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Fundamentos teóricos

e metodológicos do
ENSINO FUNDAMENTAL Bertha de Borja Reis do Valle
Domingos Barros Nobre
Eliane Ribeiro Andrade
Eloiza da Silva Gomes de Oliveira
Maria Inês do Rêgo Monteiro Bonfim
Miguel Farah Neto
Rosana Glat
Suely Pereira da Silva Rosa

2.ª edição
2009

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ção por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

V242 Valle, Bertha de Borja Reis do. (Org.); Nobre, Domingos Barros;
Andrade, Eliane Ribeiro. / Fundamentos Teóricos e Meto-
dológicos do Ensino Fundamental. / Bertha de Borja Reis do
Valle (Org.); Domingos Barros Nobre; Eliane Ribeiro Andrade.
2. ed. — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2009.
308 p.

ISBN: 978-85-387-0156-9

1. Educação. 2. Ensino Fundamental. 3. Gestão Democrática.


4. Trabalho Coletivo. 5. Ensino-Aprendizagem. I. Título. II. Do-
mingos Barros Nobre. III. Eliane Ribeiro Andrade. IV. Eloiza
da Silva Gomes de Oliveira. V. Maria Inês do Rêgo Monteiro
Bonfim. VI. Miguel Farah Neto. VII. Rosana Glat. VIII. Suely
Pereira da Silva Rosa.

CDD 375.21

Capa: IESDE Brasil S.A.


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Bertha de Borja Reis do Valle

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),


Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
(PUC-Rio) e Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado do Rio de Ja-
neiro (UERJ). Professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e
professora titular da Faculdade de Filosofia Santa Doroteia. Experiência na área
de Educação, com ênfase em Planejamento e Avaliação Educacional, atuando
principalmente em Formação de Professores, Políticas Públicas, Planejamento
e Gestão da Educação.

Domingos Barros Nobre

Doutor em Educação pela Universidade Federal Fluminense (2005), Mestre


em Educação pela Universidade Federal Fluminense (1997), especialista em Al-
fabetização pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Graduado em
Pedagogia pela Universidade do Estado de Minas Gerais (1987). Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em Educação de Jovens e Adultos e Educação
Indígena, atuando principalmente nos seguintes temas: educação escolar indíge-
na, educação de jovens e adultos, formação de educadores indígenas, formação
contínua e currículo. Desenvolve trabalhos de assessoria pedagógica, pesquisa e
extensão há 13 anos entre os Guarani Mbya da Aldeia Sapukai, em Angra dos Reis,
no Rio de Janeiro, nas áreas de Educação, Saúde, Autossustentabilidade e Cultura.

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Eliane Ribeiro Andrade

Doutora em Educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF-2004),


Mestre em Educação pelo Instituto de Estudos Avançados em Educação - IESAE
- da Fundação Getúlio Vargas (FGV-1993), Pós-graduada em Avaliação de Pro-
gramas Sociais e Educativos pelo International Development Research Center
(1985) e Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, Graduada
em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ-1978) e em
Comunicação Social pela Universidade Estácio de Sá (UNESA-1980). Atualmente é
professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ, professora
do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Estado
do Rio de Janeiro-UNIRIO e Técnica em Assuntos Educacionais. Tem experiência
na área da educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação de
jovens e adultos, juventude e políticas públicas.

Eloiza da Silva Gomes de Oliveira

Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


Professora adjunta, coordenadora do Laboratório de Estudos da Aprendizagem
Humana (LEAH) e do Curso de Pedagogia a distância da Faculdade de Educação
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atua na área de Psicologia,
com ênfase em Aprendizagem e Desempenho Acadêmicos.

Maria Inês do Rêgo Monteiro Bonfim

Doutoranda em Educação pela Universidade Federal Fluminense, Mestre


em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2002), Graduada em
Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1976). Atual-
mente, é pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Ensino Médio e em Educação Profissional, atuando
principalmente nos seguintes temas: Formação Docente, Ensino Médio e Políti-
cas Públicas.

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Miguel Farah Neto

Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro


(2002). Especialista em Geografia pelo Instituto de Geociências da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (1976), licenciatura em Geografia pela Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1974) e bacharelado em
Geografia pelo Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio de Ja-
neiro (1973). Atualmente é técnico em assuntos educacionais da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro e pesquisador qualificado da Fundação para
o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde. Tem experiência na área
de Educação, com ênfase em Educação de Jovens e Adultos e Educação a Distân-
cia, atuando principalmente nos seguintes temas: educação de jovens e adultos,
políticas educacionais, formação, supervisão e avaliação.

Rosana Glat

Doutora em Psicologia Social pela Fundação Getúlio Vargas (RJ-1988),


Mestre em Psicologia com ênfase em Deficiência Mental pela Northeastern Uni-
versity de Boston (1978) e Graduada em Psicolgia pela University of the Pacific da
California (1976). Principais temas de investigação incluem Educação Especial /
Educação Inclusiva, políticas públicas educacionais para alunos com necessida-
des especiais, práticas educativas, formação de professores, deficiência mental, e
questões psicossociais relacionadas às deficiências.

Suely Pereira da Silva Rosa

Especialista em Supervisão Educacional e Educação, Graduada em Pe-


dagogia com habilitação em Supervisão Educacional e Administração Escolar.
Professora de Língua Portuguesa e Literatura Portuguesa e Brasileira, autora de
textos e livros sobre Educação.

