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PUC-SP
Fábio L. Stern
Cosmologia xamânica:
A ressignificação do xamanismo na naturologia brasileira
São Paulo
2019
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Fábio L. Stern
Cosmologia xamânica:
A ressignificação do xamanismo na naturologia brasileira
São Paulo
2019
Banca Examinadora:
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O estudante recebeu bolsa da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES).
Número do processo: 88887.199031/2018-00.
AGRADECIMENTOS
Os objetivos desse estudo foram investigar a compreensão que os naturólogos formados pela
Universidade do Sul de Santa Catarina possuem sobre o termo “xamanismo”, suas
influências, sistematizando as principais categorias da medicina xamânica da naturologia e
analisando se outros saberes estariam sendo incorporados a essa forma de medicina xamânica.
Os sujeitos de pesquisa foram apenas pessoas formadas pela Universidade do Sul de Santa
Catarina. O recorte se justifica porque embora a naturologia seja um fenômeno de origem
europeia, somente na Universidade do Sul de Santa Catarina a medicina xamânica faz parte da
formação em naturologia. O estudo utilizou abordagem qualitativa, e o método de
levantamento utilizado foi a entrevista. Foram identificadas quatro ideias norteadoras ao que
os naturólogos chamam de “medicina xamânica” – (1) healing; (2) quatro elementos (Fogo-
Terra-Água-Ar); (3) energias sutis; e (4) cakras –, além de cinco práticas que foram citadas
com maior frequência – (1) roda de medicina; (2) medicina das cores; (3) medicina dos
números; (4) medicina dos animais; e (5) terapia com cristais. Sobre essas práticas, foi notado
que quase todas não possuem origem indígena, mas sim uma influência forte advinda do
esoterismo europeu e do ethos Nova Era. A ressignificação do xamanismo pela naturologia se
deu em uma relação dupla entre uma busca por valorização das ideias principais da primeira
fase histórica da naturologia brasileira e as diretrizes criadas na segunda fase de que a
naturologia deveria estar pautada em medicinas tradicionais. Temos, portanto, a criação de
uma tradição, na qual as práticas caras à primeira fase histórica da naturologia brasileira
assumem uma nova forma enquanto “medicina tradicional xamânica” para que pudessem
continuar a ser ensinadas aos estudantes de naturologia.
This study aims to investigate the understanding that naturologists trained in the University of
Southern Santa Catarina have about the term “shamanism”, systematizing the main categories
of the shamanic medicine of naturology and analyzing whether other knowledge would be
incorporated into this form of shamanic medicine. The research subjects were only people
graduated from the University of Southern Santa Catarina. The clipping is justified because
although naturology is a phenomenon of European origin, only at the University of Southern
Santa Catarina shamanic medicine is part of the training in naturology. The study uses a
qualitative approach, and the survey method was the interview. Four guiding ideas were
identified for what naturologists call “shamanic medicine” – (1) healing; (2) four elements
(Fire-Earth-Water-Air); (3) subtle energies; and (4) cakras – in addition to five practices that
were cited more frequently – (1) medical wheel; (2) color medicine; (3) number medicine; (4)
animal medicine; and (5) crystal therapy. Regarding these practices, it was noted that almost
all of them do not have indigenous origin, but a strong influence coming from European
esotericism and the New Age ethos. The resignification of shamanism by naturology occurred
in a double relationship between a search for valorization of the main ideas of the first
historical phase of Brazilian naturology and the guidelines created in the second phase, that
naturology should be based on traditional medicines. We have, therefore, the creation of a
tradition, in which the practices dear to the first historical phase of Brazilian naturology take
on a new form as “traditional shamanic medicine”, so that it could continue to be taught to
students of naturology.
Introdução ............................................................................................................................... 11
Metodologia .......................................................................................................................... 17
Agnosticismo metodológico ............................................................................................. 19
Distinção entre êmico e ético ............................................................................................ 21
Critérios de abordagem e procedimento ........................................................................... 23
Estrutura da tese e fator de tensão com os fiéis ................................................................ 25
INTRODUÇÃO
por causa da busca deles pelo reconhecimento da profissão no Congresso Nacional, uma
demanda política que está em voga desde o início da década de 2010. Isso, evidentemente,
exige dos naturólogos apresentar a naturologia à sociedade e aos órgãos políticos como uma
ciência da saúde, ou mais especificamente, como uma nova ciência (TEIXEIRA, 2013, p.
107).
Muito já foi discutido sobre o status científico da naturologia, com autores que
chegaram à conclusão de que ela seria uma pseudociência (cf. PESSOA JR., 2011; TESSLER,
2008; REIS, 2005) tanto quanto autores que a entenderam como uma nova ciência pautada na
complexidade de saberes (cf. SILVA, 2012; BARROS, LEITE-MOR, 2011). Nos últimos
anos também vem sendo notado um movimento importante de algumas figuras da naturologia
brasileira em tentar igualá-la à naturopatia (cf. CERATTI, HELLMANN, LUZ, 2017;
PASSOS, RODRIGUES, 2017; MACHADO, 2013), pela convicção de que a naturopatia
estaria mais bem estabelecida, o que faz com que acreditem que caso as duas áreas sejam
vistas como sinônimas, isso facilitaria politicamente o reconhecimento da naturologia.
Para cientistas da religião, chama a atenção nesse processo um movimento deliberado
de silenciamento do arcabouço espiritualista da prática naturológica. Esse silenciamento já foi
identificado e classificado como algo consciente por pesquisas anteriores (cf. TEIXEIRA,
2013; STERN, 2017a; STERN, LEITE, 2017; LEITE, 2017), tendo por fim uma busca por
isolar qualquer possibilidade de questionamento quanto à validade acadêmica e científica da
naturologia no Brasil. Todavia, abordagens em naturologia para a saúde espiritual e energética
são corriqueiras, atestadas nos planos de ensino, diretrizes curriculares e projetos pedagógicos
dos cursos superiores de naturologia, além de ser algo facilmente observável em qualquer
pesquisa de campo que envolva esse objeto.
Um perfil socioeconômico dos naturólogos brasileiros apontou que 54,3% deles dizem
que escolheram a naturologia como profissão por “realização pessoal”, ao invés de uma busca
por melhor remuneração, aptidão ou identificação profissional (PASSOS, 2015, p. 10). Esse
mesmo estudo também demonstrou que 8,7% dos naturólogos brasileiros declaram trabalhar
frequentemente com antroposofia, 15,2% com ioga, 32,2% com meditação, 77,4% com
terapias florais, e 14,5% com xamanismo – excluindo desses números os naturólogos que
responderam também trabalhar com essas práticas ocasionalmente (PASSOS, 2015, p. 14).
Ioga, meditação e xamanismo são práticas pautadas em sistemas espirituais. A antroposofia é
academicamente considerada uma religião, uma vertente cristianizada do esoterismo teosófico
(TONCHEVA, 2013). E os florais são tidos por Tavares (2002, p. 330) como uma das formas
mais conhecidas de terapia novaerista.
13
Que eu me recorde, não. Nem apareceu naqueles 127 [que eu mesma verifiquei
pessoalmente durante meu doutoramento], nem apareceu nos [que vieram] depois.
Recentemente nós tivemos um trabalho, finalizado no ano passado, [em] que umas
alunas minhas fizeram um levantamento só dos trabalhos de 2010 a 2014, para
cobrir o período que o meu trabalho [de doutoramento] já não cobria mais. Foram,
acho, 68 ou 64 trabalhos, e em nenhum desses trabalhos o tema xamanismo aparece.
Não encontrei nenhum. Até porque como isso nunca apareceu na grade, talvez nunca
tenha suscitado nos alunos um interesse, por mais que os alunos talvez, por fora, por
formações particulares, tenham ligações com o que se chama [na naturologia] de
medicina xamânica (SILVA, entrevista pessoal, 17 nov. 2016).
científica pelos padrões acadêmicos comuns à área da saúde, seus ensinamentos sobre
xamanismo parecem ter sido passados similarmente a uma tradição oral ao longo desses anos.
Embora haja livros listados no projeto pedagógico e no seu plano de ensino, as aulas de
xamanismo do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina são, em sua
maioria, baseadas na história de vida do professor Roberto Gutterres Marimon.
METODOLOGIA
De acordo com a divisão clássica de Joachim Wach (1924), que classifica os trabalhos
em ciência da religião em estudos empíricos das religiões ou estudos sistemáticos das
religiões, esse é um estudo empírico das religiões, ou seja, cujo foco está em explicar como
uma religião se faz, apresentando seu desenvolvimento e os princípios a ela inerentes.
Conforme delimita, também é constitutivo dos estudos empíricos das religiões o foco em uma
religião ou grupo específico (p. 59).
18
inserção da abordagem ética para analisar o conteúdo êmico observado em campo; e (3) a
apresentação dos métodos e resultados de maneira coerente, que permita verificação por
outros cientistas das religiões.
Considerações metodológicas mais aprofundadas serão feitas para cada um desses três
pontos nas subseções a seguir.
AGNOSTICISMO METODOLÓGICO
Berger (1985, p. 186), “dizer que a religião é uma projeção humana não implica logicamente
que os sentidos projetados não possam ter um status último independente do [ser humano]”.
Apenas não está entre as preocupações da ciência da religião, enquanto disciplina, validar ou
desmentir as considerações sobre o metaempírico presentes no discurso interno das religiões
(SMART, 1973a).
O agnosticismo metodológico é um importante constituinte de fronteira disciplinar
entre a ciência da religião e estudos não científicos da religião, como a teologia e a filosofia
da religião (BERGER, 1985, p. 185-186; SMART, 1973a, p. 111). Embora os resultados de
suas pesquisas possam ser adotados pela teologia ou filosofia, o tipo de construção do saber
teológico e filosófico é diferente do tipo de saber que a ciência da religião se propõe a
produzir. Nesse sentido, o agnosticismo metodológico é um reconhecimento de que a ciência
da religião possui um limite de até onde pode ir. Uma vez ultrapassado, abordagens de outras
áreas são necessárias, e o cientista da religião deve se afastar. Nenhum saber dá conta de tudo.
Como explicou Smart (1973a, p. 111), o agnosticismo metodológico é uma condição sine qua
non o cientista da religião não faz ciência da religião. Não é uma opção utilizá-lo ou não. É
algo inalienável. Se uma pesquisa não se adequada ao agnosticismo metodológico, ela está
para além de nossa fronteira disciplinar.
Nessa pesquisa, também o agnosticismo metodológico se caracteriza como um
importante delimitador de fronteira disciplinar. A maioria das dissertações e teses defendidas
por bacharéis em naturologia no Brasil foi na área de saúde coletiva. A principal característica
dessas pesquisas, como é possível notar nas introduções e apresentação de seus objetivos, é
uma busca por demonstrar a relevância social e eficácia terapêutica das práticas naturológicas.
Mas para um cientista da religião, a questão da eficácia da naturologia é de importância
secundária. Além de não sermos instrumentalizados enquanto disciplina a trabalhar com essa
dimensão, perguntas sobre se as práticas xamânicas da naturologia brasileira funcionam ou
não entram no mesmo escopo de questionar sobre a força de uma oração ou se um passe
espírita possui poder de cura. Nesse sentido, cruza a fronteira do agnosticismo metodológico e
descaracterizaria um estudo como sendo de ciência da religião. Isso não significa que tais
questões não sejam pertinentes. Mas metodologicamente não são problemas de pesquisa caros
à ciência da religião enquanto disciplina.
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O segundo ponto proposto por Platvoet diz respeito à utilização da abordagem ética
para a análise do conteúdo êmico que emerge durante a pesquisa. A distinção entre discursos
êmicos e éticos, com a utilização da perspectiva ética em nossa produção, é a principal
ferramenta teórica para salvaguardar a legitimidade científica nas pesquisas da ciência da
religião (HANEGRAAFF, 1996, p. 6), e um dos pilares que constituem a própria objetividade
acadêmica da nossa disciplina (PLATVOET, 1982, p. 5-6).
Os termos “êmico” e “ético” são oriundos de “phonemics” (fonologia) e “phonetics”
(fonética). Portanto, sem qualquer relação com a “ética” da filosofia. Tais palavras adquiriram
um significado ampliado na teoria linguística de Pike (1954), quem declarou que somente
falantes nativos dominam as descrições fonológicas de seu idioma, ou seja, conseguem
observar o significado êmico total em contextos complexos que necessitam dessa
aproximação mais íntima. Estrangeiros podem absorver as estruturas linguísticas e seus
fonemas com maestria, mas nunca dominarão esses contextos complexos como os nativos.
Pike posteriormente aplicou sua distinção aos estudos do comportamento humano:
Descrições ou análises do ponto de vista ético são externas, com critérios alheios ao
sistema. As descrições êmicas fornecem uma visão interna, com critérios escolhidos
de dentro do sistema. Representam a visão de alguém familiarizado com o sistema e
que sabe como operar dentro dele (PIKE, 1999, p. 29, tradução minha).
diferença que esse documento fornece é a mesma apresentada por Platvoet, mesmo sem
recorrer objetivamente aos termos “êmico” e “ético”.
Mas o que significa falar externamente de uma religião? Para Smart (1973b, p. 43-44),
as explicações intrarreligiosas recorrem à conexão de aspectos da dimensão religiosa com
outros aspectos da própria religião, como correlacionar a experiência religiosa com padrões
devocionais, explicar os ritos pelos mitos ou justificar a fé pelos textos sagrados. Explicações
extrarreligiosas, por outro lado, mostram que as religiões também são moldadas por estruturas
que não fazem parte de seu domínio imediato. Smart cita exemplos de sistemas étnico-sociais
que são reproduzidos em mitos, e também a crença em deusas-terra, que pode surgir como
reflexo à descoberta da agricultura. Usualmente os fiéis não possuem noção dessas
influências, portanto tais leituras são incomuns ao discurso êmico (PLATVOET, 1982, p. 6).
Mas na ciência da religião,
A adoção das descrições éticas como constituinte de seus trabalhos faz com que a
ciência da religião seja mais objetiva, com descrições com maior qualidade e análises mais
consistentes. A ciência é um sistema de atividades caracterizado por uma postura de
“ceticismo organizado”, no qual cientistas criticamente escrutinam os materiais de seus pares.
Como refutar um argumento se ele for tratado como uma manifestação divina? A adoção da
escrita ética permite um melhor controle das metodologias empregadas e das teorias que
embasam a pesquisa, por deixar claro que tais perspectivas são externas ao campo de crença
de onde os dados foram coletados. Além disso, clarifica materialmente por quais critérios as
análises são feitas (PLATVOET, 1982, p. 6).
Isso significa que uma pesquisa em ciência da religião metodologicamente precisa
fazer análises que extrapolem a simples reprodução do discurso dos fiéis, senão acabaria
sendo ciência para a religião, e não ciência sobre a religião. Mas isso não quer dizer que o
discurso êmico deve ser descartado. Como explica Platvoet (1982, p. 5), a compreensão dos
fiéis constitui uma fonte primária importante. Todavia, ela não dá conta das dimensões
políticas, étnicas, regionais, culturais, sociais, econômicas, de gênero e ambientais que
moldam as religiões para além da crença dos praticantes. É por isso que a fonte êmica precisa
ser complementada com a discussão desses fatores extrarreligiosos que moldam
significativamente e se inter-relacionam com a religião estudada.
23
O último critério elencado por Platvoet como constitutivo de uma pesquisa em ciência
da religião dizia respeito à apresentação dos resultados e métodos de maneira que se permita a
verificação por outros cientistas da religião. Nesse ponto, ele diz respeito a descrever o
máximo possível quais foram os critérios de abordagem e procedimento utilizados para a
realização do estudo, seu escopo, o processo de coleta de dados, a população e forma como a
amostragem foi elaborada (caso se aplique), além de detalhamento sobre a natureza da
pesquisa. Em textos posteriores sobre metodologia em ciência da religião (p. ex.
SAUSBERG, ENGLER, 2011), é declarado que nesse último critério as considerações éticas
sobre a pesquisa também devem ser mencionadas.
Sobre a natureza da pesquisa, segundo Creswell (2007), esse é um estudo qualitativo.
Originalmente eu o projetei como um estudo misto, que se iniciaria em uma fase qualitativa,
na qual naturólogos que declaram trabalhar com xamanismo e o professor da disciplina
seriam entrevistados, e posteriormente, em uma fase quantitativa, um questionário fechado
seria aplicado com as principais categorias que surgiriam da análise da primeira fase para
levantar a difusão desses saberes pela naturologia brasileira. Esse plano foi abortado no
segundo ano do doutorado, quando percebi que o volume de material coletado demandaria no
mínimo o dobro do tempo originalmente planejado para transcrição e análise. Visto a temática
ser inédita em pesquisas sobre a naturologia brasileira, percebi uma necessidade de maior
aprofundamento dos conteúdos que surgiam na parte qualitativa.
A população estimada de naturólogos que trabalham constantemente com xamanismo
no Brasil é de cerca de 175 pessoas (PASSOS, 2015). Eles são o grupo de interesse dessa
pesquisa. Além deles, professores e ex-professores do curso de naturologia da Universidade
do Sul de Santa Catarina e o próprio professor Roberto Gutterres Marimon, o único ao longo
de toda a história desse curso que ministrou xamanismo na naturologia, constituem os
participantes desse estudo.
Os critérios de inclusão foram:
1. Ser formado em naturologia pela Universidade do Sul de Santa Catarina;
2. Declarar que trabalha com medicina xamânica em sua prática profissional de
naturologia (portanto, bacharéis em naturologia que não estão mais trabalhando
com naturologia estavam automaticamente excluídos desse estudo);
3. Ter trabalhado como professor no curso de naturologia da Universidade do Sul de
Santa Catarina;
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para cada pessoa um codinome ou número. Porém se grupos pequenos ou específicos são
estudados, pode ser difícil garantir total anonimato ao se referir a situações e declarações”.
Naturólogos são uma minoria no Brasil. Existem ainda menos naturólogos que trabalham
especificamente com xamanismo. Nesse sentido, seria fácil identificar os participantes mesmo
se seus nomes estivessem omitidos nessa tese. Além disso, Roberto Gutterres Marion foi o
único professor de medicina xamânica em toda a história da naturologia brasileira. Seria
impossível deixá-lo anônimo. Por isso, todos os participantes assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, do qual mantiveram uma cópia, onde foi declarado que
seus nomes não seriam omitidos nessa tese. A eles também foi dada a oportunidade de
revisarem o material transcrito de suas entrevistas, para que fizessem sugestões de cortes,
acréscimos e modificações. Em conformidade às resoluções MS/CNS 466/2012 e MS/CNS
510/2016, o projeto de pesquisa foi submetido para apreciação ética através da Plataforma
Brasil no dia 14 de abril de 2016 sob CAAE 55286316.2.0000.5482, sendo aceito pelo
Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no dia 18 de
abril de 2016. O parecer consubstanciado, de número 1.565.686, foi liberado no dia 30 de
maio de 2016.
Entrevistas em áudio foram registradas com o professor da disciplina e 18 outros
professores e bacharéis em naturologia que preencheram os critérios de inclusão. A coleta de
dados ocorreu de 3 de junho de 2016 a 18 de outubro de 2017. As transcrições foram enviadas
aos participantes por e-mail, e foram recebidos pedidos de alteração do material transcrito até
1º de abril de 2018. Ao final, 74 h e 11 min. de entrevistas foram transcritas, sendo dessas 54
h e 19 min. referentes apenas a entrevistas com o professor da disciplina. Cerca de metade dos
respondentes revisaram suas entrevistas. A outra metade não entregou as revisões a tempo, ou
optou por deixar as entrevistas tal como haviam sido transcritas.
Detalhes mais específicos sobre critérios de análise dos materiais colhidos serão
apresentados nos próprios capítulos da tese, de acordo com as necessidades de esclarecimento
advindas de cada seção da pesquisa.
resultado da pesquisa seja uma tradução, com novos vocábulos e interpretações que serão
estrangeiros ao grupo estudado. Quando os fiéis entram em contato com o produto final, isso
comumente gera estranhamentos.
Como explica Platvoet (1982, p. 6), geralmente os praticantes de uma religião não
possuem ciência de que suas religiões são moldadas e determinadas por fatores sociais,
históricos, econômicos, políticos, culturais e geográficos. Usualmente a religião é vista como
algo dado, levando-os à rejeição das análises éticas e da perspectiva do agnosticismo
metodológico. Tanto Platvoet (1982, p. 6) quanto McCutcheon (1999, p. 17) comentam que
em casos mais extremos o trabalho do cientista da religião poderá, inclusive, ser considerado
sacrilégio ou profanação, gerando reações intensas e passionais das lideranças e instituições
religiosas.
Esses conflitos têm sido observados mundialmente nas pesquisas da ciência da
religião, e levaram Michael Pye a desenvolver uma teoria metodológica que prevê o fator de
tensão com os fiéis como uma parte da pesquisa em ciência da religião. Essa proposta parte do
pressuposto de que as análises éticas, que comparam o discurso êmico com sistemas não
previstos pela lógica intrarreligiosa, apresentarão questões que podem ser recebidas com
inquietação pelos adeptos. A variação de seu grau não só é esperada como pode ser utilizada
para verificar a efetividade dos métodos de coleta de dados e a qualidade das análises
elaboradas pelo cientista da religião.
Pye (2013, 2014) elenca alguns motivos mais comuns de desconforto em fiéis quando
leem uma pesquisa em ciência da religião sobre eles: (1) o cientista da religião pode levantar
questões que não são de interesse dos adeptos sobre suas próprias religiões; (2) o estudo pode
mostrar estruturas que antes não eram claras aos fiéis (ou eram apenas parcialmente claras),
levando-os a considerar que as análises não estão corretas; (3) a comparação entre diferentes
tradições pode não ser aceita em grupos que pregam que seu caminho é único; (4) ao levantar
contextos políticos e socioculturais, a pesquisa pode gerar a necessidade de explicações de
determinados discursos das lideranças religiosas que até então poderiam nunca ter sido
colocados à prova; e (5) algumas religiões tratam seus textos sagrados e mitos como fatos
históricos, o que geralmente não se sustenta por dados empíricos.
Segundo Pye (2009, 2013), embora as pesquisas em ciência da religião possam ser
plurimetodológicas, usualmente suas publicações se dividem em duas etapas: (1) uma fase
investigativa, cujo foco está em caracterizar e entender o discurso êmico, apresentando os
dados referentes ao objeto estudado; e (2) uma fase analítica, que além de explicar os dados
levantados, correlaciona-os com outros fatores sociais externos.
27
Se ele [o fator de tensão com os fiéis] estiver alto durante as etapas de identificação,
há algo errado com o método de investigação. Se estiver atipicamente baixo durante
as etapas explanatórias, isso pode sugerir que as explanações estejam fracas (PYE,
2009, p. 100).
CAPÍTULO 1
NATUROLOGIA E NEOXAMANISMO: ESTADO DA QUESTÃO
construção internacional, não deveriam constar também obras de fora do Brasil? A resposta é
não. Nesse caso específico, tal levantamento não se aplica porque, como foi explicado na
introdução dessa tese (cf. p. 11), a naturologia enquanto curso universitário é um fenômeno
brasileiro. No exterior, a tendência é que os governos vejam os cursos de naturologia com
ressaltas. Além disso, não existe qualquer indício de que uma apropriação do neoxamanismo
ocorra com a mesma propriedade entre naturólogos europeus quanto no caso específico do
curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina1.
Como a ciência da religião existe desde a década de 1960 no Brasil como graduação e
desde a década de 1970 como pós-graduação stricto sensu, não seria possível esgotar toda a
produção brasileira de cientistas da religião, até porque grande parte desse material não está
disponível on-line e as formações na área se encontram espalhadas pelo Brasil. Nesse sentido,
foquei-me na última década. As produções foram divididas entre pesquisas que abordaram o
neoxamanismo e textos que falaram sobre a naturologia.
A busca no banco de teses de dissertações da CAPES retornou nenhuma dissertação
com a palavra-chave “neoxamanismo”, e duas dissertações com a palavra-chave
“naturologia”, ambas defendidas no PPG em ciência da religião da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, em 2015 e 2017 respectivamente.
No portal de periódicos da CAPES, a busca pela palavra-chave “neoxamanismo”
também retornou nenhum artigo de periódico da ciência da religião ou escrito por cientistas
da religião. Ao buscar por “naturologia”, o único resultado encontrado em um periódico da
ciência da religião foi um resumo de uma das duas dissertações sobre a naturologia brasileira
supramencionadas.
Percebendo que o levantamento no portal da CAPES não condizia com a real
publicação em ciência da religião dos últimos dez anos, pesquisei manualmente nas revistas
de ciência da religião listadas pela ANPTECRE. Foram verificados os periódicos Reflexus
(FUV), Unitas (FUV), Reflexão (PUC-Campinas), Caminhos (PUC-Goiás), Fragmentos de
Cultura (PUC-Goiás), Horizonte (PUC-Minas), Interações (PUC-Minas), Rever (PUC-SP),
1
Não há menção ao xamanismo nos websites de instituições europeias de naturologia. Em Portugal, os cursos
de naturologia demonstram identificação com a medicina chinesa e a acupuntura, várias técnicas de massagem, e
práticas esotéricas como a astrologia e projeção astral (cf. Instituto Português de Naturologia, disponível em:
<https://www.ipnaturologia.com/>, acesso em 12 jan 2019). O foco dos cursos de naturologia na Espanha está
em terapias naturistas como hidroterapia, florais de Bach, iridologia, plantas medicinais e dietas naturais (cf.
Instituto de Estúdios de Naturologia, disponível em: <https://www.carlosleston.es/>, acesso em 12 jan 2019).
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SOBRE SOBRE
FONTES
NATUROLOGIA NEOXAMANISMO
Dissertações listadas no Banco de Teses e
2 0
Dissertações da CAPES
Outras dissertações de ciência da religião 0 2
Artigos nos periódicos de ciência da religião
5 7
listados pela ANPTECRE
Artigos em outros periódicos escritos por
1 3
pessoas da ciência da religião
Textos completos em anais 5 1
TOTAL 13 13
SOBRE NATUROLOGIA
Que o cientista da religião estuda religião é óbvio. Não é óbvio, porém, o que é
Ciência da Religião e – mais problemático – o que é religião. E o grande interesse
dos cientistas da religião por sua epistemologia é parecido com o do naturólogo, que
em menos de vinte anos de surgimento no Brasil [enquanto graduação] vai ao seu 4º
encontro para discutir especificamente o que é sua área e o que estuda a Naturologia
(STERN, 2013, p. 26).
eventos: o Fórum Conceitual de Naturologia tinha como objetivo promover debates para que
os próprios naturólogos pensassem uma forma de definir o que é naturologia, e as Jornadas de
Estudo do Simbolismo da Naturologia apresentava propostas de arte gráfica para a confecção
do símbolo profissional da naturologia, que vinham acompanhadas de textos de até três
páginas explicando o significado das imagens (STERN, 2015b).
O artigo afirma que 13 dos 19 elementos religiosos da teoria de Benthall puderam ser
encontrados nos textos êmicos dos naturólogos, sendo que 8 deles apareceram tanto em textos
do Fórum Conceitual de Naturologia quanto em textos da Jornada de Estudo do Simbolismo
da Naturologia. Os oito elementos religiosos destacados em ambos os eventos foram: (1)
identidade política, (2) mitos de fundação, (3) interiorização de um código moral, (4)
aceitação do paradoxo doutrinal, (5) apelo a um mundo utópico, (6) explicação do lugar do
ser humano no mundo, (7) apelo ao metaempírico, e (8) crenças e discursos totalizantes
(STERN, 2015b, p. 30). No entanto, a fragilidade metodológica do artigo jaz justamente em
uma falta de explicação do que cada uma dessas categorias significa segundo a teoria de
Benthall, e na ausência de citações diretas dos discursos êmicos que permitam ao leitor
concordar ou discordar da análise.
Nas conclusões, é declarada a detecção de “indícios de que a Naturologia no Brasil
possui uma religiosidade implícita de acordo com os critérios de Benthall, indicando que não
pode ser entendida sem se levar em conta seus aspectos pararreligiosos” (STERN, 2015b, p.
30). Apesar dessa consideração, não foi defendido em qualquer outro texto posterior da
ciência da religião – nem mesmo de minha autoria – que a naturologia seria uma religião ou
pararreligião. Ao contrário, em um artigo recente escrito em coautoria com Ana Luisa
Prosperi Leite, declaro que “em primeiro lugar, queremos deixar claro que não consideramos
a naturologia uma religião” (STERN, LEITE, 2017, p. 170). Os motivos disso, conforme foi
depois melhor esclarecido na dissertação de Leite (2017), é porque nossas pesquisas nos
levaram a entender a naturologia como uma área limítrofe entre religião e ciência, sem ser
nenhuma das duas ao mesmo tempo.
Respectivamente o quarto texto foi publicado nos anais do XIV Simpósio Nacional da
ABHR, intitulado “Escala de adesão dos ideais do movimento da Nova Era: aplicação em
naturólogos brasileiros” (STERN, 2015c). Trata-se de um trabalho que explica a metodologia
que utilizei para montar o último capítulo de minha dissertação. Nesse sentido, reserva apenas
uma página para falar sobre a naturologia (p. 262), visto que o objeto desse texto é o método
de coleta que utilizei. A aplicação em naturólogos é descrita apenas como um ilustrativo de
35
como utilizar esse método. Por esse motivo, também não entrarei em maiores detalhes sobre
essa produção.
O quinto trabalho na ordem cronológica é minha dissertação. Defendida em setembro
de 2015 no PPG em ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é
um estudo empírico sobre a adesão dos bacharéis em naturologia formados no Brasil aos
ideais do movimento da Nova Era. O trabalho é dividido em cinco capítulos, os quais estão
organizados em três partes: da primeira parte, o primeiro capítulo explica os contextos sociais
para o surgimento da naturologia enquanto curso superior no Brasil; da segunda parte, o
segundo e o terceiro capítulo definem o que é naturologia, apresentando a história de seus
cursos e suas principais categorias êmicas; e da parte final, o quarto e quinto capítulo
apresentam os resultados da pesquisa empírica aplicada em um terço da população total de
bacharéis em naturologia existentes na época no país (STERN, 2015a).
Embora três outras pesquisas de pós-graduação stricto sensu já tivessem adotado a
naturologia como objeto (cf. HELLMANN, 2009; SILVA, 2012; TEIXEIRA, 2013), essa
dissertação apresentou de modo muito mais profundo, pela primeira vez, as relações da
naturologia com suas raízes culturais e religiosas. Isso, posteriormente, seria ainda mais bem
aprofundado pela dissertação de Leite (2017). Mas até a ocasião, os trabalhos anteriores
tiveram uma preocupação muito pequena em estudar especificamente isso na naturologia. No
caso da dissertação de Hellmann (2009), que na época era vice-coordenador do curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, seu principal propósito era adequar o
ensino de naturologia às diretrizes bioéticas para se trabalhar com seres humanos, atendendo
aos atos normativos do Conselho Nacional de Saúde. No caso da tese de Silva (2012), que na
época era professora de naturologia na Universidade Anhembi-Morumbi, é notada uma busca
por legitimar o discurso dos naturólogos de que a naturologia seria uma nova ciência pautada
na complexidade. No caso da etnografia de Teixeira (2013), até pelo método adotado, a
concepção êmica dos naturólogos sobre eles mesmos é a tônica de sua produção final.
Além disso, meu estudo apresentou dados empíricos de que 51,7% dos naturólogos se
consideraram nominalmente novaeristas, independente do ano em que se formaram ou do
sexo (STERN, 2015a, p. 124-125). Além disso, 68,1% dos bacharéis em naturologia que não
mais trabalhavam na área declararam que não se reconheciam como novaeristas ou não
sabiam o que é o movimento da Nova Era (p. 126). Tais resultados indicaram uma possível
relação entre a identidade novaerista e a permanência profissional dos naturólogos brasileiros,
algo inédito até então.
36
O sexto trabalho é uma proposta de Ana Luisa Prosperi Leite ao VI Fórum Conceitual
de Naturologia, evento no qual eu também estive presente. Essa foi nossa última participação
em um congresso organizado pela própria naturologia. Após esse evento, o fator de tensão
com os naturólogos (cf. p. 25 da introdução dessa tese) tornou-se muito alto, e então passamos
a não mais socializar nossas pesquisas nos meios da própria naturologia, priorizando os meios
da ciência da religião.
Nesse texto de Leite (2015), intitulado “Uma breve reflexão acerca da ótica de
cosmovisão a partir de Apostel e Van der Veken e suas possíveis contribuições para a
naturologia”, a autora defende que a naturologia possui uma cosmovisão diferente a de outras
profissões da área da saúde (p. 37). Pela polissemia do termo “cosmovisão”, Leite adota a
proposta dos filósofos Leo Apostel e Jan Van der Veken, referencial teórico do qual ela teve
acesso durante o seu mestrado em ciência da religião e que, segundo ela, “passaram a se
aprofundar na conceituação sobre cosmovisões com o objetivo de, a longo prazo,
contribuírem para a formação de uma cosmovisão cientifica integral” (p. 38).
Sua proposição para a naturologia é apresentar as seis perguntas que pautam uma
cosmologia e suas disciplinas filosóficas correspondentes, “objetivando puramente o inicio de
uma exploração que possa se desenrolar em pesquisas e aprofundamentos para a Naturologia”
(LEITE, 2015, p. 41). A seguinte tabela, extraída de seu texto, sintetiza a sua discussão:
PERGUNTA DISCIPLINA
1. O que é? Ontologia (modelo da realidade)
2. De onde vem? Explicação (modelo do passado)
3. Para onde estamos indo? Predição (modelo do futuro)
4. O que devemos fazer? Axiologia (teoria dos valores)
5. Como devemos agir? Praxeologia (teoria das ações)
6. O que é verdadeiro e o que é falso? Epistemologia (teoria dos conhecimentos)
Além dessas perguntas presentes na teoria, Leite apresenta duas outras: (1) “Por onde
começamos a responder a tais perguntas?”, e (2) “Qual contribuição poderá surgir da reflexão
de uma cosmovisão naturológica?” (LEITE, 2015, p. 40). Longe de respondê-las, Leite
convida os naturólogos à reflexão da naturologia pelo modelo apresentado. Embasada na
37
etnografia de Teixeira (cf. 2013), a autora afirma: “ainda há muito para ser perscrutado sobre
as noções que embasam a Naturologia; e não só isto, ainda há muito a se apurar sobre o que
nós [naturólogos] compreendemos sobre nosso mundo” (LEITE, 2015, p. 41).
O sétimo trabalho se trata de um texto publicado nos anais do II Simpósio
Internacional da ABHR. Intitulado “Interfaces entre a ‘relação de interagência’ da naturologia
brasileira e as concepções de cura no movimento da Nova Era”, é um recorte da minha
dissertação. Vejo hoje vieses nesse texto. Conforme o fator de tensão com os naturólogos
ficou mais forte para com pesquisas advindas da ciência da religião, os cientistas da religião
que pesquisam naturologia passaram a ter as vias de acesso à naturologia dificultadas. Assim,
houve uma tentativa minha de registrar esse momento pelo qual eu passei, com desabafos na
introdução (STERN, 2016, p. 1) tanto quanto na conclusão (p. 10-11). É um texto, nesse
sentido, cuja passionalidade pode ser considerada inapropriada para a academia.
Salvo as questões pessoais, esse paper demonstra similitudes entre a concepção de
saúde dos meios novaeristas e a principal categoria êmica da naturologia brasileira: a relação
de interagência. A primeira seção apresenta as concepções novaeristas de saúde, utilizando
como referencial Wouter J. Hanegraaf, Leila Amaral, Anthony Albert Fischer D’Andrea,
Robert C. Fuller e François Laplantine. As seguintes características são elencadas: (1)
holismo, abordagem multidimensional que considera o físico, o psicológico e o espiritual; (2)
a ligação entre cura e crescimento pessoal; (3) a crítica ao cartesianismo, entendido como
“velha ciência” pelos novaeristas; (4) o apelo à simbologia quântica, entendida como “nova
ciência” pelos novaeristas; e (5) a horizontalização da relação terapeuta-paciente, que
simbolicamente isenta do terapeuta a responsabilidade pela cura do terapeutizado2.
Na seção seguinte, as definições de relação de interagência são discutidas. Inicio
narrando a história de sua institucionalização no curso da Universidade do Sul de Santa
Catarina em 2001 (STERN, 2016, p. 6), com a posterior adoção da nomenclatura também
pelo curso de naturologia da Universidade Anhembi-Morumbi (p. 7). Então destaco citações
diretas dos próprios naturólogos, relacionando o que eles falam sobre a relação de
interagência com as cinco características da saúde na Nova Era, apresentadas na seção
anterior. São em especial demonstradas ligações com a noção de holismo, de crescimento
pessoal como atrelado à cura, e a busca por uma relação terapêutica horizontal. É justamente
por isso que o termo “interagente” é utilizado. Conforme explico nesse trabalho, os
2
A relação de horizontalidade que minimiza a responsabilidade do terapeuta acontece de forma específica
nesse contexto. Existem outras linhas de pensamento na saúde, até mesmo influenciadas pela Nova Era, mas que
trabalham com uma relação terapêutica mais horizontal sem que seja retirada a corresponsabilidade do terapeuta.
38
naturólogos preferem essa palavra por dois motivos: (1) eles acreditam que se o terapeutizado
não tiver um papel ativo em seu tratamento, não será curado, e (2) eles o utilizam como critica
à nomenclatura “paciente”, que consideram relacionada à passividade.
O oitavo trabalho foi apresentado no I Seminário de Ciência da Religião Aplicada. É
uma proposta de atuação para cientistas da religião como docentes de disciplinas sobre
espiritualidade e saúde, recomendadas pela Organização Mundial da Saúde para as formações
da área da saúde desde a década de 1990. O texto fala sobre a naturologia porque ilustra, com
o caso do bacharelado da Universidade do Sul de Santa Catarina, como se deu o processo de
implantação dessa disciplina em sua matriz curricular e a contratação de um professor
cientista da religião (STERN, 2017b, p. 58-63). Por não se tratar de um estudo específico
sobre naturologia, utilizando esse curso apenas como exemplo, não lhe darei maior atenção.
O nono texto, “Concepções de energia na Nova Era: o caso da naturologia brasileira”,
é um artigo escrito por Silas Guerrieiro e eu, publicado na revista Caminhos. Trata-se de um
levantamento da produção êmica da naturologia que fala sobre “cura energética”, utilizando a
naturologia como um estudo de caso para a compreensão da categoria “energia” na Nova Era
(GUERRIERO, STERN, 2017).
Citado já na introdução da tese (cf. p. 13), esse artigo é dividido em quatro partes: (1)
uma seção que explica como a Nova Era, de modo geral, entende o conceito de energia, em
oposição ao entendimento da física, (2) uma seção que introduz o que a naturologia entende
sobre energia, (3) um levantamento de como os naturólogos fazem para “mensurar energia”
em suas terapias, e (4) uma discussão dos dados encontrados (GUERRIERO, STERN, 2017).
A noção de energia apresentada na naturologia gira em torno do que Amaral (2000, p.
65-67) chama de “xamanismo da Nova Era”, embora nem sempre os textos dos naturólogos
utilizem objetivamente a palavra “xamanismo”. Guerriero e Stern (2017) observaram uma
noção entre os naturólogos de que a energia teria paralelos com a física quântica e com a
consciência, em uma lógica de que terapias energéticas seriam terapias que trabalhariam
estados quânticos de consciência. A expansão da consciência, portanto, seria o próprio
objetivo terapêutico nesses contextos e um indicativo de que a terapia energética deu certo.
Como a naturologia brasileira se considerou por anos baseada no tripé medicina
chinesa, āyurvéda e medicina xamânica – como citado na introdução dessa tese (cf. p. 14) –,
técnicas tradicionais de avaliação da medicina chinesa e āyurvéda foram encontradas. Além
delas, muitas técnicas nativas ou popularizadas pela Nova Era, como a iridologia (avaliação
através da íris), a avaliação de cakras (que embora indiana, não tem relação com a āyurvéda),
a radiestesia (leitura de supostas radiações emitidas pelos seres vivos), fotografia Kirlian
39
Seus dois primeiros capítulos são mais históricos. O primeiro apresenta a cronologia
da relação complexa entre terapias alternativas e ciência, abordando a própria história da
ciência, o processo de cientificação da medicina hegemônica e a resposta contracultural das
terapias holísticas. Já o segundo capítulo define o que é naturologia, apresentando tanto os
discursos dos próprios naturólogos sobre sua ocupação quanto o histórico da área e sua
trajetória política (LEITE, 2017).
