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FACULDADE DE BELAS-ARTES
Dissertação
Dissertação orientada pela Profª Doutora Cristina Tavares e pela Profª Doutora Ana Bela
Mendes
2017
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
1
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Resumo
Desde tenra idade que começa a nossa relação com os monstros: o medo do escuro, do
desconhecido, da solidão. Imaginamos o que não conseguimos compreender e isso pode
ser assustador. A sensação de medo é uma forma do nosso organismo nos avisar que
existem situações de perigo, físico ou emocional.
Nos livros infantis modernos predomina a presença do humor, e é desta maneira que as
histórias selecionadas apresentam a visão do medo, com monstros brincalhões,
demónios, bruxas, fantasmas inofensivos e animais fantásticos que espalham magia
desde o nascimento da civilização.
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Abstract
Since young age that our relation with monsters begins: fear of the dark, the unknown,
the loneliness. We imagine what we can’t understand and that can be frightful. The
sensation of fear is a way for our body to warn us about danger situations, physical or
emotional.
Monstrous creatures, some with human appearance, other hybrids, appeared described
in graeco-roman mythology. The Sphinxes, with lion body and human face, protected
the egypcian temples, supernatural creatures haunted North America’s natives and
demonic spirits “oni” made part of the Japanese tradition. In Middle Age medieval
Europe was filled with fantastic stories about fire breathing dragons and giants who ate
men.
Authors of fables, fairy tales, traditional and moralist tales tried, over the years, to
describe to children, young and adult people, in a simple and objective way, the
meaning of fear and how to face it. Psychoanalyst Bruno Bettelheim dedicated himself
to the study of fairy tales and what impact they would have on children’s lives. Children
identify with the characters: the loneliness, the fears and restlessness of the hero.
With the wonderful legacy that writers and illustrators, Portuguese and international,
have left us in this new millennium, a new approach arises in care given to illustration
in children’s literature. Around the world festivals, exhibitions and conferences are
organized, where the best authors and artists/illustrators are awarded.
Currently, in Iberian Peninsula there are book publishers specialized in publications for
children and young people, who are succeeding in markets across borders. Some of the
most relevant are: “Planeta Tangerina”, “Pato Lógico” and “Kalandraka”.
In modern children’s books the presence of humor predominates, and in this way the
selected stories introduce the vision of fear, with playful monsters, demons, witches,
harmless ghosts and fantastic animals that spread magic since the birth of civilization.
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Agradecimentos
Sem a ajuda da Orientadora Cristina Tavares e da Coorientadora Ana Bela Mendes esta
dissertação não teria sido possível. No entanto, não me posso esquecer os esforços da
Coorientadora inicial, a professora Sara Bahia. Também quero agradecer aos amigos,
colegas de mestrado, pessoal ao serviço nas bibliotecas públicas a que me dirigi, ao
Agrupamento de Escolas de Ferreira do Alentejo e seus alunos e aos ilustradores que
partilharam comigo elementos do seu trabalho.
Quero agradecer à minha família todo o esforço e empenho que tiveram na minha
formação pessoal. Sem eles, não seria a pessoa que sou hoje.
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Índice
Introdução ......................................................................................................................... 7
5
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Conclusão ....................................................................................................................... 84
Webgrafia ....................................................................................................................... 94
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
Introdução
As dúvidas e as questões colocadas pelas crianças deste século não podem ser as
mesmas que as crianças do século XVIII ou XIX colocavam; se a literatura para a
infância tinha uma função propedêutica e em muitos casos era uma forte arma para
instruir e educar, hoje, é também uma forma de estimular a imaginação e desenvolver o
espírito crítico. No entanto, muitas das dúvidas existencialistas continuam a ser comuns
a muitas gerações… Continuamos a procurar um sentido para a nossa vida e um
caminho para a felicidade.
No primeiro capítulo, intitulado de O papel pedagógico dos “monstros”, irei fazer uma
breve abordagem do mundo dos monstros de uma forma fabulosa/fantástica, remetendo
ao imaginário infantil, e ao imaginário do adulto que “se põe no papel da criança”
abordando a ideia de monstro desde a mitologia grega até aos escritores do
Romantismo.
O antropólogo David D. Gilmore refere quais os monstros mais temidos ao longo dos
séculos em diversas culturas, enquanto o historiador Luiz Nazário agrupa os monstros
em cinco classes e classifica em dezasseis conceitos as características dos monstros e
dos episódios do quotidiano que suscitam o medo.
Em tempos, o medo, a ansiedade e o pânico foram vistos como uma sensação corporal.
Nos nossos dias, a ciência localizou a origem das células nervosas que espoletam essa
sensação. As crianças pequenas não sabem exprimir os sentimentos por palavras e
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
Com o desenvolvimento das novas tecnologias, os ilustradores, deste novo milénio têm
uma maior facilidade em editar os seus trabalhos, pois os ambientes digitais conseguem
simular diferentes técnicas artísticas: aguarela, carvão, tinta da china, óleo, acrílico, etc.
Neste capítulo também é feita uma apresentação do trabalho, no âmbito da temática
abordada, de alguns ilustradores portugueses com provas dadas em três editoras
dedicadas à publicação de obras para a infância. Foram escolhidos alguns ilustradores
participantes da Feira do Livro Infantil e Juvenil de Bolonha.
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Por último, no quarto capítulo, intitulado de Estudo de Caso, vou remeter para uma
atividade realizada na Escola Básica de Ferreira do Alentejo, no âmbito da
comemoração do “Dia das Bruxas”, onde vários alunos se disponibilizaram a desenhar o
“medo”.
Objetivo
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Desde tenra idade que as crianças são atormentadas pelo medo do escuro, da noite, do
desconhecido e dos monstros.
Na Idade Média todas as histórias eram contadas através do discurso oral. As narrações
eram reforçadas de forma a mostrar aos ouvintes a veracidade, a bestialidade e a
malvadez desta histórias fantásticas. Insistia-se na descrição e na credibilidade através
do excesso de caracteristicas reais: os monstros apresentavam corpos desfigurados e
deformados, desproporcionais, ora exageradamente altos ou com falta de partes do
corpo.
1
Jeffrey Jerome Cohen (2007) p. 26 e 27
2
Jacques Le Goff (1980) para. 604
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
Tal como na maioria dos mitos, dos contos tradicionais e dos contos de fadas, os
receios, os desejos proibidos e os medos dos indivíduos são personificados nos
monstros. Medo este que era combatido através da inteligência e da força do herói.
3
Fernando M. M. Arnaldo Pinto da Silva (2007) p. 88
4
Remetendo ao final do século XX.
5
José Gil (2007) p. 167
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
Graças à imaginação sentida na magia da Idade Média, por contraste com os contos de
fadas ao relatarem de forma moralista e infantilizada esta magia, a Europa medieval está
repleta de folclore, os dragões eram alguns dos monstros mais temidos e na Europa do
norte, na Escandinávia e na antiga Germânia, acreditava-se na existência de gigantes
que comiam homens.
Como os pesadelos dos homens são universais, muitos dos monstros partilham
características comuns: são gigantes, agressivos, comem humanos, têm corpos bizarros
e deformados.
No livro “Da Natureza dos Monstros”, escrito pelo historiador brasileiro Luiz Nazário,
o autor, através de teorias da monstruosidade, faz um paralelismo entre os monstros e o
cinema. Agrupa os monstros em cinco classes: os “monstros antropomorfos” que são
seres humanos alterados por natureza ou por ciência e criaturas sobrenaturais com
características híbridas humanas; os “monstros zoomorfos” que englobam animais
únicos, alterados por experiência ou com características sobrenaturais; os “monstros
vegetais” que, tal como o nome diz, são criaturas que tomam a forma de plantas
monstruosas; os “monstros polimorfos” em que as criaturas têm formas indefinidas e
matérias informes e disformes; e, por fim, os “monstros microscópicos”,
microorganismos como vírus, bactérias e germes.
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Paul Newman7 refere que em tempos o medo era visto como uma sensação corporal, os
joelhos tremem, o estômago contrai-se e cria uma sensação de ansiedade e pânico, mas
com a evolução da ciência, mesmo não sendo totalmente exacto, foi possível sintetizar
estas sensações a um único local: a amígdala. Fisiologicamente, o medo é semelhante à
curiosidade e à excitação, o que diferencia é a maneira como é interpretado de forma
psicológica. Um método terapêutico de tratar o medo é obter conhecimento e
experiência de modo a controlar as emoções e a enfrentá-lo.
O autor fala sobre a comercialização do medo, e como por exemplo refere que as
pessoas tinham medo de ir à rua e ser atacadas até ser colocada iluminação, desde então
esse medo apaziguou mas resultou num outro: o medo de ser assaltado e os bens serem
roubados. Quantos mais bens necessários, mais apólices de seguro são vendidas.
6
Paul Newman (2004), p. 11, 13
7
Paul Newman é um escritor e leitor universitário residente no Reino Unido. É autor de várias obras
como Os Deuses Perdidos de Albion (1998) e Haunted Cornwall (2005). No livro História do Terror: O
medo e a angústia através dos tempos (2000) descreve a sensação de medo desde os espíritos ancestrais
da pré-história, o medo do desconhecido, o fascínio medieval pelo inferno, a caça às bruxas, num sentido
profundo e emocional como é explorado no romântismo, até ao fenómeno moderno da possível existência
de extraterrestres.
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
Mais cedo ou mais tarde, é expectável que cada um de nós passe por
experiências de perda, conquistas, perigos ou frustações. (…) Em grande parte
dos casos, conseguimos identificar alterações no nosso corpo quando sentimos
uma emoção, tais quais como as “borboletas no estômago” na paixão, o “nó na
garganta” associado à ansiedade, o coração a palpitar com o medo ou o
ruborescer das faces com a vergonha. 9
Dos dois anos e meio aos três anos de idade começa a relação da criança com os
monstros, quando aprende a substituir os objetos por imagens mentais desses mesmos
objetos, o que faz com que ela consiga imaginar coisas como figuras monstruosas e
objetos inanimados com vida.
8
David Guedes (2016), texto de apresentação do folheto da exposição “Exprimentar Emoções”.
9
Idem, ibidem.
10
Bruno Bettelheim é um psicanalista austro-americano. Estudou literatura, história de arte e estética.
Durante 30 anos foi diretor da Escola Ortogénica em Chicago, um centro terapêutico para crianças com
perturbações graves do comportamento, inclusive autismo e esquizófrenia.
