História da Revolução
Liberal de 1842
JOSÉ ANTÔNIO MARINHO
A Revolução Liberal de 1842 teve como polos principais
dos revolucionários a Província de Minas e a de São Paulo.
Em Minas, após várias batalhas e vitórias dos revoltosos, a
revolução foi finalmente sufocada na Batalha de Santa Lu-
zia, em que as tropas imperiais tiveram como comandante
o general barão de Caxias.
História da Revolução
Liberal de 1842
Belo Horizonte
Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais
2015
© 2015, Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais
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ISBN 978-85-85157-49-4
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Apresentação ....................................................................................................13
Introdução ........................................................................................................15
Prefácio da edição de 1939
Cônego José Antônio Marinho ...........................................................................27
Ao público........................................................................................................ 35
Notícia e advertência ........................................................................................ 39
Para que possamos nos reconhecer como participantes de uma sociedade em cons-
tante processo de mudança, precisamos guardar informações que deram forma às
instituições estaduais, na permanente busca do aperfeiçoamento de nossas ideias
democráticas, também na origem de nossa opção republicana.
É assim que decidimos trazer a público o relato testemunhal de José Antônio Ma-
rinho, História da Revolução Liberal de 1842, realizando seu intento de “levar ao
conhecimento da posteridade” a narrativa dos acontecimentos dos quais participou
como protagonista.
A Revolução Liberal, ocorrida em Minas e São Paulo, foi uma reação contra o do-
mínio conservador com suas leis regressistas, como a restauração do Conselho de
Estado e a Reforma do Código de Processo Criminal, juntamente com a dissolução
da Câmara dos Deputados eleita em 1840.
O movimento liberal deslocou sua tropa, que não chegou a atacar Ouro Preto, para
Santa Luzia (onde foi sufocado pelo duque de Caxias), motivo pelo qual os liberais
passaram a ser chamados de “luzias”.
Além de padre, deputado e professor, José Antônio Marinho foi também advogado,
tendo sido seu próprio defensor no processo em que foi julgado, recebendo a anistia
do imperador em 1844.
Com esta publicação, faz-se justiça a um importante agente da nossa história polí-
tica, membro pioneiro desta Assembleia, cuja memória volta à cena nas páginas de
sua autoria, mostrando a atualidade de sua luta contra o centralismo autoritário, em
busca de uma autonomia maior para os estados, herdeiros das províncias imperiais.
Seu texto nos convida a penetrar na própria substância de nossa história e de nossa
sociedade, configurando um legado produtivo do passado.
Esta é a quinta publicação do livro do cônego José Antônio Marinho, o qual foi
publicado pela primeira vez em 1844, tendo como título original História do Movi-
mento Político que no anno de 1842 teve lugar na Província de Minas Geraes – Rio
de Janeiro, J. E. S. Cabral & J. Villeneuve. Trata-se de uma obra preciosa, cujo autor foi
um dos revoltosos em Minas e teve ativa participação nos acontecimentos.
Somente em 1939, na cidade de Conselheiro Lafaiete (MG), foi reeditada pela Tipo-
grafia Almeida, graças aos esforços de J. Rodrigues de Almeida, entusiasta do estudo
da Revolução de 1842 e da biografia do cônego Marinho, o qual escrevera a sua
obra quando em retiro na Fazenda São Gonçalo, distrito da cidade de Conselhei-
ro Lafaiete. Em seu prefácio, cuja íntegra transcrevemos à frente, o editor observa:
“Obra raríssima, não sendo encontrada nas livrarias de historiadores consagrados
e mesmo nas bibliotecas públicas mais importantes, tornou-se por isso esse livro
quase desconhecido aos estudiosos que querem saber os acontecimentos relevantes
da vida nacional.”
Consenso geral é que o livro do cônego Marinho continua sendo o mais importante
sobre a revolução, já que ele foi testemunha dos fatos narrados em posto de realce
no movimento e, dessa forma, descreve as batalhas em detalhes. O texto também é
rico em documentos transcritos na íntegra. Embora alguns sejam muito longos, os
manifestos, os ofícios, as respostas e as circulares, entre outros, compõem documen-
tação tão importante que, para Francisco Iglésias, seria o bastante para recomendar
a obra. Especialmente interessantes são as cartas reproduzidas de José Feliciano e
do padre Manuel Rodrigues da Costa. Dirigidas ao então jovem imperador, não che-
A obra é sóbria, e o estilo é direto, sem rebuscamentos. Todavia, o autor não foi
isento. É perceptível sua tendenciosidade a favor dos rebeldes e o forte tom de crítica
aos legalistas. Porém, há que se considerar que o livro foi escrito ainda no calor dos
fatos e dos ressentimentos naturais após batalhas, mortes, prisões e perseguições.