No terceiro e quarto capítulo, Leite se debruça sobre o objeto da dissertação, que foi
definido como o “entremear entre ciência e religião nos discursos da Naturologia” (LEITE,
2017, p. 18). Ao invés de definir a naturologia como religião, Leite a apresenta como um
campo limítrofe, cujo intercâmbio entre axiomas científicos e saberes religiosos se dão de
forma orgânica e, muitas vezes, sem a devida consciência de seus agentes. Leite separa as
influências religiosas que aparecem no discurso naturológico em cinco grupos: (1) āyurvéda,
(2) medicina chinesa, daoísmo e confucionismo, (3) neoxamanismo, (4) ciência da Nova Era,
e (5) esoterismo e Nova Era. Ao passo que no terceiro capítulo Leite apresenta as definições
acadêmicas para cada uma dessas cinco categorias, no último ela demonstra, elencando
citações diretas dos próprios naturólogos, como cada uma dessas cinco dimensões se articula
na construção do saber naturológico (LEITE, 2017).
Especificamente sobre o xamanismo da naturologia, esse é um dos pouquíssimos
trabalhos acadêmicos de fora da naturologia que discutem a temática. Contudo, Leite (2017)
esteve mais preocupada em explicar o que é xamanismo e neoxamanismo em si, não
apresentado as categorias êmicas do xamanismo naturológico com maior detalhamento. De
qualquer modo, a pesquisadora introduz dados interessantes ao estado da questão. Além de
identificar que no meio naturológico o xamanismo sempre é tratado de forma singular e
monolítica, suas conclusões foram de que enquanto a categoria xamanismo é tradicionalmente
vista na academia como um complexo étnico sociocultural que abarca um sistema religioso,
aquilo que os naturólogos chamam de xamanismo bebe de diversas fontes geograficamente e
etnicamente muito distintas, como leituras novaeristas do budismo, do daoísmo, do
hinduísmo, do esoterismo, e de ritos pré-cristãos da Europa, mesclando-as a interpretações
transculturais de cosmologias indígenas e de saberes modernos como a física quântica e a
psicologia transpessoal. Assim, sem se remeter a uma tradição específica, o xamanismo
naturológico utiliza, segundo ela, diversas referências religiosas bastante distintas, sendo uma
bricolagem cultural que se apresenta como algo tradicional.
Nas considerações finais, Leite conclui que “a Naturologia é um campo entremeado de
saberes religiosos e científicos que, contudo, vem sendo retratado somente através de sua
42
interface científica” (LEITE, 2017, p. 171). Isso se dá, como ela e outros autores anteriores já
tinham observado, pela busca de reconhecimento e legitimação social, além de um desejo pela
regulamentação da profissão do naturólogo perante os pares das outras ocupações da saúde.
No entanto, Leite considera que há um risco nisso. A construção de um discurso próprio, que
dê sentido aos pressupostos naturológicos, ainda não foi convincentemente elabora fora do
contexto novaerista, ou ainda dentro de uma chave puramente científica. Assim, ela pondera
que “é importante à Naturologia a percepção de que o encontro acrítico com os saberes
médicos podem [sic.] custar a própria identidade da Naturologia, levando-a não para uma
nova ciência, mas uma diluição de seus pressupostos e reivindicações” (p. 171-172).
O último texto é um pequeno artigo escrito por mim e Ana Luisa Prosperi Leite em
resposta ao aumento do fator de tensão com os naturólogos frente às nossas pesquisas.
Intitulado “Questões postas aos naturólogos pela ciência da religião”, foi publicado pela
REVER: Revista de Estudos da Religião, em dezembro de 2017. O texto foi pensando
originalmente como uma comunicação para o Fórum Conceitual de Naturologia. Acabou
sendo recusado pela comissão científica do evento, sob a justificativa de que fugia ao tema do
encontro daquele ano.
O artigo apresenta sucintamente a ciência da religião e a teoria de Michael Pye sobre o
fator de tensão com os fiéis (STERN, LEITE, 2017, p. 169-170), fazendo um breve resumo do
histórico das produções sobre naturologia pela ciência da religião (p. 170-174). Localizando
esses estudos nas duas fases da teoria de Pye, identifica o ponto de virada no qual as pesquisas
sobre a naturologia pela ciência da religião rompem o limiar da fase analítica, passando a
apresentar resultados que começaram a gerar conflito com os naturólogos.
O texto é escrito dialogando com os pontos que Pye considera serem os mais comuns
na origem de tensão com os fiéis, citados na p. 26 da introdução dessa tese. Esse diálogo é
pautado em uma comparação entre os discursos oficiais dos cursos e associações de
naturologia e o que foi identificado pelos estudos sobre a naturologia na ciência da religião.
Então, uma série de questionamentos é apresentada (STERN, LEITE, 2017, p. 174-176).
Embora ambos sejamos bacharéis em naturologia, nessa produção nos colocamos como
cientistas da religião, e dizemos que “sobre todas essas questões aqui levantadas, ressaltamos
que não possuímos as respostas. Somente a naturologia, a partir do esforço conjunto de seus
profissionais, poderá ditar os próximos passos em relação a elas” (p. 176-177).
Dentre os questionamentos levantados, estão perguntas sobre a população real de
bacharéis em naturologia no Brasil, que comprovamos estar inflacionada no dossiê elaborado
pela Sociedade Brasileira de Naturologia (STERN, LEITE, 2017, p. 175), sobre o
43
2. LEITE, Ana Luisa Prosperi; WEDEKIN, Luana Maribele. Narrativas mitológicas sobre
processos de morte simbólica. Último Andar, São Paulo, n. 25, p. 57-76, 2015.
4. STERN, Fábio L. Escala de adesão dos ideais do movimento da Nova Era: aplicação em
naturólogos brasileiros. In: SIMPÓSIO NACIONAL DA ABHR, 14., 2015c, Juiz de Fora.
Anais eletrônicos…
6. LEITE, Ana Luísa Prosperi. Uma breve reflexão acerca da ótica de cosmovisão a partir de
Apostel e van der Veken e suas possíveis contribuições para a naturologia. In: Fórum
Conceitual de Naturologia, 6., 2015, São Paulo. Anais eletrônicos…
10. STERN, Fábio L.; MOREIRA, Andrei Mendes. Mitologia como terapia: o caso da
naturologia. Debates do NER, Porto Alegre, v. 1, n. 37, p. 199-226, 2017.
12. LEITE, Ana Luisa Prosperi. Naturologia, religião e ciência: entremeares da construção
de um campo. 2017. 184 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) – Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2017.
13. STERN, Fábio L.; LEITE, Ana Luisa Prosperi. Questões postas aos naturólogos pela
ciência da religião. REVER: Revista de Estudos da Religião, São Paulo, v. 17, n. 3, p.
167-179, 2017.
SOBRE NEOXAMANISMO
3
Segundo Russell e Alexander (2008), as raízes históricas mais remotas ao que hoje é conhecido como
neopaganismo são do Romantismo do século XIX.
46
rituais, e o fato de que a maioria dos participantes que compareceram a esses rituais fazia
parte do próprio grupo organizador da atividade.
O segundo texto é um artigo publicado por Andréa Caselli Gomes em 2013 na revista
Paralellus, do PPG em ciências da religião da Universidade Católica de Pernambuco. Esse
estudo teve como foco a utilização do xamanismo no Brasil no contexto do neopaganismo, ou
seja, na apropriação de saberes indígenas por contextos urbanos. A autora diz que foi somente
a partir da década de 1980, com o advento da Nova Era e o cultivo das espiritualidades
esotéricas, que “o xamanismo foi identificado como uma atividade possível de ser absorvida
pela realidade sociocultural brasileira” (GOMES, 2013, p. 200). Dentre os motivos que
levariam a esse aumento do xamanismo nas sociedades urbanas, Gomes lista as carências da
sociedade urbana contemporânea, a falta de senso de pertencimento, a ausência de ritos de
passagens, e o distanciamento da natureza e de si mesmo ocasionados pela pós-modernidade
(p. 202).
Além disso, Gomes apresenta uma definição de xamanismo evolucionária, indo na
contramão das pesquisas atuais da ciência da religião, que tendem a não mais classificar as
religiões em uma escala que vai do mais primitivo ao mais desenvolvido. Para ela, o
xamanismo é a primeira religião do mundo – uma crença, aliás, corriqueira no meio êmico do
neopaganismo. Sem um referencial historiográfico que sustente tal declaração, a pesquisadora
também diz que as espiritualidades xamânicas influenciaram diretamente o paganismo e o
panteísmo (GOMES, 2013, p. 200). Nesse sentido, pautando-se em especial em Mircea Eliade
e Ken Wilber, faz um paralelo entre o sacerdote neopagão e o xamã (p. 201).
Essa acadêmica também considera que todas as religiões do mundo possuem traços de
xamanismo, visto que “há a oportunidade de encontrar o xamanismo no interior de um
número considerável de religiões, pois ele é uma técnica do êxtase à disposição e constitui, de
algum modo, a mística da religião” (GOMES, 2013, p. 201). No caso da relação entre
neopaganismo e neoxamanismo, ela frisa em especial uma suposta utilização, entre os xamãs
urbanos, de um calendário sagrado pautado nas estações do ano e fases da lua, que misturaria
o calendário religioso da wicca com datas festivas católicas e de religiões afro-brasileiras (p.
202).
Seu objeto é claramente neoxamânico, embora o termo “neoxamanismo” seja pouco
utilizado em sua escrita. Gomes entrevista a criadora da Ordem Xamânica Buscadores da
Divina Luz, em Recife, e também outros sujeitos de pesquisa que se apresentam como xamãs
urbanos recifenses. Além disso, assume como método de coleta a observação participante
47
imaterial (DIAS, 2015). A dissertação foi organizada em três capítulos, sendo o terceiro
aquele em que a autora, de fato, desenvolve seu objetivo principal. A questão do
neoxamanismo, especificamente, é apenas mencionada para dizer que alguns acadêmicos
classificam os novos movimentos religiosos que utilizam a aya’waska como formas de
neoxamanismo (p. 60, 101, 135). Nesse sentido, também é um trabalho que pouco acrescenta
ao estado da questão, motivo pelo qual não me aprofundarei em sua discussão.
O quinto trabalho é outro artigo de Daniela Cordovil, publicado na REVER: Revista
de Estudos da Religião, do PPG em ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo. É um estudo que tem como objetivo apresentar a difusão de religiões novaeristas
em Belém, no Pará (CORDOVIL, 2015). Desta forma, não tem o neoxamanismo como objeto
central, mas aborda a temática.
Na introdução, Cordovil (2015, p. 127) apresenta o movimento hippie, um dos
principais braços da Nova Era nos Estados Unidos, como um dos grandes responsáveis pela
popularização dos xamanismos nativo-americanos. A autora descreve Carlos Castañeda como
o grande difusor do neoxamanismo, possuindo hoje adeptos em contextos urbanos tanto
brasileiros quanto mundiais. E então, ao apresentar seu estudo em Belém, Cordovil diz que
esse campo religioso é formado por um misto da pajelança cabocla amalgamada a práticas de
catolicismo popular, religiões afro-brasileiras e manifestações neoesotéricas (p. 128).
Ao longo de seu texto, quando volta a tocar especificamente na questão do
neoxamanismo, Cordovil (2015, p. 131) cita estudos anteriores que indicavam traços
novaeristas ou de uma espiritualidade sincrética nos xamanismos da Baía de Marajó. Cita, em
especial, duas xamãs urbanas paraenses: Rosa Azul, mulher belenense que abandona a vida
urbana para viver em um sítio em Colares na década de 1970, local que acabou se tornando
centro de peregrinação a adeptos de movimentos alternativos e buscadores de curas holísticas,
e Zeneida Lima, cujo trabalho foi tema de um enredo de escola de samba carioca em 1999 e
de um filme de Tizuka Yamasaki.
O sexto trabalho é um artigo assinado por Daniela Cordovil e Dannyel Teles de
Castro, publicado em 2015 na PLURA: Revista de Estudos da Religião. Intitulado “Urbe,
tribos e deuses: neopaganismo e o espaço público em Belém”, trata-se de uma etnografia dos
grupos neopagãos belenenses. O artigo se destaca por classificar o neoxamanismo como uma
forma de neopaganismo (p. 117), assim como foi feito na dissertação de Bezerra (cf. 2012),
mencionada anteriormente.
Dentre os oito grupos analisados nessa pesquisa, consta um de neoxamanismo: a
comunidade de Flori Jácamo, representante do Caminho Vermelho, linhagem neoxamânica
49
estadunidense. Esse grupo é descrito por Cordovil e Castro (2015, p. 127) como focado na
espiritualidade feminina através do culto a Tonāntzin. Como explicado em outra pesquisa, “na
mitologia asteca, Tonantzin é um título genérico empregado para designar as deidades
femininas. O título refere-se particularmente à ‘mãe terra’” (ROSE, 2010, p. 32). Nesse
sentido, deusas astecas tão diversas quanto Cōātl’īcue, Tēteoh Īnnān, Chicomecōātl, Tocih,
Tlālli Īyōlloh e Cihuācōātl acabam por receber o epíteto. Mas a presente etnografia apontou
que a comunidade de Flori Jácamo cultuava Tonāntzin como uma deusa única, identificando
por esse título uma deidade singular que representaria monoliticamente a grande mãe terra
andina (CORDOVIL, CASTRO, 2015, p. 127). Uma explicação mais detalhada das práticas é
apresentada:
Apesar do foco no feminino, essa etnografia também identificou momentos nos quais
a participação masculina é permitida. Esse trabalho com os homens, que é classificado como
“mais abrangente”, é descrito como possuindo influências da União do Vegetal, da teosofia e
do neoxamanismo, com rituais privados para a invocação ao deus sol, à deusa lua e aos
espíritos da natureza (CORDOVIL, CASTRO, 2015, p. 127).
Essa pesquisa também identificou a influência do neoxamanismo em covens wiccanos
de Belém, em especial no coven Anan Cara, liderado por Filipe Almeida e Michele Andrade.
Cordovil e Castro (2015, p. 124-125) declaram o seguinte: “percebemos forte influência
xamânica nos rituais desse grupo, com danças circulares indígenas, entoação de cânticos
sagrados das tradições xamânicas da América Latina, toque de tambor xamânico e flauta”.
Esse coven teria adquirido tal característica por Almeida ter feito, durante um ano, viagens
pela América do Sul em busca de experiências xamânicas com plantas enteógenas como
wachuma, aya’waska e peiote. Após isso, ele teria mesclado essas vivências aos seus rituais
wiccanos para incitar os participantes de seu grupo a trabalhar o corpo, elevando a energia em
busca do êxtase (p. 125).
O sétimo trabalho é o mesmo artigo ipsis litteris, mas agora publicado em outro
veículo (CASTRO, 2015). Nesse sentido, trata do que já foi mencionado anteriormente: o
neoxamanismo é descrito como uma forma de neopaganismo (p. 289), apresenta as
50
influências xamânicas do coven wiccano Aman Cara (p. 296), e os rituais neoxamânicos da
comunidade de Flori Jácamo (p. 298).
O oitavo texto é um artigo de Ana Luisa Prosperi Leite publicado na revista Último
Andar em 2016. Intitulado “Neoxamanismo na América Latina”, é um estudo crítico do livro
“Variaciones y Apropriaciones Latinamericanas del New Age”, organizado por Renée De La
Torre, Cristina Gutiérrez Zú iga e Nahayeilli Juárez Huet. Leite (2015, p. 207) declara que a
análise dessa obra teve como foco o processo de tradução das cosmovisões xamânicas
tradicionais latino-americanas pelo advento do movimento da Nova Era.
Utilizando De La Torres como principal referencial teórico, Leite (2015, p. 207)
apresenta uma distinção entre neoxamanismo, neoxamã e neoíndio que é bastante útil à
ciência da religião. A autora define neoxamanismo como o processo de mercantilização dos
saberes indígenas tradicionais, visando à demanda de mercado gerada pelos buscadores
espirituais da Nova Era. Por neoxamã ela entende os próprios buscadores que, após receberem
ensinamentos pontuais de fontes étnicas, passam a competir com os xamãs tradicionais ao se
considerarem elevados ao mesmo posto que eles. E neoíndios são por ela descritos como os
buscadores que, uma vez iniciados, passam a reclamar uma herança étnico-espiritual para
recriar tradições que são entendidas por eles como resgates de memórias negadas.
As etnografias descritas no livro indicam que as pessoas chegam ao neoxamanismo
através de literatura da psicologia (em especial psicologia transpessoal e junguiana), ciência
da religião, antropologia, mitologia comparada e livros de Carlos Castañeda, o que faz com
que os buscadores espirituais tenham uma imagem romantizada dos indígenas. Isso é
corroborado nas falas dos participantes, que descrevem referências a uma vida selvagem em
harmonia com a natureza, em contato constante com o reino espiritual e com a mãe terra
(LEITE, 2015, p. 208-209). Mas Leite esclarece que embora a terra seja celebrada no
neoxamanismo como uma entidade feminina bondosa, que fornece nutrição, proteção,
generosidade e abundância, tal imagem não corresponde à dos grupos tradicionais. Muitas
deusas terra pré-colombianas hoje popularizadas no neoxamanismo (p. ex. Pachamama,
Cōātl’īcue) eram temidas divindades da morte (p. 211, 214-215). Além disso, são encontradas
também menções à terra como uma deidade masculina entre vários povos americanos (p. ex.
Tlalte’cuhtli, Tezcatlipōca, Ao Ao, Trengtreng-Filu).
Leite também identificou na apropriação de saberes indígenas pelos xamãs urbanos
uma mescla de diversas culturas indígenas, tanto norte-americanas quanto latino-americanas,
alinhavadas por um eixo central pautado no esoterismo novaerista (LEITE, 2015, p. 209).
Além disso, também são mencionados reflexos do próprio processo de evangelização, notado
51
especial no contexto da Nova Era (OLIVEIRA, BOIN, 2017). Do ponto de vista teórico, eles
trabalham com a categoria “sagrado” substantivada, o que por vezes não deixa claro ao leitor
se os autores entendem “sagrado” e “religião” como sinônimos, e se não, quais seriam as
diferenças entre uma “experiência do sagrado” e uma “experiência religiosa”. Além disso, os
autores recorrem a grandes digressões em algumas comparações cujos critérios poderiam estar
mais bem explicados no artigo.
Sobre o interesse para essa tese, esse artigo não tem o neoxamanismo como objeto
central, mas assume que a Nova Era é eivada de apropriações culturais de diversas origens,
inclusive de origens indígenas (OLIVEIRA, BOIN, 2017, p. 345, 357). José Guilherme
Cantor Magnani é citado para dizer que no caso brasileiro, os novaeristas tenderam
historicamente a valorizar mais as culturas xamânicas estrangeiras do que os povos indígenas
do país, o que faz com que os autores classifiquem as vivências neoxamânicas como “práticas
culturais desterritorializadas” (p. 350).
Pautados em Beatriz Caiuby Labate, definem neoxamãs como “brancos que formulam
novas religiosidades a partir do suposto arcabouço do xamanismo indígena” (OLIVEIRA,
BOIN, 2017, p. 353). Nesse sentido, aproximam-se de Leite (2016) no sentido de que o
neoxamanismo seria a transformação de saberes nativos em bens de consumo para os
buscadores espirituais da Nova Era. Entretanto, eles exploram melhor a questão da
terapeutização desses saberes (OLIVEIRA, BOIN, 2017), algo não enfatizado no artigo de
Leite (2016).
Por fim, o último texto é um artigo de Dannyel Teles de Castro, publicado na revista
Diversidade Religiosa do PPG em ciências das religiões da Universidade Federal da Paraíba.
Trata-se de um estudo empírico sobre neodruidismo e reconstrutivismo celta por pesquisa
participante com o grupo paraense Clann an Samaúma (CASTRO, 2017). Nesse texto o autor
apresenta quase nada sobre o neoxamanismo em si, citando apenas em passagens muito
pontuais que alguns autores consideram o neodruidismo uma forma de neoxamanismo celta
(p. 46), e que algumas técnicas xamânicas foram apropriadas pelo neopaganismo (p. 52).
6. CORDOVIL, Daniela; CASTRO, Dannyel Teles de. Urbe, tribos e deuses: neopaganismo
e o espaço público em Belém. PLURA: Revista de Estudos da Religião, v. 6, n. 2, p. 116-
139, 2015.
8. LEITE, Ana Luisa Prosperi. Neoxamanismo na América Latina. Último Andar, São
Paulo, n. 26, p. 204-217, 2016.
10. CASTRO, Dannyel Teles de. A festa das almas: o culto aos ancestrais no neopaganismo.
Último Andar, São Paulo, n. 28, p. 125-140, 2016.
11. SANTOS, Ricardo Assarice dos. A ciência da religião aplicada: uma experiência com
palestras e cursos livres. In: SEMINÁRIO DE CIÊNCIA DA RELIGIÃO APLICADA, 1.,
2017, São Paulo. Anais eletrônicos…
12. OLIVEIRA, Amurabi Pereira de; BOIN, Felipe. A pluralidade de experiências do sagrado
nas sociedades contemporâneas. Religare, João Pessoa, v. 14, n. 2, p. 343-362, 2017.
13. CASTRO, Dannyel Teles de. Entre carvalhos e samaúmas: a espiritualidade céltica
contemporânea entre a eco-religiosidade e a identidade regional. Diversidade Religiosa,
João Pessoa, v. 7, n. 1, p. 34-59, 2017.
55
CAPÍTULO 2
A IMPLANTAÇÃO DO XAMANISMO NO ENSINO DE NATUROLOGIA
adequar a naturologia ao formato padrão para os cursos da área da saúde, um segundo ideal
emergiu. As disputas entre esses dois projetos de curso são o principal motivo pelo qual o
xamanismo foi inserido nessa formação: durante o período de maior poder das concepções
biologistas, a adoção das medicinas tradicionais – e portanto do xamanismo – ocorreram
como uma resposta de resistência dos docentes que acreditavam que o curso deveriam manter
o diálogo com o ethos Nova Era. Por fim, a última seção desse capítulo discutirá essas
relações de conflito entre as duas concepções de curso, apresentando o xamanismo da
naturologia enquanto receptáculo dos principais valores que passaram a ser questionados
pelas coordenações desse curso, que desejavam um viés mais biologista.
Quando se fala do movimento da Nova Era nos dias atuais, é importante ter em vista
alguns pontos. O primeiro dele, o principal motivo de confusão entre acadêmicos que
metodologicamente supervalorizam o discurso dos participantes da pesquisa, é que “‘Nova
Era’ era originalmente um termo êmico, mas agora ele é praticamente usado como um termo
ético” (GILHUS, 2014, p. 36, tradução minha). Os adeptos hoje do que outrora foi chamado
de movimento da Nova Era não se identificam mais sob essa alcunha, e muitos negam uma
identificação com a nomenclatura, preferindo termos mais vagos como “espiritualidade”.
Como tal, há pesquisadores que neguem que a Nova Era ainda exista, declarando que se trata
de uma categoria historicamente localizada, que teve seu ápice durante a década de 1970, mas
que hoje não constitui mais uma categoria útil para as humanidades.
No entanto, uma associação restrita ao movimento hippie, à contracultura e a uma
escatologia que prevê a aurora de um mundo idealizado, dentro dos moldes do que veio a ser
conhecido como “era de Aquário”, não é mais um quadro preciso daquilo que hoje
academicamente pode ser percebido como Nova Era. A cultura novaerista está atualmente
estruturada sobre um conjunto de valores que, em sintonia com interesses comerciais, foi
absorvido pela cultura mais ampla, após ter sido ressignificada e transformada em bens de
consumo não apenas aos buscadores espirituais, mas à população mais geral (HEELAS, 1994;
2008). Ainda que em sua gênese fossem mais característicos grupos sectários, anticapitalistas
e com visões de mundo e posturas milenaristas, hoje é possível encontrar valores e atitudes
precedentes da Nova Era manifestados cotidianamente por pessoas de distintas (ou ainda
nenhuma) pertenças religiosas (GILHUS, 2014, p. 36), as quais não possuem desejo de
57
rompimento com o capitalismo ou com a ordem vigente. Esse conjunto de valores difuso na
população constitui o ethos Nova Era.
A categoria ethos Nova Era foi proposta pela primeira vez pelo grupo de pesquisa
NEO – Novas Espiritualidades, registrado no CNPq e coordenado por Silas Guerriero,
professor do PPG em ciência da religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
Após discussões sobre o estado da questão, os pesquisadores membros desse grupo chegaram
à conclusão de que aquilo que outrora foi identificado como o movimento da Nova Era nas
décadas de 1970 e 1980 não é mais reconhecido por esse nome. Contudo, seus principais
valores ainda se encontram de modo difuso na sociedade, inclusive no meio das religiões
tradicionais.
Dois textos introdutórios foram produzidos sobre o tema (cf. GUERRIERO et al.
2016; GUERRIERO, STERN, BESSA, 2016), e posteriormente a discussão sobre a presença
desse ethos na sociedade brasileira foi aprofundada em um artigo de Guerriero (2018). Esses
textos, conforme identificado por Guerriero (2018, p. 226), são pautados em uma leitura
preliminar de Hanegraaff (1996, cap. 5; 2005), quem distingue Nova Era stricto sensu de
Nova Era lato sensu. A Nova Era stricto sensu se relaciona mais proximamente com a noção
de “era de Aquário”, cujas atividades e reflexões giravam em torno da aspiração por um
mundo ideal, no qual o materialismo seria substituído por uma visão unitarista. As sociedades
alternativas novaeristas surgiram nesse contexto, em uma tentativa de antecipar essa utopia. Já
Nova Era lato sensu está mais voltada à preocupação pela transformação psicológica das
pessoas, carregando a espera pelo mundo ideal apenas no nome. Conforme seus simpatizantes
passaram a se comunicar com outros movimentos alternativos, paulatinamente perderam os
ideais milenaristas da “era de Aquário”. Esse sentido mais amplo da Nova Era está menos
associado à contracultura, gerando o que os pesquisadores brasileiros chamam de ethos Nova
Era. É ele que foi comodificado, ou seja, cujos bens religiosos foram transformados em bens
de consumo e passaram a ser vendidos enquanto produtos espirituais para a sociedade mais
ampla.
A palavra ethos deriva do grego antigo, e originalmente significava “hábito”,
“costume”, “disposição”. É a partir dela que se originou o termo ethika (“ética” em
português), traduzido ao latim por Cícero como moris, a raiz etimológica da palavra “moral”
(WHITNEY, 1911, p. 3855). A partir da metade do século XIX o termo começou a ser
empregado enquanto categoria acadêmica, relacionado aos costumes de um povo, e após
Bateson (2006 [1936]), adquiriu o significado mais amplamente utilizado hoje pela
antropologia.
58
Para Bateson (2006), ethos pode ser definido como “o espírito característico, a tônica
predominante dos sentimentos de um povo ou de uma comunidade; o ‘gênio’ de uma
instituição ou de um sistema” (p. 70), ou ainda “a expressão de um sistema de organização
culturalmente padronizado dos instintos e das emoções dos indivíduos” (p. 169). Estaria para
além do estrutural e pragmático – o eidos –, embora lhe seja fundamentalmente inseparável.
Esse autor dá grande ênfase ao emocional de uma comunidade ao falar de ethos, os “aspectos
afetivos padronizados” (p. 96), o “comportamento adequado” (p. 170), o que se espera que as
pessoas sintam e como elas devem expressar seus sentimentos. Isso inclui o que é motivo de
graça e o que deve ser tratado com seriedade, quando sorrir, quando chorar, como se portar
com os parceiros sexuais e, inclusive, como e com quem fazer sexo, além dos tabus e
interditos sociais. A fuga desse padrão seria recebida como um solecismo (p. ex. uma piada
inadequada, que causa constrangimento entre os ouvintes).
O ethos é o que determina a conduta em um grupo. Contudo, ele não passa incólume
aos membros, sendo retroalimentado pela tradição, como em um sistema circular. Bateson
(2006, p. 170-171) faz uma distinção entre ethos fortes e fracos, declarando que quanto mais
enraizado um ethos se encontra, maior será a predisposição para que tradições emirjam
paralelamente a ele. Isso significa que os comportamentos sociais são fruto do ethos (parecem
adequados) tanto quanto são fruto das tradições (gerações anteriores fazendo o mesmo). Em
outras palavras, ethos e tradição se autojustificam.
A partir de Geertz (2008 [1973]), a proximidade do termo com a religião foi
aprofundada, e ethos passou a ser descrito como algo que sintetiza os símbolos religiosos.
Esse autor descreve uma correlação entre o ethos (emocional) e a visão de mundo (racional),
dizendo que o ethos permite à visão de mundo tornar-se emocionalmente convincente, ao
mesmo tempo em que o ethos se torna intelectualmente razoável por representar o tipo de
vida ideal prescrito pela visão de mundo (GEERTZ, 2008, p. 67). Isso significa que ao
falarmos de ethos, estamos falando de concepções emocionais, crenças coletivas, ideais
comunitários, valores e comportamentos que assumem uma aura de realidade, ou seja,
parecem ser verdadeiras e lógicas por reafirmarem a visão de mundo em que se acredita.
Essa discussão preliminar é mister ao tema aqui abordado porque os novaeristas
possuem uma concepção muito própria de realidade, a qual eles tendem a declarar ser
científica. Esse clamor pela legitimidade científica é uma característica forte do ethos Nova
Era, porque a cosmologia novaerista é pautada na modernidade, baseada em uma visão de
mundo na qual a ciência – e não a religião – é a grande legitimadora social da verdade
(HANEGRAAFF, 2017, p. 408).
59
compromisso é para com a sua busca particular, e não com uma instituição específica. Mas
assim como Campbell (1972, p. 128-129) também notou que uma minoria das pessoas que
integram esse cultic milieu precisa, de alguma forma, se comportar como adeptas para ofertar
os bens religiosos desse meio, os pesquisadores brasileiros também chegaram à conclusão de
que é possível falar de novaeristas de “tempo integral” e novaeristas de “tempo parcial”1
(GUERRIERO et al., 2016, p. 27). Em outras palavras, embora haja pessoas engajadas
(novaeristas de “tempo integral”), a maioria dos novaeristas teria uma fraca adesão,
caracterizada por uma curiosidade por práticas esotéricas de modo geral, mas que não se
comprometem com os grupos dos quais usufruem os bens religiosos (novaeristas de “tempo
parcial"). Como tal, quase ninguém se reconhece objetivamente como “novaerista” ou sob
alguma variação do rótulo “Nova Era” ou “New Age”.
Além disso, Guerriero e colaboradores (2016, p. 27-28) citam que embora seja
possível observar alguma organização em redes, centros integrados, espaços individualizados,
pontos de vendas e formas de sociedades no ethos Nova Era, grosso modo é notada grande
instabilidade organizacional e trânsito fluido de buscadores entre os diferentes grupos. O
caráter mutante e eclético da Nova Era, além de ausência de lideranças formais e textos
sagrados que sejam compartilhados por todos, contribui para isso. Como grande parte do
ethos Nova Era foi cooptado pela lógica capitalista, existe também uma questão de mercado
que faz com que os ritos da Nova Era se deem em formatos “vendáveis” para o consumo da
religião, como cursos, simpósios, oficinas de finais de semana, vivências e retiros.
Será notado, conforme a institucionalização das aulas de xamanismo no curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina for sendo descrita a seguir, que o ethos
Nova Era operou importante influência tanto no início do curso de naturologia em si como
também nessa implantação.
1
A principal referência dos autores para essa discussão é Heelas (1994, p. 98).
62
Isso leva a uma série de manipulações de dados e tentativas de fabricar uma história
higienizada da naturologia no Brasil, algo que é em especial corriqueiro entre as publicações
do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina. Um exemplo a ser citado é o número de
naturólogos formados no Brasil, que o atual coordenador do curso da Universidade do Sul de
Santa Catarina inflacionou para 2.000 em um artigo que coassina (cf. CONCEIÇÃO,
RODRIGUES, 2011). Uma pesquisa documental posterior das atas de colação de grau da
Universidade do Sul de Santa Catarina e da Universidade Anhembi-Morumbi – as únicas duas
instituições brasileiras com cursos de naturologia reconhecidos pelo MEC –, tanto quanto o
senso do ensino superior demonstram que o número apresentado nesse artigo é muito maior
que a realidade da época: em 2011 não havia mais do que 930 bacharéis em naturologia no
Brasil (STERN, 2018, p. 57). Outro exemplo é demonstrado por uma leitura comparada entre
textos da Universidade do Sul de Santa Catarina e da Universidade Anhembi-Morumbi sobre
a história da naturologia no país. Ao passo que os acadêmicos advindos da Universidade
Anhembi-Morumbi tendem a reconhecer que o primeiro curso superior brasileiro de
naturologia foi a formação das Faculdades Integradas Espírita (p. ex. VARELA, CORRÊA,
2005; SILVA, 2012; 2013; PASCHUINO, 2014), no geral os livros editados pela
Universidade do Sul de Santa Catarina a colocam como protagonista da criação da primeira
graduação no país (p. ex. HELLMANN, WEDEKIN, 2008; HELLMANN, WEDEKIN,
DELLAGIUSTINA, 2008; RODRIGUES et al. 2012).
O curso da Universidade do Sul de Santa Catarina também é mencionado por ter
censurado determinados temas em sala de aula ao longo de sua história, proibindo professores
e estudantes de discutirem certos assuntos, ferindo a liberdade de cátedra com ameaças de
demissão de docentes e de punição e perseguição a estudantes que não aceitassem tais vetos.
Isso foi citado pelos entrevistados dessa tese, conforme será demonstrado ao longo desse
capítulo, e também nos faz questionar até que ponto a história oficial produzida pela
Universidade do Sul de Santa Catarina pode ser levada em conta em um trabalho acadêmico
que planeje apresentar a história da naturologia.
O apagamento de determinados discursos na naturologia brasileira – em especial os
discursos mais espiritualizantes e inclinados ao ethos Nova Era – foi mencionado por Teixeira
(2013), Leite (2017) e Stern e Leite (2018). Em uma tentativa de apresentar a naturologia
como possuindo um rigor científico maior do que ela de fato possui, as coordenações dos
cursos e associações de naturologia no Brasil usualmente mascaram seu perfil, declarando que
suas práticas estão em consonância com amplas discussões da Organização Mundial da Saúde
e do Ministério da Saúde do Brasil sobre as práticas integrativas e as medicinas tradicionais.
64
(PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016). O curso foi inaugurado nesse novo formato
em 1998 na Universidade do Sul de Santa Catarina e passou a durar quatro anos e meio.
Essa primeira fase do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina foi fortemente
envolvida com os valores da Nova Era (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2011), algo
assumido até mesmo em um dos livros editados pela Universidade do Sul de Santa Catarina
(RODRIGUES et al. 2016, p. 13). Tanto os alunos quanto os professores buscavam em
literaturas dos grandes gurus da Nova Era (p. ex. Fritjof Capra, Deepak Chopra, Ken Wilber e
Amit Goswami) as explicações para as terapias com que trabalhavam. Havia grande
resistência ao método científico tradicional, que era tido como um modelo ultrapassado de
fazer ciência. Conforme notado nas entrevistas anexadas em Varela e Corrêa (2005), havia até
mesmo professores que consideraram que a naturologia nunca devia ter entrado na
universidade, posto que a academia não permite que o indivíduo “vivencie o processo”. Esse
discurso também foi observado em uma de minhas entrevistas (GOMES, entrevista pessoal,
11 nov. 2016).
Como reflexo, o período inicial desse curso foi marcado por baixa produção textual e
certa desorganização institucional. Uma das primeiras professoras dessa formação comentou
que os professores “tinham mania de fazer o plano de ensino de um jeito, mas na prática
ensinavam outra coisa” (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016). Outra professora fez o
seguinte comentário: “Não havia uma consistência no curso, a verdade é essa! [Era] um curso
que, eu tinha a impressão, atirava para todo o lado. […] Era uma coisa totalmente senso
comum” (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017).
Assim, o uso de radiestesia, astrologia, numerologia, cristais, danças circulares, terapia
de sonhos, psicologia transpessoal, pêndulos, ufologia, bioenergética, imposição de mãos,
leituras filosóficas da física quântica, autoajuda, abraçar árvores e discursos em chave
metafísica eram comuns. Inclusive, alguns professores levavam o tarô para trabalhar com os
alunos em suas disciplinas. Alguns estudantes também montavam, às vezes, altares dentro das
salas de aula para personalidades da Nova Era (p. ex. Rajneesh Osho ou os mestres da
Fraternidade Branca).
Na formação, as vivências eram mais enfatizadas que as pesquisas, e muitos professores
ofereciam oficinas de final de semana para aprofundar conteúdos específicos, usualmente em
forma de vivências. “Eles faziam muitos cursos fora, muitos encontros. De vez em quando no
corredor [do curso de naturologia, na Universidade do Sul de Santa Catarina,] estava cheio de
cartazes [de propaganda desses cursos]” (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
66
Grande parte do corpo docente também não possuía qualificação acadêmica específica,
tendo aprendido essas práticas em cursos livres ou buscas pessoais. “Eram pessoas que têm
hoje centros holísticos aqui e em vários países. Alguns convive[ram] com povos originais
pelo mundo a fora, como o Roberto [Marimon] fez. O Roberto veio deste caminho todo”
(GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017). Era comum que pessoas formadas em áreas
acadêmicas tão distintas quanto direito, filosofia ou letras fossem responsáveis, por exemplo,
por aulas sobre técnicas corporais, cromoterapia, medicina chinesa e cakras. “Muitos
professores não tinham formações acadêmicas naquela área, e sim [treinamento] de cursos de
finais de semana” (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
De acordo com Teixeira (2013, p. 24), em um primeiro momento “o ensino da
Naturologia foi pensado a partir da tríade arte, educação e saúde, onde estes elementos se
articulariam numa nova visão acerca da saúde, mais integral e ampliada”. Os primeiros
docentes “acreditavam profundamente na transformação da sociedade através da educação
diferenciada, baseados na qualidade de vida, integração, interdisciplinaridade, visão sistêmica
do ser, educação ambiental, filosofia, física quântica [sic.] e afeto” (RUBIN; DUARTE;
KATEKARU, 2009, p. 1). As próprias idealizadoras do curso, a farmacêutica Karen Berenice
Denez e a terapeuta holística Rosa Maria Londero da Silva Raupp, foram descritas como
simpatizantes da Nova Era pelos professores que entrevistei (WEDEKIN, entrevista pessoal,
11 jan. 2017; MEDEIROS, entrevista pessoal, 6 fev. 2017; GONÇALVES, entrevista pessoal,
7 fev. 2017).
Em uma entrevista de Raupp, que está anexada à monografia de Varela e Corrêa (2005,
p. 156-157), ela disse considerar importante categorias êmicas da Nova Era (p. ex. “energia
sutil”, a qual será mais bem discutida no próximo capítulo, cf. p. 98), e que acreditava que as
práticas da naturologia deveriam ser fundamentadas também em conhecimentos religiosos e
nas filosofias mundiais. Uma das minhas entrevistadas também identificou objetivamente os
primeiros professores do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina como
pessoas que “comungavam de um olhar mais transpessoal […], trazendo assuntos
diferenciados dos que a academia já comportava” (PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov.
2016). Aqui vale citar Hanegraaff (1996, p. 50-52), quem considera que o movimento
transpessoal é, justamente, uma das principais vertentes terapêuticas dos novaeristas, o
equivalente a uma psicologia da Nova Era.
Como a Universidade do Sul de Santa Catarina converteu a sua pós-graduação em uma
graduação com mais que o dobro da carga horária original às pressas, na prática seu projeto
pedagógico foi sendo construído conforme a primeira turma foi se formando. Não havia
67
indeterminada. Isto é verdadeiro, porém não consiste absurdo defendê-lo. Para que
uma naturologia não naturalista esteja em conformidade consigo mesma, ela mesma
deve ser natural, e não um conhecimento a ser construído como um edifício, que
possui uma lógica ou lei determinante: o método, em seu sentido positivista
(SILVA, 2008, p. 27-28).
No entanto, nem todos tinham resistência à ciência em si. Muitos professores desse
período inicial, como descreve Teixeira (2013, p. 107), reconheciam que a naturologia “quer
ser científica, mas quer uma nova ciência”, na qual “a espiritualidade não é descartada […],
mas é vista como mais um aspecto da abordagem integral que deve ser observada”. Isso
também apareceu nas falas de algumas professoras desse período inicial.