11
Bettelheim (1998), p. 10
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Segundo Paul Newman, Sigmund Freud diz que o medo advém do condicionamento e
de estimulos negativos, por parte de padrões familiares, de experiências pessoais ou até
mesmo da lei.
De acordo com Bettelheim os pais desenvolvem a ideia de que as crianças têm que ser
poupadas daquilo que mais as perturba, fazendo com que os filhos acreditem que todos
os homens são bons, que os homens não são monstros. Em fase precoce, as crianças não
sabem exprimir sentimentos por palavras e fazem-no de forma indirecta como o medo
do escuro, o medo de animais, o medo de monstros.
Em muitas histórias para crianças, como os contos de fadas, a virtude e a maldade estão
presentes nas personagens, as quais são boas ou são más, não existe meio termo,
contrariamente aos contos modernos. Este mal é simbolizado por bruxas, gigantes,
dragões, etc. Luiz Nazário faz esse paralelismo acerca da história da “Bela Adormecida”
adaptada em animação pelos estúdios do Walt Disney para o cinema:
Não é o facto da virtude ganhar no fim que promove a moralidade, mas sim que o herói
é simpático e a criança identifica-se com ele, pois quer parecer-se com uma pessoa boa.
Nalguns livros de ilustração para a infância, a que irei fazer referência, os próprios
monstros reencarnam a personagem do herói, ou o seu fiel companheiro.
12
Luiz Nazário (1998) p. 11
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Segundo Michelle Taylor, um dos agentes encontrados nos livros infantis com histórias
de monstros é a catarse, termo utilizado por Aristóteles para purgar as emoções na
“Poética”. Através das histórias a criança consegue indiretamente expulsar os
sentimentos violentos e de medo.
Segundo Piaget13 (1896-1980), as crianças são egocêntricas e exigem que tudo tenha
uma explicação, o que espoleta um pensamento animista até à puberdade. As crianças
estão convictas de que os seus brinquedos possuem vida, acariciam os seus peluches
porque estão convencidas que eles gostam de ser tratados daquela forma, tal como elas
próprias. Falam com os seus brinquedos e pensam que eles sentem emoções e
13
Jean Piaget, de origem suíça e fundador da Epistemologia Genática, foi considerado um dos grandes
pensadores do século XX. Estudou matemática, biologia, química, geologia, filosofia, epistemologia e
lógica. Dedicou-se à investigação do desenvolvimento inteletual da criança e redigiu mais de quinhentos
artigos e cinquenta livros.
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necessidades como elas, tal como lêem e ouvêm nas histórias. Também os heróis muitas
das vezes são ajudados por objetos mágicos para triunfar nos seus objetivos.
Desde os primordios da humanidade que a crença em deuses sempre deu segurança aos
homens que não compreendiam a origem e a razão da sua existência. Com o progresso
social, científico e tecnológico, o homem libertou-se deste medo constante e tornou-se
mais racional.
A criança cede muito facilmente ao aborrecimento quando alguém estimado não lhe dá
a atenção de que ela precisa, ou fica impaciente quando a fazem esperar. Surgem
sentimentos de raiva e estes desejos furiosos também são demonstrados nas histórias:
um trágico desfecho quando desejamos algo demasiado, ou porque não esperamos que
as coisas aconteçam ao seu tempo.
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As crianças pequenas podem ter medo do escuro, dos trovões, das aranhas e dos
monstros. Podem ficar assustadas depois de observarem personagens, criaturas
ou acontecimentos na televisão. Podem temer desastres, como terramotos,
incêndios, cheias ou violência de que tenham sido vítimas, que tenham
observado ou de que tenham ouvido falar.15
De forma muito objetiva e de fácil compreensão para os mais novos, no seu livro, a
autora explora os mais profundos receios das crianças: pensam em coisas que podem
acontecer, imaginam coisas que as assustam, no escuro ou em sonhos, os filmes de
terror... Podem ser coisas imaginárias ou coisas reais, como a guerra, sensações menos
boas como a tristeza, a zanga, o susto. Infelizmente estas coisas acontecem
frequentemente, incluindo factos irreversíveis como a morte de alguém familiar, no
entanto existem pessoas que gostam das crianças e as escutam: a mãe, o pai, a família, o
professor. É bom ter um adulto chegado à disposição, que faça companhia à criança
para enfrentar a solidão, que dê segurança, que a conforte, que a ajude a distinguir o
imaginário do real. Os amigos também são fundamentais no crescimento emocional,
falar, brincar e rir ajuda a ultrapassar e esquecer as preocupações. Ter um lugar onde a
criança se sinta em segurança, onde possa dizer palavras agradáveis, respirar fundo,
pensar sobre as coisas que a fazem feliz.
14
Cheri, especializada em ensino primário e mestre em educação elementar e educação sobredotada, é
professora de pedagogia na Universidade do estado do Utah, nos Estados Un idos da América.
15
Cheri J. Meiners (2004) p. 36
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positivas; estar disponível, pois as crianças podem sentir medo a qualquer momento;
dizer às crianças que se gosta delas, as crianças devem sentir-se amadas; deixar as
crianças saberem que nunca estarão sozinhas, as crianças devem saber quem é o
responsável pelo bem-estar; manter abertas as linhas de comunicação entre a casa e a
escola, discutir os receios em ambiente escolar; seguir uma rotina saudável, manter o
equilíbrio físico e emocional; supervisionar a televisão e os jogos, pois deve-se ter
cuidado com o que vêem na televisão, controlar o nível de violência; encorajar o jogo
saudável, exprimir emoções através da arte, da escrita, jogos criativos; preparar para
mudanças e emergências, para não entrar em stress; ajudar as crianças a ajudarem os
outros, como no caso de instituições, por exemplo enviar cartas aos bombeiros; ensinar
as crianças a perceberem as diferenças, as pessoas têm características, culturas, hábitos
diferentes; caso o medo limite a vida da criança deve-se procurar ajuda profissional
junto a um pediatra, um psicólogo ou um orientador pedagógico.
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Não é só na literatura e no cinema que os medos dos mais pequenos têm destaque, a
pianista Joana Gama em colaboração com o coreógrafo Victor Hugo Pontes criaram o
espétaculo “Nocturno”, inspirado nos medos das crianças acerca do escuro e da noite,
em que “Aranhas, trovoadas, sombras, roupa ou brinquedos que ganham vida, sons e
silêncios que se ampliam, são convocados para este espetáculo, debaixo de um gigante
lençol estrelado (…).”16 (ver Anexo 1)
O “Monstro no Labirinto” é uma ópera multimédia do inglês Jonathan Dove que estreou
no Festival d’Aix en-Provence, na França, em julho de 2015. Junta adultos e crianças, e
o espetáculo conta o mito grego sobre a viagem de Teseu em busca do Minotauro, para
resgatar as crianças que tinham sido oferecidas como sacrifício ao monstro de Creta.
16
Agência Lusa (2017) artigo na revista digital “O Observador”.
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Na Idade Média temos exemplos de imagens ilustrativas na tapeçaria, nos vitrais, nos
baixo-relevos nas colunas. As igrejas eram decoradas com episódios bíblicos para
instruir as pessoas que não tinham o previlégio a uma educação escolar e literária. As
iluminuras ilustravam os livros das horas e as xilogravuras ilustravam o antigo e o novo
testamento na Bíblia dos pobres. Em Portugal temos exemplos de narrativas ilustradas
nas esculturas nas frentes das igrejas, iluminuras e azulejos.
A ilustração é uma interpretação de um texto, ideia, etc. Pretende transmitir algo, pois:
17
Emílio Távora Vilar (1997)
22
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No caso da literatura para crianças, as imagens contam uma história, e a beleza dessas
imagens permite persuadir e motivar a que estas se interessem mais pela leitura.
Durante a Idade Média até ao final do século XVI predominavam os contos populares
de tradição oral, que corriam de boca em boca. Foi uma época em que poucos sabiam
ler e os livros existentes eram predominantemente de cariz religioso. Uma das formas de
uma franja da população contactar com a literatura eram nos poucos teatros de rua com
marionetas e outros acessórios que dramatizavam pequenos episódios e histórias da
tradição oral. Como não existia a preocupação de escrever para crianças e a própria
ideia de infância era algo desvalorizado ou inexistente, estes contos destinavam-se a
todos os públicos. Nos dias de hoje seria impensável apresentar a crianças contos com
tamanha violência e perversidade.
Como atrás referido, as crianças ou o público infantil não eram preocupação dos
contadores de histórias e verificamos que com a descoberta da imprensa continuam a
não o ser. As crianças liam livros que não eram adequados para a sua faixa etária.
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Esopo (século VI a.C.), escritor grego, foi o criador deste género literário. A famosa
fábula “A cigarra e a formiga” é originalmente atribuída a Esopo, que mais tarde sofreu
reinterpretações por parte de outros autores, como o francês Jean de La Fontaine (1621-
1695).
18
Maria Pires (1982) p. 38
19
Mestre e Doutorada em Literatura Inglesa Medieval, é professora auxiliar na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa. O artigo A Idade Média e o Bestiário está disponível online na Revista
Medievalista.
20
Angélica Varandas (2006) artigo na revista digital “Medievalista”.
24
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
John Locke (1632-1704), filósofo inglês, aconselha o público infantil a iniciar a sua
leitura com as fábulas de Esopo e que este género literário “(…) deveria ter ilustrações a
fim de divertir as crianças e de as encorajar a ler (…)”. 22 Os educadores foram
influenciados pelas suas ideias humanistas e pela sua filosofia iluminista.
21
Em 1995, a artista portuguesa Teresa Lima ilustrou esta colectânea de contos fabulásticos, que foi
editado pela Edinter.
