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2ª edição em março/2020
Desenhos de Maicon Antonio
Capa: arte de Maicon Antonio sobre
obra “Solidariedade” de Kathe Köllwitz
edicoestrunca.wixsite.com/trunca
SEGUNDA ................................... 03
Entrando na linha....................... 04
Diálogo de início de turno ......... 06
Contrato ..................................... 07
Patrícia ....................................... 08
Diálogo de fim de turno ............. 10
TERÇA......................................... 13
Produtividade ............................ 15
Uma ovelha ................................ 16
Informe ...................................... 17
Doente ....................................... 22
Robson ....................................... 24
Primeiro de maio ....................... 25
A poesia insiste .......................... 26
QUARTA ..................................... 31
Acidente ..................................... 32
Atestado..................................... 33
Teu primeiro poema...................34
Panfletagem I ............................. 35
Andriele...................................... 36
Cinza ........................................... 38
QUINTA ..................................... 41
Brete .......................................... 42
Mirando ..................................... 43
Pequenos................................... 44
Não ............................................ 47
Eliziane ...................................... 49
Aos que oscilam ........................ 52
Gratidão..................................... 53
SEXTA ........................................ 57
Constância ................................. 58
Panfletagem II ........................... 59
Protesto ..................................... 60
Rotatividade...............................61
Carlinhos ................................... 62
Necessidades ............................. 63
Muito tempo não é sempre ...... 65
SÁBADO .................................... 69
Conformes..................................70
Todos Nós.................................. 72
Simplesmente indispensáveis ... 73
Marisa.........................................74
Pés rotos.................................... 76
Aos que desanimam .................. 78
DOMINGO.................................. 83
Limite ......................................... 85
Cunha ......................................... 86
Vila da Paz .................................. 88
Nossa laia ................................... 93
Potência ..................................... 95
Desigual...................................... 97
Poeminha bagaceiro .................. 98
Multiplicar ............................... 100
Acordando sonhado................ 101
Pulsando ................................. 102
Como queríamos que fosse .... 103
Quase perfeito ........................ 104
Das sete cores ......................... 105
Ranchinho ............................... 107
Despedida ............................... 108
Húmus ..................................... 109
Arejar ...................................... 110
Imbituba.................................. 112
SEGUNDA................................ 115
Novos velhos tempos...............117
Necessário............................... 122
PREFÁCIO
Jeff Vasques
(poeta, palhaço e
militante da vida)
APRESENTAÇÃO
Golondrina Ferreira
SEGUNDA
SEGUNDA
As máquinas, mortas.
Nós, vivos.
Logo se inverte a coisa.
Dá o sinal:
nos mastiga
3
ENTRANDO NA LINHA
Viu, é simples:
abaixe a cabeça
respire contido
4
feche as pernas
feche a cara
feche a boca
pinte as unhas.
Não responda
nem questione
de preferência
não pense
mais que o estritamente
necessário.
5
DIÁLOGO DE INÍCIO DE TURNO
6
CONTRATO
Limpos
quietos
fechados
pontuais
duros
novos
precisos
infalíveis
sóbrios
móveis
azeitados
idênticos
perfeitamente substituíveis.
Cada novato
é uma peça
de reposição.
7
PATRÍCIA
8
cair, queimando pra dentro de si e
acumulando nós indissolúveis, sem
nós... Sem nós todos.
9
DIÁLOGO DE FIM DE TURNO
10
TERÇA
11
12
TERÇA
Liga
ajusta
alimenta
retira as peças prontas
alimenta mais
retira mais
ajusta
troca
retira
alimenta
regula
já acabou de novo
alimenta
agora ao mesmo tempo
limpa
alimenta
regula
retira mais e mais peças
manda pra frente
começa de novo.
13
Tá bem, tá bem...
para ir ao banheiro
ou comentar um jogo de futebol?
Já chega, gente,
já é suficiente,
três vezes suficiente,
diga-se de passagem.
Vamos desfrutar um pouco
do que fizemos
(os que fizeram)
e depois nos juntamos
para fazer mais
(quando preciso).
Estou cansada.
Os que não cansam de me advertir
apenas nisso têm razão:
deliro.
14
PRODUTIVIDADE
Mais um
Mais um
Mais um
Não dá...
Mais um
Mais um
Não dá...
Mais um
Não dá tempo...
Mais um
Mais um
Mais um
Mais um
Não dá tempo de pensar!
15
UMA OVELHA
É uma ovelha.
Uma ovelha
é medrosa.
Uma ovelha
obedece.
Uma ovelha
tem raciocínio curto.
