
tudo que nos envolve ou com o que se convive tem [a] sua razão de ser e tem valor,
assim como nós temos valor. É a natureza dentro e fora de nós. É o respeito por tudo
à nossa volta e o respeito por nós mesmos. É ter consciência dos seus limites e se dar
184

limites. Como colocar tudo isso na prática? Sentindo o coração, a amorosidade, o


desapego, a tolerância, a paciência, a responsabilidade, a decência, a reciprocidade.
É a busca constante do belo que existe em todo lugar, sem alienação, com
consciência. Orai e vigiai! Orai é o conversar com Deus, com o nosso Deus interior,
o nosso Eu, nossa essência, nosso self como Jung chamou. Vigiai é olhar, observar a
nós próprios, que faz parte do nosso autoconhecimento. O xamanismo nos faz
mergulhar no mais profundo do nosso ser, expressando a nossa espiritualidade, um
religare, uma reconexão com as forças da natureza. “Somos todos um”, vejo isso
como a máxima do xamanismo. Todos somos sagrados. É o caminho do coração. É
formar uma egrégora com as sabedorias da energia do bem, vibração, paz e
harmonia. Não há segregação, há acolhimento. É um caminho de liberdade, de
desconstrução de preconceitos impostos ao longo da vida, de profundo
autoconhecimento. É uma reconstrução, se conectando com a missão que nos foi
atribuída aqui na Terra (PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).

Outra ex-professora que fez parte do período inicial do curso da Universidade do Sul
de Santa Catarina também se aproximou das leituras do Movimento do Potencial Humano:

O xamã tem o objetivo de libertar. Ele não vem pra fazer um despertar, não vem
para impactar. Vem para libertar. Mas impacta, é uma consequência. O xamã vai
quebrar. […] Ele tem um olhar próprio, sim. A libertação é um olhar próprio. Ele
tem o seu olhar singular. Mas ele vai, verdadeiramente, observar que ele precisa
levar em outras posições, e ele vai respeitar o outro, sim. Ele vai interagir com o
outro. Ele não pode entrar cético que existe ali já uma premissa. E a grandeza do
xamã é essa capacidade de interagir, de compreender, sem buscar ser compreendido.
Essa é a grandeza do olhar xamânico. Ele tudo compreende (GOMES, entrevista
pessoal, 11 nov. 2016).

Também foi observado que diversas formas de manifestação religiosa tribal e rural
podem ser também entendidas, todas elas, como xamanismo entre os naturólogos. Uma
participante fez a seguinte declaração:

Eu penso que muito desses saberes, dentro dessas culturas ancestrais – iorubá, o
próprio paganismo –, têm muito do xamanismo. […] Eu penso que essas religiões
afro, por exemplo, ou até o paganismo também são aspectos xamânicos, justamente
[por]que o xamanismo é atemporal e não local. São aspectos distintos, mas a
essência é a mesma: de conexão, de entrega, de processo de cura, de aceitação de
todas as tuas faces, de se entregar pro teu processo. Isso, como a gente fala, como eu
penso, o próprio sacerdócio dentro do paganismo é uma entrega, assim como é ser
uma mulher-medicina, uma xamã. (MARTINS, entrevista pessoal, 18 out. 2017).

Um dos TCC da Universidade do Sul de Santa Catarina que abordou o xamanismo


declarou coisas similares. Para Inocêncio (2012, p. 3), os “afro-latino-americanos” [sic.] são
xamânicos – categoria tão inclusiva que, academicamente, é inoperável. Esse naturólogo
mescla em sua leitura do xamanismo, além dos ensinamentos de Marimon, elementos de
candomblé, umbanda Almas de Angola, vodu, e o xamanismo dos mbyá-guarani.
Uma das professoras pioneiras do curso defendeu que “xamã é xamã. Ele tem uma
visão própria. […] O xamã não está preocupado se é siberiano, maia. Ele é xamã. Isso já é
consequência da adaptação ocidental” (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016). Outra
185

professora, que também fez parte do período de implantação do curso na Universidade do Sul
de Santa Catarina, chegou a ficar ofendida quando a questionei sobre as interpretações
divergentes de xamanismo pela antropologia. Sua resposta sobre isso foi a seguinte:

Outra vez estão seccionando? Isso é universal! A crença no todo não vai sempre
para um lado só? Se eu sou luterana, católica, eu só tenho práticas diferentes. E eu
posso fazer uma respeitando a prática do outro. A igreja luterana não utiliza
imagens, mas não é por isso que eles vão ter um ponto a menos ou a mais quando
chegarem lá no Céu. A forma como se nomina é mais importante do que o objetivo
que se quer alcançar? O que pode ser diferente entre as etnias é a forma de lidar para
se chegar ao que se deseja. A vida nos ensina se quisermos aprender algo, sem
precisar discutir a que linha de pensamento se serve. Penso que os vários
movimentos xamânicos que recebem adeptos de várias culturas nos ensinam bem
isso (PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016)

Interessantemente – talvez porque os estudantes convivem com docentes dos dois


estilos de pensamento no curso de naturologia –, houve naturólogos que tinham consciência
da existência de abordagens acadêmicas de se definir xamanismo pautadas nas peculiaridades
étnicas, ao invés de leituras globalizantes como as promovidas pelo ethos Nova Era. No
entanto, os naturólogos tenderam a endossar a posição de Marimon. Uma respondente fez o
seguinte comentário a esse respeito:

Eu sei que existem outras formas, outras visões. Sei que tem linhas que enxergam [o
xamanismo] como dádiva e outras como pesadelo. Ou que usam tais coisas, ou
fazem determinado ritual para tal deus e outras não. Isso são peculiaridades e
características de cada povo. No entanto, eu acho que quando estão se referindo
[que] “xamã é xamã, não importa de qual tribo”, estão falando de alguns pontos que
eu, na minha ignorância antropológica, não vejo como tão diferentes. Eu, por
exemplo, não conheço nem nunca ouvi falar de uma única tribo ou um único xamã
que não respeitasse a natureza e que não buscasse nela e na relação com os espíritos
a cura. Ou que negasse a sua unidade com o todo, ou que se recusasse a ajudar a
comunidade. Enfim, acho que existem alguns pontos que não são tão diferentes
assim (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).

Sobre a iniciação xamânica, como atentou Hanegraaff (2013), existe certo cuidado dos
novaeristas em falar sobre experiências que utilizam enteógenos, visto o tabu social e o fato
de que algumas dessas substâncias possam ser ilegais. Mas como no Brasil o uso religioso da
aya’waska não é crime, muitos respondentes admitiram ter tido experiências com essa planta,
embora sempre deixando claro que isso ocorre fora dos muros da universidade (ALVES,
entrevista pessoal, 28 nov. 2016; SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017; WEDEKIN,
entrevista pessoal, 11 jan. 2017; TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22 fev. 2017; LANZA,
entrevista pessoal, 1 abr. 2017, MARTINS, entrevista pessoal, 18 out. 2017).
Existe uma concepção de que o curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa
Catarina não forma xamãs. Ninguém – nem mesmo Marimon –, autoproclamou-se xamã
186

durante minhas entrevistas. Há uma ideia de que o xamanismo está para além de uma vivência
pontual enquanto disciplina acadêmica, que necessita de um aprofundamento no meio da
mata, como um retiro ou alguma jornada mais específica, que envolve uma viagem de turismo
religioso para determinado local que poderia proporcionar o acesso a esse conhecimento.
Uma das ex-professoras declarou que “quase ninguém pode ser xamã [dentro da
naturologia]. Então como fazer com o naturólogo que não vai despertar? Ele poderia ter outras
linhas de trabalho, dentro da naturologia, que não fosse somente o xamã” (GOMES, entrevista
pessoal, 11 nov. 2016). Outra naturóloga disse: “Eu não acho que é um certificado que
garante algo assim [tornar-se xamã], de jeito nenhum. É uma experiência de vida. É uma
formação de vida” (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Essa mesma naturóloga comentou sobre a importância de uma busca posterior por
vivências xamânicas que não são ofertadas pela universidade, como forma de respeito a essa
tradição e por experiência de vida. Em sua concepção, o naturólogo deve sentir de antemão os
efeitos de todas as práticas com as quais trabalha, para que assim possa ter consciência do que
esperar ao utilizar isso em seu consultório:

Eu acho essencial que existam essas vivências […] Uma coisa é teoria, outra coisa é
você botar a mão na massa [e] sentir no corpo, sentir na pele o que o teu interagente
pode sentir. É muito fácil você falar para uma pessoa “faz uma geoterapia”. Mas
você sentiu o que é ter uma dor de barriga por efeito adverso? Você sentiu o que é
uma desintoxicação? Você não sentiu, então não vai colocar para o teu interagente
algo que você não testou em você primeiro. Eu acho que isso é o mínimo do respeito
por uma pessoa (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).

O fato de que professores pioneiros ao curso de naturologia da Universidade do Sul de


Santa Catarina terem sido os que mais comumente endossaram a leitura monolítica de que
existe uma essência do xamanismo também reforça o que defendi no segundo capítulo (cf. p.
77), de que a inserção do xamanismo no curso de naturologia da Universidade do Sul de
Santa Catarina é uma resistência do estilo de pensamento novaerista que dominava a época da
fundação do curso. Como tal, as definições de xamanismo propostas pelos naturólogos que
trabalham com xamanismo também tenderam a se aproximar do entendimento que a Nova
Era possui sobre a categoria, conforme será possível perceber a seguir.

A RESSIGNIFICAÇÃO DO XAMANISMO PELA NATUROLOGIA

Foi possível observar que a forma como a categoria xamanismo é significada entre os
naturólogos brasileiros é similar à ressignificação promovida pela Nova Era. A lógica é
187

adequada à realidade terapêutica da naturologia, e tende a englobar elementos importantes da


fase de implantação do curso na Universidade do Sul de Santa Catarina.

Tabela 27 – Confluências e divergências entre o significado de xamanismo para a naturologia


brasileira e as definições acadêmicas de xamanismo tradicional e neoxamanismo.

XAMANISMO XAMANISMO DA
NEOXAMANISMO
TRADICIONAL NATUROLOGIA

Xamanismo essencial, no
Vários xamanismos, no plural. Visão do xamã, no singular.
singular.

Filosofia de vida, visão de


Complexo sociocultural. Cosmologia, visão de mundo.
mundo.

Êxtase como fonte do poder Self como fonte do poder Self como fonte do poder
xamânico. xamânico. xamânico.

Relação inalienável com o Relação inalienável com o Êxtase apenas relacionado às


êxtase. êxtase. iniciações xamânicas.

Xamã como psicopompo. Xamã como sábio. Xamã como terapeuta.

Apenas alguns indivíduos Apenas alguns naturólogos


Todos podem se tornar xamãs.
podem se tornar xamãs. podem se tornar xamãs.

Não se trata de algo antigo, mas


Algo antigo, tradicional. Algo antigo, tradicional.
presente e vivo na atualidade.

Ritos pautados em negociações Ritos pautados em estados Práticas pautadas em


ou batalhas com as forças da alterados de consciência e desenvolvimento pessoal, sem
natureza. desenvolvimento pessoal. estados alterados de consciência.

Voo xamânico em via de mão Voo xamânico em via de mão


Inexistência do voo xamânico.
dupla. única.

Principio geral de energia Principio geral de energia Principio geral de energia


indivisível, que unifica o cosmo indivisível, pautado na física indivisível, pautado na física
por ciclos de vida e morte. quântica. quântica.

Rituais iniciáticos ancorados na Rituais iniciáticos ancorados em


Rituais iniciáticos ancorados na
experimentação de enteógenos e experiências de êxtase, que só
simbologia da morte e do
no êxtase, o que pode ser feito podem ser feitas por turismo
renascimento.
na cidade. religioso a regiões selvagens.

Crença no poder da Transmutação e feitiçaria Transmutação e feitiçaria


transmutação e feitiçaria. ocupam papel secundário. inexistentes na prática.

Fonte: elaborado pelo autor (2019).


188

Foi possível notar que embora nem tudo seja uma transposição total das concepções
novaeristas de xamanismo, a maior parte do entendimento que os naturólogos possuem sobre
a categoria se ressignificou tendo o ethos Nova Era como norte epistemológico. Todavia,
foram perceptíveis adequações tanto para que a categoria fosse inserida dentro da
universidade enquanto disciplina obrigatória de uma graduação (p. ex. o apagamento de uma
ligação mais imediata entre xamanismo, êxtase e os enteógenos), tanto quanto para que
pudesse ser identificado como uma medicina tradicional (p. ex. a feitiçaria e o voo xamânico
abrem espaço para a relação de interagência e para a anamnese do paciente).
Enquanto receptáculo do estilo de pensamento da fase novaerista do curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, o xamanismo naturológico recebeu
porção considerável dos conteúdos iniciais que passaram a ser censurados quando da
emergência do estilo de pensamento biologista. Esses conteúdos adquiriram outros nomes e
formatos, passaram a ser apresentados como sendo elementos indígenas, mas mantiveram o
núcleo das práticas e valores que eram caros a esse período inicial.
Como foi possível ver no terceiro capítulo (cf. p. 101), a categoria cakras, que foi
censurada durante a emergência do paradigma biologista no curso de naturologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina, aparece no xamanismo naturológico. Contudo, nas
aulas de Marimon os centros energéticos recebem outro nome, e o formato de organização do
sistema deixa de ser exatamente o mesmo que o curso utilizava inicialmente, aproximando-se
mais de textos mais antigos da Nova Era.
Outros exemplos também podem ser notados no quarto capítulo (cf. p. 118, 139, 160).
A astrologia é mantida no curso através da medicina das cores, porém também em outro
formato que não é imediatamente uma transposição da astrologia contemporânea. No caso da
medicina dos números, foi possível ver resquícios das aulas de ufologia de quando o curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina era ainda apenas uma pós-graduação,
visto um dos cálculos declarar se o paciente possui a alma de um terráqueo, um atlantis ou um
extraterrestre. A própria inserção da terapia com cristais no xamanismo também é um forte
indício de que essa prática na naturologia engloba aquilo que foi silenciado pelo estilo de
pensamento biologista. Enquanto havia aulas de terapia com cristais na primeira e na segunda
matriz curricular do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina, a partir do momento que
essa disciplina é retirada na reformulação do projeto pedagógico de 2013, os cristais passam a
fazer parte das aulas de naturologia através da disciplina de xamanismo de Marimon.
Sobre o neoxamanismo consistir em uma tradição inventada, é preciso se ter claro o
que isso significa para o objeto aqui analisado. Marimon não é o inventor do neoxamanismo.
189

Tão pouco ele criou do nada as práticas que ensina aos estudantes de naturologia. Astrologia,
numerologia, leituras de cakras, healing, os quatro elementos… todos são fenômenos
empiricamente observáveis em diversas outras manifestações religiosas do ethos Nova Era em
âmbito mundial. É, porém, considerada uma tradição inventada porque a forma como esses
conteúdos se organizam segue uma visão de mundo que é moderna, posterior a Segunda
Guerra Mundial2. No entanto, isso não significa que essa forma de medicina xamânica seja
ilegítima ou inútil. Ao contrário, sua sobrevivência enquanto resistência do paradigma
original do curso demonstra o forte apelo que esse estilo de pensamento possui entre os
naturólogos do país.
Embora haja forte reivindicação nos discursos dos naturólogos de que a medicina
xamânica da naturologia brasileira é baseada no conhecimento indígena dos norte-americanos,
o esoterismo da Nova Era é a sua influência mais forte. São os temas centrais do esoterismo
europeu aqueles que assumem o papel central no xamanismo da naturologia brasileira, mais
do que qualquer forma tradicional de prática indígena ou xamânica de qualquer parte do
mundo que seja. Mesmo elementos oriundos de fora da Europa, como os cakras, são inseridos
na medicina xamânica pela óptica da apropriação europeia de tais conteúdos. Embora
naturalizados enquanto algo indígena, sua genealogia está pautada no esoterismo.
Devido à abordagem excessivamente teórica de Marimon sobre o assunto (afinal de
contas, o objetivo da disciplina é desenvolver a capacidade da visão do xamã nos naturólogos,
e não que eles se tornem xamãs propriamente ditos), também foi possível obsevar que os
naturólogos recorrem paralelamente a outras fontes para aprofundar o seu conhecimento
“prático” de xamanismo.
Existe uma distinção entre o que os líderes religiosos dizem sobre seus grupos e o que
os crentes realmente fazem. As religiões são construções coletivas, que são perpetuadas de
forma contínua e independente. Esse é um processo ambíguo, construído por muitas pessoas
com seus próprios interesses e motivações. Os adeptos não pensam e praticam exatamente a
mesma coisa. É por isso que os líderes às vezes não conseguem direcionar os rearranjos
simbólicos de seu grupo como eles pretendem. Embora a naturologia não seja uma religião
em sentido estrito, ao lidar com o xamanismo naturológico, o professor Marimon pode ser
considerado o mais próximo possível de uma liderança religiosa carismática. Como tal, há
certas práticas que Marimon desaprova, desencoraja ou desconsidera no xamanismo que os
naturólogos fazem mesmo assim.

