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A Primeira Guerra
do Paraguai
Documentos inéditos no Brasil indicam que o
conflito não começou em 1864, mas dez anos
antes, quando a marinha imperial planejou
um ataque contra o país vizinho para impor a
livre navegação na bacia do rio da Prata
F
oi uma das ações militares mais polêmicas da histó-
ria do Brasil. Em dezembro de 1854 uma esquadra
formada por 36 navios de guerra partiu do Rio
de Janeiro rumo ao Paraguai transportando de
2 a 3 mil soldados, com apoio de tropas nas pro-
víncias do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul. A defesa
paraguaia contava com apenas um navio de guerra e no
máximo 6 mil soldados.
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Fabricada em 1851 na
Inglaterra, a fragata
Amazonas foi a nau capitânia
da operação naval de
1854-1855 no rio da Prata. A
embarcação tinha 50 metros
de comprimento, capacidade
de transportar mais de 400
tripulantes e 6 canhões, e
também atuou na Batalha de
Riachuelo, em 1865
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Reprodução
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exemplo, era uma rota fundamental exigindo a liberação da navegação no defesas paraguaias. No entanto, no
para a comunicação fluvial entre o Rio rio Paraguai. O episódio foi a desculpa Arquivo Nacional de Assunção há
de Janeiro e as províncias mais ociden- que o Império precisava para atacar o uma série de 11 manuscritos intitulada
tais do país, como o Mato Grosso, pois país vizinho. “Várias cartas a respeito da invasão bra-
o deslocamento terrestre era inviável. sileira de 1855” que mostra que López
O Paraguai, ao contrário da Argen- A expedição Em 10 de dezembro de foi informado com antecedência dos
tina e do Uruguai, não se submeteu 1854, uma poderosa esquadra coman- planos do Império.
aos desígnios do Império. Questões dada por Pedro Ferreira de Oliveira O governo do Paraguai contava
referentes à demarcação de fronteiras (1801-1860) partiu do Rio de Janeiro com informantes que lhe revelaram
na região do atual Mato Grosso do rumo ao Paraguai. Seus objetivos eram os preparativos da expedição antes
Sul e ao direito de navegação no rio obter a livre navegação do rio Paraguai, mesmo de ela partir do Rio Janeiro. Em
Paraguai geraram desavenças entre em primeiro lugar, e fazer com que o
os dois governos. governo paraguaio se desculpasse
O Paraguai, ao contrário
Em agosto de 1853, o diplomata pelo “episódio Leal”. Se fosse neces-
brasileiro em Assunção, Felipe José sário, o comandante deveria utilizar a da Argentina e do Uruguai,
Pereira Leal, foi expulso do Paraguai de- força naval para atingir as metas. não se submetia ao
pois de dar um ultimato ao presidente A esquadra imperial deveria partir
Carlos Antonio López (1790-1862) em segredo para facilitar o ataque às Império Brasileiro
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Pedro Ferreira de
Oliveira, litografia,
Sebastien Auguste
Sisson, 1861
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paraguaio, o comandante Pedro Fer- Carlos Antonio López,
presidente do Paraguai
reira de Oliveira se dirigiu a Assunção entre 1844 e 1862,
em um só navio para negociar com adotou uma política
o representante paraguaio, o general externa independente
que contrariou o
Francisco Solano López (1827-1870), mi- governo de D. Pedro II
nistro da Guerra nomeado plenipoten-
ciário do Paraguai e filho do presidente Carlos Antonio López,
ilustração, autor
Carlos Antonio López. Durante mais de desconhecido, s/d
dois meses a esquadra imperial ficou
estacionada em Corrientes, à espera
do retorno de seu comandante.
Em 27 de abril de 1855 Pedro
Ferreira de Oliveira e Francisco Sola-
no López assinaram em Assunção
um Tratado de Amizade, Comércio
e Navegação entre Brasil e Paraguai.
O documento reconhecia o pleno
direito do governo paraguaio sobre a
parte do rio Paraguai que atravessava
o território do país e adiava a definição
das fronteiras para o ano seguinte.
O acordo de 27 de abril não resol-
veu as questões pendentes entre os
dois Estados, pois ficou aquém das
exigências imperiais. Em julho de 1856,
após longa discussão parlamentar, o resultados da expedição de 1854-1855. Joaquim Nabuco afirmou
governo brasileiro desautorizou os No livro Um estadista do Império, de
acordos pactuados por seu represen- 1897, o historiador e político abolicio- que a missão liderada
tante, insistindo no direito pleno de nista Joaquim Nabuco afirmou que por Pedro Ferreira foi um
navegação, tal como fora concedido “a missão Pedro Ferreira foi (...) um
pela Argentina e pelo Uruguai, e nas desastre diplomático” . “desastre diplomático”
suas exigências territoriais. No acordo, Em 1856 e 1858 novos acordos
o Paraguai não se opunha à navegação foram assinados por Brasil e Paraguai Tudo isso revela a importância da
nos seus rios interiores, sob seu contro- e descumpridos pelos dois governos, ofensiva de 1854-1855, mas o assunto
le, contanto que as questões territoriais pois brasileiros continuavam a invadir foi praticamente ignorado por diver-
fossem redefinidas, em até um ano, o norte do Paraguai, e a livre navega- sos historiadores que se dedicam aos
com o que o Império concordava ção dos barcos imperiais era sempre estudos dos conflitos na bacia do rio
somente sob suas exigências. barrada pelos regulamentos impostos da Prata no século XIX. A expedição
Pedro Ferreira de Oliveira, ao que pelo governo de Carlos Antonio López. naval de 1854-1855 não foi a causa
parece, foi prudente ao não atacar o Entre 1855 e 1864, os dois países se principal da guerra de 1864-1870, e
Paraguai. A esquadra enfrentava enor- preparam para a guerra. O relativo êxito talvez nem tenha sido um “fiasco”,
mes dificuldades de deslocamento, das tropas imperiais nos combates de mas foi o começo de um catastrófico
© Sammlung Rauch/Interfoto/Latinstock
os navios pesados encalhavam com 1864-1870 pode ter relação com os conflito que estouraria na década
frequência, e as embarcações com equívocos da operação naval de 1854- seguinte, deixando um saldo de de-
casco de madeira poderiam ser alvo 1855. Assim, em vez de um “desastre zenas de milhares de mortos. Foi uma
fácil para as defesas paraguaias insta- diplomático”, essa expedição pode ser guerra com os tiros adiados.
ladas ao longo do rio Paraguai, como entendida como um desastre militar
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no forte de Humaitá. Historicamente, que, no entanto, serviu de aprendizado Fabiano Barcellos Teixeira é mestre em
porém, a imagem do militar ficou arra- para as tropas brasileiras que lutaram história pela Universidade de Passo Fundo(RS) e
nhada pelas insuficientes análises dos na região a partir de 1864. professor da rede pública de Passo Fundo.
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