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Análise da Constituição de Anderson 75

v - Os Princípios
dv
Rvgolaridadv da G. L. o.
da Inglatvrra

HISTÓRICO E ANÁLISE CRíTICA


Como já foi destacado, em 1877, após a reforma de sua
Constituição - excluindo a obrigatoriedade da crença em De-
us - o Grande Oriente da França foi considerado irregular.
Apesar, todavia, dessa ruptura com a maior parte das Obedi-
ências regulares, continuou trabalhando, no sentido de manter
relações amistosas com o maior número possível de agrupa-
mentos maçônicos, para não ficar isolada.
Em 1901, havia sido criado, na Suíça, pelos membros da
Grande Loja Alpina, o "Bureau d'lnformation Maçonnique".
Oriunda deste, em 1921, era constituída a "Association
Maçonnique Internationale" - AMI, de cuja criação participa-
ram doze Obediências maçônicas: Grande Loja de Nova
lorque, Grande Oriente da Bélgica, Grande Loja de Viena,
Grande Loja da Bulgária, Grande Loja da Espanha, Grande
Oriente da França, Grande Loja da França, Grande Oriente da
Itália, Grande Oriente dos Países Baixos, Grande Oriente de
Portugal, Grande Loja Suisse-Alpina e Grande Oriente da
Turquia.
Na ocasião, a AMI lançou uma declaração largamente
inspirada na Constituição então vigente do Grande Oriente da
França, cujo trecho principal afirmava o seguinte:
"A Franco-Maçonaria, instituição tradicional, filantrópica e
76 José Castellani Análise da Constituição de Anderson 77

progressista, baseada na aceitação do princípio de que todos funcionamento de uma Obediência, para ter o devido reconhe-
os homens são Irmãos, tem por objetivo a procura da Verdade, cimento, a Grande Loja Unida da Inglaterra publicava, a 4/9/
o estudo e a prática da Moral e da Solidariedade. Ela trabalha 1929, um documento relacionando os oito princípios de regu-
pela melhoria material e moral, assim como pelo aperfeiçoa- laridade, sob o título de PRINCíPIOS FUNDAMENTAIS PARA
mento intelectual e social da humanidade. Ela tem por princípio O RECONHECIMENTO DE GRANDES LOJAS, totalmente
a tolerância mútua, o respeito ao próximo e a si mesmo e a baseados da Constituição de Anderson e aos quais a Grande
Liberdade de Consciência. Ela tem por dever estender a todos Loja inglesa jamais deu o título de landmarques, como se
os membros da humanidade, os laços fraternais que unem os poderá ver no texto:
francomaçons sobre toda a face da Terra". 1º- Uma Grande Loja deverá ser regularmente fundada por
O texto, embora de grande alcance social, brindava as uma Grande Loja devidamente reconhecida, ou por, pelo
idéias imperantes na Maçonaria francesa - tanto no Grande menos, três Lojas regularmente constituídas.
Oriente, quanto na Grande Loja da França -e excluía qualquer
COMENTÁRIO:
alusão a Deus e à religião, de maneira geral, o que não poderia
Trata-se de regra simplesmente administrativa, que procura
contar com as benesses da Grande Loja Unida da Inglaterra,
disciplinar a criação de Obediências, para evitar que elas
que havia emergido, em 1813, da fusão entre a Grande Loja
possam surgir, sem o reconhecimento de outras, que sejam
dos "Antigos" com a Grande Loja dos "Modernos" e adotado,
regulares, o que implicaria a sua irregularidade. Não sendo
em 1815, um novo instrumento legal básico, onde a crença em
criada por uma Grande Loja - ou Grande Oriente - reconheci-
Deus é destacada, na primeira das Antigas Leis Fundamentais,
da, a nova Obediência terá que ser constituída por, no mínimo,
a qual evoluiu a partir do texto da Constituição de 1723.
três Lojas regulares, ou seja, oriundas de uma Obediência
Nessa altura dos acontecimentos, já havia sido fundada
regular. Esta é a regra mais burlada de todas, pois as Lojas,
uma Obediência regular na França, sob a égide da Grande Loja
normalmente, tomam como lei a exiqência de três Oficinas,
Unida da Inglaterra, em 1913: a "Grande Loge Nationale
mas, talvez convenientemente, esquecem-se de que elas
Indépendante et Hequliàre pour Ia France et les Colonies
precisam ser REGULARMENTE constituídas, ou seja, devem
Françaises", depois "Grande Loge Nationale Française" (1).
ser regulares.
A AMI acabaria atraindo as atenções do mundo maçônico,
2º - A crença no Grande Arquiteto do Universo e em sua
fazendo com que, já em 1923, ela agrupasse trinta e oito
vontade revelada são condições essenciais para a admissão
Obediências, com mais que quinhentos mil Maçons, o que,
de novos membros.
para a época, era um número expressivo. Todavia, diante dos
apelos da Grande Loja inglesa, para que Obediências regula- COMENTÁRIO:
res não fizessem parte da associação, ao lado de outras, Muito pouco haveria a acrescentar, em relação a esse texto,
consideradas irregulares, começaram as defecções, primeiro pois ele, simplesmente, reforça o conceito já emitido na Cons-
com a Grande Loja de Nova lorque e o Grande Oriente dos tituição de 1815. Chama a atenção, todavia, o fato de, aí, já
Países Baixos, logo seguidos por outras. estar bem demarcado o sistema absolutamente teísta, se se
Para sedimentar mais esta posição e reforçar as normas de considerar que o sentido amplo do teísmo é, além da crença em
1
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Deus, a aceitação da revelação, ou da vontade revelada. A femininas. A par das razões históricas - na Franco-Maçonaria
regra também é omissa no tocante à imortalidade da alma ou de ofício não existiam "maçonnes" (maçonas) - entra, aí,
à vida futura. também, a pressão contra a Maçonaria Francesa, que criou, no
3º - Todos os Iniciados devem prestar sua Obrigação sobre século XVIII, as Lojas de Adoção (5) - desaparecidas durante o
o Livro da Lei Sagrada. século XX - e viu nascer, em sua jurisdição, no final do século
COMENTÁRIO: XIX, a Ordem Mista Internacional "Le Droit Humain" (6) e , na
Fazendo referência a um "Livro da Lei Sagrada", sem, metade do século XX, a Grande Loja Feminina Francesa (7).
porém, especificá-Io, essa regra deixa ampla margem para Isso, apesar da Grande Loja Unida da Inglaterra ter, em seu
que cada povo, segundo a sua religião dominante, adote o livro território, a Co-Maçonaríaw, organização semelhante ao "Droit
que lhe for conveniente. E ele tanto pede ser a Bíblia, como o Humain".
Corão (2), para os muçulmanos, a Torá (3), para os judeus, os Essa proibição tem merecido, de maneira geral, total acei-
Vedas (4), para o hinduismo, etc .. Graças a isso, é comum ver- tação das Obediências, cujas leis prevêem fortes sanções
se, em Lojas de metrópoles cosmopolitas, acostumadas a contra os Maçons regulares que frequentam Lojas mistas, o
receber visitantes de todo o mundo, vários livros da lei sagrada, que, todavia, não tem impedido que isso ocorra com uma
para que nenhum iniciado possa ser constrangido a prestar a frequência estarrecedora - e o Maçom deveria ser cumpridor
Obrigação sobre um livro que não seja o de sua crença pessoal. das leis - principalmente por parte de Maçons cujas esposas
Pode-se notar, também, que o texto é específico, quando fazem parte de Loja mista. Ora, se o Maçom regular não quer
fala em livro da lei SAGRADA, o que não deixa margem a aceitar as leis gerais da Maçonaria e as particulares de sua
dúvidas sobre o objeto de sua referência; e isso é especificado, Obediência, nesse assunto, o melhor é que deixe logo de uma
porque existem Obediências que, partindo da exigência gené- ~ez a sua Oficina e ingresse numa Loja mista. O que não pode
rica de um "Livro da Lei", como existe em muitas instruções e, descaradamente, afrontar a legislação e fazer - como muitos
maçônicas, tomam-na por livro da lei MAÇÔNICA, usando, fazem - em suas Lojas regulares, a apologia da desobediência
então, a Constituição da Obediência, ou o Livro das Constitui- e da rebelião. Pode até lutar por suas idéias; mas dentro da lei
e da ética.
ções de Anderson.
4º - A Grande Loja e as Lojas, particularmente, serão 5º - A Grande Loja exercerá o seu poder soberano sobre
compostas apenas por homens; também não poderão manter todas as Lojas de sua jurisdição, possuindo autoridade incon-
relações com Lojas mistas ou femininas. testável sobre os três Graus simbólicos, sem qualquer subor-
dinação a um Supremo Conselho.
COMENTÁRIO:
A recomendação de que as Lojas sejam compostas apenas COMENTÁRIO:
por homens, já estava presente em toda a legislação anterior, Esta recomendação, de ordem meramente administrativa e
desde a primeiracompilação de Anderson, publicada em 1723. demarcadora de jurisdição, é importante, na medida em que
O dado novo, que surge nesta regra, é o que proibe, às Lojas mostra, com absoluta clareza, que o governo dos três Graus
regulares masculinas, manter relações com Lojas mistas ou simbólicos é DA EXCLUSIVA COMPETÊNCIA DA OBEDIÊN-
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CIA SIMBÓLICA, não se admitindo qualquer interferência de ou fechado - para que seja satisfeita a exigência, pois existem
Oficinas Chefes de Ritos - com autoridade, APENAS, sobre os Hltos: que mandam abrir o Livro e ler versículos (como o
Altos Graus - sejam elas de que Rito forem. Evidentemente, a Escocês, por exemplo), outros que abrem o Livro em qualquer
Grande Loja Unida da Inglaterra, aí, não está fazendo referên- ponto, sem qualquer leitura (como o Inglês), e outros que
cia às Obediências que, como ela mesma, têm, como dominan- apresentam o Livro fechado (como o Schroeder).
te, Ritos que praticam a chamada pura Maçonaria - como o 7º - As discussões de ordem religiosa e política são interdi-
Rito de Emulação inglês - ou seja, aqueles que não trabalham tadas, nas Lojas.
nos Altos Graus, mas apenas nos simbólicos.
A referência, nesse caso, é, especificamente, dirigida às COMENTÁRIO:
Obediências cujo Rito majoritário é o Escocês Antigo e Aceito, Regra totalmente baseada na Constituição de Anderson,
cujas Oficinas Chefes, muitas vezes, pretendem ter autoridade simplesmente repete as recomendações desta, feitas, como já
sobre os três Graus simbólicos, sobre sua administração, se viu, num determinado momento histórico, quando não era
sobre suas instruções e sobre os seus Rituais. Numa época em conveniente tomar partido ao lado de uma das facções político-
que isso acontecia em muitas partes do mundo, graças à religiosas rivais (os jacobitas católicos e os protestantes que
proliferação de Supremos Conselhos - embora o Rito mais ocupavam o trono). Embora a situação tenha sido superada e
praticado no mundo seja o Inglês, também chamado de York - a embora a monarquia tenha entrado em decadência, proporci-
Grande Loja inglesa, ao firmar essa posição, pretendia mostrar onando Constituições mais liberais em relação ao exercício da
como é descabida essa interferência, a qual, perante a legisla- cidadania, reconhecendo, em cada cidadão, o direito de ex-
ção consensual pode, até, levar uma Obediência simbólica à pressão, desde que assuma responsabilidade por seus atos,
irregularidade, por perda do reconhecimento das Obediências essa regra não foi mudada. Isso tem provocado muitas contes-
regulares. tações, pois tira, do Maçom, o direito de participar, como
6º - As três Grandes Luzes - Livro da Lei, Esquadro e cabeça pensante, da evolução do processo social de seu país
Compasso - serão sempre expostas nos trabalhos da Grande e do mundo, de maneira geral.
Loja e das Lojas de sua jurisdição; a principal Luz é o Livro da Como o texto é lacônico e parece até incompleto, pois se
Lei Sagrada. refere à discussão e não à simples abordagem intelectual e
ética dos fatos político-sociais e religiosos, de maneira ampla
COMENTÁRIO: e não específica, muitas Obediências e grande parte dos
Pela primeira vez, nesses textos tradicionais, aparecem as Maçons prefere entendê-Io como proibição do exercício de
três Grandes Luzes Emblemáticas juntas, já que, na maior coação político-partidária e de proselitismo religioso, já que
parte das classificações de landmarques, só há referência ao isso pode exaltar os ânimos e levar a um estado de hostilidade
Livro da Lei Sagrada; e fica claro que este é a principal das três entre Maçons. Assim, evitadas as discussões em torno de
Luzes, o que é natural, diante da tendência marcadamente crenças religiosas e de credos políticos, seria permitida a
teísta da Maçonaria contemporânea. Esta regra deixa claro, análise da Política, em seu amplo sentido sociológico (9), e das
também, que basta a exposição do Livro - podendo ser aberto religiões, em sua história, filosofia e doutrina.
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8º - Os Antigos Landmarques e usos da Maçonaria serão mente, o Retificado; em 1927, passava a ser praticado o de Emula-
estritamente observados. ?ão, com a tradução dos Rituais ingleses; e, em 1965, era integrado,
a G.L.N.F; o Rito Escocês Antigo e Aceito (mas a decoração de seus
,COMENTÁRIO: Templos e feita de acordo com o Rito Retificado).
A redação dessa última regra, deixa bem claro que as regras (2) ~_Corão é o ~ivroda lei sagrada do Islã (do árabe = submissão), reli-
anteriores não são consideradas landmarques, mas, sim, g.,aornonoteísta fundada por Mohamed ibn Abdallah (Maomé), nas-
normas situáveis na História, criadas após a fundação da cido em 570 d.C. e que, segundo a tradição, recebera uma série de
Primeira Grande Loja. Os verdadeiros landmarques - que revelações de Deus, através do arcanjo Gabriel, no monte Hira, ao
norte de Meca, no mês de Ramadan (lenda muito semelhante à de
devem ser "estritamente observados" juntamente com os ou-
Moi~és, n~ monte ~ebo, no Sinai). Essa revelação oral não seria logo
. tras sete princípios para reconhecimento - seriam, então: o ~scrlta, pOISMaome, apesar de ser considerado um grande sábio, era
sigilo maçônico, a necessidade dos Maçons trabalharem em iletrado (ummi). Foi o califa Otman quem ordenou que a tradição oral
Lojas, a necessidade de cobertura dos trabalhos de Loja, o fosse compilada em livro, do que resultou o Livro da Lei Sagrada dos
governo da Loja por um Venerável Mestre e dois Vigilantes. Os muçulmanos: ,o Corão (do árabe: Kurán = leitura), com cento e
usos referidos e também situáveis no tempo, seriam: a divisão quat?rze capitulas (suras). O título Alcorão é a junção do artigo
definido AI = o, com Kur'an (por isso, é redundância dizer "o
em três Graus simbólicos, a lenda do 3º Grau, a direção da Alcorão").
Obediência por um Grão-Mestre.
(3) Torá (em hebraico, literalmente, lei, mandamento) é o nome coletivo
dos cinco primeiros livros - Gênese, Êxodo, Levítico, Números e
NOTAS
D~uteronômio - conhecidos, no Ocidente, como Pentatêuco, e das
(1) A Grande Loja Nacional Francesa foi fundada sob a liderança de E- leis nel~s contidas. Ela promulga a carta de uma sociedade de que
douard de Ribaucourt, Iniciado em 1896, através do Grande Oriente Deus e rei e senhor e que submete todas as suas atividades
da França. Não satisfeito com a orientação de sua Obediência, após temp~rai_s e espirituais à promoção de seu reinado: representa a
a reforma de 1877, reuniu um grupo de Obreiros, reerguendo as subrníssão de Israel ao seu Deus e contém as leis básicas que o povo
colunas da Loja "Le Centre des Arnis", que havia sido fundada em deve seguir. Segundo a tradição, Moisés a teria recebido diretamente
segredo, durante o Terror - período de radicalização da Revolução de Deus, no alto do monte Nebo, na península do Sinais.
Francesa, iniciado com a queda dos girondinos e que se estendeu até (4) ~ed~ .(literal~ente, conhecimento) é o termo que, do ponto de vista
à morte de Robespierre, em 1794 - e adormecida, depois. Como ele filosótíco, desiqna as manifestações literárias do primeiro período do
sabia que o Rito Escocês Retificado havia sobrevivido na Suíça, pensamento hindu (de 1500 a 600 a.C.). Essa literatura védica divide-
conseguiu uma patente do Grande Prior suíço e reergueu, na França, se em: 1. Os Quatro Vedas: Rig-Veda, Yajur-Veda, Sama-Veda e
esse Rito cristão. Como a Loja não poderia ficar - nem foi permitido Atharva-Veda, que englobam hinos, preces e orações dirigidas aos
pelo Grande Oriente - sob jurisdição estrangeira, foi feito um estatuto deus~s; 2. Bra.hmanas, conjunto de tratados Rituais; 3. Aranyakas,
de autonomia, permitindo que a Loja trabalhasse "à glória do GA D.U.". que e a parte final dos Brahmanas; 4. Upanichades, que contêm os
Diante da hostilidade gerada, todavia, resolveu-se criar uma nova fundamentos de diversas concepções filosóficas hindus. Todos es-
Obediência, independente e regular, o que foi possível, em 1913, com ses fundamentos, encontram-se reunidos sob a denominação geral
a ajuda da Loja "L'Anglaise" 204, de Bordeaux, fundada em 1732, de Vedanta.
nascendo, então, a Grande Loja Nacional Independente e Regular (5) Lojas de Adoção são Lojas femininas, assim chamadas porque eram
para a França e as Colônias Francesas, que, em 1948, passaria a ser, adotadas por, u~a Loja masculina, funcionando sob a égide desta,
apenas, Grande Loja Nacional Francesa. O Rito inicial foi, exclusiva- com a asststência dos Irmãos. Foram criadas no século XVIII, na
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França, mais por conveniência da aristocracia francesa. Fioresceram e alta dignitária da Maçonaria de Adoção - e sua continuadora, como
bastante durante o império napoleônico - até a imperatriz Josefina foi presidente da Sociedade de Teosofia. As idéias de Annie Besant
Iniciada na Loja "L'lmpériale des Francs Chevaliers" - resistiram impregnaram, largamente, as Lojas da Ordem Mista "Le Droit Humain",
durante todo o século XIX e começaram a enfraquecer, vindo a tendo, Maria Deraismes, lhe oferecido a Iniciação. Mas só posterior-
desaparecer, no século XX. Como Lojas "sui generis" possuíam mente, quando soube, por Francisca Arundale, que o movimento
símbolos e Sinais próprios. progredia é que ela procurou ser Iniciada, em Paris, tornando-se,
(6) A "Ordre Mixte International Le Droit Humain" (Ordem Mista Interna- depois, Vice-Presidente do Supremo Conselho e Deputada para a
cional O Direito Humano) foi fundada em 1893, sob a liderança de Grã-Bretanha, cuja primeira Loja co-rnaçônica, instalada em Lon-
Maria Deraismes (1828-1894), escritora, conferencista e militante dres, em setembro de 1902, tinha o título de "Dever Humano".
feminista, anticlerical e republicana, Iniciada numa Loja irregular, ou (9) Política (do grego:politiké, pelo latim: política) é o ramo das Ciências
"selvagem" (sem Obediência), a "Les Libres Penseurs", a 14 de Sociais que estuda as diversas formas de organização do poder
janeiro de 1882. Auxiliada pelo feminista Georges Martin, Maria político, assim como as suas instituições, a sua dinâmica e os seus
Deraismes, em sua casa, na rua de Sévres, em Paris, reuniu, a 14 de objetivos. Trata-se, portanto, de uma ciência que tem por base a
março de 1893, um grupo de "senhoras republicanas", para criar uma análise sistemática da estrutura e funcionamento do governo' assim
ela apresenta estreita ligação com outros campos das Ciências
nova Franco-Maçonaria, "Iniciando" todas elas no mesmo dia, como
se autoridade tivesse para isso, pois não consta ter passado do Grau Sociais e Humanas, como a História, a Filosofia, a Sociologia e a
de Aprendiz, em sua Loja "selvagem". Economia. A Política pode ser interna, quando trata das relações
O ideal de Maria Deraismes - jamais realizado - era o de que, criando interiores dos órgãos do Estado, ou externa - internacional, ou
uma Franco-Maçonaria mista, em que homens e mulheres estives- exterior - quando trata das relações oficiais entre os Estados, de
maneira geral.
sem em pé de igualdade absoluta, a nova entidade pudesse chegar
a substituir a Franco-Maçonaria tradicionalmente reservada apenas Sob esse ângulo, a Política pode e deve ser analisada pelas Lojas,
pois, da análise das estruturas e do funcionamento dos governos
aos homens.
depende, em grande parte, o bem-estar de uma nação e dos homens
(7) A Grande Loja Feminina Francesa, constituída desde 1959, não tem
que a compõem. E a Maçonaria, de longa data, tem esse bem-estar
nada a ver com as antigas Lojas de Adoção, já que estas eram
como uma de suas principais metas.
constituídas sob a assistência dos Obreiros das Lojas masculinas,
enquanto que a Grande Loja Feminina é totalmente autônoma.
As Irmãs dessa Obediência - considerada irregular até pela Ordem
Mista O Direito Humano - refutando a fórmula mista, avaliam,
especificamente, as qualidades femininas e, a partir daí, crêem que
as questões maçônicas devem ser examinadas e tratadas em torno
de projeto feminino, deixando de fora as Lojas masculinas. Usando,
inicialmente, os Rituais das Lojas de Adoção, a Grande Loja Femini-
na, oriunda da Grande Loja da França, passou a usar, com ligeiras
modificações, os Rituais do Rito Escocês, utilizados pelas Lojas
masculinas (como sucede com as Lojas mistas).
(a) A Co-Maçonaria (Co-Masonry) inglesa começou com FranciscaArun-
dale, que foi a primeira mulher inglesa a ingressar numa Loja
maçônica, e tomou impulso com Annie Besant. Esta foi colaboradora
de Helena Blavatsky (1831-1891) -criadora do movimentoteosofista
Análise da Constituição de Anderson 87

