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O Raqs El Sharqi Egípcio ou Estilo Egípcio

O “Raqs Sharqi” egípcio ou estilo egípcio da dança do ventre, também conhecida como
Oriental, Cabaret ou Clássica, é o estilo com o qual a maioria dos ocidentais está
familiarizada. Em sua forma moderna, se desenvolveu no Cairo na década de 1920 e foi
um gênero de dança híbrida desde o início.

As origens do estilo egípcio residem tanto nas tradições egípcias quanto nos elementos
transculturais provenientes de países do Oriente Médio, da Europa e das Américas.

Embora o estilo egípcio seja um fenômeno que se desenvolveu a partir de uma


combinação de elementos socioculturais e econômicos e muitas pessoas estejam
envolvidas em seu desenvolvimento, seu início gira em torno da figura de Badia Masabni,
a principal desenvolvedora e promotora dessa forma de dança transcultural, que inspirou
a transformação do baladi na arte da Raqs Sharqi em sua boate, no Cairo, em 1926.

As raízes coreológicas (refere-se à notação de movimento de dança) egípcias da dança do


ventre podem ser encontradas nas danças sociais e comemorativas locais e nas tradições
das artes cênicas.

Essas danças e tradições vêm de diferentes classes e contextos sociais e é possível


identificar quatro vertentes:
- Dança Baladi
- Dança Ghawazee
- Dança das Awalim
- Danças folclóricas

Vertentes da Dança do Ventre:

1. Dança Baladi
Baladi no Egito pode significar muitas coisas. Literalmente, significa do país, portanto,
local (os egípcios). No entanto, baladi também se refere à “classe trabalhadora ou autêntica”. É
um termo que pode ser traduzido aproximadamente como “tradicional”, mas que também retém
uma rica infusão do local e do autêntico.
Baladi também tem conotações morais, com as pessoas baladi sendo consideradas
orgulhosas, hospitaleiras, rústicas. Pode implicar um tipo de pureza ou autenticidade, sem mácula
por influência externa (ocidental).
As mulheres baladi são descritas como fortes, confiantes e despachadas. Ser “Bint il
balad”, significa literalmente "garota do campo", é um status elogiado: refere-se a uma mulher
que personifica o ideal egípcio.
Esses sentimentos são refletidos na dança baladi, que é a dança folclórica tradicional e o
ritmo musical principal do Egito, Líbano, Síria e muitas outras culturas da região. O baladi é uma
dança improvisada e vinculada a um tipo de música que é descrita como 'um gênero urbano
improvisado usando o acordeon, o violino e instrumentos de sopro'.
O sentimento da dança baladi reflete as conotações geralmente associadas às pessoas
baladi: é uma dança raíz (dançada com os pés no chão), forte, mas sedutora e atrevida. O Baladi é
emotivo e introspectivo, mas também é sensual e divertido.

2. Dança Ghawazee
Os Ghawazee são ciganos Sinti do Egito. Os mais famosos estavam em Luxor e Soumboti.
A dança Ghawazee é uma dança alegre, espontânea, muito animada e carismática. Caracteriza-se
por rápidos e contínuos shimmies de quadril, marcações com os pés, pequenas subidas e descidas
de peito, ondulações de abdômen, travadas, encaixes e desencaixes, cambrés e trabalhos de
chão, além do uso de sagat. A dança é em parte improvisação e em parte coreografia.
Muitos ritmos podem ser ouvidos nas músicas próprias para dança ghawazee, mas os
principais são o maksum, o fallahi e o saidi. Por ser oriunda de uma cultura cigana a música para
dança ghawazee é muito variada e difícil de diferenciar. Isso porque, muitas vezes, o que torna
claro que uma determinada música é ghawazee são as letras e sotaques.
As maiores representantes da dança Ghawaze no Egito foram as Banat Mazin (filhas de
Mazin ou Meninas Mazin), ciganas da tribo Nawar que desenvolveram um estilo familiar e único,
o estilo Ghawaze Mazin: elas moviam seus quadris muito rapidamente com movimentos laterais,
sem figuras de oito ou círculos, tão comuns na dança do ventre, e seus braços eram mantidos em
posições fixas enquanto tocavam sagat. Por viverem no Alto Egito essas bailarinas tornaram-se
muito íntimas do povo Said e se inspiraram nos passos masculinos de Said e Tahtib para criar uma
versão feminina da dança do bastão.
Já o estilo Ghawaze Soumboti, das dançarinas da região de Soumboti, no Cairo, é muito
sensual, forte e natural. Quadris soltos, pernas mais afastadas, joelhos flexionados e pés no chão.
O quadril trabalha num frenesi constante. Utiliza-se passos com muitos breaks, contrações
pélvicas, batidas, twists e tremidos, e conta com a presença de sagat. As bailarinas de Soumboti
foram as primeiras a executarem a dança feminina com roupas de duas peças.