Uma ex-professora, que participou do curso desde a época que ele era uma
especialização, comentou o seguinte: “Se era para dar um novo tom, trazendo assuntos
diferenciados dos que a academia já comportava, evidente[mente] que entraria mais a crença
do que a cientificidade num primeiro momento. Agora não se queria ficar parado aí”
(PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Outra professora disse, ao abordarmos se o naturólogo seria um profissional científico,
que “um cientista é aquele que é capaz de trazer algo que a ciência desse mundo ainda
desconhece, através das suas pesquisas. Isso é ciência. O resto é cientificismo” (GOMES,
entrevista pessoal, 11 nov. 2016). Ao ser perguntada sobre como inserir na universidade
temas aos quais a academia geralmente tem aversão, ela respondeu:
O que já está construído, se parar não vai continuar caminhando. Tudo o que está aí
é hipótese, mas se não tiver alguém estudando uma hipótese, ela jamais vai poder ser
provada, experimentada. […] Ciência é só aquilo o que está laboratorialmente
provado? Não. Ciência é o experimento constante de que aquilo que não está
provado pode vir a ser. […] Está no irracional, no paradoxo muitas vezes, a grande
ciência e o grande conhecimento (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016).
O que observei é que o próprio corpo docente era muito inclinado às discussões pela
construção de um novo modelo científico, por grande resistência à ciência normal. Isso,
inclusive, gerou tensões com os profissionais que advinham de formações clássicas das
ciências da saúde, que estavam acostumados a uma metodologia baseada na medicina pautada
em evidência, de viés bioquímico e cartesiano. Uma das professoras comentou o seguinte:
“Poucos se importavam com essa parte fisiológica. Claro que eles consideravam, levavam em
conta, mas isso não fazia parte do metiê deles, ou dos cronogramas de disciplinas. O principal
era outra coisa, e isso era uma dificuldade” (GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017, grifo
meu). Essa “outra coisa” era, justamente, a concepção novaerista de corpo e saúde, a qual
ditava grande parte da pedagogia adotada no curso.
69
2
A saber, o artigo mais antigo que cita o curso da Universidade do Sul de Santa Catarina é de 2005 (REIS,
2005), e não foi escrito por um acadêmico com vínculo com essa instituição. A primeira revista acadêmica de
naturologia no Brasil só foi aberta em 2007 (STERN, 2018, p. 154), e os primeiros livros editados pela
Universidade do Sul de Santa Catarina só foram publicados em 2008, uma década após a abertura da primeira
turma do curso (cf. HELLMANN, WEDEKIN, 2008; HELLMANN, WEDEKIN, DELLAGIUSTINA, 2008).
70
modelo de curso surgisse, de forte viés biologista, o qual passou a bater de frente com o
primeiro modelo, pautado no ethos Nova Era.
Poucos após a abertura da graduação, a naturologia se tornou um dos cursos mais
procurados na Universidade do Sul de Santa Catarina, o que lhe garantiu muita visibilidade.
Nas palavras de uma ex-coordenadora pedagógica, “houve claramente interesses políticos
com a naturologia, porque ela foi um curso que ‘bombou’. Entrou muito dinheiro” (GOMES,
entrevista pessoal, 11 nov. 2016). Outra ex-coordenadora comentou que “tivemos épocas com
até 800 alunos [matriculados] […] Teve uma época em que ele [o curso] era mais concorrido
que o [curso de] direito, e ele também já foi o curso que tinha o maior retorno financeiro”
(GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
Goulart se preocupou com a visibilidade adquirida pela instituição e a aparente falta de
crivo do curso de naturologia. Ela percebeu que isso poderia manchar a imagem institucional
da universidade caso nada fosse feito. Conforme relata uma das professoras entrevistadas:
Lembro que a professora Rozane [Goulart] chamava muito a gente para dizer: “Esse
curso tem que ter uma base científica, então vocês têm que trabalhar para isso. Eu
não posso vender uma ideia de que nós estamos montando um curso, ou que a gente
tem uma estrutura, sem isso ter uma comprovação científica em nada”. Eu me
lembro muito desse cuidado, que era uma das coisas que nós – e ela também –
éramos cobrados (MEDEIROS, entrevista pessoal, 6 fev. 2017).
Chegou-se num momento em que a gente teve um entendimento de que por mais
que tu dissesse que a cromoterapia funcionava, tu tinhas que explicar o porquê.
Como é que nós vamos apresentar esse profissional para o mercado dizendo só que
ele acredita que isso funciona? (GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017).
profissionais. Essa grande renovação acabou por levar Raupp, uma das pessoas que
implantaram o curso, ao desligamento da Universidade do Sul de Santa Catarina (GOMES,
entrevista pessoal, 11 nov. 2016; GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016). Marimon se
manteve no curso porque sua graduação em geologia justificava sua função enquanto
professor de uma disciplina de terapia com cristais.
Então foi designada como nova coordenadora a dentista Rosita Dittrich Viggiano
(PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016). Essas mudanças começaram a gerar conflitos
entre o corpo docente. Por fim, em 2001 Goulart e Viggiano entraram em atrito e a instituição
demitiu a dentista. Com isso, a partir de julho de 2001, a pedido da reitoria, Goulart se tornou
a coordenadora do curso de naturologia (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
Tendo em vista que “havia uma pressão para que aquele modelo acadêmico cartesiano
fosse respeitado, para que [o curso de naturologia] tivesse validade” (GONÇALVES,
entrevista pessoal, 7 fev. 2017), Goulart formou uma equipe ad hoc visando à adequação do
projeto pedagógico curricular e o desenvolvimento de bases que pudessem fundamentar
minimamente o que estava sendo ensinado naquele curso. Denise Régio Gomes, pedagoga
que já havia trabalhado no campus de Tubarão da Universidade do Sul de Santa Catarina, foi
convidada a compor a coordenação pedagógica (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016;
MEDEIROS, entrevista pessoal, 6 fev. 2017; GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017). O
objetivo era que Gomes pudesse contribuir para que, efetivamente, a naturologia viesse a ser
respeitada como uma formação da área da saúde.
O problema é que Gomes tinha um perfil muito diferente do de Goulart, e ao contrário
da bióloga, ela entendia que a reformulação deveria manter a proposta original do curso.
Logo, enquanto Goulart desejava um curso mais biologista, Gomes apresentava uma postura
próxima dos professores da primeira fase, e se uniu àqueles que continuavam a lutar para
manter o ethos Nova Era, como Helge Detlev Pantzier, Marina Elisa Pantzier, Maria Irene
Pires dos Reis Ferreira e Roberto Gutterres Marimon (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov.
2016; MEDEIROS, entrevista pessoal, 6 fev. 2017; GESSER, entrevista pessoal, 10 fev.
2017; FERREIRA, entrevista pessoal, 29 mai. 2017). Uma das entrevistadas chegou a
comentar que por mais que Gomes tivesse sido contratada para ser coordenadora pedagógica
ao lado de Goulart, “ela era, digamos, quase o oposto à Rozane” (PANTZER, entrevista
pessoal, 28 nov, 2016).
Os conflitos foram inevitáveis e em pouco tempo Gomes deixou o curso. Mas antes de
sair, a pedagoga conseguiu deixar encaminhadas algumas propostas. Ela deixou pré-elaborada
boa parte de um novo projeto pedagógico para o curso (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov.
72
2016), o qual nunca foi aproveitado (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016;
WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017). Além disso, ela também documentou em um
projeto de extensão da Universidade do Sul de Santa Catarina a ideia de relação de
interagência (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016; MEDEIROS, entrevista pessoal, 6
fev. 2017), algo originalmente proposto ao colegiado pela ex-professora Tânia Valladares, e
que veio a ser desenvolvida posteriormente por outros professores, em especial graças à
defesa de Veronice Barreto dos Santos Steffens (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov.
2016; PANTZER, entrevista pessoal, 28 nov, 2016; MARIMON, entrevista pessoal, 1 dez.
2016; GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017). Hoje a relação de interagência é um dos
pivôs identitários da naturologia brasileira (BARROS, LEITE-MOR, 2011, p. 10; SILVA,
2012, p. 120; TEIXEIRA, 2013, p. 31).
Essa experiência com Gomes fez com que Goulart se tornasse muito mais austera,
dando início a uma fase que um dos entrevistados chamou de “camisa de força violentíssima”
(GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017). A partir desse momento, o perfil biologista
passou a ser o ideal de curso, o que, evidentemente, causou grande consternação entre os
pioneiros do curso. Uma professora entrevistada criticou essa mudança:
Quando existe uma filosofia, uma linha de pensamento dentro de um curso, eu, se
quero trabalhar nesse local, preciso me adequar. Isso [acontece] em qualquer
empresa, qualquer instituição. […] As pessoas que tem outra formação devem ao
menos procurar se inteirar da linha de pensamento, mesmo sem se engajar
(PANTZER, entrevista pessoal, 28 nov, 2016).
Acho que foi uma violência a chegada de um tipo de mudança administrativa que
desconsiderou esse histórico [o perfil original do curso] e, de repente, aquilo que era
o costumeiro sistema fechado cartesiano da pior espécie tomou conta do espaço de
um curso recém-nascido (GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017).
Os docentes que continuavam a defender uma maior relação com o ethos Nova Era
começaram a ser silenciados. Conforme explicou Teixeira (2013, p. 28), discussões sobre
espiritualidade passaram a não ser mais bem vistas pela coordenação, sob a alegação de que
isso abria margens a questionamentos quanto à cientificidade da formação, dificultando o
reconhecimento profissional da naturologia.
É importante atentar que Goulart nega essas acusações. Quando lhe pedi para que
comentasse as alegações de que ela censurou estudantes e professores, ela disse:
continuar “viajando”, como eu chamava, ela [que] fosse fazer isso fora dali, não
dentro da instituição. Agora ninguém nunca foi tolhido de se expressar (GOULART,
entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
Porém, essa não foi a percepção da maioria dos participantes da pesquisa. Gomes
comentou: “Éramos perseguidos. Para se conversar, havia a necessidade de se falar fora [da
instituição]. Eu, como coordenadora pedagógica, vivia dentro de uma sala, e todos os meus
passos eram vigiados” (GOMES, entrevista pessoal, 22 nov. 2016). Wedekin (entrevista
pessoal, 11 jan. 2017) narrou o processo de banimento das leituras de cakras, da utilização de
pêndulos e da radiestesia no curso, o qual foi iniciado no mandato de Goulart, mas culminou
com Fernando Hellmann, seu sucessor. Além disso, ela comentou que “havia muita repressão
por parte da Rozane [Goulart], [e] por parte especialmente da Marilene Dellagiustina”3. Outra
docente disse que “ninguém podia sair do seu quadrado. Quero tentar não fazer julgamentos,
pois sabemos que todo cargo tem seu glamour, como também há ordens a serem seguidas. Só
que – falo aqui pelo meu sentimento – não havia ressonância quando algo saia da caixinha”
(PANTZER, entrevista pessoal, 28 nov, 2016). Destaco também a fala de uma egressa, como
ilustrativo de que isso também foi operado contra os discentes:
Dos professores que lutavam para que a naturologia continuasse como era, dialogando
intimamente com o ethos Nova Era, nem todos aceitaram as mudanças propostas. Alguns
foram desligados, outros pediram demissão, e ainda houve aqueles que, por desavenças
pessoais com Goulart, acabaram demitidos. Ao menos quatro professores entrevistados
declararam ter saído do curso nesse processo (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016;
PANTZER, entrevista pessoal, 28 nov, 2016; GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017;
GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017). Porém Marimon mais uma vez foi mantido, mas
agora por sua popularidade entre os estudantes.
Quando perguntei à Gourlart por que ela não demitiu Marimon, visto ele representar
tudo o que ela visava combater no curso de naturologia, ela respondeu: “Havia aqueles [que
diziam] assim: ‘Não se mexe nisso porque os alunos vão criar uma revolta’. […] Teria
3
Dellagiustina chegou a exercer cargos de coordenação na clínica-escola do curso de naturologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina, por indicação de Goulart.
74
comprado uma briga enorme, ia ter uma revolução” (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov.
2016). Outra ex-coordenadora também corroborou essa leitura:
O Roberto [Marimon] é uma pessoa fascinante, tanto é que ele, com todos os
pesares, foi mantido no curso, mesmo que a Rozane [Goulart] o detestasse. A
Rozane o mantinha porque sabia que se o tirasse isso poderia implicar em saídas e
movimentos [dos estudantes] (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017).
Conforme seguia com seu plano de remanejar os profissionais mais alinhados à Nova
Era, Goulart começou a substituí-los por professores das ciências biológicas que eram seus
amigos, que passaram a receber os cargos de liderança dessa graduação e ajudavam Goulart a
compor votação majoritária em grande parte de suas decisões no colegiado (WEDEKIN,
entrevista pessoal, 11 jan. 2017). Conforme um dos professores entrevistados explicou,
durante esse período a Universidade do Sul de Santa Catarina era mais democrática, e todos
os professores de um curso, independente da carga horária que tivessem nele, tinham direto a
voz e voto frente às propostas da coordenação (GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev.
2017). E é nesse sentido que Goulart considera que todos eram ouvidos, pois em última
instância os professores tinham direito a veto.
Em 2002, através do decreto estadual nº 5.572 (SANTA CATARINA, 2002), o curso de
naturologia conquistou o reconhecimento do MEC. Com isso, houve uma explosão no número
de matrículas e a Universidade do Sul de Santa Catarina precisou abrir turmas tanto no
período matutino quanto no período vespertino para dar conta da demanda. Com a primeira
turma formada em 2002, duas coisas começaram a ser discutidas. A primeira era a
implantação de uma nova matriz curricular que caracterizasse oficialmente a naturologia
como um curso da saúde. A segunda foi que os cargos de coordenação, a partir de então, não
se dariam mais por indicação da reitoria.
Nesse momento começa a ser notada pela primeira vez com maior expressão a noção
êmica de “essência da naturologia”, termo pelo qual os professores mais alinhados ao
primeiro projeto de curso passaram a se referir a ele. Aqueles mais inclinados ao modelo
biologista começaram a defender um ensino de naturologia mais técnico, pautado no
cartensianismo e na execução de protocolos. Os outros professores, mais alinhados ao ethos
Nova Era, falavam dessa “essência da naturologia”, defendendo o naturólogo integral e uma
perspectiva holística. Essa disputa entre um perfil tecnicista (naturólogo prático) e uma
perspectiva holística (naturólogo em sua essência) marcou grande parte das discussões dessa
primeira reelaboração do projeto pedagógico do curso (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan.
2017).
75
Então, enquanto Goulart montava sua chapa, parte do corpo discente começou uma
campanha para que Marina Elisa Pantzier, psicóloga reichiana que trabalhava com terapia de
renascimento e dava aula no curso desde a época em que ele era uma pós-graduação lato
sensu, fosse candidata de oposição. Mas antes mesmo que essa chapa chegasse a ser
registrada, tanto ela quanto seu marido, Helge Detlev Pantzier, foram demitidos (PANTZER,
entrevista pessoal, 28 nov, 2016). Nenhum outro professor, durante o resto dos anos que
Goulart ficou a frente da coordenação do curso, abriu outra chapa para concorrer contra ela.
As eleições passaram apenas a homologar a chapa única.
Em 2004 Goulart foi eleita e o novo projeto pedagógico foi implantado, elaborado com
a participação de vários membros do corpo docente. Uma das professoras que participou da
elaboração desse projeto comentou o seguinte: “Eu não posso dizer que todos os professores
foram consultados, mas aqueles ligados às práticas, os professores do estágio, sim. E aqueles
que davam subsídios para o estágio, também” (GESSER, entrevista pessoal, 10 fev. 2017).
Os biologistas ganharam muito poder, e unidades vinculadas à anatomia, fisiologia,
histopatologia, alimentação, massoterapia e fitoterapia tiveram sua carga horária duplicada;
em alguns casos, até mais que isso. Em contrapartida, disciplinas com maior identificação
com a educação ou com o ethos Nova Era foram retiradas da matriz curricular, como física
quântica, recreação e lazer, renascimento, cristalografia, ecologia e terapia dos sonhos.
Matérias como radiestesia, musicoterapia e unidades relacionadas à psicologia tiveram seus
créditos reduzidos pela metade (cf. STERN, 2017, p. 436-439). Embora central às discussões
desse novo projeto pedagógico, as defesas por uma essência da naturologia foram vencidas
nesse momento. Wedekin (entrevista pessoal, 11 jan. 2017) explica o porquê: “Não existe
essência, existe um devir, que é uma possibilidade de tu te transformares ao longo de tua vida.
[Se] tu pensas numa essência, parece que é uma coisa imutável”.
Mas nem tudo foi cedido pelos professores alinhados ao projeto de curso original. Roberto
Gutterres Marimon, Maria Irene Pires dos Reis Ferreira, Graciela Mendonça da Silva de
Medeiros, Veronice Barreto dos Santos Steffens, a própria Luana M. Wedekin e outros
conseguiram persuadir a coordenação de que o curso deveria manter alguma relação com as
terapias energéticas (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016; WEDEKIN, entrevista
pessoal, 11 jan. 2017; AZEVEDO, entrevista pessoal, 3 fev. 2017; MEDEIROS, entrevista
pessoal, 6 fev. 2017; FERREIRA, entrevista pessoal, 29 mai. 2017). Goulart foi convencida
de que todas as terapias com as quais os naturólogos trabalham são fundamentadas, de alguma
forma, em uma medicina tradicional vitalista. Uma das professoras envolvidas durante essa
reformulação comenta como isso foi justificado:
76
Por trás das medicinas integrativas, há um modelo integrativo que encontra suporte
nas leis da física quântica. Portanto, esse modelo ajudou um pouco a criar certa
coerência, ainda que temporária, na visão de algumas pessoas do corpo docente.
Nada se faz sem ter uma visão (FERREIRA, entrevista pessoal, 29 mai. 2017).
Como a medicina chinesa já estava presente na primeira matriz curricular, e também era
a base do curso das Faculdades Integradas Espírita de Curitiba, inicialmente os professores
consideraram mantê-la como a referência de vitalismo no segundo projeto pedagógico. Foi
Marimon quem inicialmente se opôs, dizendo que era necessário ampliar o curso para outras
vertentes de pensamento.
Após muitas reuniões, foi decidido que o curso seria filosoficamente sistematizado por
um tripé formado pela medicina chinesa, pela āyurvéda e pelo xamanismo. Embora fosse
contra (em especial a respeito da medicina xamânica), Goulart integrou a minoria na votação,
e esse modelo foi incorporado ao novo projeto (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov.
2016). É a partir desse momento que, oficialmente, o xamanismo passa a integrar a matriz
curricular do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Uma das professoras que participou da elaboração inicial desse projeto comenta como
foi justificada a inserção específica do xamanismo no curso:
Nós somos energia. No caso, o xamanismo entrar na matriz curricular seria uma
forma de embasar o profissional naturólogo para ele respeitar a dimensão energética
das pessoas que ele atende. […] Saúde tem uma dimensão muito maior. Nós somos
corpo, mente, espírito e emoção. […] O xamanismo é essa cola que traz unicidade.
Se o curso de naturologia tem como foco trazer um diferencial na abordagem ao seu
interagente, não pode ser unilateral. A essência da prática xamânica viria a
corroborar com essa visão (PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Universidade do Sul de Santa Catarina, adotou as medicinas tradicionais como tema (cf.
CONBRANATU, 2014), visando honrar essa conceituação fabricada pela instituição.
Conforme citaram duas professoras entrevistadas, a adoção desses três sistemas visava
um caráter mais informativo, apenas com aulas teóricas que introduziriam sua lógica vitalista
e cosmologia. O motivo é que não é possível fazer uma formação completa em nenhum dos
três sistemas com a carga horária oferecida pelo curso (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan.
2017; AZEVEDO, entrevista pessoal, 3 fev. 2017). Porém, com o passar do tempo, as aulas
de medicina chinesa e āyurvéda foram se tornando cada vez mais técnicas, e apenas as aulas
de xamanismo mantiveram a característica original proposta em 2004.
Por conta disso, embora o ensino de xamanismo tenha sido mantido na reformulação de
2013 do projeto pedagógico do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa
Catarina, alguns professores acreditam que isso se deu mais por respeito a Marimon, que
estava no corpo docente desde a primeira turma, do que por uma concordância de que essa
temática deveria continuar sendo ensinada aos estudantes.
Isso é um problema que não foi resolvido nesse novo projeto pedagógico […] A
gente teve uma ampliação das cargas horárias das três medicinas. O xamanismo
tinha 60 [horas] e passou para 90 [horas]. […] Dentro do pequeno grupo da
coordenação, eu e a Patrícia [Kozuchovski Daré] é que defendemos essa ampliação.
Defendemos mesmo, porque na nossa equipe nem o Fernando [Hellmann], nem o
Daniel [Maurício de Oliveira Rodrigues] eram muito simpatizantes (WEDEKIN,
entrevista pessoal, 11 jan. 2017).
A [Universidade do Sul de Santa Catarina] tinha uma coisa que precisa ser
recuperada, que é a congregação de curso. Os cursos tinham sua congregação, e na
congregação vinham todos os professores com direito a voto. […] Era tudo votado
pelos professores, depois de muita discussão. E tinha mais: a gente era pago para
poder ir à reunião discutir. As reuniões de congregação eram pagas, porque era um
momento em que se investia na qualificação do grupo pensante, da massa encefálica.
Isso se perdeu. […] Então é preciso esse caminho de volta da [universidade], dos
seus cursos, para esse espaço congregacional, onde se reúnem os mais diferentes
modos de pensar (GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017).
menção ao tema é feita nas recomendações de diretrizes para futuros cursos de naturologia no
Brasil. Talvez isso aconteça porque, como mencionou Wedekin (entrevista pessoal, 11 jan.
2017), o presidente desse órgão integra aquele núcleo que não é simpatizante à continuidade
do ensino de xamanismo nos cursos de naturologia. Isso também é corroborado pelas
conclusões do trabalho de Leite (2017, p. 146), que declara que “de todas as disciplinas
estudadas pela Naturologia, o Xamanismo é aquela menos contemplada no âmbito das
discussões acadêmicas”. Segundo essa autora, as vias oficiais de publicação acadêmica do
meio de naturologia – livros, revistas, anais de congresso – tende a não conter produções
sobre xamanismo. Curiosamente, o único periódico brasileiro de naturologia existente hoje
tem como editor-chefe também esse presidente da Sociedade Brasileira de Naturologia.
O que acontece é que estamos a falar de dois coletivos de pensamento – ou paradigmas,
na linguagem kuhniana – que se opõem, gerando duas concepções conflituosas de
naturologia. A noção de estilos de pensamento foi proposta pela teoria da ciência de Fleck (cf.
1981), quem se debruça especificamente sobre a ciência, mas deixa claro que não fala apenas
dela, mas de qualquer forma de conhecimento humano. Para esse autor, os estilos de
pensamento são sistemas de referência para o modo de operação pelo qual um cientista se
dispõe a agir. São eles que condicionam os instrumentos de intervenção e as metodologias
adotadas na observação dos fenômenos. Em um curso, seriam o que dá a tônica ao projeto
pedagógico, orientando os conteúdos programáticos e a linha educacional.
Embora possua suas especificidades, Kuhn apresenta considerações similares ao falar de
paradigmas na ciência:
O paradigma é uma das formas que os cientistas coletivamente utilizam para fazer
ciência. O grupo define os problemas para a investigação, os métodos, as técnicas e
a forma de solução prevista dentro do paradigma. Assim sendo, toda a produção de
conhecimento se dá a partir das questões e soluções propostas pela comunidade
científica (PINHÃO, 2017, p. 107).
Como explica Pinhão (2017, p. 107), Kuhn originalmente não concebia paradigmas para
além das ciências naturais, o que distingue Kuhn de Fleck, quem considerava que os estilos de
pensamento faziam parte dos coletivos humanos de modo geral. Dessa maneira, a leitura de
Kuhn apresentada aqui é uma interpretação de sua teoria a partir de Pinhão, quem a aplicou à
educação. Por mais que Kuhn desconsiderasse os paradigmas na educação e nas ciências
humanas, “tanto a prática científica como a prática pedagógica estão fundamentadas em
paradigma porque entendemos que os cientistas e os educadores trabalham a partir de um
80
referencial para o enfrentamento dos problemas que surgem em sua atividade profissional”
(PINHÃO, 2017, p. 107).
Isso significa que produzir e ensinar ciência tem muito mais influência do contexto de
quem produz e ensina do que se espera, pois o próprio pensamento seria uma construção
coletiva.
4
Em outro lugar (STERN, 2017a, p. 153-154), comento que durante a coordenação de Goulart, a que mais
recebeu recursos da Universidade do Sul de Santa Catarina, alguns professores que não tinham relação de
amizade com a coordenadora receberam recursos (p. ex. Patrícia Kozuchovski Daré, quem teve sua formação em
āyurvéda financiada pela universidade), ao passo que docentes que a própria Goulart recomendou a contratação
nunca receberam qualquer recurso extra da instituição (p. ex. Karin Katekaru).
81
um apelo para que o projeto original de curso sobrevivesse. Esse apelo não é apenas por uma
epistemologia ou metodologia diferente de ciência. Ele diz respeito também à identificação de
seus agentes ao ethos Nova Era, à sua própria trajetória pessoal. É, em outras palavras, algo
que vem acompanhado de um sentimento de que não só a naturologia, mas também a sua
história de vida estariam em perigo. O fator emocional foi determinante na criação e
manutenção desse discurso. É interessante citar, como ilustrativo, que todos os naturólogos
entrevistados que assumem trabalhar com medicina xamânica possuem vivências coadunadas
ao ethos Nova Era para além da Universidade do Sul de Santa Catarina. Isso faz parte de suas
identidades.
Uma das ex-coordenadoras do curso comenta sobre a questão geracional por trás dessa
inclinação ao ethos Nova Era entre alguns dos professores: “Se tu pegas a Maria Alice [Ribas
Cavalcanti], ela não tinha geladeira, ela vivia no meio do mato. […] A Maria Alice e o
Roberto [Marimon] eram jovens na Contracultura. Eu era um bebê na Contracultura”
(WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017). No entanto, isso não significa que apenas
pessoas mais velhas simpatizam com esse estilo de pensamento na naturologia.
Outra entrevistada, que é mais jovem que Wedekin, assumiu que aos 14 anos teria feito
uma iniciação de “reiki xamânico”, e que entre o seu ingresso no ensino superior e essa
experiência buscou também ritos com aya’waska e temazcal. Além disso ter acontecido anos
antes dela sequer saber da existência da naturologia, nenhum desses itens fez parte do
conteúdo programático das aulas de xamanismo do curso da Universidade do Sul de Santa
Catarina. Quando perguntei se quem lhe ministrou essa iniciação era indígena, ela respondeu:
“Agora tu me pegaste. Eu não sei te dizer. É que eu olho para o Daniel [iniciador], eu vejo
nele um índio. Agora se ele tem a etnia indígena no sangue, eu não sei te dizer com clareza”
(SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017). Essa despreocupação com a origem do bem
espiritual consumido, porque o que vale mais é a experiência espiritual em si, é típica aos
contextos novaeristas (cf. HEELAS, 1994).
Também foi interessante como nas entrevistas, quando os participantes se referiam à
“essência da naturologia”, os discursos usualmente apareciam no tempo passado, como algo a
ser resgatado. Justamente foi a fase inicial do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina
que teve esse estilo de pensamento como dominante. Gomes (entrevista pessoal, 11 nov.
2016, grifo meu), por exemplo, disse que a essência da naturologia “era o propósito da
naturologia. […] O mundo do jeito que está, tecnológico, onde ninguém mais olha o outro no
olho, a semente era para que a naturologia resgatasse isso”. Há clareza na fala da entrevistada
sobre a suplantação desse estilo de pensamento, e isso é visto como uma ameaça por ela: “que
82
a naturologia volte a saber por que ela foi criada, porque se ela perder isso, ela perdeu a
essência. E se ela perder a essência, acabou” (GOMES, entrevista pessoal, 11 nov. 2016).
Sobre a questão do combate aos discursos adversários, recorro novamente às teorias da
ciência de Fleck e Kuhn. Segundo Fleck (1981, p. 83, tradução minha), “quanto mais
desenvolvido um ramo do conhecimento se torna, menores serão as diferenças de opinião”.
Sendo a naturologia um curso jovem no Brasil, não era de se estranhar que diferentes
concepções surgiriam sobre como ele deveria ser. Fleck (1981, passim) atenta que os estilos
de pensamento são mantidos por sistemas de reforço social, que restringem o que pode ou não
ser pensado sobre determinado assunto. Algo similar também aparece em Kuhn, quando ele
fala sobre ciência normal: “A ciência normal é dogmática, no sentido de que restringe os fatos
a serem investigados, e, principalmente porque os cientistas não se preocupam em encontrar
novas espécies de fenômenos, preferem trabalhar em um universo conhecido” (PINHÃO,
2017, p. 109).
Para Fleck (1981, p. 99, tradução minha), “os hereges que não compartilham esse
humor coletivo e são classificados como criminosos pelo coletivo serão queimados na
fogueira até que um humor diferente crie um estilo de pensamento e valorização diferente”.
Sendo o estilo de pensamento um condicionante, ele age como cerceador, coibindo o
surgimento de ideias contrárias. Mas seus agentes se deparam com fatos inesperados, as
anomalias, que colocam em xeque a hegemonia do modelo dominante. Inicialmente a
tendência é dissimular as exceções. “O que se procura é acomodar as ideias à teoria. Se uma
nova concepção persistir, com o tempo, é transformada, adaptada e moldada para que
combine com a ‘realidade’ do estilo de pensamento dominante” (PFUETZENREITER, 2002,
p. 154). Em caso de uma crise prolongada, porém, pode haver o que Kuhn chama de
revolução científica, com a emergência de um novo paradigma (PINHÃO, 2017, p. 109).
Aqui temos dois pontos centrais para a discussão da inserção do xamanismo no curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina. A primeira diz respeito à possibilidade
de persistência de uma anomalia, que acaba por se acomodar à realidade do estilo de
pensamento dominante para sobreviver. A introdução do ensino de xamanismo no curso da
Universidade do Sul de Santa Catarina pode ser vista como a persistência do estilo de
pensamento novaerista, aquele que foi chamado de “essência da naturologia” pelos
entrevistados. Esse estilo de pensamento, frente às censuras do modelo biologista, encontrou
uma nova conformidade para a sua perpetuação – apresentou-se como medicina tradicional –,
ao passo que o estilo de pensamento biologista tomava cada vez mais poder no curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina. Como será possível notar nos dois
83
próximos capítulos, muitos dos elementos do ethos Nova Era, caros à primeira fase desse
curso, estão presentes nessas aulas de xamanismo, ainda que às vezes com outros nomes e
formas. Conteúdos sobre cakras, astrologia, numerologia, energia sutil, autoajuda, terapia
com cristais, além de uma preocupação forte com o holismo e a dimensão espiritual fazem
parte desses ensinamentos.
Já o segundo ponto diz respeito ao que Kuhn (2006, p. 191) chama de mal entendido
entre escolas competidoras. Por mais que um paradigma nasça de outro anterior, quando ele
ascende enquanto escola própria, raramente utiliza os termos da escola antiga da mesma
maneira em que eles eram antes utilizados. Ocorre, com isso, uma incomensurabilidade entre
os dois paradigmas. “A incomensurabilidade reside no fato de os cientistas utilizarem padrões
científicos diferentes e maneiras distintas de encarar os problemas e conviverem em
competição, pela dificuldade de conversão total e imediata ao novo paradigma” (PINHÃO,
2017, p. 109-110). Isso é o que levou, na história da naturologia, ao silenciamento daqueles
que representavam o paradigma adversário: os professores de um grupo não conseguem
entender aqueles que fazem parte do outro grupo, e portanto tendem a achar que são loucos ou
que falam coisas sem sentido.
Embora seja mais fácil identificar essa dinâmica dos professores de perfil biologista
para com os professores de perfil novaerista, os docentes de perfil novaerista também
demonstraram resistências e desaprovações aos docentes do outro grupo, em especial quando
o ethos Nova Era dominava o estilo de pensamento do curso (cf. GOULART, entrevista
pessoal, 22 nov. 2016; WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017; GESSER, entrevista
pessoal, 10 fev. 2017). Tanto Wedekin quanto Goulart citaram, cada uma a seu modo, que
assim que Goulart deixou a coordenação do curso em 2010, seu sucessor também demitiu
quatro professoras por serem muito alinhadas ao modelo biologista, o que não era mais
desejado para o curso naquele momento (GOULART, entrevista pessoal, 22 nov. 2016;
WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017). Isso demonstra que esse mal entendido entre as
escolas buscou, na naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, tentativas de
dissimulação e alienação do paradigma competidor, independentemente de se tratar de uma
liderança simpática ao pensamento novaerista ou ao paradigma biologista.
Até hoje essa tensão gerada pela disputa entre os estilos de pensamento não foi
superada. A fala de uma entrevistada ilustrou como ainda há professores que representavam
os dois estilos de pensamento trabalhando nesse curso ao mesmo tempo. Isso imputa à própria
formação dos naturólogos uma mensagem ambígua, que muitas vezes acabava por não
conseguir ser resolvida pelos estudantes quando chegam à clínica-escola:
84
Eu via a dificuldade que os alunos tinham de fazer as relações entre uma terapêutica
e outra, principalmente nas visões de base da naturologia [estilo de pensamento
novaerista]. E eles vinham desesperados: “Eu não sei o que fazer. Eu faço tal argila
pra isso? Uso tais pontos de acupuntura para aquilo? Lá no [livro do] Peter Mandel
fala para eu fazer tal comando. E agora?”. Ou seja, com um pensamento [de] causa e
efeito mesmo [estilo de pensamento biologista]. Eu percebia isso, essa dificuldade
dos alunos. E agora eu estou vendo alunos que já começaram a escrever TCC e que
às vezes me mandam mensagens: “Estou com um interagente [e] não sei o que eu
faço, não estou conseguindo relacionar nada”. Um despreparo muito grande para
estar já em estágio. […] Acaba que a pessoa simplesmente chega lá [para ser
atendida na clínica-escola] no estágio e [pede]: “Eu quero trabalhar a minha dor no
cotovelo”. E eles vão lá e trabalham a dor no cotovelo, só. Pelo menos foi isso o que
os próprios alunos me relataram. E aí eu me pergunto: durante todo o estágio eles
atuam com causa e efeito, daí chega no último estágio, têm que ter a visão do
naturólogo? Como assim? Incompatível (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
O que essa naturóloga narra diz respeito a dois formatos distintos de estágios que
ocorrem na clínica-escola de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina. No
primeiro, os estudantes devem atender apenas com uma prática, para firmarem o
funcionamento específico daquela terapia. No segundo, que ocorre no último semestre do
curso, devem mesclar todas as práticas em uma sinergia holística que integre a relação de
interagência. Há professores que defendem mais o primeiro formato, por crerem capacitar
melhor o “naturólogo técnico” ao mercado de trabalho. Há outros que defendem o segundo,
por ir ao encontro da “essência da naturologia”. E existem professores que defendem as duas
coisas. Ao longo da história do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina, houve
períodos em que os dois modelos coexistiram como no período citado na fala anterior, mas
também existiram momentos em que somente um dos modelos esteve presente.
Apesar disso, nunca houve um estágio específico para a prática do xamanismo na
clínica-escola da Universidade do Sul de Santa Catarina, e apenas uma minoria de trabalhos
de conclusão de curso dessa instituição adota a temática como objeto de pesquisa5. Um
desconhecedor desse curso, ao ler em seu projeto pedagógico que ele é baseado no tripé
āyurvéda, medicina chinesa e xamanismo, esperaria o oposto disso. Hoje, somente Marimon
representa o xamanismo no ensino da naturologia do Brasil, e foi relatada grande preocupação
entre meus entrevistados de que com a sua aposentadoria o tema seja retirado do curso.
5
Um levantamento efetuado por Moreira (2016, p. 14) identificou, dentre os 580 TCC produzidos pelo
bacharelado em naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina entre 2006 e 2015, que apenas 13 deles
abordavam o xamanismo da naturologia. Tive acesso a esses documentos, e percebi que eles deveriam ser
reduzidos para apenas 6, visto que em alguns dos casos elencados por Moreira o termo “xamanismo” apenas era
mencionado pelos autores, sem de fato consistir em uma produção que teve a prática enquanto objeto central.
Informações sobre o conteúdo desses 6 trabalhos estão contidas no Anexo A da presente tese.
85
CAPÍTULO 3
IDEIAS NORTEADORAS DO XAMANISMO DA NATUROLOGIA
HEALING
sem contraparte
na disease
ILLNESS : HEALING
DISEASE : CURING
sem contraparte
na illness
Aos respondentes, o healing está para além da illness. Em outras palavras, os sintomas
físicos são secundários – até porque os próprios naturólogos declaram que isso diz respeito ao
trabalho dos alopatas, e não deles. O mais importante ao naturólogo é proporcionar ao
paciente algum tipo de tomada de consciência com a medicina xamânica. Segundo Marimon
(entrevista pessoal, 11 mai. 2017), o healing “não se foca na doença. Ele vai estar ligado à
ideia de espírito; espírito no sentido de consciência”. No xamanismo da naturologia o healing
é entendido como “uma técnica para se galgar novos estados de consciência” (MARIMON,
2015, slide 47).
89
Assim, é notada uma concepção de que o healing seria uma forma de abordagem
terapêutica que considera aspectos espirituais, o “alvorecer da espiritualidade como processo
de tomada de consciência” (MARIMON, entrevista pessoal, 11 mai. 217). A lógica dessa
compreensão é de que as pessoas, por serem educadas em um mundo cujo pensamento leva à
dualidade, separam-se de si mesmas. No discurso êmico, isso aparece na seguinte explicação:
“quando uma pessoa fica doente, fraca ou deprimida, é sinal de que está ‘des-animada’ [sic.],
ou seja, ‘sem alma’, devido à falta de proximidade com sua essência” (MARIMON, 2015,
slide 61). O alvorecer da espiritualidade proporcionado pelo healing seria a quebra dessa falsa
noção de separação, e o espírito, que sempre esteve presente, tornar-se-ia consciente. Um dos
slides de Marimon exemplifica como isso é entendido pelos naturólogos: “Não me torno
espírito, apenas reconheço o espírito que já sou, desde sempre” (MARIMON, 2015, slide 46).
Marimon (entrevista pessoal, 8 set. 2016) declara que “o healing é um trabalho feito
pela alma”, cujo objetivo é “cuidar do espírito” (MARIMON, entrevista pessoal, 11 mai.
2017). Se o healing for adotado, o paciente despertará “a sua integridade, a sua pureza, a sua
essência” (MARIMON, entrevista pessoal, 11 mai. 2017). Isso seria alcançado com o
empoderamento do paciente, o ato de fortalecer-se diante da existência. Esse fortalecimento
aconteceria pelo reconhecimento de que seu espírito é parte integrante do espírito cósmico,
que sua dimensão física e sua mente são partes da dimensão mais vasta que compõe o planeta.
Ao perceber que todas essas dimensões estão interconectadas, o paciente encontraria o divino,
definido na naturologia como a expressão mais pura de sua essência (MARIMON, 2015,
slides 54-55). Em outras palavras, “cada pessoa é um universo, com erros, acertos, dúvidas,
alegrias, tristezas, prazeres, tesão etc. A harmonia entre essas energias é o que influencia a
tomada de decisões com consciência” (MARIMON, 2015, slide 60).
Isso significa que uma concepção de que todo o potencial de cura já está contido
dentro do próprio paciente faz parte desse sistema. Um dos materiais analisados explica isso:
“Nada lhe posso dar que não exista em você mesmo. Não posso abrir-lhe outro mundo de
imagens, além daquele que há em sua própria alma. Nada lhe posso dar a não ser a
oportunidade, o impulso, e lhe ajudar a tornar visível o seu próprio mundo. E isso é tudo”
(MARIMON, 2015, slide 48). A crença basilar naturológica sobre healing, nesse contexto, é
de que se aquilo que se busca não for encontrado dentro de si, jamais será encontrado fora.
Existe também um entendimento de que o healing seria um sinônimo da própria
relação de interagência, a forma êmica como os naturólogos chamam o seu atendimento, para
diferenciá-lo da consulta da medicina tradicional (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016;
SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017; KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017;
90
FERREIRA, entrevista pessoal, 29 mai. 2017; MARTINS, 18 out. 2017). Quando perguntado
quais as diferenças entre a relação de interagência, o healing e a visão do xamã, um dos
participantes da pesquisa me questionou confuso: “Por que é que tem que ter diferenças?”
(LANZA, entrevista pessoal, 1 abr. 2017). Para alguns dos participantes, pensar a relação de
interagência como algo diferente do healing não faz sentido.
O interessante é que se a medicina xamânica é ensinada como uma medicina
tradicional, e os naturólogos identificam que a relação de interagência é sinônimo de healing e
que o healing é sinônimo de visão do xamã, uma narrativa é construída como se sua principal
categoria êmica – a relação de interagência – fosse também algo tradicional. Isso auxiliaria a
entender, como foi debatido no capítulo anterior, o porquê dos defensores do estilo de
pensamento novaerista utilizarem verbos no passado ao descrever essa abordagem, em uma
lógica de que algo está sendo resgatado de uma tradição médica muito anterior.