Roteiro Bibliográfico para


o Pesquisador

A presente obra representa um estudo crítico próprio dos


autores, do ponto de vista histórico-filosófico, da legislação
maçônica tradicional, embora com dados históricos hauridos
de diversas fontes. Para que possam, outros buscadores,
aprofundar seus estudos, em relação ao tema, são relaciona-
das, a seguir, diversas obras - nem todas usadas, necessari-
amente, neste estudo - que o abordam, direta, ou indiretamen-
te:
AFTER THE FIRST DEGREE (Notes for an Entered Apprenti-
ce) - edição de The Provincial Grand Lodge of
Northamptonshire and Huntingdonshire - Londres - 1990.
AFTER THE THIRD DEGREE (Notes for a Master Mason) -
edição de The Provincial Grand Lodge of Northamptonshire
and Huntingdonshire - Londres - 1990.
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Lodge Nº 2076 - Londres - diversos números, de 1968 a
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José Castellani Análise da Constituição de Anderson 91
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37. "Dicionário Etimológico Maçônico" - vaI. VI- Ed. "A TROlHA" - londrina-
S. Paulo - 1989.
17. "Consultório Maçônico" - volume 11- Ed. "A TROlHA" - londrina - 1990. 1994.
18. "Dicionário Etimológico Maçônico" - volume I (A-B-C) - Ed. "A TRO- 38. "Análise Histórico-Filosófica da legislação Maçônica Tradicional" -
(co-autoria com Raim u ndo Rod rigues) - Ed. "A TROlHA" - londrina-
lHA" - londrina - 1990.
19. "Dicionário Etimológico Maçônico" - volume 11(D-E-F-G) - Ed. "A 1995.

TROlHA" - londrina - 1990. 39. "Manual de Paramentos, Painéis e Estandartes do Rito Escocês An-
20. "Maçonaria Moderna: a Liberdade Revelada" (co-autoria com Frederico tigo e Aceito" -1- loja Simbólica e loja de Perfeição - no prelo- Ed.
Guilherme Costa - Ed. "A TROlHA" - londrina - 1991. Biblos - S. Paulo - 1995.
21. "Manual do Rito Moderno" (co-autoria com Frederico Guilherme Cos- 40. "O Cavaleiro Rosa-Cruz" - aguardando publicação - Ed. "A TRO-
ta) - Ed. Gazeta Maçônica - 1991. lHA" - londrina.
22. "Curso Básico de Ritualística" - Ed. "A TROlHA" - londrina - 1991
(1 ª edição) e 1994 (2ª edição). Em Preparo:
23. "Origens Históricas e Místicas do Templo Maçônico" - Ed. Gazeta
41. "Do Pó dos Arquivos" - Ed. "A TROlHA'~.
Maçônica - S. Paulo - 1991.
42. "Cartilha do Companheiro" (co-autoria com Raimundo Rodrigues) -
24. "Dicionário Etimológico Maçônico" -volume 111(H-I-J-l) - Ed. "A TRO-
Ed. "A TROlHA".
lHA"- londrina - 1991 .
43. "Manual de Paramentos, Painéis e Estandartes do Rito Escocês An-
25. "O Mestre Secreto - Grau 4" (co-autoria com Francisco de Assis Car-
tigo e Aceito" - 11- Capítulo Rosa-Cruz.
valho) - Ed. "A TROlHA" - londrina - 1991.
44. "Os Maçons na Questão Religiosa do Século XIX".
26. "A Conjuração Mineira e a Maçonaria que não Houve" (co-autoria com
Frederico Guilherme Costa) - Ed. Gazeta Maçônica - S. Paulo-
11- PARTICIPAÇÃO EM COLETÂNEAS
1992.
27. "Consultório Maçônico" - vol. 111-Ed. "A TROlHA" - londrina -1992. 01. Formação Histórica da Maçonaria - Anais da Academia Brasileira
28. "Dicionário Etimológico Maçônico" - voi. IV (M-N-O-P) - Ed. "A TRO- Maçônica de Letras - Rio de Janeiro - 1983.
lHA" - londrina - 1992. 02. Formação Social da Maçonaria - Anais da Academia Brasileira Ma-
29. "Cartilha do Aprendiz Maçam" - Ed. "A TROlHA" - londrina -1992. çônica de Letras - Rio de Janeiro - 1983.
30. "História do Grande Oriente do Brasil" - Gráfica e Editora do Grande 03. História Política da Maçonaria - Anais da Academia Brasileira Maçô-
Oriente do Brasil - Brasília - 1993. nica de letras - Rio de Janeiro - 1987.
31. "Os Maçons na Independência do Brasil" - Ed. "A TROlHA" - londrina- 04. Cadernos de Pesquisas Maçônicas I - loja de Pesquisas Brasil -

1993. londrina - 1989.


32. "A Maçonaria e sua Herança Hebraica" - Ed. "A TROlHA"- londrina- 05. Cadernos de Pesquisas Maçônicas 11- Loja de Pesquisas Brasil -
londrina - 1990.
1993.
06. Cadernos de Pesquisas Maçônicas IV - Loja de Pesquisas Brasil-
33. "Dicionário Etimológico Maçônico" - voi. V - Ed. "A TROlHA" - Londrina-
londrina - 1992.
1994.
34. "A Cadeia Partida" - Ed. "A TROlHA" - londrina -1 994. TESES MAÇÔNICAS (Apresentadas em diversos congressos,
35. "História do Grande Oriente de S. Paulo" - Gráfica e Editora do Gran- seminários e encontros):
de Oriente do Brasil - Brasília - 1994.
36. "Consultório Maçônico" -vaI. IV - Ed. "A TROlHA" - londrina -1994. 01. "Origens Históricas da Mística Maçônica".
92 José Castel/ani
Análise da Constituição de Anderson 93
02. "D. Pedro I e a Maçonaria".
36. "Protestoda MaçonariaGaúcha Diante de um Decreto Indecoroso, em
03, "Origens do Teísmo na Maçonaria". 1873".
04. "O Rito Escocês: sua original e verdadeira Ritualística".
37. "O Momento Histórico dos Graus Capitulares".
05. "Os Maçons e o Movimento Republicano Brasileiro".
38. "A Maçonaria Pernambucana e a Questão Religiosa".
06. "Influência da Antiga Civilização Grega sobre a Simbologia e a Ritua-
lística Maçônicas". 39. "A Questão dos Supremos Conselhos do Brasil, em 1929".
07. "O Rito Escocês e o Rito de York: divergências". 40. "1929: A Maçonaria e o Ensino Religioso Obrigatório".
08. "Os Maçons e o Movimento Abolicionista Brasileiro". 41. "A Cruz de Lorena no Rito Escocês".
09. "Antônio Bento: um Nome Esquecido na Abolição da Escravatura no 42. "O Grande Oriente do Paraná, por Ocasião da Dissidência de 1973".
Brasil". 43. "Breve Histórico da Maçonaria no Espírito Santo".

