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Jorge contreras

ef
B7

ciência+saúde
Sexta-Feira, 3 De Março De 2017

Annona mucosa, parente


da fruta-do-conde, espécie
amazônica totalmente
domesticada pelo homem

Antigos indígenas moldaram a Amazônia


Processo de domesticação e seleção de plantas há milhares de anos criou os grandes pomares que existem hoje
carolina levis

Para onde índios iam, se tornassem mais comuns.


DELEITES GASTRONÔMICOS
as plantas iam junto, Ação humana transformou parte da mata CERVEJINHA
o que foi alterando a em grandes pomares Isso significa, é claro, árvo-
composição natural res que produziam frutos
Distribuição Centros de diversidade mais saborosos ou folhas e
de espécies da floresta da castanha- genética, onde provavelmente troncos mais adequados pa-
do-pará houve plantas domesticadas ra a construção de cabanas —
REINALDO JOSÉ LOPES e mesmo as mais úteis para o
colaBoRaÇÃo PaRa a FOLHA preparo de bebidas fermen-
tadas, explica Charles Cle-
As florestas da Amazônia Batata-doce Abacaxi Rio Amazonas
ment, biólogo do Inpa e co-
foram moldadas pela ação R i o eg
N ro Castanha- autor do novo estudo.
humana ao longo de milha- do-Pará Açaí “Você certamente vai to-
res de anos, num processo zonas Belém mar uma cervejinha depois
ma
Cacau R io A Manaus
que transformou boa parte da de sair do trabalho hoje. Os
mata em gigantescos “poma- á ós índios também consumiam
ur u
aj

R io J us
ap

res”, repletos de espécies do- Pur cervejas, incluindo as feitas


Rio T

Rio Castanha-
mesticadas de árvores. Rio Branco do-Pará com o fruto da pupunha, que
O manejo habilidoso des- pode ser selecionado para ser
u
ing
Rio X

sas plantas pelos antigos ha- Mandioca


muito rico em amido, o que
bitantes da região acabaria co
rdi Porto Velho
favorece a fermentação”, diz.
lhe
criando deleites gastronômi- ira
d
A pupunha é um dos casos
cos que hoje chegam ao mun- Tabaco de árvores amazônicas total-
os

