Você está na página 1de 76

Universidade de Coimbra

Mestrado Integrado em Engenharia do Ambiente

Análise Matemática III

Armando Gonçalves
2010/2011
Conteúdo

1 Cálculo integral em R2 e R3 . 1
1.1 Integrais duplos.Definição. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1
1.2 Propriedades do integral duplo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
1.3 Interpretação geométrica do integral duplo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.4 Cálculo de integrais duplos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
1.5 Cálculo de áreas e volumes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.5.1 Áreas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6
1.5.2 Volumes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
1.6 Mudança de variáveis em integrais duplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.6.1 Caso particular das coordenadas polares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10
1.7 Integrais triplos. Definição e propriedades. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.8 Cálculo de integrais triplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.9 Cálculo de volumes por integrais triplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.10 Mudança de variáveis em integrais triplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
1.10.1 Caso particular das coordenadas esféricas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
1.10.2 Caso particular das coordenadas cilı́ndricas . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1.11 Integrais curvilı́neos sobre curvas planas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
1.12 Interpretação geométrica do integral curvilı́neo, integrais relativamente às com-
ponentes cartesianas e parametrizações padrão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
1.13 Integrais curvilı́neos sobre curvas de R3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1.14 Aplicações dos integrais curvilı́neos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
1.15 Independência do caminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
1.16 Teorema de Green . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
1.17 Integrais de superfı́cie . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
1.18 Teorema de Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
1.19 Teorema da divergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

2 Equações diferenciais de ordem n 44


2.1 Equações diferenciais ordinárias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

i
2.2 Equações diferenciais, ordinárias e lineares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
2.3 Equações lineares, homogéneas e de ordem n. Wronskiano. . . . . . . . . . . . . 47
2.4 Equação linear, completa e de ordem n. Método de Lagrange ou de variação das
constantes arbitrárias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
2.5 Equação linear, homogénea, com coeficientes constantes e de ordem n . . . . . . 51
2.6 Equação linear, completa, com coeficientes constantes e de ordem n. Método do
polinómio anulador. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
2.7 Equação linear, completa e de ordem n. Método de D’Alembert ou de abaixa-
mento de ordem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

3 Transformada de Laplace 58
3.1 Resultados e definições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
3.2 Algumas propriedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
3.3 Aplicação da transformada de Laplace à resolução de equações diferenciais, line-
ares e com coeficientes constantes. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

4 Sistemas de equações diferenciais lineares e com coeficientes constantes 63


4.1 Resolução usando a transformada de Laplace . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
4.2 Sistemas homogéneos - resolução usando o Método da Álgebra Linear . . . . . . 64
4.2.1 Os valores próprios de A são reais e distintos . . . . . . . . . . . . . . . . 64
4.2.2 Valores próprios complexos de A . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
4.2.3 Valores próprios reais e de multiplicidade algébrica m > 1, de A . . . . . 66
4.2.4 Conclusões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70
4.3 Sistemas completos - resolução usando o Método da Álgebra Linear . . . . . . . . 70
4.4 Aplicações do Método da Álgebra Linear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

ii
1 Cálculo integral em R2 e R3 .

1.1 Integrais duplos.Definição.

Definição 1.1 Sejam a e b números reais, com a < b.


Sejam ainda f1 e f2 funções contı́nuas em [a, b] e tais que, para qualquer x ∈ [a, b], f1 (x) ≤
f2 (x).
Chama-se região de tipo I à parte R1 do plano definida por

R1 := {(x, y) : a ≤ x ≤ b ∧ ∃ z ∈ [a, b] : f1 (z) ≤ y ≤ f2 (z)}.

A figura que se segue é um exemplo gráfico de uma região de tipo I.

0.5 1 1.5 2 2.5 3

De modo análogo se define uma região de tipo II.

Definição 1.2 Sejam c e d números reais, com c < d.


Sejam ainda g1 e g2 funções contı́nuas em [c, d] e tais que, para qualquer y ∈ [c, d], g1 (y) ≤
g2 (y).

1
Chama-se região de tipo II à parte R2 do plano definida por

R2 := {(x, y) : c ≤ y ≤ d ∧ ∃ z ∈ [c, d] : g1 (z) ≤ x ≤ g2 (z)}.

A figura que se segue é um exemplo gráfico de uma região de tipo II.

2.5

1.5

0.5

1 2 3 4 5

Definição 1.3 Um subconjunto A de R2 é conexo se quaisquer dois pontos de A podem ser


unidos por uma linha poligonal contida em A.

Exemplo 1.4 Exemplos de conexos: um cı́rculo e uma coroa circular


Exemplo de um conjunto não conexo: a união de dois cı́rculos que não tenham pontos comuns
(disjuntos).

Definição 1.5 Uma região de R2 é um qualquer conjunto conexo de R2 .

Definição 1.6 Uma região de R2 é fechada se contem todos os seus pontos fronteiros.

Definição 1.7 Uma região é limitada se existe um cı́rculo que a contenha.

2
Teorema 1.8 Uma região R de R2 , fechada e limitada, pode ser decomposta num número finito
de regiões de tipo I e/ou de tipo II.

Seja R uma região fechada e limitada de R2 e W uma região rectangular que contenha R.
Dividindo W por meio de rectas horizontais e verticais, obtem-se uma partição interior de
R: é o conjunto P de todos os rectângulos assim obtidos e totalmente contidos em R.
Graficamente a situação é ilustrada na figura que se segue.

Definição 1.9 Seja P := {P1 , · · · , Pn } uma partição de R.


Designa-se por norma da partição P, e nota-se por ||P||, o comprimento da maior diagonal
dos rectângulos de P.
A área de Pi (i = 1, · · · , n) será notada por ∆Ai .

Definição 1.10 Seja f uma função definida numa região R de R2 .


Sejam ainda P := {P1 , · · · , Pn } uma partição interior de R e (ui , vi ) elementos de Pi (i =
1, · · · , n).

3
Chama-se soma de Riemann de f , para P, ao valor

n
(f (ui , vi )∆Ai ) .
i=1

Definição 1.11 Seja f uma função real de duas variáveis, definida numa região R.
Diz-se que

lim (f (ui , vi )∆Ai ) := L ∈ R
||P||→0
i
se, para qualquer ϵ > 0, existe δ > 0 tal que para toda a partição interior P := {P1 , · · · , Pn }, de
R, se verifica


||P|| < δ =⇒ (f (ui , vi )∆Ai ) − L < ϵ,

i
com (ui , vi ) ∈ Pi , i = 1, · · · , n.

Definição 1.12 Seja f uma função real de duas variáveis, definida numa região R de R2 .
Chama-se integral duplo (à Riemann) de f sobre R, e nota-se
∫∫
f (x, y) dA,
R

ao limite (caso exista)



lim (f (ui , vi ) ∆Ai ).
||P||→0
i
Caso o limite exista, f diz-se integrável, à Riemann, em R.

1.2 Propriedades do integral duplo.

Sem demonstração, indicam-se algumas propriedades do integral duplo. Em todas elas, supõe-se
que os integrais envolvidos, existem.

1. Se f é contı́nua numa região R de R2 , então f é integrável à Riemann, em R.

2. Se R é uma união disjunta de duas regiões, R1 e R2 , isto é, se R = R1 ∪ R2 e R1 ∩ R2 = ∅,


então
∫∫ ∫∫ ∫∫
f (x, y) dA = f (x, y) dA + f (x, y) dA.
R R1 R2

3. Se c é uma constante real e R é uma região de R2 , então


∫∫ ∫∫
c f (x, y) dA, = c f (x, y) dA.
R R

4
∫∫ ∫∫ ∫∫
4. R (f (x, y) + g(x, y)) dA = R f (x, y)dA + R g(x, y)dA.

∫∫
5. Se para qualquer (x, y) ∈ R, f (x, y) ≥ 0, então R f (x, y)dA ≥ 0.

1.3 Interpretação geométrica do integral duplo.


∫∫
Se f é contı́nua na região R e, para qualquer (x, y) ∈ R, f (x, y) ≥ 0, então R f (x, y)dA

representa o volume do sólido de base R e superiormente limitado pelo gráfico de f .

1.4 Cálculo de integrais duplos.

Os integrais duplos não se calculam, habitualmente, pela definição.


Como calcular, na prática, esses integrais?
Seja R1 uma região de tipo I definida por

R1 := {(x, y) : a ≤ x ≤ b; ∃(z ∈ [a, b] : f1 (z) ≤ y ≤ f2 (z))},

com f1 e f2 funções contı́nuas em [a, b].


Seja ainda R2 uma região de tipo II definida por

R2 := {(x, y) : c ≤ y ≤ d; ∃(z ∈ [a, b] : g1 (z) ≤ x ≤ g2 (z))},

com g1 e g2 funções contı́nuas em [c, d].


Se f é contı́nua em R1 e R2 , então pode-se enunciar, sem demonstração, o Teorema Funda-
mental do Cálculo:

Teorema 1.13
∫∫ ∫ b (∫ f2 (x)
)
f (x, y)dA = f (x, y)dy dx
R1 a f1 (x)
∫∫ ∫ (∫ )
d g2 (y)
f (x, y)dA = f (x, y)dx dy.
R2 c g1 (y)

Exemplo 1.14 Cálculo de


∫∫
x3 + y dA,
R

com R a região do plano limitada inferiormente pelo gráfico da função definida por y = x2 e
superiormente por y = x.

5
Geometricamente, R é uma região de tipo I da forma

0.8

0.6

0.4

0.2

0.2 0.4 0.6 0.8 1

Então,
∫∫ ∫ 1∫ x
3
x + y dA = x3 + y dy dx
R 0 x2
∫ 1( )x
3 y2
= x y+ dx
0 2 x2
∫ 1
x2 x4
= x4 + − x5 − dx
0 2 2
1
= .
10

Repare-se que R também podia ser encarada como região de tipo II e, nesse caso,
∫∫ ∫ 1∫

y
3
x + y dA = x3 + y dx dy.
R 0 y

1.5 Cálculo de áreas e volumes.

1.5.1 Áreas

Com as notações do parágrafo 1.4, seja R1 uma região de tipo I, definida por

R1 := {(x, y) : a ≤ x ≤ b ∧ ∃(z ∈ [a, b] : f1 (z) ≤ y ≤ f2 (z))},

com f1 e f2 funções contı́nuas em [a, b].

6
Então,
∫∫ ∫ b (∫ f2 (x)
)
1 dA = 1 dy dx
R1 a f1 (x)
∫ b
= (f1 (x) − f2 (x)) dx.
a
∫∫
Logo, 1 dA é o valor numérico da área de R1 .
R1
∫∫
De modo análogo se prova que R2 1 dA é o valor numérico da área da região de tipo II, R2 .

Exemplo 1.15 Determinação da área A(R) da região R, limitada pelas curvas de equações
2y = 16 − x2 e x = −2y − 4.
Geometricamente, R é da forma

-4 -2 2 4
-2

-4

Então,
∫∫
A(R) = 1 dA
R1

∫ (
5 )
x2 x + 4
= 8− + dx
−4 2 2

985
= .
12

1.5.2 Volumes

No parágrafo 1.3, foi feita a interpretação geométrica do integral duplo, como valor numérico de
um determinado volume.

7
Exemplo 1.16 Determinação do volume do sólido Q, contido no primeiro octante, limitado
pelos planos coordenados e pelas superfı́cies de equações z = x2 +y 2 +1 (parabolóide) e x2 +y 2 =
4 (cilindro).
Geometricamente,

0 0

0.5 0.5

1 1

1.5 1.5

2 2

Relativamente às notações usadas em 1.3, R é, como se mostra na figura seguinte, a região
limitada pelas partes positivas dos eixos coordenados e por um quarto de circunferência, de

equação y = 4 − x2

8
2

1.5

0.5

0.5 1 1.5 2

e f (x, y) = x2 + y 2 + 1.
Então, o volume V (Q) do sólido Q, é dado por
∫∫
V (Q) = x2 + y 2 + 1 dA
R

∫ √
2∫ 4−x2
= x2 + y 2 + 1 dy dx
0 0

∫ 2( )√4−x2
y3
= x2 y + +y dx.
0 3 0

Este integral não é fácil de calcular.


O presente exemplo será acabado no próximo parágrafo, já que o cálculo do volume é muito
simples se for feita a mudança para coordenadas polares.

1.6 Mudança de variáveis em integrais duplos

Seja R uma região de XOY, fechada e limitada por uma curva (fechada) C.
Seja ainda T uma aplicação biunı́voca que transforma uma região D do plano U OV , em R,
com D fechada e limitada por uma curva (fechada) K que é transformada, por T , em C.
T é designada por transformação.

9
Teorema 1.17 Seja T uma transformação de D em R, com T definida por

T (u, v) := (x(u, v), y(u, v)).

Se xu ,yu , xv e yv são contı́nuas em D, se, para qualquer (u, v) ∈ D,




xu xv

JT (u, v) := (u, v) ̸= 0

yu yv

e se f admite derivadas parciais contı́nuas numa região aberta contendo R, então


∫∫ ∫∫
f (x, y) dA = f (x(u, v), y(u, v)) |JT (u, v)| dA.
R D

Observações 1.18

1. O primeiro integral é em x e y e o segundo em u e v.

2. JT (u, v) designa-se por jacobiano da transformação T .

1.6.1 Caso particular das coordenadas polares

As coordenadas polares r e θ estão relacionadas com as cartesianas x e y, por



 x = r cos θ
.
 y = r sin θ

Geometricamente, r é o comprimento do segmento de extremidades (0, 0) e (x, y), sendo θ o


ângulo formado pela parte positiva do eixo das abcissas e pelo segmento atrás referido.