Iglésias lamenta não haver um trabalho equivalente feito pelos paulistas e conclui:
“Continua o livro mais importante sobre o assunto. Conserva ainda o primeiro posto,
uma vez que nenhuma obra dedicada ao tema o excede, na vivacidade, na abran-
gência do quadro, na riqueza da narrativa e mesmo sob o prisma da interpretação”.
A Revolução
O estopim que deu início à Revolução de 1842 foi a decisão do Gabinete Conserva-
dor, nomeado em 23 de março de 1841, de dissolver o Parlamento eleito, de maioria
liberal, em 1º de maio de 1842, dois dias antes da posse dos deputados.
Em 1840, a maioridade do imperador foi resultado de manobra dos liberais que, à época
na oposição, utilizaram esse artifício para retirar o poder das mãos dos conservadores. O
Senado aprovou o projeto de Antônio Carlos que conferia a maioridade ao imperador
imediatamente: “Artigo único – S. M. I. o Sr. D. Pedro II é desde já declarado maior.”
Alçados ao poder, os liberais convocaram para o final do ano de 1840 eleições gerais
em dois graus, para compor o Parlamento Geral, o das províncias e as câmaras mu-
Divergências internas relativas à condução dos negócios do Rio Grande, onde acon-
tecia a Revolução Farroupilha, acabaram culminando na queda do Gabinete de 23
de Julho. O ministro Aureliano Coutinho obteve do imperador a troca do coman-
dante das forças legais no Sul, o general João Paulo, sem a aquiecência dos demais
membros do gabinete, os quais, por conseguinte, entregaram seus cargos. Na reu-
nião do Conselho de Ministros, o líder do gabinete, Antônio Carlos, não se conteve.
Voltando-se para o irmão Martim Francisco, desabafou: “Não te disse, Martim, que
quem se mete com criança amanhece molhado? Vamos embora!”
Correu o boato que S.M.I. se achava coagido, que não assistia às deliberações do conse-
lho e, até mesmo, que se achava preso. Esses boatos excitaram a opinião pública, espe-
cialmente em Minas e São Paulo. A muitos pareceu razoável a veracidade das notícias,
à vista de não haverem sido recebidas as representações que lhe foram encaminhadas.
Iniciou-se o ano de 1842, e a expectativa dos liberais era a posse dos parlamentares
eleitos, ainda durante o Gabinete da Maioridade e cuja maioria seria liberal. Come-
çaram os trabalhos preparatórios, Martim Francisco foi eleito presidente da Câmara,
Sabedor das dificuldades que teria com a câmara de maioria liberal, o Gabinete
Conservador dirigiu ao monarca uma representação fundamentada nos abusos do
pleito eleitoral. Pintando com vivas cores os vícios, então usuais, da eleição, conse-
guiu impressionar o jovem imperador, que, por sua vez, autorizou a dissolução da
câmara no dia 1º de maio.
Esse ato brusco do governo foi a senha para a revolta. Repetia-se a história. Repro-
duzia-se o gesto de Pernambuco e das províncias vizinhas quando da dissolução da
Assembleia Constitutinte.
Embora não houvesse uma perfeita articulação para um movimento armado, a vio-
lenta medida de dissolução da Câmara acelerou o levante das duas maiores provín-
cias do Império. Representantes de São Paulo e de Minas reunidos na Corte passa-
ram a organizar o plano da revolta. São Paulo aclamaria um presidente e Minas o
acompanharia, fazendo o mesmo.
De Barbacena, Feliciano Pinto Coelho lançou aos mineiros uma proclamação e en-
viou circulares às câmaras municipais, baixou portarias, criou corpo de guardas mu-
nicipais e concitou desobediência às ordens emanadas da Capital.
Feliciano Pinto Coelho enviou uma mensagem ao imperador, que seguiu acompa-
nhada de outra, escrita pelo velho inconfidente padre Manoel Rodrigues da Costa.