22
Maria Pires (1982) p. 306
23
Idem, p. 60
25
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O artista francês Paul Gustave Doré (1832-1883) foi um dos ilustradores mais bem
sucedidos da sua época, nomeadamente nos contos de fadas e nos contos para a
infância. (Ver Anexo 2)
(…) seu talento incomparável e seu estilo inconfundível podem ser comprovados
e aplaudidos em cada uma de suas obras, ricas em contrastes luminosos e
formas fantásticas; sua presença no imaginário iconográfico dos leitores mais
dedicados no mundo todo também é uma certeza. Seus desenhos possuem uma
materialidade plástica inigualável, não apenas acompanhando, mas também
ampliando decisivamente as metáforas e os símbolos presentes em grandes
clássicos da literatura mundial, como em obras de Honoré de Balzac, François
Rabelais, Miguel de Cervantes, La Fontaine, Charles Perrault, Edgar Allan
Poe, Victor Hugo, Dante Alighieri, e até mesmo a Bíblia.”24
A peça trata de uma feiticeira, Genebra Pereira, que se vai queixar a el-rei
porque vivia receosa de ser presa devido ao seu ofício. Perante o rei, a feiticeira
24
Giuliarde de Abreu (2017) Artigo na revista digital “Obvious”.
25
Idem Ibidem.
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Por sua vez, Almeida Garret (1799-1854), escritor e poeta, autor da obra “Fábulas e
Contos”, refere-se ao hábito de usar as fábulas como meio educativo.
Mais tarde a inglesa Beatrix Potter (1866-1943) fascinada pelos contos de fadas e
interessada tanto na área da literatura como na área da ilustração, públicou e ilustrou
inúmeras obras dedicadas à infância. A história de “Peter Rabbit”, em português
“Pedrito Coelho”, é a sua obra mais famosa. As suas ilustrações são delicadas e
detalhadas, com traços finos e cores suaves.
26
Infopédia (2003-2017) Artigos de apoio Infopédia.
27
Ju Godinho e Eduardo Filipe (2005) p. 5
28
Em 2005, O município do Barreiro, em homenagem ao bicentenário do nascimento do escritor, criou
uma iniciativa que visa promover a ilustração para a infância. Desta ideia nasceu o projecto “Ervilhas
Para Verdadeiras Princesas” que contou com a participação de 10 ilustradores portugueses e 10
ilustradores estrangeiros. (Ver Anexo 3)
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Beatriz Túbal Carapuça
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Mas foi Aquilino Ribeiro (1885-1963) que se destacou no contexto ao publicar em 1924
as aventuras da raposa Salta-Pocinhas, em o famoso “Romance da Raposa”, inspirado
numa história árabe, que viria a ser o seu maior êxito e uma das fábulas mais
encantadoras da literatura infantil e jovem portuguesa. Esta obra foi ilustrada pelo
francês Benjamin Rabier (1864-1939) “(…) o primeiro lápis de todas as grandes
revistas parisienses da especialidade, que expressamente fez os desenhos a cores.”29
No que toca à ilustração a maior parte dos artistas eram estrangeiros pois a produção
artística nacional era muito dispendiosa. As gravuras em metal e em madeira do século
XVIII foram sendo substituídas pela litografia e a impressão a quatro cores no século
XIX que vem potenciar aspetos expressivos da ilustração.
28
Beatriz Túbal Carapuça
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A difusão de obras nacionais na literatura para as crianças e jovens foi uma solução para
combater o analfabetismo em Portugal. Os livros infantis não se destinavam só a
entreter a criança, esta vertente lúdica irá motivar os mais novos a ganhar o gosto pela
leitura, e também é essencial para o seu desenvolvimento psicológico, para a formação
do carácter e para fomentar o poder de opinião.
A literatura infantil teve um impacto muito grande durante este século, pois para além
de divertir, passou também a ter um carácter formativo, educativo e instrutivo, desde a
temas como a religião, a ciência, técnicas agrícolas, etc. É no jardim infantil que as
crianças têm um primeiro contacto com os livros. As brincadeiras à volta da fogueira e
os jogos infantis nos recintos pré-escolares modernizaram-se, e as professoras contam
histórias e os alunos ilustram através de desenhos, pinturas e dramatizações com
fantoches. Passou a ser comum nos meios modernos de comunicação, os contadores de
histórias na televisão, na rádio e nos teatros. E a partir dos anos vinte a ilustração
também ganha uma certa notoriedade, sendo que os ilustradores passam a assinar as
suas criações e começam a ser reconhecidos.
Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) foi uma das figuras mais importantes
no universo da poesia e das histórias para a infância e para adultos. Citando José
António Gomes, Sophia deslumbrou-nos com um dos estilos mais originais da literatura
do século XX:
30
Pseudónimo de Maria Lamas (1893-1983). Jornalista, tradutora, ativista política, teve um importante
papel no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, no Movimento Democrático de Mulheres e no
Movimento Unidade Democrática. É autora de romances e contos para a infância, criou revistas infantis,
organizou exposições e conferências.
31
A sua irmã Maria Teresa d'Andrade Santos escreve para a Revista “Beiral” durante o tempo do Estado
Novo.
29
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
“Inconfundível Maria Keil”34 (1914-2012) foi uma figura notável na pintura, design e
na ilustração portuguesa. Para além da ilustração de livros infantis, a sua vasta
experiência como desenhadora deixou marcas na azulejaria e nos processos de
comunicação, tais como os anúncios publicitários e os cartazes. Foi, e é, uma artista que
valorizou a cor e a linha.
32
José António Gomes (2001) p. 21
33
Ana de Castro Osório é considerada a fundadora da literatura infantil em Portugal, com a obra de “Para
as Crianças” (1897). Traduziu contos dos irmãos Grimm, de Hans Christian Andersen e escreveu peças de
teatro infantil.
34
Fernando de Azevedo (2001) p. 171.
30
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
Há só ilustrações de infância:
Nos anos 30, devido ao domínio do Estado Novo, houve um declive na produção
literária infantil. As obras literárias publicadas visam apenas a defesa do regime político
em vigor. As traduções de livros estrangeiros são muito frequentes e o interesse
acentua-se pelos livros de carácter moralizante, histórico e apologético.
35
Escritora de nacionalidade brasileira, é autora do livro “O Que É Literatura Infantil”.
36
Álvaro de Campos (1933) p. 301.
31
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Nos dias de hoje a literatura e a ilustração têm um papel fundamental. São organizados
em todo o mundo congressos, exposições, feiras e conferências, e são atribuídos
prémios aos melhores escritores e aos melhores ilustradores. Nos livros infantis
modernos predomina a presença do humor e do “nonsense”.
A ilustração tem um lugar de destaque nos livros infantis e juvenis, e passou a ser
considerada um complemento ao texto. Em alguns livros infantis a ilustração tem um
papel mais importante que o próprio texto, pois o público-alvo ainda não descodifica o
código escrito.
Foram feitas muitas adaptações dos clássicos dos contos de fadas, por exemplo, como já
referi no subcapítulo anterior, a título de exemplo a artista Teresa Lima37 que ilustrou as
“Fábulas de La Fontaine”, e Jorge Ribeiro ilustrou uma série de contos infantis, entre
eles a “Bela Adormecida”, o “Gato das Botas” e “Hansel e Gretel”, com texto adaptado
de Alice Eça Guimarães.
37
Teresa Lima nasceu em 1962, vive e trabalha em Lisboa, e é licenciada em Pintura pela Faculdade de
Belas Artes da Universidade de Lisboa. A partir de 1994 começou a dedicar-se à ilustração de livros
infanto-juvenis. A técnica mista (na qual junta pintura, desenho e colagem) é a predilecta e alguns dos
seus trabalhos são inspirados no imaginário de Lewis Carrol e de outros contos fantásticos. É professora
de artes visuais na Escola Vergílio Ferreira em Lisboa.
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
O mercado dos livros infantis em Portugal não tem grande consistência e muitas vezes
as editoras optam por traduzir obras estrangeiras. No entanto, existem editoras
especializadas em publicações para crianças e jovens que estão a ter sucesso em
mercados além fronteiras. Nas editoras portuguesas para o público infantil e jovem
destacam-se “O Planeta Tangerina”, “Pato Lógico” e “Mini Orfeu”.
A pintora portuguesa Paula Rego (1935) também dedicou muito do seu trabalho aos
contos populares tradicionais e aos contos de fadas. Fez uma série de seis litografias
coloridas que ilustram o conto “O Príncipe Porco”, a história de um príncipe meio porco
meio humano, que na versão original foi publicado pelo escritor italiano Giovanni
Francesco Straparola (1480-1557). Também o conto “A Gata Branca”, da escritora
francesa Madame d’Aulnoy, mereceu destaque na obra de Paula Rego. Na sua pintura
ilustra o príncipe rodeado de gatos, entre eles a gata branca, que na verdade é uma
princesa que está enfeitaçada num corpo de um felino.
João Pedro Ferro, citando M. Helena Duarte-Santos, refere que a banda desenhada
infantil tem um importante papel na educação. Ajuda a conhecer o mundo da criança,
ensina a ver, a ler, a tomar consciência da linguagem falada, real, com as suas
singularidades, estimula a expressão oral e desperta na criança o interesse por
determinados assuntos.
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
A Editora “Pato Lógico”, nome escolhido por ser engraçado e de ser fácil de memorizar,
é uma editora que nasceu em 2010. Foi criada com a parceria de pai, José Letria, e filho,
André Letria. Dos inúmeros artistas que colaboram com esta editora destaquei oito
ilustradores, dos quais alguns também são autores.
Afonso Cruz nasceu na Figueira da Foz, em 1971. Estudou na Faculdade de Belas Artes
da Universidade de Lisboa e no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira.
Trabalha na área da literatura, da música, do cinema e da ilustração. Autor do livro
“Capital” editado pela Pato Lógico, e autor das obras “Os Livros que Devoraram o Meu
Pai” e “A Contradição Humana”. (Ver Anexo 4)
Alex Gozblau nasceu em Perugia, Itália, em 1971. Vive e trabalha em Lisboa, na área
da ilustração, da banda desenhada, das artes plásticas, animação, teatro, som, etc.
Ilustrou “Aristides de Sousa Mendes” da Pato Lógico. (Ver Anexo 5)
João Fazenda nasceu em Lisboa, em 1979. Vive e trabalha em Londres. Publicou livros
de banda desenhada, faz ilustrações para livros e trabalha com cinema de animação.
Ilustrou o livro “Fernando Pessoa, o menino que era muitos poetas”, “Atento ao
medicamento” e “Ilha dos Diabretes”. (Ver Anexo 7)
André Letria nasceu em Lisboa, em 1973. Estudou Pintura na Faculdade de Belas Artes
da Universidade de Lisboa e trabalha como ilustrador desde 1992. É filho do célebre
escritor José Jorge Letria, com quem tem algumas parcerias em livros infanto-juvenis.
