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OS TULO XX René Rémond Estadar o ontem em fungio do hoje — e tambén do amanhé —, tal € 0 propésito da Introducao é Histéria de Nos- s0 Tempo, obra composta de trés volumes relativamente auté- nomos, dos quais este ¢ 0 terceira, Originado de um cu i. René Rémond, presidente da Universi- dade de Faris X (Nantere) e diretor de estudos © de pes- quises da Fundago Nacional de Ciéncias Politicas da Franca, © Séicv1o XX oferece respostas claras e rigorosas As pergun- tas mais freqientes que a estudo desse periodo histérieo sus- cita, tais como: qual a importincia da guerra de 1914? Que & 0 fescismo? Quais so 0s elementos caracteristicos do mun- do comanista? Como se originou a guerra fria? Em,que se tornou a Europa no séulp XX? ete., ete, Sem preceupacio de His- visar nogGes impre- ministrado pelo P ervdita, esta cbra permitira ao estudante universitiri téria e a0 leitor interessado 20 assunto cisas ¢ adquirir as bases historicas indispensivveis 4 compreen- sio de nossa EDITORA CULTRIX \ René Rémond SECULO X ail ae yducao a historia de nosso tempo O SECULO XX De 1914 aos nossos dias ie i. MR —_ RENE REMOND Introdugao a-histéria de nosso tempo Q SECULO, XX oth aos no Dias “Feadnio de’ Octavio MENpES‘CAyAD0 EDITORA CULTRIX Tirule do ertigo que legiti- mava a3 reivindicagées dos Aliados. Por ser responsive pela guerra, a Alemanha devia assumir suas sesponsebilidades 1t€ 0 firm e indenizar ces vencedares de todas ss perdas que 4 guerta thes causara. Hoje em dia, ningoém mais scaharia em empregir de now, til ¢ qadl, o artigo 231 ¢ sustentar que a Primeira Gust Mundi 16 deveu exclusivamente 2 vontade de guetra do gaverao alemio. Iso rio Ihe diminai a responsatilidade, mas este deve ser partilheca por otros. Cumpre, portante, que nos orienternos para outros elementos de explicagio, De qualquer maneia, ¢ preciso esclarecer por que a ‘Alemanha quis a gaerra, Posco a pouco, ao rementar cos efeitas is causas, a ctise do verao de 1914 obriga-ros também a ressubir 9 curso do tempo. A responsabilidede, presumida cu aceita, da Alemanha Jevarnos a perguntar: por que a Alemania quis, ou teria querido, a ‘guerra? ‘A segunda explicagio € de ordem econémica: a guetta teria pro- vindo da conjuntura e da inadequagéo das estruturss. Explicagéo lfs- sica, que logo veremos como se aplica & Alemanha. A economia alema estava em plena expanséa, O desenvolvimento ccatinso era para ela ‘umna necessidade vital, Seus enctmes investimentos, cuja tentabilidade exigia dela ove encontrasse novos mercadas, precisavam ser amorti- zados. A politica comercial alema orientave-se toda ara a conquista dos mercados externas. Prava disso exam suas priticas comer sobretudo o dumping. A polftica comercial ‘ile entrar em compet ‘priccipalmente com 2 Gri-Bretanha, accssoriamente com a Franca. ‘A tivalicade econémica en:re as velhes potéocias coloniais e a Alemanha provoca toda a sorte de conflitos, desde e China a:é Marroces. ‘Ao mesma teraper que procura abrir mercados para si, a Alemanha fecka-se ao comércio exterior, Bo que a distingue da GréBretarl A economia ‘aritinica nfo trazia em si o getme da guetta, porque zepou- sava to liberalisma e na recipzocidade das trocas, A Inglaterra re- nunciau ao protecionismo em 1846 ¢ aboliu, em 1849, a Lei de Neve- gacdo. A Alemanhe, ao contzirio, conjuga oma politica de exportagio andloga 3 da Gi Bretanha ¢ uma politice de fechamento do mercado interno; associa 0 monopélic do mereado nacional 4 conguista do exterior; politica repleta de coatradiqées, que « impele a entrar em con‘lito com outras potércias. Nos anos anteriores a 1914, a opiniio publica alemd tem a impressiio de estar sendo cercada e sufocada. B grande a teatagao de romper a concorréacia pela forca e abrit, pela guetta, os