16
INFORME
17
Terá que ser dito, ainda que não se
[entenda,
que operamos nove máquinas
ao mesmo tempo
e uma tela de 52 polegadas
pisca em vermelho
à vista de todo o prédio
quando alguma delas não produziu
o suficiente?
18
o mesmo movimento com as mãos,
dentro de um cubículo de lata
de um metro quadrado
para evitar distrações?
19
pois o protetor de ouvido
abafa um pouco o som?
20
Diremos, se é necessário, mesmo
[sendo alarmante,
que depois do trabalho, transporte e
do sono recomendado
sobram três horas de vida útil,
de modo que às vezes não vemos
os filhos
e às vezes não dormirmos.
21
DOENTE
Mas eu acredito,
se fizer um curso,
se trocar de emprego,
se pedir as contas...
22
Eu ainda lembro
que já foi pior,
a gente ia de chinelinho pra escola
e agora...
23
ROBSON
Os senhores e patrões
não teriam nos dominado tão bem,
nem por tanto tempo,
se não contassem
com nossos próprios auxiliares.
Contramestres,
líderes,
capitães do mato.
24
PRIMEIRO DE MAIO
Sem
novidades,
sem
boas notícias.
O mesmo porrete
nas mesmas
mãos...
25
A POESIA INSISTE
...Como?
Isso mesmo. Não pode
escrever poesia
nos bolsos,
assim como não pode
andar, falar, parar.
É justo, é necessário,
é pela sua segurança,
é o certo e vocês já foram
advertidos.
Ah claro, sim
senhor,
me desculpe,
não seja por isso,
não se preocupe.
Eu vou escrever
com marretas
no teto,
com graxa
nas paredes,
com a trincha
no chão.
26
Proíbam e eu escreverei
com as unhas
na lataria das máquinas,
com chaves
riscando os robôs.
Demitam-me
e escreverei
com um arado na terra,
com a foice
nas plantações.
Prendam-me
e ela estará
nas paredes dos calabouços,
com gotas
de sangue no chão.
27
Com formões
nas cabeças mais duras,
com uma bala
nos vossos peitos.
28
QUARTA
29
30
QUARTA
Avisem os supervisores
- mais por tesão que por pauta -
paramos a produção!
31
ACIDENTE
Parem as máquinas!
Uma flor nasceu
no meu peito,
forçou a superfície,
rompeu-a,
apontou o botão.
Abriu
cada pétala
e se balançou,
desengonçada.
E, agora,
como faço
com essa ramada
saindo do jaleco,
da roupa,
do sorriso...
Será que todo mundo vai ver?
32
ATESTADO
avisem os chefes
suspendam as metas
reportem aos gerentes de RH
ela se encontra
afoita
eufórica
tremendamente apaixonada
33
TEU PRIMEIRO POEMA
34
PANFLETAGEM I
Durmam, camaradas,
descansem
que o trabalho de vocês é árduo
e recomeça logo mais.
Ela é imprescindível.
Descansem, camaradas,
durmam, que logo é hora de
[despertar
a nossa classe.
35
ANDRIELE
Um plano ou outro
dos alcançáveis,
um causo ou outro
dos inquestionáveis,
uma ou outra provocação...
fosse mais ousada, te assustava,
fosse mais sutil, nem se notava.
36
é tempo de ir,
de apertar o passo,
de cerrar os punhos,
de fazer o pão,
enfrentar a chuva.
lutar pelo salário.
37
CINZA
Tão rubro,
quente era aquele
de Petrogrado a 30 graus
negativos.
38
QUINTA
39
40
QUINTA
Se entrega
à sua potência e regularidade,
se submete
às suas exigências e seu tempo,
coloca a seu serviço
seu próprio cérebro, músculos,
nervos,
assim, aparentemente,
inofensivos.
41
BRETE
Ou mudamos tudo,
ou teremos mudado muito pouco.
42
MIRANDO
Engolir o sorriso,
as ideias,
a energia vital.
Conter,
cortar,
adiar
para o próximo carnaval.
43
PEQUENOS
44
caminham de cabeça erguida
e postura correta.
Comem bem,
comem o que quiserem.
45
o quanto eram importantes
e que seriam alguém na vida.
E foram.
46
NÃO
Quando vierem
com meios-termos,
veja bem,
tem que entender...
Quando quiserem
que a gente aceite,
pois o conflito
não interessa a ninguém...
Quando disserem
que de repente,
que é o jeito,
que vamos lá...
47
pra mandar os conciliadores
à merda,
pra juntar com os meus
nossas raivas
e devolvê-las no peito
desses grandissíssimos filhos da
[puta.
