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trabalho de conclusão de curso apresentado à Associação Livre – Campinas (SP), como requisito
para obtenção de título de especialização em psicanálise pela Faculdade Vicentina
índice
5. a construção do recalque............................................................................................................18
referências bibliográficas................................................................................................................48
2
o mal-estar soviético:
o debate sobre o psiquismo na Revolução Russa (1919-1936)
1
Ver JORAVSKY, David. “The Construction of the Stalinist Psyche”. In: FITZPATRICK, Sheila (org.). Cultural Revolution
in Russia, Bloomington and London, Indiana University Press, 1978, p. 126.
2
Ver PROCTOR, Hannah. Revolutionary thinking: A Theoretical History of Alexander Luria’s ‘Romantic Science’. PhD
Thesis. Birkbeck, University of London, 2016, pp. 54-54.
3
forçada do campo – precisava de um novo tipo de trabalhador, radicalmente engajado na
elevação da produtividade.
3
Com efeito, pouco antes da fundação do movimento stakhannovista, o catálogo da
“Primeira Exposição dos Artistas de Leningrado” (1935) afirmava que as artes visuais deveriam
“criar uma imagem plena do novo homem soviético”. 4 A maioria das obras expostas retratava,
assim, trabalhadores fortes, sadios e felizes. O tom heroico e triunfalista, porém, era contradito,
na mesma exposição, pelos quadros de alguns pintores, como Kazimir Malevich (1879-1935), cuja
obra final centrava-se no retrato de pessoas esvaziadas subjetivamente, cujas expressões
indeterminadas e cujos olhares vagos denunciavam uma espécie de exaustão psíquica. Malevich
elaborava tal mal-estar desde, pelo menos, 1932, mesmo ano da reunião de Stálin com os
“engenheiros de almas”. O pintor ucraniano escreveu, no verso do quadro “Premonição
complexa: torso em uma camisa amarela” (1932), que a obra “conjugou diversos elementos,
como a sensação de vazio, de solidão e de falta de esperança na vida (...)”. 5
3
Em 1935, durante o Segundo Plano Quinquenal, o Estado soviético decretou a fundação do movimento
stakhanovista, que visava propagandear um tipo ideal de trabalhador, radicalmente comprometido com o
incremento da produtividade. Segundo Trotsky: “O início do movimento foi marcado por maciças medidas
repressivas contra o pessoal técnico, engenheiros e operários, acusados de resistência e sabotagem e, em certos
casos, de assassínio de stakhanovistas. A severidade dessas medidas atestava a força da resistência”. Cf. TROTSKY,
Leon. A revolução traída. Trad. Henrique Canary, Rodrigo Ricupero, Paula Maffei. São Paulo: José Luís e Rosa
Sundermann, 2005, p. 102.
4
Ver “Catalogue de la premiere exposition des artistes de Leningrad au Musee Russe”, In MALÉVITCH, K. S., Le
mirroir suprematiste. Trad. Jean-Claude e Valentine Marcadé. Lausanne, L’age d’homme, 1977, p. 190.
5
Cf. CHLENOVA, Masha, On display: Transformations of the Avant-Garde in Soviet Public Culture, 1928-1933. PhD
diss., Columbia University, 2010, p. 241.
4
2. a formação do campo psicanalítico na URSS
5
bolchevique – começou suas atividades como um grupo especializado nos estudos entre
psicanálise e arte e, posteriormente, ampliou suas atividades para três linhas de pesquisa e
atuação: 1) problemas psicológicos da criação artística (encabeçada por Ermakov); 2) análise
clínica (dirigida por Wulff); e 3) pedagogia (dirigida por Schmidt).
Em agosto do mesmo ano, Vera Schmidt (1889-1937), esposa de Otto Schmidt, fundou o Lar
Experimental de Crianças. O projeto procurava criar um “novo homem” soviético, esperando-se
que os educadores envolvidos no projeto pudessem interpretar o inconsciente infantil, levando
em conta a relação de transferência entre educador e aluno. O Lar Experimental baseava-se
numa pedagogia calcada no desenvolvimento de relações afetivas, ao invés da autoridade do
educador. Ademais, tal projeto pedagógico procurava tratar a sexualidade e a curiosidade infantil
de maneira não repressora. 11
6
viagens para participação em eventos de outras cidades, publicação de volumes sobre psicanálise
e realização de cursos, conferências e palestras sobre o tema. Ermakov afirmou que a Sociedade
deveria produzir informes anuais ao governo e que, em caso de desmantelamento da Instituição,
14
o Estado teria o direito de dirigi-la. Assim, estabeleceu-se uma única instituição psicanalítica,
constituída pela fusão da Sociedade Psicanalítica Russa moscovita com a Sociedade Psicanalítica
de Kazan.
Surgiu então, em 1923, o Instituto de Psicanálise, que permitia aos analistas o oferecimento
de programas de formação. Sob a direção de Wulff, o Instituto abriu uma clínica para
atendimentos e, sob a organização de Ermakov, a instituição fundou a coleção Biblioteca
Psicológica e Psicanalítica, que publicou, pela Editora Estatal, algumas das obras centrais de
15
Freud, Melanie Klein (1882-1960), Carl Jung (1857-1961) e Sandor Ferenczi (1873-1933). No
mesmo ano, foram vendidas 2000 cópias de “Leituras introdutórias” de Freud (em dois volumes),
o que indicava a popularização da psicanálise na URSS. A coleção publicou, também em 1923,
“Psicologia das massas e análise do eu”. Embora o apoio à psicanálise não fosse irrestrito – a líder
bolchevique Nadezda Krupskaia (1869-1939), por exemplo, criticou as ideias freudianas,
caracterizando-as como “explicações superficiais (...) imbuídas de um sentimento pequeno-
16
burguês com relação às mulheres” – o governo bolchevique incentivou o debate sobre as
17
teorias psicanalíticas na imprensa. Dentre os bolcheviques, os oposicionistas de esquerda,
como Aleksandr Voronski (1884-1937) – que, inclusive, assinou junto aos psicanalistas o informe
18
entregue ao governo –, pareciam particularmente interessados na teoria freudiana. Leon
Trotsky (1879-1940), por exemplo, escreveu em 1923 a Ivan Pavlov (1849-1936), sugerindo que a
reflexologia poderia ser conjugada à psicanálise. 19
Se o debate, por um lado, era incentivado pelo governo, já a prática pedagógica dos
analistas era submetida a rigorosas críticas. Em outubro de 1923, Vera e Otto Schmidt viajaram
ao exterior para buscar orientações de Freud e Otto Rank (1884-1939) sobre as ameaças de
fechamento do Lar Experimental de Crianças, feitas pelo Estado, que impunha uma redução
14
Ver MILLER, Martin. Freud y los bolcheviques, op cit, p. 113.
15
Idem, p. 109.
16
Apud MILLER, Martin. “Freudian Theory under Bolshevik Rule: The Theoretical Controversy during the 1920s”,
Slavic Review, Vol. 44, No. 4, 1985, p. 635.
17
A Oposição de Esquerda surgiu em novembro de 1923, e consistia em um grupo de bolcheviques, liderados por
Leon Trotsky, que se opunham ao processo de burocratização do Partido Bolchevique.
18
Ver PROCTOR, Hannah. “A Country Beyond the Pleasure Principle…”, op cit, p. 162.
19
Idem, p. 168.
7
dos custos e obrigava os coordenadores do Lar Experimental a “fortalecerem o componente
20
proletário” no quadro de alunos. Além das estratégias para a continuidade do Lar, eles
21
debateram sobre o destino do complexo de Édipo nos processos de educação coletiva.
Contudo, apesar dos esforços para salvar o Lar Experimental, ele foi fechado pelo governo no ano
seguinte, acusado de incentivar a pornografia e o abuso sexual infantil.
Além das duras relações com o Estado, consubstanciadas no fechamento da Escola de Vera
Schmidt, o Instituto de Psicanálise teve de lidar com o problema do reconhecimento da IPA
(Associação Internacional de Psicanálise) que, para legitimar a psicanálise russa, exigiu que o
Instituto incorporasse também os grupos psicanalíticos de Odessa, Kiev e Rostov – o que
resultava em uma maioria de médicos analistas; além de exigir que Wulff e Ermakov (dois
médicos não bolcheviques) o presidissem. 22
20
MILLER, Martin. Freud y los bolcheviques, op cit,p. 117.
21
Idem, ibidem.
22
Idem, p. 112.
8
artigo, publicado durante o processo de formação do Instituto de Psicanálise e do
desenvolvimento das relações conflituosas entre os freudianos soviéticos e o governo,
inaugurava o debate sobre as possibilidades da articulação entre a teoria freudiana e o
marxismo. Bykhovskii argumentava que a psicanálise freudiana era monista, determinista e
dialética, sendo perfeitamente compatível com a reflexologia desenvolvida por Pavlov e
Bekheterev. No texto, o autor chamava a atenção para a noção de inconsciente e de conflito
psíquico, para as contradições entre as necessidades psíquicas e as demandas sociais, e para
como tais noções, desenvolvidas por Freud, poderiam ser cruciais, se articuladas ao marxismo,
para a compreensão, por exemplo, da psique infantil. 23
Tal lacuna da teoria marxista poderia ser preenchida pelas ideias desenvolvidas por Freud. A
contribuição da psicanálise freudiana dar-se-ia em dois campos: na afirmação de que as fontes
latentes do desenvolvimento social pertencem ao complexo da “mentalidade sexual”
(myshlenie); e na noção de que os problemas eróticos não resolvidos são transportados ou
deslocados para as construções sociais. Assim, Reisner argumentava que as fantasias eróticas
infantis poderiam ser reelaboradas na vida adulta através do compromisso religioso estabelecido
23
MILLER, Martin. “Freudian Theory under Bolshevik Rule…”, op cit, p. 628.