2
Sigo aqui Guerriero (2006, p. 35), quem declara, pautado em Eileen Baker, que é comum considerar um
movimento religioso como “novo” quando ele se tornou visível socialmente após à Segunda Guerra Mundial.
190

As três principais influências paralelas do xamanismo na naturologia brasileira são o


xamanismo guarani, o Santo Daime e o Caminho Vermelho. Todos eles foram brevemente
observados na naturologia, e nenhum deles é conteúdo das aulas de Marimon. No Brasil,
esses três sistemas espirituais são intrinsecamente misturados. Como explicou Rose (2010) –
algo que também corroborou um dos meus entrevistados (TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22
fev. 2017) –, nas últimas duas décadas uma rede tem crescido entre os guaranis brasileiros, o
Santo Daime e o Fogo Sagrado de Itzachilatlan – um grupo xamânico norte-americano
também conhecido como o Caminho Vermelho. Isso foi chamado de “aliança das medicinas”,
e é a principal razão para a apropriação da aya’waska e de práticas como a temazcal (tenda de
suor) e a busca da visão pelos guaranis.
Como mencionado anteriormente, as aulas de medicina xamânica da naturologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina têm um caráter muito teórico. Os estudantes que
anseiam por uma experiência mais prática do xamanismo precisam buscá-la fora da
universidade. Desde o início isso tem gerado conflitos entre o que a universidade formalmente
ensina e as buscas pessoais desses estudantes. Isso tem sido ainda mais exacerbado devido a
um projeto de extensão universitária que trabalha na revitalização das culturas mbyá-guarani
na região de Santa Catarina. Esse projeto é organizado por outro professor da Universidade do
Sul de Santa Catarina, mas não tem como foco o xamanismo ou a medicina guarani. Trata-se
de um projeto social de assistência e preservação cultural. No entanto, muitos estudantes de
naturologia têm participado deste projeto para visitar aldeias guaranis. Esta é a experiência
mais prática com uma cultura indígena oferecida pela Universidade do Sul de Santa Catarina.
Como os naturólogos aprendem o xamanismo através da concepção do xamanismo
essencial, por mais que considerem que os ensinamentos de Marimon são baseados nos
nativos norte-americanos, há uma percepção generalizada de que o xamanismo guarani é
muito semelhante (se não a mesma coisa) àquilo que Marimon ensina, e que pode ser
facilmente fundido com o xamanismo da naturologia. Isso resulta em muitos professores de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina criticando esse projeto social, uma vez
que ele gera um currículo paralelo ao formalizado pelo colegiado. No entanto, quase todos os
entrevistados que afirmaram trabalhar com xamanismo em naturologia tiveram pelo menos
um encontro com o povo guarani, intermediado por esse projeto de extensão.
Outro ponto importante é que, nas últimas décadas, o povo guarani de Santa Catarina –
em especial da etnia nhandeva-guarani – adotou práticas de outras etnias indígenas como
parte de suas próprias práticas. Essas práticas são, em sua maioria, transposições religiosas do
Caminho Vermelho e do Santo Daime. Uma das práticas mais interessantes e fortemente
191

adotadas é a apropriação da aya’waska, planta nativa da Amazônia. Quando perguntado se o


Santo Daime era uma forma de xamanismo ou não, Marimon respondeu:

Não sei. Não faço ideia. Acho que são coisas totalmente diferentes […] Eles não são
xamãs como a gente concebe, como aquelas pessoas que estão lá [na floresta]. Eles
andam em muitos mundos. Eu sempre penso que as pessoas que fazem isso estão
perdidas. Essa é a minha opinião (MARIMON, entrevista pessoal, 17 nov. 2016).

Uma razão-chave para sua resistência ao Santo Daime é a aya’waska. Embora ele
tenha passado por algumas experiências espirituais com o auxílio dessa planta, Marimon vê o
transplante da aya’waska para o sul do Brasil como uma corrupção de sua energia sutil.
Marimon acredita que uma planta de poder só possui seu potencial espiritual em seu ambiente
nativo. Uma planta do deserto como o peiote, por exemplo, só contém todas as suas
propriedades quando usada no deserto. É por isso que Marimon procurou viajar por todas as
Américas para se submeter aos seus rituais xamânicos: ele queria consumir as plantas
enteógenas em seu ambiente original. Como a aya’waska é nativa da Amazônia, seu consumo
no sul do Brasil não lhe parece lógico.
No entanto, há outro ponto a ser observado: enquanto os daimistas se descrevem como
um grupo religioso, Marimon não considera seu xamanismo uma religião (MARIMON,
entrevista pessoal, 1 dez. 2016). Além disso, a presença de elementos simbólicos cristãos no
Santo Daime também o incomoda:

Eles vinculam as pessoas a um rito, canto, ideia, a uma busca pré-determinada, a tal
ponto que todo aquele que bebe aya’waska vê [símbolos d]a Igreja Católica. Todo
mundo vê santos, anjos, Deus […] Isso é por causa dos seus cânticos […] Eles têm
toda aquela matriz. Você conhece pessoas que falaram com a Virgem Maria, pessoas
que se sentaram aos pés de Deus, e isso continua […] Tanto que há quinze anos eles
chamavam o [Santo] Daime de “Cristo em garrafa”. Todos experimentam a saga da
crucificação, do sacrifício (MARIMON, entrevista pessoal, 17 nov. 2016).

Marimon também demonstrou resistência à presença dos estudantes de naturologia


entre os indígenas mbyá-guaranis3. Como o projeto de extensão da Universidade do Sul de
Santa Catarina é organizado por um professor que é ex-padre jesuíta, Marimon assume que
esse projeto tem uma agenda catequética oculta. Além disso, a assimilação da aya’waska
pelos guaranis é vista como uma abominação por Marimon, algo que ele considera como o
estupro da cultura guarani original. Isso ocorre porque o professor desconsidera a plasticidade
das culturas indígenas, que não precisam ficar estancadas em um passado romantizado

3
O projeto não é criticado apenas por Marimon. Wedekin (cf. entrevista pessoal, 11 jan. 2017) também
criticou a inserção dos estudantes de naturologia nas tribos mbyá-guarani, embora por motivos antropológicos.
Para Wedekin, os estudantes de naturologia não possuem na universidade preparo metodológico e nem de
conhecimento étnico e cultural sobre os mbyá-guarani para serem inseridos assim em uma tribo indígena.
192

“puro”. Como o neoxamanismo se orienta pelo arquétipo do “bom selvagem”, pensar nas
culturas xamânicas como algo vivo e presente, que se modifica, gera conflitos em seu estilo
de pensamento, que as vê como algo tradicional e antigo. Logo, embora Marimon admita ter
se engajado em alguns intercâmbios e visitado as aldeias mbyá-guarani da Grande
Florianópolis no passado (MARIMON, entrevista pessoal, 11 ago. 2016; 17 nov. 2016), ele
prefere ficar longe desse projeto e não o reconhece como algo em prol do xamanismo da
naturologia.
193

CONCLUSÃO

A presente tese teve por objetivo o estudo do xamanismo que ocorre na naturologia
brasileira. Os participantes foram naturólogos brasileiros que objetivamente declaravam
sempre trabalhar com xamanismo, e os professores do curso de naturologia da Universidade
do Sul de Santa Catarina, a única instituição a ofertar formação em xamanismo em um curso
de naturologia reconhecido pelo MEC. Como a Universidade do Sul de Santa Catarina é
responsável por dois terços dos naturólogos formados no Brasil (STERN, 2017a, p. 55-57),
foi considerado que o recorte, embora geograficamente localizado, permite falar sobre a
naturologia brasileira em geral.
Como já havia sido demonstrado por pesquisas anteriores, existe uma importante
relação entre a naturologia e o ethos Nova Era. Assim, parti da hipótese que essa relação
influenciaria as concepções de xamanismo entre os naturólogos do Brasil. Isso foi
demonstrado a cada capítulo dessa tese, culminando no último capítulo, em que uma tabela
comparou as definições de xamanismo tradicional, neoxamanismo (xamanismo na Nova Era),
e como os próprios naturólogos definem xamanismo. Muito do que a naturologia brasileira
conceitua sobre xamanismo possui influência direta do ethos Nova Era.
No primeiro capítulo, foi apresentado o estado da questão sobre a naturologia e sobre
o neoxamanismo entre a publicação nacional de ciência da religião. Foi possível perceber que
pouco havia sido discutido sobre o assunto, e que o tema apresentava o ineditismo necessário
a um trabalho doutoral. O capítulo em questão possuiu também uma característica distinta da
maioria das teses sobre a temática: foquei-me na produção da própria ciência da religião, visto
o momento atual da disciplina no Brasil, que visa uma maior valorização das produções da
área.
O segundo capítulo foi uma reconstrução da história do curso de naturologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina. Foi discutido também o fato de hoje a Nova Era não
ser mais uma categoria êmica, mas sim uma categoria ética, e de como isso gera disputas nas
194

ciências humanas sobre sua relevância na atualidade. Com isso, foi apresentada a categoria
“ethos Nova Era”, visando localizar nas discussões dessa tese os seus elementos.
Na sequência, foi apresentada uma leitura sobre a inserção do xamanismo na matriz
curricular do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, o que aconteceu
como uma resposta de um estilo de pensamento mais alinhado ao ethos Nova Era que passou
a ser perseguido por um novo estilo de pensamento emergente, orientado pela biologia.
Embora pesquisas anteriores já tivessem demonstrado essa virada paradigmática na
naturologia brasileira, essa foi a primeira vez que o tema foi abordado pela perspectiva das
teorias da ciência de Fleck e Kuhn, discutindo como a disputa das escolas rivais refletiu na
própria construção do curso de naturologia e na identidade dos naturólogos.
O terceiro e quarto capítulo descreveram as categorias êmicas do xamanismo
naturológico. Foi possível observar que os elementos identificados corroboram a hipótese
inicial desse trabalho. Itens muito caros ao esoterismo europeu, difundidos pela Nova Era,
aparecem na prática xamânica da naturologia, como astrologia, tarô, numerologia e cakras.
Alguns desses elementos foram transposições diretas das leituras da Nova Era, como o
healing e os quatro elementos, enquanto outros recebem outro formato e nome, não estando
tão evidente como uma apropriação desse ethos em uma primeira abordagem.
O quinto capítulo se debruçou especificamente sobre o principal problema de pesquisa
desse estudo: o que os naturólogos brasileiros entendem por xamanismo. Como já discutido,
foi demonstrado que as concepções de xamanismo entre a naturologia do Brasil se aproximam
muito mais das definições de neoxamanismo, a forma como o movimento da Nova Era
naturalizou a categoria xamanismo monoliticamente, do que das definições antropológicas de
xamanismo tradicional.
Esse trabalho, entretanto, deixa algumas questões em aberto. O perfil socioeconômico
dos naturólogos brasileiros (PASSOS, 2015), tanto quanto a pesquisa anterior que resultou em
minha dissertação (STERN, 2015a) apontavam que as mulheres são a maioria no meio
naturológico brasileiro, correspondendo a mais de três quartos de sua população total. No
entanto, ao ir a campo, a impressão que tive é que há uma distribuição relativamente
equilibrada entre homens e mulheres que dizem trabalhar com o xamanismo naturológico. Por
que essa prática, em específico, parece não seguir o perfil de distribuição de gênero do resto
da naturologia brasileira? Seria a figura de Marimon, um dos poucos professores homens
heterossexuais de destaque no ensino de naturologia da Universidade do Sul de Santa
Catarina, o motivo dessa identificação dos rapazes com essa prática? Essas questões,
infelizmente, estavam fora do escopo dessa pesquisa.
195

Um segundo problema surgiu pela fala de uma das minhas entrevistadas. Uma das
professoras deu a entender que poderiam existir resistências ao xamanismo na naturologia não
apenas porque ele está ligado a um estilo de pensamento adversário, mas pelo racismo
institucional da própria academia brasileira. Essa professora mencionou que não apenas os
saberes indígenas, mas as medicinas negras e caboclas de modo geral são relegadas ao
ostracismo nas pesquisas da saúde (AZEVEDO, entrevista pessoal, 3 fev. 2017). É notada
uma tendência nos estudos da área da saúde à supervalorização de práticas europeias e
asiáticas em detrimento das medicinas populares e tradicionais da América Latina e da África.
De fato, ao analisar o percurso das racionalidades médicas, uma linha de pesquisa que hoje é
fundamental ao ensino e prática da naturologia no Brasil, aparentemente nunca houve um
interesse maior em estudar tais práticas pelos grupos de pesquisa responsáveis por essa
categoria. Além disso, apesar do campus da Grande Florianópolis da Universidade do Sul de
Santa Catarina estar rodeado por tribos guarani de fácil acesso, pouco é pensado sobre
intercâmbios e inserções mais efetivas entre os estudantes de naturologia e esses indígenas.
As relações étnicas, sociais e raciais complexas que operam por trás desses arranjos não foram
exploradas nesse estudo. Acredita-se que podem ser objetos de grande interesse a futuras
pesquisas sobre o xamanismo da naturologia no Brasil.
Também não fica claro o futuro do xamanismo naturológico. Embora seja formado por
uma população de cerca de 175 pessoas que declaram praticar essa forma de xamanismo
constantemente na naturologia, como o seu ensino está muito centrado na figura de Marimon,
com a aposentadoria desse professor não é possível saber se esse conteúdo sumirá do ensino
brasileiro de naturologia. Por um lado, o xamanismo naturológico engloba em si as principais
categorias do que emicamente é chamado de “essência da naturologia” – o estilo de
pensamento original do curso, referente à sua implantação na Universidade do Sul de Santa
Catarina. Esse estilo de pensamento, contrário ao paradigma biologista, defende uma
perspectiva holística, espiritualista, que dialoga de perto com o ethos Nova Era e valoriza a
relação de interagência. Por outro, como Marimon não preparou um substituto para assumir o
seu lugar na universidade, e visto as resistências que suas aulas enfrentaram historicamente
em todos os anos de existência desse curso, acredito que a maior probabilidade é que o
conteúdo venha a ser retirado da matriz curricular. Ou, em último caso, que seja substituído
por alguma forma de xamanismo tradicional, pautado em uma etnia específica.
Caso qualquer um dos dois cenários ocorra, no geral todos os participantes afirmaram
que seria uma grande perda para a formação. Citando a fala de uma das entrevistadas:
196

Nem me fala isso [a aposentadoria de Marimon]. Meu coração até arde só de pensar
[lacrimejando]. [...] Eu tenho medo, de verdade, que a naturologia se perca e
desmorone, porque sem a visão que ele [Marimon] traz, eu acho muito difícil. Tem
alguns professores que tentam buscar essa visão, que tentam aplicar isso em sala de
aula e transmiti-la aos alunos, mas são poucos. É o que eu percebo. Eu acho muito
difícil [outra pessoa conseguir] trazer o que o Roberto [Marimon] traz para os alunos
(ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).