terrenos que se fecham, A canflegracio de 1914 provitia, portantc, diretamente, do imperialismo coondmico, o que ilustraria a tese clissica do marxismo-leninismo. ‘Axé que ponta & vilida essa explicacio? Todos 08 ttabelhos dos historiadcres e, nomeadamente, os. do his- toriadcr francés P. Renouvin, a maicr conhecedor do period, Ihe :e- dazem o aleance. Ela é demasiado esquemética: a economia alema nao se echava em dificaldades, nada havia que tornasse ineluttvel o recurso 7 a guerra, Ourran pousibilidades se ofereciam a ela, Mio & verdede que ‘a economia aleinf estivesse acusda e 36 Ihe restasse a alternative da guerra, H forgoro, portanta, tomar em coasideragia um conjun:o de fa tores diferentes, politicos, militares © psiccldgicos. Passarei a enumerar, sem tentar estabelecer uma hierarquia por ordem de importincia, 03 elementos que jé conhecemos 2 que coastituem outros tantos compo nentes de uma situacio cbjetivamente belicoss. ‘As Dirrcucpapes INrERNas pos EsTapos ‘Vésios Estados europeus, is voltas com dificuldades sézias, sentem- -se muito tentados a procurar derivatives ¢ consolidar-se por meio de &xitos exterros: em 1914, raciocina-se em fungio das guerzes do século XIX, em que os riscos eram limitados Tal 6 0 caso de dois grances Estados da Europa em 1914: a Riissia, que lutava cam uma sgitagio revoluciandria desde a revolucio de 1905, e ainda no se recobrara da dezrota de 1505 diente do Japa9; ea Austria-Hungria, dilacerada pelas reivindicagSes as nacionslidades. O cilculo, de resto, no ere totalmente desarrazoado. Se a guerra nio tivesse durado tanto tempo, teria produzida os efeitos calculados. Isso no quer dizer que os governcs russe ¢ austro-hiingaro a tivessem. que- rido, mas alguns respensiveis néo guerra, com efsito, comegou zeforcando a coesio nacional. Num pr meiro petiodo, um impeto de unanimidade acaba com as brigas, apaza as dissensées. Até as nacionalidades serram fileiras em toro dos Habsburgos. Na Riissia, todos os matizes de opiniio publica se rea grupam em tomo do governo, A férmuli da uaide sagrada, lancada na France pelo Presidente Poincaré, poderia aplicar-se, pelo menos nas pri- meiees meses, a quase todos os beligerantes. As Dirtcucpapes EXxrErNas ‘Ao lado das dificuldades internas, as extemas: entre as duss, interferencias ocasionais. As dificuldades suscitacis 2 Austria-Hungria por suas necionalidades sio alimentadas do outro lado das fronteitas; © império espere resalver, 2o mesmo tempo, suas dificaldades internas as que Ihe suscitam os vizinkos. O desmembramento da Sérvia supri- miria 0 pélo de atragio que 0 mito de uma grande Sérvia exetce sobre as nacionalidades croata, sérvia, eslovena, bosnfaca, herzegovina, ‘Outros tantas aspectos de um fenémeno que Foi uma causa deter minante das hestilidades: © movimento das nacionlidacles, a aspitagio 1s Nee Lindependéncia nacional, a revindicaro da unidade ou do separatismo, confcrme as situagSes, Os nacionalismos desempenharam seu papel no advente do conflize. Desde 1905, a febre aumenta, exicerbam-se as paixGes, até levar tudo de roldio em 1914, Desse ponto ce vista, gaerta de 1914 resulta, com efei:o, dos movimentes que vimos surgit € entrecruzarse no séctlo XIX. Esses elementos so sinda agravados pela expansio no ultramar pela corrida aos razos territérios ainda disponiveis. Quese tedas as terras jé tém dono, ao passo que aumenta o mimera das partes interes- sadas. Os sonhos de hegemonia, as voutades de poder estendem-se a0 mando inteiro, ¢ no mais apenas & Europa. Projetamse nos outros continenies. A Alemarha abandona e politica bismarckiana, que, depois de 1871, € uma politica de paz: Bismarck era suficientemente realista para siker que a Europa néo toleraria novos acrescentamentas. No centro da Europa, ligada por tratados & Austria, a