9
entre os indivíduos e as instituições religiosas. Para o autor, a ideia de sublimação (segundo a
qual os conflitos psíquicos são reelaborados em formas socialmente aceitas de comportamento e
trabalho) era crucial para pensar as formas nas quais os conflitos inconscientes são manejados na
sociedade. Subjazia ao compromisso religioso, portanto, uma complexa rede de afetos
permeada por interesses conflitantes, que variavam da noção de dependência à noção de
independência, do sentimento de importância à apatia. Tais sentimentos eram estruturados no
processo de desenvolvimento individual e nos processos de adesão e culto a figuras de
autoridade. O indivíduo religioso, portanto, buscava alívio de seus conflitos internos na adesão à
autoridade transcendente que supostamente estruturava o mundo.
24
Apud idem, p. 631.
25
Apud idem, ibidem.
26
Orlando Figes, historiador britânico e professor da Universidade de Londres, afirmou que a celebração dos líderes
soviéticos iniciou-se em 1918: “Uma biografia de Lenin destinada aos trabalhadores foi lançada às pressas [em 1918].
Com o tipo de título que se associa mais facilmente com os cultos de Stalin ou Mao – “O grande líder da revolução
dos trabalhadores” – ela retratou Lenin como um indivíduo supremamente sábio, uma figura sobre-humana
semelhante a Deus e amada por todos os trabalhadores. Um panfleto similar, chamado ‘O líder dos pobres rurais, VL
Ul'ianov-Lenin’, foi produzido para os camponeses e impresso em 100 mil cópias. Tal panfleto assemelhou-se a ‘Vidas
dos Santos’, a leitura favorita dos camponeses. Diversos mitos sobre Lenin, retratado como o paladino da Verdade e
da Justiça, começaram a circular entre os camponeses. Fotografias dele apareceram pela primeira vez em aldeias
remotas. Tais fotografias foram, muitas vezes, colocadas no 'canto vermelho', o 'lugar sagrado' dentro da cabana dos
camponeses onde ícones e retratos do czar eram tradicionalmente colocados.”. Cf. FIGES, Orlando. A people’s
tragedy: the Russian revolution (1891-1924). New York: Penguin, 1996, p. 628-629.
10
A posição de Bykovskii foi criticada pelo filósofo bolchevique V. Iurinets. Em “Freudismo e
marxismo”, publicado em 1924 na revista “Sob a bandeira do marxismo”, Iurinets caracterizava a
perspectiva freudiana como tributária do idealismo burguês de Nietzsche, Sorel e Bergson. O
autor afirmava que a primeira tópica freudiana (composta pelo inconsciente, pelo pré-consciente
e pelo consciente) e as abordagens sociais do psicanalista vienense, além de especulativas, eram
27
reducionistas e não serviam para explicar processos históricos ou as motivações das massas. O
autor caracterizava a teoria freudiana como uma espécie de “filosofia da degradação”, que criava
28
um “mundo fantástico e inalcançável”. E, sobretudo, o filósofo lia a teoria psicanalítica como
um ataque ao marxismo: “A sociologia freudiana é a parte mais débil do sistema psicanalítico: ela
é, simplesmente, uma contradição completa e colossal. Por trás dela, existe o ódio cego e a raiva
contra o marxismo”. 29 Ele citava diversos “ataques” ao marxismo vindo de discípulos de Freud:
Contudo, apesar das críticas, as ideias freudianas pareciam possuir peso no Segundo
31
Congresso Psiconeurológico, ocorrido entre três e dez de janeiro de 1924 em Petrogrado. O
principal defensor de tais ideias era o psicólogo Aron Zalkind (1886-1936) que, desenvolvendo a
sua intervenção no Congresso, associava, no artigo “Freudismo e Marxismo”, importantes
lideranças bolcheviques às noções psicanalíticas, direta e publicamente, pela primeira vez. Ele
vinculada as ideias de Pavlov aos bolcheviques – vinculados à ala partidária liderada por Stálin –
27
MILLER, Martin. “Freudian Theory under Bolshevik Rule…”, op cit, p. 628.
28
GRILLO, Sheila Vieira de Camargo. “Marxism, Psychoanalysis and Sociological Methods: Voloshinov’s, Soviet and
European Marxists’ Dialogue with Freud”, Bakhtiniana, São Paulo, 12 (3): 60-86, Set./Dez. 2017, p. 76.
29
“Freudian sociology is the weakest part of the psychoanalytic system; it is simply a complete and colossal
contradiction; besides this, it is the expression of a blind hate and rage in relation to Marxism”. Apud idem, ibidem.
30
“Communism is the expression of the tendency to join with the mother – the eternal nostalgia to return to the
mother’s womb” (1924, p.90); “The communist workers movement is an attempt to return to an infantile state”
(1924, p.90); “Communism is neo-feudalism” (1924, p.91); “Marx’s dialectic is an expression of paranoia that,
together with the mystic belief in the role of the proletariat, acquires a form of religious paranoia”; “The slogan
‘workers of the world unite’ is an expression of class homosexuality”. Cf. idem, ibidem.
31
Ver MILLER, Martin. “Freudian Theory under Bolshevik Rule…”, op cit, p. 635.
11
Nikolay Bukhárin (1888-1938) e Grigori Zinoviev (1883-1936); e vinculava à psicanálise os
oposicionistas Trotsky e Karl Radek (1885-1939).
Em maio de 1925, Reisner publicava seu segundo artigo em defesa da articulação entre
marxismo e freudismo. No texto, publicado na revista “Imprensa e revolução”, Reisner admitia
que a aplicação da teoria freudiana aos processos históricos poderia resultar numa vulgarização,
calcada na simples transposição dos processos psíquicos para os processos sociais. O autor
mencionava a obra de Avrel Kolnai (1900-1973), “Psicanálise e Sociologia” (1920), como um
exemplo deste tipo de simplificação. Segundo Kolnai – que foi utilizado por Iurinets para criticar
as aproximações realizadas entre o marxismo e o freudismo – o comunismo seria um estágio de
regressão social no qual as fantasias e demandas infantis seriam gratificadas. De acordo com
Reisner, o proletariado, para Kolnai, não era uma classe social, mas um símbolo coletivo do
desejo infantil reprimido de possuir a mãe (a terra) e matar o pai (o Estado). Como escapar deste
tipo de articulação na conjugação teórica entre o marxismo e a psicanálise?
Tal proposição era, também, uma resposta à afirmação de Bukhárin, que, segundo Reisner,
havia escrito que inexistiam “forças psíquicas” nas quais o comportamento coletivo, a motivação
individual e os símbolos sociais se articulavam para criar o movimento da história. Para Bukhárin,
existiam apenas os fenômenos sociais concretos, que se constituíam pelas forças produtivas,
pelas relações de produção e pela cultura (composta por normas e ideias). Reisner, combatendo
Bukhárin, enfatizava a dimensão individual e simbólica dos processos sociais.
32
Apud idem, p. 634.
12
Assim, o autor procurava mostrar as articulações possíveis entre os conflitos de classe e os
conflitos individuais inconscientes, a partir da noção de que o princípio de realidade, em um nível
social, poderia possuir uma dimensão saudável ou uma dimensão “destrutiva”, “patológica”. O
proletariado, segundo Reisner, estava submerso em uma subordinação maior do que a pensada
por Marx: além da exploração econômica proporcionada pela escravidão assalariada, ele estaria
submetido a uma situação de ilusão e de frustração. O problema da dominação ideológica,
portanto, era também um problema das identificações inconscientes mobilizadas pelas classes
dominantes para o exercício do poder. Reisner mencionava, por exemplo, como o czarismo
instrumentalizou as noções de família, religião e pátria para a manutenção da cadeia hierárquica
de dominação. Neste processo de identificação, as classes subalternas internalizavam a noção de
que os seus problemas, tanto os econômicos quanto àqueles referentes à repressão psíquica,
eram sanados por tais figuras de autoridade. 33
33
Ver idem, pp. 633-635.
34
Ver MILLER, Martin. Freud y los bolcheviques, op cit, p. 140.
13
4. além da pulsão de morte?
A difusão das ideias de Freud foi intensa na primeira metade do decênio de 1920, assim
como os debates que ela suscitou. De que maneira, contudo, a psicanálise freudiana foi
apropriada pelos seus defensores soviéticos? Em 1925, “Além do Princípio do Prazer” foi
publicado na URSS, e a introdução ficou a cargo de Luria e Lev Vygotsky (1896-1934). Tal
introdução parece indicar uma leitura comum aos freudianos soviéticos sobre as relações entre
as noções de princípio de prazer e o princípio de realidade. No texto, Luria e Vygotsky colocavam-
se favoráveis à radicalidade do texto freudiano. Os autores iniciavam a introdução comentando
que a psicanálise freudiana era muito popular no país, entre os estudiosos e entre o público em
geral, e vislumbravam nesta difusão das ideias freudianas o surgimento de uma tendência
14
psicanalítica soviética capaz de conjugar a reflexologia pavloviana com a psicanálise, 35 em termos
similares aos desenvolvidos por Trotsky em 1923.
No texto referido, Luria e Vygotsky postulavam uma oposição radical – que constituía a
“dialética do organismo e o desenvolvimento ‘espiralado’ do ser humano” – entre as “tendências
36
biológicas conservadoras” (i.e., a pulsão de morte) e as influências “sociológicas progressistas”.