A correspondência deveria ser entregue ao marquês de Barbacena e a Itanhaén, os
quais tinham a missão de fazê-la chegar às mãos de S.M.I. Todavia o mensageiro,
José Furtado Placiano Pizza, foi preso no caminho pelas tropas legalistas. As cartas
foram interceptadas e, portanto, nunca alcançaram seu destino.
De Barbacena os revolucionários decidiram marchar para tomar São João del-Rei, im-
portante local que permanecera fiel aos legalistas. Com a chegada das tropas revolu-
cionárias, a cidade aderiu ao movimento sem necessidade de uso da força. No dia 18
de junho, José Feliciano Pinto Coelho foi reconhecido pela Câmara Municipal como
presidente da Província, recebendo vivas da população na Praça de São Francisco.
Sem um plano objetivo de ação, Feliciano Pinto Coelho iniciou um processo de mar-
chas e contramarchas com desgastes de recursos. O cônego Marinho, rebelde e his-
toriador, condenou a lentidão dos acontecimentos. Para ele, deveriam os rebeldes
marchar logo para Queluz (atual Conselheiro Lafaiete), e de Queluz para Ouro Preto,
capital da província.
Em vez de marchar para Ouro Preto, Feliciano Pinto Coelho reúne a Assembleia Provin-
cial em São João del-Rei. A reunião foi um fracasso. Só comparecem 13 deputados, que
concluíram pela impossibilidade de funcionamento e pela aprovação de todos os atos
do presidente. Dizia Marinho: “era tempo de combater e não de deliberar.”
A vitória havia aberto aos insurgentes as portas da Capital. Entretanto, nesse mo-
mento, chegou ao presidente a notícia da derrota dos paulistas, o que lhe causou
hesitações e incertezas. Em lugar de tomarem de assalto a Capital, permaneceram os
insurgentes em Queluz nos dias 27 e 28, e só em 29 marcharam para Ouro Branco.
No dia 31, em vez de tomarem o caminho de Ouro Preto, iniciaram marcha para Sa-
bará. Começaram, então, desentendimentos entre os líderes, pois parte deles queria
atacar Ouro Preto. Coube a Teófilo Ottoni concitar pela união de todos, ao afirmar
que de Sabará iriam para Ouro Preto.
A Revolução Política de 1842 foi uma arrancada de civismo que glorifica a inte-
gridade de um povo consciente de seus direitos materiais e cioso de seus deveres
naturais. A audácia e o heroísmo então se conjugaram na ação perfeita da disciplina
e da honradez, colaborando para a grandeza da Pátria na alma genuinamente es-
pontânea dos mineiros.
Tendo sido esta cidade teatro de acontecimentos singulares, destacando-se por fei-
tos notáveis diversos cidadãos conterrâneos, não só pela bravura guerreira como
O cônego José Antônio Marinho foi notoriamente um homem dos mais cultos de sua
época. Versado nas línguas neolatinas, sabia ainda com perfeição a inglesa e a grega.
Professor de Filosofia e Teologia, a sua capacidade intelectual revelou-se extraordi-
nária, tendo também se dedicado à música e à poesia com notável engenho artístico.
Pode haver erros e impropriedades nesse trabalho histórico, mas o que ninguém com
isenção de ânimo poderá pôr em dúvida é a boa-fé e a honestidade do autor.
Tendo tomado parte como um dos chefes do Movimento de 1842, após serem der-
rotadas as forças rebeldes, o cônego Marinho homiziou-se na Fazenda São Gonçalo,
distrito desta cidade, propriedade do padre Gonçalo Ferreira da Fonseca, e aí coor-
denou e escreveu a história dessa revolução.
Cidadãos íntegros, figuras de relevo que passaram ao panteon da história como sím-
bolos das glórias nacionais – entre esses cumpre destacar-se como um exemplo de
honra e de virtudes o imortal duque de Caxias – foram indevidamente mal-ajuizados
pelo historiador, então ferido no seu amor próprio e quando se ocultava das garras
vingadoras da justiça entregue à mercê dos adversários dominantes.
Entregando de novo esse livro aos leitores inteligentes, não o fazemos endossando
pensamentos e conceitos emitidos pelo seu autor. A longa carreira militar de Caxias
tem sido estudada imparcialmente por juízes da nossa história que honram a civili-
zação brasileira. Guiando-se por um sentimento superior, digno do zelo altruístico de
uma corporação que abnegada defende o régio patrimônio do Brasil, foi o duque de
Caxias eleito patrono do nosso exército, e por isso consagramos a esse que foi um
padrão de brasilidade as homenagens a que fez jus pelos seus imorredouros serviços
às causas da nossa pátria.