Italia ¢ 4 Rissia e mantendo boas relacGes com a Inglaterrs, a Alemanha senhore da paz. Mas depois da demissio de Bismarck ¢ da ascensio de Gui- ITherme IT, passa de uma polltica de equilibrio europeu a Welspotitik, ‘ou seja, a uma politica de expansio aventurosa, de hegemonia, porta- dora de germes de guerra. A partir de 1900, a situago internacional caracteriza-se pelo que se chama a paz armada. A expressio associa dois elementos caracte- ristioos: os sistemas de aliangas ¢ a corrida aus arimamentos. De um lado, os sistemas de cliangas. A Franga salu do isola. mento desde 1892, com a reaproximacao franco-russe, a politica de Deleassé que separa a Itdlia da Triplice, « reaproximacio com a Ingla- terra, « Extente Cordicle em 1904, 0 sistema triangular em cue se fundern a alianga franco-russa e a Entente Cordisle (1907). Agora existe outeo sistema de aliangas diante do sistema da Txplice. Per outro lado, a corrida aos armamentos, a votacéo de leis mili tares comprometendo todos os anes verbas mais ¢ mais considerdveis, prokongando a duracio do servigo militar, reforgando 0 armamento, construingo materiais novos. Tudo isso cria uma situaso explosiva. Cenjugendo-se, os sistemas de aliangas e a corrida aos armamentos montara 0 mecanisma da generalizasio do conflito a partir de uma tivalidade limitada, Nisso reside a origiaalidade da Guerra Mundial Houve guerzas no século XIX, mus todas foram sempre limitadas: de 1914 estendeu-se 2 Eucopa e ao murdo gragas 3 paz armada. Tampouro se deveri subsstimar o papel dos fatores psicclégicos: 9 medo ce se ver cercado, a voncade de acia preventiva, chave da aquiesc2ncia ou da resignacéo & guersa. 19 ‘A partir de 1905, as crises sucederam-se quase todos 0s anos. ‘A Europa entrou em §guas perigosas: Tanger em 1905, a BésniaHerze- govina em 1908, 0 Marzocos outra vez em 1911, os Béle’s em 1912- +1913. A guerra ameaca. Parte da opinido piblica resignase a cla para ela se prepara. Na véspera do verio de 1914, a Europa estd a mercé de um scidente que poré brascamente em contato recfproco todos os elementos que fazem da situay3o diplomitica, polftica e militar da Eorops, na véspera de 1914, uma maquina infernal, 2. AS CARACTERISTICAS DA GUERRA ‘Tres caractertsticas contribuem para singularizar a Primeita Guerra Mundial em relagio aos conflitos precedentes: sua duragéo, sua exteo- so no espaco, certas formas novas © inédicas. A Duracio E desusada. "Fora preciso remontar as guerras napolebnicas para encontrar conflites que assim duraram vérios anos. As dinicas guerras longas que a Europa conhecen depois disso foram as que ela travou no ultramar, como a Guerra das Béeres, em que se digladiaram, durante tris anos, 0 cozpo expedicionério britinico ¢ o pavo béer, que defendi sun independéncia. Na verdade, houve uma guetra no século XIX que durou tanto tempo quanto vai durar a Primeira Guerra Mundial, mas uma guerra Givil: a Guerra de Secessio, que se prolongou exétamente por quatro anos, de abril de 1861 a abril de 1865, As guertas longas, portanto, correspondem a formas determinadas de contlito, conflitos colonisis travados a milhares de quilmetros das metrépoies, ou condlitos in- ternos. Por isso mesmo toda a gente pensa, no infcic do verio de 1914, que a guerra durazé algames semanas ou, na pior das hipéteses, alguns meses, A estratégia dos beligerances repousa no postu: uma guerra curta, cuje decisio serd cbtida aos primeires encontros: € guerra de movimento. Essa estratégia inspira nio s5 o plano alemio de envolvimento do front francés pelo oeste, mas também a3 experangas postas pelos Aliados no avango, a leste, do “rolo compressor” russo, ‘Mat a guetra vai durar, Nos primeiios meses, nenhumn beligerante consegue alcangar a vantagem decisiva cspaz de propicarlhe a vitéria € 0 fim da guetra: nem