Tal oposição traduzia-se numa tensão entre o indivíduo e o meio-ambiente, o qual moldava o
princípio de realidade. Segundo os autores, a condição da reestruturação psíquica, portanto,
encontrava-se na mudança das condições históricas que informavam as demandas efetuadas
pelo princípio de realidade:
35
LURIA, Aleksandr; VYGOTSKY, Lev. “Introduction to the Russian Translation of Freud’s Beyond the Pleasure
Principle”. Trad. Rene Van der Veer. In: VEER, Rene Van der (edit.). The Vygotsky Reader, Oxfor, Basil Blackwell, 1994,
p. 11.
36
“So, according to Freud, the history of the human psyche embodies two tendencies, the conservative-biological and
the progressive-sociological”. Cf. idem, p. 16.
37
“However, if the biological conservative tendency to preserve the inorganic equilibrium is concealed in the deeper
layers of psychic life, how can humanity’s development from lower to higher forms be explained? (…) Freud provides
us with a highly interesting and deeply materialistic answer, i.e. if in the deep recesses of the human psyche there
still remain conservative tendencies of primordial biology and if, in the final analysis, even Eros is consigned to it, then
the only forces, which may propel us toward progress and activity, are external forces, in our terms, the external
conditions of the material environment in which the individual exists. It is they that represent the true basis of
progress, it is they that create the real personality and make us adapt and work out new forms of psychic life; finally
they are the ones that suppress and transfer the vestiges of the old conservative biology” . Cf. idem, ibidem.
15
A interpretação realizada por Luria e Vygotsky do título do livro de Freud reforça a oposição
entre os “princípios biológicos conservadores” e as “forças externas”. Segundo eles, “é esta
tentativa da mente de superar as verdades previamente estabelecidas – a tentativa de ir além do
princípio do prazer – que é a força criativa por trás deste livro”. 38
Contudo, o dualismo proposto por Vygotsky e Luria inexiste no texto de Freud. Os autores
referidos parecem partir da noção de adaptação dos sujeitos: o princípio de realidade (postulado
como a cultura) modula, através de suas demandas externas, o “princípio de prazer”, apesar da
função conservadora da pulsão de morte. Tal esquema, fundamentado na noção de “progresso”
das sociedades, explicaria o desenvolvimento humano e a superação das pulsões, apesar da
compulsão à repetição ensejada pela pulsão de morte. Para Freud, entretanto, o “princípio de
realidade” é uma instância psíquica que funciona como um escudo contra a realidade externa, ao
39
invés de confundir-se com tal realidade. A noção de pulsão de morte é, também, distinta nas
abordagens de Freud e de Luria e Vygotsky, e revela dois modelos opostos de história. Para os
autores referidos, a transição dos modos de vida primitivos para os complexos realiza-se
mediante um modelo de temporalidade linear, na qual uma fase de desenvolvimento suplanta a
outra, num sentido progressivo. Para Freud, porém, o psiquismo escapa desta lógica. No
inconsciente não existe temporalidade ou progresso: a tendência à compulsão à repetição é
sempre uma tentativa fracassada de satisfazer pulsões primitivas. A transferência e a sublimação
são repetições que nunca são idênticas ao evento original reprimido e, também, não o superam –
40
o inconsciente caracteriza-se pela simultaneidade, e não pela sucessão. Para Freud, contudo, e
ao contrário do que afirmam Luria e Vygotsky, inexiste um “instinto universal em direção ao
desenvolvimento”. Segundo o pensamento do analista vienense, a sociedade é construída na
repressão. Paradoxalmente, é a compulsão à repetição, estruturada pela pulsão de morte, que
faz avançar a civilização. Com efeito, é notável que as tentativas soviéticas de articular Marx e
Freud coincidiam nesta cisão entre o princípio de prazer e o princípio de realidade, entre a pulsão
de vida e a pulsão de morte. Também Reisner, por exemplo, parecia tratar o princípio de
38
“It is this attempt of the mind to reach farther than this truth – beyond the pleasure principle – which was the
creative force behind this book”. Cf. LURIA, Aleksandr; VYGOTSKY, Lev. “Introduction to the Russian Translation of
Freud’s Beyond the Pleasure Principle”, op cit, p. 12.
39
“Sob a influência dos instintos de autopreservação do ego, o princípio de prazer é substituído pelo princípio de
realidade. Esse último princípio não abandona a intenção de fundamentalmente obter prazer; não obstante, exige e
efetua o adiamento da satisfação, o abandono de uma série de possibilidades de obtê-la, e a tolerância temporária
do desprazer como uma etapa no longo e indireto caminho para o prazer”. Cf. FREUD, Sigmund. “Além do princípio
de prazer”. In Obras completas Vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 20.
40
Ver PROCTOR, Hannah. “A Country Beyond the Pleasure Principle…”, op cit, p. 170.
16
realidade como a própria realidade, ao invés tratá-lo como um dispositivo psíquico. Tal leitura
comum poderia indicar, efetivamente, uma apropriação particular das obras de Freud pelos
41
analistas e teóricos soviéticos.
5. a construção do recalque
Na primavera de 1925, dois debates públicos sobre marxismo e freudismo ocorreram, e tais
43
debates evidenciavam o aumento da repressão aos freudianos. Parte da repressão explicava-se
pela política estatal de proibir as pesquisas sobre a sexualidade infantil, as quais remetiam,
segundo o governo, à Freud. 44 Em um dos debates, promovidos pela Academia Comunista, Luria,
Wulff e Reisner defenderam a teoria psicanalítica.
41
Tatiana Zarubina aponta para a noção soviética acerca de um sujeito integral, ao contrário da noção freudiana de
sujeito cindido. Com efeito, tal concepção soviética era expressa no termo licnost (pessoa), frequentemente utilizado
pelos psicanalistas, ao invés de sub”ekt (sujeito). Ver ZARUBINA, Tatiana. La psychanalyse en Rusie dans les années
1920 et la notion de Sujet. Cahiers de l’ILSL, no. 24, 2008, p. 269.
42
“‘The writer thought that this case – that of a girl whom an obsessional impulse drove to commit suicide by burning
– illustrates the isolated operation of the destructive instinct’”. Cf. idem, p. 174
43
Ver MILLER, Martin. “Freudian Theory under Bolshevik Rule…”, op cit, p. 638.
44
Ver MILLER, Martin. Freud y los bolcheviques, op cit, p. 152.
17
entre Freud e Pavlov. No mesmo ano, Wulff foi eleito para integrar o comitê editorial do Jornal
45
Internacional de Psicanálise. Já em 1926, ocorreram 20 encontros da Associação, além de
muitas aulas e conferências em diversos institutos médicos e educativos de Moscou. Apenas o
número das publicações editadas por Ermakov apresentou uma queda substantiva. 46
Zalkind, antes fiel defensor da psicanálise, passava a atacá-la. Em seu texto “Os doze
mandamentos“, formulou uma política de repressão que o governo poderia empregar para o
45
Ver idem, p. 143.
46
Ver idem, ibidem.
47
Ver MILLER, Martin. “Freudian Theory under Bolshevik Rule…”, op cit, p. 639. É curioso notar que o autor entende
por inconsciente, aparentemente, uma espécie de falta de esclarecimento, e não uma instância psíquica.
48
“(…) class society is the richest source of traumatizing influences on the psyche”. Cf. MILLER, Martin. “Freudian
Theory under Bolshevik Rule…”, op cit, p. 640.
18
combate às perversões sexuais, distanciando-se radicalmente de suas concepções anteriores. De
acordo com Martin Miller,
Em 1927, Valentin Voloshinov (1895-1936) publicava, pela Editora Estatal, o livro “Sobre o
freudismo: um ensaio crítico”. Apesar de reconhecer o “giro copernicano” que Freud havia
operado com relação à compreensão da psique, 50 Voloshinov aderia às teses desenvolvidas por
51
Iurinets. Por outro lado, Ilyá Abramovich Perepel (1895-1964), um freudiano de Leningrado,
tentou publicar um livro em defesa da psicanálise, intitulado “Psiconeurologia soviética e
psicanálise: sobre a questão do tratamento e da profilaxia das neuroses na URSS”. Perepel
criticava, no texto, o sistema de saúde soviético e posicionava-se por uma nova política que
priorizasse a “liberdade individual para as massas de cidadãos soviéticos”, articulada à “medicina
da sociedade capitalista”, como parte da melhoria geral do sistema de saúde. Ao contrário de
Voloshinov, Perepel não conseguiu a aprovação da Editora Estatal para publicar seu livro e o
publicou clandestinamente. 52
49
“Zalkind llevo su moralismo ideologico mas lejos describiendo la conducta sexual aprobada por el comunismo. En
sus notorios “Doce mandamientos”, prevenia acerca del matrimonio antes de los veinte anos, aseguraba que las
mujeres (pero no los hombres) deseaban permanecer monogamos, y creia que el sexo entre distintas clases sociales
era una forma de la “perversion sexual”. Para lós lectores interesados, Zalkind llego a citar casos especificos de
“agotamiento moral” que era necesario controlar”. Cf. MILLER, Martin. Freud y los bolcheviques, op cit, pp. 159-160.
50
Voloshinov escreveu: “A vida psíquica, para os antigos psicólogos, era constituída de “paz e quietude”: tudo estava
em seu devido lugar, sem crises e sem catástrofes. Do nascimento à morte existia um caminho suave e estável em
direção ao progresso, constituído por um progressivo desenvolvimento mental, no qual a mentalidade do adulto
substituía a inocência infantil. Tal otimismo naive da psicologia era a tônica da psicologia pré-freudiana” (“Mental life
for the old psychologies was all “peace and quiet”: everything put right, everything in its place, no crises, no
catastrophes; from birth to death a smooth, straight path of steady and purposive progress, of gradual mental
growth, with the adult's consciousness of mind coming to replace the child's innocence. This naïve psychological
optimism is a characteristic of all pre-Freudian psychology.”). Apud PROCTOR, Hannah. Revolutionary thinking, op
cit, p. 62.
