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Heinz
Marluza Marques Harres
(Orgs.)
A
...OIKOS....
f til."
anpuhrs anpHh
........ ____ ........
2008
© ANPUH - Assoc iação Naciona l de História
Av. Prof. Lineu 338
T érrco do prédio de e Geografia
Caixa Postal 8105
05508-900 São Paulo/SP
Fone/Fa.x: (l I) 309 1-3047 SUMÁRIO
anpuh @usp.br
Revisão da Apresentação: Flavio M. Heinz e Marl uza M Harres A História, novos domínios e/ou deslocamentos?
Eni de Mesquira Samara 17
Editoração: Oikos
Anc-fina lização: Jair ,Ie O li ve ira Carlos História e ll1ultid isc ipli naridade: territórios e deslocamentos
Sílvia Regina Ferraz Petersen ..... .. . ..... 25
Impressão: Evangraf
o o lhar do historiador: territórios c des locamcnws na hi stória
Editora Oikos LtJa. socia l da escravidão no Brasil
Rua Paraná, 240- B. Scharlau Hebe Matros ......... .. 49
Caixa Postal 108 1
93 121 -970 São Lcopoldo/RS
Cruzando fronLciras: os eswdos de imigração
Te!.: (51 ) 3568.2848/ Fax: 3568.7965
comaw@ oikoseditora.com.br Lúcia Lippi O liveira .. .... .................. " ...... 63
\Vww.oikoseditora.com.br
Etnicidade, identidade nacional e luta armada
je({rey Lesser .. " .. ..... 75
H673 A História c rerrilórios: ConferênciJs do XX IV Simplíslll Nacional de
Histcíria da ANPU H. O rgal1lzadmcs Fb\'io M. Heinz; Ma rl u:a Marl.jllcs A invenção da etnicidade nos Estados-nações americanos nos
Harres. - São Leopoldo: Oikos, 2008. séculos XlX e XX
217 p. ; 16 x 23cm. Federico Navarrete ..".... .. .... ............ 89
ISBN 978-85 -7843-054-2
1. História - Mu ltidi 'ciplinaridade - Conferência. 2. histórica. o Tempo, o Vento, o Even to: história, espaços e deslocamentos
3. História - Cultura - SOCleJade. 4. Perfil do l listoriaJor. 5. Il istoriograha . nas narrativas de formação do território brasile iro
6. Patrimônio Histórico - HIstoriador. !. Associação Nac ional de História . 11. 115
FlaVIO M Heim. 111. M;1r!uza Marques Harres.
Dun'a/ Muniz de Albuquerque .. ...... ...... .......... .. .... .. ....... .
CDU 930(042.3)
Catalogação na publicaçJo: Biblimecária Elil'te Mari Donc<!w J3msíl - CRn J O/ I J 84
M ultiJiscip linaridade, interdisciplinaridaJe, lran sdiscip linarid ade:
um desafio para o historiador?
Maria Stella Bresciani .. ... .. ...... .... ............ .. ...................... .. ................ ... ..... .. 137
DISCUSSÕES POLÍTICAS
oESTADO DO NOSSO PROBLEMA: UMA ASSOCIAÇÃO,
SEU CONGRESSO EALGUNS DESAFIOS
Museu s enquamo de at uação para o profissional de HISlória
Eni de Mesquita Samara e Denise Cristina Carminatti Peixoto .. ... .......... 153 Flavio M. H einz*
Marl uza Marques Harres**
Nem crematório d e fontes nem museu de curiosidades: por que
preservar os documentos da Ju stiça do Trabalho
Fernando Teixeira da Sil\-a .. ... .. ... ..... .. . 161
É com gra nde sa tisfação que apresentamos à comunidade dos historia-
Produção acadêmica e e nsino de História dores brasileiros o livro de con ferênc ias do XXIV Simpnsio Nacional de H is-
He len ice Ciampi .. ...... 187 tória, eventn ma ior d a Assoc iação Nacional de Histó ria , a AN PUH, realiza-
do e lTl julho de 2007 , n8 Uni versid ade d o Va le do Rio dos S in os, e m São
DeSlruição legal e ilegal do patrimônio histórico: problemas , Leopoldo, n o Rio Gra nde do Sul. A qui estão reu n idas oito conferê ncias - e
limires e o pape l do h istoriador quauo das intervenções realizada s nas mesas de Di scussões Po líticas - apre -
Zita R osane Possamai 205 se ntadas ao público presente ao evento .