os slenies na Fianga, depois do reerguimento 20 ee imprevisto do comego de setembro na Batalha do Marna, nem os russos a Préssia Oriental, onde so vencides em Tannenberg. Eis af os beligerantes obrigados 4 rever seus plancs, impelidos 1+ acontecimentos que no se tinham podido prever. As duas partes instalam-se na guerza, imobiliza-se 0 fromt, e a guecta de movimento, seguida da corrida para o mat, é subsiitulda pela guerra de posigio, com ums frente continua que impossibilita a penetragio. A hita se reveste, » de caracteristicas inesperadas. E o retorno a guerra de antanho, @ guerra de assédio, mas um assédio do tamanho dos Estados modernos, que, em logar de limitar-se a algumas pracas forti- ficadas, se desenola numa extensio de centenas de quilémetros, do- Mar da Norte 2 fronteira suica, do Baltico aos Cérpatos, ¢ opie uns 20s. outros milhdes de homens, Tal € 0 ponto de partida que desvia bruscamente 0 curso das. ‘operagées militares e imprime 20 conflito mundial um aspecto impre- visto, cajas conseqiléncias vamos ver. A Exrensio GroceArica ‘A duragio ters, como primeira conseqitncia, a extensio no espaco. E é em parte porque o conflito se prolongs © ameara etemnizerse que os dois sistemas diplométicos militares contrdrics tentam atmair os ‘que permanccem om expectativa: os neuiros. Desde o infcio, a guerra assuntin propargées insélitas: conseqiacia direta do sistema ‘da paz armada. O jogo dos compromissos, que comportam as alianges, arrasta, nas primeiras semanas, numerosos paises a luta, Formam-se doas coalizées. De um lado — enumerando os passes na prdpria ordem em que a guerra os atinge — a Séevia, objeto do ultimato anstrisco e da declaracéo de guerra, o reinozinho de Mon- tenegro, a Réssia, sliada da Sérvia e que nio pode deixar que sejam ‘esmagacks 0s irmios eslavyos do Sul, a Franca, por ser aliada da Réssia e porque « Alemanka exige dela que ee pronuncie claramente, a BA- gica, visto que o Rei Alberto se recusou a ceder ao ultimato alemio, a Gri-Bretanha, em conseqiiéncia da invasio belga, o império britinico € as calSnias francesas. Estes palses representam na Europa 240 milhies de homens, aproximadamente. No campo oposto, os dois impéries centeais, « Austria-Hungria e 1 Alemanha, no tém mais do que 120 milhées. Verificase, pois, no infcio, grande desigualdade numérica entre as dass coalizées. Mas a forga militar de um pals no ¢ spenas fungio do némero; resulta de imimeros fatores, entre os quais 21 aptidéo para mobilizar os hemens ¢ 0 gran de padztio. econdmico, Nesse sentido, os 240 milhdes revnidos pela Eurente pertencem a sociedades muito: desiguais. Por outro lado, em rasio da sua posi geogrifica, os impériog centrais dispdem de considerdvel vantagem estratégica, 3 possibilidede de transporsar suas forges de uma frente a autra, ap passa que a Entente esté slividida entre dois fronts que sno se comunicam, Assim, desde os primeiras dias de agosto de 1974, as cinco grandes poténcias eurcpéias — Alemanka, Austria, Rissia, Fransa, Gri-Bze- tanha —, as mesmas cujo acondo corstizuia © que a Engcagem diplomé- tica tradicional denominava “o concerto europe”, se vem emperthades ‘em guerra, pela primeira vez, desde 1815. Até entio, os conflitos 36 tinhem oposie uns aos outros, no méximo, deis ou trés pafses; nunca todos juntos. Na Guetra da Criméia, a Franca e a Ingleterra tinkam Jutado com a Réissia; mas a Priissia ea Austria haviam permanecido fora do conflito, Em 1870, a Frange e « Prissia tinham sido as tinicas a combatez, a0 passo que os demais haviam permanecido neutros. 