10. "Rito Moderno: Ateu ou Adogmático"?


11. "O Rito Escocês Antigo e Aceito: História, Doutrina e Prática".
12. "José Bonifácio: um Homem Além do seu Tempo".
13. "Os Maçons na Revolução Francesa: Estudo Crítico".
14. "Os Maçons na Revolução Constitucionalista de 1932".
15. "Origens Históricas do Templo Maçônico".
16. "Origens Místicas do Templo Maçônico",
17. "Contribuição ao Estudo do Retorno à Original Abertura da Bíblia, no
Rito Escocês".
18. "A Maçonaria e sua Herança Hebraica".
19. "A Maçonaria, a Ordem dos Templários e o Compagnonnage".
20. "Maçonaria e Astrologia".
21. "Maçonaria e Cabala".
22. "O Decantado Triângulo da Bandeira dos Inconfidentes".
23. "E o Tiradentes, foi Maçam"?
24. "Por que S. João, nosso Padroeiro"?
25. "AsTradiçõesdo Rito Moderno"(co-autoriacomFredericoGuilhermeCosta).
26. "A Baleia do 20 de Agosto".
27. "Floriano, o Marechal de Ferro".
28. "Os Maçons na Independência dos Estados Unidos".
29. "Simon Bolívar, o Libertador".
30. "Os Maçons na Independência do Brasil".
31. "Análise Histórica da Legislação Maçônica Tradicional".
32. "A Maçonaria e o Anti-clericalismo na Questão Religiosa".
33. "O Cinquentenário do Fim da II Guerra Mundial- Atuação da Maço-
naria e a Participação Brasileira".
34, "O Primeiro Projeto Abolicionista na Maçonaria do Paraná".
35. "O Grande Oriente do Rio Grande do Sul- Tradição de Autonomia".
Análise da Constituição de Anderson 97
Análise da Constituição de Anderson 95

Introdução à Análise
Filosófica

No primeiro item da Constituição de Anderson, há três


tópicos que merecem ser analisados:
1. O Maçom está obrigado, por seu título, a praticar a moral;
2. E se compreender seus deveres, nunca se converterá em
um estúpido ateu nem em irreligioso libertino.
3. Esta (religião) consiste em ser homens bons e leais, quer
dizer, homens honrados e justos, seja qual for a diferença de
nome ou de convicções.
O 1º e 2º itens estão interligados, uma vez que moral está
configurada na crença em Deus.
Se um homem é ateu, isto terá advindo de uma educação
defeituosa?
Aristóteles'" ensina que a Ciência Moral não pode adequar-
se a seres que não estejam ainda espiritualmente maduros.
Esta maturidade, acrescenta o Estagirita, é quase constituição
moral, não se tem por natureza, mas pela educação (Ética 1-4-
5,7).
Varoli'", em "Curso de Maçonaria Simbólica-I Tomo" (São
Paulo, 1974), chega a dizer que "de modo geral, o homem que
não crê em nada, acaba por não acreditar em si mesmo. Isso
vale dizer que não acreditará nos próprios juramentos e com-
promissos. Daí não servirá para a Sublime Instituição".
Pela ótica filosófica, chega-se à conclusão de que o ateu é
o ente que não se humanizou. Ao olhar e refletir sobre o
homem, tudo parece assumir um sentido humano. Entretanto,
Raimundo Rodrigues
98 Análise da Constituição de Anderson 99

isto não seria verdade com relação ao ateu, de vez que tal A mesma fonte que gera, é o lugar da destruição. Percebe-
afirmativa só terá validade se se tratar de um homem verdadei- se que Anaximandro já tinha clara intuição da transitoriedade
rarnente humanizado e, não, "uma coisa entre as coisas", um de tudo quanto existe.
ser exclusivamente natural, sem vida psico-espiritual, isto é, Algumas insignes figuras do helenismo legaram à humani-
sem vida espiritual propriamente dita. dade estudos maravilhosos sobre a alma humana.
A Maçonaria é altamente espiritualista. Como, então, admi- A maior parte dos diálogos platônicos - República, Timeo,
tir um ser impessoal, incapaz de dar sentido às realidades da Fédon - para só citar três,ilustram acerca das relações destes
vida? elementos que constituem o homem. Aristóteles esclarece
Se o indivíduo não acredita em Deus, por certo, não acredi- definitivamente o assunto quando afirma que o corpo é o
tará na alma, negará a existência do espírito. O ateu é, antes recipiente da alma.
de tudo, visceralmente materialista. Para ele tudo é nada, o Os grandes filósofos da Hélade chegam a estabelecer
nada do nada, de coisa nenhuma! diferença entre alma e espírito. A alma seria a essência
Desde a mais longínqua antiguidade, os filósofos percebe- imaterial do corpo humano, o sopro vital; o espírito, substância
ram que o homem não era só animalidade. incorpórea e consciente de si mesma.
Anaximandro de Mileto(3), discípulo de Tales'", buscando A definição que Aristóteles dá da alma não deixa de ser
origem dos seres, isto há vinte e cinco séculos, tem a i~t~ição interessante: a alma é todo o princípio vital de qualquer
exata da existência de Deus. Um fragmento da obra do filosofo orqanisrno, a soma de seus poderes e processos (De Anima-
minésio, que chegou até nós, diz o seguinte: _ 11-3) .
"O ilimitado é a origem dos seres. E a fonte da geraçao A Maçonaria é sábia. O homem que não tem vida espiritual,
das coisas existentes é aquela na qual a destruição é um ser quase que impessoal, dono de uma realidade mera-
também acontece segundo a necessidade, porquanto mente orgânico-vegetativa. Se aceitássemos esse tipo de
pagam castigo e retribuição uns aos outros, pela sua indivíduo, nós nos sepultaríamos para sempre em uma realida-
injustiça, de acordo com o decreto do tempo". de antropomórfica.
Analisando este fragmento, descobrimos que: A Sublime Instituição sabe que o homem é uma manifesta-
1º- o ilimitado (o apeiron) é a origem de todas as coisas. ção de Deus. Haja vista o que diz o Salmista:
2º - o apeiron, se é a origem de todas as coisas, também é Que é o homem, que dele te lembres? e o filho do
o lugar de destruição de todas as coisas. homem, que o visites? Fizeste-o, no entanto, por um
Verifica-se que a substância primordial de .onde nascem pouco, menor do que Deus, e de glória e de honra o
todas as coisas, também é o lugar onde todas as coisas coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras de tua
encontrarão seu fim. ' mão, e sob seus pés tudo lhe puseste (Salmo 8 - 4, 5,
Deste modo evidencia-se a concepção de que tudo vai e 6).
volta. Teríamos aí a concepção do tempo circular, com a O adjetivo estúpido, a nosso ver, casa-se perfeitamente
possibilidade da existência de uma outra vida, após a destrui- com o substantivo ateu. Realmente o ateu ou é homem de
ção desta. escassa inteligência, ou é ignorante dos estudos maravilhosos
Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 101
100

que alguns homens vêm legando à humanidade, desde tem- tratamento de que se é vítima, retribuir com um mau tratamento
pos quase imemoriais, através da Bíblia e dos filósofos gregos, idêntico". Esta é a filosofia da Arte Real. Por isso, ela dá ao
chineses e hindus. E o que é mais grave: ignoram completa- Maçam todos os meios para que ele possa ser aquele homem
mente a obra de homens extraordinários como Tomás de retratado por Virgílio:
Aquino'", Avicena'", Kant'", Russel'" para citar alguns apenas. Felix qui potuit rerum cognoscere causas,
Quique metus omnes, et inexorabile fatum,
Subjecit pedibus, strepítumque Acherontis avari.(12)
À Maçonaria interessa que seus membros sejam homens
bons e leais, honrados e justos, não interessando a religião que
praticam ou se são livres-pensadores.
Tendo-se em conta que os membros da Maçonaria Operativa NOTAS
eram católicos, pode-se aquilatar a repercussão que teve a (1) Aristóteles, nascido na cidade de Estagira, na Macedônia, em 384
Constituição de Anderson quando ficou sendo conhecida. a.C. Foi discípulo de Platão. Durante 7 anos foi o preceptor de
A Maçonaria Medieval se regia por lendas, regulamentos Alexandre, filho de Felipe, rei da Macedônia. Até hoje, no fim do
século XX, Aristóteles é considerado o filósofo por excelência. Sua
profissionais e tradições. As obrigações (Old Charges) tinham
obra é extensíssima e trata de uma infinidade de assuntos: moral,
que ser integralmente respeitadas. Algumas dessas obriga-
ciência pai ítica, ciências naturais, biologia, matemática, meteorologia,
ções são, hoje, legítimos lindeiros da Maçonaria Especulativa. retórica, lógica, psicologia, metafísica e a própria crítica literária de
Talvez uma das razões para a perseguição contra nossa que lançou os fundamentos. É o fundador das ciências baseadas na
Ordem, tenha sido exatamente essa liberdade que a Maçona- observação, sobretudo a biologia. Antes dele a ciência jazia em
ria dá a seus adeptos de seguirem a religião que Ihes convier embrião. Nasceu com ele. A Teologia tomista da Idade Média se
inspirou na metafísica de Aristóteles, que aceita Deus como motor
melhor. A Sublime Instituição propugna pela união de todos os
primeiro. É o inventor dalógica. Toda a força da lógica aristotélica se
seus membros, não admitindo intransigência religiosa. Aliás,
fundamenta em três princípios que são evidentes por si mesmos: 1.
esse tipo de intransigência se perde na contagem dos séculos. Princípio de identidade; 2. Princípio de não contradição; 3. Princípio
Foi essa intransigência que matou Sócrates'"; foi essa de terceiro excluído.
intransigência absurda que fez Anaxáqoras'!" fugir de Atenas, Aristóteles morreu na Ilha de Eubéia, onde buscara abrigo para
o mesmo acontecendo com Aristóteles. Foi essa nefanda escapar da perseguição de grupos políticos que passaram a dominar
Atenas, no final do governo de Alexandre. O sumo sacerdote
intransigência que transformou milhares de cristãos em márti-
Eurímedon o acusara de haver ensinado que nada valiam as preces
res da Igreja. Daí a razão por que nossa ordem adota as
e os sacrifícios. Ao se ver na iminência de ser julgado por Assembléi-
palavras de Sócrates, ditas a um de seus discípulos, quando as hostis, abandonou a cidade, afirmando que não proporcionaria aos
este lhe propôs que fugisse de Atenas. Sócrates explica a áulicos o ensejo de um segundo golpe contra a filosofia. Faleceu em
Criton'!" que se consentisse fazer o que lhe era proposto, 322 a.C ..
estaria subtraindo-se à pena que lhe fora imposta pelo Tribu- (2) Theobaldo Varoli Filho- Nasceu em São Paulo em 1911. Era formado
nal, violando assim tudo o que havia pregado durante toda sua em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, era portador
de grande cultura humanística e filosófica. Estudioso da filosofia,
vida: "Jamais cometer uma injustiça, nem, para um mau
)
102 Raimundo Rodrigues , Análise da Constituição de Anderson 103

tornou-se um grande sabedor de tudo o que se relaciona aos


Símbolos, alegorias, lendas e filosofia da Ordem maçônica. Em vida,
publicou dois livros inigualáveis: "Curso de Maçonaria Simbólica - I
Tomo - Grau de Aprendiz" e "Curso de Maçonaria Simbólica -11 To-
II
I
previu também os lugares onde seria visível. Tales foi o primeiro
homem, no ocidente, a apresentar argumentação racional na justifi-
cação das teses que explicam as origens das coisas.
(5) Santo Tomás de Aquino- Nasceu em 1225, no Castelo de Roccasecca,
mo - Grau de Companheiro". Depois de sua morte foi publicado o
"Curso de Maçonaria Simbólica - 111Tomo - Grau de Mestre". Por
l no burgo de Aquino, perto de Nápoles. Em 1239, ingressou na recém-
fundada Universidade de Nápoles, centro de estudos, aberto às obras
duas vezes exerceu o cargo de Grão-Mestre Adjunto da Grande Loja
científicas e filosóficas dos árabes e dos gregos. Ali estabeleceu o seu
Maçônica do Estado de São Paulo. Mais tarde filiou-se ao Grande
primeiro contato com a filosofia de Aristóteles e seu grande comentador,
Oriente do Estado de São Paulo, ocasião em que escreveu os seus
Avicenna. Em 1244 recebeu o hábito da Ordem de São Domingos. Os
excelentes livros. Pertenceu à Academia Paulista Maçônica de
frades dominicanos eram, para os moços da época, os mais avança-
Letras. Faleceu no dia 18 de setembro de 1989.
dos. Em Paris e em Nápoles eles se misturavam aos estudantes
(3) Anaximandro - Era natural de Mileto, onde ~asceu na segunda meta- leigos e davam-Ihes exemplo de amor aos estudos, à ciência, à
de doséc. VII a.C. e morreu noséc. VI a.C .. Eo segundo grande nome filosofia. Em 1526, Tomás de Aquino começa a lecionar teologia na
da história da filosofia grega. Foi discípulo de Tales. É de sua autoria Universidade de Paris, para desgosto do clero secular que opôs séria
um livro intitulado "Acerca da Natureza", do qual, alguns fragmentos resistência à presença daquele fradinho moderno em uma cátedra.
chegaram até nós. O que causa admiração é ele ter usado a prosa, Em 1259, está em Roma, lecionando na cúria papal. Em 1272, volta
quando só a poesia era utilizada. Chegou à conclusão de que as a Nápoles e vai lecionar teologia na Universidade. Dois anos depois,
coisas deviam originar-se de uma substância etérea, invisível, infini- ao dirigir-se a Lion, onde assistiria ao Concílio, a convite do Papa,
ta, que não se originava de nada. Para Anaximandro, esta coisa era faleceu no Mosteiro de Fossanuova, próximo a Terracina, na Itália.
algo material, mas não era nenhuma coisa determinada, e sim: uma Era o dia 7 de março ae 1274. As principais obras de Tomás de Aquino
coisa indefinida que ele batizou de "apeiron" .. Argumentaçao de são: Suma Teológica, Suma Contra os Gentios, O Ser e a Essência,
Anaximandro foi realmente extraordinária. Se o "apeiron" era incriado, A Verdade, A Trindade, Comentários a Boécio, Comentários a
é porque não se originara de nenhuma outra substância; se era Aristóteles.
imperecível, é porque não teria fim. Isto modificou toda a trajetória do
(6) Avicenna (Abu-Ali AI-Husain Ibu Abdullah Ibu Sina) - Filósofo e médico
pensamento grego no campo da divindad~, afastando-se compl.et~-
árabe que influiu decisivamente na difusão do pensamento de Aris-
mente da tradição mítica. Apesar de nao possuir uma tradiçào
tóteles. Nasceu em Bukhara, Pérsia Oriental, em 980. Estudou exaus-
filosófica atrás de si, Anaximandro apresentou um sistema tão
tivamente as filosofias platônica e aristotélica. Foi médico de alguns
completo, com aspectos quase geniais, que, em muitos pontos, não
príncipes persas e morreu em Hamadan, em 1037.
foi ultrapassado no período pré-socrático.
À sua fama de filósofo, acrescente-se sua fama como médico. No séc.
(4) Tales - Pouco sabemos de sua vida. Sua existência decorreu ~a se- XVIII, no Ocidente, suas obras sobre medicina ainda eram reimpressas.
gunda metade do séc. VII a.C. até as primeiras décad~s do ~e.c. V} Entre numerosos escritos, deixou uma obra filosófica em 21 volumes.
a.C .. Nasceu em Mileto. Seu pai era grego e sua mae tenteia. E Como todos os filósofos árabes, Avicenna parte do princípio de que
considerado o pai da física. Foi o primeiro filósofo de que se tem a filosofia é una e indivisível. Isto o levou a procurar conciliar as
notícia. Além de filósofo, foi geômetra, astrônomo e engenheiro doutrinas de Platão e Aristóteles e a afirmar a não-oposição entre a
militar. Para Tales a água era a origem de todas as coisas. Chegou filosofia e o dogma. Deus, para ele, além de ser o Ato Puro e o Motor
à conclusão de que a terra boiava sobre as águas. Ficou realmente Primeiro (como queria Aristóteles) representa o Ser necessário, cuja
famoso a partir da previsão que fez do eclipse que ocorreu no ano de essência se equipara à sua existência, constituindo a base de todas
585 a.C .. O eclipse foi visível na Jônia e a previsão de Tales foi tida as possibilidades. Avicenna procura conciliar a fé na providência com
como extraordinária porque, além de prever quando ele ocorreria, os dados filosóficos do Deus de Aristóteles, supondo uma relação
104 Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 105