Observações 1.19

1. r ≥ 0.

2. Para que a transformação T do plano r O θ sobre o plano XOY seja biunı́voca é necessário
que θ varie num intervalo semiaberto de amplitude 2π, por exemplo −π ≤ θ < π.
√ y
3. Obviamente, r = x2 + y 2 e, para x ̸= 0, θ = arctg .
x

4. Se se definir T por T (r, θ) = (x(r, θ), y(r, θ)) := (r cos θ, r sin θ), então JT (r, θ) = r ≥ 0.

10
O resultado seguinte é uma consequência imediata do teorema 1.17 e do ponto 4 das ob-
servações 1.19.
∫∫
Corolário 1.20 Se R está nas condições do teorema 1.17 e R f (x, y)dA está definido, então,
sendo D a região de r O θ correspondente a R, verifica-se
∫∫ ∫∫
f (x, y)dA = f (r cos θ, r sin θ) rdA.
R D

Observação 1.21 O primeiro integral é em x e y, sendo o segundo em r e θ.

As regiões de tipo θ têm, para r e θ, um papel semelhante ao que era desempenhado, para
x e y, pelas regiões de tipo I.

Definição 1.22 Sendo a e b constantes reais (a < b) e F e G funções contı́nuas em [a, b], uma
região de tipo θ é definida por a ≤ θ ≤ b e F (θ) ≤ r ≤ G(θ).

Uma região de tipo θ é, geometricamente, da forma

1 2 3 4

Sendo R uma região de tipo θ, nas condições da definição 1.22, então,


∫∫ ∫ b ∫ G(θ)
f (x, y) dA = f (r cos θ, r sin θ) r dr dθ.
R a F (θ)

11
Se A(R) for a área de R, então,
∫ b∫ G(θ)
A(R) = r dr dθ.
a F (θ)

Se F (θ) = 0, então, geometricamente, R é da forma

3.5

2.5

1.5

0.5

0.5 1 1.5 2 2.5 3 3.5

Exemplos 1.23

1. Pode-se agora terminar o cálculo do volume do exemplo 1.16.

Nesse caso, F (θ) = 0, G(θ) = 2, a = 0 e b = π2 .

12
O volume V (Q) do sólido Q, é dado por
∫∫
V (Q) = x2 + y 2 + 1 dA
R

∫ π ∫ 2
2
= (r2 + 1) r drdθ
0 0

∫ π ( )2
2 r4 r2
= + dθ
0 4 2 0

= 3π.

Este cálculo é claramente mais fácil que aquele que era proposto no exemplo 1.16.

2. Determinação da área da região R, limitada pelas curvas de equações y = 0, y = x,



x2 + y 2 = 9 e x = 16 − y 2 .

Geometricamente, R é a região de tipo θ, esboçada na figura seguinte.

1 2 3 4

13
A área A(R) de R, é dada por
∫ π ∫ 4
4
A(R) = r dr dθ
0 3
∫ π ( )4
4 r2
= dθ
0 2 3

= .
8

Observação 1.24 Sendo a e b constantes reais (a < b) e F e G funções contı́nuas em [a, b],
definiu-se uma região de tipo θ por a ≤ θ ≤ b e F (θ) ≤ r ≤ G(θ).
Sendo c e d constantes reais (c < d) e H e I funções contı́nuas em [c, d], de modo análogo
se pode definir região de tipo r pelas desigualdades c ≤ r ≤ d e H(r) ≤ θ ≤ I(r).

Exemplo 1.25 A região correspondente ao segundo dos exemplos 1.23, é de tipo r (e, simulta-
neamente, de tipo θ).

1.7 Integrais triplos. Definição e propriedades.

Começa-se este parágrafo com algumas definições, em R3 , análogas às que foram introduzidas,
em 1.1, no caso de R2 .

Definição 1.26 Um subconjunto R, de R3 , é conexo se quaisquer dois pontos de R podem ser


unidos por uma poligonal, totalmente contida em R.

Definição 1.27 Um subconjunto R, de R3 , é uma região se for conexo.

Definição 1.28 Uma região R, de R3 , é fechada se contiver todos os seus pontos fronteiros.

Definição 1.29 Uma região R, de R3 , é limitada se estiver contida em alguma esfera.

Sejam R uma região fechada e limitada de R3 e f uma função real definida em R.


Seja W um paralelipı́pedo tal que R ⊆ W .
Divida-se W em paralelipı́pedos menores, resultantes de cortes feitos, em W , por planos
paralelos aos planos coordenados.
Seja P := {P1 , · · · , Pn } a famı́lia de todos os paralelipı́pedos assim gerados e contidos em R.
P é uma partição interior de R.

14
Definição 1.30 Seja P := {P1 , · · · , Pn } uma partição interior da região R, de R3 .
Designa-se por norma de P, notando-se por ||P||, o comprimento da maior diagonal dos
paralelipı́pedos P1 , · · · , Pn .
O volume de Pi (i = 1, · · · , n), será notado por ∆Vi .

Definição 1.31 Seja P := {P1 , · · · , Pn } uma partição interior da região R, de R3 .


Sejam ainda (xi , yi , zi ) pontos de Pi (i = 1, · · · , n) e f uma função real definida em R.
Chama-se soma de Riemann de f , para P, ao seguinte valor

n
(f (xi , yi , zi )∆Vi ) .
i=1

Definição 1.32 Seja f uma função real definida numa região R de R3 .


Diz-se que

lim (f (xi , yi , zi )∆Vi ) := L ∈ R
||P||→0
i
se, para qualquer ϵ > 0, existe δ > 0 tal que para toda a partição interior P := {P1 , · · · , Pn }, de
R, se verifica


||P|| < δ =⇒ (f (xi , yi , zi )∆Vi ) − L < ϵ,

i
com (xi , yi , zi ) ∈ Pi (i = 1, · · · , n).

Definição 1.33 Seja f uma função real, definida numa região R, de R3 .


Chama-se integral triplo (à Riemann) de f sobre R, e nota-se
∫∫∫
f (x, y, z) dV,
R

ao limite (caso exista)



lim (f (xi , yi , zi )∆Vi ) .
||P||→0
i
Caso o limite exista, f diz-se integrável, à Riemann, em R.

Definição 1.34 Seja f uma função definida numa região R de R3 .


Se fx , fy e fz são contı́nuas em R e satisfazem

∀(x, y, z) ∈ R3 , [fx (x, y, z)]2 + [fy (x, y, z)]2 + [fz (x, y, z)]2 ̸= 0

então a representação geométrica correspondente à igualdade f (x, y, z) = 0, forma uma su-


perfı́cie uniforme.

15
Teorema 1.35 Seja g uma função real e contı́nua numa região fechada e limitada R, de R3 .
Se a fronteira de R é a união de um número finito de superfı́cies uniformes, então o integral
∫∫∫
R g(x, y, z) dV existe.

1.8 Cálculo de integrais triplos

Seja R uma região fechada e limitada, de R3 .


Seja ainda f uma função contı́nua em R e com valores em R.
Se Q é uma região de tipo I, de R2 , definida por

Q := {(x, y) : a ≤ x ≤ b ∧ g1 (x) ≤ y ≤ g2 (x)}

e se g e h são funções contı́nuas em Q, satisfazendo

∀(x, y, z) ∈ R, g(x, y) ≤ z ≤ h(x, y),

então,
∫∫∫ ∫ ∫ (∫ h(x,y)
)
f (x, y, z) dV = f (x, y, z) dz dA
R Q g(x,y)
∫ b (∫ g2 (x)
(∫
h(x,y)
) )
= f (x, y, z) dz dy dx.
a g1 (x) g(x,y)

De modo análogo se determinaria uma expressão para o integral triplo, se Q fosse de tipo II.
∫∫∫
Exemplo 1.36 Cálculo de R xyz dV , com R a região de R3 definida por

R := {(x, y, z) : (x, y) ∈ Q ∧ x − y ≤ z ≤ x + y}

e Q a região de R2 limitada pela scurvas de equações y + x = 0, y − x = 0 e x = 1.


Os limites de integração em z são imediatos a partir da definição de R, sendo g(x, y) = x−y
e h(x, y).
Geometricamente Q está esboçada na figura que se segue.

16
1

0.5

0.20.40.60.8 1

-0.5

-1

Então,
∫∫∫ ∫ 1∫ x ∫ x+y
xyz dV = xyz dz dy dx
R 0 −x x−y
2
= .
9

Observação 1.37 O papel das variáveis no integral triplo, pode ser permutado, isto é, se, por
exemplo
R := {(x, y, z) : (x, z) ∈ Q ∧ g(x, z) ≤ y ≤ h(x, z)}

e
Q := {(x, z) : a ≤ x ≤ b ∧ g1 (x) ≤ z ≤ g2 (x)},

então
∫∫∫ ∫ ∫ (∫ h(x,z)
) ∫ b∫ g2 (x) ∫ h(x,z)
f (x, y, z) dV = f (x, y, z) dy )dA = f (x, y, z) dy dz dx.
R Q g(x,z) a g1 (x) g(x,z)

1.9 Cálculo de volumes por integrais triplos


∫∫∫
Se R é uma região fechada e limitada, de R3 , então, o volume de V d́ado por V (R) = R 1 dV .

Observação 1.38 Compare-se a afirmação anterior com a interpretação geométrica, feita em


1.3, do integral duplo.

Exemplo 1.39 Determinação do volume, V (R), de uma esfera R, de raio 3.

17
Seguem-se as representações geométricas de um oitavo de esfera, R1 , e da respectiva pro-
jecção , Q1 , sobre XOY .

0
1
2
3
3

0
0
1
2
3
3

2.5

1.5

0.5

0.5 1 1.5 2 2.5 3

18
∫∫∫
V (R) = 8 1 dV
R1
∫∫ √
9−x2 −y 2
= 8 [z]0 dA
Q1
∫ π ∫ 3 √
2
= 8 9 − r2 r dr dθ
0 0
4π33
=
3
= 36π.

1.10 Mudança de variáveis em integrais triplos


∫∫∫
Considere-se o integral R f (x, y, z) dV , com R uma região fechada e limitada de R3 e seja D
uma região fechada e limitada pela união de um número finito de superfı́cies uniformes.

Definição 1.40 Uma função T com domı́nio D e contradomı́nio R, definida por T (u, v, w) :=
(x(u, v, w), y(u, v, w), z(u, v, w)), designa-se por transformação de D sobre R.
O jacobiano, JT (u, v, w), de T , é


xu xv xw


JT (u, v, w) := yu yv yw .


zu zv zw
(u,v,w)
∫∫∫
Teorema 1.41 Suponha-se que existe R f (x, y, z) dV .
Usando as notações da definição anterior, seja T uma transformação de D sobre R, tal que
x, y e z são funções definidas e com derivadas parciais contı́nuas, em D.
Se JT (u, v, w) ̸= 0 (excepto num número finito de pontos de D, mas mantendo sempre
o mesmo sinal), então T transforma a região fechada e limitada D, numa região fechada e
limitada R de talmodo que a cada ponto de D corresponde um e um só ponto de R.
Além disso, T transforma a fronteira de D, na fronteira de R e
∫∫∫ ∫∫∫
f (x, y, z) dV = f (x(u, v, w), y(u, v, w), z(u, v, w)) |JT (u, v, w)| dV.
R D

19
1.10.1 Caso particular das coordenadas esféricas.

Um ponto P (x, y, z) de R3 fica bem determinado pelas suas coordenadas esféricas (ρ, θ, ϕ), com
ρ o comprimento do segmento OP que une a origem a P , θ o ângulo definido pelo semi-eixo
positivo OX e pela projecção, sobre XOY , de OP e medido como nas coordenadas polares, e φ
o menor dos ângulos definidos pelo semi-eixo positivo OZ e por OP e medido a partir de OZ.
A figura seguinte ilustra as coordenadas esféricas, no caso do ponto (1, 1, 1).

0.75

0.5
0
0.25 0.25
0.5
0
0 0.75
0.25
0.5
0.75 1
1

20
Observações 1.42

1. ρ ≥ 0.

2. θ varia num intervalo semiaberto, de amplitude 2π. Por exemplo, θ ∈ [−π, π[.

3. 0 ≤ φ ≤ π.

4. As relações entre as coordenadas cartesianas e as esféricas são dadas por




 x = ρ cos θ sin φ


y = ρ sin θ sin φ .



 z = ρ cos φ

5. O jacobiano da transformação de coordenadas cartesianas para esféricas toma o valor


JT (ρ, θ, φ) = −ρ2 sin φ.

6. É fácil provar que ρ = x2 + y 2 + z 2 .

O resultado seguinte é consequência do teorema 1.41.

∫∫∫
Teorema 1.43 Suponha-se que existe R f (x, y, z) dV , sendo

R := {(ρ, θ, φ) : g1 (θ, φ) ≤ ρ ≤ g2 (θ, φ) ∧ h1 (φ) ≤ θ ≤ h2 (φ) ∧ a ≤ φ ≤ b},

com g1 , g2 , h1 e h2 contı́nuas em domı́nios convenientes.


Então,
∫∫∫ ∫ b ∫ h2 (φ) ∫ g2 (θ,φ)
f (x, y, z) dV = f (ρ cos θ sin φ, ρ sin θ sin φ, ρ cos φ) ρ2 sin φ dρ dθ dφ.
R a h1 (φ) g1 (θ,φ)

Observação 1.44 A região R do teorema anterior é do tipo

21
Exemplo 1.45 Determinação, usando coordenadas esféricas, do volume de uma esfera, R, de
raio r.
Geometricamente, a questão é semelhante à do exemplo 1.39.
Tal como nesse exemplo, seja R1 um oitavo da esfera R.
Então,

V (R) = 8 V (R1 )
∫∫∫
= 8 1 dV
R1
∫ π ∫ π ∫ r
2 2
= 8 ρ2 sin φ dρ dθ dφ
0 0 0
4 3
= πr .
3

Observação 1.46 A mudança para coordenadas esféricas, entre outros casos, é aconselhável
se a função a integrar envolver termos da forma x2 + y 2 + z 2 e/ou a região de integração for
limitada por superfı́cies esféricas, centradas na origem, ou por cones circulares, de vértice na
origem e equação do tipo φ = a, com a constante.