1914: € a primeita vex, desde o fim das guerras napoleBnicas, que 2 Europa inteira se precipita na guezta. As coisas nao ficazio nisso; sob o efeite de vitios fatores coniu- gedos, © conflito se estenderd rapidamente. A Pressao da Diplomacia doz Betigerantes Prolongando-se, a guerra mostra que cada c 0s outtos, a um redobramento de promessas, a fim. de persuat tomar parte no litigio romper o equilibrio das Fargas. Mulsiplicem-se as promessas para seduzilos oa pata maater na uta cs que poderiam sentir-se tentados a abandonéla. A Franga e a Inglaterra fazem a Itéka promessas substancisis: se ela alidade, recuperard as qu= 0 liga A Gri- Bretanha desce 1902, mas também porgue a acaso Te parece azada para apropriarse das bases alemis ra China, sobretudo no Xancum. ‘A China também entra nominalmente na guerra para no se inferiorizar diante de Japéo, 24 Depois da Africa ¢ da Asia, 0 continente americano. Aa todo, onze paises do hemisfério ocidental tomam parte na lata. A partici pacic da maioria continua simbélice e no é de molde a moditicar 0 equilibrio das forgas. O mesmo, porém, no se pode dizer da inter- vengio dos Estados Unidos. Em abril de 1817 0 Presidente Wilson proade ao Congresso 0 rompimento das bostilidades Av todo, contando os dominios brifinicos, uns trinta © cinco: Estados participaram co conflito. ‘Todos os continentes foram arras- tacos a ele: centenas de milhées de homens. E a primeira vez na his- téria que uma conflagrazic assume tamanha amplitude e essa extersio Cecorre do prolongamento da guersa. Foi porque a luta durou tanto tempo cue numerosos pafses sobrepujaram as proprias hesitagSes, ou scabarama cedendo 2 pressio dos primeiros beligerates. O abjetivo € sempre romper 0 equilibrio, ox restabelecélo se for amesgado. prolongamento anormal da campanha e sua extensio insélita so duas causas’ das inovagdes desse litigio, tezceiro aspecto ce sua singularidade. As Formas Novas Precisamente por ser uma guerra de posigées, a luta exige a par- ticipagio de forgas cada vex maiores. E a primeira experiéncia a cujo ptopSsito sc pode cmpregar, sem exagero, a expresso “guerm total”. Esté visto que é menos total — se assim podemos dizer — do que a Segunda Guerra Mundial; raas jé apresenta caracterfsticas tio originals que assinala uma mudanea profund:, um rompimento com os hébitos tradicionais, ‘Os Efetivas Ecx primeiro lugar, observe-se 2 mobilizagio dos efetivos levada a uum grav: até ento desconhecido, As guettas tradicionais jogavamm com efetivos que nio ultrapassavam algumss centenas de milkares de ho- meas. A opiniio péblica ficara estupefata, em 1812, com © Grande Exército empregado nz Réssia e que se compunhs, ‘ais ou menos, de 630.000 homens. A cifra parece irrisétia diante dos milhdes, e até dis desenas de milbées, de homens mobilizados nesses quatra’ anos, ‘Na Eranga — 0 pais que levou mais longe a mcbilizagéo dos efetivos — arregimentaram-se cerca de 8,5 milbdes, numa populesio que mio chegsva entio a 40 -ailhdes, ov seja, mais de um quinto dos habitantes, para 14 milhdes de alemaes. Em 1916, 2 GriBretanha introduz a conscrigio. A Russia mobilza tanta gente que Ihe falta material, 25 A Mobilixagio dos Recursos Ora, urge sbastecer esses milhdes de homens, dar-lhes munigées. O grande temor dos estados-maiores ¢ dos miristres da guetra no outono de 1914 € menos a ruptura do front ou & falta de homens do que a porsibilidade de se esgotarem 05 estoques de munigdss: ninguém contara com uma guetta comprida 2, no principio do outcno, as zeserves estio exauridas. Foi preciso, portinto, forjar completamente, a partit do nada, uma inddstcia de guerta, criar fébricas de armamentos, recrutat uma miode-obra substituta, em grande patte feminina, que tendesse os homens mancados para # frente de batalha. Também se chamaram de volta os especialistas, objeto de designagées especiais, Foi preciso dirigir a economia: 0 Estado teve de regalamentar, controlar, organizar ¢ racionar recarsos que se esgotavam e que nio se proporcionavam is necessidades da indGctria de