Sabe aquelas histórias sobre o envelhecimento e das reflexões de como aproveitamos o tempo de nossas vidas?
Pois bem, estas são o que conta o livro que, certamente será um clássico de todos os tempos da literatura, A Máquina de
Fazer Espanhóis. O livro começa com o Sr. SILVA, português e barbeiro de profissão, na recepção de um hospital por ter
levado sua esposa Laura, que passa mal após um lanche. Silva conversa sobre alguns aspectos da vida com um médico,
outro Silva (são vários na história), dizendo a ele como ama sua esposa. Passa a noite no hospital, até que recebe a notícia
que ela falecera.
A morte de sua companheira e querida esposa de 48 anos de compartilhamento de existência trará um tremendo
baque ao protagonista e, logo nos primeiros capítulos, ainda terá outra desagradável surpresa, a de ser internado pela
filha Elisa em um asilo para velhos, conhecido por Lar Feliz Idade. Ele logo se angustia, declarando: “Laura morreu,
pegaram em mim e puseram-me no lar com dois sacos de roupa e um álbum de fotografias”.
A trama será contada com as impressões que o Sr. Silva em relação ao novo e tão distinto ambiente, tão quanto
como os novos relacionamentos que fará com os demais idosos, mesclando sempre as reflexões de pontos importantes
de sua vida em família, procurando relatar o contexto de cada época, principalmente sobre o período da Ditadura de
António de Oliveira Salazar em seu Portugal, é claro com críticas severas a este controlador regime de governo, aliado à
covardia de si e de seu povo em não contestá-lo por mais de trinta anos.
A chegada ao asilo é bem detalhada com a colocação de suas poucas roupas no cabide, partindo para a
compreensão da rotina, onde os ainda capacitados ficavam nos quartos normais, até que eram conduzidos para o setor
de cuidados especiais, realizando rodízio quando morressem. Ele conhece de cara o Sr. Pereira que será um bom
companheiro de conversas até seu falecimento. Começa a perceber a vida das pessoas, como Dona Marta que espera há
anos as cartas do marido mais novo que a abandonou e ficou com seus bens. Silva, até mesmo, irá se passar por este
marido, escrevendo-lhe algumas cartas, como forma de alegrá-la.
Logo na primeira visita de sua filha Elisa, ele se refere ao outro filho, descrevendo que não o perdoava por não
ter comparecido ao enterro da mãe e que deveria ele se matar e nunca se atrever a visitá-lo. Surge o Esteves sem
metafísica, idoso morador da Lar Feliz Idade, que se relaciona com o personagem do poema Tabacaria de Fernando
Pessoa, aquele que levará a poesia ao lar. Este será o personagem que encarnará a questão da metafísica, o encantamento
da vida e, principalmente, sua falta, tão referenciada pelo autor desta obra, da mesma forma com que Pessoa a trata em
seu clássico poema.
O conto segue com interessantes episódios, como um incêndio na casa, um reboliço na ala dos idosos mais
inválidos, onde Silva é orientado pelo médico, Dr. Bernardo, a permanecer em seu quarto. Morrem três idosos pelo
pequeno fogo que parecia sair das paredes. O Sr. Pereira afirmará que isso acontece para ser livrar de alguns velhos e dar
lugar a outros, principalmente aqueles sem fortuna.
Certa oportunidade, o protagonista se recordará do nascimento de seu primeiro filho, que morreu no parto por
conta das restritas condições da época do regime de Salazar. Ele relata que muitas pessoas iam morar ou ter seus filhos
na França, em vista dessa precariedade de Portugal e continua discutindo que a religião e o governo, a quem chama de
fascista, tinha o apoio do catolicismo, o que pode ser verificado em uma passagem em que o Silva discute com o Sr. Pereira
e o Anízio, este possuidor de uma fé grande e muitos santos em seu quarto. Ao final do embate, Silva diz que,
independente da religião, um homem tem de agir para o bem e prestar contas dos seus atos, ao final de sua existência.
O livro tem passagens com severas críticas à velhice, como na ocasião em que ao ver o Sr. Medeiros, um idoso
acamado e sem consciência, o Sr. Esteves declara que esta é a violência da terceira idade, porque o corpo é o inimigo que
atacava si próprio, nosso bicho que decide quando desligar-se dos sentidos. Sr. Esteves falecerá e ocupará seu lugar o Sr.
Enrique Badajoz, um espanhol naturalizado português, que sofria de um esgotamento e o punha mais para maluco do
que para idoso, tendo que ficar acamado junto com o Sr. Medeiros. Na verdade, o Sr. Enrique era um espanhol que muito
queria ser português, convicto de sua cidadania, em contraponto aos portugueses natos e apáticos com sua pátria fascista.
Uma interpretação do título A Máquina de Fazer Espanhóis pode ser devida porque Portugal tem espanhóis que
se naturalizam com muito orgulho e, ainda, por alguns portugueses, que apreciavam o modo de vida de seus vizinhos,
desejassem que a Espanha reconquistasse a terra de Camões, para assim melhorar a vida daqueles lusos, aumentando-
lhes seus salários, melhorando suas vidas medíocres.
Assim, vários integrantes do Feliz Idade vão falecendo, dentre outros como Marta, Esteves, Pereira, que antes fica
senil e nada lúcido, até que Sr. Silva vai para a ala da esquerda, onde há os cuidados para os mais debilitados e acamados.
Então, ele se arrepende de vários aspectos do passado, como de ter sido um fascista e cordeiro. Dizia que não queria
acabar sem metafísica. Lembrava-se do profundo amor que tinha para com sua esposa Laura, suplicando que não lhe
fosse tirada a consciência do amor e de sua perda. Finaliza o livro com esta grande sensação de angústia.
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José Maria Pascoal Júnior – 31/08/09
Este romance contemporâneo, foi escrito em 2010 pelo venerável Valter Hugo Mãe, um escritor angolano que já
escreveu obras fantásticas como O Filho de Mil Homens, Formas de Voltar para Casa, Os Meninos da Rua Paulo, dentre
outros. Não é uma leitura tão fácil, uma vez que foi desenvolvida ao estilo de Saramago, sem estruturas de parágrafos ou
letras maiúsculas e pouca pontuação, sem contar a escrita de Portugal, por vezes rebuscada e com termos não tão
familiares aos brasileiros, mas é extremamente boa e significante sua leitura. É bem relevante o fato de o escritor tê-lo
publicado com apenas quarenta e poucos anos e conseguir interpretar a mente de um idoso em detalhes tão precisos.
Indicado para os filhos de portugueses que nasceram em meados do século passado, passa a mensagem da angústia e
tristeza da perda dos familiares e do tempo de vida.
Por fim, a edição resenhada é uma edição digital, baseada na obra de 2010 da editora portuguesa Objectiva e
vale cada minuto em que o leitor avança neste relato da terceira idade tão triste, mas tão real. Pode ser facilmente
comprado por valores entre R$ 16,00 e R$ 45,00, mas ainda é possível baixa-lo em http://lelivros.love/book/baixar-livro-
a-maquina-de-fazer-espanhois-valter-hugo-mae-em-pdf-epub-e-mobi-ou-ler-online/, acesso em 31 ago. 2019. Não deixe
de ler outras resenhas em: https://www.skoob.com.br/a-maquina-de-fazer-espanhois-105633ed117210.html, acessado
na mesma data.
Paz e Bem!
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