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Sumário
O Ensino Fundamental e a construção
da consciência crítica: a visão de Paulo Freire................ 17

Histórico do analfabetismo no Brasil................................. 29

Educação de Jovens e Adultos no Brasil........................... 45


As políticas públicas para a EJA............................................................................................ 46
Os debates mais recentes........................................................................................................ 50
Conclusão...................................................................................................................................... 53

Os desafios da universalização
do Ensino Fundamental.......................................................... 59

A educação dos povos indígenas


e o Ensino Fundamental......................................................... 71

A Educação Inclusiva: Ensino Fundamental para


os portadores de necessidades especiais......................... 83
Educação Inclusiva: história e legislação........................................................................... 83
Educação Inclusiva: afinal, do que estamos falando?................................................... 84
Adaptações curriculares: do que estamos falando?...................................................... 85
A controvertida avaliação da aprendizagem diante da “diversidade”..................... 88
Concluindo................................................................................................................................... 90

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O trabalho coletivo na escola democrática I................... 99
Revendo a história..................................................................................................................... 99
Em busca de um novo mundo............................................................................................101
Construindo um trabalho coletivo.....................................................................................103
Conclusão....................................................................................................................................105

O trabalho coletivo na escola democrática II....................111


Organizando a nossa escola: aspectos filosóficos........................................................112
A questão da gestão................................................................................................................114
Criando condições...................................................................................................................115
Finalizando nosso pensamento..........................................................................................117

O cotidiano escolar no Ensino Fundamental I..............123


Iniciando o nosso cotidiano.................................................................................................124
Finalizando nossa conversa..................................................................................................129

O cotidiano escolar no Ensino Fundamental II.............135


O cotidiano da escola.............................................................................................................135

Opções metodológicas para os anos


iniciais do Ensino Fundamental I.......................................147
Introdução..................................................................................................................................147
Alternativas possíveis.............................................................................................................147
Trabalho individualizado.......................................................................................................148
Trabalho coletivo......................................................................................................................150
Começando a “fechar” nosso pensamento.....................................................................152

Opções metodológicas para os anos iniciais


do Ensino Fundamental II.....................................................159
Diferentes linguagens............................................................................................................159
Espaços escolares e comunitários......................................................................................161

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O material escolar....................................................................................................................162
O dever de casa e o dever da sala de aula.......................................................................164
Concluindo.................................................................................................................................165

Avaliação da aprendizagem escolar.................................171


Avaliar: sempre um dilema...................................................................................................171
Avaliando a aprendizagem...................................................................................................172
Os erros mais comuns na avaliação da aprendizagem...............................................178

A avaliação institucional da escola...................................187


Avaliação institucional: modismo ou prioridade?........................................................187
As principais iniciativas do Estado avaliador..................................................................190
Princípios da avaliação institucional.................................................................................193
O que avaliar na escola...........................................................................................................193
Avaliação interna e externa..................................................................................................194
Concluindo.................................................................................................................................196

O Sistema Nacional de Avaliação


da Educação Básica (Saeb)...................................................205
Saeb 2001: O que foi avaliado? Que instrumentos foram utilizados?...................208
Saeb 2001: Como vai o Ensino Fundamental?...............................................................212
Como está a avaliação do Ensino Fundamental atualmente?.................................214

Desafios do ensino-aprendizagem
na escola fundamental I........................................................221
As discussões em torno da função social da escola.....................................................221
O problema substantivo: os excluídos ............................................................................223

Desafios do ensino-aprendizagem
na escola fundamental II.......................................................235
O sistema educacional...........................................................................................................235

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Desafios do ensino-aprendizagem
na escola fundamental III.....................................................247
Fatores determinantes da exclusão oriundos da escola............................................247
Fatores determinantes de exclusão oriundos das famílias.......................................251

Financiamento do Ensino Fundamental.........................259

Formação de professores
para o Ensino Fundamental.................................................271
Os cenários de formação de professores.........................................................................272
As bases legais para a formação de professores...........................................................276

Gabarito

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Apresentação

Prezado (a) aluno (a)


Você está recebendo os textos relativos à disciplina Fundamentos Teóri-
co e Metodológicos do Ensino Fundamental, nos quais iremos dialogar sobre as
bases teóricas e as metodologias que apoiam o Ensino Fundamental para crian-
ças, jovens e adultos.

Este material é o resultado de estudos, pesquisas e discussões de um grupo


de professores universitários da cidade do Rio de Janeiro, com larga experiência
em escolas de Ensino Fundamental que, sob a minha coordenação, organizaram
os textos que você lerá e as atividades que você realizará, complementados pelos
vídeos que planejamos. São eles:

Domingos Barros Nobre

Eliane Ribeiro Andrade

Eloiza da Silva Gomes de Oliveira

Maria Inês do Rêgo Monteiro Bonfim

Miguel Farah Neto

Rosana Glat

Suely Pereira da Silva Rosa

Você verá que, desde a primeira aula, que nos traz um pouco de reflexão
sobre as ideias do educador Paulo Freire, tão admirado por educadores do mundo
inteiro, até à última aula que remete as leituras para a questão da formação dos
professores de nosso país, tivemos a intenção de contribuir para sua formação
como professor-educador.

Você se informará e, provavelmente, fará muitas reflexões, sobre o histó-


rico do analfabetismo em nosso país, a problemática da Educação de Jovens e
Adultos e os desafios para a universalização do Ensino Fundamental para todos
os cidadãos, em qualquer idade.

A educação dos povos indígenas, a educação inclusiva, o cotidiano das


salas de aula do Brasil, utilizando diferentes alternativas metodológicas, enfati-
zando a gestão democrática das escolas e a importância do Projeto Político Peda-
gógico foram temas abordados em diferentes momentos dos vários textos.

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É claro que não poderíamos deixar de abordar as discussões sobre a ava-
liação da aprendizagem e a avaliação institucional das escolas, bem como as
avaliações nacionais realizadas pelo Ministério da Educação.

A escola brasileira apresenta muitos desafios para que realmente promova


a difusão do conhecimento e a construção de uma sociedade mais justa e demo-
crática, onde todos aprendam, possam ter acesso ao mundo do trabalho e con-
tribuam para o crescimento social de nosso país. Esses desafios foram analisados
em várias aulas.