guerza ou do abas- tecimento da populacio. Tornaremos a ver alcence longiaquo ¢ as conseqiiéacias instizucionais, administrativas e psicolégicas dessa inter- vetgio crescente do poder piblice, « do controle exercido sobre todas, as atividedes econdmicas ¢ sociais, As Novas Armas Em terceiro lugar, a guerra pie em jogo armas novas, Ac choque militar propriamente dita, acrescentase uma luta econémica, que visa stingir 0 adversério em sua economia de produsio, paralisandolhe 4 atividade, obstando & chegada de matétias-primas, Os Aliados blo- queiam cs impérios centrais. Dispondo do damfnic dos mares, arri- mados fSbrica norte-americana, ten:im isolar os impétios centrais = obrigé-los a capitular pela asfixia, A Alemanhs respande com 2 guerta submarina; agora é a sua vez de bloquear as ilhss briténicas e apoderar- -se de tados os navios mercantes, incluindo os que astentam pavilhio neutro e transportam material de guerra destinalo a Franga ou A GraBretanha, ou simplesmente produtos destinades a abastecer @ po- pulaglo cu a indistria. Desa mancita, rade se eacarainha para a pritica de uma guerra efetivamente tocal. Guerra scondmica, mobilizesio da populacie civil: outras tantas tapas do deslizamento da guerra fara formas sadicsis. No século XIX, 4 vida civil prosseguiu 4 margem da conflagracio. JA no acontece 0 mesmo desde o ano de 1914. 26 A Guerra Pricolégica No podendo abriz brechas no front, terta-se transforméla azin- gindolke © mozal, Esse € 0 objetivo dos bombardeios des capitals € Cidades abertas. E também a razio de ser da propaganda. A impor- tancia do fater moral cresce A proporgio que 0 litigio se prolonga, Evidencia-se de mareira cada ver mais clara que nenhum dos campos possui as meics de conseguir uma vantagem estratégice; a lassidio e ‘© desgaste do moral dardo, pertento, a vitéria a ura cos dois, ‘Ore, em 1917, as dois campos se aproximam do pento de rupture, Daf a importiincia capital do aro de 1917, em cujo decorter a guerra poderia ter comado autro curso, talvez até acabado: ela jé dura ha trés anos. 1917 sucede a0 ano de Verdun, 1916, em que « Alemanha e a Franga se esgotaram sem canseguir vantagem alguma, Em 1917, vitios pases se aproximam da ponto erftico, em que cudo & possfvel, a capi- tulécio, a paz branca. Isso aplica-se 4 Russia em primeira logar, mas também se aplica a Franga. E 0 momento decisiva da guerta. ‘A Revolugia russa modifica repentinamente a relagdo das forsas em detrimento dos Aliados, embora o primeiro gaverno russo tenha declarado sua intengo ce nao ensarilhar as armas e permanecer fie! aos, compromissos internacianais da Riissia. A revolugio, porém, nio tarda a desorgenizar a maquina de guerra, a enfraquecer a vontade de guerra. E normal que a Russia seja a primeira a ceder: foi o pais que pagou © maior triburo em homens, que sofreu as baixas mais pesadas. Mal preparada pata a guerra, néo soubere aproveitar as ligées da derrota diante do Japa em 1905. Sua organizagio & defeituosa, ha falta de material, a intendéncia & precarfssima; curante teés anos, farendo das tripas coragio, cs soldados dlisfargaram essas falhas a poder de coragem; mas © cansago acebau levando @ melhor. A primeira tevolusio-russa, seguida da sepunde, em outubta e novembro de 1917, acarreta duas ortlens ee conseqiiéncias para a his- téria da guerra, Primeiro, as cansegiacias militares. Com a paz separade de Brest Litowsk produziu-se, em favor da Alemanha, a famosa ruptura do cqpilfbrio que os estados-maiores viaham procuranéo havie trés anos. Com um dos princiaeis belgerantes fora de jogo, © Grande Estado- Mao alemao podesi transportar para o Oeste 2 quase totalidade de suas forgas; as divisées do Leste atravessam a Alemanha ¢ so trans- feridas para a frente ocidental, Ors, nesse exa:o moment, franceses e ingleses