3. Dança das Awalim


Diferentemente das Ghawazee, que se apresentavam nas ruas para celebrações públicas,
as Awalim eram mulheres muito instruídas que podiam cantar, escrever música e poesia, tocar
instrumentos e, às vezes, dançar para as mulheres no harém. Elas eram, originalmente, artistas da
classe alta, contratadas para se apresentar em festas de casamento que tinham eventos
segregados para as mulheres e os homens.
No entanto, na virada do século XIX, elas cantavam e dançavam cada vez mais para as
classes baixa e média nas boates, teatros e ruas do Cairo. Com a diminuição das oportunidades
sociais para dançarinos profissionais, as dançarinas se voltaram para as casas de entretenimento
em busca de emprego. Uma vez removidas de seus contextos tradicionais e expostas a um público
mais amplo, sua dança se tornou uma forma teatral sujeita a inovação e, na década de 1930, a
dança do ventre havia evoluído para uma variedade única de dança.
Durante a Era de Ouro da Dança do Ventre (entre 1920-1960), as boates do Cairo e os
filmes musicais transformaram as dançarinas em estrelas do palco e da tela. Duas bailarinas da
Golden Era que começaram suas carreiras como awalim e que abriram os locais em que a dança
do ventre foi realizada pela primeira vez no Cairo, na década de 1920, foram Bamba Kashshar e
Shafiqa el-Koptiyaa.
Bamba Kashar sentou-se no trono da dança do ventre por mais de meio século,
especificamente durante os últimos 20 anos do século XIX e os primeiros 20 anos do século XX.
Shafiqa el-Koptiyaa começou a trabalhar como awalim em festas para mulheres, mas depois
começou a se apresentar em uma sala (boate) chamada El Dorado antes de abrir sua própria sala,
Alf Leila.
A dança das Awalim destaca-se por movimentos bruscos e unilaterais do quadril,
pequenas ondulações pélvicas, passo mancado, shimmies e, movimentos acrobáticos e no chão.

4. Danças Folclóricas
No final da década de 1950 no Egito, após a revolução de 1952, o governo incentivou um
interesse renovado na cultura egípcia. Foi nesse ambiente político e cultural que o Ministério da
Cultura estabeleceu, em 1957, o Centro de Artes Folclóricas com o objetivo de manter e reviver as
tradições folclóricas de dança e música do Egito.
Já em alguns filmes da década de 1940 havia algumas cenas de dança folclórica. Com o
renascimento folclórico na década de 1950 mais pesquisas foram realizadas sobre danças egípcias
tradicionais, criando-se grupos folclóricos. Estes incluíam:
 Leil Ya Ain, ao qual Naima Akef se juntou;
 Nelly Mazloum Trupe Árabe de Dançarinos, grupo criado em 1956 por Nelly Mazloum; e
 Reda Troupe, financiada por Mahmoud Reda, que foi a figura mais influente no campo da
dança folclórica egípcia.
Mahmoud Reda criou um novo gênero de Dança-Teatro como resultado de sua pesquisa
sobre danças folclóricas. O seu objetivo era legitimar a dança como uma forma de arte, em vez de
uma atividade considerada de má reputação. Assim, ele usou as tradições folclóricas egípcias
como recursos para ajudá-lo a criar suas próprias visões artísticas inovadoras.
Temos, portanto, duas formas de danças folclóricas, as que se baseiam na tradição, têm
movimentos que representam crenças e costumes de cada região do Oriente Médio, com
vestimentas típicas, gestuais específicos e regrados; e as danças-teatro inventadas por Mahmoud
Reda, em meados do século 20, que são danças inspiradas no folclore tradicional, mas
desenvolvidas em função da licença poética de seu criador.
As coreografias criadas por Reda não eram reproduções exatas de danças folclóricas, seu
objetivo era criar uma nova forma de dança teatral tipicamente egípcia. Seus trabalhos nunca
foram imitações diretas ou reconstruções precisas. Eles eram sua própria visão das qualidades de
movimentos dos egípcios: a postura, o comportamento e o gesto dos homens e mulheres de seu
país, seja na dança ou nas atividades cotidianas.
Mahmoud Reda fez adaptações na dança do ventre para torná-la mais refinada, ele
alterou os movimentos que considerava sexualmente sugestivos, mudando a maneira como eles
haviam sido executados originalmente. Ele também codificou e aperfeiçoou alguns movimentos,
como: shimmie de quadril, movimentos de braço (ele identificou diferentes alcances dos braços -
médio e próximo - e como os braços se moviam em relação a outras partes do corpo, para
desenvolver um estilo fluido), giros deslocando e relevé (introduziu o relevé - movimentos
executados na ponta dos pés - em alguns giros, no arabesque e em alguns movimentos de
quadril).
As danças teatrais criadas por Reda resultaram em uma “herança egípcia”, uma herança
que pode ter começado como uma tradição inventada, mas que se estabeleceu e influenciou a
história da dança do ventre e da dança folclórica egípcia.