51
Ver GRILLO, Sheila Vieira de Camargo. “Marxism, Psychoanalysis and Sociological Methods…”, op cit., p. 76.
52
Ver MILLER, Martin. Freud y los bolcheviques, op cit, p. 151.
19
Trotsky, divergindo da maioria do Partido, saiu em defesa da psicanálise no artigo “Cultura e
Socialismo”, publicado em Janeiro de 1927 na revista Novyi mir. Ele escreveu:
Freud não estava alheio ao processo repressivo que se desenvolvia na URSS. Em uma carta à
Ossipov, datada de 23 de fevereiro, ele escreveu que:
A psicanálise na União Soviética está, aliás, passando por maus bocados. Por algum
motivo, os bolcheviques concluíram que a psicanálise é hostil ao sistema soviético.
Você sabe, com efeito, que a nossa ciência não pode ser posta a serviço de partido
algum, mas que precisa de liberdade para se desenvolver. 54
53
“The attempt to declare psychoanalysis" incompatible" with Marxism and simply turn one's back on Freudism is too
simple, or, more accurately, too simplistic. But we are in any case not obliged to adopt Freudism. It is a working
hypothesis which can produce, and undoubtedly does produce, deductions and conjectures which proceed along the
lines of materialist psychology. The experimental procedure will in due course provide the tests for these conjectures.
But we have no grounds and no right to put a ban on the other procedure which, even though it may be less reliable,
nevertheless tries to anticipate the conclusions toward which the experimental procedure is itself advancing rather
slowly”. Apud MILLER, Martin. “Freudian Theory under Bolshevik Rule…”, op cit, p. 644.
54
“The [psycho-] analysts in Soviet Russia are, by the way, having a bad time. From somewhere the Bolsheviks have
caught the opinion that psychoanalysis is hostile to their system. You know the truth that our science is not able to be
put into the service of any party, but that it needs a certain liberalmindedness (Freiheitlichkeiint ) turn for its own
development”. Apud idem, p. 641.
55
Ver MILLER, Martin. Freud y los bolcheviques, op cit, p. 149.
20
O interesse pela psicanálise está muito difundido aqui [no Cáucaso Setentrional],
mas de maneira superficial. “Não se tem tempo” para se dedicar ao assunto porque
interesses mais essenciais e “práticos” estão no caminho. O representante oficial
da psiquiatria clínica em Rostov-sobre-Don valoriza as realizações da psicanálise,
mas adverte contra os “exageros” na esfera da sexualidade. (...) é o destino da
análise – compreensível do ponto de vista das pulsões – sempre suscitar resistência
onde se exibe a maior paixão. Assim, na Rússia, nós nos defrontamos com uma
resistência completamente não justificada, que é totalmente desconhecida no
estrangeiro; é o medo de que a psicanálise, “produto do sistema capitalista”, vá
contra os interesses das classes trabalhadoras. A psicanálise é acusada de remontar
tudo à sexualidade e, dessa forma, negar as realizações de Marx, que, como se
sabe, deriva tudo das condições sócio-econômicas. Há um grande erro aqui que
não pode ser esclarecido em um par de linhas: os ensinamentos de Freud e Marx
não devem excluir um ao outro e podem coexistir perfeitamente bem. Muitos de
nossos colegas, como o Prof. Reisner, o jovem Prof. Luria, a Dra. Rosenthal e outros
já falaram e escreveram sobre isso. (...) O Prof. Wulff e o Prof. Luria têm uma feroz
batalha para travar. Finalmente, eu mesma senti a necessidade de ministrar uma
conferência, na Sociedade de Neurologia e Psiquiatria local, sobre a reflexoterapia
e a psicanálise. Nela, mostrei quão pouco há de subjetivo e místico no ensino de
Freud e quanto uma boa parte do ensinamento de Freud encontra confirmação na
psicologia biológica ou “reflexologia”. 56
O cenário descrito por Spielrein era desolador para os psicanalistas freudianos. Contudo, até
1929 era possível rastrear alguns posicionamentos em defesa da teoria freudiana. Em dezembro
deste ano, por exemplo, Eisenstein declarou-se freudiano em uma entrevista concedida para a
57
revista “Cinemonde”. Porém, a defesa mais explícita de Freud no período referido parece
56
Apud CROMBERG, Renata Udler. “Psicanálise na Rússia”, op cit., pp. 93-94.
57
“Eisenstein: ‘Nós temos uma posição errada quanto aos símbolos. É falho supor que o símbolo é algo sem vida. O
poder da simbolização é sempre um poder vivo, pois pertence à essência do aparato sensório humano’. Jornalista:
‘Então você é freudiano?’. Eisenstein: ‘Sem dúvida. Sendo que todo homem simboliza sem perceber, é o papel dos
filmes tirar as consequências deste fato. Não é o símbolo constituído que me atrai, mas o processo de constituição
do símbolo’”. (“Eisenstein: We have an erroneous position in the notion of the symbol. It is wrong to claim that the
symbol is something lifeless. The power of symbolizing is always a living power, since it pertains to the essence of
human sensory reaction. Journalist: Ahah! So you’re Freudian? Eisenstein: No doubt. Since every man symbolizes
without noticing it, film must drawn the consequences. It is not the symbol that has arisen that interests me, but the
symbol arising.”). Cf. ALBERA, François (introd.). Sergei Eisenstein, Wilhelm Reich. Correspondence. Trad. Ben
Brewster. Screen, 22, 4, 1981, p. 80. Desde 1927, a influência das ideias de Freud no cinema eisensteiniano era
21
encontrar-se no artigo de Spielrein intitulado “Sobre a palestra do Dr Skalkovsky”, texto
apresentado no I Encontro de Psiquiatras e Neuropatologistas do Cáucaso Setentrional.
Aparentemente, este é o único texto publicado por ela em russo. Nele, Spielrein enfatizava a
abordagem crítica e cultural de Freud e realizava uma defesa do psicanalista vienense, afirmando
que sua doutrina era muito mais ampla que a de todos os seus seguidores e críticos. Spielrein
apontava para a necessidade de analisar o recalcado e suas representações, procurando
fundamentar a noção de “psicanálise abortiva” – uma análise na qual, por conta do breve tempo
do tratamento prescrito pelos ambulatórios, apenas alguns grupos de representações recalcadas
eram analisados. Segundo Spielrein:
Seria possível que Spielrein estivesse convocando a audiência e os leitores para o estudo das
condições sociais do país? No mesmo ano, em agosto, Wilhelm Reich (1897-1957) viajava à URSS
para uma visita de dois meses. Ele deu uma palestra na Academia Comunista, posteriormente
publicada com o título de “Psicanálise na União Soviética”, na qual afirmava que a prática
reconhecida. Conforme relatado pelo jornalista americano Joseph Freeman (1897-1965), em 1927, o artista
construtivista Sergei Tretiakov (1892-1937), pretendendo escrever uma nota sobre Eisentein, pretendia enfatizar a
enorme influência de Freud. De 1929 em diante, porém, Eisenstein iniciou um processo de distanciamento das
teorias freudianas. Em 1934, em uma carta a Wilhelm Reich, Eisenstein criticava o reacionarismo da psicanálise.
Contra a suposta tentativa de estabelecimento de normas pela psicanálise, ele escreveu que “os limites entre o
normal e o patológico não podem ser traçados” (“‘the boundary between the normal and the pathological cannot be
drawn’”). Apud PROCTOR, Hannah. Revolutionary thinking, op cit, p. 263. Reich escreveu a Eisenstein procurando
colaboração para pensar as relações entre o cinema e a psicanálise e, sobretudo, questionando Eisenstein acerca das
possibilidades de formulação de uma política cultural revolucionária que abarcasse o campo sexual. Reich menciona
alguns filmes soviéticos para exemplificar a “estética do orgasmo” que ele propunha: “Cama e sofá” (Abraam Room,
1927), “A estrada para a vida” (Nikolai Ekk, 1931), “Terra” (Aleksandr Dovchenko, 1930) e “Encouraçado Potemkin”
(Eisenstein, 1925). Eisenstein, em sua resposta a Reich, reprovava-lhe a centralidade da sexualidade na teoria do
psiquismo. O sexual, segundo ele, ainda que decisivo, não era mais do que um dos aspectos das manifestações
psíquicas. Assim, para Eisenstein, “a forma como os relacionamentos são representados pela psicanálise nega o real
estado das coisas” (“the form of the relashionships as represented by psychoanalysis denies the real state of affairs” ).
Apud ALBERA, François (introd.). Sergei Eisenstein, Wilhelm Reich..., p. 86.
58
SPIELREIN, Sabina. “Sobre a palestra do Dr Skalkovsky”. In: SOUZA, Paulo Sérgio (org.). A psicanálise e os lestes. São
Paulo: Annablume, 2017, pp. 151, 154.