22
1.10.2 Caso particular das coordenadas cilı́ndricas

Seguindo as notações e a ilustração geométrica usadas para as coordenadas esféricas, seja


P (x, y, z) um ponto de R3 .
As correspondentes coordenadas cilı́ndricas serão (r, θ, z) com theta definido como nas esféricas
e r o comprimento da projecção , sobre XOY , do segmento que une a origem a P .

Observações 1.47

1. r ≥ 0.

2. θ varia num intervalo semiaberto, de amplitude 2π. Por exemplo, θ ∈ [−π, π[.

3. As relações entre as coordenadas cartesianas e as cilı́ndricas são dadas por



 x = r cos θ
 y = r sin θ,

sendo z o mesmo nos dois sistemas de coordenadas.

4. O jacobiano da transformação de coordenadas cartesianas para cilı́ndricas toma o valor


JT (r, θ, z) = r.

5. Evidentemente r = x2 + y 2 .

O resultado seguinte é consequência do teorema 1.41.


∫∫∫
Teorema 1.48 Suponha-se que existe R f (x, y, z) dV , sendo

R := {(r, θ, z) : g1 (r, θ) ≤ z ≤ g2 (r, θ) ∧ h1 (θ) ≤ r ≤ h2 (θ) ∧ a ≤ θ ≤ b},

com g1 , g2 , h1 e h2 contı́nuas em domı́nios convenientes, [a, b] ∈ [−π, π[ e h1 (θ) ≥ 0.


Então,
∫∫∫ ∫ b ∫ h2 (θ) ∫ g2 (r,θ)
f (x, y, z) dV = f (r cos θ, r sin θ, z) r dz dr dθ.
R a h1 (θ) g1 (r,θ)

23
Observação 1.49 A região R do teorema anterior é do tipo

Exemplo 1.50 Determinação do volume da parte de cilı́ndro R, limitada pelas superfı́cies de


equações x2 + y 2 = 4, z = 3 e z = 0.
Seja R1 a região da figura
0
0 0.5
1
1.5
0.5 2
3
1
1.5
2
2

24
A projecção de R1 sobre XOY é da seguinte forma

0
0 0.5
1
1.5
0.5 2
1
1
0.5
1.5
0
2 -0.5
-1

Logo,

V (R) = 4 V (R1 )
∫∫∫
= 4 1 dV
R1
∫ π ∫ 2 ∫ 3
2
= 4 r dz dr dθ
0 0 0
= 12 π.

Observação 1.51 A mudança para coordenadas cilı́ndricas, entre outros casos, é aconselhável
se a função a integrar envolver termos da forma x2 +y 2 e/ou a região de integração for cilı́ndrica
circular de equação do tipo x2 + y 2 = a2 , com a uma constante positiva.

1.11 Integrais curvilı́neos sobre curvas planas




 x = g(t)


Seja C uma curva plana definida por , com g e h definidas em [a, b].



 y = h(t)

Definição 1.52 Se g e h admitem derivadas contı́nuas em [a, b] que se não anulam, simultanea-
mente, em qualquer ponto, excepto, possivelmente, em a e b, então C é uma curva suave.
Se [a, b] puder ser dividido em subintervalos nos quais C seja suave, C é parcialmente suave.

25
Seja f uma função contı́nua numa região D ⊆ R2 e C uma curva suave, em [a, b], tal que
C ⊆ D.
Sejam ainda A e B definidos por A := (g(a), h(a)) e B := (g(b), h(b)).

Observação 1.53 O sentido positivo, ao longo de C, é aquele que é definido pelos valores
crescentes de t.

t0 := a, t1 , · · · , tn := b reais tais que [t0 , t1 ], · · · , [tn−1 , tn ] é uma partição de [a, b].


Sejam 
 xi = g(ti )
Sendo e Pi := (xi , yi ), i = 0, · · · , n, os arcos P\ i−1 Pi , i = 1, · · · , n cons-
 y = h(t )
i i
tituem uma partição de C.

Definição 1.54 Sejam ∆xi := xi − xi−1 , ∆yi := yi − yi−1 e ∆si o comprimento de P\


i−1 Pi ,

i = 1, · · · , n.
A norma ||∆|| da partição é o maior dos ∆si .

Definição 1.55 Nas condições da definição anterior, sejam Qi := (ui , vi ), i = 1, · · · , n, pontos


de P\
i−1 Pi .

Defina-se a soma de Riemann



n
f (ui , vi )∆si .
i=1

Definição 1.56 Se a soma de Riemann tiver limite (definido de modo análogo ao limite da
definição 1.11) quando ||∆|| → 0, esse limite irá designar-se por integral curvilı́neo de f , ao
longo de C.
Esse integral será notado por
∫ ∑
f (x, y) ds := lim f (ui , vi )∆si .
C ||∆||→0
i

Na bibliografia que é apresentada, poderá ser consultada a demonstração do resultado se-


guinte.

Teorema 1.57 Seja f uma função contı́nua numa região D, de R2 , que contem a curva suave
C.

Então C f (x, y) ds existe e é independente da parametrização de C.

26
Além disso,
∫ ∫ b √
f (x, y) ds = f (g(t), h(t)) (g ′ (t))2 + (h′ (t))2 dt.
C a

Observação 1.58 A definição de integral curvilı́neo pode ser estendida ao caso das curvas
parcialmente suaves, sendo o integral curvilı́neo de f ao longo da curva parcialmente suave C,
entendido como a soma dos integrais de f ao longo das curvas suaves em que C se decompõe.

∫  x = cos t
Exemplo 1.59 Cálculo de C xy 2 ds, com C definida por e t ∈ [0, π2 ].
 y = sin t
C é o quarto de circunferência de raio 1, centrada na origem, contida no primeiro quadrante
e percorrida de (1, 0) para (0, 1).
Então,
∫ ∫ π

2
2
x y ds = cos t sin2 t cos2 t + sin2 t dt
C 0
1
= .
3

1.12 Interpretação geométrica do integral curvilı́neo, integrais relativamente


às componentes cartesianas e parametrizações padrão

Seja f uma função contı́nua e positiva numa região de suave C.



C x y ds é o valor numérico da área da superfı́cie cilı́ndrica de directriz C, geratrizes paralelas
2

a OZ e compreendida entre C e f (C).


Geometricamente, essa superfı́cie é do tipo

27
Observações 1.60
∫b
1. O integral definido a f (x) dx, pode ser encarado como um caso particular do integral
curvilı́neo, no qual a curva é parametrizada por x = t e y = 0, com a ≤ t ≤ b.

2. As propriedades dos integrais curvilı́neos são, em muitos casos, semelhantes às dos inte-
grais definidos.

(a) Por exemplo, o integral curvilı́neo de uma soma de funções é igual à soma dos inte-
grais curvilı́neos de cada uma das funções .
∫ ∫
(b) No entanto, C f (x, y) ds = C f (x, y) ds.
d
AB d
BA

Observação 1.61 Se, na definição de integral curvilı́neo, ∆ si for substituı́do por ∆ xi := xi −


∫ ∫
xi−1 (ou por ∆ yi := yi − yi−1 ), obtêm-se os integrais curvilı́neos C f (x, y) dx (ou C f (x, y) dy)
que se designam por integrais curvilı́neos de f , ao longo de C, em relação a x (ou a y).
Se C é definida parametricamente por x = g(t) e y = h(t) e a ≤ t ≤ b, então
∫ ∫ b
f (x, y) dx = f (g(t), h(t))g ′ (t) dt
C a

e
∫ ∫ b
f (x, y) dy = f (g(t), h(t))h′ (t) dt.
C a
∫ ∫
Exemplo 1.62 Cálculo de C x y 2 dx e C x y 2 dy, com C definida por x = t e y = t2 , 0 ≤ t ≤ 2.

∫ ∫ 2
2 32
x y dx = t5 dt = .
C 0 3
∫ ∫ 2
256
x y 2 dx = 2t6 dt = .
C 0 7
Observação 1.63 Se C é dada na forma y = g(x), com x ∈ [a, b], pode-se parametrizar C na
forma padrão x = t, y = g(t) e t ∈ [a, b].
Nesse caso, tem-se
∫ ∫ b √
f (x, y) ds = f (t, g(t)) 1 + (g ′ (t))2 dt
C a
∫ ∫ b
f (x, y) dx = f (t, g(t)) dt
C a
∫ ∫ b
f (x, y) dy = f (t, g(t)) g ′ (t) dt.
C a

28
Observação 1.64 Nas aplicações podem ocorrer situações nas quais se combinam os dois tipos
de integrais em realção a x e y. Por exemplo
∫ ∫
M (x, y) dx + N (x, y) dy.
C C

A expressão anterior será notada por



M (x, y) dx + N (x, y) dy.
C

1.13 Integrais curvilı́neos sobre curvas de R3 .

Seja C uma curva de R3 , definida por x = g(t), y = h(t), z = k(t), com t ∈ [a, b], g, h e k
funções admitindo derivadas em [a, b] e que se não anulam simultaneamente em qualquer ponto
desse intervalo.
C é uma curva suave.
Seja ainda f uma função contı́nua numa região D ⊆ R3 , tal que C ⊆ D.
O integral curvilı́neo de f , ao longo de C, é, como no caso das curvas planas, definido por
∫ ∑
f (x, y, z) ds := lim f (ui , vi , wi ) ∆si .
C ||∆||→0
i

Este integral pode ser calculado pela fórmula


∫ ∫ b √
f (x, y, z) ds = f (g(t), h(t), k(t)) (g ′ (t))2 + (h′ (t))2 + (k ′ (t))2 dt.
C a

Tal como no caso das curvas planas, poder-se-ia definir


∫ ∫ ∫
f (x, y, z) dx, f (x, y, z) dy e f (x, y, z) dz,
C C C

ditos os integrais de f , ao longo de C, relativamente a x, y e z.



Exemplo 1.65 Cálculo de C yz dx + xz dy + xy dz.
∫ ∫2 5 5 5
C yz dx + xz dy + xy dz = 0 t + 2t + 3t dt = 64.

1.14 Aplicações dos integrais curvilı́neos.

1. Seja C uma curva suave.

Então o valor numérico, C(C), do comprimento da curva C é dado por



C(C) = 1 ds.
C

29
2. Seja C uma curva suave imersa num campo de forças.

Suponha-se que, em cada ponto (x, y, z), as forças actuam segundo a função vectorial F⃗ ,
definida por
F⃗ (x, y, z) := M (x, y, z)î + N (x, y, z)ĵ + P (x, y, z)k̂,

com M, N e P contı́nuas.

O trabalho, W , realizado por F⃗ quando o seu ponto de aplicação se desloca ao longo de C,


é dado por

W := M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz.
C

1.15 Independência do caminho

Definição 1.66 Seja C uma curva parcialmente suave, unindo os pontos A e B.


C é designada por caminho de A a B.

Nesta fase, a intenção é determinar condições para que o integral curvilı́neo seja independente
do caminho, isto é, para quaisquer dois pontos A e B, a dependência seja unicamente de A e B.
∫B ∫
Nesse caso o integral será notado A e não C .

Teorema 1.67 Sejam M , N e P funções contı́nuas numa região aberta (e, portanto, conexa)
D de R3 .
Então
∫ B
M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz
A

é independente do caminho, em D, se e só se existe f tal que

∂f ∂f ∂f
(x, y, z) = M (x, y, z) , (x, y, z) = N (x, y, z) e (x, y, z) = P (x, y, z).
∂x ∂y ∂z

Demonstração. Suponha-se o integral independente do caminho, de A a B, para quaisquer


pontos A e B, de D.
Fixe-se P0 := (x0 , y0 , z0 ), em D, e defina-se f do seguinte modo
∫ (x,y,z)
f (x, y, z) := M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz,
P0

com (x, y, z) ∈ D.

30
Então f depende unicamente de (x, y, z) e não do caminho de P0 a (x, y, z).
Considere-se um cı́rculo centrado em (x, y, z) e contido em D (como pode garantir a existência
de tal cı́rculo?).
Seja P1 := (x1 , y, z) um ponto desse cı́rculo, distinto de (x, y, z).
Sendo C1 um caminho de P0 a P1 e C2 um segmento de recta a unir P1 a (x, y, z), tem-se

f (x, y, z) = M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz +
C1

M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz
C2
∫ P1
= M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz +
P0
∫ (x,y,z)
M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz
P1

Logo,
(∫ )
(x,y,z)
∂f ∂
(x, y, z) = M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz
∂x ∂x P1
(∫ )
(x,y,z)

= M (x, y, z) dx
∂x P1
= M (x, y, z).

∂f ∂f
De forma análoga se provaria que (x, y, z) = N (x, y, z) e (x, y, z) = P (x, y, z).
∂y ∂z
Reciprocamente, suponha-se que

∂f ∂f ∂f
(x, y, z) = M (x, y, z) ∧ (x, y, z) = N (x, y, z) ∧ (x, y, z) = P (x, y, z).
∂x ∂y ∂z

Sejam A := (x1 , y1 , z1 ) e B := (x2 , y2 , z2 ) dois pontos arbitrários de D e C uma qualquer


curva suave unindo esses dois pontos, definida parametricamente por x := g(t), y := h(t) e
z := k(t), com t1 ≤ t ≤ t2 .