Outra naturóloga também ficou bastante preocupada:

Ele não pode se aposentar! [...] Eu espero que sejam inteligentes o suficiente para
não deixar isso morrer. Só que tem que achar pessoas que estejam preparadas a falar
sobre isso com muita clareza, né? Encontrar “xamãs” para falar sobre isso,
encontram[-se] vários. Mas pessoas que realmente tenham o cuidado que o Roberto
[Marimon] tem para falar? (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).

Uma das ex-coordenadoras do curso afirmou o seguinte sobre o futuro do xamanismo


na naturologia brasileira:

Eu acho que a tendência é sumir, infelizmente. A tendência é ela [medicina


xamânica] ser excluída. Claro que enquanto esse projeto pedagógico estiver vigente,
eles têm que inserir as 90 horas [de aulas de xamanismo]. Mas o Roberto [Marimon]
é a alma dessa disciplina. [...] Eu, bem objetivamente, acho que a tendência é sumir
(WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017)

Outra professora também demonstrou uma visão pessimista quando foi perguntada se
haveria uma continuidade ao trabalho de Marimon pela instituição:

[Pausa de 4 segundos] Eu não sei. Com tristeza, eu não sei. Espero que ele
[Marimon] consiga colocar alguém que consiga levar isso a diante. Eu espero que os
alunos consigam também fazer esse movimento, porque eu vejo que os alunos,
quando fazem a disciplina de xamanismo, de certa forma se encantam com essa
medicina. Fora isso, aqueles que se dedicam, que procuram entender, eles têm um
outro olhar na sua interagência no estágio. E muitas vezes eu acho que nem eles
percebem que é influência das aulas de xamanismo. Por que eu digo isso? Porque
tanto medicina chinesa quanto āyurvéda, pelo que eu vejo nos estágio, por mais que
se ensine a parte filosófica, fica muito mais em foco a parte das técnicas. É técnica
pela técnica. E o xamanismo traz esse outro olhar, de interagente, de pessoa, de
mundo que a pessoa vive. De que mundo eu vivo? No que eu posso interferir na tua
vida, e no que você pode interferir na minha vida? [...] A medicina que o Roberto
[Marimon] traz é tão simples, e ao mesmo tempo tão complexa. A única coisa é
você observar as coisas que estão a tua volta e você simplesmente ser. E aí eu vejo
que isso, quando os alunos conseguem captar, as interagências são diferentes. Eles,
dentro do consultório, veem o interagente de uma forma diferente. Não estou
desmerecendo as outras medicinas, mas eu vejo muito que as coisas são focadas em
técnicas e protocolos. A xamânica não tem protocolo. Ela entra com um olhar pro
interagente, mas o que a gente vai fazer com ele, é o mesmo que o xamã sair para o
meio do mato escolher a melhor erva. No caso o naturólogo tem esse olhar, e daí ele
vai escolher a melhor prática, que não necessariamente precisa ser xamânica. Pode
ser a hidro[terapia], pode ser a cromo[terapia], pode ser outra prática. Não tem esses
protocolos fechados, como as outras duas medicinas que a gente ensina na
[Universidade do Sul de Santa Catarina]. Eu vejo esse olhar, esse ganho muito
grande, e considero uma perda se não tiver mais aulas de medicina xamânica
(KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017).
197

Com essas últimas citações, concluo a tese apresentando uma das minhas principais
motivações pessoais a realizar esse estudo, a qual reservei para esse momento oportuno. O
xamanismo da naturologia, do ponto de vista do cientista da religião, diz respeito a um grupo
minoritário dentro de outro grupo minoritário chamado “naturologia brasileira”. Esse coletivo
teve na figura de Marimon o equivalente a uma liderança carismática, que bancou durante
mais de vinte anos a sua continuidade na formação da naturologia brasileira. Porém,
atualmente trata-se de uma tradição ameaçada de desaparecimento, pela própria aposentadoria
de Marimon e pela dificuldade de identificar um sucessor para seu trabalho.
Talvez estejamos frente a um fenômeno comum na Nova Era, o que Campbell (1972),
ao falar do cultic milieu novaerista, identificou como a capacidade evanescente das diferentes
ofertas de bens religiosos da Nova Era, que ocorre na mesma medida em que novas
configurações constelam nesse milieu, alimentando o trânsito religioso intenso dos buscadores
espirituais. Ou talvez simplesmente a naturologia brasileira se transformou de tal maneira que
a identidade original do curso, a qual Marimon e os professores da primeira fase idealizaram,
foi suplantada por uma outra identidade contrária a esses ensinamentos. De qualquer forma, a
ameaça desse saber se perder parece real no campo da naturologia brasileira. Como cientista
da religião, achei importante, nesse momento que corroborava a saída de Marimon da
Universidade do Sul de Santa Catarina, o desenvolvimento de um trabalho que registrasse, de
alguma forma, que esse grupo existiu, e sua importância na naturologia do Brasil.
Mas ainda que os saberes xamânicos ensinados por Marimon sejam retirados do curso,
e essa forma específica de xamanismo se perca na naturologia, o neoxamanismo em si
continuará. Ele se perpetua, forte e muito relevante, nos centros espiritualistas urbanos e no
coração do ethos Nova Era, influenciando o surgimento de novas formas de neoxamanismo
nesse cultic milieu. Sendo assim, ainda que os naturólogos deixem de ter esse conteúdo em
sua formação, pela proximidade da naturologia ao ethos Nova Era, novas configurações de
xamanismo continuarão acontecendo entre eles. Essas novas formas de xamanismo apenas
integrarão a longa lista de práticas de um currículo paralelo, para além do que é ensinado
oficialmente pelos cursos de naturologia no Brasil.
198

BIBLIOGRAFIA

ALBANESE, Catherine L. The subtle energies of the spirit: explorations in metaphysical and
New Age Spirituality. Journal of the American Academy of Religion, [s.l.], v. 67, n. 2, p.
305-325, 1999.

ALBUQUERQUE, Maria Betania; CASTRO, Dannyel Teles de. Uma curadora na Amazônia:
trajetória de vida e saberes da experiência. Revista Brasileira de História das Religiões,
Maringá, v. 9, n. 26, p. 7-30, 2016.

ALDHOUSE-GREEN, Miranda; ALDHOUSE-GREEN, Stephen. The quest for the


shaman: shape-shifters, sorcerers and spirit-healers of Ancient Europe. London: Thames &
Hudson, 2005.

ALVES, Isadora Ferrante Boscoli de Oliveira. Compêndio de naturologia: um guia prático


para consulta. Florianópolis, 2017. Apostila discente elaborada para a clínica-escola de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina.

ALVES, Isadora Ferrante Boscoli de Oliveira; MARIMON, Roberto Gutterres; MEDEIROS,


Graciela Mendonça da Silva. O processo de cura: o diferencial entre cure e healing no fazer
naturológico. Último Andar, São Paulo, n. 30, p. 285-313, 2017.

AMARAL, Leila. Carnaval da alma: comunidade, essência e sincretismo na Nova Era.


Petrópolis: Vozes, 2000.

ARISTÓTELES. Do céu. São Paulo: Edipro, 2014

ARRIEN, Angeles. Four-Fold Way: walking the paths of the Warrior, Teacher, Healer and
Visionary. New York: HarperCollins, 1993.

BARROS, Nelson Filice De; LEITE-MOR, Ana Cláudia Moraes Barros. Naturologia e a
emergência de novas perspectivas na saúde. Cadernos Acadêmicos, Tubarão, v. 3, n. 2, p. 2-
15, 2011.

BATESON, Gregory. Naven: um esboço dos problemas sugeridos por um retrato compósito,
realizado a partir de três perspectivas, da cultura de uma tribo da Nova Guiné. São Paulo:
USP, 2006.

BENTHALL, Jonathan Returning to religion: why a secular age is haunted by faith.


London: I. B. Tauris, 2008.
199

BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São
Paulo: Paulus, 1985.

BEZERRA, Karina Oliveira. A wicca no Brasil: adesão e permanência dos adeptos na região
metropolitana do Recife. 2012. 167 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) –
Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2012.

BRACH, Jean-Pierre. Number symbolism. In: HANEGRAAFF, Wouter J. (Ed.). Dictionary


of Gnosis & Western Esotericism. Leiden: Brill, 2006, p. 874-883.

BRANDÃO, Juniot de Souza. Dicionário mítico-etimológico da mitologia grega. v. 1.


Petrópolis: Vozes, 2008.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria da Atenção à Saúde. Departamento de Atenção


Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS: PNPIC.
Brasília: Ministério da Saúde, 2006.

BRASIL. Ministério da Saúde. Gabinete do Ministro. Portaria nº 849 de 27 de março de 2017.


Inclui a arteterapia, ayurveda, biodança, dança circular, meditação, musicoterapia,
naturopatia, osteopatia, quiropraxia, reflexoterapia, reiki, shantala, terapia comunitária
integrativa e yoga à Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. Diário
Oficial da União, Brasília, 28 mar. 2017, Seção 1, p. 68.

BREMBORG, Anna Davidsson. Interview: In: SAUSBERG, Michael; ENGLER, Steven


(Eds.). The Routledge handbook of research methods in the study of religion. London,
Routledge, 2011, pp. 310-322.

BUNTZ, Herwig. Alchemy III: 12th/13th-15th Century. In: HANEGRAAFF, Wouter J. (Ed.).
Dictionary of Gnosis & Western Esotericism. Leiden: Brill, 2006, p. 34-40.

CAICEDO, Alhena. Neochamanismos y modernidad: lecturas sobre la emancipación.


Nómadas, Bogotá, n. 26, p. 114-127, 2007.

CAMPBELL, Colin. The cult, the cultic milieu and secularization. In: HILL, Michael (ed.). A
sociological yearbook of religion in Britain. London: SCM, 1972, p. 119-186.

CAPES. [Ciências da religião e] Teologia: documento de área. Brasília: MEC, 2016.

CARROLL, Al. Core shamanism. New Age Fraud, 13 may 2005. Disponível em:
<http://www.newagefraud.org/smf/index.php?topic=236.0>. Acesso em: 8 jan. 2019.

CASTAÑEDA, Carlos César Salvador Arana. A erva do diabo: os ensinamentos de Don


Juan. 16º ed. Rio de Janeiro: Record, 1968.

CASTAÑEDA, Carlos César Salvador Arana. Tales of power. New York: Simon & Schuster,
1974.

CASTRO, Dannyel Teles de. Neopagãos na cidade: teias e trilhos de uma ecoespiritualidade
na metrópole. Revista Visagem, Belém, v. 1, n. 2, p. 287-299, 2015.

CASTRO, Dannyel Teles de. A festa das almas: o culto aos ancestrais no neopaganismo.
Último Andar, São Paulo, n. 28, p. 125-140, 2016.
200

CASTRO, Dannyel Teles de. Entre carvalhos e samaúmas: a espiritualidade céltica


contemporânea entre a eco-religiosidade e a identidade regional. Diversidade Religiosa, João
Pessoa, v. 7, n. 1, p. 34-59, 2017.

CASTRO, José Lyon de. Naturologia: a saúde integral do indivíduo e da sociedade. Sintra:
Europa-América, 1986.

CAVALCANTE, Caroline. Evocando o poder do visionário através do contador de


histórias: um estudo de caso. 2007. 25 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em
Naturologia) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2007.

CERATTI, Carina; HELLMANN, Fernando; LUZ, Madel T. Proximidades e distanciamentos


entre as formações de Naturologia no Brasil e Naturopatia nos Estados Unidos da América e
Canadá. Cadernos de Naturologia e Terapias Complementares, Palhoça, v. 6, n. 10, p. 23-
38, 2017.

CHANTEPIE DE LA SAUSSAYE, Pierre, Daniël. História das religiões. 2. ed. Lisboa:


Inquérito, 1940.

CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos,


costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. 23ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio,
2009.

CHRYSSIDES, George D. Defining the New Age. In: KEMP, Dareb; LEWIS, James R.
(Eds.) Handbook of New Age. Leiden: Brill, 2007, p. 5-24.

CONBRANATU. Congresso Brasileiro de Naturologia, 4., 2014, Florianópolis. Anais


eletrônicos…

CONCEIÇÃO, Sarah de Souza; RODRIGUES, D. M. O. A situação socioeconômica e


profissional dos naturólogos no Brasil. Cadernos Acadêmicos, Tubarão, v. 3, n. 1, p. 103-
120, 2011.

CORDOVIL, Daniela. Religiões de Nova Era em Belém, Pará: entre o cosmopolitismo e a


identidade local. Rever, São Paulo, v. 15, n. 1, p. 126-143, 2015.

CORDOVIL, Daniela; CASTRO, Dannyel Teles de. Espiritualidades holísticas na metrópole


da Amazônia: presença e expansão de religiões de Nova Era em Belém, Pará. Estudos de
Religião, São Paulo, v. 28, n. 2, p. 115-137, 2014.

CORDOVIL, Daniela; CASTRO, Dannyel Teles de. Urbe, tribos e deuses: neopaganismo e o
espaço público em Belém. Plura, v. 6, n. 2, p. 116-139, 2015.

CORREIA, António Mendes (Org.); et al. Grande enciclopédia portuguesa e brasileira:


ilustrada com cêrca de 15.000 gravuras e 400 estampas a côres. v. 18. Lisboa: Editorial
Enciclopédia, 1950.

COUDERT, Allison P. Alchemy IV: 16t-18th Century. In: HANEGRAAFF, Wouter J. (Ed.).
Dictionary of Gnosis & Western Esotericism. Leiden: Brill, 2006, p. 41-50.

CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 2ª ed.


Porto Alegre: Artmed, 2007.
201

CROWLEY, Karlyn. Feminism’s New Age: gender, appropriation, and the Afterlife of
essentialism. New York: SUNY, 2011.

D’ANDREA, Anthony Albert Fischer. O self perfeito e a Nova Era: individualismo e


reflexividade em religiosidades pós-tradicionais. São Paulo: Loyola, 2000.

DE LA TORRE, Renée; Z IGA, Cristina Gutiérrez, HUET, Nahayeilli Juárez (Eds.)


Variaciones y apropriaciones lationamericanas del New Age. Guadalajara: CIESAS;
Colégio de Jalisco, 2013, p. 337-354.

DEVES, Gabriela. A Lua: simbolismo, energia e Naturologia. 2013. 23 f. Trabalho de


Conclusão de Curso (Bacharelado em Naturologia) – Universidade do Sul de Santa Catarina,
Palhoça, 2013.

DIAS, Maíra de Oliveira. Processos de patrimonialização no campo religioso brasileiro: o


caso do Santo Daime. 2015. 155 f. Dissertação (Mestrado em Ciências das Religiões) –
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2015.

DOW, James W. Universal aspects of symbolic healing: a theoretical synthesis. American


Anthropologist, [S.l], n. 88, p. 56-69, 1986.

DUARTE, Julie; KATEKARU, Karin; PELOUŠEK, Vladimir František M. de A. Teste


olfativo: uma ferramenta de avaliação naturológica. In: STERN, Fábio L. Os aspectos sutis,
simbólicos e sagrados das plantas medicinais. Curitiba: Appris, 2013, p. 49-55.

ELIADE, Mircea. O xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase. São Paulo: Martins


Fontes, 2002.

ELIADE, Mircea. Shamanism: an overview. In: JONES, Lindsay (Ed.). Encyclopedia of


religion, 2nd ed. Farmington: Thomson Gale, 2005, p. 8269-8274.

FABREGA JR., Horacio; SILVER, Daniel B. Illness and Shamanistic Curing in


Zinacantan. Stanford: Standford University, 1973.

FIGUEIREDO, Beraldo Lopes. Numerologia. Espiritualismo. [s.d]. Disponível em:


<http://www.espiritualismo.info/numerologia.html>. Acesso em: 11 ago. 2018.

FLECK, Ludwik. Genesis and development of a scientific fact. Chicago: University of


Chicago, 1981.

FONNELAND, Trude; KRAFT, Siv Ellen. New Age, Sami Shamanism and indigenous
spirituality. In: SUTCLIFFE, Steven J.; GILHUS, Ingvild Sælid. New Age spirituality:
rethinking religion. London: Routledge, 2014, p. 132-145.

