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Estudo da aplicabilidade de sistemas construtivos no

desempenho da sustentabilidade na Engenharia Civil

Sara da Cunha de Morais Neves

Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em


Engenharia Civil

Júri
Presidente: Prof. Doutor Augusto Martins Gomes
Orientador: Prof. Doutor Pedro Gameiro Henriques
Vogal: Prof. Doutor Manuel Correia Guedes

Outubro de 2011
i
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, as minhas palavras de agradecimento terão de ir para a minha família, pai,
mãe e irmã, pelo profundo carinho, paciência e apoio que me transmitiram ao longo de todo o
meu percurso académico e, em especial, durante a realização deste trabalho.
Aos meus queridos avós, Zé e Lourdes, não poderei, de igual forma, deixar de exprimir a minha
gratidão e apreço pelo amor e apoio incondicionais, assim como pelo legado que me deixaram,
os valores, o interesse pelo saber e os métodos de estudo que me incutiram desde criança, os
quais foram fundamentais em toda a minha vida académica. Neles penso todos os dias e a
eles dedico esta dissertação.
Agradeço aos meus queridos amigos e colegas de curso, Nuno Teodoro e Álvaro Pereira, pela
amizade, apoio e por acreditarem sempre em mim, dando-me força para levar este trabalho a
“bom porto”.
Aos meus amigos, Filipa, Carlos e Pedro, pela amizade e ajuda que me deram na realização
desta dissertação.
Ao Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura do Instituto Superior Técnico, em especial
ao Professor Doutor Pedro Gameiro Henriques, pelo apoio e incentivo na realização do artigo e
do poster intitulados “O contributo de sistemas construtivos no desempenho da
sustentabilidade na construção”, apresentados na Conferência Nacional iiSBE 2011:
“Sustentabilidade na Reabilitação Urbana – o novo paradigma do mercado da construção”, os
quais tiveram como base esta dissertação.
Ao Professor Doutor Pedro Gameiro Henriques, orientador da dissertação, agradeço o apoio, a
disponibilidade e a partilha de conhecimentos. Acima de tudo, obrigada por me continuar a
acompanhar nesta jornada e por estimular o meu interesse pelo conhecimento e pela vida
académica.
A todos, que de forma directa ou indirecta, contribuíram para a concretização desta
dissertação, o meu profundo e sentido agradecimento.

ii
RESUMO

O sector da construção está associado a importantes impactes ambientais, sendo grande


consumidor de matérias-primas e energia, e gerando muita poluição. Assim, é indispensável
rumar em direcção à construção sustentável.
Sendo a selecção dos materiais de construção um factor importante para a sustentabilidade,
actualmente parecem contudo privilegiar-se aspectos, como a rapidez de construção e a
redução de custos, em detrimento de uma escolha criteriosa dos materiais, através de análises
de ciclo de vida, já que todas as fases introduzem impactes ambientais, sociais e/ou
económicos.
Tanto o aço como a terra crua são materiais de construção com inegáveis vantagens
ambientais.
No presente documento foca-se especialmente o sector dos edifícios de habitação, visto ser
este um dos sectores que produz maior impacte sobre o ambiente, sociedade e economia,
além de ter um elevado peso na indústria da construção nacional.
Tendo em conta a escolha adequada dos materiais de construção, neste estudo reúnem-se
alguns exemplos de sistemas construtivos mais sustentáveis em alternativa ao sistema
tradicional, descrevendo-se os sistemas construtivos em estrutura de aço leve - Light Steel
Framing – e os sistemas construtivos em terra. Para ambos os casos realiza-se uma análise da
sua sustentabilidade ao longo do ciclo de vida de um edifício, através da nomeação dos
atributos dos sistemas nas diversas fases – concepção, construção, operação e fim-de-vida - e
a sua contribuição para a “cultura sustentável”. Por fim, enunciam-se os factores limitadores,
associados aos sistemas construtivos em estudo, que podem influenciar e condicionar a
implementação destes sistemas no sector da construção nacional.

Palavras-chave: sustentabilidade, construção, materiais, terra, aço, leve.

iii
ABSTRACT

The construction sector is associated with significant environmental impacts, being a major
consumer of raw materials and energy, and generating a lot of pollution. Therefore, it is
essential to move towards a more sustainable construction.
The selection of building materials is a relevant factor in sustainability, nevertheless seems to
be more important to focus on aspects such as speed of construction and cost reduction, rather
than a careful choice of materials, through life cycle assessment, as that all stages introduce
environmental, social or economic impacts.
As building materials, both steel and soil, have undeniable environmental advantages.
This document focuses especially on the residential building sector, since this is a sector that
produces great impact on the environment, society and economy, as well as having a high
weight in the construction industry nationwide.
Given the appropriate choice of building materials, in this study are gathered a few examples of
construction systems more sustainable as an alternative to the traditional system, describing the
construction systems in Light Steel Framing and the earth construction systems. In both cases
is carried out an analysis of its sustainability over the lifecycle of a building, listing the attributes
of the systems allocated to the different phases - design, construction, operation and end-of-life
- and its contribution to the "sustainable culture". Finally, the limiting factors associated to the
construction systems under study are described, factors which can influence and constrain the
implementation of these systems in the construction industry nationwide.

Keywords: sustainability, construction, materials, earth, steel, light

iv
ÍNDICE

Introdução ..................................................................................................................................... 1
Enquadramento do tema ......................................................................................................................... 1
Objectivos da dissertação ........................................................................................................................ 2
Estrutura e organização do trabalho ........................................................................................................ 3

1 Desenvolvimento sustentável ............................................................................................... 4


1.1 Enquadramento ambiental ........................................................................................................... 4
1.2 Evolução histórica do conceito de desenvolvimento sustentável ................................................ 6
1.3 As dimensões do desenvolvimento sustentável ........................................................................... 7

2 Construção sustentável ......................................................................................................... 9


2.1 Definição de construção sustentável ............................................................................................ 9
2.2 Novo paradigma da construção sustentável .............................................................................. 14
2.3 Impactes ambientais dos edifícios .............................................................................................. 16
2.4 Caminhar para a construção sustentável ................................................................................... 18
3 Sustentabilidade dos materiais de construção ................................................................... 20
3.1 Enquadramento .......................................................................................................................... 20
3.2 Toxicidade dos materiais ............................................................................................................ 22
3.3 Energia incorporada nos materiais ............................................................................................. 26
3.4 Potencial de reciclagem e reutilização ....................................................................................... 30
3.5 Materiais obtidos a partir de resíduos ....................................................................................... 31
3.6 Materiais obtidos a partir de fontes renováveis ........................................................................ 34
3.7 Materiais duráveis ...................................................................................................................... 34
3.8 Análise de ciclo de vida ............................................................................................................... 35
4 Sistemas construtivos.......................................................................................................... 38
4.1 Introdução .................................................................................................................................. 38
4.2 Sistemas construtivos em terra .................................................................................................. 39
4.2.1 Enquadramento histórico ..................................................................................................... 39
4.2.2 O material ............................................................................................................................. 43
4.2.3 Principais técnicas construtivas utilizadas ............................................................................ 44
4.2.3.1 Taipa ............................................................................................................................ 45

4.2.3.2 Adobe ........................................................................................................................... 49

4.2.3.3 BTC ............................................................................................................................... 51

4.2.4 Sustentabilidade da construção em terra ............................................................................ 54


v
4.2.4.1 Sustentabilidade na fase de concepção ....................................................................... 54

4.2.4.2 Sustentabilidade na fase de construção ...................................................................... 54

4.2.4.3 Sustentabilidade na fase de operação ......................................................................... 55

4.2.4.4 Sustentabilidade na fase de fim-de-vida...................................................................... 56

4.2.5 Factores limitadores ............................................................................................................. 56


4.3 Sistemas construtivos em estruturas de aço leve – Light Steel Framing.................................... 58
4.3.1 Enquadramento .................................................................................................................... 58
4.3.2 Constituição .......................................................................................................................... 59
4.3.2.1 Estrutura ...................................................................................................................... 59

4.3.2.2 Paredes exteriores ....................................................................................................... 60

4.3.2.3 Paredes interiores ........................................................................................................ 62

4.3.2.4 Lajes de piso ................................................................................................................. 62

4.3.2.5 Cobertura ..................................................................................................................... 63

4.3.3 Processo construtivo LSF ...................................................................................................... 64


4.3.3.1 Fundações .................................................................................................................... 64

4.3.3.2 Estrutura ...................................................................................................................... 64

4.3.3.3 Abertura de vãos.......................................................................................................... 66

4.3.3.4 Revestimento estrutural .............................................................................................. 67

4.3.3.5 Revestimento exterior ................................................................................................. 68

4.3.3.6 Revestimento interior .................................................................................................. 69

4.3.4 Sustentabilidade das estruturas metálicas ........................................................................... 69


4.3.4.1 Sustentabilidade na fase de concepção ....................................................................... 70

4.3.4.2 Sustentabilidade na fase de construção ...................................................................... 71

4.3.4.3 Sustentabilidade na fase de operação ......................................................................... 72

4.3.4.4 Sustentabilidade na fase de fim-de-vida...................................................................... 74

4.3.5 Factores limitadores ............................................................................................................. 75


5 Considerações finais ............................................................................................................ 76
5.1 Conclusões .................................................................................................................................. 76
5.2 Perspectivas futuras ................................................................................................................... 78
6 Referências bibliográficas ................................................................................................... 81

vi
ÍNDICE DE FIGURAS

Figura 2.1 - Pegada ecológica e biocapacidade por região, 2003 ................................................................. 5


Figura 2.2 - Objectivos da sustentabilidade na sua tripla dimensão ............................................................ 7
Figura 3.1 – Abordagem integrada e sustentável às fases do ciclo de vida das construções ..................... 11
Figura 3.2 - Factores de competitividade na construção tradicional ......................................................... 14
Figura 3.3 - Construção eco-eficiente ......................................................................................................... 15
Figura 3.4 - Construção sustentável ........................................................................................................... 15
Figura 3.5 - Ciclo de vida das construções .................................................................................................. 16
Figura 4.1 - Evolução da produção de betão a nível mundial..................................................................... 32
Figura 4.2 - Tipologia dos resíduos industriais ........................................................................................... 33
Figura 4.3 – Destacamento da camada de recobrimento em viga de betão devido à formação de
produtos de corrosão ................................................................................................................................. 35
Figura 5.1 - Troço da Grande Muralha da China construído em taipa ....................................................... 40
Figura 5.2 - Palácio de Potala (Lhasa, Tibete) ............................................................................................. 40
Figura 5.3 - Edificações em terra (Taos, Novo México) .............................................................................. 41
Figura 5.4 - Construções em terra na cidade de Shibam, Iémen ................................................................ 41
Figura 5.5 - Distribuição geográfica das construções tradicionais Portuguesas em terra: a) Taipa; b)
Adobe; c) Tabique....................................................................................................................................... 42
Figura 5.6 – Mapa-mundo – Zonas com elevada densidade de construção em terra ............................... 43
Figura 5.7 - Paredes de terra sobre engradado de madeira (tabique) ....................................................... 45
Figura 5.8 - Construção de paredes em taipa ............................................................................................. 46
Figura 5.9 - Taipal tradicional ..................................................................................................................... 47
Figura 5.10 – Diferentes tipos de pilões ou maços utilizados na taipa tradicional .................................... 47
Figura 5.11 - Construção em taipa com cofragens metálicas, Austrália ..................................................... 48
Figura 5.12 - Compactação de terra por meios mecânicos (compressor pneumático).............................. 49
Figura 5.13 - Produção manual de adobes ................................................................................................. 50
Figura 5.14 - Produção mecânica de adobes .............................................................................................. 50
Figura 5.15 - Execução de BTC com a prensa CINVA-Ram: a) Enchimento da câmara com terra; b)
confinamento da mistura; c) elevação do BTC; d) retirada do BTC ............................................................ 52
Figura 5.16 - Prensa hidráulica para fabrico de BTC: a) Fixa; b) Móvel ...................................................... 53
Figura 5.17 - Perfis "C" utilizados na estrutura de sistemas construtivos LSF ............................................ 59
Figura 5.18 - Parafuso auto-perfurante e auto-roscante utilizado no sistema LSF .................................... 60
Figura 5.19 - Representação esquemática de uma possível solução construtiva para as paredes
exteriores no sistema LSF ........................................................................................................................... 60
Figura 5.20 – ETICS - Sistema de Revestimento e Isolamento Térmico pelo Exterior ................................ 61
vii
Figura 5.21 - Representação esquemática da solução construtiva das paredes interiores dos sistemas
LSF: 1 – painel de gesso cartonado; 2 – lã de rocha; 3 – estrutura da parede ........................................... 62
Figura 5.22 - Representação esquemática de laje do sistema LSF. a) com revestimento estrutural em
painéis OSB; b) com revestimento estrutural em chapas de cofragem colaborante ................................. 63
Figura 5.23 - Aspecto dos trabalhos de fundação ...................................................................................... 64
Figura 5.24 - Assemblagem dos elementos construtivos ........................................................................... 65
Figura 5.25 - Exemplo de ancoragem entre estrutura metálica e fundação em betão armado ................ 65
Figura 5.26 - Sequência de montagem da estrutura da cobertura LSF: a) Montagem da asna, na
horizontal; b) Colocação das asnas em obra .............................................................................................. 66
Figura 5.27 - Aspecto final de uma estrutura em LSF ................................................................................. 66
Figura 5.28 - Abertura estrutural de vão de janela em superfície de parede exterior ............................... 67
Figura 5.29 - Aspecto visual de uma construção LSF em fase de aplicação de revestimento estrutural
(painéis OSB) .............................................................................................................................................. 68
Figura 5.30 - Exemplo de aspecto final de um edifício construído com o sistema LSF .............................. 68

viii
ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 3.1 - Aspectos relevantes da construção sustentável ................................................................... 12


Quadro 4.1 - Número estatístico de anos esperado até à exaustão das fontes de matéria-prima
associadas a alguns dos materiais de construção mais utilizados .............................................................. 20
Quadro 4.2 - Quantidade de matérias-primas geradas durante o processo extractivo ............................. 21
Quadro 4.3 - Agentes com poder cancerígeno presentes em tintas .......................................................... 24
Quadro 4.4 - Energia necessária ao fabrico de alguns materiais de construção ........................................ 26
Quadro 4.5 - Energia consumida em transporte ........................................................................................ 27
Quadro 4.6 - Energia incorporada em materiais de construção ................................................................ 27
Quadro 4.7 - Produção e reaproveitamento de alguns resíduos na Europa .............................................. 33
Quadro 4.8 - Ferramentas para ACV de materiais e produtos ................................................................... 36
Quadro 5.1 - Resumo dos atributos da construção em aço como construção sustentável ....................... 69
Quadro 5.2 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de concepção ................................... 71
Quadro 5.3 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de construção ................................... 72
Quadro 5.4 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de operação ..................................... 73
Quadro 5.5 - Atributos sustentáveis da construção em LSF em fim-de-vida ............................................. 74

ix
LISTA DE ABREVIAÇÕES

ACV Análise de ciclo de vida


BEES Building for Environmental and Economic Sustainability
BREEAM Building Research Establishment Assessment Method
BTC Bloco de Terra Comprimido
CAD Computer Aided Design (Desenho Assistido por Computador)
CCA Cobre, Crómio e Arsénio
CFC Clorofluocarbonetos
CIB Conseil International du Bâtiment pour la Recherche l’Etude et la Documentation
(Conselho Internacional de Investigação e Inovação em Edifícios e Construção)
CNUAD Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento
CO2 Dióxido de Carbono
COV Composto Orgânico Volátil
DGEG Direcção Geral de Energia e Geologia
ENDS Estratégia Nacional para o Desenvolvimento Sustentável
EPS Expanded Polystyrene (Poliestireno Expandido)
ETAR Estação de Tratamento de Águas e Resíduos
ETICS External Thermal Insulation Composite Systems (Sistemas Compósitos de
Isolamento Térmico pelo Exterior)
GBTool Green Building
GEE Gases responsáveis pelo Efeito de Estufa
HCFC Hidroclorofluocarbonetos
HQE Haute Qualite Environnementale dês Batiments
IPCC Intergovernamental Panel on Climate Change (Painel Intergovernamental sobre
Mudanças Climáticas)
ISO International Organization for Standardization (Organização Internacional de
Normalização)
LCA Life Cycle Assessment (Análise de Ciclo de Vida)
LEED Leadership in Energy & Environmental Design
LGSF Light Gauge Steel Framing
LSF Light Steel Framing
MDF Medium Density Fiberboard (Placa de Fibras de madeira de Média Densidade)
MSDS Material Safety Data Sheet (Ficha de Segurança de Material)
NABERS National Australian Buildings Environmental Rating System
ONU Organização das Nações Unidas
OSB Oriented Strand Board (Painel de Fibras de madeira Orientadas)
PVC Polyvinyl Chloride (Policloreto de Vinilo)

x
RCD Resíduos de Construção e Demolição
RGCE Regulamento de Gestão do Consumo de Energia
RPE Revestimento Plástico Espesso
RSU Resíduos Sólidos Urbanos
UE25 União Europeia (25 estados membros)
UNESCO United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)
UNFPA United Nations Population Fund (Fundo da População das Nações Unidas)

xi
INTRODUÇÃO

Enquadramento do tema

Desde sempre, o Homem tem modificado o seu meio para o adaptar às suas necessidades.
Para tal, tem feito uso de todo o tipo de materiais naturais que, com o passar do tempo e o
desenvolvimento da tecnologia, se foram transformando em diferentes produtos, mediante
processos de fabrico de crescente sofisticação. Os primeiros materiais utilizados pelo Homem
foram a pedra, a madeira e o barro.
A construção é uma actividade que sempre esteve presente na evolução do Homem, visto que
este sempre procurou protecção da agressividade do meio envolvente (condições climatéricas,
animais, etc.), com vista à sua sobrevivência.
No entanto, à medida que as exigências de melhores condições de vida foram aumentando,
passando a dar-se uma maior ênfase ao conforto em detrimento da sobrevivência, mais
complexos se foram tornando os processos de transformação das matérias-primas, gerando,
por sua vez, maiores consumos de energia e de recursos naturais.
A expansão da presença humana fez aumentar o nível de emissões de dióxido de carbono
para valores muito elevados, através da destruição de florestas, queima de lenha, e
posteriormente a queima de carvão e de petróleo para obtenção de energia.
Segundo um relatório recentemente realizado pela UNFPA (United Nations Population Fund),
em 2007 as emissões de dióxido de carbono a nível global aumentaram 3,2%
comparativamente ao ano anterior, o que representa um aumento de 35% em comparação com
o nível de emissões em 1990. Tal crescimento é insustentável e aumenta ainda mais o risco de
efeitos profundos e adversos sobre o sistema climático global. Assim, o fortalecimento da
acção internacional sobre as alterações climáticas continua a ser pertinente e urgente. [1]
No mesmo relatório, refere-se ainda que a taxa de desflorestação a nível mundial diminuiu,
contudo ainda se encontra a um nível alarmante. Durante a última década, cerca de 13 milhões
de hectares de floresta em todo o mundo foram convertidos para outros usos ou perdidos por
causas naturais a cada ano. [1]
As emissões de gases, os processos industriais, a produção de resíduos e o uso de pesticidas
e fertilizantes, estes últimos resultantes da intensificação da agricultura para fazer face ao
contínuo aumento da população mundial, são exemplos de acções humanas potenciadoras da
poluição ambiental.
Todas estas questões contribuem para o problema das alterações climáticas, contaminação da
água, poluição do ar e riscos químicos, pondo em causa a conservação da biodiversidade e a
saúde humana, assim como, a manutenção dos recursos naturais.
É, então, necessário criar uma consciencialização, por parte de todos, para estes problemas de
forma a encontrar alternativas eficazes que permitam uma diminuição dos impactes na
natureza infligidos pela actividade humana.

1
A indústria da construção é um dos maiores e mais activos sectores da Europa, representando
28,1% e 7,5% do emprego, respectivamente na indústria e em toda a economia europeia. Além
disso, a nível mundial a indústria da construção consome mais matérias-primas
(aproximadamente 3000 milhões de toneladas anuais, quase 50% em massa) que qualquer
outra actividade económica. [2]
Por outro lado, o parque edificado consome cerca de 42% da energia produzida.
Desta forma, e com o aumento das preocupações ambientais, a abordagem da
sustentabilidade na construção assume um papel preponderante.
Assim, torna-se necessário o aparecimento de novas alternativas aos sistemas construtivos
convencionais, que permitam uma diminuição dos impactes na natureza, em cada uma das
fases do ciclo de vida de uma construção.
É nesta temática, da sustentabilidade na construção, que se insere o objecto deste trabalho de
dissertação – “Estudo da aplicabilidade de sistemas construtivos no desempenho da
sustentabilidade na Engenharia Civil”.

Objectivos da dissertação

Neste trabalho vai abordar-se a temática da sustentabilidade no contexto da construção, a qual


é ainda bastante recente em Portugal. Para isso, torna-se necessário analisar e enquadrar a
construção sustentável dentro do conceito mais vasto do desenvolvimento sustentável.
O sector da construção tem grande peso na economia nacional, sendo responsável pela
geração significativa de capital e emprego. No entanto, é também um sector que está
associado a importantes impactes ambientais, gerando muita poluição, grandes gastos
energéticos e sendo grande consumidor de matérias-primas.
Assim, um dos objectivos deste trabalho é a divulgação de conceitos e ferramentas para a
abordagem da sustentabilidade dos materiais de construção.
Com a elaboração desta dissertação pretende-se, fundamentalmente, dar conhecimento
técnico de determinados sistemas construtivos, que surgiram da procura da sustentabilidade na
construção, e promover as suas potencialidades enquanto alternativa aos sistemas
construtivos convencionalmente utilizados em Portugal – estrutura em betão-armado e
alvenaria de tijolo cerâmico. Para tal, discutem-se e analisam-se os atributos dos sistemas
apresentados ao longo do ciclo de vida de um edifício, de forma a contribuir para um
conhecimento explícito da aplicabilidade dos mesmos no contexto social nacional.
Para esse efeito, começou-se por seleccionar os sistemas construtivos que numa primeira
abordagem possuam maiores potencialidades de virem a ser implementados no sector da
construção português, pondo de parte os sistemas que não se consideram adequados à
realidade técnico-económica e climática nacional.
É, ainda, importante referir que o presente trabalho se foca especialmente no sector dos
edifícios, em particular no sector da habitação, visto ser este um dos sectores que produz

2
maior impacte sobre o ambiente, sociedade e economia, além de ter um elevado peso na
indústria da construção nacional.

