TALKING ABOUT L e a n d r o de L a j o n q u i è r e
BONNEUIL -
INTERVIEWS WITH
Roberto Scagliola
MANNONI, RICHER-LÉRÈS
AND BENVENUTTI
Two Bonneuil's foreign
trainees performed these
interviews in early 1995. BONNEUIL: PSICANÁLISE E
The main subjects
approached are: the singu-
SAÚDE MENTAL
larity of the institutional ENTREVISTA COM MAUD MANNONI,
scheme, the reference to the
psychoanalytical theory, the REALIZADA EM 0 8 / 0 2 / 9 5
beginnings of the school,
the struggle with the med-
ical-pedagogical adminis-
tration, the status of m várias oportunidades, a senhora afirmou
trainees and the relation-
ship with the children's que Bonneuil é "um lugar para viver) por que, então, a
family. psicanálise para sustentar esse lugar?
Mannoni; Bonneuil; Inicialmente, essa expressão foi utilizada de um mo-
Psychoanalysis do um tanto recorrente. Bonneuil foi fundado em 1969 e,
desde o começo, foi pensado como um lugar à margem
ou na contramão da medicalização própria das institui-
ções hospitalares e, de igual maneira, daquilo que faz o
BONNEUIL: UM ESTILO
DE SE AVENTURAR NO DESEJO
ENTREVISTA COM MARIE-JOSÉ RICHER-LÉRÈS,
REALIZADA EM 0 3 / 0 2 / 9 5
d'accueil, que era o " 1 8 2 " . ° Mas quando se tem de decidir por
uma criança ou outra, porque há uma
Por que fazer um lieu d'accueil? vaga só, quais são os critérios? São
Não havia nenhum? critérios de que ordem?
"Fazer" no sentido de viver em um Se há duas crianças que precisam
lieu d'accueil. Minha experiência na ir a um lieu d'accueil, atenta-se para
escola estava já feita. qual das duas se beneficiaria mais. Da
mesma maneira, erramos em um de
O que significa lieu d'accueil? cada dois casos. Não tem jeito. Consi-
Para mim, é um lugar em que as deramos a quem pode ser mais útil na-
crianças entram para sair, para fazer um quele momento; consideramos se há
percurso, para não viver em família. outra criança no mesmo que possa se
Não compartilho da idéia do lieu d'ac- dar bem com essa criança nova; ou,
cueil como uma família; interessa-me consideramos também onde se encon-
mais como um espaço de percurso, on- tra esse lieu d'accueil: por exemplo, se
de há crianças que podem ficar alguns no próprio bairro há alguma possibili-
meses. Para outros, o percurso é muito dade para essa criança. Esse exterior se
mais longo. Eles estão aí justamente constrói com cada criança que chega, já
com a idéia de separação da família, que você pode pensar que algo pode
onde não entra a família, com todos os ser bom para essa criança e acontece o
riscos que isso supõe. Um lugar em contrário.
que, para não entrar na rotina, é preciso
que os estagiários contribuam com Você falava de um lieu d'accueil
outro tipo de coisas. Eles contribuem como de um lugar de passagem, enfati-
com algo da ordem da dinâmica e nós zava que não se pretende substituir a
contribuímos com algo da ordem de família, por que enfatizava isso?
uma permanência. Viver junto, sob o Família e patologia... a minha, a
mesmo teto, com a loucura, não é fácil. sua e quanto mais a das crianças! Que
não pretenda ser uma família não quer que é importante lhes dizer que, para
dizer que não se criem laços. Nós tra- estar juntos novamente, é preciso poder
balhamos com elementos como pre- estar separados. Digo-lhes: que sorte
sença/ausência, apontados por Manno- quando você voltar a encontrar sua fa-
ni em seu livro Amor, ódio, separação^ mília! Paradoxalmente, a solidão apren-
com muita pertinência. Essa é a base. de-se em companhia. Tem de se obser-
var quais os efeitos que produz a sepa-
Que relação existe entre quem tra- ração. A criança é vista desde um outro
balha nos lieu d'accueil e a família da lugar. O fato é que não são filhos nos-
criança? sos. Agora, o que passa pela cabeça das
Em geral, a família não passa do crianças? Imagino que existam tantas
hall. Os pais nos conhecem, os pais perguntas, questões e respostas quanto
estão metaforizados através de uma car- crianças.
ta, de um objeto, que dão à criança. Em É notável. Às vezes, acontece que
geral, prefiro falar com eles de coisas de algumas crianças lhes escapa e, em
concretas. Por exemplo: precisa de um lugar de dizer Lito, dizem "papai" ou,
par de meias, precisa disto ou daquilo. também, "mamãe". Aí, a gente pode rir,
Quase nunca falo do que fazemos no pode resolver algo através do humor.
lieu d'accueil porque esse é nosso se- Nunca respondo "não, eu não sou seu
gredo; eles podem falar ou perguntar pai". Respondo com humor, por exem-
na escola. Em geral, dou uma resposta plo, "que papai mais gordo!" ou "uma
imediata para dar a idéia de que a vida mãe com barba!". Tem-se de brincar um
é possível. Muitas vezes, os pais per- pouco com o humor e, ao mesmo tem-
guntam: como com vocês é possível e po, receber algo das crianças. Muitas
conosco não? Para mim, há algo muito vezes, dizem "Lito, te quero" e, então,
claro e é não substituir os pais, não nos digo-lhes que, para que isso seja acredi-
colocarmos como pais ideais, como tável, tem que se fazer alguma coisa,
pais-modelo. Tento, ao contrário, refor- senão é muito fácil dizer. Digo-lhe "seu
çar a idéia de pertença da criança à sua pai não a colocou aqui para isso; seu
família, isto é, ressalto o fato de que pai a colocou aqui para que aprenda a
podemos "estar juntos porém não mis- ler, escrever, trabalhar". Para que isso
turados". seja acreditável, enfim, não há nada
Acredito que toda criança tem melhor que o trabalho; tem de se deslo-
direitos. O que Dolto dizia: cada criança car para algum lugar.