QUATRO ELEMENTOS
1
AEC: antes da Era Comum. Equivalente não cristocêntrico à sigla a.C.
91
Nos Āraṇyakas – uma das quatro partes principais dos Vedas –, é descrito que de ātman o
Céu se manifestou, do Céu o Ar se manifestou, do Ar o Fogo se manifestou, do Fogo a Água
se manifestou, e da Água a Terra se manifestou. Então, as plantas surgiram da Terra, e com as
plantas surgiu a comida, o que permitiu a manifestação do ser humano (ŚARVĀNANDA,
1921). O elemento Céu é uma representação simbólica do vazio, portanto os materialistas
hindus desconsideram-no como um dos elementos básicos (PRASĀDA SINHĀ, 2006). Nesse
sentido, a cosmologia hindu contém quatro elementos físicos, mais um quinto elemento extra,
que é intangível. Os seres humanos, como descrito nos Āraṇyakas, seriam formados por esses
elementos (ŚARVĀNANDA, 1921).
Com o surgimento do budismo, o sistema hindu de quatro elementos foi adotado,
descartando o quinto elemento intangível. Ar, Fogo, Água e Terra são mencionados na
Tipiṭaka (2007), o cânon páli do Theravāda. Assim como no hinduísmo, o budismo continuou
a considerar que os quatro elementos físicos são constitutivos da matéria (GÓMEZ, 2005).
Entre os budistas, os quatro elementos são entendidos como entidades externas (coisas da
natureza, como as montanhas, o vento, o sol) tanto quanto entidades internas ao ser humano
(as partes do corpo, como o sangue, o cabelo, os órgãos, o metabolismo).
A concepção de que os elementos seriam a menor parte divisível da matéria surgiu na
Grécia. O primeiro filósofo a utilizar stoicheion para se referir a Terra, Ar, Fogo e Água foi
Platão (2011). Embora hoje stoicheion seja comumente traduzido como “elemento”, no grego
antigo essa palavra era difícil de traduzir. Significava algo como a menor unidade de um
relógio ou a menor unidade sonora inteligível de uma palavra. Em latim, ela foi traduzida
como elementum, uma transcrição das três primeiras letras do alfabeto cananeu: L, M e N.
Nesse sentido, elementum seria o equivalente à expressão “bê-a-bá” do português
contemporâneo coloquial, passando a ideia de algo fundamental.
Embora Platão tenha trabalhado com um sistema quádruplo, um quinto elemento
similar ao elemento indiano Céu foi adicionado na Grécia por Aristóteles (2014). Aristóteles o
chamou de Éter, adotando a terminologia de Homero. Conforme explica Brandão (2008, p.
400), na mitologia grega o “Éter é a camada superior do cosmo, posicionado entre Úrano
(Céu) e o ar e, por isso mesmo, personifica o céu superior, onde a luz é mais pura que na
camada mais próxima da Terra, dominada pelo [elemento] Ar”. Assim como no hinduísmo, os
escritos de Aristóteles sobre o Éter também o apresentaram como um elemento que fugia às
leis normais da física, diferenciando-o dos outros elementos. Em latim, o Éter foi traduzido
como quinta essentia, dando origem ao termo atual “quintessência”.
92
Entre os séculos III e V EC2, a teoria dos elementos exerceu papel importante no
hermetismo (VAN DER BROEK, 2006a, p. 496; p. 561; 2006b, p. 561). Também durante
toda a história da alquimia na Europa a noção de elementos foi muito importante (HAAGE,
2006; BUNTZ, 2006; COUDERT, 2006), influenciando tanto os símbolos religiosos católicos
(BUNTZ, 2006, p. 40; SOARES, 2011, p. 380-391) quanto a astrologia (HAMMER, 2006a).
Portanto não é nenhuma surpresa que no Romantismo os quatro elementos tenham sido
amplamente adotados pelos mais diferentes grupos esotéricos que emergiram nos séculos
XVIII e XIX, em uma leitura de que se tratava de algo universal. Sendo a Nova Era a
secularização do esoterismo europeu (HANEGRAAFF, 1996), o apelo aos quatro elementos
também aparece fortemente no ethos Nova Era.
Falando especificamente do xamanismo da naturologia, os naturólogos também
consideram que os quatro elementos permeiam todas as coisas, indicando a “natureza do
movimento” e “a essência” de cada um (MARIMON, 2009a, slide 6). É, em outras palavras,
uma manifestação de diferentes aspectos do self, além de quatro modos fundamentais de
atividade no planeta (slide 8). Esses modos fundamentais de atividades são emicamente
entendidos de muitas formas.
Não existe entre os naturólogos um consenso sobre o significado de cada elemento.
Marimon utiliza livros de neoxamanismo, neopaganismo e dicionários de símbolo para buscar
suas interpretações, em um método que Maluf (2009, p. 504) chama de “inflação simbólica”,
também corriqueiramente utilizado na Nova Era. O problema é que muitos desses materiais
possuem descrições conflituosas. Assim, Marimon resolve tais contradições por sua própria
percepção. Em outras palavras, o que ele acha que é o mais correto é o que ele ensina aos
estudantes (Marimon, entrevista pessoal, 22 jun. 2017). Mas isso não resolve totalmente o
problema, e ao fim alguns naturólogos decidem que outras formas de se trabalhar com os
quatro elementos fazem mais sentido do que o jeito ensinado pelo professor.
Duas formas principais de interpretar os elementos foram identificadas nas falas dos
respondentes. A mais citada foi a que é ensinada por Marimon, baseada no livro êmico de
neoxamanismo O caminho quádruplo (cf. ARRIEN, 1993). Entretanto outros naturólogos
também disseram utilizar interpretações em uma mescla de conteúdos que vêm da wicca e da
teosofia, também construída através de inflação simbólica. Essa coexistência de mais de uma
forma de se trabalhar com os elementos na medicina xamânica da naturologia foi mencionada
2
EC: Era Comum. Equivalente não cristocêntrico à sigla d.C.
93
pelo próprio Marimon (entrevista pessoal, 22 set. 2017), embora não chegue a configurar dois
estilos de pensamento propriamente ditos, apenas variações de interpretação.
Uma das concepções sobre os quatro elementos mais notáveis no meio naturológico
diz respeito à ideia de que cada elemento estaria relacionado a um ponto cardeal, uma fase da
vida, uma estação do ano e uma hora do dia. Isso gera uma representação gráfica em roda, que
é usada como a base para a elaboração da roda de medicina, que será discutida no próximo
capítulo (cf. p. 110). Apenas o quadrante oeste possui consenso, tendo sido classificado como
regido pelo elemento Água por todos os entrevistados.
Cada elemento também é relacionado a um animal, mas qual animal representa cada
elemento também não tem consenso entre os naturólogos. A visão mais organizada é a de
Marimon (entrevista pessoal, 22 jun. 2017), quem declarou que a águia é a guardiã do Fogo e
do leste, o coiote ou o porco-espinho são os guardiões da Terra e do sul, o urso é o guardião
da Água e do oeste, e o bisão é o guardião do Ar e do norte. A águia estaria relacionada ao
Fogo por sua visão, visto o leste reger o Caminho do Visionário. Para Marimon, a medicina
do urso permitiria um aprofundamento dos sentimentos, o que ele relaciona ao mergulhar nas
profundezas da Água. O coiote aparece na Terra por esse elemento estar relacionado à
juventude. Para Marimon, o coiote é um animal brincalhão, uma característica importante
dessa época da vida. O porquê o bisão é o animal do Ar ele não disse. Outras considerações
sobre o simbolismo dos animais serão apresentadas no próximo capítulo (cf. p. 147).
Também são associados a cada elemento um “modo de conhecimento” e um “corpo”.
Os modos de conhecimento permitiriam aos naturólogos adaptar o discurso terapêutico para
uma maior eficácia à expansão de consciência de seus pacientes, de acordo com o elemento
que eles consideram que seria necessário em terapia. Já os corpos dizem respeito à noção de
quadrinidade comum à Nova Era, ou seja, a ideia de que a morfologia humana é um agregado
de quatro dimensões: física, racional, emocional e espiritual. Dessa forma, uma prática
terapêutica regida por um elemento poderia agira mais adequadamente em uma dessas
dimensões específicas.
Foi notado um maior consenso entre os naturólogos no que diz respeito aos modos de
conhecimento regidos por cada um dos quatro elementos. De modo geral, o Fogo aprenderia
através do imaginário, a Terra pelas sensações e sinestesia, a Água através das emoções, e o
Ar pelo raciocínio e lógica (ALVES, 2017, p. 47). Já sobre os corpos, o próprio material de
suporte das aulas de Marimon é contraditório. Em uma mesma apresentação de PowerPoint há
um slide que declara que o Fogo regeria o corpo emocional, a Água o corpo espiritual, a Terra
o corpo físico, e o Ar o corpo racional (MARIMON, 2017b, slide 1), enquanto outro slide do
94
mesmo documento apresenta o Fogo como regente da saúde mental, a Terra da saúde física, a
Água da saúde emocional, e o Ar da saúde espiritual (MARIMON, 2017b, slide 4). No
Compêndio de naturologia, organizado por Alves (2017, p. 47-48), uma terceira versão é
encontrada: o Fogo regeria o corpo espiritual, a Terra o corpo físico, a Água o corpo
emocional, e o Ar o corpo mental.
Norte: bisão
Caminho do Guerreiro
Ar ou Terra – presença
inverno,
velhice, meia-noite
conhecimento: pensar
corpo espiritual
ou racional primavera,
outono,
meia-idade, infância,
pôr do sol nascer do sól
Oeste: urso conhecimento:
Leste: águia
Caminho do Mestre conhecimento:
sentimento imaginário Caminho do Visionário
Água – sabedoria corpo racional, Fogo ou Ar – visão
corpo emocional
ou físico verão, emocional ou
juventude, espiritual
meio-dia
conhecimento: sensação
corpo físico ou
espiritual
Um ou mais dos cinco sentidos e cada um dos estados da matéria também tendem a ser
relacionados a cada um dos quatro elementos pelos naturólogos. Embora haja consenso a
respeito dos estados da matéria, as duas interpretações que coexistem no xamanismo
naturológico possuem divergências sobre quais seriam os sentidos relacionados a cada um dos
elementos. Essas informações podem ser observadas na tabela a seguir:
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Marimon (2017a, slides 39, 47) e nas entrevistas.
A gente não pode resumir simplesmente aquilo que é falado ou passado de uma
determinada maneira oficial ou explícita, digamos assim, sem poder ler também os
detalhes dessas relações, sem ler as entrelinhas. Essa leitura das entrelinhas a gente
faz quando a gente observa a maneira como [alguém] se porta no mundo (LANZA,
entrevista pessoal, 1 abr. 2017).
Existe uma convicção de que através desses símbolos seria possível desvendar o que
existe de mais intrínseco a cada ser. Marimon declara que isso poderia, inclusive, ser perigoso
se mal utilizado, e por isso ele disse que só passa esse material aos seus alunos verbalmente:
O que as pessoas têm [sobre a língua dos elementos] é o que elas me ouviram falar,
porque eu sempre fico com aquela coisa. Eu digo assim: “Cuidado para quem vocês
passam isso. Se alguém captar a forma correta é capaz de fazer mal”. Às vezes o
96
conhecimento mal usado pode ser problemático. Então eu disse assim [para os
alunos]: “Se vocês tiverem que passar para alguém, só passem isso [no] boca a boca.
Não escrevam livros” […] Então tem sempre esse cuidado. Essa medicina eu prezo
em não dar, em não escrever sobre3 (MARIMON, entrevista pessoal, 2 abr. 2017).
3
Assim que Marimon disse isso, perguntei: “Mas você vê problemas em eu escrever sobre isso na minha
tese?”. Ele respondeu: “Não. Para você eu vou passar o material” (MARIMON, entrevista pessoal, 2 abr. 2017).
Seguindo as indicações metodológicas propostas por Bremborg (2011, p. 319-320) para casos assim, reforcei que
meu interesse acadêmico era registrar as práticas xamânicas dos naturólogos, o que foi autorizado por ele.
97
Ela também seria responsável pela perseverança e pelo reconhecimento dos nossos limites
pessoais (slides 97-101). Em consultório, a forma de acessar o paciente seria perguntar qual é
a sensação dele sobre a situação (ALVES, 2017, p. 52).
A Água seria a clareza emocional e a capacidade de transformar a vida de forma
amorosa. No corpo, manifestar-se-ia nos sucos digestivos, nas secreções e no sangue
(MARIMON, 2017a, slide 42). Em nível psicológico, a Água seria emocionalmente estável,
introvertida, passiva, cuidadosa, pensativa, pacífica, controlada, confiável, comedida, plácida,
tranquila, objetiva, diplomática, organizada, eficaz, prática, bem humorada, morosa, egoísta,
mesquinha, superprotetora, indecisa, covarde, ansiosa e sem motivação (slides 56-57). Seu
aprendizado espiritual seria o de permitir que os sentimentos fluam, eliminando qualquer
culpa, mágoa, raiva ou ressentimento, pois esses sentimentos agem como venenos. Nesse
sentido, a Água fala a língua da purificação e da regeneração emocional, guardando nosso
inconsciente e intuição. O despertar da sexualidade também seria algo regido espiritualmente
pela Água (slides 85-87). Em consultório, a forma de acessar o paciente seria perguntar o que
ele sente sobre a situação (ALVES, 2017, p. 52).
E o Ar teria uma intelectualidade superior, criatividade, sabedoria, inspiração e
responsabilidade por tudo o que lhe acontece. Além disso, é o elemento do movimento. Tudo
o que se movimenta no corpo, expandindo e retraindo, seria governado pelo Ar: pulmões,
células, impulsos nervosos, músculos (MARIMON, 2017a, slide 40). Em nível psicológico, o
Ar seria emocionalmente estável, extrovertido, sociável, amigável, prolixo, receptivo, alegre,
despreocupado, líder nato, expressivo, atento, amistoso, eloquente, entusiasta, compassivo,
sincero, indisciplinado, improdutivo, egocêntrico e exagerado (slides 56-57). O aprendizado
espiritual do Ar seria o de como alcançar novos estados de consciência. Ele seria o
responsável por ensinar-nos que devemos calar para ouvir e aprender, abstendo-nos de
julgamentos. Estaria ligado à conexão com a natureza divina e com o retorno ao sagrado, no
sentido eliadiano do termo (slides 92-94). Em consultório, a forma de acessar o paciente seria
perguntar o que ele pensa sobre a situação (ALVES, 2017, p. 52).
Além de tudo o que foi apresentado até aqui, no xamanismo da naturologia cada um
dos quatro elementos é relacionado a três cores, que são emicamente chamadas de “pulsos do
movimento”. Isso é o constitutivo da medicina das cores, e um norte epistemológico
importante ao entendimento de como essa prática funciona. Como mais a frente uma seção
própria do próximo capítulo apresentará especificamente a medicina das cores (cf. p. 118),
deixarei para explicar isso no espaço oportuno.
98
ENERGIA SUTIL
Um dos primeiros textos publicados da naturologia que fala sobre energia sutil é um
capítulo de livro sobre o teste olfativo, uma forma de diagnóstico nativo da naturologia
brasileira (cf. DUARTE, KATEKARU, PELOUŠEK, 2013). Criada pelas naturólogas Julie
Duarte e Karin Katekaru, a técnica tem como objetivo fazer uma leitura da situação energética
do paciente. Essa situação energética diria respeito à sua energia mutável, ou seja, ao estado
que a pessoa se encontra no momento da consulta. Mas essa leitura acontece em comparação
aos aspectos energéticos imutáveis, a energia sutil das plantas que são matéria-prima à
fabricação dos óleos essenciais utilizados na aromaterapia. Como uma quantidade muito
grande de plantas é necessária para fabricar esses óleos, Duarte, Katekaru e Peloušek (2013,
p. 52) dão a entender que a energia sutil é a própria energia vital desses vegetais.
Essa noção foi também adotada pelo xamanismo da naturologia. No material de
suporte das aulas de Marimon é encontrada a seguinte declaração: “a energia [sutil], que se
revela como um fator que leva o ser humano a transitar no movimento da vida, na verdade é a
própria vida que o impulsiona a avançar em seu processo de realização” (MARIMON, 2017a,
slide 10, grifo meu).
Como a técnica criada por Duarte e Katekaru é pautada na energia sutil e ambas foram
professoras no curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, o conceito
adquiriu grande relevância no ensino de naturologia dessa instituição. Essa importância,
inclusive, foi atestada por duas professoras entrevistadas (PANTZIER, entrevista pessoal, 28
nov. 2016; WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017), que a descreveram como um eixo
estruturante do diferencial terapêutico dos naturólogos. Seu valor tornou-se tamanho que dois
Seminários Sobre Energia Humana e Bioenergia foram realizados na Universidade do Sul de
Santa Catarina, em 2009 e 2010, para discutir essa categoria (STERN, 2017, p. 159-160).
Um exemplo de como as energias sutis agiriam apareceu na fala de uma entrevistada.
Ao comentar sobre uma palestra de xamanismo que ela assistiu em um espaço terapêutico de
Florianópolis, essa naturóloga relatou que
o pajé se dirigia até uma planta específica que ficava no meio do mato, bem isolada,
e ele nem tocava na planta, ele simplesmente orava em volta dela para que ela
enviasse suas energias até aquela pessoa. […] Não havia necessidade de arranca-la,
nem nada (ALVES, entrevista pessoa, 28 nov. 2016).
A mesma participante afirma que da mesma forma que é presumida uma energia sutil
para cada planta, também outros elementos da natureza, como cristais ou animais, podem
proporcionar interações energéticas (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
101
Isso foi corroborado também por outra naturóloga, quem explicou que “quando tu
procuras meditar na beira de um rio, é bem diferente de você meditar na frente de um mar, [e]
é bem diferente de tu meditares na frente de uma cachoeira. Cada uma vai te trazer uma
energia sutil diferente” (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017). Ao perguntar como seria
possível perceber energias imensuráveis pela ciência, ela respondeu:
A gente tem anteninhas que captam energias que são muito sutis […]. Às vezes a
gente entra naquele ambiente e fala: “Ui, eu não quero ficar aqui”. A gente nem sabe
por que a gente não quer ficar, mas aí a gente fica e aí acontece um monte de coisa e
tu falas: “Não devia ter ficado. Por que eu não ouvi [a minha intuição]?”. Sinto isso
como o sutil: você ter esse cuidado do que está acontecendo internamente, o que está
sinalizando o teu corpo, tua mente, teu espírito e tua alma; tudo junto, te sinalizando
coisas. […] Por isso que é muito importante tu cuidares do ambiente que tu vais
tratar a pessoa. Tu tens que saber cuidar desse ambiente, tens que saber zelar as
energias que estão ali circulando também (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).
Esse conceito de que existe uma energia sutil inerente a cada coisa existente no
universo foi considerado o coração do xamanismo segundo uma das ex-coordenadora do
curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (WEDEKIN, entrevista
pessoal, 11 jan. 2017). Para um dos naturólogos, a ideia de energia sutil é a liga com a qual os
saberes de diferentes etnias são incorporados pelos naturólogos, ressignificando conteúdos e
práticas nativas da Ásia, Europa e das Américas em um único discurso totalizador
(TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22 fev. 2017).
CAKRAS
Embora Albanese (1999) declare que cakras usualmente são vistos como um tipo de
energia sutil nos meios vitalistas e esotéricos, no ensino da naturologia brasileira eles
possuem um lugar próprio. Como discuti anteriormente, as energias sutis são entendidas na
naturologia como assinaturas energéticas imutáveis. Os cakras, em contrapartida, estariam no
rol das energias mutáveis, variando de acordo com o estado das pessoas.
Os conceitos de cakra são originários do sul da Ásia, de culturas budistas e hinduístas,
possuindo maior importância nas formas mais esotéricas dessas religiões, como o tantrismo e
a ioga. O que se entende por cakra, porém, varia imensamente entre os diferentes grupos
asiáticos. Como explicam Padoux e Urban:
Embora uma variedade de interpretações muito antigas seja encontrada, foi um sistema
relativamente recente o que foi popularizado pela Nova Era. Nessa leitura, os cakras são
entendidos como seis centros energéticos localizados no corpo sutil ao longo da coluna
vertebral, ordenados por um sétimo cakra supremo que fica no topo da cabeça. Segundo
Padoux e Urban (2005), esse sistema se popularizou graças ao Ṣaṭ-Cakra-Nirūpana, um texto
escrito por um comentarista indiano do século XVI que foi traduzido ao inglês em 1919.
De acordo com Padoux e Urban (2005, p. 1348, tradução minha), “embora os cakras
não existam enquanto entidades fisicamente mensuráveis no corpo material, eles de fato
corresponderiam a estados fisiológicos e níveis particulares de consciência”. Isso se dá porque
os cakras estariam localizados no sukṣma śar ra. No hinduismo os humanos são formados por
três corpos (śar ra trayá): (1) um corpo totalmente amorfo e imaterial (karana śar ra), que
seria a origem da ilusão e também o receptáculo das memórias e impressões da experiência,
(2) um corpo denso (sthūla śar ra), que diz respeito ao material, e (3) um corpo sutil (sukṣma
śar ra), um intermediário entre os outros dois corpos. Por estarem no corpo sutil, os cakras
teriam a capacidade de intermediar as manifestações do corpo imaterial e do corpo denso. Em
outras palavras, “o mau funcionamento dos cakras também pode levar a uma variedade de
problemas mentais e físicos” (p. 1348, tradução minha).
Não há consenso sobre a origem do entendimento dos cakras enquanto centros de
energia. No geral, “cakras derivam das formações circulares de deusas poderosas que eram
originalmente representadas fora nos templos e diagramas rituais, mas que gradualmente
foram sendo internalizadas e identificadas como centros energéticos dentro do corpo”
(PADOUX, URBAN, 2005, p. 1348, tradução minha). O documento mais antigo que os
descreve como centros de energia é um texto budista do século VIII, o Hevajra Tantra, que
identificava a existência de apenas quatro cakras. O sistema com seis cakras, popularizado na
Nova Era, foi uma construção paulatina, não sendo anterior ao século X.
O objetivo da prática iogue é despertar a energia divina que estaria adormecida dentro
de cada ser. Essa energia é uma representação microcósmica de Śakti, a deificação indiana do
poder criativo feminino que existiria em todas as pessoas, independente do sexo. Nas
tradições iogues essa energia divina é chamada de kuṇḍalin , cuja representação iconográfica
é uma serpente enrolada na base da coluna que ascende pelas vértebras, penetrando cada um
103
dos cakras (PADOUX, URBAN, 2005). Quando a energia feminina da kuṇḍalin atinge o
cakra supremo, que é tido como o trono divino de Śiva, ocorre a união de Śakti e Śiva, do
poder criativo feminino com o poder criativo masculino, o que levaria à iluminação.
Figura 3 – Localização e nome dos cakras, segundo o sistema popularizado pela Nova Era.
Viśuddha: na garganta.
Anāhata: no coração.
Maṇipūra: no umbigo.
Mūlādhāra: no períneo.
Esse sistema popularizado pela Nova Era foi amplamente utilizado no ensino
brasileiro de naturologia. No curso da Universidade do Sul de Santa Catarina, Moreira (2016)
e Guerriero e Stern (2017) demonstraram grande apelo às leituras de cakras entre os relatos de
experiência dos formados nessa instituição. Mendes (2016, p. 14-15), especificamente,
ressalta que até a década de 2010 a mensuração de cakras era uma prática obrigatória na
clínica-escola de naturologia dessa universidade, o que também foi corroborado por Wedekin
(entrevista pessoal, 11 jan. 2017). Segundo Mendes (2016), as leituras de cakras teriam sido
104
abandonadas após uma pesquisa de 2009 ter apontado que os resultados dessas mensurações
eram estatisticamente aleatórios.
No entanto, para Wedekin (entrevista pessoal, 11 jan. 2017), o principal agente disso
não foi a pesquisa citada por Mendes, mas a pessoa de Fernando Hellmann, quem se tornou
coordenador do curso em 2009. Já para Marimon (entrevista pessoal, 27 abr. 2017), a retirada
do ensino de cakras do bacharelado em naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina
partiu de Patrícia Kozuchovski Daré, a sucessora de Helmann na coordenação do curso que,
segundo ele, odeia os cakras. Independente do responsável, Mendes (2016) observou que a
partir de 2010 as leituras de cakras virtualmente desapareceram dos trabalhos de conclusão de
curso produzidos pelos estudantes da Universidade do Sul de Santa Catarina.
Entretanto, o ensino dos cakras não foi de todo erradicado. Além de ainda constar no
projeto pedagógico desse curso (UNISUL, 2014, p. 48), a temática continua a ser ensinada de
modo transversal, como conteúdo curricular paralelo às aulas de cromoterapia, medicina
xamânica, medicina chinesa, medicinas vibracionais e métodos avaliativos. Os cakras
aparecem, inclusive, no Compêndio de naturologia (cf. ALVES, 2017, p. 70-80), o principal
material de suporte aos estudantes da clínica-escola. Portanto, os indícios apontam que os
naturólogos continuam a utilizar cakras, mas deixaram de registrar isso nos documentos
institucionais da universidade, possivelmente para não entrarem em conflito com os
professores que condenam essa prática por possuírem outro estilo de pensamento.
Usualmente os naturólogos recorrem aos cakras para fazer seu diagnóstico. Ao
identificarem que determinado cakra estaria com circulação excessiva de energia
(sobreatividade) ou circulação ineficiente de energia (infra-atividade), é considerado que “o
naturólogo tenha a capacidade de compreender e interagir com as grandes energias cósmicas
geradoras da consciência humana” (ALVES, 2017, p. 73).
O Compêndio de naturologia apresenta as seguintes considerações sobre como essa
leitura deve ser realizada:
Sobre a égide do healing, a observação dos aspectos emocionais dos cakras passou a
ser vista como sendo igualmente (se não até mais) válida aos resultados obtidos com o
pêndulo na década anterior. Com isso, uma série de métodos de aferir os cakras por aspectos
psicológicos passou a ser desenvolvida na Universidade do Sul de Santa Catarina, e Marimon
foi um dos docentes que mais se debruçou sobre esse tema. Ele desenvolveu uma planilha
com os supostos sintomas físicos e emocionais que seriam observados em quadros de
sobreatividade e infra-atividade de cada um dos cakras. Através da relação de interagência e
da observação do paciente, o naturólogo poderia, então, identificar se essas características
estariam presentes. Essa identificação, que tem como parâmetro a própria compreensão do
naturólogo a respeito da pessoa atendida, permitiria detectar a quantidade de energia de cada
um dos centros energéticos sem recorrer ao pêndulo. Além disso, serviria como um roteiro
para a anamnese do naturólogo, guiando-o em sua conversa com o interagente, o que
perguntar e quais pontos aprofundar.
Esse material elaborado por Marimon foi posteriormente adotado pela clínica-escola
de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, chegado a constar nas fichas de
evolução dos pacientes (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017). A partir da década de
2010, com a retirada formal das leituras por pêndulo, esse documento deixou de ser anexado
às tais fichas, embora Marimon continuasse a utilizá-las em particular durante suas
supervisões. Conforme descrito no próprio Compêndio de naturologia (cf. ALVES, 2017, p.
73), outros professores também adotaram esse método de avaliação criado por Marimon em
suas respectivas disciplinas, tendo um destaque em especial à aplicação desse material no
ensino de cromoterapia.
106
Infra-atividade Sobreatividade
Cakra
Aspectos físicos Aspectos emocionais Aspectos físicos Aspectos emocionais
Problemas Ansiedade Pressão craniana Extremismo religioso
oculares Pensamentos confusos Dores no crânio Intolerância
Enxaqueca Psicose Alucinações Necessidade de
Sahasrāra Falta de Conflito espiritual Alterações nervosas reconhecimento
oxigenação Distração Irresponsabilidade
Superstição Sede de poder
Medo do desconhecido Impulso místico exagerado
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Marimon (2004 apud ALVES, 2017, p. 74-80).
107
A importância dos cakras na medicina xamânica foi atestada por Marimon (2009b;
entrevista pessoal, 27 abr. 2017; entrevista pessoal, 11 mai. 2017), tanto quanto por duas
professoras (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017; GESSER, entrevista pessoal, 10
fev. 2017) e por um naturólogo (TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22 fev. 2017). Mas diferente
de outras práticas naturológicas, nas quais os cakras acabam por ser o coração da própria
aplicação da técnica (p. ex. cromoterapia, gemoterapia), não existe uma manipulação concreta
de cakras no xamanismo da naturologia. Ele é mais uma forma de diagnóstico.
O sistema é amplamente baseado na forma popularizada pelo movimento da Nova Era,
mas com algumas peculiaridades. A primeira especificidade é a própria nomenclatura. O
termo cakra não é mais como o tema aparece atualmente no material de suporte de Marimon,
embora nas entrevistas ele ainda tenha utilizado essa palavra (MARIMON, entrevista pessoal,
27 abr. 2017; entrevista pessoal, 11 mai. 2017; entrevista pessoal, 5 ago. 2017). Em seu lugar,
a expressão “portas reguladoras” assume o papel de sinônimo.
Uma das diferenças mais facilmente notáveis diz respeito ao nome e localização dos
centros energéticos. Um dos centros presentes no sistema popularizado pela Nova Era –
apresentado na Figura 3 (cf. p. 103) – não encontra paralelo no modo ensinado hoje por
Marimon. Isso ocorre a despeito desse centro estar originalmente presente na planilha que
Marimon desenvolveu na década de 2000 (cf. Tabela 4, página anterior), quando o termo
cakras era utilizado sem maiores problemas na Universidade do Sul de Santa Catarina.
Tabela 5 – Localização e nome dos cakras no sistema atual de Marimon e na Nova Era:
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Marimon (2009b, slide 35) e Padoux e Urban (2005, p. 1348).
108
cada enfermidade a uma Porta Reguladora específica” (slide 3); e “para os xamãs, cada Porta
tem uma vibração diferente. Para eles, a Porta, o órgão e a enfermidade que se regula têm a
mesma vibração” (slide 4). O recorte de textos produzidos na década de 2000 pela naturologia
da Universidade do Sul de Santa Catarina, no entanto, demonstra outro posicionamento.
Originalmente cakras eram um conteúdo relacionado à “medicina hindu” ou “tradição hindu”
(cf. ALVES, 2017, p. 70-71). No projeto pedagógico do curso, aliás, cakras ainda faziam
parte do conteúdo programático da disciplina de āyurvéda (UNISUL, 2014, p. 48).
Como será possível perceber no próximo capítulo, esses quatro ideais norteadores, que
organizam a cosmologia de xamanismo da naturologia, orientam as práticas principais dos
naturólogos que trabalham com essa forma específica de medicina xamânica. Os quatro
elementos, a noção de cakras, o healing e a noção de energia sutil são os fundamentos do
pensamento por trás das cinco formas mais observadas de aplicação do xamanismo entre os
naturólogos brasileiros.
110
CAPÍTULO 4
PRINCIPAIS PRÁTICAS DO XAMANISMO DA NATUROLOGIA
RODA DE MEDICINA
A roda de medicina, também por vezes chamada de roda xamânica ou roda de cura, é a
prática mais referida do xamanismo naturológico. Trata-se de uma transposição do programa
neoxamânico do livro O caminho quádruplo (cf. ARRIEN, 1997), com alguns tópicos
originais propostos pelo próprio Marimon com base em suas experiências de vida. É um
conteúdo que não está objetivamente referido no projeto pedagógico do curso de naturologia
da Universidade do Sul de Santa Catarina como “roda de medicina” (cf. UNISUL, 2014), mas
que implicitamente se faz presente pelo fato da obra de Arrien constar como a principal
referencia teórica obrigatória da matéria.
1
Dentre algumas dessas práticas mencionadas pontualmente, destacam-se reiki xamânico, massagem
xamânica, reflexoterapia xamânica, musicoterapia xamânica, aplicação terapêutica de aya’waska em consultório
de naturologia, temazcal (tenda de suor), busca de visão, oficinas de tambores, visualizações guiadas, filtro dos
sonhos, confecção de bolsas xamânicas, tarô xamânico, dança do sol, dança da lua, danças circulares e rezos
(oferendas xamânicas). Com exceção da bolsa xamânica e do filtro dos sonhos, essas práticas pontuais não são
ensinadas na disciplina de xamanismo do curso de naturologia, dizendo respeito a buscas pessoais que os
naturólogos fizeram em paralelo à universidade.
111
Todos os entrevistados mencionaram a roda de medicina. Ela foi descrita como uma
das práticas mais importantes – quiçá a mais importante – da medicina xamânica da
naturologia. Uma participante declarou que o livro “O caminho quádruplo basicamente é o
conteúdo de toda a disciplina” (MARTINS, entrevista pessoal, 18 out. 2017). Ao ser
questionado também sobre quais são as obras de referência das aulas, outro naturólogo disse:
“Ele [o professor] se fundamenta bastante no [livro] O caminho quádruplo da Arrien, e no
tarô Cartas xamânicas [de Jamie Sams e David Carson]” (LANZA, entrevista pessoa, 1 abr.
2017). Um terceiro entrevistado respondeu assim à mesma pergunta:
Havia referênciação no plano de ensino, mas eu não lembro das outras referências.
[O caminho quádruplo] foi o único livro que eu comprei. Os outros livros eu não
lembro nem quais eram. Eu lembro que tinha outras referências, [mas] não sei que
materiais que eram. O mais trabalhado em sala, mesmo, foi O caminho quádruplo
(KUHNEN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017).
Norte:
Caminho do Guerreiro
Meditação: em pé
Estilo de vida: ação correta
Caminho: mostrar-se
Bálsamo de cura: dança
Instrumento: chocalho
Meditação:
Meditação: caminhando
sentada Estilo de vida:
Estilo de vida: ritmo posicionamento correto
Oeste: adequado Leste:
Caminho do Mestre Caminho: aberto aos Caminho: dizer a verdade Caminho do Visionário
resultados Bálsamo de cura: canto
Bálsamo de cura: Instrumento: sino
silêncio
Instrmento: Meditação: deitada
ossos Estilo de vida: comunicação
correta
Caminho: estar atendo
Bálsamo de cura: contar histórias
Instrumento: tambor
Sul:
Caminho do Curador
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Arrien (1997, p. 100) e Marimon (2017a).
que eu teria que pensar? Nem sei se isso tem em algum lugar” (MARIMON, entrevista
pessoal, 22 set. 2017). Aparentemente a relação das duas palavras com as obras de Castañeda
não eram evidentes nem mesmo a ele.
A naturóloga que mencionou o tema explicou que “o eixo tonal é o teu espírito, e o
eixo nagual é como tu se movimentas estando encarnado, o que tu fazes na terra”
(MARTINS, entrevista pessoal, 18 out. 2017). Marimon ofereceu a seguinte explicação:
Dentro das rodas de medicina tu tens um eixo tonal e um eixo nagual. Esse eixo
tonal norte-sul vai trazer aspectos ligados à natureza pessoal, então é o eixo que vai
praticamente definir a forma operante da tua natureza. E o eixo nagual é um eixo
que mantém, traz a mobilidade e a flexibilidade de você manter esse eixo [tonal] o
mais voltado para o centro possível (MARIMON, entrevista pessoal, 22 set. 2017).
No emprego da roda pelos naturólogos, a noção de eixo tonal e eixo nagual acaba por
classificar os arquétipos do caminho quádruplo em dois grupos distintos: o desenvolvimento
dos arquétipos do Guerreiro e do Curador diria respeito à manifestação da natureza pessoal, e
o desenvolvimento dos arquétipos do Visionário e do Mestre fica relacionado à resiliência. Ao
identificar se o problema do paciente é da ordem da manifestação do self (eixo tonal) ou de
adaptabilidade perante a vida (eixo nagual), o naturólogo poderia, então, escolher com qual
dos elementos e arquétipos ele precisa trabalhar em terapia.
Conforme é possível perceber pela figura da página anteriorFigura 4, cada um dos
arquétipos possui algumas características simbólicas próprias, palavras-chave e propostas de
exercícios visando o desenvolvimento pessoal. O primeiro é o Caminho do Guerreiro.
Segundo Arrien (1997, p. 23), seu princípio é “mostrar-se ou optar por estar presente”. Seria
um arquétipo que desenvolve a capacidade de comunicação, agindo de modo honroso, em
coerência entre o discurso pessoal e a forma como a pessoa age no mundo. Além disso, seria
o caminho da liderança, que para a autora deve ser pautada em três valores: “quando houver
muito a fazer, não tenha medo; quando nada houver a fazer, não se precipite; e não fale sobre
opiniões do certo e do errado” (p. 31). Além dos aspectos positivos, Arrien também elenca o
que ela chama de “aspectos sombra do arquétipo do guerreiro” – ou “a criança ferida do
norte” (p. 38). Seu programa neoxamânico diz que quando uma pessoa tem pendências de
desenvolvimento pessoal com esse arquétipo, isso se manifesta de três maneiras principais:
(1) necessidade de espaço disfarçada de rebeldia, (2) vitimismo que se apresenta como
problemas com autoridades, e (3) padrões de invisibilidade, ou seja, a pessoa passa a se
reprimir, escondendo-se por trás de figuras de poder (p. 38-39). Seu bálsamo de cura seria a
115
dança. Em outras palavras, as pessoas que precisam curar a criança ferida do norte seriam
espiritualmente auxiliadas nesse processo pelo simples fato de dançar.
O segundo é o Caminho do Curador. Segundo Arrien (1997, p. 23), seu princípio é
“prestar atenção ao que tem coração e significado”. Seria um arquétipo pautado no amor. Ela
também apresenta a gratidão e o acalento como valores-chave, pois seria uma forma de
expressar a importância que as outras pessoas têm para nós. Por fim, declara que o amor e a
saúde andam atrelados, motivo pelo qual o caminho do amor é também o caminho da cura.
Pautada em Jeanne Achterberg, Arrien apresenta “oito conceitos de cura” (sic.) que ela
considera serem essenciais para que o amor e a saúde possam se manifestar na vida:
O amor romântico, o amor familiar, o amor fraternal, o amor profissional (p. ex. entre
terapeuta e paciente), o amor próprio e o amor espiritual são, todos, portas para acessar esses
“oito conceitos de cura” (ARRIEN, 1997, p. 50). Entretanto, assim como na jornada do
Guerreiro, ela também fala dos “aspectos sombras do arquétipo do Curador” – ou a “criança
ferida do sul”. Seu programa diz que quando uma pessoa tem pendências de desenvolvimento
com esse arquétipo, isso se manifesta em quatro tipos de dependência: (1) dependência de
intensidade, ou seja, baixa tolerância ao tédio; (2) dependência de perfeição, ou seja, baixa
tolerância às falhas ou vulnerabilidades de qualquer tipo; (3) dependência da necessidade de
saber, que se manifestaria na intolerância a surpresas e ao inesperado; e (4) dependência de se
apegar ao que deu errado, ignorando as coisas que dão certo na vida (p. 56-58). O bálsamo de
cura nesses casos seria contar histórias.
Entre os naturólogos, esses dois primeiros caminhos representam o que é entendido
como eixo tonal. Através do amor e do reconhecimento (Caminho do Curador) e também da
comunicação, honra e coerência (Caminho do Guerreiro), o espírito se manifestaria com
integridade na terra. São, portanto, considerados os dois arquétipos principais do caminho
quádruplo. Os dois outros caminhos dizem respeito ao eixo nagual, servindo de ferramenta
para que a pessoa possa se flexibilizar perante as contingências.
116
O terceiro é o Caminho do Visionário. Para Arrien (1997, p. 67), seu princípio é “dizer
a verdade, sem acusar nem julgar”. Seria um arquétipo que permitiria a expressão do eu
autêntico. Nas palavras de Arrien (p. 68), “podemos liberar a criatividade que existe em cada
um de nós, se deixarmos de lado os conceitos de certo ou errado”. Esse caminho é pautado em
uma concepção de que o self é um aspecto sutil, e que se o espírito é impedido de se mostrar
verdadeiramente como é, perder-se-ia no mundo esse “remédio original”. Seria importante às
pessoas “dizerem a verdade sem julgamentos”, pois só assim elas honrariam a intuição, a
percepção, o discernimento e a visão. Arrien apresenta alguns exemplos de frases de como se
expressar “com a língua do espírito” (sic.):
Essas frases permitem concluir que o que a autora chama de “dizer a verdade sem
julgamentos” é uma forma positiva de expressar sentimentos negativos. Sobre os “aspectos
sombra do arquétipo do Visionário” – ou a “criança ferida do leste” –, o programa de Arrien
(1997, p. 73-76) declara que quando uma pessoa tem pendências com esse arquétipo, um
“falso eu” é alimentado, o que ocorre geralmente ao se tentar obter a aprovação de alguém,
conquistar alguém, ou para manter a paz. Isso levaria à abnegação, definida pela autora como
“evitar questões difíceis ou calar-se diante dessa dificuldade” (p. 74). Essa postura levaria a
uma renúncia de si mesmo. O bálsamo de cura para essas pessoas seria o canto.