necessária entre Deus e a criatura, como se o mundo fizesse parte da (10) Anaxágoras - Era jônio, natural de Clazômenas. Viveu de 499 a 429
natureza divina, o que não deixa de ser uma espécie de panteísmo. a.C .. Foi o primeiro grande filósofo grego a morar em Atenas.
Santo Tomás de Aquino tinha-lhe grande admiração. Estabeleceu que o princípio ordenador de todas as coisas não era
(7) Kant (Emanuel Kant) - O sistema filosófico de Emanuel Kant dominou o acaso, mas algo puro e simples, difundido em todos os seres.
inteiramente o pensamento do séc. XIX. Kant nasceu em Koenigsberg, Estabelecia assim diferenças entre as coisas que eram diferentes,
na Prússia, em 1724. Exceto durante algum tempo em que lecionou as que eram semelhantes e as que estavam misturadas. A explica-
numa aldeia próxima, professor de geografia e etnologia, nunca ção que ela dá sobre a multiplicidade da matéria dentro de sua
abandonou sua cidade natal. Em 1755 passou a trabalhar na Univer- unidade é a seguinte: a unidade existe, uma vez que os corpos são
sidade de Koenigsburg, como livre docente. Em 1781, despertou a formados por diminutas partículas, absoluta e totalmente iguais. O
Europa e o resto do mundo com a célebreCrítica da Razão Pura. Até que ocorre, é que essas partículas mínimas se combinam de modos
hoje, a filosofia crítica conserva-se dominadoramente na Europa. diferentes o que faz com que as coisas se revistam de aspectos
Para Kant não há possibilidade de afirmar, com inteira sinceridade, diferentes. A esses corpúsculos ele dá o nome de homeomerias.
que a Razão nos leva a compreender a idéia de Deus. Em A Crítica Essa teoria de Anaxágoras é de fundamental importância para toda
da Razão Prática, Kant continua apresentando uma filosofia que a filosofia que vem depois dele.
poderíamos chamar de revolucionária e de difícil entendimento. Kant (11) Críton - Um dos discípulos prediletos de Sócrates. Procurou evitar
faleceu em 1804. que o Mestre morresse, tentando tirá-Io de Atenas. Já no dia em que
(8) Russel (Bertrand Arthur William Russel) - Uma das maiores figuras Sócrates deveria beber o veneno, pediu-lhe que só o fizesse depois
da filosofia contemporânea. Nasceu na Inglaterra em 1872 e faleceu que o sol houvesse transposto a linha do horizonte. Nesse dia, ficou
em 1970. Depois de ter residido em Berlim, onde se dedicou ao o tempo todo ao lado de Sócrates. Foi a ele que o filósofo pediu para
estudo da democracia social, retornou à Inglaterra, dedicando-se ao que lhe tomasse conta dos filhos. Depois de ter ingerido o veneno,
estudo da filosofia e da matemática. Em 1950, foi-lhe concedido o Sócrates disse a Críton: "Devemos um galo a Esculápio, pois que a
Prêmio Nobel de Literatura. O que melhor caracteriza sua filosofia é morte é a cura de todos os males da vida; ofereça-se pois o
o seu sistema lógico, construído de acordo com o método matemá- tradicional galo ao deus da medicina. Dá-lho ... não se esqueças
tico, arrancando a Lógica de um marasmo secular. Sua obra principal disso". "Sim, respondeu Críton, mas vê se tens mais alguma coisa
é "História da Filosofia Ocidental". a dizer" ... Logo que Sócrates expirou, foi Críton quem lhe fechou a
(9) Sócrates - Nasceu em Atenas em 469 a.C .. Uma das maiores figuras boca e os olhos.
da filosofia grega. Nunca escreveu uma linha sequer. Sua filosofia (12) Feliz aquele que chegou a conhecer as causas das coisas e calcou
chegou até nós através de Platão e de Aristóteles. Sobretudo através aos pés todos os temores, e o inexorável destino, e a terrível luta do
de Platão. Sócrates fez do "conhece-te a ti mesmo", máxima inscrita inferno da ambição.
no frontispício do Templo de Delfos a viga mestra de seu pensamen-
to. Toda a sua filosofia se baseia naquela inscrição, não com a
simples significação de um simples conhecimento pessoal, mas de
um conhecimento que o levasse à própria essência do seu espírito.
Lançou mão da maiêutica e da ironia para confundir os sofistas e para
transmitir o que sabia. Acusado de faltar com o respeito aos deuses
e de corromper a juventude, foi condenado a morrer, bebendo cicuta,
o que aconteceu em 399 a.C .. Como já ficou dito, Sócrates não
escreveu uma só linha, mas a sua vida e, sobretudo, a sua morte são
o grande e eterno poema da filosofia do bem e da moral.
Análise da Constituição de Anderson 107

Tentativa de Interpretação
Filosófica dos Landmarqoes

Antes de tudo, é bom lembrar que, especialmente na


Maçonaria, a filosofia é altamente cogitativa: à razão fica o
encargo da livre interpretação. A interpretação é livre, mas há
de ser consciente. E não nos esqueçamos que a filosofia não
comporta os malfadados "achismos" tão em voga nos dias de
hoje, pois como bem assinala Hegel(1l, em sua excelente
"Lecciones sobre Ia historia de Ia filosofía" (México - DF -
1955), "La filosofía no contiene nunca opiniones; no existen
opiniones filosóficas".
Todos os processos utilizados pela Maçonaria para a forma-
ção de seus adeptos são de grande profundidade filosófica. Há
quem pense que isto não seja possível, devido aos métodos
usados pela Arte Real: Símbolos, alegorias, Ritos, normas e
tradições. Tal modo de pensar não é correto. Sê-Ia-ia, se a
instrumental idade usada pela Maçonaria se restringisse a
simples especulações, totalmente abstratas, de significação
meramente contemplativa. O que ocorre é exatamente o
contrário. É certo que se deve pesquisar a mais e mais a
verdadeira significação das alegorias maçônicas, porque nem
elas nem os Símbolos de que lança mão a Sublime Ordem
representam simples criações imaginárias para divertimento
dos que só sabem dizer "eu acho".
O Maçom tem um tríplice dever: estudar de onde vem, quem
é e para onde vai. Isto indica que ele deve dedicar-se ao estudo
de Deus, ao estudo de si mesmo e ao estudo das transforma-
108 Raimundo Rodrigues 109
Análise da Constituição de Anderson

ções futuras. Os ensinamentos maçônicos, sempre baseados na verda-


É tempo de nos lançarmos ao estudo sério da filosofia de de, buscam a VERDADE.
nossos Símbolos e alegorias, a fim de que a idéia-símbolo da Se compararmos a comunicação maçônica com os modos
Maçonaria não perca sua verdadeira significação. É preciso, de como é feita a comunicação no mundo profano, como são
uma vez por todas, acabar com a "metafísica" vesga que fica ministrados seus ensinamentos, verificaremos que a lingua-
procurando encontrar na Maçonaria aquilo que a Maçonaria gem profana é habilidosamente conduzida para os interesses
não comporta. individuais, usando um vocabulário habilmente manejado para
O simbolismo maçônico, entre outras metas, procura estu- distorcer o pensamento, procurando enganar os mais fracos,
dar, discutir e tirar conclusões sérias sobre a origem do explorar os incautos, num jogo constante de interesses excusos,
Universo e sobre a origem da humanidade, e sobre os fins a de luta pelo poder, de inveja, de traições, de vinganças e,
que ela se destina. Daí se infere que o estudo desse simbolis- sobretudo, de ganância. O que predomina normalmente nos
mo exige dois tipos de pesquisadores: o historiador e o filósofo. meios profanos é o "auri sacra fames" já tão enfatizado por
Nem a história nem a filosofia admitem subterfúgios. É por Virg ílio'".
isso que a Maçonaria, atendendo ao que lhe é intrinsecamente
afeto - os apelos dos segmentos históricos - está sempre
empenhada em saber o que realmente existe de verdade sobre O primeiro landmarque a merecer nosso estudo é aquele
suas origens, procurando exterminar os exageros, tão comuns que determina ser condição - sine qua non - para que alguém
aos "estoriadores". No campo filosófico, há de haver a mesma seja Iniciado a crença no Grande Arquiteto do Universo.
seriedade de estudos, com o cuidado de nunca se querer impor 'fi crença no Grande Arquiteto do Universo é um dos
dogmatismos ditatoriais ou de qualquer outra espécie. mais importantes landmarques da Ordem. A negação
dessa crença é impedimento absoluto e insuperável
para a Iniciação."
O estudo que se faz em cada Grau tem por mira um É assim que o 19º landmarque de Mackeyvem inserido nos
aprofundamento objetivo na exegese dos Símbolos e das Rituais das Obediências. É evidente que se "a crença no
alegorias, não se perdendo nunca de vista o teor filosófico que Grande Arquiteto do Universo" é obrigatória para que alguém
cada Símbolo ou cada alegoria encerram. Observe-se mais seja Iniciado em nossos augustos mistérios, isto significa que
que a Maçonaria se apega à ritualística dos Símbolos, das este landmarque não é um dos mais importantes, senão o
alegorias e dos Sinais como forma de transmissão de sua mais importante de todos.
sabedoria, e faz isso com rara perfeição. Lembremo-nos de De início, advertimos que a palavra "crença" não tem aquio
que os grandes ensinamentos ministrados à humanidade sentido que lhe emprestam as religiões. Neste caso, a palavra
nunca foram transmitidos em linguagem denotativa. Aí estão, crença não significa, de modo algum, "fé" estereotipada em
para endossar esta afirmativa, a Bíblia, as fábulas de Esopo'" bases dogmáticas.
e de Fedro'", e as parábolas de que Jesus lançava mão para
instruir seus discípulos.
110 Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 111