Infelizmente. algu mas co nuib uições Je c onfere nc istas e d ebatedores
ao XX IV Simpósio Nac ional de H istóri a n ão p ude ra m ser in cluídas nes te
olu mc . Por razões diversas, se us a u tores n ão enviaram os textos pa ra p ublica-
ção. Assim, as con ferencias de Hilda Sabato. historiado ra política argentina
_ Hiscória. política, política: lu fomwcióll de las ll 8ciones em Ibema -
mérica _ , do e mbaixador A lberto ela Costa e Sil va - A História da África de
uma perspecliv:l brasileira: problemas e desafios - e de Eliana Du t ra - Des-
locamcnfos incerdisciplina res: Da Litera tura à Filoso fia, da Mem ória à His -
tórw _ . não compôc m este volume . embo ra ten ham d as também con stit uído
momentos- ch ave do eve nto e, part icularmente, tenh am contrib uído para o
adensamento da discussão em torno do te ma d as trocas e convergê nc ias dis-
ciplinares . D a mesma form a. e pelas mesmas razões, algumas d as interve nções
das três mesas de disc ussão política da programação, intituladas "Novos espa-
ços de awaçéÍo profissional do historiador", "Ensino de História e formação
do professor " e 'I-\. destruição lega l e ilega l c/o patrimônio histórico " - não
r a rtic ipa m desta ediçflo .
., Vicç'f'rc';lllentc J'I ANrU J-I n" ,"c,rã,) 200 1-2007; pn)fCN)rJe\ PL'CRS.
.. Ex-,lircr<lTa \! (,)mdhciw da A)\;PUJ-I.R5; preSIdem.: ela ABJ-IO na ge,râll 2006- 2008; professora Ja
L'MSll"US
AINVENÇÃO DA ETNICIDADE NOS
ESTADOS-NAÇÕES AMERICANOS
NOS SÉCULOS XIX EXX*
Federico N avarrete **
A pluwlid atl c é tn ica c cu1cura l é uma realld ade reconhec ida em tod as
as n açéles americanas. Não há um ún ico país em qu e n50 e xistam grupos q ue
se d iferen cie m por sua co r de pe le , sua cu lt urJ, SU :1 língua , sua orige m , sua
re ligião ou sua iden tidade é tn ica. Da mesma man eira, desde o n ascimento
das naç ões de nosso continente , as forma s de co nvivência, assim como a d is-
crim inação e os confl ims, entre os dit'ere nLes grupos, tê m temas cenwlis
da vida social e polític a . Por ISSO , como veremos nesta conferênc ia , a relação
entre os di stintos grupos étnicos tem sido um eleme ntO ce ntral para a de fin i-
ç50 dos regimes polít icos que se construíraln e sucederam e m cada um dos
países am ericanos . Hoje, a discriminaçáo e a desigu3.ldade entre os grupos
di ferentes são uma característi ca imporram e de q uase todas as socieJ ades de
nosso continente . Por esras razües, presta r atençüo às relações in terétnicas per-
mite compreende r, de uma perspec tiva dife rente, a h isló ria política e soci<ll de
nossos pa íses.
Para pode r empree nde r este tipo de a náli se, é nec essá rio , pr ime iro ,
fa ze r algum as re fl exões co nce it uais. A primei ra se relaci o na com a rrópria
n arure::a da plurzd idade nas s\lC ieda des a mericanas.
A pluralidaJ e de grupos h umanos qu e ex iste em nossos pa íses tem sido
e xplicada geralme nte como resultado da hi stó ria d l) po\'oa men LO da A méric<l
por sucessivas o ndas de imigran tes, começa ndo pelos ame ríndios q ue chega -
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A invenção da elnicidade nos estados-nações americanos nos séculos XIX e XX - Federico Navarrete XXIV Simpósio Nacional de História da ANP UH - A Hislória e seus territórios
ram há mais de 10 mil anos e culminando com os imigran tes africanos, asiá ti- continuidades identitárias e culturais entre os gru pos ameríndios , afro -ame-
cos e europeus q ue chegaram nos úl timos 500 anos , e continuam a chegar. ricanos, de origem européia e outros imigrantes; e, menos ainda, ignorar a
Desta perspec tiva, a pluralidade rem sido concebida como uma espé- importância das formas de resistênc ia que os gru pos suba lternos têm empre -
cie de "pecado original" das sociedades americanas. A conquista dos povos gado. nem subestimar as for mas de dominaç ão exercidas pelos gr upos hege -
amerínd ios e a colonização européia do continente têm sido condenadas com mônicos.