Ilustrou para a revista Visão e para o JL, Jornal de Letras e Ideias. Participou na Bienal
de Ilustração de Bratislava em 1995 e já ganhou inúmeros prémios tanto a nível
nacional como a nível mundial. Tem livros publicados em vários países para além de
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Portugal como os EUA e Itália. Também realizou filmes de animação, cenários para
teatros e trabalhos em design gráfico. As técnicas mais exploradas são a aguarela sobre
papel, acrílico sobre papel, técnica mista e a colagem. As suas ilustrações estão
presentes em quatro obras que irei abordar no capítulo seguinte: “Animais Fantásticos”;
“os Estrambólicos”; “David e Golias”; “Anéis do Diabo”.
A Editora Planeta Tangerina foi criada em 1999 e dois dos seus fundadores são
Bernardo P. Carvalho e Madalena Matoso, que são simultaneamente autores e
ilustradores.
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
“Kalandraka” é uma editora criada em 1998 e foi fundada pelo escritor de livros infantis
Xosé Ballesteros. A sede fica em Pontevedra, Galiza, Espanha, no entanto é uma editora
que trabalha com muitos autores e artistas portugueses.
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
3.1 - Medos
Nesta obra Sérgio Godinho relata episódios da sua vida em que sentiu o medo. Começa
por tentar descrever o que é o medo através da definição no dicionário e de sinónimos.
Insatisfeito com o conceito de medo através de definições, tenta explicá-lo com base nas
suas memórias mais aterradoras, através de episódios que aconteceram, na realidade ou
na imaginação, durante a sua infância. A primeira história é sobre uma ida ao circo, em
que depois de Sérgio Godinho entrar sem pagar o bilhete para ver o espéctaculo, o dono
do circo assusta-o dizendo que vai soltar um leão. Outra história aterradora aconteceu na
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
rua da avó dele, na qual o dono da drogaria tenta assustá-lo dizendo que habita um
bicho desconhecido nas traseiras da sua loja. Uma criatura sem forma e misteriosa é
motivo para deixar muitas questões no ar, porque, o que é um bicho desconhecido?
A memória mais mágica relatada no livro são os barulhos no sótão da casa da avó. Certo
dia enche-se de coragem e no sótão encontrou um bicho desconhecido de estatura média
mas mais pequeno do que grande, meio castor meio esquilo, sujo com pó e que tinha um
ramo de flores na sua mão.
Para o seu espanto, o bicho dos medos desconhecidos era muito simpático e leu-lhe um
poema intitulado “Coisas esquisitas que acontecem ao nosso corpo quando se tem
medo”. (Ver Anexo 18)
Este bicho desconhecido vivia no sótão desde sempre, também conhecia o avó e o pai
do Sérgio. O avó Francisco de Magalhães escreveu para o pai João um texto intitulado
39
“História para o meu filho João, de cada vez que tiver medo.” É uma história sobre o
João enfrentar o medo, pois não o pode expulsar, porque faz parte de si.
38
Sérgio Godinho (1991) p. 14.
39
Idem, p. 38.
40
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
O Manel é um menino de dez anos que acredita em tudo, nas ciências exactas, nas
ciências naturais, nas ciências ocultas, nos livros sobre história, nos livros que contam
histórias e nos medos que se apoderam dos seus sonhos. Os pais dizem que os monstros
são imaginação dele, mas as coisas que eles acreditam também não são visíveis: virús,
micróbios e bactérias.
A família dos medos vive debaixo da cama do Manel e ganha vida quando o quarto está
escuro. Têm a função de provocar emoções assustadoras às crianças e aos adultos. É
uma família constituída pelo pai Terror, a mãe Apavorante, a tia Agorafobia, a tia
Claustrofobia, a tia Xenofobia, o tio Susto, e os medos filhos, como por exemplo o filho
do medo escuro, o medo das vacinas, o medo de estar sozinho, o medo dos fantasmas, o
medo que a mãe se zangue, etc.
Há medos mais fáceis de combater do que outros, por exemplo o primeiro dia de aulas.
Mas o escuro também tinha medo do Manel, porque quando ele acendia a luz o escuro
era derrotado. E o medo susurrava-lhe:
40
Rita Taborda Duarte (2012) p. 29
41
Idem, p. 30
41
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
E foi assim que o Manel expulsou o seu medo do escuro pois é estúpido ter medo de
algo que tem medo de nós. Os medos vivem em todo o lado: na escola, nos hospitais,
nas finanças, nas casas, dentro do armário, nas florestas…
Debaixo da sua cama vivia o Miúfa, um medo muito medricas, que fora abandonado
pela sua família por ser muito assustadiço. “(…) um medo que tem medo do próprio
42
medo…”
Os barulhos que Manel ouvia debaixo da sua cama era a família do Miúfa a tentar
convencê-lo a entrar no seu ouvido e aterrorizar os seus pensamentos. O rapaz sentiu
pena do pequeno medo e resolveu ajudar o Miúfa a ganhar confiança em si próprio e
respeito pela sua família dos medos, mas Miúfa tinha receio de entrar na cabeça de um
humano.
No entanto, os conselhos medricas do Miúfa faziam com que o Manel tivesse medo de
tudo e fosse um cobarde, e então ficou conhecido na escola por “Manel Miúfa”. Desde
sempre que o Manel era um miúdo fixe, sentava-se na fila de trás, aproveitava a
diversão e demorava nos intervalos, e desde que o Miúfa vivia na sua cabeça o Manel
42
Rita Taborda Duarte (2012) p. 45
43
Idem, p. 72
42
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
sentava-se na primeira fila, chegava antes dos professores, fazia todos os trabalhos de
44
casa. O Manel “já tinha Miúfa de olhar, Miúfa de ouvir, Miúfa de pensar.”
Para a felicidade do Manel, certo dia, numa tentativa de porrada com o Jaime, o Miúfa
sai disparado e entra na orelha dele. O Jaime apanhou Miúfa, o medo medricas ficou
mais poderoso e tornou-se o Pânico, ficando glorificado pela família dos medos.
O Manel e o “Miúfa” é ilustrado pela Maria João Lima. Nasceu a 1969 em Lisboa.
Tirou o curso de Design de Comunicação na Faculdade de Belas Artes da Universidade
de Lisboa. Trabalhou como designer gráfica e agora é freelancer. Ilustração a preto e
branco, o texto em harmonia com a imagem. Todas as ilustrações deste livro foram
feitas no computador, mais especificamente no Photoshop. As imagens que aparecem ao
longo do livro foram desenhadas a partir de fotografias; as ilustrações dos monstros que
aparecem no final, foram feitas com montagens de diversas imagens recolhidas - uma
espécie de corta e cola.
Rita Castanheira Alves, psicóloga clínica desde 2007, que trabalha específicamente com
crianças, é autora da obra infantil “Maria do Medo”. Foi publicada pela primeira vez
em novembro de 2015 pela “Booksmile”, uma chancela da “20|20 Editora”.
Conta a história sobre uma menina chamada Maria, filha única e que tem um quarto só
para si. Todas as noites, na hora de dormir, a Maria recebe a visita do medo: começa a
tremer, de olhos bem abertos vê sombras na parede do quarto, o coração bate rápido, e
as lágrimas escorrem pela face. Durante a noite torna-se a Maria do Medo.
44
Rita Taborda Duarte (2012). p. 79
43
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
medo: ler um livro com os pais; pensar em coisas divertidas e nos amigos, pedir um
beijo à avó, cantar uma canção… No final da atividade, a professora oferece à Maria a
caixa que estava cheia de ideias.
A partir desse dia, a menina torna-se uma “Super Maria”, enfrentando de uma vez por
todas, com a ajuda do cão-peluche Mário, o medo do seu quarto escuro.
Nas últimas páginas, o livro oferece conselhos de como lidar com as emoções dos mais
pequenos: “O medo apareceu e é preciso lidar com ele… Não vale a pena desvalorizar,
ridicularizar, chamar medricas ou não permitir que haja medo, como se desaparecesse
por magia.”45
Em 2016, Rodrigo Abril de Abreu publica o seu primeiro livro “Medo do quê?”,
editado pela “Presença”. Natural de Lisboa, é formado em física e doutor em
Neurociências pela Fundação Champalimaud e Universidade Nova de Lisboa.
É uma reflexão sobre o medo, que estão presentes em crianças e adultos, e como ver o
medo de outra forma, de maneira a esse mesmo medo nos ensinar algo valioso. As
sombras utilizadas para ilustrar o livro são do próprio autor, que representam o medo e a
superação do medo. O livro está dividido ao centro: na página esquerda refere um medo
e na página direita refere uma visão otimista acerca desse medo.
À primeira vista a técnica de eleição parece ser realizada com materiais aguados,
marcador preto, as sombras resultantes das mãos, com edição digital. A fotografia é de
João Abril de Abreu.
45
Rita Castanheira Alves (2015). p. 35
46
Carla Nazareth (2015). p. 38
44
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
E apresenta várias visões otimistas desse medo: explorar o que ainda não é conhecido; é
na escuridão que nascem as estrelas; os palhaços são engraçados e fazem-nos rir;
procurar um abrigo seguro; é no silêncio que nos ouvimos a nós próprios; visto do alto
todos os medos são pequenos; podemos ser pequenos mas o mais importante é ter um
grande coração; quando estamos sozinhos a coragem é a melhor companheira; a dor é
temporária; os monstros também precisam de amigos; ser diferente é ser igual, todos
somos feitos da mesma matéria; quando sonhamos temos asas e conseguimos voar; se
nos perdermos só temos que seguir a corrente e quando há um fim, há um novo começo.
45
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
3.2 - O Desconhecido
Esta obra, em formato de peça dramática, retrata um dos maiores triunfos alcançados
pela coragem do povo português:
O primeiro quadro é um diálogo entre uma mulher, uma criança, um velho e um rapaz.
Especulam acerca do Cabo Bojador, lendas antigas inventadas pelo medo dos homens,
nenhum povo algum conseguiu dobrar este cabo. Dizem que é ali que acaba o mundo,
que se parte para o desconhecido, e o que é desconhecido é sempre motivo de
inquietude e medo: as águas do mar fervem, o nevoeiro é negro, a escuridão cai sobre o
dia, os monstros marinhos atacam os barcos.