Por fim, o último caminho é o Caminho do Mestre. Segundo Arrien (1997, p. 23), seu
princípio é “estar aberto para os resultados, e não preso aos resultados”. O desapego e a
confiança são suas questões centrais. Permitir que as coisas partam e não se abalar pela
incerteza frente ao futuro são os principais temas abordados. Arrien se pauta diretamente nas
“quatro leis imutáveis do espírito” de Harrison Owen, declarando que elas orientam grande
parte da jornada espiritual do Caminho do Mestre: “(1) Quem quer que esteja presente, é a
pessoa certa; (2) Seja quando for que comece, é o tempo certo; (3) O que quer que aconteça, é
a única coisa que poderia ter acontecido; (4) Quando acaba, acaba” (p. 94). A autora também
diz que esse caminho permite trabalhar ritualisticamente as perdas de laços, perdas de rumo,
perdas de estrutura, perdas de futuro, perdas de significado e perdas de controle (p. 87). Como
117
Às vezes eu observo isso no meu interagente, mas eu nem falo que estou
trabalhando [com o xamanismo] […]. Eu vejo, ele apresenta naquela situação, como
ele está, mas aí eu tento trazer aquelas características para dentro da interagência,
porque muitas vezes as pessoas não aceitam, não acreditam, não veem. […] Eu não
chego a falar disso claramente [ao paciente], mas eu me utilizo desse conhecimento
nas sessões, na terapia (KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017).
O Roberto [Marimon] fez a roda de cura como presente de formatura para a minha
sala […] É um presente que ele dá para cada turma que se forma. Então ele fez a
roda na casa dele e nessa roda apareceram os animais que compunham aquela roda.
[…] Então, vamos supor, se aparece um animal no leste, que guarda o [arquétipo do]
Visionário, aquele animal é a personificação ou a representação, se preferir, daquilo
que a pessoa precisa para encontrar a visão dela de novo. É como se esse animal
fosse um lembrete para encontrar o caminho ou um auxiliar que ajude a pessoa a
restaurar a visão dela quando ela se sente perdida. Então ele fez uma roda para a
unidade que representava minha turma e nos presenteou, assim nós poderíamos nos
lembrar do caminho de volta toda vez que nos sentíssemos perdidos, estivéssemos
com medo ou sem forças (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
A medicina das cores, por vezes chamada de medicina das luas ou coroas xamânicas, é
a segunda prática mais mencionada pelos respondentes. Ela consiste em uma forma própria de
criptoastrologia (do grego antigo krúptó, “oculto”), na qual os signos zodiacais assumem
outro formato: doze cores relacionadas aos quatro elementos. É uma prática retirada do livro
astrológico Cosmologia, de Sady Carnot Nunes Neto (cf. 1994). Mas ao passo que na obra de
119
Nunes Neto a correspondência entre os signos zodiacais e as cores está explícita aos leitores,
aos naturólogos essa relação não é evidente, motivo pelo qual classifico essa prática como
criptoastrológica. Nenhum naturólogo entrevistado sabia dizer de onde esse sistema surgiu, ou
apontou a obra de Nunes Neto como sua referência. Como também será comentado a diante,
identificar a medicina das cores com a astrologia tende a ser um tabu entre os naturólogos.
Esse sistema já foi apresentado a Marimon como algo xamânico. Nunes Neto (1994, p.
1) agradece a Juan Uviedo, um xamã urbano argentino que teria sido o responsável por
compilar esse material, de quem ele teria sido discípulo. No entanto, o livro de Nunes Neto (p.
9) também declara que a atribuição de cores aos signos astrológicos partiu de Martin
Schulman, um astrólogo britânico. Marimon não citou Uviedo nem Schulman em qualquer
momento, por isso não me é claro até que ponto ele tem ciência dessas referências. O que ele
narrou é que ele conheceu a medicina das cores por um curso ministrado pelo próprio Nunes
Neto, que Marimon teria feito quando morou em Salvador e integrava um grupo do
Movimento Rajneesh (MARIMON, entrevista pessoal, 3 nov. 2016).
Conforme mencionei anteriormente, outra questão é o tabu no meio da naturologia de
relacionar a medicina das cores à astrologia. No final do Capítulo 2 (cf. p. 82) defendi que a
inclusão do xamanismo no curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina é
uma persistência do estilo de pensamento original desse curso frente à emergência do estilo de
pensamento biologista representado pela coordenação de Goulart. Para sobreviver, foi
necessária uma adaptação dos conteúdos desse primeiro paradigma, que era mais alinhado ao
ethos Nova Era e foi considerado “viagem” (sic.) por essa ex-coordenadora. Então se a
astrologia fosse continuar no curso, sendo um conteúdo fortemente identificado como
esotérico entre as grandes massas, ela precisaria assumir outro formato – o que não significa
necessariamente que essa modificação tenha sido algo consciente. Pelo material analisado e
entrevistas realizadas, não tenho como distinguir se essa mudança se deu de modo orgânico
ou se foi algo deliberado. Contudo, não tem como negar que uma identificação da medicina
das cores enquanto sinônimo de astrologia fragilizaria sua permanência, pois isso poderia lhe
atribuir novamente o status de anomalia2 aos olhos dos biologistas.
Marimon ressaltou que a medicina das cores e a astrologia não seriam a mesma coisa.
Ele disse ter feito cursos de astrologia tanto quanto de medicina das luas, como se fossem
coisas diferentes. Como ambos os cursos foram ministrados no mesmo local, um espaço
soteropolitano do Movimento Rajneesh ao qual ele fez parte, talvez Marimon considere que
2
Utilizo o termo tendo em vista a teoria da ciência discutida no Capítulo 2 (cf. p. 82).
120
Tabela 7 – Período de regência das cores no livro de Nunes Neto e nas aulas de Marimon.
Porém, de fato há algo de novo nesse sistema que possibilita concluir que a medicina
das cores não é apenas uma transposição do método astrológico. Por mais que os signos e
cores mantenham virtualmente o mesmo significado, o procedimento para se montar a coroa
xamânica difere dos cálculos envolvidos na confecção do mapa astrológico. Mas isso apenas
não é suficiente para concluir que a medicina das cores não é uma nova forma de astrologia.
Ela só não é a astrologia hegemônica. Começarei elaborando algumas tabelas focadas nas
semelhanças, e então explicarei com mais ênfase as diferenças entre as duas ao fim da seção.
Embora Marimon assuma ter feito algumas alterações por estudos de astrologia sideral
realizados por Peter Mandel (MARIMON, entrevista pessoal, 13 out. 2017), a obra derradeira
de referência continua sendo o livro de Nunes Neto. Para comparar, utilizei as descrições de
cada um dos signos astrológicos segundo o Dicionário de Sìmbolos de Jean Chevalier e Alain
Gheerbrant (2009), e as descrições das doze cores apresentadas no livro de Nunes Neto
(1994). Para demonstrar como isso é transposto para a naturologia, destaquei trechos do
Compêndio de naturologia (ALVES, 2017), e do material de suporte às aulas de Marimon
(2009). É importante atentar que como o material de suporte de Marimon são slides de
PowerPoint, muitas vezes a única explicação encontrada sobre cada cor são palavras-chave,
motivo pelo qual as citações diretas são mais escassas nessa coluna das tabelas.
122
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
123
Em Touro, o segundo signo, a cor escolhida também possui relação com o simbolismo
astrológico clássico. Segundo Chevalier e Gheerbrant (2009, p. 894), Touro é regido por
Vênus. Como a cor de Vênus é o verde, acaba que essa cor também é considerada a cor de
Touro. Embora no livro de Nunes Neto o planeta regente do Verde foi mudado para Júpiter,
aparentemente a cor da astrologia foi mantida.
Sobre o Verde no
Sobre o Verde no
Sobre Touro no Dicionário material de
Sobre o Verde no livro Compêndio de
de Símbolos (CHEVALIER, suporte das aulas
de Nunes Neto (1994) naturologia
GHEERBRANT, 2009) de Marimon
(ALVES, 2017)
(2009a)
“Esse signo é regido por Vênus” Relacionado a Júpiter (p.
(p. 894). 52).
“Verde é como um
“O Touro se apresenta como a amigo. Ele dá a mão,
estática de uma massa portadora o conhecimento, o
“Dono da nutrição, sempre Palavras-chave:
de vida” (p. 895). alimento para a alma”
tendo à mão, para si ou “Alimento físico,
“Temperamento generoso” (p. (p. 45).
para o outro, um alimento mental e emocional”
895). Palavras-chave:
físico ou espiritual” (p. 30). (slide 24).
“A cobiça dos alimentos “Alimento físico,
terrestres” (p. 895). mental e emocional”
(p. 47).
“O bem-querer, o afeto, o
“A partitura do Touro assimila-se
amor pelo amor e
a um canto báquico [de Baco,
principalmente a fé pela fé
deus do prazer], à glória de
são condições inerentes
Vênus [deusa do amor], a Vênus
para que um Verde possa
genitora” (p. 895).
existir” (p. 30).
“Ele é o educador que
oferece tudo, mas não
“O Verde nunca ‘dá o
fará nada por
peixe’. Ele sempre ensina
ninguém. Ele dá o que
quando e como pescar” (p.
precisa, mas não
34).
executa por você” (p.
45).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Terra Relacionado ao elemento
elemento Terra (p. elemento Terra (slide
(p. 894). Terra (p. 46).
47). 23).
“Caracterizada por uma criatura “Palavra de cura: Palavra-chave: força
Dom divino da força (p. 9).
possante” (p. 895) Força” (p. 47). (slide 24).
Palavra-chave:
Frase que expressa a cor: Palavra-chave:
“necessidade” (slide
“Eu preciso disto” (p. 53). “necessidade” (p. 47).
24).
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
124
Embora nos primeiros signos as cores da medicina das cores possuíam relação com as
cores da astrologia, a partir de Gêmeos isso deixa de acontecer. Gêmeos é representado pelo
amarelo, mas na medicina das cores tem como contraparte o Branco. Além disso, Nunes Neto
descreve o Branco como moralista, contrariando as características geminianas segundo
Chevalier e Gheerbrant. Outras características do signo, porém, parecem ter relação.
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
125
No quarto signo, Câncer, a cor astrológica gris também não possui relação com a cor
adotada na medicina das cores, o Turquesa. Contudo, como é possível perceber na tabela a
seguir, muitas outras características cancerianas lhe foram atribuídas.
Sobre o Turquesa
Sobre o Turquesa
Sobre Câncer no Dicionário de Sobre o Turquesa no no material de
no Compêndio de
Símbolos (CHEVALIER, livro de Nunes Neto suporte das aulas
naturologia
GHEERBRANT, 2009) (1994) de Marimon
(ALVES, 2017)
(2009a)
“Ao signo Câncer encontra-se Relacionado a Vênus (p.
associada a Lua” (p. 174). 52).
“É a parte feminina
“O Celeste será sempre
do movimento
uma energia de essência
cósmico, ele é a mãe
feminina” (p. 36).
do Universo” (p. Palavras-chave:
“Identifica-se ao arquétipo materno “O Celeste é a mãe, é a
45). “família,
[…] que vai do útero à terra-mãe” (p. maternidade, é a
Palavra-chave: maternidade” (slide
173-174). gestação e a criação” (p.
“maternidade” (p. 20).
37).
47).
Dom divino da família
“Palavra de cura:
(p. 10).
Família” (p. 47).
“Tudo aquilo que é grande, e que
“Faz parte do Celeste o Palavra-chave:
envolve, resguarda, conserva, nutre, Palavra-chave:
amparar, o proteger” (p. “proteção” (slide
protege e mantém aquecido aquilo “proteção” (p. 47).
36). 20).
que é pequeno” (p. 173).
“Possui o chamado
“O papel do Câncer é também o da
‘sexto sentido
mediação, da mediunidade” (p. 174).
feminino’” (p. 37).
Assume “com
“A natureza canceriana deriva do Palavras-chave: Palavras-chave:
propriedade a beleza, a
desenvolvimento da sensibilidade da “arte, música” (p. “arte, música” (slide
estética e as artes
alma infantil na proximidade da mãe, 47). 20).
plásticas” (p. 37).
como também do surto ascensional
do imaginário, com seu mundo de “As paixões Celestes são
Palavras-chave: Palavras-chave:
subjetividade, de lembrança, de sempre sonhadoras e
“amor, “amor,
sonho, de romanesco, de fantasia, de infantis, onde o príncipe
sensibilidade” (p. sensibilidade” (slide
lirismo” (p. 174). é sempre encantado” (p.
47). 20).
37).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Água (p. Relacionado ao elemento
elemento Água (p. elemento Água
173). Água (p. 46).
47). (slide 19).
Frase que expressa a cor: Palavra-chave: “o
Palavra-chave: “o
“Ele precisa disso (o outro (tudo para o
outro” (slide 20).
corpo é filho)” (p. 53). outro)” (p. 47).
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
126
Sobre o Preto no
Sobre o Preto no
Sobre Leão no Dicionário de Sobre o Preto no material de
Compêndio de
Símbolos (CHEVALIER, livro de Nunes Neto suporte das aulas
naturologia
GHEERBRANT, 2009) (1994) de Marimon
(ALVES, 2017)
(2009a)
Relacionado a Plutão (p.
“Ele é acoplado ao Sol” (p. 540).
52).
“Representa o impulso
“Resplandecência dos ardores
vital em busca de forma”
vitais” (p. 540).
(p. 13).
“Gera um tipo bem hercúleo
[relacionado a Hércules, semideus “O Preto é uma cor que Palavra-chave:
Palavra-chave: “poder
conhecido por sua força física] em se relaciona sempre com “poder terreno”
terreno” (p. 47).
realismo, eficácia, rigor concreto, o materialismo” (p. 13). (slide 15).
presença física” (p. 540).
“O Preto é a relação com
“Força emotiva ativa disciplinada e
o futuro, com o planejar
orientada para um fim, a servir “Preza o futuro” (p. “Preso ao futuro”
meta a meta, no sentido
ambições de longo alcance” (p. 47). (slide 15).
de se chegar ao objetivo
540).
maior” (p. 13).
“No seu lado negativo
“Exprime a alegria de viver, a
aparece o usurário, o
ambição, o orgulho e a elevação”
orgulhoso, o vaidoso” (p.
(p. 540).
13).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Fogo (p. Relacionado ao elemento
elemento Fogo (p. elemento Fogo
540). Fogo (p. 46).
47). (slide 15).
Dom divino da liberdade “Palavra de cura: Palavra-chave:
(p. 9). Liberdade” (p. 47). liberdade (slide 16).
“[O] Preto ‘tira’ do
outro para si” (p. 45).
Palavra-chave:
Frase que expressa a cor: “É a individualidade”
“possessivo” (slide
“Isto é meu” (p. 53). (p. 47).
16).
Palavras-chave:
“possessivo” (p. 47).
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
127
Sobre Virgem, esse signo é representado pelas cores marrom ou verde. Na medicina
das cores, porém, corresponde ao Amarelo. Chama à atenção que Nunes Neto (1994, p. 16)
escreveu que pessoas dessa coroa possuem maiores chances de se tornarem homossexuais.
Curiosamente Chevalier e Gheerbrant (2009, p. 961) relacionam Virgem à fixação anal da
teoria freudiana. Embora Chevalier e Gheerbrant nada falem sobre a homossexualidade, na
psicanálise a fixação anal foi um dos motivos utilizados por Freud para explicar a
homossexualidade. Na naturologia, a crença de que pessoas virginianas ou com coroa
Amarela seriam mais propensas à homossexualidade foi totalmente descartada.
Sobre o Amarelo
Sobre o Amarelo no material de
Sobre Virgem no Dicionário Sobre o Amarelo no
no Compêndio de suporte das
de Símbolos (CHEVALIER, livro de Nunes Neto
naturologia aulas de
GHEERBRANT, 2009) (1994)
(ALVES, 2017) Marimon
(2009a)
“Mercúrio é o planeta que a rege” Relacionado a Mercúrio (p.
(p. 961). 52).
“O Amarelo é uma cor
“É o segundo signo de Mercúrio Palavras-chave: Palavras-chave:
questionadora, porém não no
[deus da eloquência e da “Análise, diálogo” “Análise, diálogo”
sentido da lógica, mas no
comunicação]” (p. 961). (p. 47). (slide 24).
sentido filosófico” (p. 16).
“Mediador entre o
Preto e o Branco […]
“O fiel da balança entre o
“Simboliza a consciência Amarelo serve como
Preto e o Branco, pois é
emergindo da confusão” (p. 961). fiel de uma balança”
coerente” (p. 16).
(p. 45).
“Destaca-se a silhueta de um
caráter que tem a sua
“Quando em sua forma
equivalência no complexo anal
negativa [sic.], provoca a
reprimido da psicanálise
homossexualidade” (p. 16).
freudiana” (p. 961, grifo dos
autores).
“[É] inerente do Amarelo a Palavra-chave:
Palavra-chave:
ideação, a concepção da “ideologia” (slide
“ideologia” (p. 47).
ideia e a ideologia” (p. 16). 24).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Terra Relacionado ao elemento
elemento Terra (p. elemento Terra
(p. 961). Terra (p. 46).
47). (slide 23).
“Estilo que visa à pureza” (p. “Palavra de cura: Palavra-chave:
Dom divino da pureza (p. 9).
961). Pureza” (p. 47). pureza (slide 24).
Frase que expressa a cor:
“Isto é nosso” (p. 53).
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
128
O signo seguinte, Libra, tende a ser representado pelas cores rosa e turquesa na
astrologia, mas na medicina das cores tem como contraparte o Índigo. O livro de Nunes Neto
(1994, p. 52) também cita um planeta chamado “Elno” como o regente do Índigo, inexistente
na astrologia. Maiores informações sobre esse planeta não são apresentadas no livro.
Sobre o Índigo no
Sobre Libra no Sobre o Índigo no
material de
Dicionário de Símbolos Sobre o Índigo no livro Compêndio de
suporte das aulas
(CHEVALIER, de Nunes Neto (1994) naturologia (ALVES,
de Marimon
GHEERBRANT, 2009) 2017)
(2009a)
Relacionado a Elno (p. 52).
“É colocado sob a regência
de Vênus, a cuja assistência “O Azul tem uma tendência
Saturno traz uma nota de ao imediatismo, a uma
desprendimento” (p. 115). moral própria e ao
desapego” (p. 40).
“É a lógica, o
“É cético e busca explicar questionamento e o
Palavras-chave:
tudo através do racional” (p. 46).
“teoria, compreensão,
conhecimento adquirido Palavras-chave: “teoria,
ciência” (slide 12).
por meio da razão” (p. 39). compreensão, ciência”
(p. 48).
“Administração dos
“É colocado sob a regência
pensamentos, boa memória “Consciência dos
de Vênus […] a das
e aptidão para se exprimir acontecimentos vistos e
serenatas e minuetos” (p.
pela palavra e pela escrita” vividos” (p. 46).
115).
(p. 39).
“[É] dedutivo e isso nos
permitiu a possibilidade de
“Azul Índigo [é a] razão
descobrir a roda e até de
das coisas poderem
estarmos escrevendo este
acontecer” (p. 46).
texto num computador” (p.
40).
Relacionado ao
Relacionado ao elemento Ar Relacionado ao elemento Relacionado ao
elemento Ar (slide
(p. 115). Ar (p. 46). elemento Ar (p. 47).
11).
Dom divino do
conhecimento (p. 10).
Palavra-chave:
“Se preocupa sempre em “Palavra de cura:
“conhecimento” (slide
adquirir mais conhecimento Conhecimento” (p. 48).
12).
sobre aquilo que já
conhece” (p. 40).
“Ele está interessado no
“Marca o equilíbrio entre o
Frase que expressa a cor: autorrendimento, […]
edifício construído e as
“Será que posso ter isso? ele fica pensando em
forças que lhe preparam a
Tenho condições” (p. 53). como fazer melhor” (p.
ruína” (p. 114)
48).
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
129
O próximo signo é Escorpião, que possui relação com a morte por ter sua data de
regência iniciada próxima ao Hallowe’en. Na astrologia, é representado tradicionalmente pela
cor preta. Na medicina das cores, sua contraparte é o Violeta, coroa cuja relação simbólica
com a morte também é similar ao simbolismo astrológico.
Sobre o Violeta no
Sobre Escorpião no Sobre o Violeta no
Sobre o Violeta no material de
Dicionário de Símbolos Compêndio de
livro de Nunes Neto suporte das aulas
(CHEVALIER, naturologia (ALVES,
(1994) de Marimon
GHEERBRANT, 2009) 2017)
(2009a)
“O signo [é] colocado sob a
regência de Marte, assim Relacionado à Lua (p. 52).
como de Plutão” (p. 384).
“O Escorpião evoca a
natureza na época do Dia de “Ele é a transmutação, a “O Violeta [fecha] o
Todos os Santos, da queda das morte, a elaboração do conhecimento de tudo”
folhas, da morte da luto e das perdas” (p. 43). (p. 46).
vegetação” (p. 384).
“Força misteriosa e inexorável
das sombras, do inferno, das
“Para o Violeta não é “Ele gosta da dificuldade
trevas interiores” (p. 384). Palavras-chave:
possível se dar valor ao porque ele pode
“O gosto amargo da angústia “dificuldade,
Paraíso sem que se [suportá-la]” (p. 47).
de viver” (p. 384). dor/sofrimento”
conheça antes os Palavras-chave:
“O seu clima é o das (slide 20).
Infernos” (p. 43). “dor/sofrimento” (p. 47).
tormentas, e é da tragédia o
seu território” (p. 385).
“O Violeta sempre se
“Vemos estabelecer-se uma relaciona com todas as “Ele que determina a
dialética de destruição e de energias do universo […] mudança necessária para
criação, de morte e de porque é através dele que que tudo fique bem.
renascimento, de condenação poderão ser revistos e Determina o que deve ser
e de redenção” (p. 384). resolvidos os Karmas” (p. mudado” (p. 46).
43).
“O Escorpião [é] como um
“Totalmente voltado para
canto de amor num campo de
[a] emoção, [mas] nunca
batalha ou um grito de guerra
pode se dar ao luxo de ser
num campo do amor” (p.
romântico” (p. 44).
384).
Relacionado ao
Relacionado ao elemento Relacionado ao elemento Relacionado ao elemento
elemento Água (slide
Água (p. 384). Água (p. 46). Água (p. 47).
19).
Palavra-chave:
Dom divino da finalidade “Palavra de cura:
“finalização” (slide
(p. 11). Finalização” (p. 47).
20).
Frase que expressa a cor: Palavra-chave:
Palavra-chave:
“E se eu não puder? Eu “insatisfação” (slide
“insatisfação” (p. 47).
queria tanto…” (p. 53). 20).
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
130
Sagitário na astrologia é simbolizado pela cor roxa, mas na medicina das cores tem
como contraparte o Vermelho. Aqui Nunes Neto (1994) traça uma relação explícita e objetiva
com a astrologia, declarando que o Vermelho se trata do “Centauro da Constelação de
Sagitário” (p. 39). Essa relação foi apagada na naturologia.
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
131
Na sequência vem Capricórnio, o décimo signo, cuja cor volta a ser a mesma tanto na
astrologia quanto na medicina das cores, algo que não acontecia desde o segundo signo. O
Marrom é descrito por Nunes Neto (1994, p. 52) como regido pelo planeta Terra. Na
astrologia, o planeta Terra rege nenhum signo. Mas como veio ocorrendo até esse ponto, essa
divergência não diminui as grandes semelhanças entre o signo astrológico e a cor em questão.
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
132
O penúltimo signo é Aquário, cuja cor é o índigo na astrologia, mas que na medicina
das cores é representado pelo Rosa. Possui uma divergência a respeito da figura promovida:
ao passo que o símbolo clássico de Aquário é um homem velho representante da sabedoria, na
medicina das cores o Rosa é relacionado à infância. Com exceção disso, é possível perceber
que a maior parte dos atributos aquarianos lhe foi também transferida.
Sobre o Rosa no
Sobre o Rosa no
Sobre Aquário no Dicionário de Sobre o Rosa no material de
Compêndio de
Símbolos (CHEVALIER, livro de Nunes suporte das aulas
naturologia
GHEERBRANT, 2009) Neto (1994) de Marimon
(ALVES, 2017)
(2009a)
“Seu regente tradicional é Saturno, ao
Relacionado a
qual acrescentou-se Urano, após a sua
Saturno (p. 52).
descoberta” (p. 68).
“Surge também o
Rosa, trazendo o
“Dono da alegria e do movimento do prazer,
Palavras-chave:
Figura representativa: “um velho prazer. Por esse da leveza e da
“brincadeira, alegria”
sábio” (p. 68). motivo ele é infantil, harmonia” (p. 45).
(slide 12).
brincalhão” (p. 21). Palavras-chave:
“brincadeira, alegria”
(p. 48).
“A matéria íntima desse tipo zodiacal “Inteligência e
é fluida, leve, etérea” (p. 68). habilidade; caráter
“É o ser da avant-garde, do pacífico e
progresso, da emancipação” (p. 68). independente” (p. 21).
“Aquário indica o mundo das
“Possui muitas vezes
afinidades eletivas, que fazem de nós Palavras-chave:
um pensamento de Palavra-chave:
seres vivendo numa comunidade “ilusão, sonho” (p.
fluxo descontínuo e “ilusão” (slide 12).
espiritual e em plena esfera 48).
idealista” (p. 21).
universal” (p. 68).
“O Rosa é uma
“Supõe o dom do autodesapego
energia libertária,
acompanhado de serenidade e o dom
desapegada e
do self aliado ao altruísmo” (p. 68).
solidária” (p. 21).
Relacionado ao
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Ar (p. 68). elemento Ar (slide
elemento Ar (p. 46). elemento Ar (p. 47).
11).
Figura representativa: “um velho
sábio carregando debaixo do braço ou Dom divino da Palavra-chave:
“Palavra de cura:
nas costas uma ou duas ânforas; essas infinita abundância “abundância” (slide
Abundância” (p. 48).
urnas inclinadas derramam a água (p. 10). 12).
que contém” (p. 68).
Frase que expressa a
cor: “Às vezes…” (p.
53).
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
133
Finalmente chegamos a Peixes, o último signo. Sua cor astrológica é o verde piscina,
mas na medicina das cores sua contraparte é o Prata. Chevalier e Gheerbrant (2009, p. 705)
lembram que Peixes se situa antes do equinócio da primavera, o início do ano astrológico.
Isso aparece implicitamente no Compêndio de naturologia, que descreve o Prata como o
impulso de possibilidades que leva ao novo (ALVES, 2017, p. 45).
Sobre o Prata no
Sobre o Prata no
Sobre Peixes no Dicionário de Sobre o Prata no material de
Compêndio de
Símbolos (CHEVALIER, livro de Nunes Neto suporte das aulas
naturologia
GHEERBRANT, 2009) (1994) de Marimon
(ALVES, 2017)
(2009a)
“Seu senhor tradicional é Júpiter, ao
Relacionado a Netuno
qual se acrescentou, depois de
(p. 52).
descoberto, Netuno” (p. 705).
“Mundo da indistinção, do “Possui um pensamento
indiferenciado, do inundado, do de fluxo descontínuo”
confuso” (p. 705). (p. 19).
“O Prata é o silêncio” (p. Palavra-chave: Palavra-chave:
18). “silêncio” (p. 47). “silêncio” (slide 20).
“Fusão das partes em uma totalidade
“Representa o elo entre
[…] dois peixes sobrepostos em
os dois aspectos da
sentido inverso e ligados por uma
criação” (p. 18).
espécie de cordão umbilical” (p. 705).
“Cabe a ti levar a ele [o “Palavra de cura: Palavra-chave:
ser humano] a Compaixão” (p. “compaixão” (slide
compaixão” (p. 9). 47). 20).
Relacionado ao Relacionado ao
Relacionado ao elemento Água (p. Relacionado ao
elemento Água (p. elemento Água (slide
705). elemento Água (p. 46).
47). 19).
Dom divino de
compreender Deus (p.
10).
“Eles simbolizam o psiquismo, esse
“Desenvolve a
mundo interior, tenebroso, através do Palavra-chave: Palavra-chave:
espiritualidade, a
qual se faz a comunicação com o “intuição” (p. 47). “intuição” (slide 20).
clarividência, a profecia”
deus ou com o diabo” (p. 705).
(p. 18).
“O Prata é um médium
nato” (p. 18).
“Movimento constante,
“As enchentes do inverno, as cheias em alta velocidade, e “É um movimento
que dissolvem e engolem como um domínio do tempo, igual tão rápido que é
Palavra-chave:
dilúvio purificador, assim como a invisibilidade” (p. 18). invisível” (p. 45).
“tempo” (slide 20).
massa em movimento e anônima dos Frase que expressa a cor: Palavra-chave:
oceanos” (p. 705). “Isto pertence a um “tempo” (p. 47).
movimento” (p. 53).
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009), Nunes Neto (1994), Alves
(2017) e Marimon (2009a).
134
Embora o discurso êmico da naturologia oculte a relação entre a medicina das cores e
a astrologia, a compreensão para o significado de cada uma das doze cores possui grandes
relações com a interpretação astrológica dos signos solares. As datas de regência de cada
coroa – demonstradas na Tabela 7 (cf. p. 121) – são as mesmas que o período de cada signo
solar. Além disso, é importante relembrar que a principal fonte de Marimon, o livro de Nunes
Neto, declara explicitamente a relação entre as cores e os signos. Mas ao passo que se trata de
similaridades importantes, algumas diferenças também precisam ser pontuadas.
As doze tabelas anteriores permitem perceber dois pontos nos quais os dois sistemas
se distanciam: (1) as cores de cada coroa xamânica não parecem ter uma relação óbvia com o
simbolismo da astrologia convencional, e (2) a maioria dos planetas regentes na medicina das
cores é diferente dos planetas regentes da astrologia.
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Chevalier e Gheerbrant (2009) e Nunes Neto (1994).
Ademais, o próprio método de disposição das cores difere da forma como os signos
são atribuídos em uma carta natal. Grosso modo, na astrologia todos os doze signos aparecem
no mapa astral, um para cada uma das doze casas. Essas casas dizem respeito a doze divisões
do céu no momento em que a pessoa nasce, o que varia de acordo com a hora e a cidade em
que ela nasceu. Além disso, a posição de cada planeta na hora do nascimento também confere
135
ao planeta um signo e uma localização nessas doze casas. A presença dos planetas e dos
signos em cada casa é o que é interpretado pelo astrólogo, dando significado à carta natal.
No caso da medicina das cores, não importam o horário e nem mesmo o local.
Somente a data do nascimento é relevante aos naturólogos. Enquanto todos os doze signos
aparecem em algum lugar do mapa astrológico, apenas quatro cores são atribuídas a cada
pessoa, uma para cada elemento. Isso significa que as doze cores são divididas em quatro
tríades que emicamente são chamadas de “pulsos do movimento”, que seriam as três formas
pelas quais cada elemento pode se manifestar enquanto energias sutis: um mais ligado à
dimensão física, outro à dimensão mental, e um último pulso mais ligado ao espiritual.
Tanto no livro de Nunes Neto quanto no discurso dos naturólogos a atribuição dessas
quatro cores estaria relacionada ao desenvolvimento embrionário. Nunes Neto (1994, p. 82)
diz que cada elemento se liga a um cakra em momentos diferentes da formação do bebê. O
primeiro elemento, que ele chama de “elemento centro”, formar-se-ia no instante da
concepção, quando o espermatozoide fecunda o óvulo. Seria a entrada do primeiro espírito, o
pulso responsável pelas motivações da pessoa em vida, agindo como um centro energético de
operação. Ele se relacionaria ao cakra Maṇipūra (para a localização dos cakras, cf. p. 103).
O segundo elemento, chamado de “elemento percepção”, seria formado no terceiro
mês de gestação, o que teria uma relação com o período de organogênese e o momento em
que se estabelece a conexão entre o sistema nervoso autônomo e os órgãos derivados do
endoderma. Nunes Neto (1994, p. 82) relaciona o elemento atribuído nesse momento ao cakra
Ājñā, declarando que ele será o responsável pela maneira como a pessoa verá o mundo.
O terceiro elemento, chamado emicamente de “elemento sentimento”, seria atribuído
no sexto mês de gestação, o momento em que começa a ser possível ouvir as batidas do
coração do bebê apenas encostando a orelha na barriga da grávida. É, de acordo com Nunes
136
Neto (1994, p. 82), o elemento responsável pelo controle das emoções e pela forma como a
pessoa estabelecerá suas trocas energéticas com o meio. Ele o relaciona ao cakra Anāhata.
O último elemento, chamado de “ori” (“cabeça” em iorubá), seria atribuído no nono
mês, na hora do nascimento. Como Nunes Neto (1994, p. 82) explica, esse elemento agiria
como um “espírito que guia, conduz e marca o caminho que deverá ser percorrido”. O cakra
relacionado é o Sahasrāra.
Fonte: Imagem de Nunes Neto (1994, p. 82). Legendas elaboradas pelo autor (2018).
“pulso do sentir”; e o último elemento é a “coroa xamânica” (cf. ALVES, 2017, p. 48). Mas o
significado e explicação deles continua exatamente o mesmo apresentado por Nunes Neto.
Uma segunda diferença diz respeito ao desaparecimento da ligação que a entrada de
cada um dos elementos teria com os cakras. Embora essa relação com os cakras seja essencial
a Nunes Neto, ela está ausente em todo o material da naturologia sobre a medicina das cores.
Os cakras são importantes para a medicina xamânica naturológica, mas não são mencionados
especificamente nessa prática. Ao invés disso, aos naturólogos as etapas do desenvolvimento
embrionário parecem assumir importância exclusiva para explicar esse sistema.
Mas como se determina qual elemento é atribuído em cada etapa? Tudo parte do signo
solar. O signo solar, identificado pela data de nascimento do paciente, estabelece qual é o
pulso da coroa xamânica (cf. Tabela 7, p. 121). Então uma digressão é feita seguindo a ordem
dos signos: o terceiro signo anterior ao signo da cor da coroa será o responsável pelo pulso do
sentir, o sexto signo anterior conferirá a cor da visão, e o nono signo anterior será o
responsável pela cor do movimento. Em outras palavras, o naturólogo estabelece quais são os
elementos do sistema por uma tabela de datas de regência idênticas às dos signos solares,
ainda que os signos solares não sejam objetivamente mencionados. Não foi identificada
relação explícita com a lua ou qualquer tipo de calendário lunar:
Tabela 22 – Atribuição dos pulsos na medicina das cores segundo o signo solar.
Pulso do
Signo solar Coroa xamânica Pulso do sentir Pulso da visão
movimento
Áries Fogo Dourado Terra Marrom Ar Índigo Água Turquesa
Touro Terra Verde Ar Rosa Água Violeta Fogo Preto
Gêmeos Ar Branco Água Prata Fogo Vermelho Terra Amarela
Câncer Água Turquesa Fogo Dourado Terra Marrom Ar Índigo
Leão Fogo Preto Terra Verde Ar Rosa Água Violeta
Virgem Terra Amarela Ar Branco Água Prata Fogo Vermelho
Libra Ar Índigo Água Turquesa Fogo Dourado Terra Marrom
Escorpião Água Violeta Fogo Preto Terra Verde Ar Rosa
Sagitário Fogo Vermelho Terra Amarela Ar Branco Água Prata
Capricórnio Terra Marrom Ar Índigo Água Turquesa Fogo Dourado
Aquário Ar Rosa Água Violeta Fogo Preto Terra Verde
Peixes Água Prata Fogo Vermelho Terra Amarela Ar Branco
Fonte: elaboração do autor (2018), com base em Nunes Neto (1994) e Alves (2017, p. 52).
138
Dessa forma, os naturólogos consideram que uma pessoa terá sempre os quatro
elementos em si. E aqui jaz a terceira e mais importante divergência entre o livro de Nunes
Neto e como os naturólogos trabalham com a medicina das cores. Para Nunes Neto, os dados
apresentados na tabela da página anterior só são válidos se o bebê nasce, de fato, em 40
semanas de gestação. Nunes Neto (cf. 1994, p. 84-88) reserva grande espaço para explicar a
forma como calcular o mapa da gestação em casos de bebês que nascem em menos tempo, e
alerta que apenas um bebê gestado em nove meses completos terá um pulso de cada um dos
quatro elementos. Os bebês prematuros teriam a sua coroa xamânica deslocada, e assim um
dos quatro elementos se repetiria em seu mapa, enquanto outro estaria faltando.
Para ilustrar o que Nunes Neto quer dizer, supondo que uma pessoa tenha nascido no
dia 1º janeiro, mas que seu parto tenha ocorrido após 36 semanas de gestação ao invés de 40.
Nesse caso, a coroa xamânica do bebê continuaria sendo Terra Marrom (equivalente ao signo
solar de Capricórnio), mas o momento de sua concepção teria se dado quando o Sol estava em
Touro, e não quando o Sol estava em Áries, como acontece com as pessoas de coroa Marrom
que nascem em nove meses de gestação. Isso deslocaria todos os dados da tabela anterior. No
caso, essa pessoa teria a sua coroa xamânica em Terra Marrom (Capricórnio), mas o seu sentir
(sexto mês de gestação) seria em Água Violeta (Escorpião), a sua visão (terceiro mês de
gestação) seria em Fogo Preto (Leão), e o seu movimento (concepção) seria em Terra Verde
(Touro). Essa pessoa teria dois pulsos de Terra, e lhe faltaria um pulso de Água.
Mas entre os naturólogos é impensável uma pessoa não possuir os quatro elementos. A
concepção dominante é que sem os quatro elementos no mapa a pessoa não estaria viva.
Então, para manter o sistema coeso, a naturologia simplificou as considerações de Nunes
Neto, passando a considerar apenas os dados apresentados na Tabela 22. Como explica o
Compêndio de naturologia, “pessoas que nascem em menos de 9 meses acoplam a
manifestação original junto com o que deveria ser. Ou seja, ela manifesta o elemento do
nascimento, mas o original será os 9 meses” (ALVES, 2017, p. 48).
Pedi um esclarecimento à organizadora do Compêndio de naturologia sobre essa
questão. Ela disse que:
As pessoas que nascem com menos de nove meses acabam manifestando algumas
características em conjunto. É observada a data da concepção e organizado os pulsos
normalmente a partir dali até completar os nove meses de maturação. […] os quatro
originais permanecem. Ao menos foi assim que eu aprendi, mesmo quando uma
pessoa nasce com sete meses, ela continua tento essa contagem dos quatro pulsos.
Agora se [esse cálculo] é adaptado, não me lembro disso ser mencionado em sala de
aula (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
139
Ao fim dessa tese foi anexado o mito cosmogônico criado pelo astrólogo Martin
Schulman, que fornece subsídios simbólicos à medicina das cores no livro de Nunes Neto (cf.
Anexo C, p. 223), além de um resumo dos significados de cada uma das cores desse sistema
(cf. Anexo D, p. 226). Sobre esse último documento, trata-se de um apêndice do livro de
Nunes Neto (1994, p. 75-76), no qual ele fez uma síntese do que trabalhou ao longo da obra.
Visto a dificuldade de acesso a esse livro, considerei importante anexar esse resumo, pois isso
pode servir de fonte primária a futuros estudos sobre a medicina das cores na naturologia.
O que eu via na minha pesquisa de campo 3 era isso, que as pessoas falavam que
funciona muito bem essa numerologia xamânica que o Roberto [Marimon] ensina.
Ele faz lá uma conta com as datas, e tem todo um quadrante que ele desenha. As
pessoas diziam: “Cara, é batata! Você faz e funciona. Às vezes eu faço um
diagnóstico só com isso” (TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22 fev. 2017).
3
O entrevistado se refere a sua dissertação, uma etnografia da naturologia brasileira (cf. TEIXEIRA, 2013).
140
dos resultados utiliza, além do significado dos números pela numerologia, também o livro
neoxamânico Rainbow spirit journeys, de Wolf Moondance (cf. 2000, p. 123-124), e o
simbolismo dos números no tarô (MARIMON, entrevista pessoal, 20 abr. 2017). Assim como
na medicina das cores, a relação com a numerologia não é totalmente clara aos estudantes de
naturologia, embora seja mais evidente do que no caso da relação entre a astrologia e a
medicina das cores. Além disso, a referência ao livro de Moondance não está presente no
projeto pedagógico do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina (cf.