uma arroz des truição desta pluralidade primord ial ou vista como uma empre- O q ue desejo quest ionar é a idéia de qu e a dive rsidade dos países
sa ocide nra lizante e homoge neizadora ainda n ão term inada . Para além de americanos é unicame nte lima co ndição originária, o ponto de partida, o
sua oposição, ambas as perspectivas assumem que o mundo ameríndio existe cenário prévio e imóvel em qu e se dão os processos históricos de colonização
de maneira mais ou menos contínua desde antes de 1492 até hoje e o definem e de constr ução naci ona l; e q ue estes, por sua vez, demonstram a tendência
como al he io e resistente, inclusive refratário, até certo ponto, ao mundo oci- de fazê- la desaparecer. Também quero questionar a idéia Lie que as diversida-
dental. des ex istentes hoje são o prod uto e a cont inuação desta diversidade primor-
Uma pe rspec tiva semelhante se aplica aos grupos de africanos que che - dial, ou seja, que aquilo que torna diferentes os ameríndios, os afro -america -
garam à A mérica por meio do tráfico de escravos. As atrocidades deste co - nos , os ocidentais e os gru pos prove nientes da Á frica, Ásia ou Oriente Médio
mérc io h umano são vis tas como um elemento definidor da participação dos é o que eles conse rvaram de suas or igens pan ic ulares , enquanto que sua
afro -am ericanos nas sociedades america nas até o dia de hoje. Como res ulra- experiência colonial e nacional não teria demo nstrado mais que a tendência
do, rambém se defi nem estes grupos a partir de sua alteridade primordial em de homogene i:á-los.
relação ao resto das comunidades nacionais c de sua continuidade com seu Fren te a esta concepção de diversidade primo rdial, pro ponho a ex is-
passado africano e escravo, seja sob a forma de uma resistência conrínua ou tência de diversidaJes eme rge ntes, quer dizer, de for mas novas e sempre cam-
de uma herança terrível que não pode ser superada. biantes de diferenciação e pl uralidade entre os grupos qu e fo rmam as socie -
A mesma visão esse ncialista que re mete o ameríndio ao pré-colombia- dades americ anas.
no e o afro- americano à Á frica e ao escravismo re úne os di ferentes grupos Denomino eme rgentes a estas diferenças porque elas surgiram e sur-
europeus que chegaram à América em função de sua orige m geográfica sob a gem, hoje mesmo, dos processos históricos de colonização e de construção dos
etique ta simplista de ocidentais, o que os associa a uma posição socia l de domi- Estados- nações; algumas vezes de maneira de liberada e o utras vezes como
nação e a uma identidade modema. Isso impede o reconhecimento da plurali- uma conseqüência inesperada. Portanto, não devem ser concebidas como uma
dade cultural, social e étnica do povoamentO europe u da América, além das simples continuação, ou um remanescente, das diferenças primo rdiais, e sim
diferenças de classe e relaç ões de poder existentes entre estes grupos. como fenô menos novos, que podem retomar elemenros das diferenças previa-
No qu e diz respeito aos imigrantes asiáticos, do Orie nte Médio, africa - mente existentes, mas qu e lhes dão sentidos e funções d iferentes e novas.
nos e da Oceania que têm chegado nos últimos 150 anos , este essencialismo Por exemplo, em todas as nações americanas , a dis tinção legal e política
os define também a partir de suas origens extra-americanas e ava lia sua par- entre cidadãos e não- cidadãos se transformo u, ao longo dos úl timos 200 anos,
ticipação n as sociedades americanas contemporâneas em função de uma di- em uma geradora constante e cambiante de diferenças emergentes. No Peru,
cotomia simplista: a continuidade com sua herança es trangeira ou sua assi- G uate ma la e México, as comunidades campo nesas, muitas delas de tradição
milação às cu lturas nacionais. As mesmas concepções se aplicam agora ao ameríndia, têm definido formas próprias de participação política e de exercício
crescente n úmero de emigrantes entre os países americanos: latino -america - da cidadania, as mesmas que fo ram rejeitadas e comba tidas pelas elites libe -
nos nos EUA, nicaragüenses na Costa Rica, colombianos na Ve nezuela, boli- rais, apegadas a uma definição ocidentalizal1le de tais concepções. I O enfren-
vianos e pa raguaios na Argentin a.
