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EFICIÊNCIA VERSUS BARBÁRIE: EDUCAÇÃO BRASILEIRA NUMA DEMOCRACIA

AMEAÇADA
Este texto de reflexão discute a partir do contexto atual da sociedade brasileira, os princípios
que ainda permanecem no centro das pedagogias e do pensamento educacional hegemônico.
Inicialmente apresentamos os princípios sobre os quais a educação está alicerçada e, em seguida
apresentamos fatos do contexto brasileiro para análise. Tomamos como referência os textos
educacionais de Adorno em que apresenta argumentos atuais, apesar de terem sido escritos há mais
de 50 anos. A questão central que Adorno nos coloca é como uma cultura que prometeu um mundo
melhor, para tanto aliando-se à ciência, produziu a barbárie como Auschwitz. Para ele, é premente
que saibamos os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos para que a
consciência sobre eles possam impedir que se repitam. Estudos posteriores e mais recentes (Pucci,
Crochik) reafirmam essas preocupações, pois a violência que permanece como elemento fundante
da sociedade capitalista, de tempos em tempos emerge para nos assombrar.
Em síntese, os princípios que fundam a sociedade burguesa ocidental contemporânea são:
1. frieza entre os indivíduos: também entre as grupos sociais (Mônadas sociais) (os gêneros, as
classes, os povos, os coletivos, de maneira geral) como “uma regra geral de sobrevivência”
2. sistema de proteção: dos próprios interesses, diminuir risco de perda numa sociedade
imanentemente competitiva e conflitiva
3. indiferença pelo outro: sistema de relações individuais e coletivas que se autoprotegem,
promove o silêncio frente ao terror
4. frieza como princípio fundamental da subjetividade burguesa promovido e reforçado pela
indústria cultural, pela escola, pela igreja, pelas políticas
Como decorrência desses princípios emergem aspectos dicotômicos e contraditórios.
1. Barbárie versus Violência: desbarbarizar não significa moderação à todo custo, nem sequer
eliminação da agressão, mas sublimar os instintos para algo mais produtivo do ponto de vista
humano. Formação que promova modos de agir politicamente refletidos como condição de ação
individual ou coletiva contra a consciência deformada, não imediatamente agressiva. Passividade
inofensiva: é mais uma forma de barbárie, pois consegue contemplar o horror e se omitir diante
dele. Educação que desperte desde a pré-escola uma verdadeira “vergonha” da violência e da rudeza
existente no pricípio da cultura, de maneira que as pessoas não tolerem a brutalidade e a rudeza dos
outros com os outros. É preciso deixar que a agressão seja externalizada para que possa ser
elaborada.
2. Reflexão versus Consciência coisificada: reflexão por si só não garante que não se promova
consciências coisificadas. Sem um fim claro e transparente, ela pode levar tanto a dominação cega
quanto à emancipação, portanto, reflexão é uma atitude que deve estar direcionada à finalidade
humana, deve ser transparente quanto aos seus fins.
3. Integração versus Emancipação: competição como princípio pedagógico: competição é contrária
a uma educação humanística. É mitologia que a competição aumenta a eficiência da educação;
quando não balizada por formas mais flexíveis, representam em si um elemento de educação para a
barbárie. Questionar o sucesso/progresso como fim último da educação. A integração que a
educação promove estimula a coisificação da consciência e a humanização das coisas, com uma
valorização do inanimado e uma frieza com a vida humana.
4. Progresso versus Anticivilização: promessas não cumpridas da Cultura: movimento do
esclarecimento nos prometeu uma vida em abundância e pacífica, o que até hoje não foi
conquistado. Fracasso leva a culpa que por sua vez gera a raiva e a agressão. Cultura dividiu as
pessoas: pela cor, pela atividade, pelo local de nascimento e a desconfiança em relação a cultura e a
capacidade da humanidade em alcançar esse fim, fez com que canalizássemos a raiva não em
relação ao não cumprimento dessa promessa, mas a própria promessa em si, de que ela nem deveria
existir. Descumprimento promoveu uma sociedade que é contra a igualdade entre os povos (ainda
que o discurso seja o contrário), uma apologia ao poder, à força e a dominação (a paz não gera
lucro, é enfadonha e chata).
Elemento ausente na formação social e educacional da sociedade ocidental: Princípio da autoridade.
Para ser possível uma educação contra a barbárie, temos que renunciar ao comportamento
autoritário e a formação de um superego rigoroso, frio para dar conta do sofrimento que o processo
educacional gera. Pensar numa “autoridade esclarecida” que não seja cega, e que não se origine a
partir do princípio da violência, que sejam transparentes em relação a sua finalidade.
CONTEXTO DA SOCIEDADE E EDUCAÇÃO BRASILEIRA
1. Princípios democráticos danificados por práticas autoritárias das instituições (legislativo,
executivo e judiciário) para garantir políticas econômicas da pauta do capital internacional e para
abrir novos nichos de mercado e de exploração de riquezas naturais (pré-sal, amazônia etc)
2. Programas educacionais que colocam no centro os elementos fundantes da sociedade atual:
escola sem partido, Future-se, em detrimento de políticas sociais. Desmonte da escola pública, em
especial do ensino superior e da pesquisa. Pesquisas direcionadas para as áreas tecnológicas.
3. Eliminação de lideranças locais e nacionais: índios, LGBT, mulheres em números alarmantes
4. Eleições mostrou a crença da sociedade nos “mitos” salvacionaistas, com semelhanças
alarmantes com o contexto Alemão pré 2ª GM
5. Grupos de esquerda, partidos, movimentos sociais imobilizados num primeiro momento, com
retomada de organizações e ações, mas que pouco aprofundam nas análises sociológicas.
Universidade distante da sociedade com excelentes análises teóricas (Elite do atraso, Jessé de
Souza, Marilena Chaui), mas que pouco consegue adentrar os movimentos sociais.
6. Educação básica científica servindo para reforçar os traços do anticivilizatório, podendo acentuar
ainda mais com a atual reforma promovida pela Base Nacional Comum Curricular.
Esses aspectos da realidade brasileira nos apontam para a possibilidade de um longo período de
radicalização das forças contrárias a uma sociedade humanista, pois alinhavada pelas mídias sociais,
reforça os traços narcísicos, individualistas e agressivos. São marcas de um processo civilizatório
em que a educação, como promessa de uma democracia igualitária, se mostra cada vez mais à
serviço de um sistema que de democrático pouco se pratica e de igualdade dos grupos entre si,
ampliando a divisão social econômica mascarado pela lógica da imagem virtual e do espaço virtual
em que tudo e todos supostamente são iguais.

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