UNISUL, 2014).
Essa dificuldade de identificação das fontes ficou bastante explícita em diversas
entrevistas. Destaco uma das falas coletadas durante a pesquisa:
[O método] foi ensinado, assim como também os arquétipos de cada número, o que
cada número significa. É uma técnica que permite à gente ter um olhar. Não nos
foram passadas referências, [mas] a legitimidade acontece porque é eficaz. Então na
hora que a gente vê na clínica, é eficaz (LANZA, entrevista pessoal, 1 abr. 2017).
A respeito do cálculo, o professor declarou que “aquilo não tem em livro nenhum.
Esse livro aqui [Rainbow spirit journeys] traz a leitura. […] Eu acoplei [o que está nesse
livro] àqueles cursos que eu fiz na Bahia” (MARIMON, entrevista pessoal, 8 set. 2016). Mas
o significado dos números que esse livro apresenta possui apenas duas páginas com
descrições breves sobre a medicina de cada número de 1 a 9 (cf. Anexo E, p. 228). O material
sobre o simbolismo dos números no Compêndio de naturologia (cf. ALVES, 2017, p. 54-55)
é muito mais elaborado que essa fonte. Isso significa que a interpretação dos números
utilizada pelos naturólogos possui também influências de outros lugares. Conforme
demonstrarei nessa seção, a influência maior vem da própria numerologia moderna.
Segundo Brach (2006), a numerologia é uma “filha bastarda” (sic.) da atribuição de
significado simbólico aos números entre os europeus. Como a adoção dos algarismos árabes é
posterior ao século VIII EC, os números eram representados por letras na Europa. Isso fez
com que cada letra dos alfabetos grego, latino e hebraico recebesse um número equivalente,
por metodologias próprias de atribuição de valores que variam de acordo com o alfabeto: o
método dos gregos foi chamado de isopsefia, a gematria era o método dos hebreus, e os
romanos chamavam sua forma de atribuir valor ao seu alfabeto de método caldeu.
O platonismo, o pitagorismo, a cabala e a teologia augustiniana são alguns exemplos
de tradições religiosas influenciadas pelo simbolismo dos números. Porém o fenômeno social
moderno da numerologia, na opinião de Brach (2006, p. 874), seria apenas um resíduo dessas
práticas tradicionais, que foram comodificadas para os buscadores espirituais da modernidade,
141
não sendo anterior ao século XX. De fato, o método agripano, o mais utilizado hoje, é uma
simplificação dessas escolas. Nos outros três métodos as letras são divididas entre numerais
(de 1 a 9), dezenas (de 10 a 90) e centenas (de 100 a 900). Então para saber qual é o valor
numérico de uma palavra, os valores de suas letras são somados até chegar a um resultado.
A gematria4 do nome hebraico Abrão ()אברהם, por exemplo, recebe o seguinte valor:
( אAleph) – 1
( בBet) – 2 ם+ה+ר+ב+א
( רReish) – 200 600 + 5 + 200 + 2 + 1 =
( הHeh) – 5 808
Mas no método agripano, que utiliza o alfabeto latino moderno sem acentos, todas as
letras recebem apenas um dígito (de 1 a 9), que depois são somados e ressomados até que o
resultado seja reduzido a um número de uma unidade. Pegando o mesmo exemplo anterior, o
nome Abrão seria calculado da seguinte maneira:
1 2 3 4 5 6 7 8 9
A B C D E F G H I
J K L M N O P Q R
S T U V W X Y Z
Fonte: domínio público.
4
A tabela de correspondência da gematria pode ser conferida no Anexo F dessa tese (cf. p. 229229).
142
Cada número tem um arquétipo, e aí cada dia, mês e ano tem um sentido. […] O dia
[em] que você nasce, é o teu “eu”, aí depois o mês é a tua alma, o final dos dois
últimos números do ano acho que é como você se expressa, e depois o ano total é a
sua ancestralidade. E a soma de todos os números da data do nascimento é o seu
propósito de vida (KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017).
Fonte: elaboração do autor, com base em Alves (2017, p. 54-55), Liberato (2018), Figueiredo (s.d) e Hórus
Esoterismo (2018).
1 Doenças do cérebro.
2 Doenças nervosas e do estômago.
3 Doenças da garganta, pulmões e sistema respiratório.
4 Doenças da coluna e dos pés.
5 Doenças ligadas aos órgãos dos sentidos e ao aparelho reprodutor.
6 Doenças cardíacas.
7 Doenças ligadas aos órgãos dos sentidos e ao aparelho reprodutor.
8 Doenças do sistema circulatório e do sistema imunológico.
9 Todas as doenças.
11 Doenças nervosas e do estômago.
22 Doenças da coluna e dos pés.
33 Doenças cardíacas.
Uma pessoa que nasce no dia 21 não vai ter a mesma frequência de quem nasce no
dia 12. “Ah, mas não dá a mesma soma?” Sim, mas são pulsos diferentes. Enquanto
dois-um significa sair da dualidade para entrar na unidade, o um-dois parte de coisas
pré-concebidas para fazer escolhas. Isso normalmente deixa o doze em dificuldade
de criar uma situação possível (MARIMON, entrevista pessoal, 8 set. 2016).
1), e o mês de dezembro (número 12) é interpretado como possuindo as energias do 3 (1 + 2),
e também dos dígitos que compõem o número, o 1 e o 2. É especificamente o caso que
Marimon utilizou em seu exemplo da citação longa da página anterior. Esse quadrante, na
concepção dos naturólogos, é a essência da alma, e é considerado em conjunto da coroa
xamânica (MARIMON, entrevista pessoal, 8 set. 2016; ALVES, 2017, p. 53).
O terceiro quadrante é o quadrante superior direito, que diz respeito à redução dos dois
últimos dígitos do ano de nascimento. Para os naturólogos, ele simboliza a forma como a
pessoa se expressa no mundo (ALVES, 2017, p. 53). A não ser que o paciente tenha nascido
em um ano terminado em 11, 22 ou 33, esse número sempre é reduzido para um único dígito,
respeitando as interpretações dos nove arquétipos do espírito.
Na sequência o quadrante inferior direito diz respeito à energia ancestral. Através da
soma de todos os números do ano de nascimento, seria a memória ascendente mais recente
(última encarnação) e teria relação com os padrões familiares (ALVES, 2017, p. 53).
Propósito de vida:
Soma da condução da
alma, da essência da alma
e da energia ancestral.
Fonte: elaborado pelo autor (2018), com base em Alves (2017, p. 49-53) e entrevistas com Marimon.
As referências [dos xamãs urbanos brasileiros] são sempre a ritos, mitos, lendas e
práticas atribuídas de forma geral aos ‘índios norte-americanos’. […] Apesar dessa
filiação, têm lugar garantido determinados instrumentos e técnicas de uso corrente
no meio neo-esotérico […], como os cristais, manipulação dos chakras, práticas
meditativas e outros ingredientes (MAGNANI, 1999, p. 122).
Como é possível constatar, os animais são ensinados seguindo uma ordem numérica.
Além disso, são associadas a eles palavras-chave, que representam o arquétipo ou energia
sutil que cada animal desenvolveria nos seres humanos através de sua medicina. Essa ordem e
o significado são retirados do livro Cartas xamânicas, de Jamie Sams e David Carson (2000),
um tarô neoxamânico cujas lâminas são imagens de animais. Mas diferente da medicina das
cores, a qual classifiquei como uma criptoastrologia, e da medicina dos números, que também
classifiquei como uma criptonumerologia, não considero que a medicina dos animais seja
uma criptocartomancia.
De modo geral, todos os naturólogos demonstraram facilidade em identificar que a
fonte principal das aulas de Marimon é esse tarô. Isso, inclusive, é explicitado pelo fato de
que grande parte dos estudantes possui o tarô para consulta dos significados dos animais.
Nesse sentido, o prefixo cripto- (“escondido”) não se aplica à prática em questão. Do mesmo
modo, embora sua fonte teórica seja esse baralho, os naturólogos não utilizam as cartas. Eles
apenas recorrem ao livro explicativo para consultarem o significado simbólico da medicina
dos animais. A fonte de interpretação, nesse sentido, é um tarô, mas o método que caracteriza
a utilização da medicina dos animais pela naturologia é distinto o suficiente para declarar que
não se trata de cartomancia.
A forma mais comum de trabalho com os animais de poder entre os naturólogos diz
respeito a um trabalho simbólico que promoveria as energias sutis relacionadas a um ou mais
animais em questão. As etapas de como isso ocorre dentro do consultório foram explicadas
por uma naturóloga: “[primeiro] eu vou, através da pessoa, perguntar o que significa aquele
animal para ela, qual o simbolismo para ela, e depois eu trago a simbologia daquele animal
[segundo a medicina xamânica] para ver se ajuda a ter insights ou conduzir a vida dela”
(KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017). Essa aplicação se justificaria pela própria
ideia que os naturólogos possuem sobre o que é um animal de poder: uma ferramenta
espiritual de promoção do empoderamento e crescimento pessoal.
Citando alguns exemplos, uma entrevistada definiu animal de poder como “um animal
que tu tens como um auxiliar para despertar a tua potencialidade” (SILVA, entrevista pessoal,
4 jan. 2017). Outro naturólogo explicou essa prática como “o simbolismo básico de cada
animal e o que ele representa na tua vida, qual a lição que você pode aprender observando ou
estudando o comportamento desse animal” (KUHNEN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017).
Uma terceira participante disse que “para o xamanismo, cada animal guarda um tipo de
medicina. Dependendo do caso da pessoa, pode ser que ela necessite de um determinado
animal” (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016). Uma quarta entrevistada disse que
151
trabalhar com animais de poder em consultório “é trazer o arquétipo daquele animal. […]
Esses arquétipos dos animais podem ajudar as pessoas a trabalhar dentro do consultório”
(KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017). Um último participante disse que “a partir
das vivências [dos espíritos animais], a gente pode ir indo conhecendo a nós mesmos e
também pode passar a utilizar esses arquétipos que transpassam a questão dos animais”
(LANZA, entrevista pessoal, 1 abr. 2017).
Existe entre os naturólogos também uma ideia de que o animal de poder seria uma
espécie de espírito guardião relacionado à jornada de vida das pessoas. Isso apareceu em
diversas falas. Uma naturóloga disse que “quando você está saindo dos eixos, você pode
chamar ele [animal de poder] para ele vir e te fortalecer” (KATEKARU, entrevista pessoal,
29 mar. 2017). Outro naturólogo explicou que o animal de poder “é um animal que nos
acompanha desde a nossa tenra idade até o final de nossa vida, e provavelmente aquele animal
guarda as nossas maiores potencialidades e os nossos maiores problemas [e] desafios”
(LANZA, entrevista pessoal, 1 abr. 2017). Uma última respondente declarou que imaginava o
animal de poder “como um espírito guardião” (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).
Sobre esse ponto, a visão se justifica por uma crença generalizada entre os naturólogos
que trabalham com medicina xamânica de que todas as pessoas possuem um animal de poder
pessoal, que seria atribuído no nascimento. Nas palavras dessa última naturóloga:
Todos temos uma familiaridade com algum animal. É uma coisa que está junto.
Então tu entras em contato com esse animal, e ele te acompanha e pode ser um
símbolo nos momentos que tu estejas mais fragilizado ou [enfrentando] alguma
coisa muito difícil de resolver. Se tu tens essa sensibilidade de recorrer a alguma
coisa, é só lembrar que esse animal talvez possa te auxiliar. Ou então se pensar
como esse animal. “O que uma coruja faria nesse momento?”. É uma das coisas que
a gente pode se perguntar (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).
Eu lembro que ele [Marimon] fez uma vivência dentro de sala [de aula], mas de uma
forma bem simples. Uma visualização guiada. “Imagina que vocês estão andando
em algum lugar e daí vocês veem um animal”. Era uma coisa bem simples. A
maioria [dos alunos] conseguiu ver. O meu foi um galo silvestre, eu lembro até hoje
(SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).
Ele [Marimon] estava vestido meio que de xamã e tocou o tambor. Ele pedia para as
pessoas fecharem os olhos, numa posição confortável, porque tinha bastante alunos,
e ele começou a conduzir a meditação, para a gente fazer um caminho na terra, e
nesse caminho da terra a gente vai achar uma caverna. E aí ele fala para sentir as
texturas, os cheiros, todas as sensações dentro dessa caverna, e nessa caverna vai
aparecer um animal ou os animais. E aí nessa caminhada nessa caverna que ele vai
conduzindo, aquele animal que sempre estiver contigo ou que te atacar e que
conseguir sair contigo até fora da caverna, quando estiver terminando a visualização,
que poderia ser o seu animal de poder ou aquele que você está precisando muito
naquele momento. […] E aí a gente fez esse estudo, e o meu veio três animais.
Então foi tudo bem difícil para mim. Os três, para mim, eram o que eu precisava
naquele momento (KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017).
Como o sistema compilado por Sams e Carson (cf. 2000) consiste em um baralho de
44 cartas, serei breve na apresentação dos significados de cada animal, seguindo as descrições
do livro explicativo sobre esse tarô e também o material de suporte às aulas de Marimon (cf.
2010).
O primeiro animal é a águia (eagle), cuja palavra-chave é “espírito” (spirit). É descrita
em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como um símbolo do
153
próprio xamã, visto que teria a capacidade de viver no mundo superior, o reino do espírito, e
ainda assim manter sua conexão com o mundo médio, a terra. Nesse sentido, simboliza a
conexão direta com o Divino a própria força do Grande Espírito. Por reger o Caminho da
Visão na roda de medicina, existe uma leitura muito forte do voo alto da águia com a
possibilidade de enxergar nossos caminhos entre as leituras dos naturólogos. Nas palavras de
Marimon (2010, slide 21), “voar livre como a águia fará com que sejamos felizes e
encontremos nossa verdadeira essência”.
O segundo animal é o falcão (hawk), cuja palavra-chave é “mensageiro” (messenger).
É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como
relacionado ao deus romano Mercúrio, o mensageiro dos deuses. Seria o responsável por
promover a força necessária para superar situações difíceis e a medicina animal que ensina
como ser mais contemplativo, ou seja, “observar aquilo que se esconde sob a objetividade das
coisas aparentes, descobrindo as nuances do poder” (MARIMON, 2010, slide 25).
O terceiro animal é o cervo canadense (elk), cuja palavra-chave é “força” (stamina). É
descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como um
animal extremamente sexual, cuja busca constante por parceiras durante a época do
acasalamento exige grandes reservas de energia, o que ele obtém ao longo de todo o ano para
atingir esse objetivo de forma plena. Seria, portanto, a medicina que ensina a rever os próprios
planos e a traçar estratégias de ação, através da disciplina e da determinação.
O quarto animal é o gamo (deer), cuja palavra-chave é “gentileza” (gentleness). É
descrito em Sams e Carson (2000) sem gênero definido, e no material de suporte de Marimon
(2010) sempre no feminino. Seria a medicina que “nos ensina a usar o poder da gentileza para
tocar o coração e as mentes de todos os seres machucados pela existência” (MARIMON,
2010, slide 32) e a “amar os outros do jeito que são, e não tentar mudá-los à força” (slide 33).
O quinto animal é o urso (bear), cuja palavra-chave é “introspecção” (introspection).
É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como o
animal regente do oeste. A relação com a introspecção é traçada por uma leitura simbólica do
período de hibernação, que é tido como um momento para digerir as experiências do ano que
passou. Existe uma concepção muito forte de que esse voltar-se a si seria uma forma de
buscar as respostas aos dilemas pessoais, sob a máxima novaerista de que se o que
procuramos não está dentro de nós, não será fora que encontraremos. Nesse sentido, os
naturólogos entendem que “enquanto o urso sonha em sua caverna, está buscando respostas e
soluções para o seus problemas” (MARIMON, 2010, slide 37).
154
meio que o cerca. Nesse sentido, sua medicina diria respeito a estabelecer limites pessoais
claros, utilizando “a medicina do sim e do não” (MARIMON, 2010, slide 159).
O vigésimo nono animal é o texugo (badger), cuja palavra-chave é “agressividade”
(aggressiveness). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon
(2010) como um bicho arisco, de temperamento hostil, que ataca à menor provocação. Isso é
traduzido em uma medicina que estaria relacionada a “enfrentar os desafios com mais
agressividade, empenhar-se mais, reagir para mudar sua vida” (MARIMON, 2010, slide 162).
O trigésimo animal é o coelho (rabbit), cuja palavra-chave é “medo” (fear). É descrito
em Sams e Carson (2000) e no material de Marimon (2010) como um animal medroso, oposto
ao texugo. Na transplantação de seu comportamento animal para a leitura psicologizada da
medicina dos animais, é considerado que “temem tanto as doenças, as desgraças, as tragédias
e a morte que acabam por viver esses aspectos” (MARIMON, 2010, slide 164). Sua medicina,
portanto, seria aquela que nos ensinaria a banirmos o medo de nossas vidas.
O trigésimo primeiro animal é o peru (turkey), e a palavra-chave escolhida foi
“doação” (give-away). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
Marimon (2010) como relacionado ao sul na roda de medicina. A importância do sacrifício do
peru, algo que faz parte da cultura estadunidense por sua centralidade no Thanksgiving, marca
grande parte da tônica do que é considerado como sendo a medicina do peru. É explorada a
importância da entrega, de se doar completamente como o peru que se doa para garantir os
banquetes de novembro. Também é brevemente citado algo sobre a medicina do peru estar
relacionada com presentes, em uma relação implícita com o Natal.
O trigésimo segundo é a formiga (ant), cuja palavra-chave é “paciência” (patience). É
descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010) como um
animal que possui a vitalidade do cervo canadense, a minúcia do rato, a agressividade do
texugo, a generosidade do peru e a habilidade construtora do castor. Sua medicina seria a da
própria paciência, visto que de grão em grão as formigas constroem suas colônias.
O trigésimo terceiro animal é a doninha (weasel), cuja palavra-chave é “discrição”
(stealth). É descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
como um animal que consegue enxergar além das aparências e dissimulações. Sua medicina
seria a medicina do detetive, pois a curiosidade da doninha lhe permite encontrar os motivos
ocultos por trás de qualquer situação.
O trigésimo quarto animal é o galo silvestre (grouse), cuja palavra-chave é “espiral
sagrada” (sacred spiral). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
159
respirar. Enquanto isso é visto como um motivo de ritmo para Marimon, Sams e Carson
interpretaram a respiração como a fonte vital de energia. No caso da interpretação
naturológica, o golfinho seria a criatura que evoluiu seguindo o fluxo das ondas do mar,
articulando o ritmo de sua própria respiração com o ritmo do universo. Essa seria a diferença
entre ele o galo silvestre na busca por ritmo pessoal. Enquanto o galo entra em transe para
estabelecer seu ritmo, o golfinho dançaria conforme a música.
O quadragésimo primeiro animal é a baleia (whale), cuja palavra-chave é “guardiã da
memória” (record keeper). É descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
Marimon (2010) como uma “biblioteca submarina”, a espécie que “assistiu a todos os eventos
que levaram ao aparecimento [das Américas], mantendo, desta forma, vivos os registros desta
época” (MARIMON, 2010, slide 241). São também descritas como possuindo a capacidade
de se conectar com a mente universal de forma involuntária. Sua medicina seria a que nos
ensinaria a confiarmos em nossa jornada.
O quadragésimo segundo animal é o morcego (bat), cuja palavra-chave é
“renascimento” (rebirth). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de
Marimon (2010) como outro animal relacionado à morte. Mas ao passo que o cisne seria o
fluxo do tempo rumando em direção ao derradeiro fim, o morcego seria a própria morte
personificada. Sua medicina é a da própria iniciação.
O quadragésimo terceiro animal é a aranha (spider), cuja palavra-chave é “tecer”
(weaving). É descrita em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon (2010)
como simbolizando a própria criação, em suas infinitas possibilidades. Sua medicina é a
medicina de aprendermos a criar nossa própria felicidade e a tecermos a vida que desejamos
viver.
Finalmente, o último animal é o beija-flor (hummingbird), cuja palavra-chave é
“alegria” (joy). É descrito em Sams e Carson (2000) e no material de suporte de Marimon
(2010) como um animal fortemente relacionado à espiritualidade, em uma alegoria que não é
possível sermos felizes se não celebramos com honra os mistérios do espírito. Sua medicina
seria aquela que nos ensinaria a nos abrirmos aos prazeres da vida e a abraçar a felicidade.
A quinta prática mais citada entre os entrevistados foi a terapia com cristais, também
chamada pelos naturólogos como cristalografia ou gemoterapia. Consiste em atribuir a
determinados cristais propriedades medicinais. É um conteúdo que faz parte oficialmente da
161
CAPÍTULO 5
A NATURALIZAÇÃO DO XAMANISMO
“Tu vais ver muitos professores, inclusive naturólogos formados depois na antropologia, que
são absolutamente críticos do xamanismo do Roberto” (WEDEKIN, entrevista pessoal, 11
jan. 2017).
Por fim, uma última seção discutirá especificamente o processo de ressignificação da
categoria xamanismo na naturologia brasileira.
Embora a palavra “xamanismo” esteja entre uma das mais utilizadas pela antropologia
e ciência da religião (HUTTON, 2007, p. vii), ela é uma categoria de difícil definição. Ainda
que tenha sido introduzido na academia europeia por Pelliot (1913), von Stuckrad (2002, p.
773) afirma que foi somente após Eliade que o termo se tornou um constante antropológico. E
conforme outros pesquisadores começaram a entrar em contato com outras sociedades
forrageadoras em todos os continentes, a falta de uma categoria melhor para explicar
expressões religiosas similares levou à ampla adoção dessa palavra. Isso fez com que
“xamanismo” viesse a ser empregado, em maior ou menor grau, para descrever toda forma de
visão de mundo de caçadores-coletores que envolvesse transe, contato com outros mundos e
ritos de negociações espirituais visando a sobrevivência da tribo (ALDHOUSE-GREEN,
ALDHOUSE-GREEN, 2005).
Essa sua alta popularidade agrava a tarefa de conceituá-la. Se, por um lado, é possível
atestar a etimologia como oriunda do nordeste da Ásia (KÓSA, 2008, p. 177), existe certa
aceitação de que o termo “xamanismo” é uma construção acadêmica. Ela faz parte dos vários
fenômenos fabricados por acadêmicos europeus para o Ocidente definir a si mesmo conforme
entrava em contato com outros povos durante as expansões colonialistas dos séculos XVIII e
XIX. “Como tal, insere-se em um conjunto de complexas relações contraditórias: entre o
mundo desenvolvido e os povos indígenas; entre ciência e magia; entre religião estabelecida e
religião carismática; e entre medicina institucional e medicina ‘alternativa’” (HUTTON,
2007, p. viii, tradução minha).
Derivado de “shānmán”, da língua evenki, o termo aparece no chinês escrito desde
pelo menos o século XII (KÓSA, 2008, p. 177). Originalmente dizia respeito às práticas
religiosas dos “povos bárbaros” que fizeram a corte chinesa recuar durante a Dinastia Jin. O
emprego acadêmico atual ganhou força a partir do século XX, mas suas interpretações
beberam de influências sobre a religião dos indígenas que são anteriores ao neologismo
específico. Segundo von Stuckrad (2002), até a virada do século XX dois grupos intelectuais
166
podiam ser percebidos na Europa: (1) os iluministas, que tratavam os indígenas praticamente
como irracionais, e (2) um grupo que passou a se referir aos índios como virtuosos religiosos,
o germe da construção da imagem do “bom selvagem” popularizada no século XIX, uma
contrarresposta às tendências iluministas em direção à sublimação das religiões – o que
Weber (2017) chamou de desencantamento do mundo. Grande parte das definições europeias
iniciais de xamanismo inclina-se a um desses dois estilos de pensamento, o que só começou a
mudar após a segunda metade do século XX, quando as relações entre a Europa e o resto do
mundo começaram a ser postas ao escrutínio nas ciências humanas.
De modo geral, na ciência da religião a categoria xamanismo é utilizada para analisar,
de modo comparativo, diferentes expressões religiosas tribais. Embora originalmente tenha
sido empregada enquanto classificação genealógica, nas últimas quatro décadas os cientistas
da religião têm aplicado cada vez mais o termo em classificações morfológicas. A distinção
entre classificações genealógicas e classificações morfológicas é discutida na ciência da
religião desde pelo menos o início do século XX. Segundo Chantepie de La Saussaye (1940,
p. 16-17), as classificações genealógicas são pautadas em aspectos geográficos, linguísticos,
históricos ou étnicos. Tendem a ser mais valorizadas nos estudos científicos da religião por
seu crivo objetivo, que depende menos do pesquisador. Em outras palavras, é mais difícil
contestar classificações de uma religião enquanto “religião medieval” (classificação histórica)
ou “religião chinesa” (classificação geográfica), por exemplo. Por outro lado, as classificações
morfológicas são subjetivas, pautadas em considerações do próprio pesquisador, através de
categorias polissêmicas que assumem significados muito diferentes de pessoa para pessoa (p.
ex. religiões reais e falsas, religiões puras e impuras, religiões naturais e reveladas). Como tal,
embora sejam muito populares na filosofia da religião e na teologia, tendem a ser recebidas
com maior desconfiança pelos estudos científicos da religião.
Enquanto classificação genealógica, originalmente a categoria xamanismo foi adotada
para dizer apenas sobre as expressões religiosas do norte asiático. É a forma pela qual Eliade
trabalhou com o termo, popularizando-o na Europa. Em sua concepção, não seria adequado
entender o xamã como igual às figuras religiosas que trabalham com magia em outros lugares.
“Se por ‘xamã’ se entender qualquer mago, feiticeiro, medicine-man ou extático encontrado
ao longo da história das religiões e da etnologia religiosa, chegar-se-á a uma noção ao mesmo
tempo extremamente complexa e imprecisa, cuja utilidade é difícil perceber” (ELIADE, 2002,
p. 15). O romeno defendia uma necessidade de delimitar a utilização do termo, e com isso
declarava que “o xamanismo stricto sensu é por excelência, um fenômeno religioso siberiano”
(ELIADE, 2002, p. 16). Eliade também atentava que xamanismo não é uma religião em si,
167
mas algo que “coexiste com outras formas de magia e de religião” (p. 17), uma parte
específica da manifestação magicorreligiosa asiática.
Apesar das declarações supramencionadas, a busca de Eliade pelo que existiria de
mais “arcaico” e “puro” no xamanismo, visando a manifestação mais autêntica do “sagrado”,
abriu espaço ao desenvolvimento das classificações morfológicas de xamanismo. O
xamanismo é descrito por Eliade (2002, p. 15-19) como uma técnica de êxtase religioso, e o
xamã seria caracterizado como uma espécie de psicopompo vivo, intermediário entre o mundo
humano e o mundo dos espíritos. Ele é diferenciado de outras formas de curandeirismo por
sua ação ser focada especificamente no plano espiritual, cujas ações teriam influências no
mundo humano. Assim, o xamã agiria como agente não apenas dos membros individuais, mas
da tribo em si. Suas jornadas pelo mundo espiritual visam, além da resolução dos problemas
daqueles que o consultam, a manutenção de toda a comunidade.
Segundo Winkelman (2005, p. 8274), a definição de xamanismo de Eliade promoveu
uma aplicação multidisciplinar e transcultural do termo xamã. Com isso, uma miríade de
definições foi criada, e a categoria passou a ser aplicada também para sociedades
forrageadoras de outras regiões do globo, tornando-se uma classificação morfológica. O fato
de Eliade se preocupar mais com seus leitores não acadêmicos do que com seus pares da
academia também encorajou outros a ampliarem sua leitura de xamanismo em grandes
digressões para se referenciar a diversos outros povos e culturas tribais (GEERTZ, 1993). Isso
levou a diferentes conceituações de xamanismo, muitas delas conflituosas entre si.
Nunca houve consenso acadêmico sobre quais seriam as práticas que caracterizariam o
xamanismo enquanto tal. Muitos ainda utilizam a obra de Eliade (2002) para elencar cinco
práticas que devem estar presentes em um sistema religioso para que ele possa ser
considerado xamânico: (1) o voo da alma, a suposta capacidade do xamã de estabelecer uma
jornada até os reinos espirituais; (2) a noção de espíritos-animais, os quais o xamã pode
trabalhar ritualisticamente comandando-os enquanto aliados ou se transformando neles
168
durante o voo da alma; (3) catarses simbólicas de morte e renascimento, as quais fazem parte
da iniciação do xamã; (4) caçada mágica; e (5) feitiçaria. Outros, influenciados por Harner
(1980), também acrescentam mais cinco itens a essa lista: (6) a utilização de percussão,
cânticos e danças; (7) treinamento por sonhos e indução deliberada de estados alterados de
consciência, objetivando experiências visionárias; (8) habilidade de adivinhação, diagnóstico
e profecia; (9) processos terapêuticos focados na perda e recuperação da alma; e (10) o
entendimento das doenças como causadas por espíritos, magia ou a intrusão de objetos ou
entidades na vida do enfermo.
Na ciência da religião, Pyle (1989) ofereceu alguns outros pontos de compreensão à
categoria, diferenciando o xamã de categorias mais gerais como curandeiros, feiticeiros e
sacerdotes de outras religiões tribais, em especial africanas e polinésias:
Como intermediários entre o mundo dos espíritos e o povo, [os xamãs] afirmam
manter contato direto com espíritos, sejam eles de pessoas vivas, ou de plantas,
animais e outros elementos do meio ambiente, como os “espíritos-mestres”
(espíritos, por exemplo, de rios ou montanhas) ou ainda com os “fantasmas” dos
mortos. […] As funções do xamanismo, em seu cenário no mundo áspero do Ártico,
relacionavam-se intimamente com a luta pela existência (isto é, a batalha com a
natureza, e não com as outras tribos). […] [Eles eram buscados] não só para curar
doentes, mas também para acalmar tempestades, atacar ou destruir espíritos maus e
arranjar focas e caribus para a caça (PYLE, 1989, p. 285).
1
Sobre isso, a autora se pauta na teoria de Geertz sobre sistemas culturais. Isso aplicado ao xamanismo
significa que ele “é um sistema simbólico. É também um sistema social, no sentido de que gera papéis, grupos e
atividades sociais, nas quais o xamã é o ator principal, mas não o único” (LANGDON, 1997, p. 26).
170
nos xamanismos tradicionais, mas tende a ser apagado das visões generalizantes de
xamanismo promovidas por Harner e, depois, pela Nova Era.
Com base nessas discussões, as seguintes características foram identificadas como
constituintes da compreensão acadêmica atual do que seria xamanismo:
NEOXAMANISMO
Eliade nunca escreveu para seus pares acadêmicos […] A impressão duradoura de
Eliade está nas audiências populares, onde ele se tornou uma das autoridades
acadêmicas para interpretações feministas da evolução da religião, para
reivindicações universalizantes dos movimentos da Nova Era como o “xamanismo
branco” e para interpretações junguianas de consciência religiosa (GEERTZ, 1993,
p. 369, tradução minha).
fomentar diversos escritos. Um dos primeiros autores que atingiu grande destaque foi Carlos
Castañeda, peruano formado em antropologia nos Estados Unidos. Seus primeiros livros são
fruto de pesquisas participantes com um indígena yoeme da região norte do México, e de
modo geral toda a sua produção possui forte viés autobiográfico. Por esse motivo, usualmente
o trabalho de Castañeda é acusado de ser ficção pela antropologia contemporânea, visto não
ser ensaiado qualquer distanciamento maior em sua metodologia e ele próprio ser o critério de
comparação de sua produção acadêmica.
A obra seminal de Castañeda, lançada no Brasil sob o título de A erva do diabo (cf.
CASTAÑEDA, 1968), é basicamente um relato sobre experiências de transe com peiote e
tártago (essa última planta traduzida como “erva do diabo” no livro), plantas com alcaloides
alucinógenos. Marca o início das interações de Castañeda com o indígena yoeme Don Juan,
apresentado em suas produções como xamã. Esse contato com os yoemes serviu de base não
apenas aos seus livros, mas também ao seu bacharelado tanto quanto ao seu doutorado. Por
isso, sua obra foi bem aceita pela contracultura, utilizada para legitimar a visão de mundo de
seus participantes sobre o xamanismo.
Visto descrever que o voo xamânico proporciona estados alterados de consciência, A
erva do diabo tornou-se um dos 100 livros mais vendidos do século XX nos Estados Unidos,
difundindo um discurso sobre promoção de um estado de liberdade total durante a experiência
xamânica com mescalina. Grande parte dessa popularidade foi conquistada pela descrição das
visões com os enteógenos. Conforme explica Hanegraaff (2012, p. 396), embora em sua tese
de 1996 ele tenha defendido que as espiritualidades da Nova Era desencorajavam a utilização
de substâncias psicodélicas (cf. HANEGRAAFF, 1996, p. 11), em uma releitura posterior
Hanegraaff assumiu que sua interpretação inicial sobre o tema foi “inocente” (sic.):
Eu deveria ter sido mais sensível à necessidade social e discursiva dos autores
novaeristas de serem discretos ou manter em segredo o papel que os psicoativos
podem ter desempenhado em sua vida e trabalho, particularmente depois do LSD e
outras substâncias psicodélicas terem sido criminalizadas durante a segunda metade
da década de 1960. (HANEGRAAFF, 2012, p. 396, tradução minha).
Hanegraaff (2012, p. 399) atesta que houve uma mudança perceptível nos rituais
novaeristas na década de 1970, posterior à criminalização das drogas nos Estados Unidos e na
Europa, em que tais substâncias foram sendo paulatinamente substituídas por outras formas
mais brandas de indução de estados alterados de consciência (p. ex. meditação). No entanto,
ele considera que os enteógenos nunca foram totalmente abandonados pelos novaeristas. Para
Hanegraaff, a utilização de tais substâncias poderia ter simplesmente saído da esfera pública
173
para a esfera privada após a década de 1970. Ou seja, os alucinógenos continuariam a ter
impacto considerável na Nova Era pelo tipo de experiências religiosas que facilitam, embora
passaram a ser utilizados em ritos muito mais reservados.
Como o primeiro livro de Castañeda foi lançado no ápice do movimento psicodélico, é
importante considerar as discussões de Hanegraaff (2012, p. 396-397) sobre o cotidiano da
juventude hippie e a experimentação com os alucinógenos. Hanegraaf identifica como alguns
relatos místicos nos livros de Fritjof Capra e Jane Roberts, grandes gurus da Nova Era,
aproximam-se muito das hiperestesias provocadas pelo LSD, mescalina e aya’waska, embora
tais substâncias nunca sejam mencionadas por esses escritores. Por conta disso, as discussões
de Hanegraaff demonstram à necessidade de repensar o porquê da popularidade de Castañeda
e o apelo da juventude da época aos alucinógenos. Afinal, foi a obra dele a que acabou por se
tornar o “documento fundante” do neoxamanismo (HANEGRAAFF, 2012, p. 401).
Outro exemplo de grande destaque é Michael Harner, um estadunidense branco com
formação em antropologia que, a partir de 1987, começou a se apresentar como xamã. Harner
é o responsável pela criação da categoria “xamanismo essencial”, uma teoria de que haveria
atividades que seriam basilares a todo sistema de xamanismo no mundo: êxtase, dança,
percussão de tambores, interação com o mundo espiritual e comunicação com os animais de
poder. Como esses itens apareceriam em todo grupo xamânico, Harner considerava possível
falar de xamanismo no singular. Ao retirar as particularidades étnicas e culturais de cada
sistema, reduzindo-os à essência do que significaria ser um xamã, Harner acreditava que,
assim, tornava acessível o xamanismo aos buscadores espirituais urbanos da Nova Era.
Assim como Castañeda, Hanegraaff também considera que Harner é um dos criadores
do neoxamanismo tal como ele é conhecido hoje (HANEGRAAFF, 2012, p. 401). O percurso
de Harner é similar ao de Castañeda: ele teria viajado até uma tribo na Amazônia Equatoriana,
teria sido iniciado xamã pelos nativos locais por ritos de aya’waska e, depois disso, passou a
escrever obras que ele próprio apresentava como sendo antropológicas, mas cuja relevância
acadêmica é disputada e, muitas vezes, classificada como ficção.
Além deles dois, outras pessoas foram importantes na difusão de estilos de
pensamentos similares, em que as particularidades étnicas são ignoradas para que grandes
similaridades sejam priorizadas. Alguns exemplos citados por Hanegraaff (1996, p. 60) são
Roger N. Walsh e Frank Walters. Von Stuckrad (2002, p. 774) cita também Joan Halifax,
Nevill Drury, Steven Foster, Jonathan Horwitz, Felicitas Goodman e Gala Naumova. Embora
controversos e muitas vezes refutados pela antropologia acadêmica normal, suas concepções
174
“todas as tradições inventadas […] utilizam a história como legitimadora de ações e para
cimentar a coesão do grupo” (HOBSBAWM, 1986, p. 12, tradução minha). A preocupação de
Hobsbawm gira em torno de rituais e cerimônias que evocam o passado. Aqui, aplico sua
categoria para além de seu pensamento original. De acordo com Benthall (2008, p. 55,
tradução minha), “para se tornarem amplamente aceitas, as religiões precisam ser antigas […]
é um dos critérios mais importantes. As religiões são um caso especial de direitos de
propriedade do patrimônio cultural, que necessita parecer tradicional”. Benthall cita os novos
movimentos religiosos como exemplo de grupos que se apresentam como mais velhos do que
realmente são para obter respeito social imediato. Esta é uma forma de buscar legitimidade e
justificação social.
No caso do neoxamanismo, esse apelo está pautado na figura romântica do “bom
selvagem”, por uma noção romantizada de que o “mundo primitivo” possuiria uma forma
mais adequada de convivência com a natureza do que o “mundo civilizado”, que domina e
destrói o meio ambiente. As noções de “primitivo” e “civilizado” presentes no imaginário dos
neoxamãs é a mesma dos colonialistas europeus. Fruto do pensamento romântico do século
XIX, eles entendem como “civilizado” aquilo que se aproxima do status quo das sociedades
europeias urbanas (em especial do oeste da Europa), e como “selvagem” os grupos que se
distanciam disso, não apenas adotando estruturas de organização social tribais, mas também
incluindo as comunidades rurais. Como tal, não é incomum, como atentou Hanegraaff (1996),
que categorias muito distintas sejam todas entendidas na Nova Era como sendo xamanismo,
como as religiões indígenas, paganismo, neopaganismo, as religiões aborígenes, as religiões
da diáspora africana, religiões pré-cristãs, práticas folclóricas, dentre outros.
No Brasil, graças aos circuitos neoesotéricos, práticas culturais indígenas estão
disseminadas nos grandes centros urbanos, também mescladas com outras práticas folclóricas
e elementos do neopaganismo e esoterismo. Diversos casos já foram estudados por
acadêmicos, como São Paulo (cf. MAGNANI, 2005; 1999), Brasília (cf. SIQUEIRA, 2013),
Pará (cf. CORDOVIL, 2015; CASTRO, 2015; ALBUQUERTE, CASTRO, 2016) e a Grande
Florianópolis (cf. ROSE, 2010; LANGDON, ROSE, 2012). Alguns desses xamãs urbanos
brasileiros são iniciados em lugares como os Estados Unidos, México, Andes, Patagônia ou a
Amazônia. Quando retornam ao Brasil, tentam estabelecer uma linhagem entre seus
instrutores e a cultura popular brasileira. Suas práticas são misturas particulares e criativas de
elementos oriundos dos rituais, práticas de cura, mitos, danças e da farmacopeia de muitos
grupos étnicos diferentes.
176
Após insistir para que formulasse uma definição, lembrando-a de que não existia
resposta certa ou errada, e que meu interesse era, justamente, no que o coletivo da naturologia
entendia pelo termo, e que esse coletivo pode ter ideias divergentes, ela apresentou a seguinte
definição:
A ideia desse xamanismo sem plural, no singular – [qu]e você vê [n]os xamãs
urbanos, [n]os xamãs modernos –, eu acho que é uma coisa muito ligada a esse
movimento da Nova Era, que trouxe uma forte influência de “vamos fazer as coisas
diferentes”. Eu não sei quanto [d]isso não foi absorvido nos Estados Unidos pela
contracultura e todo o movimento hippie que está aí, por detrás dessa incorporação.
Então eu acho muito complicado que eu tenha uma formação tão dentro da
antropologia e eu ache, de repente, que eu sou capaz de falar de xamanismo [no
singular]. Não sou, né? Eu estou com muitos dedos de falar com você, porque eu
tenho muito medo de falar bobagem. Então quero deixar bem claro que o que eu
penso sobre xamanismo é uma coisa muito vinculada à minha formação (SILVA,
entrevista pessoal, 17 nov. 2016).