No bojo dessas discussões, o financiamento da educação básica, especifi-


camente do Ensino Fundamental, que é o foco de nossas aulas, não poderia deixar
de ter alguns esclarecimentos para vocês, que estão começando uma carreira de
tanta importância social como é a do magistério.

Espero que este estudo possa contribuir de forma interessante e organiza-


da para a sua formação como professor do Ensino Fundamental, seja para crian-
ças, para jovens e adultos ou para escolas indígenas, ou ainda para pessoas com
necessidades educativas especiais.

Seja sempre um educador consciente de seu papel social, comprometido


com as gerações futuras.

Bertha de Borja Reis do Valle

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Histórico do analfabetismo no Brasil

Eliane Ribeiro Andrade


Miguel Farah Neto
Relembrando que a educação é um direito fundamental de todos, mulheres e
homens, de todas as idades, no mundo inteiro: cada pessoa – criança, jovem ou adulto
– deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para
satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem.
Declaração de Jomtien da Educação para Todos (1990)

Esta aula traz uma abordagem histórica da questão do analfabetismo


no Brasil, remetendo a um período no qual a educação era absolutamente
mais restrita e excludente do que no início deste século.

Sob a ótica das constituintes, encontramos, na primeira Constituição, ou-


torgada em 1824, após a Independência do Brasil da coroa Portuguesa, dois
parágrafos destinados à educação (SUCUPIRA apud FÁVERO, 1996), o pri-
meiro destinado à instrução pública e popular e o segundo voltado às elites
em geral. O parágrafo 32 estabelecia a instrução primária gratuita a todos
os cidadãos, e o parágrafo 33 elegia os colégios e universidades como locais
onde seriam ensinados os elementos das Ciências, Letras e Belas Artes. Vale
lembrar que naquela época a cidadania era restrita aos livres e aos libertos.

Naquele período, a preocupação central do governo do Império, desde


a vinda da família real portuguesa para o Brasil, era o desenvolvimento
do ensino para as elites, direcionado às escolas superiores e aos colégios
secundários. Assim, o direito à educação gratuita para todos os cidadãos
não se cumpriu, tendo pouquíssimas contribuições para o enfrenta-
mento da situa­ção em que o país se encontrava no campo educacional
(PAIVA,1973).

O Brasil tinha, no início do século XIX, quando foi elaborada a primei-


ra Constituição, 4 milhões de habitantes, sendo 1,2 milhão de escravos. Em
meados do mesmo século, quando teve início uma pressão maior pela ins-
trução pública, a população já comportava 5,52 milhões de habitantes livres
e 2,5 milhões de escravos, ressaltando-se que os sujeitos escravizados não

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Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Ensino Fundamental

tinham direito à educação. Excluídos os negros (cerca de 30% da população bra-


sileira) e as mulheres (cerca de 50% da população), poucos participavam desse
processo, já que as meninas da elite eram educadas em suas casas, e as meninas
pobres não tinham acesso a nenhum tipo de escolaridade. Assim, o Período Impe-
rial caracterizou-se como “uma ilha de letrados em um mar de analfabetos”, como
alerta José Murilo de Carvalho (1987).

Nessa época, a alfabetização seria mais um instrumento de regulação das po-


pulações mais pobres do que um direito de cidadania. Conforme destaca Cury
(2000), “para escravos, indígenas e caboclos, assim se pensava e se praticava;
além do duro trabalho, bastaria a doutrina aprendida na oralidade e a obediên-
cia na violência física ou simbólica. O acesso à leitura e à escrita era tido como
desnecessário e inútil para tais segmentos sociais” (BRASIL, 2000, p. 12).

Com a instalação da república, em novembro de 1889, o governo provisó-


rio necessitou reordenar jurídica e politicamente o país, convocando, assim, o
Congresso Constituinte Republicano nos anos de 1890 e 1891, tendo o debate
educacional, nessa oportunidade, uma presença marcante. Cabe registrar que o
censo educacional da época apontou a existência de 85,21% de analfabetos na
população total do país.

No que se refere à educação de adultos, Cury (apud FÁVERO, 1996, p. 72) des-
taca que o Decreto 6, de 19 de novembro de 1889, extinguiu o voto censitário e
impôs o domínio da leitura e da escrita como condição de acesso à participação
eleitoral, mantendo os sujeitos que não tivessem escolaridade fora dos direitos
relativos à cidadania. O texto constitucional ressalta as qualidades necessárias
para ser cidadão brasileiro, salientando como fundamental a qualidade de elei-
tor e colocando o impedimento para o alistamento eleitoral de mendigos e anal-
fabetos, embora essa população tivesse obrigação de servir à pátria.

Tal restrição era vista por muitos intelectuais da época, inclusive Ruy Barbosa1,
como um estímulo às camadas mais pobres da população “para que se instruís-
sem, a fim de poderem participar da vida política, e aos poderes públicos que,
buscando ampliar as bases da representação popular, iriam despender maiores
recursos com a instrução do povo” (PAIVA, 1973, p. 82).

Encontramos também, em 1890, cursos noturnos de “instrução primária”, pro-


postos por associações civis, as quais poderiam oferecê-los em estabelecimen-
tos públicos, desde que pagassem as contas de gás (BRASIL, 2000, p. 14). Outro
1
Ruy Barbosa defendia que se os analfabetos pudessem votar, estaríamos desestimulando o desejo de aprender a ler e escrever, ao mesmo tempo
em que os políticos lutariam para eliminar o analfabetismo para ter mais eleitores. O direito de o analfabeto poder votar e ser votado só foi conce-
dido após a Constituição de 1988. Quando às mulheres, no tempo de Ruy Barbosa, nem se cogitava isso, pois só pudemos ser eleitoras, a partir da
luta de Bertha Lutz, que conseguiu um decreto-lei, em 1932, para que as mulheres brasileiras passassem a ser também eleitoras.

