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1a Edição
ISBN: 978-65-00-01060-2
Belo Horizonte
2020
XII Encontro de Estudos Mineiros
Mineração, Cidadania e História Inconfidência – 230 anos
Centro de Estudos Mineiros – Fafich/UFMG
Comissão Científica
ISBN: 978-65-00-01060-2
CDD: 981.03
Sandra Regina Goulart Almeida
Reitora da UFMG
Apresentação..........................................................................................................................5
Andressa Antunes - Distinção e conflito: o Rosário do Alto da Cruz de Vila Rica entre
pretos e pardos no final do século XVIII...............................................................................23
Denise Aparecida Sousa Duarte/ Weslley Fernandes Rodrigues - O Povo Krenak e a luta
pela sobrevivência em seu território......................................................................................49
Júlia de Cássia Silva Cassão - A mineração dos diamantes entre os discursos e as práticas
de corrupção (1749-1753)......................................................................................................83
Luana Carla Martins Campos Akinruli/ Miriam Hermeto de Sá Motta/ Bruna Piteres
Porto/ João Victor de Ávila Chamon/ Mariana Loures Morais/Samuel Antunes de
Sousa - A memória social dos conflitos socioambientais: as guerras de narrativas sobre a
mineração em uma perspectiva histórica (1950-2019)
.............................................................................................................................................102
Márcio Mota Pereira - Cata Preta: múltiplas relações econômicas, políticas e sociais em
um núcleo de produção aurífera nas Minas setecentistas....................................................125
Mateus Freitas Ribeiro Frizzone - “Ah, se estas ruínas falassem!!!” - o mito de Tiradentes
e suas apropriações ao longo da história do Brasil..............................................................179
A edição destes Anais apresenta textos de comunicações orais das sessões dos diversos
seminários temáticos do XII Seminário de Estudos Mineiros. O evento aconteceu na UFMG,
entre os dias 12 e 14 de junho de 2019, sob a temática Mineração, cidadania e História.
Inconfidência – 230 anos. Como promoção do Centro de Estudos Mineiros – CEM, órgão
complementar da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – FAFICH – da UFMG, o
Seminário dá sequência à programação bianual, com o objetivo de integrar os sete
Departamentos da Faculdade, em suas especificidades, na discussão transdisciplinar de temática
importante para a vida social mineira em sua História.
O evento em tela elegeu a comemoração dos 230 anos da Inconfidência Mineira para
discuti-la em aspectos históricos e historiográficos, mas, ainda, como mote de problematização
de uma economia mineradora persistente no tempo e que, hoje, torna-se uma questão primordial
para se pensar a produção de riquezas minerais, mas, também de degradações, crimes
ambientais e desigualdades sociais. Uma produção mineral tem, em sua insustentabilidade,
provocado desastres/crimes contra a natureza e a sociedade e ressaltado a urgência de se colocar
em questão uma economia que eleve o nível de qualidade de vida de todos os cidadãos e não
apenas enriqueça cofres privados e erário público.
Mineração e economia mineradora nas Minas Gerais, séculos XVIII a XXI; Pensamento e
sociedade no tempo da Inconfidência Mineira; Impactos socioambientais da Mineração em
Minas Gerais; Mineração e Movimentos sociais e Comunicação, mídia e mineração)
provocaram intensas discussões em suas diversas sessões e os textos destes Anais refletem
enormemente tal riqueza. Obrigado aos autores. Boa leitura aos leitores.
Belo Horizonte, março de 2020.
5
Distinção e conflito: o Rosário do Alto da Cruz de Vila Rica entre pretos e pardos
no final do século XVIII
Andressa Antunes
Graduanda, UFOP
Resumo
A Irmandade de Nossa Senhora dos pretos do Alto da Cruz de Vila Rica se consolidou
ao longo do século XVIII como uma das mais imponentes confrarias negras da América
Portuguesa. Tendo alcançado cerca de 3800 irmãos e irmãs congregados – de maioria
livre, feminina e de indivíduos registrados como crioulos, pretos e mestiços – esta
irmandade se constituiu, desde o Compromisso, como a mais abrangente de Vila Rica
na aceitação de pessoas. Dispondo, portanto, de grande contingente de congregados que
investiam na receita da Irmandade, o Rosário do Alto da Cruz se envolveu em disputas
externas – sempre com a atenção da administração régia e eclesiástica – e internas,
promovidas pelas diferentes etnias e grupos sociais que compunham a confraria. No
presente trabalho, apresentaremos os registros de irmãos e irmãs considerados pardos
em um Livro de Entrada da Irmandade dedicado aos confrades brancos, que se
empenharam especialmente no investimento à devoção de Santa Efigênia, a despeito da
Senhora do Rosário. Nas ocasiões festivas, os juízes e juízas de Santa Efigênia
despendiam oitavas de ouro e réis na organização das celebrações, visando o
brilhantismo da solenidade, a fim de angariarem doações de toda a comunidade
confraternal. Nesse sentido, o investimento dos irmãos pardos em Santa Efigênia
elucida uma possível tentativa de distinção social, a partir do assento no dito livro
dedicado aos brancos, e que contém, inclusive, registros de figuras proeminentes de
Vila Rica: Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga, assentados em 1789.