Ao meu ver, é uma técnica novaerista que bebe de várias fontes sem se fundamentar
em nenhuma cultura ou etnia específica. É bem aquela coisa da Nova Era, onde cabe
tudo, onde se mistura tudo, onde se relaciona cakras, com meridianos e
conhecimentos indígenas. Uma miscelânea de culturas que, muitas vezes, achata as
especificidades de cada cultura na busca por uma essência comum. Isso, na minha
opinião, empobrece um pouco a visão acerca dessas culturas. Um índio nunca ouviu
falar de cakra e meridiano […] Não é uma técnica que foi inventada pelo Roberto
[Marimon], porque realmente o neoxamanismo existe e está em vários lugares do
mundo. Só que [o xamanismo da naturologia] tem as características dele. Ele usa
mais ou menos essa maneira novaersita de construir o conhecimento, que é pegar o
conhecimento de várias fontes superficialmente e juntar tudo num mesmo caldeirão.
Mas ele faz isso a partir da experiência dele, que é uma experiência que eu acho
muito interessante […] Eu acho muito mais rico perceber e evidenciar as
especificidades de cada cultura xamânica, do que botar tudo num mesmo balaio e
dizer que isso é o xamanismo universal. […] Esse xamanismo universal, se você for
comparar com o leque de culturas xamânicas que são estudadas pela antropologia, é
muito pobre (TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22 fev. 2017).
Eu vejo como um saber legitimo. Se está sendo intitulado de xamanismo por aquele
coletivo que é a naturologia, eu respeito como tal. Então é xamanismo. Só que eu
percebo que essa forma de neoxamanismo da naturologia difere bastante do
xamanismo clássico que estudamos na antropologia (TEIXEIRA, entrevista pessoal,
22 fev. 2017).
Outro naturólogo, que iniciou graduação nas ciências sociais e depois migrou para a
naturologia, comentou o seguinte sobre o xamanismo ensinado no curso da Universidade do
Sul de Santa Catarina:
Esse participante também atentou a algumas das referências utilizadas por Marimon
em suas aulas, observando que eram diferentes das referências de sua graduação anterior:
Essa medicina xamânica apresentada pelo Roberto [Marimon] não é baseada pelo
Mircea Eliade, porque são coisas distintas que são utilizadas no processo de
construção do que é o xamanismo. Ele [Eliade] é uma das referências. Ele [Roberto]
se fundamenta bastante no [livro] O caminho quádruplo da [Angeles] Arrien, e no
tarô Cartas xamânicas [de Jamie Sams e David Carson]. [Essas] são as referências
bibliográficas que mais são utilizadas em aula, mas ele utiliza outros [autores]
também, como o Ken Wilber, e muito das próprias experiências [de vida] dele
(LANZA, entrevista pessoal, 1 abr. 2017).
179
Minha proximidade com xamanismo era toda teórica. […] Ninguém lê Michael
Harner na antropologia, e isso está correto. Leem as etnografias e relatos de
antropólogos que se aproximaram das mais diversas culturas. Tem uma crítica que
se faz ao neoxamanismo que tem a ver com essa ideia do Michael Harner, de um
core shamanism, um xamanismo essencial, que seria alguma coisa ao contrário da
abordagem antropológica, que focaliza nas diferenças culturais. O xamanismo do
Michael Harner meio que uniformiza. Ele [Harner] fez iniciação entre os jivaros, e ele
vai pegar elementos de várias culturas, xamanismos de várias culturas, e vai criar
uma espécie de amálgama; não sei se essa é a melhor palavra. Então isso era muito
mal visto na antropologia. Mas o Roberto [Marimon], diferente dos meus colegas e
professores da antropologia, foi a primeira pessoa com quem eu tive contato que
viveu aquilo genuinamente, sem hipocrisia, sem interesses supostamente
acadêmicos. Era uma coisa muito genuína, e era a vivência que eu não tinha
(WEDEKIN, entrevista pessoal, 11 jan. 2017).
A hipocrisia à qual ela se refere está relacionada à opinião dessa professora de que a
visão antropológica diz valorizar as percepções êmicas (a fala do sujeito e sua forma de
entender o mundo), mas depois desconsidera a identificação dos neoxamãs enquanto xamãs.
Wedekin assumiu na entrevista que sempre se interessou pelo xamanismo, mas que diferente
dos antropólogos, cuja aproximação ao tema é teórica, Marimon é uma manifestação viva do
que é ser um xamã na prática. Por conta disso, embora ela entenda que haja diferenças entre
as duas concepções de xamanismo, Wedekin considera válida a abordagem de Marimon ao
curso de naturologia.
Ao perguntá-la especificamente o que entendia por xamanismo, ela respondeu:
O que eu vou te dizer tem a ver com a minha aproximação teórica do tema. A
definição está relacionada com a própria definição do que é xamã. Xamã é alguém
que transita em diferentes níveis cósmicos. Então, no xamanismo tem que ter uma
cosmologia que compreenda esses diferentes níveis cósmicos, e esses diferentes
níveis cósmicos variam de cultura para cultura. […] [O xamanismo] tem um
conceito de energia que ao mesmo tempo está em todo lugar, e o xamã é alguém que
é um conhecedor de como funcionam essas energias. Para o Michael Harner também
é importante a ideia de espíritos auxiliares, esses seres que o xamã vai acessar nessas
viagens xamânicas. [Os] espíritos auxiliares, por exemplo, podem assumir a forma
do teu animal de poder, que é alguma coisa sobre a qual tu não tens controle. […]
Basicamente, eu diria de maneira geral, que essas seriam algumas das características
importantes. A formação do xamã, uma das coisas que a gente estuda na
antropologia, é uma vivência totalmente individual. Mesmo que a iniciação seja
prescrita, dependendo da cultura, ela é vivida individualmente. Por isso que eu acho
hipócrita essa rejeição do neoxamanismo pela antropologia. Porque se tu pegas uma
pessoa como o Roberto [Marimon], aquilo que ele viveu é individual, o investe de
certos conhecimentos que o capacitam para compreender o mundo e, por exemplo,
manifestações de saúde e de doença a partir daquela experiência. […] Então ao
mesmo tempo tem uma contradição no xamanismo da naturologia, porque se a
medicina xamânica depende tanto dessa perspectiva do xamã, dessa atuação do
xamã, dessa experiência individual do xamã, nenhum naturólogo é xamã. Não é na
formação da naturologia que alguém vai se tornar xamã (WEDEKIN, entrevista
pessoal, 11 jan. 2017).
180
O que foi observado entre esses respondentes é que eles tinham claro que a definição
de xamanismo das aulas de Marimon não é a mesma promovida pela antropologia. Eles têm
noção da ligação entre os ensinamentos de Marimon e o modelo neoxamânico, e também
identificaram espontaneamente esse modelo com a Nova Era. Embora esses respondentes não
necessariamente façam parte do estilo de pensamento biologista (p. ex. Wedekin foi uma das
professoras que lutou pela inclusão das medicinas tradicionais no curso em 2004, e Teixeira é
um conhecido crítico das visões tecnicistas e biologistas na naturologia brasileira), o fato de
identificarem o xamanismo de Marimon como não sendo o modelo comum promovido pela
academia, relacionando-o com a Nova Era, fornece argumentos para que os profissionais que
fazem parte do estilo de pensamento biologista reajam à perpetuação desse conhecimento.
Digo que eles fornecem os argumentos porque ficou claro que os professores que
fazem parte do paradigma biologista têm pouco conhecimento sobre xamanismo. No geral,
eles apenas sabem superficialmente que é algo relacionado a indígenas. Existe um incômodo
na abordagem de Marimon, mas eles têm dificuldade em elaborar motivos por que ela
incomoda. Elencando a fala de uma entrevistada que se apresentou objetivamente como
“cartesiana” durante as entrevistas, ela explicou o xamanismo da seguinte forma:
Eu sei que o xamanismo tem uma vastidão muito grande, linhas de pensamento que
[são] bem diferentes. Alguns pensam de um jeito, outros de outro. […] Para mim é
uma cultura popular que se trouxe lá dos índios. Mas em cada região do mundo, ele
tem uma vivência. No Brasil são os pajés, lá na tribo no Peru é outro xamã. Isso é
muito relativo e muito voltado à fitoterapia [plantas medicinais] (GOULART,
entrevista pessoal, 22 nov. 2016).
181
A relação com as plantas medicinais que Goulart estabelece se dá porque duas antigas
professoras dessa disciplina no curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa
Catarina, que faziam parte do coletivo de pensamento biologista, levaram os estudantes ao
Xingu em um projeto de extensão. Mas ao contrário do que se imaginaria sobre um curso cujo
projeto pedagógico declara ser pautado em xamanismo, dois entrevistados consideraram que
essa visita nada teve a ver com a formação xamânica do curso. Na verdade, eles disseram
achar que essas professoras organizaram a viagem mais como uma forma de conseguir horas
extras de atividades acadêmicas para terem acréscimo de recursos recebidos pela instituição.
Um dos ex-professores do curso de naturologia, que possui um projeto de extensão há
mais de duas décadas com os mbyá-guaranis da Grande Florianópolis, comentou o seguinte:
“Aquelas senhoras da fitoterapia, na hora de formar os grupos nas comunidades, eu fiz um
projeto para a gente trabalhar junto, mas aí elas não quiseram. A gente perdeu oportunidades”
(GONÇALVES, entrevista pessoal, 7 fev. 2017). Esse professor ressaltou o desinteresse que
essas duas professoras tinham em trabalhar com os indígenas, e de como a questão específica
do xamanismo não lhe parecia algo do interesse delas.
Outra professora fez o seguinte comentário:
As professoras que eram coordenadoras do Linha Verde [projeto citado por Goulart]
sempre foram grandes opositoras do trabalho do Roberto [Marimon]. A ida do Linha
Verde para a Amazônia me pareceu oportunista. Foi mais uma forma de obter
prestígio, horas, recursos para o projeto, locação de carga horária, materiais e
bolsistas […] Para mim, foi uma oportunidade que elas conseguiram que não
revertia em nada para a formação em xamanismo. Era exclusivamente alguma coisa
para a [disciplina de] fitoterapia, e para fortalecer o Linha Verde (WEDEKIN,
entrevista pessoal, 11 jan. 2017)
Essas duas falas reforçam a leitura do Capítulo 2 (cf. p. 80), de que a disputa de estilos
de pensamento, para além de epistemologias e metodologias incompatíveis, envolve também
questões pessoais. Percebe-se que a rivalidade das duas escolas também mina os recursos
disponíveis pela instituição, o que altera a própria alocação de horas-aulas dos professores,
refletindo em seus salários. Um projeto de extensão envolvendo uma viagem a uma tribo
indígena que não possui qualquer relação com a formação de xamanismo desse curso parece,
do ponto de vista lógico, incongruente. Mas de alguma forma foi justificada frente às políticas
fomentadas pelo mal entendido entre as escolas competidoras da naturologia.
182
É uma medicina que visa à integralidade do ser com a natureza. […] é você olhar
para uma pessoa e conseguir compreender como que aquele ser se coloca no mundo,
como que ele se move pela vida, qual é a natureza dele. Daí, a partir disso, você
poder encontrar o que está em descompasso [e] conseguir trazer ele de volta para a
harmonia dele. […] É você ver um ser, entender como ele se movimenta, entender
como ele se faz na vida, como ele se constituiu na vida, se relaciona com ela e,
assim, trazer a natureza dele real de volta pro equilíbrio (ALVES, entrevista pessoal,
28 nov. 2016)
Entendo a medicina xamânica como a medicina da vida, dos elementos que nos
rodeiam, nossa história, ancestralidade. […] No xamanismo olhamos para o macro
para ver o micro e vice-versa. Tudo tem seu simbolismo, significado. Com isso, no
xamanismo, quando e onde você nasceu, os animais, cores, luas, sol, ervas, plantas
etc. fazem parte de você. Tudo tem uma ligação. É estar conectado, procurar estar
num equilíbrio dinâmico para viver […] Eu vejo que o xamanismo me deu muito
essa questão de inter-relações, tanto mental, físico e emocional, quanto as relações
intra e interpessoais também (KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017).
É tu perceber que tudo é uma coisa só. […] É essa visão do todo no um, de perceber
o quão é importante a gente ter a conexão com cada elemento. Por que é importante
a gente ter calor? Por que é importante a gente ter frio, a água, o sol, a terra? Por que
tem que ter o ar? O que isso gera externamente e o que [d]isso está dentro da gente?
Como que isso funciona dentro da gente também? E pode ser algo muito simples e
muito fácil de ler, e também podemos ir desdobrando até virar algo muito complexo.
Mas isso vai do teu olhar e da capacidade que tu tens para abrir essas portas. Eu vejo
a gente como várias portas, várias gavetinhas que a gente vai podendo acessar. Vai
da tua entrega (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).
Foi notado um grande apelo em ensinar ao paciente a deixar de fazer coisas apenas
para agradar as outras pessoas, desrespeitando a sua necessidade e limites pessoais. A
genealogia disso no ethos Nova Era pode ser traçada ao Movimento do Potencial Humano.
Como explica Hanegraaff (1996, cap. 2), o Movimento do Potencial Humano é uma das
vertentes de cura novaerista mais importantes, e se pauta em uma leitura de que as pessoas,
para conviverem em sociedade, têm tolhidas a sua autenticidade. A criança vai sendo
educada, desde a tenra idade, a reprimir sua espontaneidade, para que se torne um cidadão
adequado à vida em família, na escola, e posteriormente no trabalho. Para os novaeristas,
essas amarras que permitem o convívio reprimem não apenas comportamentos inadequados,
mas a própria expressão plena do potencial de se ser humano. Aceitar essas dimensões
desvalorizadas pela sociedade seria essencial à terapêutica novaerista.
Essa lógica foi percebida permeando as definições de xamanismo da naturologia
brasileira. Destaco a fala de uma participante, que comentou o seguinte:
Eu aprendi na medicina xamânica isso, de valorizar aquilo que você é, e não aquilo
que você “deveria” ser. Aprendendo a reconhecer todas as nossas faces, mesmo as
que consideramos “feias” ou “erradas”. Elas estão ali, também merecem atenção e
também fazem parte de quem somos (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Xamanismo é tudo e é nada. É energia que tudo rege. É trazer a consciência de que
tudo que nos envolve ou com o que se convive tem [a] sua razão de ser e tem valor,
assim como nós temos valor. É a natureza dentro e fora de nós. É o respeito por tudo
à nossa volta e o respeito por nós mesmos. É ter consciência dos seus limites e se dar
184
Outra ex-professora que fez parte do período inicial do curso da Universidade do Sul
de Santa Catarina também se aproximou das leituras do Movimento do Potencial Humano:
O xamã tem o objetivo de libertar. Ele não vem pra fazer um despertar, não vem
para impactar. Vem para libertar. Mas impacta, é uma consequência. O xamã vai
quebrar. […] Ele tem um olhar próprio, sim. A libertação é um olhar próprio. Ele
tem o seu olhar singular. Mas ele vai, verdadeiramente, observar que ele precisa
levar em outras posições, e ele vai respeitar o outro, sim. Ele vai interagir com o
outro. Ele não pode entrar cético que existe ali já uma premissa. E a grandeza do
xamã é essa capacidade de interagir, de compreender, sem buscar ser compreendido.
Essa é a grandeza do olhar xamânico. Ele tudo compreende (GOMES, entrevista
pessoal, 11 nov. 2016).
Também foi observado que diversas formas de manifestação religiosa tribal e rural
podem ser também entendidas, todas elas, como xamanismo entre os naturólogos. Uma
participante fez a seguinte declaração:
Eu penso que muito desses saberes, dentro dessas culturas ancestrais – iorubá, o
próprio paganismo –, têm muito do xamanismo. […] Eu penso que essas religiões
afro, por exemplo, ou até o paganismo também são aspectos xamânicos, justamente
[por]que o xamanismo é atemporal e não local. São aspectos distintos, mas a
essência é a mesma: de conexão, de entrega, de processo de cura, de aceitação de
todas as tuas faces, de se entregar pro teu processo. Isso, como a gente fala, como eu
penso, o próprio sacerdócio dentro do paganismo é uma entrega, assim como é ser
uma mulher-medicina, uma xamã. (MARTINS, entrevista pessoal, 18 out. 2017).
professora, que também fez parte do período de implantação do curso na Universidade do Sul
de Santa Catarina, chegou a ficar ofendida quando a questionei sobre as interpretações
divergentes de xamanismo pela antropologia. Sua resposta sobre isso foi a seguinte:
Outra vez estão seccionando? Isso é universal! A crença no todo não vai sempre
para um lado só? Se eu sou luterana, católica, eu só tenho práticas diferentes. E eu
posso fazer uma respeitando a prática do outro. A igreja luterana não utiliza
imagens, mas não é por isso que eles vão ter um ponto a menos ou a mais quando
chegarem lá no Céu. A forma como se nomina é mais importante do que o objetivo
que se quer alcançar? O que pode ser diferente entre as etnias é a forma de lidar para
se chegar ao que se deseja. A vida nos ensina se quisermos aprender algo, sem
precisar discutir a que linha de pensamento se serve. Penso que os vários
movimentos xamânicos que recebem adeptos de várias culturas nos ensinam bem
isso (PANTZIER, entrevista pessoal, 28 nov. 2016)
Eu sei que existem outras formas, outras visões. Sei que tem linhas que enxergam [o
xamanismo] como dádiva e outras como pesadelo. Ou que usam tais coisas, ou
fazem determinado ritual para tal deus e outras não. Isso são peculiaridades e
características de cada povo. No entanto, eu acho que quando estão se referindo
[que] “xamã é xamã, não importa de qual tribo”, estão falando de alguns pontos que
eu, na minha ignorância antropológica, não vejo como tão diferentes. Eu, por
exemplo, não conheço nem nunca ouvi falar de uma única tribo ou um único xamã
que não respeitasse a natureza e que não buscasse nela e na relação com os espíritos
a cura. Ou que negasse a sua unidade com o todo, ou que se recusasse a ajudar a
comunidade. Enfim, acho que existem alguns pontos que não são tão diferentes
assim (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Sobre a iniciação xamânica, como atentou Hanegraaff (2013), existe certo cuidado dos
novaeristas em falar sobre experiências que utilizam enteógenos, visto o tabu social e o fato
de que algumas dessas substâncias possam ser ilegais. Mas como no Brasil o uso religioso da
aya’waska não é crime, muitos respondentes admitiram ter tido experiências com essa planta,
embora sempre deixando claro que isso ocorre fora dos muros da universidade (ALVES,
entrevista pessoal, 28 nov. 2016; SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017; WEDEKIN,
entrevista pessoal, 11 jan. 2017; TEIXEIRA, entrevista pessoal, 22 fev. 2017; LANZA,
entrevista pessoal, 1 abr. 2017, MARTINS, entrevista pessoal, 18 out. 2017).
Existe uma concepção de que o curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa
Catarina não forma xamãs. Ninguém – nem mesmo Marimon –, autoproclamou-se xamã
186
durante minhas entrevistas. Há uma ideia de que o xamanismo está para além de uma vivência
pontual enquanto disciplina acadêmica, que necessita de um aprofundamento no meio da
mata, como um retiro ou alguma jornada mais específica, que envolve uma viagem de turismo
religioso para determinado local que poderia proporcionar o acesso a esse conhecimento.
Uma das ex-professoras declarou que “quase ninguém pode ser xamã [dentro da
naturologia]. Então como fazer com o naturólogo que não vai despertar? Ele poderia ter outras
linhas de trabalho, dentro da naturologia, que não fosse somente o xamã” (GOMES, entrevista
pessoal, 11 nov. 2016). Outra naturóloga disse: “Eu não acho que é um certificado que
garante algo assim [tornar-se xamã], de jeito nenhum. É uma experiência de vida. É uma
formação de vida” (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Essa mesma naturóloga comentou sobre a importância de uma busca posterior por
vivências xamânicas que não são ofertadas pela universidade, como forma de respeito a essa
tradição e por experiência de vida. Em sua concepção, o naturólogo deve sentir de antemão os
efeitos de todas as práticas com as quais trabalha, para que assim possa ter consciência do que
esperar ao utilizar isso em seu consultório:
Eu acho essencial que existam essas vivências […] Uma coisa é teoria, outra coisa é
você botar a mão na massa [e] sentir no corpo, sentir na pele o que o teu interagente
pode sentir. É muito fácil você falar para uma pessoa “faz uma geoterapia”. Mas
você sentiu o que é ter uma dor de barriga por efeito adverso? Você sentiu o que é
uma desintoxicação? Você não sentiu, então não vai colocar para o teu interagente
algo que você não testou em você primeiro. Eu acho que isso é o mínimo do respeito
por uma pessoa (ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Foi possível observar que a forma como a categoria xamanismo é significada entre os
naturólogos brasileiros é similar à ressignificação promovida pela Nova Era. A lógica é
187
XAMANISMO XAMANISMO DA
NEOXAMANISMO
TRADICIONAL NATUROLOGIA
Xamanismo essencial, no
Vários xamanismos, no plural. Visão do xamã, no singular.
singular.
Êxtase como fonte do poder Self como fonte do poder Self como fonte do poder
xamânico. xamânico. xamânico.
Foi possível notar que embora nem tudo seja uma transposição total das concepções
novaeristas de xamanismo, a maior parte do entendimento que os naturólogos possuem sobre
a categoria se ressignificou tendo o ethos Nova Era como norte epistemológico. Todavia,
foram perceptíveis adequações tanto para que a categoria fosse inserida dentro da
universidade enquanto disciplina obrigatória de uma graduação (p. ex. o apagamento de uma
ligação mais imediata entre xamanismo, êxtase e os enteógenos), tanto quanto para que
pudesse ser identificado como uma medicina tradicional (p. ex. a feitiçaria e o voo xamânico
abrem espaço para a relação de interagência e para a anamnese do paciente).
Enquanto receptáculo do estilo de pensamento da fase novaerista do curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, o xamanismo naturológico recebeu
porção considerável dos conteúdos iniciais que passaram a ser censurados quando da
emergência do estilo de pensamento biologista. Esses conteúdos adquiriram outros nomes e
formatos, passaram a ser apresentados como sendo elementos indígenas, mas mantiveram o
núcleo das práticas e valores que eram caros a esse período inicial.
Como foi possível ver no terceiro capítulo (cf. p. 101), a categoria cakras, que foi
censurada durante a emergência do paradigma biologista no curso de naturologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina, aparece no xamanismo naturológico. Contudo, nas
aulas de Marimon os centros energéticos recebem outro nome, e o formato de organização do
sistema deixa de ser exatamente o mesmo que o curso utilizava inicialmente, aproximando-se
mais de textos mais antigos da Nova Era.
Outros exemplos também podem ser notados no quarto capítulo (cf. p. 118, 139, 160).
A astrologia é mantida no curso através da medicina das cores, porém também em outro
formato que não é imediatamente uma transposição da astrologia contemporânea. No caso da
medicina dos números, foi possível ver resquícios das aulas de ufologia de quando o curso de
naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina era ainda apenas uma pós-graduação,
visto um dos cálculos declarar se o paciente possui a alma de um terráqueo, um atlantis ou um
extraterrestre. A própria inserção da terapia com cristais no xamanismo também é um forte
indício de que essa prática na naturologia engloba aquilo que foi silenciado pelo estilo de
pensamento biologista. Enquanto havia aulas de terapia com cristais na primeira e na segunda
matriz curricular do curso da Universidade do Sul de Santa Catarina, a partir do momento que
essa disciplina é retirada na reformulação do projeto pedagógico de 2013, os cristais passam a
fazer parte das aulas de naturologia através da disciplina de xamanismo de Marimon.
Sobre o neoxamanismo consistir em uma tradição inventada, é preciso se ter claro o
que isso significa para o objeto aqui analisado. Marimon não é o inventor do neoxamanismo.
189
Tão pouco ele criou do nada as práticas que ensina aos estudantes de naturologia. Astrologia,
numerologia, leituras de cakras, healing, os quatro elementos… todos são fenômenos
empiricamente observáveis em diversas outras manifestações religiosas do ethos Nova Era em
âmbito mundial. É, porém, considerada uma tradição inventada porque a forma como esses
conteúdos se organizam segue uma visão de mundo que é moderna, posterior a Segunda
Guerra Mundial2. No entanto, isso não significa que essa forma de medicina xamânica seja
ilegítima ou inútil. Ao contrário, sua sobrevivência enquanto resistência do paradigma
original do curso demonstra o forte apelo que esse estilo de pensamento possui entre os
naturólogos do país.
Embora haja forte reivindicação nos discursos dos naturólogos de que a medicina
xamânica da naturologia brasileira é baseada no conhecimento indígena dos norte-americanos,
o esoterismo da Nova Era é a sua influência mais forte. São os temas centrais do esoterismo
europeu aqueles que assumem o papel central no xamanismo da naturologia brasileira, mais
do que qualquer forma tradicional de prática indígena ou xamânica de qualquer parte do
mundo que seja. Mesmo elementos oriundos de fora da Europa, como os cakras, são inseridos
na medicina xamânica pela óptica da apropriação europeia de tais conteúdos. Embora
naturalizados enquanto algo indígena, sua genealogia está pautada no esoterismo.
Devido à abordagem excessivamente teórica de Marimon sobre o assunto (afinal de
contas, o objetivo da disciplina é desenvolver a capacidade da visão do xamã nos naturólogos,
e não que eles se tornem xamãs propriamente ditos), também foi possível obsevar que os
naturólogos recorrem paralelamente a outras fontes para aprofundar o seu conhecimento
“prático” de xamanismo.
Existe uma distinção entre o que os líderes religiosos dizem sobre seus grupos e o que
os crentes realmente fazem. As religiões são construções coletivas, que são perpetuadas de
forma contínua e independente. Esse é um processo ambíguo, construído por muitas pessoas
com seus próprios interesses e motivações. Os adeptos não pensam e praticam exatamente a
mesma coisa. É por isso que os líderes às vezes não conseguem direcionar os rearranjos
simbólicos de seu grupo como eles pretendem. Embora a naturologia não seja uma religião
em sentido estrito, ao lidar com o xamanismo naturológico, o professor Marimon pode ser
considerado o mais próximo possível de uma liderança religiosa carismática. Como tal, há
certas práticas que Marimon desaprova, desencoraja ou desconsidera no xamanismo que os
naturólogos fazem mesmo assim.
2
Sigo aqui Guerriero (2006, p. 35), quem declara, pautado em Eileen Baker, que é comum considerar um
movimento religioso como “novo” quando ele se tornou visível socialmente após à Segunda Guerra Mundial.
190
Não sei. Não faço ideia. Acho que são coisas totalmente diferentes […] Eles não são
xamãs como a gente concebe, como aquelas pessoas que estão lá [na floresta]. Eles
andam em muitos mundos. Eu sempre penso que as pessoas que fazem isso estão
perdidas. Essa é a minha opinião (MARIMON, entrevista pessoal, 17 nov. 2016).
Uma razão-chave para sua resistência ao Santo Daime é a aya’waska. Embora ele
tenha passado por algumas experiências espirituais com o auxílio dessa planta, Marimon vê o
transplante da aya’waska para o sul do Brasil como uma corrupção de sua energia sutil.
Marimon acredita que uma planta de poder só possui seu potencial espiritual em seu ambiente
nativo. Uma planta do deserto como o peiote, por exemplo, só contém todas as suas
propriedades quando usada no deserto. É por isso que Marimon procurou viajar por todas as
Américas para se submeter aos seus rituais xamânicos: ele queria consumir as plantas
enteógenas em seu ambiente original. Como a aya’waska é nativa da Amazônia, seu consumo
no sul do Brasil não lhe parece lógico.
No entanto, há outro ponto a ser observado: enquanto os daimistas se descrevem como
um grupo religioso, Marimon não considera seu xamanismo uma religião (MARIMON,
entrevista pessoal, 1 dez. 2016). Além disso, a presença de elementos simbólicos cristãos no
Santo Daime também o incomoda:
Eles vinculam as pessoas a um rito, canto, ideia, a uma busca pré-determinada, a tal
ponto que todo aquele que bebe aya’waska vê [símbolos d]a Igreja Católica. Todo
mundo vê santos, anjos, Deus […] Isso é por causa dos seus cânticos […] Eles têm
toda aquela matriz. Você conhece pessoas que falaram com a Virgem Maria, pessoas
que se sentaram aos pés de Deus, e isso continua […] Tanto que há quinze anos eles
chamavam o [Santo] Daime de “Cristo em garrafa”. Todos experimentam a saga da
crucificação, do sacrifício (MARIMON, entrevista pessoal, 17 nov. 2016).
3
O projeto não é criticado apenas por Marimon. Wedekin (cf. entrevista pessoal, 11 jan. 2017) também
criticou a inserção dos estudantes de naturologia nas tribos mbyá-guarani, embora por motivos antropológicos.
Para Wedekin, os estudantes de naturologia não possuem na universidade preparo metodológico e nem de
conhecimento étnico e cultural sobre os mbyá-guarani para serem inseridos assim em uma tribo indígena.
192
“puro”. Como o neoxamanismo se orienta pelo arquétipo do “bom selvagem”, pensar nas
culturas xamânicas como algo vivo e presente, que se modifica, gera conflitos em seu estilo
de pensamento, que as vê como algo tradicional e antigo. Logo, embora Marimon admita ter
se engajado em alguns intercâmbios e visitado as aldeias mbyá-guarani da Grande
Florianópolis no passado (MARIMON, entrevista pessoal, 11 ago. 2016; 17 nov. 2016), ele
prefere ficar longe desse projeto e não o reconhece como algo em prol do xamanismo da
naturologia.
193
CONCLUSÃO
A presente tese teve por objetivo o estudo do xamanismo que ocorre na naturologia
brasileira. Os participantes foram naturólogos brasileiros que objetivamente declaravam
sempre trabalhar com xamanismo, e os professores do curso de naturologia da Universidade
do Sul de Santa Catarina, a única instituição a ofertar formação em xamanismo em um curso
de naturologia reconhecido pelo MEC. Como a Universidade do Sul de Santa Catarina é
responsável por dois terços dos naturólogos formados no Brasil (STERN, 2017a, p. 55-57),
foi considerado que o recorte, embora geograficamente localizado, permite falar sobre a
naturologia brasileira em geral.
Como já havia sido demonstrado por pesquisas anteriores, existe uma importante
relação entre a naturologia e o ethos Nova Era. Assim, parti da hipótese que essa relação
influenciaria as concepções de xamanismo entre os naturólogos do Brasil. Isso foi
demonstrado a cada capítulo dessa tese, culminando no último capítulo, em que uma tabela
comparou as definições de xamanismo tradicional, neoxamanismo (xamanismo na Nova Era),
e como os próprios naturólogos definem xamanismo. Muito do que a naturologia brasileira
conceitua sobre xamanismo possui influência direta do ethos Nova Era.
No primeiro capítulo, foi apresentado o estado da questão sobre a naturologia e sobre
o neoxamanismo entre a publicação nacional de ciência da religião. Foi possível perceber que
pouco havia sido discutido sobre o assunto, e que o tema apresentava o ineditismo necessário
a um trabalho doutoral. O capítulo em questão possuiu também uma característica distinta da
maioria das teses sobre a temática: foquei-me na produção da própria ciência da religião, visto
o momento atual da disciplina no Brasil, que visa uma maior valorização das produções da
área.
O segundo capítulo foi uma reconstrução da história do curso de naturologia da
Universidade do Sul de Santa Catarina. Foi discutido também o fato de hoje a Nova Era não
ser mais uma categoria êmica, mas sim uma categoria ética, e de como isso gera disputas nas
194
ciências humanas sobre sua relevância na atualidade. Com isso, foi apresentada a categoria
“ethos Nova Era”, visando localizar nas discussões dessa tese os seus elementos.
Na sequência, foi apresentada uma leitura sobre a inserção do xamanismo na matriz
curricular do curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina, o que aconteceu
como uma resposta de um estilo de pensamento mais alinhado ao ethos Nova Era que passou
a ser perseguido por um novo estilo de pensamento emergente, orientado pela biologia.
Embora pesquisas anteriores já tivessem demonstrado essa virada paradigmática na
naturologia brasileira, essa foi a primeira vez que o tema foi abordado pela perspectiva das
teorias da ciência de Fleck e Kuhn, discutindo como a disputa das escolas rivais refletiu na
própria construção do curso de naturologia e na identidade dos naturólogos.
O terceiro e quarto capítulo descreveram as categorias êmicas do xamanismo
naturológico. Foi possível observar que os elementos identificados corroboram a hipótese
inicial desse trabalho. Itens muito caros ao esoterismo europeu, difundidos pela Nova Era,
aparecem na prática xamânica da naturologia, como astrologia, tarô, numerologia e cakras.
Alguns desses elementos foram transposições diretas das leituras da Nova Era, como o
healing e os quatro elementos, enquanto outros recebem outro formato e nome, não estando
tão evidente como uma apropriação desse ethos em uma primeira abordagem.
O quinto capítulo se debruçou especificamente sobre o principal problema de pesquisa
desse estudo: o que os naturólogos brasileiros entendem por xamanismo. Como já discutido,
foi demonstrado que as concepções de xamanismo entre a naturologia do Brasil se aproximam
muito mais das definições de neoxamanismo, a forma como o movimento da Nova Era
naturalizou a categoria xamanismo monoliticamente, do que das definições antropológicas de
xamanismo tradicional.
Esse trabalho, entretanto, deixa algumas questões em aberto. O perfil socioeconômico
dos naturólogos brasileiros (PASSOS, 2015), tanto quanto a pesquisa anterior que resultou em
minha dissertação (STERN, 2015a) apontavam que as mulheres são a maioria no meio
naturológico brasileiro, correspondendo a mais de três quartos de sua população total. No
entanto, ao ir a campo, a impressão que tive é que há uma distribuição relativamente
equilibrada entre homens e mulheres que dizem trabalhar com o xamanismo naturológico. Por
que essa prática, em específico, parece não seguir o perfil de distribuição de gênero do resto
da naturologia brasileira? Seria a figura de Marimon, um dos poucos professores homens
heterossexuais de destaque no ensino de naturologia da Universidade do Sul de Santa
Catarina, o motivo dessa identificação dos rapazes com essa prática? Essas questões,
infelizmente, estavam fora do escopo dessa pesquisa.
195
Um segundo problema surgiu pela fala de uma das minhas entrevistadas. Uma das
professoras deu a entender que poderiam existir resistências ao xamanismo na naturologia não
apenas porque ele está ligado a um estilo de pensamento adversário, mas pelo racismo
institucional da própria academia brasileira. Essa professora mencionou que não apenas os
saberes indígenas, mas as medicinas negras e caboclas de modo geral são relegadas ao
ostracismo nas pesquisas da saúde (AZEVEDO, entrevista pessoal, 3 fev. 2017). É notada
uma tendência nos estudos da área da saúde à supervalorização de práticas europeias e
asiáticas em detrimento das medicinas populares e tradicionais da América Latina e da África.
De fato, ao analisar o percurso das racionalidades médicas, uma linha de pesquisa que hoje é
fundamental ao ensino e prática da naturologia no Brasil, aparentemente nunca houve um
interesse maior em estudar tais práticas pelos grupos de pesquisa responsáveis por essa
categoria. Além disso, apesar do campus da Grande Florianópolis da Universidade do Sul de
Santa Catarina estar rodeado por tribos guarani de fácil acesso, pouco é pensado sobre
intercâmbios e inserções mais efetivas entre os estudantes de naturologia e esses indígenas.
As relações étnicas, sociais e raciais complexas que operam por trás desses arranjos não foram
exploradas nesse estudo. Acredita-se que podem ser objetos de grande interesse a futuras
pesquisas sobre o xamanismo da naturologia no Brasil.
Também não fica claro o futuro do xamanismo naturológico. Embora seja formado por
uma população de cerca de 175 pessoas que declaram praticar essa forma de xamanismo
constantemente na naturologia, como o seu ensino está muito centrado na figura de Marimon,
com a aposentadoria desse professor não é possível saber se esse conteúdo sumirá do ensino
brasileiro de naturologia. Por um lado, o xamanismo naturológico engloba em si as principais
categorias do que emicamente é chamado de “essência da naturologia” – o estilo de
pensamento original do curso, referente à sua implantação na Universidade do Sul de Santa
Catarina. Esse estilo de pensamento, contrário ao paradigma biologista, defende uma
perspectiva holística, espiritualista, que dialoga de perto com o ethos Nova Era e valoriza a
relação de interagência. Por outro, como Marimon não preparou um substituto para assumir o
seu lugar na universidade, e visto as resistências que suas aulas enfrentaram historicamente
em todos os anos de existência desse curso, acredito que a maior probabilidade é que o
conteúdo venha a ser retirado da matriz curricular. Ou, em último caso, que seja substituído
por alguma forma de xamanismo tradicional, pautado em uma etnia específica.
Caso qualquer um dos dois cenários ocorra, no geral todos os participantes afirmaram
que seria uma grande perda para a formação. Citando a fala de uma das entrevistadas:
196
Nem me fala isso [a aposentadoria de Marimon]. Meu coração até arde só de pensar
[lacrimejando]. [...] Eu tenho medo, de verdade, que a naturologia se perca e
desmorone, porque sem a visão que ele [Marimon] traz, eu acho muito difícil. Tem
alguns professores que tentam buscar essa visão, que tentam aplicar isso em sala de
aula e transmiti-la aos alunos, mas são poucos. É o que eu percebo. Eu acho muito
difícil [outra pessoa conseguir] trazer o que o Roberto [Marimon] traz para os alunos
(ALVES, entrevista pessoal, 28 nov. 2016).
Ele não pode se aposentar! [...] Eu espero que sejam inteligentes o suficiente para
não deixar isso morrer. Só que tem que achar pessoas que estejam preparadas a falar
sobre isso com muita clareza, né? Encontrar “xamãs” para falar sobre isso,
encontram[-se] vários. Mas pessoas que realmente tenham o cuidado que o Roberto
[Marimon] tem para falar? (SILVA, entrevista pessoal, 4 jan. 2017).
Outra professora também demonstrou uma visão pessimista quando foi perguntada se
haveria uma continuidade ao trabalho de Marimon pela instituição:
[Pausa de 4 segundos] Eu não sei. Com tristeza, eu não sei. Espero que ele
[Marimon] consiga colocar alguém que consiga levar isso a diante. Eu espero que os
alunos consigam também fazer esse movimento, porque eu vejo que os alunos,
quando fazem a disciplina de xamanismo, de certa forma se encantam com essa
medicina. Fora isso, aqueles que se dedicam, que procuram entender, eles têm um
outro olhar na sua interagência no estágio. E muitas vezes eu acho que nem eles
percebem que é influência das aulas de xamanismo. Por que eu digo isso? Porque
tanto medicina chinesa quanto āyurvéda, pelo que eu vejo nos estágio, por mais que
se ensine a parte filosófica, fica muito mais em foco a parte das técnicas. É técnica
pela técnica. E o xamanismo traz esse outro olhar, de interagente, de pessoa, de
mundo que a pessoa vive. De que mundo eu vivo? No que eu posso interferir na tua
vida, e no que você pode interferir na minha vida? [...] A medicina que o Roberto
[Marimon] traz é tão simples, e ao mesmo tempo tão complexa. A única coisa é
você observar as coisas que estão a tua volta e você simplesmente ser. E aí eu vejo
que isso, quando os alunos conseguem captar, as interagências são diferentes. Eles,
dentro do consultório, veem o interagente de uma forma diferente. Não estou
desmerecendo as outras medicinas, mas eu vejo muito que as coisas são focadas em
técnicas e protocolos. A xamânica não tem protocolo. Ela entra com um olhar pro
interagente, mas o que a gente vai fazer com ele, é o mesmo que o xamã sair para o
meio do mato escolher a melhor erva. No caso o naturólogo tem esse olhar, e daí ele
vai escolher a melhor prática, que não necessariamente precisa ser xamânica. Pode
ser a hidro[terapia], pode ser a cromo[terapia], pode ser outra prática. Não tem esses
protocolos fechados, como as outras duas medicinas que a gente ensina na
[Universidade do Sul de Santa Catarina]. Eu vejo esse olhar, esse ganho muito
grande, e considero uma perda se não tiver mais aulas de medicina xamânica
(KATEKARU, entrevista pessoal, 29 mar. 2017).
197
Com essas últimas citações, concluo a tese apresentando uma das minhas principais
motivações pessoais a realizar esse estudo, a qual reservei para esse momento oportuno. O
xamanismo da naturologia, do ponto de vista do cientista da religião, diz respeito a um grupo
minoritário dentro de outro grupo minoritário chamado “naturologia brasileira”. Esse coletivo
teve na figura de Marimon o equivalente a uma liderança carismática, que bancou durante
mais de vinte anos a sua continuidade na formação da naturologia brasileira. Porém,
atualmente trata-se de uma tradição ameaçada de desaparecimento, pela própria aposentadoria
de Marimon e pela dificuldade de identificar um sucessor para seu trabalho.