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Histórico do analfabetismo no Brasil

aspecto relevante é a retirada da gratuidade da educação primária para todos os


cidadãos, conforme havia sido estabelecido na primeira Constituição, em 1824.

Observa-se que o texto constitucional partia da premissa de que os analfabe-


tos deveriam buscar, por esforço próprio, a alfabetização, já que esse esforço pos-
sibilitaria mobilidade social. Desconsiderava, porém, as profundas desigualdades
de oportunidades existentes em nossa sociedade. Ainda hoje, cabe perguntar
que lugar social ficou reservado para a população negra após a escravidão.

É nessa conjuntura que se forma a Liga Brasileira contra o Analfabetismo, em


1915, organizada no Clube Militar do Rio de Janeiro. Apesar de sua limitada atua-
ção, expressa em seus estatutos uma visão marcada por concepções salvacionis-
tas e redentoras da alfabetização. Segundo a Liga, o seu movimento era contra
a ignorância visando à estabilidade e à grandeza das instituições republicanas e o seu fim
era combater o analfabetismo no Brasil e se esforçar para que, ao comemorar o primeiro
centenário da sua independência, possa a nação brasileira proclamar livres do analfabetismo
as suas cidades e vilas. (PAIVA, 1973, p. 97)

Em meio a todo o movimento político, cultural e social da década de 1920, de


caráter profundamente nacionalista, o direito à educação destinada à população
pobre também é ampliado, o que vai se refletir na Constituição de 1934, quando
se estabelece pela primeira vez, em caráter nacional, a educação como direito de
todos, garantindo-se o ensino primário integral, gratuito e de frequência obriga-
tória, extensivo aos adultos (art. 149). Assim, de forma pioneira, afirma-se o direito
ao ensino primário para adultos, reconhecendo o dever do estado e o direito do
cidadão.

Tal formulação, considerada avançada para a época, tratando-se de um país


que privilegiava intensamente uma educação dirigida às elites, sofreu um forte re-
trocesso com o esquema político autoritário que se implantou no Brasil em 1937,
o chamado Estado Novo, após a pressão das elites, que se colocavam contra a de-
mocratização da sociedade. A Constituição outorgada no Estado Novo desloca,
na prática, “a noção de direito para a de proteção e controle” (CURY, 2001, p. 17).

Com o processo de redemocratização do estado, a Constituição de 1946


reconhece a educação como direito de todos (art. 166) e, no seu artigo 167,
inciso II, diz que “o ensino primário oficial é gratuito para todos.” No que se refere
ao debate educacional sobre a educação de adultos, o texto constitucional é
limitado ao combate ao analfabetismo, por meio de brigadas de alfabetização
baseado em exemplo mexicano de ação em massa de alfabetização. (OLIVEIRA
apud FÁVERO, 1996, p. 180).

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Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Ensino Fundamental

Nasce nesse período a proposição, que tem forte impacto nas políticas para
jovens e adultos até hoje no Brasil, de que o problema do analfabetismo pode
ser resolvido por meio de campanhas, conforme modelos migrados da área de
saúde, particularmente das campanhas de vacinação organizadas pelos chama-
dos higienistas no início do século XX. Não é por acaso que, ao vocabulário da
Educação de Jovens e Adultos (EJA), são incorporadas expressões como erra-
dicação do analfabetismo, cura do mal do analfabetismo, chaga etc., originárias
da área de saúde que, historicamente, ocupava um lugar de prestígio social no
Brasil, legitimada pelo Estatuto de Ciência Médica e da Racionalidade.

Em 1948, tem início o debate para a organização da primeira Lei de Diretri-


zes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei 4.024/61. O início das discussões é
bastante influenciado pelo clima mundial do pós-guerra, inclusive pela funda-
ção da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, voltada à defesa da paz
mundial e dos direitos humanos. Dentre os diversos órgãos criados pela ONU,
destaca-se a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(Unesco), que passa a ter um papel importante no fomento de políticas públicas
de educação de jovens e adultos em diversos países, especialmente no Brasil.

Em atendimento aos estímulos da Unesco, o governo brasileiro organiza, em


1947, a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, com uma preocupa-
ção mais forte com o atingimento de grandes contingentes populacionais do que
com a qualidade da educação, pois estava impressionado com os resultados do
censo de 1940, que apontou 55% de analfabetos com mais de 18 anos no total
da população brasileira. O trabalho pretendia oferecer a alfabetização (técnicas ele-
mentares de leitura e escrita) em três meses e o curso primário em dois períodos
letivos de sete meses cada, utilizando-se inclusive de voluntariado.

A campanha funcionou de 1947 a 1963, quando foi extinta, sendo que seu
ápice se deu de 1947 a 1951. As críticas mais marcantes que recebeu, na época,
basearam-se nos seguintes aspectos: a irrisória quantia paga aos professores, “o
que desencantou a ideia de que um programa de massa, em longo prazo, pu-
desse calcar suas atividades no voluntariado ou no semivoluntariado (pequenas
gratificações)”; informações fictícias por falta de um acompanhamento rigoroso
nas classes de alfabetização (PAIVA, 1973, p. 194); tempo insuficiente para a con-
solidação de um processo de alfabetização, formando um grande contingente
de “semianalfabetos”. Observa-se, também, que a campanha trabalhava a partir
de uma visão do analfabeto como “incapaz”.