Estrutura e organização do trabalho

O conteúdo da presente dissertação encontra-se organizado em seis capítulos, que a seguir se


apresentam.
No primeiro capítulo, faz-se uma breve apresentação do trabalho e sintetiza-se o seu conteúdo.
O segundo capítulo consiste numa abordagem ao tema do desenvolvimento sustentável, onde
se faz um enquadramento histórico da evolução deste conceito, clarificando-o.
Segue-se o capítulo 3, onde se explora a definição do conceito de construção sustentável e os
princípios de que se rege, sendo explicados os motivos que levaram à sua génese e crescente
importância, assim como as estratégias para actuar no sentido da sustentabilidade.
Seguidamente, apresenta-se o novo paradigma da construção sustentável, o qual demonstra
como esta deve integrar os princípios do desenvolvimento sustentável, já abordados no
capítulo anterior. Uma abordagem ao impacte ambiental dos edifícios encerra este capítulo,
fazendo menção aos impactes mais significativos, diferenciadamente, ao longo do ciclo de vida
dos edifícios, assim como as devidas medidas para minimizar esses mesmos impactes.
O capítulo 4 diz respeito ao estudo da sustentabilidade dos materiais de construção. Neste
capítulo abordam-se os conceitos e ferramentas para a análise da sustentabilidade dos
materiais de construção, onde se descrevem diversos critérios a ter em conta para uma
escolha adequada dos materiais com vista à sustentabilidade como, por exemplo, a toxicidade
dos materiais, a energia incorporada, o potencial de reciclagem e reutilização ou a
durabilidade, entre outros.
No quinto capítulo, designado “Sistemas construtivos”, apresentam-se alguns sistemas
construtivos não convencionais que se consideram mais sustentáveis comparativamente aos
sistemas convencionais. Alguns desses sistemas resultam do reaparecimento e evolução de
técnicas utilizadas há milhares de anos e outro resultante da procura de soluções inovadoras
com vista a uma maior compatibilidade com o equilíbrio ambiental. Neste capítulo abordam-se
os seguintes sistemas construtivos: sistemas construtivos em terra – a taipa, o adobe e o BTC -
e os sistemas construtivos em estruturas de aço leve – LSF. Para cada um dos sistemas
construtivos apresentam-se as suas características técnicas e discutem-se os seus atributos
sustentáveis ao longo do ciclo de vida de um edifício, assim como se apresentam as suas
limitações.
Por fim, no capítulo 6 – “Considerações finais” – são apresentadas as conclusões deste
trabalho e as perspectivas futuras, dando-se pistas para a acção no domínio da problemática
da sustentabilidade.

3
1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Ao introduzir o conceito de sustentabilidade neste trabalho, é necessário começar por


relacioná-lo com outro conceito que lhe deu origem e de significado muito mais abrangente, o
conceito de desenvolvimento sustentável.
Neste capítulo pretende-se expor a evolução histórica deste conceito, focando alguns
momentos chave, de forma a clarificar o seu significado e perceber a sua importância como
ponto de partida para chegar à aplicação do conceito de sustentabilidade ao sector da
construção em particular.

1.1 Enquadramento ambiental

Tal como se referiu na secção 0, o Planeta Terra está actualmente sujeito a fortes agressões
provocadas pelas mais variadas actividades humanas, enfrentando hoje um desafio ambiental
para o qual é de extrema importância que haja uma consciencialização global.
Um dos maiores problemas com que se depara o Planeta Terra diz respeito ao aumento da
temperatura média do ar, o qual está directamente relacionado com o aumento do nível de
concentração de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera.
De facto, segundo dados publicados pelo IPCC (Intergovernamental Panel on Climate
Change), os últimos onze anos figuram entre os mais quentes nos registos da temperatura
global média à superfície desde 1850. [3]
A subida do nível do mar, provocada pela dilatação térmica da água, é uma das consequências
da referida subida da temperatura do ar. Segundo o IPCC, nos últimos 100 anos o nível do mar
já aumentou entre 10 cm e 20 cm. O mesmo IPCC prevê para 2080 um aumento do nível do
mar que pode ir até 70 cm, num cenário de emissões elevadas. Isto poderá vir a comprometer
inúmeras áreas costeiras e ilhas por todo o mundo. Por outro lado, o avanço da água do mar
também pode levar à contaminação da água doce e inviabilizar actividades de produção e até a
sobrevivência em algumas regiões. [3]
Uma outra consequência da subida da temperatura (aquecimento global) é a ocorrência de
fenómenos atmosféricos cada vez mais extremos como longos períodos de seca, potenciando
a acção de incêndios, mas também chuvas torrenciais, provocando inundações, e mesmo
furacões. [4]
Outro grave problema ambiental diz respeito à perda de biodiversidade devido à acção
humana. Alguns dos factores que podem pôr em risco a preservação da biodiversidade são: as
alterações climáticas, os elevados índices de urbanização, a exagerada exploração de
recursos e a consequente produção de resíduos.
Foi a pensar na dimensão crescente das marcas deixadas pela humanidade e numa forma de
quantificá-las, que os especialistas William Rees e Mathis Wackernagel [5] desenvolveram, em

4
1966, o conceito de “pegada ecológica”. Esta não pretende ser uma medida exacta, mas sim
uma estimativa dos impactes ambientais provocados pela actividade humana sobre o Planeta.
A figura seguinte (Figura 1.1) ilustra graficamente a “pegada ecológica” e a biocapacidade,
diferenciadas por região à data da avaliação (2003), conceito que mede a superfície do Planeta
Terra necessária para gerar recursos e absorver os resíduos de uma unidade (neste caso, por
pessoa). A diferença entre cada pegada ecológica regional (barras a cheio) e a sua respectiva
biocapacidade (linha tracejada) demonstra se essa região possui reserva ecológica (valor
positivo) ou se apresenta défice (valor negativo).

Figura 1.1 - Pegada ecológica e biocapacidade por região, 2003 [6]

A exigência de uma região sobre a biosfera é igual ao total da sua população vezes a sua
pegada ecológica por pessoa.
Assim, é evidente a existência de padrões de consumo e de geração de resíduos, que
reflectem consumidores/poluidores de primeira categoria (América do Norte), de segunda
categoria (Europa) e de terceira categoria, onde se incluem os restantes. É paradigmático que
somente os países de África, América Latina e do Caribe e aqueles países da Europa que até à
data não pertenciam à UE25, ainda não tivessem esgotado a biocapacidade disponível do seu
território, mas não será surpresa que a curto ou mesmo médio prazo o venham a fazer. [4]
Perante o estado actual do planeta e as previsões realizadas para anos próximos, torna-se
crucial adoptar uma atitude diferente e conceitos inovadores. É necessário colocar em prática
medidas ambientais que visem a redução do consumo de recursos, a redução da produção de
resíduos e a preservação da função e biodiversidade dos sistemas naturais. Sob esta
perspectiva, o objectivo é que o consumo de água, energia e materiais ocorra a um nível
passível de ser renovado.

5
1.2 Evolução histórica do conceito de desenvolvimento sustentável

Ao longo das últimas décadas, o conceito de desenvolvimento sustentável tem sido


amplamente discutido e muitos foram os acontecimentos que marcaram a sua evolução.
As preocupações ambientais da sociedade actual começaram a ter maior relevo com a
Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo, em
1972. Esta centrou-se na abordagem dos problemas ambientais e suas consequências,
introduzindo a dimensão ambiental como condicionadora e limitadora do modelo tradicional de
crescimento económico e de uso de recursos naturais.
Contudo, somente em 1987, o conceito de desenvolvimento sustentável foi utilizado pela
primeira vez, no relatório que ficou conhecido como Relatório Brundtland - Our Common Future
(O Nosso Futuro Comum) – onde é definido da seguinte forma: “Por desenvolvimento
sustentável entende-se o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem
comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazerem as suas próprias
necessidades”. [7] De facto, é esta a definição de desenvolvimento sustentável que reúne
maior consenso e a mais frequentemente citada.
A definição de Brundtland introduz uma mudança muito importante no conceito de
sustentabilidade, de início principalmente ecológica, evoluindo para uma noção que também
inclui o contexto económico e social do desenvolvimento. Desta definição podem tirar-se duas
ideias principais: a da preservação dos recursos existentes e a da necessidade de programar o
rumo da sociedade, conciliando esse aspecto com uma abordagem integrada dos problemas.
[8]
Posteriormente, em 1992, realiza-se no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre
Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD), também conhecida como Cimeira da Terra, na qual
participaram mais de 170 países. Desta conferência resultaram os seguintes documentos: a
Agenda 21, a Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de
Princípios sobre o Uso das Florestas e a Convenção Quadro sobre as Alterações Climáticas.
Por esta altura, as preocupações ambientais deixam de se centrar no controlo da poluição e
passam a centrar-se na sua prevenção. Assim, adoptaram-se, progressivamente, medidas que
visam reduzir a poluição gerada, através de uma perspectiva integradora, considerando a
totalidade do processo produtivo. [8]
A Agenda 21, principal resultado da Conferência do Rio de Janeiro, é um plano de acção para
ser assumido ao nível global, nacional e local, sobre a forma pela qual governos, empresas,
organizações não-governamentais e todos os sectores da sociedade poderiam cooperar no
estudo de soluções para um desenvolvimento sustentável.
Mais recentemente, em 2002, realizou-se na cidade de Joanesburgo a Cimeira Mundial sobre
Desenvolvimento Sustentável, na qual se reafirmou o empenho no cumprimento dos objectivos
da Agenda 21.
No mesmo ano, em Portugal, foi elaborado um documento intitulado Estratégia Nacional para o
Desenvolvimento Sustentável (ENDS), decorrente dos compromissos assumidos por Portugal

6
no âmbito da Agenda 21. Este documento é constituído por um conjunto de acções
coordenadas com o objectivo de assegurar um crescimento económico sustentável, uma maior
coesão social e integrando a protecção e valorização do ambiente.
Em síntese, o desenvolvimento sustentável é um conceito muito mais amplo do que o da
protecção do ambiente, abrange diversas áreas, assentando essencialmente num ponto de
equilíbrio entre o crescimento económico, a equidade social e a protecção do ambiente.

1.3 As dimensões do desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável apresenta três dimensões principais: a ambiental, a social e a


económica.
Assim, as acções tomadas com vista ao desenvolvimento sustentável devem procurar actuar
simultaneamente nestas três dimensões. A Figura 2.2 ilustra os objectivos a atingir em cada
uma dessas dimensões.

Objectivos Económicos:
 Crescimento
 Equidade
 Eficiência

Objectivos Ecológicos: Objectivos Sociais:


 Capacidade de  Participação
carga  Iniciativas às populações
 Biodiversidade  Mobilidade social
 Problemas globais  Coesão social
 Integridade do  Identidade cultural
ecossistema  Desenvolvimento
institucional

Figura 1.2 - Objectivos da sustentabilidade na sua tripla dimensão [8]

Sob a perspectiva ambiental, o desenvolvimento sustentável prende-se com a preservação dos


ecossistemas naturais e da biodiversidade que lhes é inerente. Melhor dizendo, é essencial
garantir que o ambiente natural mantenha as condições de vida dos seres vivos que o habitam.
Para que tal se verifique, dever-se-á, entre outros, fazer um uso racional dos recursos naturais,
dos combustíveis fósseis, reduzindo de igual forma o volume de resíduos e de poluição.
Por sua vez, um plano de desenvolvimento sustentável deverá, no que respeita à dimensão
social, ter a visão de uma sociedade equilibrada e racional, que busca um novo estilo de vida
adequado ao momento presente e ao futuro. Segundo este prisma, procura-se que o
7
desenvolvimento da sociedade se expresse numa melhoria significativa da qualidade de vida
da população mundial, através da procura da justiça social, da segurança e da paz.
No entanto, estas duas dimensões, ambiental e social, são frequentemente remetidas para
segundo plano, sendo a dimensão económica aquela que apresenta maior relevância nos
tempos correntes. Esta diferença, na forma como se encaram estas três dimensões do
desenvolvimento sustentável, coloca seriamente em risco a sobrevivência das gerações
futuras.
Um crescimento económico sustentado está na base da satisfação das necessidades
humanas, devendo inquestionavelmente contribuir para uma maior coesão social e protecção
do ambiente.
Com efeito, o modelo de desenvolvimento sustentável será completo e eficaz quando se
considerarem em simultâneo e de forma intrínseca estas três “frentes de acção”, a económica,
a ecológica e a social, de forma a garantir-se um equilíbrio que é, sem dúvida, fundamental.
Assim sendo, um qualquer projecto conduzido pela sustentabilidade, deverá ter sempre
presentes os efeitos que causará nas gerações vindouras. A par do crescimento económico
deverá impor-se a estabilidade ou melhoria da salubridade e integridade do ambiente e da
qualidade de vida. É fulcral garantir a equidade entre pessoas no presente, mas também a
equidade entre as gerações, para que no futuro se usufrua de uma qualidade ambiental tão
boa, ou mesmo melhor, que aquela que se goza actualmente. Do mesmo modo, deverão tentar
colmatar-se as problemáticas sociais, sanitárias e éticas do bem-estar humano.
Posto isto, acresce o facto de que o desenvolvimento, quando sustentável, deverá balizar o
equilíbrio dos sistemas natural e artificial dentro dos limites necessários.

8
2 CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL

No presente capítulo começa-se por sumariar alguns acontecimentos relevantes na evolução


do conceito de construção sustentável, procurando a sua definição e princípios de que se rege.
De seguida, apresenta-se o novo paradigma da construção sustentável, resultante de uma
evolução das preocupações da sociedade, tanto a nível ambiental, como aos níveis social e
económico.
Considerou-se, ainda, pertinente realizar uma análise dos impactes ambientais dos edifícios
em cada uma das fases do seu ciclo de vida, salientando que uma abordagem integrada é
essencial.

2.1 Definição de construção sustentável

Como já se referiu anteriormente, a indústria da construção é um dos maiores e mais activos


sectores em toda a Europa, com uma facturação anual de 750 milhões de euros, este sector
representa 25% de toda a produção europeia e é o maior exportador mundial, com 52% do
mercado. [4]
A construção civil é, também, uma das mais antigas e importantes actividades humanas que
contribuiu para o desenvolvimento das civilizações, também as técnicas que lhe estão
inerentes se foram desenvolvendo com o percorrer dos séculos, deixando, as construções, de
atender somente às necessidades básicas de abrigo. De facto, hoje observa-se um extenso
leque de tipologias e construções destinadas aos mais variados e especializados fins, que só
se tornaram possíveis devido ao desenvolvimento desta actividade humana, a construção civil.
Contudo, como já foi referido anteriormente, a indústria da construção tem sido igualmente uma
das principais responsáveis pela degradação ambiental da qual advêm outro tipo de
problemas, sejam eles ambientais, sociais ou económicos, que prejudicam o Homem e todo o
meio que o rodeia, pondo mesmo em risco as gerações futuras.
Estes problemas passam pela poluição ambiental, através de emissões de dióxido de carbono
(CO2) para a atmosfera, como também pela produção de resíduos associados à construção e
respectiva demolição de edifícios (poluição de águas e solos), e pelo consumo desmedido e
inconsequente dos recursos naturais.
Sob esta perspectiva existe uma necessidade crescente de desenvolvimento dos processos,
metodologias e operações de construção de forma a reduzir significativamente os referidos
problemas ambientais e energéticos que surgem associados ao sector da construção civil.
Pretende-se, assim, uma construção eficiente, que respeite as contingências locais e cujo
impacte sobre o meio envolvente natural seja mínimo, pelo que a esta nova perspectiva, ou
mesmo corrente de acções, se deu o nome de Construção Sustentável. [9]

9
É no seguimento destas preocupações que, em 1994, se realiza em Tampa, na Florida, a
Primeira Conferência Internacional sobre Construção Sustentável - The First International
Conference on Sustainable Construction - patrocinada pelo CIB (Conseil International du
Bâtiment pour la Recherche l’Etude et la Documentation) onde se fizeram diversas propostas
no sentido de definir o conceito de construção sustentável e onde foi discutido o futuro da
construção, no contexto da sustentabilidade.
É nesta conferência que surge a primeira definição do conceito de construção sustentável e a
mais aceite, apresentada por Charles Kibert, que a caracteriza como a “criação e gestão
responsável de um ambiente construído saudável, tendo em consideração os princípios
ecológicos (para evitar danos ambientais) e a utilização eficiente dos recursos”. [10]
No âmbito da mesma Conferência, Charles Kibert estabeleceu desde logo os seguintes seis
princípios básicos da construção sustentável [11]:

1. Minimizar o consumo de recursos;


2. Maximizar a reutilização dos recursos;
3. Utilizar recursos renováveis e recicláveis;
4. Proteger o ambiente natural;
5. Criar um ambiente saudável e não tóxico;
6. Fomentar a qualidade ao criar o ambiente construído.

Os princípios da construção sustentável aplicam-se a todo o ciclo de vida de uma construção,


desde a fase de projecto à demolição. Além disso, estes princípios aplicam-se aos recursos
necessários para criar e explorar o ambiente construído durante o seu ciclo de vida: terra,
materiais, água, energia e os ecossistemas.
Assim, a aplicação destes princípios deve ser feita através de uma abordagem integrada, a
todas as fases que constituem o ciclo de vida de uma construção: projecto, construção,
operação/manutenção e demolição/deposição (Figura 2.1).

10
Figura 2.1 – Abordagem integrada e sustentável às fases do ciclo de vida das construções [12]

No ano de 1996, é realizada na Turquia a conferência da ONU Habitat II. Esta conferência
focou-se essencialmente em dois temas, nos quais o ser humano é o centro das
preocupações, “abrigo adequado para todos” e “desenvolvimento sustentável dos aglomerados
humanos num mundo em urbanização”.
Esta agenda surge como um guia importante para a habitação nos países em vias de
desenvolvimento e também nas sociedades industrializadas.
O CIB publica, em 1999, a Agenda 21 para a Construção Sustentável (CIB Agenda 21 for
sustainable construction), procurando fazer uma ponte entre as Agendas internacionais e as
Agendas nacionais e locais.
Neste documento conclui-se que os maiores desafios que a construção civil tem que enfrentar
são:

 Promover a eficiência energética;


 Reduzir o uso e consumo de água potável;
 Contribuir para um desenvolvimento urbano sustentável. [8]

Hoje em dia, para além dos avanços significativos que têm vindo a ser feitos, a construção
sustentável é ainda um conceito recente na indústria da construção sofrendo constantes
actualizações e existindo mesmo várias correntes que a definem.
No Quadro 2.1, apresentam-se as áreas de intervenção relevantes no sentido de obter uma
construção mais sustentável.

11
Quadro 2.1 - Aspectos relevantes da construção sustentável (adaptado de [8])

Área Problemas principais Estratégias

 Aproveitamento dos edifícios existentes


Uso eficiente do solo  Aumento das actividades de reabilitação e recuperação
 Criação de edifícios multifuncionais

 Consideração do contexto local: clima, topografia, impacte


Escolha do local
Ocupação visual, ruído, economia local

do solo
Aumento da utilização  Criação de zonas de boa acessibilidade aos transportes
de transportes públicos na proximidade dos edifícios
públicos

 Protecção da flora e da vida animal


Protecção da natureza
 Criação de zonas de boa permeabilidade (jardins)

 Utilização de sistemas de gestão energética


 Utilização de fontes de energia renovável
 Eficiência energética dos materiais de construção utilizados,
Optimização do
como por exemplo, a escolha de materiais locais, que
consumo de energia
permite a diminuição das necessidades de transporte para o
local
 Adopção de sistemas de construção/demolição simples
Energia
Optimização da  Maximização da iluminação natural no interior dos edifícios
iluminação

 Concepção procurando que, devido à orientação do edifício


Optimização de
e aos materiais adoptados, não seja necessário recorrer
aquecimento/
exageradamente à utilização de sistemas de
arrefecimento
aquecimento/arrefecimento

 Utilização de sistemas de gestão de água


Optimização do
Água  Reutilização de águas de lavagem
consumo de água
 Aproveitamento de água da chuva

 Selecção de materiais com melhor desempenho ambiental


Escolha dos materiais
 Selecção de materiais prevendo a reciclagem em fim de
a utilizar
Materiais vida

Edifícios recicláveis e  Projecto e construção com consideração do destino final


reutilizáveis

12
Área Problemas principais Estratégias

 Utilização de materiais locais e de métodos de construção


tradicionais
Utilização eficiente de
 Aumento da utilização de materiais renováveis
matérias-primas
 Utilização de técnicas de desconstrução apropriadas de
forma a optimizar a reciclagem

Materiais não tóxicos e  Maior consideração da toxicidade ambiental e ocupacional


controlo climático dos materiais

 Minimização da produção de resíduos, tendo em conta a


política dos 3 R’s – reduzir, reutilizar e reciclar
Resíduos Gestão de resíduos  Sistemas integrados de recolha de resíduos
 Realização de planos de prevenção e gestão de resíduos
disponíveis no local da obra

 Maximização da durabilidade dos edifícios através de


tecnologias construtivas e materiais de construção duráveis
Durabilidade dos  Concepção com vista à flexibilidade/adaptabilidade dos
Outros
edifícios edifícios de modo a permitir o ajuste a novas utilizações
 Planeamento da conservação e da manutenção, de forma a
permitir a dilatação do ciclo de vida dos edifícios

Nos últimos anos, a nível nacional e internacional, foram desenvolvidas várias ferramentas
informáticas dirigidas especificamente à avaliação da sustentabilidade da construção que
procuram seguir os diversos princípios da construção sustentável.
Ao nível internacional destacam-se:

 No Reino Unido – o sistema BREEAM (Building Research Establishment Assessment


Method);
 Em França – o sistema HQE (Haute Qualite Environnementale dês Batiments);
 Na Austrália – o sistema NABERS (National Australian Buildings Environmental Rating
System);
 Nos Estados Unidos da América – o sistema LEED (Leadership in Energy &
Environmental Design);
 No Canadá – o sistema GBTool (Green Building).