Talvez estejamos frente a um fenômeno comum na Nova Era, o que Campbell (1972),
ao falar do cultic milieu novaerista, identificou como a capacidade evanescente das diferentes
ofertas de bens religiosos da Nova Era, que ocorre na mesma medida em que novas
configurações constelam nesse milieu, alimentando o trânsito religioso intenso dos buscadores
espirituais. Ou talvez simplesmente a naturologia brasileira se transformou de tal maneira que
a identidade original do curso, a qual Marimon e os professores da primeira fase idealizaram,
foi suplantada por uma outra identidade contrária a esses ensinamentos. De qualquer forma, a
ameaça desse saber se perder parece real no campo da naturologia brasileira. Como cientista
da religião, achei importante, nesse momento que corroborava a saída de Marimon da
Universidade do Sul de Santa Catarina, o desenvolvimento de um trabalho que registrasse, de
alguma forma, que esse grupo existiu, e sua importância na naturologia do Brasil.
Mas ainda que os saberes xamânicos ensinados por Marimon sejam retirados do curso,
e essa forma específica de xamanismo se perca na naturologia, o neoxamanismo em si
continuará. Ele se perpetua, forte e muito relevante, nos centros espiritualistas urbanos e no
coração do ethos Nova Era, influenciando o surgimento de novas formas de neoxamanismo
nesse cultic milieu. Sendo assim, ainda que os naturólogos deixem de ter esse conteúdo em
sua formação, pela proximidade da naturologia ao ethos Nova Era, novas configurações de
xamanismo continuarão acontecendo entre eles. Essas novas formas de xamanismo apenas
integrarão a longa lista de práticas de um currículo paralelo, para além do que é ensinado
oficialmente pelos cursos de naturologia no Brasil.
198
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Iniciando pelo trabalho de Caroline Cavaltanti (2007), seu relato de experiência teve
como objetivo apresentar uma modalidade terapêutica que misturava cantos xamânicos
náuatles, mitos cosmogônicos que ela apresenta como sendo “astecas” (a maioria de fato o é,
mas ela descreve a deusa inuit Sedna como uma divindade asteca), visualizações guiadas,
212
Através dessa técnica foi possível aferir os padrões energéticos dos três primeiros
chacras [sic.], antes e após a aplicação da prática, e relacionar os padrões
psicoemocionais a eles associados, para então se trabalhar com mitos referentes aos
padrões energéticos em desequilíbrio, de acordo com as necessidades da interagente
(CAVALCANTI, 2007, p. 4).
sofrimento. Cavalcanti também faz uma relação entre o alquimista, o naturólogo e o xamã,
como se essas três figuras exercessem funções similares ao trabalharem com arquétipos.
O segundo trabalho, de Daniel Inocêncio (2012), tem como objetivo verificar como
instrumentos de percussão são utilizados em ritos xamânicos de reestabelecimento do ritmo
pessoal. O autor declara, em seus materiais e métodos, que fez uma busca nas bases de dados
Scielo, Pubmed, Bireme, PUC (sic.) e Lilacs, além do Google Acadêmico, por artigos das
áreas de antropologia cultural, musicoterapia e xamanismo, além de livros ou obras de
referência, teses, dissertações e textos publicados em anais de encontros científicos (p. 8-9).
Claramente esse não foi o caso. Nenhuma tese, dissertação ou texto publicado em anais foi
citado. Além disso, seria impossível, ao buscar nas bases de dados citadas, que seu artigo final
terminasse com apenas 20 referências. A título de informação, apenas no Scielo a busca pela
palavra-chave “xamanismo” retorna mais de 60 artigos. Além disso, Inocêncio mistura
trechos de publicações de autores como Edward Tylor, Lévi-Strauss, Enrique Dussel, Mikel
Dufrenne, Jeanne Achterberg e documentos da própria ONU, apesar de muitas desses textos
serem incompatíveis ou não possuírem qualquer relação.
Aparentemente, trata-se de um estudo bibliográfico narrativo. Não é definido em seus
métodos quais povos, períodos históricos ou regiões geográficas serão estudados. Há textos
sobre candomblé, umbanda Almas de Angola, vodu, xamanismo mbyá-guarani,
neoxamanismo e o livro do fotógrafo Masaru Emoto sobre padrões de cristalização da água.
Por fim, pouco é falado sobre ritos xamânicos em si, e muito é dito sobre os ritos percussivos
das religiões da diáspora africana. Isso é justificado em sua introdução, que declara que os
povos “afro-latino-americanos” são xamânicos (INOCÊNCIO, 2012, p. 3), uma classificação
tão inclusiva que não permite entender quem seriam esses povos exatamente.
Algumas categorias importantes ao xamanismo da naturologia, porém, aparecem em
seu texto. Ele gasta muito tempo tentando “comprovar” que os mbyá-guaranis e os povos
negros trabalham com os quatro elementos da natureza (Fogo, Terra, Água e Ar) da forma
como é ensinado no livro O caminho quádruplo (cf. ARRIEN, 1993). Inocêncio (2012) tenta
amalgamar a religião dos orixás aos cultos xamânicos como um todo, em uma representação
monolítica de “xamanismo norte-americano”. Ele também faz alegorias entre a utilização do
tambor pelo candomblé e essa visão universalizante de xamanismo:
Ao fim, é possível notar que o objetivo real desse trabalho não é aquele apresentado na
introdução. Esse foi um estudo que teve como foco discutir se a utilização de tambores por
religiões de matriz africana possuem ou não confluências com o que os livros de
neoxamanismo chamam de ritos de reestabelecimento do ritmo pessoal. Em outras palavras,
seu principal objeto são as religiões da diáspora africana, e não o xamanismo da naturologia.
O xamanismo mbyá-guarani e o neoxamanismo são evocados apenas a título de comparação.
O terceiro trabalho, de Laura Jamati de Souza (2012), aborda uma das práticas centrais
à medicina xamânica da naturologia: a roda de medicina (cf. p. 110). Assim como o trabalho
de Cavalcanti (2007), esse texto trata o xamanismo no singular, sob a alcunha de “a Tradição
Xamânica”, sempre em maiúsculo. Além disso, os nativos norte-americanos são apresentados
de modo generalizado, como se constituíssem um único povo. Seu texto declara que:
O tema foi explorado a partir de exaustiva pesquisa bibliográfica, uma vez que são
raras as publicações sobre o assunto, e vivenciado/aprofundado, pela autora, através
de uma jornada pessoal xamânica, na qual foi possível a experiência/consciência
desse mecanismo de empoderamento, para contextualizar a dinâmica energética da
Roda de Medicina e elaborar um estudo de cunho multidimensional (SOUZA, 2012,
p. 1).
A Roda foi elaborada, dentro do rigor das convicções xamânicas, […] com o
propósito de orientar o movimento do processo meditativo/reflexivo nas quatro
direções ao se adentrar no círculo sagrado. Para tanto, foram utilizados como veículo
de estímulo totens animais – animais auxiliares de poder – relacionados a cada uma
das direções, para que se abrisse um canal de comunicação com o animal guardião
de cada uma delas, além de questões dirigidas, em cada uma delas, para promover
um pensamento mais profundo e penetrar em um estado mais reflexivo (SOUZA,
2012, p. 13).
O mais intrigante é que Souza (2012) foi ao mesmo tempo pesquisadora e pesquisada,
sem nenhum distanciamento. Ela explica sua utilização da roda de medicina como uma forma
de autoajuda, cuja eficácia teria sido comprovada por sua autoaplicação. Portanto, ela foi o
seu próprio parâmetro de estudo. Seu relato demonstra também uma concepção de que a roda
de medicina teria propriedades mágicas. A palavra “magia” é objetivamente utilizada em seu
texto para explicar o funcionamento desse procedimento.
O quarto trabalho, de Gabriela Deves (2013), não tem a medicina xamânica como
objeto central, mas sim as supostas influências que a lua teria sobre os ciclos da vida na Terra.
Pelo curso de naturologia da Universidade do Sul de Santa Catarina ser pautado e uma tríade
formada por medicina chinesa, āyurvéda e xamanismo, Deves reserva uma seção desse artigo
para discutir as interpretações xamânicas sobre o tema. Deves também utiliza a alcunha
“tradição xamânica” no singular, porém escrita em letra minúscula.
Seu conceito de xamanismo é fundamentado em Mircea Eliade, Roger N. Walsh,
Patrick Drouot e Jeanne Achterberg. Para Deves (2013), a medicina xamânica seria uma
técnica que permite às pessoas acessarem as “forças da criação”. Ela explica que para o xamã
o mundo é compreendido em três camadas: o mundo superior, o mundo intermediário e o
mundo inferior. Esses três planos estariam interligados por um eixo central, “no qual existe
uma abertura que possibilita a descida dos Deuses a Terra e a ida dos mortos às regiões
subterrâneas” (p. 13). O xamã seria aquele que, ao acessar estados alterados de consciência,
216
conseguiria transitar entre esses três níveis. Em suas palavras, “pelo eixo central, a alma do
xamã pode se locomover livremente pelas três zonas” (p. 13).
Como seu trabalho aborda a influência da lua de modo vitalista, é de grande interesse
para a autora não somente a questão física da gravidade lunar sobre a biosfera, mas também a
categoria “energia”, a qual é explicada por autores como David Cumes e Fritjof Capra. Além
disso, a “desordem energética” lhe é de grande importância. Em suas palavras:
Sampaio (2013) descreve algumas etnias ao explicar o que entende por “antiga
tradição xamânica”. Ela define que “a tradição xamânica aqui citada é referente aos nativos
norte-americanos, especificamente da Nação Cherokee. Somente o ensinamento do chefe Dan
George, citado ao longo do artigo, faz parte da Nação Tsleil-Waututh do norte de Vancouver”
(p. 3). Embora seu referencial teórico não seja, de fato, sobre os cherokees, o fato de ter se
preocupado em delimitar alguma etnia a destaca dos outros trabalhos de conclusão de curso
sobre o tema produzidos na Universidade do Sul de Santa Catarina.
Além de ser descrito como um dos pilares da ecopsicologia, nesse texto o xamanismo
é também explicado como uma busca por empoderamento pessoal (SAMPAIO, 2013, p. 4). A
naturóloga define empoderamento pessoal como “o poder ligado à liberdade do ser humano
em decidir e controlar sua vida, com responsabilidade e respeito a todos os outros seres, uma
vez que se tem uma relação de unidade com o meio em que vive” (p. 14). Ela o correlaciona
ao sentimento de pertencimento ao universo, o que considera ser um requesito à tomada de
decisões. Além disso, utiliza os cinco princípios ao empoderamento pessoal segundo Leslie
Gray: (1) sentir dor pelo mundo seria algo natural e saudável; (2) a dor só seria algo negativo
se for negada; (3) só ter informação/conhecimento não é suficiente; (4) desbloquear
sentimentos reprimidos liberaria “energia”1 e clarearia a mente; e (5) ao desbloquear a dor que
sente pelo mundo, a pessoa se conectaria com a grande teia da vida.
Por fim, o último trabalho encontrado no acervo da Universidade do Sul de Santa
Catarina é de Bárbara Palma Lima (2014), um artigo de revisão bibliográfica que tenta
misturar Gestalt-terapia e xamanismo em uma analogia com a relação de interagência. Sua
justificativa é que tanto a Gestalt-terapia quanto o xamanismo proporcionariam o “estado de
presença”, o que seria fundamental para que a relação de interagência seja estabelecida (p. 6).
Esse é um artigo de revisão narrativa, no qual não são apresentados os critérios para a
construção do escopo das obras de referência. Até mesmo Prem Baba é citado, embora ele não
fale especificamente nem de xamanismo, nem de Gestalt-terapia.
Lima (2014) descreve a medicina xamânica de modo monolítico, sempre no singular,
sob a alcunha de “Tradição Xamânica” com letras maiúsculas, ou como “filosofia xamânica”
com letras minúsculas. Refere-se que ao falar de xamanismo, está descrevendo as sociedades
xamânicas “oriundas das grandes planícies localizadas ao norte dos Estados Unidos em
direção à fronteira canadense” (p. 12), embora também cite os xamanismos do deserto do
Calaári, da Austrália aborígene, da Sibéria, da Ásia Central e da Europa Ocidental.
1
Sampaio não define o que entende por “energia”.
218
Para ela, a medicina xamânica é a que mais incorpora “valores” (sic.) do que qualquer
outra terapia, sendo um exemplo do holístico em seu esplendor. Ela descreve que a medicina
xamânica utiliza métodos e técnicas naturais e “não fixas” (sic.), tendo como objetivo ampliar
a percepção humana “para além da realidade consensual, com a qual a maioria dos indivíduos
se identifica, rumo a uma compreensão de pertencimento, harmonia e equilíbrio de suas
relações com todas as coisas ou elementos que os circundam” (LIMA, 2014, p. 4). Suas
principais referências para xamanismo são Angeles Arrien, Jeanne Achterberg, Michael
Harner, Stanley Krippner, Wolf Moondance, Stephen Gallegos, Brad Steiger, J. Tlarusta
Garrett, Michael Tlarusta Garrett, Patrick Drouot, David Cumes e Mircea Eliade.
Ao abordar o “estado de presença” no xamanismo, Lima (2014) declara que os xamãs
foram os primeiros psicólogos, médicos e meteorologistas da humanidade, apresentando o
xamanismo como “a tradição mais antiga das disciplinas religiosas, médicas e psicológicas da
humanidade” (p. 11), cuja capacidade de ultrapassar a percepção ordinária permitiria o acesso
a “informações provenientes dos sussurros dos Criadores do Universo” (p. 11). É defendida
uma suposta capacidade xamânica de acessar “níveis profundos da nossa ancestralidade, que
proporcionam novos estados da consciência por meio da ampliação da percepção” (p. 11).
Além disso, uma noção cosmológica do mundo como sendo concebido por uma Axis mundi
em forma de árvore é esboçada em seu texto:
[…] nas raízes está o “mundo subterrâneo”, o local de conexão com os espíritos das
plantas, dos animais, dos minerais, dos ancestrais – os arquétipos –, o local de se
fazer contato com a sombra, a parte mais obscura do ser, estando também ligado aos
instintos, aos símbolos, ao subconsciente, além de controlar as funções do corpo. Já
nos troncos encontra-se o “mundo intermediário”, relacionado com a realidade
ordinária e por intermédio do qual pode-se viajar para o passado e para o futuro,
buscar respostas para diversas questões da realidade ordinária, reconhecer a própria
existência, a mente consciente, estando ligado à razão e à habilidade de raciocínio.
Por último, nos ramos, está o “mundo superior”, o lugar da inspiração, da conexão
com a maestria, criatividade e liberdade. É a zona onde se expressa toda a qualidade
divina do Ser, a supraconsciência, o local da união com o Divino, com os guias e
mentores espirituais (LIMA, 2014, p. 12).
Por fim, Lima (2014) discorre sobre o ritual da roda de medicina e como esse rito teria
a capacidade de proporcionar o estado de presença aos participantes. Sua principal fonte para
isso é o livro O caminho quádruplo, de Angeles Arrien (cf. 1994).
219
CAMINHO DO GUERREIRO:
O que é bom, verdadeiro, belo e tão forte em mim quanto o que me sussurra que sou
medíocre?
Minha autoconfiança é tão forte quanto minha autocrítica?
Em que ponto de minha vida parei de dançar?
Em que ponto de minha vida parei de cantar?
Em que ponto da minha vida parei de me encantar com as histórias que ouço?
Em que ponto da minha vida comecei a sentir desassossego no doce território do silêncio?
Quais os líderes e pessoas que corporificam o “espírito do Guerreiro”, que me inspiraram e
foram uma fonte de força na história e nos tempos atuais?
Quais foram as pessoas que me agradeceram por minha capacidade de liderança?
Quais foram as pessoas que me escolheram para fazer parte de seu time?
Quais foram meus maiores desafios?
De que maneira lidei com eles?
Das três forças universais (a força da presença, da comunicação e do posicionamento),
quais as que estão desenvolvidas, e quais não?
Que capacidades específicas de liderança possuo?
Quando perdi meu poder?
Que tipo particular de pessoa ou situação aumenta minha falta de coragem?
Onde atuo por minha própria conta, sou autossuficiente, tomo posições firmes e sei o que
não suporto?
Que partes de mim encontram-se agora em luta entre si?
Qual o maior conflito que, de maneira geral, ais se apresenta em minha vida?
Faço o que digo?
Como reajo quando há muito a fazer?
Como reajo quando não há nada a fazer?
De que forma tenho dedicado honra e respeito a mim mesmo e aos outros?
Tenho consciência de meus limites e determinações? Honro e respeito os limites e
determinações alheios?
Em que aspectos de minha vida considero-me responsável e digno de confiança?
220
CAMINHO DO CURADOR:
CAMINHO DO VISIONÁRIO:
Qual é minha capacidade atual de dizer a verdade sem criticar nem julgar?
Em que situações e com quem me percebo alimentando meu falso eu?
Quais são as minhas cinco músicas prediletas?
Que música da infância guardo comigo?
Que músicas ensino aos outros?
Que músicas originais criei?
Entre os quatro e doze anos, que atividades me prendiam durante horas, sem precisar de
ninguém mais a meu lado?
Quando, em minha vida, dei vazão aos aspectos criativos de minha personalidade?
Qual é meu remédio natural (meus dons e talentos) únicos, inigualáveis?
O que me faz rir?
Quão desenvolvido está meu senso de humor?
O que é engraçado para mim?
Quais são as formas de brincadeira que existem em minha vida?
Em que rumos espirituais, ideias e práticas encontro-me engajado?
Se tivesse que escrever minha autobiografia espiritual, o que ela conteria?
Qual foi minha primeira experiência mística ou numinosa?
Quais as formas de prece, meditação ou contemplação de que faço uso para obter uma
orientação espiritual?
Para onde me volto em busca de orientação?
Que práticas me fazem ligar-me à minha vida interior?
Em que situações ou junto a quem renuncio a mim mesmo?
Quando me sinto capaz de manter minha integridade e autenticidade, e quando não sou
capaz de fazê-lo?
De quais projeções estou consciente?
Quem são meus espelhos claros, meus espelhos esfumaçados e meus espelhos rachados?
222
CAMINHO DO MESTRE:
Quais foram os mestres significativos da minha vida? Destes, quais foram fontes de
inspiração, e quais representaram desafios? Quais as qualidades que me atraíram neles, se
existiram? O que isso revela a respeito de meu Mestre interior?
Para quem você foi mestre e qual é o seu mentor atual?
Quais as figuras do trapaceiro que, e minha vida, ensinaram-me sobre flexibilidade e
revelaram meus padrões de posicionamento, julgamento e controle?
Quais foram as “chamadas” que, algumas vezes, me despertaram?
De que forma dei-me conta ou “acordei” para minhas limitações?
Que tipos de apego encontro em minha vida pessoal, profissional e espiritual?
Qual é o meu nível de tolerância em relação ao silêncio e em relação à minha capacidade
de estar só?
Quais os ancestrais masculinos que foram tanto uma inspiração como um desafio para
mim?
Quais os ancestrais femininos que foram tanto uma inspiração como um desafio para mim?
Qual é minha capacidade de esperar para agir quando estou confuso?
Que áreas de minha vida apresentam confusão atualmente?
De que, presentemente, tenho medo?
O que estou conscientemente ignorando?
Das “Quatro Leis Imutáveis do Espírito” de Harrison Owen, qual é a mais difícil de aceitar
ou praticar? [(1) Quem quer que esteja presente, é a pessoa certa; (2) Seja quando for que
comece, é o tempo certo; (3) O que quer que aconteça, é a única coisa que poderia ter
acontecido; (4) Quando acaba, acaba]
Que padrões familiares de negação de vida estou desejando conscientemente quebrar e não
mais levar avante?
No passado e na herança de minha família, quais as qualidades trazidas até aqui e que
posso identificar como “boas, verdadeiras e belas”?
Como tenho lidado com as perdas em minha vida?
Das seis categorias de perda, com quais me defronto mais? [(1) perda de laços; (2) perda
de rumos; (3) perda de estrutura; (4) perda de futuro; (5) perda de significado; (6) perda de
controle]
[…] E naquela manhã, Deus compareceu ante suas doze crianças e em cada uma delas
plantou a semente da vida humana. Uma por uma, cada criança deu um passo à frente para
receber o dom e a função que lhe cabia.
“Para ti, Preto, eu dou o conceito de futuro, para que através de ti o homem possa ver
outras possibilidades. Terás a dor da solidão, pois não te permito personalizar o meu amor,
para que possas voltar os olhares humanos em direção às novas possibilidades. Eu te concedo
o dom da liberdade, de modo que, livre, possas continuar a servir a humanidade onde quer
que ela esteja”. E o Preto voltou ao seu lugar.
“Para ti, Branco, dou a missão de servir, para que o homem esteja ciente dos seus
deveres para com os outros; para que ele possa aprender a cooperação, assim como a
habilidade de refletir o outro lado de suas ações. Hei de te levar onde quer que haja discórdia,
e pôr teus esforços. Eu te concederei o dom do amor”. E o Branco voltou ao seu lugar.
“Para ti, Amarelo, peço que empreendas um exame de tudo o que os homens fizeram
com a minha criação. Terás que observar com perspicácia os caminhos que percorrerem, e
lembrá-los de seus erros, de modo que através de ti minha criação possa ser aperfeiçoada.
Para que assim o faças, eu te concedo o dom da pureza”. E o Amarelo voltou ao seu lugar.
“Para ti, Prata, dou a mais difícil de todas as tarefas. Peço-te que reúnas todas as
tristezas dos homens e as traga de volta para mim. Tuas lágrimas serão, no mundo, minhas
lágrimas. A tristeza e o padecimento que terás de absorver são o efeito das distorções
impostas pelo homem à Minha Ideia, mas cabe a ti levar até ele a compaixão, para que possa
tentar de novo. Por esta tarefa, eu te concedo o dom mais alto de todos: tu serás o único dos
meus doze filhos que me compreenderá […] Mas esse dom do entendimento é só para ti,
Prata, pois quando tentares difundi-lo entre os homens, eles não te escutarão”. E o Prata
voltou ao seu lugar.
“Para ti, Dourado, atribuo a tarefa de exibir ao mundo minha criação em todo o seu
esplendor. Mas deves ter cuidado com o orgulho, e sempre lembrar que é minha a criação, e
não tua. Se o esqueceres, serás desprezado pelos homens. Há muita alegria em teu trabalho;
basta fazê-lo bem. Para isso, eu te concedo o dom da honra”. E o Dourado voltou a seu lugar.
“Para ti, Rosa, eu peço que faças os homens rirem, pois entre as distorções da minha
ideia eles se tornam amargos. Através do riso darás ao homem a esperança, e por ela voltarás
seus olhos novamente para mim. Chegarás a ter muitas vidas, ainda que por um só momento;
224
e em cada vida que atingires, conhecerás a inquietação. A ti, Rosa, darei o dom da infinita
abundância, para que te possas expandir o bastante até atingir cada recanto onde haja
escuridão, e levar aí a luz”. E o Rosa voltou a seu lugar.
“Para ti, Verde, eu dou o poder de transformar a semente em substância. Grande é a
tua tarefa e requer paciência, pois tem que terminar tudo o que foi começado, para que as
sementes não sejam dispersadas pelo vento. Não deves, assim, questionar; também não deves
mudar de ideia no meio do caminho, nem depender dos outros para a execução do que te
peço. Para isso, eu te concedo o dom da força. Trata de usá-la sabiamente”. E o Verde voltou
a seu lugar.
“Para ti, Celeste2, atribuo a tarefa de ensinar os homens a emoção. Minha ideia é que
provoques neles risos e lágrimas, de modo que tudo o que eles vejam e sintam desenvolva
uma plenitude desde dentro. Para isso, eu te dou o dom da família, para que tua plenitude
possa se multiplicar”. E o Celeste voltou ao seu lugar.
“Para ti, Vermelho, dou uma primeira semente para que tenhas a honra de plantá-la.
Para cada semente que plantares, mais outro milhão de sementes se multiplicará em suas
mãos. Não terás tempo de ver a semente crescer, pois tudo o que plantares criará cada vez
mais e mais para ser plantado. Tu serás o primeiro a penetrar o solo da mente humana levando
minha ideia. Mas não cabe a ti alimentar e cuidar dessa ideia, nem questioná-la. Tua vida é
ação, e a única ação que te atribuo é a de dar o passo inicial para tornar os homens conscientes
da criação. Por esse trabalho, eu te concedo a virtude do respeito por si mesmo”. E
silenciosamente o Vermelho voltou ao seu lugar.
“Para ti, Azul3, eu dou as perguntas sem respostas, para que possas levar a todos um
entendimento daquilo que o homem vê ao seu redor. Tu nunca saberás porque os homens
falam ou escutam, mas em tua busca pela resposta encontrarás o meu dom reservado a ti: o
conhecimento”. E o Azul voltou ao seu lugar.
“De ti, Marrom, quero o suor da tua fronte, para que possas ensinar aos homens o
trabalho. Não é fácil a tua tarefa, pois sentirás todo o labor dos homens sobre teus ombros;
mas, pelo jugo de tua carga, te concedo o dom da responsabilidade”. E o Marrom voltou ao
seu lugar.
“A ti, Violeta, darei uma tarefa muito difícil. Terás a habilidade de conhecer a mente
dos homens, mas não te darei a permissão de falares o que aprenderes. Muitas vezes te
2
Nunes Neto utilizou essa palavra como tradução do termo inglês “cyan”. No material de Marimon, essa cor
é referenciada tanto como “celeste” quanto como “turquesa”.
3
Nunes Neto utilizou essa palavra como tradução do termo inglês “blue”. No material de Marimon, essa cor
é referenciada tanto como “azul” quanto como “índigo”.
225
sentirás ferido por aquilo que vês, e em tua dor te voltarás contra mim, esquecendo que não
sou eu, mas a perversão da minha ideia, o que te fez sofrer. Verás tanto e tanto do homem
enquanto animal, e lutarás tanto com os instintos de ti mesmo, que perderás o teu caminho;
mas quando finalmente voltares, terei para ti o dom supremo da finalidade.” E o Violeta
voltou ao seu lugar.
[…]
Então Deus completou: “cada um de vós é perfeito, mas não compreendereis isto até
que vós doze sejais um. Agora vão!”
E as doze crianças foram embora executar sua tarefa da melhor maneira […]
Preto: Parte mental do Fogo. O futuro. É meu. Tudo para mim. Ardiloso. Primo malandro.
Matéria viva sem energia. O poder. O dinheiro. O início de tudo. Todas as cores estão no
preto, ele absorve todas, mas só tem consciência de si mesmo. Aspecto negativo: perder sua
condição material.
Branco: Parte espiritual do Ar. A memória. É seu. O poder de cura através da palavra, do
som. O poder da palavra. Purifica o ar através da palavra. Água que lava todas as energias. A
pureza. A fé. A religiosidade. A cerimônia. A cor dos santos. Aspecto negativo: perder a
saúde.
Amarelo: Parte mental da Terra. O presente. É nossa. É energia que conjura. É o sacerdote. A
cerimônia. O caminhante. Primo malandro. Força em forma de luz que provoca o calor. A
ideologia. O dom da palavra. As comunicações. O conhecimento gnóstico. Aspecto negativo:
dificuldade de comunicação.
Prata: Parte espiritual da Água. O tempo. Não sou eu. Primo malandro. Suprema dissolução
do ego. O movimento. A ligação com o mundo indivisível. Premonições. Viagens astrais.
Transporte rápido. Uma energia que prefere permanecer sempre oculta. Organização além de
nossas cabeças – movimenta as pessoas e as coloca no lugar certo. Seu objetivo é não ser
reconhecido. Aspecto negativo: perder a noção de tempo.
Dourado: Parte espiritual do Fogo. Ato social. Sou eu. O ego. Ser visto. Aparecer. A suprema
firmação do ego. O brilho. O sucesso. A coragem. Seu objetivo é ser reconhecido. Aspecto
negativo: perder o brilho.
Rosa: Parte física do Ar. Pelo prazer. Não está nem aí. O prazer. A diversão. O jogo. Uma
saída para a tensão. Resolve a dialética entre a suprema afirmação e a suprema dissolução do
ego. Resolve a discussão pelo desinteresse. Não está nem aí para nada. Rosa é jogar pedras no
abismo. Rosa é jogar a cabeça no vazio. Aspecto negativo: perder a alegria, o bom humor.
227
Verde: Parte espiritual da Terra […]1 subsistência espiritual e física. O bruxo. As ervas. A
alquimia. A transformação do natural em mágico. Aspecto negativo: perder sua energia.
Celeste [Turquesa]: Parte mental da Água. Ele precisa. Eu lembro. O amor. A mãe. As artes.
A criação. A beleza. O perfeccionismo nas formas. Energia de proteção. Luta com o Verde
em questão de alimentação. Conforto. Aspecto negativo: perder seu senso de estética.
Vermelho: Parte física do Fogo. Eu faço. Força propulsora que aciona a matéria e luta. Força
bruta. Fé cega. Agressividade. O sexo. As artes marciais. O trabalho. Os esforços físicos. Faz
o corpo se mover. Primos da fé. Resolve a briga entre o Verde e o Celeste na força. Resolução
pela força. Também é cor de cura. Aspecto negativo: perder sua força vital. Intumescimento,
problemas de circulação.
Azul [Índigo]: Parte mental do Ar. Com certeza existe uma dádiva. É a teoria. Com a fórmula
na mão, tem tudo resolvido. Trampolim sem fim. Valor gnóstico de Deus. Conhecimento
científico. No plano mental, vai até a origem. Procura os dados até o infinito. Difícil terminar
o que começa porque são inconformados, sabem que tem mais e querem saber tudo. Cor de
alta espiritualidade, elevada em termos mentais. Para entrar em alfa, a conexão é feita através
do azul. Aspecto negativo: perder seu interesse gnóstico.
Marrom: Parte física da Terra. Eu garanto. Eu realizo. É a prática. Sabedoria material, não
fica só na fórmula. Termina o que começa. Comanda. Hierarquia. O trabalho. A organização.
As regras do jogo. Semeia confiança nos negócios. A cor dos políticos. O pai de família. É a
única energia autenticamente nativa dentro de nós porque a Terra é uma pedra marrom.
Aspecto negativo: perder a estrutura, diretriz.
Violeta: Parte física da Água. Eu sei. É a mais evoluída. É a única que tem a possibilidade de
enxergar todas as outras 11 cores. O que tem consciência das doze energias. Energia da
consciência. O que sofre pela consciência. Energia do homem: é capaz de sacrifício para
deixar outro em seu lugar. Os opostos. A doença e a cura. Saúde. Vida. Aspecto negativo: não
se autopurificar.
1
Ineligível no original.
228
4 – O número quatro é um número de movimento e ação. Ele ensina; ele tem gostosuras e
travessuras dentro de si. É o número dos portões espirituais, da entrada pela qual o espírito
vem e vai; ancestrais e professores do conhecimento se comunicam usando esse número. É a
personalidade da beleza e a profundeza da tristeza. Ele é verde e verde claro.
5 – O número cinco é o número da firmeza, o número da verdade. Ele é o portal que traz
os seus desejos e anseios mais profundos. Ele reflete a sua personalidade. Ele é o número da
tranquilidade; ele é azul e azul claro.
1 2 3 4 5 6 7 8 9
10 20 30 40 50 60 70 80 90
1 2 3 4 5 6 7 8 9
10 12 13 14 15 16 17 18
19 20 21 23 24 25 26 27
28 29 30 31 32 34 35 36
37 38 39 40 41 42 43 44 45
46 47 48 49 50 51 52 53 54
55 56 57 58 59 60 61 62 63
64 65 66 67 68 69 70 71 72
73 74 75 76 77 78 79 80 81
82 83 84 85 86 87 88 89 90
91 92 93 94 95 96 97 98 99
1 2 3 4 5 6 7 8 9
1900 1901 1902 1903 1904 1905 1906 1907 1908
1909 1910 1911 1912 1913 1914 1915 1916 1917
1918 1919 1920 1921 1922 1923 1924 1925 1926
1927 1928 1929 1930 1931 1932 1933 1934 1935
1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944
1945 1946 1947 1948 1949 1950 1951 1952 1953
1954 1955 1956 1957 1958 1959 1960 1961 1962
1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971
1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980
1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989
1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016
2017 2018 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025
Arquétipo Características
Individualista, presa pela independência. Inovador, pioneiro, gosta de se
diferenciar das outras pessoas. Não gosta de receber ordens. Tem boa
1 Líder pessoal capacidade para dirigir seus próprios negócios. Executivo, dinâmico, prefere
se relacionar com pessoas submissas. Polo positivo: individualismo. Polo
negativo: egoísmo, centralização. Doenças: cerebrais.
Adaptação, flexibilidade, tendência a se anular. Tentativa de unir os opostos.
Tem jogo de cintura. É mediador. Relaciona-se bem com as duas situações.
2 Pacificador Bem e mal. Dificuldade de dizer não e impor limites. Acaba sofrendo abusos.
Inconstante, mas tem certa regularidade. Excessiva passividade. Sofre por
insegurança e desânimo. Não persiste. Doenças: estômago e nervos.
Alegre, criativo, expressivo, excelente senso de humor, expansivo, talentoso.
Não suporta críticas. Sensível. Gosta de ser admirado. É flexível a situações e
mudanças. Veste personas e máscaras sociais. Camaleão. Encontra sempre
3 Artista uma saída rápida e criativa para as coisas. Polo negativo: dispersa seus
talentos fazendo muitas coisas ao mesmo tempo e não consegue finalizar.
Superficial, sofre de dúvidas constantes. Sobre pressão tem tendência a cair
em vícios. Doenças: aparelho respiratório, garganta.
Estrutura, solidez, senso prático, objetivo, metódico, organizado. Sempre age
4 Disciplinador de forma regrada. Teimoso, avarento, rígido. Tendência a se apegar a valores
limitados da vida. Hipercríticos. Doenças: coluna e pés.
Gosta de desafios, o que é difícil. Sabedoria com a liberdade de expressão.
Magnético, dinâmico, mente rápida. Detesta seguir regras. Adora viajar, ser
diferente, inquieto, nervoso. Liberdade a qualquer custo. Sexual, sensual e
5 Aventureiro
apaixonado. Gosta de todo tipo de aventura. Ansiedade, angústia mascarada
com alegria. Impaciente. Tendência a vícios. Doenças: aparelho reprodutor e
todos os cinco sentidos.
Equilibradas, honestas, harmoniosas, gostam de conforto. Pessoas que
recebem e tratam bem. Bons conselheiros. Fazem tudo para melhorar o
padrão de vida de todos ao seu redor. Emotivos, carinhosos, doces,
6 Matriarca
incansáveis e agradar. Amor condicional (emprestam conselhos, pois esperam
que o outro siga o que ele falou). Rigidez de opiniões. Dificuldade de superar
preconceitos e hábitos conservadores. Doenças: coração.
Eficiente, intuitivo, estudioso. Busca conhecimento. Espírito curioso, cético e
analítico. Querem explicação para tudo. Nas relações é introspectivo e
misterioso, difícil saber o que sente. Apesar da aparente frieza, é apaixonado
e lógico nas emoções. Perfeccionista, tem um grau muito alto de exigências.
7 Especialista
Acaba tendo dificuldade em se relacionar. Satírico, irônico, enxerga tudo por
uma lente cor de rosa. Não vê a realidade como ela é. Vislumbra o ideal. Polo
positivo: conhecimento. Polo negativo: melancolia, depressão e ironia.
Doenças: olhos e aparelho reprodutor.
232
Arquétipo Características
O processo de expressão e a eficácia. Administrador, executivo e negociante
nato. Perfeccionista, crítico, analítico, não pensa pequeno. Gosta de processos
de grande escala. Gosta de dinheiro. Nas relações encara como um
8 Empreendedor empreendimento. Investe de acordo com seus objetivos. Equilibra o espírito
com a matéria. Gostam de qualidade e do que é mais cara. Polo positivo:
liberdade material. Polo negativo: ambição, mente negativa, materialista,
inveja, ciúme, desconfiança. Doenças: problemas circulatórios e do sangue.
Fim da manifestação do ser humano na terra. Exercem o amor incondicional.
Pessoas generosas, humanitárias, não esperam nada em troca. Gostam de
colocar as pessoas que amam em um pedestal. Obtêm êxito onde muitos
9 Humanitarista
falham. Sofrem de crises emocionais. Polo positivo: amor universal. Polo
negativo: crises de raiva, cobram o retorno pelo que fizeram, são
egocêntricas. Doenças: todas.
Pessoas cheias de ideias, místicas, leves. Emanam sabedoria, segurança e paz.
Líder espiritual Encantam.São líderes espirituais inspiradores. Estão sempre em destaque em
11
inspirador meio às outras pessoas. Tem dificuldade em dizer não. Polo positivo:
revelação. Polo negativo: fanatismo.
Criam espaços estruturais para que os outros cresçam (escolas, ioga etc.),
sistemas, métodos. São dinâmicos, têm boa visão, são mestres com grande
Líder espiritual
22 conhecimento. Facilidade em ter discípulos. Polo positivo: autorrealização.
do plano físico
Polo negativo: frustração por não conseguir transformar em matéria algo de
sua sabedoria, conhecimento.
Doação total. Abdicar-se em prol do outro. Energia rara em seres humanos.
Líder espiritual Comparados à madre Tereza de Calcutá e Chico Xavier. Amor incondicional
33
pleno nato. Pessoas conhecidas e reconhecidas mundialmente, independente de
religião ou crença.
1 DADOS DA CERTIFICAÇÃO
( X ) Estruturante ( X ) Complementar ( X ) Específica
Nome: Terapêutica Tradicional Xamânica
Carga Horária: 90 horas.
2 COMPETÊNCIAS
Compreender a visão de cosmo, de ser humano e sua energia sutil tendo como base as
convicções da Tradição Xamânica, assim como suas relações com o meio natural e os
mecanismos terapêuticos voltados para a saúde.
3 CONTEÚDOS
A visão de Cosmos na Tradição Xamânica. Relação com o ambiente. Os sistemas
xamâmicos de cuidado à saúde. Direções (norte, sul, leste, oeste). Elementos e movimentos da
natureza (terra, água, fogo, ar), clima, tempo, ciclos lunares. Doença, cura e representações
nas práticas etnomédicas xamânicas.
4 HABILIDADES
Analisar o ser humano a partir da visão cosmológica Tradicional Xamânica.
Identificar e utilizar os principais sistemas de tratamento xamânicos.
5 ATIVIDADES FORMATIVAS
Estudo de caso. Pesquisa e interpretação de informações e dados. Elaboração e
apresentação de trabalho acadêmico. Estudo dirigido. Aplicação prática das técnicas.
6 AMBIENTES DE APRENDIZAGEM
Sala de aula prática. Biblioteca. Ambientes virtuais. Clínica de Práticas Integrativas e
Complementares [clínica-escola do curso de naturologia].
234
7 UNIDADES DE APRENDIZAGEM
7.1 Cosmologia Xamânica
Carga Horária: 90 horas.
Base de Notas: NR6 / Média sete sem Av.Final ou média seis com Av.Final.
8 BIBLIOGRAFIA
8.1 BÁSICA
ARRIEN, Angeles. O caminho quádruplo: trilhando os caminhos do guerreiro, do mestre,
do curador e do visionário. [2. ed.]. São Paulo: Ágora, 1997. 134 p.
LANGDON, E. Jean Matteson (Org.). Xamanismo no Brasil: novas perspectivas.
Florianópolis: UFSC, 1996. 367 p.
MATTHEWS, John. Xamanismo celta. São Paulo: Hi-Brasil, 2002. 242 p.
8.2 COMPLEMENTAR
ELIADE, Mircea. O xamanismo e as técnicas arcaicas de êxtase. São Paulo: Martins
Fontes, 1998. 559 p. (Ensino superior)
MINDELL, Arnold. The quantum mind and healing: how to listen and respond to your
bodys symptoms. Charlottesville, VA: Hampton Roads Pub. Co., 2004. xv, 303 p.
TEDLOCK, Barbara. A mulher no corpo de xamã: o feminino na religião e na medicina.
Rio de Janeiro: Rocco, 2008. 352 p. (Arco do tempo)
WEIL, Pierre. As fronteiras da evolução e da morte: os limites de transformação da
energia no homem. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. 131 p. (Psicologia transpessoal)
WILBER, Ken. O olho do espírito: uma visão integral para um mundo que ficou
ligeiramente louco. São Paulo: Cultrix, 1997. 320 p.