FULLER, Robert C. Healing and medicine: healing and medicine in the New Age. In:
JONES, Lindsay (Org.). Encyclopedia of religion, 2ª ed. Farmington: Thomson Gale, 2005,
p. 3848-3852.

GEERTZ, Armin W. Archaic ontology and White Shamanism. Religion, [S.l], n. 23, p. 369-
372, 1993.

GEERTZ, Cliford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.


202

GILHUS, Ingvild Sælid. All over the place: the contribution of New Age to a spatial model of
religion. In: SUTCLIFFE, Steven J.; GILHUS, Ingvild Sælid (Org.). New Age spirituality:
rethinking religion. New York: Routledge, 2014, p. 35-49.

GOMES, Andréa Caselli. Universo xamânico: sustentabilidade e espiritualidades em diálogo.


Paralellus: Revista Eletrônica em Ciências da Religião, Recife, v. 4, n. 8, p. 199-208, 2013.

GÓMEZ, Luis O. Buddhism in India. In: JONES, Lindsay (Org.). Encyclopedia of religion,
2ª ed. Farmington: Thomson Gale, 2005, p. 1101-1131.

GUERRIERO, Silas. Novos movimentos religiosos: o quadro brasileiro. São Paulo: Paulinas,
2006.

GUERRIERO, Silas. Até onde vai a religião: um estudo do elemento religioso nos
movimentos da Nova Era. Horizonte, Belo Horizonte, v. 12, n. 35, p. 902-931, 2014.

GUERRIERO, Silas. Esoterismo e astrologia na Nova Era: do ocultismo à psicologização.


Reflexão, Campinas, v. 41, n. 2, p. 211-224, 2016.

GUERRIERO, Silas. The New Age ethos in Brazilian society. International Journal of
Latin American Religion, Basel, v. 2, n. 2, p. 221-233, 2018.

GUERRIERO, Silas et al. Os componentes constitutivos da Nova Era: a formação de um


novo ethos. Rever, São Paulo, v. 16, n. 2, p. 10-30, 2016.

GUERRIERO, Silas; STERN, Fábio L. Concepções de energia na Nova Era: o caso da


naturologia brasileira. Caminhos: Revista de Ciências da Religião, Goiânia, v. 15, n. 1, p. 4-
25, 2017.

GUERRIERO, Silas; STERN, Fábio L.; BESSA, Marcelino de Queiroz. A difusão do ethos
Nova Era e o declínio de seus estudos acadêmicos no Brasil. Rever, São Paulo, v. 16, n. 3, p.
9-39, 2016.

HAAGE, Bernard D. Alchemy II: Antiquity-12th Century. In: HANEGRAAFF, Wouter J.


(Ed.). Dictionary of Gnosis & Western Esotericism. Leiden: Brill, 2006, p. 16-34.

HAMMER, Olav. Astrology V: 20th Century. In: HANEGRAAFF, Wouter J. (Ed.).


Dictionary of Gnosis & Western Esotericism. Leiden: Brill, 2006a, p. 136-141.

HAMMER, Olav. New Age Movement. In: HANEGRAAFF, Wouter J. (Ed.). Dictionary of
Gnosis & Western Esotericism. Leiden: Brill, 2006b, p. 855-861.

HANEGRAAFF, Wouter J. New Age religion and Western culture: esotericism in the
mirror of secular thought. Leiden: Brill, 1996.

HANEGRAAFF, Wouter J. Prospects of the globalization of New Age: spiritual imperialism


versus cultural diversity. In: ROTHSTEIN, Mikael (Ed.). New Age religion and
globalization. Aarhus, Aarhus University, 2001, p. 15-30.

HANEGRAAFF, Wouter J. Entheogenic Esotericism. In: ASPREM, Egil; GRANHOLM,


Kennet (Eds.). Contemporary Esotericism. Sheffield: Equinox, 2012, p. 392-409.
203

HANEGRAAFF, Wouter J. Espiritualidades da nova era como uma religião secular: a


perspectiva de um historiador. Religare, João Pessoa, v. 14, n. 2, p. 403-424, 2017.

HARNER, Michael. The way of the Shaman. San Francisco: Harper & Row, 1980.

HEELAS, Paul Lauchlan Faux. The limits of consumption and the post-modern “religion” of
the New Age. In: KEAT, Russell (Org.); WHITELEY, Nigel (Org.); ABERCROMBIE,
Nicholas (Org.). The autority of the consumer. London: Routledge, 1994, p. 94-107.

HEELAS, Paul Lauchlan Faux. Spiritualities of life: Romantic themes and consumptive
capitalism. Oxford: Blackwell, 2008.

HELLMANN, Fernando. Reflexões sobre os referenciais de análise em bioética no ensino


da Naturologia no Brasil à luz da bioética social. 2009. 177 f. Dissertação (Mestrado em
Saúde Pública) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.

HELLMANN, Fernando; WEDEKIN, Luana M. (Orgs.). O livro das interagências: estudos


de casos em Naturologia. Tubarão: UNISUL, 2008.

HELLMANN, Fernando; WEDEKIN, Luana M.; DELLAGIUSTINA, Marilene (Orgs.).


Naturologia aplicada: reflexões sobre saúde integral. Tubarão: UNISUL, 2008.

HOBSBAWM, Eric John Ernest. Introduction: inventing traditions. In: HOBSBAWM, Eric
John Ernest; RANGER, Terence Ousborn (Eds.). The invention of tradition. Cambridge,
Cambridge University, 1983, p. 1-14.

HÓRUS ESOTERISMO. O significado dos números pela numerologia pitagórica. 2018.


Disponível em: <http://www.planetaesoterico.com.br/numerologia/o-significado-dos-
numeros.html>. Acesso em: 11 ago. 2018.

HUTTON, Ronald. Introduction. In: ________. Shamans: Siberian spirituality and the
Western imagination. New York: Hambledon Continuum, 2007, p. vii-ix.

INOCÊNCIO, Daniel. Mil faces de um mesmo ritmo: instrumentos de percussão como


ferramentas de movimentação energética e o estabelecimento do ritmo pessoal. 2012. 25 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Naturologia) – Universidade do Sul de
Santa Catarina, Palhoça, 2012.

JOHNSON, Paul C. Shamanism from Ecuador to Chicago: a case study in New Age ritual
appropriation. Religion, [S.l], n. 25, p. 163-178, 1995.

KEMP, Daren; LEWIS, James R. (Eds.) Handbook of New Age. Leiden: Brill, 2007.

KLEIMANN, Arthur. Concepts and models for a comparison of medical systems as cultural
systems. Social Science and Medicine, [S.l.], v. 12, p. 85-93, 1993.

KÓSA, Gábor. Eliade and the first Shaman. In: HOPPÁL, Mihály; SIMONKAY, Zsuzsanna
(Eds.) Shamans unbound. Budapest: Akadémiai Kiadó, 2008, p. 177-183.

KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. 9. ed. São Paulo: Perspectiva,
2006.
204

LANGDON, Esther Jean Matteson. Xamanismo: velhas e novas perspectivas. In: ________.
Xamanismo no Brasil: novas perspectivas. Florianópolis: UFSC, 1996, p. 9-37.

LANGDON, Esther Jean; ROSE, Isabel Santana de. Contemporary Guarani shamanisms:
“Traditional medicine” and discourses of native identity in Brazil. Health, Culture and
Society, [S.l], v. 3, n. 1, p. 28-48, 2012.

LEITE, Ana Luísa Prosperi. Uma breve reflexão acerca da ótica de cosmovisão a partir de
Apostel e van der Veken e suas possíveis contribuições para a naturologia. In: Fórum
Conceitual de Naturologia, 6., 2015, São Paulo. Anais eletrônicos…

LEITE, Ana Luisa Prosperi. Neoxamanismo na América Latina. Último Andar, São Paulo, n.
26, p. 204-217, 2016.

LEITE, Ana Luisa Prosperi. Naturologia, religião e ciência: entremeares da construção de


um campo. 2017. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.

LEITE, Ana Luisa Prosperi; WEDEKIN, Luana Maribele. Narrativas mitológicas sobre
processos de morte simbólica. Último Andar, São Paulo, n. 25, p. 57-76, 2015.

LEWIS, James R. Approaches to the study of the New Age movement. In: LEWIS, James R.
(Org.); MELTON, J. Gordon (Org.). Perspectives on the New Age. Albany: Suny, 1992, p.
1-12.

LIBERATO, Aparecida. O poder dos números. Aparecida Liberato numerologia. 2018.


Disponível em: <https://aparecidaliberato.com.br/numerologia/>. Acesso em: 11 ago. 2018.

LIMA, Bárbara Palma. O estado de presença na terapêutica gestáltica e xamânica e sua


analogia com a relação de interagência na naturologia. 2014. 29 f. Trabalho de Conclusão
de Curso (Bacharelado em Naturologia) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça,
2014.

LINDQUIST, Galina. Shamanism: Neoshamanism. In: JONES, Lindsay (Ed.). Encyclopedia


of religion, 2nd ed. Farmington: Thomson Gale, 2005, p. 8294-8298.

LUZ, Madel Therezinha; BARROS, Nelson Felice. Racionalidades Médicas e Práticas


Integrativas em Saúde: estudos teóricos e empíricos. Rio de Janeiro: UERJ, 2012.

MACHADO, Janete Aparecida Gaspar. Naturologia e naturopatia: reflexões sobre a


formação de naturólogo ante as políticas trabalhistas e de atenção à saúde. 2013. 66 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Naturologia) – Universidade do Sul de Santa
Catarina, Palhoça, 2013.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. O xamanismo urbano e a religiosidade contemporânea.


Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 113-140, 1999.

MAGNANI, José Guilherme Cantor. Xamãs na cidade. Revista USP, São Paulo, n. 67, p.
218-227, 2005.
205

MALUF, Sônia Weidner. Mitos coletivos, narrativas pessoais: cura ritual, trabalho terapêutico
e emergência do sujeito nas culturas da “Nova Era”. Mana, Rio de Janeiro, v. 11, n. 2, p. 499-
528, 2005.

MARIMON, Roberto Gutterres. Medicina dos quatro elementos. Palhoça. 28 set. 2009a. 24
slides. Apresentação em PowerPoint.

MARIMON, Roberto Gutterres. Portas reguladoras. Palhoça. 30 out. 2009b. 37 slides.


Apresentação em PowerPoint.

MARIMON, Roberto Gutterres. Medicina dos animais. Palhoça. 4 nov. 2010. 279 slides.
Apresentação em PowerPoint.

MARIMON, Roberto Gutterres. Healing. Palhoça. 10 mar. 2015. 72 slides. Apresentação em


PowerPoint.

MARIMON, Roberto Gutterres. Observação do fluxo energético. Palhoça. 19 mai.


2017a. 139 slides. Apresentação em PowerPoint.

MARIMON, Roberto Gutterres. Roda de medicina: semana acadêmica. Palhoça. 21 jun.


2017b. 4 slides. Apresentação em PowerPoint.

MARK, Joshua J. Enuma Elish: the Babylonian epic of creation. Ancient History
Encyclopedia. 2018. Disponível em: <https://www.ancient.eu/article/225/enuma-elish---the-
babylonian-epic-of-creation---fu/>. Acesso em: 31 jul. 2018.

McCUTCHEON, Russell T. General introduction. In: McCUTCHEON, Russell T (Ed.). The


insider/outsider problem in the study of religion. London: Continuum, 1999, p. 1-11.

MOREIRA, Andrei Mendes. As características metodológicas dos trabalhos de conclusão


de curso da naturologia da UNISUL. 2016. 37 f. Trabalho de Conclusão de Curso
(Bacharelado em Naturologia) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2016.

MOONDANCE, Wolf. Rainbow spirit journeys: Native American reflections, meditations


and dreams. New York: Sterling, 2000.

NOEL, Daniel C. The soul of Shamanism: Western fantasies, imaginal realities. New York:
Continuum, 1997.

NUNES NETO, Sady Carnot. Cosmologia. São Paulo: Biblioteca Nacional, 1994.

OLIVEIRA, Amurabi Pereira de. Da Nova Era à New Age popular: as transformações do
campo religioso brasileiro. Caminhos, Goiânia, v. 9, n. 1, p. 141-157, 2011.

OLIVEIRA, Amurabi Pereira de; BOIN, Felipe. A pluralidade de experiências do sagrado nas
sociedades contemporâneas. Religare, João Pessoa, v. 14, n. 2, p. 343-362, 2017.

PADOUX, André; URBAN, Hugh B. Cakras. In: JONES, Lindsay (Org.). Encyclopedia of
religion, 2ª ed. Farmington: Thomson Gale, 2005, p. 1348-1349.

PASCHUINO, Michelly Eggert. Naturologia: reflexões sobre saúde, terapias naturais e


pessoas. Barueri: Novo Século, 2014.
206

PASSOS, Mayara Aparecida. Perfil sócio-econômico profissional dos naturólogos do


Brasil. 2015. 29 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Naturologia) –
Universidade Anhembi-Morumbi, São Paulo, 2015.

PASSOS, Mayara Aparecida; RODRIGUES, Daniel Maurício de Oliveira. Naturologia no


Brasil e a Naturopatia no mundo: uma breve abordagem entre semelhanças e diferenças.
Cadernos de Naturologia e Terapias Complementares, Palhoça, Palhoça, v. 6, n. 10, p. 79-
96, 2017.

PEARSON, Joanne E. Neopaganism. In: HANEGRAAFF, Wouter J. (Ed.). Dictionary of


Gnosis & Western Esotericism. Leiden: Brill, 2006, p. 828-834.

PELLIOT, Paul. Sur quelques mots d’Asie Centrale attestés dans les textes chinois. Journal
Asiatique, Paris, v. 9, n. 1, p. 451–469, 1913.

PESSOA JR., Osvaldo. O fenômeno cultura do misticismo quântico. In: FREIRE JR., Olival;
PESSOA JR., Osvaldo; BROMBERG, Joan Lisa (Orgs.). Teoria quântica: estudos históricos
e implicações culturais. Campina Grande: EDUEPB, 2011, p. 281-302.

PFUETZENREITER, Márcia Regina. A epistemologia de Ludwick Fleck como referencial


para a pesquisa no ensino na área da saúde. Ciência & Educação, Bauru, v. 8, n. 2, p. 147-
159, 2002.

PIKE, Kennedth Lee. Language in relation to a unified theory of the structure of human
behavior. California: Summer Institute of Linguistics, 1954.

PIKE, Kennedth Lee. Etic and emic standpoints for the description of behavior. In:
McCUTCHEON, Russell T. The insider/outsider problem in the study of religion.
London: Continuum, 1999, p. 28-36.

PINHÃO, Ailton Oliveira. A transição de paradigma na ciência e na educação: uma possível


contribuição de Thomas Kuhn para a formação inicial de professores. Educação em
Perspectiva, Viçosa, v. 8, n. 1, p. 106-120, 2017.

PLATÃO. Timeu-Crítias. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2011.

PLATVOET, Johannes Gerhardus. Comparing religions: a limitative approach. Den Haag:


Mouton, 1982.

PORTELLA, Caio Fábio Schlechta. Contribuições filosóficas para o entendimento do


processo terapêutico do naturólogo. In: FÓRUM CONCEITUAL DE NATUROLOGIA, 3.,
2012, São Paulo. Anais eletrônicos…

PRASĀDA SINHĀ, Hareṃdra. Bhāratīya darśana kī rūparekhā. Delhi: Motilal


Banarsidass, 2006.

PYE, Michael. O estudo das religiões e o diálogo entre as religiões. Rever, São Paulo, v. 9, n.
3, p. 98-119, 2009.

PYE, Michael. Getting into trouble with the believers: intimacy and distance in the study of
religions. In: PYE, Michael. Strategies in the study of religion: exploring methods and
positions. v. 1. Berlin: de Gruyter, 2013, p. 86-106.
207

PYE, Michael. Methodological integration in the study of religions. Scripta Instituti


Donneriani Aboensis, [S.l.], v. 17, n. 1, p. 189-206, 2014.

PYLE, Eric H. Xamã. In: HINNELLS, John R. Dicionário das religiões. São Paulo: Cultrix,
1989, p. 285.