Ao nível nacional também se tem evoluído neste sentido, destacando-se o sistema LiderA, o
qual é utilizado em Portugal desde 2005. Esta ferramenta de avaliação da sustentabilidade da
construção (inspirada no sistema LEED), tem já adquirido uma aceitação relativamente elevada
no mercado. Actualmente está já em vigor uma segunda versão desta ferramenta LiderA 2.0.

13
2.2 Novo paradigma da construção sustentável

No que diz respeito às actividades construtivas, tradicionalmente, as preocupações centravam-


se na qualidade do produto, nos custos associados e no tempo gasto (Figura 3.2). No entanto,
a construção sustentável apresenta novas orientações relativamente à concepção, construção,
operação e demolição, de modo a permitir melhorar o seu desempenho ecológico.

Qualidade

Custo Tempo
Figura 2.2 - Factores de competitividade na construção tradicional [12]

Posteriormente, com a introdução das preocupações ambientais, o conceito de qualidade na


construção evoluiu, passando a abranger os aspectos relacionados com a qualidade ambiental,
através da denominada construção eco-eficiente (Figura 3.3). Esta traduz-se em construir com
impacte ambiental mínimo, integrando as preocupações relacionadas com o consumo de
recursos, as emissões de poluentes e a biodiversidade.

14
Consumo Emissões
de nocivas,
recursos Qualidade saúde

Custo Tempo

Biodiversidade
Figura 2.3 - Construção eco-eficiente [12]

Quando se somam aos princípios da eco-eficiência as condicionantes económicas, a equidade


social e a herança cultural – dimensões económica e social -, está-se na presença do novo
paradigma da construção, o qual passa a integrar as três dimensões da construção sustentável
(Figura 3.4).

Qualidade de vida
Qualidade do ambiente construído

Consumo Emissões
Qualidade
de nocivas,
recursos saúde

Tempo Custo

Desenvolvimento Biodiversidade Equidade social


economicamente Herança cultural
sustentável
Figura 2.4 - Construção sustentável [12]

Assim, a construção sustentável consiste na particularização de um conceito global, o de


desenvolvimento sustentável. Como tal, pressupõe também a interdisciplinaridade, na medida
em que deverá actuar nas três dimensões: ambiental, social e económica.

15
Nesta perspectiva, o papel dos vários agentes é fundamental, incluindo o sector da extracção
dos materiais, o da construção, os clientes das estruturas edificadas, os gestores e os
responsáveis pela manutenção. Pode, assim, dizer-se que este novo modo de conceber a
construção procura satisfazer as necessidades humanas, protegendo e preservando
simultaneamente a qualidade ambiental e os recursos naturais. [8]

2.3 Impactes ambientais dos edifícios

As actividades associadas à construção civil são responsáveis por importantes impactes no


ambiente, embora se verifique uma crescente preocupação em minimizar ou compensar os
impactes negativos. De entre os vários impactes, salientam-se: a produção de resíduos, o
consumo de energia, as emissões de gases poluentes e o consumo de recursos naturais.
De facto, segundo a Agenda 21 para a Construção Sustentável, só durante a fase de
construção são consumidos cerca de 50% dos recursos naturais, produzidos mais de 50% dos
resíduos, consumida mais de 40% da energia (nos países industrializados, sendo em Portugal
cerca de 20% da energia total do país) e produzidas cerca de 30% das emissões de CO2. [13]
Por impacte ambiental entende-se o conjunto das alterações favoráveis e desfavoráveis
produzidas em parâmetros ambientais e sociais, num determinado período de tempo e numa
determinada área (situação de referência), resultantes da realização de um projecto,
comparadas com a situação que ocorreria, nesse período de tempo e nessa área, se esse
projecto não viesse a ter lugar. [8]
Assim, os impactes ambientais inerentes à construção de edifícios variam com as respectivas
tipologias e ao longo do ciclo de vida das construções. Entende-se por ciclo de vida de uma
construção todo o período de tempo desde a concepção até à respectiva desactivação/fim-de-
vida (Figura 3.5), embora tenham maior expressão, em termos construtivos, a fase de
construção propriamente dita e a fase de fim-de-vida.

Concepção Construção Operação Fim-de-vida

Figura 2.5 - Ciclo de vida das construções

Ao abordar os impactes ambientais da construção, muitas vezes centra-se a análise na fase de


construção, ou seja, na fase de obra em si, remetendo para segundo plano as restantes fases
do ciclo de vida de uma construção, sendo que tal pode conduzir a uma abordagem pouco
representativa.
Com efeito, a fase de construção está, em geral, associada a períodos mais reduzidos
(meses), face à fase de operação (anos). Refira-se que a maioria das infra-estruturas e
edifícios projectados na actualidade tem um tempo de vida superior a 40 anos e alguns dos
edifícios e estruturas existentes podem ultrapassar, ou já ultrapassam, os 100 anos. Isto
16
significa que as estruturas construídas têm impactes com efeitos muito duradouros, quer a
nível dos consumos, quer na acumulação dos materiais, quer ao nível das emissões e cargas
poluentes, cujos efeitos ambientais importa considerar. [8]
De seguida, apresentam-se os impactes ambientais mais significativos, diferenciadamente, em
cada uma das fases do ciclo de vida de uma construção:

a) Fase de concepção
Os impactes ambientais da fase de concepção (projecto) são muito reduzidos e quase não
apresentam significado quando comparados com as restantes fases, estando principalmente
relacionados com os consumos de:

 Energia, transporte e deslocações: para analisar o local e efectuar os levantamentos


necessários;
 Consumos e emissões associados à operação de escritórios: como grande parte da
actividade é executada em escritórios, os efeitos da sua operação (consumo de
energia, por exemplo) podem originar impactes ambientais;
 Consumo de papel: é uma fase de elevado consumo de papel, no desenvolvimento do
plano e projecto, bem como no processo de autorização e licenciamento.

b) Fase de construção
A fase de construção, correspondente à execução do projecto (obra em si), induz impactes
ambientais importantes, que incluem nomeadamente:

 Extracção e consumo de matérias-primas;


 Produção de resíduos devido ao não aproveitamento de materiais nas novas
construções e aumento dessa produção no caso de a obra ser uma demolição;
 Possível descarga e contaminação dos solos, se os materiais combustíveis e outros
produtos perigosos existentes na obra não forem devidamente armazenados ou
controlados;
 Consumo de água e produção de efluentes nas actividades construtivas que, se não
forem devidamente tratados, podem ter efeitos ambientais importantes nos meios
hídricos;
 Produção de emissões poluentes devido à necessidade de energia nas actividades
construtivas e aumento das necessidades de transporte, o que por sua vez aumenta o
tráfego, o consumo de combustível e as emissões atmosféricas, cria poluição acústica
e vibrações e provoca a degradação estética do local;
 Criação de zonas impermeabilizadas que origina o aumento de escorrência superficial
e o aumento da probabilidade de cheias a jusante;

17
 Em zonas de ambientes naturais, ao serem intrusivas, as actividades construtivas
provocam interferências na fauna e na flora e alterações na dinâmica dos
ecossistemas.

c) Fase de operação
Esta fase corresponde ao período de utilização do edifício construído, podendo incluir, também,
as operações de manutenção e renovações pontuais.
Os impactes mais significativos decorrentes da operação de um edifício resultam de: consumo
de energia, de água e de materiais, produção de resíduos, de efluentes e de emissões
atmosféricas.
Como exemplo de impacte ambiental, pode referir-se que grande parte da água consumida,
isto é, mais de 80%, é depois descarregada sob a forma de efluentes líquidos, que exigem
tratamento adequado, obrigando a dispor de ETAR’s, o que por sua vez leva ao consumo de
energia e reagentes e à produção de lamas. [8]

d) Fase de fim-de-vida
No que respeita à fase de fim-de-vida ou desactivação de um edifício, esta resulta na mesma
tipologia de impactes anteriormente descritos para a construção, sendo de destacar que,
consoante a forma de eliminação ou desconstrução, pode traduzir-se num importante
acréscimo, do ponto de vista da produção de resíduos.
Quanto aos restantes impactes são, geralmente, menores e referem-se ao consumo de
materiais, existindo, porém, importantes impactes relativos ao consumo de energia e às
emissões de ruído, vibrações e poeiras.

2.4 Caminhar para a construção sustentável

O sector da construção civil deve estar sempre interligado ao conceito de desenvolvimento


sustentável, abrangendo os factores ambientais, sociais e económicos. Para tal, deve procurar-
se o equilíbrio através da eficiência, reduzindo o consumo de materiais e energia e valorizando
a dinâmica ambiental.
A construção sustentável de novos edifícios e infra-estruturas, assim como a reabilitação
sustentável de edifícios existentes, podem iniciar uma etapa importante no sentido de uma
melhoria do desempenho ambiental das cidades e da qualidade de vida dos seus cidadãos.
O plano de acção para caminhar no sentido de uma construção mais sustentável reside em:
economizar energia e água, assegurar a salubridade e maximizar a durabilidade dos edifícios,
planear a conservação e manutenção dos edifícios, utilizar materiais eco-eficientes, apresentar
baixa massa de construção, minimizar a produção de resíduos, ser económica e garantir
condições de higiene e segurança dignas nos trabalhos de construção.

18
Como anteriormente se referiu, a evolução do sector da construção no sentido da
sustentabilidade apela a um novo paradigma, passando do tradicional triângulo qualidade –
custo – tempo, para incluir também o consumo dos recursos – emissões e saúde –
biodiversidade e qualidade do ambiente construído e equidade social – herança cultural.
A durabilidade é um aspecto de grande relevância no caminho para a sustentabilidade,
baseando-se em aumentar o ciclo de vida da construção, obtendo assim um maior tempo de
utilização do edificado e reduzindo substancialmente a procura de materiais e os impactes
ambientais.
Da mesma forma, para caminhar para a construção sustentável, é importante que desde a fase
inicial da obra, ou seja, desde a fase de planeamento e concepção, se tenha em conta a
redução do consumo e a reutilização dos recursos, incluindo o próprio planeamento da
desconstrução, assim como o uso eficiente do solo e o ordenamento do território. Além disso,
deve apostar-se na eficiência energética e na utilização preferencial de recursos renováveis, tal
como na procura de soluções que resultem em menores emissões de CO2.
Uma vez que se vive actualmente, em média, de 80 a 90% do tempo nos edifícios, outros
aspectos relevantes são as condições do ambiente interior e a qualidade do ar interior, quer no
sentido de evitar a toxicidade e os riscos de inalação de microrganismos, quer no sentido de se
proceder à renovação do ar natural. [8] Como tal, a escolha dos materiais e tecnologias
construtivas a utilizar tornam-se pontos fundamentais da construção sustentável, questões que
se abordam nos capítulos seguintes.
Na União Europeia a indústria da construção é um dos sectores económicos mais importantes,
continuando, no entanto, a basear-se excessivamente em sistemas construtivos convencionais
e na utilização de mão-de-obra não qualificada, sendo caracterizada pela utilização ineficiente
dos recursos naturais e de energia não renovável e pela excessiva produção de resíduos. [14]
Dado à sua importância na sociedade actual, cada vez mais, a indústria da construção terá um
importante papel no fomento de uma dinâmica de mudança, constituindo este um desafio
fundamental para atingir um desenvolvimento sustentável.

19
3 SUSTENTABILIDADE DOS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO

Após uma discussão acerca dos temas do desenvolvimento sustentável e da construção


sustentável, neste capítulo abordam-se os conceitos e ferramentas para a análise da
sustentabilidade dos materiais de construção, onde se descrevem os diversos critérios a ter em
conta para uma escolha adequada dos materiais com vista à sustentabilidade como, por
exemplo, a toxicidade dos materiais, a energia incorporada, o potencial de reciclagem e de
reutilização ou a durabilidade, entre outros.

3.1 Enquadramento

Para se perceber o papel dos materiais de construção no âmbito da construção sustentável é


importante estudar primeiro os impactes ambientais que estão associados à produção dos
mesmos. Como tal, é necessário ter em conta todo o processo de produção, desde a extracção
das matérias-primas, seu processamento, armazenamento e transporte até ao local de
aplicação. Todas estas fases introduzem impactes, sejam eles ambientais, sociais ou
económicos à “equação”.
Como já se referiu anteriormente, a indústria da construção consome uma grande quantidade
de recursos naturais contribuindo para a delapidação destes. Verifica-se que em todo o mundo
é consumida por esta indústria 25% da madeira e 40% dos agregados (pedra, brita e areia).
[12]
Uma das questões abordadas por diversos autores nas últimas décadas prende-se com o
possível esgotamento das matérias-primas não renováveis. A título de exemplo, no Quadro 3.1
apresenta-se uma estimativa para a duração das reservas de matéria-prima associadas a
alguns dos materiais de construção mais utilizados, segundo o autor Berge [15].

Quadro 3.1 - Número estatístico de anos esperado até à exaustão das fontes de matéria-prima
associadas a alguns dos materiais de construção mais utilizados [15]

Duração
Material
(anos)

Aço não reciclado 21


1
Aço (100% reciclado) (-)

Alumínio (50% reciclado) 220


1
Argamassa de cimento (-)

1
Nota: Para alguns materiais, é difícil estimar o número de anos até à sua exaustão pois as suas fontes
são ainda abundantes ou porque existem factores dificilmente quantificáveis que influenciam a sua
duração.
20
Duração
Material
(anos)
1
Argila (telhas cerâmicas) (-)
1
Argila (tijolo cerâmico) (-)
1
Betão (-)
1
Gesso (-)

Lã mineral 390

Madeira laminada 390

Poliestireno extrudido (XPS) 40

Tela asfáltica 40
1
Vidro (-)

Apesar de ser importante perceber que não existem matérias-primas inesgotáveis, não está
comprovado que a duração das mesmas seja a apontada por Berge [15].
Além desta questão, como já se referiu, é necessário ter em conta que os materiais de
construção resultam da extracção das matérias-primas, posterior processo de fabrico e
transporte até aos locais de aplicação em distâncias que podem chegar a ser intercontinentais.
Todo este processo envolve o consumo de energia proveniente de fontes não renováveis. Do
mesmo modo, não se podem esquecer os resíduos gerados durante as actividades de
extracção das matérias-primas (Quadro 3.2), assim como a destruição da biodiversidade do
local de extracção.

Quadro 3.2 - Quantidade de matérias-primas geradas durante o processo extractivo [16]

Quantidade de rocha ou Quantidade que é


Matéria-prima 2
solo extraído (Mton) aproveitada (%)

Ferro 25503 40

Cobre 11026 1

Zinco 1267 0,05

Alumínio 869 30

Chumbo 1077 2,5

Estanho 195 1

Níquel 387 2,5

Tungsténio 125 0,25

Manganês 745 30

2
Nota: Mton significa milhões de toneladas.
21
Como se pode constatar, o aproveitamento de matérias-primas resultante da actividade de
extracção é muito baixo face à quantidade de material extraído, resultando em vastas
quantidades de resíduos minerais, cuja deposição constitui um risco ambiental em termos de
preservação da biodiversidade, bem como de poluição de fontes de água potável. Como
consequência, desde a década de 70 ocorreram 30 acidentes ambientais graves em minas,
tendo 5 ocorrido na Europa. [4]
Além disso, não pode ser ignorado o perigo que determinados materiais apresentam para a
saúde dos utilizadores dos edifícios e para os ecossistemas, devendo-se analisar previamente
a toxicidade de cada um dos materiais a utilizar.
Considera-se que é na fase de projecto/concepção que se tomam as decisões mais
importantes no que respeita à selecção dos materiais com vista à sustentabilidade.
No entanto, até à actualidade, os materiais são frequentemente seleccionados tendo em conta
essencialmente parâmetros estéticos e funcionais, privilegiando aspectos como a rapidez de
construção e a redução de custos. Para além destes critérios, a selecção deverá ainda
compreender os seguintes critérios [4]:

 Toxicidade do material;
 Energia incorporada no material;
 Potencial de reutilização e reciclagem dos materiais;
 Reaproveitamento de resíduos de outras indústrias (materiais obtidos a partir de
resíduos);
 Materiais que provenham de fontes renováveis;
 Materiais que estejam associados a baixas emissões de GEE;
 Materiais duráveis;
 Materiais cuja escolha seja levada a cabo mediante uma análise do seu ciclo de vida.

3.2 Toxicidade dos materiais

Ao contrário do que acontecia no passado, em que as construções eram realizadas com


materiais naturais, hoje em dia, o caso é bem diferente, as construções correntes podem conter
variadas combinações de químicos e metais pesados, afectando a qualidade do ar interior, ou
mesmo contaminando as redes públicas de abastecimento de água.
A toxicidade de um material expressa os efeitos nocivos que este pode causar ao ser humano
e ao ecossistema envolvente. Cada material, produto ou componente a utilizar num edifício
deve ser previamente analisado, tendo em conta as suas especificações técnicas e o seu
processo de fabrico de forma a identificar compostos químicos tóxicos.
A exposição a estes compostos causa sérios riscos à saúde dos ocupantes dos edifícios.
Alguns desses problemas de saúde são os seguintes [17]:

22
 Irritações da pele, olhos e vias respiratórias;
 Distúrbios cardíacos, digestivos, renais ou hepáticos;
 Dores de cabeça e mal-estar generalizado;
 Distúrbios do sistema nervoso, como perturbações da memória, de atenção,
concentração e da fala, stress e ansiedade;
 Perturbações do sistema hormonal (problemas fetais e de reprodução);
 Desenvolvimento de cancros das fossas nasais, dos seios frontais e pulmões, quando
presentes em elevadas concentrações.

Como se referiu, os materiais e componentes de construção podem ter na sua constituição


uma grande variedade de produtos químicos. Muitos desses produtos são recentes e, como tal,
ainda não estão suficientemente estudados, sendo desconhecidos os seus efeitos na saúde
dos ocupantes dos edifícios. Menos conhecido e mais grave é o efeito cumulativo e interactivo
da exposição aos compostos químicos, já que existem doenças que só se manifestam passado
um longo período após a exposição e existem compostos que isolados não oferecem qualquer
perigosidade, no entanto quando combinados com outros apresentam riscos para a saúde.
Assim, torna-se difícil estabelecer o conteúdo tóxico de um material pelo conhecimento da
quantidade de compostos químicos, regime de emissões de gases nocivos e de outras
características potencialmente perigosas. Nos Estados Unidos, os fabricantes foram obrigados
a editar folhas de dados sobre a segurança dos materiais (MSDS – Material Safety Data
Sheets), o que constitui o primeiro passo na determinação da presença de produtos químicos
prejudiciais nos materiais. As folhas MSDS são disponibilizadas pelos fabricantes a pedido do
cliente e contêm uma listagem dos compostos químicos que se encontram nos produtos e
respectivos riscos conhecidos para a saúde, cuidados a ter no seu manuseamento,
procedimentos de desintoxicação, etc.. A informação contida nas folhas MSDS pode ainda ser
cruzada com outros manuais sobre toxicologia. [12]
Além da exposição directa e diária decorrente da presença no interior das habitações de
materiais com algum grau de toxicidade, é importante não esquecer que durante a fase de
produção de materiais de base química há emissão de diversos tipos de poluentes, assim
como também há lugar à produção de resíduos muito perigosos, os quais irão afectar
negativamente, e de alguma forma, o ambiente do Planeta Terra, pelo que deveria ser
obrigatório, que os referidos impactes fossem assacados aos materiais em questão. Desses
poluentes merecem destaque os seguintes [17]:

 Organoclorados (Dioxinas e furanos) – as dioxinas e os furanos são resíduos


químicos provenientes de processos industriais relacionados com a produção de PVC.
São compostos extremamente tóxicos para a saúde, com a agravante de serem
bioacumuláveis no organismo. Essa perigosidade estende-se por óbvias razões à
biodiversidade por via da contaminação de toda a cadeia alimentar.

23
 Ftalatos – grupo de compostos químicos derivados do ácido ftálico, utilizado como
aditivo para reduzir a rigidez dos materiais plásticos. São vários os estudos que
comprovam a toxicidade destes compostos para a saúde humana.
 Compostos orgânicos voláteis (COV) – poluentes atmosféricos libertados por
materiais de construção contendo solventes orgânicos, como é o caso das tintas,
vernizes, colas e outros. A redução da ventilação no interior das habitações (para se
minimizarem gastos energéticos) pode contribuir para aumentar o volume destes
poluentes e para agravar os seus efeitos sobre a saúde. Além disso, os COV’s
contribuem para a formação de ozono troposférico, um gás que provoca efeito de
estufa.

Além destes, existem ainda tintas e vernizes contendo metais pesados, os materiais que
libertam fumos tóxicos em caso de incêndio, os materiais contendo substâncias radioactivas,
as situações de toxicidade relacionadas com a presença de amianto em materiais de
construção e também de chumbo em canalizações de abastecimento de água.
No caso das tintas e vernizes utilizados na construção, estas além de libertarem COV’s, podem
ainda conter metais pesados com elevado poder cancerígeno (Quadro 3.3).