Os cenários estão descritos ao detalhe e Henrique Cayatte, em diversos tons de azul, faz
jus às suas ilustrações:
Ao fundo, sozinho, voltado para o mar, vestido de escuro (única cor sombria no
meio das cores claras), de costas para a cena, para os outros personagens e
para o público, o Infante.
47
Luc Cuyvers (1998) Artigo Ensina RTP.
46
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Está sentado numa pedra, ligeiramente curvado para a frente, com o queixo
apoiado na mão direita e o cotovelo direito apoiado no joelho; o pé direito
avança à frente do outro pé. O Infante está no fundo da cena mas um pouco à
esquerda e ligeiramente voltado para a direita.
Acerca do cenário proposto para este quadro e mais uma vez uma belíssima e simples
ilustração de Henrique Cayatte:
48
Sophia de Mello Breyner Andresen (2000) p. 5
47
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
esquerda, uma mesa e uma cadeira postas de forma a que a pessoa ali sentada
fique de perfil para o público.49
As ilustrações são de Paulo Galindro, que usa neste livro técnica mista sobre MDF,
mais sucintamente acrílico, lápis de cor, lápis de cera, pastel, caneta bic, lápis de carvão
e colagens sobre placas de madeira. O plano de fundo está em tons alaranjados, próprios
da paleta do ambiente da savana, e as sombras do “Cuquedo”, que suscitam suspense
entre os animais. Embora as personagens estejam horrizadas pela procura de quem será
o dito Cuquedo, as formas divertidas e os rostos dos animais estão muito animados e
emotivos (o medo, o espanto). Os laranjas da savana e os amarelos das girafas
contrastam com os pretos, os cinzentos e os brancos dos animais.
49
Sophia de Mello Breyner Andresen (2000) p. 17
50
Clara Cunha (2008) p. 9
51
Clara Cunha (2008) p. 9
48
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
As crianças têm medo do escuro (tal como alguns adultos), pois no escuro não
se vê. Então, é fácil acreditar na presença de monstros, insectos ou seres que
aterrorizam e que querem fazer mal.
História em quadra, rimas e versos, traz ritmo e musicalidade à leitura. O quarto está
totalmente escuro, imaginar o que não conseguimos ver. Quando conhecemos melhor o
desconhecido, os segredos revelam-se.
Um rapaz mudou de casa e está ansioso por dormir na nova cama porque tem um quarto
só para si. Mas mal apagou a luz sentiu a presença de um monstro:
É do tamanho de um cão,
Um monstro que só gosta da escuridão. O pai deu-lhe uma ideia: quando o monstro
aparecer iluminá-lo com a lanterna e dar-lhe com o pau. No entanto, quando chegou a
noite, o rapazinho cheio de coragem não teve medo e tentou conhecer melhor o
monstro. Agora que já sabe o que se esconde na escuridão do quarto, já não tem mais
medo dele, afinal o monstro só queria ser seu amigo.
52
Marta Cancela (2009) p. 3
53
Idem, p. 11
49
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Neste livro o suporte foi o cartão, as ilustrações são pintadas a acrílico e contornadas
com caneta de tinta da china e esferográfica. A escolha de cores é variada, acentuando
os azuis, violetas, rosas e amarelos.
50
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
3.3 - Monstros
Figura 8. Capa do livro “O Papão no da sua existência tratavam-lhe da saúde, que ele fugia
Desvão” (Yara Kono, 2009).
para as estradas e quintais. O papão afinal era bonzinho,
e diz à Sofia que se sentia sozinho e que queria companhia. Saiu do desvão e deu a mão
à menina, subiram as escadas e o papão ficou a dormir debaixo da cama da Sofia,
porque ela protegia-o da solidão.
Ilustrações simples mas muito carismáticas, fortes emoções nos rostos das personagens,
rostos geométricos, cores sólidas, página inteira preenchida.
Em 2001 veio viver para Portugal e entrou na editora “Planeta Tangerina”, onde tem
trabalhado sobretudo na área do design de identidade e editorial e na ilustração. Em
2010 ganhou o Prémio Nacional de Ilustração.
51
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
“Pê, o Monstro da Preguiça” pode ser uma história para miúdos e graúdos, pois a
preguiça ataca todos. Foi publicado pela primeira vez em 2011 pelas “Edições Asa”. O
texto é de Maria Teresa Maia Gonzalez e a ilustração de Raquel Pinheiro. Muito
sucintamente, a história gira em torno de um menino chamado Maximiliano Henrique,
que é uma criança cheia de energia até ao dia em que aparece o Monstro da Preguiça.
Tudo começou quando a mãe o acordou para ir para o primeiro dia de escola e Max não
queria sair da cama, sentia o seu corpo pesado e a cama estava mais confortável do que
nunca. Depois de muito esforço lá foi para a escola, mas o seu rendimento estava muito
lento. Mais tarde ao chegar a casa tomou um banho e sentiu-se mais leve. Abismado
com a sua tamanha moleza, olhou-se ao espelho para ter a certeza que continuava a ser
ele mesmo. Olhou com muita atenção e reparou que tinha uma pequena nuvem no fundo
dos seus olhos. O sono era tanto que não tinha forças para fazer os trabalhos de casa.
Quando ia carregar no botão do computador:
Ainda com os olhos meio abertos, olhei para o ecrã e vi uma coisa
estranhíssima: uma cara enorme, de cor azulada, com os olhos papudos e os
cabelos ainda não despenteados do que os meus! 54
54
Maria Gonzales (2011) p. 20
52
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
O monstro explicou ao Max que ele só o conseguia ver porque estava a tornar-se
preguiçoso e, tal como o nome diz, a função de um monstro conhecido como preguiça é
alimentar a procrastinação e aliciar o rapaz a jogar jogos no computador o dia todo. Mas
cada vez que Max confronta o Pê, este gradualmente diminui de tamanho, e quando a
pouca vontade de fazer os trabalhos de casa e a vontade de ver televisão e jogar no
computador aumenta, o Pê também aumenta de tamanho. O rapaz tentou concentrar-se
ao máximo como o seu avô lhe tinha ensinado e conseguiu terminar os trabalhos de
casa, e Pê voltou a ficar pequeno e saiu derrotado, minúsculo, pois Max é mais
inteligente do que ele pensava.
Max aprendeu uma valiosa lição com Pê, deixar-se levar pela preguiça é das piores
coisas que lhe pode acontecer e descobriu um poder fantástico dentro de si: a força de
vontade.
Mais uma vez uma obra criada em parceria pai e filho, com texto de José Jorge Letria e
ilustração de André Letria, os “Estrambólicos” é um livro escrito em poesia com
quadras e quintetos. A primeira publicação foi em 2011 pela editora “Pato Lógico”.
55
Maria Gonzales (2011) p. 25
56
José Letria (2011) p. 3.
53
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
54
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Publicado pela primeira vez em fevereiro de 1995, pela “Civilização Editora”, “David e
Golias” conta, de forma elementar, aos meus pequenos os feitos bíblicos de uma
personagem tão apreciada na arte, com uma forte inspiração na escultura e na pintura.
- Escolhei entre vós um homem que tenha a coragem de vir lutar contra mim! Se
ele me vencer, e me matar, vós ganhais a batalha e todos nós seremos vossos
escravos. Mas… se for eu o vencedor, então todos vós sereis nossos escravos.57
O exército israelita ficou amedrontado e durante quarenta dias ninguém teve coragem de
enfrentar o gigante Golias. A mando do seu pai, David levou comida para os três irmãos
que estavam no acampamento a prepararem-se para a batalha. Ao chegar ouviu Golias
novamente a dizer o desafio e perguntou-lhe quem era ele para insultar o exército de
Israel. Toda o povo de Israel ficou a saber que o pequeno David fez frente ao gigante, e
o rei Saul mandou chamá-lo aos seus aposentos. David diz ao rei que ele próprio vai
enfrentar o gigante, que pode ser pequeno mas tem experiência em proteger o seu
rebanho de ovelhas contra os predadores. Como não tinha experiência com armas nem
força para carregar o capacete, foi buscar o seu cajado e cinco pedras. No campo de
batalha foi troçado por Golias e, nada obstante, o corajoso David lançou a primeira
pedra com a funda e acertou exatamente na testa do gigante, que perdeu as forças e
57
António Mota (1995) p. 10
55
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
O escritor José Jorge Letria em parceria com o ilustrador, e filho, André Letria criam o
livro “Os Animais Fantásticos”, publicado pela “Ambar” em 2004. Uma divertida
“enciclopédia de monstros” onde através de versos o autor descreve os maiores feitos,
qualidades e defeitos, dos dezoito animais fantásticos que todos conhecemos dos mitos
e dos contos de fadas. Segundo as características que o historiador Luiz Nazário atribui
aos monstros, podemos enquadrar estas criaturas, sobretudo as de caracter mitológico,
no conceito de Unicidade:
58
Luiz Nazário (1998) p. 34
56
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
“Odisseia” de Homero. O Dragão é um monstro muito popular nas fábulas e nos contos
de fadas, expira fogo pelas narinas e pela boca, combate guerreiros e rapta princesas. Na
china os dragões representam pássaros e serpentes. A Esfinge do Egipto tem corpo de
leão e cabeça de faraó, é sábia e eterna. O Fauno é uma criatura híbrida de homem com
cabra, vive nos bosques e persegue raparigas. A Fénix faz parte dos mitos do Egipto,
tem penas de ouro e de fogo e renasce das cinzas. O Grifo tem cabeça de águia, corpo
de leão e asas de pássaro. A famosa Hidra de Lernas cujas nove cabeças for cortadas por
Hércules. Por cada cabeça que era cortada havia outra que nascia, sendo a cabeça do
meio imortal. O Lobisomem meio homem e meio lobo, de tamanho e força bruta,
assombra as florestas nas noites de quinta-feira e de lua cheia. O Minotauro nas
histórias da mitologia grega é um touro gigante que vivia no labirinto do rei Minos. O
Ogre é um monstro que devora crianças, e é conhecido como papão em alguns países. O
Pégaso é um cavalo alado e é descrito na obra “Teogonia” de Hesíodo. A Salamandra é
um réptil da família dos lagartos que já foi símbolo de magia e que não se queimava
com o fogo. A Sereia é metade mulher metade peixe, que gosta de cantar e enfeitiçar os
navegadores para estes naufragarem. A Serpente Marinha é uma cobra gigante
representada em muitas obras de arte, e acreditava-se que atacava os navegadores. E,
por último, o famoso Unicórnio, um cavalo que tem um chifre mágico e que vive nas
florestas encantadas.