22
59
psicanalítica crescia no país, viabilizada pelo governo e pelo processo revolucionário. Wulff
criticou publicamente as posições de Reich, associando-as ao discurso estatal:
O leitor que espera encontrar no artigo [de Reich] uma descrição objetiva da
presente situação e do desenvolvimento histórico da psicanálise na Rússia ver-se-á
profundamente decepcionado. A publicação de Reich é, fundamentalmente, uma
tentativa de adaptar a psicanálise aos desejos e às exigências de seus críticos
comunistas, visando fazê-la parecer mais aceitável deste ponto de vista. Porém, a
psicanálise sofreu muito com tal intenção, e foi mutilada a tal ponto que apenas
uma parte dela hoje ainda merece o nome de psicanálise. A situação real dela na
União Soviética é bastante simples e de modo algum excepcional. O destino dela é
compartilhado, por exemplo, pela teoria da relatividade, a teoria quântica, a
fenomenologia, a teoria gestáltica, a filosofia, a psicologia moderna e até mesmo a
biologia... Cada novo pensamento, cada ideia, cada novo descobrimento teórico ou
científico é recebido com a maior desconfiança e suspeita. Não surpreende,
portanto, que a psicanálise, que suporta o juízo do tribunal do Partido, não esteja
livre da culpa. Poder-se-ia dizer que um forte movimento psicanalítico tinha
condições de surgir na Rússia, caso não tivesse se chocado com a enérgica oposição
das autoridades. Porém, o que Reich escreveu não é mais do que a opinião do
Partido Comunista que governa a URSS, e é este o título que o ensaio dele deveria
ter recebido. 60
59
MILLER, Martin. “Freudian Theory under Bolshevik Rule…”, op cit, p. 641.
60
“El lector que piensa que hallara en el articulo [de Reich] uma descripcion objetiva de la presente situacion o del
desarrollo histórico del psicoanalisis en Rusia, se vera profundamente decepcionado en sus expectativas. La
publicacion de Reich es, basicamente, solo un intento de adaptar el psicoanalisis a los deseos y exigências de sus
criticos comunistas a fin de hacerla mas aceptable desde su punto de vista. Pero el psicoanalisis ha sufrido mucho con
el intento, y tan gran parte de este ha sido sacrificado que apenas merece el nombre de psicoanalisis... La situacion
real en la Union Sovietica es bastante simple, y de ninguna manera excepcional. El destino [del psicoanalisis] es
compartido, por ejemplo, por la teoria de la relatividad, teoria cuantica, la fenomenologia, la teoria gestaltica, la
filosofia y la psicologia modernas, y hasta la biologia... Cada nuevo pensamiento, cada idea, cada nuevo
descubrimiento teórico cientifico es recibido con la mayor desconfianza y sospecha... y no resulta sorprendente que el
psicoanalisis, que soporta el juicio de este estricto tribunal del Partido, no podria encontrarse libre de toda culpa,.. Se
puede decir con certeza que un movimiento psicoanalitico fuerte y productivo podria desarrollarse en Rusia si no
chocara con la mas energica oposicion de las autoridades. Pero lo que Reich ha descripto es la opinion del Partido
Comunista gobernante de La U.R.S.S., y este es el titulo que el presente ensayo debia haber tenido”. Cf. MILLER,
Martin. Freud y los bolcheviques, op cit, p. 155.
23
sobre a pulsão de morte. Nele, Reich propunha que a pulsão de morte era elaborada como uma
resposta ao princípio de prazer, ao invés de precedê-lo. Reich aproximava-se, assim, do
argumento de Luria e Vygotsky, ao opor o princípio de realidade (mundo social) ao princípio de
prazer (realidade psíquica):
Em 1930, foi publicada a última obra de Freud durante o período stalinista na URSS: “O
futuro de uma ilusão”, traduzida e editada por Ermakov. O prefácio, também a cargo de Ermakov,
associava a psicanálise aos valores da pequena burguesia, o que talvez indique as pressões
políticas impostas aos analistas. No livro, publicado originalmente em 1927, Freud definia o
campo religioso como uma ilusão, na qual eram projetadas e realizadas as fantasias infantis
reprimidas dos sujeitos. 62 A crítica de Freud, aliás, parecia assemelhar-se às críticas estabelecidas
por Reisner, quatro anos antes, sobre a adesão das massas às práticas religiosas. Freud chegava,
63
com efeito, a definir a religião como a “neurose obsessiva universal da humanidade”, tal como
Reisner o fizera.
No texto, Freud associava, em dois momentos, a ilusão religiosa à ilusão estatal. Contudo,
julgando-se inapto a analisar o processo revolucionário russo, apenas o menciona brevemente e
indica, não obstante, a necessidade da superação da cultura das sociedades burguesas. 64Porém,
61
“(…) the reality principle as it exists today is only the principle of our society […] the reality principle of the
capitalist era imposes upon the proletarian a maximum limitation of his needs while appealing to religious values,
such as modesty and humility[…] All this is founded on economic conditions; the ruling class has a reality principle
which serves the perpetuation of its power”. Apud PROCTOR, Hannah. Revolutionary thinking, op cit, p. 72.
62
Em “O futuro de uma ilusão”, Freud definia ilusão da seguinte maneira: “(...) chamamos uma crença de ilusão
quando se destaca em sua motivação o cumprimento de desejo, ao mesmo tempo em que não levamos em conta
seu vínculo com a realidade”. Cf. FREUD, Sigmund. O futuro de uma ilusão. Trad. Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM,
2010, p. 86.
63
Idem, p. 109.
64
Freud escreveu, sobre a Revolução Russa, que “(...) quero assegurar expressamente que não tenho interesse em
julgar o grande experimento cultural que está sendo feito atualmente na vasta nação situada entre a Europa e a Ásia.
Não possuo o conhecimento de causa ou a capacidade para julgar sua exequibilidade, examinar a adequação dos
métodos empregados ou medir a extensão do inevitável abismo entre as intenções e sua realização. Por estar
incompleto, o que lá está em preparo escapa a considerações para as quais a nossa cultura, há tempos consolidada,
oferece o material”. Sobre a cultura burguesa, Freud escreveu: “Não se deve, pois esperar uma interiorização das
24
em uma carta do final do decênio de 1920, Freud era incisivo na crítica ao stalinismo e
comparava o bolchevismo a uma ilusão, tal qual fizera com o campo religioso. Ele escreveu que:
O último relatório de Vera Schmidt sobre as atividades da Sociedade Psicanalítica Russa data
de 1930, no qual ela relata que, em 17 de fevereiro, Friedman discutiu as críticas à psicanálise
feitas no Primeiro Congresso de Psicólogos de toda a União Soviética. De acordo com Schmidt,
66
dentre os psicólogos que lá estavam, nenhum deles defendeu Freud. Em julho de 1931, após o
Congresso referido, a Sociedade Psicanalítica Russa foi dissolvida.
proibições culturais entre os oprimidos; pelo contrário, eles não estão dispostos a reconhecer estas proibições, antes
estão empenhados em destruir a própria cultura e, eventualmente, até em abolir os seus pressupostos. (...) Não é
preciso dizer que uma cultura que deixa insatisfeito um número tão grande de membros e os incita à rebelião não
tem perspectivas de se conservar perpetuamente, nem o merece”. Cf. Idem, pp. 43; 49.
65
“In spite of all my dissatisfaction with the present economic system I have no hope that the road pursued by the
Soviets will lead to improvement. Indeed any such hope that I may have cherished had disappeared in this decade of
Soviet rule. (…) “We have been deprived by it of a hope – and an illusion – and we have received nothing in
exchange”. Apud PROCTOR, Hannah. “A Country Beyond the Pleasure Principle…”, op cit, p. 178.
66
Ver CROMBERG, Renata Udler, “Psicanálise na Rússia”, op. cit.
25
6. o “homem máquina” e a apologia do trabalho
26
primeiro número do jornal “Psicofisiologia do trabalho e psicotécnicas”, que objetivava
desenvolver técnicas de treinamento mental para a elevação da produtividade nas indústrias.
Constituíam-se, portanto, dois campos de atuação para o Partido: o estudo do desenvolvimento
psíquico infantil e o condicionamento para o trabalho.
Suponhamos que nos tenha sido dada a tarefa de estudar a criança ou o adulto em
uma instituição composta por freudianos. Como tal coletivo de analistas
empreenderia a tarefa referida? Para Freud, o homem existe inteiramente no
passado. Tal passado está em guerra com o presente, e é mais forte do que ele.
Para Freud, a personalidade dos homens “gravita” em torno deste passado, e as
tentativas de combater tal passado levam a uma tragédia profunda. Para Freud, o
consciente é subordinado ao inconsciente. Para Freud, os homens são preservados
dos imperativos sociais mediante a construção de uma estratégia de
comportamento criada em seus mundinhos privados. Para Freud, o homem é um
títere de suas forças internas, elementares. Quais tipos de resultados nós teríamos
destas premissas? Como poderíamos usar a concepção freudiana de homem para a
construção socialista? Nós precisamos, pelo contrário, de um homem socialmente
“aberto”, que possa ser facilmente coletivizado, e rápida e profundamente
transformado em seus comportamentos. Nós precisamos de um homem que seja
capaz de ser estável, plenamente consciente e independente, além de treinado
69
Ver BAUER, Raymond. The New Man in Soviet Psychology, op cit, p. 92.
70
Ver idem, p. 95.
71
Apud MILLER, Martin. Freud y los bolcheviques, op cit, p. 170.