A condição humana do cônego Marinho, por mais nobres que fossem os seus sen-
timentos, não podia deixar de sofrer essas influências do amor próprio vilipendiado
ante a dura realidade de ver os seus mais avançados ideais de cidadão serem tidos
como criminosos.
Lecionou Filosofia em Ouro Preto e Congonhas, foi delegado do Círculo Literário, di-
retor do Colégio de São João del-Rei, pregador imperial em 1839, cônego honorário
da Capela Imperial em 1840, camareiro secreto de Pio IX em 1847, e cura do SS.
Sacramento da Sé do Rio de Janeiro, onde ainda mais se notabilizou como perfeito
pregador da Igreja Católica.
Na vida política, para a qual cedo revelou acendrada vocação, a sua atuação foi a de
um benemérito propulsor da causa pública.
Tendo sido também eleito à Assembleia Geral de 1842, foi essa dissolvida.
Como jornalista emérito revelou ele capacidade admirável, tendo redigido o periódi-
co Americano, de São João del-Rei, e depois, em 1847, o Correio Mercantil, do Rio
de Janeiro.
Ocultando-se à prisão após a derrota de Santa Luzia, Teófilo Otoni estranhou essa
sua atitude, a que Marinho replicou: “Mais vale ser magro no mato, do que gordo na
boca do gato”. Apresentando-se depois à Justiça, foi julgado pelo júri de Piranga,
tendo ele mesmo se defendido brilhantemente. Dada a anistia, em 1844, foi eleito
novamente à Assembleia Geral de 1845 a 1849, onde exerceu fecunda atividade,
na defesa dos interesses públicos, pois os seus discursos são vivos atestados de sua
incontestável atividade.
“Retirando-se para a Fazenda de São Gonçalo, tornou-se o padre José Antônio Ma-
rinho o xenofonte da revolução.
Tomando parte ativa nas questões partidárias, reconheceu o cônego Marinho as in-
conveniências e as escabrosidades da política, dedicando-se voluntariamente depois
tão somente ao sacerdócio, para o apostolado do bem que nos levará ao julgamento
final na vida eterna.
Para mais ser útil à humanidade, atendendo ao império de sua imaginação fecunda,
fundou depois no Rio de Janeiro o Colégio Marinho, estabelecimento de ensino que
se notabilizou pela sua eficiência no problema da instrução da mocidade.
J. Rodrigues de Almeida
Quando no coração das virgens florestas, que habitei por espaço de quatorze meses,
com o fim de matar o tempo, que tão longo e aborrecido me corria, ocupava-me em
coordenar em minha memória os fatos de que havia eu sido testemunha, estava
longe de mim a intenção de os publicar; mais longe ainda a esperança de tão cedo
poder oferecê-los à consideração do público.
Cada publicação, que me chegava ao fundo do meu exílio, era em verdade um incita-
mento poderoso, para que continuasse eu no meu trabalho; desesperava-me ao ver
a crueldade, com que nos seus escritos o partido vencedor caluniava seus contrários,
e ao recordar-me da maneira generosa, por que se haviam conduzido os insurgentes
na Província de Minas, desde o dia 10 de junho até 20 de agosto de 1842, e do
Ver-se-á que cada encontro das forças da legalidade com os insurgentes, qualquer
que fosse o partido vencedor, era sempre a causa da monarquia, a que recolhia o
último e mais brilhante triunfo; que em um e outro exército era a bandeira do Sr. D.
Pedro II entrelaçada com a da Constituição do Estado, a que conduzia os soldados
ao combate, e a que lhes infundia os brios e a coragem; que uma convicção profun-
da dominava a todos os insurgentes, desde a barraca do mais humilde soldado à
casa da presidência interina; de que a facção absolutista, a cuja frente se achavam
dois homens os mais fatais ao País, José Clemente Pereira e marquês de Paranaguá,
pretendia realizar em 1842 o sistema por que se desvela desde a independência
do Brasil.
