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John Blacking
mbora a "dança" seja um fato social, eu admito que ela seja derivada
A ntropologia da Dança 1 75
de restabelecer o antigo papel da dança na educação e na vida social , e que
quando essa meta tiver sido alcançada e a natureza da dança for propria.
mente compreendida, a pesquisa em dança perderá o vigor e será substituída
por uma prática de dança mais consciente e difundida. Haverá um lugar
para a crítica, a história e a sociologia da dança, para registrar os padrões de
mudança e as funções da dança na sociedade; mas a atual divisão, na dan-
ça, entre trabalho manual e trabalho intelectual será dissolvida , assim como
dançarinos e acadêmicos compartilharão atividades entre si por uma causa
comum .
Como a dança se desenvolveu como uma forma de arte, nas sociedades
industriais - juntamente com a divisão do trabalho -, tomou-se cada vez
mais impedida de "falar" por si mesma . O palavreado em tomo da dança
restringe as atividades daqueles que pertencem ao mundo da dança profis-
sional, tomando-os responsáveis, em palavras, pelos pensamentos e ações
que são essencialmente não verbais . Ele também sufoca o conhecimento
senso-comum e as sensibilidades dos espectadores, porque inibe sua capa-
cidade natural para dançar e apreciar a dança, com metal inguagens especí-
ficas da cultura do outro, que usa palavras e conceitos derivados de outras
esferas de ação que não a dança . Assim, as possibilidades de aprender a usar
completamente um modo importante de comunicação são cerceadas porque
suas características não verbais são desvalorizadas. David Best muito bem
assinalou que a dança não pode educar as pessoas a pensar verbalmente, mas
isso não exclui a possibilidade de pensar não verbalmente.
A proposta deste paper é demonstrar como e porque a abordagem da
Antropologia Social pode resolver algumas das contradições inerentes à pre-
sente fase da história da dança, para a qual o conhecimento e a crítica em
dança pertencem sobremaneira às criações dos coreógrafos. Idealmente, ª
interpretação deveria ser possível sem palavras; mas se as palavras têm sido
usadas para criar e reforçar atitudes que aproximam as mentes das pessoa~,
possibilitando o desenvolvimento de habilidades e experiências na comunt·
cação não verbal, as palavras podem ser mais efetivas em ajudar na reaber-
tura daquelas mentes contestando os argumentos verbais e as interpretações
falsas da experiência que as aproximou. Certamente ninguém ficará impres-
sionado com a atitude de um dançarino que diz "Eu não posso falar para
você. Eu posso apenas mostrar a você. Eu devo dançá-lo" . E ainda, coJJlO
Peter Brinson pontuou, "o mundo interno do dançarino" deve ser levado eJll
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consideração para o entendimento e a prática da dança; e o dançarino está
certo em insistir que o que é mais importante sobre dança, como um tipo
especial de atividade especial, é que ela comunica sem palavras.
'' O problema em relacionar movimento e significado encorajou alguns es-
tudiosos da dança a olhar para modelos de análise da fala nos quais distin-
ções úteis têm sido feitas entre código e mensagem, significante e significa-
/
do, língua e linguagem [parole], e assim por diante. Como "um sistema de
signos que expressa ideias", o código de uma linguagem verbal pode operar
independentemente de seu significado: mas nem todos os linguistas aceitam
a independência entre o código e a mensagem, e muitos pesquisadores têm
se esforçado para relacionar mais proximamente a sintática com as estrutu-
ras semânticas, nos campos em que as intenções dos falantes para dizer [sig-
nificar] alguma coisa encontram-se nas estruturas profundas das suas falas.
O trabalho dos sociolinguistas e o discurso dos analistas tendem a re-
forçar os primeiros argumentos de Malinowski e dos antropólogos que de-
monstraram que os significados das linguagens só podem ser completamen-
te compreendidos em seu contexto de uso. Pequenas variações de ênfase ,
entonação, ordem de palavras e até mesmo a dlireção da fala, bem como a
paralinguagem (por exemplo, pistas não verbais), não estão dissociadas da
gramática da palavra, mas podem transmitir mudanças de significado que
não são menos significantes do que as mudanças ocorridas pela mudança de
sintaxe. Essa mudança não entra em conflito com a visão de que a linguagem
verbal é biologicamente transmitida e específica da espécie (Cf . LENNE-
BERG, 1967), mas não requer o refinamento de posição extrema dos gra-
máticos formativos que seguiram o brilhante trabalho de Noam Chomsky.