Devo esclarecer que não pretendo n egar a importância dos processos
hislóricos de colonização, escravismo e migração, que têm constituído as na- I MALLOt-:. Fl nrênCIn . Campesino r nación: la COl\slrucc ión Jc México y Perú poscolon ia les . México:
ções amer icanas sociodemograficamente . Tampouco q uero menosprezar as CIESAS.2oo3.
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XXIV SimpósIo Nacional de História da ANPUH - A História e seus le
A invenção da etnicidade nos estados·nações americanos nos séculos XIX e XX - Fedenco Navarrete
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A invenção da etnicidade nos estados-nações ame ricanos nos séculos XIX e XX - Federico Navarrete XXIV SimpÓSIO Nacional de História da ANPU H - A História e seus territórios
Ouua fromeira de grande importâ ncia para a geração de d iferenças expansão capitalisLa, o conceito de etnogênese permite descobrir e compre-
emergemes tem sido a que separa O que consideramos natural do que consi- ender as complexas estraLégias que desenvolveram para reagir, resistir e ne -
deramos cu lturaL A distinção ideal entre estes doi!> âmbitos, como demons- gociar com esses processos - e também para, na medida do possíve l, participar
trou Bruno Lataur, é um traço definidor da modernidade ocidenta l, mas na e se beneficiar deles.
prática n unca existiu uma separação real entre ambos. J As próprias defini- Para dar um exemplo: d urante o século XIX, as comunidades campo-
ções das diferenças entre os grupos humanos comb inam sempre, e de maneira nesas ameríndias e "mestiças" do Peru, México, Guatemala e Equador tive -
complcxa, elementos biológicos e culturais. Do mesmo modo , os processos de ram que redefinir suas ident idades étnicas, de modo que ser "campesino"
dominação e segregação para com as populações amcríndias e afro -america- mexicano ou peruano no final deste século era algo muito diferente do que
nas têm uma fone dimensão ambiental, pois, além de controlar seus territórios, havia sido ser índ io no sistema colonial, cem anos antes. Neste processo de
buscam modi ficar seus ecossistemas. A pecuária tem sido, nos últimos 500 reinvenção de sua identidade, atualizaram elementos de origem pré-colom-
anos, um elememo -chave da co lonização e das relações imerétnicas por todo biana, como as formas de agricu ltura tradicionais que continuaram pratican-
o contineme.4 Assim também, nos últimos 150 anos , a ·defesa da natureza, do sempre que possível, refuncion alizaram elementos de origem colonial, como
definida como um âmbito intocado pe la mão do homem, tomou-se uma das os cultos aos santos patronos e os sistemas de confrarias com uma forte econo-
bandeiras que justificam a marginalização e o despojo dos povos ameríndios mia cerimonial, e incorporaram elementos liberais e modernos, como a idéia
para o estabelecimento de e reservas ecológicas. Em sentido in verso, de cidadania, a estrutura legal dos municípios, a construção de alianças po -
a idea lização das atitu des supostamente ecológicas dos indígenas se tomou, líticas e a utilizaç ão da violência como ferramenta de negociação com o Esta-
nos últimos 40 anos, uma nova for ma de difere nciação. No presente, a biopi- do e com os outros grupos sociais. 6
rataria, as sementes transgên icas e a gené tica constroem novas difercn ças Os mov imenros de revitalizaç ão, como a Dança dos Espíritos, q ue tan-
naturais e culturais entre os grupos. to êxito teve entre os ind ígenas norte -amer icanos cm fins do sécu lo XIX,
Outra fronteira a explorar é a que divide os gêneros, pois esta distinção serviram igualmente para q ue estes grupos pudessem reinventar suas identi-
tem tido uma grande in fluênc ia na construção das diferenças entre grupos dades cole tivas frente ao impacto brutal da imposição do domíniO direto dos
sociais, fe minizando os gru pos menos poderosos e atribuindo aos setores domi- governos estad unidense e canadense e da destru ição de seus meios ambien-
nantes os atributos positivos da masc uli nidade . A partir destas concepções, tes e fonnas de vida tradicionais. 7
as ideologias nacionalistas produziram h istórias familiares patriarcais de mis- O mesmo se pode d izer dos movimentos políticos e cultura is que surgi-
cigenação, traduzindo as relações de dominação e poder em relações de pa- ram entre os gr upos afro -ame ricanos, desde as rel igiões afro-americanas até o
rentesco.5 movimento rastafári e a negritudc, que lhes têm permitid o inventar novas