Discutiremos as possíveis motivações e trajetórias que conduziram à alteração
devocional do local, frente às conturbadas décadas finais do século XVIII mineiro. A
hipótese da busca por distinção social é amparada no contexto pombalino de final do
século XVIII, que atribuía tratamento civil e social diferenciado aos pardos em Portugal
e em outras partes dos domínios lusos. O território atual da antiga Vila Rica acentua a
discussão, visto que o templo da ancestral Irmandade do Rosário do Alto da Cruz agora
é amplamente conhecido como Igreja de Santa Efigênia.
Palavras-chave
23
Introdução
No momento em que este texto foi pensado como suporte para uma das
discussões desenvolvidas na pesquisa sobre a Irmandade de Nossa Senhora dos pretos
do Alto da Cruz de Vila Rica, alguns debates e documentos ainda não eram nossos
conhecidos. Por este motivo, talvez, o título da apresentação e sua proposta se mostrem
categóricos em termos de identificação das motivações civis e sociais de indivíduos em
situação diaspórica. Atualmente, consideramos ter havido nesta confraria, na segunda
metade do século XVIII, e também nos domínios lusos de exploração escravista
dinâmicas cotidianas de negociação no espaço público e religioso, expressas inclusive
em signos culturais e de vivência, conforme as necessidades impostas pelo estigma do
cativeiro.
Quando consideramos os irmãos do Rosário do Alto da Cruz como indivíduos
em situação de diáspora, nos referimos não apenas aos africanos, traficados como
escravos, mas também aos afrodescendentes, que são o grupo étnico principal nesta
análise. Nos embasando em Stuart Hall, consideramos que mesmo não estando fora do
local de origem, o estigma da diáspora e, neste caso, do escravismo acompanhavam as
trajetórias individuais e coletivas dos afrodescendentes e se expressavam em suas
15
organizações sociais enquanto grupo representado por algum signo O conceito de
diáspora, portanto, está sendo utilizado na intenção de evidenciar a condição de saída de
um território originário (com todas as implicações sociais que o território oferece) como
chave interpretativa para a dinâmica percebida no Alto da Cruz.
Ocupando um entre-lugar16 social e civil, oriundo do passado diaspórico, os
afrodescendentes registrados como pardos na documentação que analisamos teriam
empreendido discursos e negociações que os indentificavam como pardos, visto que
esta categoria denotava maior mobilidade social e certo distanciamento da
ancestralidade africana e escravista. Não significa dizer que as estratégias de
branqueamento fossem a regra na experiência deste grupo étnico. É possível identificar
em suas ações a negociação cotidiana, que ora visava aos direitos de ser branco na
15
“Como podemos conhecer ou imaginar a identidade, a diferença e o pertencimento, após a diáspora? Já
que a "identidade cultural" carrega consigo tantos traços de unidade essencial, como devemos "pensar" as
identidades inscritas nas relações de poder, construídas pela diferença, e disjuntura?” (HALL, 2003, p.
28).
16
“Esses entre-lugares" fornecem o terreno para elaboração de estratégias de subjetivação — singular ou
coletiva — que dão início a novos signos de identidade e postos inovadores de colaboração e contestação,
no ato de definir a própria ideia de sociedade.” (BHABHA, 1998, p. 20).
24
colônia, ora se aproximava das estratégias dos grupos africanos ou dos crioulos17. Tais
negociações eram possíveis devido ao entre-lugar ocupado por estes indivíduos,
adicionado à condição diaspórica, que produzia o contato entre diferentes grupos num
mesmo universo (a Irmandade do Rosário do Alto da Cruz), criando fronteiras étnicas
entre eles (POUTIGNAT, 1998, p. 196). Estas fronteiras, segundo estudos
antropológicos, não representam limites para as transições culturais entre os grupos
envolvidos, ao contrário, são transponíveis e se sustentam a partir dos contatos.