Confesso que essa prevenção tem fundamento razoável; mas na atualidade, o meu
fim é pôr diante dos olhos de quem está acima de todas as paixões um quadro, que
mesmo desenhado por pincel suspeito, não deixará de parecer verdadeiro a quem
desprevenido o considere; e deixar para o futuro um testemunho da pureza de inten-
ções, da moralidade do procedimento dos insurgentes de 1842, e para que digam os
vindouros: “Os nossos antepassados amavam a monarquia quanto a liberdade”. Os
que entenderem que tenho faltado à verdade histórica, podem, como eu, publicar os
fatos, de que tenham conhecimento; podem contrariar minhas asserções, e será des-
te modo que uma crítica esclarecida poderá formar um juízo seguro sobre a verdade
dos acontecimentos; pela minha parte, e aqui falo por todos os que se compromete-
ram no Movimento de 10 de Junho, desejo ardentemente que o procedimento dos
insurgentes seja por todas as faces analisado, e que fique à posteridade formar sobre
ele seu juízo, no silêncio das paixões, e distante dos interesses do dia.
O Autor
*Esta nota, na primeira edição, encontra-se no final do segundo volume, antes da lista de nomes das
pessoas que adquiriram o livro.
7 de abril de 1831
Manifesto
“Mineiros.
Quando a Pátria periga, é dever de todo cidadão correr em sua
defesa; e quando a liberdade é calcada aos pés por um governo ambi-
cioso, empunhar as armas para defendê-la e sustentá-la é a primeira
obrigação do homem livre. Nós havemos chegado infelizmente ao
ponto de recorrer a este meio extremo, para defender a nossa pátria,
para salvar as instituições livres, a nossa Constituição, do aniquila-
mento total de que é ameaçada por uma facção astuciosa que se apo-
derou do poder, e que desde muito tempo busca por todos os modos
destruir a obra do imortal fundador do Império.
Vós sabeis, mineiros, quais são as tendências dessa facção, qual
o seu pensamento constante. Fingindo-se amiga exclusiva do trono,
recusa aliá-lo com a liberdade dos cidadãos e procura sacrificá-lo in-
teiramente ao poder, a pretexto de o fortalecer, como se o amor dos
povos ao monarca não fosse a mais forte garantia da estabilidade do
trono; e como se todos não percebessem, através do diáfano véu com
que se cobrem, o seu desejo de plantar o governo oligárquico, de se
perpetuarem no mando, escravizando a um tempo a Coroa e a Nação.
Pondo de parte as antecedências dessa facção desde o começo
de nossa independência política; não querendo trazer-vos à memó-
Proclamação
“Mineiros! O grito heroico, que acabam de soltar os briosos
paulistas em sustentação das liberdades brasileiras, e do trono cons-
titucional do nosso adorado monarca, o Sr. D. Pedro II, deve ser re-
percutido, ou contrariado pela Província de Minas: contrariá-lo fora
prestar auxílio, e forças a uma oligarquia turbulenta e pretensora,
que conservando, como que debaixo de sua tutela, o monarca, afas-
tando-lhe toda a verdade dos ouvidos, nem ao menos consente que
ele ouça os gemidos de seus filhos, para lhes enxugar as lágrimas;
Proclamação
“Não costumam os sinceros amigos da liberdade constitucio-
nal sofrer por muito tempo o jugo infame de ministérios corruptos,
que, atraiçoando a Coroa, assassinam uma por uma as garantias do
cidadão; nem era de acreditar-se que os patriotas decididos que ha-
viam plantado no solo brasileiro a árvore sagrada da liberdade, con-
sentissem que os nojentos vermes do despotismo lhe destruíssem a
força e vigor. Esgotados os meios ordinários, escravizado o monarca
pelo Conselho de Estado, desprezadas as representações dos povos,
suspensas as câmaras municipais, insultada a mensagem paulista,
inçado o Brasil de espiões de polícia, sufocada a imprensa, dissolvida
prévia e inconstitucionalmente a Câmara dos Deputados, promulga-
das reformas liberticidas, e a título de instruções perdido o direito de
votar, destruída enfim, a aliança da liberdade com a monarquia, que
partido abraçariam os amigos do trono? Ou lamentar covardemente
os males da Pátria, o que é indigno, ou sustentar com as armas na
mão a conquista de mais de vinte anos, a Constituição do Estado, que
o ministério atual odeia de morte.
Honra à heroica Cidade de Barbacena! Lá retumbou o primeiro
grito de salvação, que será respondido pela Província, e esta Câmara
simpatizando com tão nobres sentimentos, acaba de reconhecer pre-
sidente interino da Província o Exmo. Sr. José Feliciano Pinto Coelho da
Cunha. A Câmara repele com horror a insinuação pérfida, que alcunha
Proclamação
“Camaradas!