Quadro 3.3 - Agentes com poder cancerígeno presentes em tintas [18]

Agente cancerígeno Fonte

Crómio Primários, tintas

Cádmio Pigmentos

Benzeno Solventes

Cloreto de metileno Decapantes

Estireno Solventes orgânicos

Níquel Pigmentos

Chumbo Primários, secantes, pigmentos

Outro caso é o da madeira, que apesar de ser um material com grandes potencialidades de ser
utilizado numa construção mais sustentável, possui uma baixa resistência à degradação por
agentes biológicos, fungos e insectos (carunchos e térmitas).
Até muito recentemente, a preservação das madeiras implicava a sua impregnação com
insecticidas ou fungicidas, produtos como o creosote ou outros à base de sais metálicos como
o cobre, crómio e arsénico (CCA). Estes sais metálicos são bastante tóxicos, além de que são
bioacumuláveis. Quando em contacto com a água da chuva ou outra, grande parte destes sais
acaba por ser lexiviada contaminando o meio ambiente. [17]
Outra fonte de toxicidade reside nos plásticos, que representam actualmente uma parte
substancial dos materiais utilizados pela indústria da construção.

24
Quase todos os plásticos contêm diversos tipos de aditivos como plastificantes, redutores de
rigidez, corantes estabilizadores de radiação solar, redutores de fumo, anti-estáticos, redutores
de ignição e outros, que implicam a utilização de uma vasta gama de produtos, onde se
incluem ftalatos e metais pesados. [17]
Como se pode compreender, a toxicidade dos materiais de construção é um tema
extremamente complexo, não se pretendendo no âmbito deste trabalho realizar um estudo
exaustivo acerca deste tema, pelo que se deram apenas alguns exemplos que se consideram
pertinentes.
Em suma, cabe aos projectistas a responsabilidade da selecção de materiais e componentes
de baixa toxicidade, procurando evitar que a sua utilização afecte a saúde dos habitantes dos
edifícios e das pessoas responsáveis pela construção e manutenção dos mesmos.
Assim, devem analisar-se rigorosamente as fichas técnicas dos diversos materiais e
componentes de construção (por exemplo isolamentos, revestimentos, pinturas e vernizes)
com o objectivo de reduzir a presença de substâncias tóxicas prejudiciais no edifício, como é o
caso dos formaldeídos, COV’s e outros produtos químicos que se encontram correntemente na
constituição dos materiais de construção, os quais apresentam riscos para a saúde dos
ocupantes dos edifícios.
Para esse efeito, na fase de projecto dever-se-ão ter em conta, entre outros, os aspectos
seguintes [12]:

 Seleccionar tintas de água à base de látex e sem chumbo, em vez de tintas de óleo
com diluentes tóxicos como o benzeno, o xileno e o tolueno;
 Preferir sempre que possível madeiras no seu estado natural aos aglomerados de
madeira, visto que nestes é utilizado o formaldeído como aglomerante e conservante.
Este problema também é comum no mobiliário, pelo que é conveniente a realização de
ensaios que comprovem a possível presença deste químico;
 Seleccionar materiais e sistemas que não apresentem clorofluocarbonetos (CFC) e
hidroclorofluocarbonetos (HCFC), pois cerca de 50% dos clorofluocarbonetos
produzidos são utilizados na construção. Estes componentes apresentam diversos
riscos quer à escala local (riscos para a saúde dos ocupantes), quer à escala global
através da destruição da camada de ozono;
 Assegurar que no edifício não é utilizado amianto ou qualquer outro material que o
contenha;
 Evitar o uso de adesivos, selantes, pinturas, vernizes e revestimentos que possuam
elevadas quantidades de COV’s.

25
3.3 Energia incorporada nos materiais

A energia incorporada nos materiais de construção (embodied energy) corresponde, por


definição, aos recursos energéticos consumidos durante as fases de extracção das matérias-
primas, produção, transporte para o estaleiro de obra, aplicação em obra, manutenção e
demolição, isto é, durante o seu ciclo de vida. No entanto, existem diferentes abordagens a
esta definição, a saber: do início da extracção das matérias-primas até à porta da fábrica
(cradle to gate); do início até à obra (cradle to site), ou do início até à fase de demolição e de
deposição (cradle to grave). [4]
Segundo Berge [15] a energia incorporada abrange somente a energia necessária para colocar
o material ou produto à porta da fábrica (primeiro caso), incluindo-se o seu transporte e
aplicação na fase de construção do edifício. Este autor considera que a energia incorporada
num material representa, assim, cerca de 85-95% da quantidade total de energia consumida.
Os restantes 5-15% incluem a energia consumida durante o transporte dos materiais de
construção para o estaleiro de obra, na fase de construção, para os processos de manutenção
e reabilitação dos elementos de construção e a necessária durante as operações de demolição
do edifício no final do seu ciclo de vida.
Quanto aos consumos associados à produção dos materiais, estes variam consoante o tipo de
processo produtivo e de país para país. Em Portugal, a Direcção Geral de Energia e Geologia
(DGEG) publicou, em 2000, no âmbito do Regulamento de gestão do consumo de energia –
RGCE – alguns valores relativos ao consumo energético específico necessário à produção de
vários produtos (Quadro 3.4).

Quadro 3.4 - Energia necessária ao fabrico de alguns materiais de construção [19]


3
Material Kgep/ton

Clinquer para cimento normal 92

Clinquer para cimento branco 226

Moagem de clinquer 11

Cal hidráulica 33

Cal viva 105

Tijolos e abobadilhas de barro 45

Telhas de barro 60

Pavimentos de barro 60

Pavimentos porcelânicos 190

3
Nota: Kgep significa quilogramas de petróleo equivalente
Para converter a unidade tep (toneladas de petróleo equivalente) para kwh, a DGEG [19] refere que:
-6
1kwh (energia eléctrica) = 290×10 tep
26
3
Material Kgep/ton

Chapa de vidro simples 200

Painéis aglomerados de fibras de 310


madeira

Painéis aglomerados de partículas 90


de madeira

No que se refere à parcela da energia consumida em transporte, esta varia consoante o modo
de transporte utilizado seja marítimo, aéreo, rodoviário ou ferroviário.
Berge [15] refere valores para o consumo de energia no transporte de materiais que se
apresentam no Quadro 3.5.

Quadro 3.5 - Energia consumida em transporte [15]

Transporte MJ/ton Km

Avião 33-36

Rodovia (gasóleo) 0,8-2,2

Ferrovia (gasóleo) 0,6-0,9

Ferrovia (electricidade) 0,2-0,4

Barco 0,3-0,9

Sob esta perspectiva, torna-se evidente a necessidade de se utilizarem materiais locais, de


forma a reduzir a energia incorporada e/ou utilizar somente materiais distantes do local da
obra, desde que tenham baixa massa volúmica. [4]
No Quadro 3.6 apresenta-se uma listagem de valores de energia incorporada em diversos
materiais de construção, utilizada por diversos autores.

Quadro 3.6 - Energia incorporada em materiais de construção [4]


3
Material MJ/Kg MJ/m

Agregados em geral 0,1 150

Agregados de rio 0,02 36

Alumínio extrudido 201 542.700

Alumínio extrudido anodizado 227 612.900

Alumínio reciclado 8,1 21.870

Alumínio reciclado extrudido 17,3 46.710

Alumínio reciclado anodizado 42,9 115.830

Asfalto 3,4 7.140

Betume 44,1 45.420

27
3
Material MJ/Kg MJ/m

Cimento 7,8 15.210

Argamassa de cimento 2,0 3.200

Betão pronto 17,5 MPa 1,0 2.350

Betão pronto 30 MPa 1,3 3.180

Betão pronto 40 MPa 1,6 3.890

Bloco de betão 0,94 -

Tijolo cerâmico 2,5 5.170

Telha cerâmica 0,81 -

Blocos de adobe estabilizados com cimento 0,42 -

BTC 0,42 -

Taipa estabilizada com cimento 0,8 -

Vidro 15,9 40.060

Vidro laminado 16,3 41.080

Estuque 4,5 6.460

Painel de gesso 6,1 5890

Aço 32 251.200

Aço reciclado 10,1 37.210

Pedra local 0,79 1.890

Pedra importada 6,8 1.890

Zinco 51 364.140

MDF 11,9 8.330

Madeira em bruto seca ao ar 0,3 165

Madeira em bruto seca em estufa 1,6 880

Madeira polida seca ao ar 1,16 638

Madeira polida seca em estufa 2,5 1.380

Contraplacado 10,4 -

Poliéster 53,7 7.710

Poliuretano 74 44.400

PVC 70 93.620

No entanto, os valores apresentados de energia incorporada possuem uma elevada margem


de erro, visto que dependem de vários factores, dos quais se destacam: a eficiência do
processo de transformação; o tipo de combustível utilizado no processo de transformação das
matérias-primas e no seu transporte; a distância de transporte das matérias-primas; a

28
quantidade de matéria reciclada utilizada. Assim sendo, o valor da energia incorporada não é
constante, variando de país para país, e mesmo dentro de cada país, de região para região, e
também de autor para autor, dependendo das variáveis consideradas. [12]
Em 2008, Hammond & Jones [20] apresentam um inventário de valores de energia incorporada
e de carbono incorporado para cerca de 200 materiais de construção, numa abordagem “cradle
to gate”. Segundo estes autores, esta abordagem permite um apuramento mais rigoroso dos
consumos energéticos relativos ao transporte dos materiais para cada caso específico.
De acordo com Thormark [21], uma escolha adequada dos materiais de construção pode
significar uma redução de 17% na energia gasta na construção do edifício.
Assim, uma escolha cuidada dos materiais pode contribuir decisivamente para a redução da
quantidade de energia necessária à construção de um edifício.
Em síntese, de maneira a reduzir a energia incorporada nos edifícios através dos materiais de
construção, deve obedecer-se aos seguintes critérios na selecção dos mesmos:

 Preferir os produtos locais.


 Utilizar materiais com elevado potencial de reutilização e/ou grande durabilidade.
A ideia de que os materiais de baixa energia são preferíveis aos materiais de alta
energia incorporada nem sempre é correcta. A selecção de um material com maior
quantidade de energia incorporada pode ser mais vantajosa desde que o seu ciclo de
vida seja mais alargado, pois o custo ambiental associado à energia incorporada acaba
por ser amortizado num maior número de anos. Por outro lado, serão preferíveis os
materiais que possam ser directamente reutilizados sem passar por processos de
transformação com custos energéticos (reciclagem).
 Utilizar materiais/sistemas de construção de baixa massa. Como a quantidade de
energia incorporada num material/sistema de construção está relacionada com a sua
massa, em geral quanto menor for a massa de um edifício, menor será a quantidade de
energia incorporada. A construção leve, como por exemplo, a construção em madeira,
possui menor energia incorporada do que a construção em betão armado.

Até recentemente pensava-se que a quantidade de energia incorporada num edifício era
pequena em comparação com a energia consumida na operação do edifício durante a sua
vida. Em consequência, realizou-se um maior esforço para reduzir o consumo de energia
operacional através da melhoria da eficiência energética dos edifícios.
De facto, nos edifícios pouco eficientes de um ponto de vista energético e com elevados
consumos, a energia incorporada nos materiais era de apenas 10% a 15% da energia
operacional. Contudo, à medida que a eficiência energética dos edifícios e equipamentos
aumenta, a parcela referente à energia incorporada nos materiais vai-se tornando cada vez
mais importante. [4]

29
Thormark [22] estudou um dos edifícios com menor consumo energético na Suécia, concluindo
que a energia incorporada nos materiais, para uma vida útil de 50 anos, pode representar 45%
da energia total.
O nível de energia incorporada nos materiais reduzirá à medida que a eficiência energética das
indústrias que os produzem aumentar. Contudo, também é necessário haver uma procura por
materiais com baixa energia incorporada, já que esta será uma parcela cada vez mais
significativa.

3.4 Potencial de reciclagem e reutilização

Na selecção dos materiais de construção deve ter-se como critério o potencial de reciclagem e
de reutilização dos mesmos. Depois de esgotada a vida útil do material, este possui um
determinado potencial de reciclagem e reutilização, ou seja, uma determinada capacidade de
vir a gerar outros materiais (reciclagem) ou de ser novamente utilizado (reutilização). Esta é
uma questão importante que pode contribuir para a diminuição do impacte das construções
sobre o meio ambiente, reduzindo o consumo de recursos naturais. Nesta óptica, um produto
que é facilmente reciclável apresenta vantagens perante um produto inicialmente “verde”, mas
que não pode ser reciclado. Da mesma forma, devem preferir-se materiais que possuem
maiores potencialidades de reutilização face a outros com apenas algumas potencialidades de
reciclagem, já que a reutilização directa envolve menor consumo de energia, apesar de ambas
evitarem a descarga de produtos no meio ambiente.
Por outro lado, na selecção dos materiais, é preferível dar ênfase à sua capacidade de
reutilização e reciclagem em detrimento da energia incorporada, já que quanto mais vezes se
utiliza um material ou componente, menor será o custo de energia incorporada, pois este acaba
por ser amortizado no número de utilizações do material. No entanto, existem custos
energéticos associados è reutilização e reciclagem dos materiais que não devem, de forma
nenhuma, ser ignorados nesta análise.
Na indústria da construção, muitos dos produtos ou materiais têm baixo potencial de
reciclagem. Porém, existem produtos que podem ser reciclados várias vezes apesar de que,
hoje em dia, raramente se tire partido deste potencial. Na Suécia, em 1992, o nível de produtos
reciclados era de 5% e na Alemanha, em 1990, foram reciclados 29% dos produtos. Para o ano
2000, ambos países têm o objectivo de atingir os 60%. [23] Na Holanda, a legislação exige que
80% dos materiais provenientes de demolições sejam reciclados para serem utilizados em
novas construções, seja em edifícios ou na construção de estradas. Além disso, as empresas
de demolição, na fase de concurso, têm que declarar a quantidade de material que será
vendido para reciclagem, juntamente com uma apresentação de como irão publicitar esta
situação. [15]

30
Apresentam-se de seguida algumas soluções para a reciclagem de metais, plásticos, vidro,
madeira, betão e materiais cerâmicos. Na realidade, existem muitas outras soluções e
constantemente surgem novas investigações científicas, permitindo avanços neste domínio.

i) Os metais são recicláveis se for possível separá-los por tipo. Os elementos de


construção em aço e em alumínio possuem elevado potencial de reciclagem. É
actualmente possível a produção de perfis de aço laminados e de aço em varão a partir
de matéria-prima 100% reciclada. Com a actual tecnologia de reciclagem do aço é
possível reduzir entre 50% a 70% o consumo energético e a emissão de gases
poluentes na sua produção. O alumínio é também 100% reciclável e com a sua
reciclagem é possível diminuir a energia incorporada e a emissão de gases poluentes
em cerca de 90%. [24]
ii) A maior parte dos plásticos podem ser granulados e reciclados na produção de novos
produtos de plástico. No entanto, as taxas actuais de reciclagem são bastante baixas
devido à grande variedade de plásticos existente, o que torna difícil a sua separação. A
título de exemplo, o polietileno de elevada densidade (PED) pode ser reciclado para a
realização de caixotes de lixo, baldes, cones de tráfego, etc. No entanto, os aditivos,
protecções e os corantes utilizados na produção dos plásticos dificultam a sua
reciclagem. [24]
iii) Os produtos de vidro podem ser reciclados se devidamente separados e não
contaminados. Actualmente, a reciclagem do vidro existente nos resíduos da
construção é pouco praticada. Os vidros dos edifícios podem ser directamente
reutilizados ou reciclados, por exemplo, em novos vidros para aplicar em sistemas de
portas e janelas, bem como em materiais como a fibra de vidro.
iv) Os produtos de madeira podem ser facilmente reutilizados se estiverem em bom
estado de conservação, como é o caso de portas e janelas de dimensões standard ou
de elementos estruturais em madeira se estes estiverem ligados de modo a que sejam
facilmente desmontados.
v) O betão e os produtos cerâmicos (tijolos e telhas) são exemplos de materiais cuja
recuperação e reutilização é difícil. Tanto os elementos em betão, como os produtos
cerâmicos podem ser britados e posteriormente reciclados em agregados para o
fabrico de betão ou utilizados na execução de caixas de pavimento em pisos térreos ou
nas bases de estradas.

3.5 Materiais obtidos a partir de resíduos

Uma das formas para atingir a sustentabilidade dos materiais de construção passa pela
incorporação de resíduos de outras indústrias nos mesmos. Os materiais obtidos a partir de
matérias recicladas ou reutilizadas contribuem para a diminuição dos problemas relacionados

31
com a deposição de resíduos sólidos, diminuição dos consumos energéticos e conservação
dos recursos naturais.
Sendo o betão o material mais utilizado na indústria da construção a nível mundial (cerca de
2000 Mton/ano) [23] e com um ritmo de crescimento exponencial (Figura 3.1), tem nos últimos
anos merecido especial atenção por parte da comunidade científica.
Como exemplo dos avanços já realizados nesta área, refira-se a utilização de resíduos em
betões: com características pozolânicas, cinzas volantes, escórias de alto forno, sílica de fumo,
cinzas de resíduos vegetais, cinzas de resíduos sólidos urbanos e resíduos de vidro. Existe,
também, investigação sobre a incorporação de resíduos em betões, como agregados ou filler, a
saber: resíduos da indústria automóvel, de plástico, têxteis, pó de pedra da indústria das
rochas ornamentais, de extracção de agregados e da indústria cerâmica, e os resíduos de
construção e demolição (RCD). [23]

Figura 3.1 - Evolução da produção de betão a nível mundial [25]

Juntando a este facto as projecções de aumento da população mundial (espera-se que


aumente mais de 2000 milhões de pessoas até ao ano 2030) e as necessidades que daí
advêm em termos de construção de edifícios e outras infra-estruturas, agravar-se-ão de forma
substancial os impactes ambientais associados ao fabrico deste material, isto é, aumentando o
consumo de matérias-primas não renováveis, assim como a produção de resíduos. [25]
Segundo Mehta [26], um betão comum contém cerca de 80% de agregados e 12% de cimento,
em massa. Neste contexto, a substituição de cimento, ainda que parcial, por resíduos reactivos
ou a substituição de agregados naturais por agregados provenientes de resíduos de outras
indústrias, assume um papel fundamental na sustentabilidade dos materiais de construção. [27]
Face ao elevado volume de recursos minerais necessário para responder ao consumo, tanto
de agregados, como de cimento Portland, apresenta-se aqui uma oportunidade excelente para
o reaproveitamento de resíduos de outras indústrias.
No Quadro 3.7, apresentam-se alguns dos resíduos que merecem maior destaque em termos
de potencial de reaproveitamento, são eles: as cinzas provenientes da incineração de resíduos
sólidos urbanos (RSU), os RCD e os resíduos minerais provenientes de minas e pedreiras.

32
Quadro 3.7 - Produção e reaproveitamento de alguns resíduos na Europa [28]

Produção
Resíduo Reaproveitamento anual (%)
(Mton/ano)

Cinzas de RSU 10.578 46%

RCD 420 0-90% (consoante o país)

Resíduos minerais 400 -

Convém referir que os RCD constituem uma parte significativa do total de resíduos produzidos,
representando cerca de 1/3 dos resíduos produzidos no espaço Europeu (excluindo as cinzas
de RSU). [4]
Em Portugal, os resíduos de origem mineral constituem a maioria dos resíduos produzidos
(Figura 3.2), representando aproximadamente 30 milhões de toneladas. [4] Estes resíduos têm,
ainda, a desvantagem de estarem depositados em aterros por todo o território nacional,
constituindo um entrave à preservação da biodiversidade.

9%
4% Minas e pedreiras
5%
Têxtil
5% Madeira e papel
Agricultura
9%
58% Térmicos
Construção e demolição
11% Outros

Figura 3.2 - Tipologia dos resíduos industriais [4]

Na Europa, a taxa média de reciclagem de RCD é de 50%, já na Dinamarca essa mesma taxa
de reciclagem de resíduos é de cerca de 89%, muito por força das taxas de deposição e de
extracção de recursos não renováveis. A incorporação de resíduos industriais em betões
constitui, assim, e no caso concreto de Portugal, uma forma eficaz para se alcançar a meta
prevista no âmbito do 3º objectivo do ENDS 2015 de reduzir em 12,1% o valor dos resíduos
industriais relativamente aos valores do ano de 2001. [23]
É, ainda, relevante referir que a legislação sobre os RCD em Portugal (Decreto-Lei nº 46/2008
de 12 de Março) entrou em vigor em Junho de 2008 e estabelece uma mudança importante na
forma como este tipo de resíduos são agora encarados, tendo especial destaque as seguintes
medidas:

 Só é possível a deposição deste tipo de resíduos em aterro após operação de triagem;


 É estabelecida uma taxa de deposição em aterro de dois euros por cada tonelada;
33
 Nas empreitadas de obras públicas é necessário executar um plano de prevenção e
gestão de RCD.