48
ELIZIANE
As mãos fortes,
a pele preta,
as pernas grossas,
o olhar consternado.
O passo firme
e lento:
enquanto as mais moças correm,
ela produz mais que qualquer um.
49
Quando vocês olharem a si próprios
e acharem que são fortes,
forte é ela.
Essa força em si
ensimesmada,
quem sabe, amanhã,
ampliada...
50
quem sabe, amanhã,
transformada.
em força de romper,
força de inverter,
força de derrubar,
51
AOS QUE OSCILAM
Somos poucos,
por isso você
faz falta quando se vai,
é bem-vindo quando retorna.
Somos preocupados
quando você faz mal
em nosso nome.
52
GRATIDÃO
os filhos na escola
sem merenda
e faltando professor
53
senhores!
montando os carros
extraindo o petróleo
estão nas minas
ou barragens
em que vocês nem chegam perto
54
SEXTA
55
56
SEXTA
Faz de conta
que amanhã
você tem folga.
Finge
domingo
que está feliz.
57
CONSTÂNCIA
58
PANFLETAGEM II
É grande
a pequena tarefa de hoje:
é singela,
é restrita,
é silenciosa,
é germinal.
É grande
a pequena tarefa de hoje:
é precisa,
é convicta,
é constante,
é fundamental.
É grande
a pequena tarefa de hoje,
porque prepara as maiores
de amanhã.
59
PROTESTO
60
ROTATIVIDADE
é outra
entre o jaleco e a touca
do outro lado do corredor
61
CARLINHOS
dependo do trabalho
ele disse
porque se envolveu.
62
NECESSIDADES
63
Eles precisam que a gente
tenha modos
respeito
juízo
tenha paciência...
Eles precisam
de nós.
Nós precisamos acabar com eles.
64
MUITO TEMPO NÃO É SEMPRE
65
66
SÁBADO
67
68
SÁBADO
69
CONFORMES
70
será que haveremos de tomar
as plantações, os restaurantes,
tomar toda comida que plantamos e
[cozinhamos
para enfim comer um bom prato
[dela?
71
TODOS NÓS
72
SIMPLESMENTE INDISPENSÁVEIS
Vocês disseram
que nosso serviço
é só apertar botão.
Vocês chamaram
uma reunião
pra nos lembrar disso,
intrigados sobre por que
não produzíamos mais
sendo tão simples nosso trabalho.
73
MARISA
Espera, filha,
que a mãe já volta,
eu vou ver se soltam
a gente antes das dez.
Aguenta, filha,
se a dor veio agora,
amanhã tem folga
e vamos pro hospital.
Perdoa, filha,
se eu não vi teus cortes,
que a falta de sorte
não deixa eu parar.
Entende, filha,
se tá ruim na escola
e a mãe não dá bola,
não pode ajudar.
74
Não chora, filha,
que a mãe vai pra luta
pra essa vida bruta
um dia melhorar.
75
PÉS ROTOS
Se o tempo
é de duro caminhar,
quem não se machuca
é porque está parado.
76
E andando
não há de faltar
um camarada
em quem se possa apoiar
para firmar o passo.
77
AOS QUE DESANIMAM
78
o que era história vira
esquecimento.
79
Com toda a escuridão
por cima dos ombros
nos curvando,
com a potência de derrubar toda ela
ao levantar.
80
DOMINGO
81
82
DOMINGO
83
cante
dance
brinque
relaxe
sorria!
84
LIMITE
85
CUNHA
86
seu roçar de folhas no vento
íntimo e certeiro como quem conta
um segredo.
87
VILA DA PAZ
Vila da Paz
e da guerra velada
da estrada
por asfaltar.
Vila
tem mais cachorro
que gente
tem gente
que de repente
não se vê mais.
88
Vila impassível, bom dia?
Bom dia. Tudo bem?
Tuuudo bem.
89
Vila das residências
sem comprovante
da criançada
descalça
dos papelões.
90
Vila dos barracos
dos mercadinhos
sobrados
das construções.
Vila do churrasco
no contra-cheque
do ossinho
no fim do mês.
91
a cinquentinha
e cem
o que o senhor quiser.
Vila do caminhão
da verdura
do sabão
do carro do ovo
do carro do gás.
Vila do futebol
na rua
dos carros lentos
dos guris na correria
vila das mães.
92
NOSSA LAIA
São tias,
quando cozinham alho e limão
para a gripe.
São avós,
quando contam histórias;
são noivas,
quando sonham futuro;
quando desobedecem,
são netas;
93
quando cúmplices
nas desobediências,
são comadres.
é fiel,
porque sem a mentira
de exclusividade;
e é feliz,
porque se sente assim,
não porque seja
obrigada.