Quando a Maçonaria diz que Deus é o Grande Arquiteto do mas não pode chegar a uma conclusão exata e honesta de que
Universo, usa a fraseologia correta: ela afirma que Deus é o Deus é. Basta que nos compenetremos de que a capacidade
construtor do Universo. intelectual do homem jamais estará apta a contemplar direta-
O primeiro filósofo a apresentar uma idéia de Deus, que se mente a essência mesma de Deus. Deus é substância total-
pode qualificar de exata, foi Xenófanes(5)~ mente espiritual, não oferecendo aos sentidos humanos ne-
"Um só Deus, dentre deuses e homens o maior, nhuma base concreta sobre a qual a inteligência do homem
que não é semelhante aos mortais, logre captar alguma coisa sobre a essência divina. É aí que
de corpo, nem de espírito". entra a evolução do espírito filosófico, numa correlação contí-
Xenófanes viveu alguns séculos antes de Cristo, num nua da conceituação formadora da metafísica de Parrnênides'"
mundo tremendamente politeísta. capaz de refletir a realidade. A tentativa permanídea foi supe-
Hegel, no livro já anteriormente citado, diz dele: rada e aperfeiçoada por Platáo'" que, por sua vez, viu sua
"Por 10 que su filosofía se refieri, hay que decir que Jenófanes teoria superada e aperfeiçoada por Aristóteles. Por isso mes-
fué el primero que determinó Ia Essencia absoluta como 10 mo, Aristóteles, na sua Metafísica deságua num mar teológi-
UNO, lIamándolo también Dios. 'EI Todo es UNO y Dios ha co, que denominaríamos de "teoria de Deus". Apesar de achar
inculcado a todo; es imutable y carece de principio, media y que não é necessário demonstrar a existência de Deus, em
fin"'. Assim, para Xenófanes, Deus é a Essência exemplar das alguns de seus livros (Metafísica, Física, Psicologia) aduz
coisas realizadas neste mundo. verdadeiras provas da existência de Deus. Para ele, é ato puro,
Nada há de mais fascinante que a discussão em torno da é a causa primeira de tudo. Garcia Morente'" em seu livro
existência de Deus. Quando se afirma que alguma coisa existe "Fundamentos de Filosofia" (São Paulo, 1976), transcreve o
é porque se tem idéia desta coisa; mas não é bastante que se pensamento do Estagirita sobre Deus, nos seguintes termos:
tenha apenas idéia, importa que se tenha a percepção sensível "Mas qual é a atividade de Deus? A atividade de Deus não pode
correspondente à idéia. Ora, não se tem a percepção sensível consistir em outra coisa que em pensar, e não pode consistir
de Deus, daí porque não se pode afirmar a sua existência, mais que em pensar, porque imaginemos que Deus fizesse
baseado tão somente na idéia que d'Ele se faça. algo que não fosse pensar: pois este algo não poderia ser mais
Santo Tomás de Aquino diz que a razão pode chegar a Deus que mover-se, e ele é imóvel; não poderia ser mais que sentir
através da sabedoria metafísica. e Deus não pode sentir, porque sentir é uma imperfeição e
É evidente que podemos afirmar que Deus existe, que Deus Deus não tem imperfeições; também não pode desejar, pois
é. Mas é certo que nem tudo o que sabemos sobre Deus quem deseja é porque lhe falta algo, e a Deus não falta nada;
chegou ao nosso conhecimento por meio da razão natural. não pode apetecer nem querer, porque apetecer e querer
Muito do que sabemos sobre Ele chegou ao nosso conheci- supõe o pensamento de algo que não somos nem temos e que
mento através da revelação que nos foi passada pelo próprio queremos ser ou ter, mas Deus não pode notar que falta algo
Deus. no seu ser ou no seu ter. Tem tudo e é tudo. Por conseguinte,
Nossa razão, baseada em dados experimentais sensíveis, não pode querer, nem desejar, nem emocionar-se; não pode
pode, perfeitamente, chegar à conclusão de que Deus existe, mais que pensar. Deus é pensamento puro". E Garcia Morente
112 Raimundo Rodrigues

ajunta: "A teologia de Aristóteles termina com essas ressonân-


cias de puro intelectualismo em que Deus é chamado pensa-
! Análise da Constituição de Anderson

não seja "ausência de intermediação entre quem conhece e o


ser conhecido". Conhecimento imediato é aquele que nos
113

mento do pensamento, noesis noeseos". chega através da intuição, o conhecimento em que entre o
Para chegarmos a um filósofo mais próximo de nossos dias, sujeito cognoscente e a coisa conhecida não se interpõe o
vejamos a filosofia de Descartes'" sobre Deus. veículo de nenhum conceito geral, de nenhum processo de
Descartes afirma que entre os pensamentos claros e distin- prova ou de descoberta. Era o que afirmava Santo Anselmo
tos existe um que talvez seja o único que tem em si mesmo a quando dizia: "Esse Deus em que agora penso, penso-o como
garantia de que o objeto pensado existe fora do pensamento. um ser infinito, quer dizer, tão grande que não pode haver
Este pensamento único é o pensamento de Deus. Para Des- maior". E Santo Anselmo argumentava que esse ser por ele
cartes, a idéia de Deus é de tal monta que nela encontramos os pensado tem que existir necessariamente, acrescentando que
fundamentos que nos asseguram que Deus, além de ser o é evidente que estar alguma coisa na realidade e na idéia é
objeto central de nosso pensamento, existe realmente fora de mais do que estar somente na idéia.
nós. Santo Tomás de Aquino não aceita a argumentação de
O leitor já deve ter entendido que somos obrigado a utilizar- Santo Anselmo e procura mostrar que ela carece de prova, pois
nos de abalizadas correntes filosóficas, ainda (ao que nos Santo Anselmo imagina que o ser idéia e o ser existência são
parece) não vistas em estudos maçônicos, em contraposição iguais, de estrutura idêntica, isto é, quantidades que podem ser
a certas posturas meramente doutrinárias, sem amparo de somadas. Contudo, como somar quantidades heterogêneas?
nada, no mais das vezes axiomáticas, criadoras de obstáculos O argumento de Santo Anselmo pressupõe que a idéia de
sérios à busca da Verdade. Deus e Deus realmente existente são quantidades homogê-
neas, adicionáveis, o que é inaceitável. Ora, a hipótese primor-
dial de que todo ser é igual a todo ser, isto é, a hipótese da
Em filosofia, o estudo de Deus pela razão recebe o nome de univocidade do ser, segundo Santo Tomás, é falsa e leva ao
Teodicéia (do gr. Teos-Deus + dike-justiça). Através da defini- idealismo e ao panteísmo. Sabemos que a idéia é uma coisa e
ção nominal, diríamos que teodicéia significa justificação de outra, completamente diferente, a existência do objeto da idéia.
Deus. Todavia, o significado real da palavra é: o conjunto do
tratado de Deus.
O método da teodicéia é o racional, uma vez que se trata de
ARGUMENTOS SOBRE A EXISTÊNCIA DE DEUS
ciência cujo objeto ultrapassa a experiência sensível.
Porventura, seria possível chegarmos ao conhecimento 1. Argumento ontológico: a existência de Deus é evidente
imediato de Deus, partindo da idéia de Deus que temos dentro por si mesma. Tanto Santo Anselmo quanto Descartes susten-
de nós? tam que a existência de Deus é evidente a priori, pelo fato de
Em primeiro lugar, vejamos o que significa, em filosofia, o se compreender o significado da palavra Deus. Conforme já
termo imediato. Filosoficamente, esta palavra tem um sentido vimos, este argumento é falso, porque a intuição do ser
exato, denotativo. Não admite quaisquer interpretações que universal ou inteligível não representa a intuição de Deus, mas
I
114 Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 115

apenas a intuição do ser indeterminado. humana.


2. Argumento fideísta: a existência de Deus não pode ser 1. O consentimento universal: a idéia de um soberano
conhecida pela razão natural, mas tão somente pela fé. governante do Universo tem acompanhado o homem ao longo
3. Argumento agnóstico: os agnósticos propalam que a de sua história. Este consentimento universal é prova de que
existência de Deus não é passível de demonstração, uma vez o pensamento humano se estabelece em torno da existência
que tudo aquilo que transcende o plano dos sentidos é inaces- de Deus.
sível ao conhecimento humano. Por aí se vê que o agnosticismo 2. A existência da lei moral: a lei moral impõe ao homem
nega a razão e a fé. a obrigação de praticar o bem e evitar o mal. Essa lei de modo
algum poderia ter nascido do mundo físico, ela existe em nossa
ALGUMAS PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS
consciência e pressupõe uma causa preponderante. Essa
Há dois tipos de provas da existência de Deus: provas causa suprema de noção do dever e seu caráter absoluto só
metafísicas e provas morais. pode ser exercido por Deus.
Provas melafísicas: 1. A existência do mundo. 2. A existên- 3. O mérito e o demérito: todo ato conforme ou contra a lei
cia do movimento. 3. A existência da vida. 4. A existência da moral merece uma recompensa ou um castigo. A garantia
ordem do Universo. segura de uma sanção justa, adequada à moral, implica na
1. A existência do mundo: o mundo não existe por si existência de uma causa real e absoluta: Deus.
mesmo e não poderia ter-se originado do nada, só sendo 4. As aspirações da alma humana: existe algo dentro do
possível a sua existência pela ação de um criador incriado: homem que o leva a procurar um ser infinito, perfeito, absoluto,
Deus. por intermédio do qual chegue a realizar a satisfação total de
2. A existência do movimento: o movimento não é essen- suas inclinações para a verdade, para a beleza e para a
cial, mas acidental com relação à matéria. A existência do bondade. A causa e o objeto dessa aspiração do espírito
movimento prognostica a existência de um motor, princípio humano só pode ser Deus.
necessário a todo o movimento. Este motor é Deus.
3. A existência da vida: a existência da vida só pode ser
explicada pelo poder superior de criação, por um ser criador A NATUREZA DE DEUS
transcendente: Deus.
4. A existência da ordem do Universo: existe uma coorde- Só nos é permitido conhecer a natureza divina pela força da
nação harmoniosa e fascinante entre milhões e milhões de razão. Entretanto, só poderemos chegar a conhecê-Ia pelos
astros que povoam o Universo. A existência dessa ordem seus efeitos, e como os efeitos trazem sempre alguma seme-
perfeita prova a existência de um ordenador, de um ser lhança com a causa, podemos concluir que o nosso conheci-
infinitamente sábio e poderoso: Deus. mento da natureza divina é real. Todavia, temos que reconhe-
Provas morais: Analisaremos aquelas que julgamos mais cer que tal conhecimento é imperfeito, porque não nos será
importantes: 1. O consentimento universal. 2. A existência da nunca possível, devido ao Grau limitado de nossa inteligência,
lei moral. 3. O mérito e o demérito. 4. As aspirações da alma conhecer a natureza divina na plenitude de todos os seus
116 Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 117

atributos. do gavião e do rouxinol. Os próprios filósofos não desprezaram tal


Pouco valerá ao Maçom ou a qualquer outro homem tentar meio para entalhar na memória verdades que consideravam como
o estudo da maior de todas as ciências se, de antemão, não úteis. Só devem ser consideradas como de Esopo as Fábulas citadas
houver resolvido ingressar na senda do melhoramento espiri- por Aristófanes, Platão e Aristóteles. Segundo a lenda, foi atirado do
alto de uma montanha, acusado de ter roubado uma taça de ouro,
tual.
pertencente à baixela do Templo de Delfos.
Só aqueles que buscam aproximar-se de Deus podem (3) Tito Júlio Fedro (Titus lulius Phaedrus) nasceu na Trácia uns dez
compreender os mistérios divinos na medida exata de sua anos antes de Cristo, isto é, no 22º ano do Império de Augusto. Muito
capacidade, para receber a divina luz da verdade. jovem foi levado para Roma, onde se tornou escravo de Augusto que
Tudo está em Deus. Nada existe fora de Deus. Deus é! logo o libertou. Daí por diante passou a assinar-sePhaedrus Augusti
Libertus (Fedro, liberto de Augusto). Presume-se que tenha falecido
Se o Maçom deseja realmente conhecer a verdade, deve
em 69 da era cristã, aos 79 anos de idade. Fedro não só introduziu na
buscá-Ia e contemplá-Ia à luz do Grande Arquiteto do Universo,
literatura latina as fábulas de Esopo como também escreveu inúme-
construtor dos mundos, pedra angular da Maçonaria. ras fábulas novas, adaptadas à sociedade do seu tempo. É conside-
rado um dos grandes clássicos da língua latina.
(4) Virgílio - Poeta romano, autor do poema "Eneida", a grande epopéia
do povo romano. O poemase compôe de 12livros. Estilizada no verso
NOTAS heróico (hexâmetro), a "Eneida" celebra a história do Império Roma-
no, e louva César, como descendente de Enéias, figura central do
(1) George Wilhel Friedrich Hegel - Nasceu em Stuttgart em 1770. Foi poema. Alguns críticos querem que a "Eneida" seja um misto da
reitor da Universidade de Berlim. Faleceu em 1831, vítima da cólera- "lIíada" e da "Odisséia", de Homero. Nos seis primeiros livros se
morbo que então assolava a Europa. É ofilósofo da "Razão absoluta". contam as aventuras e viagens do herói; nos seis últimos se historiam
Para Hegel, o absoluto - que é sempre o ponto de partida - é a razão. os combates de Enéias na península itálica. O tema da "Eneida" não
Talvez a parte mais construtiva da obra de Hegel resida na sua é da inventiva de Virgílio. A tradição, que prende a origem de Roma
concepção, e aí ele acompanha Heráclito, do dinamismo universal, às lendas mitológicas, foram introduzidas na Itália nos fins do nono
no seu empenho em reafirmar que os processos da natureza obede- século antes de Cristo. Nasceu em Andes no ano 70 a.C. e morreu em
cem a uma sequência racional. Para ele, a Metafísica é falsa quando Brundísio no ano 19 a.C ..
foge ou desvirtua a realidade. Só é aceita se considera a realidade em (5) Xenófanes - Era natural de Cólofon, cidade jônica da Ásia Menor. Vi-
todos os seus elementos, em todos os seus aspectos, inclusive em veu no séc. VI a.C .. Segundo Platão (Sofista, 242-d), Xenófanes teria
suas contradições. Hegel pregava a tolerância quanto à religião e sido o fundador da Escola de Eléia. Criticou Homero e Hesíodo,
quanto às idéias políticas. acusando-os de terem criado toda a mítica dos deuses. Foi o primeiro
Obras: A Ciência da Lógica, Enciclopédia das Ciências Filosóficas, sábio a investir contra os deuses gregos, assinalando que esses
Fundamentos da Filosofia do Direito, Filosofia da História, História da deuses não passavam de fantasias, frutos da imaginação de poetas
Filosofia, etc.. e feitos à imagem de quem os concebia. Vários fragmentos de sua
(2) Esopo - Nasceu na frígia no sexto século antes de Cristo. Nos seus obra (Sobre a Natureza) chegaram até nós. Xenófanes é figura de
primeiros anos de vida foi escravo, segundo alguns em Samos, valor entre os pré-socráticos. \
segundo outros autores em Atenas. Não é o inventor da fábula, (6) Parmênides- Nasceu em Eléia, colônia grega, situada na Magna Gré-
poetas mais antigos dela lançaram mão miudadas vezes. Hesíodo, o cia. Segundo alguns autores, sua vida teria transcorrido entre 530 e
poeta autor de Teogonia, adereçou um de seus poemas com a fábula 444 a.C .. É considerado como um dos maiores filósofos da Grécia
118 Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 119