Buscamos identificar, portanto, nesta pesquisa, as dinâmicas sociais, civis e
espaciais que teriam contribuído para o investimento dos irmãos e irmãs pardos e pardas
(em situação de diáspora e de entre-lugar) na devoção à Santa Efigênia, como possível
signo cultural de identificação e distinção (demarcação de fronteira étnica) em relação
aos demais grupos sociais que configuravam a confraria do Alto da Cruz, ainda que este
investimento não expressasse necessariamente uma atuação conflitiva com as outras
etnias.
17
Entendemos, aqui, os crioulos como negros nascidos na colônia, ou seja, não africanos. Cf. PARÉS,
2005.
18
Casa dos Contos, Arquivo Eclesiástico da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição/ Antônio Dias
[AEPNSC/AD], códice da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Alto da Cruz, 1733-1788,
Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, 1733. Atualizamos a ortografia.
25
grupos que a compunham, ao possibilitar que os escrivães fossem pretos pois
demonstravam inteligência para tal, fato que não era comum nas demais irmandades de
negros e mestiços. Importa para nosso trabalho perceber a Mesa regedora como
proeminência na organização da confraria, ao mesmo tempo em que ela não era o único
meio de projeção social aos confrades no interior da Irmandade.
O cotidiano da confraria, num espaço de Antigo Regime escravista, era
constantemente permeado por tentativas conflitivas de atuação no espaço público,
principalmente ao se analisar uma confraria destinada à congregação de africanos. No
entanto, estes espaços leigos correspondiam tanto às intenções coloniais de controle da
população cativa ou não branca, ao mesmo tempo em que ofereciam momentos de
reunião de pessoas marcadas pelo estigma do cativeiro, salientando as possibilidades de
organização coletiva contrária a ordem estamental vigente. A historiografia sobre as
congregações leigas na América Portuguesa já enxergou este fenômeno como
reafirmação do colonialismo (BOSCHI, 1986), mas, mais recentemente, tem buscado
nas confrarias narrativas de agenciamento dos negros e mestiços, que teriam utilizado a
sociabilidade católica como meio de legitimação de seus direitos e demandas
(ANDRADE, 2018; PRECIOSO, 2009; SILVEIRA, 2015). Potencialmente conflitiva, a
confraria do Alto da Cruz despertava a atenção dos administradores régios e dos
clérigos seculares por ter sido numerosa em quantidade de irmãos, e bastante antiga ―
fator que conferia a esta irmandade proeminência em relação às demais confrarias nos
momentos festivos, por exemplo (AGUIAR, 1997). Entendemos a Irmandade do
Rosário dos pretos do Alto da Cruz, portanto, como espaço de possibilidade de
agenciamento social e civil, e percebemos que os poderes administrativos locais
notavam tal condição, assim como a documentação (especialmente, o Compromisso)
indica tentativas de maior projeção no espaço público (ao se envolver em conflitos com
outras irmandades ou com párocos, por exemplo).
Estes conflitos expressam a descentralização da vida religiosa que
anteriormente tinha nas matrizes, “federação de agrupamentos sociais", seu
pólo aglutinador. Concomitantemente à sedimentação da estratificação social
e do declínio da produção aurífera, as capelas de irmandades e ordens
terceiras suplantaram as matrizes na preferência dos colonos e passaram a
disputar prestígio, funções paroquiais e recursos financeiros. (AGUIAR,
1997, p. 43)
26
No caso do Alto da Cruz, a sociabilidade se dava sob a égide da devoção compartilhada
num território específico (freguesia de Nossa Senhora da Conceição) e tendo o estigma
do cativeiro e o passado diaspórico como denominadores comuns. Não significa dizer
que havia uma identidade unívoca dos grupos étnicos que compunham a confraria,
tampouco que estes pensavam necessariamente em estratégias coletivas anti-sistêmicas
sobre o escravismo19. Nos interessam as iniciativas individuais ou de grupos
específicos.
Quando dizemos que esta confraria era numerosa, nos referimos aos mais de
3800 irmãos e irmãs registrados durante o século XVIII, dos quais a maioria era livre ou
liberta, feminina e não branca (pretos e crioulos), como mostra o quadro abaixo.
Fonte: Casa dos Contos, Arquivo Eclesiástico da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição/ Antônio Dias
[AEPNSC/AD], códice da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Alto da Cruz, 1770-1810,
Abecedário de Irmãos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, 1770.