Ao longo do tempo as danças locais passaram por uma transformação gradual tornando-
se o que agora é chamado de dança do ventre. Na década de 1920 a dança vista nas salas
era muito semelhante à dança das Ghawazee, ou seja, foi realizada solo, com o mínimo
de trabalho com os pés e muitos isolamentos do tronco, e as dançarinas, que às vezes
tocavam sagat, eram acompanhadas por músicos tradicionais e um cantor.

Em vez disso, na década de 1930: as dançarinas usavam mais espaço, trabalho de pés
variado e diferentes posições dos braços; a dançarina principal era apoiada por uma linha
de dançarinas de coro e os conjuntos musicais que acompanhavam a dança eram muito
maiores, com uma mistura de instrumentos musicais tradicionais e ocidentais.

A própria Badia Masabni comentou em uma entrevista como mudou a dança e como
foram trazidas novas influências transculturais: “no passado, a dança era toda no
abdômen. Eu fiz variações na dança - adicionei dança latina, turca e persa a ela, para que
não fosse entediante”. A ideia de que a dança não deve ser “entediante” é resultado de
sua transformação de participativa em apresentacional.

As danças participativas tendem a ser espontâneas e improvisadas, enquanto as de


apresentação tendem a ser coreografadas, principalmente as performances de grupo. Da
mesma forma, no clube de Badia Masabni, as danças solo eram improvisadas, enquanto
as danças em grupo eram coreografadas. Até hoje, a improvisação ainda é praticada e
muito valorizada, assim como a espontaneidade, na dança do ventre.

Masabny empregou coreógrafos ocidentais como Isaac Dixon, Robbie Robinson e Christo,
que adicionaram elementos de outras tradições da dança, por exemplo, os giros e os
deslocamentos das formas de dança ocidental, como balé e dança de salão. O falecido
mestre e coreógrafo Ibrahim Akef, que também trabalhou com Masabny, identificou
"shimmies", movimentos ondulantes (incluindo o que chamamos de "camelos"), círculos
e "oitos", além de vários movimentos de quadril como sendo o "Sharqi" original ou
movimentos orientais.

Assim como os movimentos de dança eram transculturais, elementos ocidentais da


mesma forma foram adicionados à música, para tornar as performances mais variadas e
divertidas. Foi Badia quem misturou música árabe com música estrangeira e os fez
trabalhar juntos. Adicionando o piano e o contrabaixo, a flauta, o clarinete e o acordeon.

Os trajes e adereços da dança do ventre também foram influenciados por uma


convergência de elementos egípcios e estrangeiros. Foi na década de 20, com Badia
Masabni, que surgiu a bedlah, o sutiã e a saia comumente associados à dança do ventre.
Antes dessa época, as roupas usadas pelas dançarinas orientais eram muito semelhantes
aos que as Ghawazee usavam até pouco tempo atrás: colete e calça bufante ou saia
rodada com fitas de cetim que pendiam dos quadris até os tornozelos, camisa
transparente, colete e sapatos de salto.

O que distingue o estilo egípcio de outros estilos de dança do ventre é o sentimento


(induzido pela música e pelas letras das canções) de melancolia subjacente à dança,
mesmo quando é muito, muito feliz. Isso pode ser explicado pelo fato de que as origens
dessa dança são sociais, ligadas às celebrações, daí o sentimento feliz e, ao mesmo
tempo, o lembrete, refletido nas músicas, de que a vida é difícil.

O primeiro detalhe que chama atenção é a interpretação. É raro encontrar uma bailarina
egípcia com este ponto fraco. Normalmente elas sofrem e ficam alegres de acordo com
letra e melodia da canção, este é um traço muito característico da bailarina Dina.

Isto tudo enquadra movimentos pequenos, mas bem marcados de quadril, poucos
deslocamentos e uma técnica de tremidinhos bastante caprichada. Como o quadril ganha
destaque, braços e mãos ficam mais delicados e sutis. Em geral, possuem uma dissociação
corporal apurada e uso de contrações musculares secas para gerar movimentos pequenos
e intensos. Na música, costumam acompanhar mais o ritmo do que a melodia, sendo que
os folclóricos, como o Saidi, são mais comuns.

A música é muito importante para o estilo egípcio, de acordo com a dançarina e


coreógrafa Cynthia Jean Cohen Bull, diferentes gêneros de dança, originários de
diferentes culturas, tendem a privilegiar um sentido sobre os outros, e na dança do
ventre o elemento auditivo é o mais forte. Existe uma conexão muito forte entre a dança
do ventre e a música, principalmente quando dançada ao vivo e improvisava. Essa
conexão entre pessoas, dança e música também é evidente no fenômeno
do tarab ('encantamento' ou 'êxtase'), transmitido da música para o público, através da
dançarina.

Referências:

https://www.worlddanceheritage.org/birth-raqs-sharqi/

From Cairo to California de Renée Rothman

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