REIS, Widson Porto. A pseudociência nas universidades brasileiras. In: CONFERÊNCIA


IBEROAMERICANA SOBRE PENSAMENTO CRÍTICO, 1., 2005, Buenos Aires. Anais…

RODRIGUES, Daniel Maurício de Oliveira (Org.) et al. Naturologia: diálogos e


perspectivas. Palhoça: UNISUL, 2012.

ROSE, Isabel Santana de. Tata endy rekoe – Fogo Sagrado: encontros entre os Guarani, a
ayahuasca e o Caminho Vermelho. 2010. 435 f. Tese (Mestrado em Antropologia Cultural) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2010.

RUBIN, Carolina Bithencourt; DUARTE, Julie; KATEKARU, Karin. A opinião pública no


campus da Pedra Branca da Universidade do Sul de Santa Catarina e o curso de Naturologia
Aplicada. Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, 32., 2009, Curitiba. Anais
eletrônicos… Disponível em: <http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2009/
resumos/R4-3238-1.pdf>. Acesso em: 29 out. 2014.

RUSSELL, Jeffrey B.; ALEXANDER, Brooks. História da bruxaria. São Paulo: Aleph,
2008.

SAMPAIO, Rafaella Cristina de Oliveira. Naturologia, ecopsicologia e saúde. 2013. 22 f.


Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Naturologia) – Universidade do Sul de
Santa Catarina, Palhoça, 2013.

SAMS, Jamie; CARSON, David. Cartas xamânicas: a descoberta do poder através da


energia dos animais. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

SANTA CATARINA. Decreto nº. 5.572, de 27 de agosto de 2002. Reconhece curso de


educação superior. PUB DOSC, Florianópolis, p. 3, 2002.

SANTOS, Ricardo Assarice dos. A ciência da religião aplicada: uma experiência com
palestras e cursos livres. In: SEMINÁRIO DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO APLICADA, 1.,
2017, São Paulo. Anais eletrônicos…

SAUSBERG, Michael; ENGLER, Steven (Eds.). The Routledge handbook of research


methods in the study of religion. London, Routledge, 2011.

ŚARVĀNANDA. Taittirīya Upaniṣad. Mylapore; Madras: Ramakrishna Math, 1921.

SBNAT; ABRANA; APANAT. Diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação


em Naturologia. 2017. Disponível em:
<http://www.naturologia.org.br/diretrizescurriculares/>. Acesso em: 21 set. 2017.

SHEEDY, Matt. Ateísmo metodológico vs. agnosticismo metodológico. Último Andar, São
Paulo, n. 29, 2016, p. 295-303.
208

SILVA, Adriana Elias Magno da. Naturologia: um diálogo de saberes. 2012. 214 f. Tese
(Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo,
2012.

SILVA, Adriana Elias Magno da. Naturologia: um diálogo entre saberes. Curitiba: Prismas,
2013.

SILVA, Fernando Maurício da. Caminhos entre a natureza e o humano. In: HELLMANN, F.;
WEDEKIN, Luana M.; DELLAGIUSTINA, Marilene (Org.). Naturologia aplicada:
reflexões sobre saúde integral. Tubarão: UNISUL, 2008, p. 25-41.

SIQUEIRA, Deis Elucy. Religiosidades no convencionales y New Age en el Valle del


Amanecer, Brasília. In: DE LA TORRE, Renée; Z IGA, Cristina Gutiérrez, HUET,
Nahayeilli Juárez (Eds.) Variaciones y apropriaciones lationamericanas del New Age.
Guadalajara: CIESAS; Colégio de Jalisco, 2013, p. 337-354.

SMART, Roderick Ninian. The science of religion and the sociology of knowledge: some
methodological questions. Princeton: Princeton University, 1973a.

SMART, Roderick Ninian. The phenomenon of religion. New York: Herder & Herder,
1973b.

SOARES, Afonso Maria Ligorio. Saúde espiritual na tradição católica. In: BLOISE, Paulo
(Org.) Saúde integral: a medicina do corpo, da mente e o papel da espiritualidade. São Paulo:
SENAC, 2011, p. 367-396.

SOUZA, Laura Jamati de. Roda de medicina: a visão integral do movimento e o processo de
interagência. 2012. 21 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Naturologia) –
Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2012.

STERN, Fábio L. Reflexões epistemológicas sobre naturologia por paralelos com a ciência da
religião. In: FÓRUM CONCEITUAL DE NATUROLOGIA, 4., 2013, São Paulo. Anais
eletrônicos…

STERN, Fábio L. Naturologia e espiritualidade: indícios dos valores do movimento da


Nova Era entre naturólogos formados no Brasil. 2015. 224 f. Dissertação (Mestrado em
Ciência da Religião) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015a.

STERN, Fábio L. Indícios de religiosidade implícita em textos de Naturologia no Brasil.


Último Andar, São Paulo, n. 26, p. 17-34, 2015b.

STERN, Fábio L. Escala de adesão dos ideais do movimento da Nova Era: aplicação em
naturólogos brasileiros. In: SIMPÓSIO NACIONAL DA ABHR, 14., 2015c, Juiz de Fora.
Anais eletrônicos…

STERN, Fábio L. Interfaces entre a “relação de interagência” da naturologia brasileira e as


concepções de cura no movimento da Nova Era. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DA
ABHR, 2., 2016, Florianópolis. Anais eletrônicos…

STERN, Fábio L. A naturologia no Brasil: histórico, contextos, perfil e definições. São


Paulo: Entre Lugares, 2017a.
209

STERN, Fábio L. Cientista da religião como docente para unidades de aprendizagem de


espiritualidade e saúde. In: SEMINÁRIO DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO APLICADA, 1.,
2017b, São Paulo. Anais eletrônicos…

STERN, Fabio L. A criação da área de avaliação Ciências da Religião e Teologia na


Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Espaços, São
Paulo, v. 26, n. 1, p. 73-91, 2018.

STERN, Fábio L.; LEITE, Ana Luisa Prosperi. Questões postas aos naturólogos pela ciência
da religião. Rever, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 167-179, 2017.

STERN, Fábio L.; MOREIRA, Andrei Mendes. Mitologia como terapia: o caso da
naturologia. Debates do NER, Porto Alegre, v. 1, n. 37, p. 199-226, 2017.

TAVARES, Fátima Regina Gomes. A diversidade da rede terapêutica alternativa no Rio de


Janeiro. Physis: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12 n. 2, p. 325-344, 2002.

TEIXEIRA, Diogo Virgilio. Integridade, interagência e educação em saúde: uma


etnografia da Naturologia. 2013. 112 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) –
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013.

TESSLER, Leandro R. Naturebologia. Cultura científica, Campinas, 13 abr. 2008.


Disponível em: <http://ccientifica.blogspot.com.br/2008/04/naturebologia.html>. Acesso em:
26 set. 2017.

TIELE, Cornelius Petrus. Elements of the science of religion. Edinburgh; London: William
Blackwood & Sons, 1897.

TIPIṬAKA. Lancaster: Pali Text Society, 2007.

TONCHEVA, Svetoslava. Antroposophy as religious syncretism. SOTER: Journal of


Religious Science, n. 48, p. 81-89, 2013.

TONIOL, Rodrigo. A contraface da legitimação: os limites e os atos de regulação dirigitos às


terapias alternativas/complementares. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DA ABHR, 3.,
2018, Florianópolis. Anais eletrônicos…

UNISUL. Projeto pedagógico do curso de naturologia. Tubarão: UNISUL, 2014.

USARSKI, Frank. Constituintes da ciência da religião: cinco ensaios em prol de uma


disciplina autônoma. São Paulo: Paulinas, 2006.

VAN DER BROEK, Roelof. Hermetic literature I: Antiguity. In: HANEGRAAFF, Wouter J.
(Ed.). Dictionary of Gnosis & Western Esotericism. Leiden: Brill, 2006a, p. 487-499.

VAN DER BROEK, Roelof. Hermetism. In: HANEGRAAFF, Wouter J. (Ed.). Dictionary of
Gnosis & Western Esotericism. Leiden: Brill, 2006b, p. 558-570.

VARELA, Daniele Mineiro; CORRÊA, Mariana Alves. Estudo sobre a naturologia no


Brasil e no mundo. Monografia (Graduação em Naturologia) – UAM, São Paulo, 2005.
210

VON STUCKRAD, Kocku. Reenchanting nature: modern Western Shamanism and


nineteenth-century thought. Journal of the American Academy of Religion, Atlanta, v. 70,
n. 4, p. 771-799, 2002.

VENTURA, Carlos Campos. Naturologia: pontos nos Is. Jornal Espaço Público, Portugal, 3
fev. 1999. Disponível em: <http://www.publico.pt/espaco-publico/jornal/naturologia-pontos-
nos-is-129130>. Acesso em: 22 set. 2015.

WACH, Joachim Ernst Adolphe Felix. Religionswissenschaft: Prolegomena zu ihrer


wissenschaftstheoretischen Grundlegung. Leipzig: Universität Leipzig, 1924.

WEBER, Maximilian Karl Emil. Sociologia das religiões. 2ª ed. Bom Retiro: Ícone, 2017.

WHITNEY, William Dwight (Ed.). The century dictionary. New York: Century, 1911.

WINKELMAN, Michael. Shamanism: an overview [further considerations]. In: JONES,


Lindsay (Ed.). Encyclopedia of religion, 2nd ed. Farmington: Thomson Gale, 2005, p. 8274-
8280.

WINKELMAN, Michael. Shaman / Shamamisn. In: SEGAL, Robert A.; VON STUCKRAD,
Kocku (Eds.). Vocabulary for the study of religion: P-Z, indez. v. 3. Leiden; Boston: Brill,
2015, p. 331-339.

YOUNG, Allan. The anthropologies of illness and sickness. Annual Review of


Anthropology, [S.l.], v. 11, p. 257-285, 1982.
211

ANEXO A – TCC DE NATUROLOGIA QUE ABORDARAM O XAMANISMO

FONTES PRODUÇÕES NO TEMA


TCC da Universidade Anhembi-Morumbi (2005 a 2014) 191 0
TCC da Universidade do Sul de Santa Catarina (2006 a 2015) 580 6
TOTAL 771 6

Fonte: elaboração do autor (2019).

Lista dos trabalhos de conclusão de curso encontrados

1. CAVALCANTE, Caroline. Evocando o poder do visionário através do contador de


histórias: um estudo de caso. 2007. 25 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado
em Naturologia) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2007.

2. INOCÊNCIO, Daniel. Mil faces de um mesmo ritmo: instrumentos de percussão como


ferramentas de movimentação energética e o estabelecimento do ritmo pessoal. 2012. 25 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Naturologia) – Universidade do Sul de
Santa Catarina, Palhoça, 2012.

3. SOUZA, Laura Jamati de. Roda de medicina: a visão integral do movimento e o


processo de interagência. 2012. 21 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em
Naturologia) – Universidade do Sul de Santa Catarina, Palhoça, 2012.

4. DEVES, Gabriela. A Lua: simbolismo, energia e Naturologia. 2013. 23 f. Trabalho de


Conclusão de Curso (Bacharelado em Naturologia) – Universidade do Sul de Santa
Catarina, Palhoça, 2013.

5. SAMPAIO, Rafaella Cristina de Oliveira. Naturologia, ecopsicologia e saúde. 2013. 22


f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Naturologia) – Universidade do Sul
de Santa Catarina, Palhoça, 2013.

6. LIMA, Bárbara Palma. O estado de presença na terapêutica gestáltica e xamânica e


sua analogia com a relação de interagência na Naturologia. 2014. 29 f. Trabalho de
Conclusão de Curso (Bacharelado em naturologia) – Universidade do Sul de Santa
Catarina, Palhoça, 2014.

RESENHA DOS TRABALHOS

Iniciando pelo trabalho de Caroline Cavaltanti (2007), seu relato de experiência teve
como objetivo apresentar uma modalidade terapêutica que misturava cantos xamânicos
náuatles, mitos cosmogônicos que ela apresenta como sendo “astecas” (a maioria de fato o é,
mas ela descreve a deusa inuit Sedna como uma divindade asteca), visualizações guiadas,
212

geoterapia, musicoterapia e iridologia. Esse foi o primeiro trabalho de conclusão de curso a


ser desenvolvido no curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina que teve o
xamanismo como objeto, conforme declarado em sua introdução (p. 2-3).
Cavalcanti (2007) considera que os símbolos atuariam como forças transformadoras
para curar as pessoas que estariam abertas a vivenciá-los. Não é apresentada uma definição
exata do que ela entende por símbolos, mas fica claro que os cantos xamânicos teriam o poder
de evocar arquétipos que trabalhariam símbolos do inconsciente coletivo, onde os mitos
cosmogônicos estariam presentes, aguardando serem resgatados. Em suas palavras, “através
dos cantos xamânicos, a interagente não só lembra desses mitos como se identifica com suas
forças simbólicas, tendo a possibilidade de recriar-se numa condição de saúde e integridade”
(p. 1). Ela declara que os cantos xamânicos ampliariam a percepção, ao mesmo tempo em que
poderiam “bloquear via canal auditivo o diálogo interno normal, induzindo o interagente a um
estado alterado de consciência” (p. 6). O objetivo disso, em suas palavras, seria desenvolver a
propriocepção para transmutar a dor.
Sua explicação de arquétipo é uma mistura desconexa de citações de Eliade, Joseph
Campbell e Jung. Os mitos que ela utiliza são todos releituras junguianas de fontes
secundárias. A eficácia terapêutica seria atestada pela avaliação dos cakras por pêndulo:

Através dessa técnica foi possível aferir os padrões energéticos dos três primeiros
chacras [sic.], antes e após a aplicação da prática, e relacionar os padrões
psicoemocionais a eles associados, para então se trabalhar com mitos referentes aos
padrões energéticos em desequilíbrio, de acordo com as necessidades da interagente
(CAVALCANTI, 2007, p. 4).

A noção de xamanismo apresentada nesse trabalho é monolítica, pautada pelo livro O


caminho quádruplo (cf. ARRIEN, 1993), o qual é referenciado sob a alcunha de “a Tradição
Xamânica”, sempre em maiúsculo e no singular. Xamanismo é definido por Cavalcanti (2007,
p. 6) como “a medicina da imaginação, […] um mecanismo de comunicação entre percepção,
emoção e mudança corporal”, e também é descrito como a “Doce Medicina” (p. 7), em uma
compreensão de que para o xamã a doença seria um convite para o crescimento pessoal. Segundo
seu raciocínio, as imagens às quais o xamanismo trabalha poderiam ocasionar mudanças
fisiológicas que agiriam como mediadoras da transformação do próprio comportamento,
porque “os sintomas corporais são portadores de memórias pessoais e coletivas, arquétipos e
instintos dos quais o ser foi desconectado” (p. 7). Para ela, a medicina xamânica é útil porque
oferece às pessoas um “vocabulário” com o qual elas podem compreender a natureza de seu
213

sofrimento. Cavalcanti também faz uma relação entre o alquimista, o naturólogo e o xamã,
como se essas três figuras exercessem funções similares ao trabalharem com arquétipos.
O segundo trabalho, de Daniel Inocêncio (2012), tem como objetivo verificar como
instrumentos de percussão são utilizados em ritos xamânicos de reestabelecimento do ritmo
pessoal. O autor declara, em seus materiais e métodos, que fez uma busca nas bases de dados
Scielo, Pubmed, Bireme, PUC (sic.) e Lilacs, além do Google Acadêmico, por artigos das
áreas de antropologia cultural, musicoterapia e xamanismo, além de livros ou obras de
referência, teses, dissertações e textos publicados em anais de encontros científicos (p. 8-9).
Claramente esse não foi o caso. Nenhuma tese, dissertação ou texto publicado em anais foi
citado. Além disso, seria impossível, ao buscar nas bases de dados citadas, que seu artigo final
terminasse com apenas 20 referências. A título de informação, apenas no Scielo a busca pela
palavra-chave “xamanismo” retorna mais de 60 artigos. Além disso, Inocêncio mistura
trechos de publicações de autores como Edward Tylor, Lévi-Strauss, Enrique Dussel, Mikel
Dufrenne, Jeanne Achterberg e documentos da própria ONU, apesar de muitas desses textos
serem incompatíveis ou não possuírem qualquer relação.
Aparentemente, trata-se de um estudo bibliográfico narrativo. Não é definido em seus
métodos quais povos, períodos históricos ou regiões geográficas serão estudados. Há textos
sobre candomblé, umbanda Almas de Angola, vodu, xamanismo mbyá-guarani,
neoxamanismo e o livro do fotógrafo Masaru Emoto sobre padrões de cristalização da água.
Por fim, pouco é falado sobre ritos xamânicos em si, e muito é dito sobre os ritos percussivos
das religiões da diáspora africana. Isso é justificado em sua introdução, que declara que os
povos “afro-latino-americanos” são xamânicos (INOCÊNCIO, 2012, p. 3), uma classificação
tão inclusiva que não permite entender quem seriam esses povos exatamente.
Algumas categorias importantes ao xamanismo da naturologia, porém, aparecem em
seu texto. Ele gasta muito tempo tentando “comprovar” que os mbyá-guaranis e os povos
negros trabalham com os quatro elementos da natureza (Fogo, Terra, Água e Ar) da forma
como é ensinado no livro O caminho quádruplo (cf. ARRIEN, 1993). Inocêncio (2012) tenta
amalgamar a religião dos orixás aos cultos xamânicos como um todo, em uma representação
monolítica de “xamanismo norte-americano”. Ele também faz alegorias entre a utilização do
tambor pelo candomblé e essa visão universalizante de xamanismo:

O tambor é considerado o cavalo, ou a canoa, que leva ao mundo espiritual. É o


instrumento que faz a comunicação entre o Céu e a Terra; permite ao Xamã viajar ao
Centro do Mundo e ao médium a incorporar um Orixá menor. O tocador de tambor
ou ogã, ao estabelecer o seu ritmo interno e materializá-lo através do som do tambor,
é capaz de formar uma ponte segura entre o mundo racional e intuitivo, material e
214

espiritual. O praticante do rito se deleita no som, ressoando na mesma freqüência,


desta forma, poder acessar o inconsciente coletivo que a música desperta, capaz de
movimentar os elementos constituintes de sua roda de cura (INOCÊNCIO, 2012, p.
7).