Ou tro conceito -chave para entender as di ferenças emergentes em identidades e enfrentar, assim, as diferentes formas de exclusão e discrimina-
nossas sociedades é o de etnogênese, que se re fere à inesgotável capacidade ção a que têm sido submetidos depois da abolição da escravidão, bem como
que os grupos sociais tiveram, e têm, para redefinir suas identidades e suas defi nir formas sempre cambiantes de participação política e cultural. No mes-
diferenças em meio à complexa interação com outros grupos e com os Estados-
nações. Se os ameríndios, afro-americanos e imigranccs apareciam nas descri-
ções anteriores como objetos passivos dos processos de constr ução nacional e
TIIUI\NER, Mark . From Two Republics [(J One DivideJ. Ab bama: Du ke University, 1997; GRANDlt-:,
Greg. The BlooJ o( Guatemala: A Hiswr)' of Race and Na [ion. Du rham: Ouke University Prcss, 2000;
T H01>1S0N, Guy P. C. nmiori.'m. Polttics anJ Popular Liberalism in NIIlc reench Cenrury Mexico: Juan
) L"TOL'R, Bruno. \Ve Have NCI'cr &en M(,Jern . C,mbriJge: HarvarJ Univ('rsity Pres>, 1993. Francisco Lucas and the Pucbln Sicrra. Wilm ington : Scholarl y Resou rces, 1998.
I KEHOE, Alice Bcck. The Ghnsl Dance: Elhnnhisrory ;mJ Rel'italizatinn: Case Srudies in Cultura l
, MElVILl E, Elinor G. K. A Plague olSheep: Environmenral of lhe Cl1nYllc,( of M é XICO.
C3mbridge: Uni vcrsiry Prcss, 1994. Anthropolob'Y- New York: Hol(, Rinehare anJ WitlSton , 1989; NAVARRETELl NARES, Fcderico. La Tierra
I BAUBt\R, Éticnne. Thc Nntion Form: Hisrnry anJ Ideology. In: WAIIERSTEIN, Immanue l; BALlMR,
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Érienne (eds.). Race. Narion . C/ass: Ambiguous IJenritic,. LonJon : Verso, 1999. p. 86·106. Mesnaméric;J. México: UNAM -llH-lI A, 2008 .
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XXIV Simpósio Nacional de História da ANPUH - A História e seus territórios
A da etnlcldade nos estados·nações americanos nos séculos XIX e XX - Federico Navarrete
biolúgicas e cu lturais das popu lações pré -colombianas - uma continu idade
mo sentido, as conversões religiosas por todo o continente catalisaram pro -
cessos de redefin ição de identidade de grupos muito \'ariados. h similar :-.e dá por estabelecida no caso da" populações afro-americanas e dos
Os grupos de imigrantes, por sua ve:, rev ita lizaram e refuncionalizaram ill1igranres europeus e asiáticos . Para lelamente, supõe-se que a inreração e
miSLUra emre estes grupos tenham criado novos grupos "mestiços" ou "híbri-
aspec tos da cultura de seus lugares de origem e também assim ilaram traços-
chave das culturas locais e nacionais com as quais inreragiram, reinventando dos" que, como resu ltado inev itável dessa mistura, deviam ser difere ntes de
suas identidades para enfrentar complexas dialéticas de in co rporação e ex- se us predecessores.
c1usüo. 9 Por lr<lS destas visões de cont inuidade e d as concepçôes trad icionais
Em suma, a construção de di ferenças não é apenas uma ferramenta Je mestiçagem, se encomra a defi nição de Cu/curA , com maiúscu la, do ro -
mantismo a lemão, recomada pela antropologia cultura lista. De acordo com
para o exercício do poder estatal e econômico, mas também para a resistência
ela, cada grupo h umano, chamado povo ou Vo /k, lem suas próprias caracte-
a e negociação com esse poder. As diferenças não são apenas um instrumento
rís (Ícas racia is, seu próprio cará te r mora l, sua própria lín gua e sua própria
usado pelos gru pos dominantes, mas também pelos subalternos . Por isso, as
cultura, as quais formam uma unidade orgânica e espiriLUa l específica e in-
diferenças emergentes têm sido um elemento centra l .das relações soc iais,
dissolúve l. Por isso, supomos q ue um indivíduo, ou grupo, com traços feno cí-
econômicas, políticas e cultu rais entre os diferentes setores sociais das na -
ções america nas nos últ imos dois sécul os. A plura lidade étnica e cu ltu ral de picos afro -america nos deva pertencer a uma cu ltura afro-americana, assim
co mo uma pessoa com traços h íbridos deva pe rt encer ao grupo mes tiço; o
nosso cont inente, longe de ser uma simples continuação do passado, o u um
mesmo vale para um fala nte de uma língua ame ríndia, visto necessariame nte
pesado fardo qu e deve ser su perado, é uma realidade vira l e se mpre em trans-
fo rmação, uma característica dinâmica de n ossas sociedades . como um segu idor da tradição cultural de seu povo.