Em 1961, finalmente, a primeira LDB, a Lei 4.024/61, reconhece a educação


como direito de todos e o ensino primário como obrigatório a partir dos sete

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Histórico do analfabetismo no Brasil

anos. Destaca ainda que poderão ser formadas classes especiais (classes de ace-
leração de aprendizagem) ou cursos supletivos para os que não entrarem na
escola em idade própria, e que, aos maiores de 16 anos, será permitida a obten-
ção de certificados de conclusão do curso ginasial, que atualmente equivale às
séries finais do Ensino Fundamental, mediante a prestação de exames de madu-
reza, após estudos realizados sem observância de regime escolar, como também
a obtenção do certificado de conclusão de curso colegial (atual Ensino Médio),
aos maiores de 19 anos. A Lei também abre para o ensino privado a autorização
para a realização desses exames.

Vale ressaltar que, em 1961, criou-se a Mobilização Nacional contra o Anal-


fabetismo. Ainda nesse período, o Primeiro Ministro Tancredo Neves anuncia a
preocupação em
recuperar os analfabetos ou insuficientemente alfabetizados, maiores de 15 anos, por meio
de uma campanha extraordinária [...], encetar, no quinquênio, uma campanha nacional para
promover a alfabetização de jovens que anualmente alcançam os 14 e 18 anos de idade ainda
analfabetos, a fim de erradicar em cinco anos o analfabetismo entre os brasileiros com menos
de 23 anos.” (PAIVA, 1973, p. 225)

Mais uma vez, pode ser observada a incorporação do modelo de campanha


na educação de adultos, fortalecendo os aspectos quantitativos – alfabetizar
muitos em curto período – e, já aí, apontando para um investimento focalizado
na juventude.

Como última medida governamental na área, antes da ditadura militar, des-


taca-se, no Ministério da Educação (MEC), a criação do Plano Nacional de Alfa-
betização (PNA) (Decreto 53.465), em 1962, que tinha como objetivo alfabetizar
cinco milhões de brasileiros até 1965, utilizando o “método” Paulo Freire e dirigi-
do pelo próprio educador. Nesse momento, percebe-se a institucionalização de
experiências nascidas nos movimentos sociais e a ampliação da concepção de
educação de adultos para a educação popular, abarcando as questões da cultura
e da organização política popular.

O PNA se caracterizava como um programa de alfabetização de massa, com


40 horas de alfabetização pelo “método” Paulo Freire e com objetivos explí-
citos de construir um processo de conscientização e organização política da
população pobre. Fávero (1996, p. 14) explica que o termo conscientização era
entendido por Paulo Freire como “diálogo de ­consciências, a partir de determi-
nada visão de mundo, determinante de uma nova consciência histórica, da qual
decorreria uma ideologia revolucionária.” Outra característica importante era o
apoio financeiro e técnico do governo federal ao PNA, ficando sua implementa-
ção a cargo de sindicatos e entidades estudantis (universitários católicos ligados
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à União Nacional dos Estudantes (UNE); Movimentos de Cultura Popular; Centros


de Cultura Popular; Movimento de Educação de Base (MEB), vinculado à CNBB).

Assim, o programa se institucionalizava, porém de forma marginal ao sistema


de ensino. Entretanto, não pode ser expandido, ou seja, não pode ser efetivamente
um programa de massa, considerando a mudança radical de regime de governo:
foi extinto após o Golpe Militar de 31 de março de 1964, sendo a maioria dos seus
membros presos e processados, como ocorreu com o educador Paulo Freire que
ficou exilado do país durante muitos anos devido a sua iniciativa de construir uma
pedagogia da autonomia para as camadas mais pobres da população no Brasil.

Após o Golpe Militar, destaca-se o pensamento da Cruzada da Ação Básica


Cristã – Cruzada ABC, nascida em Recife e de origem evangélica, em oposição ao
postulado de educação apresentado por Paulo Freire. O movimento entendia o
analfabeto como um “parasita social e econômico” e pretendia “extinguir o anal-
fabetismo entre adultos para a integração do homem recuperado na sociedade”
(PAIVA, 1973, p. 268). Cabe destacar que também trabalhavam com professo-
res voluntários, em cinco meses de processo de alfabetização, com recursos do
governo federal, apoio comunitário e que tinham como meta alfabetizar, num
período de cinco anos, um milhão de analfabetos adolescentes e adultos. Junto
a esse programa, a Cruzada iniciou a distribuição de alimentos para seus alunos
e professores, com objetivo de atingir um maior rendimento de ensino (Alimen-
tos pela Paz). O atraso no pagamento de professores, falhas na comprovação
dos gastos, a demora da chegada dos alimentos acabaram por limitar muito o
campo de atuação da ação da Cruzada, até a sua extinção, em 1971.

Nesse período, é marcante a criação, pela Lei 5.379, de 15 de dezembro de


1967, do Movimento Brasileiro de Alfabetização, o Mobral, como resposta aos
movimentos anteriores ao Golpe Militar em 1964, tendo como objetivo básico
motivar o alfabetizando a ingressar no desenvolvimento (JANNUZZI, 1979).
Lançado em 8 de setembro de 1970, o programa buscou provocar entusiasmo
popular, calcado em um trabalho extensivo de alfabetização, que deveria alcan-
çar todos os municípios do Brasil, por meio de um financiamento composto da
opção voluntária do empresariado, destinando 1% do seu imposto de renda ao
movimento, mais 24% da renda líquida da loteria esportiva. Tal desenho rendeu
ao Mobral os mais vultuosos recursos, até então, destinados à EJA no Brasil.