31
Então,
∫ ∫
∂f
M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz = (x, y, z) dx +
C C ∂x
∂f ∂f
(x, y, z) dy + (x, y, z) dz
∂y ∂z
∫ t2
∂f
= (g(t), h(t), k(t)) g ′ (t) +
t1 ∂ x
∂f
(g(t), h(t), k(t)) h′ (t) +
∂y
∂f
(g(t), h(t), k(t)) k ′ (t) dt
∂z
∫ t2
df
= (g(t), h(t), k(t)) dt
t1 d t
= f (B) − f (A).

Logo, o integral depende unicamente dos pontos A e B e não da curva que os une.

Observação 1.68 O teorema anterior tem a seguinte versão, no caso de R2 .

Sejam M e N funções contı́nuas numa região aberta (e, portanto, conexa) D de R2 .


Então,
∫ B
M (x, y) dx + N (x, y) dy
A

é independente do caminho, em D, se e só se existe f tal que

∂f ∂f
(x, y) = M (x, y) ∧ (x, y) = N (x, y).
∂x ∂y

Exemplo 1.69 C (x + y) dx + (x + ey ) dy é independente do caminho.
Para se provar este facto, determine-se uma função f , nas condições da observação anterior.
∂f
Se existir tal função , então (x, y) = x + y.
∂x
x 2
Logo, f (x, y) = + yx + g(y), com g uma função de y.
2
∂f ∂f
Pode-se concluir, por um lado, que (x, y) = x + g ′ (y), por outro, sabe-se que (x, y) =
∂y ∂y
x + ey .
x2
Assim, g ′ (y) = ey , o que permitir afirmar que f , definida por f (x, y) = + yx + ey , é uma
2
das funções que está nas condições da observação 1.62.

32
O próximo resultado fornece condições necessárias para a independência do caminho, logo
irá ser usado para provar que não há independência do caminho.

Teorema 1.70 Se M , N e P têm derivadas parciais de primeira ordem contı́nuas numa região
aberta (e conexa) D, de R3 e se

M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz
C

é independente do caminho, em D, então

∂M ∂N ∂M ∂P ∂N ∂P
= , = e = .
∂y ∂x ∂z ∂x ∂z ∂y

Demonstração. Pelo teorema 1.67, existe f tal que

∂f ∂f ∂f
(x, y, z) = M (x, y, z) , (x, y, z) = N (x, y, z) e (x, y, z) = P (x, y, z).
∂x ∂y ∂z

Como
∂2f ∂M ∂2f ∂N
= e =
∂y ∂x ∂y ∂x ∂y ∂x
∂M ∂N
então, pelo teorema de Schwarz, = .
∂y ∂x
As outras duas igualdades provam-se de modo análogo.

As condições do teorema anterior não são suficientes para a independência do caminho. No


entanto, se D for simplesmente conexa, essas condições são suficientes.

Definição 1.71 Uma região (conexa) D, de R3 , é simplesmente conexa se qualquer curva fe-
chada C, contida em D, só contorna pontos de D.
(Em linguagem corrente, D é simplesmente conexa se não tem ”buracos”.)

O próximo resultado será apresentado sem demonstração, podendo a mesma ser consultada
em livros que constam da bibliografia que se indica neste texto de apoio às aulas teóricas de
Análise Matemática IV.

Teorema 1.72 Se M ,N e P têm derivadas parciais de primeira ordem contı́nuas numa região
simplesmente conexa D, de R3 , e se

∂M ∂N ∂M ∂P ∂N ∂P
= , = e =
∂y ∂x ∂z ∂x ∂z ∂y

33
então,

M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz
C

é independente do caminho, em D.

Observação 1.73 Os teoremas 1.70 e 1.72 podem ser enunciados para curvas planas e funções
em duas variáveis. Nesse caso, não se consideram três igualdades mas sim unicamente uma:
∂M ∂N
= .
∂y ∂x

Exemplo 1.74 x2 y dx + 3xy 2 dy não é independente do caminho, em R2 .
C
Tal é evidente a partir do teorema 1.70 e da observação anterior, já que

∂ (x2 y) ∂ (3xy 2 )
̸= .
∂y ∂x

Definição 1.75 Uma função vectorial F⃗ , definida por F⃗ (x, y, z) := M (x, y, z) î + N (x, y, z) ĵ +
P (x, y, z) k̂, é conservativa se existe f tal que

∂f ∂f ∂f
(x, y, z) = M (x, y, z) , (x, y, z) = N (x, y, z) e (x, y, z) = P (x, y, z).
∂x ∂y ∂z
∫ ∫
Notando C M (x, y, z) dx + N (x, y, z) dy + P (x, y, z) dz por C F⃗ d⃗r, o resultado que se segue
é uma consequência imediata do teorema 1.67.

Corolário 1.76 Se F⃗ é uma função vectorial contı́nua e consevativa numa região D aberta (e

conexa), de R3 , então C F⃗ d⃗r = 0, sobre qualquer curva fechada C contida em D.


Demonstração. Se F⃗ é conservativa, então C F⃗ d⃗r é independente do caminho.
Além disso, F⃗ tem por valor a diferença entre os valores de f (referida no teorema 1.67) no
ponto final e no ponto inicial de C.

Como C é fechada, C F⃗ d⃗r = 0.

1.16 Teorema de Green

Seja C uma curva plana, definida parametricamente por x = g(t), y = h(t), a ≤ t ≤ b.

Definição 1.77 C é simples se (g(t1 ), h(t1 )) ̸= (g(t2 ), h(t2 )), para quaisquer dois elementos
distintos, t1 e t2 , de [a, b], com eventual excepção de t1 = a e t2 = b.

34
Observação 1.78 Se C for fechada e simples, admite-se, obviamente, que (g(a), h(a)) = (g(b), h(b)).

Observação 1.79 Quando C é uma curva fechada e é percorrida no sentido positivo, isto

é contrário ao movimento dos ponteiros do relógio, nota-se C M (x, y) dx + N (x, y) dy por

⃝ M (x, y) dx + N (x, y) dy .
C
Em alguns casos, para se indicar o sentido da curva, poderá ser usada uma seta sobre a
circunferência deste novo sı́mbolo de integral.

Observação 1.80 Repare-se que, enquanto no caso da observação 1.60 o sentido não alterava
∫ ∫
o valor do integral e tinha-se C f (x, y) ds = C f (x, y) ds, no caso dos integrais curvilı́neos
d
AB d
BA

ditos ”vectoriais”, o sentido é importante e tem-se


∫ ∫
F⃗ d⃗r = − F⃗ d⃗r
CAB
d CBA
d

isto é, se F⃗ (x, y) := M (x, y)î + N (x, y)ĵ, então


∫ ∫
M (x, y) dx + N (x, y) dy = − M (x, y) dx + N (x, y) dy.
CAB
d CBA
d

O próximo resultado designa-se por Teorema de Green.

Teorema 1.81 Seja C uma curva fechada, simples e parcialmente suave, em R2 .


Seja R a região de R2 constituida por C e por todo o seu interior geométrico.
Se M e N são funções (contı́nuas) com derivadas parciais de primeira ordem contı́nuas,
numa região aberta que contem R, então
∫ ∫∫ ( )
∂N ∂M
⃝ M (x, y) dx + N (x, y) dy = − dA.
C R ∂x ∂y

Demonstração. Esta prova é feita só no caso em que a região R é simultaneamente de tipo
I e II.
Seja então R uma região de tipo I, definida por R := {(x, y) : a ≤ x ≤ b ∧ g1 (x) ≤ y ≤ g2 (x)}.

35
Logo,
∫ ∫ ∫
⃝ M dx = M dx + M dx
C C1 C2
∫ b ∫ a
= M (x, g1 (x)) dx + M (x, g2 (x)) dx
a b
∫ b
= M (x, g1 (x)) − M (x, g2 (x)) dx
a
∫ b∫
g2 (x)
∂M
= − dy dx
a g1 (x) ∂ y
∫∫
∂M
= − dA.
R ∂y

De modo análogo, usando agora o facto da região ser de tipo II, se provaria que
∫ ∫∫
∂N
⃝ N (x, y) dy = dA.
C R ∂x


2
Exemplo 1.82 Cálculo de ⃝ (ex + y) dx + (x2 + tan y) dy, com C a fronteira do rectângulo,
C
R, de vértices (1, 2), (5, 2), (5, 4) e (1, 4).

∫ ∫∫
x2
⃝ (e + y) dx + (x + tan y) dy =
2
2x − 1 dA
C R
∫ 5∫ 4
= 2x − 1 dy dx
1 2
= 40.

Observação 1.83 Se R não for simplesmente conexa, ainda se pode aplicar o teorema de Green
se o integral curvilı́neo for sobre toda a fronteira de R e se houver o cuidado de percorrer essa
fronteira, mantendo sempre R do lado esquerdo.
Designe-se por C1 a curva interior, por C2 a curva exterior e por R a região entre C1 e
C2 , o que geometricamente tem a seguinte representação.

36
O teorema de Green não é aplicável a C1 .
O teorema de Green não é aplicável a C2 .
No entanto tem-se
∫ ∫ ∫∫ ( )
∂N ∂M
⃝ M (x, y) dx + N (x, y) dy + ⃝∨ M (x, y) dx + N (x, y) dy = − dA.
C1 C2 R ∂x ∂y

A demonstração é deixada como exercı́cio.

Exemplo 1.84 Se houver indepedência do caminho, em R, qual a relação, no caso da ob-


∫ ∫
servação anterior, entre ⃝ M (x, y) dx + N (x, y) dy e ⃝ M (x, y) dx + N (x, y) dy ?
C1 C2

Observação 1.85 Se R é uma região simplesmente conexa, cuja fronteira é a curva simples,
fechada e parcialmente suave C, então a área, A(R), de R pode ser dada por diversas expressões.
Pox exemplo,
∫∫
A(R) = 1 dA
∫ R

= ⃝ x dy
∫C
= − ⃝ y dx
∫ C
1
= ⃝ − y dx + x dy.
2 C

Observação 1.86 Como foi visto em Análise Matemática III, pode-se definir gradiente, rota-
cional e divergência da forma seguinte.
Se f for uma função real de três variáveis reais, então o gradiente, grad f ou ∇ f , de f
d́efinido por
∂f ∂f ∂f
∇ f = grad f := î + ĵ + k̂.
∂x ∂y ∂z

37
Se F⃗ é uma função vectorial definida por

F⃗ (x, y, z) := M (x, y, z)î + N (x, y, z)ĵ + P (x, y, z)k̂,

então

1. o rotacional, rot F⃗ , de F⃗ é dado por


( ) ( ) ( )
∂P ∂N ∂M ∂P ∂N ∂M

rot F := − î + − ĵ + − k̂
∂y ∂z ∂z ∂x ∂x ∂y


î ĵ k̂

∂ ∂ ∂
=
;
∂x ∂y ∂z

M N P

2. a divergência, div F⃗ , de F⃗ é dado por

∂M ∂N ∂P
div F⃗ := + + .
∂x ∂y ∂z

Os dois resultados que se seguem, são consequências imediatas do teorema de Schwarz.

Teorema 1.87 Se f é uma função real de três variáveis reais, com derivadas parciais de segunda
ordem contı́nuas, então
rot (∇ f ) = 0.

Teorema 1.88 Seja F⃗ uma função vectorial definida por

F⃗ (x, y, z) := M (x, y, z)î + N (x, y, z)ĵ + P (x, y, z)k̂,

com M, N e P admitindo derivadas parciais de segunda ordem contı́nuas, então

div(rotF⃗ ) = 0.

Usando a noção de rotacional, é possı́vel obter a seguinte reformulação do teorema de Green.

Teorema 1.89 Seja F⃗ uma função vectorial definida, numa região R limitada por uma curva
C , por F⃗ (x, y) := M (x, y)î + N (x, y)⃗j.
Sob a hipótese de se considerar verificadas as condições do teorema de Green, então
∫ ∫∫ ( )
⃝ F d⃗r =
⃗ rot F⃗ · k̂ dA.
C R

38
Demonstração. Imediata, considerando tanto em rot F⃗ como no produto interno rot F⃗ · k̂,
F⃗ (x, y) = M (x, y)î + N (x, y)⃗j + 0k̂.

1.17 Integrais de superfı́cie

Definição 1.90 Se a projecção de uma superfı́cie S, de R3 , sobre um dos planos coordenados


é uma região de tipo I ou II, diz-se que S tem uma projecção regular sobre esse plano.

Seja S o gráfico correspondente a z = f (x, y) e suponha-se que S tem uma projecção regular,
R, sobre XOY .
Suponha-se ainda que f tem derivadas parciais de primeira ordem contı́nuas, em R.
Considere-se g uma função real contı́nua numa região contendo S.
Sejam {R1 , · · · , Rm } uma partição de R e Si a porção de S correspondente a Ri (i =
1, · · · , m).
Para cada (xi , yi , zi ) em Si , seja Ti a parte do plano tangente a S, em (xi , yi , zi ), correspon-
dente a Ri . Designe-se a área de Ti por ∆ Ti , i = 1, · · · , m.