Ao fim, é possível notar que o objetivo real desse trabalho não é aquele apresentado na
introdução. Esse foi um estudo que teve como foco discutir se a utilização de tambores por
religiões de matriz africana possuem ou não confluências com o que os livros de
neoxamanismo chamam de ritos de reestabelecimento do ritmo pessoal. Em outras palavras,
seu principal objeto são as religiões da diáspora africana, e não o xamanismo da naturologia.
O xamanismo mbyá-guarani e o neoxamanismo são evocados apenas a título de comparação.
O terceiro trabalho, de Laura Jamati de Souza (2012), aborda uma das práticas centrais
à medicina xamânica da naturologia: a roda de medicina (cf. p. 110). Assim como o trabalho
de Cavalcanti (2007), esse texto trata o xamanismo no singular, sob a alcunha de “a Tradição
Xamânica”, sempre em maiúsculo. Além disso, os nativos norte-americanos são apresentados
de modo generalizado, como se constituíssem um único povo. Seu texto declara que:

O tema foi explorado a partir de exaustiva pesquisa bibliográfica, uma vez que são
raras as publicações sobre o assunto, e vivenciado/aprofundado, pela autora, através
de uma jornada pessoal xamânica, na qual foi possível a experiência/consciência
desse mecanismo de empoderamento, para contextualizar a dinâmica energética da
Roda de Medicina e elaborar um estudo de cunho multidimensional (SOUZA, 2012,
p. 1).

O que Souza (2012) chamou de “exaustiva pesquisa bibliográfica” consiste em um


referencial teórico de 37 obras. Souza concentrou seu levantamento apenas em livros de
neoxamanismo, citando textos de Michael Harner, Jeanne Achterberg, Angeles Arrien, Wolf
Moondance e Jamie Sams. Ela também recorreu a autores caros à Nova Era, como Ken
Wilber, Fritjof Capra e Amit Goswami, e algumas produções de psicologia junguiana.
Souza (2012) define roda de medicina como “uma espécie de diagrama móvel das
relações recíprocas das muitas facetas entre a natureza e a natureza humana” (p. 2). Essas
relações estariam pautadas na consideração de que o mundo é dividido em quatro direções
(Norte-Sul-Leste-Oeste), que são estabilizadas pelos quatro elementos e representadas pelas
quatro estações, refletindo na quadrinidade da concepção humana mente-corpo-alma-espírito
e também na manifestação quádrupla Poder-Visão-Sabedoria-Sentimento. Em suas palavras,
“A Roda de Medicina traz em sua forma um conjunto de símbolos considerados sagrados na
visão xamânica, como o círculo que representa a totalidade, a unidade e os quatro raios para
fazer o caminho para o centro, onde fica o Espírito, o Criador ou o Self” (p. 4). Nesse sentido,
a roda de medicina é descrita como algo religioso. Utilizando a leitura junguiana de religião, a
215

naturóloga explica como o processo de individuação e a realização espiritual lhe estariam


atrelados, justificando a sua utilidade terapêutica.
A parte de maior interessante à ciência da religião diz respeito à quinta seção desse
trabalho, na qual Souza (2012) descreve sua autovivência da roda de medicina. Embora ela
declare que na “Tradição Xamânica” (sic.) o propósito original da roda de medicina seria o de
libertação espiritual, a naturóloga apresenta que é possível imbuir cada ritual de abertura de
uma roda de medicina com um propósito. Ao descrever o propósito ao qual ela se submeteu
em sua pesquisa, Souza explica que:

A Roda foi elaborada, dentro do rigor das convicções xamânicas, […] com o
propósito de orientar o movimento do processo meditativo/reflexivo nas quatro
direções ao se adentrar no círculo sagrado. Para tanto, foram utilizados como veículo
de estímulo totens animais – animais auxiliares de poder – relacionados a cada uma
das direções, para que se abrisse um canal de comunicação com o animal guardião
de cada uma delas, além de questões dirigidas, em cada uma delas, para promover
um pensamento mais profundo e penetrar em um estado mais reflexivo (SOUZA,
2012, p. 13).

O mais intrigante é que Souza (2012) foi ao mesmo tempo pesquisadora e pesquisada,
sem nenhum distanciamento. Ela explica sua utilização da roda de medicina como uma forma
de autoajuda, cuja eficácia teria sido comprovada por sua autoaplicação. Portanto, ela foi o
seu próprio parâmetro de estudo. Seu relato demonstra também uma concepção de que a roda
de medicina teria propriedades mágicas. A palavra “magia” é objetivamente utilizada em seu
texto para explicar o funcionamento desse procedimento.
O quarto trabalho, de Gabriela Deves (2013), não tem a medicina xamânica como
objeto central, mas sim as supostas influências que a lua teria sobre os ciclos da vida na Terra.
Pelo curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina ser pautado e uma tríade
formada por medicina chinesa, āyurvéda e xamanismo, Deves reserva uma seção desse artigo
para discutir as interpretações xamânicas sobre o tema. Deves também utiliza a alcunha
“tradição xamânica” no singular, porém escrita em letra minúscula.
Seu conceito de xamanismo é fundamentado em Mircea Eliade, Roger N. Walsh,
Patrick Drouot e Jeanne Achterberg. Para Deves (2013), a medicina xamânica seria uma
técnica que permite às pessoas acessarem as “forças da criação”. Ela explica que para o xamã
o mundo é compreendido em três camadas: o mundo superior, o mundo intermediário e o
mundo inferior. Esses três planos estariam interligados por um eixo central, “no qual existe
uma abertura que possibilita a descida dos Deuses a Terra e a ida dos mortos às regiões
subterrâneas” (p. 13). O xamã seria aquele que, ao acessar estados alterados de consciência,
216

conseguiria transitar entre esses três níveis. Em suas palavras, “pelo eixo central, a alma do
xamã pode se locomover livremente pelas três zonas” (p. 13).
Como seu trabalho aborda a influência da lua de modo vitalista, é de grande interesse
para a autora não somente a questão física da gravidade lunar sobre a biosfera, mas também a
categoria “energia”, a qual é explicada por autores como David Cumes e Fritjof Capra. Além
disso, a “desordem energética” lhe é de grande importância. Em suas palavras:

Essas desordens energéticas ficam registradas como memórias, atuando como


pontos de apoio e também pontos fixos que tentam deter a continuidade da dinâmica
da energia no desenvolvimento do indivíduo. De modo que o homem deve aprender
a desligar-se, a transmutar essas fixações para conseguir ascender até a sua
realização. Quando os obstáculos a esse fluxo são retirados, a energia retorna
naturalmente à sua fonte, quer no corpo, quer na natureza ou por todo o domínio da
consciência (DEVES, 2013, p. 10-11).

Para explicar o conceito “energia” no xamanismo, a naturóloga recorre a obras de


neoxamanismo de Kenneth Meadows, Jamie Sams e Mary Summer Rain, além de um livro
êmico de wicca sem qualquer relação com xamanismo. Embasa nesses autores, Deves (2013)
declara que a “tradição xamânica” considera que todas as pessoas são influenciadas por
“forças vitais cósmicas”, e que a energia lunar seria a primeira a ser absorvida pelos seres
humanos na hora do nascimento, sendo depois reativada pela mãe e pelo ambiente.
O trabalho de Rafaella Cristina de Oliveira Sampaio (2013) é um estudo sobre a
relação entre a ecopsicologia e a naturologia. Existe uma noção entre os naturólogos de que
ecopsicologia e xamanismo estariam relacionados, o que acaba aparecendo, inclusive, no
próprio projeto pedagógico do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina
(UNISUL, 2014, p. 51). Isso acontece por causa da formação de Marimon, o professor de
medicina xamânica dessa instituição. Teixeira (2013, p. 72) apresenta um resumo da formação
dele em sua etnografia da naturologia brasileira, declarando que Marimon é um geólogo com
mestrado em engenharia de produção. O que Teixeira não mencionou é que a dissertação de
Marimon foi pautada na ecopsicologia, algo que é de amplo conhecimento de seus estudantes
e acaba por lhes despertar curiosidade.
Não cabe aqui discutir o que é ecopsicologia. O que é de interesse é que a naturóloga
define ecopsicologia como um híbrido de psicologia, ecologia e saberes da “antiga tradição
xamânica”, cujo objetivo seria a “ecoterapia”, ou seja, uma relação consciente entre o ser
humano e o ambiente através de encontros com a “natureza selvagem” (SAMPAIO, 2013, p.
3). Esses encontros seriam importantes porque proporcionariam às pessoas um contato com o
“espírito da natureza” ou “self ecológico”, propiciando alternativas à cultura do consumismo.
217

Sampaio (2013) descreve algumas etnias ao explicar o que entende por “antiga
tradição xamânica”. Ela define que “a tradição xamânica aqui citada é referente aos nativos
norte-americanos, especificamente da Nação Cherokee. Somente o ensinamento do chefe Dan
George, citado ao longo do artigo, faz parte da Nação Tsleil-Waututh do norte de Vancouver”
(p. 3). Embora seu referencial teórico não seja, de fato, sobre os cherokees, o fato de ter se
preocupado em delimitar alguma etnia a destaca dos outros trabalhos de conclusão de curso
sobre o tema produzidos na Universidade do Sul de Santa Catarina.
Além de ser descrito como um dos pilares da ecopsicologia, nesse texto o xamanismo
é também explicado como uma busca por empoderamento pessoal (SAMPAIO, 2013, p. 4). A
naturóloga define empoderamento pessoal como “o poder ligado à liberdade do ser humano
em decidir e controlar sua vida, com responsabilidade e respeito a todos os outros seres, uma
vez que se tem uma relação de unidade com o meio em que vive” (p. 14). Ela o correlaciona
ao sentimento de pertencimento ao universo, o que considera ser um requesito à tomada de
decisões. Além disso, utiliza os cinco princípios ao empoderamento pessoal segundo Leslie
Gray: (1) sentir dor pelo mundo seria algo natural e saudável; (2) a dor só seria algo negativo
se for negada; (3) só ter informação/conhecimento não é suficiente; (4) desbloquear
sentimentos reprimidos liberaria “energia”1 e clarearia a mente; e (5) ao desbloquear a dor que
sente pelo mundo, a pessoa se conectaria com a grande teia da vida.
Por fim, o último trabalho encontrado no acervo da Universidade do Sul de Santa
Catarina é de Bárbara Palma Lima (2014), um artigo de revisão bibliográfica que tenta
misturar Gestalt-terapia e xamanismo em uma analogia com a relação de interagência. Sua
justificativa é que tanto a Gestalt-terapia quanto o xamanismo proporcionariam o “estado de
presença”, o que seria fundamental para que a relação de interagência seja estabelecida (p. 6).
Esse é um artigo de revisão narrativa, no qual não são apresentados os critérios para a
construção do escopo das obras de referência. Até mesmo Prem Baba é citado, embora ele não
fale especificamente nem de xamanismo, nem de Gestalt-terapia.
Lima (2014) descreve a medicina xamânica de modo monolítico, sempre no singular,
sob a alcunha de “Tradição Xamânica” com letras maiúsculas, ou como “filosofia xamânica”
com letras minúsculas. Refere-se que ao falar de xamanismo, está descrevendo as sociedades
xamânicas “oriundas das grandes planícies localizadas ao norte dos Estados Unidos em
direção à fronteira canadense” (p. 12), embora também cite os xamanismos do deserto do
Calaári, da Austrália aborígene, da Sibéria, da Ásia Central e da Europa Ocidental.

1
Sampaio não define o que entende por “energia”.
218

Para ela, a medicina xamânica é a que mais incorpora “valores” (sic.) do que qualquer
outra terapia, sendo um exemplo do holístico em seu esplendor. Ela descreve que a medicina
xamânica utiliza métodos e técnicas naturais e “não fixas” (sic.), tendo como objetivo ampliar
a percepção humana “para além da realidade consensual, com a qual a maioria dos indivíduos
se identifica, rumo a uma compreensão de pertencimento, harmonia e equilíbrio de suas
relações com todas as coisas ou elementos que os circundam” (LIMA, 2014, p. 4). Suas
principais referências para xamanismo são Angeles Arrien, Jeanne Achterberg, Michael
Harner, Stanley Krippner, Wolf Moondance, Stephen Gallegos, Brad Steiger, J. Tlarusta
Garrett, Michael Tlarusta Garrett, Patrick Drouot, David Cumes e Mircea Eliade.
Ao abordar o “estado de presença” no xamanismo, Lima (2014) declara que os xamãs
foram os primeiros psicólogos, médicos e meteorologistas da humanidade, apresentando o
xamanismo como “a tradição mais antiga das disciplinas religiosas, médicas e psicológicas da
humanidade” (p. 11), cuja capacidade de ultrapassar a percepção ordinária permitiria o acesso
a “informações provenientes dos sussurros dos Criadores do Universo” (p. 11). É defendida
uma suposta capacidade xamânica de acessar “níveis profundos da nossa ancestralidade, que
proporcionam novos estados da consciência por meio da ampliação da percepção” (p. 11).
Além disso, uma noção cosmológica do mundo como sendo concebido por uma Axis mundi
em forma de árvore é esboçada em seu texto:

[…] nas raízes está o “mundo subterrâneo”, o local de conexão com os espíritos das
plantas, dos animais, dos minerais, dos ancestrais – os arquétipos –, o local de se
fazer contato com a sombra, a parte mais obscura do ser, estando também ligado aos
instintos, aos símbolos, ao subconsciente, além de controlar as funções do corpo. Já
nos troncos encontra-se o “mundo intermediário”, relacionado com a realidade
ordinária e por intermédio do qual pode-se viajar para o passado e para o futuro,
buscar respostas para diversas questões da realidade ordinária, reconhecer a própria
existência, a mente consciente, estando ligado à razão e à habilidade de raciocínio.
Por último, nos ramos, está o “mundo superior”, o lugar da inspiração, da conexão
com a maestria, criatividade e liberdade. É a zona onde se expressa toda a qualidade
divina do Ser, a supraconsciência, o local da união com o Divino, com os guias e
mentores espirituais (LIMA, 2014, p. 12).