19
Sobre lutas coletivas promovidas por escravizados, ver GUIMARÃES, 1988; MARQUESE, 2006;
RAMOS, 1996.
27
(entendidos como africanos (SOARES, 2000.), acompanhado dos crioulos e, por último,
dos pardos denota o caráter africano ou afrodescendente desta confraria, somado à
maioria de indivíduos livres ou libertos. Estes fatores identificam o Rosário do Alto da
Cruz como importante espaço de possibilidade de agenciamento, não somente no meio
civil e social externos à confraria, mas também no universo da própria irmandade. “No
topo da ladeira”, os irmãos e irmãs, sob o manto da Virgem do Rosário, construíram
uma rede de sociabilidade, baseada numa experiência livre ou liberta e nas
possibilidades de maior mobilidade social. O território sobre o qual esta rede se
assentou, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição, ofereceu um cotidiano fluído e
dinâmico de trocas comerciais promovidas pela localização na saída de Vila Rica. O
quadro abaixo ilustra esquematicamente a rede de sociabilidade mencionada.
28
Percebemos neste mapa esquemático que a maior parte dos irmãos e irmãs que
indicaram seus locais de moradia nos registros da Irmandade residem nas imediações da
capela, ou seja, na freguesia de Nossa Senhora da Conceição. Isto não surpreende, pois
é muito possível que os africanos e afrodescendentes da outra freguesia da vila tivessem
se associado à confraria do Rosário do Pilar. Chama a atenção que esta rede de
sociabilidade, formada a partir da devoção no Alto da Cruz e do passado diaspórico e/ou
cativo tenha encontrado no território circundante à capela um espaço profícuo para a
construção de narrativas de agenciamento. A historiografia (Cf.: COSTA, 1977;
ANDRADE, 2016.) já acenou para a intensa atividade mineradora dos morros
adjacentes ao Alto da Cruz, somada à condição livre da maioria dos irmãos de Nossa
Senhora do Rosário dos pretos da dita freguesia como possibilidades de maior
mobilidade social, o que não ocorreria na freguesia oposta, dado seu caráter de
escravismo mais doméstico. Não podemos afirmar tal hipótese no atual momento da
pesquisa, mas entendemos o espaço territorial e a rede urbana constitutiva das
experiências nas Minas Setecentistas como fatores distintivos e determinantes para as
análises que pretendemos desenvolver, e tal hipótese historiográfica poderá ser
conferida.
29
respondeu a obra que estava tratada era de pequena monta, e não se
convenceu a mesa por já se estar autorizado de fazer essa despesa como
consta do Termo [...].20¹¹
20
Casa dos Contos, AEPNSC/AD, códice 1846-1881, Livro de Termos e Deliberações da Mesa [1846].
Atualizamos a ortografia.
30
Quadro 3: Qualidade ou procedência dos irmãos e irmãs registrados no Livro de
Entrada (1737-1829)
Fonte: AEPNSC/AD, códice da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Alto da Cruz, 1737-1829,
Livro de Entrada e Anuais de Irmãos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, 1737.
31
distintiva.21 Neste sentido, era civil e socialmente importante para a vivência no espaço
público religioso e da vila a determinação enquanto pardo. A historiografia tem pensado
os registros de pardos como identificadores da condição livre ou liberta e de um passado
mais distante do cativeiro, em relação aos indivíduos crioulos.
Como observara Hebe Mattos, pardo era “inicialmente utilizado para
designar a cor mais clara de alguns escravos”, mas “a emergência de uma
população livre de ascendência africana não necessariamente mestiça, mas
necessariamente dissociada, já por algumas gerações, da experiência mais
direta do cativeiro ― consolidou a categoria ‘pardo livre’ como condição
linguística para expressar a nova realidade, sem que recaísse sobre ela o
estigma da escravidão, mas também sem que se perdesse a memória deles e
das restrições civis que implicava. (FERREIRA, 2007, p. 503)
21
Requerimento dos crioulos, pretos e mestiços forros, moradores em Minas, pedindo a d. José I a
concessão de privilégios vários, dentre eles o de poderem ser arregimentados e gozarem do tratamento e
honra de que gozam os homens pretos de Pernambuco, Bahia e São Tomé (07.01.1756) – AHU/MG,
caixa 69, documento 05; Requerimento de José Inácio Marçal Coutinho (17.08.1761) – AHU/MG, caixa
79, documento 15.