Definição 1.91 O intregral de superfı́cie de g sobre S, é definido por


∫∫ ∑
g(x, y, z) dS := lim g(xi , yi , zi ) ∆Ti .
S ||P ||→0
i

Observações 1.92

1. Se S é o gráfico correspondente a z = f (x, y), então prova-se (na bibliografia pode encontrar-
se a demonstração) que
∫∫ ∫∫ √
g(x, y, z) dS = g(x, y, f (x, y)) [fx (x, y)]2 + [fy (x, y)]2 + 1 dA.
S R

2. Se S é o gráfico correspondente a y = h(x, z), então prova-se que


∫∫ ∫∫ √
g(x, y, z) dS = g(x, h(x, z), z) [hx (x, z)]2 + [hz (x, z)]2 + 1 dA.
S R

3. Se S é o gráfico correspondente a x = k(y, z), então prova-se que


∫∫ ∫∫ √
g(x, y, z) dS = g(k(y, z), y, z) [ky (y, z)]2 + [kz (y, z)]2 + 1 dA.
S R

39
Seja S uma superfı́cie, de R3 , que admite plano tangente em todos os pontos do seu interior
geométrico.
Quando se considera a recta normal a S num dado ponto, podem-se definir dois vectores
unitários normais à superfı́cie, simétricos e aplicados nesse ponto.

Definição 1.93 S é orientável se, em cada ponto de S, for possı́vel escolher um dos vectores
unitários normais n̂, de modo que n̂ varie de forma contı́nua em toda a superfı́cie S.

Seja S uma superfı́cie definida por z = f (x, y).


Se m(x, y, z) := z − f (x, y), então S é o gráfico correspondente a m(x, y, z) = 0.

Observação 1.94 Neste caso, ∇m(x, y, z) é normal a S, em (x, y, z), acontecendo, obviamente,
o mesmo com o vector simétrico.
Supondo que f tem derivadas parciais de primeira ordem contı́nuas, obtem-se a orientação
positiva de S se, para vector unitário normal, for escolhido o de terceira coordenada positiva,
isto é,
∇ m(x, y, z) −fx (x, y)î − fy (x, y)ĵ + k̂
n̂ = =√ .
||∇ m(x, y, z)|| [fx (x, y)]2 + [fy (x, y)]2 + 1

Observação 1.95 Se S é uma superfı́cie fechada, escolhe-se para orientação positiva a que é
dada pelo vector unitário normal que aponta para o exterior.

Definição 1.96 Seja F⃗ uma função vectorial definida numa superfı́cie S por

F⃗ (x, y, z) := M (x, y, z)î + N (x, y, z)ĵ + P (x, y, z)k̂,

com M , N e P contı́nuas em S.
Se n̂ é o vector unitário normal que define a orientação, em S, então, o integral de superfı́cie
de F⃗ sobre S é
∫∫ ∫∫
F⃗ dS
⃗ := F⃗ · n̂ dS.
S S

Observação 1.97 Quando nada for dito em contrário, considera-se n̂ como o vector que induz,
em S, a orientação positiva.

40
Observação 1.98 Se S é definida por z = f (x, y), então,
∫∫ ∫∫
−M (x, y, z)fx (x, y) − N (x, y, z)fy (x, y) + P (x, y, z)
F⃗ dS
⃗ = √ dS
S S [fx (x, y)]2 + [fy (x, y)]2 + 1
∫∫
= − M (x, y, f (x, y))fx (x, y) − N (x, y, f (x, y))fy (x, y) + P (x, y, f (x, y)) dA,
R

com R a projecção de S sobre o plano XOY .


Podem ser obtidas fórmulas análogas para projecções sobre XOZ e Y OZ.

Exemplos 1.99
∫∫
1. Cálculo de x2 z dS, com S a porção do cone de equação z 2 = x2 + y 2 , que está entre
S
os planos z = 1 e z = 4.

A projecção de S sobre o plano XOY é a coroa circular, R, representada na figura seguinte.


4

-4 -2 2 4

-2

-4

Então,
v( )2 ( )2
∫∫ ∫∫ u
√ u
2
x z dS = 2
x x2 + y 2 t √
2x
+ √
2y
+ 1 dA
S R 2 x2 + y 2 2 x2 + y 2
√ ∫∫ √
= 2 x2 x2 + y 2 dA
R
√ ∫ 2π∫ 4 2
= 2 r cos2 θ r r dr dθ
0 1

1023 2 π
= .
5

41
∫∫
2. Cálculo de F⃗ dS,
⃗ com F⃗ (x, y, z) := x2 î + y 2 ĵ + z k̂ e S a parte do gráfico de função
S
f definida por f (x, y) := x + y + 1 , cuja projecção sobre XOY é [0, 1] × [0, 1].

A projecção , R, de S sobre XOY , é o quadrado de vértices (0, 0), (1, 0), (1, 1) e (0, 1).
Então,
∫∫ ∫∫
F⃗ dS
⃗ = − (x2 1) − (y 2 1) + (x + y + 1) dA
S R
∫ 1∫ 1
= − (x2 1) − (y 2 1) + (x + y + 1) dy dx
0 0
4
= .
3

1.18 Teorema de Stokes

Seja S uma superfı́cie orientável com vector unitário normal n̂, que tem por fronteira uma curva
C.

Definição 1.100 A orientação de S determina, em C, um sentido positivo, definido do seguinte


modo: Um observador que percorra C em sentido positivo e com a cabeça a apontar no sentido
de n̂, encontra S do seu lado esquerdo.

Observação 1.101 Nas aulas práticas, serão referidas regras muito simples para a determinação
da orientação positiva em C, seja através do movimento dos dedos da mão direita quando o pole-
gar aponta no sentido de n̂, seja pela progressão do saca rolhas, com a ponta a indicar o sentido
de n̂.

Indica-se agora um resultado conhecido por Teorema de Stokes, que relaciona integrais cur-
vilı́neos e de superfı́cie.

Teorema 1.102 Seja S uma superfı́cie orientável, que tem por fronteira (geométrica) uma
curva C fechada, simples, parcialmente fechada e com orientação positiva.
Seja ainda F⃗ uma função vectorial, definida por F⃗ (x, y, z) := M (x, y, z)î + N (x, y, z)ĵ +
P (x, y, z)k̂, com M , N e P admitindo derivadas parciais de primeira ordem contı́nuas numa
região aberta contendo S.
Então,
∫∫ ∫
rot F dS = ⃝ F⃗ d⃗r.
⃗ ⃗
S C

42
Exemplos 1.103 Seja F⃗ definida por F⃗ := yz î + xz ĵ + xy k̂.
∫∫
1. Cálculo de rot F⃗ dS,
⃗ quando S é a parte da esfera de equação x2 + y 2 + z 2 = 4, que é
S
interior ao cilindro correspondente a x2 + y 2 = 1 e que está situada acima do plano XOY .
∫∫
2. Cálculo de rot F⃗ dS,
⃗ quando S é a esfera de equação x2 y 2 + z 2 = 4.
S
Generalize o resultado obtido no exemplo 1.103.2

1.19 Teorema da divergência

Seja E uma região fechada e limitada de R3 e designe-se por S a sua fronteira. Obviamente S
é geometricamente fechada.
O resultado que se segue, usualmente designado por teorema da divergência, relaciona inte-
grais triplos, sobre E, e de superfı́cie, sobre S.

Teorema 1.104 Seja E uma região fechada e limitada de R3 e designe-se por S a sua fronteira.
Considere-se S com orientação positiva.
Seja ainda F⃗ uma função vectorial definida por

F⃗ (x, y, z) := M (x, y, z)î + N (x, y, z)ĵ + P (x, y, z)k̂,

com M , N e P admitindo derivadas parciais de primeira ordem contı́nuas, numa região aberta
contendo E.
Então,
∫∫ ∫∫∫
F⃗ dS
⃗= div F⃗ dV.
S E

Exemplo 1.105 Seja E a região limitada pelas superfı́cies definidas por x2 + y 2 = 4, z = 0 e


z = 3.
Seja ainda S + a face exterior da fronteira de E.
∫∫
Cálculo de F⃗ dS,
⃗ com F⃗ definida por F⃗ (x, y, z) := x3 î + y 3 ĵ + z 3 k̂.
S+

43
2 Equações diferenciais de ordem n

2.1 Equações diferenciais ordinárias

Definição 2.1 Uma equação diferencial ordinŕia é uma equação que contem uma única função
incógnita f, dependente de uma variável x e um número finito de derivadas de f.

Exemplo 2.2 f ′ (x) = x + 1 é, em R, uma equação diferencial ordinária, tendo soluções da
x2
forma f (x) = + x + c, com c uma qualquer constante real.
2

Definição 2.3 Sejam D um aberto de Rn+2 e F uma função real de domı́nio D.


A equação F (x, y, y ′ , · · · , y (n) ) = 0, onde y (i) designa a derivada de ordem i de y (em
ordem a x), é chamada equação diferencial ordinária de ordem n. A ordem da equação é a
maior das ordens das derivadas que figuram na equação.

Observação 2.4 No exemplo anterior, a ordem é 1.

Definição 2.5 Sejam D um aberto de Rn+2 e F uma função real de domı́nio D.


Se I é um intervalo de R e ϕ é uma função real de domı́nio I , com derivadas até à ordem
n, então ϕ é uma solução da equação F (x, y, y ′ , · · · , y (n) ) = 0 se, para qualquer x ∈ I,

• (x, ϕ(x), ϕ′ (x), · · · , ϕ(n) (x)) ∈ D e

• F (x, ϕ(x), ϕ′ (x), · · · , ϕ(n) (x)) = 0.

Ao intervalo I chama-se intervalo de definição de ϕ.

Exemplo 2.6 A função ϕ definida por ϕ(x) = e3x − 2, é, em R, uma solução da equação
diferencial y ′ − 3y − 6 = 0.

Definição 2.7 Uma famı́lia de soluções de uma equação diferencial de ordem n, contendo n
constantes arbitrárias essenciais, designa-se por solução geral ou integral geral dessa equação
diferencial.
Escolhendo valores especı́ficos para as constantes, obtêm-se as soluções particulares.
As soluções que não possam ser obtidas como as particulares, designam-se por soluções
singulares.

44
Exemplos 2.8

1
1. Prova-se que a equação de Bernoulli y ′ − xy 2 = 0, tem y = ( x4 + c)2 por solução geral.
2

x4
y= 16 é uma solução particular, resultante de considerar c = 0.

y = 0 é uma solução singular.


2
c é uma constante essencial. No entanto, em y = ( x4 + c1 + c2 )2 , c1 e c2 , não são
essenciais, devendo substituir-se c1 + c2 por c.

2. A determinação de soluções gerais não é, em muitos casos, simples.

Há, no entanto, situações fáceis como as equações lineares, que estudaremos no próximo
parágrafo, ou os exemplos que se seguem.

y= 3x2
2 + x + c, y = x3 + 2x2 + c1 x + c2 e y = −e−x + c1 x2 + c2 x + c3 são soluções gerais,
respectivamente de y ′ = 3x + 1, y ′′ = 6x + 4 e y ′′′ = e−x .

Definição 2.9 Dada a equação de ordem n

y (n) = G(x, y, y ′ , · · · , y (n−1) ) (1)

e, com k0 , · · · , kn−1 constantes reais dadas e x0 ∈ I, as condições iniciais

y(x0 ) = k0 , (2)

y ′ (x0 ) = k1 , (3)
..
.

y (n−1) (x0 ) = kn−1 , (4)

diz-se que (1) - (4) formam um problema de condições iniciais ou um problema de Cauchy.

Exemplo 2.10 A equação y ′ = x + 1 admite a solução geral y = x2


2 + x + c.
A mesma equaç ão, com a condição inicial y(0) = 8, tem a solução (particular) y =
x2
2 + x + 8.

45
2.2 Equações diferenciais, ordinárias e lineares

Definição 2.11 Chama-se equação diferencial, ordinária, linear e de ordem n, a uma equação
do tipo

a0 (x)y (n) + a1 (x)y (n−1) + · · · + an−1 (x)y ′ + an (x)y = f (x), (5)

com a0 , a1 , · · · , an e f funções definidas num intervalo I ⊆ R e a0 não identicamente nula,


em I.
Se as funções a0 , a1 , · · · , an forem constantes, a equação diz-se com coeficientes constantes.
Se f for, em I, a função nula, a equação designa-se por homogénea.

Exemplos 2.12 1. y ′′ + y = sin (2x), é uma equação linear, com coeficientes constantes e
ordem 2.

2. x4 y ′′′ + (cos x)y = x, é uma equação linear de ordem 3.

3. ex y ′′ + xy = 0, é uma equação linear e homogénea.

4. ex y ′′ + y 2 = 0, é uma equação não linear.

5. y ′′′ + yy ′ = ex , é uma equação não linear.

Observação 2.13 Até ao final destas notas, consideraremos a0 , a1 , · · · , an e f funções


contı́nuas num intervalo I ⊆ R e, para qualquer x ∈ I, a0 (x) ̸= 0 .

Segue-se um teorema de existência e unicidade de solução para o problema de Cauchy, no caso


das equações lineares.

Teorema 2.14 Sejam a0 , a1 , · · · , an e f funções contı́nuas num intervalo fechado I ⊆ R e,


para qualquer x ∈ I, a0 (x) ̸= 0 .
Sejam ainda x0 ∈ I e k0 , · · · , kn−1 , n números reais dados.
Existe uma e uma só solução y(x), da equação (5), definida em I e verificando as condições
(2) - (4).

Observações 2.15 1. Há teoremas de existência e unicidade para casos mais gerais (ver,
por exemplo, Kaplan).

46
2. Édouard Goursat demonstra esse teorema na parte 2, do volume II, do seu livro A Course
in Mathematical Analysis.

3. Obviamente a solução de um problema de Cauchy é simples se se conhecer a solução geral.

4. A condição a0 (x) ̸= 0, para qualquer x ∈ I, é fundamental no teorema 2.14. Considere-se,


por exemplo, a equação xy ′ + y = x e a condição inicial y(0) = 4.

(Repare-se que (xy)′ = xy ′ + y.)