3.6 Materiais obtidos a partir de fontes renováveis

A utilização de materiais provenientes de fontes renováveis na indústria da construção contribui


de forma inequívoca para a sustentabilidade desta indústria. Incluem-se neste conjunto
materiais como a madeira ou o bambu, desde que o ritmo de renovação destas espécies seja
superior ao ritmo do seu consumo pela indústria da construção. [29]
Porém, esta questão não pode ser tomada de forma absoluta, é necessário ter presente que
nem todas as situações envolvendo o uso de madeiras ou outras espécies vegetais estão
isentas de qualquer impacte ambiental. Neste caso estão as madeiras que tenham elevados
impactes ambientais devido ao seu transporte a longas distâncias ou aquelas que usem
elevadas quantidades de fertilizantes, pesticidas ou fungicidas ou, ainda, que impliquem a
destruição de ecossistemas durante a fase de crescimento. [30]

3.7 Materiais duráveis

Quanto mais durável for um material, maior será também a sua vida útil e por consequência
menor será o seu impacte ambiental.
Esta noção é bem expressa por Mora [31], quando refere, como exemplo, que se se
aumentasse a durabilidade do betão de 50 para 500 anos, isso reflectir-se-ia numa redução do
seu impacte ambiental de um factor de 10 vezes.
Durante a fase de processamento dos materiais, os consumos energéticos são elevados,
portanto um material que seja durável ou que tenha menores necessidades de manutenção,
contribui, em geral, para uma poupança de energia. De igual modo, materiais mais duráveis
contribuem também para a diminuição dos problemas relacionados com a produção de
resíduos sólidos.
É, assim, evidente que os materiais de baixa durabilidade impliquem frequentes operações de
conservação, reabilitação ou mesmo substituição integral, consumindo materiais e energia.
Assim sendo, poderá ser mais vantajoso, em termos ambientais, um material de elevada
energia incorporada mas com uma elevada durabilidade comparativamente a um material com
uma menor energia incorporada mas com uma durabilidade bastante menor.
Embora a utilização de materiais reciclados ou materiais obtidos a partir de resíduos de outras
indústrias constitua um bom critério na procura de maior sustentabilidade, deve ser estudada a
possibilidade da durabilidade desses materiais sair afectada, reduzindo ou mesmo anulando a
aparente vantagem ambiental.

34
O betão armado surge, hoje em dia, como o material de construção mais utilizado na
construção em Portugal. No entanto, este material, que de início se julgava económico e
eterno, revela uma durabilidade limitada e muito dependente de onerosas intervenções de
manutenção e reabilitação. Na realidade, são inúmeros os casos de deterioração precoce de
estruturas de betão armado (Figura 3.3).

Figura 3.3 – Destacamento da camada de recobrimento em viga de betão devido à formação de produtos
de corrosão

A durabilidade deste material deve-se muito ao facto do material ligante (cimento Portland)
apresentar uma elevada quantidade de cal, facilmente susceptível de ataque químico, pelo que
a utilização de betões com materiais pozolânicos é um passo fundamental para o aumento da
durabilidade dos betões correntes. Também a utilização de ligantes alternativos ao cimento
Portland com uma durabilidade superior à deste material, como é o caso dos ligantes activados
alcalinamente, constitui um passo no sentido da sustentabilidade da construção [23].
Hoje em dia, projecta-se dando maior importância à resistência dos materiais em detrimento da
sua durabilidade. Esta situação deve mudar, ambos os aspectos devem ser conciliados, pois
com pequenos investimentos nas fases de concepção e construção é possível alargar bastante
o ciclo de vida dos edifícios. Neste sentido, devem utilizar-se materiais de construção e
sistemas construtivos que sejam duráveis, não esquecendo que as construções devem ser
flexíveis de forma a permitirem ajustes a novas utilizações. Quanto maior for o ciclo de vida de
um edifício, maior vai ser o período de tempo, durante o qual, os impactes ambientais
produzidos durante a fase de construção serão amortizados.

3.8 Análise de ciclo de vida

A análise de ciclo de vida (ACV), conhecida internacionalmente por Life Cycle Assessment
(LCA), é uma metodologia de avaliação dos impactes ambientais causados por um
35
determinado material ou produto durante todo o seu ciclo de vida. Esta metodologia foi utilizada
primeiramente nos Estados Unidos em 1990.
A análise de ciclo de vida “inclui o ciclo de vida completo do produto, processo ou actividade,
ou seja, a extracção e o processamento de matérias-primas, a fabricação, o transporte e a
distribuição, a utilização, a manutenção, a reciclagem, a reutilização e a deposição final” [32].
Internacionalmente, a aplicação de análises de ciclo de vida encontra-se regulamentada, desde
1996, pelas normas ISO 14040, ISO 14041, ISO 14042 e ISO 14043. Porém, as ACV possuem
um grande inconveniente, o de implicarem a existência de vastas quantidades de dados sobre
os impactes ambientais dos materiais em cada uma das fases do seu ciclo de vida.
As metodologias de ACV têm como base diversas categorias de impactes, cada qual com o
seu peso. É, portanto, compreensível que as ponderações das categorias de impacte possam
variar consoante a realidade ambiental de cada país.
As categorias de impactes ambientais habitualmente utilizadas para as ACV podem abranger
as seguintes:

 Consumo de recursos não renováveis;


 Consumo de água;
 Potencial de aquecimento global;
 Potencial de redução de camada de ozono;
 Potencial de eutrofização;
 Potencial de acidificação;
 Potencial de formação de smog;
 Toxicidade humana;
 Toxicidade ecológica;
 Produção de resíduos;
 Uso de terra;
 Poluição do ar;
 Alteração de habitats.

Actualmente, existem diversas ferramentas informáticas que utilizam a ACV e que permitem
fazer uma avaliação do impacte ambiental de produtos e materiais de construção (Quadro 3.8):

Quadro 3.8 - Ferramentas para ACV de materiais e produtos

Ferramenta BEES BRE. Envest ATHENA ECO-QUANTUM


EcoCalculator
for assemblies

País EUA R. Unido Canadá Holanda

A aplicação de ACV ao sector da construção e aos materiais de construção, em particular,


exige a existência de um levantamento exaustivo dos impactes ambientais desses mesmos
36
materiais ao longo do seu ciclo de vida e a nível local, já que estes dados dificilmente podem
ser extrapolados a partir de estudos realizados noutros países, por diferenças óbvias que se
prendem com diferentes contextos tecnológicos e económicos.

37
4 SISTEMAS CONSTRUTIVOS

Depois de se ter abordado a sustentabilidade dos materiais de construção e sabendo que a


selecção destes constitui um factor de grande importância para a sustentabilidade da
construção, no presente capítulo, estudam-se dois tipos de sistemas construtivos – os sistemas
construtivos em terra e os sistemas construtivos em estruturas de aço leve - que se considera
poderem ter um contributo positivo na abordagem da sustentabilidade no sector da construção
nacional.
Para melhor contextualizar as potencialidades de ambos os sistemas construtivos considerou-
se necessário, realizar uma análise da sua sustentabilidade ao longo do ciclo de vida de um
edifício, através da nomeação dos atributos dos sistemas nas diversas fases – concepção,
construção, operação e fim-de-vida.
Não se pretende um estudo exaustivo, pois esse seria extremamente complexo e moroso, por
implicar a existência de vastas quantidades de dados acerca dos impactes ambientais dos
materiais e a utilização de metodologias adequadas para quantificá-los, mas antes uma
abordagem qualitativa que permita sumariar as principais vantagens destes sistemas, sob o
ponto de vista dos materiais empregues, numa perspectiva de análise de ciclo de vida de um
edifício.
Considerou-se igualmente importante listar as principais limitações de cada um dos sistemas
construtivos abordados, já que não se deverá esquecer que todos os sistemas possuem as
suas limitações. É necessário, portanto, pesar pontos fortes e pontos fracos, tendo em conta a
função que determinada construção irá servir e não esquecendo as questões da
sustentabilidade na construção abordadas ao longo desta dissertação, já que este é um
assunto premente.

4.1 Introdução

Como se referiu anteriormente, neste capítulo vão reunir-se alguns exemplos de sistemas
construtivos que se consideram uma alternativa sustentável ao sistema tradicional – estrutura
em betão armado e alvenaria de tijolo cerâmico – considerado neste estudo como a solução de
referência no sector dos edifícios em Portugal.
Entenda-se por sistema construtivo a combinação das soluções construtivas utilizadas na
definição dos principais elementos de construção: pavimentos, paredes e coberturas. Por sua
vez, denomina-se por solução construtiva a combinação de materiais utilizados na
materialização dos diversos elementos de construção de um edifício.
Com a evolução da investigação científica, assistiu-se tanto ao aparecimento de novas
tecnologias construtivas mais compatíveis com o equilíbrio ambiental, como ao reaparecimento

38
de certas tecnologias utilizadas há já muitos milhares de anos e que acabaram por ser
abandonadas na maior parte do globo, como por exemplo, a taipa e o adobe.
De facto, com o evoluir da ciência aplicada à construção, aliada a uma crescente
consciencialização ecológica, o Homem passou a compreender melhor o comportamento de
alguns sistemas construtivos do passado e a corrigi-los de forma a torná-los mais eficientes.
Neste campo destaca-se a tecnologia BTC, que é uma solução relativamente recente.
Os sistemas construtivos em terra – taipa, adobe, e BTC – serão abordados nesta secção.
Em termos de novos sistemas construtivos, focar-se-á um exemplo que é já amplamente
utilizado noutros países, mas que em Portugal é ainda pouco conhecido: o sistema construtivo
em estrutura de aço leve (Light Steel Framing – LSF).
Na selecção dos sistemas construtivos mais adequados é necessário ter em conta alguns
factores importantes [33]:

 Durabilidade das soluções em comparação com a vida útil projectada para o edifício;
 Análise dos custos económicos ao longo do ciclo de vida;
 Consumo energético ao longo do ciclo de vida;
 Impacte ambiental de todos os materiais e componentes de construção utilizados;
 Disponibilidade de materiais e de técnicos e empresas de construção com a adequada
formação para lidarem com a solução construtiva pretendida;
 Requisitos de manutenção;
 Flexibilidade da solução e o seu potencial de reutilização/reciclagem;
 Distância de transporte prevista para cada material e componente.

4.2 Sistemas construtivos em terra

4.2.1 Enquadramento histórico

Desde que o Homem constrói cidades, há cerca de dez mil anos, que existem construções em
terra crua. Este material foi um dos primeiros a ser utilizado pelo Homem na construção das
suas habitações, muito devido à abundância deste recurso na natureza.
Na antiguidade, este material foi largamente utilizado na Mesopotâmia e no Egipto (junto ao rio
Nilo). Foi, também, uma prática construtiva das civilizações Romana e, mais tarde, da
Muçulmana. Na Ásia, a terra foi muito utilizada pelos hindus e monges budistas e, na América,
pelas civilizações Maia e Inca. No continente Africano, a continuidade é assegurada pelas mais
diversas culturas em países como Marrocos, Nigéria, Mali ou Gana. [34]
Ao contrário do que se possa supor, a terra não foi apenas utilizada em edificações de
pequena escala, como habitações, mas também na construção de edifícios de maior escala,
como monumentos de grande importância militar e religiosa. Exemplos disso são grandes
troços da Muralha da China (Figura 4.1), o palácio de Potala no Tibete (Figura 4.2), as

39
pirâmides de Saqqarah no Egipto ou as ruínas de Chan Chan no Peru, com uma superfície de
2
14 km .

Figura 4.1 - Troço da Grande Muralha da China construído em taipa

Figura 4.2 - Palácio de Potala (Lhasa, Tibete)

A primeira cidade da história foi edificada em Jericó, na Palestina. As casas foram construídas
em terra e a cidade rodeada por uma muralha maciça, erguida em blocos de terra [34]. Foi, de
facto, no Médio-Oriente que teve origem a construção em terra crua, bem como o conceito de
cidade.
Na Mesopotâmia, as planícies aluvionares junto aos rios Tigre e Eufrates, ricas em depósitos
de argila, eram uma excelente fonte de matéria-prima para este tipo de construção.
Entre as construções mais antigas com uso de terra, está também o Povoado de Taos, no
estado do Novo México, que foi erguido entre 1000 e 1500 D.C., com paredes de argila seca
ao sol e reforçada com fibras vegetais (Figura 4.3). [35]

40
Figura 4.3 - Edificações em terra (Taos, Novo México)

Efectivamente, são muitas as cidades que, hoje em dia, testemunham ainda o uso ancestral da
terra. Exemplo disso é a cidade histórica de Shibam, no Iémen, que ainda hoje é habitada e
teve origem no século III, embora a maioria dos edifícios que persistiram até hoje sejam do
século XVI (Figura 4.4). A cidade possui as mais altas construções do mundo erigidas em terra
crua, sendo constituída por edifícios que possuem entre 5 e 11 andares. Estes são construídos
com paredes exteriores em adobe cuja espessura vai diminuindo em altura para aligeirar o seu
peso e melhorar a estabilidade. [35]

Figura 4.4 - Construções em terra na cidade de Shibam, Iémen

Na Europa, as habitações rurais em terra fazem parte da paisagem de vários países, tais
como: Dinamarca, Suécia, Inglaterra, Alemanha, França, Espanha e Portugal. Foi com o
Império Romano que se deu uma enorme expansão da construção em terra pela Europa.
Já na Península Ibérica, a construção em terra surge por influência de diversos povos, não só
os Romanos, mas também os Fenícios, Cartagineses e, principalmente, pelos Muçulmanos. De
facto, foram estes últimos que mais divulgaram este tipo de construção, existindo ainda alguns

41
exemplos de arquitectura militar islâmica em taipa no nosso país, como o Castelo de Paderne
ou o de Silves (taipa forrada a pedra vermelha grés). [35]
Em Portugal, a construção em terra data de há várias centenas de anos. Contudo, no início do
século XX este tipo de construção sofreu um declínio, dando lugar à construção em tijolo de
barro cozido. Já no final do mesmo século, assiste-se ao início de um movimento edificatório
no Sul do país com o fim de retomar as técnicas ancestrais da construção em terra crua.
Actualmente, podem ainda observar-se espalhados por quase todo o território nacional, vários
edifícios antigos que ilustram as diversas técnicas tradicionais de construção em terra.
Na zona do Alentejo e Algarve, ainda hoje se podem encontrar exemplares construídos em
taipa (Figura 4.5a), técnica que consiste na execução de paredes auto-portantes in situ.
Já na zona Centro do país, numa faixa que se estende de Sul para Norte e que abarca os
distritos de Setúbal, Évora, Portalegre, Santarém, Leiria, Coimbra e Aveiro, predominam os
edifícios de paredes construídas com recurso a blocos de terra (adobe) (Figura 4.5b).
A Norte do país, na zona das Beiras (Alta e Baixa), Trás-os-Montes e entre Douro e Minho,
encontram-se com maior incidência exemplares da construção em tabique, em que as paredes
dos edifícios são constituídas por um engradado de madeira e preenchidas por terra (Figura
4.5c).

Figura 4.5 - Distribuição geográfica das construções tradicionais Portuguesas em terra: a) Taipa; b)
Adobe; c) Tabique [36]

Na actualidade, estima-se que cerca de 50% da população mundial vive em habitações feitas
com terra crua, algo como 3.000 milhões de pessoas. [35]
Em síntese e de modo a permitir uma visualização mais abrangente da expansão e distribuição
da construção de terra a nível mundial, apresenta-se a Figura 4.6.

42
Figura 4.6 – Mapa-mundo – Zonas com elevada densidade de construção em terra [35]

Hoje em dia, a tradição da construção em terra crua mantém-se em cidades de África e Médio
Oriente, onde se encontram, por exemplo, Kano na Nigéria, Tombouctou no Mali ou Shibam no
Iémen (como atrás já foi referido). [34]

4.2.2 O material

A escolha da matéria-prima é o factor que mais influencia o sucesso da construção em terra,


independentemente da técnica a utilizar. Através de procedimentos simples é possível
conhecer a granulometria de determinada terra e aferir sobre a sua adequabilidade para a
construção. A escolha da terra prende-se essencialmente com dois factores: o seu
comportamento face à água e a sua resistência mecânica (sendo o segundo aspecto
influenciado pelo primeiro). [37]
Em termos gerais, os solos consistem em fases de matéria orgânica (plantas e animais em
decomposição) e em fases que resultam da desagregação de rochas em virtude da acção dos
agentes físicos, químicos e biológicos. Contudo, o material utilizado como matéria-prima na
construção em terra consiste somente na fase mineral dos solos. Esta fase é constituída por
partículas minerais de tamanho variável, nomeadamente, argilas, siltes e material arenoso, as
quais se encontram misturadas entre si também em proporções variáveis.
A definição da estrutura da terra depende da forma como as partículas se agregam e de como
a água e o ar circulam. A parte mineral da terra é constituída por elementos estáveis (saibro e
siltes), os quais conferem resistência mecânica, e elementos instáveis (partículas de diâmetro
inferior a 2µ), sendo o principal elemento as argilas, que conferem plasticidade e coesão à
terra. [37]
De um modo geral, o estudo da granulometria permite definir a composição da terra. Este
estudo, para além de servir de base à escolha da técnica construtiva a utilizar, permite saber
como corrigir a curva granulométrica e a composição do solo através da adição de elementos –
estabilização.
A estabilização tem como principais objectivos os seguintes: obter um melhor comportamento
mecânico, obter uma melhor coesão, reduzir a porosidade e as variações de volume, melhorar
43
a resistência à erosão do vento e da chuva, reduzir a abrasão da superfície e impermeabilizar.
[37]
Os métodos de estabilização mais utilizados consistem na [37]:

 Densificação da terra por compressão;


 Inclusão de armaduras de fibras;
 Adição de cimento, cal ou betume.

No método de estabilização pela adição de fibras, a palha continua a ser hoje em dia a fibra
mais utilizada. No entanto, são também utilizadas redes de fibra de vidro ou aço.
A utilização de fibras permite diminuir e evitar a fissuração nos processos de secagem das
paredes, permitindo distribuir as tensões de retracção da argila por toda a massa. A utilização
da palha, em específico, permite diminuir a massa volúmica do material e aumentar a
resistência mecânica. No entanto, a palha apresenta a desvantagem de se degradar quando
exposta por períodos prolongados a ambientes húmidos.
Hoje em dia, o cimento é o estabilizante mais utilizado. A adição de cimento à terra apresenta
duas reacções principais: a aglomeração das partículas estáveis e uma reacção com a argila,
tornando-a mais estável.
No que diz respeito à adição de cal, a reacção pozolânica é a principal de várias reacções que
esta estabelece com a terra. Verifica-se uma dissolução dos minerais argilosos num ambiente
alcalino, produzido pela cal e a combinação da sílica e do alumínio das argilas com o cálcio,
para formar silicatos de alumínio e cálcio, que aglutinam as partículas. [37]
A utilização de betume pode ser feita através da mistura com solventes, disperso numa
emulsão ou aquecido. O betume aumenta a resistência da terra à água, melhorando a coesão
de solos pouco colantes. Para uma distribuição eficaz e homogénea do betume, é necessária
muita água, pelo que o adobe é a técnica que mais convém a este material de estabilização.

4.2.3 Principais técnicas construtivas utilizadas

As técnicas de construção em terra podem ser divididas em três grandes grupos:

 Monolítica (in situ);


 Por unidades (alvenaria);
 Por enchimento e revestimento.

A construção monolítica pode ser executada de variadas formas. A taipa, por exemplo, a
técnica mais conhecida em Portugal, consiste basicamente na execução de grandes blocos de
terra moldada in situ, compactada com pisões, dentro de cofragens de madeira (taipal).

44
Quanto à construção por unidades, ou seja, a execução de paredes em alvenaria de terra, são
utilizados diferentes tipos de unidades pré-fabricadas, como o adobe, o bloco de terra
comprimido (BTC), os blocos de terra recortada ou terra extrudida.
O adobe é um bloco produzido mediante a moldagem de terra plástica, por um processo de
fabrico manual ou mecânico, que é depois seco ao sol.
Já o BTC produz-se pela prensagem da terra no seu estado húmido, podendo ter um processo
de fabrico mecânico ou hidráulico.
Por último, entre as técnicas de construção por enchimento e revestimento encontra-se o
tabique, também designada por taipa de mão, pau-a-pique ou barro armado no Brasil, torchis
em França, ou por wattle and daub no Reino Unido. Esta técnica consiste na execução de um
engradado de madeira, cana ou vime, que é preenchido com terra argilosa, podendo conter
fibras vegetais (Figura 4.7).

Figura 4.7 - Paredes de terra sobre engradado de madeira (tabique)

A construção em terra recorre actualmente a uma grande variedade de técnicas, desde as mais
rudimentares até aos procedimentos mais sofisticados, industriais, mecanizados e
automatizados.
Os parâmetros de produção têm uma influência considerável na qualidade do produto, sobre os
rendimentos e sobre a economia da solução. A optimização da produção pode ser decisiva
para a aceitabilidade e fiabilidade económica do produto.
Actualmente, são empregues essencialmente três técnicas construtivas em terra: a taipa, o
adobe e o BTC, as quais se irão abordar nos capítulos seguintes.

4.2.3.1 Taipa

A taipa consiste na construção de paredes monolíticas de aproximadamente 50 cm de


espessura com terra húmida, através de um processo de compactação realizado entre dois
painéis de cofragem que são removidos após a secagem da terra (Figura 4.8).

45
Esta técnica, também designada por pisé em França e tapial em Espanha, encontra-se
disseminada a nível mundial e muitas dessas construções já fazem parte do património
mundial da UNESCO.

Figura 4.8 - Construção de paredes em taipa

Este método requer pouca quantidade de água e por essa razão esta técnica encontra-se com
mais frequência em regiões secas, onde a água não abunda.
Na sua utilização tradicional, este processo implicava prazos de obra muito longos.
Actualmente, o processo agilizou-se através da aplicação de cofragens metálicas deslizantes e
sistemas mecânicos de compactação da terra. Para este processo, recorre-se quase sempre a
adições de cimento ou cal à terra.
Esta forma de construir exige alguma perícia e formação na área, uma vez que são
necessários alguns cuidados. As principais dificuldades estão em reunir uma terra adequada e
garantir boas condições de humidificação, para obter uma compactação eficaz.
Nesta técnica, a terra é colocada nas paredes em camadas sucessivas de cerca de 60 cm de
altura e 2 m de comprimento. Em geral, as fundações tradicionais eram executadas em
alvenaria de pedra, de forma a evitar a ascensão de humidade nas paredes de taipa.
Actualmente, este processo tradicional ainda se aplica em pequenas obras. A compactação da
terra é realizada em camadas de aproximadamente 10 cm, até se preencher todo o taipal,
sendo este posteriormente removido e recolocado para a camada seguinte.
Na Figura 4.9 apresenta-se um taipal tradicional constituído por dois taipais laterais, duas
comportas e quatro costeiros que junto com as agulhas fazem o travamento do molde.