27
política e ideologicamente. O “homem freudiano” responde a tais demandas da
construção socialista? Da instituição composta por freudianos, nós teríamos, de
seus estudos sobre o comportamento humano, apenas algumas afirmações muito
“significativas”, tais como as de que os homens escolhem “inconscientemente” e a
de que o passado dirige as suas vidas. 72
28
aos problemas de saúde mental manifestados pela população, registrados por muitos psicólogos
e psiquiatras, que denominavam tais diagnósticos de distintas maneiras: “neurastenia em
massa”, “’esquizoidização’ em massa’, “massificação dos sintomas autistas” e “exaustão
76
soviética” (Soviet iznoshennost). De toda maneira, existia um consenso no meio clínico a
respeito do aumento exponencial dos fenômenos de exaustão mental, apatia e de perda da
capacidade de trabalhar entre os jovens. Os psiquiatras também notavam os problemas
específicos desenvolvidos pelos militantes que mudaram do trabalho manual para o trabalho
intelectual, manifestados por medos de inadequação social. Os jornais iniciaram, por influência
do movimento pela saúde mental, uma campanha contra as más condições dos hospitais e contra
o espancamento de doentes mentais pela população rural. 77
Tal movimento parece ter sido o último respiro crítico no campo da psiquiatria. A repressão,
com efeito, veio rápida. Por medo dela, o psiquiatra Pyotr Gannushkin (1875-1933) afirmou que
78
publicou seus artigos sobre “invalidez juvenil” em jornais de pouca circulação. Os alunos de
Gannushkin, inclusive, insistiram, no Congresso sobre o Comportamento Humano, que o
professor não queria, com seus estudos, criticar o processo revolucionário. Em fevereiro de 1930,
a revista “Revolução e Cultura”, vinculada ao Comitê Central do Partido, abriu espaço para que
Gannushkin explicasse sua pesquisa. Ele afirmou, no artigo “Protegendo a saúde dos militantes
do Partido”, que o movimento pela saúde mental não questionava a noção de que o trabalho sob
o socialismo tinha um caráter revigorante, em oposição ao trabalho no capitalismo. 79
Analogamente, o livro “Trud, byt i zdorov’e partiinogo aktiva” (1931), do psiquiatra Leon
Rokhlin (1903-1984), sintetizava os resultados de cinco estudos sobre saúde mental entre os
militantes bolcheviques. Os resultados apresentados por ele indicavam que a porcentagem dos
militantes sofrendo de neuroses variava entre 41,5% e 88,7%. 80 A radicalidade do movimento era
tamanha que alguns psiconeurologistas chegaram a usar o termo “exploração” para referir-se às
81
jornadas de trabalho dos operários. Em resposta, o Comissário da Saúde, Mikhail Vladimirskii
(1874-1951), disse, em uma Conferência sobre educação médica realizada em 1931, que seria um
erro publicar estudos como os de Gannushkin ou Rokhlin. 82
76
JORAVSKY, David. “The Construction of the Stalinist Psyche”, op cit, p. 113.
77
Ver idem, p. 114.
78
Ver idem, p. 115.
79
Ver idem, ibidem.
80
Ver idem, p. 271.
81
Ver idem, p. 118.
82
Ver idem, p. 115.
29
No mesmo ano, S. I. Subbotnik – um dos líderes do movimento pela saúde mental –
desculpou-se publicamente, no artigo “Por uma ofensiva bolchevique no front teórico da
psiconeurologia”, pela afirmação que ele havia feito em outro artigo, de que a inspiração
socialista reduzia a sensação de fadiga. A inspiração socialista reduzia, segundo a retratação de
83
Subbotnik, a própria fadiga. O autor, no texto referido, atacava outros psiquiatras que
analisavam a exaustão do proletariado. Referindo-se a V. Dekhterev, Subbotnik escreveu que
“apenas um inimigo consciente ou inconsciente da construção socialista poderia escrever, como
um especialista fez, que os militantes que passaram do trabalho manual ao intelectual
84
apresentaram problemas especiais”. Subbotnik criticava também a ideia de “exaustão
soviética”, desenvolvida por Vassili Giliarovskii (1875-1959):
No nosso país, o movimento [pela saúde mental] deve ser um instrumento para
mobilizar as massas para a execução das tarefas de construção. Ele deve ser um
instrumento para criar uma personalidade que condiga com as demandas da nossa
sociedade socialista. 86
83
Ver idem, p. 116.
84
"Only a conscious or subconscious enemy of socialist construction could write, as another speciaJist had, that
activists transferred from manual to mental labor experienced special problems”. Apud idem, p. 116.
85
“So-called "Soviet exhaustion [iznoshennost']" does not exist in reality. What exists is merely a reactionary mania
[bred], by which they are trying to pit the proletariat against its revolutionary tempos, and by sowing fear of non-
existent difficulties to hold back our movement forward. This whole theory of Professor Giliarovskii is a theory of
bourgeois restoration.” Apud. idem, p. 116.
86
"In our country the movement must be an instrument for mobilizing the masses for the execution of the tasks of
construction, an instrument for creating a personality that fully meets the requirements of socialist society” Apud
idem, ibidem.
30
Devido à intensa perseguição, o movimento pela saúde mental terminou em 1931, um ano
após a sua fundação. Com efeito, um artigo de 1933 sintetizava a linha partidária adotada desde
1930. No texto “Os sucessos da neuropatologia soviética ao longo dos últimos 15 anos”,
publicado na Sovetskaia nevropatologiia, psikhiatrii i psikhogigiena, o psiconeurólogo M. B. Krol
(1879-1939) afirmou que a saúde mental dos trabalhadores estava assegurada pela dedicação ao
trabalho, fundamentada nas noções de honra, heroísmo e glória; e pela participação dos
trabalhadores no processo político. Eram estes os melhores meios de garantir o bem-estar do
proletariado. Segundo Krol, o papel dos psiconeurologistas, então, deveria se restringir à
proposição de atividades, como a calistenia, nos intervalos das jornadas de trabalho. 87
87
Ver idem, ibidem.
31
7. a psicologia como dispositivo repressivo e a construção do imaginário stalinista
Assim como a psiquiatria e a psicanálise, a psicologia também foi alvo de uma intensa
perseguição por parte do governo. Entretanto, diferentemente da psiquiatria, que enfatizou os
danos psíquicos provocados pela exploração do trabalho, ou da psicanálise, que procurou
elaborar uma leitura dos processos sociais soviéticos que incorporasse a dimensão psíquica do
inconsciente, a psicologia parece ter contribuído decisivamente para a construção de um
imaginário social alinhado aos interesses governamentais.
Em 1930, em um artigo publicado na “Vrachebnaia Gazeta”, Zalkind afirmou que a luta pelo
marxismo na psicologia começou em 1919 e se intensificou em 1922, na sessão de psicofisiologia
do Instituto de Educação Comunista, que foi criado pela iniciativa do APO-Tsk, ou seja, pela
divisão de agitprop do Comitê Central. 88 Segundo David Joravsky, esta foi a primeira vez em que
foi estabelecida a relação entre o agitprop e a noção de uma psicologia marxista. Com efeito, boa
parte da psicologia soviética parece ter servido aos interesses de agitação partidária, além de ter
contribuído na perseguição estatal. Tomemos, como um exemplo expressivo, as investigações
sobre a psicologia infantil.
88
Ver idem, p. 269.
89
Ver BAUER, Raymond. The New Man in Soviet Psychology, op cit, p. 84.
32
As crianças possuem uma noção vaga sobre a URSS. Poucas (20%) estão
familiarizadas com tal nome, e, destas, apenas 5% (alunos do centro de
alfabetização) foram capazes de dizer o que URSS significa (...). As crianças da
aldeia Tungus não possuem noção alguma sobre a revolução, o Partido Comunista,
o Komsomol, os Pioneiros ou os sindicatos. Apenas 4% dos alunos sabiam o que os
comunistas ou os Pioneiros são. A maioria das crianças não sabia o que é o Exército
Vermelho. Apenas 7% dos alunos disse que o Exército Vermelho é necessário. 90
Iuri (A):
Luria: ‘Isto é possível?’. Iuri: ‘É.’. Luria: ‘O que o gato está fazendo?’. Iuri: ‘Está
tocando um violino.’ Luria: ‘Pode um gato realmente tocar violino?’ Iuri: ‘Não.’
90
“The children had a very vague notion of the USSR. Only a few even (20%) were familiar with the name, and of
them only 5% (schoolchildren and students at the literacy centre) were able to say what 'USSR' meant […] The Tungus
children had no notion about the Revolution, the Communist Party, the Komsomol, the Pioneers, or the trade unions.
Only 4% of schoolchildren knew what the Communists or the Pioneers or the Komsomol were. Most of the children
had no notion of the Red Army. Only 7% (the schoolchildren) said that the Red Army was necessary”. Apud PROCTOR,
Hannah. Revolutionary thinking, op cit, p. 120.
33
Liosh (B):
Luria: ‘Este desenho está correto?’. Liosh: ‘Está’. Luria: ‘Pode um gato dançar desta
maneira?’. Liosh: ‘Não’. Luria: ‘Então, o desenho está certo ou errado?’. Liosh:
‘Certo’. Luria: ‘Você já viu um gato tocar a balalaika?’. Liosh: ‘Não’. Luria: ‘Então
este desenho está certo ou errado?’. Liosh: ‘Certo.’ 91
91
“In one experiment, the separated twins are both presented with images of animals with human apparel or
attributes. Luria records their responses (Child A has received extra tuition unlike Child B):
Yura (A): ‘Does this happen?’ ‘It does’ ‘What is the cat doing?’ ‘The cat is playing’ ‘Can a cat really play on the violin?’
‘No’ ‘Then does this happen?’ ‘No’
Liosha (B): ‘Is this drawing right?’ ‘It is’ ‘Can a cat really dance like this?’ ‘No’ ‘Then is the drawing right or not?’
‘Right’ ‘Have you seen a cat play on a balalaika?’ ‘No’ ‘Then is this drawing right or not?’ ‘Right’ ‘But can a cat play
on a balaika?’ etc”. Cf. PROCTOR, Hannah. Revolutionary thinking, op cit, p. 164.