André Letria recorre a técnicas mistas, com colagem e acrílico. De um ponto de vista
geral, a ilustração é detalhada, com texturas e sobreposições a partir de colagens. As
cores são fortes e os fundos com aspeto degastado, possivelmente para simbolizar os
quão antigos são os mitos que envolvem estes animais fantásticos.
Ainda no tópico dos monstros fantástico, o livro “Um Dragão na Banheira” percorre a
amizade entre uma menina chamada Ana e um dragão marinho. Obra escrita por Tiago
Salgueiro e ilustrada por José Manuel Saraiva, foi publicada em 2004 pelas “Edições
Gailivro”.
Fazendo um breve resumo deste livro, o autor conta a história a partir do momento em
que Ana se prepara para tomar banho e um dragão marinho entra pela torneira, e a
menina, simpatizando com o bichinho, batiza-o de Jupo. Como na maioria dos livros
infantis, a simplicidade das palavras nunca demonstra reacções agressivas por parte das
personagens, de modo a não ferir a susceptibilidade das crianças, e desta forma, os pais
57
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Remetendo à temática dos receios das crianças, Ana deixou de ter medo dos seus
pesadelos pois tinha a protecção do seu dragão. De forma divertida, o autor relata que o
dragão Jupo contava histórias à Ana, que a sua mãe lhe tinha contado, acerca de dragões
que tinham que fugir dos príncipes, pois eles não
gostavam que estes brincassem com as suas
namoradas. Sendo um dragão marinho tinha o
curso de nadador salvador, mas devido às histórias
que a sua mãe lhe contava, tinha medo de vir ao de
cima e de um homem lhe tentar fazer mal. Nesta
história, o medo é inerente a ambas as
personagens. Figura 13. Ilustração do “Um Dragão na
Banheira” (José M anuel Saraiva, 2004).
A sua ilustração é peculiar, sendo constante nos seus trabalhos dedicados à infância.
Ilustra os episódios vividos entre a Ana e o Jupo com um efeito riscado e cores
contrastantes, os vermelhos quentes com os azuis e turquesas, com perspectivas
distorcidas criando um ambiente de fantasia e de brincadeira.
58
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
59
António Antunes Carvalho (2006) p. 10
60
Idem Ibidem
59
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
A segunda categoria, “Os Corredores de Fado” são pessoas que foram amaldiçoadas,
são muito pálidas e têm olhos massados e mãos quentes. Destacam-se as “Peeiras de
Lobos”, que são a versão feminina dos corredores, vivem entre os lobos; o “Tardo” é
alguém que pode tomar a forma de um animal, e se ao fim de sete anos a maldição não
estiver quebrada transforma-se num “lobisomem”; o “Lobisomem” alimenta-se de
animais e humanos, se morrer sem a sua maldição ser quebrada, ou seja se não o
fizerem sangrar ou disparar uma bala contra a sua própria sombra irá transformar-se
num “Corrilário”; o “Corrilário” é a alma penada de um “lobisomem”, obrigado a
vaguear para sempre na forma de um cão.
61
Nuno Matos Valente (2017) p. 5
60
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
São quatros os “Animais” raros alguma vez avistados na terceira categoria. O “Verdugo
Barbudo” é uma cobra muito grande com barba; a “Zorra Berradeira” é uma alma
penada que toma a forma de uma raposa e apenas os seus berros a distinguem de uma
raposa normal; o “Bicho Cidrão” vive numa montanha da ilha da Madeira e é o
resultado da união da alma de um pastor e do seu cão; o “Cavalo do Pensamento” tem
asas de morcego e deita fogo pelos olhos, pela boca e pelas narinas, e aparece quando
alguém pensa muito nele, nem sempre pelos bons motivos.
Na quarta categoria, as “Fadas Moiras e Bruxas” são criaturas femininas que habitam o
imaginário do fólclore português. As “Jãs” são fadas do tamanho da mão, vivem nas
casas das pessoas e entretêm-se a fiar linho; as “Hirãs” têm a cabeça muito grande e
apenas a mais nova de sete irmãs se transforma nesta criatura, quando cumprem o seu
décimo segundo aniversário transformam-se em cobras; as “Moiras Encantadas” podem
tomar a forma de uma bela mulher ou uma mistura de mulher com um animal, têm
longos cabelos e guardam grandes tesouros que prometem oferecer a quem quebrar o
seu encantamento; as “Bruxas Lavadeiras” podem ser vistas durante a noite junto a
lagos e rios, lavando a roupa, vestem-se de branco e podem assumir a forma de patos ou
gansos; as “Mulheres Marinhas” são as sereias portuguesas, têm metade do corpo
coberto de escamas, pés de cabra e umas orelhas enormes; a “Velha da Égua Branca”,
durante as noites de lua cheia, aparece montada na sua égua e quando passa pelos
campos solta os animais que estão a pastar.
61
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
A artista Natacha Costa Pereira estudou na Faculdade de Belas Artes pela Universidade
do Porto e trabalha em teatro de marionetas. Nas palavras de Natacha, o processo que
adotaram na criação das ilustrações foi o seguinte:
62
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
A técnica que usei foi desenho a grafite sobre papel que depois sublinhei (fiz o
outline), a caneta Staedtler pigment liner 0,1. Digitalizei e colori digitalmente,
usando o Photoshop e o corel painter X3.62
62
Natacha Costa Pereira (2017) resposta a e-mail.
63
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
3.5 – Diabos
Conta a história sobre um soldado que, como não tinha emprego na sua área, vai
trabalhar para a casa de um mercador e apaixona-se pela filha do mesmo. Depois de
lavar a casa, passar a roupa e cozer o pão durante sete anos, pede em casamento a filha
do mercador. Ele só concede a mão da sua filha em casamento ao soldado se este for ao
inferno e trouxer os três anéis do diabo.
Quando chegou ao final da estrada encontrou um velho que lhe disse que o diabo vivia
do outro lado do mar e que só poderia regressar se encarasse o diabo de frente. Um
grande pássaro ajudou-o a fazer a travessia e encontrou do outro lado a mãe do diabo,
que depois de ouvir a sua história de amor prometeu ajudá-lo.
63
Paul Newman, (2004) p. 25
64
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
“(…) o soldado teve tanto medo do diabo quando o olhou de frente que por
pouco não desatou a gritar por socorro.” 64
A mãe com muito jeitinho tirou o primeiro anel da sua mão direita, o diabo estava a
sonhar com o rei da primeira encruzilhada e disse-lhe que tinha sido o vento que tinha
levado o anel para o fundo do areal. Depois tirou o anel que estava na mão esquerda e o
diabo estava a sonhar com o rei da segunda encruzilhada, dizendo que o filho do rei
estava junto com uma princesa e não voltaria. Por fim a mãe tirou o anel que tinha na
língua e o diabo sonhando com o rei da terceira encruzilhada diz que a filha do rei
estava doente por causa do sapo que lançava veneno no enxergão.
Na manhã seguinte o soldado partiu com os três anéis do diabo. Nas três encruzilhadas
encontrou os três reis, que agradeceram pela informação que o diabo lhe tinha contado e
concedendo-lhe três dias com os seus poderes. No primeiro dia deu trabalho a toda a
gente da aldeia, no segundo dia ordenou que todos os habitantes da aldeia podiam casar
com quem quisessem e no terceiro dia o soldado encontrou-se com o mercador. Este
mesmo depois de receber os três anéis do diabo, não queria que o soldado casasse com a
sua filha. Felizmente o amor triunfa nesta historia, o teimoso mercador transforma-se
numa nuvem de fumo e o soldado casa com o amor da sua vida.
De forma caricata e cómica, José Vaz publica em 2003 o livro infanto-juvenil “Mala
Diabo!”, ilustrado por Helena Magalhães e das “Edições Gailivro”.
64
Alice Vieira (1998) p. 9
65
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Conta a história de Nelito, que a seguir ao Quim Xanato, é o homem mais popular na
Aldeia Nova. Com 50 anos de idade, tinha uma mentalidade de criança inocente, para
ele a maldade era inexistente e tinha medo de trovões e da noite, cantando para
afugentar o medo.
No programa de festas, o Tono Prego era o guardador da mala que continha as roupas
das personagens da representação teatral “O Auto das Barcas do Inferno”. Entretanto
dá-lhe uma valente dor de barriga e pede ao Nelinho para guardar a mala, dizendo-lhe
que tem lá dentro as roupas do diabo. Quando a procissão termina o fogueteiro lança um
foguete, Nelinho assustado pensando que era um trovão aponta para a mala e desata a
gritar:
A população fica eufórica e pensa que Santanás está dentro da mala. A população vai
chamar o Presidente da Junta de Freguesia pois tinha o cargo mais importante da aldeia
e deveria ser ele a enfrentar o diabo. O medricas recusou. O bombeiro João Pequeno,
destemido, apetrechado com um machado abre a mala, dá um grito dá-lhe uma
machadada. Não aconteceu nada, então João Pequeno levantou a tampa da mala com
muita cautela, viu um pano de cetim e uns cornos brancos e deu uma gargalhada. O
medo deu lugar ao riso que durou até à noite.
Então o Nelito veste as roupas e mascara-se
de satanás até o teatro começar.
65
José Vaz (2003) p. 10
66
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Este livro incluí histórias sobre um diabo com propostas tentadoras, diabos com medo
de crianças, corvos de aspeto sinistro que são a transfiguração do próprio diabo, diabos
que comem fruta amarga… Segundo algumas superstições quando uma pessoa espirra
ou boceja pode vir a ser possuída pelo diabo. Existem lendas que dizem que o diabo foi
construtor de pontes, crianças que morreram sem ser baptizadas e que se tornaram
diabretes conhecidos por “trasgos”,
diabretes estes que atormentam as pessoas
durante a noite.
Conta a história sobre um homem cristão que ficou encarregue de construir uma ponte
sobre o rio Alfusqueiro, rio que desce a Serra do Caramulo e desagua no rio Àgueda.
Comprometeu-se em construir a ponte mas era uma tarefa muito complicada para um
simples homem até que apareceu o diabo com uma proposta tentadora. Disse-lhe que a
ponte ficaria terminada até ao cantar do galo na noite de Natal, e em troca o cristão
pagaria com a sua própria alma.