do todo, como o cacau e a cas- mente domesticadas, ou seja,


An
des

250 km
tanha-do-pará. que sofreram grandes modifi-
Esses são os exemplos Os alimentos em branco Já a castanha-do-pará tem cações graças à seleção pro-
mais famosos, mas a lista são as espécies dois centros de origem movida pelo homem e que ho-
completa é bem mais exten- agrícolas domesticadas prováveis (em branco); sua je dependem da nossa espé-
sa: 85 espécies de árvores fo- na Amazônia, cada uma distribuição atual é marcada cie para se propagar.
ram domesticadas em algum marcada na área que pelo símbolo , de árvores O arqueólogo Eduardo Gó-
grau na floresta, calculam os seria o centro de plantadas ou carregadas es Neves, da USP, que tam-
autores de um estudo inter- origem da espécie pela ação humana bém assina a pesquisa, cal-
nacional que acaba de ser pu- Floresta com espécie domesticada na chamada terra preta cula que esse grande proces-
blicado na revista “Science”. so de “engenharia florestal”
Em alguns lugares da ba- amazônica começou há pelo
cia do Amazonas, as espéci- toras da pesquisa, que está cies arbóreas amazônicas. zem parte dessa lista das hi- tudos genéticos mostram que menos 6.000 anos, mas pode
es selecionadas e alteradas concluindo seu doutorado no perdominantes — cinco vezes muitas dessas plantas do- ter se intensificado de uns
pela atividade humana che- Inpa (Instituto Nacional de HIPERDOMINANTES mais do que o esperado, mesticadas hoje florescem 2.500 anos para cá. É quando
gam a ser as mais comuns da Pesquisas da Amazônia) e na Usando esses dados, um quando se considera o núme- em lugares muito distantes a região fica repleta de sítios
mata, apesar da gigantesca Universidade de Wageningen dos colaboradores da nova ro total de espécies arbóreas de seu ambiente original. com a chamada terra preta —
diversidade natural de vege- (Holanda). pesquisa, o holandês Hans da região. Outro detalhe im- E, de fato, na maioria das um solo muito fértil produzi-
tais da região. No estudo, Levis e dezenas Ter Steege, já tinha mostrado portante é que essas plantas áreas, a concentração de es- do pela ação humana, em
“A gente está falando de de outros colegas do Brasil e que a Amazônia abriga algu- domesticadas hiperdominan- pécies moldadas pelo uso hu- parte graças à queima contro-
sistemas sofisticados de pro- do exterior conseguiram tra- mas árvores “campeãs”, co- tes são muito comuns na mano aumenta nas proximi- lada de restos de vegetais.
dução de alimentos, mas que çar o mais completo mapa da nhecidas como hiperdomi- Amazônia: ao menos algu- dades de sítios arqueológicos “Nossos dados mostram
são muito diferentes dos de presença dessas plantas na re- nantes. São 227 espécies que, mas delas estão presentes em e dos rios —ou seja, áreas que que a linha separando caça-
hoje porque a diversidade em gião. O ponto de partida para somadas, são muito mais co- 70% da região, enquanto as foram ocupadas por pessoas dores-coletores de agriculto-
si era algo importante. Você essa tarefa foram os dados da muns que a média das de- outras espécies hiperdomi- no passado ou que serviam (e res na Amazônia foi muito tê-
não tem o manejo de uma chamada ATDN (sigla inglesa mais plantas, corresponden- nantes (as não domesticadas) ainda servem) como as prin- nue”, diz. Para ele, o estudo
única espécie agrícola, mas de Rede de Diversidade de Ár- do a uns 50% de todas as ár- só ocorrem em 47% da bacia. cipais estradas. Para onde os mostra que as florestas da re-
de várias, mantendo a flores- vores da Amazônia), que reú- vores amazônicas. Isso sugere que a ação hu- antigos indígenas iam, as gião também são um patrimô-
ta em pé”, explica a bióloga ne informações sobre a distri- Ocorre que, das 85 árvores mana é que as espalhou Ama- plantas iam junto —e esse pro- nio cultural, por sua ligação
Carolina Levis, uma das au- buição de quase 5.000 espé- domesticadas, 20 espécies fa- zônia afora, uma vez que es- cesso foi fazendo com que elas com a intervenção humana.

Matemático Marcelo Viana


Thomas White/Reuters
EStuDO

Elefantes africanos
estreia coluna no site da Folha dormem pouco e em
pé, mostra estudo
Diretor do Impa quer mostrar que disciplina não e ‘assunto chato’ DE SãO PAuLO - Mamíferos gran-
des normalmente precisam de
de sÃo Paulo sunto chato, difícil ou sem diretor desde 2016. menos horas de sono, já que a
graça”. “Quero fazer as pes- O matemático fez pós-dou- busca por comida acaba ocu-
O matemático Marcelo Via- soas se sentirem bem com a toramento em Princeton e na pando muito tempo. Agora,
na, 54, diretor do Impa (Insti- matemática”, afirma. Universidade da Califórnia, um novo estudo publicado na
tuto Nacional de Matemática Em seu primeiro texto, Via- em Los Angeles (EUA) e tam- revista “Plos One” mostra que
Pura e Aplicada), no Rio, pas- na abordará o peso direto e in- bém já dirigiu a Sociedade os elefantes africanos —os mai-
sa a publicar semanalmente, direto da matemática na pro- Brasileira de Matemática. ores mamíferos terrestres— se
a partir desta sexta (3), uma dução de riqueza de um país. Viana recebeu em 2016 o satisfazem com apenas duas
coluna no site da Folha Viana nasceu no Rio de Ja- Prêmio Louis D., maior hon- horas de sono por dia.
(folha.com/marceloviana). neiro, cresceu e estudou em raria científica da França, em Curiosamente, os cientistas
Um dos objetivos da colu- Portugal e voltou ao Brasil reconhecimento por suas re- descobriram que esses animais
na, diz Viana, é “desmistifi- para fazer doutorado no Im- alizações na área de sistemas dormem em pé e só se deitam
car a matemática como as- pa, onde ocupa o cargo de dinâmicos e teoria do caos. Elefante africano macho, que dorme em pé e por duas horas de vez em quando.

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