O con ceito Je C ultura com maiúsc ula amalgama, de maneira comple -
xa, e muitas vezes contrad itória, elementos bIOlógicos - como o fenótipo e a
As "constelações" étnicas "rnça" -, c ul turais - como a língua e os costumes -, políticos - como a de fesa
explícila de uma identid ade e de uma forma de vida - e soc ioeconômicos -
A té agora fa lei de maneira deliberadamente vaga das diferenças entre
como as formas de prod ução e as prá ticas de expk)raçáo a que pode ser sub ·
os dis ti ntos gru pos q ue coexistem em nossas sociedades, sem caracte rizá -I as
metido um grupo. Igua lmente, comb ina elementos que tê m uma longa dura -
como racia is, cu lturais ou étnicas. Isso se deve ao fato de que a própria n atu -
ção no tempo, como as formas de interação co m o meio ambiente de um
reza dos grupos que constituem as sociedades americanas é um tema sobre o
[,TfU pO h umano, com elementos muico mais mutáveis, como as definições sociais
q ua l é necessário refleti r detidamente.
e legais dos grupos étnicos em um contexto político particu lar ou as formas de
A concepçi'i o de diversidade primordial assume que estes grupos dife -
exploração associadas a um sistema produtivo específi co.
rentes existiam como tais desde antes do iníc io dos processos históricos de
Ao ass um ir que todos esses fatores díspares formam um con junLo coe-
colonização e construção nac ional, e que tais grupos foram afetados por esses
rente c unificado, esta concepção transforma os grupos étnicos em categori as
processos, mas conservaram uma continuidade fundamental. Por isso, consi·
essen ciais e inquestionáveis. Da mesma fo rma, assume q ue, além das vicissi-
dera-se que as popu lações a me ríndias dos sécu los XX e XXI são herdeiras
tudes históricas, existem traços autênticos e constantes, q ue fazem com q ue
os ameríndios sejam índios, que os afro-americanos sejam africanos e que os
eu rope us sejam ocidentais. Tudo isso Jes-historiciza os grupos, pois concebe
8 LE BOT , Yvon. La gucrra Cll rierras mal'as: comunidad, violencia y modcrniJad rn Guatemal a (1970. ns processos hi stóricos, que na rea lidade oS cons tit uíram, co mo 8genres exó-
1992) . Méx iCO: fonJo de C ul tura 1995; WRlGIIT, Robm M. (org.) . Tmlls/t )fI)l,lIlJo os
genos que paJem trazer a erosão à sua autenticidade o u prüvocar sua disso lu-
JCIISCS: pentecostais c ncopc ntecosw is entre os mdígenJs no BrasiI. Campina"
EJitora LN ICAMP, 2004. ção, po is, de rodas as formas, seriam exte rnos à sua essê nc ia.
• LESSI:R, Jcffrcy. Ncgouarmg Nanoll<llldenCJrY: lmm ígrams, /..!morities anJ the Struggle fo r Edmiciry in Uma mane ira a lternativa de refletir sobre os diferentes grupos émicos
Bra:il. Durham: Duke Univcrsitv PreS!> o 1999; BoNFIL BATAIl.A. GUlllcnno (comp.) . 51111"i0515 Je culrur;JY:
lo s inmigrantes \' su cultura e n México. Mé xico: CONACULTA/fonJn Je Culruf<1 ECIlnómlca, 1993 .