O cristão começava a ficar com remorso em ter vendido a alma ao diabo, e perante o seu
desespero, uma fada apareceu e disse-lhe para, no aproximar da hora do cantar do galo,
66
Alexandre Parafita (2003) p. 32
67
Tal como no conto “O diabo, a menina e a ponte”, que faz parte do livro apresentado anteriormente, nas
lendas de tradição oral algumas pontes são obra do diabo.
67
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
o homem dirigir-se à ponte e atirar um ovo ao diabo antes deste colocar a ultima pedra.
Assim o fez, e no momento que atirou o ovo saiu de lá um galo a cantar. O diabo
quebrou a promessa e o contrato ficou sem efeito.
Ilustrações feitas com colagens, são utilizados texturas, padrões, imagens impressas de
tecidos, lãs, pedras, contornos com picotados. Tons verdes da serra, azul do rio,
cinzento da ponte.
68
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
A “Dona Bruxa Gorducha” é um livro muito engraçado escrito pela Anabela Mimoso
e ilustrado pelo João Caetano. Foi publicado pela primeira vez em 1995 e editado pela
“Livraria Arnado”, com sede em Coimbra. A edição mais recente é ilustrada por Pedro
Pires.
A dona Bruxa Gorducha tinha um grande problema, era tão gorda que nenhuma
vassoura aguentava com o seu peso. De modo a encontrar uma solução, ao longo da
história vai apelando às personagens que a ajudem. Pede ao bruxo-vassoureiro que lhe
fizesse uma vassoura personalizada, mas ele desconhecia qualquer feitiço ou material
que aguentasse com a estatura da sua cliente. O Geringonças, um bruxo todo moderno,
68
Paul Newman (2004) p. 40
69
Anabela Mimoso (1995) p. 3
69
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
sugeriu um aspirador gigante, umas asas de morcego, uma trotineta, uns patins com asas
ou uma prancha voadora. E sempre que as propostas não eram do agrado da bruxa, com
tristeza, voltava a comer desalmadamente e engordar cada vez mais. Experimentou uma
poção para se transformar numa ave de rapina veloz e forte, uma águia-real.
Infelizmente para azar seu, esqueceu-se de adaptar as medidas da poção para o seu porte
massivo e a transformação não ficou completa. Tentou outra poção chamada “Filtro
Mágico”70 , que estava no livro de receitas da avó Adamastora, que dava para todos os
tipos de feitiços e que era infalível. Desta vez, exagerou na dose e acabou por se
transformar numa tartaruga.
Final da história: envergonhada de todos os seus falhanços, a bruxa saiu de casa e andou
e andou… Até que certa noite, dois anos depois de andar à deriva, viu uma claridade no
meio da floresta. Era o Congresso Anual das B. F. F. & Ps. Tão magra por andar sem
parar e não se lembrar de comer, o Bruxo-Mor e todos os feiticeiros felicitaram-na pelo
objectivo alcançado, e por “mostrar como a perseverança dá os seus frutos”.71
70
Anabela Mimoso (1995) p. 18
71
Idem, p. 30
70
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
3.7 - Fantasmas
Luísa Ducla Soares publica pela primeira vez a história infantil “O Fantasma” em
1982. Em 2007, por cortesia da “Civilização Editora”, o livro foi revisto pela autora e as
ilustrações simples da 1ª edição, pintadas com lápis de cor rosa e verde, e delineadas
com caneta preta/tinta da china são substituídas pelo maravilhoso trabalho da ilustradora
Maria João Lopes. A técnica da ilustração é mista, com muita textura e colagem. Utiliza
uma camada prévia de gesso acrílico, de modo a criar textura, coberta de tinta acrílica,
em que o suporte é o cartão. Foi o primeiro trabalho em que utilizou o gesso acrílico, e
é, portanto, bastante experimental. As cores são garridas, fora do comum
fantasmagórico, as perspetivas são distorcidas, e as personagens cabeçudas, redondas e
animadas.
72
Paul Newman (2004) p. 67?
71
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
foram levados a sério por os soldados pensarem que se tratava de uma brincadeira, e
com o barulho frenético das armas militares ninguém os conseguia ouvir.
Desiludido com a vida que levava, o fantasma ruma à cidade, onde também existiam
fantasmas, só que mascarados… “Muito se enganou o meu avô (…) Afinal aqui
também há fantasmas. E usam sapatos por debaixo dos lençóis para não criarem calos.
Assim é que é!”73
Entrou numa festa e dançou com a Isabel, mais conhecida por Menina do Capuchinho
Vermelho, ele que nunca tinha estado tão próximo de uma pessoa. Bateu a meia noite e
a menina, pensando que o seu companheiro de dança era um menino mascarado,
convence-o a ficar em sua casa.
Após confessar que era um fantasma verdadeiro, o pai chama uns especialistas: um
médico, um psicólogo, um astronauta, o chefe da polícia e o dirigente da Liga dos
Direitos e Liberdades e todos debateram as características e os direitos do fantasma.
A Isabel sugeriu levar o fantasma para a escola mas a diretora tinha medo do fantasma,
e os colegas gozavam com ele. Para se inscrever, precisava de tirar o bilhete de
identidade, era impossível medir a altura do fantasma porque ele pairava no ar. Sem
identidade não podia ir à escola mas podia trabalhar. Fez de fantasma num filme.
73
Luísa Ducla Soares (2007) p. 13
72
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
3.8 – Extraterrestres
Foi publicado pela primeira vez em 2012 pela “Dinalivro”, tem autoria de Maria João
Lopes e ilustração de Paulo Galindro. Natural de Guimarães, Maria João Lopes é
jornalista e colaboradora do jornal Público. Este texto foi vencedor do Prémio
Branquinho da Fonseca 2011, atribuído pela Fundação Calouste Gulbenkian e pelo
jornal Expresso.
O gatuno tem medo de um estranho objecto que vive na marquise: é verde como os
extraterrestres, não fala a língua dos humanos, tem rodas e uma tromba. Os felinos são
conhecidos pela sua curiosidade e o gatuno sente-se ameaçado porque este extraterrestre
tem direito a mordomias: partilha a marquise com ele, não se lambe, não come, e ainda
recebe duas horas de atenção por parte dos humanos. Os donos permitem tudo ao
extraterrestre, até desviam móveis, levantam os tapetes e andam com ele pela casa
inteira.
Furioso planeia a sua vingança contra o inimigo, no entanto, após algum uso, o
extraterrestre estraga-se e acaba abandonado no lixo. O pequeno André, o dono mais
novo, recebe uma bicicleta que fica guardada na marquise. Agora o gatuno tinha um
novo inimigo.
Um facto curioso foi que uma menina de dez anos, residente na Suíça, com problemas
de autismo, foi sujeita a terapia, e a partir dos desenhos que viu neste livro e do método
de ilustração utilizado ela tentou imitar e criar.
73
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
74
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
O pequeno Max gostava de se mascarar de lobo e só fazia trapalhices por casa. A mãe
ordena-o a ir para o quarto e a nessa noite acontece algo mágico. O quarto transforma-se
numa enorme floresta, com um oceano para o Max navegar de barco, até chegar onde os
monstros vivem. Eram assustadores, tinham dentes, olhos e garras terríveis. Max
mandou-os estarem quietos e os próprios monstros, que não eram assim tão
monstruosos, ficaram com medo do menino, que para eles era um monstro. Max tornou-
se o rei dos monstros, brincaram muito até que o menino ficou aborrecido e queria
voltar para um sítio onde gostassem dele. Desistiu de ser o rei dos monstros e voltou
para casa.
74
Catálogo Kalandraka Portugal (2017), p. 23
75
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Conta a história sobre um rapazinho que antes de dormir fecha a porta do armário pois
existe um pesadelo lá dentro. Como em todas as histórias sobre crianças corajosas,
numa noite decidiu enfrentar esse pesadelo, colocou um capacete na cabeça, brinquedos
na cama para o protegerem e quando o quarto ficou escuro o pesadelo apareceu. O
rapazinho ameaçou-o dizendo que se ele não desaparecesse lhe dava um tiro com uma
arma de brincar. Ele disparou a fingir e o pesadelo desatou a chorar. O rapazinho com
pena do pesadelo consolou-o e aconchegou-o.
As ilustrações são detalhadas, em tons de verde e laranja, riscador preto para contornar e
fazer texturas. O Pesadelo está ilustrado sobre a forma de monstro, com umas grandes
orelhas que fazem lembrar asas de morcego, manchas verdes a cobrir o corpo, cabelos
na cabeça, dois dentes de fora, e um rabo com uma ponta de picos, três dedos em cada
mão e três dedos em cada pé.
76
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
O ratinho inventa que existe um monstro terrível chamado Grufalão que come animais:
faz assado de raposas, gelado de coruja, cobra mexida. Até que o ratinho encontra
mesmo o monstro terrível que tinha inventado para escapar aos animais que o queriam
comer. Para dar a volta ao grufalão e não ser comido, o ratinho disse-lhe que todos os
animais da floresta tinham medo dele. Usando o grufalão como protecção, pois já tinha
avisado todos os animais da floresta que ele os queria comer, todos os animais fugiram
do monstro, ou como o ratinho fez o gurfalão acreditar, nele mesmo.
- Bem, Grufalão – disse o rato -, estás a ver? Todos os animais têm medo de
mim! Mas sinto que a barriga me está a dar horas. E sabia-me bem um belo
puré de grufalão! – Puré de grufalão? – disse o Grufalão. Deu logo meia volta e
fugiu sem demoras. 78
Em 2014 foi públicado o livro “A Minha Professora é um Monstro! (Não sou, não)”,
da autoria e ilustração de Peter Brown. Foi traduzido para diversas línguas, entre as
75
Julia Donaldson (2004) p. 5, 6.
76
Idem, p. 10.
77
Idem, p. 14.
78
Idem, p. 25.
77
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
quais o português. A tradução é de Rui Lopes e foi editado pela “Orfeu Negro”, na
Colecção Orfeu Mini.
78
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
79
“If your child can draw a picture of a monster, the monster may be less terrifying. ”
Foi pedido, aos alunos, que desenhassem o "medo". Disponibilizaram-se folhas brancas,
lápis de cores variadas e marcadores também de cores variadas. Foi estabelecido um
período de tempo entre os 30 e os 45 minutos para a realização da atividade proposta.