46
Taipal

Comporta

Costeiros

Figura 4.9 - Taipal tradicional [38]

É fundamental garantir que os elementos de cofragem tenham uma elevada rigidez de forma a
suportar tensões elevadas, bem como os impactos de vibração da compactação. Também
neste processo, à semelhança da descofragem de paredes de betão, pode utilizar-se um óleo
descofrante na face interior dos painéis.
Outra fase crucial do processo de construção em taipa diz respeito à compactação. Esta
operação é realizada manualmente com recurso a pilões, também designados por maços ou
malhos. Embora os equipamentos utilizados variem muito de país para país, considera-se
como peso óptimo para uma ferramenta de compactação cerca de 5 a 9 Kg [38]. Este processo
de apiloamento requer rapidez para que a compactação seja realizada com a terra na
humidade correcta de maneira a obter a coesão desejada (Figura 4.10).

Figura 4.10 – Diferentes tipos de pilões ou maços utilizados na taipa tradicional [38]

Os autores Maniatidis e Walker [39] referem que apesar da actividade de compactação ser
3
muito morosa, uma equipa de 3 trabalhadores pode executar 1,5 a 3 m de taipa diariamente
com recurso a compactação manual.
Tradicionalmente, a construção em taipa obedecia a um ciclo que se relacionava com as
estações do ano. Assim, a construção iniciava-se na Primavera. Durante o Verão a terra
secava, adquirindo maior dureza. No Outono e Inverno, os agregados de maior dimensão
“migravam” para junto da parede exterior, por acção da chuva, produzindo uma superfície com

47
boa aderência para o reboco, que só era executado na Primavera seguinte, junto com a
caiação, ou conferindo esta última, por si só, uma boa protecção da parede. [37]
Hoje em dia, através das novas tecnologias, já é possível agilizar todo o processo da
construção em taipa, num processo a que se dá o nome de taipa mecanizada. Esta técnica
difere da taipa tradicional apenas na qualidade e dimensões da cofragem e no meio de
compactação.
No processo actual (taipa mecanizada), é prática comum recorrer-se a painéis de cofragem
deslizantes, painéis integrais e, no caso da parede ficar oculta, também se podem utilizar
sistemas de cofragem perdidos.
A escolha dos materiais para a cofragem e dimensões dependem da textura que se pretende
obter na parede de taipa, utilizando-se hoje em dia cofragens de diversos materiais, tais como
contraplacado, alumínio, aço e fibra de vidro (Figura 4.11).

Figura 4.11 - Construção em taipa com cofragens metálicas, Austrália [39]

Relativamente ao processo de compactação, actualmente utiliza-se a compactação


mecanizada por impacto, através de compressores pneumáticos de peso reduzido – até 15Kg,
(Figura 4.12) e por vibração, através de placas vibratórias.

48
Figura 4.12 - Compactação de terra por meios mecânicos (compressor pneumático) [40]

A terra utilizada na taipa é normalmente arenosa, rica em pedras e pouco argilosa. A terra
depositada em zonas aluvionares é habitualmente aproveitada para as paredes em taipa.
Muitas vezes, para aumentar a resistência mecânica à tracção da terra, é adicionada uma fibra
vegetal (palha) ou sintética, como se referiu anteriormente. A argila funciona como elemento
aglutinador, a areia confere rigidez à estrutura e a gravilha proporciona resistência mecânica.
Em termos gerais, a granulometria de uma terra destinada a taipa deve conter,
aproximadamente [41]:

Argila: 15-25%;
Silte: 20-35%;
Areia: 40-50%;
Gravilha: 0-15%.

Normalmente, só deve ser preparada a terra que se vai utilizar diariamente, de forma a evitar
que a terra esteja susceptível a uma humidificação excessiva durante a noite ou à chuva.

4.2.3.2 Adobe

O adobe é uma técnica de construção de paredes com tijolos maciços de terra crua,
preparados em moldes e secos ao sol. Esta é uma das técnicas mais antigas de construção em
terra, permitindo além da construção de paredes, a edificação de arcos, abóbadas e cúpulas.
O termo adobe deriva do árabe attob que significa tijolo seco ao sol. Esta técnica foi
implementada na Península Ibérica aquando da ocupação árabe.
Esta técnica consiste na moldagem de pequenos blocos, normalmente utilizando moldes em
madeira, desmoldados ainda no estado fresco e colocados a secar à temperatura ambiente
(Figura 4.13).

49
Figura 4.13 - Produção manual de adobes [38]

As dimensões e formatos dos blocos de adobe são diversas, podendo ser fabricados blocos
simples ou com encaixe do tipo macho-fêmea para melhorar o travamento da parede.
Para o fabrico dos blocos de adobe, a terra é misturada com água e, por vezes, reforçada com
fibras vegetais (geralmente palha) ou sintéticas, de forma a obter um bloco consistente.
Esta forma de construir é muito semelhante à colocação do tijolo convencional formando uma
alvenaria. O assentamento dos adobes realiza-se com argamassas à base de terra de forma a
obter um melhor comportamento de conexão entre os materiais, mantendo assim o mesmo
nível de retracção e evitando o aparecimento de fissuras ou destacamento do material.
Actualmente, à semelhança do que se verifica no caso da taipa, também a construção em
adobe faz uso da tecnologia actual utilizando máquinas semelhantes às agrícolas, o que
permite um fabrico mecanizado e mais rápido dos blocos (Figura 4.14).

Figura 4.14 - Produção mecânica de adobes [34]

A composição da terra é um aspecto fundamental. Não se devem utilizar solos com argilas
expansivas. As terras utilizadas no fabrico dos adobes podem ter maior teor em argila do que
no caso da taipa. De seguida indica-se a composição granulométrica de referência da terra
destinada a incorporar blocos de adobe [42]:

Argila: 15-18%;

50
Silte: 10-28%;
Areia: 55-75%.

4.2.3.3 BTC

O BTC – bloco de terra comprimido – é um dos métodos de construção em terra mais utilizados
actualmente. Esta técnica surge de uma evolução do adobe por estabilização do solo através
de meios mecânicos, consistindo da prensagem do solo confinado num molde, o que permite
obter blocos de terra prensada com melhores características que os blocos de adobe.
Efectivamente, quando comparados com os blocos tradicionais de adobe, os blocos de BTC
têm formas e dimensões mais regulares e densidades superiores, oferecendo assim uma
melhor resistência à compressão, bem como a resistência à erosão e à degradação através do
contacto com a água.
Esta é uma técnica relativamente recente, desenvolvida nos anos 50, no âmbito de um
programa de pesquisa sobre habitação rural na Colômbia [37]. Nesse mesmo âmbito, foi
desenvolvida, pelo Engenheiro Raul Ramirez, a primeira prensa manual para compactar blocos
de terra, denominada prensa CINVA-Ram. Na Figura 4.15 pode observar-se a execução de um
BTC com a prensa CINVA-Ram.

51
a) b)

d)

c)

Figura 4.15 - Execução de BTC com a prensa CINVA-Ram: a) Enchimento da câmara com terra; b)
confinamento da mistura; c) elevação do BTC; d) retirada do BTC [35]

Estes blocos compactados com recurso a prensas manuais requerem mais mão-de-obra e
tempo de fabrico. Por outro lado, têm a vantagem de ser mais económicos em termos de
consumo energético e facilidade de transporte para o local de obra.
Actualmente existe equipamento adaptado a diferentes escalas de produção, os blocos de BTC
são produzidos tanto em pequenas oficinas locais, para a execução de uma obra específica,
como em produções semi-industriais e industriais. Como tal, além da prensa manual, pode
ainda ser utilizada uma prensa hidráulica.
O bloco de terra compactado em prensa hidráulica não requer força manual, tornando-se num
processo de fabrico mais rápido, sobretudo em máquinas com capacidade de compactar
diversos blocos ao mesmo tempo. Além disso, também torna o processo bastante fiável, uma
vez que não depende tanto do operador.
Estes blocos apresentam resistências mecânicas substancialmente superiores em relação aos
prensados manualmente. Tendo ainda uma maior resistência ao contacto com a água uma vez
que existe uma menor quantidade de vazios. [35]
As prensas hidráulicas podem ser fixas ou móveis (Figura 4.16). Estas últimas permitem uma
maior mobilidade, podendo os blocos ser executados no local da obra à semelhança das
prensas manuais, utilizando a terra do local e permitindo uma maior rapidez de fabrico. Assim,

52
é possível atingir-se uma maior sustentabilidade deste tipo de construção, evitando-se o
transporte economicamente desvantajoso dos blocos.

a)

b)
Figura 4.16 - Prensa hidráulica para fabrico de BTC: a) Fixa; b) Móvel [43]

Na construção em BTC, os limites para a constituição do solo não diferem muito dos que se
referiram para o caso do adobe, recomendando-se os seguintes valores [44]:

Argila: 1-20%;
Silte: 10-20%;
Areia: 50-70%.

Este método de construção em terra (BTC) é aquele que implica prazos de construção mais
curtos, pois praticamente não exige tempo de espera entre a produção e a aplicação do
material. A produção pode ser assegurada todo o ano, independentemente das condições
climatéricas. [37]

53
4.2.4 Sustentabilidade da construção em terra

4.2.4.1 Sustentabilidade na fase de concepção

Na fase de concepção é determinante a escolha dos materiais e sistemas construtivos mais


adequados, assim como o planeamento da construção propriamente dita. Desta forma poder-
se-ão reduzir ao mínimo os impactes ambientais associados não só à fase de construção, mas
também a todas as fases do ciclo de vida do edifício. Ao longo deste seu ciclo de vida, os
edifícios contribuem de várias formas para a degradação ambiental. Daí a necessidade de uma
averiguação profunda de todo o processo, analisando-se os efeitos provocados nesse mesmo
percurso.
Sendo a selecção dos materiais um dos factores críticos na concepção sustentável de um
edifício, a terra crua, como material de construção, tem inegáveis vantagens ambientais e pode
ter uma contribuição significativa para uma maior sustentabilidade na construção.
Esta tecnologia baseia-se em técnicas de construção simples, podendo, geralmente, recorrer-
se a mão-de-obra pouco especializada. Não sendo necessário o uso de maquinaria pesada,
mas apenas de ferramentas simples, permite que seja executada pelos próprios utilizadores
finais (autoconstrução), tornando a construção mais económica.

4.2.4.2 Sustentabilidade na fase de construção

A utilização de solo para a construção em terra não pode propriamente considerar-se como a
utilização de um recurso renovável. Contudo, este tipo de construção em muito difere dos
impactes ambientais provocados pela actividade extractiva de materiais para o fabrico de
cimento, para o fabrico de tijolos cerâmicos ou mesmo do aço, os quais produzem grandes
depósitos de escombreiras e lagos de lamas, pois regra geral o solo utilizado na construção em
terra localiza-se imediatamente abaixo da camada de terra vegetal. Efectivamente, a utilização
de solo para a construção em terra envolve em termos gerais e basicamente a remoção da
camada superficial de terra vegetal e não tem impacte significativo em termos energéticos dado
que é uma tarefa que pode ser efectuada manualmente.
Segundo o autor Houben [45], a produção de betão consome cerca de 100 vezes mais energia
que um material natural como a terra.
Como tal, a terra é um material ecológico pois não utiliza recursos escassos, não é poluente e
não carece de processos de transformação da matéria-prima que recorram a meios
energéticos dispendiosos.
Além disso, esta é uma matéria-prima abundante, estando disponível em praticamente todas
as localizações. Isto significa que, em muitos casos, é possível a construção em terra a partir
de solo extraído do próprio local da obra, ou perto, reduzindo-se o consumo de energia e
emissões de gases poluentes causados pelo transporte deste material. Já a utilização de
alvenarias de tijolos cerâmicos ou de betão cuja produção é muito localizada e raramente
54
próximo das zonas de construção dos edifícios de habitação implicam sempre elevadas
distâncias de transporte com os consequentes impactes em termos de emissões de poluentes
gasosos. [35]
No que diz respeito à geração de resíduos, a construção em terra praticamente não gera
resíduos, excepto aqueles decorrentes da utilização de outros materiais. Os desperdícios da
construção em terra (não estabilizados) podem simplesmente ser objecto de deposição no local
da sua extracção sem qualquer perigo ambiental envolvido. Mesmo quando é objecto de
estabilização com cal ou cimento, o solo pode voltar a ser reutilizado neste tipo de construção.
[35]

4.2.4.3 Sustentabilidade na fase de operação

A construção em terra, por utilizar um material natural e, portanto, não tóxico, não está, regra
geral, associada aos efeitos nocivos da contaminação do ar interior com COV’s, pelo que não
apresenta qualquer efeito pernicioso à saúde dos ocupantes destes edifícios.
Uma outra vantagem da construção em terra diz respeito à sua capacidade de regular o nível
de humidade relativa no ar interior. [38]
Arundel et al [46] referem que níveis de humidade relativa acima de 70% são responsáveis
pelo aparecimento de bolores, os quais podem desencadear reacções alérgicas. Valores de
humidade relativa acima de 60% estão associados à presença de ácaros e doenças do foro
asmático [38].
Por outro lado, valores de humidade relativa abaixo de 40% estão ligados ao síndrome dos
“edifícios doentes”, típico de ambientes muito secos. A exposição prolongada a este tipo de
ambiente dá lugar a uma secagem da mucosa respiratória, propiciando o aparecimento de
doenças do foro respiratório como amigdalites, faringites e bronquites. [47]
A partir destas considerações, conclui-se que, para efeitos de saúde humana, o teor de
humidade relativa do ar interior deve manter-se entre 40% e 60%. Sendo que a construção em
terra consegue manter os níveis de humidade relativa neste intervalo. [48]
Em termos de comportamento térmico, a construção em terra é caracterizada por possuir uma
elevada massa por unidade de superfície. Os edifícios que empregam esta tecnologia possuem
assim elevada inércia térmica, o que a torna adequada a zonas climáticas com grandes
amplitudes térmicas. Este facto permite grande economia de energia durante a fase de
operação, já que os edifícios em terra consomem menos energia em aquecimento e
arrefecimento.
Também devido à sua elevada massa, as paredes em terra apresentam-se como um excelente
isolante acústico, o que contribui para o conforto no interior das habitações.
No que respeita ao comportamento ao fogo, o facto da terra crua ser incombustível contribui
para a protecção do ambiente da poluição atmosférica e da desflorestação.
Em termos de durabilidade, a construção em terra é uma tecnologia utilizada há milhares de
anos, existindo exemplos de edifícios com vários séculos de existência, que ainda se
55
encontram em perfeito estado de conservação. De facto, as construções em terra têm uma
elevada durabilidade, desde que devidamente protegidas contra as condições climatéricas
mais severas – por exemplo, devido à porosidade da terra, esta deve ficar protegida da chuva e
não deve ficar exposta a longos períodos de humidificação. É essencial proteger o topo da
parede da humidade da chuva e a sua base da humidade do terreno. Assim sendo, este tipo de
construção necessita de adequada manutenção e conservação.

4.2.4.4 Sustentabilidade na fase de fim-de-vida

Na fase de fim-de-vida os materiais de terra crua podem ser devolvidos à natureza com maior
facilidade do que qualquer outro material. De facto, a terra, quando utilizada sem aditivos, pode
ser reutilizada um número ilimitado de vezes, não constituindo, portanto, um resíduo nocivo
para o ambiente após a sua demolição. Mesmo quando é objecto de estabilização com cal ou
cimento, o solo pode voltar a ser reutilizado neste tipo de construção.

4.2.5 Factores limitadores

O principal inconveniente da construção em terra crua diz respeito à fraca resistência do


material em presença de água, pelo que a sua utilização está mais difundida nas regiões secas
do que nas húmidas. Assim, quando não são tomadas as devidas precauções, as paredes em
terra podem ser facilmente degradáveis pela acção da água.
É possível reduzir a acção da água construindo boas fundações, elevando-as até uma altura
segura, protegendo a construção com uma boa cobertura e protegendo as paredes com um
revestimento uniforme. [49]
O princípio básico de construir em terra é evitar o contacto entre as paredes e o solo. A terra,
mesmo quando estabilizada com cimento, é susceptível à acção da água, a qual diminui a sua
capacidade de resistência. A possibilidade da ascensão de água nas paredes por capilaridade
deve ser prevista e evitada, através das técnicas correntes de construção, como a utilização de
um solo bem compactado e estável, a previsão de sistemas eficazes de drenagem de águas
periféricas e/ou a execução de barreiras de vapor entre a fundação e o início da parede de
terra.
Outro problema da construção em terra é que apresenta fracas resistências mecânicas,
sobretudo a acções horizontais, como é o caso da acção sísmica.
As paredes em terra crua têm uma resistência razoável a esforços de compressão vertical
devido ao peso próprio, no entanto à tracção e à flexão têm uma resistência bastante reduzida.
Esta característica preconiza a importância do reforço destas construções e o conjunto de
definições geométricas que se devem seguir na concepção e reforço destas estruturas. [50]

56
Tendo em conta os padrões de qualidade actuais, a utilização apenas de terra e dos meios
tradicionais é praticamente impossível, sendo necessário recorrer pontualmente ao betão e a
outros materiais correntes.
Uma construção em terra deverá ter em conta as suas limitações e fragilidades durante os
processos de concepção e construção para que possa ter sucesso. Assim, são normalmente
tidos em especial consideração aspectos como [49]:

 Escolha criteriosa do local de implantação;


 Maior cuidado na escolha dos materiais e na produção;
 Para minimizar os efeitos das cargas horizontais, são utilizados determinados padrões
eficazes de aplicação das peças, para garantir uma correcta relação entre as juntas de
fiadas;
 Para edifícios de grande desenvolvimento em planta, as paredes são seccionadas,
para formar vários elementos independentes;
 Escolha de formas e concepção arquitectónica apropriada; a assimetria das formas,
tanto em planta como em elevação, bem como as assimetrias na massa e na rigidez
devem ser evitadas; as plantas devem ser preferencialmente compactas e de formas
quadrangulares ou circulares;
 Execução de uma fundação correcta;
 A espessura mínima das paredes deverá ser aproximadamente de 40 cm e a altura
não deverá exceder 6 vezes a espessura; não devem haver distâncias superiores a 3
m entre dois elementos de ligação verticais; uma parede não deve ter um comprimento
superior a 8 vezes a sua espessura, entre dois contrafortes ou elementos de ligação
verticais;
 Os contrafortes devem ser colocados de forma simétrica e correctamente fundados;
 As armaduras horizontais (varões de aço, varas de madeira ou canas), a existirem,
devem estar dispostas aproximadamente de 50 cm em 50 cm;
 A superfície de aberturas será a estritamente necessária e não deverá exceder 15% a
20% da superfície das paredes;
 A largura de cada abertura será limitada a 35% do comprimento da parede;
 As paredes devem ser ligadas por um lintel de coroamento contínuo, resistente à
tracção e durável;
 Devem ser criados reforços nas zonas dos ângulos;
 As coberturas devem ser o mais leves possível e deve tentar reduzir o mais possível as
cargas sobre as paredes; a cobertura deverá estar bem ligada às paredes.

57
4.3 Sistemas construtivos em estruturas de aço leve – Light Steel
Framing

4.3.1 Enquadramento

O material mais abundantemente utilizado em Portugal na execução da estrutura de edifícios é


o betão armado, como já se referiu anteriormente. Contudo, a produção de betão acarreta
elevados consumos energéticos associados à produção do cimento e dos agregados que o
constituem, bem como a elevada quantidade de recursos naturais exigida nestas operações.
Durante a fase de construção, os trabalhos em betão armado são responsáveis pela geração
de grandes quantidades de resíduos e desperdícios prejudiciais ao ambiente. Por outro lado,
no final do seu ciclo de vida, o betão não apresenta grandes possibilidades de vir a ser
reciclado, já que as operações de demolição e de reciclagem são economicamente muito
dispendiosas graças à elevada complexidade dos processos para separação do aço e do
betão. Estas questões tornam este material incompatível com os desígnios da construção
sustentável.
O caminho no sentido da sustentabilidade da construção é premente e engloba diversas
medidas, passando algumas delas pela utilização de novos materiais e novas tecnologias
construtivas.
Os sistemas construtivos em estruturas de aço leve, que se irão abordar neste capítulo,
surgem como alternativa ao sistema construtivo tradicional na procura de maior
sustentabilidade na construção, através da diminuição do consumo de matérias-primas, da
utilização de materiais de construção mais ecológicos e de um processo construtivo mais
industrializado.
Este sistema construtivo é maioritariamente conhecido por Light Steel Framing (LSF) ou, em
alternativa, Light Gauge Steel Framing (LGSF) e está especialmente vocacionado para a
construção de edifícios de dois ou três pisos, com estrutura em perfis de aço galvanizado de
baixa espessura, resultando num peso total dos elementos estruturais bastante baixo. Daí
advém a designação Light Steel Framing que poderá traduzir-se por estruturas de aço leve.
Efectivamente, a leveza dos perfis de aço galvanizado utilizados no sistema LSF, facilita
enormemente o seu transporte e aplicação.
O aço estrutural, por apresentar uma resistência superior à do betão armado, permite a
execução de elementos estruturais de menor secção, possibilitando a construção de estruturas
mais leves e de maiores dimensões, que consomem menor quantidade de matéria-prima. Além
disso, contrariamente ao betão armado, no final da vida útil das construções, o aço pode ser
facilmente reutilizado ou reciclado. [12]
Este sistema caracteriza-se por um grau superior de industrialização em comparação com a
construção convencional em betão armado, já que grande parte dos elementos construtivos
são produzidos em fábrica e não em estaleiro, o que se traduz em maior rapidez de

58
construção, diminui a quantidade de mão-de-obra e equipamento pesado necessários, melhora
as condições de higiene e segurança em obra e diminui a quantidade de desperdícios.