Uma das características importantes do Mobral foi a sua total desvinculação


do MEC/Departamento Nacional de Educação, “criando corpo e política próprios,
mais voltados a uma campanha de massa que pudesse atender aos objetivos
políticos dos governos militares” (HADDAD, 1991, p. 84).
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Histórico do analfabetismo no Brasil

O curso caracterizava-se por uma ação pedagógica aligeirada (cinco meses),


com alfabetizadores sem formação específica e com baixa gratificação. Com re-
sultados já bastante desfavoráveis, indo contra o espírito ufanista que o criou
(o milagre brasileiro), na trilha da massificação do ensino, o Mobral instituiu o
Programa de Educação Integrada (PEI), em 1973, para garantir um tempo maior
após a alfabetização, prevendo a conclusão das quatro primeiras séries para os
alunos que dela participassem. Outra característica forte do órgão foi a sua per-
manente mudança, devida, por um lado, às pressões pela sua pouca produtivi-
dade pedagógica e, por outro, à necessidade de se manter atuando em todas as
regiões do Brasil, como forma de controle político. Segundo Haddad (1991, p.
91), “modificava-se permanentemente para se manter institucionalmente”. Entre
os programas oferecidos, destacam-se o Programa de Profissionalização; o De-
senvolvimento Comunitário; o Mobral Cultural e, mais tarde, o Pré-escolar. Toda
essa complexa rede acontecia em paralelo à atuação do Ministério da Educação
e das redes de ensino.

Nesse mesmo período, quando se analisa a formulação legal que aborda a edu-
cação e a escolarização de jovens e adultos, encontramos a sua regulamentação,
por meio do ensino supletivo, no capítulo IV da Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
ção Nacional – Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971. No artigo 24 e nos subsequen-
tes, até o 28, inclusive, dispõem-se as finalidades, abrangência e formas de opera-
cionalização. No artigo 32, aborda-se a necessidade da formação de professores
para essa modalidade de ensino. Pela primeira vez na história das legislações
de educação aparece um artigo exclusivamente dedicado ao ensino supletivo.
“Suprir a escolarização regular para adolescentes e adultos que não a tenham
seguido ou concluído na idade própria” (art. 24).

Em 1974, foram criados os Centros de Estudos Supletivos, cuja responsabili-


dade seria das secretarias estaduais de educação, oferecendo ensino não-pre-
sencial, a partir de módulos instrucionais. Esse modelo resiste até os dias atuais,
apesar de bastante limitado e reduzido dentro dos sistemas de ensino. Em mi-
nuciosa análise da década de 1970, Vargas demonstra a força que o ensino su-
pletivo teve naquele momento histórico como forma de solucionar problemas
educacionais crônicos e aponta, ainda, para o abandono do ensino regular como
alternativa de atendimento para jovens e adultos.

Paralelo ao ensino supletivo, o Mobral continuou a atuar até 1985. Num es-
forço de salvação, o órgão foi substituído, no governo de transição – a chamada
Nova República – em 1985, pela Fundação Educar, com uma proposta bem mais
flexível e com a participação, no debate sobre a elaboração de suas Diretrizes de

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Ação, de educadores até então vetados pelos governos anteriores, como o pro-
fessor Paulo Freire. Seu período de existência, porém, foi marcado por um pro-
cesso de esvaziamento das políticas públicas para jovens e adultos no âmbito do
governo federal. O MEC mantinha a instituição apenas no discurso, realizando
um desmonte gradativo, finalmente concretizado na posse do primeiro presi-
dente eleito após o Golpe Militar de 1964, Fernando Collor de Mello.

O novo governo, cumprindo o ritual do discurso que valoriza o combate ao


analfabetismo, criou, em 1990, o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania
(PNAC) – que alfabetizaria 70% da população analfabeta em cinco anos –, respon-
dendo ao Ano Internacional da Alfabetização, convocado pela Unesco. Consti-
tuiu-se em mais um ensaio no panorama de descontinuidade na área da Educa-
ção de Jovens e Adultos, já que o PNAC não teve qualquer ação significativa.

Nesse período, a Constituição de 1988 ampliou significativamente o dever do


estado, no sentido de proporcionar escolaridade básica, independentemente da
idade. Assim, elevou a educação de jovens e adultos ao mesmo patamar da edu-
cação de crianças de 7 a 14 anos, garantindo a sua obrigatoriedade e gratuidade.
No artigo 60 das disposições gerais e transitórias, a Constituição determinou que
o governo federal e toda a sociedade civil se encarregariam de agregar esforços
para erradicar o analfabetismo no país em 10 anos.

Em 20 de dezembro de 1996, foi sancionada a Lei 9.394, que estabelece as Di-


retrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), apresentando recuos no sentido da
quebra da obrigação do estado com essa modalidade educativa e não mantendo
o compromisso de eliminação do analfabetismo em 10 anos. O artigo 208 da Cons-
tituição afirma que o dever do estado com a educação será efetivado mediante
a garantia de “Ensino Fundamental obrigatório, assegurada, inclusive, sua oferta
gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria.” O artigo 37
da LDB, seção V, referente à educação de jovens e adultos, estabelece que “os siste-
mas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e adultos, que não puderam
efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas.”

Na década de 1990, como aponta Beisiegel (1996, p. 4), observa-se uma ten-
dência em deslocar as atribuições da educação fundamental de jovens e adul-
tos, “da União para os estados e, principalmente, para os municípios, com apelos
dirigidos também ao envolvimento das organizações não-governamentais e da
sociedade civil.”

Nesse período, particularmente durante o governo Fernando Henrique Cardo-


so (1994 a 2002), as ações do MEC se restringiram à reprodução de materiais didá-
tico-pedagógicos e à oferta desses materiais às secretarias estaduais e municipais,
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Histórico do analfabetismo no Brasil

empresas, ONGs, grupos comunitários etc., ou seja, a quem interessasse desenvol-


ver essa modalidade educativa. Além disso, o financiamento de projetos de capa-
citação de recursos humanos e reprodução de material didático-pedagógico, com
recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e ainda o
Exame Nacional de Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Enceja),
proposta do Ministério para construir uma referência de avaliação nacional para
jovens e adultos que não puderam concluir os estudos na idade própria. O exame
pode ser utilizado pelas secretarias estaduais e municipais de educação como ins-
trumento de certificação de conclusão do Ensino Fundamental e Médio. A avalia-
ção destina-se às pessoas, matriculadas ou não em escolas, que estão acima da
faixa etária própria para cursar o ensino regular e ainda não concluíram essa etapa
da escolarização. Também pode servir como instrumento para a avaliação dos pro-
gramas de educação de jovens e adultos. O exame vem ocorrendo desde 2002,
quando foi oferecido pela primeira vez.