Isto é, nós podemos aceitar que as pessoas herdem algumas das capacidades
cognitivas necessárias à fala, mas a fala não é necessariamente controla-
da pelo modelo das "estruturas profundas "; nem é um assistemático ou um
mero epifenômeno de situações sociais . A crítica da gramática transforma-
cional parece estar alegando que há uma relação mais próxima entre código
e mensagem do que originalmente se pensava , e que quando nós levamos em
consideração todos os signos que são sistematicamente usados na fala , a es-
trutura da ideia expressa não fica muito longe da estrutura de sua expressão.
O que sustentava a noção de que o código e a mensagem eram independen-
tes era muito mais a ênfase na análise dos produtos do que dos processos por
meio dos quais eles foram construídos.
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Antropologia da Dança 1
significado, as pessoas que estão acostumadas a dançar, apenas, podem se
mostrar muito articuladas em relação aos seus sentimentos . A linguagem e as
metáforas que elas usam, e as analogias que elas fazem, podem , em última
análise, ser mais científicos que qualquer análise "objetiva" de seus movi-
mentos. Filmes, videotapes e várias notações como as de Laban ou Benesh /
são ferramentas úteis para referirem-se ao objeto de estudo, e poderiam setor-
nar mais importantes na criação das danças; mas elas não podem descre ver ou
explicar o que está acontecendo enquanto forma de experiência humana (ver
GELL, 1979, p. 26-27) . Não há dúvida sobre a importância e o valor da nota-
ção como técnica de registro de movimento e como fonte de estudo, mas há
perigos reais nas análises das partituras escritas, tanto quanto na música (ver
BLACKING , 1981), que podem conduzir a todo tipo de extravagâncias semi-
óticas se não estiverem relacionadas às intenções e experiências dos coreó-
grafos, perfo rmers e espectadores, em seus respe·ctivos contextos culturais .
A dança, como tópico de estudo científico, diz respeito, em última análise ,
à ação e às inte~ ões humanas conscientes. O processo de mover-se e de dar
significado ao movimento é a fonte da experiência em dança , da qual a dança
como produto é o signo visível. Podem , evidentemente, representar ações
não intencionais , e as pessoas podem ter dificuldade em verbali zar suas in-
tenções . Mas isso não dá aos estudiosos de dança o direito de considerarem
as explanações das sequências de movimentos e motivações da dança em
termos de "inconscientes " ou "subconscientes ". Quando as pessoas falam
sobre "serem dançadas " ou proclamam que seus movimentos são dirigidos
por "forças" internas ou externas, elas obviamente não descrevem os estados
inconscientes. Elas estão tentando descrever um modo não verbal de discur-
so, cuja lógica e formas podem ser precisamente expressas e compreendidas ,
mas não sempre articuladas em palavras.
Ao invés de invocar o subconsciente para explicar as experiências de dan-
ça e a performan ce dos padrões de movimento cuja lógica parece desafiar a
descrição verbal, mesmo dos participantes, nós deveríamos reconhecer que
há linguagens coerentes, estruturadas de dança, e que a transferência do dis-
curso verbal para o não verbal constitui o coração da experiência da dança.
Isso não significa que as pessoas abandonam a razão pela emoção quando
dançam , mas que elas frequentemente introduzem outro tipo de discurso ,
cuja gramática e conteúdo são mais efetivamente , mas não exclusivamente ,
expressosem uma linguagemnão verbal.
A maioria das discussões sobre dança, bem como sobre outras linguagens
não verbais, tais como música, parece girar em torno de duas questões:
1. A dança é essencialmente um sistema de signos aos quais se atribuem
significados em contextos sociais? Ou
--
2. A dança é, principalmente, uma linguagem das emoções, uma expres-
,
são formalizada de sentin1entos,
organizados de forma a ter efeitos mais am-
plos e maiores sobre a ação humana?
Poucos negariam que ambos os elementos são necessários, que a fonna
sem sentimento é estéril e que o sentimento sem forma seria improvável de
ser socialmente eficaz; mas as discussões estéticas e filosóficas geralmente
atribuem maior valor a um ou outro elemento, e isso deve ser muito confuso
para os dançarinos profissionais. Os estudiosos da dança podem ajudar os
dançarinos a resolver essas contradições , não aderindo às batalhas, apoiando
um ou outro ponto de vista , mas perguntando por que esses argumentos sur-
giram, como eles continuam sendo utilizados em qualquer coisa que seja útil
para a dança, como distintivos dos modos de dançar dos diferentes indivíduos
e grupos sociais. Por exemplo, o tratamento da dança como, principalmente,
um sistema de signos foi justificado com o argumento de que a gama de sen-
timentos humanos tem sido a mesma através da história e ao redor do mundo,
mas a variedade de formas de dança constitui uma grande conquista humana,
distinguindo a dança de outras atividades, tomando-a, por si só, digna de con-
sideração.
