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Módulo de elasticidade ou de deformação?


Por Dr. Eng. Augusto Carlos de Vas­con­ce­los

Um dos assuntos mais abordados do todas as letras desta frase em


quando se escreve sobre concreto é ordem alfabética para que ninguém
o “módulo de elasticidade”. Por quê? pudesse entender:
Simplesmente porque não existe ceiiinosssttuv
MÓDULO DE ELASTICIDADE. Isto ficando assim preservada a origem.
foi mal interpretado desde o princí-
pio. O próprio Hooke nunca falou de Esta frase podia ser interpretada
“elasticidade”! Foi infeliz quando como: tal a extensão, assim, será a
escolheu uma mola para seus expe- força (ou: o deslocamento é propor-
rimentos. cional à força aplicada).
No tempo de Hooke, ainda, não exis- duplicando a força duplicava o des-
tia o conceito de tensão como força O que existia era o conceito locamento; triplicando a força tripli-
cava o deslocamento. Só isso. Ele
aplicada na unidade de área. Isto só de “pressão” aplicada a quis, entretanto, resguardar essa
apareceu com Cauchy, muitos anos líquidos ou gases. A
mais tarde. O que existia era o con- conclusão.
ceito de “pressão” aplicada a líqui-
“tensão” aplicada a sólidos
Muitos anos mais tarde, Thomas
dos ou gases. A “tensão” aplicada a foi explicada por Cauchy. Young, médico inglês, antididático
sólidos foi explicada por Cauchy. O por natureza, dava aulas para alunos
termo em latim tensio empregado Hooke foi infeliz ao escolher uma de medicina. Os alunos faziam vota-
por Hooke, significava “extensão” mola. O deslocamento da extremi- ção para escolher aqueles que iriam
para explicar deslocamentos. dade da mola é ocasionado pela assistir as aulas de Young, pois todos
O próprio Hooke tinha dúvidas sobre torção. A força de tração no fio da preferiam assistir as aulas de outro
o que fez, que procurou resguardar- mola é insignificante, dependendo professor, que lecionava em outro
se usando uma frase em latim: da inclinação das espiras, e varia grupo sobre o mesmo assunto. Os
com o esforço aplicado. Naquela alunos não compreendiam nada do
ut tensio sic vis que Young explicava e isso foi nota-
época, era impossível determinar a
E publicando, com medo de que relação entre força e deslocamento. do quando Young falou do valor do
pudessem copiá-lo ou criticá-lo, Hooke percebeu apenas, dentro módulo, que os ingleses haviam de
sob a forma de anagrama, colocan- dos limites de forças aplicadas, que chamar “módulo de Young”. A defini-

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ção original de Young para o módulo ção entre a carga que atua na uni- secante para várias tensões iniciais,
de elasticidade era a seguinte, usan- dade de área de uma seção do módulo dinâmico, módulo cordal.
do suas próprias palavras: material, pela deformação unitária
Tudo isto para mostrar que não
We may express the elasticity of any produzida. Por “deformação unitá-
existe elasticidade perfeita. Como
substance by the weight of a certain ria” entenda-se “deslocamento por
engenheiros práticos, nada disso
column of the same substance, which unidade de comprimento”.
interessa. Existem materiais natu-
may be denominated the modulus of rais ou fabricados pelo homem, os
elasticity, and of which the weight is such
that any addition to it would increase it in Analisando com atenção as quais podem ser tratados como en-
the same proportion as the weight added palavras de Young, tem-se a sinam as normas, não interessando
would shorten, by its pressure, a portion of se são perfeitos ou não. A palestra
tendência a interpretar que o de Paulo Helene deixou todo mundo
the substance of equal diameter.
módulo de elasticidade é satisfeito e sem receios de cometer
Como se percebe, esta definição uma força, o peso, e não falhas em seus projetos.
está muito confusa, podendo dar
margem a várias interpretações. Di-
uma constante da Aplicando a expressão aproximada
zendo que o módulo de elasticida- substância. E = σ/ε
de é ”o peso”, Young parece dizer em que σ representa a tensão nor-
que qualquer força aplicada au- Para acabar de uma vez com todas mal (kN/m² ou equivalente) à qual a
mentaria o deslocamento na mesma as dúvidas, ficou estabelecido que o peça é submetida e ε o desloca-
proporção que tal força aplicada e módulo de elasticidade só existe mento dividido pelo comprimento
comprimindo um outro exemplar da para as substâncias elásticas. De total da peça (número puro) ou de-
mesma substância e de mesmas uma maneira perfeita não existe ma- formação específica. O resultado é
dimensões (comprimento e diâme- terial rigorosamente elástico, de- uma grandeza com a dimensão de
tro, supondo tratar-se de uma peça pendendo da precisão das medi- uma tensão: a tensão capaz de du-
cilíndrica como representativa de das. Para as precisões satisfatórias plicar o comprimento de uma peça
uma coluna!) produziria um encurta- ao engenheiro, pode-se admitir al- sem rompê-la, isto é ε = 1. Isto é
mento semelhante. guns materiais metálicos como uma fantasia, pois o concreto se
elásticos. Para os materiais com- rompe com a deformação ε =0,00015
Hooke foi infeliz ao escolher postos, a elasticidade é duvidosa, = 0,15.10-3 = 0,15 mm/m <<1.
valendo apenas para níveis baixos
uma mola. O deslocamento de tensão. Para o concreto, em par-
da extremidade da mola é ticular, são definidos vários modos Tudo isto para mostrar que
ocasionado pela torção. de elasticidade. O prof. Paulo Hele- não existe elasticidade
ne, em sua brilhante palestra, recen- perfeita. Como engenheiros
Analisando com atenção as pala- te, no Instituto de Engenharia de práticos, nada disso
vras de Young, tem-se a tendência a São Paulo, acena para as várias
definições de módulo de elasticida- interessa.
interpretar que o módulo de elastici-
dade é uma força, o peso, e não de que constam das diversas nor-
uma constante da substância. Mas, mas de concreto: norma americana Minha sugestão é de que os engenhei-
no próprio entendimento de Young, do ACI, Eurocode 90, NBR6118/2007. ros não se preocupem com os valores
quando ele se refere ao aço, diz que Cita que a única que especifica UM reais dessa constante, cujo significado
o módulo do aço é de 1500 milhas módulo de elasticidade do concreto é incerto. Contentemo-nos em obede-
náuticas, um comprimento. Navier é a americana. As outras fazem dis- cer a alguma norma, seja ela qual for,
foi quem definiu o módulo de elasti- tinção entre módulo tangente, mó- sem medo de se afastar da realidade.
cidade de um material como a rela- dulo tangente na origem, módulo Esta só Deus sabe qual é...
Eng. Fernando Marcondes, Salvador, BA

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