Cabe ressaltar que, nesse período, o governo apoiou integralmente o Programa


Alfabetização Solidária (PAS)2, criado em 1997 pelo Conselho de Comunidade So-
lidária, tendo como objetivos reduzir os altos índices de analfabetismo e ampliar
a oferta pública de Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil. O Programa se
apresenta como “um modelo de alfabetização simples, inovador e de baixo custo,
gerenciado por uma organização da sociedade civil, a Comunidade Solidária”.

O PAS, estando ligado, na época, diretamente à presidência da república, co-


locava como inovadora na sua proposta a articulação de um conjunto inédito
de parcerias, com inúmeras empresas, organizações, instituições de Ensino Su-
perior e outras pessoas físicas, prefeituras, governos estaduais e também com o
Ministério da Educação. O financiamento é uma parceria entre a iniciativa priva-
da e o Ministério da Educação.

No âmbito de várias prefeituras municipais, surgiu também, na década de


1990, o Movimento de Alfabetização (Mova), desenvolvido por meio de convê-
nios com associações de moradores, igrejas, organizações não-governamentais
etc. Criado no município de São Paulo, na gestão do professor Paulo Freire como
Secretário da Educação, o Programa tem como objetivo possibilitar o início ou
o reinício do processo de escolarização e de construção de conhecimento, além
de integrar o aluno à rede escolar, situação de alcance ainda muito limitado.

Com o governo Lula, inaugura-se uma nova fase no campo da alfabetiza-


ção de jovens e adultos no Brasil. O MEC criou, em 2003, o programa Brasil

2
Hoje denominado Alfasol. “A alfabetização Solidária (AlfaSol) é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos e de utilidade pública,
que adota um modelo de alfabetização inicial, inovador e de baixo custo, baseado no sistema de parcerias com os diversos setores da sociedade”.
Disponível em: <www.alfabetizacao.org.br/aapas_site/home.asp>.
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Alfabetizado, tendo por objetivo alfabetizar 20 milhões de pessoas, sendo três


milhões em 2003, seis milhões em 2004, seis milhões em 2005 e cinco milhões
em 2006, por meio de convênios firmados com entidades de alfabetização de
jovens e adultos, para capacitar alfabetizadores voluntários, em parceria com
governos estaduais, municipais, empresas, organizações não-governamentais,
universidades, associações etc. O programa não tem uma metodologia especí-
fica, mas deve incorporar as propostas das entidades parceiras, considerando
métodos que sejam adequados às comunidades, contanto que comprovem
que os alunos são capazes de produzir, ler, compreender e interpretar textos,
além de realizar operações matemáticas básicas, com o tempo variando, em
média, entre seis e oito meses de aulas. A remuneração dá-se pelo número de
alunos alfabetizados (15 reais por mês, por aluno, em 2003).

Nessa proposta, a incorporação da alfabetização de jovens e adultos pelos


sistemas públicos de educação ainda se mantém aparentemente limitada. Isso
nos leva a supor que a história do analfabetismo adulto no Brasil ainda necessita
de maior ousadia para inverter seu curso.

Texto complementar

ProJovem – Uma nova oportunidade


de educação para jovens e adultos
Instituído pela lei n.° 11.129, de 30 de junho de 2005 – que também criou
o Conselho Nacional da Juventude e a Secretaria Nacional da Juventude – ,
o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem) é, hoje, componente
estratégico da Política Nacional de Juventude, do governo federal. Foi im-
plantado sob a coordenação da Secretaria-Geral da Presidência da Repúbli-
ca, em parceria com o Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho e
Emprego e o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.

Segundo a referida lei, em seu artigo 1.º,

“Fica instituído, no âmbito da Secretaria-Geral da Presidência da Repú-


blica, o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – ProJovem, programa

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Histórico do analfabetismo no Brasil

emergencial e experimental, destinado a executar ações integradas que pro-


piciem aos jovens brasileiros, na forma de curso previsto no art. 81 da Lei n.°
9.394, de 20 de dezembro de 1996, elevação do grau de escolaridade, visan-
do a conclusão do ensino fundamental, qualificação profissional voltada a
estimular a inserção produtiva cidadã e o desenvolvimento de ações comu-
nitárias com práticas de solidariedade, exercício da cidadania e intervenção
na realidade local” (Lei n.° 11.129, de 30 de junho de 2005).

Certamente, a implantação simultânea do programa, da secretaria e do


conselho, com suas distintas e complementares finalidades e funções, re-
presenta um novo patamar de políticas públicas voltadas para a juventude
brasileira, considerada em sua singularidade, diversidade e suas vulnerabili-
dades e potencialidades.

Em sua conformação original, o programa tem como beneficiários jovens


de 18 a 24 anos que terminaram a quarta série, mas não concluíram a oitava
série do Ensino Fundamental e não têm vínculos formais de trabalho. Aos par-
ticipantes, oferece oportunidades de elevação da escolaridade, de qualificação
profissional e de planejamento e execução de ações comunitárias de interesse
público, em um curso com carga horária de 1 600 horas (1 200 horas. presen-
ciais e 400 horas não-presenciais), desenvolvidas em 12 meses consecutivos,
incluindo disciplinas do Ensino Fundamental, aulas de inglês, de informática,
aprendizado de uma profissão e atividades sociais e comunitárias de forma in-
tegrada. Cada aluno, como forma de incentivo, recebe um auxílio de R$100,00
(cem reais) por mês, desde que tenha 75% de frequência nas aulas e cumpra
com as atividades programadas. Além disso, por ter obtido parecer favorável
da Câmara de Educação Básica, do Conselho Nacional de Educação, como um
curso experimental, com base no artigo 81, da Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional, o curso tem viabilizada a certificação de conclusão do Ensino
Fundamental e de qualificação profissional (formação inicial).