antiga. Influi decisivamente na filosofia de Platão e na de Aristóteles. pode inferir das magníficas aulas por ele ministradas na Universidade
É a maior figura da Escola de Eléia. A filosofia de Parmênides se de Tucumán (Argentina), em 1937 e reunidas em livro, publicado na
contrapõe à de Heráclito. Descobre o princlpio lógico do pen~amento Espanha, com o título de "Lecciones Preliminares de Filosofía",
e formula-o em termos definitivos: O SER E; o Não-Ser não E! Garcia traduzido para o português por Guilhermo de Ia Cruz Coronado com
Morente assinala que Parmênides imprimiu ao pensamento uma o título de "Fundamentos de Filosofia" e publicado pela Editora Mestre
direção que se mantém até hoje no mesmo rumo, apesar de transcor- Jou, de São Paulo, em 1964, que, em 1976, já estava na 5ª edição.
ridos vinte e cinco séculos. Vários fragmentos de sua obra chegaram (9) Descartes (René Descartes) - Nasceu em La Haye, na Touraine,
até nós. em 1596 e faleceu em Estocolmo em 1650. É, sem dúvida, um dos
(7) Platão - Nasceu em Atenas em 427 a.C.. Foi discípulo de Sócrates, maiores filósofos da França. Ao mudar o aspecto do método, através
a quem conheceu aos dezoito anos de idade, tendo-o acompanhado da obra "Discurso sobre o Método", provocou uma verdadeira revo-
durante dez anos, até 399, quando Sócrates morreu. Em 387, fundou lução filosófica. Isto porque para os filósofos da antiguidade e da
sua escola, nos jardins de Academus, época em que iniciou a Idade Média, o método se exercitava depois de obtida a intuição, ao
composição de suas obras. Estudando-se as principais obras de passo que, na Idade Moderna, a partir de Descartes, o método passa
Platão verifica-se que ele sofreu boa influência de Parmênides, como a exercitar-se antes de obter a intuição e como meio de se chegar a
de Sócrates. Sócrates é, pode-se dizer, o descobridor do conceito. ela.
Sabe-se, mais, que o interesse primeiro da filosofia socrática é a Descartes apresenta quatro postulados como regras básicas para
moral. Sócrates deseja que a moral possa ser aprendida e possa ser ( chegar à verdade, que ele estipula como sendo para ele mesmo:
ensinada, como se aprende e se ensina gramática. Platão, por sua 1. Não admitir como verdadeiro aquilo que ele não reconheça como
vez, abraça a idéia de conceito esposada por Sócrates. Só que ele tal (Regra de Evidência);
amplia a idéia de conceito. Para Platão essa idéia não se circunscre-
ve apenas à virtude, mas abarca tudo, todas as coisas em geral. 1 2. Qualquer problema que se apresente ao seu espírito, deve ser
resolvido de tal forma a não deixar nenhuma dúvida sobre sua
Neste caso, deve-se reconhecer que Platão junta a contribuição solução (Regra da Análise);
conceitual de Sócrates aos ensinamentos de Parmênides: une a idéia 3. Recompor as realidades discernidas pela análise;
do ser à idéia de conceito, estabelecendo assim a sua "teoria das 4. Fazer o trabalho de maneira completa, sem nada esquecer ou
idéias" que é o núcleo fundamental da sua filosofia. Na alegoria da omitir.
caverna Platão nada mais faz que estabelecer, de maneira notável,
diga-se de passagem, uma comparação entre o mundo sensível e o
mundo inteligível.
Platão presenteou a humanidade com um acervo de obras que se
constitui no mais seguro porto para os que desejam realmente viajar
pelo grande "mare nostrum" da filosofia grega. Chegaram até os
nossos dias 34 obras dele, das quais sete são consideradas apócrifas,
havendo quem afirme terem elas sido escritas por discípulos do
grande ateniense. Entre suas obras, destacamos: "República" "Fédon",
"Apologia de Sócrates", "Sofista", "Banquete", "Timeu", "Fedro",
"Mênon" e "As Leis". Platão faleceu em 347 ou 348 a.C ..
(8) Morente (Manuel Garcia Morente) - Notável filósofo espanhol. Nas-
ceu em 1886 e faleceu em 1942. Foi catedrático de Etica na
Universidade de Madrid. Excelente filósofo e professor, como se
Análise da Constituição de Anderson 121

o 182 Landmarque da
Classificação de Mackey

Nos livros de ensinança maçônica o landmarque 18 da


classificação de Mackey apresenta-se assim: "Por este
landmarque os candidatos à Iniciação devem ser isentos de
defeitos ou mutilações, livres de nascimento e maiores. Uma
mulher, um aleijado ou um escravo não podem ingressar na
Fraternidade" .
Se nos propomos a comentar os landmarques, não pode-
mos, mesmo sem tomar partido, deixar de tecer alguns comen-
tários, sobretudo onde as divergências aparecem com mais
frequência.
Muitos Irmãos, inclusive alguns escritores, argumentam
que uma regra de conduta só pode ser aceita como landmarque
pela antiguidade e pelo acatamento universal. Daí a razão por
que não concordam com os lindeiros que atribuem grandes
poderes ao Grão-Mestre, sob a alegação de que o Grão-
Mestrado passou a existir a partir de 1717, com a eleição de
Sayer. Outros não consideram a lenda do 3º Grau como
landmarque, alegando que até 1723 ela não havia sido
introduzida na Maçonaria.
A nós, baseado em preceito filosófico, assalta-nos uma
dúvida: Seria possível governar a Maçonaria Especulativa
com base em leis que governavam a Maçonaria Operativa?
Parece-nos que é impossível provar que a Maçonaria seja uma
"ciência" especulativa fundada em uma "arte" operativa. Maço-
naria Especulativa é filosofia ... Que respondam os doutos!
122

o 18º landmarque
Raimundo Rodrigues

de Mackey tem dado o que falar. Muita


tinta, muito papel e muita saliva já se gastou discutindo se a
I{ Análise da Constituição

mulheres.
de Anderson 123

No século passado, o filósofo Friedrich Nietzsche'", citado


mulher deve ou não ser aceita na Maçonaria. O landmarque em por Will Durante, em "História da Filosofia" (São Paulo, 1938),

I
estudo diz que não. Há os que defendem o landmarque e transudava veneno contra a mulher, diminuindo-a de todas as
existem os que lhe são visceralmente contra. formas possíveis, dizia ele:
Não. há como fugir da polêmica sobre a validade deste "A mulher foi feita duma costela do homem? - que espan-
landmarque. tosa é a pobreza das minhas costelas! Diz o homem. A mulher
Alguns Maçons alegam que ele entra em choque com as perdeu força e prestígio com a sua emancipação; onde
idéias sociais atualmente existentes no mundo, no que tange encontrará agora a posição que tinha notempo dos Bourbons? ...
à igualdade de direitos. Alegam que, perante a lei profana, 1 É perigoso experimentar a igualdade com uma mulher; ela não
todos são iguais: homens, mulheres, pretos, brancos, sãos, se contentará com isso; quererá a subordinação do homem.
aleijados.
Outros defendem a validade do landmarque, alegando que,
antes de tudo, ele é responsável pela segurança e pela ordem
interna e externa da Instituição. Chegam a argumentar que a
mulher e o aleijado não reúnem a mais mínima condição de
! Acima de tudo, a perfeição e a felicidade da mulher jaz na
maternidade. Tudo na mulher é enigma e tudo na mulher tem
resposta: criar filhos. O homem é para a mulher um meio; o fim
é sempre o filho. Mas que é a mulher para o homem? .. Um
brinquedo perigoso".
resistência para se opor aos perigos e salvar a Instituição em
1
(' Ainda bem que Nietzsche não foi Maçom ...
casos de extrema necessidade. No entanto, dizem os defensores da "mulher maçona", o
E há aqueles que são contra a entrada da mulher na Ordem
em razão de seus ciclos menstruais e gestatórios, apontando
influências na têmpera biológica da mulher, o que seria impe-
! mundo evoluiu no tempo e no espaço. Não há como negar.
Heráclito'" já dizia que as coisas, no mundo, estão em constan-
te mutação: ... "Nunca nos banhamos duas vezes no mesmo
dimento para a boa prestação de serviços ao labor maçônico. rio". G. W. F. Hegel, em uma de suas obras, já assinalava que
'Tot caput, tot sensus", já diziam os latinos muitos séculos o progresso humano é um progresso natural, no qual tudo se
antes de Cristo. prende e se efetua segundo leis imutáveis, como o desenvol-
O que não acreditamos é que haja alguém capaz de vimento dos próprios seres naturais.
argumentar que a mulher é frágil, de poucas reservas físicas, Estamos, como é do nosso dever, apresentando o fato e
ou um ser incapaz de guardar segredo. Aí, não estaríamos comentando-o sem nos posicionarmos a favor ou contra.
diante de uma argumentação, e sim, de uma grosseria. Pensamos até que este estudo atinge um dos ramos da
Se retrocedermos um pouco no tempo, iremos verificar que filosofia: a Ética. Embora, quer-nos parecer, não seja a ética
durante muitos séculos imperou no mundo ateoria patriarcal, fonte do Direito. É fora de dúvida, porém, que uma concepção
baseada na autoridade blblica'", ética geral está na base do Direito. A essa concepção deve o
Talvez, por isso, a Igreja, até hoje, não admite sacerdotisas. Direito o nome que tem.
A mulher não tem acesso ao sacramento da Ordem. Até há O mundo mudou? Seria possível fazer-se alguma modifica-
bem poucos anos as Academias de Letras não admitiam ção nos lindeiros que nos governam? Já os romanos diziam:
124 Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 125

"Non semper ea sunt quae videntur"(4) que já há muitos anos existem espalhadas pelo mundo. Essas
Varo li, logo no início de um dos seus excelentes livros { Lojas imitam as Iniciações e as práticas destinadas a Maçons
varões. Não se confundem, pois, com as Lojas de adoção, pois

i
adverte: "O respeito aos lindeiros é rigoroso, pois eles são
imutáveis e não podem ser alterados, a não ser porconsenso são verdadeiras Lojas masculinas compostas de elementos
unânime e universal". femininos".
O mesmo Varoli, no seu "Curso de Maçonaria Simbólica -
I Tomo" (São Paulo, s/d) escreve:
"111- Os candidatos à Maçonaria devem ser livres e de
bons costumes, capazes de direito e de assumir obrigações
1 NOTAS
(devem ser maiores de idade e responsáveis): devem ser
isentos de defeitos físicos que os impossibilitem de se dedicar
às práticas maçônicas; devem ser do sexo masculino". "Nota-
i I
(1) GÊNESIS 111-16- E à mulher disse: multiplicarei sobremodo os sofri-
mentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu
desejo será para o teu marido e ele te governará. (O grifo é nosso).
Essas regras derivam dos antigos Pedreiros-Livres. Quanto ao In Bíblia Sagrada, trad. de João Ferreira de Almeida.
fato de a Maçonaria não admitir mulheres a regra não se funda (2) Friedrich Nietzsche - Nasceu em Rocken, na Prússia, em 1844 e fa-
em preconceito. Muito ao contrário. Como revela a Enciclopé- leceu em 1900. Nietzsche escrevia muito bem, tinha um estilo
dia de Mackey, houve mulheres ilustres Iniciadas na Maçona- originalíssimo. Ele mesmo chegou a dizer que "o mundo dirá algum
dia que Heine e eu somos os maiores artistas que ainda escreveram
ria. Além disso, a Maçonaria Universal admite a chamada { em alemão, e que deixamos o melhor que qualquer alemão possa
Maçonaria de Adoção, também secreta, mas com Iniciações fazer a uma enorme distância atrás". Gabava-se do próprio estilo:
adequadas a pessoas do sexo feminino ... Essas Lojas não f "Meu estilo dança; cada sentença é um dardo; a linguagem é ágil,
floresceram e muitas delas desapareceram, principalmente
nos países de maior aceitação da religião católico-romana. É
( vigorosa, nervosa". Sua obra mais conhecida é "Assim Falava
Zarathustra" (1883). Existe na filosofia de Nietzsche, uma diretriz
de se observar, porém, que a doutrina das Lojas de adoção se sistemática, uma orientação uniforme, a qual tem servido de inspira-
destinava a preparar a mulher para se tornar realmente livre e
responsável, como tinha de ser amaçona, isto é, a mulher ca-
j ção ou de justificação a comportamentos de muitas pessoas.
(3) Heráclito - Nasceu em Éfeso, cidade da Ásia Menor no séc. VI a.C..
É filósofo de renome; chegou a antecipar vários e muitos temas da
pacitada a partici par da Maçonaria. Por aí se verifica a constan- filosofia contemporânea. Os fragmentos que dele se conhecem,
te pela qual a Sublime Instituição sempre se avançou na pertencem à sua obra cujo título é o mesmo de obras de outros pré-
evolução da humanidade. De fato, a Maçonaria foi a primeira
das instituições a pugnar pela libertação da mulher. Legislado-
1 socráticos: "Acerca da Natureza".
Pelo lado da crítica, Heráclito segue a mesma estrada palmilhada por
Xenófanes. Criticou os grandes poetas Homero e Hesíodo, afirmando
res Maçons instituíram o voto político feminino, a liberdade
que eles não tinham o saber, não eram donos do conhecimento. Abriu
profissional, o direito a cargos públicos e de governo, tudo em polêmica também contra Pitágoras, Xenófanes e Hecateu:
condições de igualdade com os homens. Impende apontar, "O fato de saber muitas coisas não dá compreensão.
agora, os motivos pelos quais a Maçonaria Universal ainda Se assim fosse teria dado compreensão a Hesíodo, a
conserva o "Iandmark" ora comentado e persiste em não Pitágoras, assim como a Xenófanes e a Hecateu".

reconhecer as "Lojas mistas" e as "Lojas femininas" irregulares A maior contribuição de Heráclito à filosofia é, sem dúvida alguma, a
126
Raimundo Rodrigues \ I
Análise da Constituição de Anderson 127

afirmativa de que no Universo tudo está em contí nuo movimento, em


eterna mudança:
"Para as almas, a morte é converter-se em água;
para a água a morte é converter-se em terra;
porém, da terra provém a água, e da água provém a alma".
O que se deduz deste fragmento é que uma mudança contínua,
o Sigilo
implica em destruições e reconstruções sucessivas. A mesma idéia
do passar constante vamos encontrar nos fragmentos 12 e 91 :
"São diferentes as águas que cobrem aos que entram no mesmo
o vigésimo terceiro landmarque de Mackey "prescreve a
rio". conservação secreta dos conhecimentos havidos por Inicia-
ção, tanto dos métodos de trabalho, como de suas lendas e
"É impossível banhar-se alguém duas vezes no mesmo rio".
Estudando-se a filosofia heraclitiana chega-se à conclusão de que,
embora as coisas existentes estejam em luta constante, tudo conti-
\ tradições, que só podem ser comunicados a outros Irmãos",
José Castellani, na primeira parte deste livro, com a compe-
nuará em perfeita e completa harmonia, porque o LOGOS assegura
tência que todos lhe reconhecemos, afirma: "A necessidade do
essa harmonia e atua para que não se perca a unidade entre tudo o

I
sigilo maçônico, pelo menos no que toca aos procedimentos
que existe.
(4) Nem sempre as coisas são como parecem.
que poderiam permitir que um profano tivesse acesso a uma
reunião maçônica, é um landmarque respeitável, porque existe
desde tempos imemoriais e é aceito mundialmente, sem con-
testações, embora, muitas vezes, com transgressões",

j Em todos os tempos e em todos os lugares sempre vigorou


a lei do segredo.
Na escola pitagórica, vigorava a lei do silêncio para os
noviços (akoustikoi) e a lei do sigilo para todos os seus
~ membros. Pitáqoras'" exigia um voto de silêncio acerca de
f suas doutrinas, proibindo a divulgação do que ele ensinava.
Entre o povo, corre solto o velho adágio: "O silêncio é de
( ouro, o falar é de prata".
J .
(
(' Talvez baseado nesse velho refrão, o poeta exclama:
(, Sabedoria profunda
A do provérbio que fala:
I

Se quiseres ser feliz,


Ouve, vê, aprende e cala
A presente obra representa um estudo crítico próprio dos
autores, do ponto de vista histórico-filosófico, da legislação
maçônica tradicional, embora com dados históricos hauridos
128 Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 129

de diversas fontes. Para que possam, outros buscadores, FAY, M. B. - La Franc-Maçonnerie et Ia Révolution Intellectuelle
aprofundar seus estudos, em relação ao tema, são relaciona- du XVllle. Siecle - Paris - 1935.
das, a seguir, diversas obras - nem todas usadas, necessari- FINDEL, J. G. - Histoire de Ia Franc-Maçonnerie (tradução
amente, neste estudo - que o abordam, direta, ou indiretamen- francesa em dois volumes) - Paris - 1866.
te: GORMAN, P. - Pitágoras, uma vida (tradução do original in-
ADORNO, F. - Sócrates (tradução do original italiano) - Lisboa- glês) - São Paulo - 1979.
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AFTER THE THIRD DEGREE (Notes for a Master Mason)- Mexico DF - 1955.
edição de The Provincial Grand Lodge of Northemptonshire JONES, B. E. - The Freemason's Guide and Compendium _
and Huntingdonshire - Londres - 1990. Londres .. 1950.