A causa que pleiteamos é a do Sr. D. Pedro II e a da Constitui-
ção que alguns díscolos nos querem roubar, e o presidente a quem
rendemos obediência é o Sr. José Feliciano Pinto Coelho da Cunha;
este nome só é uma garantia de ordem, portanto tranquilizem-se to-
dos, e saibam que daremos a nossos adversários o exemplo de mode-
ração e do mais escrupuloso respeito às propriedades. Camaradas!
Nós temos por companheiros a maioria ilustrada da Nação e seus
mais abastados proprietários; eia, pois! Nada receai, não só porque
combatemos a prol duma causa santa e justa, se não porque temos
a decidida aprovação da Nação. Viva a Nossa Santa Religião! Viva a
Constituição do Estado! Viva o Sr. D. Pedro II! Viva o presidente inte-
rino, José Feliciano Pinto Coelho da Cunha!”
* O original trazia a cada um destes nomes um epíteto, que julguei dever suprimir.
Primeiro ofício
“Ilmo. e Exmo. Sr.,
Desejando o Exmo. Sr. José Feliciano Pinto Coelho da Cunha
prevenir os funestíssimos resultados que desgraçadamente ainda se
podem seguir do estado em que se acha a Província, obteve que o
Ilmo. Sr. Coronel Francisco Vicente Souto-Maior, que tão valiosos ser-
viços tem prestado nesta conjuntura ao governo de S. M. Imperial, se
dirigisse comigo a suplicar, por intermédio de V. Exa., de S. Majesta-
de O imperador, uma anistia geral; e sinceramente resolvido a fazer
dispersar a força que o sustenta, se dirigiu ontem para Santa Luzia,
ordenando a suspensão de qualquer hostilidade. Entretanto, dirigin-
do-nos para o Ouro Preto, onde julgávamos encontrar a V. Exa., fo-
mos informados na ponte do Hilário que V. Exa. havia deixado aquela
cidade, e seguido em direção a Caeté, e como pode acontecer que V.
Exa. não esteja autorizado para conceder o que suplica de S. M. I., o
Sr. José Feliciano Pinto Coelho da Cunha, julgamos conveniente levar
ao conhecimento de V. Exa. o expedindo e seguir com toda a brevida-
de ao Rio de Janeiro, rogando a V. Exa. para empenhar seu valimento
com o governo de S. M. I., se assim V. Exa. julgar conveniente. Deus
guarde a V. Exa. muitos anos.
Santa Rita, 14 de agosto de 1842.
Ilmo. e Exmo. Sr. Barão de Caxias,
De V. Exa. muito reverente criado, Manuel de Melo Franco”.
Qualquer homem que quisesse ter a glória de pacificador, e
tivesse um pouco de amor a seu país, não perderia uma tão boa oca-
sião para fazer um verdadeiro serviço à causa da humanidade e a
uma tão importante província, mandando suspender imediatamente
as hostilidades; e, se para tanto não estivesse autorizado, reclaman-
Advertência
Os acontecimentos da Província de Minas estão por tal forma
ligados com os da de São Paulo, que o aparecimento de um movimen-
to deu existência ao outro; e a derrota dos paulistas ocasionou a dos
mineiros; por isso, não poderá deixar de ser muito do agrado do lei-
tor, e principalmente dos mineiros, uma notícia, bem que abreviada,
do que ocorrera em São Paulo, assim antes, como na ocasião do rom-
pimento. Para os mineiros é ainda um problema de difícil resolução
a tão pronta, como completa e fácil derrota dos paulistas; algumas
reputações têm estado expostas a injustas suposições; e o desfecho
dessa contenda tem sido olhado como um desar para os paulistas;
entretanto que eles, e especialmente o generoso Tobias, que não re-
cuara diante do comprometimento do repouso, da fazenda e da vida,
não hesitaram em acudir ao brado da Constituição postergada; nem
voltaram a cara ao sacrifício, que entendiam deles exigir a liberdade
ameaçada e a monarquia desnaturada pelos excessos de uma oligar-
quia audaz e pretensora. Erros, fatalidades, e mais que tudo um te-
mor louvável, quanto verdadeiro e bem fundado, de comprometer a
causa da monarquia, tais foram as armas mais poderosas, com que