Por fim, Lima (2014) discorre sobre o ritual da roda de medicina e como esse rito teria
a capacidade de proporcionar o estado de presença aos participantes. Sua principal fonte para
isso é o livro O caminho quádruplo, de Angeles Arrien (cf. 1994).
219

ANEXO B – QUESTÕES RELACIONADAS AO CAMINHO QUÁDRUPLO

CAMINHO DO GUERREIRO:

 O que é bom, verdadeiro, belo e tão forte em mim quanto o que me sussurra que sou
medíocre?
 Minha autoconfiança é tão forte quanto minha autocrítica?
 Em que ponto de minha vida parei de dançar?
 Em que ponto de minha vida parei de cantar?
 Em que ponto da minha vida parei de me encantar com as histórias que ouço?
 Em que ponto da minha vida comecei a sentir desassossego no doce território do silêncio?
 Quais os líderes e pessoas que corporificam o “espírito do Guerreiro”, que me inspiraram e
foram uma fonte de força na história e nos tempos atuais?
 Quais foram as pessoas que me agradeceram por minha capacidade de liderança?
 Quais foram as pessoas que me escolheram para fazer parte de seu time?
 Quais foram meus maiores desafios?
 De que maneira lidei com eles?
 Das três forças universais (a força da presença, da comunicação e do posicionamento),
quais as que estão desenvolvidas, e quais não?
 Que capacidades específicas de liderança possuo?
 Quando perdi meu poder?
 Que tipo particular de pessoa ou situação aumenta minha falta de coragem?
 Onde atuo por minha própria conta, sou autossuficiente, tomo posições firmes e sei o que
não suporto?
 Que partes de mim encontram-se agora em luta entre si?
 Qual o maior conflito que, de maneira geral, ais se apresenta em minha vida?
 Faço o que digo?
 Como reajo quando há muito a fazer?
 Como reajo quando não há nada a fazer?
 De que forma tenho dedicado honra e respeito a mim mesmo e aos outros?
 Tenho consciência de meus limites e determinações? Honro e respeito os limites e
determinações alheios?
 Em que aspectos de minha vida considero-me responsável e digno de confiança?
220

 Em que aspectos de minha vida sou disciplinado?


 Qual é a minha ligação com a natureza e com os animais?
 Passo pelo menos uma hora diária ao ar livre?
 Dentre os três aspectos sombra do Guerreiro, quais os padrões de invisibilidade que já
experimentei? Em que circunstâncias de minha vida fui um rebelde, tive problemas de
autoridade ou passei pela experiência de fazer-me de vítima?

CAMINHO DO CURADOR:

 Quais são meus contos infantis preferidos?


 Quais são as histórias de minha infância que conto aos outros?
 Que histórias conto a meu respeito quando faço novos relacionamentos?
 O que sei sobre o amor?
 Quais foram as pessoas que se tornaram mestres de meu coração?
 Que bloqueios e obstáculos se antepõem às minhas manifestações de amor?
 Que bloqueios ou obstáculos se antepõem à minha capacidade de receber amor?
 Onde e com quem sinto que o amor que ofereço tem receptividade?
 Quem é o catalisador de cura de minha existência?
 Das quatro formas universais de reconhecimento [amor, gratidão, respeito e valorização],
quais as que sempre tenho recebido? Quais as que quase nunca recebo?
 Reveja o equilíbrio do ponto de vista sobre a cura de Jeanne Achterberg (cf. citação longa
da p. 115). Quais desses conceitos não se encaixam plenamente, ou não são levado sem
conta dentro de meu próprio conceito de cura? Como posso incorporar esses pontos de
vista à minha vida diária?
 Dos oito conceitos universais de manutenção da saúde e do bem-estar, quais os que mais
sobressaem e quais os que menos sobressaem em minha natureza? [(1) dieta balanceada;
(2) exercícios diários e semanais; (3) tempo reservado ao lazer e riso; (4) música, sons e
cantos; (5) amor, toque e sistemas de apoio; (6) programas de interesse, hobbies e
atividades criativas; (7) natureza, beleza e ambientes saudáveis; (8) espiritualidade]
(ARRIEN, 1997, p. 58).
 Quais as condições de meu coração? Quando meu coração é mais pleno? Quando é mais
límpido? Quando é mais aberto? Quando é mais forte?
221

CAMINHO DO VISIONÁRIO:

 Qual é minha capacidade atual de dizer a verdade sem criticar nem julgar?
 Em que situações e com quem me percebo alimentando meu falso eu?
 Quais são as minhas cinco músicas prediletas?
 Que música da infância guardo comigo?
 Que músicas ensino aos outros?
 Que músicas originais criei?
 Entre os quatro e doze anos, que atividades me prendiam durante horas, sem precisar de
ninguém mais a meu lado?
 Quando, em minha vida, dei vazão aos aspectos criativos de minha personalidade?
 Qual é meu remédio natural (meus dons e talentos) únicos, inigualáveis?
 O que me faz rir?
 Quão desenvolvido está meu senso de humor?
 O que é engraçado para mim?
 Quais são as formas de brincadeira que existem em minha vida?
 Em que rumos espirituais, ideias e práticas encontro-me engajado?
 Se tivesse que escrever minha autobiografia espiritual, o que ela conteria?
 Qual foi minha primeira experiência mística ou numinosa?
 Quais as formas de prece, meditação ou contemplação de que faço uso para obter uma
orientação espiritual?
 Para onde me volto em busca de orientação?
 Que práticas me fazem ligar-me à minha vida interior?
 Em que situações ou junto a quem renuncio a mim mesmo?
 Quando me sinto capaz de manter minha integridade e autenticidade, e quando não sou
capaz de fazê-lo?
 De quais projeções estou consciente?
 Quem são meus espelhos claros, meus espelhos esfumaçados e meus espelhos rachados?
222

CAMINHO DO MESTRE:

 Quais foram os mestres significativos da minha vida? Destes, quais foram fontes de
inspiração, e quais representaram desafios? Quais as qualidades que me atraíram neles, se
existiram? O que isso revela a respeito de meu Mestre interior?
 Para quem você foi mestre e qual é o seu mentor atual?
 Quais as figuras do trapaceiro que, e minha vida, ensinaram-me sobre flexibilidade e
revelaram meus padrões de posicionamento, julgamento e controle?
 Quais foram as “chamadas” que, algumas vezes, me despertaram?
 De que forma dei-me conta ou “acordei” para minhas limitações?
 Que tipos de apego encontro em minha vida pessoal, profissional e espiritual?
 Qual é o meu nível de tolerância em relação ao silêncio e em relação à minha capacidade
de estar só?
 Quais os ancestrais masculinos que foram tanto uma inspiração como um desafio para
mim?
 Quais os ancestrais femininos que foram tanto uma inspiração como um desafio para mim?
 Qual é minha capacidade de esperar para agir quando estou confuso?
 Que áreas de minha vida apresentam confusão atualmente?
 De que, presentemente, tenho medo?
 O que estou conscientemente ignorando?
 Das “Quatro Leis Imutáveis do Espírito” de Harrison Owen, qual é a mais difícil de aceitar
ou praticar? [(1) Quem quer que esteja presente, é a pessoa certa; (2) Seja quando for que
comece, é o tempo certo; (3) O que quer que aconteça, é a única coisa que poderia ter
acontecido; (4) Quando acaba, acaba]
 Que padrões familiares de negação de vida estou desejando conscientemente quebrar e não
mais levar avante?
 No passado e na herança de minha família, quais as qualidades trazidas até aqui e que
posso identificar como “boas, verdadeiras e belas”?
 Como tenho lidado com as perdas em minha vida?
 Das seis categorias de perda, com quais me defronto mais? [(1) perda de laços; (2) perda
de rumos; (3) perda de estrutura; (4) perda de futuro; (5) perda de significado; (6) perda de
controle]

Fonte: Arrien (1997, p. 43-45, 63, 80, 95).


223

ANEXO C – CRIAÇÃO DO UNIVERSO POR MARTIN SCHULMAN

[…] E naquela manhã, Deus compareceu ante suas doze crianças e em cada uma delas
plantou a semente da vida humana. Uma por uma, cada criança deu um passo à frente para
receber o dom e a função que lhe cabia.
“Para ti, Preto, eu dou o conceito de futuro, para que através de ti o homem possa ver
outras possibilidades. Terás a dor da solidão, pois não te permito personalizar o meu amor,
para que possas voltar os olhares humanos em direção às novas possibilidades. Eu te concedo
o dom da liberdade, de modo que, livre, possas continuar a servir a humanidade onde quer
que ela esteja”. E o Preto voltou ao seu lugar.
“Para ti, Branco, dou a missão de servir, para que o homem esteja ciente dos seus
deveres para com os outros; para que ele possa aprender a cooperação, assim como a
habilidade de refletir o outro lado de suas ações. Hei de te levar onde quer que haja discórdia,
e pôr teus esforços. Eu te concederei o dom do amor”. E o Branco voltou ao seu lugar.
“Para ti, Amarelo, peço que empreendas um exame de tudo o que os homens fizeram
com a minha criação. Terás que observar com perspicácia os caminhos que percorrerem, e
lembrá-los de seus erros, de modo que através de ti minha criação possa ser aperfeiçoada.
Para que assim o faças, eu te concedo o dom da pureza”. E o Amarelo voltou ao seu lugar.
“Para ti, Prata, dou a mais difícil de todas as tarefas. Peço-te que reúnas todas as
tristezas dos homens e as traga de volta para mim. Tuas lágrimas serão, no mundo, minhas
lágrimas. A tristeza e o padecimento que terás de absorver são o efeito das distorções
impostas pelo homem à Minha Ideia, mas cabe a ti levar até ele a compaixão, para que possa
tentar de novo. Por esta tarefa, eu te concedo o dom mais alto de todos: tu serás o único dos
meus doze filhos que me compreenderá […] Mas esse dom do entendimento é só para ti,
Prata, pois quando tentares difundi-lo entre os homens, eles não te escutarão”. E o Prata
voltou ao seu lugar.
“Para ti, Dourado, atribuo a tarefa de exibir ao mundo minha criação em todo o seu
esplendor. Mas deves ter cuidado com o orgulho, e sempre lembrar que é minha a criação, e
não tua. Se o esqueceres, serás desprezado pelos homens. Há muita alegria em teu trabalho;
basta fazê-lo bem. Para isso, eu te concedo o dom da honra”. E o Dourado voltou a seu lugar.
“Para ti, Rosa, eu peço que faças os homens rirem, pois entre as distorções da minha
ideia eles se tornam amargos. Através do riso darás ao homem a esperança, e por ela voltarás
seus olhos novamente para mim. Chegarás a ter muitas vidas, ainda que por um só momento;
224

e em cada vida que atingires, conhecerás a inquietação. A ti, Rosa, darei o dom da infinita
abundância, para que te possas expandir o bastante até atingir cada recanto onde haja
escuridão, e levar aí a luz”. E o Rosa voltou a seu lugar.
“Para ti, Verde, eu dou o poder de transformar a semente em substância. Grande é a
tua tarefa e requer paciência, pois tem que terminar tudo o que foi começado, para que as
sementes não sejam dispersadas pelo vento. Não deves, assim, questionar; também não deves
mudar de ideia no meio do caminho, nem depender dos outros para a execução do que te
peço. Para isso, eu te concedo o dom da força. Trata de usá-la sabiamente”. E o Verde voltou
a seu lugar.
“Para ti, Celeste2, atribuo a tarefa de ensinar os homens a emoção. Minha ideia é que
provoques neles risos e lágrimas, de modo que tudo o que eles vejam e sintam desenvolva
uma plenitude desde dentro. Para isso, eu te dou o dom da família, para que tua plenitude
possa se multiplicar”. E o Celeste voltou ao seu lugar.
“Para ti, Vermelho, dou uma primeira semente para que tenhas a honra de plantá-la.
Para cada semente que plantares, mais outro milhão de sementes se multiplicará em suas
mãos. Não terás tempo de ver a semente crescer, pois tudo o que plantares criará cada vez
mais e mais para ser plantado. Tu serás o primeiro a penetrar o solo da mente humana levando
minha ideia. Mas não cabe a ti alimentar e cuidar dessa ideia, nem questioná-la. Tua vida é
ação, e a única ação que te atribuo é a de dar o passo inicial para tornar os homens conscientes
da criação. Por esse trabalho, eu te concedo a virtude do respeito por si mesmo”. E
silenciosamente o Vermelho voltou ao seu lugar.
“Para ti, Azul3, eu dou as perguntas sem respostas, para que possas levar a todos um
entendimento daquilo que o homem vê ao seu redor. Tu nunca saberás porque os homens
falam ou escutam, mas em tua busca pela resposta encontrarás o meu dom reservado a ti: o
conhecimento”. E o Azul voltou ao seu lugar.
“De ti, Marrom, quero o suor da tua fronte, para que possas ensinar aos homens o
trabalho. Não é fácil a tua tarefa, pois sentirás todo o labor dos homens sobre teus ombros;
mas, pelo jugo de tua carga, te concedo o dom da responsabilidade”. E o Marrom voltou ao
seu lugar.
“A ti, Violeta, darei uma tarefa muito difícil. Terás a habilidade de conhecer a mente
dos homens, mas não te darei a permissão de falares o que aprenderes. Muitas vezes te

2
Nunes Neto utilizou essa palavra como tradução do termo inglês “cyan”. No material de Marimon, essa cor
é referenciada tanto como “celeste” quanto como “turquesa”.
3
Nunes Neto utilizou essa palavra como tradução do termo inglês “blue”. No material de Marimon, essa cor
é referenciada tanto como “azul” quanto como “índigo”.
225

sentirás ferido por aquilo que vês, e em tua dor te voltarás contra mim, esquecendo que não
sou eu, mas a perversão da minha ideia, o que te fez sofrer. Verás tanto e tanto do homem
enquanto animal, e lutarás tanto com os instintos de ti mesmo, que perderás o teu caminho;
mas quando finalmente voltares, terei para ti o dom supremo da finalidade.” E o Violeta
voltou ao seu lugar.
[…]
Então Deus completou: “cada um de vós é perfeito, mas não compreendereis isto até
que vós doze sejais um. Agora vão!”
E as doze crianças foram embora executar sua tarefa da melhor maneira […]

Fonte: Nunes Neto (1994, p. 9-11).

Obs.: As supressões no texto já estavam presentes no livro de Nunes Neto.


226

ANEXO D – RESUMO DO SIGNIFICADO DAS COROAS XAMÂNICAS

Preto: Parte mental do Fogo. O futuro. É meu. Tudo para mim. Ardiloso. Primo malandro.
Matéria viva sem energia. O poder. O dinheiro. O início de tudo. Todas as cores estão no
preto, ele absorve todas, mas só tem consciência de si mesmo. Aspecto negativo: perder sua
condição material.

Branco: Parte espiritual do Ar. A memória. É seu. O poder de cura através da palavra, do
som. O poder da palavra. Purifica o ar através da palavra. Água que lava todas as energias. A
pureza. A fé. A religiosidade. A cerimônia. A cor dos santos. Aspecto negativo: perder a
saúde.

Amarelo: Parte mental da Terra. O presente. É nossa. É energia que conjura. É o sacerdote. A
cerimônia. O caminhante. Primo malandro. Força em forma de luz que provoca o calor. A
ideologia. O dom da palavra. As comunicações. O conhecimento gnóstico. Aspecto negativo:
dificuldade de comunicação.

Prata: Parte espiritual da Água. O tempo. Não sou eu. Primo malandro. Suprema dissolução
do ego. O movimento. A ligação com o mundo indivisível. Premonições. Viagens astrais.
Transporte rápido. Uma energia que prefere permanecer sempre oculta. Organização além de
nossas cabeças – movimenta as pessoas e as coloca no lugar certo. Seu objetivo é não ser
reconhecido. Aspecto negativo: perder a noção de tempo.