!
ARISTÓTELES - A Ética (tradução do original grego) - Rio - KNOOP, D. e JONES, G. P. - The Genesis of Freemasonry-
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Lodge Nº 2076 - Londres - diversos números, de 1968 a I.' MELLOR, A. - La Charte Inconnue de Ia Franc-Maçonnerie
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BOUCHER, J. La Symbolique Maçonnique - Paris - 1985. MASONIC SQUARE MAGAZINE-diversos números-Shep-
BRUN, J. - Socrate - Paris - 1960. perton - Middlesex.
CASTELLANI, J. - A Maçonaria Moderna - São Paulo -1986 MORENTE, M. G. - Fundamentos de Filosofia (tradução do ori-
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CHATELET, F. - Platão (tradução do original francês) - Por- NEWTON, J. F. - The Builders : a Story and Study of Masonry-
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1981. PRADE, P. - O Ingresso da Mulher na Ordem Maçônica - São
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DYER, C. - Symbolism in Craft Freemasonry - Londres -1976. edição fac-similar em 1986).

1
130
Raimundo Rodrigues ) Análise da Constituição de Anderson 131

PRESTONIAN LECTURES - edição de 1969 - Londres.


RUSSELL, B. - História da Filosofia Ocidental, livro I (tradução
do original inglês) - São Paulo - 1976.
SANDBACH, R. - Understanding the Royal Arch - Londres-
l o sentido exato da meta e dos propósitos da Arte Real.
Outra finalidade é aquela de impedir a enxertia de crendices,
de normas litúrgicas religiosas; impedir a deturpação de suas
lendas e tradições.
1992. O landmarque do sigilo nos sugere também métodos de
STEVENSON, D. - The Origins of Freemasonry - Cambridge- trabalho na conceituação filosófica da Maçonaria, evitando
1988. divagações fantasiosas, sem, contudo, tolher a liberdade men-
VAROU FILHO, T. - Curso de Maçonaria Simbólica -I Tomo tal do Maçam na exegese da pragmática maçônica.
(Aprendiz) - São Paulo - 1974. Finalmente, este landmarque nos lembra os grandes com-
11Tomo (Companheiro) - São Paulo -1976. promissos que assumimos, quando da Iniciação, com nós
VERNEAUX, R. - Textos de Ias Grandes Filosofos - Barcelo- mesmos e com a Maçonaria, o que vale dizer, com a humani-
na-1982. dade.
WOLFF, F. - Sócrates (tradução do original inglês) - São Pau-
10-1987.
Sabe-se, com absoluta certeza, que entre os Maçons medi-
evais o sigilo era norma sujeita a juramento sobre o livro NOTAS
sagrado. Sempre existiu a proibição taxativa de revelar aos
{1} Pitágoras - Nasceu na Ilha de Samos, colônia grega, no mar Egeu.
estranhos Sinais, Toques, Palavras e tudo o que fosse neces-
Supõe-se que Pitágoras tenha nascido na primeira metade do séc. VI
sário para afastar os curiosos. Nossa Ordem não pode sofrer a.C. e tenha vivido até o início do séc. V a.C .. Esteve no Egito, na
a ingerência da curiosidade do profano. A nossa ritualística Babilônia e na Pérsia. Quando retornou a Samos, após trinta e quatro
possui uma série de fenômenos metapsíquicos que devem anos de ausência, possuíajá um notável cabedal de conhecimentos
ficar a salvo da curiosidade de quem não foi Iniciado. O mesmo pois, quer no Templo de ísis, em Mênfis, quer no Templo de Bel, na
acontece com nossa simbologia que está sempre de mistura Babilônia, desvendara os grandes segredos que escondiam o passa-
do das religiões, e muito aprendera sobre a história dos continentes
na ritualística de qualquer dos Ritos adotados pelas Lojas.
e das raças que os povoavam. Acredita-se que tenha sido discípulo
Não é difícil para o Maçom obedecer ao landmarque do de Tales e de Anaximandro.
sigilo, porque a filosofia maçônica nos confere força suficiente De Samos, Pitágoras transferiu-se para Crotona, cidade situada na
para que possamos cumprir nossas promessas e juramen~os. Itália meridional, que na época era denominada de Magna Grécia.
Essa mesma filosofia nos faz ver que devemos ser orqaruza- Logo que chegou conseguiu captar a simpatia dos habitantes de
Crotona e, assim, fundou a sua confraria de Iniciados, chamada
dos, respeitosos à hierarquia e aos regulamentos, munidos de
Irmandade Pitagórica, movimento religioso, científico e moralista.
uma disciplina verdadeiramente consciente. A instituição pitagórica guardava o mais absoluto silêncio sobre tudo
Filosoficamente se entende que o sigilo maçônico não o que ali era ensinado. Era, sem dúvida alguma, uma sociedade
significa apenas esconder alguma coisa de alguém, mas tem secreta.
várias outras finalidades como, por exemplo, utilizar aquilo que O que há de mais extraordinário no pensamento pitagórico é a
se aprendeu através de sigilosa busca, tendo em mira alcançar concepção sobre o dualismo essencial entre o limitado e o ilimitado
132 Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 133

e a equação de coisas e números.


Não há dúvida de que Pitágoras descobriu, provavelmente ao medir
em um monocórdio os comprimentos da corda, que os principais
intervalos musicais são expressos em proporções numéricas sim-
ples, entre os quatro primeiros números inteiros. Foi daí que os
pitagóricos passaram a considerar que a soma dos quatro primeiros
fi LC2nda do TC2rcC2iroGrau
números, a década, tinha importância decisiva. Alguns autores
chegam a afirmar que os pitagóricos juravam sobre ela. A década era
apresentada por dez pontos, de tal forma dispostos, que compunham Os Rituais maçônicos e os livros de ensinança assinalam
um triângulo equilátero.
que a "lenda do terceiro grau é um landmarque importante, cuja
No campo numerológico, é grande a influência dos pitagóricos na
Maçonaria.
integridade tem sido respeitada. Nenhum Rito existe na Maço-
naria, em qualquer país ou em qualquer idioma, em que não
sejam expostos os elementos essenciais dessa lenda. As
fórmulas escritas podem variar e, na verdade, variam; porém a
lenda de construtor do Templo constitui a essência e a identi-
dade da Maçonaria. Qualquer Rito que a excluísse a alterasse
materialmente cessaria, por isso, de ser um Rito maçônico".
Estamos diante de um tema velho como a Sé de Braga. O
homem se valeu de lendas em todos os estágios da civilização
para explicar ou tentar explicar fenômenos para os quais ele
não encontrava resposta para suas perguntas.
A primeira lenda para explicar a criação do Universo surgiu
na antiga Babilônia, é a célebre narrativa intitulada Marduc e
Tiamat. É a lenda do mito cosmogônico. Marduc, divindade
famosa, enfrenta um monstro marinho, também divindade
poderosa, e consegue derrotá-Io, depois de longa e terrível
batalha. Morto o adversário, Marduc corta-lhe o corpo em duas
partes: de uma delas faz o céu e tudo o que lá existe e, da outra,
faz a terra.
Note-se que este mito é chamado de cosmogônico porque
há duas divindades antagônicas que travam combate entre si
e, a partir desse combate, o mundo passa a existir.
Para entender as razões e as causas que engendravam os
mitos, é preciso que nos posicionemos na época em que as
\ sociedades que os imaginaram existiram. Só assim chegare-

J
134 Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 135

mos a entender por que o mito cosmogônico e os outros mitos coisa que o homem sabe que vai acontecer, mais cedo ou mais
todos eram considerados como narrativas reais e legítimas. tarde. Daí a razão por que o Rito de conotação fúnebre lembra
As sociedades arcaicas surpreendem-nos, muitas vezes, ao Maçom que ele está aqui em rapidíssima passagem e que
com suas histórias, com suas explicações, com sua exuberan- precisa buscar todos os modos e meios de se aperfeiçoar
te imaginação. O mito, não se pode negar, tem sua beleza e sua intelectual, moral e espiritualmente. Ele tem que construir o seu
significação. templo de virtude e cavar masmorras e nelas sepultar todos os
Os mistérios de Osíris formavam o Grau supremo da Inici- seus defeitos, todos os seus vícios. Portanto, o Rito de conotação
ação entre os egípcios. Aliás a Iniciação era conhecida com o fúnebre é uma exortação à prática das virtudes a que está
nome de Mistérios de lsis e Osíris. Todos conhecem a lenda obrigado o Maçom.
que conta como Tífon conseguiu matar seu irmão Osíris, rei do Falou-se em virtude, falou-se em moral. Aí a mítica desapa-
Egito. A lenda tem algumas variantes. Uma delas nos conta rece.
que Osíris perdeu a vida dentro de um esquife funerário que foi 1 Só se pode dar valor à metafísica até ao ponto em que ela
devidamente lacrado e atirado ao Nilo. contribua para esclarecer o que é virtude.
O mundo está cheio de lendas e se quiséssemos narrá-Ias Neste ponto, temos que pensar no mérito e no demérito.
e comentá-Ias todas, teríamos que escrever alentado volume. A figura de Hiram, altivo, preferindo morrer a revelar o seu
Como o nosso mister aqui é comentar a lenda do terceiro
Grau, resolvemos apontar essas duas antiquíssimas lendas
\ segredo, nos obriga a pensar em outra altiva figura do mundo
da filosofia. Diante de nossos olhos surge a figura de Sócrates.
porque, diante delas e pensando na lenda de Hiram, os leitores Por pregar a moral e instruir os moços sofre uma acusação
já têm matéria suficiente para verificar que a morte do Mestre movida pela mentira e pela inveja; conserva-se altivo diante de
não é uma lenda sem pé nem cabeça como querem alguns um julgamento iníquo; conserva a serenidade diante da morte.
"estoriadores" das coisas da Maçonaria. Hiram Abi consubstancia com sua atitude diante dos compa-
A lenda do 3º Grau é mítica, mas nem por isso deixa de ser nheiros todas as virtudes demonstradas por Sócrates. Não se
filosófica. Não se pode negar que ela é a reconstituição de um pode negar que a lenda do terceiro Grau é o traço de união que
fato mítico, mas, apesar de tudo, tem um alto significado liga nossa Ordem aos Antigos Mistérios. Interpretada no plano
simbólico. moral, é uma alegoria; entretanto, ela é um símbolo, se vista
O mito, na maioria das vezes, reflete não só o poder através do prisma iniciático.
extraordinário da imaginação humana, como também pode Hiram se nega a revelar a palavra de Mestre ao Compa-
refletir e apontar experiências milenárias ou fazer revelações nhelro'" que o aguardava na porta do sul, dizendo-lhe que não
até então desconhecidas. . seria daquele modo que iria consegui-Ia. Tivesse paciência e
É necessário salientar que a lenda do 3º Grau não é, como a receberia no devido tempo. Como resposta recebe o golpe
querem alguns afoitos nefelibatas, apenas uma homenagem dado com uma régua que o atinge na altura da garganta.
fúnebre.
O Rito de conotação fúnebre tem um alto significado refle-
xivo. A morte é a única realidade na vida do homem. É a única
i
l
(
O instrumento, símbolo da precisão, manejado pelo "bra-
ço" da ignorância, atinge o local por onde saem os sons
formadores da voz, apanágio exclusivo do homem.
Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 137
136

Paz e Amor tem sofrido, através dos séculos, golpes terríveis.