Um último resultado no qual se relacionam soluções gerais de uma equação não homogénea
(completa) e da correspondente equação homogénea.

Teorema 2.16 Sejam a0 , a1 , · · · , an e f funções contı́nuas num intervalo I ⊆ R e, para


qualquer x ∈ I, a0 (x) ̸= 0 .
Se ygh designar a solução geral da equação

a0 (x)y (n) + a1 (x)y (n−1) + · · · + an−1 (x)y ′ + an (x)y = 0 (6)

e ypc for uma solução particular de (5), então ygh + ypc é solução geral de (5).

Exemplo 2.17 Uma equação linear de 1¯a da forma y ′ + p(x)y = q(x), tem por solução geral
∫ ∫ ∫ ∫ ∫ {∫ ∫ }
−p(x) dx −p(x) dx
y = |c e {z } + e e p(x) dx q(x) dx = e −p(x) dx e p(x) dx q(x) dx + c .
ygh | {z }
ypc

2.3 Equações lineares, homogéneas e de ordem n. Wronskiano.

Seja E o espaço vectorial das funções reais com derivadas até à ordem n, em I.
Seja F o espaço vectorial das funções reais definidas em I.
Se L designar a aplicação linear de domı́nio E e com valores em F, definida por

L(y) = a0 (x)y (n) + a1 (x)y (n−1) + · · · + an−1 (x)y ′ + an (x)y,

então (6) reduz-se à forma

L(y) = 0. (7)

Teorema 2.18 Sejam N o conjunto de todas as soluções de (7) e x0 um elemento de I.


Então,

47
1. N é um espaço vectorial real;

2. a aplicação ϕ de domı́nio Rn , com valores em N e tal que ϕ(k0 , · · · , kn−1 ) é a única


solução de (7) satisfazendo (2) - (4), é um isomorfismo.

Corolário 2.19 N tem dimensão n.

Definição 2.20 Um sistema fundamental de soluções , notado SFS, de (7) é qualquer base de
N.

Corolário 2.21 Existem n soluções de (7), linearmente independentes.


Se y1 , · · · , yn forem essas soluções, então qualquer solução y de (7), pode ser escrita na
forma
y = α 1 y 1 , · · · , αn y n ,

com α1 , · · · , αn constantes reais.

Definição 2.22 Sejam y1 , · · · , yn funções reais, com derivadas até à ordem n − 1 (inclusivé),
num intervalo I de R.
Chama-se Wronskiano dessas n funções, e nota-se W (x) ou W (y1 , · · · , yn ) , ao determi-
nante

y1 ··· yn


y1 ′ ··· yn ′

.. .. .. .

. . .


y1 (n−1) · · · yn (n−1)

Teorema 2.23 As soluções y1 , · · · , yn de (7), constituem um sistema fundamental de soluções


de (7), num intervalo I de R, se e só se W (y1 , · · · , yn ) ̸= 0 , para qualquer x ∈ I.

2.4 Equação linear, completa e de ordem n. Método de Lagrange ou de


variação das constantes arbitrárias.

Com as notações do parágrafo anterior, consideremos a equação linear, completa e de ordem n,

L(y) := a0 (x)y (n) + a1 (x)y (n−1) + · · · + an (x)y = f (x), (8)

48
com a0 , · · · , an e f contı́nuas num intervalo I de R e, para qualquer x ∈ I, a0 (x) ̸= 0.
Esta notação para a equação linear, completa e de ordem n, tem algumas vantagens ao nı́vel
do manuseamento. Veja-se o exercı́cio seguinte.

Exercı́cio 2.24 Sejam y1 e y2 soluções particulares, respectivamente de L(y) = f1 (x) e


L(y) = f2 (x).
Prove que se α e β são constantes reais, então αy1 + βy2 é solução de L(y) = αf1 (x) +
βf2 (x).

(7) é a equação homogénea correspondente a (8).


Passamos a expor o método de Lagrange que permite resolver (8) a partir do conhecimento
de um sistema fundamental de soluções de (7).

Teorema 2.25 Seja {y1 , · · · , yn } um sistema fundamental de soluções de (7).


Se y é solução de (8), então existem funções c1 , · · · , cn deriváveis, em I, e tais que

y(x) = c1 (x)y1 (x) + · · · + cn (x)yn (x). (9)

Além disso, para qualquer x ∈ R,






 c′1 (x)y1 (x) + · · · + c′n (x)yn (x) = 0





 c′1 (x)y1′ (x) + · · · + c′n (x)yn′ (x) = 0

 ..
. .





 c′1 (x)y1 (n−2) (x) + · · · + c′n (x)yn (n−2) (x) = 0



 f (x)

 c′1 (x)y1 (n−1) (x) + · · · + c′n (x)yn (n−1) (x) =
a0 (x)

Observação 2.26 O sistema referido no teorema anterior tem solução pois a matriz do sis-
tema tem determinante não nulo ( W (x, y1 , · · · , yn ) ̸= 0 já que y1 , · · · , yn formam um sistema
fundamental de soluções de (7)).

Observação 2.27 A solução geral de (7) é y = α1 y1 + · · · + αn yn , com α1 , · · · , αn constantes


reais.

Método de Lagrange ou de variação das constantes arbitrárias:

1. Seja y1 , · · · , yn , um sistema fundamental de soluções de (7).

49
2. Determinem-se c′1 (x), · · · , c′n (x), resolvendo o sistema do teorema 2.25.

3. Por primitivação, calculem-se c1 (x), · · · , cn (x).

4. Inserindo, em (9), as funções obtidas na alı́nea anterior, obtem-se a solução geral de (8),
na forma
y(x) = c1 (x)y1 (x) + · · · + cn (x)yn (x).

Observação 2.28 A razão do nome deste método prende-se com o facto de estarmos, de certa
forma, a ”fazer variar”as constantes consideradas na observação 2.27.

Observação 2.29 A solução geral de (8), obtida pelo Método de Lagrange, pode, muito facil-
mente, ser escrita, cumprindo o estabelecido no teorema 2.16, na forma y(x) = ygh + ypc .

Observação 2.30 Um dos problemas de aplicação do Método de Lagrange, consiste em deter-


minar um SFS de (7). Tal é simples em equações de coeficientes constantes.
Nas equações de Euler, que são da forma

xn y (n) + α1 xn−1 y (n−1) + · · · + αn−1 xy ′ + αn y = f (x),

com α1 , · · · , αn constantes reais, sabe-se que as correspondentes equações homogéneas têm, em


muitos casos, soluções da forma xk , com k uma constante real.

Exemplo 2.31 Sabendo que y1 = ex e y2 = e3x são soluções de y ′′ − 4y ′ + 3y = 0, vamos


determinar, pelo Método de Lagrange, a solução geral de y ′′ − 4y ′ + 3y = ex .
W (y1 , y2 ) = 2e4x ̸= 0, ∀x ∈ R, logo {y1 , y2 } é, em R, um SFS de y ′′ − 4y ′ + 3y = 0.
A solução geral de y ′′ − 4y ′ + 3y = 0 é y = c1 ex + c2 e3x , com c1 e c2 constantes reais.
Considerando agora c1 e c2 ”como funções”de x, o sistema do teorema 2.25 é, no nosso
caso, 
 c′ (x)ex + c′ (x)e3x = 0
1 2
 c′ (x)ex + c′ (x)3e3x ex
1 2 = .
1
A solução desse sistema é dada por c′1 (x) = − 12 e c′2 (x) = 21 e−2x .
Logo, c1 (x) = − 12 x + α1 e c2 (x) = − 41 e−2x + α2 .

50
Substituindo na solução geral da homogénea, obtemos a solução geral de y ′′ − 4y ′ + 3y = ex ,
na forma
( ) ( )
1 1 −2x
y = − x + α1 e + − e
x
+ α2 e3x
2 4
( )
1 1 x
= α1 ex + α2 e3x + − x − e .
| {z } 2 4
ygh | {z }
ypc

2.5 Equação linear, homogénea, com coeficientes constantes e de ordem n

Definição 2.32 Uma equação linear, homogénea, com coeficientes constantes e de ordem n é
uma equação diferencial do tipo

a0 y (n) + a1 y (n−1) + · · · + an y = 0, (10)

com a0 , a1 , · · · , an constantes reais e a0 ̸= 0.

Observação 2.33 Se y(x) é solução de (10), então y(x) admite derivada de qualquer ordem.

Definição 2.34 Chama-se equação caracterı́stica de (10) a

P (r) := a0 rn + a1 rn−1 + · · · + an−1 r + an = 0. (11)

O polinómio P (r) é dito polinómio caracterı́stico de (10).

Exemplo 2.35 À equação y ′′ − 3y ′ + 7y = 0, corresponde o polinómio caracterı́stico P (r) =


r2 − 3r + 7.

Seja D o operador derivado tal que Df := f ′ , D2 f := f ′′ , · · · Dn f := f (n) e, por convenção,


D0 f := f .
Com D assim definido, (10) toma a forma

P (D)y = 0. (12)

Definição 2.36 P (D) é o operador polinomial.


Observações 2.37 Sejam u e v funções reais admitindo derivadas até à ordem n e i := −1.
Se w(x) := u(x) + iv(x), então,

51
1. para j = 0, · · · , n, w(j) (x) := u(j) (x) + iv (j) (x),

2. sendo w(x) uma solução (complexa) de (12), u(x) e v(x) são soluções (reais) de (12).

3. ew(x) = eu(x) eiv(x) := eu(x) (cos(u(x)) + i sin(v(x))) .

Exercı́cio 2.38 Sejam a e b constantes reais.


Então, se c := a + ib e w(x) := ecx , prove que w′ (x) = cecx , · · · , w(n) (x) = cn ecx .

Por indução, facilmente se prova o seguinte resultado, que enunciaremos no caso complexo,
sendo o real um caso particular.

Lema 2.39 Sejam r um número complexo e w uma função complexa, n vezes derivável.
Então
(D − r)n (erx w(x)) = erx Dn w(x).

Teorema 2.40 Se r1 é uma raı́z de multiplicidade k do polinómio caracterı́stico, P (r) de


(12), então as k funções
er1 x , x er1 x , · · · , xk−1 er1 x

são soluções de (12).

Observação 2.41 Se r1 ∈ R , as soluções são reais. Se r1 ∈ C, as soluções são complexas.

Corolário 2.42 Se r1 := a + bi é raı́z de multiplicidade k de P (r), então as 2k funções

xj eax cos(bx), xj eax sin(bx) (j = 0, · · · , k − 1)

são soluções reais de (12).

Resumindo,

52
raı́z de P(r) solução de (12)

α real simples eαx


β real de multiplicidade k eβx , xeβx , · · · , xk−1 eβx
γ ± δi complexas simples eγx cos(δx), eγx sin(δx)
ϵ ± θi complexas de multiplicidade k eϵx cos(θx), eϵx sin(θx),
xeϵx cos(θx), xeϵx sin(θx),
···
xk−1 eϵx cos(θx), xk−1 eϵx sin(θx)

Teorema 2.43 Considerando todas as raı́zes de P (r), as correspondentes soluções, referidas


no quadro anterior, formam um sistema fundamental de soluções de (12).

Exemplo 2.44 Determinação do integral geral de y (4) − 4y = 0.


P (r) = r4 − 4.
√ √ √ √
Raı́zes de P (r) : 2, − 2, 2i e − 2i.
Todas as raı́zes são simples.
√ √ √ √
Um sistema fundamental de soluções é: {e 2, e− 2, e0x cos( 2x) e e0x sin( 2x)}.
O integral geral é
√ √ √ √
y = c1 e 2x
+ c2 e− 2x
+ c3 cos( 2x) + c4 sin( 2x).

2.6 Equação linear, completa, com coeficientes constantes e de ordem n.


Método do polinómio anulador.

Definição 2.45 Uma equação linear, completa, com coeficientes constantes e de ordem n é do
tipo

P (D)y = f (x). (13)

O que foi exposto no parágrafo anterior permite afirmar que a determinação de um SFS de
P (D)y = f (x) é sempre possı́vel.
Portanto, a aplicação do método de Lagrange é uma primeira hipótese para calcular o integral
geral de (13).

53
Observação 2.46 Usando o método de Lagrange, podemos determinar sempre a solução geral
de (13).
No entanto, as integrações decorrentes da aplicação desse método poderão ser bastante difı́ceis.
Essa a razão pela qual vamos expor uma outra abordagem para a determinação do inte-
gral geral de (13), fornecida pelo método do polinómio anulador que, embora não tendo a
dificuldade inerente às integrações, é menos geral que o método de variação das constantes
arbitrárias.

Definição 2.47 Se Q(D) é um operador polinomial satisfazendo Q(D)f (x) = 0, então Q(r)
diz-se um polinómio anulador de f (x).

Exercı́cio 2.48 Sejam Q1 (r) e Q2 (r) polinómios anuladores, repectivamente, de f1 (x) e


f2 (x).
Prove que Q1 (r)Q2 (r) é um polinómio anulador de f1 (x) + f2 (x).

Método do polinómio anulador para a determinação de um integral geral de (13):

1. Seja {y1 , · · · , yn } um sistema fundamental de soluções de (12).

2. O integral geral de (12) é

ygh = c1 y1 + · · · + cn yn .

3. Determine-se um polinómio anulador, Q(r), de f (x).

4. Considere-se a equação seguinte, que resulta de (13) e da alı́nea anterior

Q(D)P (D)y = 0. (14)

Calcule-se a solução geral, ygeqaux , de (14).

5. Leve-se ygeqaux à forma

ygeqaux = ygh + ypc1 .

6. Determine-se uma solução particular, ypc , de (13), a partir de ypc1 , recorrendo a

P (D)ypc1 = f (x).