Figura A
O aluno é do sexo masculino, frequenta o 3ºano e tem nove anos de idade. A criança
desenha uma figura central com vários componentes: seis braços, todos diferentes, duas
orelhas e dois pés. Tem olhos, uns óculos protectores e uma boca. Esta figura de
configuração oval é muito colorida. Por cima desta figura central foi desenhado, o que
parece ser uma núvem, de cor cinzenta mas contornada a vermelho e azul.
79
Farah Lofti Kashani (2005) p. 747
80
Livro infantil escrito por Tina Meroto e ilustrado por Maurizio A. C. Quarello. Conta a história de três
irmãos que, perdidos no bosque, decidem entrar na casa da bruxa.
79
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Figura B
É uma criança do sexo feminino, tem nove anos e está a frequentar o 3ºano. Utilizou
todo o espaço disponível da folha e desenhou três figuras centrais: uma personagem
semelhante a uma bruxa montade numa vassoura, com uma varinha mágica e um
coração; uma torre que tem uma figura prisioneira e o que parece ser uma escada; e por
último uma árvore desfolhada. Na parte superior da folha desenhou uma lua cheia, duas
núvens e um morcego. Sombreou o fundo a cinzento para escurecer a cena. Deu
especial relevância à noite.
Figura C
Esta criança é do sexo masculino e tem dez anos, frequenta o 4ºano e integra o regime
da educação especial, em currículo específico. É um aluno com dificuldades cognitivas
permanentes.
Por coincidência o dia escolhido para a realização da tarefa foi também o dia que o pai
da criança fazia dois anos que tinha falecido.
Desenhou vários elementos ao longo da folha parecendo querer relatar diferentes tipos
de medo. Em primeiro plano surge uma figura que parece estar em chamas, a flutuar ou
prisioneiro. Em seguida uma figura fantasmagórica e ao lado estão duas tabuletas com a
80
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
inscrição "não ir". No plano de fundo surgem algumas figuras que poderão ser
interpretadas como um fantasma, uma casa, uma bruxa e um homem pendurado pela
cabeça. Do lado direito uma forma azul que parece representar uma tempestado ou um
tornado. Fez questão de salientar sombreando a cinzento que as figuras estavam na
noite.
Figura D
Esta criança é do sexo masculino, tem nove anos, é de nacionalidade romena e frequenta
o 3ºano.
Figura E
Esta criança é do sexo feminino, tem dez anos e anda no 3ºano de escolaridade. É de
nacionalidade romena. Representa no desenho uma criatura semelhante a um morcego,
uma cobra, uma bruxa, uma vassoura e uma árvore desfolhada com um morcego nos
ramos. As figuras caminham em direcção à árvore. No plano superior uma lua cheia, a
81
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
folha está sombreada para representar a noite. As cores utilizadas são sombrias e
neutras.
Figura F
Esta criança é do sexo feminino, tem dez anos, frequenta o 4ºano e integra o regime de
educação especial, currículo específico. Inspirou-se numa série televisiva sobre
vampiros.
Representa duas figuras femininas, uma delas montada numa vassoura e com uma
varinha mágica que envia ondas de amor para derrotar a "chica vampira". Por baixo da
bruxa foi desenhado uma forma semelhante a uma chama ou uma árvore. No plano
superior estão dois morcegos sorridentes e uma núvem escura entre eles.
Figura G
É a aluna mais velha do grupo de participantes na atividade. Tem doze anos e frequenta
o 3ºano, é de nacionalidade romena.
É o desenho mais simples, representa duas árvores desfolhadas, e uma bando de sete
morcegos a voar. O céu está sombreado a cinzento e com uma lua cheia de fundo. As
cores utilizadas são em tons de cinza e castanho, com uns laivos de verde na base.
82
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Conclusão
Porque todos nós somos feitos de histórias. Histórias que definem, em muitos casos, a
forma como encaramos a vida. Desmistificar os medos é dar ferramentas que abrem a
porta da felicidade, da esperança e do conhecimento.
Os livros destinados a crianças e jovens são uma realidade recente e o cuidado na sua
ilustração é algo dos nossos dias. Hoje, verificamos que, em muitas publicações, o
ilustrador aparece no mesmo plano do escritor e em alguns casos ilustrador e escritor
são a mesma pessoa. Com a criação de concursos/prémios internacionais de ilustração
sentiu-se uma crescente valorização do trabalho artístico do ilustrador. Algumas
publicações para crianças são autênticas obras de arte ao nível da ilustração e temos, em
Portugal, algumas editoras que se especializaram na ilustração da literatura infantil. Por
exemplo a editora “Planeta Tangerina” tem editado títulos muito criativos ao nível da
ilustração e que até têm ganho importantes prémios nacionais e internacionais, nessa
área.
No que concerne ao tema do meu trabalho, tenho a referir que, a nova vaga de
ilustradores portugueses, apresenta graficamente a temática “Os Monstros na Ilustração
para a Infância” de forma divertida, colorida, com humor, com recurso a técnicas
mistas, texturas, etc. As cores utilizadas nas figuras centrais são predominantemente
cores fortes e garridas. Em quase todas as ilustrações o único elemento que representa o
81
Afonso Cruz (2010) p. 27.
84
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
medo é a própria sombra projectada no fundo da ilustração. Aos monstros são dadas
qualidades ou particularidades humanas que os tornam próximos do público alvo: são
trapalhões, desajeitados, medrosos, solitários e procuram quase sempre um amigo.
Ao projetar os medos das crianças nos próprios monstros é-lhes permitido pensar que os
seus próprios medos são ultrapassáveis. Pois se o próprio monstro tem o mesmo
problema da criança torna-se solidário com ela. A identificação do próprio medo é o
primeiro passo para a sua resolução. Penso que a representação gráfica dos diferentes
medos: do escuro, dos monstros, dos fantasmas, do desconhecido, da morte, da solidão,
ajuda a criança a desmistificar a imagem criada na sua cabeça. Acaba por formar uma
nova imagem, mais clara, mais objectiva e mais humana. Muitas vezes, a criança tem
medo sem saber do quê, por isso existir um livro que é um objeto de conforto a dar
forma e cor àquilo que ela não consegue exteriorizar, leva a que interiorize de forma
mais positiva e tenha uma atitude mais assertiva perante os seus próprios medos.
Após um trabalho prévio de pesquisa sobre a ilustração de livros para a infância que
abordassem a temática dos monstros e medos, verifiquei que existe muita recolha,
análise e produção sobre esta temática nas vertentes cinema, literatura e videojogos, mas
pouca no âmbito da ilustração infantil portuguesa.
85
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Índice de Imagens
Figura 1. Sérgio Godinho. Ilustração do “Pequeno Livro dos Medos” (1991). Fonte da
imagem: http://catatu.catalivros.org/janela_papel/m_pequeno_livro_medos.jpg
Figura 7. Maria João Lopes. Ilustração de “Tenho um Monstro no meu quarto” (2009).
Fonte da imagem: própria.
Figura 8. Yara Kono. Capa do livro “O papão no desvão” (2009). Fonte da imagem:
http://www.leyaonline.com/fotos/produtos/500_9789722120999_papao_no_Desvao.jpg
Figura 11. André Letria. Capa do livro “David e Golias” (1995). Fonte da imagem:
http://c4.quickcachr.fotos.sapo.pt/i/Be9043d14/13351147_I2s5s.jpeg
Figura 12. André Letria. Ilustração de “Animais Fantásticos”, “O Grifo” (2004). Fonte
da imagem: http://catatu.catalivros.org/janela_papel/m_os_animais_fantasticos.jpg
86
Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
Figura 13. José Manuel Saraiva. Ilustração do “Um Dragão na Banheira” (2004). Fonte
da imagem: http://catatu.catalivros.org/janela_papel/m_ um_dragao_na_banheira.jpg
Figura 14. Anabela Cotrim. Capa do livro “O Monstro” (2006). Fonte da imagem:
https://static.fnac-
static.com/multimedia/PT/images_produits/PT/ZoomPE/2/2/8/9789720718822/tsp2011
1018204328/O-Monstro.jpg
Figura 16. André Letria. Ilustração do “Os Anéis do Diabo” (1998). Fonte da imagem:
http://www.casadaleitura.org/portalbeta/bo/outros_materiais/000647_AD.jpg
Figura 17. Helena Magalhães. Ilustração de “Mala Diabo!” (2003). Fonte da imagem:
própria.
Figura 18. Fátima Buco. Ilustração do conto “O diabo e o lavrador” no livro “Diabos,
diabritos e outros mafarricos” (2003). Fonte da imagem: própria.
Figura 20. João Caetano. Capa do livro “Dona Bruxa Gorducha” (1995). Fonte da
imagem: http://bibliotecas.cm-
loures.pt/nyron/Library/catalog/winlibimg.aspx?skey=401FF7E193FB4536A3FB1F289
06C35D4&doc=18184&img=12901&thb=true&pag=1&res=150
Figura 21. Pedro Pires. Capa do livro “Dona Bruxa Gorducha” (2007). Fonte da
imagem: https://img.wook.pt/images/dona-bruxa-gorducha-anabela-
mimoso/MXwxOTIzMzR8MjQzMDc5fDEzODM1MjMyMDAwMDA=/500x
Figura 22. Maria João Lopes. Capa do livro “O Fantasma” (2007). Fonte do imagem:
https://static.fnac-
static.com/multimedia/PT/images_produits/PT/ZoomPE/8/4/8/9789722624848/tsp2010
0806201230/O-Fantasma.jpg
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Os Monstros na Ilustração para a Infância
Figura 25. Maurice Sendak. Ilustração de “Onde vivem os Monstros” (1963). Fonte da
imagem: https://image.slidesharecdn.com/onde-vivem-os-monstros-livro-
130717010854-phpapp02/95/onde-vivem-os-monstros-17-638.jpg?cb=1374023384
Figura 26. Mercer Mayer. “No meu armário havia um pesadelo” (1968). Fonte da
imagem: http://catatu.catalivros.org/janela_papel/m_um_pesadelo_no_meu_armario.jpg
Figura 27. Axel Scheffler. Capa do livro “O Grufalão” (1999). Fonte da imagem:
https://img.wook.pt/images/o-grufalao-julia-
donaldson/MXwxNjA0NTg4NnwxMTU5MDkyMXwxNDE1NTc3NjAwMDAw/250x
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Beatriz Túbal Carapuça
Os Monstros na Ilustração para a Infância
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