4.3.2 Constituição

4.3.2.1 Estrutura

Como se referiu anteriormente, o material utilizado na estrutura de uma construção LSF é o


aço galvanizado. Os montantes e vigas utilizados nas construções LSF são obtidos a partir de
chapas de aço galvanizado por imersão em zinco quente.
O processo de produção dos perfis referidos consiste no corte de bobines de chapa de aço em
tiras de menor largura, sendo depois a chapa moldada a frio para a forma desejada através de
processos de quinagem ou perfilagem. Os formatos mais utilizados no sistema LSF são o canal
de abas simples – conhecido por “perfil U” – e o canal de abas compostas – “perfil C” (Figura
4.17).

Figura 4.17 - Perfis "C" utilizados na estrutura de sistemas construtivos LSF [51]

Estas peças variam tanto na secção, como na espessura, consoante o tipo de soluções
adoptadas e as cargas a que o edifício estará sujeito.
Na estrutura das paredes é comum usarem-se perfis com alturas da secção variáveis entre os
80 e os 150 mm, e espessura da chapa compreendida entre os 0,8 e os 2 mm. [52]
Na estrutura das lajes, a altura mínima da secção dos perfis é de 150 mm e a máxima pode
atingir os 300 mm, com espessura da chapa variável entre 1,5 e 4 mm.
Nos sistemas LSF, a ligação dos diversos elementos estruturais é, geralmente, mecânica, feita
por aparafusamento. Outra alternativa é a ligação ser feita por soldadura, a qual implica
maiores tempos de construção e torna mais complexo o desmantelamento do edifício no final
da sua vida útil, pelo que é pouco utilizada.
Os parafusos utilizados na ligação das peças metálicas são de aço galvanizado, auto-
perfurantes e auto-roscantes (Figura 4.18), isto porque os parafusos abrem o seu próprio
orifício no perfil, não sendo necessária furação prévia e, por outro lado, não necessitam de
porca. De igual modo, os materiais que revestem a estrutura, tanto pelo interior, como pelo
exterior, são fixos por parafusos. São utilizados vários géneros de parafusos, consoante o tipo

59
de elementos que se pretendem ligar, diferindo essencialmente em comprimento, espessura,
formato da cabeça e tipo de broca.

Figura 4.18 - Parafuso auto-perfurante e auto-roscante utilizado no sistema LSF [52]

4.3.2.2 Paredes exteriores

As paredes exteriores do sistema LSF são compostas por diversas camadas que
desempenham funções diferentes, de modo a satisfazer as várias exigências – estruturais,
térmicas, acústicas, etc. (Figura 4.19).

2 x Painel de gesso Reboco impermeabilizante


cartonado armado

Lã de rocha Poliestireno expandido (EPS)

INT. EXT.

Painel OSB

Rodapé
Membrana betuminosa
Piso térreo

Viga de fundação

Figura 4.19 - Representação esquemática de uma possível solução construtiva para as paredes
exteriores no sistema LSF [12]

O revestimento exterior das paredes é geralmente efectuado pela utilização de sistemas


4
compósitos de isolamento térmico pelo exterior que actuam simultaneamente como isolamento
térmico e material de revestimento e acabamento.

4
Também conhecido por ETICS – do inglês “External Thermal Insulation Composite Systems”
60
Na Figura 4.20 poderá observar-se, com maior pormenor, uma representação esquemática do
ETICS.

Figura 4.20 – ETICS - Sistema de Revestimento e Isolamento Térmico pelo Exterior [53]

No caso do sistema LSF, o suporte de aplicação do sistema é geralmente constituído por


painéis de OSB – Oriented Strand Board – que, como o próprio nome indica, são painéis
constituídos por fibras de madeira orientadas.
Inicialmente, reveste-se a totalidade dos painéis de OSB com placas de poliestireno expandido
(EPS), por colagem ou aparafusamento. A espessura das placas de EPS varia em função do
nível de protecção térmica pretendido.
Em segundo lugar, aplica-se a camada de base, cuja preparação tem como produto-base uma
pasta idêntica à de colagem – cola pré-preparada disponível no mercado à qual se adiciona
cimento Portland na quantidade de 30% do peso da pasta.
A armadura consiste numa rede metálica ou de fibra de vidro e deverá ficar totalmente
incorporada na camada de base. Esta armadura confere resistência mecânica ao revestimento
e a sua espessura varia consoante o nível de resistência ao impacto pretendido.
Seguidamente, procede-se à aplicação de um primário que se trata de uma pintura opaca, à
base de resinas em solução aquosa, e, cuja função, é regular a absorção e melhorar a
aderência da camada de acabamento.
Por fim, aplica-se uma camada de revestimento plástico espesso (RPE) sob a forma de uma
pasta pronta a aplicar, disponível numa grande variedade de cores e texturas. Este
revestimento possui grande elasticidade, pelo que evita o aparecimento de fissuras, inevitável
num sistema construtivo tradicional.
O revestimento interior das paredes exteriores, tal como o revestimento das paredes interiores,
é realizado através de painéis de gesso cartonado, os quais são aparafusados directamente
sobre a estrutura metálica. O revestimento interior pode, por razões estéticas e termo-
acústicas, ser constituído pela sobreposição de dois ou mais painéis. O gesso cartonado pode
depois receber qualquer tipo de acabamento final, como azulejos ou tinta.
61
A principal vantagem do ETICS reside na eliminação das pontes térmicas, ou seja, fornece um
isolamento integral do edifício, o que impede o ganho ou perda de energia através dos
elementos estruturais, tal como acontece nos pilares de betão ou nos montantes de metal. [52]
Em termos de isolamento sonoro, o facto deste tipo de solução possuir baixa massa torna
praticamente desprezável o efeito de massa da parede na dissipação da energia sonora que é
absorvida pela parede. Assim sendo, o nível de isolamento acústico desejado só é atingido
através da introdução de materiais absorventes de elevadas espessuras, como por exemplo,
mantas ou placas de lã de rocha, lã de vidro ou poliuretano injectado. O material mais utilizado
neste tipo de solução é a lã de rocha.
As mantas ou painéis de lã de rocha são colocados nas cavidades existentes entre os perfis
montantes da estrutura. Este material para além de melhorar o comportamento acústico, é
também isolante térmico, complementando a acção do isolamento térmico pelo exterior
(ETICS).
Entre a lã de rocha e o paramento exterior é colocada uma barreira pára-vapor, geralmente em
papel Kraft. Esta barreira impede que o isolamento térmico humidifique através de infiltrações
de água pelo exterior ou por condensação de vapor de água proveniente do interior, garantindo
assim a durabilidade e o desempenho do isolante. [12]

4.3.2.3 Paredes interiores

As paredes interiores do sistema LSF são do tipo sanduíche, revestidas com painéis de gesso
cartonado em ambas as faces, sendo o seu interior preenchido com material absorvente
acústico, em geral lã de rocha, como se referiu anteriormente (Figura 4.21).

Figura 4.21 - Representação esquemática da solução construtiva das paredes interiores dos sistemas
LSF: 1 – painel de gesso cartonado; 2 – lã de rocha; 3 – estrutura da parede [12]

4.3.2.4 Lajes de piso

Existem várias soluções construtivas para as lajes de piso. Estas relacionam-se com o tipo de
revestimento estrutural e o tipo de perfis estruturais utilizados – neste caso, perfis C - que
62
poderão ser laminados caso a laje esteja sujeita a sobrecargas significativas. Na Figura 4.22
podem observar-se duas possíveis soluções construtivas para as lajes de piso.

Figura 4.22 - Representação esquemática de laje do sistema LSF. a) com revestimento estrutural em
painéis OSB; b) com revestimento estrutural em chapas de cofragem colaborante [12]

Em geral, o revestimento estrutural das lajes de piso é realizado através de painéis de OSB,
podendo, em alternativa, optar-se pela aplicação de painéis de aglomerado de madeira e
cimento ou painéis metálicos de cofragem colaborante com laje de betão armado de pequena
espessura. Esta última solução, apesar de apresentar um fraco potencial em termos de
reutilização e reciclagem dos materiais utilizados, é aquela que tende a ser mais eficaz em
termos térmicos, especialmente em zonas climáticas de grande amplitude térmica, já que a sua
superior massa produz um impacto positivo na inércia térmica deste tipo de construção –
normalmente baixa. [12] Sobre o revestimento estrutural pode ser aplicado qualquer tipo de
pavimento/acabamento.
O revestimento estrutural, na face inferior da laje (tecto), é, geralmente, executado através de
painéis de gesso cartonado.
O comportamento térmico e acústico da laje pode ser melhorado através da interposição de
mantas de lã de rocha nas cavidades entre os perfis, ou seja, entre o tecto e o revestimento
estrutural superior.

4.3.2.5 Cobertura

Existem variadíssimos processos construtivos para a construção das coberturas, podendo


efectuar-se coberturas planas ou inclinadas.
A solução para a construção de coberturas planas é estruturalmente semelhante à solução
empregue para as lajes de piso, sendo neste caso necessário reforçar o isolamento térmico e
garantir a impermeabilização da mesma. Assim, sobre o revestimento estrutural – constituído
por painéis de OSB – é aplicada uma barreira pára-vapor, seguida da aplicação de um
isolamento térmico – constituído por placas de poliestireno expandido moldado, EPS – e, por

63
fim, a solução de impermeabilização, geralmente uma tela de PVC com fixação mecânica e
vulcanização [53].
Na cobertura inclinada, a estrutura é composta por asnas de aço galvanizado. A
impermeabilização da cobertura pode ser efectuada pela aplicação de telha cerâmica, metálica,
asfáltica, PVC, entre outros. No caso de se optar pela aplicação da telha cerâmica, a
impermeabilização deve ser reforçada através da aplicação de uma sub-telha ou, em
alternativa, telas de impermeabilização. O tecto é suspenso e realizado por painéis de gesso
cartonado, sobre os quais assenta a solução de isolamento térmico, geralmente em lã de
rocha.

4.3.3 Processo construtivo LSF

4.3.3.1 Fundações

As fundações, neste sistema construtivo, são realizadas através de processos de construção


convencionais, em betão armado. Estas realizam-se pela construção de vigas de fundação –
um lintel que acompanha a base das paredes de carga do edifício (Figura 4.23) – ou, em
alternativa, por uma solução de ensoleiramento geral.

Figura 4.23 - Aspecto dos trabalhos de fundação [52]

Como o peso de uma construção deste tipo é substancialmente inferior ao de um edifício de


construção tradicional, os trabalhos de fundação são mais ligeiros, já que as fundações estão
sujeitas a cargas menores.
No caso da existência de cave enterrada, a solução passa por construir muros de suporte em
betão armado, tal como na construção tradicional.

4.3.3.2 Estrutura

Após a conclusão dos trabalhos de fundação, inicia-se a construção da estrutura. Apesar da


estrutura de um edifício construído com o sistema LSF ser constituída por diversos elementos
pré-fabricados, esta não se trata de uma estrutura pré-fabricada. Da mesma forma que um

64
edifício convencional é construído com blocos de alvenaria transportados da fábrica para a
obra, também neste caso os perfis metálicos são transportados para a obra, onde
posteriormente são cortados e montados.
As paredes são o elemento de suporte vertical. Para evitar a degradação dos materiais pela
humidade ascensional do terreno, deve-se interpor entre as fundações e as paredes uma tela
betuminosa de impermeabilização. [12]
De seguida procede-se à montagem da estrutura das paredes através da ligação dos vários
elementos que a compõem. A este processo chama-se “painelização”. A painelização é
realizada na horizontal, numa bancada de montagem (Figura 4.24), sendo os painéis
posteriormente colocados em obra e fixados às fundações através de buchas de ancoragem
(Figura 4.25).

Figura 4.24 - Assemblagem dos elementos construtivos [12]

Figura 4.25 - Exemplo de ancoragem entre estrutura metálica e fundação em betão armado [53]

Após a conclusão das paredes de um piso, procede-se à montagem da estrutura da laje do


piso superior. As lajes de piso são constituídas por perfis C, com dimensões superiores aos
perfis das paredes. No caso de vãos de grandes dimensões, a estrutura da laje de piso é

65
realizada viga a viga, aparafusando-as aos perfis das paredes do piso inferior. Quando os vãos
tiverem dimensões relativamente pequenas, pode recorrer-se ao processo de painelização, já
referido para a construção estrutural das paredes.
Em último lugar, realiza-se a estrutura da cobertura. Esta estrutura é, também, totalmente
constituída por elementos metálicos – vigas e/ou asnas. As asnas são montadas na horizontal
em fábrica ou em estaleiro e, posteriormente, colocadas em obra com o espaçamento definido
no projecto. Na Figura 4.26 pode observar-se a sequência de construção de uma cobertura
LSF em asnas.

Figura 4.26 - Sequência de montagem da estrutura da cobertura LSF: a) Montagem da asna, na


horizontal; b) Colocação das asnas em obra [12]

Em comparação com uma solução tradicional de cobertura inclinada, este sistema, mais leve,
permite criar coberturas com as mais diversas formas e tirar partido de vãos maiores.
Concluída, a estrutura de um edifício LSF assemelha-se a uma enorme gaiola de peças
metálicas todas interligadas através de parafusos auto-roscantes (Figura 4.27).

Figura 4.27 - Aspecto final de uma estrutura em LSF [52]

4.3.3.3 Abertura de vãos

Quando a montagem de toda a estrutura do edifício está concluída, procede-se à abertura de


vãos. A abertura de vãos de janela e de vãos de porta é realizada através de processos de
montagem específicos. Na Figura 4.28 pode observar-se a estrutura de uma parede exterior
com abertura de vão de janela.

66
Figura 4.28 - Abertura estrutural de vão de janela em superfície de parede exterior [53]

O processo de abertura de vãos de janela na estrutura previamente executada consiste na


inserção de vigas de cabeceira e de peito, as quais são aparafusadas aos montantes
estruturais das paredes que, por sua vez, são cortados consoante a necessidade, durante este
processo, formando-se, por fim, uma moldura com as dimensões dos vãos.
No caso da abertura de vãos de porta, o processo é semelhante ao da abertura de vãos de
janela, mas procede-se inclusivamente à remoção do perfil guia estrutural inferior de forma a
deixar a área de pavimento livre em toda a largura desse vão.
Após a abertura de vãos ficam concluídos os trabalhos de execução da estrutura metálica,
procedendo-se de seguida ao revestimento dos elementos estruturais, como se verá nos
capítulos seguintes.

4.3.3.4 Revestimento estrutural

Com a estrutura metálica concluída é necessário proceder-se à aplicação do revestimento


estrutural para que haja maior interligação entre todas as peças metálicas que constituem a
estrutura. De facto, não basta que as peças estejam conectadas nas extremidades para que
67
estas funcionem em conjunto. É necessária a colocação de um revestimento que solidarize
todos os elementos estruturais, formando, assim, uma “pele”, horizontal ou vertical, que permite
uma distribuição das cargas mais uniforme. Além disso, o revestimento estrutural serve,
também, de suporte aos materiais de isolamento e acabamento exterior.
Como já se referiu anteriormente, o material mais utilizado para estas funções consiste em
painéis de OSB. Na Figura 4.29 poderá observar-se o aspecto visual de uma construção LSF
nesta fase construtiva de aplicação do revestimento estrutural.

Figura 4.29 - Aspecto visual de uma construção LSF em fase de aplicação de revestimento estrutural
(painéis OSB) [52]

4.3.3.5 Revestimento exterior

Primeiramente, tal como referido anteriormente, realiza-se o revestimento de


impermeabilização da cobertura, de forma a evitar a degradação dos materiais pela acção da
água da chuva.
O primeiro passo consiste em revestir a totalidade dos painéis de OSB com placas de
poliestireno expandido (EPS). Sobre o revestimento térmico aplica-se o reboco armado com
rede de fibra de vidro, tal como se explicou anteriormente.
O aspecto final exterior de um edifício construído com o sistema LSF é aparentemente
indiferenciável de qualquer outro edifício construído convencionalmente (Figura 4.30).

Figura 4.30 - Exemplo de aspecto final de um edifício construído com o sistema LSF [52]

68
4.3.3.6 Revestimento interior

O revestimento do interior das paredes exteriores e das paredes interiores realiza-se através
de painéis de gesso cartonado, que são aparafusados directamente à estrutura metálica.
Geralmente, no revestimento do paramento interior das paredes exteriores sobrepõem-se pelo
menos duas camadas de painéis, enquanto que no revestimento das paredes interiores utiliza-
se apenas uma camada [12].
Antes da colocação dos painéis de gesso cartonado, procede-se ao preenchimento da
cavidade, entre os dois paramentos, com lã de rocha.
As juntas entre os painéis e o local dos parafusos são devidamente tratadas de forma a obter
uma superfície uniforme, sem descontinuidades, ficando pronta para receber qualquer tipo de
revestimento final (pintura, azulejos, papel de parede, etc.).

4.3.4 Sustentabilidade das estruturas metálicas

A construção em aço garante durabilidade, eficiência e capacidade de reciclagem. Estas


propriedades acrescentam-lhe valor como construção sustentável, na medida em que promove
um menor impacte ambiental nas fases de concepção, construção, operação e em fim-de-vida.
Por exemplo, a eficiência dos materiais, o peso relativamente baixo, bem como o grande
potencial de reciclagem das estruturas de aço estão directamente ligados a uma menor
utilização de recursos, menor consumo de energia, menor geração de resíduos, redução das
emissões e menor energia consumida em transporte.
Por outro lado, a boa durabilidade funcional deste tipo de construção traduz-se numa menor
necessidade de reconstrução e, como tal, constitui uma melhoria da sustentabilidade global.
No Quadro 4.1, está listado um resumo dos atributos de sustentabilidade relacionados com o
uso do aço na construção.

Quadro 4.1 - Resumo dos atributos da construção em aço como construção sustentável (adaptado de
[54])

Atributos Descrição

A construção em aço é pré-fabricada através de processos


industriais eficientes com consumo mínimo de recursos, garantindo
Utilidade
um longo ciclo de vida e permitindo a construção de edifícios
flexíveis.

As estruturas de aço são instaladas rapidamente no local da obra, o


Rapidez
que reduz as perturbações na obra.

As estruturas de LSF são leves e, portanto, são eficientes no


Peso
consumo de materiais, energia, transporte e nível de emissões.

69
Atributos Descrição

A construção em aço é muito eficiente em termos do consumo de


Resíduos materiais, reduzindo ao mínimo a geração de resíduos os quais, na
sua maior parte, são recicláveis.

O aço é um material de alto desempenho e dimensionalmente


Desempenho
preciso, sendo produzido com tecnologia avançada.

As componentes das estruturas metálicas são entregues em obra na


Logística altura da sua montagem e podem ser produzidas no próprio local da
obra.

As estruturas de aço têm uma vida útil bastante longa, mantendo-se


Durabilidade
a alta qualidade do material.

A construção em aço é uma construção a “seco”, já que não exige


elevados consumos de água, como é o caso da construção
convencional. Além disso, a construção em aço leve é constituída
Desempenho ambiental
por materiais com baixos níveis de emissões, processos de
construção controlados e seguros e permite uma arquitectura de alta
qualidade.

O aço é 100% reciclável e pode ser infinitamente reciclado sem


Potencial de reciclagem
perda de qualidade. [55]

Os edifícios em aço podem ser desmantelados em fim-de-vida e as


Potencial de reutilização
suas componentes reutilizadas.

Os capítulos seguintes abordam os atributos mais importantes atribuídos a cada fase do ciclo
de vida das construções em LSF.

4.3.4.1 Sustentabilidade na fase de concepção

O projectista tem um papel chave na implementação de uma construção sustentável, já que


uma elevadíssima percentagem do custo de uma construção está associada aos materiais e
técnicas construtivas designadas. [53]
No Quadro 4.2 apresentam-se os atributos em matéria de sustentabilidade do sistema LSF na
fase de concepção.

70
Quadro 4.2 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de concepção (adaptado de [54])

Atributos Descrição

 O aço como material estrutural apresenta uma elevada relação


resistência/peso, o que o torna num material muito eficiente,
minimizando o consumo de material e promovendo, assim, um
menor impacte ambiental global.
Eficiência do material
 Um outro aspecto, relacionado com a eficiência deste material, diz
respeito à menor geração de resíduos em obra devido à precisão
das especificações de projecto em combinação com a elevada
qualidade e durabilidade do aço.

 O consumo de energia operacional é fortemente influenciado pelo


projecto do edifício. As soluções construtivas e os materiais
empregues, têm inegável impacte sobre o nível de sustentabilidade
Eficiência energética deste sistema. Como exemplo, tem-se o conforto térmico
alcançado pela qualidade dos materiais empregues, reflectido
numa redução significativa dos gastos energéticos associados aos
sistemas de ar condicionado e recuperação de calor.

 A construção em aço permite a realização de um projecto adaptado


a todo o ciclo de vida do edifício, incluindo a possibilidade de
"projectar para a reciclagem". A facilidade de montagem de uma
Potencial de reciclagem
estrutura de aço também demonstra a facilidade de projectar para
desmontar, para a reutilização e para a reciclagem das
componentes.