54
7. Por aplicação do teorema 2.16, concluı́mos que o integral geral de (13) é

y = ygh + ypc .

Observação 2.49 O método do polinómio anulador só é aplicável se for possı́vel calcular o
polinómio anulador do segundo membro de (13).
Portanto só aplicaremos este método se f (x) for uma combinação linear real de funções dos
tipos xj eax cos(bx) e xj eax sin(bx), com j ∈ N ∪ {0}, a e b constantes reais.

Exemplo 2.50 Determinação do integral geral de y ′′ − y = ex .

1. Usando o método de Lagrange

P (r) = r2 − 1.

Raı́zes de P (r) : 1 e -1.

Solução geral de y ′′ − y = 0 : ygh = c1 ex + c2 e−x .



 c′ ex + c′ e−x = 0
1 2
Solução do sistema : c′1 = 12 , c′2 = − 21 e2x .
 c′ ex − c′ e−x = ex
1 2

Logo, c1 = 1
2x + α1 e c2 = − 41 e2x + α2 .

O integral geral pedido é

1 1 1
ygc = ( x + α1 )ex + (− e2x + α2 )e−x = β1 ex + α2 e−x + xex .
2 4 2

2. Usando o método do polinómio anulador

Pelo que vimos na anterior abordagem concluı́mos que P (D) = D2 −1 e ygh = c1 ex +c2 e−x .

Além disso, o polinómio anulador de ex é: Q(D) = D − 1.

A equação auxiliar é: (D − 1)(D2 − 1)y = 0 ou ainda (D − 1)2 (D + 1)y = 0.

ygeqaux = D1 ex + D2 xex + D3 e−x = D1 ex + D3 e−x + D2 xex .


| {z } | {z }
ygh ypc1

A partir de (D2 − 1)(D2 xex ) = ex concluı́mos que 2D2 ex = ex . Logo, D2 = 12 .


1
Tal como na resolução 1, ygc = D1 ex + D3 e−x + xex .
| {z } 2
ygh | {z }
ypc

55
2.7 Equação linear, completa e de ordem n. Método de D’Alembert ou de
abaixamento de ordem.

O método de D’Alembert permite, por conhecimento de soluções da correspondente equação


homogénea, baixar a ordem das equações lineares, completas e de ordem n. Em alguns casos
podemos, recorrendo unicamente a este método, chegar a uma equação de ordem 1 e assim
determinar o integral geral de (8).
Método de D’Alembert

1. Seja y1 uma solução não nula da equação homogénea correspondente a (8).

2. Faça-se, em (8), a mudança de variável (y → z) definida por y = y1 z.

3. A equação resultante é do tipo

b0 (x)z (n) + b1 (x)z (n−1) + · · · + bn−1 (x)z ′ = f (x). (15)

(A demonstração deste passo do método fica como exercı́cio.)

4. Fazendo a mudança de variável (z → w) definida por z ′ = w, (15) transforma-se na


seguinte equação de ordem n − 1

b0 (x)w(n−1) + b1 (x)w(n−2) + · · · + bn−1 (x)w = f (x). (16)

Observação 2.51 Caso necessário, o conhecimento de outra solução, y2 , da equação homogénea


correspondente a (8), tal que y1 e y2 sejam linearmente independentes, permite obter uma
equação de ordem n − 2, do modo que a seguir se expõe.

y2
1. Fica como exercı́cio (muito trabalhoso!) provar que w1 := y1 é uma solução particular
não nula da equação homogénea correspondente a (16).

Portanto, fazendo, em (16), a mudança de variável (w → t) definida por w = w1 t,


chegamos à equação

c0 (x)t(n−1) + c1 (x)t(n−2) + · · · + cn−1 (x)t′ = f (x), (17)

56
2. Usando agora a mudança de variável (t → s) definida por t′ = s, (17) transforma-se na
seguinte equação de ordem n − 2

c0 (x)s(n−2) + c1 (x)s(n−3) + · · · + cn−1 (x)s = f (x), (18)

Observações 2.52 1. É bom não esquecer que, como o intuito é a determinação do integral
geral de (8), no final se deve voltar à variável y.

2. Este método nem sempre permite chegar a equações de ordem 1. Por isso, é muitas vezes
usado em associação com outros resultados.

57
3 Transformada de Laplace

3.1 Resultados e definições

Vamos estudar um operador que transforma funções em funções e que vai ser importante na
resolução de equações diferenciais lineares e com coeficientes constantes. Posteriormente veremos
como aplicar esse operador na resolução de sistemas constituidos por equações desse tipo.

Definição 3.1 Seja f uma função definida em R+ ∪ {0} e com valores em R, tal que
∫ +∞ ∫ b
−st
e f (t)dt := lim e−st f (t)dt (19)
0 b→+∞ 0

existe, com s um parâmetro real.


A transformada de Laplace de f , que notaremos L{f (t)} ou F (s), é definida por
∫ +∞
L{f (t)} = F (s) := e−st f (t)dt (20)
0

com s tal que (1) é convergente.


A L−1 {F (s)} := f (t), chama-se transformada inversa de Laplace de F .

Vamos agora enunciar condições suficientes para a existência de transformada de Laplace.

Definição 3.2 Uma função f é seccionalmente contı́nua num intervalo I de R se f é contı́nua


excepto possivelmente num número finito de pontos de I e se existem (e são finitos) os limites
laterais de f nesses pontos e nos extremos do intervalo.

Definição 3.3 Uma função f é de ordem exponencial c se existem constantes positivas M e T


tais que, para t > T , se verifica |f (t)| ≤ M ect .

Observação 3.4 Se f é de ordem exponencial c, então f não cresce mais rapidamente que
M ect .
As funções limitadas são de ordem exponencial.

Teorema 3.5 Se f é seccionalmente contı́nua em [0, +∞[ e de ordem exponencial c, então,


para s > c, (1) converge e portanto existe a transformada de Laplace de f .

58
3.2 Algumas propriedades

1. L é um operador linear, isto é, se f e g são funções , α e β são constantes reais, então

L{αf (t) + βg(t)} = αL{f (t)} + βL{g(t)}. (21)

k!
2. Para k ∈ N0 , L{tk } = . Nesta relação, s > 0.
sk+1
c
3. Se c é uma constante real, L{c} = .
s
Esta igualdade decorre imediatamente das duas propriedades anteriores.

− 12 π
4. L{t } = .
s
1
5. L{eat } = , com s > a. Para provar este facto, repare-se que
s−a
∫ +∞
1 [ (a−s)t ]+∞ 1
L{e } =
at
e−st eat dt = e = .
0 a−s 0 s−a

6. Se f, f ′ , · · · , f (k−1) são contı́nuas em [0, +∞[ e de ordem exponencial e se f (k) é seccional-


mente contı́nua em [0, +∞[, então

L{f (k) (t)} = sk L{f (t)} − sk−1 f (0) − sk−2 f ′ (0) − · · · − f (k−1) (0).

a
7. L{sin(at)} = .
s2
+ a2
s
8. L{cos(at)} = 2 .
s + a2

Exercı́cio 3.6 Prove as propriedades 7 e 8 a partir da propriedade 6.

9. Seja f uma função seccionalmente contı́nua em [0, +∞[, de ordem exponencial e periódica
de perı́odo T . Então,
∫ T
1
L{f (t)} = e−st f (t)dt.
1 − e−sT 0

a
10. L{sinh(at)} = .
− a2
s2
s
11. L{cosh(at)} = 2 .
s − a2

Exercı́cio 3.7 Prove as propriedades 10 e 11 a partir das propriedades 1 e 5.

59
12. (L{f (t)} = F (s)) ⇒ L{eat f (t)} = F (s − a).

13. Se n ∈ N, então
dn F (s)
(L{f (t)} = F (s)) ⇒ L{tn f (t)} = (−1)n .
dsn

Exercı́cio 3.8 Determine L{t2 e−t } de dois modos diferentes.

1 s
14. Se a > 0, então (L{f (t)} = F (s)) ⇒ L{f (at)} = F ( ).
a a

15. (Fórmula de Borel) Sejam f e g funções seccionalmente contı́nuas em [0, +∞[ e de ordem
exponencial. Então,
{∫ t }
L f (u)g(t − u)du = L{f (t)}L{g(t)}.
0

{∫ t }
Exercı́cio 3.9 Calcule, a partir da fórmula de Borel, L f (u)du .
0

{ }
1
Exemplo 3.10 Cálculo de L−1 .
s(s − 1)

{ }
1 1
L{e } = ⇒ et = L−1
t
.
s−1 s−1

{ }
1 1
L{1} = ⇒ 1 = L−1 .
s s

{ } ∫ t
−1 1
L = 1.et−u du = −1 + et .
s(s − 1) 0

Observação 3.11 A função U definida por



 0, 0 ≤ t < a
U (t − a) :=
 1, t ≥ a

é designada por função degrau unitário.

16. Se a > 0, então


L{f (t − a) U(t − a)} = e−as L{f (t)}.

60
Definição 3.12 O delta de Dirac é uma expressão, notada por δ(t − t0 ), que pode ser
caracterizada do seguinte modo

(a) 
 +∞, t = t0
δ(t − t0 ) :=
 0, t≠ t0

(b)
∫ +∞
δ(t − t0 )dt = 1
−∞

Observação 3.13 O delta de Dirac é uma representação de um impulso de grande am-


plitude, exterior a um sistema e que actua sobre ele durante um perı́odo de tempo muito
curto (quase instantaneamente).

Matematicamente representa o limite, quando a tende para 0, de funções do tipo δa (t − t0 ),


definidas por  1
 , t 0 − a < t < t0 + a
δa (t − t0 ) := 2a
 0, t ≤ t0 − a ou t ≥ t0 + a

Repare-se que
∫ +∞
δa (t − t0 )dt = 1.
−∞

Tal permite salientar o facto de δ(x − x0 ) não ser uma função, pois, nesse caso
∫ +∞
δ(t − t0 )dt = 0.
−∞

Na realidade trata-se de uma função generalizada ou distribuição .

Exercı́cio 3.14 Prove que


∫ +∞
f (t)δ(t − t0 )dt = f (t0 ).
−∞

O delta de Dirac foi peça fundamental dos Princı́pios da Mecânica Quântica de Dirac e
Schrödinger.

17. L{δ(t − t0 )} = e−st0 .

61
3.3 Aplicação da transformada de Laplace à resolução de equações diferen-
ciais, lineares e com coeficientes constantes.

Considere-se uma equação linear com coeficientes constantes, na forma

y (n) + a1 y (n−1) + · · · + an−1 y ′ + an y = f (t), (22)

com a1 , · · · , an constantes reais e f uma função contı́nua.


Os passos do algoritmo de aplicação da transformada de Laplace à resolução de (22), são
óbvios:

1. Aplica-se a ambos os membros o operador L, obtendo-se uma equação algébrica, na variável


L{y}.

2. Resolve-se essa equação .

3. Aplica-se L−1 , obtendo-se a solução geral de (22) ou, caso sejam dadas condições iniciais,
uma solução particular.

Exemplo 3.15 Resolução do problema de condições iniciais




 y ′′ − y = 0


y(0) = 0



 y ′ (0) = 1.

Como L{y ′′ − y} = s2 L{y} − s0 − 1 − L{y} = 0, então

1 1 1 1 1
L{y} = =− + .
s2 − 1 | 2 s + {z
1 2 s − 1}
porquê ?

A solução particular pedida é

1 1
y = − e−t + − et = sinh t.
2 2

62
4 Sistemas de equações diferenciais lineares e com coeficientes
constantes

Definição 4.1 Um sistema de equações diferenciais lineares, com coeficientes constantes, de


primeira ordem e na forma normal, é do tipo y ′ (t) = Ay(t) + f (t), com A uma matriz n × n, f
 
y1 (t)
 
 . 
uma função real contı́nua e com valores em Rn e y(t) :=  ..  .
 
yn (t)
Se f (t) = 0, o sistema diz-se homogéneo. Caso contrário, chama-se não homogéneo ou
completo.

4.1 Resolução usando a transformada de Laplace

O método a seguir é análogo ao que foi usado em 3.3, agora nas variáveis L{y1 }, · · · , L{yn }.

Exemplo 4.2 Determinação da solução particular de



 y′ = y2 + t
1
,
 y′ = y
2 1

que satisfaz y1 (0) = y2 (0) = 0.


Repare-se que se trata de um sistema de equações diferenciais
 lineares, com
  coeficientes

0 1 t
constantes, de primeira ordem e na forma normal, com A =   e f (t) =  .
1 0 0
Aplicando o operador L a ambas as equações resulta
 1
 sL{y1 } − L{y2 } = 2
s .
 −L{y } + sL{y } = 0
1 2

Logo,
1 −1 1 1 1 1
L{y1 } = = + +
s(s − 1)(s + 1) s 2 s−1 2 s+1

1 −1 0 1 1 1 1
L{y2 } = = + + − .
s2 (s − 1)(s + 1) s2 s 2 s−1 2 s+1

63
Então, por aplicação de L−1 ,
1 t 1 −t
y1 = −1 + e + e
2 2
.
1 t 1 −t
y2 = −t + e − e
2 2

4.2 Sistemas homogéneos - resolução usando o Método da Álgebra Linear

Se na definição 4.1, se considerar f (t) = 0, obtem-se o sistema homogéneo

y ′ = Ay. (23)

4.2.1 Os valores próprios de A são reais e distintos

Seja λ1 um valor próprio de A e v1 um vector próprio associado a λ1 . Reparando que


( )′
eλ1 t v1 = eλ1 t (λ1 v1 ) = eλ1 t (Av1 ) = A (eλ1 t v1 ),

prova-se que eλ1 t v1 é solução do sistema (23).