32
cativos como redentora de suas almas convertidas. Supõe-se que houve uma relação
iconográfica entre uma entidade já conhecida de algumas etnias africanas que também
utilizaria algo como um terço de contas e a Virgem do Rosário (MELLO E SOUZA,
2002), além da penitência que a prática da reza das contas oferecia aqueles que
desejavam sulfragar suas almas. Podemos inferir, portanto, que os pardos do Alto da
Cruz intentavam se distanciar da identificação à Nossa Senhora do Rosário, que seria
uma devoção já muito conhecida dos africanos e afrodescendentes traficados e
catolicizados.
Conclusão
Embora Marisa Soares e Anderson de Oliveira tenham apontado a relação entre
pretos minas e as devoções à Santa Efigênia e Santo Elesbão, encontramos em Vila Rica
a associação destes santos (especialmente, Efigênia) aos pardos. Significa dizer que,
supomos, ter havido uma escolha por parte dos irmãos e irmãs pardos pelo investimento
e Santa Efigênia como signo cultural para este grupo étnico, ao menos no interior da
confraria ou devido ao fato de este grupo estar registrado no mesmo livro que irmãos
brancos e beneméritos, como Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa, os
inconfidentes.
22
AEPNSC/AD, códice da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário do Alto da Cruz, 1737-1829, Livro de
Entrada e Anuais de Irmãos da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, 1737.
33
e Claudio Manoel uma possibilidade de agenciamento ou de maior mobilidade a partir
da ocupação de cargos como os juizados de santos 23¹⁴. Além da rede de sociabilidade
promovida pelo assento na confraria, especialmente na segunda metade do século
XVIII, as discussões e conversas sobre o regime escravista e sua legislação figuravam
no espaço público da vila, assim como outras questões referentes ao colonialismo
português - haja vista a Inconfidência de 1789.
Nas transposições das fronteiras étnicas constituídas no interior desta Irmandade,
e considerando o passado diaspórico em comum da maioria dos irmãos e irmãs,
percebemos no cotidiano da experiência religiosa em sociabilidade estratégias e
negociações, envolvendo signos culturais e narrativas diversas, que intentavam dar
conta daquela vivência. Em situações de cativeiro, ou de estigma deste, ambos
marcados pela condição diaspórica, e diante de possibilidades de agenciamento, enredos
pessoais e coletivos tiveram espaço sob as indulgências do Rosário. O Alto da Cruz,
atualmente, abriga um templo que ora é conhecido como de Santa Efigênia, ora como
capela de Nossa Senhora do Rosário: depende da placa sinalizadora que indica o
templo, e que indica uma história de disputas diárias.
Referências bibliográficas
AGUIAR, Marcos Magalhães de. Tensões e conflitos entre párocos e irmandades na
capitania de Minas Gerais. Textos de História: Revista de Pós-graduação em História
da Unb, vol. 5, n. 2, p.43-100, 1997.
23
A despeito do que escreveu Célia Borges sobre a atuação dos juizes de santos, consideramos que,
devido aos investimentos financeiros e participação na organização festiva, estes cargos denotavam
alguma notabilidade no interior da irmandade e na sociabilidade confraternal, apesar de não serem
efetivamente cargos eleitos pela Mesa. Cf.: BORGES, 2005.
34
BOSCHI, Caio. Os leigos e o poder: Irmandades Leigas e Política Colonizadora em
Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986
COSTA, Iraci Del Nero da. Vila rica: população (1719-1826). 1977. Tese (Doutorado
em História). USP, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, 1977.
FERREIRA, Roberto Guedes. Escravidão e cor nos censos de Porto Feliz (São Paulo,
Século XIX). Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria. v. 10, n. 18; jul - dez. 2007,
p. 508.
MELLO E SOUZA, Marina de. Reis negros no Brasil escravista: história da festa de
coroação do Rei Congo. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002, pp. 160-164.
35
http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/19077/21140 . Acesso em: 05 nov.
2015.
Fontes
Livro Abecedário de Irmãos. Casa dos Contos, AEPNSC/AD, códice 1770-1810,
Abecedário de Irmãos [1770].
Livro de Entrada e Anuais de Irmãos. Casa dos Contos, AEPNSC/AD, códice 1737-
1829, Livro de Entradas e Anuais de Irmãos [1737].
Livro de Termos e Deliberações da Mesa. Casa dos Contos, AEPNSC/AD, códice 1846-
1881, Livro de Termos e Deliberações da Mesa [1846].
36