 Dadas as características do aço, em termos de resistência e


ductilidade, as estruturas metálicas permitem a construção de
superfícies com grandes vãos livres, pilares mais esbeltos e
fachadas mais leves. Assim, as estruturas metálicas permitem uma
Flexibilidade
maior liberdade da imaginação na concepção da obra. Ao mesmo
tempo, a existência de espaços amplos, livres de obstáculos
interiores, facilita a alteração ou extensão da estrutura de forma a
adaptar-se a novos requisitos funcionais ou estilos de vida. [55]

4.3.4.2 Sustentabilidade na fase de construção

A industrialização inerente ao sistema LSF permite uma maior eficiência em relação ao tempo,
custo, consumo de materiais e de recursos, sendo este um caminho para a construção
sustentável.
No Quadro 4.3 podem observar-se os atributos sustentáveis do sistema LSF na fase de
construção.

71
Quadro 4.3 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de construção (adaptado de [54])

Atributos Descrição

 De forma geral, as estruturas metálicas são estruturas que implicam a


pré-fabricação, conduzindo desta forma a um processo de construção
mais eficiente, a uma maior rapidez de construção e à minimização
dos riscos e prejuízos da obra e do estaleiro. [55]
Pré-fabricação  A pré-fabricação permite a minimização dos níveis de poluição e de
ruído no estaleiro da obra, contribuindo para um ambiente de trabalho
mais limpo e com maior segurança.
 A pré-fabricação garante uma maior precisão e maior qualidade do
trabalho executado.

 A industrialização inerente ao sistema LSF conduz a uma redução


muito significativa da produção de resíduos. Naturalmente, ocorre um
Resíduos maior controlo nas dimensões e quantidades de material necessário.
 Quaisquer resíduos de aço são recuperados e reciclados em aço
novo.

 A precisão dos trabalhos de construção terá uma influência positiva


sobre o conforto interior e sobre o consumo de energia operacional.
 As estruturas metálicas são construídas rapidamente, poupando
dinheiro – o tempo de construção pode ser reduzido para metade do
tempo necessário para a construção tradicional. [55]
 As componentes das estruturas metálicas são entregues em obra na
altura da sua montagem, minimizando a área de armazenamento no
Eficiência
estaleiro e contribuindo para um estaleiro mais eficiente.
 As estruturas metálicas facilitam a instalação de infra-estruturas tais
como condutas, cabos e outros equipamentos. Facilitam igualmente a
colocação de materiais de isolamento.
 A maior leveza das estruturas metálicas conduz à construção de
fundações mais reduzidas, permitindo a preservação do solo de
fundação e a redução da movimentação de terras.

4.3.4.3 Sustentabilidade na fase de operação

Projectar edifícios para uma vida útil longa e para o mínimo de encargos operacionais são
aspectos-chave da construção sustentável. Como tal, prolongar a vida útil dos edifícios,
utilizando sistemas construtivos baseados no aço, maximiza a valorização do investimento em
recursos financeiros e materiais. A necessidade de recurso a frequentes reconstruções, não só
é um desastre económico, como também é ambientalmente adverso.
No Quadro 4.4 estão listados os atributos sustentáveis do sistema LSF na fase de operação.

72
Quadro 4.4 - Atributos sustentáveis da construção em LSF na fase de operação (adaptado de [54])

Atributos Descrição

 O aço tem um longo ciclo de vida, permitindo amortizar facilmente os


impactes ambientais devidos à sua fase de produção.
Durabilidade  A durabilidade e a resistência do sistema LSF garantem segurança e
funcionalidade de longa duração para os ocupantes do edifício, o que
é uma parte importante da utilização sustentável das construções.

 A manutenção dos edifícios é vital para atingir a longevidade. As


estruturas metálicas têm uma excepcional durabilidade, com pouca
manutenção, salvaguardando os recursos naturais.
 Existe uma grande variedade de revestimentos avançados e
sustentáveis disponíveis para utilizar no sistema LSF. Quando
Manutenção utilizados de acordo com os planos de manutenção recomendados,
estes revestimentos oferecem protecção a longo prazo, resultando
num impacte ambiental reduzido.
 Os materiais utilizados são secos e inorgânicos prevenindo
problemas de humidade e contribuindo para a minimização da
manutenção dos edifícios.

 A energia associada à ocupação dos edifícios, a energia operacional,


é um aspecto-chave do seu desempenho ambiental ao longo do ciclo
de vida. A estrutura em si tem uma influência insignificante sobre a
energia operacional, mas a eficiência térmica da envolvente do
Energia edifício é muito importante. O conforto térmico alcançado pela
qualidade dos materiais empregues no sistema LSF reflecte-se numa
redução significativa dos gastos energéticos operacionais.
 Fontes de energias alternativas e/ou renováveis podem ser
facilmente instaladas e adaptadas às estruturas metálicas.

 A vida útil dos edifícios em aço pode ser alargada através da


adaptação do espaço interior, aumento da estrutura e valorização da
envolvente do edifício.
 As estruturas metálicas podem ser facilmente adaptadas a novos
requisitos funcionais durante o ciclo de vida de um edifício.
 O isolamento térmico e acústico pode ser adaptado a qualquer local
ou requisito funcional.
 No sistema LSF, a instalação de tubagens das infra-estruturas é
Flexibilidade
enormemente facilitada pelo facto de não ser preciso abrir roços, já
que as mesmas atravessam a alma dos perfis, que poderão vir
previamente furados de fábrica. A mesma lógica está associada à
facilidade de manutenção na eventualidade de ocorrerem problemas
com as instalações. [53]
 A reabilitação de edifícios existentes é mais fácil com estruturas
metálicas, conduzindo à preservação dos valores culturais e
históricos.

73
Atributos Descrição

 A envolvente dos edifícios garante um bom isolamento


térmico/acústico e com fluxos de ar controlados, aumentando o
Saúde conforto e as condições sanitárias dos utilizadores.
 A construção em aço é constituída por materiais com baixos níveis de
emissões.

4.3.4.4 Sustentabilidade na fase de fim-de-vida

Nos casos em que não é possível, ou é indesejável, prolongar a vida útil do edifício através da
adaptação ou reabilitação e, portanto, a desconstrução torna-se inevitável, é importante que os
impactes em fim-de-vida sejam minimizados. Esta questão envolve, principalmente, minimizar a
poluição e a geração de resíduos, assim como, garantir que os materiais são recuperados,
reutilizados e reciclados.
No Quadro 4.5 apresentam-se os atributos sustentáveis do sistema LSF na fase de fim-de-vida.

Quadro 4.5 - Atributos sustentáveis da construção em LSF em fim-de-vida (adaptado de [54])

Atributos Descrição

 Os edifícios em aço e os elementos em aço são altamente


desmontáveis. O grande número de estruturas temporárias que
são construídas em aço ilustra esse potencial. Os painéis pré-
Capacidade de
fabricados, elementos e módulos podem ser facilmente
desconstrução
removidos. Um projecto cuidadoso para a desconstrução e
tratamento em fim-de-vida possibilita o armazenamento de
peças para uso futuro.

 O aço é único como material de construção, pois tem a


capacidade de ser reciclado vezes sem fim, sem perder
quaisquer propriedades nem capacidade de desempenho. A
taxa de recuperação para muitos dos produtos de construção
Potencial de reciclagem em aço é actualmente 94-97%, o que constitui um argumento
muito forte para a sustentabilidade da construção em aço. [56]
 A produção de aço a partir de aço reciclado reduz as emissões
de CO2 – em 2006 foram poupadas aproximadamente 894
milhões de toneladas de CO2. [55]

 A reutilização dos elementos de aço oferece uma vantagem


ambiental ainda maior do que a reciclagem, já que não implica
qualquer reprocessamento. O mercado de “segunda-mão”
Potencial de reutilização ainda é pequeno, no entanto existe uma oportunidade
significativa para a crescente reutilização do aço para
construção. Provavelmente, será necessário um certo grau de
normalização destes produtos.

74
4.3.5 Factores limitadores

Um dos inconvenientes do sistema LSF diz respeito à sua fraca inércia térmica e às
consequências que este facto pode ter em termos de desempenho térmico. No entanto, como
já se referiu anteriormente, através da aplicação de materiais de elevada qualidade em
soluções adequadas consegue-se obter um desempenho térmico muito satisfatório.
Outra questão diz respeito às dificuldades em oferecer preços competitivos com os preços
aplicados na construção tradicional, já que é um sistema que ainda se encontra em fase inicial
de implementação. Certamente que um preço reduzido seria um factor aliciante à
experimentação deste sistema.
Por outro lado, verifica-se uma resistência cultural à aplicação de novas soluções construtivas,
não só pelos investidores, como também por parte dos construtores e, ainda, por parte dos
próprios utilizadores finais. Isto deve-se sobretudo à falta informação acerca da tecnologia, ao
risco de não aceitação associado e à falta de mão-de-obra especializada.
A construção rápida e seca efectuada maioritariamente por aparafusamento dos elementos, a
ausência de aplicação de materiais “pesados” e mesmo o som de parede oca que se ouve ao
bater nas paredes interiores, são questões que podem estabelecer uma relação imediata com
soluções “pré-fabricadas” às quais está associada a noção de construção temporária, pouco
durável, efémera, a que os portugueses nunca aderiram. [53]
Em conclusão, o sistema LSF, apesar das suas limitações e dificuldades de implementação no
sector nacional, apresenta grande potencial de resposta às exigências actuais da construção,
como se viu anteriormente através das inúmeras vantagens que caracterizam o sistema.

75
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

5.1 Conclusões

Os desafios ambientais que o Planeta Terra enfrenta são muito graves e a sua solução requer
medidas urgentes e significativas.
O sector da construção, pela magnitude dos seus impactes ambientais, é um daqueles no qual
importa quanto antes agir no sentido de se reduzirem os consumos de materiais e de outros
recursos e de se minimizarem as emissões poluentes e a geração de resíduos.
Como se viu, os materiais de construção podem ter um contributo importante para a
sustentabilidade da indústria da construção. Materiais produzidos a partir de resíduos, não
tóxicos, com elevado nível de reciclagem, mais duráveis, que incorporem menos energia ou
que sejam escolhidos mediante uma análise do seu ciclo de vida, constituem soluções
inequívocas de contributos para uma construção sustentável.
A análise de ciclo de vida, embora seja a forma cientificamente mais adequada para avaliar o
desempenho ambiental de um determinado material, trata-se de uma metodologia muito
morosa e que padece de algumas incertezas, como se referiu no quarto capítulo deste
trabalho. Outra questão de que depende o sucesso da ACV diz respeito à necessidade de
existirem, em cada país, bases de dados exaustivas sobre os impactes ambientais associados
ao fabrico dos diferentes materiais e também aos diferentes processos construtivos. Isto é algo
que dificilmente pode ser extrapolado a partir de estudos realizados noutros países, devido a
diferenças óbvias que se prendem com contextos tecnológicos e económicos.
Após a abordagem da sustentabilidade dos materiais de construção e tendo como base todos
os conceitos abordados nessa óptica, no quinto capítulo desta dissertação, reuniram-se alguns
exemplos de sistemas construtivos que possuem inegáveis vantagens em termos de
sustentabilidade: os sistemas construtivos em terra – a taipa, o adobe e o BTC – e os sistemas
construtivos em estruturas de aço leve – Light Steel Framing.
No que diz respeito à construção em terra, no panorama nacional, ao contrário do que já
acontece noutros países, não tem havido infelizmente um forte movimento em torno da
recuperação destas técnicas ancestrais, o que é um facto bastante contraditório tendo em
conta as condições climatéricas favoráveis de Portugal e o facto deste tipo de construção fazer
parte do património edificado nacional. Contudo, deve referir-se que nos últimos anos se tem já
verificado um interesse crescente pela construção em terra. De facto, denota-se o
aparecimento de uma dinâmica formativa e um interesse das novas gerações de arquitectos
por este tipo de construção, que aliás se explica pelo crescente reconhecimento destas
construções como possuidoras de maior sustentabilidade, apesar de ainda não se encontrar
uma correspondência ao nível do sector da construção civil, se não exemplos pontuais.

76
Ao nível da pesquisa e estudos técnicos e tecnológicos, caminha-se para responder ao desafio
da renovação das técnicas de construção em terra crua, adaptadas às tecnologias e exigências
actuais de funcionalidade, de conforto e de segurança.
As principais técnicas de construção em terra crua evoluíram de uma utilização tradicional,
para passarem a recorrer aos actuais meios tecnológicos, permitindo isto obter melhores
resultados em termos de qualidade do produto final e rapidez dos processos produtivos,
principais factores que ao longo dos tempos acabaram por desmotivar a sua utilização.
Em relação ao adobe e ao BTC, existem hoje máquinas que através de simples processos
mecânicos ou hidráulicos podem permitir uma produção de blocos mais rápida e uniforme, com
custos relativamente baixos.
No caso da taipa, também se assistiram a alterações e melhorias, como a compactação da
terra através de compressores pneumáticos, o que permite maiores densidades e uma maior
uniformidade.
Os processos mecanizados possuem apenas a desvantagem de consumirem mais energia no
processo de fabrico face às técnicas de construção em terra tradicionais, no entanto continua a
ser uma construção vantajosa, mais eco-eficiente e saudável comparativamente à construção
convencional em betão armado.
Por outro lado, a estabilização da terra com cimento e/ou cal é um processo já bem dominado
e conhecido, sendo já utilizado correntemente na construção em terra crua. A utilização de
terra estabilizada poderá ser uma forma eficaz de aumentar a resistência mecânica do material,
assim como a sua resistência à água. Estes, a susceptibilidade à acção da água e a fraca
resistência mecânica, são precisamente os principais problemas da utilização da terra crua na
construção. Além disso, é fundamental para o sucesso deste tipo de construção, uma correcta
utilização da matéria-prima em obra e a adopção de processos construtivos eficazes. Uma
correcta utilização da terra como matéria-prima não dispensará a necessidade de uma
pormenorização minuciosa dos sistemas construtivos.
Neste trabalho, apresentaram-se ainda os atributos sustentáveis da construção em terra ao
longo do ciclo de vida de um edifício, pois se julga importante que esta análise se faça sob uma
perspectiva de abordagem a todas as fases do ciclo de vida de uma construção, como aliás se
abordou no capítulo 4 – “Sustentabilidade dos materiais de construção” – quando se refere a
importância das ACV, já que todas as fases acrescentam impactes ambientais, sociais e
económicos que devem ser cuidadosamente analisados pelos intervenientes.
Como sistema ambientalmente sustentável, a construção em terra apresenta vantagens claras:
os processos produtivos são ambientalmente eficientes, a matéria-prima é reutilizável, baseia-
se em processos simples e pouco dispendiosos em termos energéticos. Neste sentido, a
construção em terra apresenta inegáveis vantagens em relação às técnicas correntes, as quais
implicam processos de reciclagem e reutilização complexos e muito dispendiosos do ponto de
vista energético, podendo por vezes inverter todo o sentido da reciclagem e reutilização.

77
Depois de se abordarem os atributos sustentáveis e as limitações da construção em terra,
considera-se que esta possui vantagens competitivas face à construção corrente que lhe
podem trazer um futuro promissor.
Quanto ao outro sistema construtivo abordado neste trabalho – o sistema construtivo em
estruturas de aço leve (LSF) – como se viu, não são razões tecnológicas que dificultam a sua
implementação no sector da construção nacional, mas sim razões culturais e económico-
financeiras que neste momento impedem o avanço e implementação mais evidente do sistema
LSF em Portugal.
Contudo, as qualidades inerentes ao aço e à construção em aço conferem-lhe todas as
condições para que o mesmo se afirme no sector da construção nacional, principalmente ao
nível de edifícios de pequeno porte, para os quais está vocacionado, oferecendo uma
construção de qualidade.
O sistema LSF apresenta, também, excelente vocação para o segmento da reabilitação, graças
ao baixo peso dos elementos estruturais em aço e dos restantes materiais utilizados. Este
sistema apresenta-se como solução ideal em certas zonas urbanas de difícil acesso, como nos
centros históricos das cidades, devido à utilização de materiais mais leves que facilitam o
transporte e elevação. A elevada relação resistência-peso do aço, muitas vezes elimina a
necessidade de reforçar a estrutura do edifício, tornando-se muitas vezes o LSF na única
alternativa possível para dividir espaços ou acrescentar um novo piso. Além disso, este sistema
não necessita de uma extensa área de estaleiro, pois vem de fábrica pronto a instalar e é
entregue em obra apenas no momento da instalação, resultando assim em menores
perturbações na envolvente da obra, factor determinante em zonas de acessibilidade reduzida.
O sector construtivo nacional atravessa uma fase crítica de estagnação, em termos evolutivos,
sendo necessário o desenvolvimento e divulgação de soluções inovadoras que não só
imprimam dinamismo e avanço tecnológico como também minimizem os impactes ambientais.
Devido às características naturais do aço, as estruturas metálicas permitem a optimização dos
recursos naturais e proporcionam um ambiente construído mais racional e eficaz. Aqui inserido,
o sistema LSF oferece uma efectiva possibilidade de evolução no que respeita à qualidade das
soluções construtivas e eficiência dos materiais empregues, contribuindo simultaneamente
para uma construção mais sustentável.

5.2 Perspectivas futuras

Actualmente o mercado da construção é cada vez mais competitivo, surgindo a construção


sustentável como uma mais-valia. No entanto, o rótulo de “construção sustentável” é por vezes
utilizado por promotores e projectistas de modo a potenciar a venda dos seus imóveis, que
muitas vezes não apresentam quaisquer mais-valias relativamente aos convencionais.
Assim sendo, é necessário que no futuro se desenvolvam metodologias que permitam
diferenciar os diversos produtos ao nível da sua sustentabilidade, de modo a que se possam

78
evidenciar aqueles que são realmente mais sustentáveis. Caso contrário, o conceito será
totalmente descredibilizado e a indústria da construção dificilmente conseguirá contribuir
positivamente para o desenvolvimento sustentável.
Nesse sentido, a aplicação generalizada de ACV aos materiais e sistemas de construção será
o próximo passo. Como tal, uma sugestão para trabalhos futuros, recai na realização de uma
análise de ciclo de vida, em termos quantitativos, procurando comparar os dois sistemas
construtivos abordados neste trabalho com o sistema convencionalmente utilizado em Portugal.
Para tal, será necessário utilizar uma metodologia adequada à realidade nacional, contudo em
Portugal ainda se está numa fase embrionária neste campo.
Relativamente à construção em terra, esta caracteriza-se por baixos consumos de energia e
emissões de gases poluentes e ainda por ser responsável por níveis de humidade interior
benéficos em termos de saúde humana, possuindo assim vantagens competitivas face à
construção corrente que lhe fazem adivinhar um futuro promissor.
Ao nível nacional, o futuro da construção em terra passa em primeiro lugar, pela credibilização
da sua utilização, através de regulamentação própria. Em segundo lugar, passará pelo fomento
de uma política de formação nesta área, suas especificidades técnicas e científicas, através de
acções de sensibilização para uma construção mais sustentável, de forma a potenciar o
número de possíveis clientes e entusiastas da construção em terra crua. Além disso, é
fundamental o apoio à investigação nesta área, no sentido de estudar novas soluções para
melhorar as características deste material e fazer face às suas limitações, quer em termos de
resistência mecânica, quer no comportamento à acção da água.
Actualmente, a construção em terra passa ainda por estrangulamentos ao seu
desenvolvimento que lhe dificultam a implementação de forma mais evidente no sector
nacional, como sejam:

 A falta de trabalhadores qualificados nas artes da construção e reconstrução de edifícios


em terra;
 A ausência de instituições de formação de profissionais de construção em terra;
 O facto da construção em terra estar associada às camadas populacionais com menos
recursos económicos.

Para que se inverta esta situação, é necessário apostar na formação de profissionais e na


divulgação deste tipo de construção e das suas qualidades enquanto construção sustentável,
através de estudos e metodologias credíveis. Só assim a população em geral poderá deixar de
olhar para esta construção como sendo capaz de contentar apenas aqueles que não possuem
recursos financeiros para terem uma habitação construída nos moldes convencionais.
No que diz respeito ao sistema LSF, como se viu ao longo deste trabalho, este contribui
favoravelmente para os objectivos da construção sustentável. Assim sendo, é necessário que a
indústria do aço seja reconhecida pelo papel desempenhado na realização desses objectivos,
através da demonstração dos benefícios das estruturas metálicas com base em dados

79
credíveis e metodologias apropriadas, como é o caso das análises de ciclo de vida, que
permitem evidenciar as vantagens das estruturas metálicas, nomeadamente o potencial de
reutilização e de reciclagem do aço.
Para garantir um nível adequado de competitividade, o sistema construtivo em estrutura de aço
leve, exige uma correlação precisa com as indústrias a montante em termos de qualidade,
flexibilidade e rigor. Algumas das condicionantes ao sucesso deste sistema prendem-se, entre
outros, com o poder negocial dos fornecedores, a fiabilidade das entregas e a garantia de
qualidade dos materiais, exigindo, também, equipas de projectistas e mão-de-obra
especializados e equipamento específico. Neste sentido, será necessário um fomento à
formação de profissionais especializados em estruturas metálicas. Por sua vez, a optimização
de resultados adquire-se através da experiência.
A imagem ecológica associada à tecnologia empregue no sistema LSF, a enorme flexibilidade
arquitectónica, a inegável rapidez de construção e uma real possibilidade de poupança de
custos, numa óptica de custo global da construção – associada às poupanças energéticas ao
nível da climatização (na fase de operação), devido a uma elevada eficácia térmica da
construção – são algumas das vantagens que tornam possível acreditar na possibilidade de ver
este sistema construtivo vingar no sector da construção nacional, tal como já acontece noutros
países da Europa e do Mundo.
Depois de uma abordagem aos conceitos de “desenvolvimento sustentável” e de “construção
sustentável”, um estudo acerca da sustentabilidade dos materiais de construção, uma
descrição dos sistemas construtivos em terra e do sistema LSF e depois de feita uma análise
da sustentabilidade e das limitações destes sistemas construtivos, consideram-se alcançados
os objectivos inerentes a esta dissertação e dá-se o trabalho por concluído.

80
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