Atordoado, dirige-se o Mestre para a porta do Ocidente. Ali
Normalmente, a recusa é o modo de existência que o homem
o espera o segundo Companheiro. O mesmo pedido, a .
adota. A desconfiança leva o indivíduo a duvidar sempre de seu
mesma resposta e Hiram é atingido por golpe desferido com
semelhante. A ambição, "a sagrada sede do ouro", conduz o
um Esquadro que lhe atinge o peito esquerdo, em cima do
homem a caminhos perigosos, a veredas que levam à corrupção
coração.
e ao crime. Por isso, a pobre alma humana está sempre ávida
O instrumento, Símbolo da retidão, manejado pelo "braço"
de um retorno ao estado de Paz, onde o amor possa reinar,
do medo, atinge o local sede do amor, o mais sublime de todos
estabelecendo um traço de união não só entre os homens, mas
os sentimentos.
também entre as nações. Só a Maçonaria pode estabelecer
Na porta do Oriente, a mesma cena se repete. O pedido do
esta ponte entre os povos. Só ela é verdadeiramente universal.
terceiro Companheiro não é atendido e o Mestre recebe, na
cabeça, um golpe aplicado com o Malho.
O instrumento, Símbolo da vontade, manejado pelo "braço"
ca ambição, atinge o local onde se aloja a inteligência, NOTA
substância imaterial que torna o homem superior a todos os
outros seres que habitam o universo. (1) Companheiro - Causa-nos espécie que os nomes dos três maus
Hiram é agredido, Hiram sofre, Hiram enfrenta a morte, mas Companheiros apareçam como sendo Jubelas, Jubelos, Jubelum. O
nome de cada um deles, quer-nos parecer, obedece à declinação
Hiram não revela o segredo que era obrigado a guardar. É o
latina dos adjetivos triformes, que têm, no nominativo singular, a
exemplo cristalino de como o Maçam deve guardar, custe o que terminação US, para o masculino, a, para o feminino e um, para o
custar, os segredos que a Ordem lhe confiou. neutro. Ora, Jubelas é o acusativo plural feminino e Jubelos o
Uma das figuras importantes da lenda é a morte. E aí está acusativo plural masculino. Levando-se em conta que os nomes
um tema que tem provocado dissertações religiosas, poéticas, próprios, fora das orações, se apresentam sempre no nominativo
dramáticas. No entanto, a abundante literatura sobre a morte singular, o certo seria Jubelus, Jubela, Jubelum. O masculino'
corresponderia à ignorância, o feminino, ao medo e o neutro, à
não consegue mascarar o objetivo principal: a associação da
ambição. Além do mais evitar-se-iam os erros que por aí se cometem,
morte ao sentido do medo. Normalmente, diante da morte o ser pois não é raro encontrarem-se outras terminações que nada têm a
humano se apavora. É a dúvida do que virá depois. ver com o latim.
Hiram não se apavora. Hiram não se assusta diante da Existe em latim o nome próprio Jubellius, que pode ser encontrado em
morte. Era preferível morrer, a ter que acovardar-se e deixar de qualquer bom dicionário do idioma do Lácio.
cumprir o seu juramento. Há um ideal que precisa ser alcança-
do... Por que ter medo? Por que chorar? Assim como o
conhecimento do Amor leva ao conhecimento do Belo, o
conhecimento dos princípios fundamentais que regem a Arte
Real nos levará à determinação do cumprimento do dever,
mesmo que tenhamos de enfrentar a própria morte.
A lenda de Hiram nos induz, ainda, a acreditar que o ideal de
Análise da Constituição de Anderson 139

Sem Loja não existe


Maçonaria

o que se lê nas ordenações das Obediências é o seguinte:


"A necessidade de se congregarem os Maçons em Loja é outro
landmarque. Os landmarques da Ordem sempre prescreve-
ram que os Maçons deveriam congregar-se com o fim de se
entregarem a tarefas operativas e que a essas reuniões fosse
dado o nome de "Loja". Antigamente eram essas reuniões
extemporâneas, convocadas para assuntos especiais e logo
dissolvidas, separando-se os Irmãos para, de novo, se reuni-
rem em outros pontos e em outras épocas, conforme as
necessidades e as circunstâncias exigissem. Cartas
Constitutivas, Regulamentos Internos, Lojas e Oficinas perma-
nentes e contribuições anuais são inovações puramente mo-
dernas, de um período relativamente recente".
O meio de que a Maçonaria dispõe para alcançar os seus
objetivos é a Loja.
Sem Loja não existe Maçonaria.
É através das "Reuniões de Maçons" que a Maçonaria
busca realizar os objetivos que a levem aos seus altos destinos.
Daí a grande responsabilidade que repousa sobre os om-
bros de qualquer Loja, pertença a que Obediência pertencer,
trabalhe neste ou naquele Rito.
Se uma Loja não funciona adequadamente, se ali reina a
discórdia, a vaidade, a ganância, a inveja, a grande prejudicada
é a Ordem. É certo que onde está o homem, está o erro; onde
está o homem, está o vício. Entretanto, é oportuno lembrar que
140 Raimundo Rodrigues
Análise da Constituição de Anderson 141

a Arte Real propicia aos seus adeptos os meios e os modos


ético-filosóficos para que cada um busque o seu próprio
aperfeiçoamento.
É necessário ter-se sempre presente que, se a Loja repre-
senta o macrocosmo, representa também o microcosmo, ra-
o Triângulo Dirigente
zão por que o comportamento de seus membros há de ser
harmônico, sempre voltado para um só e mesmo ideal: "Com- "O governo da Fraternidade, quando congregado em Loja,
bater a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros, por um Venerável e dois Vigilantes, é também um landmarque.
glorificar o Direito, a Justiça e a Verdade. Para promover o Qualquer reunião de Maçons, congregados sobre qualquer
bem-estar da Pátria e da humanidade" ... outra direção, como, por exemplo, um presidente e dois vice-
A vida social maçônica repousa em um substrato determina- presidentes, não seria reconhecida como Loja. A presença de
do. Apesar de que a quantidade de Irmãos pertencentes a uma um Venerável e dois Vigilantes é tão essencial que, no dia da
Oficina e, sobretudo, o percentual de frequência às reuniões congregação, é considerada como uma Carta .Constitutiva."
podem modificar o substrato social da Loja. Dar se infere que o Venerável, o 1º e o 2º Vigilantes são os
Por outro lado, a constituição da Loja, com maior ou menor autênticos "donos do poder", representantes legítimos do Grão-
número de Irmãos, as diferenças culturais, as diferenças Mestre, sob cuja jurisdição a Loja deva obediência.
ideológicas e religiosas, as diferenças de temperamento fazem A Loja é uma pequena parcela, a versão microscópica da
da Loja um cadinho onde se prepara uma verdadeira escola de Maçonaria, daí por que não se pode confundir ou comparar os
harmonia social. que a governam com aqueles que governam uma associação
E é isso que a Maçonaria deseja para toda a humanidade. profana, seja ela qual for.
Que os homens se esqueçam das diferenças de cor e de raça, Entende-se que para ser Venerável de uma Loja, o Mestre
das diferenças econômico-sociais, das diferenças religiosas, Maçom subiu os degraus do conhecimento maçônico, estu-
das diferenças culturais e passem a conviver fraternalmente. dando, pesquisando e aprendendo a decifrar os significados
É esta a grande ambição da Maçonaria, que deve concreti- filosóficos dos Símbolos e das alegorias.
zar-se a partir das "Reuniões dos Maçons". O Venerável e os Vigilantes estão comprometidos com os
postulados da confraternização universal, o que não ocorre
com os dirigentes de associações profanas.
Para se aquilatar da responsabilidade que pesa sobre os
ombros do Triângulo Dirigente de uma Oficina, basta que se
I procure verificar o significado das jóias com que estão reves-
tidos.
O Venerável Mestre traz como jóia o Esquadro, Símbolo
representativo da justiça, da equidade e da retidão de caráter.
Aliás, o Esquadro, como jóia do Venerável, remonta, segundo
142 Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 143

Varo li, à época dos antigos pedreiros-livres.


º
O Nível, Símbolo da igualdade, é a jóia do 1 Vigilante,
enquanto que a do 2º Vigilante é o Prumo, Símbolo da impar-
cialidade.
Se nos ativermos ao significado filosófico-simbólico dessas
Conclusão
três jóias, chegaremos à conclusão de que uma Loja maçônica
é o verdadeiro modelo de democracia.
Mas, o que é democracia? 1. A Maçonaria é fundamental e estruturalmente filosófica,
Aristóteles (em A Política, Liv. VI, capo 4, §2) diz que "A daí a razão por que se pode estabelecer princípios filosóficos
primeira espécie de democracia é aquela que tem a igualdade bem claros para a divisão da Maçonaria simbólica em três
por fundamento. Nos termos da lei que regula essa democra- etapas distintas, mas que se entrelaçam e se completam de
cia, a igualdade significa que os ricos e os pobres não têm modo bem objetivo.
privilégios políticos, que tanto uns como outros não são sobe- Esses três Graus simbólicos perpetuam um harmonioso
ranos de um modo exclusivo, e sim que todos o são exatamente movimento, consubstanciado na manifestação força-trabalho-
na mesma proporção. Se é verdade, como muitos imaginam, planejamento, as três etapas indicadoras da formação do
que a liberdade e a igualdade constituem essencialmente a Maçom; etapa da Pedra Bruta, à da Pedra Polida e aquela da
democracia, elas, no entanto, só podem aí encontrar-se em Prancheta.
toda a sua pureza, enquanto gozarem os cidadãos da mais Em cada uma dessas etapas não é difícil estabelecer os
perfeita igualdade política". vários ramos filosóficos que marcam a estrutura de cada uma
Se analisarmos a idéia contida nessas palavras do Estagirita, delas.
veremos que elas se ajustam perfeitamente à comunidade 2. O mesmo não se pode dizer dos landmarques. Poucos
maçônica, quando em Loja. Nelas estão os princípios funda- são os que se apóiam em alicerce filosófico. Vários deles nada
mentais que nos regem e que estão claramente simbolizados mais são que coincidências, talvez até voluntárias de idéias,
nas jóias dos dirigentes de uma Loja: equidade, igualdade, sem nenhum alicerce estruturado filosoficamente.
justiça e imparcialidade, requisitos imprescindíveis para que 3. Sabemos que há um bom número de Irmãos que se
haja união e respeito em nosso meio. dedicam, de corpo e alma, aos estudos das verdades maçôni-
E mais: Liberdade, condição maior para que uma Loja cas, sobretudo da filosofia genuína e pura sobre que se firmam
cumpra as metas propostas pela Sublime Instituição. todos os ensinamentos de nossa Sublime Instituição. A melhor
Aristóteles, na obra citada, afirma que a liberdade é o prova disso temos nas reuniões anuais, em Londrina, dos
princípio fundamental da democracia. Sócios Correspondentes da Loja de Pesquisas Brasil e nas
O que dá legitimidade aos dirigentes de uma Loja, não é reuniões culturais da Loja de Pesquisas do Grande Oriente do
apenas o ato eleitoral. O que Ihes dá legitimidade são os atos Brasil.
que Ihes são transfundidos em Loja por quem tem autoridade 4. O estudo histórico-filosófico da Arte Real é uma necessi-
e poder para fazê-Ia. dade para que possamos transmitir, em nossas Lojas, a
144 Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 145

"doutrina" verdadeira, em vez de nos transformarmos em


meros repetidores dos Rituais ou de escritores que, muitas
vezes, nos impingem erronias de todos os tipos e calibres.
5. Analisamos seis landmarques que, a nosso ver, têm
estrutura filosófica, seguindo a meta estabelecida para este Roteiro Bibliográfico para
trabalho, orgulhoso de poder participar de uma obra ao lado do
Maçom-escritor que reputo o maior dentre todos os que o Brasil
o Pesquisador
produziu até hoje.
6. Somos de Obediências Regulares diferentes e que tal
fato sirva de exemplo para alguns Irmãos que teimam em ver A presente obra representa um estudo crítico próprio dos
diferenças entre nós. A Maçonaria é uma só, apesar das várias autores, do ponto de vista histórico-filosófico, da legislação
Obediências existentes. Podemos caminhar juntos, ombro a maçônica tradicional, embora com dados históricos hauridos
ombro. Este livro é uma prova disto. de diversas fontes. Para que possam, outros buscadores,
aprofundar seus estudos, em relação ao tema, são relaciona-
das, a seguir, diversas obras - nem todas usadas, necessari-
amente, neste estudo - que o abordam, direta, ou indiretamen-
te:
ADORNO, F. - Sócrates (tradução do original italiano) - Lisboa-
s. d.
AFTER THE FIRST DEGREE (Notes for an Entered Apprenti-
ce) - edição de The Provincial Grand Lodge of
Northamptonshire and Huntingdonshire - Londres -1990.
AFTER THE THIRD DEGREE (Notes for a Master Mason) -
edição de The Provincial Grand Lodge of Northemptonshire
and Huntingdonshire - Londres - 1990.
ARISTÓTELES - A Ética (tradução do original grego) - Rio-
s.d.
ARS QUATUOR CORONATORUM - Anais da Quatuor Coronati
Lodge Nº 2076 - Londres - diversos números, de 1968 a
1991.
BOUCHER, J. La Symbolique Maçonnique - Paris - 1985.
BRUN, J. - Socrate - Paris - 1960.
CASTELLANI, J. - A Maçonaria Moderna - São Paulo -1986
Cartilha do Aprendiz - Londrina - 1992.
Raimundo Rodrigues Análise da Constituição de Anderson 147
146

CHATELET, F. - Platão (tradução do original francês) - Porto- NEWTON, J. F. - The Builders : a Story and Study of Masonry -
lowa - 1916.
s.d ..
COSTA, F. G e CASTELLANI, J. - Rito Moderno: a Liberdade PAILLARD, M. - Les Constitutions Maçonniques Anglaise e
Revelada - Londrina - 1991. Française - Paris - 1938.
CUVILUER, A. - Introduction à La Social agi e - Paris - 1965. PALOU, J. -A Franco Maçonaria Simbólica e Iniciática (tradu-
DESCARTES, R. - Discurso Sobre o Método (tradução do ção do original francês) - São Paulo - s.d.
original Francês) - Rio - 1952. PIKE, A. - Morais and Dogma of the Ancient and Accepted
DE SENNA, V. - Landmarques - Tese, Antítese, Síntese - Rio- Scottish Rite - Charleston - 1871.
1981. PRADE, P. - O Ingresso da Mulher na Ordem Maçônica - São
DURANT, W. - História da Filosofia (tradução do original Paulo - 1977.
inglês) - São Paulo - 1938. PRESTON, W. - IIlustration of Masonry - Londres -1812 (re-
DYER, C. - Symbolism in Craft Freemasonry - Londres -1976. edição fac-similar em 1986).
FAY, M. B. - La Franc-Maçonnerie et Ia Révolution Intellectuelle PRESTONIAN LECTURES - edição de 1969 - Londres.
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FINDEL, J. G. - Histoire de Ia Franc-Maçonnerie (tradução fran- do original inglês) - São Paulo - 1976.
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MASONIC SQUARE MAGAZINE - diversos números - Shep-
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MORENTE, M. G. - Fundamentos de Filosofia (tradução do o-
riginal espanhol) - São Paulo - 1976.
Análise da Constituição de Anderson 149

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