e suas comp lexas dinâmicas h istóricas deve começar dando mais atenção à
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A Invenção da etnicidade nos estados·nações americanos nos séculos XIX e XX - Federico Navarrele XXIV Simpósio Nacional de História da ANPUH - A História e seus territórios
constelação de diferentes elementos biológicos, culturais, po líticos, soc iais e Na análise realizada até aqui, enfat izei a maneira como as (ormas de
econômicos que consti tuem estas cole tividades. Estas conste lações de ele - domin ação política, social e econômica criaram categorias émicas que defi-
mentos e traços são produtos das circuns tâncias e processos históricos e se nem e diferenciam seus obj eros de domínio, ou seja, os grupos humanos q ue
modificam com eles. Por isso, n unca devemos de ixar de ter em mente a "es- existem nas sociedades americanas. Estas categorias étnicas, que são defini-
tranheza" histórica destas conste lações, ou seja, a conringência e a hismrici- das exteriormente aos grupos aos quais se aplicam, devem distinguir-se, na
dade da conjunção de características agrupadas, que têm sentido apenas em teoria e na prática, das identidades étnicas que são definidas internamente
um contexto espaço-temporal e social particular e que, portanto, se modifi- por estes grupos, ainda que também em interação com estes mesmos sistemas
cam com ele. 10 de dominação.
Isso é partic ularmente importante de uma perspectiva comparativa, Para entender a construção das identidades étnicas é útil vo ltar ao
como a que estou propondo. Com efeito, não podemos supor que ser "índio" conceito de etnogênese: em sua participação, negociação, res istência e rebe -
fosse o mesmo no contexto do Méx ico e do Peru do século XIX, muito menos lião diante dos processos de co lonização e de formação naciona l, os grupos
no Brasil ou nos Estados U nidos; tampouco podemos a:-sumir que co ntin ua ameríndios, afro -americanos, europeus e o utros imigrantes construíram e in-
se ndo o mesmo em princípios do século XXI em cada um destes países. Do ve ntaram identidades étnicas próprias, mod ificando as que haviam herdado
mesmo modo, é bem conhecido que ser "negro", e incl usive escravo, não era historicamente e adaptando -as às novas circunstâncias e processos hisróri -
o mesmo no Bras il, no Peru ou nos Estados Unidos - e contin ua sendo dife -
rente hoje. Tampouco devemos ass umir que o "criolio" guatemalteco é igual Este concei ro de identidade étnica deve dissociar-se da concepção de
ao "branco " de Q uébec. O mesmo vale para os alemães da Guatemala e do Cultura com maiúscula e ser concebido também como uma conste lação de
Brasil, para os chineses do Peru e do Canadá. caracte rísticas heterogêneas, mui tas delas de origem alheia ao grupo que as
Em cada caso e em cada região ou país, uma histl)[ia partic ular de utiliza e que são mobil iz adas por este grupo como uma "bandeira" para a ação
dominação política, de exploração econômica, de intercâmbio c ultural, de cultural c política. Em suma, as identidades étnicas também são construções
resistência e de etnogênese criou form as diferences de construir a constela- históricls únicas , produtos dos contextos e das lu tas particul ares. 1J
ção de traços que definia, e define, cada um destes grupos . Estes processos criativos de construção e in venção idcnti tária têm rido
Por isso, proponho utilizar o concei to de "categori.a étnica" para reco- uma margem de a u tonomia variáve l frente às relações de dominação nas
n hecer a parncularidade histórica destas constelações, ev itando ass im fa lsas sociedades americanas. Para refl etir sobre esra margem , o antropólogo mexi-
analogias e buscando compreender melhor as partic ularidades de caJa re- cano Gu illermo Bonfil propôs o conceito de "comro lc cu ltural". A capacida-
gião e país. Ao mesmo rempo, esse conceito nos permite levar em conta que de de cada grupo definir sua própria identidade e os termos de sua relação
os sis temas mais amp los de dominação política, econômica e soc ial e de rela - cu ltural e social com os grupos e sistemas com que Íllleracua dependem das
ções interétnicas são precisamente os que dão sentido histórico e função so· circ unstâncias hislóricas partic ulares. H Em gera l, pode-se di:er que os gru -
cial às ca tegorias étnicas q ue existiram e existe m em nossos países. Neste pos étn icos n unca (oram completamente autônomos, ou seja, que nenhum
sen tido, é importante enfatizar que as re lações de exploração econômica e de pôde defin ir sua identidade liv remente de qualqu e r determinação exte rn a,
classe têm sido e co n Lín uam sendo uma pa rte fundamema l das estran has mas que, inversamente, n unca foram completamenre subord in ados, isto é,
conste lações históricas que definem as categorias étnicas. 11
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