acabavam ce contr a inyestida alema. «A entrada des Es- 27 tados Unidos na guerza, em abril de 1917, deixa esperar, sem dévida, © restabelecimento do equilforio, « até sus inversio em favor do Oeste, Mas a invetsia 36 poder produzit.se ao cabo de um anc ou dezoito meses, pois os Estados Unidos, que no possuem nenhuma forca mi litar, sia obrigados a improvisar, a paztir do nada, um exército e uma Indistria de guerre. As primeiras unidades chegam no ostono de 1917 6 no verio de 1918 as forpas americanas comegam a empenhar-se de modo macigo. Hé, portanto, um histo de quase um anc; sero os Aliados capazes de’resistir até 1é? Em seguids, as conseqiitncias polfticas. A revolugio russa des- petta sentimentos até entio contides pela unio sagrada e abala a van- tade de Jevar a guerra até 0 firm. Para alguns, € um exemplo que deve er seguido. O socialismo de esquetda passa por uma reaovagio de vitalidade: 0 detrotismo revolucionério acorda ¢ juntase ao desejo da paz. Na Franca, e principalmente na Itélia, onde parte da opinifo pé- blica 55 entrow na guerra man grado seu (socilistas, sindicalistes, catélicos), despertam os fermentos da divisio. Conjugada com 0 des- gaste fisica © necvoso, a ago dessas forgas centrifugas explica que 1917 sejz 0 ano turvo, o ano diffe: greves nas fdbricas de armamentas na Franca, motins que se alastram pelas unidades no front, Cercos poll- tices preconizam a abertura de negociagfes pata uma paz branca. O derrotismo levaré a melhor e os impérias centrais gaaharéo a guerra? ‘Mas uma reviravolta da situagio em novembro de 1917 faz que zna Franga — pega principal da coaliaio — scabe prevalecendo ¢ vor tade de continuar até o fim: a chegada de Clemenceau a presidéncia do Consclho © a formagio de um gabinete decidido a prasseguir na guerra até 0 final pBem termo as negociacées, derrubam o derrotismo; ‘ politicas suspeitos de sonhar com wma paz beanca sio arrastados 25 ‘bartas do Supremo Tribunal. Em 1918, invertese a situagiio. O reer guimento do moral, a nomeagao de um camandante interalido que soordena 0 conjanto das forcas militares do Oeste, a intervengio dos ‘Rorte-americanas ¢, finalmente, a vitéria, o armisticio de 11 de no- vembro de 1918, 28 2 AS CONSEQUENCIAS DA GUERRA A luta © a vitéria dos Alisdos tiveram consegiiéncias méltiplas ¢ decisivas, Nio deimam praticamente nada ro estado em que @ guerta encontrou os aliados em julho de 1914. A figura da Europa e a fsio- nomia do mundo ssem profundameate transformadas desses quatro anos. Tomazemos a situacio em 1920, apés a Confertncia da Paz e a sasinarara dos diferentes tratados que regulam as divergéneias de con. ito. ‘ 1. AS TRANSFORMACOES TERRITORIAIS ‘As conseqiiéncias mais aparentes, que decorrem diretamente das ‘operigies militares, sfo as transformacBes territoriais. Considerdveis, mapa da Europa sui de tudo isso de peras para o ar: nio deixa de ser interessante procutar um atlas e examinat, paralelamente, o maps da Europa antes e depois da guerre. 1, & Canferéncia da Paz inangurs-se em Paris, era janeiro de 1919. Nela estiia representados vinte e sete pafses. Numero tio grande que aio permitird uma negociazo rfpida ¢ eficaz. Logo se constitul um is resttico, chamado Conselho dos Dez — os dex pafses que representsram 0 papel mais importante na guetra. Acima do Con- selho dos Dez, 0 Conselho dos Quatzo: Estados Unidos, Inglaterra, Franga Itflia, reduzidos por um momento a trés em virtude da de. feccio do Presidente do Constlho italiano, Orlendo: o Presidente dos Estadbs Unidos, ‘Wilson, 0 Primeito Ministro britinico, Lloyd George, @ Presidente do Conselho francés, Georges Clemenceeu. Fei o Conselho dos Quatro que tomau as decisbes capitais ¢ arbitton as divergéncias enire pretensées rivais. 29

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