Dourado: Parte espiritual do Fogo. Ato social. Sou eu. O ego. Ser visto. Aparecer. A suprema
firmação do ego. O brilho. O sucesso. A coragem. Seu objetivo é ser reconhecido. Aspecto
negativo: perder o brilho.

Rosa: Parte física do Ar. Pelo prazer. Não está nem aí. O prazer. A diversão. O jogo. Uma
saída para a tensão. Resolve a dialética entre a suprema afirmação e a suprema dissolução do
ego. Resolve a discussão pelo desinteresse. Não está nem aí para nada. Rosa é jogar pedras no
abismo. Rosa é jogar a cabeça no vazio. Aspecto negativo: perder a alegria, o bom humor.
227

Verde: Parte espiritual da Terra […]1 subsistência espiritual e física. O bruxo. As ervas. A
alquimia. A transformação do natural em mágico. Aspecto negativo: perder sua energia.

Celeste [Turquesa]: Parte mental da Água. Ele precisa. Eu lembro. O amor. A mãe. As artes.
A criação. A beleza. O perfeccionismo nas formas. Energia de proteção. Luta com o Verde
em questão de alimentação. Conforto. Aspecto negativo: perder seu senso de estética.

Vermelho: Parte física do Fogo. Eu faço. Força propulsora que aciona a matéria e luta. Força
bruta. Fé cega. Agressividade. O sexo. As artes marciais. O trabalho. Os esforços físicos. Faz
o corpo se mover. Primos da fé. Resolve a briga entre o Verde e o Celeste na força. Resolução
pela força. Também é cor de cura. Aspecto negativo: perder sua força vital. Intumescimento,
problemas de circulação.

Azul [Índigo]: Parte mental do Ar. Com certeza existe uma dádiva. É a teoria. Com a fórmula
na mão, tem tudo resolvido. Trampolim sem fim. Valor gnóstico de Deus. Conhecimento
científico. No plano mental, vai até a origem. Procura os dados até o infinito. Difícil terminar
o que começa porque são inconformados, sabem que tem mais e querem saber tudo. Cor de
alta espiritualidade, elevada em termos mentais. Para entrar em alfa, a conexão é feita através
do azul. Aspecto negativo: perder seu interesse gnóstico.

Marrom: Parte física da Terra. Eu garanto. Eu realizo. É a prática. Sabedoria material, não
fica só na fórmula. Termina o que começa. Comanda. Hierarquia. O trabalho. A organização.
As regras do jogo. Semeia confiança nos negócios. A cor dos políticos. O pai de família. É a
única energia autenticamente nativa dentro de nós porque a Terra é uma pedra marrom.
Aspecto negativo: perder a estrutura, diretriz.

Violeta: Parte física da Água. Eu sei. É a mais evoluída. É a única que tem a possibilidade de
enxergar todas as outras 11 cores. O que tem consciência das doze energias. Energia da
consciência. O que sofre pela consciência. Energia do homem: é capaz de sacrifício para
deixar outro em seu lugar. Os opostos. A doença e a cura. Saúde. Vida. Aspecto negativo: não
se autopurificar.

Fonte: Nunes Neto (1994, p. 75-76).

1
Ineligível no original.
228

ANEXO E – MEDICINA DOS NÚMEROS DE WOLF MOONDANCE

1 – O número um representa inteireza e força, a habilidade de fazer as coisas sozinho, de


adentrar no círculo do conhecimento sagrado que é a sua mãe, o seu pai, a sua avó, o seu avô,
a sua bisavó, o seu bisavô, as suas tias e os seus tios. Olhe para dentro de sua própria estrutura
familiar para suscitar seus traços mais fortes e vivê-los como seus. O um é vermelho e
também rosa.

2 – O dois fala de habilidade. É um número agregador, que evoca às escolhas e à coragem. É


um número que ressoa, promovendo igualdade e resolução das situações. Ele é laranja e
laranja claro.

3 – O número três é um triângulo, um número para deixar as coisas claras. Possui a


energia para promover, criar e ressonar felicidade. É um contador de histórias e um poeta. Ele
é amarelo e amarelo claro.

4 – O número quatro é um número de movimento e ação. Ele ensina; ele tem gostosuras e
travessuras dentro de si. É o número dos portões espirituais, da entrada pela qual o espírito
vem e vai; ancestrais e professores do conhecimento se comunicam usando esse número. É a
personalidade da beleza e a profundeza da tristeza. Ele é verde e verde claro.

5 – O número cinco é o número da firmeza, o número da verdade. Ele é o portal que traz
os seus desejos e anseios mais profundos. Ele reflete a sua personalidade. Ele é o número da
tranquilidade; ele é azul e azul claro.

6 – O número seis é um caminho, um sistema de suporte, um número que possui grande


sabedoria e poder. É o número do comprometimento, próprio dos reis e da realeza, é
evidência e longevidade. Ele é púrpura e lavanda.

7 – O número sete é intensidade – ensinando, inspirando, profetizando e manifestando. É


um número de segredo e mistério, de aprimoramento e riqueza, de plenitude e espiritualidade.
Ele é bordô e lilás claro.

8 – Um número que fica sozinho, é o número do centro. É a ressonância do self, a


combustão da cor, a escada em espiral do aprimoramento e da vida. É também o número de
mortes. Ele é branco e por isso ressoa com todas as cores.

9 – O número nove é completo – o número da materialização e da matéria. É o número


da natureza humana. É inteireza e totalidade, existência. Ele é preto.

Fonte: Moondance (2000, p. 123-124, tradução minha).


229

ANEXO F – TABELA DE CORRESPONDÊNCIA DA GEMATRIA

1 2 3 4 5 6 7 8 9

‫א‬ ‫ב‬ ‫ג‬ ‫ד‬ ‫ה‬ ‫ו‬ ‫ז‬ ‫ח‬ ‫ט‬

10 20 30 40 50 60 70 80 90

‫י‬ ‫כ‬ ‫ל‬ ‫מ‬ ‫נ‬ ‫ס‬ ‫ע‬ ‫פ‬ ‫צ‬

100 200 300 400 500 600 700 800 900

‫ק‬ ‫ר‬ ‫ש‬ ‫ת‬ ‫ך‬ ‫ם‬ ‫ן‬ ‫ף‬ ‫ץ‬


Fonte: domínio público.
230

ANEXO G – REDUÇÃO DOS NÚMEROS PELO MÉTODO AGRIPANO

1 2 3 4 5 6 7 8 9
10 12 13 14 15 16 17 18
19 20 21 23 24 25 26 27
28 29 30 31 32 34 35 36
37 38 39 40 41 42 43 44 45
46 47 48 49 50 51 52 53 54
55 56 57 58 59 60 61 62 63
64 65 66 67 68 69 70 71 72
73 74 75 76 77 78 79 80 81
82 83 84 85 86 87 88 89 90
91 92 93 94 95 96 97 98 99

Obs.: 11, 22 e 33 não são reduzíveis, pois se tratam de números mestres.

1 2 3 4 5 6 7 8 9
1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906 1907 1908
1909 1910 1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917
1918 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926
1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935
1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944
1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953
1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962
1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971
1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980
1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025

Fonte: domínio público.


231

ANEXO H – OS NOVE ARQUÉTIPOS DO ESPÍRITO

Arquétipo Características
Individualista, presa pela independência. Inovador, pioneiro, gosta de se
diferenciar das outras pessoas. Não gosta de receber ordens. Tem boa
1 Líder pessoal capacidade para dirigir seus próprios negócios. Executivo, dinâmico, prefere
se relacionar com pessoas submissas. Polo positivo: individualismo. Polo
negativo: egoísmo, centralização. Doenças: cerebrais.
Adaptação, flexibilidade, tendência a se anular. Tentativa de unir os opostos.
Tem jogo de cintura. É mediador. Relaciona-se bem com as duas situações.
2 Pacificador Bem e mal. Dificuldade de dizer não e impor limites. Acaba sofrendo abusos.
Inconstante, mas tem certa regularidade. Excessiva passividade. Sofre por
insegurança e desânimo. Não persiste. Doenças: estômago e nervos.
Alegre, criativo, expressivo, excelente senso de humor, expansivo, talentoso.
Não suporta críticas. Sensível. Gosta de ser admirado. É flexível a situações e
mudanças. Veste personas e máscaras sociais. Camaleão. Encontra sempre
3 Artista uma saída rápida e criativa para as coisas. Polo negativo: dispersa seus
talentos fazendo muitas coisas ao mesmo tempo e não consegue finalizar.
Superficial, sofre de dúvidas constantes. Sobre pressão tem tendência a cair
em vícios. Doenças: aparelho respiratório, garganta.
Estrutura, solidez, senso prático, objetivo, metódico, organizado. Sempre age
4 Disciplinador de forma regrada. Teimoso, avarento, rígido. Tendência a se apegar a valores
limitados da vida. Hipercríticos. Doenças: coluna e pés.
Gosta de desafios, o que é difícil. Sabedoria com a liberdade de expressão.
Magnético, dinâmico, mente rápida. Detesta seguir regras. Adora viajar, ser
diferente, inquieto, nervoso. Liberdade a qualquer custo. Sexual, sensual e
5 Aventureiro
apaixonado. Gosta de todo tipo de aventura. Ansiedade, angústia mascarada
com alegria. Impaciente. Tendência a vícios. Doenças: aparelho reprodutor e
todos os cinco sentidos.
Equilibradas, honestas, harmoniosas, gostam de conforto. Pessoas que
recebem e tratam bem. Bons conselheiros. Fazem tudo para melhorar o
padrão de vida de todos ao seu redor. Emotivos, carinhosos, doces,
6 Matriarca
incansáveis e agradar. Amor condicional (emprestam conselhos, pois esperam
que o outro siga o que ele falou). Rigidez de opiniões. Dificuldade de superar
preconceitos e hábitos conservadores. Doenças: coração.
Eficiente, intuitivo, estudioso. Busca conhecimento. Espírito curioso, cético e
analítico. Querem explicação para tudo. Nas relações é introspectivo e
misterioso, difícil saber o que sente. Apesar da aparente frieza, é apaixonado
e lógico nas emoções. Perfeccionista, tem um grau muito alto de exigências.
7 Especialista
Acaba tendo dificuldade em se relacionar. Satírico, irônico, enxerga tudo por
uma lente cor de rosa. Não vê a realidade como ela é. Vislumbra o ideal. Polo
positivo: conhecimento. Polo negativo: melancolia, depressão e ironia.
Doenças: olhos e aparelho reprodutor.
232

Arquétipo Características
O processo de expressão e a eficácia. Administrador, executivo e negociante
nato. Perfeccionista, crítico, analítico, não pensa pequeno. Gosta de processos
de grande escala. Gosta de dinheiro. Nas relações encara como um
8 Empreendedor empreendimento. Investe de acordo com seus objetivos. Equilibra o espírito
com a matéria. Gostam de qualidade e do que é mais cara. Polo positivo:
liberdade material. Polo negativo: ambição, mente negativa, materialista,
inveja, ciúme, desconfiança. Doenças: problemas circulatórios e do sangue.
Fim da manifestação do ser humano na terra. Exercem o amor incondicional.
Pessoas generosas, humanitárias, não esperam nada em troca. Gostam de
colocar as pessoas que amam em um pedestal. Obtêm êxito onde muitos
9 Humanitarista
falham. Sofrem de crises emocionais. Polo positivo: amor universal. Polo
negativo: crises de raiva, cobram o retorno pelo que fizeram, são
egocêntricas. Doenças: todas.
Pessoas cheias de ideias, místicas, leves. Emanam sabedoria, segurança e paz.
Líder espiritual Encantam.São líderes espirituais inspiradores. Estão sempre em destaque em
11
inspirador meio às outras pessoas. Tem dificuldade em dizer não. Polo positivo:
revelação. Polo negativo: fanatismo.
Criam espaços estruturais para que os outros cresçam (escolas, ioga etc.),
sistemas, métodos. São dinâmicos, têm boa visão, são mestres com grande
Líder espiritual
22 conhecimento. Facilidade em ter discípulos. Polo positivo: autorrealização.
do plano físico
Polo negativo: frustração por não conseguir transformar em matéria algo de
sua sabedoria, conhecimento.
Doação total. Abdicar-se em prol do outro. Energia rara em seres humanos.
Líder espiritual Comparados à madre Tereza de Calcutá e Chico Xavier. Amor incondicional
33
pleno nato. Pessoas conhecidas e reconhecidas mundialmente, independente de
religião ou crença.

Fonte: Alves (2017, p. 54-55).


233

ANEXO I – TERAPÊUTICA TRADICIONAL XAMÂNICA NO PROJETO PEDAGÓGICO


DO CURSO DE NATUROLOGIA DA UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

1 DADOS DA CERTIFICAÇÃO
( X ) Estruturante ( X ) Complementar ( X ) Específica
Nome: Terapêutica Tradicional Xamânica
Carga Horária: 90 horas.

2 COMPETÊNCIAS
Compreender a visão de cosmo, de ser humano e sua energia sutil tendo como base as
convicções da Tradição Xamânica, assim como suas relações com o meio natural e os
mecanismos terapêuticos voltados para a saúde.

3 CONTEÚDOS
A visão de Cosmos na Tradição Xamânica. Relação com o ambiente. Os sistemas
xamâmicos de cuidado à saúde. Direções (norte, sul, leste, oeste). Elementos e movimentos da
natureza (terra, água, fogo, ar), clima, tempo, ciclos lunares. Doença, cura e representações
nas práticas etnomédicas xamânicas.

4 HABILIDADES
 Analisar o ser humano a partir da visão cosmológica Tradicional Xamânica.
 Identificar e utilizar os principais sistemas de tratamento xamânicos.

5 ATIVIDADES FORMATIVAS
Estudo de caso. Pesquisa e interpretação de informações e dados. Elaboração e
apresentação de trabalho acadêmico. Estudo dirigido. Aplicação prática das técnicas.

6 AMBIENTES DE APRENDIZAGEM
Sala de aula prática. Biblioteca. Ambientes virtuais. Clínica de Práticas Integrativas e
Complementares [clínica-escola do curso de naturologia].
234

7 UNIDADES DE APRENDIZAGEM
7.1 Cosmologia Xamânica
Carga Horária: 90 horas.
Base de Notas: NR6 / Média sete sem Av.Final ou média seis com Av.Final.

Ementa: A visão de Cosmos na Tradição Xamânica. Relação com o ambiente e a


Ecopsicologia. Os sistemas xamâmicos de cura - empoderamento: direções (norte,sul, leste,
oeste),os elementos densos da natureza (terra,água,fogo,ar), clima, tempo, ciclos lunares,
densidade da luz, cores, sons (naturais e instrumentais), óleos essenciais, aromas, cristais e
elementos botânicos. Doença, cura e representações nas práticas etnomédicas xamânicas.

8 BIBLIOGRAFIA
8.1 BÁSICA
 ARRIEN, Angeles. O caminho quádruplo: trilhando os caminhos do guerreiro, do mestre,
do curador e do visionário. [2. ed.]. São Paulo: Ágora, 1997. 134 p.
 LANGDON, E. Jean Matteson (Org.). Xamanismo no Brasil: novas perspectivas.
Florianópolis: UFSC, 1996. 367 p.
 MATTHEWS, John. Xamanismo celta. São Paulo: Hi-Brasil, 2002. 242 p.

8.2 COMPLEMENTAR
 ELIADE, Mircea. O xamanismo e as técnicas arcaicas de êxtase. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. 559 p. (Ensino superior)
 MINDELL, Arnold. The quantum mind and healing: how to listen and respond to your
bodys symptoms. Charlottesville, VA: Hampton Roads Pub. Co., 2004. xv, 303 p.
 TEDLOCK, Barbara. A mulher no corpo de xamã: o feminino na religião e na medicina.
Rio de Janeiro: Rocco, 2008. 352 p. (Arco do tempo)
 WEIL, Pierre. As fronteiras da evolução e da morte: os limites de transformação da
energia no homem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 131 p. (Psicologia transpessoal)
 WILBER, Ken. O olho do espírito: uma visão integral para um mundo que ficou
ligeiramente louco. São Paulo: Cultrix, 1997. 320 p.

Fonte: UNISUL (2014, p. 51-52).

Você também pode gostar