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Para que possamos compreender como o modelo gerencialista passa a se estabelecer como forma
de gestão predominante no Brasil na década de 1990, é necessário espiar as transformações pelas
quais o mundo começa a passar no final do século XX. Tais transformações, de cunho estrutural,
envolvem: a aceleração do desenvolvimento tecnológico, especialmente no que diz respeito às
tecnologias de informação e comunicação; a ruptura de uma política mundial baseada no
protagonismo dos Estados Unidos do lado capitalista e da URSS do lado socialista, o que fica
ainda mais evidente com a queda do Muro de Berlim em 1989 e o fim da URSS em 1991; e a
globalização da economia, refletida especialmente na formação de grandes blocos econômicos,
bem como na maior interdependência econômica dos países em função do protagonismo do
sistema financeiro mundial na economia.
Como parte dessas transformações, eventos específicos vão impactar diretamente na forma como
a gestão pública dos países vai ser feita. Exemplos desses eventos são: a crise do petróleo de
1973 que vai desestabilizar a economia mundial altamente dependente do petróleo; a crise fiscal
dos Estados cuja capacidade de financiar os déficits públicos (despesas maiores que as receitas)
torna-se cada vez menor, num contexto de demandas sociais crescentes; e o fortalecimento do
setor privado que por meio das grandes multinacionais passam a induzir a definição das políticas
nacionais, em função da incapacidade dos Estados em fazê-las.
Bom, todo esse movimento de reformas estruturais do Estado passa a ocorrer em países como
Estados Unidos, Reino Unido, Nova Zelândia e Austrália sob a denominação de Nova Gestão
Pública, oriunda da expressão inglesa New Public Management e começa a chegar aos poucos ao
Brasil até ganhar maior musculatura na década de 1990 com a denominação de Administração
Pública Gerencial, em contraponto à Administração Pública Burocrática. É claro que ao
dizermos que reformas passaram a ocorrer em diversos países no final do século XX, em função
de um contexto mundial comum de transformações estruturais, devemos atentar para o fato de
que cada país dado o seu contexto local, as implementou a seu modo… Sendo assim, que tal
conhecermos quais as peculiaridades brasileiras dentro dessa conjuntura de transformações
estruturais em nível mundial?
No campo da gestão, o Estado brasileiro passa por uma grave crise fiscal que torna inviável
continuar arcando com o desenvolvimento econômico. É também neste período, especificamente
em 1988, que a nova Constituição em vigor até hoje é promulgada. Denominada de
“Constituição Cidadã” a nova constituição tem um foco especial na garantia dos direitos dos
cidadãos. Em 1990, pela primeira vez após o Regime Militar, um presidente eleito
democraticamente pelo voto direto toma posse: Fernando Collor de Melo. Pode-se dizer que com
forte influência dos resultados das reformas estruturais que relativamente deram certo em países
como Reino Unido e Estados Unidos, Collor adota uma série de medidas já no início de seu
mandato, como por exemplo: extinção e fusão de entidades governamentais, demissão e
remanejamento de uma série de funcionários e privatização de estatais. O objetivo? Racionalizar
a máquina pública, considerada ineficiente e por isso mesmo incapaz de atender às demandas da
população. Vale destacar que Collor venceu as eleições com um discurso de acabar com as
regalias de certos funcionários públicos a quem denominava de “marajás” pelo fato de
trabalharem pouco e ganharem muito. Resultado: a imagem do serviço público no início da
década de 1990 estava desgastada e a administração pública era considerada incapaz de dar conta
das necessidades dos cidadãos: “muito burocrática!”. As demissões e privatizações estavam,
portanto, mais do que justificadas.
NO MEIO DO CAMINHO TINHA UM ELBA
Sabemos que os planos de Collor para dar sequência a implantação de um modelo gerencialista
de gestão na administração pública foi interrompida com a cassação de seu mandato pelo
Congresso Nacional por meio de um processo de impeachment em 1992. O vice Itamar Franco
assume em seu lugar tendo que dar continuidade à luta contra um dos principais males da
economia que ainda persistia: a hiperinflação. E isso finalmente se concretiza com o sucesso da
implantação do Plano Real, que conseguiu romper com o ciclo inflacionário e trazer estabilidade
à economia.
O impacto foi tão significativo que o sucesso do Plano praticamente deu conta de eleger
Fernando Henrique Cardoso, Ministro da Fazenda durante a implantação do Real. Com uma
economia mais estabilizada, Fernando Henrique assume a Presidência tendo condições de pôr em
prática uma Reforma do Estado considerada fundamental para lidar com os problemas com os
quais o modelo burocrático de gestão não foi capaz: ineficiência da máquina pública;
procedimentos e regras excessivamente rígidas; falta de recursos orçamentários; alocação
inadequada de pessoal na máquina pública, com alguns órgãos inchados e outros carentes de
funcionários, entre outros aspectos.
Já em seu primeiro ano de mandato (1995), Fernando Henrique decide seguir a cartilha das
Reformas que aconteciam ao redor do mundo naquele final de século e cria um ministério
especialmente para isso: o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE).
O MARE teve à frente o ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, que foi o responsável por colocar
em prática o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Dentre os principais objetivos
desse Plano estavam: a modernização das máquinas estatais nos três níveis da federação
(municipal, estadual e federal) para ganhos de eficiência e contribuição para o ajuste fiscal
promovido pelo governo, por meio de redução de possível excesso de servidores em
determinados órgãos, fixação de tetos de remuneração, bem como alteração em regras de
aposentadoria dos servidores.
O meio mais adequado para atingir tais objetivos era usar de práticas consagradas na iniciativa
privada na administração pública (daí o termo “gerencialismo” cunhado para esse modelo de
administração): uso de indicadores de desempenho para controle de resultados; descentralização
administrativa; uso mais racional dos recursos; flexibilização de processos; uso de pressupostos
da gestão da qualidade total como: satisfação do “cliente” (cidadão), melhoria contínua,
participação dos servidores na tomada de decisão; terceirização de atividades de apoio;
reestruturação da máquina pública incluindo o enxugamento de pessoal.
É aqui que são criadas as primeiras agências reguladoras (atividades exclusivas do Estado), bem
como se cria a figura das Organizações Sociais (pessoas jurídicas de direito privado, sem fins
lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento
tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde), que podem
executar as atividades não exclusivas do Estado. E por fim, já na metade do segundo mandato, há
que se destacar a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal.
PRÓXIMO!
Fernando Henrique Cardoso, como se sabe, foi reeleito em 1998, ficando na presidência até o
ano de 2002, quando foi eleito o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em seu governo,
princípios da proposta gerencial foram aproveitados como: os pressupostos da gestão da
qualidade, os contratos de gestão e a manutenção e ampliação das agências reguladoras. Cria
ainda o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização (GESPÚBLICA) com o
objetivo de avaliar e melhorar continuamente os serviços públicos prestados à população. Por
outro lado, deixa de lado a ideia de fomentar a ida de certas atividades classificadas como não
exclusivas ao Estado à iniciativa privada, o que fica evidenciado com a expansão das
universidades públicas, por exemplo.