94
POTÊNCIA
Sentada na janela
da tua casa, entre os gatos
e como um deles,
observo a multidão da metrópole.
O olhar preso
como quem vê, do redor,
uma fogueira
ou então, do barranco,
observa um rio.
Incompreensível parece
seu movimento:
magnético,
encantador,
irrepetível,
inócuo...
95
Que enchem os olhos de
mercadorias,
o fígado de cachaça,
a cabeça de fluoxetina,
os bolsos de contas a pagar?
e incendeiam.
96
DESIGUAL
Corta o céu,
um caça em alta velocidade.
Na rua de chão,
se arrasta uma carroça
puxada a cavalo.
E ainda dizem
que meu país é atrasado.
E ainda dizem
que meu país é moderno.
97
POEMINHA BAGACEIRO
livre
te encontro na rua
lavo-te
a beijos de amor
leve
te retiro armaduras
lavro-te as costas
sem dor
canto
tua boca nua
na ponta da língua
ergo-te
em flor
louco
te faço primeiro
leito
te deixo deitar
levo-te
dentro do peito
de leve,
te toco a voar
98
as vias
abertas
teu perfume
nos dedos
no meio das pernas
no ar
99
MULTIPLICAR
100
ACORDANDO SONHADO
eu quero
entrar no teu sonho
te chamar pra longe
ir pra cachoeira
tocar violão
eu quero
namorar contigo
e andar na roça
ir fazendo graça
escrever uma canção
depois
chegar no teu ouvido
e chamar teu nome
pegar tua mão
101
PULSANDO
esfriar o corpo
na água da cachoeira
esquentar o peito
nas cordas do violão
tensionar os músculos
nadando contra a corrente
relaxar nas pedras
tomando o sol do verão
silenciar as vozes
para ouvir melhor a mata
e gritar tambores
nos versos de uma canção
esticar o olhar
para ver o horizonte
recolhê-lo
a tempo de olhar pra dentro
nos juntarmos
pra fazer essa alegria
separar-nos
espalhando-a por aí!
102
COMO QUERÍAMOS QUE FOSSE
é comum...
como queríamos que fosse!
103
QUASE PERFEITO
104
DAS SETE CORES
105
Esse monte, por exemplo,
sem relógios nem obrigações
(sem contratos nem patrões)
é de um azul-nostalgia
amarelo-ímpeto
verde-infinito
marrom-história
roxo-carícia
branco-síntese
vermelho-futuro!
106
RANCHINHO
107
DESPEDIDA
Mas, sobretudo,
nos olhares de nossa gente
eu te farei companhia,
do tiozinho da velha dos moços...
Ah, como estarei no das crianças!
108
HÚMUS
Já é qualquer coisa:
Terra,
Poeira,
Nada,
é o que restou.
Proporcional à subida
é a queda,
e isso não consola.
Antes se transformam,
os dois,
em terra fértil.
109
AREJAR
as palavras
como a gente
muito tempo paradas
atrofiam
umedecem
mofam
colam-se entre si
são comidas de traças
rolar na grama
andar de balanço
mergulhar no rio
secar no sol
e voar no ar
aquecer no fogo
e correr ao vento
encher o peito
se matar de rir
110
se reconhecer
se estranhar
voltar a se organizar
as palavras
já são outras
nós também
111
IMBITUBA
112
Mais parados que os que esperam,
tensos,
pois no porto não há quem
se dobre.
Mesmo um trabalhador
que carrega
move-se menos que um outro
que para
(pois quando ele para
se movem
coisas que antes estavam
paradas).
Move-se um trabalhador
que, parado,
mostra seu desgosto de
toneladas.
113
Se saísse um arco-íris
inesperado,
aparecesse a baleia
franca,
pousasse uma revoada
de andorinhas,
aqueles homens ainda seriam
a maior
beleza
do cenário.
114
SEGUNDA...
115
116
NOVOS VELHOS TEMPOS
***
117
eles usam as armas
sempre que necessário
***
118
juntemo-nos, vítimas da barbárie
os que estão surpresos com ela
os que já acham que ela é natural
só nos resta
encher o peito
segurar as mãos
abrir bem os olhos
e atender às novas exigências:
119
voltar
a pintar muros
a saber se defender
vamos precisar
voltar a conspirar
comunicar sem alarde
atentar às armadilhas
aos cordeiros que contra os lobos
vão querer nos jantar
***
120
não será a primeira, camaradas.
mas pode ser a última.
121
NECESSÁRIO
122
Um poema que lembre
que já fomos capazes
e também parecia impossível
quando fizemos.
123
124
125
126