As interpretações das formas de dança variam entre os extremos do ab-
solutismo e do relativismo, e de ver a dança como uma ação autônoma para
tratá-la como um epifenômeno da vida social. O que raramente é explicado,
senão em termos subjetivos ou vagos é por que, do ponto de vista absolutista,
algumas formas de dança são julgadas mais complexas ou melhores do que
outras ou, a partir de um ponto de vista relativista, como exatamente as formas
de dança refletem ou transmitem significados sobre a vida social, a menos que
sejam especificamente miméticas - mas até mesmo seu significado mimético
depende de convenções sociais e das intenções dos dançarinos.
As inconsistências das análises e avaliações formais são reveladas quan-
do escritores e críticos têm que incluir sentimento e conteúdo extrínsecos
em suas discussões , quando eles se queixam de que uma brilhante exibição
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técnica não tem conteúdo emocional , ou de que um sentimento bonito foi
expresso ingenuamente em movimento. Os dançarinos não podem ignorar
tais julgamentos contraditórios, porque as palavras influenciam na recepção
do público e, consequentemente, na venda dos bilhetes . Além disso, as exi-
gências dos espectadores , que esperam ficar excitados com a virtuosidade e
tocados pela intensidade da expressão, têm influenciado tanto o desenvolvi-
mento das formas de dança quanto a criatividade dos coreógrafos.
Vi~osismo técnico e profundidade de expressão não são incompatíveis
ou contraditórios se forem concebidos como processos complementares.
Além disso , eles podem produzir movimentos visivelmente "simples " ou
"complexos" . Se a dança é um sistema de signos que expressa sentimentos,
a resolução de abordagens e interpretações contraditórias pode ser alcançada
ao encontrar formas mais eficientes de se relacionar movimento e signifi-
cado. Precisamos encontrar maneiras de descrever os signos da dança , de
modo a também relacioná-los ao seu impacto emocional.
Sugiro que o primeiro passo seja esclarecer o conceito de sentimento. A
dança é uma instituição social e não importa como o indivíduo, no mundo
interior de um dançarino pode ser, os sentimentos são culturalmente codifi-
cados, tão logo postos em ação como dança. Alguns antropólogos vão longe
ao ponto de dizer que "sem os padrões orientadores da cultura humana [...]
o homem não saberia , literalmente, como se sentir" (GEERTZ, 1964, p. 47).
Geertz se refere , penso eu, ao que Suzanne Langer chamou de "uma vida de
sentimento" (LANGER , 1953, p . 372), e mais tarde ele escreveu : "Antes
de fazê-las em nossas mentes , temos que aprender a sentir as coisas; e para
sabermos como nós nos sentimos em relação às coisas , necessitamos de ima-
gens [espelhos] públicas de sentimento que somente o ritual, o mito e a arte
podem proporcionar ." (GEERTZ, 1975, p. 82)
É importante tratarmos sentimento, assim como pensamento, como uma
função racional (Cf . WITKIM, 1976); reconhecermos que "a emoção é es-
sencialmente um estado criativo" que, [teleologicamente] , "cria, transforma,
e simboliza" (HILMAN, 1970) ; evitarmos fazer distinções entre emocional
e cognitivo, e, acima de tudo , lembrarmos que os sentimentos que as pessoas
expressam ou recebem por meio da dança são extraídos de um repertório co-
letivo · ... · pessoa 1, e que as pessoas
· de sentimentos , tanto quanto da expenenc1a
aprendem diferentes maneiras de falar sobre os sentimentos, bem como des-
cobrem forma s distintas de expressá-los.
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Ant ropologia da Dança 1
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Referências Bibliográficas
CLYNES, Manfred. Sentics: the touch of emotions. London: Souvenir Press, 1977.
GEERTZ, Clifford. The transition to humanity. ln: TAX, Sol. (Ed.) Horizons of
Anthropology. London: Allen and Unwin, 1964, p. 37-48 .