92
É notável como, no ano anterior à pesquisa de Luria com os irmãos gêmeos, Eisenstein publica “Beyond the Shot”,
artigo no qual declara o abandono da perspectiva visualcom base nos desenhos de crianças apresentados a ele por
Luria. Os dois, que se conheciam desde 1923, quando Luria assistiu uma peça de Eisenstein no Teatro do Proletkult,
concordavam quanto ao “primitivismo” do pensamento infantil. Eisenstein, contudo, positivava tal tipo de
pensamento, discordando, portanto, das conclusões realizadas por Luria em suas pesquisas.
93
Ver PROCTOR, Hannah. Revolutionary thinking, op cit, p.166.
94
Ver idem, p. 159.
34
– procuravam criar. Tratava-se de uma espécie de miniatura da URSS industrializada, com um
modelo da grande cidade ucraniana Dnipropetrovsk e miniaturas dos Pioneiros (ou seja, dos
membros da juventude comunista). Segundo Hannah Proctor, “Como maquetes vivas que
emulavam os adultos stakhanovistas, as crianças eram postas em competição umas com as
outras. A importância da máxima eficiência e do amor ao trabalho deveria ser ensinada desde
95
cedo”. No mesmo ano, foi publicado o livro infantil de M. Ilin (1896-1953), “A história do
Primeiro Plano Quinquenal”, que parecia narrar a história soviética de um ponto de vista heroico
e otimista. 96
95
“Like a living maquette of their Stakhanovite adult counterparts, the children were set in competition with one
another; the importance of maximum efficiency and a love of work were to be instilled at the earliest stages of life”.
Cf. PROCTOR, Hannah. Revolutionary thinking, op cit, p.160. A análise de Proctor, contudo, não evidencia o porquê
da exposição fomentar a competição entre as crianças.
96
Em 1935, o Laboratório Pedagógico e Pedológico, ao qual Luria era associado, publicou um estudo investigando os
novos brinquedos infantis, que deveriam promover a modernização soviética, com brinquedos sobre os kolkhozes, as
locomotivas e os espaços públicos (lavanderias, fábricas, salas de jantar etc); além de ensejarem valores como
cooperação e construção.
97
Ver PROCTOR, Hannah. Revolutionary thinking, op cit, p. 132. Zalkind criticou as entrevistas de Luria às crianças
uzbequistanesas: “É óbvio que as crianças não são imbecis. Imbecis foram os testes a elas aplicados. Será que nós
podemos realizar perguntas a elas associadas à experiência cultural e socioeconômica das grandes cidades ocidentais
ou orientais? Será que podemos aplicar tais questionários à crianças pertencentes às minorias nacionais que vivem
sob condições únicas de luta de classes, clima, cultura e vida cotidiana?!”. (“[I]t is obvious that it is not that the
children are imbeciles, but that the tests given to these children were imbecilic. Can we really ask questions devised
on the basis of the socioeconomic and cultural experience of our own or Western capital cities? Can we really apply
them to children of national minorities who live under completely unique conditions of the class struggle, of climate,
culture, and everyday life?!”). Apud idem, 110.
35
As expedições conduzidas por Luria despertaram o interesse do antropólogo americano
Melville Herskovits (1895-1963), que escreveu a ele em dois de março de 1932, na esperança de
que os resultados das expedições o ajudassem em sua própria pesquisa, sobre a adaptação dos
98
afrodescendentes nos EUA e a introjeção por eles da cultura “branca”. Aparentemente
desconsiderando os resultados concretos da pesquisa, Luria respondeu a Herskovits:
36
Universidades. Ao todo, 18000 estudantes foram expulsos, sob a justificativa de serem
estudantes contrarrevolucionários. Luria investigou o impacto psíquico deste processo nos
sujeitos perseguidos e centrou-se na tensão e agitação dos sujeitos que, segundo ele,
infantilizaram-se durante o processo. A segunda parte do livro, a qual revela a atuação de Luria
na repressão, analisava o perfil psíquico de criminosos, principalmente assassinos, que foram
entrevistados por Luria pouco depois de serem presos. Em um dos casos, de 1927, ele
entrevistou quatro suspeitos e suas conclusões serviram ao Estado para fazer a condenação. As
perguntas que ele elaborou, segundo Hannah Proctor, foram pensadas para facilitar as
confissões. 103 Apesar disso, o livro de Luria não foi publicado no país, sendo editado apenas em
inglês, o que poderia indicar uma possível censura a seu conteúdo. Segundo Proctor, é possível
entrever, nas descrições dos eventos realizadas por Luria, a escassez e a miséria do período
nepista, e neste fato poderia residir a possível censura. 104
Tal ambiguidade do regime no trato com a psicologia parece ser frequente a partir de 1930,
após o Primeiro Congresso sobre o Comportamento Humano. Se, por um lado, o governo parecia
105
utilizar os testes psicológicos para efetuar a repressão, condicionar os trabalhadores e
construir um imaginário específico, voltado à elevação da produtividade, por outro lado o Partido
criticava os resultados de tais testes quando eles não se alinhavam ao imperativo da retórica
otimista difundida pelo Estado. Como parte da vigilância partidária à aplicação dos testes
psicológicos, a divisão de Cultura e Propaganda do Comitê Central criticou, em 1931, os
questionários políticos “abertos”, que poderiam conter respostas múltiplas. Tal estreitamento
106
das possíveis respostas era parte da linha de agitação estatal, segundo tal divisão de Cultura.
As conclusões dos testes que fossem consideradas politicamente problemáticas eram criticadas e
os psicólogos eram acusados de contrarrevolucionários. Também eram criticados quaisquer
107
resultados considerados “pessimistas”. Assim, o governo afirmou, em 1931, acerca dos
resultados de um teste feito pelo psicólogo F. P. Petrov na região de Chuvash:
103
Ver PROCTOR, Hannah. Revolutionary thinking, op cit, p. 85.
104
Ver PROCTOR, Hannah. “A Country Beyond the Pleasure Principle…”, op cit, p. 176.
105
Em 1931, por exemplo, os psicólogos industriais eram instruídos pelo governo a desenvolverem técnicas de
treinamento para a qualificação dos trabalhadores. Ver BAUER, Raymond. The New Man in Soviet Psychology, op cit,
p. 107.
106
Ver idem, p. 110.
107
Ver idem, p. 112.
37
As falhas de aprendizagem da maior parte das crianças de Chuvash são explicadas
por Petrov a partir das condições socioeconômicas da região, isto é, das condições
que foram criadas pelo Estado soviético e pelos trabalhadores, liderados pelo
Partido Comunista. São tais condições, segundo F. P. Petrov, que produziram o
baixo aprendizado das crianças analisadas. F. P. Petrov, não entendendo ou sequer
procurando entender as condições reais do desenvolvimento das crianças na União
108
Soviética, posiciona-se do ponto de vista da CONTRARREVOLUÇÃO.
A pesquisa de Luria na Ásia Central sofreu um ataque semelhante. Apesar de seguir a linha
partidária, ser anti-imperialista e criticar as determinações biológicas (e o determinismo racial
nazista), o livro de Luria foi criticado pelo governo por apresentar a construção do socialismo na
URSS como um processo, e não como finalizada. Relatos da expedição foram publicados em
revistas em inglês, mas, devido às críticas e ao cancelamento das expedições pelo governo,
nenhum livro foi publicado na URSS na ocasião (apenas 40 anos depois).
108
“The school failure of the great number of Chuvash children is explained by Petrov on the basis of contemporary
socioeconomic conditions; i.e., those conditions which have been created by the Soviet State, by the workers under
the leadership of the Communist Party. It is these conditions , according to F.P. Petrov, that account for the low
average performance of the children who were investigated. F.P. Petrov , neither understanding nor wishing to
understand the real conditions for the development of the children in the Soviet Union, speaks from the point of view
of COUNTERREVOLUTION”. Apud idem, ibidem.
38
8. o “novo homem soviético”
Contudo, qual deveria ser o conteúdo da “psicologia marxista”? Sergei Rubinstein (1889-
1960), em 1934, procurava responder tal questão no artigo “Questões psicológicas no trabalho
de Karl Marx”. 113 Rubinstein propunha a formulação de uma psicologia marxista que superasse o
ideário dos “introspeccionistas”, como Wilhelm Wundt (1832-1920) e dos behavioristas,
109
Ver MILLER, Martin. Freud y los bolcheviques, op cit, p. 174.
110
Ver idem, p. 176.
111
Apud idem, p. 175.
112
CROMBERG, Renata Udler, “Psicanálise na Rússia”, op cit, p. 121.
113
RUBINSTEIN, Sergei. “Problems of Psychology in the Works of Karl Marx”, Studies in Soviet Thought, Vol. 33, No. 2,
1987.
39
resgatando as formulações de Marx sobre a consciência humana. De acordo com o autor, os
“introspeccionistas” postulavam que a consciência era um fato em si, um fenômeno cuja essência
corresponderia à aparência. Para eles, portanto, a consciência individual, assim, era o objeto da
psicologia. Já os behavioristas, segundo Rubinstein, apontavam que a existência da consciência,
apesar de não poder ser questionada, também não podia ser comprovada. Para eles, a
consciência seria um fenômeno acessível somente ao sujeito e, portanto, não seria passível de
transformar-se no objeto de uma ciência. O comportamento, assim, era alçado pelos
behavioristas como o objeto da psicologia. O homem, para eles, deveria ser estudado com base
em suas respostas ao meio ambiente.
114
“In this way, by objectifying himself in the products of his activities, man is formed "in part generated, in part
developed" both in feeling and in consciousness, according to the famous statement of Capital: "(…)in changing
external nature, man simultaneously changes his own nature". It is not in penetrating into the depths of inert
immediacy, but in active labor transforming the world that man's consciousness is formed”. Cf. RUBINSTEIN, Sergei.