Esta é a base para a demonstração do resultado seguinte.

Teorema 4.3 Sejam λ1 , · · · , λn valores próprios reais e distintos de A e v1 , · · · , vn vectores


próprios correspondentes.
Então
eλ1 t v1 , · · · , eλn t vn

são soluções de (23) e, sendo c1 , · · · , cn constantes reais, a solução geral desse sistema é
 
c1
[ ] 
 . 
y = c1 eλ1 t v1 + · · · + cn eλn t vn = eλ1 t v1 | · · · |eλn t vn  ..  .
 
cn
   
y1 1 1
Exemplo 4.4 Determinação da solução geral de y ′ = Ay, com y =   e A= .
y2 −5 7
Valores próprios de A:


1−λ 1
= λ2 − 8λ + 12 ⇒ λ1 = 6 e λ2 = 2 são os valores próprios de A.

−5 7 − λ

Vectores próprios de A:

64
1. associados a λ1 = 6.
 
ξ1
Se v =   é vector próprio associado a λ1 , então v satisfaz Av = λ1 v.
ξ2
Resolvendo a equação anterior, obtem-se ξ2 = 5 ξ1 , sendo os vectores próprios associados
a λ1 , da forma  
ξ1
v= .
5ξ1
 
1
Em particular, v =   é vector próprio associado a λ1 .
5

2. associados a λ2 = 2.
 
1
De modo análogo se prova que w =   é vector próprio associado a λ2 .
1

Pelo teorema anterior, a solução geral do sistema é dada por

y = c1 e6t v + c2 e2t w.

Observação 4.5 Nas condições do teorema anterior, eλ1 t v1 , · · · , eλn t vn , formam um sistema
fundamental de soluções de (23).
[ λt ]
e 1 v1 | · · · |eλn t vn é uma matriz fundamental de soluções de (23).

4.2.2 Valores próprios complexos de A

Sejam λ1 := α + iβ e λ2 := α − iβ valores próprios de A, com β ̸= 0.


Pode-se provar, de modo análogo ao que se usou em 4.2.1, que eλ1 t v1 é uma solução com-
plexa de (23).
Notando por Re v1 e Im v1 respectivamente as partes real e imaginária de v1 e tendo em
conta que

eλ1 t v1 = e(α+iβ)t (Re v1 + i Im v1 )

= eαt eiβt (Re v1 + i Im v1 )

= eαt (cos(βt) + i sin(βt)(Re v1 + i Im v1 )

= eαt [(cos(βt) Re v1 − sin(βt) Im v1 ) + i(sin(βt)Re v1 + cos(βt) Im v1 )]

65
facilmente se prova que

eαt (cos(βt) Re v1 − sin(βt) Im v1 ) e eαt (sin(βt)Re v1 + cos(βt) Im v1 )

são soluções particulares, reais e linearmente independentes de (23).


 
0 1
Exemplo 4.6 Determinação da solução geral de y ′ = Ay, com A =  .
−1 0
Valores próprios de A:


−λ 1
= λ2 + 1 ⇒ λ1 = i e λ2 = −i são os valores próprios de A.

−1 −λ

Vectores próprios
 de A, associados a λ1 = i:
ξ1
Se v =   é vector próprio associado a λ1 , então v satisfaz Av = λ1 v.
ξ2
Resolvendo a equação
 anterior, obtem-se ξ2 = i ξ1 , sendo os vectores próprios associados a
ξ1
λ1 , da forma v =  .
i ξ1
     
1 1 0
Em particular, v =  =  + i  é vector próprio associado a λ1 .
i 0 1
Então,
         
1 0 1 0
e0t cos(1t)   − sin(1t)   e e0t sin(1t)  + cos(1t)  
0 1 0 1

são soluções particulares, reais e linearmente independentes do sistema, sendo a solução geral
dada por
         
1 0 1 0
y = c1 cos t   − sin t   + c2 sin t  + cos t   .
0 1 0 1

4.2.3 Valores próprios reais e de multiplicidade algébrica m > 1, de A

Seja λ1 um valor próprio de A, com multiplicidade algébrica m > 1.


Caso 1 Existem m vectores próprios v1 , · · · , vm linearmente independentes associados a λ1 .
Neste caso, é óbvio que eλ1 t v1 , · · · , eλm t vm são soluções particulares e linearmente indepen-
dentes, de (23).

66
 
1 0 0
 
 
Exemplo 4.7 Determinação da solução geral de y ′ = Ay, com A =  0 1 0 .
 
0 0 2
Valores próprios de A:

λ1 = 1 (com multiplicidade algébrica 2) e λ2 = 2.

Vectores próprios de A, associados a λ1 = 1:      


ξ1 1 0
     
     
os vectores próprios associados a λ1 são da forma v =  ξ2  = ξ1  0  + ξ2  1  .
     
0 0 0
   
1 0
   
   
Em particular, v1 =  0  e v2 =  1  são vectores próprios linearmente independentes,
   
0 0
associados a λ1 .
Então,
e1t v1 e e1t v2

são soluções particulares e linearmente independentes do sistema.


Vectores próprios de A, associados a λ2 = 2:    
0 0
   
   
os vectores próprios associados a λ1 são da forma v =  0  = ξ3  0 .
   
ξ3 1
 
0
 
 
Em particular, v3 =  0  é um vector próprio associado a λ2 .
 
1
Então, e2t v3 é solução particular do sistema.
A a solução geral é dada por
     
1 0 0
     
     
y = c1 et  0  + c2 et  1  + c3 e2t  0  .
     
0 0 1

Caso 2 Não existem m vectores próprios v1 , · · · , vm linearmente independentes associados


a λ1 .

67
Seja v1 um vector próprio associado ao valor próprio λ1 .
Como já se notou, w1 := eλ1 t v1 é uma solução de (23). Neste caso, pretende-se ver como
construir soluções de (23) que não sejam dessa forma e que conjuntamente com eλ1 t v1 formem
um conjunto de soluções linearmente independentes.

Exercı́cio 4.8 Sendo

w2 := t eλ1 t v1 + eλ1 t w (24)

uma dessas soluções, prove que o vector w satisfaz

(A − λ1 I) w = v1 . (25)

Observação 4.9 Repare que (25) caracteriza todos os vectores w que permitem concluir que w2
é solução de (23).
Repare ainda que w pertence ao conjunto dos vectores que satisfazem as seguintes duas
condições:

(A − λ1 I) w ̸= 0 (26)

(A − λ1 I)2 w = 0, (27)

daı́ ser designado por vector próprio generalizado.

Exercı́cio 4.10 Sendo


t 2 λ1 t
w3 := e v1 + t eλ1 t w + eλ1 t u (28)
2
uma terceira dessas soluções, prove que o vector u satisfaz

(A − λ1 I) u = w. (29)

Observação 4.11 Repare que (29) caracteriza todos os vectores u que permitem concluir que
w3 é solução de (23).
Repare ainda que w pertence ao conjunto dos vectores que satisfazem as seguintes três
condições:

(A − λ1 I) u ̸= 0 (30)

(A − λ1 I)2 u ̸= 0 (31)

(A − λ1 I)3 u = 0, (32)

68
e, tal como na observação anterior, é designado por vector próprio generalizado.

Se necessário, poderiamos continuar este processo.


 
2 1 6
 
 
Exemplo 4.12 Determinação da solução geral de y ′ = Ay, com A =  0 2 5 .
 
0 0 2
Valores próprios de A:

λ1 = 2 (com multiplicidade algébrica 3).

Vectores próprios de A, associados a λ1 = 2:    


ξ1 1
   
   
os vectores próprios associados a λ1 são da forma v =  0  = ξ1  0  .
   
0 0
 
1
 
 
Em particular, v1 =  0  é um vector próprio associados a λ1 , não havendo qualquer outro
 
0
linearmente independente relativamente a v1 . (Diz-se se λ1 tem multiplicidade geométrica 1.)
 
1
 
 
Uma primeira solução do sistema é w1 := e2t  0 .
 
0
 
0
 
 
Resolvendo (25), obtem-se w =  1 .
 
0
   
1 0
   
   
Então w2 := t e2t  0  + e2t  1  é uma segunda solução do sistema.
   
0 0
 
0
 
 
Resolvendo (29), obtem-se u =  −6 .
 5 
1
5
     
1 0 0
t2 2t 
 
  
 

 −6


Então w3 := e  0  + t e2t  1  + e2t   é uma terceira solução do sistema.
2      5 
1
0 0 5

69
A solução geral é y = c1 w1 + c2 w2 + c3 w3 .

4.2.4 Conclusões

Definição 4.13 Um conjunto {Y1 , · · · , Yn } de soluções linearmente independentes de (23), é


designado por sistema fundamental de soluções de (23).

Da discussão feita nas secções anteriores, conclui-se o resultado seguinte.

Teorema 4.14 Existe um sistema fundamental de soluções de (23).

Definição 4.15 Seja {Y1 , · · · , Yn } um sistema fundamental de soluções de (23).


Sendo c1 , · · · cn constantes reais, a solução geral de (23) é definida por
 
c1
 
 . 
y := c1 Y1 + · · · + cn Yn = [Y1 | · · · |Yn ]  ..  .
 
cn

4.3 Sistemas completos - resolução usando o Método da Álgebra Linear

Na definição 4.1, foi dito o que se entendia por sistema de equações diferenciais lineares, com
coeficientes constantes, de primeira ordem, completos e na forma normal. Sendo A uma matriz
n × n e f uma função contı́nua e com valores em Rn , tal tipo de sistemas é da forma

y ′ (t) = A y(t) + f (t). (33)

Definição 4.16 Seja {Y1 , · · · , Yn } um sistema fundamental de soluções de (23).


A solução geral de (33) é definida por

y := c1 Y1 + · · · + cn Yn + Ypc ,

com Ypc uma solução particular de (33).

Teorema 4.17 Seja {Y1 , · · · , Yn } um sistema fundamental de soluções de (23), num intervalo
I de R.
Seja ainda Φ(t) := [Y1 | · · · |Yn ].

70
Então, com t0 ∈ I,
∫ t
Φ(t) Φ−1 (s)f (s)ds
t0

é uma solução particular de (33).

Demonstração. Como
( ∫ t )′ ∫ t
Φ(t) Φ−1 (s)f (s)ds = Φ′ (t) Φ−1 (s)f (s)ds + Φ(t)Φ−1 (t)f (s)ds
t0 t0
∫ t
=
|{z} AΦ(t) Φ−1 (s)f (s)ds + f (t),
t0
(porquê?)

então
∫ t
Φ(t) Φ−1 (s)f (s)ds
t0

é uma solução particular de (33).

 
1 0
Exemplo 4.18 Determinação da solução geral do sistema y ′ = Ay + f (t), com A =  
0 0
 
0
e f (t) =  .
t
   
1 0
Usando as notações do teorema anterior, pode-se considerar Y1 = et   e Y2 = e0t  .
0 1
 
et 0
Então Φ(t) =  .
0 1
Conclui-se assim que, no presente caso,
    
∫ ∫
t et 0 t e−s 0 0
Φ(t) Φ−1 (s)f (s)ds =      ds
t0 0 1 0 0 1 s
  
et
0  0 
=   2 
t
0 1
  2

 0 
=  t2  .
2

71
A solução geral é  
   
1 0 0 
y = c 1 et   + c2 e0t  +
 t2  .
0 1
2

4.4 Aplicações do Método da Álgebra Linear

Toda a discussão envolvendo a construção de soluções a partir de valores e vectores próprios,


permite, no âmbito da análise qualitativa, fazer o esboço de retatos de fase nos quais se dá uma
ideia geométrica do comportamento das soluções de um sistema.
Ainda nesse âmbito, permite estudar problemas de estabilidade de soluções.
Numa envolvência mais geral, os métodos algébricos são instrumentos poderosos para o
estudo de questões muito importantes, como a controlabilidade e a observabilidade de sistemas e
ainda o controlo de sistemas por realimentação (vulgarmente designado por controlo de sistemas
por feedback) tanto ao nı́vel dos estados como das saı́das (vulgo outputs).

72
Bibliografia

1. Principal

(a) Caldeira, C., Análise Matemática III - Textos de Apoio,


http://www.mat.uc.pt/˜caldeira/

(b) Breda, A. M. R. A. e Costa, J. N., Cálculo com funções de várias variáveis, McGraw-
Hill, 1996

(c) Gonçalves, A., Análise Matemática III - Textos de Apoio às Aulas Teóricas,
http://www.mat.uc.pt/˜adsg/AnMat3-apontamentos.pdf, 2005

(d) Gonçalves, A., Análise Matemática IV - Textos de Apoio às Aulas Teóricas,
http://www.mat.uc.pt/˜adsg/AM4-apontamentosAM4.pdf, 2005.

(e) Kaplan, W., Cálculo avançado, vols. 1 e 2, Editora Edgard Blücher, 1972

(f) Lima, E. L., Curso de Análise, vol. 2, Editora Projecto Euclides, 1989

(g) Stewart, J., Cálculo, Pioneira, 2001

(h) Zill, D. G., A first course in differential equations with applications, PWS-Kent, 1989

2. Secundária

(a) Agudo, F. R. D., Lições de análise infinitesimal, vol. 1, Cálculo diferencial em Rn

(b) Apostol, T., Calculus, vol. 2, edição espanhola, Editorial Reverté, 1973

(c) Spivak, M., Calculus on manifolds: a modern approach to classical theorems of ad-
vanced calculus, W. A. Benjamin, Inc, 1965

(d) Swokowski, E. W., Cálculo com geometria analı́tica, vol. 2, McGraw-Hill, 1983

73

Você também pode gostar