A partir de 2008, após dois anos de experimentação, o ProJovem assume


um novo formato, aperfeiçoando a ação até então desenvolvida e incorpo-
rando, reformuladas, outras ações já em curso voltadas para jovens e adul-
tos. Assim, amplia as possibilidades de reintegração dos jovens ao processo
educacional, qualificação profissional e acesso a ações de cidadania, esporte,
cultura e lazer. Nesse novo formato, alarga-se de 15 a 29 anos a faixa etária
de atendimento aos jovens, preferencialmente os que vivem em situação
de vulnerabilidade social, e subdividem-se as ações realizadas em quatro

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Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Ensino Fundamental

modalidades: o ProJovem Urbano, aperfeiçoamento do atual Projovem; o


ProJovem Adolescente, o ProJovem Campo e o ProJovem Trabalhador.

O ProJovem Adolescente destina-se aos jovens de 15 a 17 anos, em si-


tuação de risco social, independentemente da renda familiar, ou que sejam
pertencentes a famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família. Com dura-
ção de 24 meses, vai oferecer proteção social básica e assistência às famílias,
além de contribuir para a elevação da escolaridade, redução dos índices de
violência, de uso de drogas, de doenças sexualmente transmissíveis e de gra-
videz na adolescência.

O ProJovem Urbano volta-se a jovens de 18 a 29 anos, que sabem ler e es-


crever, e terá como objetivo elevar o grau de escolaridade, visando à conclu-
são do Ensino Fundamental, à qualificação profissional e ao desenvolvimen-
to de ações comunitárias e exercício da cidadania. Será implantado, em um
primeiro momento, em todas as cidades com população igual ou superior a
200 mil habitantes e terá duração de 18 meses. O jovem que cumprir 75% de
frequência às aulas e entregar 75% dos trabalhos escolares receberá um au-
xílio mensal de R$100,00. O programa será estendido às unidades prisionais
ou de internação de adolescentes em conflito com a lei.

O ProJovem Campo tem como objetivos fortalecer e ampliar o acesso e a


permanência dos jovens agricultores familiares no sistema educacional, eleva-
ção da escolaridade – com a conclusão do Ensino Fundamental – qualificação
e formação profissional. O ProJovem Campo vai garantir aos jovens da agricul-
tura familiar, de 18 a 29 anos, a conclusão do Ensino Fundamental em regime
de alternância dos ciclos agrícolas. Esse regime consiste em alternar aulas pre-
senciais com atividades educativas não-presenciais. Os jovens do campo re-
ceberão um auxílio mensal de R$100,00 a cada dois meses, quando estiverem
exercendo atividades na escola. O curso terá duração de 24 meses.

O ProJovem Trabalhador visa preparar o jovem para o mercado de traba-


lho e para ocupações alternativas geradoras de renda. Destina-se a jovens
desempregados, com idade entre 18 e 29 anos, e que sejam membros de
famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. Os participantes re-
ceberão um auxílio mensal de R$100,00, durante seis meses, mediante com-
provação de frequência. Os cursos de qualificação serão de 600 horas/aula.

Esse conjunto de ações, portanto, mostra-se como uma tentativa de se cria-


rem oportunidades articuladas no campo da educação de jovens e adultos,

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Histórico do analfabetismo no Brasil

apresentando como inovação o foco nos jovens, parcela cada vez mais signi-
ficativa dos beneficiários dessa modalidade educacional.
(Disponível em: <www.projovem.gov.br/2008/>. Acesso em: 9 jul. 2008.)

Atividades
1. Nesta aula, você conheceu melhor a história do analfabetismo no Brasil e
como tem sido difícil conseguir que todos os brasileiros tenham acesso à
leitura e à escrita. Agora, procure investigar: Como é a situação de seu mu-
nicípio com relação ao analfabetismo? Como evoluiu, ao longo do tempo,
o atendimento educacional aos jovens e adultos que não tiveram acesso à
leitura e à escrita? Dos programas e ações de EJA abordados no texto, quais
os que foram implantados em seu município? Como foi sua trajetória? Que
contribuições deixaram? Algum deles ainda existem? De que forma?

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Fundamentos Teóricos e Metodológicos do Ensino Fundamental

Dicas de estudo
Após a leitura desta aula, mesmo que você já tenha visto, vale a pena ver no-
vamente o filme “Central do Brasil”. Ele retrata a realidade de muitos brasileiros
analfabetos que necessitam de ajuda de estranhos, até para mandar um recado
ou uma mensagem para sua família. A história nos faz refletir sobre a importân-
cia da alfabetização e como um adulto analfabeto fica dependente de outras
pessoas, que, nem sempre, são confiáveis. O filme recebeu prêmios internacio-
nais como o Urso de Ouro, em 1998, no Festival de Berlim e o Globo de Ouro
nos Estados Unidos, em 1999. É interpretado por grandes atores nacionais como
Fernanda Montenegro, Marília Pêra, Vinicius de Oliveira e Othon Bastos, sob a
direção de Walter Salles.

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Histórico do analfabetismo no Brasil

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Gabarito

Histórico do analfabetismo no Brasil


1. Essa questão deverá levar o aluno a uma pesquisa em seu bairro, em
sua comunidade, para saber as condições da escolarização na região.
As Secretarias de Educação têm esses dados e na página do INEP tam-
bém é possível fazer uma investigação. O aluno deve procurar infor-
mações sobre o atendimento em cursos supletivos, ver dados do EN-
CEJA, verificar se existem ações do PROJOVEM etc.

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