Mário Ferreira dos Santos – Palestra no Centro Convivium, 1967
Realmente o não caracterizar nitidamente os valores pode levar a preocupações
com pseudos-valores. O homem tomado na sua estaticidade, na sua natureza, pode ser considerado no seu valor supremo, atingir a plenitude da sua vida individual e a felicidade. Ele quer alcançar o bem supremo e a verdade suprema, isto é, quer alcançar a perfeição do bem e a perfeição da verdade. Acontece que dentro do campo da prática, da vida prática humana, que é o campo da sociologia, que é o campo da economia, que é o campo da ética, que é o campo do direito, etc., os valores são estabelecidos pelo homem segundo ele próprio, não há estaticidade O cristianismo estabelece valores primordialmente estáticos, mas há valores variáveis segundo as condições históricas e segundo o drama humano. Temos escalas de valores que variam: ora uns valores estão acima, outros descem, há reversões de valores, etc., de maneira que o estudo dos valores tem que ser sempre na parte timológica do homem, tem que ser sempre em função da história, em função do momento histórico em que ele vive, porque o que valia, por exemplo, para o grego, pode não ter valor para nós, o que valia para nós há duzentos anos , não tem valor hoje, e assim sucessivamente. De maneira que o estudo da escala de valores é muito sério, mas como em geral esta escala de valores é dada pelo estamento dominante, é a sociedade que impõe a sua escala de valores, então consequentemente há estas mutações. Por exemplo, toda a sociedade humana em todos os povos, em todas as épocas passam por quatro estágios. Todos os ciclos culturais passam por estes quatro estágios, que basicamente estão fundados na própria natureza do homem. Há uma fase em que domina o sacerdote, há uma fase de predominância do aristocrata, há uma fase de predominância do empresário utilitário e há uma da predominância do César, que seria a aquela que se diz que é de predominância do servidor, mas o servidor que representa a classe inferior em todos os grupos sociais, ele nunca é o dirigente da sociedade, Marx previu que ele seria, mas não é, é sempre alguém que o representa, é sempre alguém que se diz o seu representante. Conforme o período que eles dominam estabelecem a sua escala de valores. É lógico que na época em que predomina o sacerdote o valor mais alto são os valores religiosos; quando predomina os aristocratas os valores mais altos são os nobres; quando predomina o empresário utilitário os mais altos são os valores utilitários, e na massa dos servidores predomina quase sempre os valores utilitários também, porque é imediatista, tem necessidades urgentes para aplacar, não pode esperar, tem que ter soluções rápidas, não pode aguardar soluções, de maneira que por isso mesmo é fácil de manejar pelos outros, ela é uma massa de manobras pelos outros por causa das suas exigências imediatas, urgentes. A história humana revela sempre a predominância de um destes três estamentos. Há um período de predominância do primeiro, depois o equilíbrio entre o primeiro e o segundo. Por exemplo, no ocidente o símbolo do primeiro período é a basílica; o do segundo período, o clero e a nobreza, as igrejas de duas torres, uma torre singela que representa o clero, com poucos enfeites, e a torre mais enfeitada que é a torre da aristocracia; depois vem a do empresário que já perde o sentido da simbólica porque não quer acreditar no símbolo, quer entrar diretamente nas coisas, a simbólica não tem mais sentido, então faz estes mostrengos de igrejas que conhecemos, que é um misto de românico, de gótico, de renascentista, de barroco. Cada um destes estamentos no período que domina faz predominar a sua escala de valores. A luta toda se resume em impor uma escala de valores. Por exemplo, a juventude brasileira por qual escala de valores vai lutar? Ela precisa saber. Vai pela utilitária? Pela nobre? Ou pela sagrada? Ela tem que saber, ela tem que escolher uma escala de valores pela qual vai lutar, já que tem no Brasil um papel importante, porque o Brasil é um país sem elite e a juventude universitária é a elite. Que os dirigentes guiam-se pelos valores utilitários não há a menor dúvida. A época é própria do capitalismo, que dá esta predominância. O capitalismo é diferente dos outros regimes porque deixa viver as outras escalas de valor, quer dizer, pode-se preferir as outras, é verdade que a nobreza também deixava viver outra escala de valores. Só o que não deixa viver outra escala é o césar, a única escala é a dele, é o período da brutalidade organizada, é o período que se diz que é de libertação, quando é justamente aquele que não tem, só tem uma escala, quem quiser ter uma outra pode tê-la, mas não pode manifestá-la. O Brasil não deve se preocupar com os pseudos valores, quer dizer com aqueles valores que não são genuinamente nossos, e este é um tema que merece ser estudado.