“Problems of Psychology in the Works of Karl Marx”, op cit, p. 115.
115
Ver idem, p. 118.
40
determinou, e cujo produto do trabalho ensejava um determinado tipo de sociabilidade e
reproduzia relações sociais estabelecidas. Quando o homem se tornava sujeito, ele se tornava
imediatamente um sujeito coletivo e histórico. A consciência, portanto, é necessariamente
consciência coletiva em um determinado quadro de relações historicamente construídas.
Segundo Rubinstein, “cada um dos meus atos liga-se a mim por milhares de vínculos, fiados pela
116
cultura historicamente acumulada que media a minha consciência”. Assim, a consciência deve
ser objeto da psicologia, assim como a introspecção. Porém, segundo Rubinstein, tal consciência
não devia ser entendida como singular, mas como parte de processos de objetivação sociais, que
a consciência mediava e era passiva de mediação através da atividade humana. A passagem do
“espontaneísmo” para a consciência era, segundo Rubinstein, um exemplo deste tipo de
processo. 117 A linguagem desempenhava uma função crucial, já que ela era o campo no qual se
fixava o ser refletido pelos homens e os processos das operações humanas. 118
Segundo Rubinstein, tal abordagem dialética não podia fixar-se apenas em repetir tais
formulações gerais, mas devia ser capaz de analisar o “homem como pessoa”. Posto que a pessoa
(persona) é a confluência de determinadas relações sociais, o conceito de “necessidade” (em
oposição ao conceito de instinto) podia explicar as motivações históricas das condutas humanas.
De acordo com o autor, a ideia da historicidade das necessidades humanas aparecia em Marx
120
vinculada à ideia da historicidade dos talentos humanos. Tais talentos são determinados pela
divisão social do trabalho. Assim, escreve Rubinstein, que “a natureza psicológica da pessoa é
116
“Every one of my acts is linked to me by thousands of bonds, spun by the historically accumulating culture that
mediates my consciousness”. Cf. idem, p. 116.
117
Ver idem, p. 123.
118
Ver idem, p. 117.
119
Ver idem, p. 119.
120
Ver idem, p. 126.
41
121
concretizada em suas necessidades e talentos”. O “comunismo genuíno”, portanto, devia
enaltecer os dons e talentos dos indivíduos:
42
individual dos operários. Tal retórica materializou-se no regime de trabalho a partir do
movimento stakhanovista, em 1935, com o estabelecimento da remuneração por metas e
recordes de produção, além da política estatal de distinção entre operários regulares e operários
stakhanovistas, que gozavam de privilégios materiais e simbólicos. A adesão a tais práticas de
concorrência e de exploração do trabalho – no qual a exaustão física e mental decorrente da
gigantesca jornada de trabalho era a regra – foi preparada desde 1932 mediante o discurso
voluntarista referido. 124
O Comitê Central do Partido, assim, fazia coro às teses de Rubinstein, apesar de criticá-lo
128
pela menção à Freud no artigo referido. Com efeito, as posições de Rubinstein pareciam
procurar dar forma à visão de mundo que era produzida pelo governo. Conforme Freud, em “A
questão de uma Weltanschauung” (1933) – palestra que contém uma das maiores análises que
ele fez do poder soviético,
O marxismo teórico, tal como foi concebido no marxismo russo, adquiriu a energia
e o caráter autossuficiente de uma Weltanschauung [visão de mundo]; contudo
adquiriu, ao mesmo tempo, uma sinistra semelhança com aquilo contra o qual está
lutando. Embora sendo originalmente uma parcela da ciência, e estando
124
Cf. idem, p.171-180.
125
A primeira tentativa de justificar a proibição da homossexualidade partiu do escritor Maxim Gorky (1868-1936), no
artigo “Humanismo proletário” (1934), publicado no Pravda. Nele, Gorky definia a homossexualidade como uma
forma de depravação tipicamente fascista. Posteriormente, o Comissário da Justiça Krylenko afirmou em um
discurso, realizado em 1936, que “Entre nós, trabalhadores, que acreditamos na relação natural entre os sexos e que
estamos construindo uma sociedade baseada em princípios saudáveis, não existe espaço para pessoas deste tipo
[homossexuais]”. Apud HEALEY, Daniel. “The Russian revolution and the decriminalisation of homosexuality”.
Revolutionary Russia, 6:1, 1993, p. 44.
126
Ver BAUER, Raymond. The New Man in Soviet Psychology, op cit, p. 41.
127
“(…) austere rhytm, iron discipline and distinguished bearing”. Cf. PROCTOR, Hannah, op cit, p. 192.
128
Ver MILLER, Martin. Freud y los bolcheviques, op cit, p. 182.
43
construído, em sua implementação, sobre a ciência e a tecnologia, criou uma
proibição para o pensamento que é exatamente tão intolerante como o era a
religião no passado. Qualquer exame crítico do marxismo está proibido; dúvidas
referentes à sua correção são punidas, do mesmo modo que uma heresia, em
outras épocas, era punida pela Igreja Católica. Os escritos de Marx assumiram o
lugar da Bíblia e do Alcorão, como fonte de revelação (...). Exatamente da mesma
forma que a religião, o bolchevismo deve também oferecer aos crentes
determinadas compensações pelos sofrimentos e privações de sua vida atual,
mediante promessas de um futuro melhor, em que não haverá mais qualquer
necessidade insatisfeita. 129
129
Apud CROMBERG, Renata Udler. “Psicanálise na Rússia”, op cit, pp. 137-138.
130
“La psicologia sovietica y la psicologia burguesa se oponen una a outra en este sentido: la psicologia burguesa
toma al “inconsciente” como punto de partida, como si fuera una determinacion basica de la psicologia humana, y
como si fuera el punto central de la personalidad del hombre. La psicologia sovietica ha fomentado explicitamente la
teoria de que la conciencia es el nivel mas elevado, mas especializado de desarrollo de la psiquis humana y ha
senalado el rol dominante que las influencias conscientes desempenan comparadas con las influencias
inconscientes”. Apud MILLER, Martin. Freud y los bolcheviques, op cit, p. 184.
44
O decreto reiterava, portanto, as críticas já estabelecidas pelo Partido à psicologia. Algumas
mudanças, contudo, foram realizadas na argumentação. O decreto afirmava que 1) os testes
tendiam a perpetuar a ordem de classes existente, 2) os pedologistas assumiam uma posição
negativa e passiva quanto ao fracasso escolar, considerando-o em função exclusivamente de
fatores externos, 3) os pedologistas davam pouco peso aos esforços positivos de moldar as
crianças e 4) os pedologistas, ao afirmarem que o ambiente formava a psique das crianças,
assumiam uma postura fatalista e pessimista. 131
No dia cinco de julho, a primeira página do Pravda foi dominada pela notícia do
decreto emitido pelo Comitê Central do Partido, “Sobre as perversões pedológicas
no Comissariado do Povo para a Educação”. Os pedólogos foram atacados por
enfatizar os fatores ambientais ao invés das propensões psicológicas e por enfatizar
a passividade ao invés da atividade. As publicações dos pedólogos que se
centravam nas crianças soviéticas, como o estudo de Luria sobre as crianças que
viviam na rua, e que só cresciam em diversos meios sociais, evidenciavam o quão
longe estava a União Soviética de construir o modelo ideal de cidadão que o
governo pregava. O Estado argumentava, no decreto, que os relatórios e os testes
psicológicos tendiam à descrição e não à intervenção – ecoando os argumentos
131
Ver BAUER, Raymond. The New Man in Soviet Psychology, op cit, pp. 124-125.
132
Ver idem, p. 126.
133
Ver idem, p. 127.
45
utilizados pelo governo contra a pesquisa de Luria na Ásia Central. (...) A pedologia
foi declarada como um fracasso, pois, segundo o governo, ela representava os
seres humanos como seres indefesos à mercê do ambiente, ao invés de seres
engajados num processo revolucionário de redirecionamento da história. Alega-se
que Zalkind caiu morto ao ler o decreto. O trabalho de Vygotsky foi censurado até o
final da era stalinista. O trabalho de Luria com crianças terminou e ele voltou-se
para as pesquisas neurológicas – não é claro o que aconteceu aos 750 gêmeos que
estavam sob sua observação em Moscou. No contexto do decreto, Stalin já havia
consolidado o seu poder e muitas das posições mais radicais sobre a infância e a
família, que caracterizavam o período após 1917, foram censuradas. 134
referências bibliográficas
134
“On July 5th 1936 the front page of Pravda was dominated by the news of the VKP(b) Central Committee decree
‘On Pedological Perversions in the Narkompros System’. Pedologists were attacked for emphasising environmental
factors over psychological propensities, passivity over activity. Pedological publications focusing on Soviet children
growing up in different social milieus, such as Luria’s study of the besprizornye, revealed how far the Soviet Union
was from constructing its ideal model citizens. It was alleged that the reports and the standardised tests they
espoused tended towards description rather than intervention, echoing the arguments deployed to attack Luria’s
research in Central Asia. (…) Pedology was declared a failure as it was said to describe human beings helplessly
responding to their environment, rather than fostering dedicated revolutionaries intent on re-directing the course of
history. Zalkind is alleged to have dropped dead upon hearing the news of the discipline’s official denunciation.
Vygotsky’s work was blacklisted until the end of the Stalin era. Luria’s experiments with children were terminated and
he turned to focus on neurological research (it is unclear what happened to the 750 sets of twins under observation in
Moscow). By the time of the decree, Stalin had consolidated his position and many of the radical assumptions about
childhood and family life that had characterized the post-revolutionary period were overturned”. Cf. PROCTOR,
Hannah. Revolutionary thinking, op cit, p. 191.
46
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