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Elaboração coletiva: Brenda Amaral, Juliana Westmann e Raphael Marques

ARGENTINA E NI UNA MENOS

Desde meados de 2015 a Argentina vem intensificando seu debate (e seus


confrontos) acerca da questão feminina, catapultada pela discussão entorno de
feminicídios brutais que chocam a sociedade do país de tempos em tempos, mas
que nunca deixam de acontecer diariamente, mesmo que as manchetes de jornais
só noticiem alguns casos específicos. Em julho de 2015, após o assassinato da
adolescente Chiara Paéz em Rufino, Santa Fé, província argentina, por seu
companheiro também adolescente, houve o impulso de um ativismo digital por meio
da hashtag “Ni una a menos”. Esse lema se desdobraria em intensos protestos pelo
país, a partir do dia 3 de Junho de 2015, mas que se repetiriam nos anos seguintes,
com maior ou menor intensidade.
Essas manifestações não se limitaram à conflitualidade que envolve a questão
da violência contra a mulher, embora seja tema de extrema relevância. Nos atos,
expuseram também as tensões que se rompem na sociedade argentina e que
foram, de certa forma, evidenciadas nas manifestações impulsionadas pelo “Ni una
a menos”. Foram várias as fraturas expostas e que se acumularam desde 2015 até
a atualidade, trazendo questões anteriores, enraizadas, ou até mesmo novas, e que
desencadearam efeitos políticos inesperados para alguns, ao menos para aqueles
que acreditavam (e pregavam) um certo consenso entorno do contexto político
institucional argentino.
Procurando compreender a forma que tal fenômeno foi noticiado pela mídia
argentina o trabalho elencou 3 principais veículos midiáticos que são destaques
tradicionais em relação ao viés ideológico que ocupam. A escolha das mídias se
deu com o objetivo de traduzir a pluralidade das posições políticas e a forma pela
qual elas influenciam na abordagem sobre a questão dos protestos feministas. Os
jornais escolhidos foram: Clarín, La Nación e Página/12.
Durante o processo de análise da cobertura dos protestos pelos jornais foi
possível notar que nuances dos posicionamentos políticos destes eram
manifestados por meio do enfoque e da ótica que cada veículo apresentava em
suas notícias. Apesar dos 3 veículos sempre noticiarem os protestos com certo tom
positivo, é perceptivo o movimento dos jornais de iluminar ou obscurecer pautas
defendidas pelo Ni Una Menos - para além do fim da violência de gênero. Um
exemplo desta movimentação pode ser percebido em relação à notícia de
encerramento das atividades de uma fábrica da Pepsico que empregava em sua
grande maioria mulheres. Ao passo que o Página/12 divulgou uma matéria sobre o
apoio de integrantes do Ni Una Menos à greve das trabalhadoras da fábrica, Clarín
e La Nación noticiam o encerramento de operações sem citar a greve ou o apoio do
movimento.
O levantamento dos diferentes olhares e enfoques midiáticos contribuiu para
a compreensão de que o Ni Una Menos é um movimento social/transnacional que
conseguiu conquistar amplo apoio da sociedade argentina. Percebe-se que até
setores mais conservadores mantém apoio ao movimento e se manifestam
positivamente à existência deste. No entanto, é notável a ação das mídias menos
progressistas de reducionismo do movimento a uma única pauta mais genérica e
menos polêmica do fim da violência contra mulher, enquanto setores mais
progressistas apresentam e noticiam ações do Ni Una Menos em agendas ligadas
ao temas da transfobia, legalização do aborto, direitos das trabalhadoras e outras
questões que desafiam o status quo da sociedade argentina.
Obviamente, para além das análises dos veículos de imprensa, o trabalho se
inspirou no próprio movimento Ni Una Menos e na circulação de conteúdos que o
coletivo produziu durante esses anos. O grupo observou, por exemplo, a potência
de capilaridade do movimento, que encontrou parceiros por toda a América Latina.
No Brasil, por exemplo, durante os grandes atos liderados pelo Ni Una Menos,
houve uma intensa divulgação dos acontecimentos por veículos independentes
como Mídia Ninja e Jornalistas Livres.
Assim, por meio dessa análise do próprio coletivo e de suas mensagens que
rodaram o mundo, o trabalho observou a capacidade do Ni Una Menos de acumular
pautas e se aproximar de um movimento social mais amplo, pautado obviamente na
luta pelos direitos das mulheres, mas que considera também critérios como
geopolítica, colonização e economia.
Nos últimos meses de 2019, percebe-se que o coletivo tem se preocupado
muito com a ligação entre o extrativismo e o partriarcado e, nas últimas postagens
do grupo nas redes sociais, nota-se justamente o desejo de ampliar o debate não só
pelas ruas, mas por outros campos do conhecimento.
“Cuando decimos Ni Una Menos decimos también que que el extractivismo es
el patriarcado, que cuando tramamos formas de cuidado es al cuerpo, a los vinculos
y a la tierra. El agua la envenenan los mismos que dejan que la Amazonia se
incendie #elaguademendozanosenegocia” (texto de um post no Instagram oficial do
Ni Una Menos, em 23/12/2019).

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