leva um nome mas tem o direito a uma Introduzir algo nesse espaço que
vida própria. É uma questão muito não duvido que exista; não duvido que
complexa. as crianças possam me amar, mas,
É importante que os pais entrem quando uma delas diz "te amo", escuto
metaforizados. Dizemos aos pais que também algo da ordem do ódio. Não
aqui as crianças têm suas coisas, que são a mesma coisa, mas vêm juntos.
não é necessário reconstruir aqui a casa Todas as crianças que estão em
deles porque isso é uma invasão. Bonneuil têm por trás histórias terríveis.
Por isso, Mannoni repete esse conceito
Então, que seja um outro espaço... — entre Lacan e Dolto — segundo o
As crianças perguntam por que estão lã, qual é preciso pelo menos duas ge-
por que moram lã? rações para "fazer um psicótico".
Perguntam de outra maneira. Po-
dem-se dar muitas respostas. Acredito Mudando um pouco o eixo de
nossa conversa, como surge, dentro da haja um olhar cubista, isto é, como um
escola, a idéia de abrir os lieu d'accueil? objeto visto sob diversos ângulos, não
Havia crianças que não podiam nos iludamos. Nos últimos tempos, as
viver, tinham um limite. Tudo o que nós pessoas que se aproximam de Bonneuil
fazíamos era sistematicamente demoli- vêm de um ou dois tipos de lugares —
do, às cinco da tarde, pela família. Não as faculdades de psicologia ou as esco-
havia espaço para essas crianças. Isto é, las de educadores especializados —,
os lieu d'accueil não foram criados por quer dizer, vêm com um olhar profis-
um problema de distância, para aquelas sional que supõe formações e defor-
que moravam longe. Não. Essa foi só mações. É muito mais interessante
uma das motivações. E claro que uma quando vêm de lugares diferentes: mé-
criança que mora a duzentos quilôme- dicos, juizes, músicos, escultores, arte-
tros de Bonneuil não pode viajar todos sãos, jardineiros, porque, de todo mo-
os dias, mas esse é só um dos motivos. do, o trabalho que se faz em Bonneuil
Penso que o critério que prevalece, o pode ser feito por um ou outro. Muitas
mais interessante, é a idéia de ida e vol- vezes é mais difícil para os psicólogos
ta, ou seja, de separação. Tinha de se ou os educadores fazer o que se faz em
dar a essas crianças um outro lugar que Bonneuil.
não fosse nem a instituição nem a fa-
mília. Depois, vimos que o lieu d'ac- Que diferença há entre as pessoas
cueil nâo era suficiente e pensamos nas que chegam hoje a Bonneuil e as que
famílias acolhedoras (families d'ac- chegavam em anos anteriores?
cueil). Isto é algo que tem a ver com a
formação. Muitas pessoas vêm da uni-
Que diferença bá? versidade porque têm de cumprir certos
Em geral, são famílias de agricul- requisitos de formação, mas também há
tores, artesãos, de diversos lugares de gente como vocês, que vêm do exterior
França, que possibilitam que a criança e para quem isto não acrescenta nem
possa se introduzir em algo dessa vida tira nada.
de família para, outra vez, poder sair
dela. Às vezes, para que as crianças O que é que você pode dizer a
possam aprender algo, às vezes, sim- respeito do "trabalhoso" de se sustentar
plesmente, para aprenderem a viver. E um lugar de vida?
muito melhor se aprenderem um ofício, Não é só trabalhoso. É também di-
uma porta de saída. ficílimo. Eu não poderia dizer muito so-
É um trabalho pago. As famílias bre o que é o autismo, a psicose ou a
são pagas. Atualmente, têm um estatuto neurose grave, como temos nos lieu
de assistência que não é o melhor, mas d'accueil. Não poderia desenhar um
que a administração nos obrigou a ter. perfil perfeito dessas estruturas mas, se
A criança mora com essa família e não de algo posso dar testemunho é do so-
com a família dela. A criança integra-se, frimento, o enorme sofrimento que tu-
na medida do possível, ao trabalho. A do isso comporta e que, muitas vezes, o
família tem um salário que passa a ser conceito de estrutura esquece. •
uma contribuição. Isso é para levar mais
longe a separação. Como dizia Octave
Mannoni, para introduzir algo de uma
outra cultura.
Se bem que na escola de Bonneuil
NOTAS
4 Embora seja usual traduzir éclatée por estourada, nós nos permitimos optar
por estilhaçada, uma vez que essa última remete à figura de um espelho esti-
lhaçado. Cf. L. de Lajonquière, "A escolarização de crianças com DGD", Estilos
da clínica, n. 3, 1997, p. 116-129.
17 O escolar gira em torno aos cursos à distância ofertados pelo CNEC. Isso
dá às crianças o estatuto administrativo-escolar de "normais".
1^ Chamado assim apenas pelo fato da casa estar situada no número 182 de
uma avenida próxima à escola.